+museu boletim n.º 3 | maio 2004

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boletim do Museu Municipal de Palmela Maio é o mês em que se fala particularmente de Museus, a nível internacional. Este ano o tema das comemorações do Dia Internacional dos Museus chama a atenção para a impor- tância do Património Cultural Imaterial. Esta reserva patrimonial foi definida, em Outubro último, pela Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial , realizada pela UNESCO, como “as práticas, representações, expressões, conhecimentos, saber-fazer – tal como os instru- mentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes es- tão associados – que as comunidades, grupos e, em caso de excepção, os indivíduos reconhecidos como parte do seu pa- trimónio cultural. Este património imaterial, transmitido de ge- ração em geração, é recriado em permanência pelas comuni- dades e grupos em função do seu meio, da sua interacção com a natureza e com a sua história, e procura de um senti- mento de identidade e de continuidade, contribuindo assim para promover o respeito pela diversidade cultural e criativi- dade humana”. Porque urge garantir que a Memória colectiva, alicerce das Identidades Locais, não se dilua num caldo de uniformização de valores e práticas, consideramos que é através de acções desenvolvidas em cada Comunidade, junto da qual os Muni- cípios têm maior capacidade de intervenção, que se deve e pode agir. Assim, desenvolvemos um instrumento de trabalho que agora publicamos sob a forma de suplemento a esta edi- ção da +museu, que visa contribuir para a actividade da Comunidade Educativa numa estratégia de salvaguarda do Património Cultural Imaterial. As orientações metodológicas, que se apresentam,resultam de uma reflexão da equipa do Museu Municipal acerca da temática da Memória e História Oral e respondem a problemas coloca- dos por alguns estabelecimentos de ensino do nosso conce- lho; são, pois um documento aberto, que pretende pôr em práti- ca um conjunto de dispositivos que garanta a preservação e utilização do vivido, salvaguardando o direito à propriedade intelectual de cada Cidadão disponível para colaborar nesta grande construção,que é a História de cada Comunidade. Há já trabalhos em curso, como é o caso do estudo das vivências nos moinhos de vento de Palmela. Aqui se apresentam alguns resultados, quer do trabalho de investigação do Museu Muni- cipal, quer das práticas desenvolvidas pela Escola Secundá- ria de Palmela, em colaboração quer com o Museu quer com uma empresa ligada à panificação em moinhos em laboração. A realidade museológica nacional após 30 anos de vivência em Liberdade, Paz e Democracia – só possível na sequência da Revolução de Abril de 1974 – qualificou-se pelo investi- mento autárquico nos Museus e no Património Cultural. Em Palmela, apesar das vicissitudes financeiras com que nos de- paramos actualmente, temos empreendido uma acção de estruturação da política museológica, patente na discussão pública que se realizou ao longo do último ano junto das popu- lações. Estamos pois num momento-chave de reflexão e cria- ção de bases para o Futuro, que queremos construir com To- dos e para Todos. Porque o Futuro não é possível sem Memória, estamos a pre- parar uma exposição que pretende apresentar – sobretudo aos mais novos – as transformações ocorridas no nosso con- celho entre 1974 e 2004. Abrirá em Setembro, de modo a que a Comunidade Escolar possa dela usufruir – também aí espe- ramos por Si ! A Presidente da Câmara Ana Teresa Vicente nº 3 • Maio 2004 Editorial Câmara Municipal de Palmela

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Page 1: +museu boletim n.º 3 | maio 2004

boletim do Museu Municipal de Palmela

Maio é o mês em que se fala particularmente de Museus, anível internacional. Este ano o tema das comemorações doDia Internacional dos Museus chama a atenção para a impor-tância do Património Cultural Imaterial.Esta reserva patrimonial foi definida, em Outubro último, pelaConvenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial,realizada pela UNESCO, como “as práticas, representações,expressões, conhecimentos, saber-fazer – tal como os instru-mentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes es-tão associados – que as comunidades, grupos e, em caso deexcepção, os indivíduos reconhecidos como parte do seu pa-trimónio cultural. Este património imaterial, transmitido de ge-ração em geração, é recriado em permanência pelas comuni-dades e grupos em função do seu meio, da sua interacçãocom a natureza e com a sua história, e procura de um senti-mento de identidade e de continuidade, contribuindo assimpara promover o respeito pela diversidade cultural e criativi-dade humana”.Porque urge garantir que a Memória colectiva, alicerce dasIdentidades Locais, não se dilua num caldo de uniformizaçãode valores e práticas, consideramos que é através de acçõesdesenvolvidas em cada Comunidade, junto da qual os Muni-cípios têm maior capacidade de intervenção, que se deve epode agir. Assim, desenvolvemos um instrumento de trabalhoque agora publicamos sob a forma de suplemento a esta edi-ção da +museu, que visa contribuir para a actividade daComunidade Educativa numa estratégia de salvaguarda doPatrimónio Cultural Imaterial.As orientações metodológicas, que se apresentam,resultam deuma reflexão da equipa do Museu Municipal acerca da temáticada Memória e História Oral e respondem a problemas coloca-dos por alguns estabelecimentos de ensino do nosso conce-lho; são, pois um documento aberto, que pretende pôr em práti-ca um conjunto de dispositivos que garanta a preservação eutilização do vivido, salvaguardando o direito à propriedadeintelectual de cada Cidadão disponível para colaborar nestagrande construção,que é a História de cada Comunidade. Hájá trabalhos em curso, como é o caso do estudo das vivênciasnos moinhos de vento de Palmela. Aqui se apresentam algunsresultados, quer do trabalho de investigação do Museu Muni-cipal, quer das práticas desenvolvidas pela Escola Secundá-ria de Palmela, em colaboração quer com o Museu quer comuma empresa ligada à panificação em moinhos em laboração.A realidade museológica nacional após 30 anos de vivênciaem Liberdade, Paz e Democracia – só possível na sequênciada Revolução de Abril de 1974 – qualificou-se pelo investi-mento autárquico nos Museus e no Património Cultural. EmPalmela, apesar das vicissitudes financeiras com que nos de-paramos actualmente, temos empreendido uma acção deestruturação da política museológica, patente na discussãopública que se realizou ao longo do último ano junto das popu-lações. Estamos pois num momento-chave de reflexão e cria-ção de bases para o Futuro, que queremos construir com To-dos e para Todos.Porque o Futuro não é possível sem Memória, estamos a pre-parar uma exposição que pretende apresentar – sobretudoaos mais novos – as transformações ocorridas no nosso con-celho entre 1974 e 2004. Abrirá em Setembro, de modo a quea Comunidade Escolar possa dela usufruir – também aí espe-ramos por Si !

A Presidente da Câmara

Ana Teresa Vicente

nº 3 • Maio 2004

Editorial

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ela

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a voz dos Ventosna voz das Gentes!

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Os moinhos de vento constituem, em Portu-gal, elementos definidores de uma presençafísica nas mais variadas regiões. O concelhode Palmela não é distinto desta realidade,apresentando também alguns testemunhosdestas engrenagens extraordinárias que mar-caram a história do cereal e do pão, ao longodos séculos da sua existência.Com este artigo pretendemos não só dar al-guns contributos para a história e o conheci-mento do funcionamento dos moinhos devento de Palmela, mas também dar-lhes voz,através dos seus protagonistas: os moleiros,os proprietários e a comunidade que hoje ospode recuperar como memórias de um pas-sado recente, que ainda tem muito para noscontar.Na procura incessante da origem dos moi-nhos de vento, encontrámos certamente umaEuropa Medieval a caminho dos “tempos mo-dernos”. Não nos preocupando excessiva-mente com as várias teorias associadas aoseu surgimento, certamente teremos de va-lorizar a “novidade” que está na sua origem:a força eólica como fonte de energia aplica-

da na “passagem do movimento vertical aomovimento horizontal com desmultiplicação,conhecida desde a época romana”1 . Estemecanismo, apesar de conhecido desde operíodo Clássico, só é aplicado aos engenhosde moagem no período medieval.Parecendo um engenho simples, os moinhosde vento, que ainda povoam os nossos olha-res, funcionam de forma complexa: a rotaçãodo eixo da roda motriz vertical (mastro) étransmitida pela entrosga (roda dentada) aum carrete, situados no centro do moinho, nopiso superior, para que a entrosga possa ro-dar em torno dele, acompanhando a rotaçãodo capelo e do mastro de acordo com a ori-entação do vento. O eixo do carrete constituio veio de cima que, engatado na segurelhaque está encaixada na mó de cima, accionaesta e se prolonga, para baixo, pelo veio debaixo. Este veio atravessa uma bucha que seencontra no olho da mó inferior, e gira na relafixada no urreiro, que fica no piso intermé-dio, e cujas deslocações verticais, comanda-das pelo aliviadouro, regulam a aproxima-ção das mós2 .

1 LÉON, Pierre (Dir.) – História Económica e Social do Mundo: o Mundo em Expansão, séculos XIV-XVI. Lisboa: Sá da Costa Editora, 1984. Vol. I.Tomo II. p. 479.2 Adaptado de OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim – Tecnologia Tradicional Portuguesa: Sistemas de Moagem.Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1983. p.p. 252-253.

Moinhos de Vento de Palmela:

em destaque...

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33 IAN/TT, Ordem de Santiago/Convento de Palmela, cód. 274, fl. 29.

Em Palmela, encontramos algumas referên-cias a moinhos de vento na documentaçãoda Ordem de Santiago, no século XVII, comoesta que consta da demarcação do Reguen-go dos Fetais “(...) marco sobindo pello oiteirodo moinho do vento (...)”3 . É no entanto parao século XIX, com a leitura da Carta Topográ-fica Militar do Terreno da Península de Setúbal

de 1816, que podemos quantificar estes en-genhos para Palmela e, mais concretamen-te, dar-lhes identidade própria, através da atri-buição, aí referenciada, do nome para algunsdeles.Também parece coincidir esta época (primei-ra metade do século XIX) com o início da en-trada em decadência de moinhos de vento

Fig. 1 - Corte esquemático do Moinho da Forca

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1 - CAPELO

2 - FRECHAL DE MADEIRA

3 - FRECHAL DE PEDRA

4 - RODAS DE MADEIRA

5 - MASTRO

6 - VARAS

7 - ENTROSGA

8 - CARRETE

9 - SARILHO

10 - TEGÃO

11 - CORREDIÇA

12 - QUELHA

13 - MÓ DE CIMA

14 - MÓ DE BAIXO

15 - CAMBEIROS

16 - TREMONHADO

17 - SOBRADO

18 - PONTE E URREIRO

19 - SOTO

20 - PENEIRA

21 - RÉS-DO-CHÃO

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de Lisboa face à “(...) concorrência dos moi-nhos da Outra Banda - onde o número au-mentara consideravelmente desde o princí-pio do século (...)”, entre outras razões5 . Des-de então, os moinhos de vento de Palmelalaboram arduamente até meados do séculoXX, quando entram em decadência peranteo crescimento da indústria de moagem defarinha. De acordo com o moleiro FranciscoCardoso eram 22 os Moinhos de Vento dePalmela6 , três dos quais “abatidos” e os ou-tros 19 que parecem querer sobreviver e, al-guns mesmo, triunfar face às adversidadesdos novos tempos. Cabe a todos nós, e so-bretudo ao Museu Municipal como entidadeque investiga, conserva e divulga o patrimó-

nio concelhio, a árdua tarefa de preservarestes engenhos através da sensibilização dacomunidade local para esse fim.É neste contexto que o Projecto de Arquivode Memória Oral do Concelho de Palmela estáa ser constituído. O valor do testemunho oralcomo forma de dar voz a todos os que parti-ciparam na construção histórica, aqui repre-sentada, na família de moleiros, cujos sabe-res, tradições, costumes, hábitos foram sendotransmitidos oralmente, mas que hoje, faceao quase total abandono do ofício, correm orisco de serem apagados da História dePalmela, permite preservar este valioso patri-mónio.É nosso propósito, então, e para que se pos-sa melhor compreender o funcionamento deum moinho de vento, retratar o quotidiano deseu intenso labor. O moleiro Francisco Car-doso (figura 4) que, em meados do séculoXX, e em pleno fulgor da sua juventude, tra-balhava com seu pai no moinho de Aires (o“moinho velho”) conta-nos como eram os diasdo moleiro. “Quando eu comecei (12 anos)estava mais o meu irmão e mais o meu pai.Ele é que ia ao campo levar a farinha e trazero trigo (...) tínhamos muitos fregueses dosArraiados, Vale da Vila, Lagoa da Palha ePalhota (...). As pessoas de Palmela iam com-prar a farinha aos moinhos. Essa farinha eratirada da maquia.De Verão, o moinho d’Aires todos os dias, diae noite (...), fazia uma tarefa. Tinha de ter eragente lá dentro: [de dia] para fazer a limpezado grão; [de noite] o pai é que ficava lá (ovento é mais de noite do que de dia). (...)Tra-balhava todo o Verão (...) até aos Círiosd’Atalaia. (...) De manhã, quase ao nascer dosol, outras vezes ainda o sol não nascia, [era]para limpar o pão, o trigo era molhado e outravez crivado e panejado novamente e depoisé que vai para a mó (...). Assim que chegavaali 5 horas, 5 horas e meia da tarde, já tinhavento para andar de roda, embora fosse comcerta lentidão, assim que o dia ia caindo e anoite caia, isso era uma ventoinha. Assim que

Fig. 2 - Mapa dos Moinhos de Vento de Palmela em 1816 4

Fig. 3 - Mapa dos Moinhos de Vento de Palmela em 2004 7

4 Cf. Carta Topographica Militar do Terreno da Peninsula de Setubal – Joze Maria das Neves Costa. Escala [ca. 1:30000] 3000 braças por 1 Palmo. – [s.l.:s.n., 1816]. – 4 folhas: color.; 71x93cm. In Instituto Geográfico Português, CA 138-141.5 Cf. SIMÕES, Santos referido por OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim – Ob. Cit., p. 2466 São Moinhos de Vento fixos de torre em pedra, com sistema de tracção por meio de sarilho interior cf. tipologia proposta por OLIVEIRA, Ernesto Veigade ; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim – Ob. Cit., p. 268.7 Todo o trabalho de localização cartográfica e designação dos moinhos (1816 e 2004) foi realizado em cooperação com a arqueóloga Michelle TeixeiraSantos, colaboradora do Serviço de Arqueologia da Divisão de Património Cultural / Câmara Municipal de Palmela. A cartografia foi realizada na Divisãode Informação Geográfica com apoio da geógrafa Cláudia Romba.

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o sol nascia, ia-se logo [embora o vento]. Omeu pai é que ficava à noite. Às vezes, pelas3 horas 3 horas e meia enchia o tegão e vi-nha-se embora ou dormia ao lado da mó. (...)E quando [o tegão] já não tem grão, o choca-lho pesa mais do que a bolinha de cortiça,deixa cair e (...) tricalatrim, tricalatrim, trica-latrim... [mas] dá tempo, [o pai] ouve o cho-calho em cima da mó e, se estiver por perto,iria [retomar a tarefa].

“Estava eu a joeirar o trigo, estava umrapazinho que andava com umas cabritas(...) e estava um aqui a desenhar [era] oAfonso. (...) Tinha 27, 28 anos. De dia o meupai ia levar a farinha, trazia o trigo e eu fi-cava a limpar o trigo. (...) À tarde vinha ovento e íamos trabalhar. Aparecia ali mui-ta gente que tirava as fotografias!”8

No Inverno uma tarefa em vez de levar umdia e uma noite podia levar quinze dias. (...)O meu pai cortava as velas (...) a roupa domoinho. (...) Se fazíamos uma tarefa todos osdias, todos os dias tínhamos de picar a mó(...). [Outras actividades de manutenção domoinho fazíamos algumas] vezes no Verão,

de ano a ano ou de 2 em 2 anos. Quando nãotinha vento, tínhamos um bocadinho de cam-po e podíamos fazer umas coisas lá (...).” 9

“Foram as últimas velas que o meu pai fez,mas quem as coseu foi o meu parente, oPinhal Novo. Estou eu, tinha os meus 13,14 anos, está ele, estão duas filhas deleque eram pequeninas na altura. (...) A som-bra que está aqui é a do moinho velho, cha-mava a gente!”10

No entanto, nem só ao trabalho e à produçãode farinha se associam os moinhos de vento:ousar desafiar “uma divindade caprichosacomo o vento (...) entre os cristãos, os moi-nhos em geral mantinham um carácter assus-tador (...). Os poetas, que são os grandesconfiguradores do inconsciente, encarrega-vam-se de não deixar que esse elemento deterror se extinguisse no sentimento popular [an-teriormente associado às azenhas e aos cons-tantes incêndios a que estas estavam sujei-tas]. Dante (...) vê um moinho (...) [de] vento.(...) Não era, contudo, um moinho; era o pró-prio Diabo, assumindo a forma de moinho paratriturar as almas dos pecadores. As almas sãoagarradas pelos braços do moinho e levadasaté às goelas do Diabo onde desaparecem.(...) Cervantes (...) colocou a imagem dessepavor na mente (...) do seu Dom Quixote: ocavaleiro vê nas pás do moinho as braças decriaturas gigantescas contra as quais é seudever investir com a sua lança cristã”11 .Também em Palmela existem histórias fan-

Fig. 4 - Interior do Moinho do Meio

Fig. 5 - Moinho do Parrela ou Moinhos d’Aires

8 Entrevista a Henrique Cardoso, 78 anos, concedida a Cristina Alves e Cristina Prata / Museu Municipal, Março 2004. Foto 4 cedida pelo entrevistado.9 Entrevista a Francisco Cardoso, 72 anos, concedida a Cristina Alves e Cristina Prata / Museu Municipal, Março 2004. Foto 5 cedida pelo entrevistado.10 Idem.

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6tásticas associadas aos moinhos.O Moinho da Fonte do Sol era conhecidopopularmente como o moinho do Diabo. Osmoleiros Henrique Cardoso, Francisco Car-doso e Humberto Marçal contam-nos a suahistória: “Um gato largou fogo ao moinho.”(Francisco Cardoso). “O meu pai contava queo moinho moía sem vento, aquilo não era sóvento, existia lá outra coisa qualquer que nãoera só vento. Volta e meia arrancava os bar-rotes, despregava tudo. Foi arranjado e o donodisse que agora só o lume o despregava. Pas-sados poucos dias ardeu.” (Humberto Mar-çal). “Aquilo eram bruxedos que havia lá den-tro!” (Henrique Cardoso)12. Certamente outrashistórias estarão por contar...

Moinhos como extensão museológicaMas, e porque é necessário conhecer/divul-gar este património em extinção, os MoinhosVivos da Serra do Louro constituem hoje umaextensão museológica, no âmbito de um pro-tocolo celebrado entre a Câmara Municipalde Palmela e a empresa proprietária. O pro-tocolo tem quatro anos e ninguém melhor doque o Eng. Carlos Frescata para nos dar con-ta do trabalho realizado até ao presente:“A recepção e acompanhamento de escolasdo concelho de Palmela no Centro MoinhosVivos, no contexto do protocolo estabelecidoem 2000 entre a Biosani e a Câmara Munici-pal de Palmela (CMP) através do Museu Mu-nicipal, contribuiu decisivamente para o nos-so objectivo chave de integrar o Centro nacomunidade local.O relacionamento com a Divisão de Patrimó-nio Cultural da CMP tem evoluído de um modosólido e consequente, fruto de uma caminha-da com um diálogo franco, construtivo e comobjectivos comuns. Neste ano lectivo 2003/4podemos sentir que já se atingiu um nível dematuridade neste relacionamento que veio apermitir, além de uma melhor recepção regu-lar das escolas nomeadamente com umaequipa de referida Divisão bem preparada emotivada, o lançamento de um projecto ex-tremamente interessante com a Escola Se-cundária de Palmela.

Sobre esta última iniciativa, no âmbito da Área-Escola da turma B do 9.º ano, gostaria de des-tacar como a equipa docente conseguiutransmitir aos jovens o tão necessário senti-mento de realização pessoal pelo trabalho,neste caso no contexto de um patrimóniocultural que se pretende vivo e participado.”13

Relativamente a este último projecto aquireferenciado, apraz-nos sobremaneira contá-lo na voz dos seus protagonistas:professorese alunos.O tema do projecto é: “Por onde andou ovento que move as velas destes moinhos?”ou “de como se pode partir da necessidadede exemplificar “forças” na disciplina de Ci-ências Físico-Químicas (CFQ) e chegar à tra-dução de um artigo de uma revista científica,passando pelo desenho, pela pesquisa, poruma visita de estudo e por outras tantas coi-sas, qual delas a mais interessante!”“Escolhidos como tema central desta Área-Escola, os moinhos desta e de outras regiõestêm proporcionado uma interessante experi-ência de trabalho a alunos e professores daturma B do 9.º ano da Escola Sec. de Palmela.Quase todas as disciplinas se envolveramneste trabalho, o que tem contribuído não sópara criar a necessária dinâmica que lhe per-mita que “funcione”, mas também para atin-gir o nobre objectivo da Área-Escola, tantasvezes esquecido, de permitir aos alunos apercepção do todo e das partes de um pro-blema, ou seja, de aprenderem como estepode e deve ser observado e trabalhado emtodas as suas vertentes com a contribuiçãodo maior número possível de saberes.Assim, as CFQ pensaram nas “forças”, as Lín-guas Estrangeiras no vocabulário e na tradu-ção, a História e a Geografia na pesquisa, aEd. Visual na reprodução no papel dos enge-nhos estudados e do moinho e paisagemcircundante, a Língua Portuguesa na poesia enos inquéritos, a Matemática nas formas e nasmedidas, a Ed. Física num circuito de orienta-ção e a Formação Cívica na sensibilização paraa importância do trabalho para os homens epara as comunidades onde habitam.Mas, depois de uma primeira perspectiva

11 JACOB, Heinrich Eduard – 6000 anos de pão. Lisboa: Antígona, 2003. p.p. 207-208.12 Entrevista a Francisco Cardoso, 72 anos, Henrique Cardoso, 78 anos e Humberto Marçal, 66 anos, concedida a Cristina Alves e Cristina Prata / MuseuMunicipal, Março 2004.13 Depoimento cedido pelo Engº Carlos Frescata, Sócio-Gerente da Biosani, empresa proprietária dos Moinhos Vivos da Serra do Louro, Março de 2004.

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mais “individualista”, todos pensámos, emconjunto, na beleza dos moinhos e da músi-ca que com a ajuda do vento, vão escrevendopara nosso encanto; no papel que tal belezapode ainda assumir nas nossas paisagensse, sem drama, soubermos aceitá-los, quan-do, já sem futuro assegurado como força pro-dutora, podem vestir um novo personagem ede produtores passem a anfitriões de visitan-tes de outras paragens.As ideias são muitas (cada vez mais!), mas otempo é pouco (cada vez menos!) e, assim,nos vemos confrontados com a necessidadede escolher só algumas (e quase todas nosparecem tão tentadoras!)O que nascerá quando todos estes esforçosse juntarem no final do ano, só então o sabe-remos.Desde já, podemos dizer que, pelo que temosvisto, pelo que temos aprendido, pelo entusi-asmo que sentimos, valer a pena, valeu!Do resto dirão outros, os que nos visitarem noCine-Teatro São João, de 21 a 25 de Junho,semana durante a qual, para além de aguar-darmos a visita à nossa exposição de todosos que se sintam curiosos de ver “por ondeandámos”, também realizaremos um concur-so de “coisas de vento” (moinhos, papagai-os e outros) destinado aos mais novos doConcelho.A propósito desta abertura à comunidade quenos é facilitada pela disponibilização do espa-ço acima referido, será importante referir aquique o apoio que a CMP concede ao projecto,não só financeiro e logístico, mas também ode acompanhamento e formação na área datemática, é fundamental para que o seu fôlegopossa ser um pouco mais ousado.Como Directora de Turma e responsável pelaACND da Formação Cívica, não consigo ter-minar este pequeno artigo, sem fazer um re-paro muito positivo à oportunidade que nosfoi concedida pelos Moinhos Vivos de Palmela(nossos parceiros neste projecto) de os nos-sos alunos poderem vivenciar uma experiên-cia de trabalho, realizando um pequeno “es-tágio” nas suas instalações onde, tal qual um“estagiário”, realizam algumas tarefas e con-tactam com o policromado e misterioso mun-do do trabalho.

Tem sido para todos nós (professores, res-ponsáveis do “Moinho” e alunos) uma expe-riência feliz, mas, oiçamos os alunos que sãoa razão principal não só deste, mas tambémdeste nosso trabalho.”14

A voz dos mais novosNão poderíamos terminar este artigo semcolocar aqui a voz dos mais novos, para quemse destinou este projecto: “Foi uma experiên-cia muito interessante, divertida e proveitosa.Deu-nos a oportunidade de entrar em con-tacto com o mundo do trabalho (uma realida-de da vida que não conhecemos).Esta “visita” ao moinho ajudou-nos a conhe-cer a importância do trabalho e como, a par-tir de pequenas actividades como esta, sepode gerar vários empregos, cada um delescom a sua responsabilidade e importância.As pessoas que nos receberam foram muitosimpáticas e ensinaram-nos muitas coisasque para nós eram desconhecidas. Foi penaser pouco tempo...Este tipo de iniciativas é muito importante paraque os jovens possam contactar com o mun-do do trabalho, ao mesmo tempo que ficama conhecer a cultura da região, podendo,assim, incentivar futuramente esta área de tra-balho em “vias de extinção”.Gostámos bastante desta experiência e pen-samos que ela se deve repetir com outros jo-vens! E, o pão é muito bom!”15

Não podemos finalmente deixar de assinalarque, no decurso da investigação realizada emtorno dos moinhos de vento de Palmela e ain-da no âmbito da acção promotora de siner-gias associadas ao Serviço Educativo do Mu-seu Municipal, o que mais nos entusiasmoufoi a possibilidade de dar voz aos generososprotagonistas destes fantásticos engenhos ecom ela fazer a história destes moinhos chei-os de arcaísmos, mas repletos de históriaspara contar às gerações vindouras. Serãoestas vozes capazes de acalmar a divinda-de dos ventos e perpetuar o som dos canu-dos (vulgo búzios) nas memórias das gentesde Palmela?

14 Depoimento cedido por Maria Margarida Coutinho Teixeira, Directora de Turma e Responsável pela Área-Escola do 9.º B, do ano lectivo 2003/2004, daEscola Secundária de Palmela, Março de 2004.15 Texto elaborado pela professora Mª Margarida C. Teixeira, por colagem de excertos das avaliações individuais realizadas pelos alunos, após a sua“experiência” de trabalho nos “Moinhos”, Março 2004.

Cristina Vinagre AlvesTécnica Superior do Museu Municipal de Palmela

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1.A Adega de Algeruz1.1 Caracterização da Adega

A construção das instalações da adegade Algeruz, efectuada a partir de peque-nas ‘adegas’ já existentes2 , data de 1931e deve-se a D. Gregório Gonzalez Briz,recém-chegado ao grupo das elites rurais3 ,que ali irá aplicar e desenvolver os conhe-cimentos adquiridos na sua recente forma-ção enológica feita em Bordéus.O edifício industrial é descrito, na época,como possuindo «Quatro grandes e bemventiladas alas [que] constituem a parteantiga com toneis colossos e subterrâneosamplos, onde, numa combinação regulada,se faz o retém do vinho, para ali transporta-do por auto-bombas e quasi sem empregode braço».4

Situada no concelho de Palmela, a adega

e o SISTEMA de VINIFICAÇÃO de ÂNFORA ARGELINO

Na sequência do artigo anterior 1, no qual se abordava a criação do NúcleoMuseológico do Vinho e da Vinha a instalar na Adega de Algeruz,propomo-nos hoje destacar a importância e singularidade desta estrutura que,no momento da sua constituição, era uma importante e destacada unidade industrialdo concelho de Palmela.

de Algeruz era noticiada em 1937, pela im-prensa regional, como «A mais modernaAdega de Portugal»5 , reconhecimento quelhe fora conferido pela Federação Nacionaldos Vinhos.Considerada como a segunda maior adegada região6 e a primeira do país em ‘tecno-logia da produção do vinho’, a adega utiliza-va já em 1934 a Vinificação por «LessivageAutomatique» ou Sistema de LessivageAutomatique, que havia de conduzir, anosmais tarde, ao sistema de Ânfora Argelino.

1.2 A Vinificação e o Sistemade Lessivage Automatique

A vinificação é o conjunto de operaçõesefectuadas para transformar em vinho osumo do esmagamento das uvas. Consi-derada como a arte de fazer vinho, a vini-ficação abandona nesta época o seu ca-

A ADEGAde ALGERUZ

1 In +museu - boletim do Museu Municipal de Palmela, n.º 2, Novembro de 2003, p. 4 a 72 Escritura da Herdade de Algeruz - 19253 E beneficiando de condições promissoras no quadro da vitivinicultura nacional anunciadas pelo então emergente Estado Novo4 O Setubalense, n.º 5887, 12.5.19375 Idem6 A primeira adega da região era “Rio Frio”.

Património Local

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9rácter empírico para constituir-se num ver-dadeiro saber, enquadrado pela modernaenologia. Em termos vinícolas, o termo engloba ape-nas o(s) processo(s) que diz respeito à fasede elaboração fermentária do vinho.Existem numerosos processos de vinifica-ção, que correspondem quer ao tipo de vi-nho a fabricar, quer justificados pela evolu-ção tecnológica que se fez sentir ao longodo tempo.E porque vinificar é aplicar a um caso es-pecial, em dadas condições, uma técnicaescolhida do conjunto de conhecimentosadquiridos sobre os mecanismos e fenó-menos da vinificação, iremos abordar o casoespecífico e concreto, implementado naantiga adega de Algeruz, actual núcleomuseológico dedicado ao vinho e à vinha.O Sistema de Lessivage Automatique erausado na Argélia (onde as fermentaçõesatingiam elevadas temperaturas chegandoaos 39º e 40ºC), e ensinado na escola deenologia em Bordéus; classificado como ‘omais aperfeiçoado fabrico do vinho’ eraentendido como um processo extremamen-te simples, acessível a qualquer vinicultor,exigindo no entanto, avultados custos, sócomportados por uma grande adega.

Mas, passemos à descrição deste proces-so.As uvas eram recebidas e depositadas notegão, tanque existente no exterior do edifí-cio da adega, e daqui passavam ao esma-gador/desengaçador “Egrappoir Foule-Pom-pe”, também conhecido incorrectamentepor pisa mecânica. De seguida, as massasesmagadas eram conduzidas aos recipien-tes de fermentação - depósitos de cimento -,designados por cubas de lexivação auto-mática ou ânforas. Ali decorria a fermenta-ção regular (caso das massas tintas), pro-cesso onde era aplicado o arrefecimentodos mostos através do sistema de refrige-ração instalado. Este sistema de aparelhosrefrigerantes, constituído por um conjunto

de tubos sobrepostos, conduzia a água quecirculava e arrefecia o mosto.Este processo foi de grande utilidade e mui-to vantajoso para as médias e grandes ade-gas, pois assim se obtinha ‘melhor perfei-ção’ no fabrico do vinho, com «uma grandeeconomia na construção das adegas e namão d’obra do fabrico, porque, não só senecessita de menos espaço, como de me-nos obreiros»7. Era este o processo tecno-lógico inovador que D. Gregório G. Briz ins-talara na adega de Algeruz, garantindo-lheo fabrico de bons “vinhos de pasto”, apre-ciados em Portugal, mas também em Ingla-terra, para onde chegaram a ser comercia-lizados.No entanto, e apesar dos progressivos co-nhecimentos no campo da vinificação, apreocupação sentida e amplamente discu-tida pelos vinicultores da época continua aser o ‘comportamento fermentativo’ dasmassas. 8

Para dar resposta a esta questão, a enologiaestabeleceu que, para controlar a fermen-tação, havia que se observar uma vigilân-cia das temperaturas9 e a possibilidade, senecessário, de efectuar um rápido arrefeci-mento do mosto, o que era feito através deum sistema de frio10 .Caminhava-se assim para as bases do

7 O Setubalense, n.º 5887, 12.5.19378 Pasteur tinha estudado e publicado na obra “Estudos sobre o vinho” « que as qualidades do vinho dependem em grande parte da naturezaespecífica das leveduras que se desenvolvem durante a fermentação dos mostos».9 Sendo variável, a temperatura da fermentação não deve exceder os 33 º C, devendo ocorrer entre os 25ª C, e fixar-se nos 15-20ª C, em função dasdistintas variedades de vinho.10 São sobejamente conhecidos os benéficos efeitos do ‘frio’ na estabilização e afinamento dos vinhos. A prática do frio, (utilizada desde há muito),acrescenta ao vinho uma melhor clarificação, maior estabilização física e bacteriológica e um ‘bouquet’ mais acentuado.

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moderno sistema de vinificação de ÂnforaArgelino.E é neste sentido que, D. Gregório G. Brizapostado em produzir os melhores vinhosirá introduzir na Adega de Algeruz o maismoderno sistema de vinificação, apetre-chando-a com a mais moderna tecnologiada época.

2.O Sistema de Ânfora Argelino2.1. O sistema de ânfora argelino

Como o nome sugere, o sistema de ânforaargelino opera nas ânforas argelinas. Asânforas argelinas são depósitos especiais epertencem à categoria de recipientes mistos11

equipados e usados para o fabrico de vinhotinto. No interior possuem uma cuba ânforacom uma abertura circular, onde se faz a fer-mentação dos mostos com a manta submer-sa e com uma perfeita lexiviação automáticadas massas que assim cedem todas as suaspropriedades ao futuro vinho, dando-se umaperfeita oxigenação das leveduras devido aoarejamento e arrefecimento automáticos, sópossível graças a um sistema de refrigera-ção12 , já mencionado, e instalado através decondutas de tubagem sinalizadas (conformea imagem documenta).

2.2. O Autovinificador Ducellier-Isman

No final dos anos trinta do século passado,os autovinificadores foram apresentadosaos vinicultores como aparelhos úteis e asolução que “proporcionava às ânforas ar-gelinas um trabalho fermentativo mais har-

monioso” 13 , controlando as altas tempera-turas14 .Estes aparelhos mais não são que refrige-radores de arrefecimento que operam aonível das fermentações, no decorrer davinificação. São constituídos por uma vál-vula (que trabalha com água) e o autovini-ficador.O autovinificador Ducellier-Isman é consti-tuído por três peças: Válvula Hidráulica,Lixiviador e Coluna de Ascenção Termos-tática.

À ânfora argelina - que permitia a lixiviaçãoperfeita e completa de remontagem auto-mática 15 - acoplava-se o autovinificador16 ,obtendo-se assim um trabalho fermentativomais regular e mais rápido, com uma oxi-genação perfeita das leveduras.

2.3. Funcionamento do Sistemade Ânfora Argelino com AutovinificadorDucellier-Isman

O mosto (das massas tintas) era deitado naânfora argelina iniciando a fermentação.Deste modo, a massa eleva-se e aumentade volume, em virtude da acção do anidridocarbónico que exerce pressão. O «chapéuou manta»17 subia à superfície, mas era reti-

11 Reservatórios feitos em cimento armado ‘o modelo de cuba mais prática e também de duração ilimitada’.12 Este sistema de refrigeração utilizava as águas bombeadas dos furos, recurso abundante na herdade de Algeruz.13 PATO, O. - O Vinho / Sua Preparação e Conservação, 7ª ed., Colecção «Técnica Agrária», Lisboa, 1982, p.12414 As altas temperaturas ‘matam’ as leveduras responsáveis pelos aromas e propiciam o aparecimento da indesejável acidez volátil15 Técnica da “Lessivage Automatique”.

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11do e de imediato iniciava-se a fermentaçãotumultuosa com elevadas temperaturas,devido à libertação do açúcar. Este incon-veniente era combatido por meio do siste-ma de refrigeração.Por outro lado, a libertação do gás carbónicoe o seu desenvolvimento obrigam o mostoa subir na coluna termostática, vindo à cubasuperior, diminui a pressão interior e descenovamente. Dá-se assim a circulação domosto, permitindo o arejamento e a rega porigual de toda a manta.Faltando a pressão, a água voltava à válvu-la e o fenómeno da lixiviação recomeçava,estabelecendo-se, desta maneira, um mo-vimento contínuo e automático-ascendentee descendente-repetido até ao final da fer-mentação entre 80 a 150 vezes18 .Em síntese, a vinificação pelo sistema deânfora argelino com autovinificador D.I.introduziu notáveis vantagens, a saber:

• Redução do tempo de fermentação emcerca de 1/3 – mais rápida e acelerada;• O sistema completo de refrigeração, pro-porcionava a fermentação em ânforas degrande capacidade, sem variação de tem-peratura, resultando um melhor rendimen-to das leveduras;• O vinho adquiria mais cor devido àlexiviação violenta e maior quantidade deextracto seco e cinzas;• Obtinha-se uma ligeira perda de álcoole um aumento da dose de glicerina;• Fraca acidez volátil;• O açúcar redutor mais elevado, propor-cionava uma boa conservação do vinho;• Vinho mais limpo e fino e mais rico emtanino;• Economia de mão-de-obra e uma maiorrentabilidade.

Este sistema obrigava a vigiar e acompanharcuidadosamente a ‘marcha da fermentação’das massas, verificando-se se o desdobra-mento do açúcar se fazia com normalidadee evitando a má pratica da fermentação,controlando as temperaturas elevadas, queem regiões quentes prejudicava a boa mar-

cha da transformação do açúcar, sendocausa de grandes desastres19 . O processoera acompanhado noite e dia, pois as con-dições para uma boa fermentação passa-vam por algumas instruções a considerarpara o fabrico e conservação do vinho dePasto, e que eram: obter uma temperaturaconveniente, fazer as correcções do Meio(correcção da acidez dos mostos) e a ali-mentação das leveduras.Durava entre três a quatro dias, registando-se a medição e controlo das temperaturas aintervalos regulares, até se obter o que eradefinido na época como «o vinho da melhorperfeição», ou seja, vinho de qualidade queassim se conservava até ao momento deser consumido.Estavam assim definidos os dois principaisprogressos da enologia moderna, incontes-tavelmente, a vigilância estrita das tempe-raturas e a possibilidade, se necessário, deum rápido arrefecimento do mosto.Ideal para todas as adegas pelas vantagensque oferecia20, e apesar das inúmeras eacesas discussões que provocou, o siste-ma de ânfora argelino era o mais modernosistema de vinificação conhecido e adequa-do a adegas de grande capacidade ondese trabalhava com grandes volumes. D. Gre-gório Gonzalez Briz introduziu-o na sua ade-ga em Algeruz, onde usufruía de uma ca-pacidade de armazenagem de vinho naordem dos dois milhões e meio de litros,processo rentabilizado pelas primeiras ex-periências com os Autovinificadores Ducel-lier-Isman, que introduziu logo após a assi-natura do armistício em 194521 .

Maria Leonor Dono Claro CamposTécnica Superior do Museu Municipal de Palmela

Referências Bibliográficas• PATO, O. - O Vinho/sua Preparação e Conserva-ção, 7ª edição, Lisboa, Colecção «Técnica Agrária»,1982• Anais da Junta Nacional do Vinho, Lisboa, 1950,1951, 1953• Informação Vinícola, 1942 e 1945• (O) Setubalense, 1937

Créditos fotográficos: Adelino Chapa

16 O autovinificador determina a duração da maceração – transformação do açúcar em álcool, modificando o ritmo das entradas e saídas do mosto.17 Camada densa e borbulhante de bagaço que é elevada pela acção expansiva do gás carbónico.18 PATO, O . - Ibidem, p. 12619 In SOUSA, Tavares de - Informação Vinícola “Sistema de Ânfora Argelina”, 13 de Agosto de 194520 In Informação Vinícola “Recipientes de Fermentação”, 5 de Outubro de 194221 Por todo o lado, os anos da guerra (1939 a 1945) dificultaram o emprego dos autovinificadores, no entanto, nos anos imediatamente posteriores,generalizou-se o seu emprego pelas superiores vantagens reconhecidas e largamente divulgadas.

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Algumas palavras

Os trabalhos de prospecção arqueológicae de escavação que têm decorrido no Con-celho de Palmela e na sua região, desde oséculo passado, permitiram a recolha de umconjunto significativo de elementos docu-mentais que importa analisar.Por outro lado, os trabalhos de escavaçãoarqueológica no castelo de Palmela, permi-tiram identificar algum escasso espólio deépoca tardo romana que importa estudar.O trabalho que apresentamos, direccionadoprincipalmente para o grande público, pro-cura antes de mais expôr uma breve sínte-se sobre a estrutura económica imple-mentada pelos romanos neste território,entre os séculos IV/VII d.C..

1.Aspectos administrativos

A região de Palmela, que antes da conquistaromana, dominava o território a partir dopovoado fortificado de Chibanes, será nodecurso do Alto Império votada a um certoabandono e marginalização, face às novasdirectrizes sociais, económicas e adminis-trativas, determinadas segundo os interes-ses de Roma.Na foz do rio Sado, assiste-se ao desenvol-vimento de duas áreas urbanas importantes(Caetobriga e Troia), geradoras de riqueza econsumidoras de bens que irão es-truturaresta região em termos sociais e económicos,que irão marcar o Baixo Sado durante a An-tiguidade Tardia.Inserida logo após a anexação deste espa-ço ao Império Romano no território gover-nado pela cidade de Alcácer (Salacia VrbsImperatoria), esta hierarquia administrativaserá mantida ao longo da romanização eassegurada após a conquista muçulmana,nos inícios do século VIII.

A estrutura económica da regiãode Palmela, na Antiguidade Tardia(séculos IV-VII) - breve nota

Após a conquista muçulmana, o morro dePalmela será valorizado pela construção deum castelo que será o “Dar al - Imiara / Casado poder“ islâmico da foz do Sado, em de-trimento de Setúbal e Tróia, que serão des-ta vez, votadas a uma certa margina-lização.

Se Tróia, como estrutura urbana, será aban-donada e nunca mais recuperará, Setúbalirá transformar-se numa aldeia de pesca-dores e pagadores de impostos, dependen-te da elite muçulmana de Balmalla/Palmela.

2.Um tipo de ocupação do espaço,condicionada pela estruturaeconómica

Apesar de estarmos cientes de que aindanão existe uma prospecção sistemática naárea em análise, e de que existem muitoslocais que ainda não foram objecto de es-cavação arqueológica, os elementos dispo-níveis permitem verificar que, no decursoda Antiguidade Tardia - entre os séculos IVe o VII - o povoamento romano parece es-truturar-se em áreas funcionais de forma adarem resposta coerente às necessidades

Mapa 1 - Antiguidade Tardia: a ocupação do território

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13específicas dos dois núcleos populacionais(vicus) mais importantes da foz do Sado: aactual Setúbal (Caetobriga) e Tróia.Estes dois vicus assentavam o seu dinamis-mo económico na actividade portuária e natransformação de pescado para exporta-ção.A documentação arqueológica disponívelassinala para Tróia a presença de cerâmi-cas de mesa e contentores, provenientesda actual Tunísia1 , do Oriente2 e da Turquia3

em elevado número, que permite supor queTróia nesta fase seria mais importante queSetúbal.

Face ao exposto, podemos agrupar os re-feridos locais do seguinte modo:

Áreas Urbanas

VICUS: Caetobriga / Setúbal e Troia• Centros de transformação de pescado;• Centros consumidores;• Centros lúdicos;• Centros religiosos;• Centros portuários à escala do ImpérioRomano; centralizavam tambémos circuitos fluviais no Baixo Sado;• Locais de cultura e de ensino;• Espaços de trocas comerciais à escalaregional e provincial;• Local de residência de alguns elemen-tos das elites Romanas Tardias (Adminis-tração local, eclesiástica e comerciantes).

Casais: ocupações romanas de pouca di-mensão que se encontram no vale deAlcube (Setúbal) e nas Arrábidas (Palmela).• Este tipo de povoamento parece concen-trar-se no vale da ribeira de Alcube, ao lon-go da estrada que se dirigia a Lisboa;• encontram-se localizadas na foz do rioSado, com bom acesso ao oceano. Caeto-briga era também um importante ponto depassagem na estrada que ligava Olisipo/Lisboa a Évora ou Alcácer.

Espaço Rural

Villae: Quinta da Queimada e Vale das Bru-xas (Palmela), Alferrar, Casal do Boino, Vi-nha Grande e Casalinho (Setúbal)• Explorações agrícolas bastante importan-tes;• encontram-se localizadas numa área deterrenos férteis, longe da influência das chei-as da ribeira do Livramento e do grandesapal existente a norte de Caetobriga - Pos-suem fácil acesso à foz do Sado e tambémà via romana Olisipo ad Salacia.

Cetárias: Creiro, Rasca e Comenda (Setúbal)• Unidades de transformação de pescadode pequena dimensão;• Localizam-se junto à foz do rio Sado, pos-suindo ligações privilegiadas ao oceano,permitindo deste modo um acesso fácil àsmatérias primas, aos contentores de cerâ-mica e aos circuitos de exportação.

Mapa síntese da estrutura económica na região,entre os séculos IV/VI

Mapa 2 - Antiguidade Tardia: distribuição de Sigillatas

1 Sigillatas Claras de tipo C e D, dos séculos IV ao VI, que eram produzidas nos fornos cerâmicos de Cartago e de outros locais da região.2 Casos das ânforas norte africanas encontradas, em clara maioria em relação aos escassos exemplares provenientes do Mediterrâneo Oriental.3 Sigillata Fosence, dos séculos V-VI, proveniente da cidade de Focea, localizada na costa Turca do Mar Egeu.

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Fornos de Cerâmica: Quinta da Alegria,Senhora da Graça, Ponta da Areia? (Setú-bal), Zambujalinho (Palmela), Pinheiro e Abul(Alcácer do Sal).

• Villae produtoras de cerâmica comum egeralmente vocacionadas para a produçãode contentores cerâmicos para o transpor-te de salga de peixe;• possuindo igualmente acessos fluviais fá-ceis ao estuário do Sado, donde recebiambens e exportavam as cerâmicas, localiza-vam-se ao lado de barreiros e possuíam umvasto interior estratégico de matos e flores-tas, onde podiam recolher madeira para uti-lizarem nos fornos.

Oficinas de fundição de ferro: Escoriaisdo Monte da Eira, das Paulinas e do Ermitão(Palmela).• Ocupações rurais vocacionadas para oarmazenamento de minério de ferro, trans-formação deste em objectos utilitários quedepois seriam escoados por via fluvial;• a localização destes locais, neste sectorda ribeira da Marateca, permite supor queo minério chegaria via fluvial desde o interi-or Alentejano (provavelmente da Serra deMonfurado). Por outro lado, esta implanta-ção sugere igualmente um forte desgastedos matos e florestas existentes na áreasdos fornos de cerâmica atrás referidos, sen-do necessário ocupar outros locais relati-vamente pouco degradados em termos flo-restais.

Indeterminado: Praia dos Coelhos (Setúbal),Arrábidas, Alto da Queimada, Chibanes,Castelo de Palmela e Marateca.(Palmela).• Correspondem a ocupações humanas decronologia romana tardia, que revelaramelementos arqueológicos pouco esclarece-dores em termos da natureza do tipo e fun-ção da ocupação;• tratam-se de locais de cumeada e apa-rentemente marginais em termos populacio-nais e económicos Tardo Antigos;

António Rafael CarvalhoArqueólogo

Museu Municipal de Palmela

Bibliografia

CARVALHO, A. Rafael - Elementos para a Históriada Freguesia do Sado, desde o Neolítico, até aoSéc. XIX. Historial da Região da Freguesia do Sado,Ed. Junta de Freguesia do Sado/Setúbal, 1993, pp.21-51

DIOGO, A M Dias e FARIA, J Carlos - Trabalho e pro-dução no Sado durante a época romana, Ed. “ Mo-vimento Cultural “, nº 6, 1989, Setúbal, pp. 81-92.

FERNANDES, I Cristina e CARVALHO, A. Rafael - Ar-queologia em Palmela, 1988-1993.Catálogo da ex-posição, Palmela: Câmara Municipal, 1993

IDEM - Trabalhos arqueológicos no Zambujalinho( Herdade do Zambujal ). Primeiros resultados.Actas das Iº Jornadas sobre Romanização dos Estuá-rios do Tejo e Sado, 1996, pp. 73-106

IDEM - Elementos para uma carta arqueológica doPeríodo Romano no Concelho de Palmela. Actasdas Iº Jornadas sobre Romanização dos Estuários doTejo e Sado, 1996, pp. 111-135

SILVA, Carlos Tavares da e SOARES, Joaquina - Ar-queologia da Arrábida, Ed Serviço Nacional de Par-ques, Reservas e Conservação da Natureza, 1986

• só parecem ganhar relevância nos últi-mos séculos da presença romana, suge-rindo que a sua mais valia seria o factorsegurança, face às instabilidades sociais eeconómicas que se abateram na região, nodecurso do final do Período Visigótico;• curiosamente é nestes locais e no Valedas Bruxas, que assinalamos a presençaislâmica mais antiga da região de Palmela,de meados do século VIII.

Os dados actualmente disponíveis permi-tem supor que a instalação dos primeiroscolonos muçulmana na região, longo emmeados da primeira metade do século VIII,irá decorrer num ambiente Tardo Romanobastante debilitado em termos populacio-nais e económicos, mas essas questõesserão abordadas noutros estudos.

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Nos bastidores... convida-vosa conhecer o Serviço Educativodo Museu Municipal de Palmela,para que possam entender o trabalhoque prestamos à nossa comunidade,em particular aos estabelecimentosde ensino.Entre, sente-se confortavelmente ...divirta-se connosco !

O Serviço Educativo tem vindo a desenvol-ver um trabalho muito gratificante: dar aconhecer à “pequenada” do nosso conce-lho coisas novas sobre o nosso Património.Para que seja possível realizar este traba-lho é necessário uma grande pesquisa apósa qual nascem os nossos projectos.Parece fácil, não é? Mas, não é assim tãofácil!É muito divertido realizar estes projectos,que se destinam às crianças porque estasmerecem todo o nosso esforço para quepossam ser felizes.

No início de cada ano lectivo, técnicos doMuseu Municipal deslocam-se a todas asescolas do concelho para divulgar estesprojectos bem como todas as actividadesque os mesmos englobam e que são desti-nados a vários grupos etários, sendo noentanto o Ensino Pré-Escolar e o 1º Cicloaqueles que mais aderem.Após esta nossa deslocação, a escola se-lecciona as actividades em função do seuProjecto Educativo.A marcação das actividades pelas Escolasé feita através de fax, e-mail ou ofício. Emqualquer um destes suportes devem virmencionadas as seguintes informações:• actividade pretendida(relação com o Projecto Educativo);• dia e hora;• n.º de alunos e professoresque acompanham o grupo;• idades dos alunos e o anode escolaridade dos mesmos;• nome e contacto da professoraresponsável pela marcação da actividade.

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Nos bastidores...do Serviço Educativo

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O SE é responsável pela confirmação des-ta marcação pelo telefone, após a recep-ção dos respectivos pedidos. As mesmassão calendarizadas informaticamente, mêsa mês, e impressas, para que se possa afi-xar a escala. Assim, todo o pessoal afectoao SE tem conhecimento das actividadesque irão ter lugar nesse mês, sendo tam-bém feita a escala de transporte de apoio àequipa e, em casos especiais, a solicitaçãode marcação de autocarros a outro serviçomunicipal.

Um exemplo das actividades SE...

Tem tido um grande sucesso entre a “miu-dagem”, a visita aos moinhos da Serra doLouro – pois é, esta visita é um espectáculo !Nesta visita, os mais pequenos aprendema fazer o pão; todos enfarinhados, brincame aprendem como se faz um dos alimentosmais importantes e mais ricos na nossa ali-mentação. Aprendem também a conhecerum dia na vida de um moleiro, como estesenhor trabalhava deste o cultivo do cerealaté à moagem. Aprendem ainda a conhe-cer o interior e exterior do moinho.E não só! Quase no final da visita estas cri-anças são surpreendidas pela nova aquisi-ção feita pelos donos do moinho: são apre-sentadas aos mais famosos dos famosos:os burritos da Serra do Louro! Eles adoramconhecê-los e tocá-los.

Já cansados desta pequena aventura ascrianças vão buscar o seu pão, já cozidono forno a lenha da padaria e, sentados emfrente de uma magnífica vista sobre o Valedos Barris, deliciam-se a comer, quentinhoe estaladiço, o pão que estes pequenos pa-deiros aprenderam a fazer.Digam lá que não vale a pena visitar osmoinhos?

Já agora queremos partilhar convosco umpequeno depoimento de um elemento quedá apoio a estas visitas, para mostrar oquanto é gratificante fazê-las.

“Olá, eu sou a Flórida!Sou o mais novo membro da família do Ser-viço Educativo e, desde há dois anos quefaço parte desta equipa magnífica e unidaque, com muita dedicação ao seu trabalho,transmite conhecimento do passado e aomesmo tempo diverte os seus “amiguinhos”.É um serviço que me dá muito gosto parti-cipar, principalmente pelo contacto que te-nho com a “pequenada”.De todas as actividades que temos, é para avisita aos moinhos que mais vezes dou o meucontributo. É muito agradável ver a alegria eo entusiasmo dos mais novos, enquanto par-ticipam na brincadeira e se imaginam ver-dadeiros padeiros. É muito gratificante per-tencer a esta “família”, aprendemos muito unscom os outros e não só, aprendemos prin-cipalmente com estas crianças. Quero agra-decer a oportunidade de pertencer a esteserviço.Obrigada, Serviço Educativo!”

Flórida LourençoAuxiliar Técnica de Museografia

Antes de nos despedirmos, queremos di-zer que em próximos números desta revis-ta falaremos de outras actividades que te-mos para todos vós.Estejam atentos e não percam os númerosseguintes!

Até lá... visitem-nos e divirtam-se!

Bina DuarteAssistente Administrativa

Fátima FelicíssimoAuxiliar Técnica de Museografia

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O que é doar ?

O Museu Municipal conta, entre os seusAmigos/ Colaboradores, com um já vastoleque de pessoas que, pela forma genero-sa como contribuíram para a salvaguardae divulgação do Património Cultural, mere-cem o nosso público reconhecimento.

Quem são os doadores e depositantes ?

Os doadores e depositantes de espólio mu-seológico e arquivístico no Museu Munici-pal de Palmela são, em Maio de 2004, osseguintes (por ordem de entrega de peças):• Família do Ferreiro Faria (Ana CristinaFaria), Pinhal Novo;• Maria Domingas Ataz, Palmela;• António Lemos, Pinhal Novo;• Carlos Oliveira Frescata, Palmela;• João Barroso, Algeruz - Palmela;• Mário Nunes Piedade, Palmela;• Maria Genoveva Marques, Palmela;• António Piçarra, Penteado– Moita/Pinhal Novo• Família de Aldonsa Margarida Franco(António Franco, Joaquim Franco e MariaJosé Saraiva), Pinhal Novo.• Anabela de Oliveira Ferreira, Palmela

Todo esse manancial de peças doadas oudepositadas correriam o risco de desapare-cer, de serem descontextualizadas, não fos-se a forte ligação afectiva e sentido de parti-lha dos seus proprietários, respectivamente,para com os antigos proprietários/usufrutu-ários dos bens e para com a sociedade.

Bens relacionados com a agricultura evitivinicultura, carpintaria, ferraria e abe-goaria, salão de cabeleireira, cultura cara-mela, propriedade urbana,... foram doadosou depositados por cidadãos que assim setornam colaboradores de excelência doMuseu Municipal na sua missão de pesqui-sar, conservar e divulgar o Património Cul-tural.

Os trâmites do processo...

O Museu Municipal, depois de contactadopelo/s proprietário/s das peças, elabora umTermo de Doação ou Depósito, documentoque é levado a Reunião de Câmara paraaprovação, com uma relação das peças vi-sadas em anexo. Aceite o espólio pela Câ-mara Municipal, segue-se a formalização daDoação ou do Depósito, através da assina-tura do documento pela autarquia e pelo

Amigos dos Museus

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requerente; este fica na posse de um exem-plar do Termo de Responsabilidade, pro-duzido em duplicado.Segue-se a incorporação das peças noMuseu Municipal, fase na qual os técnicosprocedem ao inventário, conservação pre-ventiva (ex. limpeza) e estudo das peças,acondicionamento adequado dos bens ma-teriais em espaços adequados e contratua-lização de seguros para o acervo recém--entrado.Para consolidação e restauro de espóliomuseológico, o Museu Municipal recorre aempresas credenciadas nas diversas áre-as de Conservação e Restauro, sendo dadoconhecimento da intervenção à entidade/particular depositante, no caso de peçasem depósito que careçam de restauro.No decurso da implementação do Progra-

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DoaçãoEntrega de peças ao Museu Municipal; ficasempre referenciado o nome do doador ouentidade doadora. No caso de haver co-nhecimento de o doador agir em memóriade alguém, este facto será também regista-do.

DepósitoSempre que a entidade proprietária legal-mente reconhecida seja diferente daquelaonde se encontra a peça estamos na pre-sença de um depósito, que pode ser decurta ou de longa duração.

AchadoA figura do Achado reporta-se unicamentea bens arqueológicos. Esta situação advém,em parte, da aplicação de legislação espe-cífica que decreta a obrigatoriedade de to-

dos os bens arqueológicos serem entreguesnos museus municipais da respectiva áreaadministrativa.

LegadoPressupõe a existência de um testamentoreconhecido notarialmente.

AquisiçãoSempre que for seleccionado este modo deincorporação, deverá ser mencionado o úl-timo proprietário, a entidade que procedeuà venda e o custo da peça.

TransferênciaPassagem de uma peça de uma instituiçãopara outra, a título definitivo, pressupondoabatimento da peça na instituição originária.

OutrosPermuta, usucapião, produção própria...

Modos de Incorporaçãode peças em Museus

ma Museológico Municipal, assim esseacervo será musealizado e apresentadocomo testemunho vivo dos saberes tradici-onais, que, aliados à Memória, são o queidentifica uma Comunidade.O Museu Municipal, através dos seu váriosNúcleos, como por exemplo o da Adega deAlgeruz (vitivinicultura) ou de Pinhal Novo(ofícios tradicionais e ferroviários), preten-de recriar de um modo digno e lúdico osantigos espaços das nossas vivências, cri-ar pontes entre o presente e o passado dosnossos Pais e Avós.Contamos também com a vossa participa-ção !

Contacte-nos, em caso de pretender doarou depositar peças que considere impor-tantes para a história do nosso concelho !

Zélia de SousaTécnica Superior do Museu Municipal de Palmela

1 PINHO, Elsa Garrett e FREITAS, Inês da Cunha - Normas de Inventário: normas gerais: Artes Plásticas e Artes Decorativas. Lisboa: Direcçãode Serviços de Inventário/ Instituto Português de Museus, 1999, pp. 58-59

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Dom João por graça de Deos Rey de Portugal e Algarves daquem daLem Mar em Affrica /1Senhor de Guiné da Conquista e Navegação Comercio da Ethiopia Arabia Percia E daIndia nomeia como Governador /2e prepetuo Administrador que sou do Mestrado Cavallaria E ordem de Santiago. FaçoSaber aos que esta minha /3Carta de quitação virem, que o Padre Verissimo Zagallo Preto Freire Conventual da ditaordem a quem fiz mestre do /4Benefício Simplex da mesma ordem que vagou na Igreja de Santa Maria do Castello daVilla de Palmella por fale /5cimento do Padre Antonio Gomes Ferrás, me fes certo em como tinha pago e entregue aquantia de desanove mil reis /6que devia á dita ordem de Santiago de Sua meya anatta pello provimento que teve no ditobenefício Simplex /7a Respeito de Sua avaliação, a qual quantia Recebeo o Padre Henrique Carllos CorreaRecebedor da fabrica E /8Meyas anattas do Convento de Palmela. Me foy carregada no Livro de Sua Receita comoSe vio de hum Seu /9Conhecimento de Recibo feito pello Escrivão de seu Cargo, E por ambos aSignado, deque por firmeza de /10tudo lhe mandey dar a prezente Carta de quitação por mim aSignada e Sellada com oSello da dita ordem /11E por ella o hey por quite e livre da dita quantia para que possa gozar, e uzar de todas asgraças, previlegios /12e Liberdades que pella Seé Appostolica lhe Sam Concedidas E subrogadas. Lisboaoccidental tres de Outubro /13de mil Setecentos e trinta./14

Carta de quitação pella qual Vossa Magestade ha por quite e livre da meia anatta quedevia a ordem de San /15tiago o Padre Verissimo Zagallo Preto Freire Conventual della pello provimento que teve nobeneficio /16Simplex da mesma ordem que vagou na Igreja de Santa Maria do castelo da Villa dePalmella por fa /17lecimento do Padre Antonio Gomes Ferrás freire Conventual da dicta ordem./18

Para Vossa Magestade ver/19

Uma Carta de Quitaçãode 1730

Documento integrado no Arquivo Municipal – Câmara Municipal de PalmelaTranscrição de Nuno Neto Monteiro

Técnico Superior do Arquivo Municipal de Palmela

Património Concelhio em documentos

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A não esquecer…

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• Dia do Concelho, 1 de JunhoAcções integradas no Programa Comemorativo do Dia do Concelho

Igreja de Santiago - Castelo de Palmela16h00 às 19h00• Conferência pelo Prof. Doutor Vitor Serrão e Dr. José Meco, “As Igrejasde Palmela sob a Jurisdição da Ordem de Santiago: Aspectos Artísticos”• Conferência pela Drª Filomena Barros“Os Mouros, a Ordem de Santiago e a Fronteira”• Conferência pelo Prof. Doutor Cláudio Torres“O Islão do Ocidente – camponeses e pescadores”19h30Lançamento do livro “O Castelo de Palmela: Do Islâmico ao Cristão”,da autoria de Isabel Cristina Ferreira Fernandes. Apresentação da obrapelo Prof. Doutor Mário Barroca

• Missão: SalvarBombeiros Voluntários de Palmela, 1937-2004No âmbito das comemorações do Dia Municipal do Bombeiro, e por iniciativada Associação de Bombeiros Voluntários de Palmela e o Serviço Municipalde Protecção Civil, está patente desde 13 de Maio, na sede daquelacorporação, uma exposição de longa duração produzida pelo Museu Municipal,na qual se apresentam documentos, peças e memórias fundamentais para umahistória de 67 anos de Serviço e Dedicação à Comunidade.

• 30 anos de Poder Local no Concelho de PalmelaExposição patente na Igreja de Santiago – Castelo de Palmela, a partirde 24 de Setembro e até ao final do 1º período lectivo 2004/05,com uma componente de exploração didáctico-pedagógica destinadaessencialmente à Comunidade Escolar.

• Debates sobre Ante-Projecto Museológico MunicipalTerminou em Palmela, a 10 de Março, um ciclo de debates públicos que visouapresentar o Programa Museológico Municipal nas várias freguesias do nossoConcelho. Reuniram-se, como era objectivo, contributos de diversos Cidadãosinteressados pelo Património Cultural Local, quer acerca do ProgramaMuseológico, quer acerca de outros temas no âmbito da salvaguardapatrimonial. Destacou-se também a presença, em todas as reuniões, de eleitosdas Freguesias. Todos os contributos foram enriquecedores para a produçãodo documento final, que constitui a base de trabalho a nível da políticamuseológica municipal.

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Ediçõesem destaque

O castelo de Palmela: do islâmico ao cristão (no prelo) é uma obra fundamentalacerca da história do Castelo de Palmela, da autoria da arqueóloga Isabel CristinaFerreira Fernandes.Ao longo de nove campanhas de escavação arqueológica, entre 1992 e 2003,dirigidas pela autora, e financiadas pela Câmara Municipal de Palmela e peloInstituto Português de Arqueologia, encontraram-se estruturas e objectosfundamentais no Castelo da vila, colocando Palmela - a par, por exemplo,de Silves e Mértola - numa posição privilegiada no panorama da arqueologiamedieval portuguesa.Conhecer a fortificação da vila de Palmela, do período islâmico aos nossos dias,é um desafio que este livro propõe – aceite-o e lerá o Castelo com outros olhos!

Lançamento1 de Junho, Dia do Concelho – 19h30Igreja de Santiago, Castelo de Palmela

Co-EdiçãoCâmara Municipal de Palmela e Edições Colibri

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FUNDOSDOCUMENTAISESPECIALIZADOSPARA CONSULTAPÚBLICA, EM PALMELA

Novas aquisiçõesdo Gabinete de Estudos sobre Ordem de Santiago(GEsOS)

• BOISSELLIER, Stéphane – Le Peuplement Médiéval dans le Suddu Portugal. Paris: Centre Culturel Caloust Gulbenkian, 2003.

• BOURDARIAS, Jean; WASIELEWSKI, Michel – Guide Européendes chemis de Compostelle. Paris: Éditions du Sarment, 2002.

• DIAS, João José Alves (Org.) – Cortes Portuguesas: Reinadode D. Manuel I. Lisboa: Centro de Estudos Históricos UniversidadeNova de Lisboa, 2001. 3 vols.

Novas aquisiçõesdo Fundo Documental do Museu Municipal

• ALONSO FERNÁNDEZ, Luis – Museología y museografía.Barcelona: Ediciones del Serbal, 2001

• GRAUE, M. Elizabeth; WALSH, Daniel J. – Investigação Etnográficacom crianças: Teorias, Métodos e Ética.Lisboa: Fundação C. Gulbenkian, 2003

• PICKARD, Robert – Patrimoine Culturel Européen vol. II.Paris: Conseil de L’Europe, 2003

O enriquecimento dos Fundos Documentais especializados –GEsOS e Museu Municipal – faz-se através de permuta com outrasentidades (por ex.: Câmaras Municipais, Universidades, Museus,Institutos, Centros de Documentação especializados), por aquisi-ção ou integração por oferta dos autores ou editoras.

Podem ser consultados no Gabinete de Estudos e no Museu Muni-cipal, de 2ª a 6ª feira, nos horários de abertura ao público dos res-pectivos serviços.

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CADA NÚMERO, UM JOGOSopa da Letras

Pela importância que atribuímos a 3 temas neste número – 30 anosde 25 de Abril, Património Cultural Imaterial e Moinhos – sugerimosa navegação nalguns sites relacionados com essas temáticas:

SITES A CONSULTAR

www.uc.pt/cd25aCentro de Documentação 25 de Abril – Universidade de Coimbra

http://geocities.com/guerracolonialSite que permite busca de bibliografia, filmografia, cronologia, Canções do Niassae acesso a vários links acerca da Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974)

www.ipmuseus.ptSite do Instituto Português de Museus

http://icom.museum/intangible.htmlSite do Conselho Internacional de Museus – Newsletter ICOM News nº 4, 2003,sobre Museus e Património Intangível

http://apai.cp.ptSite da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial

http://tims.geo.tudelft.nlSite da Sociedade Internacional de Molinologia

www.ip.ptSite da Secção Portuguesa da Sociedade Internacional de Molinologia/TIMS Portugal

Este ano comemoramos os 30 anos do 25 Abril!Descobre, na sopa de letras, dez palavras, relacionadas com a Revolução.

DEMOCRACIA • LIBERDADE • SUFRÁGIO • CIDADANIA • CONSTITUIÇÃO • REPÚBLICA

• ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA • DEPUTADOS • AUTARQUIAS • PARTIDOS POLÍTICOS

S C V B N H D A A D E R G T H J I I O S BA U Q P A R T I D O S P O L I T I C O S AD F F U J K I L O O P E I V B D F H T O SA S D R T T I U O O A S F G J L O E G D DA C I D A D A N I A F G R G H A I D B A ED S S A F G U I O N L Q Q U U O M A A T WR D E F G T I J O R P Ç L T P O O D F U FF O N I O A G O P A L A A U J I I R E P FU Q M Q A R V I G I O R A E D L T E L E GA C I L B U P E R U Q L I U M N P B R D RI G I O P A A E I U O E J T Ç I Ç I T A TA S S E M B L E I A D A R E P U B L I C AL E A T U I O A D M N I O P C Ç O R I J GO R I C O N S T I T U I Ç A O Ç B O A I HM A I H O L N I O A C A I C A R C O M E D

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Contactos:Divisão de Património Cultural - Museu MunicipalDepartamento de Cultura e Desportoda Câmara Municipal de PalmelaLargo do Município2951-505 PALMELA

Tel.: 212 338 180Fax: 212 338 189E-mail: [email protected]

Ficha TécnicaEdição: Câmara Municipal de PalmelaCoordenação Editorial: Chefia da Divisão de Património Cultural/Museu MunicipalColaboram neste número: Albina Duarte, António Rafael Carvalho, Cristina Vinagre Alves,Cristina Prata, Fátima Felicíssimo, Florida Lourenço, Maria Leonor Campos,Sandra Abreu Silva, Teresa Sampaio, Zélia de SousaDesign: atelier Paulo CurtoFotografia: Adelino ChapaImpressão: Armazém de Papéis do SadoCódigo de Edição: 189/04 - 3 000 exemplaresISBN: 927-8497-27-XDepósito Legal:196394/03

Faz parte integrante deste número uma separata com o documento:Como Construir Memória ?Um Recurso para a Escola – Documentação/Orientações Metodológicas

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ÍndiceEditorial

Em destaque… Moinhos de Vento de Palmela:a voz dos Ventos na Voz das Gentes !

Património LocalA Adega de Algeruz e o sistema de vinificaçãode ânfora argelino

A estrutura económica da região de Palmelana Antiguidade Tardia (sécs. IV-VII)

Nos Bastidores… do Serviço Educativo

Amigos dos Museus

Património Concelhio em documentos– Uma Carta de Quitação de 1730

A não esquecer…• 1 de Junho, Dia do Concelho• 30 Anos de 25 de Abril no concelho de Palmela• Programa Museológico Municipal – balanço dos debates

Edições em destaque• O castelo de Palmela: do islâmico ao cristão (no prelo)

Fundos documentais especializadospara consulta pública em Palmela

Sites a consultarCada número, um jogoSopa de letras -Valores de Abril