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Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, v. 35, n. 2, 2401 (2013) www.sbfisica.org.br Desenvolvimento em Ensino de F´ ısica Explorando o CERN na f´ ısica do Ensino M´ edio (Exploring CERN in the High School physics content) Fabiana Botelho Kneubil 1 Faculdade de Educa¸c˜ ao, Universidade de S˜ao Paulo, SP, Brasil Recebido em 11/4/2012; Aceito em 2/2/2013; Publicado em 24/4/2013 Este artigo tem como objetivo mostrar que, mesmo no maior centro de pesquisa do mundo, onde se produz conhecimento cient´ ıfico e tecnol´ogico,´ e poss´ ıvel transmitir conhecimentos aos alunos de Ensino M´ edio, baseados nos conte´ udos do curr´ ıculo escolar. Hoje se defende muito a inser¸c˜ ao de f´ ısica moderna e contemporˆanea no En- sino M´ edio e as raz˜oes para tais inova¸ oes curriculares s˜ao bem compreendidas no meio acadˆ emico, uma vez que ´ e not´avel o desenvolvimento tecnol´ogico que nos cerca. Entretanto, queremos mostrar que, mesmo no CERN, os conhecimentos considerados “antigos” est˜ao muito presentes, n˜ao s´o nas instala¸c˜oes, como tamb´ em no dia-a-dia de todos que atuam e colaboram nesse ambiente. Palavras-chave: inova¸c˜ ao curricular, competˆ encias, contextualiza¸ ao da ciˆ encia, CERN. This article aims at showing that even in the world’s largest research center, where scientific and techno- logical knowledge is produced, it is possible to transmit knowledge to high school students. Nowadays it is widely defended the need of insertingmodern and contemporary physics topics into high school curricula. The reasons for such kind of innovations are well understood in the academia, since the technological development that surrounds us is remarkable. However, we want to show that even at CERN, “old knowledge” is still very present, both in the equipment and in the daily life of everybody working in this environment. Keywords: curricula innovation, competencies, science contextualization, CERN. 1. Introdu¸c˜ ao A realidade com que o Ensino M´ edio brasileiro se de- para nos dias de hoje ´ e, muitas vezes, desanimadora para os professores de f´ ısica. Qual professor pode di- zer que nunca ouviu de um aluno a pergunta “para que serve isso que vocˆ e est´a ensinando?” numa aula tra- dicional de f´ ısica? Professores passam diariamente por situa¸c˜ oes como esta e,na maioria das vezes, se sentem desamparados, sem saber muito o quˆ e fazer para melho- rar o ensino e contextualizar essa ciˆ encia, que parece es- tar t˜ao desconectada da vida real dos alunos. Cada vez mais, os avan¸ cos tecnol´ogicos est˜ao presentes no nosso cotidiano e, inevitavelmente, quest˜oes sobre ciˆ encia e tecnologia s˜ao levantadas pelos alunos em sala de aula. ´ E sonho de muito professor poder falar de f´ ısica mo- derna no Ensino M´ edio. Entretanto, parece que esse desejo ´ e inating´ ıvel e, `a medida que ele aumenta, ou- tras quest˜oes aparecem, que evidenciam a dificuldade disso acontecer. As pesquisas sobre inova¸c˜ oes curriculares no Ensino edio brasileiro vˆ em crescendo nos ´ ultimos anos e a in- clus˜aodet´opicosdeF´ ısica Moderna e Contemporˆanea (FMC) tem ganhado destaque. Muitos autores apon- tam fatores que impedem a inser¸c˜ ao efetiva de FMC nas escolas, taiscomoam´aforma¸c˜ ao docente nos cursos de licenciatura e, principalmente, a escassez de materiais did´ aticos [1-5]. Esses fatores comprometem um ensino asicovoltado`aforma¸c˜ ao cient´ ıfica de um cidad˜ao para atuar na sociedade. Nas ciˆ encias, o conhecimento est´a em cont´ ınua transforma¸c˜ ao, e o mesmo acontece com os valores so- ciais. Isso motiva a necessidade da constante reestru- tura¸c˜ ao do sistema de ensino. No Brasil, em 1996, a LDB orientou a dire¸c˜ ao de mudan¸cas da educa¸c˜ ao asica e, dois anos depois, os Parˆ ametros Curriculares Nacionais (PCN) foram publicados para sugerir uma reorienta¸c˜ ao das pr´aticas educacionais e ampliar os ob- jetivos da escola. Segundo eles, o ensino deveria ser baseado na constru¸c˜ ao de competˆ encias e habilidades [6] e, a partir da´ ı, o ensino por competˆ enciascome¸cou a ser alvo do discurso educacional. Observa-se, por´ em, que na pr´atica poucas a¸c˜ oes fo- ram efetivamente feitas nesta dire¸c˜ ao [7]. Um dos moti- vos para a n˜ao implementa¸ ao das propostas dos PCN em sala de aula ´ e a pouca compreens˜ao do que s˜ao as competˆ encias propostas e, principalmente, como as aliar ao conte´ udo j´a pr´ e-estabelecido no curr´ ıculo [8]. 1 E-mail: [email protected]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil.

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Page 1: Explorando o CERN na f sica do Ensino M edio · Explorando o CERN na f sica do Ensino M edio 2401-3 cient´ıfica. 2. Uma viagem ao CERN:3 o maior cen-tro de saber s abio do mundo

Revista Brasileira de Ensino de Fısica, v. 35, n. 2, 2401 (2013)www.sbfisica.org.br

Desenvolvimento em Ensino de Fısica

Explorando o CERN na fısica do Ensino Medio(Exploring CERN in the High School physics content)

Fabiana Botelho Kneubil1

Faculdade de Educacao, Universidade de Sao Paulo, SP, BrasilRecebido em 11/4/2012; Aceito em 2/2/2013; Publicado em 24/4/2013

Este artigo tem como objetivo mostrar que, mesmo no maior centro de pesquisa do mundo, onde se produzconhecimento cientıfico e tecnologico, e possıvel transmitir conhecimentos aos alunos de Ensino Medio, baseadosnos conteudos do currıculo escolar. Hoje se defende muito a insercao de fısica moderna e contemporanea no En-sino Medio e as razoes para tais inovacoes curriculares sao bem compreendidas no meio academico, uma vez quee notavel o desenvolvimento tecnologico que nos cerca. Entretanto, queremos mostrar que, mesmo no CERN, osconhecimentos considerados “antigos” estao muito presentes, nao so nas instalacoes, como tambem no dia-a-diade todos que atuam e colaboram nesse ambiente.Palavras-chave: inovacao curricular, competencias, contextualizacao da ciencia, CERN.

This article aims at showing that even in the world’s largest research center, where scientific and techno-logical knowledge is produced, it is possible to transmit knowledge to high school students. Nowadays it iswidely defended the need of insertingmodern and contemporary physics topics into high school curricula. Thereasons for such kind of innovations are well understood in the academia, since the technological developmentthat surrounds us is remarkable. However, we want to show that even at CERN, “old knowledge” is still verypresent, both in the equipment and in the daily life of everybody working in this environment.Keywords: curricula innovation, competencies, science contextualization, CERN.

1. Introducao

A realidade com que o Ensino Medio brasileiro se de-para nos dias de hoje e, muitas vezes, desanimadorapara os professores de fısica. Qual professor pode di-zer que nunca ouviu de um aluno a pergunta “para queserve isso que voce esta ensinando?” numa aula tra-dicional de fısica? Professores passam diariamente porsituacoes como esta e,na maioria das vezes, se sentemdesamparados, sem saber muito o que fazer para melho-rar o ensino e contextualizar essa ciencia, que parece es-tar tao desconectada da vida real dos alunos. Cada vezmais, os avancos tecnologicos estao presentes no nossocotidiano e, inevitavelmente, questoes sobre ciencia etecnologia sao levantadas pelos alunos em sala de aula.E sonho de muito professor poder falar de fısica mo-derna no Ensino Medio. Entretanto, parece que essedesejo e inatingıvel e, a medida que ele aumenta, ou-tras questoes aparecem, que evidenciam a dificuldadedisso acontecer.

As pesquisas sobre inovacoes curriculares no EnsinoMedio brasileiro vem crescendo nos ultimos anos e a in-clusao de topicos de Fısica Moderna e Contemporanea(FMC) tem ganhado destaque. Muitos autores apon-

tam fatores que impedem a insercao efetiva de FMC nasescolas, tais como a ma formacao docente nos cursos delicenciatura e, principalmente, a escassez de materiaisdidaticos [1-5]. Esses fatores comprometem um ensinobasico voltado a formacao cientıfica de um cidadao paraatuar na sociedade.

Nas ciencias, o conhecimento esta em contınuatransformacao, e o mesmo acontece com os valores so-ciais. Isso motiva a necessidade da constante reestru-turacao do sistema de ensino. No Brasil, em 1996,a LDB orientou a direcao de mudancas da educacaobasica e, dois anos depois, os Parametros CurricularesNacionais (PCN) foram publicados para sugerir umareorientacao das praticas educacionais e ampliar os ob-jetivos da escola. Segundo eles, o ensino deveria serbaseado na construcao de competencias e habilidades[6] e, a partir daı, o ensino por competencias comecoua ser alvo do discurso educacional.

Observa-se, porem, que na pratica poucas acoes fo-ram efetivamente feitas nesta direcao [7]. Um dos moti-vos para a nao implementacao das propostas dos PCNem sala de aula e a pouca compreensao do que saoas competencias propostas e, principalmente, como asaliar ao conteudo ja pre-estabelecido no currıculo [8].

1E-mail: [email protected].

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

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2401-2 Kneubil

Nos PCN+, o conhecimento das ciencias da naturezaesta organizado em tres grandes areas, sendo que umadelas e a Contextualizacao socio-cultural, que tem comfoco principal a tecnologia aliada com a ciencia [9]:

Contextualizacao socio-culturalCiencia e tecnologia na historiaCompreender o conhecimento cientıfico e o tecnologicocomo resultados de umaconstrucao humana, inseridosem um processo historico e social.Ciencia e tecnologia na cultura contemporaneaCompreender a ciencia e a tecnologia como partes in-tegrantes da cultura humana contemporanea.Ciencia e tecnologia na atualidadeReconhecer e avaliar o desenvolvimento tecnologicocontemporaneo, suas relacoes com as ciencias, seu pa-pel na vida humana, sua presenca no mundo cotidianoe seus impactos na vida social.Ciencia e tecnologia, etica e cidadaniaReconhecer e avaliar o carater etico do conhecimentocientıfico e tecnologico e utilizar esses conhecimentosno exercıcio da cidadania.

E interessante notar que essas competencias sugeri-das pelos PCN+ nao citam quais conteudos devem serabordados. Isso permite ao professor ter a liberdade deescolher os topicos de fısica que ele julga que cumpremtais objetivos tracados anteriormente. Mesmo com essaaparente liberdade, os saberes que chegam a sala deaula sao ditados por normas curriculares,pelos vestibu-lares e sao aqueles presentes nos manuais didaticos, dosquais os professores acabam ficando dependentes.

Esses saberes que chegam a sala de aula decor-rem de um percurso epistemologico que pode ser des-crito pela Teoria da Transposicao Didatica (TD), dadidatica francesa, proposta por Yves Chevallard [10].Segundo ele, a construcao do saber escolar acontecenuma relacao ternaria entre o professor (P), o aluno (A)e o saber (S). Cada um desses elementos se relacionacom os demais, atraves de dimensoes cognitiva (entre Ae S), epistemologica (entre P e S) e sociologica (entreP e A). Na representacao da Fig. 1, temos os tres ele-mentos citados. Alem deles, existem outras influenciasexternas, que fazem parte de um contexto mais amplo,denominado Sistema de Ensino.

Figura 1 - Relacao ternaria da TD.

Segundo Chevallard,os saberes passam por dois pro-cessos de didatizacao e,em todo processo de ensino,

existem tres nıveis diferentes para este saber, desde asua origem no ambiente academico ate a sala de aula:o Saber Sabio, o Saber a Ensinar e o Saber Ensinado.

A teoria da transposicao didatica surgiu na ma-tematica e e um referencial teorico bastante util, quetambem pode ser aplicado ao ensino de ciencias. O sa-ber sabio e produzido pelos cientistas e diz respeito aum saber na sua forma “bruta”, sem didatizacao, pre-sente nos papers, universidades, artigos academicos ecentros de pesquisa cientıfica. Esse saber, em geral,nao chega a sala de aula, pois possui uma linguagemmuito especıfica a comunidade cientıfica.

O saber a ensinar e o saber presente nos manu-ais e programas didaticos, apos sofrerem uma trans-posicao, chamada externa, que modifica o saber iniciale o didatiza, transcrevendo-o com uma linguagem maisacessıvel aos alunos. Por fim, o saber ensinado e osaber que chega efetivamente na sala de aula, sendoo professor um agente que trabalha no interior dessatransposicao, chamada interna. Verifica-se que, nesseprocesso de transposicao, supostamente acontece umasimplificacao, gerando um outro saber com um novoestatuto epistemologico, chamado saber escolar [11-12].Um esquema geral da transposicao didatica pode ser vi-sualizado na Fig. 2. As etapas (1) e (2) correspondemas transposicoes externa e interna, respectivamente.

Figura 2 - Esferas do saber da transposicao didatica.

Embora saibamos que, inevitavelmente, o saber queaparece na sala de aula e diferente do saber original,cabe ao professor praticar a vigilancia epistemologica2

para garantir se aquilo que ele esta ensinando cumprecom os objetivos deliberados anteriormente.

Hoje, quando se fala em ampliar os objetivos doensino de fısica, normalmente referimo-nos num en-sino contextualizado. O enfoque ciencia-tecnologia-sociedade (CTS) e uma abordagem possıvel e pro-move o interesse dos estudantes em relacionar a cienciacom aspectos tecnologicos e sociais, discute as im-plicacoes sociais e eticas relacionadas ao uso da ciencia-tecnologia(CT), “adquire uma compreensao da natu-reza da ciencia e do trabalho cientıfico, forma cidadaoscientıfica e tecnologicamente alfabetizados, capazes detomar decisoes informadas e desenvolve o pensamentocrıtico e a independencia intelectual” [13]. Essa abor-dagem CTS esta alinhada com as competencias e ha-bilidades da area Contextualizacao Socio-Cultural dosPCN+, citadas anteriormente.

Nesse enfoque, obviamente, alem do conteudo es-pecıfico de fısica, cabe ao professor transmitir aos alu-nos tambem os aspectos da natureza da ciencia, pro-movendo, assim, uma real aproximacao da atividade

2Esse termo e usado por Chevallard e corresponde a uma atitude individual que permite ao professor refazer o percurso do saber everificar a pertinencia e validade do processo de ensino.

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Explorando o CERN na fısica do Ensino Medio 2401-3

cientıfica.

2. Uma viagem ao CERN:3 o maior cen-tro de saber sabio do mundo

No caso da fısica, o CERN (Centro Europeu de Pesqui-sas Nucleares) e, hoje, considerado o maior centro depesquisa de desenvolvimento cientıfico e tecnologico domundo. Nas suas instalacoes,o conhecimento cientıficoe gerado, os modelos teoricos sao testados e o limite daciencia esta presente em grande parte dos experimen-tos. Numa gigantesca obra de engenharia e avancadatecnologia, os cientistas buscam entender a constituicaoda materia numa escala microscopica, por meio de ex-perimentos de altıssima energia.

Pesquisas sobre anti-materia, neutrinos, vacuo,energia escura, isotopos radioativos, cosmologia, big-bang, super-simetria, buracos negros, radiacao cosmicade fundo, boson de Higgs e outros temas, fazem partedo cotidiano dos cientistas e colaboradores que la traba-lham. Embora os temas de fısica que sao investigadosno CERN nao cheguem a sala de aula do Ensino Medio,grande parte da estrutura dos aparatos experimentaise baseada em conhecimentos da fısica classica. Essestopicos podem ser adaptados para alunos da escola se-cundaria, numa tentativa de aproximacao e contextua-lizacao da ciencia.

2.1. Descricao dos experimentos no CERN, ba-seada no currıculo escolar

O CERN emprega nas suas instalacoes um conjunto de6 aceleradores. Cada um tem por finalidade aumen-tar a energia do feixe das partıculas recebidas antes deas enviar a experiencias ou a um outro acelerador. Omais famoso deles e o LHC, do ingles Large HadronCollider (Grande Colisor de Hadrons) com os seus 27km de circunferencia, a 100 metros de profundidade,onde partıculas circulam durante 20 minutos antes deatingirem a energia e velocidade maximas, para colidi-rem entre si. A vista aerea da regiao do LHC pode servista na Fig. 3.

As colisoes entre as partıculas sao planejadas paraacontecerem em quatro pontos especıficos, onde estaolocalizados os quatro detectores do LHC, mostradosna foto acima. O Atlas (A Toroidal LHC Appara-tuS), o CMS (Compact Muon Detector), sao detecto-res genericos, capazes de detectar inumeros tipos departıcula; ate mesmo as desconhecidas. Os outros doisdetectores, LHCb (LHC-beauty) e ALICE (A Large IonCollider Experiment), sao “dedicados” a partıculasmaisespecıficas.

O LHC foi projetado para dois feixes contrarios deprotons ou dois feixes de ıons pesados colidirem. Afonte de protons e o gas H2 (Fig. 4), que e ejetado

primeiramente a uma camera onde ha a separacao dascargas.

Figura 3 - Vista aerea do CERN. O anel desenhado representa aposicao do tunel subterraneo onde se encontra o acelerador, comos respectivos detectores: ALICE, ATLAS, LHCb e CMS.

Figura 4 - Cilindro que fornece os protons.

2.1.1. Forca coulombiana

O hidrogenio e constituıdo de um proton em seu nucleoe um eletron girando em torno dele. Esse eletron, comcarga negativa, esta ligado ao atomo pela forca eletricaque e atrativa, dada pela expressao F = K0

q.Qd2 .

3Todas as informacoes referentes ao CERN foram tiradas das palestras do curso de fısica de partıculas “Escola de Professores noCERN em Lıngua Portuguesa” dado em setembro de 2011. Esse material esta disponıvel na Ref. [14].

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Substituindo os valores K0 = 9 × 109 N.m2/C2,q = 1,6 × 10−19 C e d ∼= 10−10 m, temos que a forcade ligacao eletrica que mantem o atomo de hidrogeniovale F ∼= 2 × 10−8 N. Essa forca pode parecer pe-quena comparada com forcas que lidamos no cotidi-ano, como o peso de uma pessoa, que pode ser apro-ximadamente 700 N. Entretanto, estamos lidando compartıculas que tem uma massa da ordem de 10−27 kg(proton) e 10−31 kg (eletron).

Ao saırem do cilindro, os protons sao separados doseletrons por um campo magnetico. A acao do campomagnetico sobre as cargas em movimento e desviar suastrajetorias atraves de uma forca magnetica que, paracargas positivas tem sentido contrario ao das cargas ne-gativas.

Antes de entrarem no LHC, sao pre-acelerados numacelerador linear, chamado LINAC 2 (Figs. 5 e 6).

Figura 5 - Estrutura do conjunto de aceleradores no CERN. Ofeixe inicia seu movimento no LINAC 2.

Figura 6 - LINAC 2: acelerador linear por onde os protons ini-ciam o movimento.

Esse acelerador LINAC 2 e constituıdo de um tubo,onde os protons sao acelerados pelo campo eletrico deondas eletromagneticas de radio frequencia. Essa ra-diacao e inserida pelas cavidades calculadas com grandeprecisao para que o proton, ao passar, pegue a fase da

onda certa, ou seja, a crista da onda, onde o campoeletrico e maximo.

Os protons passam tambem por mais dois acelera-dores e, ao entrarem no maior deles, o LHC, ja estaocom uma velocidade proxima a da luz.

2.1.2. Campo eletrico e a aceleracao de cargas

Quando os protons entram no LINAC 2 estao su-jeitos uma voltagem oscilante de radio frequencia de400 MHz. Portanto, o campo eletrico e tambem osci-lante e seu valor maximo e de 5 MV/m (ver Fig. 7)4

[14].Sujeitos a esse campo eletrico, numa aproximacao

classica, os protons podem atingir uma aceleracao devalor maximo igual a

a =qE

m=

1, 6× 10−19 × 5× 106

1, 67× 10−27= 5× 1014 m/s

2.

Figura 7 - Os protons sao acelerados pelo campo eletrico nascavidades RF (radio frequencia).

2.1.3. Energia dos feixes

As partıculas sao aceleradas no LHC ate atingirem99,9999991% da velocidade da luz. Portanto, duranteseu movimento, estao bem mais pesadas (a previsao darelatividade especial e que uma partıcula numa veloci-dade proxima da luz tem uma energia muito maior).

Essa energia relativıstica pode ser calculada pelaformula E = γmc2, onde γ = 1√

1− v2

c2

. Para a velo-

cidade citada acima, o fator γ vale 7453, o que indicaque os protons, nessa velocidade, estao 7453 vezes maispesados do que se estivessem parados.

Substituindo a massa do proton (1,67 × 10−27 kg)e a constante c (3 × 108 m/s), temos que a energia decada proton e E = 1,12 × 10−6 J.

A unidade de medida usada nos laboratorios defısica nuclear nao e o joule, a unidade do sistema in-ternacional. Nesses experimentos, a unidade usada e oeletron-volt, que vale 1 eV = 1,6 × 10−19 J.

Portanto, essa energia de 1,12 × 10−6 J correspondea 7 × 1012 eV = 7 TeV (tera-eletron-volt). Esse valor eo maximo de energia que o experimento previsto paraser realizado em 2012 pretende alcancar.

Como a colisao dos feixes e frontal, a energia libe-rada e o dobro, pois num choque onde partıculas temsentidos contrarios a velocidade relativa e maior e a va-riacao de energia e a soma das energias de cada feixe.

4Parte dos calculos aqui apresentados e algumas figuras referentes a eles foram tiradas da Ref. [15].

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Assim, considera-se que nesse experimento a energia li-berada na colisao e de aproximadamente 14 TeV.

A energia de 7 TeV, que corresponde a 1,12 ×10−6 J, e a energia de um unico proton. No feixe deprotons que circula no LHC, eles nao estao distribuıdoscontinuamente e sim agrupados em pacotes, chamadosbunches. Devido a repulsao eletrostatica, esses paco-tes sao instaveis e tendem a se dispersarem. Poremconseguiu-se agrupar em torno de 1,15 × 1011 protonsnum unico pacote.

Ao longo dos 27 km, circulam 2808 pacotes deprotons. Entao, a energia total que tem um feixe noLHC e 1,15 × 1011 x 2808 x 1,12 × 10−6 = 3,62 ×108 J.

Sera que esse valor de energia e alto? Considerandoque o calor latente de fusao do ouro e 63,71 kJ/kg e aenergia para derreter um metal depende da massa e docalor latente, conforme a expressao Q = m.L, com aenergia que circula no LHC e possıvel derreter 5,65 to-neladas de ouro!!!

2.1.4. Campo magnetico

Ao longo dos 27 km de extensao do LHC, existem apro-ximadamente 1200 dipolos, fechando o cırculo, onde saocriados os campos eletrico e magnetico que acelerame desviam as cargas. Cada dipolo possui 6 magnetos– eletroımas - que geram o campo magnetico para osprotons fazerem a trajetoria curva. As Figs. 8 e 9 mos-tram um dipolo e seu interior.

Figura 8 - Dipolo na frente do museu de ciencia nas mediacoes doCERN. Cada dipolo tem 15 metros de comprimento e ao longodos 27 km existem 1232 dipolos.

O campo magnetico dentro dos dipolos necessariopara desviar as partıculas deve ser vertical apontadopara baixo pois, pela regra da mao esquerda, a forcaaponta para o centro da trajetoria e a velocidade e tan-gente ao cırculo. Olhando a trajetoria dos protons decima, como na Fig. 10, temos representados os vetoresvelocidade, campo e forca magnetica. Como ao longodos 27 km existem 1232 dipolos de 15 metros cada um,o valor exato do raio e

Figura 9 - Dipolo por dentro, com duas cavidades por onde osfeixes passam. Ao redor estao os enrolamentos super conduto-res (eletroıma) por onde passa uma corrente altıssima para criaro campo magnetico. Esse campo magnetico e vertical apontadopara baixo na cavidade cilındrica.

R =1232× 15

2π= 2943 m.

Figura 10 - Esquema dos vetores forca, campo magnetico e velo-cidade.

Para que um proton consiga fazer uma curva comum raio de 2,94 km, e necessario um campo magneticomuito intenso, que pode ser calculado pela expressaoadvinda da igualdade da forca magnetica (forca de Lo-rentz) com a forca resultante centrıpeta (2a lei de New-ton). Entretanto, para uma velocidade relativıstica(v ∼= c), temos que acrescentar o fator γ na energia.

FM = qvB e FCP =γmv2

R,

onde

γmc2 = E (energia relativıstica).

Temos, entao, que o campo magnetico B tem inten-sidade dada pela expressao

B =γmc

qR.

Substituindo os valores para o proton, m = 1,67 ×10−27 kg, q = 1,6 × 10−19 C, R = 2943 m, c = 3 ×108 m/s,

B ∼= 8 T.

O modulo do campo magnetico B necessario pararealizar o experimento dentro do LHC e de aproxima-damente 8 T, um valor que corresponde a cerca de 10mil vezes o campo magnetico da Terra. Por essa razao,

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na montagem do LHC, os dipolos nao puderam ser tes-tados isoladamente, pois o campo “vazaria” para fora eatrairia tudo que e feito de metal num raio de 20 km,inclusive os avioes do aeroporto de Genebra! Ao se fe-char o LHC com os 1232 dipolos na circunferencia de27 km de extensao, o campo magnetico produzido poreles fica dentro do tubo.

Alem dos magnetos (eletroımas) responsaveis pelocampo que desvia as cargas, existem em torno de 400quadrupolos com uma funcao muito especıfica. Saoimas corretores que servem para agrupar os protons dofeixe. A luminosidade pretendida para o experimentode 2012 e de 1034 protons por cm2, o que e um numeroextremamente alto. Como essas partıculas sao carre-gadas positivamente, a forca coulombiana de repulsaoe muito grande e a tendencia e que o feixe se disperse.Por isso, os quadrupolos, ilustrados na Fig. 11, saolocalizados estrategicamente dentro do dipolo para re-cuperar e concentrar o feixe.

Figura 11 - Dipolos dentro do tunel do LHC. Por dentro ele econstituıdo de 6 magnetos e 2 quadrupolos que focalizam o feixe.

2.1.5. Corrente eletrica

Para gerar um campo magnetico tao intenso, e ne-cessaria uma corrente eletrica passando pelos enrola-mentos de imensa magnitude. Sabemos que o campogerando por correntes e proporcional a permeabilidademagnetica do vacuo (µ0= 4π × 10−7 T.m/A) e a cor-rente (i). No caso de um fio retilıneo, o campo B vale

B =µ0i

2πd.

Os magnetos dentro do dipolo no LHC tem cercade 150 enrolamentos por onde circula a corrente e adistancia media dos cabos ao centro do tudo e de 45 mm(Fig. 12).

Figura 12 - Enrolamento que produz o campo magnetico dentrodos dipolos.

Portanto, para essas medidas, a corrente necessariapara criar um campo de 8 T e

i =B2πd

µ0N=

8× 2× π × 0, 045

4× π × 10−7 × 150⇒ i = 12000 A.

A corrente que circula nos enrolamentos super-condutores do LHC e de 12 kA, que corresponde a 10vezes o valor da corrente numa descarga eletrica de umatempestade. Obviamente, com esse valor de corrente,nao ha metal que resista a sua passagem. O efeitoJoule e um problema serio que deve ser evitado noseletroımas e, para isso, ha um sistema avancadıssimode refrigeracao para diminuir a temperatura dos con-dutores e para abaixar a sua resistividade.

Existem usinas de criogenia no CERN que produ-zem Helio lıquido para que no interior do LHC a tem-peratura chegue a 2 K, ou seja, -271 ◦C . Esta e me-nor temperatura observada no Universo!Um sistemaeletronico com mais de 10 mil sensores regula a en-trada de 700 mil litros Helio lıquido pelos tubos QRL(Fig. 11). Como nao existem termometros que pos-sam medir tao baixa temperatura, ela e medida atravesda resistencia eletrica da platina, que tambem diminuicom a temperatura.

2.1.6. Corrente do feixe de protons

O numero de pacotes que agrupam os protons, ou bun-ches, no LHC e 2808, portanto, cada pacote esta a umadistancia de 27000

2808∼= 9, 62 m (27 km = extensao do

LHC).Que valor de corrente eletrica representa esse feixe

de protons dentro no LHC? Lembrando que corrente ea quantidade de carga eletrica que atravessa uma secaotransversal de um “fio” por unidade de tempo, temos

i =ne

∆t.

Resta saber quantos protons passam por segundonuma secao transversal. O total de carga dentro dotubo e QT = 2808 x 1,15 × 1011 x 1,6 × 10−19 = 5,2× 10−5 C. Como eles estao numa velocidade proxima ada luz, em um segundo, eles dao 300000

27000 = 11000 voltas.Ou seja, em um segundo passam 11000 vezes a cargatotal acima!!

Assim, a corrente i = 5,2.10−5.110001 = 0, 57A.

2.1.7. Por que tanta energia?

A energia que se chegou hoje nos experimentos doCERN e suficiente para estudar a materia e o Uni-verso no inıcio da sua criacao, alguns segundos aposa ocorrencia do big bang. Acredita-se que, nesses se-gundos iniciais, toda a energia da “bola primordial” foiexpandindo-se e resfriando-se, criando e compondo amateria que hoje temos no Universo.

Com o desenvolvimento dos modelos teoricos dafısica quantica, os cientistas acreditam que o Universo e

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preenchido por um vacuo, denominado campo de Higgs,associado a um condensado formado por partıculasmuito pesadas. Esse condensado e responsavel pordar massa as partıculas elementares atraves da sua in-teracao com elas.

Num experimento de alta energia, um feixe com7 TeV se choca com outro, e muitas outras partıculassao criadas a partir desse vacuo. Por isso que, com oavanco tecnologico e desenvolvimento da ciencia a par-tir da decada de 30, muitas partıculas comecaram aserem descobertas. Essa energia e da ordem de grande-zas necessaria para excitar o condensado de Higgs, demaneira a perceber um boson isoladamente.

2.1.8. Aquisicao de dados em um experimento

Um experimento tıpico no detector ALICE (Fig. 13)produz muitas partıculas e dados para serem analisa-dos. Esses dados sao, primeiramente, selecionados porum sistema eletronico altamente complexo chamadoTrigger, desenvolvido no CERN, que decide em temporeal quais eventos sao interessantes e devem ser arma-zenados. Mesmo apos tres etapas de filtro de dados,as informacoes geram 100 Mega Bytes por segundo dememoria. Seriam necessarios 20 milhoes de CD ou 100mil computadores para armazenar tamanha quantidadede informacao[16]. A solucao encontrada foi o sistemade GRID, tambem inventado no CERN, que corres-ponde a uma rede que envia dados para todos compu-tadores dos paıses que colaboram com os experimentos(Figs. 14 e 15).

Figura 13 - Partıculas geradas numa colisao dentro do detectorALICE.

3. CERN e epistemologia

Alem dos conteudos de fısica especıficos que citamos, osaspectos da natureza da ciencia estao muito presentesno dia-a-dia do CERN e podem ser explorados por pro-fessores que tem a intencao de mostrar como a cienciae de fato.

Figura 14 - Sala de controle central do CERN, onde os resultadosde um experimento sao mostrados.

Figura 15 - Sistema de GRID inventado no CERN para armaze-nar os dados advindos de um experimento.

Erroneamente, muitos professores acreditam e ensi-nam aos seus alunos que a ciencia ainda e construıda demaneira linear, com etapas bem definidas do metodo ci-entıfico. Isso e uma concepcao epistemologica ingenuaacerca da producao do conhecimento cientıfico e, se-gundo Moreira e Ostermann [17],

O metodo cientifico e interpretado como umprocedimento definido, testado,confiavel,para se chegar ao conhecimento cientifico:consiste em compilar fatos atraves de ob-servacao e experimentacao cuidadosas e emderivar, posteriormente, leis e teorias a par-tir destes fatos mediante algum processologico.

A partir do seculo XX, a forma com a qual o conhe-cimento cientıfico passa a ser produzido se modifica. Ateoria da relatividade de Einstein, em 1905, marcou essamudanca, pois nao houve comprovacoes experimentaisanteriores a sua formulacao. Einstein fez experimentosmentais e supos que, de princıpio, a velocidade da luzera constante para poder deduzir as consequencias darelatividade.

A partir daı a pratica cientıfica tomou outro rumoe muitas teorias comecaram a ser feitas antes da ob-servacao dos fenomenos. A intencionalidade passa acomandar a observacao dos fenomenos.

E a ciencia foi alem... Num grau mais elevado,essa intencionalidade passou a induzir os fenomenos que

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nunca aconteceriam espontaneamente, como por exem-plo, a descoberta de partıculas microscopicas nos ace-leradores. E o que Bachelard [18] chama de fenome-notecnica.

Entao, e preciso que o fenomeno seja esco-lhido, filtrado, depurado, vazado no moldedos instrumentos, produzido no plano dosinstrumentos. Ora, os instrumentos nao saosenao teorias materializadas. Deles saemfenomenos que trazem por todos os ladosa marca teorica.

O progresso cientıfico e o principal fator da inovacaotecnologica e um dos tracos mais caracterısticos daciencia contemporanea e ser “artificial” e ter como ele-mento essencial tecnicas de producao de fenomenos.Conforme aponta Lopes [19], para Bachelard existe umaestreita relacao entre a teoria e instrumento: “O proprioinstrumento e a teoria materializada, teorema reificado.Existe a teoria que permite a construcao do aparelho ea teoria que permite a interpretacao dos resultados.”

O CERN e um dos maiores produtores de tecnologiado mundo, onde se desenvolve e se inventa instrumen-tos, equipamentos, softwares, e tudo que e necessariopara se conseguir produzir e interpretar os fenomenos,aprimorando-os cada vez mais.

Outro aspecto muito presente nos centros de pes-quisa que caracteriza a natureza da ciencia e o usode modelos e da matematica para expressar o conhe-cimento fısico. Atualmente, os pesquisadores estaoempenhados em detectar o boson de Higgs no LHC.Como eles podem ter certeza da existencia de umapartıcula antes de detecta-la? Ha aproximadamente20 anos atras, um fısico chamado Peter Higgs propos aexistencia desse boson baseado num modelo teorico ma-tematico. Ao resolver uma expressao matematica, tevea ideia de desassociar a massa das partıculas da equacaoe para sua surpresa, conseguiu a solucao da tal equacao.Ele sugeriu, entao, que a massa nao e uma propriedadeintrınseca das partıculas e sim a forma como ela in-terage com esses bosons, que sao pre-existentes e lheconferem a massa. Segundo os cientistas do CERN,caso o boson de Higgs nao seja descoberto, o LHC con-tinuara em uso, pois tem muitos outros propositos e omodelo teorico vigente tera que ser aprimorado para“funcionar” mesmo sem o boson de Higgs.

A matematica e essencial para estruturar o pensa-mento fısico e tem um poder de predicao muito grande,que quando se esta na fronteira da ciencia, permite adescoberta de novos conhecimentos. A descoberta daanti-materia e um exemplo disso. Em 1930, Paul Di-rac concluiu atraves da analisa da expressao da energiarelativıstica das partıculas, E2 = p2c2+m2c4, que deve-riam existir duas solucoes para tal expressao, advindasda raiz quadrada: uma positiva e outra negativa. Aposquatro anos dessa previsao teorica, o positron foi detec-tado experimentalmente.

E interessante observar tambem que, embora as pes-quisas atuais no CERN sejam baseadas em fısica mo-derna e contemporanea, cujos conteudos foram citadosno inıcio, a validade da fısica classica continua. Ou seja,a fısica classica ensinada na escola nao e invalidade pelafısica moderna, tao almejada de entrar no currıculo se-cundario. Visto que todo funcionamento dos equipa-mentos e instrumentos, alem dos calculos dos campos,da trajetoria, da velocidade, da temperatura, da re-sistencia eletrica, da corrente, etc... que ensinamos emsala para nossos alunos, foram usados na descricao dosexperimentos.

4. Consideracoes finais

O que quisemos mostrar nesse artigo e que, embora sebusque um ensino de fısica mais contextualizado e quepossa gerar nos alunos uma aprendizagem dessa cienciaque lhe permitam entender melhor o mundo a sua volta,muitas vezes os professores de fısica tem uma concepcaoingenua da ciencia e do ensino.

Nas discussoes sobre inovacoes curriculares, cabeuma reflexao a respeito da insercao da fısica moderna noEnsino Medio. Se o objetivo do professor e um ensinopor competencias, conforme sugerido pelos PCN, quaiscompetencias estao relacionadas ao conteudo de fısicamoderna? Sera que esse conteudo de FMC nao per-mite a construcao de outras habilidades e outras com-petencias cognitivas que os conteudos classicos? Nessecaso, surgem outras questoes que devem ser analisadaspelos educadores:

1. Quais sao essas outras competencias?

2. E necessario e prioritario ensinar essas outrascompetencias?

3. Um aluno do nıvel secundario tem maturidade in-telectual e desenvolvimento cognitivo para essascompetencias?

Observe que ao falarmos de competencias estamoslidando com a relacao direta do aluno (A) com o sa-ber (S), que corresponde a dimensao cognitiva do es-quema 1. Por isso, uma analise mais aprofundada sobreessas questoes deve ser considerada e nao e nossa in-tencao responde-las, apenas queremos mostrar que an-tes da escolha dos conteudos, um professor deve terclaro o objetivo e aintencao didatica, praticando a vi-gilancia epistemologica para garantir se esse objetivoesta sendo cumprido. Se e objetivo mostrar aos nos-sos alunos uma fısica real, sem ilusoes e ingenuidade,o conteudo nao e o unico elemento importante,temosque considerar tambem a abordagem, a estrategia e ametodologia com que se ensina, pois sao esses fatoresque poderao aproximar o aluno da ciencia verdadeiratal qual e praticada no CERN. Mesmo no maior cen-tro de pesquisa e desenvolvimento cientıfico do mundo,

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a fısica classica, considerada conteudo ultrapassado noensino, esta presente no cotidiano dos fısicos.

Divulgar a ciencia e uma necessidade. Incentivar jo-vens para a carreira cientıfica faz parte da construcao dofuturo da humanidade. E possıvel sem o ensino de fısicamoderna, mostrar aos nossos alunos a importancia dodesenvolvimento cientıfico para melhorar as condicoesde vida das pessoas. Entender o mundo a nossa voltae um passo que a humanidade deve dar em direcao aampliacao da consciencia e a educacao em Ciencia fazparte dessa caminhada. Sera que nao e isso que gos-tarıamos de passar aos nossos alunos? Um entendi-mento da ciencia que esta alem do alem daquilo queensinamos na sala de aula?

Depois desse banho de tecnologia e desenvolvimentocientıfico, o aluno que perguntar “para que serve issoque voce esta ensinando?”, podera ouvir do professorque grande parte dos conteudos que estao em sala deaula fazem parte da mesma ciencia que esta presentenos maiores centros de pesquisa e, principalmente, sus-tentam os saberes contemporaneos. Os conteudos defısica classica sao as raızes da ciencia atual e permi-tiram a ela chegar aonde chegou. E ainda bem queexistem cientistas no mundo que fazem tudo que fazemnao so no CERN, mas em todos os centros de pesquisado mundo, porque ha bem pouco tempo atras nao exis-tia nem aparelho celular, muito menos GPS, lep tops,HDs externos, pendrives, Ipods, Ipads, Iphones, etc...E se hoje, a sociedade vive com toda essa tecnologia, egracas ao desenvolvimento dessa coisa maluca chamadaCiencia.

Hoje podemos dizer: o CERN e um universo desco-nhecido para quem nunca foi la, uma fonte inesgotavelde conteudos de fısica especıficos e epistemologicos.Tao inesgotavel quanto a quantidade de bosons queexiste no vacuo!

5. Agradecimentos e um depoimento

Gostaria de agradecer a oportunidade que tive de parti-cipar da “Escola de Professores do CERN 2011”. Esseevento, pelo terceiro ano consecutivo levou professoresbrasileiros ao CERN, gracas a Sociedade Brasileira deFısica e ao Laboratorio de Instrumentacao de Partıculas(LIP) de Portugal. Essa atividade foi coordenada pelaSecretaria para Assuntos de Ensino da Sociedade Brasi-leira de Fısica e financiada pela Diretoria de EducacaoBasica Presencial da CAPES e pelo Departamento dePopularizacao e Difusao da Ciencia do Ministerio daCiencia e Tecnologia. Alem disso, agradeco ao apoiofinanceiro da CAPES e ao apoio financeiro e incentivointelectual-pedagogico do Colegio Sao Luıs.

Observei nessa viagem que a fısica presente no ardo CERN nao e didatizada e aparece de uma maneiradireta, afinal e o espaco aonde se faz a pesquisa ci-entıfica. Por incrıvel que pareca, muito do que vi lae nos foi transmitido nesse curso, tambem passei di-

retamente para alunos do Ensino Medio, sem trans-posicao intencional. Muitas das informacoes descritasnas secoes acima foram transmitidas para os meus alu-nos e, para minha surpresa, a grande maioria ficou bo-quiaberta com aquilo que estava sendo dito. Isso podeser facilmente verificado por mim pelas expressoes fa-ciais durante a explanacao: olhos arregalados e bocasabertas, sem palavras!! Muitos alunos chegaram a dizerque nao acreditavam no que estavam ouvindo... Real-mente, esses alunos captaram uma sensacao muito se-melhante a que eu tive la no CERN! E inacreditavelo que se faz la! Mesmo para professores formados emfısica, conhecer o CERN foi uma experiencia fantastica!

Referencias

[1] F. Ostermann e M.A. Moreira, Investigacoes em Ensinode Ciencias 5, 23 (2000).

[2] F. Ostermann e M.A. Moreira, Caderno Catarinensede Ensino de Fısica 18, 135 (2001).

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[4] D.P. Gil, F. Senent y J. Solbes, Ensenanza de lasCiencias, n. extra, 209 (1987).

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[16] CERN, Material curso Escola de Fısica do CERNpara Professores do Ensino Medio, disponıvel emhttps://indico.cern.ch/conferenceDisplay.py?

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