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PENA E GARANTIAS – SALO DE CARVALHO MARINA LOPES
RESUMO - CAPÍTULO IV
O MODELO GARANTISTA DE LIMITAÇÃO DO PODER PUNITIVO
4.1. A pena nas sociedades modernas: introdução
Principal característica das normas de conduta: coercitividade.
O direito se distingue pela sanção que é a coação institucional (restriçõescoercitivas dos bens da vida). O Estado Moderno se estruturou pela coação. Odiscurso ilustrado formulou a teoria da centralização do direito de exercer a sanção nopoder público = racionalização do direito. Monopólio da coação nas mãos do Estado.O uso da força sempre deveria ser limitado por regras e centralizado em determinados
organismos por ser um ato de violência. A diferença entre o Estado e um bando desaqueadores é que o primeiro tem legitimidade para exercer o poder político esancionar.
4.2. Esboço dos modelos justificacionistas da ilustração
A estrutura principiológica do Estado Moderno, que restringe o poder de punir (garantista), se fundamenta no pacto social. É impossível determinar um modelopenalógico justificacionista comum a todos pensadores do iluminismo penal. Aprincipal teoria moderna que afirma a necessidade da pena decorre de interpretaçõesdo contrato social. Pena como indenização pela ruptura obrigacional. Pensamento
ilustrado: a) Teorias absolutas – versão retributivista, moral e jurídica; b) Teoriasrelativas – prevenção geral negativa e prevenção social.
4.2.1. As Justificações Retributivistas
Tais justificações rememoram modelos penais da antiguidade (VelhoTestamento e Código de Hamurábi). Modelo retributivista arcaico = devoluçãodo mal com o mal. As teorias retributivas modernas (modelos ilustrados) sãolaicas e adotam, na medida qualitativa da pena, a racionalização (certeza) e ahumanização (proporcionalidade). O Retributivismo penal da ilustração seinspira no modelo indenizatório vinculado ao inadimplemento contratual
(reparação em caso de inadimplemento). As massas criminalizadas nadapossuíam além dos corpos, mas a incidência de poder sobre o corpo erainadmissível desde a deslegitimação do paradigma inquisitorial, assim, acapacidade de trabalho e a liberdade eram os únicos objetos idôneos deconversão em divida. Logo, a sanção penal característica da modernidade é otempo.
Modelo Penalógico de Kant: teoria absoluta da pena que se parece com a Leide Talião mascarada pelos pressupostos da civilidade e da legalidade. A penanão poderia ter jamais a finalidade de melhorar ou corrigir o homem, apenas de
aplicar-lhe um mal proporcional ao que causou. Lembra modelos primitivos de
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vingança privada. Ética kantiana entende que o homem não pode servir aosfins do estado.
Modelo Penalógico de Hegel: o delito (enquanto lesão à ordem jurídica)deveria ser neutralizado com violência correspondente à perpetrada contra o
ordenamento. Violência se destrói com violência. Distante dos pressupostos demoralidade presentes no pensamento kantiano, o delito deveria ser eliminado,pois era a violação ao direito.
Retributivismo: pena como restauração da ordem (jurídica ou moral) naturalviolada. Crença na relação de causalidade entre culpa e castigo.
O diferencial entre a ilicitude penal e a extra-penal está nairreparabilidade do dano o que torna obsoleta a função indenizatória requeridapelas teorias absolutas.
4.2.2. O Modelo Intimidatório
Modelo Penalógico de Beccaria: paradigma contratualistas da pena.Intervenção penal como necessidade, condição para viver em sociedade. É acessão de liberdade individual o ato que funda o Estado estruturando e justificando o poder de punir. A estrutura penal baseada no contrato socialimpossibilita o Estado de executar aquilo que não foi previamente acordado,assim, neste modelo, não se pode deliberar sobre a vida de um cidadão, demodo que somente sua liberdade (parcial) estaria sujeita à sanção. Liberdadecomo a liberdade de locomoção. Pena privativa de liberdade como modelosancionatório na Modernidade. Beccaria é utilitarista. “Melhor prevenir os
crimes do que ter de puni-los.” Ele rompe com a ideia retributivista da penaonde a sanção tem fim em si mesmo. Para o pensador, a finalidade da pena éintimidar.
Modelo Penalógico de Feuerbach: função da pena é intimidar, e seufundamento é a ameaça. Percebe que a coação física não basta por si só,sendo necessária uma coação psicológica. Evita a tendência anti-ilustrada defusão dos planos da moral e do direito. Carrara critica tal modelo porqueentende que levaria a um aumento progressivo das penas, pois o pensamentoseria o de que: “se alguém infringiu a lei, o fez porque não se intimidou com apena que ela previa em caso de seu descumprimento, assim, para infundir temor, é necessário aumentar a pena”. Radbruch comenta o fato comoterrorismo penal.
4.2.3. A perspectiva política de prevenção social
Modelo Penalógico de Marat: movimento da criminologia crítica (década de70 do sec. XX). Socialismo utópico baseado no contratualismo. Relação desimetria entre Estado e cidadão; Direito de punir do Estado vs. Direito deresistir do cidadão ante o descumprimento de deveres por parte do Estado.Embora o fundamento da pena (do ius puniendi ) seja a retribuição, para Marat,
a sanção somente é justa se o Estado a aplica com vistas a reduzir asdiferenças e restabelecer as igualdades. A lei deve ser abrandada em face do
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mais desafortunado. Ensaia o princípio da co-culpabilidade (co-responsabilidade) estatal pelo delito (teoria da prevenção social). Entende queé a distribuição equânime de riqueza e a educação das massas que fará asnormas serem observadas.
4.3. A justificativa etiológica de prevenção especial: fundamento e programapolítico-criminal
Passagem do modelo contratualistas de controle social para a estruturaetiológica. Crime enquanto violação da lei da natureza por indivíduos identificados pelasua estética pré-civilizada (Lombroso, Ferri, Garófalo, Escola do Recife).Fundamentação „medicalizada‟ do discurso sobre o crime, o criminoso, e a pena que
exclui toda e qualquer avaliação humanística do fenômeno. O crime como mais do quemero fato social ocasional, como violação da lei da natureza operada por indivíduosidentificados por sua estética.
Maioria sadia (aqueles que seguem a lei) vs. Minoria desvirtuada quenecessita de tratamento. O instrumento idôneo para recuperar e civilizar essa minoriaé a pena. O pensamento etiológico difere do retributivista (direcionado ao fatopassado) e do preventivo geral (direcionado à coação social), pois concentra seu focono indivíduo, no delinquente, e sobre ele que deve agir a resposta ao desvio punível (apena). A ciência que antes era ocupada por pensadores do direito e da política éinvadida por anatomistas, psiquiatras, biólogos, antropólogos... A desjudicialização dosistema penal e da execução da pena permitiu que as teorias do positivismo(baseadas no tratamento do sujeito) operassem em um paradigma repressivoestigmatizante sem qualquer fiscalização/controle.
Passa-se a ver na pena uma função redentora, expiatória do mal, remédio doser desviado. Pena como medida de higienização social com fundamentaçãoterapêutica. Época da criação de tipologias delinquenciais (classificação doscriminosos segundo a propensão à pratica de crimes, as características físicas epsíquicas e o tipo de crime cometido) para indicar o nível de periculosidade individual. A personalidade do acusado (aspectos biológicos, psicológicos e sociais) descrita emum exame criminológico era levada em conta na hora de o juiz individualizar a pena. Oquantum da pena, segundo o ideal positivista, deveria ser fixado mais pelo corpoadministrativo clínico do que pelo juiz que, com discricionariedade, deveria tãosomente declarar a culpabilidade do acusado. A duração da pena ficaria, assim, a
critério da administração penitenciária que a faria cessar quando se tornassesupérflua. Cabia ao Legislativo não cotizar limites mínimos e máximos às penas (penaindeterminada).
Propostas do modelo etiológico: tipologias criminais classificatórias, exameclínico-criminológico antes da sentença, pena indeterminada e reincidência perpétua(entendimento de que o cometimento de um crime representaria uma mácula na vidado indivíduo que o acompanharia até a morte). Todas as propostas coincidem quantoao fato de que a personalidade do agente fundamenta os prognósticos de reincidênciae os juízos de periculosidade que influenciarão a dosimetria e a execução da sanção.
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Essas doutrinas antropológicas positivistas ferem o princípio da legalidade(taxatividade da lei), pois inspiram modelos penais cujos tipos criminais sãoindeterminados, elásticos. Ademais, a categoria „periculosidade ‟ é o oposto doprincípio da presunção de inocência, de modo que impede a construção de um modeloprocessual de garantias.
Em nosso CP estão enraizadas algumas premissas positivistas dessa noçãoprofilática da pena como as avaliações da personalidade do réu na dosimetria dapena.
OBS.: Defesa social é um movimento de falso humanismo que nega suatradição positivista, mas que, em verdade, revigora o paradigma etiológico.
4.4. Crítica garantista ao modelo periculosista e à subjetivação processual
Ferrajoli nominou dois modelos antigarantistas: a) sistemas sem culpabilidade
e b) sistemas substancialistas (onde se encaixa o modelo etiológico). Eles prescindemda lesão ao bem jurídico, pois reprimem antecipadamente a possibilidade de lesãocriando um sistema penal do autor e não do fato. Acaba-se punindo a pessoa pelo queé e não pelo que fez, abandonando os princípios da secularização e da legalidade.
O conceito de ressocialização, cuja função é consolidar o paradigmadefensivista, é tão indeterminado quanto os elementos que lhe são correlatos(periculosidade, personalidade, antecedentes, conduta social...). As teorias queconciliam direito e natureza (teorias de Defesa Social) e direito e moral (teorias daemenda que concebem o réu como pecador que deve se reeducado de forma coativa)são as mais antiliberais e antigarantistas já concebidas.
Ferrajoli segue os passos de Carrara ao entender inútil e falso o uso da penapara emendar (pena enquanto instrumento curativo ou reeducativo).
4.5 O Garantismo e a Negação da Legitimidade Jurídica da Pena
4.5.1. Da necessidade de uma teoria da pena
Zaffaroni entende que o juiz, num primeiro momento, pode prescindir deuma teoria da pena, vez que pode atuar de modo razoavelmente intuitivolançando mão de princípios penais liberais e constitucionais republicanos.
Nesse passo, ressalta que, na ausência de tal teoria, o trabalho mais complexosobraria ao professor de direito penal ou jurista teórico. Contudo, sua tese é ade que uma teoria da pena é absolutamente dispensável. O autor é favorável àredução da violência do poder punitivo, entendendo que, para tanto, é precisoque o país seja progressivamente liberal (garantista) prescindindo das„sementes do mal‟ da teoria da pena.
Pena como manifestação fática, meio extremo e cruel, essencialmentepolítica, isenta de qualquer fundamentação jurídica racional.
Ferrajoli comunga da ideia de que todas as teorias da pena traziam
consigo características do anti-liberalismo do século passado (finalidade deDefesa Social) e apoia as críticas feitas aos ideais defensivistas. Defende uma
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teoria normativa sobre os limites e condições de legitimidade da pena fundadana minimização do sofrimento causado pela aplicação da pena, noreconhecimento desta na esfera política e na tutela da parte mais vulnerável darelação contra qualquer tipo de vingança (pública ou privada) emotiva edesproporcional. Visualiza como solução o deslocamento da pena da esfera
jurídica à política.
Consoante Tobias Barreto e Zaffaroni, o conceito „pena‟ é político,sendo esta um exercício de poder; e não um „direito‟ inventado. Barreto propõe
uma “forma jurídica da pena, entendida como técnica institucional de
minimização da reação violenta ao desvio socialmente não tolerado, e de
garantia do indiciado contra os arbítrios, os excessos e os erros comuns em
sistemas a- jurídicos de controle social” (pág. 145).
4.5.2. A Proposta Garantista de Limitação do Poder Punitivo
O modelo garantista, negando as teorias da pena, estabelece critériosde limitação do poder penal. A concepção de delito e delinquente, antes doparadigma da reação social, era representada pela ação de uma minoriadesviante (delito = exceção; delinquente = homem diferenciado dos demais).
Utilitarismo reformado (Ferrajoli): duplo fim da pena - “ máxima
felicidade possível para a maioria não desviante e mínimo sofrimento
necessário para a minoria desviante” . Ruptura com a tradição de direcionar asanção somente à prevenção de novos delitos (prevenção especial positiva – individual – e negativa – coletiva). Ferrajoli entende ser possível construir ummodelo penalógico minimalista redutor de danos (por redução de danosentenda-se „do sofrimento da aplicação da pena‟) se preenchidos doisrequisitos a) a separação entre direito e moral (crime não é um mal em si epena não é um bem em si) e b) a possibilidade de a pena atingir sua finalidade(simetria entre meios e fins penais).
Fim da pena não só como prevenção aos injustos delitos, mas tambémcomo prevenção à vingança arbitrária e desmedida (anarquia punitiva) que avítima ou aqueles a ela solidários operariam contra o criminoso. – Prevençãodos delitos e dos castigos (penas arbitrárias).
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RESUMO - CAPÍTULO V
OS SISTEMAS DE EXECUÇÃO E O GARANTISMO PENAL
5.1. Valores e princípios penalógico-constitucionais
5.1.1. O condenado e o status ‘apátrida’
Beccaria parte do entendimento de que o criminoso deve ser excluídoda sociedade (exílio local) e, ainda, ter seus bens confiscados se a lei quepronuncia o banimento considerar rompidos todos os laços que ligavam osujeito à sociedade. Assim, crime é a ruptura do tratado social, e o criminoso éum cidadão morto, ou seja, que deixou de ser membro do Estado.
Aos condenados do sistema punitivo, a obstrução dos canais de acesso
à jurisdição decorrente da substantiva administrativização da execução da
pena, aliada à suspensão do direito ao voto, caracterizará uma situação similar
à dos apátridas, revelando aquela cruel realidade anunciada por Beccaria e
Rousseau, na qual o condenado pela violação do pacto encontra-se em
situação de „morte civil‟. (pág. 152).
5.1.2. As instituições totais e a Constituição de 1988
Considera-se a Prisão/Cárcere, instituição totalitária (regime de controletotal, sociedade sui generis). Verifica-se na penitenciária a incapacidade degarantia de direitos. As reivindicações do preso e da massa são, muitas vezes,desprezadas pelas autoridades administrativas e judiciárias sob a alegação denecessidade de manutenção da ordem (disciplina e segurança). Sobreposiçãoda ordem aos direitos. Nesse contexto, depois de prolatada a sentença penalcondenatória, o apenado ingressa em ambiente desprovido de garantias.Decisão judicial condenatória como declaração de „não-cidadania‟, comoformalização da condição de apátrida do delinquente.
Antes da reforma da parte geral do Código Penal e da elaboração daLEP (1984), a execução da decisão condenatória cabia ao órgão administrativo
e era aparente a necessidade de sua jurisdicionalização, pois, enquanto oprocesso judicial era garantista, o administrativo tinha um quê de inquisitorial. Areferida reforma do CP reconheceu direitos fundamentais à pessoa condenada,mas foi somente com a CRFB/88 que a execução penal adquiriu feiçãoconstitucional, pois a Constituição introduziu expressamente direitos ao preso,rompendo com a lógica de que o delinquente condenado era mero objeto nasmãos da Administração pública.
Salo refuta a ideia de que o problema da execução penal é apenasadministrativo chamando de cínicos os juristas que criticam exclusivamente aoEstado Administração.
5.1.3. Valores constitucionais informadores
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Direitos humanos (limite e objeto do direito penal) vistos sob duasperspectivas: a) negativa (relativa ao limite) – imposição de limitações àintervenção estatal, (o que deve ou não ser tolerado normativamente narestrição das liberdades individuais daquele que violou o preceito legal e b)Positiva (relativa ao objeto) – estabelecimento do rol das condutas relativas à
intervenção estatal. Definição dos bens jurídicos a serem tutelados viabilizandouma política de intervenção mínima.
Valores importantes ao modelo jurídico garantista: dignidade da pessoahumana, pluralismo e tolerância. “O respeito e a promoção da dignidade
humana representariam a função primeva da existência do Estado, sendo que
sua lesão (desprezo do homem como valor) legitimaria, inclusive, a resistência”
(pág.157).
5.1.4. Princípios constitucionais informadores
O princípio principal do modelo jurídico de garantias é o dasecularização. Zaffaroni entende que este princípio se caracteriza pela adoçãode formas republicanas de governo. Secularização: rompimento dos vínculosentre moral e direito.
Ferrajoli enuncia três consequências à adoção do princípio daSecularização: 1) violação concreta de bens jurídicos alheios como única justificação das leis penais; 2) o juízo não pode versar sobre aspectossubstanciais da personalidade do réu, somente sobre os fatos penalmenteproibidos que lhe são imputados e que podem ser provados pela acusação ourefutados pela defesa e 3) a sanção penal não pode ter conteúdos nem finsmorais.
5.1.5. Princípios penalógico-constitucionais
Apesar do caráter abstrato das normas e princípios constitucionais, queacaba dificultando sua concretização, a atitude do operador jurídico deve ser comissiva, de interpretação e filtragem dos institutos jurídico-penais a partir dotexto constitucional, em verdadeiro „uso alternativo do direito‟.
5.1.6. A ‘Constituição penal’ e a restrição de direitos fundamentais do
preso
Cenário jurídico nacional desde 1988: coexistência de normasgarantidoras com outras autoritárias. „Constituição Penal dirigente‟ – nossaConstituição recepcionou anseios punitivos, colocando em xeque seus própriosprincípios liberais. Salo assevera que o fato de a condenação criminaltransitada em julgado implicar a perda dos direitos políticos do condenado,ainda que temporariamente, demonstra que nossa CRFB visa à exclusão doapenado da vida pública, destituindo formalmente sua cidadania econsolidando aquele estigma de apátrida. Necessidade de revisãoconstitucional a fim de assegurar o exercício do voto ao preso.
5.2. Sistemas de execução penal
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5.2.1. Sistemas de execução penal: escorço histórico
A função administrativa distingue-se da jurisdicional porque, na primeira,o administrador age espontaneamente enquanto que, na segunda, o juiz deveser provocado. “ A verdadeira natureza da execução penal é de ato de
administração, (...) nela o Estado age com um poder soberano para arealização dos seus interesses. Se, ao contrário, a execução penal fosse ato
jurisdicional, o órgão executivo estaria vinculado aos interesses de outros‟ .
“C essada a atividade do Estado-jurisdição com a sentença final, começa a do
Estado-administração com a execução penal .” (pág. 163)
Contudo, o entendimento puramente administrativista não prosperouem vista da intervenção judicial necessária nos incidentes da execução (todasas decisões complementares à execução da sentença, segundo a vontade dalei, com o poder de mudar a sentença e mesmo contribuir para que a penatermine em virtude de fatos supervenientes de alcance jurídico).
o Administração regular a massa carceráriao Judiciário ceder ou restringir benesses legais.
A concepção administrativista peca ao considerar os incidentes deexecução, que são direitos públicos subjetivos dos apenados frente à Administração, como meros benefícios concedidos pelo Estado.
5.2.2. O sistema de execução instituído pela LEP
„Crise da Execução da Pena‟: tradicionalmente, o direito penitenciário
era autônomo e, portanto, distinto do penal e do processual penal. Nesseprisma, tal direito era exercido por órgãos do Serviço Penitenciário (estataisadministrativos do Executivo, não subordinados ao MP e ao juízo deExecução). A disfunção da atividade pelo arbítrio e pela lesão constante dosdireitos dos presos gerou a crise da execução da pena.
„ A ação executiva é regida pelos princípios da disciplina e da ordem, e
sob estes signos viu-se historicamente a justificativa da administração
penitenciária para restrição/violação de direitos do condenado que não
foram limitados pela sentença penal.‟ „ Com o intuito de diminuir tais
violações, restringir a atividade da administração e proporcionar ao apenado
garantia mínima de seus direitos, a Lei no 7.210/84 normatizou a jurisdicionalização da execução da pena’ . (pág.166).
Princípio básico dos modelos jurídicos garantistas a legalidadeinstrumentalizada pelo direito de petição do apenado. No Brasil, somente como estatuto executivo de 1984 institucionalizou-se, via processo legislativo, omodelo jurisdicional de execução.
5.2.3. Os princípios relativos aos sistemas processuais e o diagnóstico do
processo de execução penal brasileiro.
É impossível existir um sistema jurídico hibrido ou misto, seja eleprocessual, penal ou penalógico. O modelo jurídico ou é garantista ou é anti-
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garantista, o sistema processual ou é acusatório (como o nosso nos diasatuais) ou inquisitório e o sistema executivo ou é jurisdicional ou administrativo.
Sistema processual acusatório: princípio dispositivo, possibilidade de„dispor‟ relativa à iniciativa de instauração de processo (a iniciativa probatória
se encontra exclusivamente nas mãos das partes) e à consequente limitaçãoda atividade jurisdicional (juiz como espectador).
Vê-se que a jurisdicionalização (formal) da execução penal representouavanço em matéria de garantias frente ao modelo pretérito administrativizado,contudo, a jurisdicionalização só basta se for modelada desde um mecanismoprocessual acusatório, pois apenas o processo de execução penal acusatóriootimiza a ampla defesa e o contraditório.
Pontos que distanciam nosso sistema do acusatório puro: a iniciativaindepende de qualquer provocação da parte interessada (Ministério Público),
partindo do juiz; a mutabilidade das decisões que não vinculam definitivamenteas partes (o título executivo pode ser alterado de acordo com o grau de“ressocialização” do apenado, por exemplo). “ Imprescindível, pois, se se quer
realmente democracia processual, reavaliar a posição do juiz, tornando-o
garante dos direitos individuais em uma forma processual penal acusatória,
regida pelos princípios do devido processo penal (...)”. (pág. 175).
5.3. Direitos versus Disciplina(s): o controle do indivíduo e da ‘massa carcerária’
Inquisitoriedade: no conflito entre „direitos do apenado‟ e „pressupostos dasegurança e da disciplina‟, estes sempre prevalecem. É a negativa jurídica ao status
de „sujeito de direitos‟ do condenado mediante lesão sistemática, legitimada pelospressupostos já mencionados, aos seus direitos fundamentais (individuais e sociais).
5.3.1. Fundamentos ideológicos da LEP e suas conseqüências normativas
A reforma brasileira de 1984, seguindo os rumos do movimento „NovaDefesa Social‟ (reação aos sistemas penalógicos de retribuição jurídica),encontrou na pedagogia ressocializadora (política de ressocialização quevisa à prevenção da reincidência) e na concepção meritocrática os ideaispara edificação legislativa. Prevenção do crime + tratamento do delinquente.
5.3.2. A retórica disciplinar
Conceito de disciplina: conjunto de poderes atribuídos aos oficiais doprocesso executivo para sujeitar o condenado às normas do ordenamento e àsordens pessoais.
Foucault: sustenta que as disciplinas foram criadas nos séculos XVII eXVIII como fórmulas gerais de dominação quando se percebeu que era maisbarato e eficaz vigiar do que punir. Disciplinas como forma de „humanizar a
pena‟ e com função de adestrar.
“ Criam-se regras universais da boa condição carcerária, representadas pelos princípios da correção (a recuperação dos condenados é o objetivo da
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pena); da classificação (os detentos devem ser classificados e isolados
conforme a gravidade de seu ato); da modulação das penas (a pena pode ser
modificada de acordo com os resultados obtidos); do trabalho como obrigação
e direito (a laborterapia é fundamental no processo de transformação e
socialização); da educação penitenciária (precaução e atividade conjunta ao
trabalho); do controle técnico dos detentos (a instituição deve ser dirigida por pessoal técnico-especializado, que possua condições morais para formar
indivíduos); e das instituições anexas (redes de instituições conjuntas, como o
manicômio). Cada princípio, adequadamente colocado, permite a conformação
de tecnologia voltada à modificação dos seres. A prisão esteve, pois, desde
sua origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos.” (pág. 181)
Os métodos disciplinares são inquisitoriais.e, portanto, se opõem aoregime de legalidade do Estado de Direito garantista.
5.3.3. O controle da identidade do preso: laudos e perícias criminológicas:
discurso oficial
A LEP prevê a individualização administrativa da pena quandoregulamenta a avaliação criminológica objetivando estabelecer parâmetros aotratamento penal (critérios: „antecedentes‟ e „personalidade do agente‟).
Centro de Observação Criminológica (COC): local autônomo dainstituição carcerária que realiza exames periciais e pesquisas criminológicasque retratarão o „perfil do preso‟, fornecendo instrumentos de auxílio nas
decisões judiciais dos incidentes da execução.
Comissão Técnica de Classificação (CTC): atua no local da execuçãoobservando o cotidiano do condenado. Parecer voltado ao aproveitamento daterapêutica penal pelo apenado.
5.3.4. O controle da identidade do preso: laudos e perícias criminológicas:
funções reais
O mais perverso modelo de controle social é aquele que funde odiscurso do direito com o discurso da psiquiatria, ou seja, que regride aosmodelos positivistas de coalizão conceitual do jurídico com a criminologianaturalista.
5.3.5. O controle da ‘massa carcerária’: regime meritocrático
A estrutura meritocrática determina critérios de verificação da condutado preso conforme o maior ou menor grau de adaptação às regras disciplinaresque regulam a permanência no estabelecimento penal. Segundo o art. 44 daLEP, a disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência àsdeterminações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho.
O procedimento de instrução e julgamento das sanções disciplinares épresidido pela administração penitenciária e, por ser essencialmente um
procedimento administrativo, é orientado pela inquisitorialidade.
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5.4. Garantismo e execução penal: proposições
A teoria geral do garantismo, moldada desde uma perspectiva „realista e
marginal‟ (latino-americana), é capaz de produzir um discurso harmônico com asnovas relações sociais das sociedades pós-industriais, gerando uma série de
modificações no sistema penalógico.5.4.1. A volatilidade da pena
A alteração da quantidade (tempo) e da qualidade (forma) da execuçãoda pena foi fruto da solidificação do sistema progressivo.
É necessário, para a correta adaptação do apenado à pena(individualização administrativa), seu constante submetimento às avaliações deordem psíquica e disciplinar. O norte da execução, portanto, seria delimitadopela adequação às regras meritocráticas e ao programa ressocializador, os
quais balizarão a quantidade e a qualidade da pena.Exposição de motivos da LEP: “(...) a pena finalmente cumprida não é,
necessariamente, a pena da sentença (...) as hipóteses de conversão, quer
para agravar, quer para atenuar, resultam, necessariamente, do
comportamento do condenado, embora sejam também considerados os
antecedentes e a personalidade, mas de modo a complementar a investigação
dos requisitos”.
Apesar de o sistema progressivo se apresentar ao público comomecanismo humanitário, legitima um modelo absolutamente antigarantista que
torna incertos o tempo e a forma de resposta ao desvio. Assim, se o aumentoda pena em sede de execução contraria um modelo de garantias, sua redução,estruturada no princípio do arrependimento, é igualmente ofensiva aos direitosfundamentais.
Lembra Hoenisch que as perícias criminais determinam a mobilidade(ou não) da pessoa presa, desde uma lógica (senso comum) de culpa earrependimento cristão: se o autor ou autora do delito se mostra arrependido,então este é um critério sólido para o recebimento do benefício.
Nesse sentido, Salo não propõe o fim do regime progressivo, mas a
abolição do modelo meritocrático que admite uma porosidade antigarantista dacoisa julgada penal. Refere que os incidentes apenas poderiam alterar o títuloexecutivo in melius e que, admitindo-se tal volatilidade mitigada, pois apenas„para melhor‟, os requisitos para alteração da pena em execução devem ser absolutamente objetivos, fundamentalmente no que tange, no nosso sistema,ao cumprimento de determinado tempo da pena. Ressalta que, em nenhumahipótese, a falta disciplinar poderia ultrapassar a esfera administrativa paraproduzir efeitos no campo judicial e que, as sanções disciplinares, em umprocedimento no qual seja garantida a ampla defesa, somente podem limitar direitos „domésticos‟ do apenado, sob pena de produzir, como ocorre na
atualidade, penalizações múltiplas (nas esferas administrativa e judicial), emclara ofensa à máxima ne bis in idem.
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5.4.2. As relações entre os discursos disciplinar e jurídico:
processo penal e procedimentos executivos
Os procedimentos administrativos disciplinares (PAD‟s) não são
harmônicos com a estrutura acusatória do rito garantista, a começar pelo fato
de que sequer há regulamentação prévia das „regras do jogo‟ procedimental,ficando os Estados com a competência de suprir as lacunas normativas daLEP. Desta forma, tem-se como imprescindível a jurisdicionalização dosprocedimentos relativos às faltas (no mínimo as graves), pois os efeitosproduzidos nesta seara (jurisdicional) acabam por exigir tal atribuição aomagistrado da execução. Ademais, o debate sobre a conduta faltosa dar-se-iano palco processual, em audiência, com necessária presença do MinistérioPúblico e da Defesa técnica.
5.4.3. A função dos técnicos (criminólogos)
Segundo a LEP, as Comissões e Centros de Observação têm por função realizar anamneses e prognósticos visando à reinserção social doapenado. A atividade do técnico não é apenas o de confecção de laudos, maso de propor (não impor ) ao condenado um programa de gradual „tratamento
penal‟, objetivando a redução dos danos causados pelo cárcere(prisionalização). Os técnicos que atuam na execução não estão isentos dosegredo profissional inerente aos seus cargos, isto é, não estão autorizados adivulgar dados relativos à intimidade da pessoa.
Salo coloca que é um problema o fato de o „tratamento‟ ser imposto aos
apenados, ser um dever ao invés de um direito, porquanto tal situação fere aliberdade de consciência do preso.
5.4.4. O controle do tempo das decisões judiciais: resolução ficta
A morosidade da magistratura em responder aos incidentes executivosé tamanha que chegou a ser nominada como uma das causas de inúmerosmotins e rebeliões.
Parece salutar, não apenas que a legislação seja aperfeiçoada nosentido do estabelecimento de prazos razoáveis às decisões judiciais em sedeexecutiva, como também que, apreendendo os valores ínsitos ao Pacto de São
José, sejam criadas técnicas judiciais idôneas a uma célere decisão sobre osincidentes de execução penal.
Resolução ficta: sistema adotado pelo Paraguai segundo o qual, emcaso de omissão dos poderes jurisdicionais, são concedidos automaticamenteos direitos pleiteados (o descumprimento dos prazos pelo Estado leva àconcessão dos direitos pleiteados pela parte).
5.4.5. Da necessidade de recodificação
O Dir. Penal, abandonando o ideal iluminista de leis simples e claras
pela realidade de leis complexas e confusas ingressou na era irracional dadescodificação e das legislações especiais.
7/28/2019 Apontamentos Pena e Garantias
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PENA E GARANTIAS – SALO DE CARVALHO MARINA LOPES
A desregulamentação das normas e a desjudicialização do processo nosistema de execução penal fez a estrutura do controle social formal retomar ummodelo penal irracionalista. O discurso que culminou com a descodificaçãodefendia a necessidade de lei específica (e abrangente) para regulamentar aexecução penal em vista da autonomia científica da disciplina.
O legislador, ao tentar otimizar a legalidade da execução penal, atravésde um estatuto único, acabou, “acidentalmente”, submetendo os direitos docondenado a uma estrutura administrativa-disciplinar e clínico-criminológica, naqual os direitos ficam invariavelmente subordinados aos laudos técnicos e aosprocedimentos disciplinares.
5.4.6. A cominação penal em abstrato
Ferrajoli propõe a redução do teto cominado à pena privativa deliberdade: sustenta ser perverso o efeito penalógico que mantém reclusa uma
pessoa por muitos anos. “Passado longo período, nem a pessoa, muito menosa sociedade que em determinado momento reivindicou a pena, são mais as
mesmas. Injusto, pois, que o homem, totalmente modificado pelo
enclausuramento, continue sofrendo pena em realidade totalmente diversa
daquela que necessitou a manifestação repressiva do Estado. A minimização
das penas em sede legislativa representaria redução de danos e custos
sociais.” (pág. 208). Junto de sua proposta de alteração do máximo da pena,defende a indeterminação de seu mínimo, cabendo ao legislador delimitar apenas o máximo, ficando ao critério do juiz a fixação motivada da sanção (nãoficando este vinculado a um mínimo legal).
5.4.7. A responsabilização dos agentes públicos pela violação dos
direitos fundamentais dos apenados
Zaffaroni sugere a responsabilização funcional e pessoal (inclusivepenal), dos juízes por negligência na vigilância dos estabelecimentos prisionais.“O juiz que tolera passivamente a violação dos direitos fundamentais, incorreen un injusto análogo al de quien tolera la prolongación indebida de la privación
de libertad, pues en este último caso se trata de un injusto por extensión de la
privación de libertad, em tanto que en el primero el injusto es por las
condiciones de la misma” (pág. 211).
Garantir significa, primordialmente, atuar na defesa intransigente dosdireitos como limite ao poder punitivo, construindo técnicas de minimização daarbitrariedade judicial e administrativa.
fim