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APONTAMENTOS DE ´ ALGEBRA Valores e Vectores Pr´ oprios Maria do Ros´ ario de Pinho e Isabel Maria Ferreira Outubro 2002 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Licenciatura em Engenharia Electrot´ ecnica e de Computadores

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APONTAMENTOS DE ALGEBRA

Valores e Vectores Proprios

Maria do Rosario de Pinho e Isabel Maria Ferreira

Outubro 2002

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Licenciatura em Engenharia Electrotecnica

e de

Computadores

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Capıtulo 1

Valores e Vectores Proprios

1.1 Introducao

Seja T ∈ L(X, Y ), onde X e Y sao espacos lineares de dimensao finita sobre o

mesmo corpo. As propriedades intrınsecas de T sao as propriedades desta trans-

formacao linear que nao dependem das bases escolhidas para os espacos X e Y .

Tais propriedades sao propriedades de todas as matrizes que representam T . Por

exemplo, se dimT (X) = r, entao qualquer matriz que representa T relativamente

a quaisquer bases de X e Y tem caracterıstica r. Em particular, se T e invertıvel,

toda a matriz que representa T e nao singular.

Vimos ja como podemos relacionar duas matrizes que representam a mesma trans-

formacao linear relativamente a bases diferentes de X e Y .

Vamos agora considerar transformacoes lineares entre o mesmo espaco linear

X. Ou seja, considerarmos apenas transformacoes lineares

T : X → X.

Uma vez que uma transformacao linear T : X → X pode ser representada por varias

matrizes, e pertinente perguntar:

• Qual e a representacao matricial mais simples possıvel que esta transformacao

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linear pode ter quando, no domınio e no contradomınio, consideramos a mesma

base?

Vamos tentar responder a esta pergunta.

1.2 Matrizes Semelhantes

• Seja entao X um espaco linear sobre o corpo K tal que dimX = n.

• Seja T ∈ L(X, X).

• Sejam B = {b1, . . . , bn} e C = {c1, . . . , cn} duas bases de X.

• Seja P ∈ Mn×n(K) tal que PxB = xC. P e a matriz mudanca de base de Bpara C. Esta matriz P e invertıvel, como se sabe.

• Seja A a matriz que representa a transformacao linear T relativamente a es-

colha da base B no domınio e contradomınio de T .

• Seja A′ a matriz que representa a transformacao linear T relativamente a

escolha da base C no domınio e contradomınio de T .

Sabemos ja que

A′ = PAP−1.

Duas matrizes como estas dizem-se semelhantes. Mais geralmente, considera-se a

seguinte definicao:

Definicao 1.2.1 Sejam A e B duas matrizes com n linhas e n colunas. Diz-se que

A e semelhante a matriz B se existir uma matriz P com n linhas e n colunas, nao

singular, tal que

B = PAP−1.

Semelhanca entre matrizes tem propriedades simples e obvias:

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Teorema 1.2.2 A relacao de semelhanca entre matrizes quadradas n × n e uma

relacao de equivalencia, porque

• Uma matriz A e semelhante a ela mesmo.

• Se a matriz A e semelhante a B, entao B e semelhante a A.

• Se A e semelhante a B e B e semelhante a C, entao A e semelhante a C.

Exercıcio 1.2.3 Demonstre o Teorema 1.2.2.

E facil mostrar que

Duas matrizes semelhantes tem o mesmo determinante.

Basta notar que

det B = det P. det A. det P−1 = det A. det P.1

det P= det A.

Observe que na definicao de matrizes semelhantes 1.2.2 e nas propriedades que

enunciamos destas matrizes nao se faz qualquer alusao ao corpo associado a estas

matrizes.

Suponhamos agora que temos um corpo K e um espaco linear X sobre o corpo K

de dimensao n. Concluimos de imediato que:

Se A, B ∈Mn×n(K) representam a mesma T ∈ L(X,X),

entao sao semelhantes.

Por outro lado, pode-se mostrar que:

Se A, B ∈Mn×n(K) tais que A = PBP−1 e P ∈Mn×n(K),

entao representam a mesma T ∈ L(X, X)

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Exercıcio 1.2.4 Sejam A, B ∈Mn×n(K) tais que

A = PBP−1

e P ∈ Mn×n(K). Sejam aij, com i, j = 1, . . . , n, as entradas de A. Sejam bij,

com i, j = 1, . . . , n as entradas de B. Sejam pij, com i, j = 1, . . . , n, as entradas

da matriz P e designe por qij com i, j = 1, . . . , n, as entradas de P−1. Temos

aij, bij, pij ∈ K. Seja X um espaco linear sobre o corpo K tal que dimX = n.

Mostre que A e B representam a mesma transformacao linear T : X → X.

Do que foi dito acima, podemos concluir que

• Duas matrizes A, B ∈ Mn×n(K) sao semelhantes se e so se representam a

mesma transformacao linear.

Sendo X um espaco linear de dimensao n, dimX = n, sobre um corpo K. Seja T ∈L(X,X). Queremos determinar a matriz mais simples possıvel que representa T :

X → X quando, no domınio e contradomınio de T , optamos pela MESMA

base.

Sera que tal matriz existe sempre?

E se existe, sera que e uma matriz diagonal?

Vamos comecar por determinar em que condicoes podemos dizer que uma matriz A

quadrada n× n e semelhante a uma matriz Λ diagonal. Recorde-se que Λ e uma

matriz diagonal se existem escalares λi, i = 1, . . . , n tal que

Λ =

λ1 0 . . . 0

0 λ2 . . . 0...

... . . ....

0 0 . . . λn

. (2.1)

Para simplificar, escreve-se

Λ = diag(λ1, . . . , λn).

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• Seja X um espaco linear de dimensao n sobre o corpo K.

Seja B = {b1, . . . , bn} uma base de X e seja T ∈ L(X, X) a transformacao

linear que, relativamente a base B no domınio e contradomınio, e representada

por por uma matriz A ∈Mn×n(K). Recorde que temos:(T (bi)

)B = ai,

onde ai, com i = 1, . . . , n, designa o vector coluna i de A. Designamos aij,

com i, j = 1, . . . , n, as entradas de A. Assim

ai =

a1i

...

ani

para i = 1, . . . , n.

Suponhamos que existem matrizes P ∈Mn×n(K) e Λ ∈Mn×n(K) tal que

Λ = PAP−1.

Sejam pij, com i, j = 1, . . . , n, as entradas de P .

Temos aij, pij ∈ K , com i, j = 1, . . . , n, e λi ∈ K, com i = 1, . . . , n. No nosso

contexto, K e R ou C.

As matrizes A e Λ sao semelhantes. Como duas matrizes semelhantes repre-

sentam a mesma transformacao linear e como A representa T , concluimos que

existe uma base C = {c1, . . . , cn} de X tal que Λ representa T relativamente a

essa base, considerada no domınio e contradomınio.

Como Λ representa a transformacao linear T relativamente a base C, sabemos

que

(T (c1)

)C =

λ1

0...

0

, . . . ,(T (cn)

)C =

0

0...

λn

.

Quer isto dizer que (T (c1)

)C = λ1c1, . . . ,

(T (cn)

)C = λncn.

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Entao

T (ci) = λici para i = 1, . . . , n.

• Seja agora X um espaco de dimensao n sobre um corpo K e seja T e uma trans-

formacao linear de L(X, X), representada por uma matriz A ∈ Mn×n(K).

Suponhamos que existem n escalares λ1, . . . , λn ∈ K e n vectores c1, . . . , cn de

X, linearmente independentes, tais que

T (ci) = λici para i = 1, . . . , n.

Entao, relativamente a base C = {c1, . . . , cn} de X, T e representada por uma

matriz diagonal Λ = diag(λ1, . . . , λn). A matriz A e entao semelhante a Λ.

Provamos assim que

Teorema 1.2.5 Seja X e um espaco linear de dimensao n sobre um corpo K. Seja

T e uma transformacao linear de L(X, X). A transformacao linear T e representada

por uma matriz diagonal se e so se existirem n escalares λ1, . . . , λn ∈ K e n vectores

c1, . . . , cn de X, linearmente independentes, tais que

T (ci) = λici para i = 1, . . . , n.

Quando T pode ser representada por uma matriz diagonal, entao qualquer matriz A

que representa T relativamente a uma dada base de X, e semelhante a uma matriz

diagonal.

O problema de determinar uma matriz diagonal que represente uma transformacao

linear fica reduzido ao de determinar n escalares λ1, . . . , λn e n vectores c1, . . . , cn

de X linearmente independentes tais que

T (ci) = λici para i = 1, . . . , n. (2.2)

Os escalares λi referidos no Teorema 1.2.5 designam-se por valores proprios e

os vectores ci que lhes estao associados por vectores proprios. Nas condicoes

do Teorema 1.2.5 a transformacao linear e representada por uma matriz diagonal

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quando, no domınio e contra-domınio, se considera a base formada pelos vectores

proprios.

No Teorema 1.2.5 esta implıcito que os escalares designados por valores proprios

tem que pertencer ao corpo K. Contudo, dada uma matriz quadrada A qualquer,

se fixarmos K e o espaco linear X, podera ser impossıvel determinar escalares λi ∈K, com i = 1, . . . , n, para os quais existam vectores ci ∈ X, com i = 1, . . . , n,

satisfazendo (2.2).

Por exemplo, considere-se o espaco linear R2 sobre o corpo dos reais (K = R). A

transformacao linear T : R2 → R2 representada, relativamente a base canonica de

R2, pela matriz

A =

[0 −1

1 0

],

definida analiticamente por

T

[x

y

]=

[−y

x

],

nao pode ser representada por uma matriz diagonal. De facto, nao existem reais

λ1 e λ2, nem vectores c1, c2 ∈ R2 satisfazendo (2.2). Contudo, A pode representar

uma outra transformacao linear entre espacos lineares sobre o corpo K = C.

Recordemos que C2 e um espaco linear de dimensao 2 sobre o corpo dos complexos.

Assim, a matriz A representa tambem uma transformacao linear S : C2 → C2.

Realmente, sendo v ∈ C2 (e entao v = (z, w)T , onde z, w ∈ C), S e definida por

S

[z

w

]=

[−w

z

].

Entao

S

[1

i

]=

[−i

1

]= −i

[1

i

],

S

[1

−i

]=

[i

1

]= i

[1

−i

].

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Valores e Vectores Proprios 9

Deduzimos entao que

λ1 = −i, λ2 = i

sao valores proprios de S associados, respectivamente, aos vectores proprios

c1 =

[1

i

], c2 =

[1

−i

].

Facilmente se verifica que estes dois vectores proprios, c1 e c2, sao linearmente inde-

pendentes (verifique!).

Concluimos assim que a transformacao linear S pode ser representada por uma

matriz diagonal

Λ =

[−i 0

0 i

].

Seja

P =

[12

− i2

12

i2

].

A sua inversa e

P−1 =

[1 1

i −i

].

Entao Λ = PAP−1.

Assim, embora a transformacao linear que inicialmente associamos a A nao possa ser

representada por uma matriz diagonal, a matriz A, considerada por si, e semelhante

a uma matriz diagonal.

1.3 Valores e Vectores Proprios

Vimos que, dado um espaco linear X de dimensao n sobre o corpo dos reais (K = R)

e dada uma transformacao linear T : X → X representada, numa certa base de X,

por uma matriz A, esta transformacao linear pode nao ser respresentada por uma

matriz diagonal.

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Contudo, a matriz A, quando considerada como um elemento de Mn×n(C) (e nao

como um elemento de Mn×n(R)) pode representar uma outra transformacao linear

S de um espaco linear Y sobre o corpo dos complexos de dimensao n. E tal

transformacao linear S podera ser representada por uma matriz diagonal.

Uma matriz A ∈ Mn×n(R) pode nao ser semelhante a uma matriz diagonal, mas a

mesma matriz, quando vista como um elemento de Mn×n(C), podera ser semelhante

a uma matriz diagonal.

Em muitas situacoes, dada uma matriz quadrada A, interessa-nos estudar a matriz

quando o corpo dos escalares considerado e o “maior possıvel”. No nosso caso, tal

corpo e o corpo C.

Dada entao uma matriz quadrada A, pergunta-se

quando e que A e semelhante a uma matriz diagonal?

Definicao 1.3.1 Os valores proprios de uma matriz A quadrada n × n (com

entradas reais ou complexas) sao os reais ou complexos λ para os quais existe um

vector x 6= 0 tal que Ax = λx.

Os vectores proprios de A sao os vectores x 6= 0 para os quais existe um numero

λ tal que Ax = λx.

Se Ax = λx par algum x 6= 0, entao x e um vector proprio associado ao valor

proprio λ e vice versa.

Qualquer vector proprio x de uma matriz A e 6= 0.

Observacao: Os vectores proprios mencionados na definicao acima poderao ser

vectores de Rn ou de Cn. Referimo-nos a eles simplesmente por vectores sem

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Valores e Vectores Proprios 11

aludirmos ao espaco vectorial a que pertencem. Como veremos tal podera ser de-

duzidos do contexto. A razao porque consideramos sempre vectores em Rn ou Cn e

simples. Qualquer espaco de dimensao n sobre o corpo dos reais e isomorfico a Rn

e qualquer espaco de dimensao n sobre o corpo dos complexos e isomorfico a Cn.

De facto, seja um espaco qualquer X de dimensao n sobre R (ou C) e considere-se

uma qualquer base B de X. Qualquer ponto x ∈ X pode ser representado pelas suas

coordenadas na base B, xB. Suponhamos que B = {b1, . . . , bn}. Entao, se x ∈ X,

existem escalares α1, . . . , αn que sao elementos de R (ou C) tais que

x = α1b1 + αnbn.

Entao, e como se sabe,

xB =

α1

...

αn

.

Ora, se os escalares αi sao reais (complexos), entao

α1

...

αn

∈ Rn (Cn). Assim, todas

as operacoes algebricas (incluindo os conceitos de combinacao linear, dependencia e

independencia linear, geradores, subespacos, dimensao ou bases) sobre elementos do

espaco X podem ser equivalentemente efectuadas sobre os vectores n × 1 das suas

coordenadas na base B que e um vector de Rn (ou Cn).

Dada uma matriz A ∈ Mn×n queremos verificar se existem valores e vectores

proprios de A. Quer isto dizer que queremos determinar x 6= 0 e λ tal que

Ax = λx,

ou, o que e o mesmo, queremos determinar vectores x 6= 0 e escalares λ tal que

(A− λI

)x = 0,

onde I representa a matriz identidade com n linhas e n colunas.

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Valores e Vectores Proprios 12

Sabemos ja que, dada um escalar λ, existe um vector x 6= 0 que resolva o sistema(A− λI

)x = 0

se e so se

det(A− λI)

= 0,

i.e., se a matriz A− λI e singular.

Teorema 1.3.2

1. λ e um valor proprio de A ∈Mn×n se e so se a matriz A− λI e singular.

2. λ e um valor proprio de A ∈Mn×n se e so se det(A− λI)

= 0.

Como determinar valores e vectores proprios de uma matriz quadrada A?

Devemos comecar por determinar os valores de λ para os quais det(A − λI)

= 0.

Determinado um λ nesta condicoes, calculamos, de seguida, os x 6= 0 tais que

Ax = λx.

A equacao det(A− λI)

= 0 chama-se equacao caracterıstica de A.

Teorema 1.3.3 Seja A uma matriz n × n. Sejam aij, com i, j ∈ {1, . . . , n}, as

entradas de A. Entao a funcao definida por

f(λ) = det(A− λI)

e uma funcao polinomial na variavel λ de grau n. Alem disso, o coeficiente da

maior potencia de λ e (−1)n, o coeficiente de λn−1 e (−1)n−1tr(A) (onde tr(A) =∑ni=1 aii, a soma das entradas de A na diagonal principal) e o termo constante e

f(0) = det(A).

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Valores e Vectores Proprios 13

A demonstracao deste Teorema e feita por inducao finita sobre n. Nao a faremos

aqui.

Vamos verificar a veracidade deste resultado para o caso de n = 1 e n = 2. Antes,

contudo, observe-se que realmente, sendo f(λ) = det(A−λI), temos , para qualquer

n ∈ N, f(0) = det(A).

Verificacao do Teorema:

Para n = 1: Neste caso A = [a11], tr(A) = a11, I = 1 e f(λ) = det(A−λ) = a11−λ.

Trata-se de uma funcao polinomial do primeiro grau satisfazendo as conclusoes

do teorema.

Para n = 2: Temos

f(λ) = det(A− λI) = (a11 − λ)(a22 − λ)− a12a21

= λ2 − (a22 + a11)λ + a11a22 − a12a21.

Trata-se de uma funcao polinomial em λ de grau 2. O coeficiente da maior

potencia de λ2 e igual 1 = (−1)2 e o coeficiente de λ e, de facto, o traco da

matriz, tr(A) = a22 + a11.

Exercıcio 1.3.4 Verifique a veracidade do Teorema para n = 3.

Podemos concluir entao que

Os valores proprios de A ∈Mn×n sao as raızes do polinomio det(A− λI)

= 0.

Sabemos ja que o polinomio de grau n det(A − λI) = 0 tem n raızes reais ou

complexas λ1, . . . , λn e pode ser factorizado da seguinte forma:

det(A− λI) = (λ1 − λ)(λ2 − λ) . . . (λn − λ).

Na factorizacao dada acima as raızes λi nao precisam de ser todas todas diferentes.

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Valores e Vectores Proprios 14

Suponhamos que o polinomio tem r raızes diferentes. Evidentemente que r ≤ n.

Mas se quisermos escrever a factorizacao do polinomio de forma a que cada raız λi,

com i = 1, . . . , r, apareca so uma vez, devemos escrever:

det(A− λI) = (λ1 − λ)m1(λ2 − λ)m2 . . . (λr − λ)m1 .

Note-se que λi 6= λj para 1 ≤ i 6= j ≤ r e

m1 + m2 + . . . + mr = n.

Definicao 1.3.5 Os numeros naturais mi sao designados por multiplicidade algebrica

do valor proprio λi.

Observe-se que, se as entradas de A sao reais e se

λ ∈ C e um valor proprio de uma matriz A,

entao o seu conjugado, λ, tambem e valor proprio de A.

Exercıcio 1.3.6

Justifique a afirmacao feita acima.

Exercıcio 1.3.7 Sejam A e B duas matrizes quadradas n×n semelhantes. Mostre

que:

• A e B tem a mesma equacao carcterıstica.

• Sendo B = PAP−1, mostre que x e um vector proprio de A asociado ao valor

proprio λ se e so se Px e vector proprio de B associado ao valor proprio λ.

Deduzimos do exercıcio anterior que

Matrizes semelhantes tem valores proprios iguais

e com a mesma multiplicidade algebrica.

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Valores e Vectores Proprios 15

Segue da definicao de valor proprio que, para cada valor proprio existe sempre

um vector proprio que lhe esta associado. Mas esse vector proprio nao e unico.

Vejamos.

Seja λ ∈ R um valor proprio de uma matriz A ∈Mn×n e seja x 6= 0 tal que

Ax = λx.

O vector x e vector proprio de A associado a λ. Considere um qualquer escalar

α 6= 0. Entao

A(αx) = αAx = α(λx) = λ(αx),

ou seja, αx e tambem vector proprio associado a λ.

Teorema 1.3.8 Seja λ ∈ R valor proprio de uma matriz A ∈ Mn×n com todas

as entradas reais. Entao qualquer vector proprio x associado a λ pode ser real

(i.e., as suas coordenadas em qualquer base podem ser escalares reias).

Exercıcio 1.3.9 Demonstre o Teorema anterior. Comece por recordar que x 6= 0.

Suponha que x e um vector complexo, ou seja, x = u + vi, onde u, v ∈ Rn. Como

A(u + vi) = λu + iλv = Au + iAv e Au e Av sao vectores reais (com todas as

coordenadas reais), conclua que ou u 6= 0 ou v 6= 0, pois x 6= 0. Entao, o vector u

ou v diferente de 0, e vector proprio real associado ao valor proprio λ.

O teorema seguinte garante-nos que, se os valores proprios forem todos reais e distin-

tos, entao existem, necessariamente, n vectores proprios linearmente independentes.

Teorema 1.3.10 Sejam λ1, λ2, . . . , λr valores proprios de uma matriz A ∈ Mn×n

(r ≤ n) todos distintos, i.e., λi 6= λj para 1 ≤ i 6= j ≤ r. Entao os vectores proprios

x1, x2, . . . , xr que lhes estao associados sao vectores linearmente independentes.

Demonstramos, de seguida, o teorema para o caso de r = 2.

O aluno devera tentar demonstrar o teorema para o caso r = 3, r = 4 e para o caso

geral.

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Valores e Vectores Proprios 16

Demonstracao. (Caso r = 2)

Sejam λ1 e λ2 os valores proprios de uma dada matriz A e λ1 6= λ2. Se os valores

proprios sao distintos, pelo menos um deles e diferente de 0. Suponhamos, sem

perda de gerneralidade, que λ1 6= 0. Sejam x1 e x2 os vectores proprios associados.

Consideremos α1 e α2 escalares tais que

α1x1 + α2x2 = 0 (3.1)

Multiplicando ambos os membros desta igualdade por A obtemos

α1Ax1 + α2Ax2 = 0

Mas

α1Ax1 + α2Ax2 = α1λ1x1 + α2λ2x2 = 0 (3.2)

Multiplicando (3.1) por −λ1 e somando a (3.2) temos

α2(λ2 − λ1)x2 = 0

Como λ1 6= λ2 e x2 6= 0, concluimos que α2 = 0. Entao (3.1) reduz-se a α1x1 = 0.

Como x1 6= 0, concluimos que α1 = 0. Ou seja, temos α1 = α2 = 0, i.e., os vectores

proprios sao linearmente independentes.

Exercıcio 1.3.11 Determine os valores e vectores proprios das seguintes matrizes:1 0 0

−3 1 0

4 −7 1

,

2 1 3

1 2 3

3 3 20

,

2 1 1

0 2 1

0 0 2

,

0 1 0

1 0 0

0 0 1

1.3.1 Matrizes Diagonalizaveis

O Teorema 1.3.10 permite-nos agora concluir os eguinte:

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Valores e Vectores Proprios 17

Teorema 1.3.12 Seja A ∈ Mn×n qualquer com valores proprios λ1, λ2, . . . , λn e

tais que existem n vectores proprios x1, x2, . . . , xn linearmente independentes. Seja

S uma matriz da forma

S = [x1 x2 . . . xn]

ou seja, uma matriz cujos vectores coluna xi, com i = 1, . . . , n, sao os vectores

proprios de A associados, respectivamente, aos valores proprios λi , com i = 1, . . . , n.

Entao

S−1AS = Λ =

λ1 0 . . . 0

0 λ2 . . . 0

· · . . . ·0 0 . . . λn

(3.1)

Observacao: S e uma matriz invertıvel em virtude dos vectores colunas que a

constituem serem linearmente independentes.

Demonstracao. Comecamos por notar que a igualdade (3.1) e equivalente a AS =

SΛ.

Multiplicando A por S, obtemos uma matriz cujos vectores colunas sao Axi, onde

xi e um vector proprio de A. Logo

AS = [Ax1 Ax2 . . . Axn] = [λ1x1 λ2x2 . . . λnxn]

Mas

[λ1x1 λ2x2 . . . λnxn] = SΛ

como querıamos provar.

Exercıcio 1.3.13 Seja A uma matriz quadrada n×n. Seja S matriz quadrada n×n

nao singular tal que

Λ = S−1AS =

λ1 0 . . . 0

0 λ2 . . . 0

· · . . . ·0 0 . . . λn

.

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Valores e Vectores Proprios 18

• Para todo o n ∈ N, calcule Λn.

• Verifique que A = SΛS−1.

• Usando a alınea anterior, calcule An para todo o n ∈ N.

• Pronuncie-se sobre a existencia de inverso de A e de Λ quando λi 6= 0 para

i = 1, . . . , n.

Exercıcio 1.3.14 Recorde que uma matriz A ∈Mn×n diz-se simetrica se

AT = A.

Mostre que os valores e vectores proprios de A coincidem com os valores proprios

de AT .

O teorema 1.3.12 garante-nos que uma matriz com n vectores proprios linearmente

independentes e diagonalizavel.

Suponhamos agora que A e diagonalizavel, i.e., que existem matrizes S, nao singular,

e Λ, diagonal, tais que S−1AS = Λ. Sejam x1, . . . , xn os vectores coluna de S. Entao

AS = A[x1, . . . , xn] = [Ax1, . . . , Axn] = ΛS = [λ1x1, . . . , λnxn, ]

ou seja, para cada i temos

Axi = λixi.

Deduzimos assim que os vectores coluna de S sao vectores proprios de A. Como S

e nao singular isto significa que os vectores proprios sao linearmente independentes.

Do que acabamos de provar e do teorema (1.3.12) concluimos que

Teorema 1.3.15 Uma matriz A e diagonalizavel se e so se A tiver n vectores

proprios linearmente independentes.

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Valores e Vectores Proprios 19

1.4 Valores Proprios e Produto Interno

Estamos agora interessados em saber quando podemos determinar um conjunto de

vectores proprios que sejam ortogonais.

Designa-se por espaco euclideano um espaco linear X na qual se define um produto

interno 〈x, y 〉.

Num espaco euclideano X real (i.e., X e um espaco linear sobre o corpo dos reais)

o produto interno 〈x, y 〉 de dois elementos x, y ∈ X e um numero real com as

seguintes propriedades:

1. 〈x, y 〉 = 〈 y, x 〉.

2. 〈x + z, y 〉 = 〈x, y 〉+ 〈 z, y 〉.

3. 〈αx, y 〉 = α〈x, y 〉, α ∈ R.

4. 〈x, x 〉 > 0 se x 6= 0.

Num espaco euclideano X complexo (i.e., X e um espaco linear sobre o corpo dos

complexos) o produto interno 〈x, y 〉 de dois elementos x, y ∈ X e um numero

complexo com as propriedades:

1. 〈x, y 〉 = 〈 y, x 〉.

2. 〈x + z, y 〉 = 〈x, y 〉+ 〈 z, y 〉.

3. 〈αx, y 〉 = α〈x, y 〉, α ∈ C.

4. 〈x, x 〉 > 0 se x 6= 0.

onde z representa o conjugado de z.

Das propriedades 1 e 3 do produto interno de um espaco euclideano concluimos que,

sendo α ∈ C, vem

〈x, αy 〉 = α〈x, y 〉 (4.1)

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Valores e Vectores Proprios 20

Seja entao X um espaco euclideano (real ou complexo) de dimensao n. Seja A uma

matriz actuando sobre X. Seja λ um valor proprio de A com um vector proprio x

associado. Observe-se que

〈Ax, x 〉 = 〈λx, x 〉 = λ〈x, x 〉.

Como x 6= 0, concluimos que (porque 〈x, x 〉 6= 0):

λ =〈Ax, x 〉〈x, x 〉

.

Concluimos tambem, de (4.1), que

λ =〈x, Ax 〉〈x, x 〉

.

Obviamente que λ ∈ R se e so se

〈x, Ax 〉 = 〈Ax, x 〉.

Lembremos que uma matriz A e Hermıtica se

AH = A,

onde AH = AT. Se as entradas de A forem todas reais, A e hermıtica se e so se A e

simetrica.

Teorema 1.4.1 Seja A uma matriz quadrada actuando sobre um espaco euclideano

X.

1. A matriz A e hermıtica se e so se, para todo o x, y ∈ X,

〈Ax, y 〉 = 〈x, Ay 〉.

2. Se A e uma matriz hermıtica, entao todos os seus valores proprios sao reais.

3. Se A e uma matriz hermıtica e se λ1 e λ2 sao dois valores proprios de A

distintos com vectores proprios respectivos x e y, entao

〈x, y 〉 = 0,

i.e., vectores proprios de uma matriz hermıtica associados a valores proprios

distintos sao ortogonais.

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Valores e Vectores Proprios 21

Exercıcio 1.4.2 Demonstre o Teorema 1.4.1.

Lembremos que um conjunto de vectores {u1, . . . , un} de um espaco euclideano e

um conjunto ortonormal se

• || ui ||= 1 para i = 1, . . . , n,

• 〈ui, uj 〉 = 0 para 1 ≤ i 6= j ≤ n.

Lembremos ainda que se C = {c1, . . . , cn} e um conjunto de vectores ortogonais,

entao existe sempre um conjunto D = {d1, . . . , dn}, onde di = ci

||ci|| , com i = 1, . . . , n

ortonormal.

Teorema 1.4.3 Seja matriz A quadrada n×n hermıtica actuando sobre um espaco

euclideano X. Entao existem n vectores proprios de A x1, . . . , xn que formam uma

base ortonormal de X. A matriz A e entao semelhante a uma matriz diagonal

Λ =

λ1 0 . . . 0

0 λ2 . . . 0...

... . . ....

0 0 . . . λn

,

i.e., Λ = S−1AS, onde λi ∈ R sao os valores proprios de A e S e uma matriz cujos

vectores coluna sao x1, x2 . . . , xn.

A matriz S e tal que

S−1 = SH .

Este Teorema e demonstrado por inducao finita sobre n.

Definicao 1.4.4 Uma matriz quadrada M diz-se unitaria se for invertıvel e se

M−1 = MH . Uma matriz com entradas reais unitaria diz-se ortogonal.

Suponhamos que M e uma matrix unitaria. Entao

MMH = MHM = I.

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Valores e Vectores Proprios 22

Por outro lado, se M e invertıvel e se MMH = MHM = I, entao M−1 = MH .

Assim, podemos dizer que uma matriz M invertıvel e unitaria se e so se MMH =

MHM = I.

Concluimos imediatamente que matriz Mcom entradas reais invertıvel e ortogonal

se e so se MMT = MT M = I.

Propomos os seguintes exercicios:

Exercıcio 1.4.5

• Seja M uma matriz quadrada cujos vectores coluna formam uma base ortonor-

mal de Rn. Mostre que M e uma matriz ortogonal.

Resolucao: Observe que M e uma matriz com entradas reais. Sejam xi, com

i = 1, . . . , n os vectores coluna de M .

MT M =

〈x1, x1 〉 〈x1, x2 〉 . . . 〈x1, xn 〉〈x2, x1 〉 〈x2, x2 〉 . . . 〈x2, xn 〉

...... . . .

...

〈xn, x1 〉 〈xn, x2 〉 . . . 〈xn, xn 〉

= I.

• Seja M uma matriz unitaria.Mostre que os vectores colina de M formam um

conjunto ortonormal.

• Mostre que se M e uma matrix unitaria ou ortogonal, entao det(M) = ±1.

Se A ∈Mn×n

• e uma matriz hermıtica

ou

• tem n valores proprios distintos

entao A tem n vectores proprios linearmente independentes. Logo, pelo teorema

1.3.12, A e diagonalizavel.

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Valores e Vectores Proprios 23

1.5 Subespaco dos Vectores Proprios associado a

um Valor Proprio

Seja X um espaco qualquer de dimensao n sobre um corpo K e seja A ∈Mn×n(K).

Considere um subespaco C ⊂ X com a seguinte propriedade

∀x ∈ C, Ax ∈ C.

Um subespaco com esta propriedade designa-se por subespaco invariante por A.

Apos esta definicao regressamos aos valores e vectores proprios de matrizes quadradas.

Seja entao A uma matriz quadrada n× n e seja λ um valor proprio de A. Seja

E(λ) = {x 6= 0 : Ax = λx}⋃{0}.

Verifica-se que

• existe pelo menos um x 6= 0 tal que x ∈ E(λ), (E(λ)\{0} 6= ∅) i.e., existe pelo

menos um vector proprio associado ao valor proprio λ. Ver Teorema 1.3.2.

• se as entradas da matriz forem todas reais e se λ ∈ R, entao E(λ) pode ser

considerado um subespaco de Rn (ver Teorema 1.3.8).

• O conjunto de todos os vectores proprios associados a λ a que se junta o vector

nulo, E(λ), e um subespaco invariante por A, i.e.,

Ax ∈ E(λ) ∀x ∈ E(λ).

De facto, se x, y ∈ E(λ), entao Ax = λx e Ay = λy. Como A(x + y) =

λ(x + y) e A(αx) = α(Ax) = α(λx) = λ(αx), concluimos que x + y ∈ E(λ) e

αx ∈ E(λ). Logo E(λ) e subespaco. Alem disso, ∀x ∈ E(λ), vem Ax = λx e

A(λx) = λ(λx). Isto e, se x ∈ E(λ), entao Ax ∈ E(λ). Logo E(λ) e subespaco

invariante.

Definicao 1.5.1 Seja A uma matriz quadrada. Sendo λ um valor proprio de A, o

subespaco E(λ) designa-se por subespaco proprio associado a λ.

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Valores e Vectores Proprios 24

A dimensao do subespaco E(λ) associado a um valor proprio λ de multiplicade

algebrica m designa-se multiplicidade geometrica do valor proprio.

Dado uma valor proprio λ de multiplicidade algebrica m, como determinar a mul-

tiplicidade geometrica µ de λ? Os vectores proprios associados a λ sao os vectores

x 6= 0 que sao solucao da equacao

(A− λI)x = 0.

Por analogia com o que fizemos quando estudamos tranformacoes lineares, define-se

nucleo de uma matriz B como sendo o conjunto

N (B) = {x : Bx = 0}.

Qualquer vector proprio associado a um valor proprio λ sera entao um elemento do

N (A− λI). Facilmente concluimos que

N (A− λI) = E(λ).

Assim, a multiplicidade geometrica µ de λ e

µ = dimE(λ) = dimN (A− λI).

Teorema 1.5.2 A multiplicidade algebrica de um valor proprio e sempre maior ou

igual a multiplicidade geometrica desse valor proprio.

Demonstracao. Seja entao λ um valor proprio de A com multiplicidade algebrica

m e multiplicidade geometrica µ. Sejam x1, . . . , xµ os vectores proprios de A as-

sociados a λ linearmente independentes e seja S ∈ Mn×n nao singular tal que os

primeiros µ vectores coluna sao os vectores proprios xi. Entao

S−1AS =

[λIµ ∗0 ∗

],

onde ∗ indica matrizes que nao conhecemos e Iµ e a matriz identidade com µ linhas

e µ colunas. Quer isto dizer que A e semehante a matriz de blocos M =

[λIµ ∗0 ∗

].

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Valores e Vectores Proprios 25

No bloco λIµ o valor proprio aparece µ vezes na diagonal principal. Como matrizes

semelhantes tem os mesmo valores proprios (ver exercıcio 1.3.7), concluimos que λ

e valor proprio de M e de A de multipliciadade algebrica pelo menos µ.

De seguida apresentamos 3 exemplos de matrizes que tem valores proprios com

multiplicidade geometrica diferente.

Exemplo 1.5.3 Apresentamos primeiro um exemplo de uma matriz cujos valores

proprios tem todos multiplicidade algebrica e geometrica 1.

Seja

A =

2 1 1

2 3 4

−1 −1 −2

.

O polinomio caracterıstico de Ae

det(A− λI) = det

2− λ 1 1

2 3− λ 4

−1 −1 −2− λ

= (1− λ)(−1− λ)(3− λ).

Entao A tem 3 valores proprios reais e distintos: 1, −1 e 3. A multiplicidade

algebrica de cada um destes valores propios e 1.

Vamos calcular os vectores proprios associados a λ = 1. Temos que resolver o

sistema (A− I)x = 0, onde x =

x

y

z

, i.e.,

2− 1 1 1

2 3− 1 4

−1 −1 −2− 1

x

y

z

=

0

0

0

.

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Valores e Vectores Proprios 26

Verifica-se que o conjunto de solucoes deste sistema e

S =

x

y

z

: z = 0 e x + y = 1

=

x

−x

0

Entao os vectores proprios associados a λ = 1 sao vectores da forma x1 = α

1

−1

0

,

sendo α 6= 0 um escalar. Quer isto dizer que E(1) e o subespaco gerado pelo vector1

−1

0

.

De forma analogo verifica-se que os vector proprios associados a −1 sao da forma

x2 = α

0

1

−1

com α 6= 0 e que os os vector proprios associados a 3 sao da forma

x3 = α

2

3

−1

com α 6= 0.

Assim, todos os valores proprios de A tem multiplicidade geometrica 1.

O teorema 1.3.10 garante-nos que os vectores1

−1

0

,

0

1

−1

,

2

3

−1

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Valores e Vectores Proprios 27

sao linearmente independentes. A matriz A e assim uma matriz diagonalizavel.

Valor Proprio λ Vectores Proprios dim E(λ)

1 α

1

−1

0

, α 6= 0 1

−1 α

0

1

−1

, α 6= 0 1

3 α

2

3

−1

, α 6= 0 1

Os tres vectores proprios de A sao linearmente independedntes e formam uma base

de R3. A matriz que nos permite passar da base dos vectores proprios {x1, x2, x3}para a base canonica B e

P = [(x1)B, (x2)B, (x3)B] =

1 0 2

−1 1 3

0 −1 −1

.

Assim

A = P

1 0 0

0 −1 0

0 0 3

P−1,

onde

P−1 =

12

−12

−12

−14

−14

−54

14

14

14

.

A matriz A e diagonalizavel.

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Valores e Vectores Proprios 28

Exemplo 1.5.4 Seja

A =

1 1 2

0 3 1

0 0 1

.

O polinomio caracterıstico de Ae

det(A− λI) = det

1− λ 1 2

0 3− λ 1

0 0 1− λ

= (1− λ)2(3− λ).

Entao A tem 2 valores proprios reais : 1, de multiplicidade algebrica 2, e 3 e mul-

tiplicidade algebrica 1.

Vamos calcular os vectores proprios associados a λ = 1. Temos que resolver o

sistema (A− I)x = 0, onde x =

x

y

z

, i.e.,

0 1 2

0 2 1

0 0 0

x

y

z

=

0

0

0

.

Verifica-se que o conjunto de solucoes deste sistema e

S =

x

y

z

: y = z = 0

=

x

0

0

Entao os vectores proprios associados a λ = 1 sao vectores da forma x1 = α

1

0

0

,

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Valores e Vectores Proprios 29

sendo α 6= 0 um escalar. Quer isto dizer que E(1) e o subespaco gerado pelo vector1

0

0

.

Assim 1 e um valor proprio de multiplicidade algebrica 2 e multiplicidade geometrica

1.

De forma analogo verifica-se que os vector proprios associados a 3 sao da forma

x2 = α

1

2

0

com α 6= 0. O teorema 1.3.10 garante-nos que os vectores

1

0

0

,

1

2

0

sao linearmente independentes.

Valor Proprio λ Vectores Proprios dim E(λ)

1 α

1

0

0

, α 6= 0 1

3 α

1

2

0

, α 6= 0 1

O conjunto dos vectores proprios de A nao forma uma base de R3. A matriz A nao

e diagonalizavel.

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Valores e Vectores Proprios 30

Exemplo 1.5.5 Seja

A =

2 1 1

1 2 1

1 1 2

.

O polinomio caracterıstico de Ae

det(A− λI) = det

2− λ 1 1

1 2− λ 1

1 1 2− λ

= (1− λ)2(4− λ).

Entao A tem 2 valores proprios reais : 1, de multiplicidade algebrica 2, e 4 e mul-

tiplicidade algebrica 1.

Vamos calcular os vectores proprios associados a λ = 1. Temos que resolver o

sistema (A− I)x = 0, onde x =

x

y

z

, i.e.,

1 1 1

1 1 1

1 1 1

x

y

z

=

0

0

0

.

Este sistema fica reduzido a uma so equacao

x + y + z = 0.

O conjunto de solucoes deste sistema e

S =

x

y

z

: x = −y − z

Entao os vectores proprios associados a λ = 1 sao vectores da forma x1 = α

1

−1

0

,

sendo α 6= 0 um escalar, e x2 = β

1

0

1

, sendo β 6= 0 um escalar. Quer isto dizer

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Valores e Vectores Proprios 31

que E(1) e o subespaco gerado pelos vectores1

−1

0

1

0

−1

.

Quer isto dizer que o valor proprio 1 tem multiplicidade algebrica 2 e multiplicidade

geometrica 2.

De forma analogo verifica-se que os vector proprios associados a 4 sao da forma

x2 = α

1

1

1

com α 6= 0. Deducimos tambem que os vectores

1

−1

0

,

1

0

−1

,

1

1

1

sao linearmente independentes (justifique!).

Valor Proprio λ Vectores Proprios dim E(λ)

1 α

1

−1

0

, β

1

0

−1

α, β 6= 0 2

4 α

1

1

1

, α 6= 0 1

Mostramos que A tem 3 vectores proprios linearmente independentes. Esses tres

vectores proprios formam uma base de R3. A matriz A e portanto diogonalizavel,

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Valores e Vectores Proprios 32

pois e semehante a uma matriz diagonal. Seja

S =

1 1 1

−1 0 1

0 −1 1

.

Esta e a matriz que nos permite passar da base dos valores proprios para a base

canonica de R3. Entao, a matriz que nos permite passar da base canonica para a

base dos vectores proprios e

S−1 =

13

−23

13

13

13

−23

13

13

13

e

S−1AS =

1 0 0

0 1 0

0 0 4

.

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Capıtulo 2

Formas de Jordan

Como vimos no exemplo anterior, existem matrizes emMn×n que nao tem n vectores

proprios linearmentre independentes e que, portanto, nao podem ser diagonalizavel.

Para estes casos pretendemos entao determinar matrizes semelhantes com a forma

mais simples possıvel e o “mais proximas” possıvel das matrizes diagonais.

Considere-se uma matriz A de Mn×n tal que

det(A− λI) = (λ− λ1)m1(λ− λ2)

m2 . . . (λ− λr)mr ,

onde m1 + m2 + . . . + mr = n.

Como se sabe, diz-se que λi e valor proprio de A de multiplicidade algebrica mi.

Observe-se que se λi e valor proprio de A, entao det(A − λiI) = 0 o que significa

que a matriz A − λiI e singular. Entao, e como ja referimos, tem que existir pelo

menos um vector prorpio associado a λi.

Suponhamos que a λi estao associados µi ≥ 1 vectores proprios linearmente inde-

pendentes (o numero de vectores proprios e igual a dimensao do nucleo de A−λiI).

O numero de vectores proprios, µi, designa-se por multiplicidade geometrica do

valor proprio λi.

Regressemos agora a matriz A de Mn×n tal que

det(A− λI) = (λ− λ1)m1(λ− λ2)

m2 . . . (λ− λr)mr ,

33

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Formas de Jordan 34

onde m1 + m2 + . . . + mr = n. Sabemos ja que 1 ≤ µi ≤ mi, ou seja, µ1 + µ2 +

. . . + µr ≤ n. Se µ1 + µ2 + . . . + µr = n, entao a matriz e diagonalizavel. E quando

µ1 + µ2 + . . . + µr < n?

Para responder a esta pergunta comecemos por introduzir algumas definicoes.

Definicao 2.0.6 Um bloco de Jordan e uma matriz Jp = [βij] ∈Mp×p, onde βij

sao as entradas dessa matriz, tal que

• βii = β com i = 1, . . . , p, ou seja, todos os elementos da diagonal principal sao

iguais;

• βii+1 = 1 (entrada da linha i e coluna i + 1), com i = 1, . . . , p− 1.

• todos os restantes elementos sao 0.

ou seja,

Jp(β) =

β 1 0 . . . 0

0 β 1 . . . 0

0 0 β . . . 0

· · · . . . ·0 0 0 . . . 1

0 0 0 . . . β

.

Definicao 2.0.7 Uma matriz de Jordan e uma matriz J ∈Mn×n tal que

J =

J1(λ1) 0 . . . 0

0 J2(λ2) . . . 0

· · . . . ·0 0 . . . Jk(λk)

(0.1)

onde cada Ji(λi) (i = 1, . . . , k) e um bloco de Jordan ni×ni e tal que n1 +n2 + . . .+

nk = n. Os escalres λi nao sao necessariamente distintos.

Uma matriz de Jordan tem uma estrutura simples que faz com que as suas pro-

priedades sejam de verificacao simples.

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Formas de Jordan 35

Algumas Propriedades da uma Matriz de Jordan

1. O numero de blocos de Jordean k e igual ao numero de vectores proprios de

J linearmente independentes;

2. Os valores proprios de J sao os escalres que aparecem na diagonal principal

de J ;

3. A matriz J e uma matriz diagonal se k, o numero de blocos de Jordan, e igual

a n;

4. O numero de blocos de Jordean correspondentes a um dado valor proprio λ

e igual a multiplicidade geometrica desse valor proprio e igual a dimensao do

espaco proprio E(λ) que lhe esta associado.

5. A soma das ordens de todos os blocos de Jordan associados ao mesmo valor

proprio e igual a multiplicidade algebrica desse valor proprio.

6. Uma matriz de Jordan nao fica imediatamente definida se conhecermos os

seus valores proprios e as respectivas multiplicidades algebrica e geometrica.

Precisamos de conhecer tambem as ordens dos blocos de Jordan.

7. As ordens dos blocos de Jordan sao calculadas como de seguida se ilustra.

Seja J uma matriz de Jordan de ordem 6 definida por

J =

4 1 0 0 0 0

0 4 1 0 0 0

0 0 4 0 0 0

0 0 0 4 1 0

0 0 0 0 4 0

0 0 0 0 0 4

.

Esta matriz tem 3 blocos de Jordan. Identifique-os.

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Formas de Jordan 36

Ora

J − 4I =

0 1 0 0 0 0

0 0 1 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 1 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

,

(J − 4I)2 =

0 0 1 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

,

(J − 4I)3 =

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

.

Deduzimos que

• matriz (J − 4I)3 e a matriz nula;

• a caracterıstica da matriz (J − 4I)2 e 1;

• a caracterıstica da matriz (J − 4I) e 3;

• a matriz J e uma matriz 6× 6.

Como (J − 4I)3 e a matriz nula, entao para todo o n > 3, a caracterıstica da

matriz (J − 4I)n e 0 para todo o n > 3. Entao 3 e a ordem do maior bloco de

Jordan de J .

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Formas de Jordan 37

O numero de bloco de Jordan de ordem 3 e igual a caracterıstica de (J − 4I)2,

que e 1.

A caracterıstica da matriz (J − 4I) e duas vezes o numero de blocos de ordem

3 mais o numero de blocos de ordem 2. Logo existe 1 bloco de ordem 2.

O numero de blocos de ordem 1 e 6− 2 ∗ 1− 3 ∗ 1 = 1.

Em geral, seja J uma matriz de Jordan n × n com um so valor proprio λ.

Seja k o mais pequeno numero tal que (J − λI)k = 0.

• Entao a ordem do maior bloco de Jorden e k.

• A caracterıstica da matriz (J − λI)k−1 e igual ao numero de blocos de

ordem k.

• A caracterıstica da matriz (J − λI)k−2 e igual a 2 vezes o numero de

blocos de ordem k mais o numero de blocos de ordem k − 1.

• A caracterıstica da matriz (J − λI)k−3 e igual a 3 vezes o numero de

blocos de ordem k, mais 2 vezes o numero de blocos de ordem k−1, mais

o numero de blocos de ordem k − 2 e por aı fora.

8. Sendo J uma matriz de Jordan qualquer o tamanho de todos os blocos de

Jordan fica determinado quando conhecemos as caracterıstica de algumas ma-

trizes. Se λ1 e valor proprio de uma matriz de Jordan J , quando calculamos a

caracterıstica de (J − λ1I) e das suas potencias so obtemos informacao sobre

os blocos de Jordan associados ao valor proprio λ1, porque os elementos da

diagonal de todos os outros blocos de Jordan mantem-se diferentes de 0. Uma

analise das caractrısticas das matrizes da forma (J−λ1I)j, como a exposta em

cima, e suficiente para determinar os tamanhos e numero de blocos de Jordan

correspondentes a esse valor proprio. O mesmo tipo de analise devera ser feito

para todos os valores proprios de Jordan.

Como vimos atras, nem sempre podemos diagonalizar uma matriz. Felizmente qual-

quer matriz com valores proprios pode sempre ser escrita na forma de Jordan como

se verifica:

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Formas de Jordan 38

Teorema 2.0.8 Uma matriz matriz A ∈Mn×n tal que

det(A− λI) = (λ− λ1)m1(λ− λ2)

m2 . . . (λ− λr)mr

e semelhante a uma matriz J na forma de Jordan:

Q−1AQ = J =

J1 0 . . . 0

0 J2 . . . 0

· · . . . ·0 0 . . . Jµ

(0.2)

onde cada Ji e um bloco de Jordan ni × ni e µ1 + µ2 + . . . + µr = µ e a soma

das multiplicidades geometricas de cada um dos valores proprios distintos λi de A.

Cada valor proprio de A de multiplicidade algebrica mi e multiplicidade geometrica

µi aparece mi vezes na diagonal principal da matriz J e existem µi blocos de Jordan

associados a ele.

Suponhamos entao que A ∈ Mn×n e semelhante a uma matriz J de Jordan. Como

determinar o numero de blocos de Jordan de J? O procedimento para o fazer e

em tudo similar ao procedimento descrito para determinar a ordem dos blocos de

Jordan de J . Devemos entao:

• Determinar todos os valores proprios de A.

• Para cada valor proprio de A, λi distinto, calcular as matrizes (A − λiI)k

para k = 1, 2, . . . , n e analisar a sucessao das caracterısticas de cada uma das

matrizes de forma a determinar a ordem e numero de blocos de Jordan de A

correspondentes ao valor proprio λi exactamente como descrito em cima.

Observe-se que o que ficou descrito foi a determinacao de numero e ordem dos blocos

de Jordan de A e nao a determinacao da matriz mudanca de base Q referida no

teorema anterior. Vamos abordar a determinacao dessa mesma matriz de seguida.

Comecemos com um exemplo simples.

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Formas de Jordan 39

Exemplo 2.0.9 Seja A uma matriz quadrada de ordem 4 que sabemos semelhante

a uma matriz de Jordan da forma

J =

4 1 0 0

0 4 0 0

0 0 3 0

0 0 0 1

.

Sabemos assim que A tem tres valores proprios, 1, 3 e 4. Os valores proprios 1 e 3

sao de multiplicidade algebrica 1 e 4 de multiplicidade algebrica 2. Como so existe

um bloco de Jordan associado a 4 concluimos que este valor proprio tem multipli-

cidade geometrica 1. Quer isto dizer que so existe um vector proprio associado a

4.

A matriz A e semelhante a matriz J . Entao existe uma matriz Q tal que

Q−1AQ = J =

4 1 0 0

0 4 0 0

0 0 3 0

0 0 0 1

.

Observe-se que Q−1AQ = J e equivalente a AQ = QJ .

Como determinar a matriz mudanca de base Q? Para a matriz A existem 3 vectores

proprios, cada um deles associado a um dos valores proprios. Para termos uma base

de R4 precisamos de mais um vector que seja linearmente independentes com os 3

vectores proprios.

Seja Q uma matriz cujas vectores colunas designamos por v11, v12, v21 e v31, onde

v11, v21 e v31 sao vectores proprios associados, respectivamente, a 4, 3 e 1. Entao,

lembrando que AQ = QJ , vem

Av11 = 4v11 Av12 = 4v12 + v11 Av21 = 3v21 Av31 = v31

O vector v12, que se relaciona com o vector proprio v11 associado ao valor proprio

4, designa-se por vector proprio generalizado. Como a matriz Q e invertıvel, os

3 vectores proprios conjuntamente com o vector proprio generalizado, formam um

conjunto de vectores linearmente independentes.

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Formas de Jordan 40

Pode-se facilmente verificar que o subespaco linear gerado por v11 e v12 e invariante

por A.

Exemplo 2.0.10 Consideremos duas matrizes escritas ja na forma de Jordan J1 e

J2. Sejam

J1 =

4 1 0 0 0

0 4 1 0 0

0 0 4 0 0

0 0 0 4 1

0 0 0 0 4

J2 =

4 1 0 0 0

0 4 0 0 0

0 0 4 1 0

0 0 0 4 0

0 0 0 0 4

Relativamente a estas duas matrizes concluimos que:

• Ambas tem um so valor proprio λ = 4 com multiplicidade algebrica 5.

• A matriz J1 tem 2 blocos de Jordan; logo o valor proprio 4 tem multiplicidade

geometrica 2. Existem assim dois vectores proprios, v11 = (1, 0, 0, 0, 0) e v21 =

(0, 0, 0, 1, 0), v11 associado ao bloco de Jordan de ordem 3 e v21 associado ao

bloco de Jordan de ordem 2. O v11 = (1, 0, 0, 0, 0) esta tambem associado a

dois vectores proprios generalizados: v12 = (0, 1, 0, 0, 0) e v13 = (0, 0, 1, 0, 0).

RealmenteJ1v12 = 4v12 + v11

J1v13 = 4v13 + v12

O vector proprio v21 = (0, 0, 0, 1, 0) esta associado um vector proprio general-

izado v22 = (0, 0, 0, 0, 1):

J1v22 = 4v22 + v21

O subespaco linear gerado por v11, v12 e v13 e invariante por J1 e o subespaco

gerado por v21 e v22 tambem e (verifique!). Ou seja, cada vector proprio con-

juntamente com os vectores proprios generalizados que lhes estao associados

geram um subespaco invariante.

• A matriz J2 tem 3 blocos de Jordan; logo o valor proprio 4 tem multiplici-

dade geometrica 3. Existem tres vectores proprios, v11 = (1, 0, 0, 0, 0), v21 =

(0, 0, 1, 0, 0) e v31 = (0, 0, 0, 0, 1), cada um deles associado a um bloco de

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Formas de Jordan 41

Jordan. O vector v11 = (1, 0, 0, 0, 0) esta associado ao primeiro bloco de

Jordan, um bloco 2 × 2, e esta associado a um vector proprio generalizado:

v12 = (0, 1, 0, 0, 0). O vector proprio v21 = (0, 0, 1, 0, 0) esta associado ao se-

gundo bloco de Jordan, 2× 2, e esta associado ao vector proprio generalizado

v22 = (0, 0, 0, 1, 0). O terceiro vector proprio v31 = (0, 0, 0, 0, 1) esta associado

a um bloco 1 × 1 e nao existe qualquer vector proprio generalizado que lhe

esteja associado. Realmente

Jv11 = 4v11

Jv12 = 4v12 + v11

Jv21 = 4v21

Jv22 = 4v22 + v21

Jv31 = 4v31

Esta matriz tem assim 3 subespacos invariantes: o subespaco gerado por v11 e

v12, o subespaco gerado por v21 e v22 e o subespaco gerado por v13 (verifique!).

Para determinar apresentamos um teorema que resume as propriedades de uma

matriz quadrada qualquer. A demonstracao de algumas das conclusoes inseridas

neste teorema nao e aqui apresentada em prol da simplicidade. O aluno interessado

devera consultar alguma da literatura que mencionamos no final.

Teorema 2.0.11 Seja A uma matriz de Mp×p com um conjunto de µ = µ1+. . .+µs

vectores proprios linearmente independentes associados a valores proprios distintos

λ1, . . . , λs, onde λi tem multiplicidade algebrica mi e multiplicidade geometrica µi

com i = 1, . . . , s. Entao existem inteiros positivos n1, . . . , nµ, com n1 + n2 + . . . +

nµ = p e um conjunto de p vectores linearmente independentes vrj, r = 1, . . . , µ e

j = 1, . . . , nr tal que

• O conjunto

{v11, v21, . . . , vµ1},

formado por todos os vectores proprios de A e um conjunto linearmente inde-

pendente;

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Formas de Jordan 42

• Para cada r, com r = 1, . . . , µ, o conjunto

{vr1, vr2, . . . , vrnr}

gera um subespaco invariante por A, subespaco esse que nao pode ser decom-

posto em dois subespacos nao triviais com vectores nao zero em comum;

• Se λ e o valor proprio associado ao vector proprio vr1, entao, os vectores

vrj, j ∈ {2, . . . , nr}, sao designados por vectores proprios generalizados

associados com λ e satisfazem

Avrj = λvrj + vr,j−1

Exercıcio 2.0.12 Considere a matriz

A =

4 1 −6 −11

0 4 −1 −6

0 0 3 −2

0 0 0 1

.

Calcule os valores proprios e os respectivos vectores proprios. Escreva a matriz de

Jordan associada a A e determine a matriz Q de mudanca de base.

BIBLIOGRAFIA

• Calculus de T. M. Apostol. Editora: Xerox College Publishing.

• Applied Linear Algebra de Ben Noble e James J. Daniel. Editora: Prentice

-Hall, 1988.

• Curso de Algebra Linear e Geometria Analıtica, de E. Giraldes, V. H. Fernan-

des e M. Paula Marques Smith. Editora: McGraw Hill, 1995.

• Elementary Linear Algebra: Applications Version, de Anton Rogers. Editora:

John Wiley and Sons, 2000.

• Matrix Analysis, de Roger A. Horn e Charles R. Johnson. Editora: Cambridge

University Press, 1985.