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19/8/2014 :: Rev i sta Mi l i tar :: http://ww w .rev istamili tar.pt/ar ti go.php?art id=528 1/50 Artigo Resumo Autor(es) Opções REVISTA MILITAR » REVISTAS » 2495 - DEZEMBRO DE 2009 As Indústrias Militares e As Armas de Fogo Portátei s no Exército Português  Major-general R enato Fernando Marques Pinto  A Ferro e Fogo  Portugal nasceu e consolidou-se pela força de vontade dos primeiros reis e pelos braços armados dos seus homens. Lanças, piques, espadas, adagas, fundas,  maças, arcos, bestas, machados, paus errados e até instrumentos agrícolas tiveram um pape l importante, senão fundamental, na conquista e defesa do território. Foi “um parto traumático, feito a ferros e manu militari” [1] .  Estas primeiras armas portáteis eram simples e fáceis de fabricar em pequenas oficinas e unidades artesanais. Mas, depois que, pela primeira vez se empregaram armas de fogo em Portugal na defesa de Lisboa contra a esquadra castelhana em 1381 [2] , uma nova era se começou a abrir.  As primitivas armas de fogo - canhões de mão, trons e bombardas - e a pólvora começaram por vir do estrangeiro e depois procurou fabricar-se no país e da “própria lavra”. Mas não foi fácil nem rápida esta transição: a técnica de trabalho do ferro estava nos seus inícios (principalmente a construção de canos), o fabrico da pólvora era complexo e perigoso, obrigando à importação de enxofre e salitre, e as armas eram pesadas, lentas de pôr em acção e perigosas.  Uma lei de D. João I, de 1410, isentava de direitos as armas e os arneses que viessem do estrangeiro. A medida destinava-se à defesa do Reino e “pollos nossos naturaes poderem melhor aver armas”, pelo que a isenção se aplicava tanto aos comerciantes como aos compradores [3] . E por privilégio do mesmo rei, de 1416, foi concedido a João Peres e Afonso Peres “o não pagamento de pedidos nem fintas, por serem armeiros mandados vir de Castela”. Este privilégio foi confirmado por D. Duarte em 1435 e por D. Afonso V em 1440 [4] . No que parece ser a primeira menção ao emprego de armas portáteis, refere-se que na expedição do Infante D. Henrique a Tanger (1437) “ía gente armada com arcabuz de morrão” [5] . Quanto ao fabrico de pólvora conhecem-se duas cartas de D. Afonso V, de 1442 e 1443, em que o rei faz mercê de tenças anuais a Afonso Vasques, nomeado no ano seguinte “mestre-mor de fazer o salitre e a pólvora”.  E noutra carta de 1470, também de D. Afonso V, aos procuradores de mesteres da cidade de Lisboa, proíbe-se a recolha de pólvora em casas e armazéns, devendo ser guardada na torre da Pólvora, cuja localização exacta se desconhece [6] .  Embora não houvesse ainda uma indústria régia de armas e pólvora, as oficinas privadas devem ter atingido algum desenvolvimento, como se deduz da proibição citada, destinada a evitar que expl osões acidentais provocassem mortes e destruições em zon as urbanas.  Ferrari as, Terc enas e Armarias  Referências pouco precisas apontam para a preexistência de uma primeira ‘ferraria’ concedida por D. Afonso V á família Bragança e situada no termo de Lisboa, localização que pode associar-se às margens da Ribeira de Barcarena. É no entanto, com D. João II (1481-1495) que formalmente se erá tomado a iniciativa de construir a ‘casa das Ferrarias’ na ribeira de Barcarena.” [7]  De facto, uma carta de privilégio de 1487 dá a saber que o armeiro Fernão Rodrigues e dois outros indivíduos rabalham “na casa das ferrarias que mandamos fazer na ribeira de barquerenas... que he cousa de OPÇÕES: Página inicial Revistas publicada s Índice Onomástico Índice Temático A Revista Militar Top acessos absolutos Top acessos relativos Grá ficos visitas / acessos Estatísticas Pesquisar Contactar via email UTILIZADOR: Gosta do novo portal?

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    http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=528 1/50

    Artigo Resumo Autor(es) Opes

    REVISTA MILITAR REVISTAS 2495 - DEZEMBRO DE 2009

    As Indstrias Militares e As Armas de FogoPortteis no Exrcito Portugus

    Major-general Renato Fernando Marques Pinto

    A Ferro e Fogo

    Portugal nasceu e consolidou-se pela fora de vontade dos primeiros reis e pelos braos armados

    dos seus homens. Lanas, piques, espadas, adagas, fundas, maas, arcos, bestas, machados, paus

    ferrados e at instrumentos agrcolas tiveram um papel importante, seno fundamental, na

    conquista e defesa do territrio. Foi um parto traumtico, feito a ferros e manu militari[1].

    Estas primeiras armas portteis eram simples e fceis de fabricar em pequenas oficinas e unidades

    artesanais. Mas, depois que, pela primeira vez se empregaram armas de fogo em Portugal na defesa

    de Lisboa contra a esquadra castelhana em 1381[2], uma nova era se comeou a abrir.

    As primitivas armas de fogo - canhes de mo, trons e bombardas - e a plvora comearam por vir

    do estrangeiro e depois procurou fabricar-se no pas e da prpria lavra. Mas no foi fcil nem

    rpida esta transio: a tcnica de trabalho do ferro estava nos seus incios (principalmente a

    construo de canos), o fabrico da plvora era complexo e perigoso, obrigando importao de

    enxofre e salitre, e as armas eram pesadas, lentas de pr em aco e perigosas.

    Uma lei de D. Joo I, de 1410, isentava de direitos as armas e os arneses que viessem do

    estrangeiro. A medida destinava-se defesa do Reino e pollos nossos naturaes poderem melhor

    aver armas, pelo que a iseno se aplicava tanto aos comerciantes como aos compradores[3]. E

    por privilgio do mesmo rei, de 1416, foi concedido a Joo Peres e Afonso Peres o no pagamento

    de pedidos nem fintas, por serem armeiros mandados vir de Castela. Este privilgio foi confirmado

    por D. Duarte em 1435 e por D. Afonso V em 1440[4]. No que parece ser a primeira meno ao

    emprego de armas portteis, refere-se que na expedio do Infante D. Henrique a Tanger (1437) a

    gente armada com arcabuz de morro[5].

    Quanto ao fabrico de plvora conhecem-se duas cartas de D. Afonso V, de 1442 e 1443, em que o

    rei faz merc de tenas anuais a Afonso Vasques, nomeado no ano seguinte mestre-mor de fazer o

    salitre e a plvora.

    E noutra carta de 1470, tambm de D. Afonso V, aos procuradores de mesteres da cidade de

    Lisboa, probe-se a recolha de plvora em casas e armazns, devendo ser guardada na torre da

    Plvora, cuja localizao exacta se desconhece[6].

    Embora no houvesse ainda uma indstria rgia de armas e plvora, as oficinas privadas devem ter

    atingido algum desenvolvimento, como se deduz da proibio citada, destinada a evitar que

    exploses acidentais provocassem mortes e destruies em zonas urbanas.

    Ferrarias, Tercenas e Armarias

    Referncias pouco precisas apontam para a preexistncia de uma primeira ferraria concedida por

    D. Afonso V famlia Bragana e situada no termo de Lisboa, localizao que pode associar-se s

    margens da Ribeira de Barcarena. no entanto, com D. Joo II (1481-1495) que formalmente se

    ter tomado a iniciativa de construir a casa das Ferrarias na ribeira de Barcarena.[7] De facto,

    uma carta de privilgio de 1487 d a saber que o armeiro Ferno Rodrigues e dois outros indivduos

    trabalham na casa das ferrarias que mandamos fazer na ribeira de barquerenas... que he cousa de

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    http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=528 2/50

    muito nosso servio e bem do Regno. Trs anos depois, outra carta reconhece que o contrato

    inicial no tinha sido cumprido devido a cheias na ribeira, despesas com a contratao e vinda dos

    melhores armeiros biscainhos e com a instalao de maquinaria diversa - forjas, bigornas, malhos,

    frguas (forjas), aparelho de madeiras - pelo que no se exigem compensaes.

    A presena das mencionadas frguas impe assim que se considere a possibilidade de, nas ferrarias

    de Barcarena e pelo menos no perodo joanino se ter realizado o tratamento do minrio em bruto,

    para subsequente extraco do ferro e transformao do metal em armas de diversos tipos.[8]

    Estudos arqueolgicos e bibliogrficos realizados em 2006 demonstram a localizao das ferrarias na

    margem esquerda da ribeira, a cerca de 5 km da foz em Caxias. Concretizou-se paulatinamente um

    dos objectivos da investigao: a demonstrao da sua localizao... no espao actualmente

    designado Fbrica de Cima da Fbrica da Plvora de Barcarena.[9]

    Talvez no ano seguinte (1488) D. Joo II mandou estabelecer as Tercenas[10] de Pinhel, com

    oficinas e armazns de armas. Pouco se sabe sobre estas Tercenas; no Museu de Pinhel existe um

    bacinete (capacete) de ferro e, na sua dependncia h duas bombardas de ferro forjado de 34cm

    de calibre, 2,88m de comprimento e cerca de 1.500 kg de peso, uma delas parcialmente

    desmontada. Material de artilharia desta dimenso, numa zona de fronteira distante da capital mas

    com jazidas de minrios de ferro, sugere que tenha sido produzido nas Tercenas. esta a opinio

    dum erudito oficial, estudioso da artilharia em Portugal.[11]

    Como o uso das armas de fogo portteis se comeasse a desenvolver em Portugal, foi criado o

    cargo de Anadel-Mor[12] dos Espingardeiros[13], como j havia para outras categorias de homens

    de armas.

    Garcia de Resende, na sua Crnica de D. Joo II, refere um episdio curioso sucedido em 1486,

    durante o cerco de Mlaga pelos Reis Catlicos, Fernando e Isabel. Estando a cidade quase toda

    tomada, faleceu (faltou) no arraial a plvora, pelo que a mandaram pedir ao Rei de Portugal D. Joo

    II que estava em Santarm. Logo o Prncipe Perfeito mandou aparelhar uma grande caravela, no qual

    enviou uma grande soma de plvora e salitre, tudo de graa com o qual socorro El Rey e a Rainha

    e todo o arraial receberam mui grande prazer e contentamento e o estimaram tanto como se

    tomaram a mesma cidade e da a poucos dias mandaram dizer a El Rey (D. Joo II) a quem ficavam

    muita honra e muita merc.

    Diz Sousa Viterbo, um estudioso da armaria e da plvora em Portugal: Este facto prova que o

    fabrico da plvora era muito moroso naquela poca e que Portugal, sob este ponto de vista, ou era

    mais providente ou estava mais adiantado que a Espanha.[14]

    D. Manuel I (1495-1521) continuou a aco poltica e estratgica do seu cunhado na descoberta e

    ocupao de posies Alm-Mar. Para armar as praas em Portugal e no Ultramar, para artilhar os

    navios e prover armas brancas e de fogo para os homens de guerra, era necessrio um esforo de

    fabrico que as oficinas privadas, as Ferrarias de Barcarena e as Tercenas de Pinhel no podiam

    satisfazer.

    Assim, para tentar resolver este problema, em Outubro de 1517 - trinta anos depois do inicio da

    construo da casa das ferrarias - D. Manuel ordenou ao Almoxarife das obras de Lisboa que

    desse de empreitada obras na casa darmaria de barquerena como agora lhe chamava. No ano

    seguinte um medidor de obras referia-se s ferrarias del Rey num relato sobre os trabalhos a

    feitos. Foi este o nome por que passou a ser conhecido o estabelecimento, certamente para o

    diferenciar das pequenas oficinas privadas.

    Desde a sua fundao, as ferrarias aproveitaram o desenvolvimento tecnolgico das indstrias de

    ferro da Biscaia no Pas Basco. Muitos biscanhos, mestres de ferro, espingardeiros ou coronheiros,

    trabalharam por contrato em Barcarena, por vezes em lugares de direco. Eles traziam o

    conhecimento e as ferramentas dando origem ao que se chamaria hoje transferncia de

    tecnologia.

    Porqu esta ligao? Antes de tudo, a Biscaia era muito rica em minrio de ferro de bom teor e

    superfcie de solo, permitindo a sua fcil extraco; tinha tambm bons recursos florestais e hdricos

    (bom regime pluviolgico); tinha dois bons portos para exportao: Bilbau e S. Sebastio; e

    disponha dum regime jurdico-fiscal muito favorvel para os produtores. Compreende-se assim o

    desenvolvimento que atingiu, com centenas de oficinas de reduo do minrio e de fabrico de armas

    e ferramentas. Alm disso, para ns estava mais perto que outros centros industriais como a

    Flandres ou a Itlia... e no havia grandes problemas com a lngua.

    Embora haja pouca informao sobre a produo das Ferrarias provvel que, de inicio, estivesse

    centrada nas armas brancas (ferros de lanas e de piques, adagas, espadas, bestas e virotes),

    nas armas defensivas ou corpos de armas (peitorais ou peitos fortes, espaldares e bacinetes) e,

    depois, nas armas de fogo da poca (arcabuzes e mosquetes), alm de pregos e peas de ferro

  • 19/8/2014 :: Revista Militar ::

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    necessrias para as embarcaes.

    D. Manuel mandou tambm construir, em 1515, na proximidade da Casa da Armaria, uma oficina com

    moinho de piles para o fabrico de plvora[15]. Ao mesmo tempo mandou prover obteno dos

    trs ingredientes necessrios para o fabrico: carvo vegetal, salitre e enxofre. A plvora, bem como

    as armas, era um produto essencial para a defesa do territrio e para a projeco de foras para o

    ultramar, o que explica o interesse do Rei neste campo.

    Barcarena foi uma escolha lgica para o fabrico de armas e principalmente, de plvora. Dispunha de

    gua corrente para accionamento dos engenhos (pelo menos na maior parte do ano), tinha recursos

    florestais para a produo de carvo para os fornos e forjas e estava longe de zonas habitadas. As

    ferrarias mantiveram-se cerca de 200 anos e a Casa da Plvora (depois Real Fbrica de Plvora de

    Barcarena, alm de outras designaes) quase 500. Num quadro nacional relativamente modesto,

    foram instalaes importantes para o fim a que se destinavam. Tiveram altos e baixos ao sabor da

    situao do pas, das necessidades de material e at dos desejos e capacidades dos homens.

    Todavia, a memria histrica foi mantida[16].

    D. Manuel determinou tambm a construo de oficinas e fundies em dois locais de Lisboa:

    - As Tercenas do Cata-Que-Fars (na zona a norte do actual Cais do Sodr) para fundio e fabrico

    de artilharia. Uma carta de 1513, do Mestre Estevo Pais destas Tercenas para o Rei, refere

    experincias de tiro feitas da para a Pontal de Cacilhas com beros e camelos, artilharia de ferro

    forjado, de pequeno calibre e de retrocarga, que tanta importncia teve no estabelecimento do

    nosso poder martimo. Em 1578 explodiu nesta zona um grande carregamento de plvora (25 quintais

    - cerca de 1.300 kg) que tinha sido importada da Flandres. provvel que as Tercenas tenham sido

    destrudas por esta exploso, pois no se conhecem referncias posteriores sua actividade.

    - As Tercenas da Porta da Cruz [17] (na zona onde actualmente o Estado-Maior do Exrcito e o

    Museu Militar), obra que se iniciou provavelmente em 1515, com fundio de artilharia, oficinas de

    espingardaria e fabrico e armazenamento de plvora. Aqui no havia gua corrente, pelo que os

    moinhos de plvora teriam de ser movidos a sangue, por bois ou muares. Estas Tercenas viriam a

    dar origem Tenncia-Geral de Artilharia (1640) e, depois, ao Arsenal Real do Exrcito (1764).

    Determinou tambm o Rei que houvesse oficinas de armeiros para o fabrico e consertos nas

    principais povoaes do Reino e Ultramar, incluindo os Aores, Madeira, Cabo Verde, Ceuta, Brasil,

    Goa e Chaul. E para superintender sobre estas oficinas, prov-las de pessoal e vigiar pelos seus

    privilgios, foi criado o cargo de Armador-Mor, que teve regimento em 1507.

    No reinado de D. Joo III (1521-1557) foram concludas e ampliadas as Tercenas da Porta da Cruz e

    possvel que a coroa tenha tomado conta de fundies privadas, reunindo as do Postigo do

    Arcebispo e de S. Engrcia numa s, que se passou a designar por Fundio da Coroa de Portugal

    (viria depois a ser a Fundio de Cima).

    Uma carta de quitao de D. Joo III aos herdeiros de Joo Rodrigues que tinha sido almoxarife da

    Casa da Plvora de 1524 a 1531 d ideia das quantidades recebidas durante esses 7 anos: ... a

    plvora que ele recebeu dos oficiais que a fabricavam montou a 3 023 quintais e 12 arrteis da de

    bombarda e 32 quintais, 2 arrobas e 29 arrteis da de espingardas[18]. Como cada quintal

    correspondia a 4 arrobas e estas a 14,7kg, conclui-se que a Casa da Plvora recebia cerca de 25

    toneladas por ano, uma quantia muito razovel para a poca. Verificou-se tambm que se fazia

    distino entre plvora para artilharia e para espingarda, esta mais fina.

    Quanto ao fabrico de armas de fogo militares, as Tercenas e as Ferrarias no conseguiam ainda

    produzir em quantidade para satisfazer as necessidades. No faltavam oficinas privadas de armeiros

    em Portugal, mas apenas faziam consertos ou produziam pequenas quantidades de espingardas.

  • 19/8/2014 :: Revista Militar ::

    http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=528 4/50

    Fig. 1 - A Zona das Tercenas da Porta da Cruz no Sculo XVI.

    Esta gravura parte do Atlas Urbium Proeciarum Mundi Theatrum Quintu

    de Giorgio Braunio Aggripinato, editor alemo de Colnia, datado de 1593.

    Representa uma vista panormica esquemtica e algo fantasiosa da zona oriental

    de Lisboa. Seguindo a Cerca Fernandina, de Norte para Sul, encontra-se

    a Porta da Cruz (74) e depois o Cais do Carvo (19) e os Fornos da Cal (20).

    A Porta da Cruz situava-se no cimo da actual Rua do Museu de Artilharia.

    Embora as Tercenas tenham comeado a ser construidas possivelmente em 1515,

    no se nota qualquer edifcio de porte no local.

    Origem: A Cerca Fernandina de Lisboa, A. Vieira da Silva, Lisboa, 1987

    A armaria deixou marcas na vida militar, econmica e social de Quinhentos, sendo muitas as terras

    portuguesas que tiveram oficinas de espadas, arcabuzes e espingardas, no apenas para a feitura,

    mas tambm para alimpar e guarnecer armas brancas... Compreende-se que tenha havido

    armeiros em Ceuta, Alccer Ceguer, Azamor, Safim e Tanger; que se abrissem tendas no Funchal,

    Cabo Verde, Cochim e Goa; e que D. Manuel tivesse nomeado armeiros para muitas povoaes da

    raia.[19]

    expressivo o caso de Tavira onde chegou a haver 10 armeiros com variadas especializaes:

    oficiais de couraceiro, fabricantes de lanas, reparadores de arcabuzes, o que supe uma indstria

    permanente, em ligao com as praas do Norte de frica. Pode mencionar-se a existncia de

    armeiros em Chaves, Moncorvo, Miranda do Douro, Viana da Foz do Lima, Aveiro, Vila Boa (termo de

    Guimares), Portalegre, Beja, Campo Maior, Lagos, Ponte de Lima e outros mais. Os maiores centros

    de armaria foram, como evidente, Lisboa, vora, Porto, Santarm, Barcarena, Elvas e Tavira.[20]

    Apesar desta proliferao, ainda em 1549 D. Joo III teve de mandar encomendar 3.000 arcabuzes a

    armeiros da Bomia.

    No reinado de D. Sebastio (1557-1578), incluindo o perodo da regncia por menoridade do Rei,

    tentou generalizar-se o servio militar aos homens vlidos. Pelo Regimento das Ordenanas (1569)

    todos eram obrigados a servir a p ou a cavalo, devendo estar armados; os que tivessem 50.000

    ris de fazenda tinha de ter arcabuz ou espingarda aparelhada (em condies de funcionar). O

    Regimento dos Capites-Mores (1570) referia o armamento da poca: arcabuz, espingarda, besta,

    lana e pique. As espingardas de fechos de slex (ou de pederneira, como se chamaram em Portugal)

    comeavam a aparecer, mas a confiana nelas era to pequena que por proviso de 1574, se

    determinou que quem tivesse arcabuz ou espingarda de pederneira era obrigado a ter serpe ou

    morro, para garantia do funcionamento da ar-

    ma.

    A pretensa generalizao do servio militar obrigava existncia de armas de fogo em quantidade.

    Em 1571, o legado do Papa visitou os armazns da Ribeira, junto ao Pao Real. Ficou espantado

    com o que viu nas trs salas que compunham a armaria, as quais estavam cheias de cassoletes

    (meias-armaduras) para 50.000 homens, lanas para igual nmero, morries, arcabuzes, etc., que

    dariam para 80.000 homens, alm de 30.000 armaduras para cavalaria[21]. H aqui um enorme

    exagero: trs anos depois o Rei determinou aos mercadores que comerciavam com a Flandres,

  • 19/8/2014 :: Revista Militar ::

    http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=528 5/50

    Alemanha ou Biscaia, que tivessem aquela quantidade de armas... para dali se poderem prover as

    pessoas... porque no presente no h no Reino a quantidade de armas que necessria.

    Certamente que muitas armas estavam a bordo dos navios e nas guarnies ultramarinas. No

    faltavam expedies e campanhas no Alm-Mar: na ndia as rebelies e combates eram constantes,

    para Angola foi mandado Paulo Dias de Novais com uma expedio, no Brasil lutava-se contra os

    franceses, em Moambique havia problemas na Zambzia e no Norte de frica faziam-se incurses

    prprias ou em auxlio de Filipe II. Era uma disperso de objectivos e meios que os nossos limitados

    recursos humanos e materiais dificilmente suportavam.

    Antes da desastrosa expedio ao Norte de frica de 1578, o Rei mandou Nuno lvares Pereira

    Flandres e Alemanha para recrutar estrangeiros e para comprar 3.000 mosquetes, 4.000

    arcabuzes, 1.200 morries e 23 quintais de plvora. Mesmo assim, no conseguiu reunir mais que

    cerca de 20.000 homens, portugueses e estrangeiros, que o acompanharam ate sua morte em

    Alccer-Quibir.

    O Domnio Filipino

    Os 60 anos de domnio espanhol (1580-1640) foram desastrosos para Portugal e para os territrios

    ultramarinos: os inimigos da Espanha passaram a ser inimigos de Portugal. Os corsrios ingleses

    passaram a atacar as nossas costas e os navios vindos do oriente; Ormuz foi investida e

    conquistada, tambm pelos ingleses; os holandeses atacavam no Brasil e em Angola; os franceses

    ameaavam o Brasil; e os holandeses estabeleciam territrios no oriente. Em Portugal continental os

    nossos meios de defesa foram espoliados. O General J. M. Cordeiro escreve sobre o assunto: Ou

    foram os apuros em que a Espanha se achava pela guerra que sustentava na Europa, ou a poltica

    de enfraquecer Portugal... o que certo que o governo espanhol esgotou Portugal de homens e

    tirou-lhe os meios principais de defesa... os nossos canhes foram tambm fazer parte dos seus

    parques e trens do exrcito. Para obviar grande falta de armas e munies em Portugal... foi

    ordenado s cmaras que as mandassem vir da Biscaia, pagando-as logo a dinheiro, sendo depois

    distribudas aos povos e pagas por estes em prazos estipulados. Conclui-se destas disposies que

    o fabrico de armas de fogo em Portugal pouco tempo se conservou ou foi inteiramente abandonado,

    promovendo-se o comrcio de armas e munies vindas de Biscaia[22]. Esta viso do ilustre

    General peca por parcialidade, porque no refere a especial ateno de Filipe III (1589-1621) em

    relao a Barcarena, mandando remodelar e modernizar as Ferrarias e a Casa da Plvora. Para o

    efeito, determinou ao Engenheiro-Mor do Reino, o milans Leonardo Turriano, que estudasse a

    situao das duas instalaes, ento abandonadas, e fizesse projectos para a sua recuperao.

    Estes teriam sido apresentados em 1617. Os projectos de Turriano... incluam trs propostas: a

    remodelao da Casa da Plvora, a ampliao das Ferrarias e o estabelecimento duma cordoaria. Os

    estudos apresentados para a Casa da Plvora foram de imediato levados a efeito, tendo sido

    construdos os quatro engenhos inicialmente previstos, No caso das Ferrarias ter-se- optado pelo

    restauro dos engenhos j instalados. Quanto inteno de implementar uma terceira oficina em

    Barcarena para fabricao de enxrcia no ter merecido aprovao[23].

  • 19/8/2014 :: Revista Militar ::

    http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=528 6/50

    O salitre necessrio para o fabrico da plvora negra (cerca de 75% da mistura) vinha, em grande

    parte, da ndia aps a descoberta do caminho martimo. Em 1618 Filipe III escreveu ao Vice-Rei

    reforando os pedidos de envio de salitre para os novos engenhos mandados fazer em Barcarena.

    Tambm em Panelim, prximo de Goa, se construiu uma importante fbrica de plvora no governo do

    Vice-Rei D. Francisco da Gama, que foi concluda em 1630 por D. Miguel de Noronha; estava

    cercada de altos muros, com instalaes separadas, sendo usados bfalos para mover os engenhos;

    a plvora era guardada na Fortaleza da Aguada.

    Tambm o fabrico de artilharia no foi descurado, tanto que a Fundio da Porta da Cruz era na

    ocasio conhecida por Fundio dos Castelhanos.

    Restaurao. A Tenncia

    A revoluo de 1 de Dezembro de 1640 e a restaurao da monarquia portuguesa levariam

    forosamente guerra com a Espanha. Seguiu-se um perodo de actividade febril para preparar o

    pas para esta contingncia. Ainda em 1640 foram criados o Conselho de Guerra e a Tenncia-Geral

    de Artilharia; esta tinha por funes o alistamento, instruo e jurisdio sobre os artilheiros de

    nmina destinados ao servio nas praas, fortalezas e navios; e a aquisio, conservao e

    distribuio de todo o material de guerra. Instalada nas Tercenas da Porta da Cruz, era dirigida pelo

    Tenente-General de Artilharia (um civil, embora parea estranho) e ficou na dependncia da Junta

    dos Trs Estados, criada em 1641, para superintender na administrao financeira da guerra, o

    que inclua o pagamento dos soldos e o financiamento para uniformes, munies, fortificaes e

    outras despesas.

    A Tenncia teve de importar grandes quantidades de armas ligeiras e de artilharia, dado o estado

    em que se encontravam as unidades e os depsitos. Logo no incio de 1641, o monarca fez prover

    a fronteira do Alentejo com milhares de arcabuzes e mosquetes e 100 quintais de plvora[24].

    As indstrias militares foram adaptadas para as nossas necessidades; foram criadas novas fundies

    no Prado (Tomar) e em Machuca (Figueir dos Vinhos), reas de minrios de ferro; e estabelecidas

    oficinas de armas no Porto, Braga, Ponte de Lima e Guimares. Nota curiosa: em Dezembro de 1644,

    foi confirmado um contrato com um serralheiro de Alcobaa, em que este se comprometia a entregar

    400 arcabuzes por ano; no h indicaes sobre o cumprimento do contrato. As Ferrarias dEl Rey

    de Barcarena devem ter produzido arcabuzes e mosquetes, utilizados em campanha e tambm nas

    Fortalezas e navios[25].

    Porque o salitre era necessrio para o fabrico de plvora, foram criados feitores de salitre nas

    comarcas de Alenquer, Leiria e Setbal. Multiplicaram-se em Lisboa os estabelecimentos privados de

    fabrico de plvora, com os consequentes acidentes, pelo que foram mandados encerrar em 1651,

    ficando praticamente s Barcarena e a torre da plvora das Portas da Cruz em laborao. A ltima

    encerrou em 1673: a sua produo devia ser pequena. Restauraram-se as ordenanas de D.

    Sebastio, constituindo-se o Exrcito de Linha e as Milcias, compostos por teros de infantaria e

    companhias de cavalaria. Foram tambm recriadas as Ordenanas, espcie de depsito de pessoal

    dos outros escales, organizadas em companhias.

    De incio a guerra limitou-se a algumas escaramuas nas fronteiras do Minho, Beira e Alentejo; em

    1644, tivemos um importante sucesso na batalha de Montijo (em Espanha, entre Badajoz e Mrida),

    vencida por Matias de Albuquerque, general experimentado no Brasil. Quinze anos depois, D. Sancho

    Manuel e Andr de Albuquerque venceram os espanhis na batalha das Linhas de Elvas (1659). No

    ano seguinte contratmos o Conde de Schomberg, notvel militar alemo, e grande nmero de

    militares estrangeiros, que deram uma ajuda importante na reorganizao do Exrcito e na conduta

    das operaes.

    Na ltima fase da guerra (1660-68), o comandante espanhol D. Joo de ustria lanou operaes

    ofensivas no Minho, Beiras e Alentejo, vitoriosas nos primeiros tempos. Mas a aco enrgica do

    Conde de Castelo Melhor fez mudar a sorte das armas. Em 1663, D. Sancho Manuel (Conde de Vila

    Flor), Schomberg e Pedro Jacques de Magalhes venceram a batalha do Ameixial e recuperam vora.

    Dois anos depois o Marqus de Marialva obteve a grande vitria de Montes Claros. Ainda houve

    aces importantes no Minho e na Galiza, sob o comando do Conde do Prado e de Schomberg.

    No incio de 1668, na regncia de D. Pedro II, foi assinado o tratado de paz com a Espanha.

    Terminou uma guerra de 28 anos, em que a capacidade dos comandantes e o sacrifcio dos nossos

    homens asseguraram a independncia ao pas. Mas perdemos Ceuta, o que foi um erro poltico.

    Depois dum esforo to intenso e to longo, o pas estava exausto. O exrcito foi reduzido e as

    indstrias militares acompanharam a tendncia.

    Em 1675, D. Pedro criou o Troo dos 300 Artilheiros, para que estivessem prontos para o servio da

    Armada na permanente vigilncia da navegao costeira, o que retirou Tenncia o recrutamento

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    e preparao dos artilheiros navais. Por essa altura as espingardas de pederneira tinham comeado

    a substituir os arcabuzes e os mosquetes de morro; e a cavalaria passou a dispor de clavinas

    (corruptela de carabina) e de pistolas. Embora D. Pedro desejasse ter o Exrcito todo armado com

    armas de pederneira, no o conseguiu por falta de meios. Assim, em 1679, foram ainda adquiridas

    5.000 espingardas em Frana.

    Fabricava-se ento pouca plvora em Portugal, pelo que se importava da Holanda. Nesse ano de

    1679, o polvorista Carlos de Sousa Azevedo obteve alvar para produzir plvora em Barcarena,

    obrigando-se a entregar 2.400 arrobas por ano e a reconstruir a fbrica ento abandonada. Na

    mesma situao estavam as Ferrarias dEl Rey que, em 1685, foram entregues a dois franceses, por

    10 anos, para produo de canos de espingarda e arame. Parece ter sido pouco produtiva esta

    explorao: em 1695, terminou o contrato, sendo mandadas encerrar as Ferrarias. E o Tenente-

    General de Artilharia mandou entreg-las a Sousa Azevedo para a montar dois moinhos de plvora e

    reparar a levada e o aude, porque era mais precisa a fbrica de plvora que as de armas. Como

    as oficinas da Tenncia no produziam armas portteis em quantidade, entende-se esta deciso

    como o reconhecimento de que nessa ocasio no seriamos capazes de prover s nossas

    necessidades dessas armas, mas sim em plvora. Desta forma, Barcarena deixou de produzir armas,

    208 anos depois de estabelecida a Casa das Ferrarias.

    As Guerras do Sculo XVIII

    Em 1704, envolvemo-nos na Guerra de Sucesso de Espanha. Nesse ano o arquiduque Carlos,

    pretendente ao trono de Espanha, desembarcou em Lisboa com uma fora anglo-holandesa, a que

    se reuniram unidades portuguesas. Apesar dos esforos de D. Pedro II para construir um exrcito

    pequeno e capaz, ainda no estvamos preparados para a guerra. O auxlio britnico em oficiais e

    armas (7.000 espingardas) veio dar-nos novo alento. Estas armas provavelmente j traziam

    baionetas de alvado[26], porque em 1697 a maioria dos mosqueteiros ingleses j as usavam[27].

    A guerra teve incio com a invaso da Beira Baixa e do Alentejo pelo exrcito franco-espanhol, mas a

    reaco do Marqus das Minas obrigou-o a retirar. Entretanto, o arquiduque Carlos tinha-se

    deslocado para a Catalunha, o que obrigou as foras espanholas no Alentejo a retirar para lhe fazer

    face. Aproveitando a situao, o Marqus das Minas penetrou em Espanha e num gesto de audcia,

    progrediu at entrar em Madrid (1706). A partir da as coisas comearam a correr mal para ns, por

    razes polticas e militares, obrigando-nos a retirar.

    Durante a guerra houve alteraes importantes no nosso exrcito. Por aviso de Maio de 1704, D.

    Pedro II determinou que os teros de infantaria se armassem com bocas-de-fogo (armas de

    pederneira) com baioneta (de alvado) sem que haja neles picaria alguma[28].

    Acabavam, assim, os piqueiros na infantaria. Em 1707, j no reinado de D. Joo V (1707-1750)

    foram publicados as novas ordenanas: os teros de infantaria foram substitudos por regimentos;

    criaram-se tambm regimentos de cavalaria. Em 1708 regulamentaram-se as operaes militares e o

    servio nos aquartelamentos. A seguir foram publicados os artigos de guerra, espcie de cdigo de

    justia militar, e reposto o Regimento das Ordenanas de D. Sebastio.

    A guerra terminou em 1712, com um tratado de suspenso de hostilidades. Por fim, o tratado de

    Utreque (1712-15) teve alguns resultados favorveis para Portugal, como o reconhecimento do

    domnio sobre a Amaznia e a restituio pela Espanha da chamada Colnia do Sacramento, no sul

    do Brasil. A aliana Luso-Britnica saiu fortalecida e a Inglaterra recebeu a ilha Minorca e Gibraltar,

    chave do Mediterrneo.

    Em 1715-16, comearam a construir-se novos edifcios para a Tenncia, criando-se a Fundio de

    Baixo, com oficina de espingardeiros na sua parte Norte. Todavia, um grande incndio destruiu estas

    instalaes, em 1726.

    Em 1718, dois irmos espingardeiros de Lisboa, Jos Francisco e Joam Rodrigues, publicaram um livro

    com o ttulo de A Espingarda Perfeyta, dedicado a D. Joo V. um verdadeiro manual, completo e

    pormenorizado, embora escrito na linguagem gongrica da poca, sobre a organizao mecnica da

    espingarda, o seu fabrico e manuteno, que prova o conhecimento que os espingardeiros do Sec.

    XVIII tinham sobre o seu mister. Curiosamente os autores assinam com anagramas dos seus nomes,

    Cesar Fiosconi e Fordam Guserio.

    Em 1725, foi aberto concurso para arrematao das fbricas de plvora de Alcntara e Barcarena,

    que foi ganho pelo cidado holands Augusto Cremer, Comissrio Geral do Almoxarifado e antigo

    pagador das tropas do seu pas em Portugal durante a Guerra de Sucesso de Espanha. Cremer

    reconstruiu as duas fbricas, ambas em estado de runa. Em Barcarena, num edifcio construdo de

    raiz, foram montados 4 engenhos cada um com duas ms rolantes verticais (galgas, como lhes

    chamavam) de calcrio, importadas de Namur. Em Alcntara foram colocados 7 moinhos, movidos a

    energia hidrulica e a sangue.

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    A Real Fbrica de Plvora de Barcarena, como se passou a designar, foi inaugurada em 1729,

    vista dum grande concurso de gente, assim da corte como daquelas vizinhanas e de alguns

    estrangeiros[29]. No h referncias inaugurao de Alcntara, mas foi designada no

    oficialmente por Real Fbrica de Plvora de Antnio Cremer.

    Foi um perodo alto para as duas fbricas que, produzindo segundo tecnologias modernas,

    conseguiram tornar o pas auto-suficiente em plvora. To bem se desempenhou Cremer que o Rei

    lhe concedeu o ttulo de Intendente e Administrador das Fbricas de Plvora do Reino. Aps a sua

    morte, a administrao ficou a cargo da viva, at 1753. A partir da as duas fbricas voltaram para

    a gerncia do Estado, atravs do Ministro da Marinha.

    Protegido por um tratado com Inglaterra, Frederico II da Prssia invadiu a Saxnia, em 1756, dando

    incio ao que se veio a designar por Guerra dos Sete Anos. Nela se envolveram as principais

    potncias europeias e as aces militares estenderam-se ao Canad, ndia e Filipinas. Foi a primeira

    guerra escala mundial.

    Portugal, enfraquecido pelo terramoto de 1755 e, tentando recompor-se, jogou na neutralidade. Mas

    em 1761, recusou aderir ao Pacto de Famlia que unia as casas reinantes dos Bourbons - Espanha,

    Frana, Npoles e Parma. Em consequncia, uma fora espanhola de cerca de 40.000 homens,

    depois reforada por um contingente francs, entrou em Portugal pela Beira, em Maio de 1762.

    Fig. 3 - Uma Oficina de Armeiro no Sc. XVIII.

    Nesta gravura de M. Freyre, um armeiro trabalha num cano de espingarda.

    Na mesa em primeiro plano, esto quatro canos em processo de fabrico;

    estas eram peas difceis de construir.

    Origem: A Espingarda Perfeyta, Lisboa 1718

    Mais uma vez, Portugal no disponha de foras capazes de resistir e expulsar o invasor. Desde o fim

    da Guerra da Sucesso de Espanha tnhamos gozado 50 anos de paz, com o habitual descuido em

    relao s foras militares. Fortunato de Almeida d-nos a sua ideia da situao:

    O Marqus de Pombal (ento Conde de Oeiras), ou porque desafecto s instituies militares, ou

    porque de todo o absorvia o delrio de aniquilar a nobreza e a Companhia de Jesus, no s deixou o

    Exrcito no msero estado em que o encontrou, como at reduziu os quadros existentes em 1735.

    Tornou-se to sensvel a penria, que teve dificuldade em reunir tropas que policiassem Lisboa

    depois do terramoto.[30]

    Assim, teve-se de pedir ajuda ao estrangeiro. D. Jos recorreu ao monarca britnico Jorge III, da

    casa de Hanover[31]. Este recomendou um alemo nascido em Londres, ento, ao seu servio,

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    Frederico Guilherme Ernesto, conde-reinante de Schaumburg-Lippe-Buckeburg, que chegou a

    Portugal em Julho de 1762, com dois batalhes suos. Um corpo britnico de cerca de 6.500

    homens, que tinha chegado em Maio, juntou-se a ele. Nomeado Marechal-General do Exrcito

    Portugus, o conde de Lippe (como passou a ser conhecido), rapidamente, reuniu as tropas

    portuguesas ao seu contingente e, praticando uma aco estratgica defensiva, na Beira e no

    Alentejo, conseguiu conter as foras espanholas e francesas. A chegada do inverno e a assinatura

    dum tratado de paz preliminar em Fontainebleau acabaram com a guerra que, por ter sido to curta

    e sem batalhas importantes, passou a ser conhecida por Guerra Fantstica.

    No incio do conflito, em 1762, prestava servio na Tenncia o, ento, capito Bartholomeu da

    Costa, homem conhecido pela sua preparao tcnica e capacidade de realizao. A Tenncia sofria

    ainda as consequncias do terramoto de 1755 e tinha apenas a funcionar uma oficina de

    espingardeiro, outra de carpinteiro (que no faziam mais que reparaes) e armazns.

    Bartholomeu da Costa teve a sorte de poder dispor de dezenas de espingardeiros alemes e ingleses

    que tinham vindo por ordem do conde Lippe. Por outro lado, foram mobilizados pela Tenncia

    muitos mestres e oficiais de oficinas privadas de armeiros, que permitiram arrancar com o que foi

    ento chamada Fbrica Real.

    O General Joo Manuel Cordeiro refere o seguinte no que toca a espingardas: Consta que, neste

    ano de 1762, havia nos armazns da Tenncia 30.905 espingardas novas, ordenando o Ministrio da

    Guerra ao Tenente-General da Artilharia do Reino que aumentasse a reserva com mais 8.000. Estas

    armas, na nossa opinio, haviam sido adquiridas na Inglaterra, na sua maior parte.[32] No se

    conhecem outras referncias a esta aquisio, sendo possvel que as armas tenham vindo com o

    Conde de Lippe.

    Entretanto continuavam as obras na Tenncia, sendo concluda uma fundio de artilharia com

    oficinas anexas, nos terrenos da Fundio da Coroa de Portugal; passou a designar-se Fundio de

    Cima para a distinguir da de Baixo que estava tambm em fase de reconstruo.

    O Conde de Lippe permaneceu pouco mais de dois anos em Portugal, mas conseguiu reformar e

    reorganizar muitos sectores do Exrcito: publicou regulamentos sobre o ensino e a prtica em

    campanha e nos aquartelamentos, fez reconstruir fortificaes, lanou as bases dum sistema de

    inspeco e organizao administrativas, criou campos de manobras, regulou as admisses e

    promoes, alterou os uniformes e estabeleceu regras de disciplina e de justia. Conhecendo as

    capacidades do capito Bartholomeu da Costa, visitava-o na Tenncia: ... ia-o procurar no seu

    prprio quartel (residncia) que era no mesmo edifcio (Fundio) e juntos discorriam largamente

    sobre objectos relativos artilharia e ao servio do Exrcito.[33]

    O Arsenal do Exrcito

    Por alvar de 24 de Maro de 1764, no conjunto das reformas do Conde de Lippe, a Tenncia

    passou a chamar-se Arsenal Real do Exrcito, continuando sob as ordens do Tenente-General de

    Artilharia, na dependncia da Junta dos Trs Estados. Era ento Tenente-General Manuel Gomes de

    Carvalho e Silva, promovido de paizano a Marechal de Campo por influncia de B. da Costa que

    servia sob as suas ordens.[34]

    O Arsenal deixou de ter funes no que respeita ao pessoal e material de artilharia dos navios de

    guerra. Em boa verdade, j no recrutava e instrua artilheiros para a Marinha desde que, como se

    referiu atrs, D. Pedro II mandara criar o Troo dos 300 Artilheiros.[35]

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    Fig. 4 - A Fbrica de Plvora de Barcarena em 1775.

    Esta a primeira planta conhecida da Fbrica. Foi mandada executar

    por Martinho de Mello e Castro, Ministro da Marinha. Notam-se as instalaes

    das Fbricas de Cima e de Baixo. Nesta ocasio, ainda no havia edifcios

    na margem direita da ribeira.

    Origem: Centro de Estudos Arqueolgicos da Engenharia Militar.

    Em 1772, B. da Costa foi nomeado Superintendente das Ferrarias de Tomar, Figueir e Foz do Alge;

    e, dois anos depois, tornou-se Intendente Geral das Fundies de Artilharia e Laboratrios dos

    Instrumentos Blicos destes Reinos, com o posto de Brigadeiro de Infantaria e exerccio na

    Artilharia. Em 1776 mandou construir um edifcio sobre as runas do convento das Clarissas, em

    Santa Clara, para um grande depsito, que se passou a chamar Parque de Artilharia. Em 1780,

    estando em ms condies as Fbricas de Plvora de Barcarena e Alcntara, foi B. da Costa

    encarregado da sua direco tcnica; conseguiu alterar a situao, instalando novos engenhos em

    que as galgas e pratos de pedra foram substitudos por outros de madeira e bronze. Passou a ser

    produzida plvora de qualidade para consumo interno e para exportao. A mdia de produo entre

    1780 e 1797 passou a ser de 315 toneladas por ano.

    Em 1782, B. da Costa tomou conta duma fbrica de ferro de Pao dArcos (possivelmente privada) e

    renovou-a introduzindo o fabrico de balas, bombas e granadas. Tentou tambm estabelecer um

    modelo de espingarda portuguesa, a que chamou de novo padro; estas armas foram fabricadas

    em 1791, certamente em pequeno nmero, e distribudas ao Regimento Gomes Freire, mas no

    houve seguimento ao projecto, por razo de custos.[36]

    Cabe aqui dizer que nos sculos XVIII e XIX fabricmos espingardas e pistolas de boa qualidade, em

    oficinas privadas e nas da Tenncia, depois Arsenal do Exrcito. Eram principalmente armas de

    aparato, de defesa e de caa, produzidas individualmente, por encomenda. Alguns dos nossos

    armeiros deixaram nome em Portugal e no estrangeiro pela perfeio dos seus trabalhos, como

    Xavier dos Reis, Bartholomeu Gomes, Verssimo de Meira e Jacintho Xavier.

    Mas, quando se tratava de fabricar armas militares portteis, no o conseguamos (como sucedeu

    em 1791) por razes de tecnologia ou de custos; estes s poderiam ser reduzidos se houvesse

    encomendas substanciais.

    Voltemos a Bartholomeu da Costa. A acumulao de funes to importantes no mesmo homem, em

    locais diferentes como Lisboa, Barcarena e Tomar, juntamente com as suas extraordinrias

    capacidades criativas e de direco, criaram situaes de atrito, especialmente com a Junta dos

    Trs Estados de quem o Arsenal dependia. Homem singular e extraordinrio, de gnio forte e

    arrebatado como era considerado, Bartholomeu da Costa chegou a estar sob priso domiciliria;

    duma vez tentou fugir do pas numa embarcao sendo detido passagem pela torre de Belm.

    A Revoluo Francesa e a Guerra Peninsular

    A Revoluo Francesa, iniciada em 1789, fez cair a monarquia e alterou por completo a situao

    poltica e social interna e o equilbrio externo. Receosas da propagao das ideias revolucionrias e

    de agresses militares, a Inglaterra, ustria, Prssia e Espanha coligaram-se contra a Frana. Em

    1793, a Espanha preparou uma fora de cerca de 24.000 homens para invadir o Rossilho pelos

    Pirenus Orientais; e pediu-nos auxlio. Mal preparados, mobilizmos uma unidade de 6 regimentos de

    infantaria (5.600 homens) e 22 bocas-de-fogo, que designmos pomposamente Exrcito Auxiliar

    Coroa de Espanha. Sob o comando do general John Forbes-Skellater[37]; transportada em 14 navios

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    mercantes escoltados por 3 vasos de guerra, chegou Catalunha em 9 de Novembro e incorporou-

    se na fora espanhola comandada pelo general Ricardos. Tendo atravessado a fronteira, o exrcito

    luso-espanhol ocupou praticamente todo o Rossilho, mas a morte de Ricardos e uma contra-

    ofensiva francesa obrigaram retirada para territrio espanhol em Abril de 1794. Os espanhis

    assinaram a Paz de Basileia com os franceses e aliaram-se a eles. O nosso Exrcito teve de voltar

    para Portugal, nada tendo ganho com esta aco, embora se tenha portado bem - e agora tnhamos

    os espanhis contra ns.

    No sendo possvel produzir armas militares em quantidade suficiente no Arsenal do Exrcito, mais

    uma vez recorremos importao. Em Agosto de 1796, a Ordnance estava em condies de

    informar o Chevalier dAlmeida que 12.000 mosquetes, 3.000 carabinas, 3.000 pares de pistolas e

    2.000 espadas estavam prontas para ser despachadas para Portugal.[38] As espingardas eram as

    designadas Brown Bess[39] de calibre 19,1mm, alma lisa e fechos de slex, regulamentares no

    Exrcito Britnico desde h cerca de 60 anos, o que mostra a perfeio do fabrico e a lenta

    evoluo do sistema de fechos. As carabinas seriam provavelmente as Potts, tambm de 19,1mm,

    para artilharia (com baioneta de alvado) e cavalaria. As pistolas deveriam ser as designadas

    Dragoon ou Light Dragoon.

    No incio de 1801, Napoleo e Carlos IV de Espanha acordaram na partilha de Portugal. Em Fevereiro

    a Espanha declarou-nos guerra e em Maio o Prncipe da Paz, Godoy, penetrou no Alentejo com uma

    substancial fora militar. As nossas tropas no local, comandadas pelo velho Marechal Duque de

    Lafes, tiveram um comportamento desastroso. Olivena, Juromanha e Campo Maior caram em

    poder do invasor, mas Elvas resistiu. O Tratado de Badajoz, em Junho, ps termo Guerra das

    Laranjas, como foi chamada - mas perdemos Olivena. Alguns historiadores consideram esta guerra

    como a primeira invaso francesa, embora conduzida pelos espanhis.

    Entretanto, no Arsenal do Exrcito, aps a morte de Bartholomeu da Costa (1801), as coisas no

    corriam bem, apesar de haver novas construes e um grande quadro de pessoal: 33 oficiais, 26

    mestres, 15 contra-mestres, 72 aparelhadores, 9 apontadores, 1.259 operrios, 263 aprendizes, 370

    porteiros, guardas, moos, etc. e 390 costureiras. Em Setembro de 1801, foi nomeado inspector o

    tenente-coronel emigrado italiano Carlos Antnio Napion (como de costume, os nomes prprios eram

    aportuguesados). Em 2 de Janeiro de 1802, foi publicada uma carta de lei cujo relatrio diz o

    seguinte: tendo presentes os graves e mui consequentes prejuzos que na repartio do Arsenal do

    Exrcito... sofria o meu real servio e fazenda; assim pela falta total dum sistema de administrao

    e economia, como pela carncia de uma escriturao e contabilidade claras, exactas e metdicas;

    circunstncias que no se encontram na que se formaliza no almoxarifado...

    Nota-se aqui o dedo dos inimigos de Bartholomeu da Costa, invejosos do seu gnio empreendedor

    e inventivo. possvel tambm que ele se preocupasse pouco com questes administrativas e que

    os seus colaboradores neste campo no o ajudassem. Esta lei extinguiu a Junta dos Trs Estados

    (que durou 161 anos) e estabeleceu a Junta de Fazenda do Arsenal do Exrcito, composta por 5

    vogais: o ministro da guerra, o inspector das oficinas, o intendente, o contador e o fiscal. Mas os

    problemas do Arsenal no acabaram. O tenente-coronel Napion, em ofcio de 8 de Agosto de 1805,

    escrevia para o ministro: ... Vossa Excelncia pode ver... por consequncia, se um homem honrado

    pode ficar um s momento neste emprego e em um arsenal onde no reina seno a intriga, a calnia

    e a impostura. Todavia, Napion manteve-se no emprego e no h registo de que tenha posto a

    casa em ordem. Dois anos depois acompanhou a corte para o Brasil.

    Pelo Tratado de Fontainebleu (1807), a Frana e a Espanha decidiram a invaso de Portugal, que

    seria dividido em trs partes. No Outono o general Andoche Junot tomou o comando do Corpo de

    Observao da Gironda, uma fora de cerca de 26.000 homens, estacionado na regio de Bayonne.

    Em marchas foradas atravessou a Espanha e penetrou em Portugal pela margem direita do Tejo,

    enquanto outras foras espanholas entravam pelo Alentejo e pelo Minho. Em 27 de Novembro, Junot

    chegou Goleg e dai proclamou ao povo portugus: o grande Napoleo, meu Amo, envia-me para

    os proteger, eu vos protegerei.

    Nesse mesmo dia, o Prncipe Regente D. Joo embarcou com a famlia real e um imenso squito, na

    esquadra portuguesa que pairava no Tejo, composta por 31 transportes mercantes e 23 navios de

    guerra. Entre 10 a 15.000 pessoas constituam esse squito, um nmero impressionante se nos

    lembrarmos que a populao de Lisboa no ultrapassava 200.000 almas. Fidalgos, cirurgies reais,

    confessores, damas de honor, pajens, conselheiros de estado, militares, juzes, sacerdotes e

    homens de negcios, todos acompanhados das famlias e criados, apinhavam os navios[40]. Entre

    os militares iam praticamente todos os oficiais de marinha e cerca de um tero dos do Exrcito; do

    Arsenal do Exrcito ia o tenente-coronel Napion, certamente acompanhado dos principais oficiais,

    mestres, fundidores e espingardeiros. O Arsenal ficou sob as ordens dum coronel francs, Carlos

    Julio, a partir de 27 de Novembro, data do embarque do Regente, da Corte e do squito.

    Os navios s zarparam do Tejo, em 29, em virtude de uma tempestade no mar, recebendo uma

    escolta adicional de 13 vasos de guerra britnicos do Almirante Sir Sydney Smith, que aguardavam

    sada da barra. Na proximidade do paralelo 37 nove navios britnicos regressaram costa

    portuguesa, seguindo os outros 4 at ao Brasil com a esquadra portuguesa.

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    No dia 30, Junot entrou Lisboa, ficando a ver navios. Vinha frente dum regimento de

    granadeiros descalos e esfomeados... Trs semanas depois (da sada de Bayonne) o exrcito

    invasor contava apenas com metade dos homens; os que faltavam ficaram pelo caminho ou

    encontravam-se hospitalizados. A concentrao de alguns regimentos portugueses e o desembarque

    de dois regimentos ingleses embarcados nos navios britnicos, como desejava fazer o almirante

    Smith, teria podido afastar de Lisboa o exrcito invasor e destrui-lo[41]. Mas assim no decidiu o

    Prncipe Regente. Alis, estava manietado pela Conveno Secreta com o Rei Jorge III da Gr-

    Bretanha, assinada em Londres, em 22 de Outubro (trinta e oito dias antes da entrada de Junot em

    Lisboa), e ratificada, em 8 de Novembro. Esta conveno regulava a transferncia para o Brasil da

    sede da Monarquia Portuguesa, a ocupao temporria da Ilha da Madeira por tropas britnicas e o

    compromisso de se fazer um tratado de comrcio com a Gr-Bretanha depois do governo portugus

    se instalar no Brasil.

    O xodo da Corte e os acontecimentos sequentes viriam a provocar uma reviravolta completa na

    Histria de Portugal, orientando-nos para a frica.

    Por ordem de Junot e dos generais espanhis seus aliados, foram reduzidas as unidades militares e

    licenciados uns 20.000 homens incluindo as milcias. O General Marqus de Alorna, tendo como

    segundo-comandante o Tenente-General Gomes Freire de Andrade, reorganizou as foras sobrantes

    e, em Fevereiro de 1808, tinha cerca de 9.000 homens para servir ao lado dos franceses, divididos

    por 6 regimentos de infantaria, 1 de caadores, 3 de cavalaria, 1 de caadores a cavalo e 1 de

    artilharia. Esta fora, designada Legio Portuguesa por decreto de Napoleo, partiu para Frana,

    vindo a tomar parte nas campanhas em Espanha, na ustria, na Alemanha e na Rssia. Alguns dos

    seus oficiais viriam mesmo a ter parte activa, com os franceses, na terceira invaso, de Massena.

    Entretanto, em Maio de 1808, houve um sangrento levantamento em Madrid e a formao de Juntas

    para resistir aos franceses. O exemplo foi seguido em Portugal e formou-se, no Porto, a Junta

    Provisional do Supremo Governo do Reino, sob a presidncia do Bispo, e o Governador de Armas de

    Trs-os-Montes, General Manuel Gomes de Seplveda aclamou o Prncipe Regente e mobilizou as

    populaes. A insurreio estendeu-se ao Minho, ao Alentejo e ao Algarve. Perante estes factos, o

    Governo Britnico decidiu intervir militarmente na Pennsula. Uma fora expedicionria de cerca de

    9.000 homens estacionada em Cork, na Irlanda, sob o comando do Tenente-General Sir Arthur

    Wellesley e destinada a seguir para a Amrica de Sul, foi desviada para a Pennsula. Dirigindo-se em

    transportes de guerra, Corunha e, depois, ao Porto, onde Wellesley contactou com a Junta

    Provisional, foi pairar em Lavos, a sul da foz do Mondego, em 30 de Julho. O desembarque realizou-

    se entre 1 e 5 de Agosto, juntando-se aos homens de Wellesley mais cerca de 5.000 do General

    Spencer e 2.600 que o General Bernardim Freire de Andrade reunira pressa.

    Foi o incio da Guerra Peninsular. Wellesley, que era o oitavo na linha de comando definida por

    Londres para a campanha, viria a tornar-se o primeiro, devido sua capacidade e viso estratgica.

    Foi nomeado Comandante-Chefe do Exrcito Anglo-Luso, depois tambm espanhol, at rendio

    dos franceses em Toulouse, em 1814.

    Quando foi iniciada a campanha e liberto Portugal dos invasores, havia que reorganizar o Exrcito

    praticamente desfeito por Junot, excepto no que diz respeito Legio Portuguesa. A tarefa foi

    iniciada por D. Miguel Pereira Forjaz, Ministro da Guerra, dos Estrangeiros e da Marinha. Em fins de

    1808, estavam a ser formadas 24 regimentos de infantaria, 12 de cavalaria, 4 de artilharia, 6

    batalhes de caadores, 48 regimentos de milcias e companhias de ordenanas e de tropas

    auxiliares.

    Em 7 de Maro de 1809, por decreto do Prncipe Regente no Rio de Janeiro, o General irlands

    William Carr Beresford foi nomeado Marechal e Comandante-Chefe do Exrcito Portugus. Deu-se

    ento o salto qualitativo: passmos a receber oficiais, material de guerra, fardamentos,

    equipamentos militares... e at dinheiro para pagamento das tropas. Com uma populao inferior a 3

    milhes, conseguimos levantar foras superiores a 150.000 homens. O Exrcito de 1 linha atingiu os

    57.000, organizados em brigadas independentes ou integradas em divises britnicas, as milcias

    ultrapassaram os 50.000 e as ordenanas entre 60 a 70.000.[42] Para enquadramento, cerca de

    350 oficiais e 23 sargentos britnicos foram integrados nas unidades portuguesas durante a Guerra

    Peninsular.[43]

    Quanto a material de guerra porttil, entre 1808 e 1814, foram recebidas 160.000 espingardas

    Brown Bess de 19,1mm, 2.300 espingardas estriadas Baker de 15,9mm, 3.000 carabinas para

    cavalaria, 7.000 pistolas e 15.000 sabres.[44] As espingardas Brown Bess eram do modelo designado

    India Pattern, mais simples e mais baratas que as Land Pattern que tnhamos recebido em 1796.

    Eram armas pesadas e fortes, mas de alcance curto: acima dos 70-80 metros eram muito

    imprecisas. As Baker eram muito mais modernas (1801) e de calibre menor; sendo estriadas,

    permitiam atirar trs vezes mais longe que as Brown Bess, mas eram mais caras e lentas a carregar;

    foram atribudas a alguns homens das unidades de caadores. Nesta poca usavam-se cartuchos de

    papel, que dispensavam o emprego do polvorinho.[45]

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    Ao mesmo tempo que se recebiam estas grandes quantidades de material, as oficinas e fundies do

    Arsenal do Exrcito foram repostas a funcionar, produzindo cpias de armas (espingardas, carabinas

    e pistolas) bem como peas de artilharia. Em Barcarena foi reconstruda a Fbrica de Cima (1817),

    uns 300 metros a norte da Fbrica de Baixo, para permitir a continuao do fabrico de plvora em

    caso de exploso numa delas. O comportamento das nossas unidades durante a guerra foi

    considerado muito bom, merecendo referncias elogiosas de Wellington e Beresford e at de

    Napoleo (este no que se refere Legio Portuguesa).

    Pronunciamentos e Guerras Civis

    Terminada a guerra, em 1814, e regressados a Portugal os milhares de homens que se bateram em

    Espanha e Frana, havia que reconstituir o pas, reduzir o Exrcito e reequip-lo - as grandes

    quantidades de armas portteis recebidas de Inglaterra tinham j mais de cinco anos de servio

    activo.

    Fig. 5 - As Armas da Guerra Peninsular (1807-14).

    Espingarda Brown Bess de 19,1 mm, de infantaria; Carabina T. Potts de 19,1 mm,

    de artilharia; Carabina T. Potts de 19,1 mm, de cavalaria; Espingarda Baker

    de 15,9 mm, de caadores; Pistola Arsenal do Exrcito de 17,3 mm, de uso geral.

    Estas foram as principais armas portteis utilizadas durante a Guerra Peninsular.

    So todas de antecarga e fechos de pederneira. Vindas de Inglaterra

    em grandes quantidades, foram reproduzidas em parte no Arsenal do Exrcito.

    Depois de 1855 as que sobravam em boas condies foram transformadas

    para usar fechos de percusso. Fotos: Joo de Figueiredo

    Por regulamento de Fevereiro de 1816 o Exrcito foi organizado em 24 regimentos de infantaria, 12

    de cavalaria, 12 batalhes de caadores, 1 batalho de artfices engenheiros e 4 companhias de

    artilheiros condutores. Ainda nesse ano se enviou uma expedio ao Brasil de 4 batalhes de

    caadores, 6 esquadres de cavalaria e dois parques de artilharia, para a campanha de Montevideu.

    Como o Arsenal do Exrcito no pudesse produzir armas portteis para substituir as destrudas,

    perdidas ou avariadas na guerra, tivemos que importar de novo. Entre 1816 e 1817 recebemos de

    Inglaterra, Blgica e Alemanha 18.230 espingardas, 5.000 clavinas [46] para cavalaria, 1.500 pares

    de pistolas e 3.000 espadas. Nessa ocasio havia em reserva nos armazns do Arsenal 20.571

    espingardas. Estas aquisies e reservas, aps ter terminado a guerra, demonstram o desejo de

    rearmar o Exrcito, para no sermos de novo surpreendidos, mas mostram tambm que nem espadas

    estvamos em condies de fabricar. Em 1822, comprmos mais 20.000 espingardas, das quais

    rebentaram nas experincias mais da dcima parte dos canos... acabou no pas o fabrico de armas

    novas para o Exrcito.[47]

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    Vivia-se ento uma situao agitada no pas. Em 1817 houve uma conspirao contra a

    permanncia de Beresford e dos muitos oficiais britnicos no Exrcito, que resultou na condenao

    morte do General Gomes Freire de Andrade e outros oficiais.

    Em 1820, um pronunciamento militar ordeiro no Porto instituiu o regime liberal e tentou dar alguma

    estabilidade ao pas. Beresford, que tinha sido promovido a Marechal-General do Exrcito Portugus

    nesse ano, foi afastado juntamente com muitos dos seus oficiais.

    Depois da independncia do Brasil (1822) e da perda do monoplio da navegao no Atlntico Sul,

    sucederam-se os golpes e contra-golpes: revolta de Trs-os-Montes (1823), Vila-francada

    (1823), Abrilada (1824) e, depois a Guerra Civil (1826-1834).

    Em Junho de 1833, o Exrcito Liberal entrou em Lisboa, sendo demitido o inspector e extinta a Junta

    de Fazenda do Arsenal de Exrcito, substituda pela Inspeco-Geral do Arsenal do Exrcito. O

    relatrio do decreto de extino refere: ... mais de 30 anos de funesta experincia tm provado

    que a Junta, longe de obter os fins da lei da sua criao, tem produzido considerveis danos.

    E, em Julho de 1834, depois da conveno de vora-Monte que ps fim Guerra Civil, foi aprovado

    novo regulamento do Arsenal; o correspondente relatrio continua as crticas do anterior: ... a

    comisso descobriu a origem da monstruosa confuso que reina no Arsenal.... Esta era a voz do

    vencedor, excitada pela vitria recente e dando a entender que iria fazer melhor.

    Foram ento criados 4 depsitos e 18 oficinas, continuando a funcionar alguns trens regionais

    (Porto, Elvas e Faro), mas no foi alterada a estrutura geral do Arsenal. A Fbrica de Plvora de

    Barcarena passou a ser administrada no mbito do Contrato do Tabaco, separando-se do Arsenal

    por 15 anos.

    Os projectos para o futuro eram promissores: O inspector prope ao Governo os planos... para se

    conseguir que este estabelecimento venha a ser uma grande fbrica que, no s produza os

    armamentos e artilharia e seus pertences que foram necessrios para o servio do estado, mas

    tambm para se venderem para outros pases com vantagens do mesmo estado. Eram aspiraes

    muito louvveis e importantes para Portugal, mas as convulses polticas e as falhas dos homens

    impediram que se viessem a realizar. S na segunda metade do Sc. XX se viriam a conseguir estes

    objectivos, embora parcialmente e por pouco tempo.

    Em 1840, foi nomeado Inspector-Geral do Arsenal do Exrcito o Marechal de Campo Jos Baptista da

    Silva Lopes, Baro de Monte Pedral, que deixou nome pela sua competncia e capacidade de

    organizao. No ano seguinte teve como colaborador o tenente de artilharia Joo Manuel Cordeiro (o

    futuro General Cordeiro) outro oficial que marcou a sua passagem pelo Arsenal. Uns 30 anos depois,

    Cordeiro viria a escrever: Em 1840, o Arsenal era mais um asilo que uma fbrica.[48]

    As nossas espingardas, carabinas e pistolas eram ento ainda de pederneira. Os exrcitos europeus

    tentavam adaptar os fechos de percusso s suas armas, como j se fazia nas armas de caa, mas

    no foi fcil essa alterao: as plvoras e cpsulas fulminantes estavam no seu incio e pretendia-se

    transformar armas antigas em vez de fabricar novas. Em Portugal foi determinado que as armas

    enviadas para conserto ao Arsenal fossem transformadas e distribudas aos regimentos de infantaria.

    Os resultados foram to maus que, por ocasio da Guerra da Patuleia (1846), tiveram de ser

    distribuidas de novo armas de pederneira.

    Entretanto, no Arsenal do Exrcito o Baro de Monte Pedral punha as coisas a mexer. Ampliaram-se

    as oficinas, introduziram-se novas mquinas de brocar e tornear, construram-se fornos, estufas e

    caldeiras para balas de chumbo e montaram-se fundies de ferro. Manteve-se a produo de

    cpias de espingardas, carabinas e pistolas britnicas de pederneira, geralmente com canos

    importados; estas armas eram bem construdas.

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    Fig. 6 - O Arsenal do Exrcito no Incio do Sculo XIX.

    Esta gravura parte da Carta Topographica de Lisboa e seus Suburbios,

    levantada em 1807 sob a direco do Capito de Engenheiros Duarte Jos Fava

    e reduzida e desenhada na Caza do Risco da Obras Publicas em 1826.

    Para efeito deste artigo, foram realados a linha da costa e os trs ncleos locais

    do Arsenal: 1. Fundio de Baixo. Corresponde aos actuais edifcios do Estado-Maior do Exrcito e

    do Museu Militar. 2. Fundio de Cima. Depois designada Fundio

    de Canhes, foi sede da Direco Geral de Artilharia, antecessora da Direco

    da Arma de Artilharia. Actualmente esto aqui instaladas a Revista Militar

    e a Revista de Artilharia. 3. Parque de Artilharia. Em 1868 passou a ser a Fbrica

    de Armas; em 1927 a Fbrica de Equipamentos e Arreios; em 1947 a Fbrica Militar

    de Santa Clara. Actualmente, a Zona Industrial das Oficinas Gerais

    de Fardamento e Equipamento.

    Origem: Ncleo Museulgico das OGFE

    Em 1850, o Parque de Artilharia (Santa Clara) foi modificado, recebendo as oficinas de

    espingardeiros e coronheiros que estavam na Fundio de Baixo. Nesse ano, o Arsenal era

    constitudo por um grande nmero de instalaes:

    - Fundio de Baixo: em fase de extino;

    - Fundio de Cima: fornos de fundio de ferro e bronze;

    - Obras de S. Engrcia: arrecadao de artigos fora de servio;

    - Santa Clara: oficinas de espingardeiros, coronheiros, ferreiros e correeiros;

    - Santa Apolnia: casa do inspector, colgio de aprendizes, oficina pirotcnica;

    - Cruz da Pedra: arrecadao de projcteis;

    - Alcntara: refino de salitre e enxofre;

    - Barcarena: fabrico de plvora (Fbricas de Cima e de Baixo);

    - Rilvas (Rio Frio): armazns para madeira e carvo, fornos para produzir carvo;

    - Caxias: armazns de retm, no antigo forte, para a plvora em trnsito de Barcarena para os

    paiis de Beirolas;

    - Forte da Areia: armazns para plvora recebida de particulares;

    - Beirolas: paiis;

    - Brao de Prata: armazns para cartuchame e projcteis;

    - Trem de Elvas: oficinas diversas;

    - Foz do Alge: edifcios de ferraria e fundies em vrios locais.

    A Regenerao

    Como j se referiu, a primeira metade do Sc XIX foi de grande agitao poltica e militar. As

    Invases Francesas, a sada da Corte para o Brasil, a Guerra Peninsular, o vintismo, a expulso de

    Beresford, a sensao de nos termos tornado a colnia da colnia, os pronunciamentos militares, a

    Guerra Civil, o movimento da Maria da Fonte e a guerra da Patuleia deixaram a nao cansada,

    desmoralizada, desorganizada.

    A conveno do Gramido (1847), em consequncia da interveno da Inglaterra, Frana e Espanha,

    acabou com a Patuleia. Quatro anos depois, em Abril de 1851, o Marechal Saldanha chefiou um

    pronunciamento militar no Porto e proclamou o Movimento Regenerador para sanear a justia e

    fomentar as fontes de riqueza. Desta vez, conseguiu-se estabilidade e progresso, durante uns 40

    anos. Foi publicado um Acto Adicional Carta Constitucional e o sistema poltico caracterizou-se

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    pela rotatividade no governo dos dois partidos do centro. A economia, dinamizada pelo Tenente

    Fontes Pereira de Melo, Ministro da Fazenda e depois das Obras Pblicas, modernizou-se e abriu-se

    ao exterior.

    Ainda, nesse ano de 1851, foi mandado reorganizar o Arsenal do Exrcito. Em 1853 foi publicado o

    regulamento que o dividia em sete Reparties Fabris:

    - Fundio de Cima: fundio de artilharia e peas metlicas;

    - Santa Clara: fabrico e reparao de armas portteis, carpintaria;

    - Cruz da Pedra: pirotecnia;

    - Alcntara: refino de salitre e enxofre;

    - Barcarena: fabrico de plvora;

    - Elvas: carpintaria e serralharia;

    - Rilvas: produo de carvo.

    Desta lista, j no consta a Fundio de Baixo, porque a Fundio de Cima era suficiente, bem como

    outras dependncias tornadas desnecessrias para o Arsenal como Santa Engrcia, Santa Apolnia,

    Caxias, Brao de Prata, Forte da Areia, Beirolas e Foz do Alge. A pirotecnia passou de Santa

    Apolnia para a Cruz da Pedra.

    Foi tambm estabelecido um novo quadro de pessoal oficinal: 9 mestres, 21 aparelhadores, 473

    operrios, 81 aprendizes e 55 serventes, muito menor que o de 1801.

    Tambm os servios administrativos foram reorganizados, dada a anterior inoperncia. Mais um

    comentrio do General Cordeiro: ... o estado das coisas era tal que hoje no se pode saber coisa

    alguma acerca da produo das oficinas, das pocas anteriores a 1850.[49]

    A transformao das armas de pederneira em percusso tomou tambm novo alento com a

    Regenerao, sendo dada ordem para a converso generalizada em 1852. Mas s em 1855 se

    conseguiu produzir um sistema de fechos de ignio de confiana e, simultaneamente, um bom

    controle de fabrico.

    Uma ordem do Ministrio da Guerra, de 30 de Junho, determinava:

    - Que todo o armamento do Exrcito fosse mandado vir do estrangeiro, sendo as espingardas e

    carabinas do sistema Mini (Enfield). Mas esta compra ficava adiada;

    - Que se continuasse a transformar as armas de pederneira em percusso.

    difcil saber o nmero de armas que foram convertidas... No entanto estimamos esse nmero em

    cerca de 23.000 espingardas, incluindo carabinas de infantaria ligeira.[50]

    Embora houvesse dificuldades financeiras, a conjugao de esforos de trs homens - O Rei D.

    Pedro V (1855-61), Fontes Pereira de Melo e o Baro de Monte Pedral - produziu alguns efeitos. O

    Rei tinha um grande interesse nas questes militares, visitava as unidades e o Arsenal, chamava

    oficiais ao Pao, para lhes pedir opinies e enviava outros para o estrangeiro. Infelizmente, um

    monarca to interessado morreu de doena aos 24 anos, reinando apenas seis.

    Em 1858, o Ministro da Guerra pediu Cmara dos Deputados autorizao para contrair um

    emprstimo de 80 contos de reis para construir uma fbrica de armas para substituir a oficina de

    espingardeiros (Repartio n 2 do Arsenal do Exrcito). Justificao do Ministro: Temos no Arsenal

    do Exrcito mais de 1.500 armas de fogo, das quais metade em sucata. Uma fbrica de armas

    sempre precisa, mas no estado em que est o armamento do nosso Exrcito de primeira

    necessidade. As armas distribudas e as que se vo distribuindo so boas para o servio de tempo

    de paz e para a segunda linha.

    A proposta no foi logo atendida, mas, no ano seguinte decidiu-se a compra de 13.000 espingardas

    Enfield, com baioneta de alvado, e 5.000 carabinas para caadores, com sabre-baioneta,

    regulamentares no Exrcito Britnico, desde 1853. Embora de antecarga, a Enfield era uma arma

    moderna para a poca: estriada, com fechos de percusso, usando cartuchos combustveis com

    balas Mini cilindro-cnicas, de calibre.577 (14,7 mm). Era feita na Royal Small Arms Factory

    (RSAF), em Enfield, que foi reequipada com mquinas americanas, em 1854, e tambm em Lige. O

    Governo Britnico desejava que a sua fbrica de Enfield fosse exemplar, de forma a evitar a

    dependncia das indstrias particulares.

    Para a aquisio do lote de armas que pretendamos, foram nomeados dois oficiais, o Coronel Costa

    Monteiro e o Major Cordeiro, por sugesto de D. Pedro V. O Coronel Costa Monteiro foi para Espanha

    tentando, infrutiferamente, o fabrico das armas pela indstria espanhola. O Major Cordeiro, na

    Inglaterra tentou a compra ou o fabrico na RSAF, mas encontrou dificuldades por parte das

    autoridades britnicas: O Governo britnico no fornecia armamento nem consentia, por razes de

    ordem poltica, que se manufacturasse para o estrangeiro nas fbricas do Estado.[51] Foi sugerido

    que o Major Cordeiro contactasse com os fabricantes Goodman ou Barnett, de Birmingham.

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    Depois de vrias peripcias demonstrativas das guerras entre fabricantes, foram finalmente

    assinados contractos com Mr Goodman para o fabrico das espingardas; com a firma P. J. Malherbe

    de Lige para as carabinas; e com outras de Londres e de Leeds para o fabrico de correame e

    maquinaria.

    As armas comearam a ser recebidas em 1860. Vieram tambm 6.000 canos de espingarda,

    correame e mquinas diversas para fabrico de cartuchos, balas e coronhas. Nesse ano comearam a

    ser fabricadas espingardas Enfield (parcialmente) em Santa Clara. Pretendemos tambm fazer

    carabinas Enfield para a artilharia, aproveitando canos de 19 mm, mas os resultados foram to maus

    que se importaram canos novos, mas no melhorou a qualidade do material.

    Como j se referiu, a proposta do Ministro da Guerra, de 1858, no foi logo aprovada, mas a

    interveno do Rei permitiu que o Inspector-Geral do Arsenal Brigadeiro Fortunato Jos Barreiros

    ampliasse a oficina de espingardaria de Santa Clara e adquirisse mquinas novas, uma das quais a

    vapor que foi montada em 1864. Depois de uma paragem na construo, as obras acabaram em

    1867, sendo a Fbrica aberta no ano seguinte.

    Em Agosto de 1866, ainda se compraram mais 5.000 espingardas Enfield. Foram examinadas no

    Arsenal, sendo o resultado desastroso: 1.100 aprovadas, 3.411 para conserto, 479 rejeitadas![52]

    Embora as contas no estejam bem feitas, duas concluses podemos tirar: ou comprmos ao

    desbarato com a ideia de consertar as armas em Portugal ou fomos grosseiramente enganados. Um

    famoso autor britnico, escrevendo sobre a distribuio de armas neste perodo, refere: Sempre

    que possvel as armas de qualidade inferior no eram atribudas s tropas regulares britnicas, sendo

    usadas para armar as muitas unidades estrangeiras na Inglaterra e os aliados estrangeiros .[53]

    A evoluo tcnica era ento muito rpida. Embora tenhamos recebido as Enfield, em 1860, cinco

    anos depois uma comisso propunha a sua transformao em armas de retrocarga pela aplicao de

    culatras Westley-Richards. A proposta no foi aprovada mas compraram-se a esta firma de

    Birmingham 8.000 carabinas para caadores, 2.000 para cavalaria e 1.000 pistolas tambm para

    cavalaria. Foram recebidas, em fim de 1866 e em 1867, sendo as nossas primeiras armas portteis

    de retrocarga. De calibre 11,8 mm, inferior ao da Enfield, eram armas leves e bem construdas. Com

    um cano de alma hexagonal (desenvolvido por J. Whitworth) tinham uma preciso notvel, mas

    havia dificuldades de obturao devido ao emprego dum cartucho combustvel. No mesmo ano em

    que foram adquiridas, o Exrcito Britnico adoptou a Snider, por transformao das Enfield em armas

    de retrocarga com cartucho metlico. Seguimos esta ideia, logo em 1869, pelo que a compra das

    Westley-Richards teria sido desnecessria.

    Em 1868, por proposta do Presidente do Conselho de Ministros, Marqus de S da Bandeira, foi

    realizada mais uma reforma do Arsenal do Exrcito, com o propsito de o transformar em fbrica com

    administrao prpria. O Decreto de 26 de Dezembro (Reorganizao do Arsenal do Exrcito)

    estabelecia que o Arsenal se compunha de trs estabelecimentos fabris: Fundio de Canhes

    (antiga Fundio de Cima), Fbrica da Plvora (Barcarena) e Fbrica de Armas, e um Depsito Geral

    de Material de Guerra. Ficavam provisoriamente separados o Refino de Salitre de Alcntara e a

    Oficina Pirotcnica transferida da Cruz da Pedra (Benfica) para Brao de Prata. As reparties mais

    afastadas (Rilvas e Elvas) deixaram de fazer parte do Arsenal. Continuava a haver um Inspector-

    Geral, oficial general ou coronel, designado Inspector do Arsenal do Exrcito, mas apenas com

    funes fiscais. Esta reforma foi um primeiro passo para a extino do Arsenal; o segundo foi um

    decreto do ano seguinte, 11 de Dezembro de 1869 (Plano para a Reorganizao da Arma de

    Artilharia). Passou a haver um Director-Geral de Artilharia com vrios departamentos subordinados,

    entre os quais os Estabelecimentos para Fabricar Material de Guerra:

    - Fundio de Canhes: fundio de toda a artilharia, fabrico de projcteis, espoletas, escorvas,

    instrumentos musicais, ferragens, etc. (ter 4 seces; pessoal fabril: 82);

    - Fbrica de Armas: fabrico de armas de fogo portteis e armas brancas, balas, cpsulas, reparos,

    viaturas, correame, arreios e equipamento para homens e cavalos (ter trs departamentos; pessoal

    fabril: 226);

    - Fbrica da Plvora: manufactura de plvora de guerra, de minas e de outras qualidades (ter na

    sua dependncia o armazm de retm de Caxias; pessoal fabril: 66).

    Estes estabelecimentos eram os mesmos da organizao do ano anterior, mas agora definiam-se

    detalhadamente as suas funes. Deixou de haver o Inspector do Arsenal do Exrcito, o que

    significa que o Arsenal foi extinto, embora no se refira explicitamente no plano.

    Em 1869, o Director Geral de Artilharia props a transformao das nossas espingardas Enfield em

    Snider, como tinha feito o Exrcito Britnico, mas salientava que a arma do futuro deveria ser a

    Martini-Henry. Adquiriram-se ento Sniders novas, culatras para transformar as nossas Enfield

    (estas culatras vieram em muito mau estado) e maquinaria para produzir munies. E em Lige

    compraram-se espingardas Enfield para transformar. O trabalho foi feito na fbrica de Armas (Santa

    Clara) que tambm fabricou munies - os primeiros cartuchos metlicos produzidos em Portugal.

    Foram tambm fabricados cartuchos Snider na Oficina Pirotcnica de Brao de Prata, pelo menos em

    1880. Em 1875, tnhamos cerca de 50.000 Sniders e grande quantidade de munies. Foram

    empregadas nas campanhas de frica onde provaram bem.

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    Entretanto, no que toca s indstrias militares, o General de Brigada Joo Manuel Cordeiro foi

    nomeado Director-Geral de Artilharia, em 1877, passando a dirigir os estabelecimentos produtores.

    Como se referiu atrs, foi um dos nomes que marcaram neste sector.

    Na busca da arma do futuro mandmos vir 20 Martini-Henry de Inglaterra, nesse ano de 1877.

    Sendo experimentadas, a comisso entendeu que seria prefervel a juno da culatra Martini-

    Francotte ao cano francs Gras. Mandaram-se montar 60 Martini-Gras e 60 Martini-Francotte-Gras

    a partir de componentes importados. As Martini-Henry foram distribudas a Caadores 5 e Infantaria

    16 para continuao das experincias. Foi decidida a adopo da Martini mas a deciso no se

    concretizou. Em 1879, foi nomeada outra comisso onde o consenso pareceu ir para a Martini-

    Francotte-Gras, mas alguns elementos foram a favor duma arma de repetio. Mais uma vez se

    protelou a deciso, mas nas colnias foram adquiridos lotes de Martini-Henry pelos governadores e

    por particulares.[54] A arma foi adoptada na Marinha.[55]

    Em 1878, adquirimos revlveres Abadie de 9,1 mm, como armas de defesa para oficiais, firma belga

    L. Soleil et Fils, de Lige. Era uma arma de aco dupla, de excelente construo. Utilizava

    cartuchos de plvora negra inicialmente vindos de Lige e, depois, fabricados na Oficina Pirotcnica

    e na Fbrica de Armas. Oito anos depois foram tambm adquiridos Abadies com um cano mais

    comprido, para sargentos e praas de cavalaria e artilharia. Estes revlveres foram utilizados nas

    campanhas de frica onde se revelaram precisos, seguros e fiveis, embora pouco potentes. Na

    Metrpole foram tambm distribudos a foras policiais e a regedores. A Marinha tambm o adoptou.

    As Campanhas de frica

    (Fins do Sc XIX - Princpios do Sc XX)

    A necessidade de matrias-primas para as indstrias europeias, na segunda metade do Sculo XIX,

    despertou o interesse pela frica, onde elas existiam em quantidade e pouco guardadas... Por isso,

    comearam as viagens de explorao para o interior e as movimentaes para garantir essas

    matrias-primas, como a ocupao do Egipto pelos britnicos (1876), a primeira guerra anglo-boer

    (1880-81), a criao da Associao Internacional do Congo (1882) e do Sudoeste Africano (1882) e

    a ocupao de Madagscar pelos Franceses (1896).

    A assinatura do Tratado do Zaire (1884), em que a Gr-Bretanha reconhecia a soberania portuguesa

    na foz do Zaire e em que Portugal fazia algumas cedncias, criou discordncias entre as potncias

    europeias, levando Conferncia de Berlim (1884-85), convocada pelos alemes e franceses. O

    Acto Geral de Berlim (1885), que terminou a conferncia, reflectiu a poltica de Bismarck, no

    revalidando o Tratado do Zaire, reconhecendo o Estado do Congo e criando um novo direito colonial

    com base na ocupao efectiva do territrio.

    Com os nossos direitos histricos ameaados, teramos que enviar expedies para frica, onde a

    nossa ocupao efectiva era essencialmente no litoral. J tnhamos problemas de pacificao em

    algumas reas da Guin, Angola e Moambique e outros, mais graves, se anteviam. Nessa altura as

    nossas armas portteis eram ainda as espingardas e carabinas Snider de tiro a tiro (muitas delas

    resultantes da transformao das Enfield) e as carabinas Westley-Richards dos caadores e da

    cavalaria. Era necessrio adquirir armas mais modernas e de repetio

    No ano do Acto Geral de Berlim (1885), assinmos um contrato com a firma Ostereichische Waffen

    Fabrik Gesellschaft (OE.W.F.G.) em Steyer, na ustria, para o fabrico de 40.000 espingardas

    Guedes, de tiro-a-tiro, e 9.000 carabinas de repetio Kropatschek (6.000 para caadores e 3.000

    para cavalaria). Todas as armas deveriam ser de 8 mm, utilizando os mesmos cartuchos.

    As espingardas Guedes tinham sido propostas pelo alferes Guedes Dias, com uma culatra de sua

    inveno, e tinham sido consideradas por uma comisso de escolha boas armas de guerra para

    substituir as Snider e as Westley-Richards. Quanto s carabinas Kropatschek, eram armas notveis

    para a poca, robustas, precisas e de calibre reduzido.

    Com este contrato mudmos de fornecedor habitual de armas portteis, passando da Inglaterra para

    a ustria. Nessa ocasio o Exrcito Britnico estava atrasado, utilizando a espingarda Martini-

    Henry; s, em 1889, adoptou a Lee-Metford de repetio e carregador central.

    estranho que se adquirissem espingardas de tiro-a-tiro simultaneamente com carabinas de

    repetio. A nica explicao foi o desejo de ter uma espingarda portuguesa e poupar dinheiro

    com o pagamento de royalties por patentes. Foi um erro grave de previso das situaes de

    combate que se viriam a verificar em frica: grandes massas de guerreiros, parte deles com armas

    modernas, fustigando e atacando foras relativamente pequenas.

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    Fig. 7 - As Armas das Campanhas de frica. (Fins do Sc. XIX - Princpios do Sc. XX).

    As foras do Exrcito empenhadas nestas campanhas estavam armadas inicialmente

    com a espingarda Snider de 14,7 mm mod/1872 (1 linha) e com a espingarda

    Martini-Henry de 11,43 mm (2. linha). Esta ltima, embora no adoptada

    efectivamente, foi adquirida pelos governos ultramarinos e utilizada no Exrcito

    Colonial. Depois de 1886 foram usadas as espingardas e carabinas Kropatschek

    de 8 mm (3 e 4 linhas) e, a partir de 1904, a Mauser Vergueiro de 6,5 mm

    (5 linha). Como armas de mo utilizaram-se o revlver Abadie de 9,1 mm

    e, a partir de 1907, a pistola Parabellum de 7,65 mm (6 linha).

    Fotos: Mrio lvares

    Mas, desta vez, tivemos sorte: as Guedes apresentaram problemas mecnicos no manejo da culatra

    e na extraco dos invlucros. O contrato com a firma austraca foi renegociado, sendo substitudas

    as 40.000 Guedes por igual nmero de espingardas Kropatschek, com o aumento de despesa de

    132.000 ris. Juntamente com a Frana (espingarda Lebel) fomos o primeiro pas na Europa a

    adoptar um calibre reduzido. Escreveu o General Cordeiro: o novo contrato cumpriu-se sem

    inconveniente e o Exrcito adquiriu uma arma excelente.[56] A Marinha adquiriu tambm 3.000

    espingardas e 1.000 carabinas.

    A OE.W.F.G. procurou vender as Guedes em fase de produo. Encontrou bons compradores nas

    repblicas boeres do Transvaal e do Estado Livre de Orange, ento no intervalo entre as duas

    guerras com os britnicos[57] e sequiosas de equipamentos militares. Entre 1888 e 1889, enviou-

    lhes cerca de 13.000 Guedes, com os problemas de culatra resolvidos. Nas mos de atiradores bem

    treinados, revelaram-se precisas e de confiana.

    Depois do contrato inicial adquirimos OE.W.F.G. mais 4.800 carabinas para a engenharia,

    sapadores e Guarda Fiscal (1888).

    As Kropatschek foram distribudas s unidades metropolitanas, a algumas unidades ultramarinas[58]

    e s expedies enviadas para a Guin e, principalmente, para Angola e Moambique. Em Portugal

    foram alteradas na Fbrica de Armas para utilizarem cartuchos de plvora sem fumo, o que deve ter

    sido completado, por volta de 1896.

    O Tenente Ayres de Ornelas dizia numa carta para sua Me, em 8 de Fevereiro de 1895, aps o

    combate de Marracuene, em Moambique: ... o fogo terrvel das Kropatschek fez o resto e s 6

    horas da manh o inimigo estava em fuga.[59]

    Quando foram substitudas por armas mais modernas (a Mannlicher em 1896 e a Mauser-Vergueiro

    em 1904), as Kropatschek foram sendo retiradas das Unidades da Metrpole. Em 1916, havia apenas

    4.860 em depsito. As restantes tinham ido para frica ou tinham sido inutilizadas em servio.

    O prolongado uso em frica, certamente com dificuldades de manuteno, levou a problemas: No

    combate de Naulila, em 18 de Dezembro de 1914, a 16 Companhia Indgena de Moambique

    (Landins) estava armada com a Kropatschek... j incapaz de bom servio pelo muito uso, no

    funcionando na maioria o mecanismo de repetio.[60] Todavia, quando bem tratadas, foram

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    utilizadas por caadores profissionais durante muitos anos.

    Quanto a Barcarena, estava a trabalhar bem nestes finais do Sc XIX: Na Exposio Industrial de

    1888, realizada na Avenida da Liberdade, em Lisboa, patente o grau de desenvolvimento adquirido

    pela Fbrica de Plvora de Barcarena nos anos anteriores. Este perodo de florescimento atestado

    por documentos coevos: ... nos ltimos anos tm tomado um grande desenvolvimento satisfazendo

    no s as exigncias do Exrcito como da Armada (...) a produo anual tem sido em mdia de 120

    toneladas.[61] Grande parte da plvora produzida destinava-se ao comrcio, caa e minas. Em

    1879 tinha sido instalada maquinaria a vapor em edifcios na margem direita da ribeira. Em 1887 o

    refino de salitre que se fazia em Alcntara passou para Barcarena; e no ano seguinte encerrou a

    Oficina Pirotcnica de Brao de Prata, passando as suas actividades no campo da pirotecnia

    tambm para Barcarena.

    Em 11 de Janeiro de 1890, foi recebido em Lisboa um lacnico telegrama do governo britnico,

    exigindo a retirada imediata das foras militares portuguesas de territrios que so actualmente do

    Zimbabwe e do Malawi. Foi o tristemente famoso Ultimato que punha fim s nossas pretenses de

    ligao terrestre entre Angola e Moambique, expressas no Mapa Cor-de-rosa. Ferindo o orgulho

    nacional, o Ultimato desencadeou uma grande onda de indignao e agitao no Pas, exacerbando

    os sentimentos nacionalistas e at colonialistas.

    Seguiu-se um perodo de crise, com D. Carlos a tentar reformar a Monarquia e o modelo econmico,

    sem resultados visveis. Cria-se em pouco tempo outro (modelo), marcado por um forte

    proteccionismo, pelo abandono do padro ouro, pelo fim da liberdade financeira e por uma viragem

    para a edificao do 3 Imprio em frica. O modelo rotativista deixa de funcionar, o que provoca o

    fim de 40 anos de estabilidade... os militares so essenciais nestas tentativas de auto-reforma e

    so eles que apoiam e incentivam o Rei. So os chamados Africanistas, a melhor parte do corpo de

    oficiais que passou pelas dezenas de campanhas em frica.[62]

    Em meados da dcada de 90, o Ministrio da Guerra procurava uma carabina para substituir as

    Kropatschek na cavalaria e na artilharia. A escolha recaiu na Mannlicher de 6,5 mm tambm

    produzida pela OE.W.F.G. de Steyr. Eram armas leves e curtas, com depsito central, mais fceis de

    carregar, embora mais caras. Em 1896 adquirimos 4.000 para a cavalaria e, dois anos depois, 4.500

    para a artilharia.[63]

    As Mannlicher traziam munies de plvora sem fumo, que se comearam a generalizar nos anos 90.

    Desde 1846, conhecia-se o algodo-plvora, um explosivo fracturante, imprprio como propulsor. Em

    1886 o qumico francs de plvora e explosivos Paul Vieille conseguiu, a partir do algodo-plvora,

    produzir um explosivo propulsivo que foi empregue nos cartuchos da espingarda Lebel. Mas foi o

    qumico sueco Nobel que, em 1888, deu maior impulso soluo do problema dos explosivos,

    gelatinizando o algodo-coldio com nitroglicerina. Abriu-se ento o caminho para as plvoras

    nitroglicricas e nitrocelulsicas.

    Em Portugal, o General de Diviso Joo Manuel Cordeiro, Director-Geral da Artilharia, incumbiu em

    1889 o ento capito Antnio Xavier Correia Barreto de estudar o fabrico duma plvora sem fumo

    para as armas portteis e bocas-de-fogo de artilharia, de forma a ficarmos autnomos neste campo.

    O capito conseguiu obter uma plvora de boa qualidade, semelhante s produzidas na Inglaterra e

    na Alemanha.

    Era necessrio construir ou adquirir instalaes apropriadas para o fabrico de plvora. Correia

    Barreto no perdeu tempo: em 1898 abriu a Fbrica de Plvora Sem Fumo, constituda por modestos

    edifcios na cerca do antigo convento das Religiosas Donas de Santo Agostinho, no formosssimo e

    frtil vale de Chelas, como diziam s crnicas do tempo. No ano seguinte, a Reorganizao do

    Exrcito (Decreto de 7 de Setembro) conduzida pelo General Sebastio Teles, criou a Direco Geral

    do Servio de Artilharia em substituio do Comando Geral da Artilharia e fez ressurgir o Arsenal do

    Exrcito. Este destinava-se ao fabrico, conserto, guarda, conservao e distribuio de todo o

    material de guerra. Tinha os seguintes estabelecimentos:

    - Fundio de Canhes;

    - Fbrica de Armas;

    - Fbrica de Plvora;

    - Fbrica de Plvora Sem Fumo;

    - Depsito de Material de Guerra.

    No Regulamento do Arsenal, publicado em 1902, faz-se referncia Fbrica de Brao de Prata,

    embora ainda no existisse; manifesto o desejo de fabricar material de Artilharia e armas ligeiras o

    que a Fundio de Canhes (encerrada em 1902) e a Fbrica de Armas no conseguiram: estavam

    reduzidas a trabalhos de manuteno e de alterao de material. Em 1904 comeou a ser construda

    a nova Fbrica, em Brao de Prata, junto ao Tejo, na proximidade do local onde tinham funcionado a

    Real Nitreira e a Oficina Pirotcnica. Foi inaugurada em 1908, com o nome de Fbrica de Projcteis

    de Artilharia, o que d ideia dos limitados objectivos iniciais; comeou por fabricar granadas para as

    peas de tiro rpido Schneider-Canet, adquiridas em 1904.

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    A comisso para a escolha de armas portteis tinha indicado, em 1903, duas espingardas: a

    austraca Steyr-Mannlicker e a Alem Mauser M.98, mas preferiu a ltima devido ao preo menor e

    ao bom desempenho na 2 Guerra Boer. Simultaneamente o capito de infantaria Alberto Jos

    Vergueiro, director da carreira de tiro de Lisboa (Belm), props ao Ministro da Guerra a adopo

    duma culatra que inventara para aplicar nas Mauser; baseada na culatra Mannlicher, tinha menos

    peas que a da M.98. A deciso no era fcil. Porque se iria colocar uma culatra no provada numa

    arma considerada impecvel? Como no caso