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Relações de Teixeira de Pascoaes com escritores e intelectuais Isaac Alonso Estraviz 1 O Portal Galego da Língua http://www.agal-gz.org RELAÇÕES DE TEIXEIRA DE PASCOAES COM ESCRITORES E INTELECTUAIS. Isaac Alonso Estraviz Universidade de Vigo 0.0.Introdução 0.1. É muito o que se tem falado do relacionamento de Rodrigues Lapa com o mundo cultural galego. É certo que são muitos os galegos que passaram por Anadia -santuário da galeguidade- para ver e falar com o Mestre. Rodrigues Lapa percorreu as terras galegas com amor e carinho várias vezes, quando ainda era joven e quando já era maior. 0.2. Também se tem falado, ainda que muito pouco, do relacionamento dos galegos com Teixeira de Pascoaes. Cita-se sobretudo o influxo que exerceu em Noriega Varela num momento da sua vida. Mas

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RELAÇÕES DE TEIXEIRA DE PASCOAES COM ESCRITORES EINTELECTUAIS.

Isaac Alonso EstravizUniversidade de Vigo

0.0.Introdução

0.1. É muito o que se tem falado do relacionamento de Rodrigues Lapa com o mundo culturalgalego. É certo que são muitos os galegos que passaram por Anadia -santuário da galeguidade- para ver efalar com o Mestre. Rodrigues Lapa percorreu as terras galegas com amor e carinho várias vezes, quandoainda era joven e quando já era maior.

0.2. Também se tem falado, ainda que muito pouco, do relacionamento dos galegos com Teixeirade Pascoaes. Cita-se sobretudo o influxo que exerceu em Noriega Varela num momento da sua vida. Mas

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nunca se falou da amplitude e eficácia desse relacionamento com Teixeira e o influxo enorme que exerceuno mundo cultural galego dos anos vinte. Eu mesmo tinha uma ideia bastante vaga do autor de Marânus

até um pouco antes de começar a colaborar com Eloísa Álvarez na edição do seu Epistolário. É que emrealidade Teixeira de Pascoaes foi uma estrela luminosa da literatura do mundo peninsular que eclipsoucom a guerra do 36 e que mudando os tempos e as ideias ficou postergado por grande parte daintelectualidade portuguesa. Só no mundo dos Padres Jesuitas continuou a ser estimado e reconhecido namedida que o merece. Felizmente, hoje em dia está-se a recuperar, ainda que muito lentamente, o lugarque se merece na cultura luso-galaica.

1.0. Teixeira de Pascoaes

1.1. Teixeira de Pascoaes é o nome literário de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos(Amarante, 2.11.1877, + Gatão, Amarante, 14.12.1952), que viveu quase sempre nas terras idílicas dosolar de Pascoaes, nas imediações de Amarante, nas abas do Marão, que vai dar lugar ao magníficopoema Marânus.

1.2. Aos 18 anos publica a primeira colectânea de verbos Embriões. Em 1896 matricula-se naFaculdade de Direito em Coimbra. Bacharelou-se em 1901. Em Amarante começa a exercer a advocaciaem 1901 e em 1906 no Porto. Trava amizade muito grande com Leonardo Coimbra, quem o denominarásempre de Mestre. Em 1911 é juiz substituto em Amarante, abandonando a carreira judicial em 1913.

1.3. De 1912 a 1916 tem a seu cargo a direcção literária da revista A Águia, Órgão do movimentocultural Renascença Portuguesa, que pretendia «restituir Portugal à consciência dos seus valoresespirituais próprios». Em 12.4.1923 é eleito para a Academia das Ciências de Lisboa. A 31.3.1951 é-lheprestada uma sentida homenagem em Amarante e a 12.5.1951 pola Academia de Coimbra. Foi o escritorportuguês de maior prestígio fora de Portugal. As suas obras eram comentadas na Catalunha, Espanha,

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Argentina, França e de um jeito especial na Galiza. A sua paixão pola Galiza foi uma obsessão que ficouplasmada em magníficos versos.

1.4. Leonardo Coimbra, no magnífico prólogo à segunda edição de Regresso ao Paraíso, diz-nosque a Natureza «é saudade, lembrança, edénico amor à virgindade da misteriosa alma infantil»1. E umbocado mais adiante insiste:

«O Poeta é um pagão e, à parte ligeiros estremecimentos precursores, o seu cristianismoé mais a aleluia vegetal da Páscoa pelos caminhos da sua aldeia que o acordar do amornas profundezas da alma»2.

Eis a definição que Leonardo Coimbra nos dá de Teixeira de Pascoaes:«Pascoaes não é dado às ciências, nem ao raciocínio analítico; é, sob a inspiração, umvidente, um condensador de recordações, em descarga...»3.

1.5. Para nos dar conta da importância que Teixeira de Pascoaes tinha no mundo cultural galego edo seu grande influxo nos actos culturais que se levavam a cabo naquela altura, vejamos o que nos dizemno número 147 de A Nosa Terra de 1921:

«Liga-nos o sentimento da saudade, que ninguém, excepto portugueses e galegos, possuino mundo. Esse sentimento que Teixeira de Pascoaes, o irmão e o mestre, nó de aliançaentre nós e a Lusitânia, a quem os nacionalistas galegos consideramos como o poeta

1.- Leonardo Coimbra, em Teixeira de Pascoaes, Vol. IV de Obras Completas, p. 12.

2.- Ib. p. 13.

3.- Ib. p. 17

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genial que tem a alma vibrante, feita com almas das duas pátrias, estudou de modomaravilhoso e cantou com cantigas imortais» 4.

2.0. Teixeira de Pascoaes na imprensa galega

2.1. Através da correspondência epistolar entre Teixeira e os galegos, fica clara a importância queteve na década dos vinte. Cumpre salientar, antes de mais, que não sabemos ainda qual foi a primeiracarta dirigida polos galegos a Teixeira de Pascoaes nem a deste àqueles. Tentamos várias vezes consultaro legado de Vicente Risco e até à data não nos foi possível por falta de catalogação do seu expólio. A queaparece como primeira no Epistolário5 com data 18-XI-1918? com interrogante é, em realidade, do 5 ou 6de Setembro de 1921, que deveria, portanto, ocupar o número 36. Na que aparece com o número 2 de 3-II-920 e que começa com «Moi admirado e querido Mestre», de Vicente Risco, este agradece-lhe o envio deum livro formosíssimo do qual não explicita o título, demonstra que dantes já tinha havido comunicaçãoentre eles.

2.2. No número 1º da revista Nós6, Risco dedica-lhe a Teixeira de Pascoaes vários parágrafos delouvor e faz referência a cartas cujos textos não pudemos utilizar. Diz Risco:

«E nas suas cartas, feitas de luminosos pensamentos e cordialidade enternecida, diz a umseu amigo de aqui: '... A Galiza é irmã e mãe de Portugal. Portugal saiu dos seios daGaliza; depois abandonou a Mãe e foi por esses mares fora; fugiu como o filho pródigo.Mas é chegado o tempo do seu regresso ao lar materno. Temos de voltar a viverespiritualmente em comum. Assim o exige o destino das nossas Pátrias que ainda não

4.- A Nosa Terra, nº 147, 1921, p. 2, col. 1. Para facilitar a leitura e compreensão, todos os textos foram adaptados à norma

portuguesa actual.

5.- Eloísa Álvarez e Isaac Alonso Estraviz, Os Intelectuais Galegos e Teixeira de Pascoaes. Epistolário, Ediciós do Castro, Sada,Corunha, 1999.

6.- Nós, Boletin Mensual da Cultura Galega, Ano 1, nº 1, Ourense, 30 de Outono de 1920, p. 18.

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está cumprido. Esse destino é, como disse muito bem, a creação da civilisaçãoatlântica...'».

Um bocado mais adiante acrescenta:«Teixeira de Pascoaes é nosso, nosso, polo sentimento, se nom fora como ele diz 'nosangue e na alma'. E Teixeira de Pascoaes é o maior poeta da Ibéria. Bem nos podemosgabar ao proclamá-lo irmão galego, ao invocar o seu nome, já tão cheio de glória aquém ealém das fronteiras da Lusitânia, tão cheio de significação para nós pola qualidade do seupensamento e mais pola índole vaga e saudosa do seu estro sublime» (Ib.)

Como acabamos de ver, Teixeira de Pascoaes era já nessa altura muito conhecido na Galiza ecom grande influxo na cultura galega.

2.3. O primeiro número da revista Nós, anteriormente mencionada, abre-se com o poema Fala do

Sol, dedicado aos jovens poetas galegos, que é o primeiro que publica na imprensa galega e que abaloumuito favoravelmente as consciências dos intelectuais galegos. Foi como uma espécie de eclosãoluminosa. Cumpre também salientar que desde o primeiro número (30-10-1920) até ao 18 (01-07-1923)Teixeira, junto com outros escritores portugueses, aparece sempre no quadro de colaboradores, deixandode aparecer a partir do número 19 onde se introduz uma nova estruturação. No nº 14, p. 8 de 1922,aparece De Mim ; no 18, Maio de 1923, p. 22, À Galiza

2.4. No número 137 de A Nosa Terra7 Antom Vilar Ponte faz uma recensão muito laudatória dasegunda edição de Marânus e transcreve o primeiro poema do mesmo Galiza, terra irmã de Portugal. No

7.- A Nosa Terra, nº 137 (31-03-1921), p. 5

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número 1418, no apartado Os nossos grandes Mestres, publicam a famosa caricatura de Cebreiro aTeixeira de Pascoaes e dizem:

«É o mais alto representante do nacionalismo espiritualista da Ibéria; e também um dosmais geniais poetas contemporâneos. E é ainda o mestre de todos os intelectuais galegosmoços e de toda a mocidade portuguesa de agora.»

2.5. No número 143 (1-7-1921) publica em A Nosa Terra9 Canção d'uma sombra. E a partir de aípublica versos e prosa com uma certa regularidade. No número 144 da mesma revista Antom Vilar Pontefaz uma recensão de Cantos indecisos e diz novamente de Teixeira:

«O primeiro poeta ibérico, um dos primeiros líricos do mundo na hora actual, oferece-nosum novo livro de versos. Este livro é, singelamente, uma jóia. Nele há modernidade einspiração. É suficiente tal volume para fazer o nome de um poeta».

2.6. Nessa mesma recensão aparecem uma palavras de «Xenius» (Eugénio D'Ors) que o retratamperfeitamente:

«Não esqueceremos nunca, Teixeira de Pascoaes, que na primavera de 1918 vivemosumas semanas na tua companha. Vieste a professar no noso Seminário Filosófico umcurso sobre os poetas portugueses. Tivemos-te ao nosso lado, como padrinho de rumo,quando o baptizo da nossa primogénita Biblioteca Popular. Recitaste-nos as tuas elegias eas elegias do teus irmãos de raça. Um serão fizeste-nos chorar com as cantigas popularese com as de Frei Agostinho da Cruz. Outra tarde choraste tu, porque subias ao comboio,na abrasante pesadume do mês de São Iago».

8.- A Nosa Terra,nº 141, p. 6, col. 2.

9.- A Nosa Terra, nº 143, p. 4. col. 1.

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2.7. No nº 146 publica Noriega Varela dous parágrafos da carta de Teixeira de Pascoaes dirigida aele -que dantes publicara completa (suprimindo a referença a Cabanilhas)- em La Región de Ourense. EmA Nosa Terra, no nº147, reproduz-se a caricatura que lhe fez Cebreiro a Teixeira e que já aparecera no nº141. No nº 150, Outubro 1921 publica-se uma carta de Teixeira aos galegos agradecendo o trato que lhederam à Embaixada da Cultura à Corunha. No 15910 publica O Bailado, uma espécie de pensamentosfilosóficos. O mesmo acontece no 160, p. 2; no 161, p. 3; no 166, p. 5, etc.

2.8. A sua colaboração na imprensa galega foi requerida em todo momento. Além do que fica ditodas revistas Nós e A Nosa Terra, publicou poemas ou escritos seus nos seguintes meios: El Noroeste daCorunha, 1921; de Galicia de Vigo pedem-lhe muitas vezes colaborações, nomeadamente para númerosextraordinários, em 1927 em La Nación de Buenos Aires; em El Pueblo Gallego de Vigo, aparece comocolaborador e publica várias vezes; em El Ideal Gallego também lhe pedem colaborações, em Alfar publicaUm Diálogo no nº 30 Junho de 1923, p. 309; no nº 57, Outubro de 1925, p. 393 publica Oitava a Cebreiro; ea ele lhe dedicam grande parte do número 30 da mesma revista; em Ronsel (nº 1, p. 4 Canção Molhada, nº3, p. 6 O Sol e a Candeia, nº 6 , p. 3, Oração. Fala-se dele e do livro da sua irmã Maria da Glória em El

Diário de Orense; em La Zarpa de 28-06-1923 publica-se um trabalho de Francisco Luís Bernárdez sobre oseu livro Sempre. Como diz César António Molina ao falar do contributo de Teixeira de Pascoaes em Alfar,

«Teixeira de Pascoaes, durante estos años era habitualísimo en todas las publicaciones gallegas».

3.0. Galiza e Portugal na correspondência

3.1. A correspondência epistolar é a melhor maneira de descobrir os pensamentos e sentimentosda pessoa que as escreve. A espontaneidade, a naturalidade, são características deste género literário. Nacarta do 3.II.1920 Risco reconhece que os escritos e cartas de Teixeira lhe ajudaram aos galeguistas adescobrir o que escuramente se debatia nas suas almas. E diz-lhe abertamente:

10.- A Nosa Terra, nº 159 (15-03-22), p. 6, col. 2.

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«... num Além possível no que Portugal e Galiza seriam a mesma cousa... A arela nossa é de fazerde Portugal e da Galiza uma só pátria espiritual»11.

3.2. Mais adiante na de 1 de Junho de 1920 trata de justificar o trato que lhe dá a Teixeira deMestre apesar de haver apenas sete anos de diferença de idade e afirma:

«... tenho o direito e o dever de vos chamar Mestre. Se Portugal regressa ao seu velho lar,eu penso que todo o movimento espiritual que hoje há na Galiza e que começa a sergrande, foi talvez provocado polo presentimento desta nova juntança, e creio que aindaque os galegos sigamos tendo a nossa capital política em Madrid podemos chegar a ter anossa capital espiritual na terra irmã...»12

Risco vai mais adiante e diz:«Então penso um novo imperialismo luso-galaico, celta do sul, espiritual esta vez,espalhando a nossa língua e mais a nossa cultura por todas as terras colonizadas polosfilhos de Portugal e da Galiza, fazendo ver às gentes o mundo de um jeito novo: naSaudade criadora»13.

Vicente Risco reconhece o poder que têm os escritos de Teixeira de Pascoaes:

11.- Eloísa Álvarez e Isaac Alonso Estraviz, Os Intelectuais Galegos e Teixeira de Pascoaes. Epistolário, Ediciós do Castro, Sada-

Corunha, 1999, carta 2, p. 37. Para facilitar a leitura e compreensão, os textos foram adaptados à norma actual. Quem quiser, pode consultaros orignais no livro mencionado.

12.- c. 4, p. 41.

13.- Ib. c. 4, p. 41.

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«Os seus escritos vêm deitar luz no nosso mundo interior, a nos apresentar claro e nítido em todoo seu alcance infindo, o sentimento que latejava vaga, mas fortemente nas naturezas galegas da mais purasensibilidade, como a nossa chorada e Santa Rosalia»14

Na do 10 de Março de 1921 Risco volta sobre o tema:«Lendo os seus livros -digo-lho com a maior singeleza e de coração, e de verdade- sinto-me ainda mais galego, ao perceber a unidade trascendente da alma dos dous povos doMinho (...) a esta Terra que já o tem por filho seu, pois por irmão o têm aqui as almas nasque ela vive, nas que alenta esta Terra triste e enfeitiçada.»15

Na carta de 4 de Setembro de 1920 Risco lembra:«... e pola sua gentil dedicatória a uma mocidade da que, os melhores reconhecem comentusiasmo a sua mestrança que os guia polo caminho mesmo que levou a nossa SantaRosalia»16

É o próprio Vicente Risco o que nos dá uma ideia da importância que se lhe dá à obra de Teixeira,o que vai ser uma constante em todos aqueles que se correspondem com o poeta de Amarante:

«É difícil também encontrar aqui livros portugueses, como que o meu Sempre e os meusPoetas Lusíadas têm viajado já um pouco a Galiza de S. a N. e de E. a W... A minhaTerra Prohibida onde ela vai!... Também perdi A Luta pela Imortalidade e também A Teoria

do Sacrificio de Teixeira Rego por estar emprestado»17

14.- c. 3 pp. 38-39.

15.- Ib. c. 15, p. 54.

16.- Ib. c. 8, p. 45.

17.- Ib. c. 11, p. 49.

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E a respeito da Galiza diz-lhe numa carta que lhe escreve desde Castro Caldelas:«E nós olhamos a Portugal como a verdadeira Galiza livre, onde triunfou o nosso génio e anossa fala»18.

E numa de 25 de Abril de 1922 com motivo de celebrar-se em Portugal a gesta dos aviadoresSacadura Cabral e Gago Coutinho, diz Risco:

«Portugal ainda faz cousas... Galiza, o Portugal irredento, que faz?»19.

3.3. R. Cabanilhas numa carta de 30 de Setembro de 1920 diz também:«Caminham para nós os dias alegres nos que portugueses e galegos nos encontraremosirmanados numa gesta gloriosa ao pé do mesmo altar. No entanto, quantos aninhamosesse sonho, vemos em você o mestre, o guia, o capitão...».20

3.4. Xavier Bóveda, depois de uma série de considerações e da importância e influxo que tem nasua obra Teixeira de Pascoaes, afirma:

«Por lo que hace al alma galaico-lusitana, yo creo también que son, realmente, una misma(...) Yo siento una admiración tan íntima por V., que últimamente, y en un poema en prosaque yo dediqué a la que hoy es mi Amada, acababa diciéndole: 'Graziela: recuérdame enalguno de tus fados dulces. Yo rezaré tu nombre com versos de Teixeira de Pascoaes»21

3.5. Antom Vilar Ponte a 25 de Abril de 1921 escreve:

18.- Ib. c. 34, p. 85.

19.- Ib. c. 55, p. 118.

20.- Ib. c. 9, p. 47.

21.- Ib. c 12, p. 51.

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«Creio que popularizar o seu nome e a sua obra na Galiza é dever de todos os que andamos anacionalizar a consciência da nossa Terra.»22

E numa carta posterior lembra-lhe a Teixeira que na Atlântida de Verdaguer se fala de que«o gigante luso, libertou à Galiza, nos tempos antigos» e pergunta-se se «aquele gigantepoderia voltar a redimir à mesma escrava».23

O nacionalista galego dá via livre aos seus sentimentos:

«Os nacionalistas galegos não queremos nada de Castela. Odiamos a hegemoniacastelhana. Olhamos no ermo castelhano a ara bárbara onde as nossas liberdades sãosacrificadas por gentes simplistas condenadas a não saberem da paisagem, a ter asalmas mortas para a vida e contudo cheias do anseio imperialista, talvez porque só à custado alheio podem viver (...) Nós sentimo-nos mais estrangeiros em Madrid ou em Sevilhaque no Porto ou Lisboa (...) Eu penso, mestre, que Portugal e a Galiza podem impor umahegemonia na Península».24

3.6. Teixeira de Pascoaes pensa o contrário, para ele a salvação de Portugal tem de vir da Galiza.Isto diz-lho Teixeira a Vilar Ponte e Cebreiro responde-lhe em carta de 22 de Maio de 1921:

«Li a carta que lhe escreveu a Vilar Ponte, na que diz que a Portugal salvara-o a Galiza.Os de aqui cremos o contrário. Cremos que o salvador é Portugal».25

22.- Ib. c. 17, p. 58.

23.- Ib. c. 17, p. 58.

24.- Ib. pp. 58-59.

25.- Ib. c. 25, p. 71.

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3.7. R. Vilar Ponte em carta do 5 de Julho de 1921, na pós-data termina com esta frase:«Em terras da Galiza, prolongação do seu Portugal».26

Victor Casas sente-se fortemente vinculado a ele, porque«Sendo você um dos portugueses que com maior carinho segue a nossa marcha e quedeseja o mais aginha o nosso triunfo»27

João Vicente Viqueira, o grande filósofo galego e bom comentador de Leonardo Coimbra, temclaro que

«Para nós os galegos o vosso prodigioso canto português (Marânus) é o canto da nossaraça e a nossa terra»28

3.8. Noriega Varela que sempre foi grandiloquente nas suas cartas e que sempre pus a Teixeirapolas nuvens, ao fazer referência à Canção Humilde, que ele já publicara em 1919 adaptada ao seu galegoem A Nosa Terra diz:

«Con justísima razón se le considera a Vd. en Galicia como el más formidable poetalusitano»29

Para Roberto Blanco Torres«A Galiza tem para você muita admiração»30

26.- Ib. Ib. c. 31, p. 79.

27.- Ib. c.19, p. 61.

28.- Ib. c. 20, p. 61.

29.- Ib. c. 21, p. 64.

30.- Ib. c. 35, p. 86.

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Francisco Luís Bernárdez, que se reconhece fiel discípulo de Teixeira, emprega um símildemasiado atrevido para nos dizer o que representa para ele:«Su 'Maranos' ha sido para mi corazón la sagrada Hostia en mi comunión de Poesía»31

3.9. Álvaro Cebreiro, o artista que mais caricaturas fez de Teixeira de Pascoaes e mais fielmente orepresentou, sente por ele uma espécie de adoração. Às vezes copia literalmente frases do Mestre paraexprimir semelhantes pensamentos. Para ele Teixeira é um grande poeta, mas é, sobretudo, o apóstolo daredenção da Galiza, como se pode ver através das suas cartas. Escolho só dous exemplos:

«Os seus filhos da Galiza, que um dia não lonjano pousarão uma coroa de pinheiro na suatesta evangélica...»32

«O imenso prazer que teria abraçando ao mais grande Poeta da minha Pátria (...) Eu creioque a Galiza -que triste é confesá-lo- não está o suficientemente preparada para poderreceber, como o merece, o seu mais grande Poeta! Mas já veremos. Entretanto os seusirmãos da Galiza -todos os artistas e poetas- iremos tecendo uma coroa de pinho e derosas para pendurar (o dia que venha!) da sua testa de apóstolo»33

3.10. Mas o que foi mais longe de todos os galegos elogiadores de Teixeira, foi o daquela jovempoeta e crítico de arte, Gamalho Fierros, ao chegar a afirmar, depois de toda uma série de epítetos oseguinte:

31.- Ib. c. 46, p.101-102.

32.- Ib. c. 61 p. 130

33.- Ib. c. 67, p. 136-137.

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«Si Vd hubiese nacido sordo y ciego (con las ventanas de los sentidos cerradas al exterior) no poreso dejaría de ser un gran lírico: antes, al contrario, se insertaría mas reciamente aun en su intimidaddramática»34

4.0. Como via Teixeira a Galiza e os galegos

4.1. O carinho e amor de Teixeira de Pascoaes pola Galiza é anterior a esta etapa decorrespondência com os galegos. Já muito antes, em 1912, no primeiro manifesto saudosista fala daGaliza como «um bocado de Portugal sob as patas do leão de Castela». Mas vai ser neste contactoepistolar com os galegos onde Teixeira deixará plasmado este seu amor e reconhecimento à Galiza.

4.2. Por isso, se os galegos são pródigos ensalçando Teixeira de Pascoaes, este não fica atrás.Em toda a sua vida se sentiu galego e considerou Galiza como a sua Pátria verdadeira e dela esperava aredenção de Portugal. Por isso confessa numa carta a Noriega Varela:

«Eu estou infinitamente grato à Galiza, terra Mater. É a minha terra, a terra da minha alma.Tudo o que lhe digo nesta carta é a pura expressão da minha sinceridade»35

4.3. Em carta de Junho de 1921 diz a Cebreiro:«Aqui estou em Amarante, que também é Galiza»36

Em carta de Junho de 1921 dirigida a Álvaro Cebreiro diz:«A nova geração, que há-de servir a sua Pátria, tem figuras do mais alto valor! A suaamizade por mim é a maior glória a que eu podia aspirar neste mundo!»

34.- Ib. c. 165, p. 243.

35.- Ib. c. 22, p. 68.

36.- Ib. c. 26, p. 72.

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4.5. E no canto À Rosalia de Castro exclama:«Divina Rosalia. Ó Santa protetoraDa terra da Galiza, a nossa terra Mãe!»

E no peoma ao seu amigo Cebreiro:«Em ti saúdo a mística belezada terra mãe da terra portuguesa»

4.6. É pena não contar ainda com as cartas que escrevia Teixeira de Pascoaes a todos os que sedirigiam a ele, e que são muitas: faltam todas as de Vicente Risco, uma polo menos a Cabanilhas, as deXavier Bóveda, as dos irmãos Antom e Ramom Vilar Ponte, alguma a Noriega Varela, as de Francisco LuísBernárdez, uma de Gamalho Fierros, as de Álvaro de las Casas, Ramom Martínez López, etc. As deVicente Risco tentei-o várias vezes e de momento ainda não me permitiram consultá-las sob o pretexto deque estão a catalogar o seu legado. Seguro que aí ainda se escondem muitas surpresas.

4.7. Teixeira de Pascoaes teve muito interesse durante toda a sua vida em visitar a Galiza. Galizaé para ele um santuário ao que tem que ir em peregrinagem, cousa que nunca levou a cabo, apesar de oter programado várias vezes. Primeiro ia ir visitar a Noriega a Trasalva:

«—'Vamos ve-los na Primavera (diz-lhe Maria da Glória a Teixeira) e traze-los connoscoaté estas terras de Amarante', palavras dela que são minhas igualmente»37.

4.8. Em carta a Cebreiro de 27 de Maio de 1923, Teixeira diz-lhe textualmente:

37.- Ib. c. 44 (de 9-II-922), p. 98.

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«A Galiza é a minha Pátria verdadeira, porque só nela encontro almas irmãs da minha! Um dia, heide ir a essa Terra Santa em piedosa romagem, hei ver e abraçar os meus irmãos»38

Em carta de 20 de Maio de 1924 diz-lhe Teixeira a Álvaro Cebreiro:«Um meu patrício e amigo que tem automóvel deseja conhecer a Galiza e convidou-mepara o acompanhar. Aceitei, ansioso e desejoso de conhecer essa Terra Máter e as Almasque tanto a elevam nos tempos de hoje, -entre as quais a sua Alma»39.

Cebreiro responde quase com as mesmas palavras o 11 de Maio de 1926:«Portugal é a minha pátria verdadeira. Um dia hei-de ir a Portugal em romagempiadosa»40. Anos depois Teixeira escreve o seguinte a Cebreiro: «Penso muitas vezes nasua pessoa e na sua e minha Pátria Galega. Talvez lhe faça uma visita, muitobrevemente»41.

4.9. E isto está a dizê-lo em cartas suas desde 1921 e ainda em 1931. Mas nunca visitou Galiza.Cebreiro manifestou infinidade de vezes o seu desejo enorme de visitar Amarante para poder abraçar aTeixeira. E nunca o fez. É estranho que estas duas pessoas que tanto e tanto se queriam nunca se vissempessoalmente. Cebreiro no entanto viajou a Paris onde esteve um ano e uns meses. Mas nunca esteve emMadrid. O amor entre ambos foi tão forte que através das cartas se vê que se copiam as mesmas palavrase as mesmas frases falando um do outro ou Teixeira da Galiza e Cebreiro de Portugal.

38.- Ib. c. 64, p. 133.

39.- Ib. c. 96, p. 168.

40.- Ib. c. 127, p. 200.

41.- Ib. 145 (3-6-931), p 219.

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4.10. Na Galiza estiveram sempre à espera de Teixeira que fora convidado pola Irmandade daFala, pola Real Academia Galega, a título individual. Cebreiro queria que fosse como o redentor da Galizae outros como o poeta da Raça. Talvez o medo ao «barulho» que podia despertar a sua ida a Galiza emesmo as diversas maneiras que havia de conceber a poesia por uns e por outros fosse a causa de queele não se atrevesse a dar o passo.

4.11. O primeiro que pisou terreno amarantino foi Vicente Risco e ele foi o embaixador de Teixeirapara a Galiza e para todos os galegos. Inclusive chegou a ser nomeado representante da Galiza emPortugal para toda a problemática galeguista. E ainda foi mais vezes. Polo menos, que eu saiba, foram trêsas viagens de Risco a Amarante. Depois foi Noriega Varela por meio de Risco e seguiram Eugênio Montes,Aquilino Iglesia Alvarinho, Castelão, Ramom Martínez López, Álvaro de las Casas, Francisco LuísBernárdez...

4.12. A correspondência com os galegos até o começo da Guerra do 36 foi bastante regular.Houve momentos nos que a Ditadura de Primo de Rivera fez que não fosse tão frequente e mesmo quandoem Portugal se mudou de República. De resto há cartas de galegos a ele até o mesmo ano da sua morte.

4.13. Podemos afirmar, sem lugar a dúvidas, que Teixeira foi o motor e o eixo do movimentocultural galego da década dos anos vinte. E podemos dizer também que o nacionalismo galego cobrouforças e vitalidade ao estarem em contacto os intelectuais galegos com este homem que foi um grandepoeta, um homem de uma grande sensibilidade e um homem que amou profundamente Galiza. Osmembros da geração Nós escreviam e falavam castelhano até o momento que entraram em contacto comele. O primeiro Vicente Risco criador e director da revista La Centuria VI, 1917-VII-1918 e depois da Nós

de 1920 já em galego. E também devemos a Teixeira de Pascoaes de uma maneira indirecta que naGaliza se suscitassem os problemas de escrever o galego como se escrevia o português, o que ia ser umarealidade se não houvesse surgido a Guerra do 36.

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ANEXO42

Poemas de Teixeira de Pascoaes relativos à Galiza (ou aí publicados)

Incluo neste Anexo aqueles poemas de Teixeira de Pascoaes que mais influxo produziram nosintelectuais galegos. É de salientar o cuidado que punha Teixeira em cada nova edição de Marânus,pois a dedicatória varia de uma para outra. Há depois outras aos vultos mais destacados para ele nomundo galego. Para que o trabalho não fique incompleto, incluo também aqueles poemas que, aindaque não tenham uma dedicatória especial, foram publicadas em revistas que se editavam nesta Terra.Assim temos como uma espécie de Antologia ou Florilégio dos poemas mais directamente relacionadoscon nós. Respeita-se a ortografia dos mesmos. Só se corrigem alguns erros tipográficos muitoevidentes.

À GALIZA

Galiza, terra irmã de PortugalQue o mesmo Oceano abraça longamente;Berço de brancas névoas refulgindoO espírito do sol amanhecente;Altar de Rosalia e de PondalIluminado a lágrimas acesas,Entre pinhais, aos zéfiros, carpindoMágoas da terra e místicas tristezas;A ti dedico o livro que uma vez,Embriagado de sombra e solidão,Compus sobre os fraguedos do Marão:

42.- Este anexo é cópia do Apêndice que aparece nas pp. 263-274 do livro conjunto de Eloísa Álvarez e Isaac Alonso Estraviz,

Os Intelectuais Galegos e Teixeira de Pascoaes. Epistolário, Ed. do Castro, Sada (Corunha), 1999.

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Este livro saudoso e montanhês.(Dedicatória do livro «Marânus», 1920)

À GALIZA

Ó santa Rosalia da Saudade,Do Infinito e do Berço em que nasceste,Cantora da perfeita suavidade,Da inefável ternura que é celeste;Intérprete da nova DivindadeQue tu, Galiza Mater, concebeste,Teu cântico imortal e redentorÉ nossa eterna glória e eterno amor!(NÓS, no 18, Maio de 1923, p. 22)

- o -Galiza, terra irmã de Portugal,Que a divina Saudade transfigura,A tua alma é rosa matinal,Onde uma lágrima de Deus fulgura.Terra da nossa infância virginal,Altar de Rosalia e da Ternura,Dedico-te estes versos, que, uma vez,Compus, em alto cerro montanhês.(Oferta de Marânus, 1930, 3a edição)

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FALA DO SOL

Aos jovens poetas galegos.

Num lar azul sem fimSou velho tronco a arder.Há florestas de mãos voltadas para mim,Velhinhas, a tremer...Os cegos andrajososGritam por mim nas trevas. Querem luz!Gritam por mim as árvores desfolhadas,Os roxos corpos nus,As fontes congeladasE os ventos invernosos...Gritam por mim, à noite, a voz dos mundosE os poetas moribundos...

As lágrimas da chuva,As lágrimas do órfão e da viúva,As lágrimas dos trágicos vencidos,As lágrimas dos mortos esquecidos,Pelas noites de outono, errando ao luar,Vendo-me, em alvas nuvens se evaporam;Nuvens que eu bebo, a rir, pelos que choram,Erguendo a Deus meu cálix de amargura,Meu cálix de oiro aceso, a trasbordar,Cheio de toda a humana desventura...Amarante, 1920(NÓS, no 1, 30 Outubro, 1920, p. 3)

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CANÇÃO D’UMA SOMBRA

Ai, se não fosse a nevoa da manhãE a velhinha janela onde me vouDebruçar para ouvir a voz das cousas,

Eu não era o que sou.Se não fosse esta fonte que choravaE como nós, cantava e que secou...E este sol que eu comungo, de joelhos,

Eu não era o que sou.Ai, se não fosse este luar que chamaOs espectros à Vida e se infiltrouComo fluido magico, em meu ser,

Eu não era o que sou.E se a estrela da tarde não brilhasse;E se não fosse o vento que embalouMeu coração e as nuvens nos seus braços,

Eu não era o que sou.Ai, se não fosse a noite misteriosaQue meus olhos de sombras povoouE de vozes sombrias meus ouvidos,

Eu não era o que sou.Sem esta terra funda e fundo rio

Que ergue as azas e sobe em claro vôo;Sem estes ermos montes e arvoredos

Eu não era o que sou.Teixeira de Pascoaes.

(Publicada em A Nosa Terra, nº 143, 1 Julho 1921, p. 4)

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DE MIM

Aos grandes poetas da Galiza

Cabanillas e Varela

Sou um triste castelo ao pé dum mar brumoso.Eternamente a ouvir histórias de naufrágiosÀ voz do vento negra de preságios...

Sou velha cruz em ermo penhascoso,Onde as aves da noite vão cantarEmbriagadas de sombra e de luar...Sou lívido pinheiroFantástico, a rezar na encosta dum outeiro,Quando os vales soturnos escurecemE as nuvens, como sonhos esquecidos,No céu empalidecem...E em religiosos lábios doloridosAs boas tardes choram...

E pérolas de luz tremendo afloramN'aquele etéreo manto de veludo,Manto da Virgem Mãe de Deus cobrindo tudo..

Vivo da negra morte alegrementeQue ante mim se alevanta imensa de ternura,Como de encontro às bandas do OrienteErgue o Marão a trágica estatura...Vivo da negra morte que me empece

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Na lua que detrás dos montes aparece;No soturno perfil, à noite, dos penedos,Na brisa a semear murmúrios e segredos...Na aurora desmaiada,Esse cadáver branco de afogada,Boiando à flor de nuvens cheias de água,Com um lírio nas mãos desfeito em cinza e mágoa...Em tudo o que me cerca de tristezaE em meus olhos acende espiritual beleza:Fantasma de anjo a voar, branca visão celeste.Prateando, ao de leve, a rama do cipreste...

Uma sombra caida aos pés da cruz...A morte já distante da agonia,Extática, vestida em macerada luz,Toda sonho, luar, melancolia.(NÓS, nO 14, p. 8, 1922)

U M D I Á L O G O

(O amor:)N’esta noite, quem bate á minha porta?

(A alma:)Uma velha mendiga quasi morta.Venho da escuridão da Natureza.No meu saco de pobre, eu trago só tristeza.

—Nem sei ha quantos séculos erranteComo sombra que a luz faz trémula e hésitante,

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Ando de corpo em corpo...O marmore beijei,

O marmore glacial e livido animei...O marmore deslumbrado, em mistica ternuraFundiu-se como ao sol se funde a neve pura!E ei-lo sagrada flôr,Turíbulo que exala aroma, vida e côr.

—Sou a agua que forma as ondas da HarmoniaE o fumo que sáe d’um grande incendio, o dia!E aquele sonho de amplidãoQue cinge n’uma curva indefinida,Indefinidamente distendida,Os relevos sem fim da Creação...

—Fui nuvem; fui mulher;Phantasma divagando a luz do anoitecer...Scismei, no outono, á sombra d’um cipreste,Certa noite, parti nas azas do nordeste;Nos desertos da Lua errei, banhada em pranto.Em mim, perdida e morta de quebranto,Percorri toda a estrada de luar,Por onde vão da terra as almas a cantar...

—Reverdeci nas árvores maternaes;Brilhei na essencia pura dos cristaes,Liquida intimidade acêza de esplendores,Onde se banham, rindo, as sete côres...Vi o ceu pelos olhos das campinas,Cobertos de boninas,

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Pelos olhos das cérulas espumas,Pelos olhos somnambulos das brumas...No silencio espectral, sou um murmurio de alma,Um impeto de dôr na imensidade calma!A terra, em mim, é grande soffrimento.É um eterno suspiro, em mim o doido vento!Em mim a branca nevoa é fria maguaEm mim, se converteu em lágrimas a agua...E o som na voz que chora...E em mim, a luz da auroraÉ aquele negro olhar sinistro e mudoQue vim (ai d’ele!) a morte e a sombra va de tudo!

(O amor:)Vejo que vens de longe... Os teus vestidosTrazem poeiras de astro acendidos;E molhados de luz, escorrem gotas de ouro;Estrelas que te queimam, igneo chôro...O teu perfil chimerico e nevoentoParece aquele Deus que se entrevê no vento;Genio velado em nevoa transcendenteQue se avista n’um rio, ao sol nascente...A Divindade oculta que deslumbraSacro bosque onde cáe a chuva da penumbra...O Christo macerado e ensanguentado,Na gloria da ascenção transfigurado!

—Alma, sombra de Deus, longe de Deus,Sósinha, a percorrer mundos, estrelas, ceus,Errando á triste sorteDe corpo em corpo, isto é, de morte em morte...

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Alma perdida e dolorida,Vem a mim. Sou o amôr que te dá vida...

TEIXEIRA DE PASCOAES.Amarante.(Publicada na revista ALFAR, no 30, Junho de 1923, p.309)

CANÇÃO MOLHADA

Gotas de som molhadoCaem lá fora,N’um ruido triste...É o silencio geladoDa noite que choraSobre tudo o que existe.E a minha maguaN’aquelas gotas de aguaParece encarnar.Vago na sombra escura...Sou morte sem sepulturaE sou nuvem a chorar.

Teixeira de Pascoaes(Publicada em RONSEL, no 1, Maio 1924, p. 4)

O SOL E A CANDEIA

Luz do sol, fogo virgem, puro amor!Luz de candeia e luz de dôr.Filha do sacrificio e da amargura,

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É baça e triste quam escura.

A luz do sol é forte e apaixonada,Canto de rosa enamorada,Harmonia de beijo fecundante,Musica alegre e delirante!

Luz de candeia, pálida e suave,Como á tardinha um canto de ave,Na choupana do pobre, solitariaÉ luz sombria e mortuaria...

Teixeira de PascoaesAmarante, 1924(Publicada em RONSEL, no 3, Julho, 1924, p. 6)

A ROSALIA DE CASTRO

Divina Rosalia. Ó santa protetoraDa terra da Galiza, a nossa terra Mãe!Onde derrama um oiro triste a luz da aurora,Onde a névoa do mar descorre e encobre o Além,Onde há almas de Deus, no mundo prisioneiras,Onde há rezas e sol, à noite, nas lareiras...

Divina Rosalia. ¡Ó virgem da tristeza!Coração de mulher que abrange a NaturezaE num canto imortal a converteu.Coracão de mulher aberto à luz do céuCas lágrimas sem fim dos desgraçados,

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Saturna multidão de pobres emigrados...

Divina Rosalia.Senhora da Saudade e da Melancolia...Alma de Deus despida, exposta à chuva e ao vento.Alma, só alma, num deslumbramento.Alma, só alma, a errar na solidão.Alma, só alma, eterna aparição.

Aparição da dor, aparição do amor.Alma, só alma, apenas alma em flor.(Convento dos poetas, set. 1924)

O R A Ç Ã O

Feliz a creatura que renasce,Apagando os vestigios tenebrososDo seu primeiro e triste nascimento.

Feliz a creaturaQue o sempiterno espírito invocando,-Fogo do ceu que abraça,Renasce de si mesma e se libertaDa noite em que divagamMitológicos monstros, brutas fêras.Porque o espírito é a alma da esperança,Claridade de Deus que se condensaEm lágrimas e estrelas.

Feliz a creatura enamorada

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Da virgem Primavera que entre as nuvensNegras que disipamÉ radiante aparição de luz,Afujentando os mêdos e os fantasmas.

Homens, a todo o instante, cultivaeA divina ambição de renascer!Ao vosso corpo antigo e criminosoImponde as formas vivasDa sagrada esperança que em vós arde,Como íntima estrela matutina.Ó meus irmãos, fugiAo encanto noturno da Lembrança,Porque a sua presençaNos mata e petrificaNa noite do Passado, negro Tártaro,Onde marmóreas cruzes se alevantam,Como negras estatuas de Demonios...E abrem os negros braços, n’um desejoDe esmagar contra os seios congeladosO sol que traz consigo um novo dia.

Amae, amae a esperança, a luz de Deus!Que ela vos arrebate em seu etéreoDeslumbramento alado e creador!Que o vosso sêr antigo se renoveE se torne mais belo e mais pefeitoE viva n’essa Luz eternamente.

Teixeira de Pascoaes.(Convento dos Poetas, set. 1924)

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OITAVA (a Cebreiro)

Meu Álvaro Cebreiro da Galiza,Intérprete da vida que murmuraNas árvores, nos montes e na brisa,E da alma divina que fulguraAtravés desta máscara indecisaQue é nossa humana e trágica figura,Em ti saúdo a mística belezaDa terra mãe da terra portuguesa.(Publicada em ALFAR, Outubro de 1925, vol. IV, no 57, p. 393)

LUZ FINAL

A Afonso Castelao.

A Álvaro Cebreiro.

Aos grandes e queridos artistas,

com o mais antigo e fraternal abraço.

O outono princípiaA escurecer-me a vida, emudecendoAquela voz da minha inspiração...Uma estrelinha de oiro bruxuleiaNos longes do meu ser;Estrela de alva foi na minha infânciaE agora é luz de círio a desdobrar-se

- o -

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A noite cresce em mim, negro silêncioFruto de voces mortas...

Amarante, 1925

Nota: Esta palestra, dada em 7 de Dezembro de 2002 na Sociedade Martins Sarmento de Guimarães nos actos dahomenagem a Teixeira de Pascoaes no 50 aniversário da sua morte, será ainda acrescentada na publicação daconferência na Revista de Guimarães da Sociedade Martins Sarmento. Aquí publicamo-la em primeira mão paraO Portal Galego da Língua, com a autorização do autor.