fr. jacinto de s. miguel - (1901) mosteiro de santa maria de belem

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  • MOSTEIRO DE BELEM RELAO DA INSIGNE E REAL CASA

    DE

    SANTA MARIA DE BELEM POR

    FR. JACINTO DE S. MIGUEL (HIERONYMITA)

    RECENSO PUBLICADA E ACCRESCENTADA DE

    NOTAS E BIBLIOGRAPHIA

    POli

    Martinho Augusto ~erreira da Fonseca DO INSTITUTO DE COI!\IBRo\

    LISBOA Typographia da Academia Real das Sciencias

    1901

  • MOSTEIRO DE BELEM

  • CoNSTA A PRESENTE EDIO DE MIL EXEMPLARES NUMERADOS

    N.0 ....... 6 .. 4.9 ..

    PERTENCENTE A

  • MOSTEIRO DE BELEM RELAO DA INSIGNE E REAL CASA

    DE

    SANTA MARIA DE BELEM POR

    FR. JACINTO DE S. MIGUEL ( HIERONYMITA)

    RECENSO PUBLICADA E ACCRESCENTADA DR

    NOTAS E BIBLIOGRAPHIA

    POR

    Martinho Augusto Ferreira da Fonseca DO INSTITUTO DE COIMBRA

    -~-

    LISBOA Typographia da Academia Real das Sciencias

    1901

  • PREFACIO

    De todos os n1onumentos portuguezes sem duvida alguma o mosteiro de Santa Maria de Be-lenl un1 dos principaes, quer o encaremos pelo lado historico, quer o tomemos como padro iro-morredoiro de um glorioso feito portuguez no seculo xv1, escripto com lettras de oiro na histo-ria patria, para attestar a vindoiros o valor inex-cedivel de nossos maiores.

    A in1portancia da descoberta do caminho mari-timo para a India, ha pouco tempo ainda to bri-lhantemente celebrada, e qual se deve aquelle monumento, foi de tal grandeza, de um to alto valor historico e commercial, que ben1 se pode

  • Vlll

    considerar o pnmc1ro feito dos portuguczes ctn toda a sua existencia, qui o maior do mundo.

    Mas no d'essa descoberta que nos preten-demos occupar; tal facto est de ha n1uito tra-tado com esmero em varias obras nacionaes c extrangeiras, no succedendo, porm, outro tanto com a descripo do edificio comn1emorativo, apesar do muito que a seu respeito se tem escri-pto, 1 tanto sob o ponto de vista historico como artstico, devido principalmente falta de do-cumentos authenticos, para auxiliar o investiga-dor nos estudos que se v forado a emprehen-der; e assin1 so decorridos cerca de quatro se-culos, sem haver ainda un1a 1nemoria descriptiva e completa, assente sobre base segura, d'aquelle magestoso edificio, merc do pouco cuidado que merecem o~ nossos archivos e bibliothecas, qucl-les a quem de direito importa zelar com venera-o essas joias de inextimavel valor, no sendo raro encontrar-se, salvo bem poucas excepes, quem mais cure de interesses particulares que dos deveres do officio, a par de uma apregoada sabe-doria, dando origem uns e outros factos ao extra-

    1 \"id. Bibliographia no final d'esta Relaqo.

    I I {

  • lX

    vio de documentos valiosos, como o manuscripto hoje publicado, o qual, depois de vendido a peso com outros por inuteis n'um estabelecimento em Belem, veiu mais tarde parar o mercado de S. Bento, onde o fallecido bibliophilo Joo Manuel de Carvalho o adquiriu, salvando assim talvez o mais yalioso documento d'aquelle bello padro da nossa passada grandeza.

    Dando-nos conta da acquisio feita corremos a examinai-o at que o alcanmos, abrimol-o, devormos uma a uma paginas s vezes de tanta novidade, e, medida que o estudo proseguia, viamos como que erguer-se ante os nossos olhos estupefactos, a magestosa fabrica do edificio, onde em C!da pedra se l uma estrcrphe palpitante de vida, de amor, de gloria!

    *

    * *

    o referido manuscripto no formato de folio con1 cerca de trezentas paginas e tem por titulo Papeis varias de Fr. Jacinto de S. Miguel, ll con-

    z Estes Papeis eram considerados perdidos. Vid. Vasco da Gama e a Vil/a da Vidigueira, por A. C. Teixeira de Arago. Lisboa, 18g8, pag. 103.

    '

  • X

    tendo alm da presente Relao uma noticia dos monges illustres da Congregao de S. Jeronymo; o requerimento authographo de Fr. Jacinto de S. Miguel ao R.mo P. M. D. Prior Geral da Ordem de Christo Fr. Ricardo de Mello, que transcreve-mos na integra, authenticando assin1 o presente trabalho; s copia dos documentos a que o citado requerimento se refere, ben1 como a Vida do Ve-neravel P.e Fr. Antonio de Lisboa e outros pa-peis.

    Ser talvez facil agora reconstituir a traa pri-mitiva do edificio, seguindo a Relao, que nos deixou o illustre chronista, e isso bastava para a publicarmos; mas no se limita a esse facto o seu valor; outros assumptos ha de capital importan-

    3 R.mo P.e M. D. Prior G."l da Ordem de x.0-Diz Fr. Jac.'0 de S. Miguel, R.or do Coll.0 de S. Jer.0 de Coimbra,. Chronista Geral da Ordem do mesmo Santo Doutor q o supp. est escreuendo a vida do Venerauel P.e Fr. Ant.0 , de Lx. p.a o q depende de algus noticias q se acho no Cartorio deste real .Mostr.0 de Thomar, por onde consto m.ta das aces do ditto P.e e de como refor-mou esta Ordem; a de S. Bernardo, fez auto da f, e outras m.tas couzas dign'!s de honrada memoria. E porque h Excomunho p.a no se deixar tirar memoria do ditto Cartorio por escritto sem Lic. de V. R.ma_p_ a V. f\.m seja servido dar licenca p. o refe-rido. E O D.-Despacho O P.e Guarda Mor do Cartorio passt: do q constar. (assignado) Fr. Ricardo de Mello D. Prior G.a1

  • XI

    cia, que chamaram a nossa atteno, como a, posto que pequena, descripo da cruz mandada fazer e doada pelo rei D. Manuel, segundo se l no seu testamento 4 co1no feita por Gil Vicente, in-dubitavelmente de valor no s como documento para a historia d'aquelle glorioso artista e da arte, como tambem por tornar conhecido o seu lavor, permittindo achar-se talvez o actual paradeiro, e conceber-se a esperana de futura reacquisio. A naturalidade do celebre architecto Boytac, ponto muito- controverso, 5 parece-nos agora perteita-mente definido por frma a no deixar duvidas; e, a proposito, occorre-nos perguntar: Que im-porta a nacionalidade extranha de Boytac, o ter sido outra a terra onde soltou os- primeiros vagi-dos infantis, se no pensar e no sentir foi to por-tugucz?

    Deu-lhe a Frana o bero, n1as a sua alma de artista nasceu aqui, foi ao calor do sol do nosso

    4 Vid. Provas da Historia genealogica . .. por Antonio Caetano de Sousa. Torno n, pag. 328.

    s Vid. Diccionario historico e documental dos architectos, en-genheiros e constructores portuguczes ou a servio de Portugal; coordenado por Sousa Viterbo. Vol. I. Lisboa, Imprensa Nacional, I Sgg, pag. I 20, n. o 88.

  • co que se lhe incendeu o stro, celebram-lhe as laarias dos Jeronymos o renome, -lhe a Bata-lha, em toda a pujana do seu gothico florido, o grandioso tumulo.

    Os reis podem fazer quantos grandes do reino quizerem, mas s Deus podia ter feito um Boy-tac! disse-o elle 6 e est-o hoje, e sempre, dizendo esse marn1ore dos J eronymos, em que vibra o c e-

    . rebro de um artista genial, em que pulsa o cora-o de um povo.

    No edificio, de traa primitiva mais magestosa ainda, nos pilares e abobadas, nos cabos e nas conchas, nas espheras armillares e nos altaneiros corucheus; desde o mais saliente da fabrica, at o ultimo pormenor da decorao, no est s a alma do artista, influenciada por uma inspirao divina, est toda a alma portugueza, que foi por sobre as ondas do mar tenebroso fazer raiar para

    to~os os povos d~ terra a aurora de ~ma nova ci-vilisao.

    Passem e perpassem, embora, pela frente do

    6 Vid. pag. S7.

  • XIII

    padro que o grande cyclo alli commemora, os poderosos couraados das naes, que, possuindo o ferro e o carvo, tenham o dominio dos mares; emquanto d'elle uma s pedra -existir, ella attes-tar que no possivel o apagar a memoria dos gloriosos descobridores e conquistadores, de que incessantemente nos falam as revoltas ondas dos immenso.s mares, e os territorios sem fim dos dois mundos, conservada por caracteres indestructiveis nas paginas da historia.

    Por isso os Jeronymos e os Lusiadas so na pedra e no livro os evangelhos da patria, os dois poemas em que se encerram os cantos de uma epopa de nacionalidade, como nenhum outro povo a teve, nem jmais a ter.

    *

    * *

    Fr. Jacinto de S. Miguel foi natural de Lisboa, nascido a I o de Setembro de I 6gz, filho de Pe-dro Fernandes Tinoco e de Helena Joseph Bor-ges; professou na Ordem de S. Jeronymo aos dezeseis annos de edade; applicou-se ao estudo das linguas latina, grega, franceza e italiana, pro-

  • XIV

    fundando as sciencias theologicas, que depois en-sinou at ser jubilado n'aquella Faculdade; Rei-tor do Cllegio de S. Jeronyn1o de Coin1bra, Chronista geral da Ordem do n1esn10 Santo Dou-tor, Prior no mosteiro de Santa Maria de Belem em Lisboa e Geral da Ordem, como se v da in-scripo que damos em nota (85) a pag. I oS d'esta Relao. Compoz varias obras 7 tornando-se nota-vel entre ellas o Tratado histor:o das Ordens nzo-nasticas de S. Jeronynzo e S .. Bento. Lisboa, I 734 a I 761. Tres volumes in-folio.

    Como se v, o nome de Fr. Jacinto de S. Mi-guel impe-se ao nosso respeito, no s pelas obras que nos legou, onde a cada passo revela uma vasta intelligencia e erudio, como tambem pelos elevados cargos que exerceu, prova incon-cussa de alto valor intellectual e so criterio.

    Publicando hoje este seu estudo inedito, ao qual conservmos, tanto quanto possvel, a lin-guagem primitiva, fazendo-o acompanhar de no-tas elucidativas, colhidas no proprio edificio e em

    7 Vid. Diccionario bibliographico portugue:r de Innoccncio Fran-cisco da Silva. Tomo m, pag. 244 e 245.

  • XV

    outras fontes, durante a in1presso, prestan1os a hon1enagen1 do nosso respeito sua memoria, contri buimos para ser vulgarisado um trabalho que se nos afigura de excepcional importancia, evitando a sua perda, e habilitamos os historia-dores com elementos seguros para o estudo de um edificio digno de venerao de ns todos.

    Cumpre-nos finalmente agradecer o valioso au-xilio prestado pelo nosso illustre amigo sr. Brito Rebcllo, sabio investigador e grande erudito, sem-pre consultado com provei to em todos os assum-ptos que demandam profunda investigao.

    F.F.

  • CAPITULO I

    Em que se trata da antiga ermida de Santa Maria de Belem, que com esse mesmo titulo e invocao mandou fundar, no sitio e logar do Restello, o infante D. Henrique, filho de el-rei D. Joo o I, e dos motivos que teve rara essa fundao.

    1 Para a parte do occidente, un1a legua da in-clita cidade de Lisboa, cabea do in1perio Luzi-tano, junto das praias do rio Tejo, que (por se n1etter no n1ar 1 duas leguas mais abaixo, e de lo-grar, desde ahi para cima at quasi quinze leguas, das enchentes e vazantes d'esse immenso oceano) se pode j dizer n1ar, se v un1 sitio ben1 apra-zivel e alegre chmnado antigan1ente o Restello, porto ben1 conhecido en1 todo o tnundo, ainda que do tetnpo que n'ellc se fundou un1a ~ ern1ida con1

    tO mss. tem-neste

  • o titulo de Nossa Senhora de Bclem, s com o non1e do porto de Belem por toda a parte chama-do, perdendo j totaln1entc de ento para c o de Restello, que antigamente lograva, mas por me-n1oria ainda d'ellc se conserva, cm certas terras vizinhas d'este n1osteiro, o seu antigo appellido do Restello.

    2. N'este sitio pois e to celebrado porto de Portugal em todo o n1undo, sendo to frequentado assin1 da gente do mar como da terra, padeciam n'elle grandes necessidades que por tocarem no s aos bens dos corpos, porque menos, mas tam-bem ao das aln1as, porque mais, se deviam bem de advertir para se haverem logo de ren1cdiar; as quaes faltas eram e vinham a ser: quanto ao espi-ritual, o carecerem ahi os fieis catholicos de egreja e sacerdotes que n'ella assistissem para lhe admi-nistrarem os sacramentos que lhe fossem necessa-rios, e que lhe dissessen1 missa tambem, porque de tudo isto n'este sitio careciam; e quanto ao corpo-ral, experimentavam tambem n'esse logar muito grande indigencia e falta d'agua, assim a gente da terra como do mar, esta quando queria fazer pro-vimento necessario das aguadas de seus navios, c aquella que vinha a esse sitio ou que passava por alli para d'ella se aproveitarem tambem, e darem outrosim de beber s suas bestas que tra~iam.

    3. E porque o sobre dito infante D. Henrique era to zeloso, assim da honra de Deus como do bem commum da republica e do particular de cada

  • um de seu proximo, pondo bem con1 alta consi-derao os olhos n' esta falta e necessidades todas que n'este sitio se experimentavam, e que n'elle os fieis christos padeciam, e que, alm de todas estas miserias que aqui se tem notado, morriam muitos alli, por falta de sacerdotes, sem confisso, e jun- ~ tail)ente por lhes faltar tambem egreja e cemiterio em que sepultassetn seus corpos, e dos que ahi ap-pareciam fallecidos os lanavam por essas praias e areias; com movido bem o summamente pacifico, compassivo, bom e catholico infante de todas es-tas tniserias e desampares, tratou de remediar es-sas necessidades todas, e faltas que os fieis ahi pa-deciam e experimentavam com grande pena sua, mandando para seu allivio erigir no tal logar do Restello uma ermida com o titulo de Santa 1\fa-ria de Belem, onde podessem ouvir missa e rece-ber os sacramentos da egreja que lhes fossem ne-cessarios, e tivessem n'elle cemiterio em que se sepultassem os corpos dos que ahi fallecessem, mandando mais fazer no tallogar uma fonte com seu cano e chafariz, para provimento das aguadas dos n1areantes que ahi chegavam, e para o uso da gente da terra e de suas bestas que passavam por esse sitio e ahi vinham, sem que por este tal beneficio que lhes fazia lhe pagassen1 coisa alguma

    _nem sua Ordem de que elle era l\1estre, 3 e a quem depois fez doao da dita ern1ida c padroado

    3 Alis ~oYernador e administrador.

  • 4

    d'clla com todas as demais suas pertenas, como logo se dir, nem a outra pessoa alguma, mas que cm reconhecimento d'esse bem que lhes fazia lhe dissesse cada um que da agua se aproveitasse um Padre Nosso com uma Ave Maria pela salvao de sua alma e das d'aquelles por quem elle era obrigado a rogar.

    4 Depois de fundada a dita ermida de Santa 1\laria de Bel em no logar do Reste li o ( en1 que anno fosse no se sabe) em o de 146 o Idib Setembris fez d'ella doao irrevogavel para sempre, pela aucto-ridade que tinha do Santo Padre, sua Ordem mi-litar de Nosso Senhor Jesus Christo, de que elle in-fante era 1\'lestre, Administrador e Governador, c lhe doava tan1bem o padroado da egreja, hortas, ca-sas, terras, herdades, com tudo mais que ahi tinha comprado para a dita ermida, e que da agua da fonte e chafariz; que para ben1 da gente do mar e da terra tinha ahi mandado fazer, tenha tambem a dita Ordem tudo o que lhe for necessario para os seus pomares e hortas e outra qualquer despeza; mas que, pelas herdades e mais coisas que_ahi com-prou para a ermida, dir o capello que n'ella es-tiver uma missa cada sen1ana de Santa Maria in sabbatos pela sua alma, d'elle dito infante, e a com-memorao seja do Espirita Sallto com seu rcs-ponso e a orao Fideliu1n Deus, e que antes de comear a missa se virar o sacerdote para os que na ermida estiverem, pedindo em voz alta por amor de Deus um Padre Nosso e uma Ave Maria

  • 5

    pela alma d'elle infante, dos da Ordem e d'aquel-les por quem elle obrigado.

    5. Tudo isto que se tem referido aqui da fun-dao d'esta ermida e das outras coisas mais que mandou o infante fazer consta da doao que fez sua Ordetn, como n'ella se pode ver, que foi feita, como j se Jisse, Idbi Setembris 4 do anno de 14Go, firmada da 1no do mesmo infante, sellada com o sello das suas arn1as, n1andada escrever por Joo de ~1oraes, e pr no cartorio do convento da sua villa de Thomar, cujo traslado se conserva no car-torio d'este real mosteiro.

    6. ~lorreu o infante depois que fez a doao d'ahi a tres annos, que foi no de 1463, em a villa de Sagres, no reino dos Algarves, a 1 3 de novembro, e foi sepultado na cidade de Lagos 5 do mesmo reino, de donde foi trasladado para o real mosteiro da Batalha, como tudo se acha em Joo de Barros no lib. I 0 da I.a decada cap. I 6; n1as esta conta no est certa porque diz o mesmo auctor que falleceu o infante de 67 annos de edade, ora nascendo em I 404 6 na cidade do Porto, como affirma Manuel de Faria e Sousa na 2. a parte da Europa portugueza na vida d' el-rei D. Joo o 1 o, sendo o infante

    4 Aos 18 de setembro. a Freguezia de Santa Maria. 6 Nasceu na cidade do Porto a 4 de maro de 1394, e falleceu

    na sua Villa do Infante a 13 de novembro de 1460, tendo portanto 66 annos 8 mczes e 9 dias; estando por isso em Barros e Faria e Sousa as datas erradas.

  • de 67 annos quando 1110ITeu, devia isto Je ser nu anno de 1471 e no no de 1463,con1 que, ou o do nascimento ou o da morte no se acerta e se erra, ou os annos da edade no se chegam ben1 a ajus-tar; seja o que for que quem tocar esta materia averiguar d'isto a verdade, porque quem escre\e este papel o que lhe toca o narrar como o in-fante D. Henrique foi o fundador da ermida de que aqui van1os falando, e que a doou como se disse sua Ordem de Christo de que era 1\'lestre, e que passados alguns annos depois d'isso se veiu n' esse mesmo sitio da ermida a fundar este real mosteiro de Belem como j se vae dizendo.

  • CAPITULO II

    De como no mesmo sitio em que o infante D. Henrique tinha man-dado erigir a ermida com o titulo e invocao de Santa Maria de Belem, e que doou depois Ordem militar de Christo, man-dou ahi o augustissimo monarcha o senhor rei D. Manuel le-vantar o magnifico templo com o mesmo titulo e invocao de Santa Maria deBelem, para a Ordem mona.:hal de S. Jeronymo.

    7. coisa digna de muito grande reparo que fundando o infante D. Henrique no dito logar do Restello a ermida que mandou erigir, lhe puzesse o titulo de Santa Maria de Belem, sendo a sua inteno, como depois bem se viu, de fazer d'ella doao, como em effeito assin1 fez, Ordem mili-tar de Christo, de que elle era Gro n1estrc, 7 no tendo esta religio sua origem em Belem, mas em Thomar, e que depois o mais que grande rei D.

    'I Vej. nota 3.

  • 8

    ~lanuel, n1andando no mestno sitio da dita ermida levantar o sun1ptuoso edificio que aqui se v, tinha doado j a sobre dita ermida, sendo tambem como era da n1esn1a Ordem Gro 1\iestre, que parece que por todos estes n1otivos o devia assim de fazer e conservar ahi a dita Ordem, que estava d'elle j de posse, c no para a Orden1 e religio de S. Jero-nymo. Porm attendeu assim este monarcha e as-sentou, com superior resoluo, alm de outros mais congruentes respeitos, que incitaram seu co-rao e vontade, que o edificio que havia de fi-car con1 o mesmo ti tu lo da ermida de Santa Ma-ria de Belem fosse tan1bem morada e habitao de monges en1 Portugal, que traziam seu principio d'aquelle primeiro n1osteiro, e que l no sagrado presepio de Bel em, na Palestina, onde nasceu Chris-to, bem nosso, com esse mesmo titulo e invocao de Santa Maria de Belem tinha seu padre S. Jero-nymo fundado e erigido o celeste instituto d'esta religio.

    8. Com esta vontade e affecto quiz o senhor rei D. Manuel, monarcha verdadeiramente Maximo, buscar ao doutor Maximo em seus filhos, do qual e dos quaes era sun1mamente devoto. Depois da morte de el-rei D. Joo o 2.0 d'este nome, que fal-leceu aos 25 de outubro do anno de 1495 em as caldas de Alvor 8 do reino dos Algarves, foi logo

    8 Em Alvor falleceu, tendo retirado das caldas de Monchique. Em Alvor no ha caldas.

  • 9

    a 2 7 do mesn1o mcz e anno reconhecido em Alca-cer do Sal por legitimo rei d'estes reinos de Portu-gal, tratando no n1esmo ponto com toda a resolu-o da fundao da singular e maravilhosa fabrica d'este n1osteiro de Belem, no se contentando seu anin1o to generoso de que fosse obra de qualquer ordinaria estructura, mas de architectura mais emi-nente e relevante, que no a menos se extendia seu grande animo e vontade.

    g. Para efeito d'este to louvavel intento, as-sim que empunhou o sceptro e recebeu a cora de seu in1perio, mandou logo pedir ao Summo Pontifice que ento governava a egreja de Deus, e era Alexandre VI, faculdade de poder Auctori-tate Apostolica levantar a ermida, que sub i11voca-tio11e Beatae .... lfariae Belenz, junto da praia do mar, no longe da cidade de Lisboa, tinha mandado fa-zer o ~1estre da Milicia de Jesus Christo, para frei-res da sua Ordem, em mosteiro da Ordem de S. Jeronymo, com egreja, claustros, dormitorio e to-das as mais officinas necessarias n1aneira dos mais mosteiros da mesma Ordem, e metter n'elle de posse aos religiosos d'ella, pelo singular affe-cto de devoo que lhes tinha, por amor de seus bons e exemplares costumes, como tudo assim se acha bem declarado na bulia plumbea que o dito Summo Pontifice mandou passar a instancia do sobre dito rei D. Manuel, dada em Roma 1l01lO Kal. Julii do a11no de 1496 no quarto do seu pon-tificado, a qual bulia comea: Exinziae devotiv1lis

  • lO

    affectus, e se guarda no cartorio d'cste mosteiro de Belctn.

    I o. Declara mais n'csta bulia o Su1nn1o Pont-fice que os religiosos, que no dito mosteiro habita-rem, sero obrigados a dizerem na egreja d'elle uma missa pela ahna do Mestre da Milicia de Christo, 9 e que possam livremente ad1ninistrar aos n1arinheiros, navegantes e peregrinos, assim o sa-cramento da penitencia, ouvindo suas culpas, e ab-solvei-os tambem dos casos que no sejam Santa

    S Apostolica reservados, dando-lhe a penitencia necessaria, como tambem administrar-lhes o San-tssimo Sacrmnento da Sagrada Eucharistia, no sendo com prejuzo da egreja parochial circumvi-zinha; finahnente lhes concede o Summo Pont-fice na tal bulia, ao sobre dito mosteiro e religio-sos, que possmn livremente usar de todos e de quaesquer -privilegios, indultos, in11nunidades, li-berdades, graas e concesses aos outros Inostei-ros e religiosos da dita Ordem pela S Apostolica ou pelos seus legados in genere concessis et conce-dendis in posterurn, salvo se1npre porn1 em todas as coisas o direito da egreja parochial ou tambem de qualquer outra.

    1 1. Em virtude d'esta bulia do papa Alexandre VI, que no em tudo das mais amplas a respeito de algumas que depois se conceeram, logo no anno seguinte de I 497,- depois que o rei D. Ma-

    9 Isto -o Infante D. Henrique.

  • l I

    nuel despachou para o descobrin1ento da India Oriental a Vasco da Gama e Nicolau Coelho 10 por capito cada u1n de seu navio que lhes mandou aprestar, e se chan1ava o primeiro e principal S. Ga-briel, o segundo S. Raphael e o terceiro o Berrio 11 con1 mais outro de provimentos que supprisse a falta do necessario, do qual era capito Gonalo Nunes, creado do dito V asco da Gama, se parti-ram para esta to catholica e be1n succedida em-presa em u~ sabbado que se contavam 8 do n1ez de julho do dito anno de 1 497, indo prin1eiro como foram ( ennida) 12 que aqui estava de Santa Maria de Belem, aonde ainda estavam os freires da Or-dem de Christo, que n'ella assistiam, n'este porto a fazer ahi sua orao a Deus e a sua Bemdictis-sima Me, que lhes desse bom successo e ventura n' esta perigosa viagem e arriscada jornada de ln a-res to dilatados e climas -to desconhecidos a que sabiam expostos, se voltaram aos seus navios aco1npanhados dos ditos freires, de outros mais sacerdotes e de uma n1ultido grande de gente que tinham a esta funco concorrido, en1 que se ia cantando uma devota ladainha desde a ermida at praia, e feita ahi a confisso geral, estando tudo cm silencio o vigario da casa os absolveu na frma da bulia que o infante D. Henrique tinha alcan-

    to Falta no mss. o nome de Paulo da Gama, que, alm de ser . irmo do Capito Mr, era o immediato no commando.

    11 A Berrio parece teve o nome de S. Miguel. 12 Falta no original.

    .,.

  • 12

    ado para os que n'este descobrimento falleces-sem, na qual lhe concede indulgencia plenaria. ConcluiJa esta funco e en1barcados os sobredi-tos navegantes nos seus bateis, se passaram d'ellcs aos navios e deran1 logo estes as velas, deixando n'esta praia, de que ento se apartavam, um mar de saudades e lagr_imas que por esse tal respeito lhe puzeram o appellido e lhe chamavam com muita propriedade a praia das saudades c lagri-mas, se bem que aos que d'ahi se partiam ellas lhes no faltavam tambcm por esses mares in1-mensos onde juntamente navegavam; tratou logo sem mais demora, depois que os navios d' esse porto se partiram, de mandar com toda a resolu-o e affecto o senhor rei D. Manuel pr mos obra da insigne f~brica d'este templo e mosteiro, pois com tal intento, que esse era o seu desejo, que assim que tomou posse d'estes reinos logo mandou pedir a bulia de que acima se fez men-o, para se edificar Auctoritate Apostolica este templo c mosteiro como consta da data da mesma bulia.

    1 2. Esta e vem a ser a origem que houve e que se acha para se fundar e erigir a insigne fa-brica e obra maravilhosa d'este real templo e mos-teiro de Santa Maria de Belen1, no mesmo sitio e logar em que estava a ermida que o infante j no-meado D. Henrique tinha ahi mandado fazer, fi-cando com o mesmo titulo o templo e mosteiro de Santa 1\laria de Belem, que na fundao da

  • dita ermida lhe foi posto, e ainda que a obra de un1 e outro edificio era muito differente, e os mo-radores tambem diversos, no quiz o soberano monarcha, o senhor rei D. Manuel, que se lhe mu-dasse o nome do orgo, mas que ficasse sempre com o mesmo que d'antes tinha, como ficou, e tambem por ser aquelle nome mais proprio e ac-commodado para os tnoradores que de novo en-travam a tomar posse d'esta habitao, pelas ra-zes que acima ponderamos, do que para os ou-tros que j ahi com assistencia de tantos annos estavam; e mais quando a mudana que fez no deixou de ser honorifica para elles, pois em logar da ermida que largavam se lhes deu em L is boa a egreja de Nossa Senhora da Conceio 13 que ainda hoje possuem.

    I 3. Feita esta transaco, se comeou, Auctori-tate Apostolica, por virtude da bulia referida pas-sada no anno de I 496, a fundar no de I 497, de-pois que os navios de que fizemos meno parti-ram d'este porto de Belem para a conquista u da ln dia, a insigne e maravilhosa fabrica d'este templo no mesmo sitio da ermida, e juntamente tambem metter de posse os monges de S. J eronymo, para quem se fabricava este edificio, ainda que a posse authentica e juridica no _se deu logo que ahi en-traram, seno no anno de I 5 oo a 2 I de abril,

    13 Actualmente chamada Conceio Velha. 14 Alis descobrimento.

  • como de um traslado d'ella, que no cartorio d'estc mosteiro se acha, assim consta; a qual posse foi dada Auctoritate Apostolica pelo doutor Pedro Gonalves, provisor que era do cardeal, ordem de S. J cronymo assim do mosteiro como de todas as mais suas pertenas, sendo ento d'ellc prior o padre fr. Pedro da Guarda, que foi o terceiro prior d'este mosteiro, pois consta de papeis que n'elle ha que o prin1eiro prior, que d'elle foi, se cha-mava fr. Martinho de Veyros c o segundo fr. Joo da Cert, o qual fr. Martinho de Veyros era ento vigario do dito fr. Pedro da Guarda, e que com elle assignou no acto de posse, com n1ais seis monges que o firmaran1 e se chamavam; 15 testemunhas Joo Rodrigues e James da Fonseca, n1oradores na ci-dade de Lisboa, e o notario que actuou a dita posse se chamava Joo Fernandes, beneficiado na S da cidade de Lisboa e notario apostolico Auctoritate Apostolica.

    I 4 n1uito de notar que comeando-se a fa-brica d'este mosteiro no anno de 1497, e conti-nuando-se com a obra d'ella at o anno de 152 I, l(i em que falleceu o senhor rei D. Manuel, seu fun-dador, con1 todo o fervor e cuidado sem se repa-

    t;; Faltam no mss. os nomes dos seis monges, que so': fr. Jero-nymo, fr. Joo da Cert, fr. Bartholomeu de Possas, fr. Affonso, fr. Gonalo e fr. Alvaro Sochristo, segundo se l no auto im-presso a pag. 2S7 e seguintes do segundo volume das proYas da Historia genea]ogica.

    16 A r3 de dezembro.

  • rar nos grandes gastos que n'clla se fazian1, e com tantos officiaes e serventes que ahi andavmn tra-balhando, que tradio n'esta casa chegou o nu-nlero d'elles a cinco mil; Ii .ainda n,esses vinte e quatro para vinte e cinco annos de tanta lida no ficou a terceira parte da obra conforme o risco e planta que levava, ben1 acabada, e lhe ven1 d'esta n1ancira a faltar n1ais de tres partes, de que se tira a n1agnificencia da grande machina que havia de vir a ser, se de todo se acabasse (como a dispuzera) o sempre louvavel anitno e memoravel devoo do soberano n1onarcha que a etnprehendeu.

    li Isto uma enorme exagerao.

  • CAPITULO III

    De alguns indultos que o dito monarcha o senhor rei D. Manuel impetrou da Santa S~ Apostolica para este mosteiro, quando se andava em sua fundao, e como esta religto se lhe mos-trou agradecida pelo muito que por respeito d 'ella obrava.

    1 5. Antes que se entre na descripo d'esta casa bem se faa aqui memoria d'aquelle grande amor c inclinao que o senhor rei D. Manuel sem-pre teve aos monges da religio de S. Jeronyn1o, por effeito de seus louvaveis costumes e virtudes, con1 que tanto resplandeciatn no tnundo, e en1 que mais se deixa vr este seu grande affecto. Alm de outros n1uitos beneficias que de sua larga mo re-cebemos, de que lhe estamos summamente obriga-dos e de que sempre nos confessamos agradecidos, muito particular o da fundao d'este mosteiro, pois no se contentando s com a magnificencia d'este admiravel templo que emprehendeu com

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    to grande anitno e devoo, quiz tan1 bem enri-quecer de indultos que para elle da Santa S Apostolica conseguiu.

    I 6. Alcanou un1a bulia do papa Leo X, que con1ca: Ex injunto uobis desuper, dada en1 Ronza 6 Idib Martii do anno de I 519 c no setimo de seu pontificado, a qual, com seu sello plun1beo, se con-serva no cartorio d'este n1osteiro, e n'ella concede o pontfice supplica do rei, a este n1osteiro, que todas e quaesquer coisas de qualquer qualidade que sejan1, assin1 de bens n1oveis con1o de raiz, que pelo rei lhes so ao mosteiro doadas, no s tanto as que j lhe so dadas pelo dito rei, con1o tan1ben1 por quaesquer fieis christos se lhe hajan1 assin1 n1esn1o de doar, as applica iu co1~vora ao dito tnosteiro de Belem para sempre et in perpe-tuum.

    I 7. Concede mais na mesma bulia o Summo Pontfice ao n1osteiro de Bel em e ao seu prior, re-ligiosos professos e novios, familiares, servido-res e mais s outras pessoas que n' elle vivem c a seus bens presentes c futuros, todos e quaesquer priviJegios, exetnpes e prerogativas que ao n1os-teiro do Espinheiro e a seu prior, religiosos, fan1i-liares e s n1ais sobreditas pessoas se tem conce-dido geralmente; dos quaes privilegias, exen1pcs e prerogativas possam gosar e possuir no s ad illontnl instar, n1as como se todos e qualquer d'el-lcs fosscn1 principahnente ao n1osteiro de Belem e ao seu prior e religiosos e aos mais sobreditos

    2

  • i1l spccie nonzinatinz, desde que o ~ostciro de De-lem se erigiu, concedidos por auctoridade aposto-lica, pelo teor da qual lhe concede graa de to-dos; o que tudo supplicou o dito rei ao Summo Pontfice lhe concedesse, cotno em effeito lhe con-cedeu pelo singular affecto de devoo que tinha ao mosteiro c monges d'elle, por amor de seus lou-vaveis costumes e exemplar vida que tem.

    1 8. Mais outra bulia plumbca do Summo Pon-tifice Leo X, dada em Roma .3 Non. Decenzbris do anno de 1 S 19 no setimo de seu pontificado, a qual comea: Creditunz nobis supernae providentia 111a-gestatis, concedida a supplica do senhor rei D. Ma-nuel Specialis dono gratiae auctoritate apostolica pelo teor das presentes lettras ao real mosteiro e casa de Santa Maria de Belem, e a todas as mais dos reinos de Portugal e dos Algarves da Ordem de S. Jeronymo, e aos priores e religio.sos (ainda que sejam novios) aos familiares, pessoas e coi-sas e bens das casas e mosteiros, para que pos-san1 gosar e usar livremente todas c quaesqucr coisas, immunidades, exempes, privilegias, fa-vores, indulgencias, graas e indultos espirituaes e temporaes to ordinaria quo apostolica aut alia auctoritate in genere et in specie concessis, et conce-dendis de que gosam, possuem e usam os mostei-ros e casas de Guadalupe e Lupiana e oqtros mais mosteiros e casas da mesma Ordem de S. J ero-nymo que esto situados nos. reinos de Castella e Arago, c das que os priores, os religiosos, as coi-

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    sas e bens d'esses mosteiros e casas de qualquer maneira usam, no s ad eorum instar, mas da mesma maneira que se specijice et uonzinatione que fossem sem alguma penitus differena in mnnibus et per onuzia concedidas largamente ao mosteiro e casa de Belem, e s demais do reino de Portugal e dos Algarves da mesma Ordem de S. Jeronymo.

    1 g. Com tal declarao, que se porm os tacs indultos e privilegies co11cessa et concedeuda s ca-sas de Guadalupe e Lupiana e s n1ais da mesma Ordem dos reinos de Castella e Arago, aos seus priores e monges e as. suas coisas se suspendam e moderem, ou se revoguen1 ou cassem, annullem ou alteretn por respeito de quaesquer coisas que em algum tempo acontecerem, nem por isso se entenda que esto os referidos indultos e privile-gies suspensos, modera~os ou revogados, annulla-dos ou alterados a respeito da casa de Belem c das demais da mesma Ordem dos reinos de Por-tugal e dos Algarves c dos seus priores, monges c mais bens, se de tudo se no fizer expressa c declarada meno. O que tudo assim o sobredito Sumn1o Pontifice com tanta liberalidade e largueza concedeu a instancia do dito rei, por lhe supplicar este soberano monarcha que os monges de S. Je-ronymo d' estes reinos de Portugal, n9 zelo da re-ligio, na pureza de sua vida e no exemplo de seus louvaveis costumes, no eram inferiores, nem menos, que os monges de Hespanha da mesma Ordem, e mereceriam tanto como elles, para se

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    lhe conceder facilmente os mesmos privilegies c indultos que alcanaram e logravam.

    20. Para se saber pois quaes eram os indultos e privilegies que logravam os monges de S. Jero-nymo cn1 Hespanha, se mandaram l dois n1on-gcs de Portugal que se chamava um fr. Jorge de Evora, professo d'estc mosteiro de Bclcm c que ti-nha acabado de ser provincial, c outro fr. Valasco ou Vasco do Sardoal, vigario que era d'este tnesmo mosteiro de Belem e professo do de S. Marcos, sendo ento prior provincial o reverendissimo pa-dre fr. Innocencio, que foi confessor da imperatriz D. Izabel, mulher do imperador Carlos V, os quaes monges foram e andaram na dita diligencia no anno de I S2 I em o nono do pontificado do papa Leo X, de quen1 era a bulia que levavam e que aqui agora se referia, e trouxeran1 muitas authen-ticamente trasladadas e muitos breves de varios indultos e privilegies concedidos aos mosteiros e monges de Hespanha da Ordem de S. J eronymo, para os de Portugal gosarem d'elles tan1bem, con1o a bulia do papa Leo X lhe concede, que esto n'um livro que tem as folhas de pergan1inho e que no cartorio d'este real mosteiro se guarda.

    2 1. Dois annos antes das concesses das tres bulias que n'este capitulo se referem, que todas fo-ram do papa Leo X, e se passaram no anno de 1 5 1 g, no setimo de seu pontificado, alcanaran1, os padres d'esta Orde~n, d'este Summo Pontifice, por supplicao que lhe fizeram o prior provincial

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    e mais monges congregados em capitulo provin-cial, que n'este mosteiro de Santa Maria se cele-brava, que o prior provincial d'esta congregao de Portugal da Ordem de nosso padre S. J ero-nymo fosse d'ahi por deante in perpetuum o prior do 1nosteiro de Belem, e que o principado e do-mnio que o mosteiro de Penha Longa lograva at alli sobre os mais mosteiros da congregao de Portugal, por respeito da antiguidade da casa, fosse totalmente mudado e transferido de todo o ponto para o mosteiro de Belem, en1 que o prior e mon-ges do n1osteiro de Penha Longa tambem expres-samente consentiram; e que todo aquelle que d'alli por deante fosse canonicamente eleito em prior provincial, e sua eleio confirmada, existisse e re-sidisse no n1osteiro de Belen1 como legitimo prior d'elle e cabea de toda a Ordem e provncia, e que o officio do tal priorado assim como tambem os das demais casas da dita Ordem e provncia durasse somente dois annos, e que eleio do prior provincial alm de todos os priores e pro-curadores das casas da Ordetn e provncia, pelos quaes se costumava celebrar, concorressem para ella n1ais quatro n1onges tambem da dita casa de Belcn1, constituidos en1 ordens sacras, e eleitos pe-los outros vogaes da casa de Belen1, e que estes padres assim eleitos smente tivessem voz cada un1 d'elles na eleio do prior provincial, e no

    -em algum outro acto mais do mesmo capitulo, o que tudo assim como se tinha assentado c orde-

  • nado, por causas razoaveis c concernentes honra e decoro da Ordem e bon1 regin1en e direco dos n1onges e casas d' ella, no dito capitulo provincial e de que fez narrativa e supplica pelo dito capi-tulo ao Sun1mo Pontfice Leo X, elle concedeu, approvou e confirmou por uma bulia sua pl~mbea que se guarda no cartorio d' este Inostciro, a qual foi passada sexto deci11w kalen. Augustii do anno de I 5 I 7, e no quinto de seu pontificado, dando-lhe n'ella a tudo inviolavel finneza de per-pet~a estabilidade.

    22. Por esta bulla concedida e alcanada a in-stancia e supplica dos padres d'csta religio, ce-dendo os monges do mosteiro de Penha Longa do direito que tinham em ser o seu_ mosteiro ca-bea da Ordem, por respeito da primazia e anti-guidae d'elle, para qu~ este mosteiro de Belem fosse a cabea da Ordem e se mudasse para elle e transferisse a primazia e principado d' ella, se deixa bem claran1ente conhecer o quanto se mos-travam os monges da dita Ordem e t0da ella obri-gada e agradecida ao grande amor que o ~obredito monarcha o senhor rei D. Manuel cordeai-mente lhes tinha, pois lhes fabricava com tanta grandeza uma to magnifica vivenda como a d'este insigne edificio, que s tem de imperfeito no o poder elle acabar, o que foi por falta de vida e no de seu grande animo e vontade, pois que ainda a muito mais se extendia.

    2 3. E no s pela fundao d' esta casa se n1os-

  • trou esta religio sun1n1amente agradecida e que sen1prc venera com as demonstraes d'esta len1-brana a esse n1ais que grande monarcha, tnas tamben1 pela n1aravilhosa fabrica que nos deixou do n1osteiro de Nossa Senhora da Pena, fundao assim mesn1o sua, e pela reedificao do mosteiro de S. Jeronymo do .i\latto, que mandou outrosiln fazer; sua in1itao, sua n1uito amada consorte a senhora rainha D. Maria, nos mandou tmnbem fundar na ilha das Bcrlengas outro mosteiro, em que habitaran1 por alguns annos, con1 raro exein-plo de vida, os nossos n1onges, at que por alguns inconYenientes grandes que na tal ilha experinlen-tavanl os n1andou a senhora rainha D. Catharina, n1ulher do senhor rei D. Joo III, para o sitio de V alie Ben1feito, onde lhes n1andou fundar o nlos-teiro que ahi ten1os; tan1bem in1itao do senhor rei D. Manuel, respeitando juntan1ente en1 nossos n1onges o raro exen1plo de vida que em toda a parte n1ostravam, lhe fez o bispo do reino dos Al-garves chamado D. Fernando Coutinho, no ten1po do 111esmo rei en1 o anno de 1 Sog, doao de nlui-tas fazendas e herdades para se fundaren1 dois n1osteiros d'esta Orden1 no dito reino dos Algar-ves: u1n de Santo Antonio na serra de 1\lonchique e outro no Cabo de S. Vicente, de que tudo se to-nlou posse com licena do mesmo rei; n1as por se faltar da parte do bispo, depois da dita posse e acccitao, que por parte da religio se fez, a al-guns requisitos precisos e neccssarios que toca-

  • vatn ao bem d' ella, de que se deu conta ao bispo que os quizesse cumprir, como consta dos pa-peis que h a sobre esta ma teria no cartorio d' esta casa, se divertiu o bispo do que tinha at alli fei-to, mas se o podia fazer legitin1amente est ainda por julgar.

    24. No se fala por ora em outros mais bene-ficios do senhor rei D. Manuel e que, sua imi-tao tambem, de outras pessoas mais tem esta religio recebido, porque essa narrao, por ser algarismo de grande conta, se deixa para outro logar, que ser quando se derem as noticias que se acham nos archivos dos mosteiros d'esta Or-dem, porque em todos que estavam j em seu tempo fundados se vem de seus beneficios me-morias que se devem referir; e isto tanto assim que, por se vr esta religio to obrigada a este monarcha to magnanimo, ordenou que em todos os seus mosteiros depois das Laudes e das C01n-pletas do Officio divino, que nos coros se diz, se faam sempre tres con1n1emoraes, uma do mys-terio da Annunciao da Virge1n Maria Senhora Nossa, outra do Archanjo S. Miguel e outra do nosso padre S. Jeronyn1o, por memoria do senhor rei D. Manuel, o que se observa inviolavelmente desde o seu tempo at agora sem falta alguma, nem se faltar, emquanto este tnundo durar, de sempre assim se fazer.

  • CAPITULO IV

    Em que se descreve, e nos mais capitulas que se vo a este se-guindo, o admiravel edificio d 'este real mosteiro de Bel em, com algumas coisas pertencentes a esta materia de que se deve fazer tambem memoria.

    2 5. Direita do nascente ao poente corre a fron-taria e fachada da insigne fabrica do real mosteiro de Bclen1, que faz sua perspectiva para a parte do sul, na distancia do tiro de un1a pedra, da praia do n1ar que lhe fica ben1 defronte, e de permeio a estrada, que passagen1 commun1 de todas aquel-las partes. Contm toda a frontaria, que consta de n1il trezentos e quatorze palmos de con1prin1ento, que apanha to sn1ente a correnteza da egreja e dorn1itorio, de que bem se deixa vr sua notavel grandeza de un1a e outra coisa, sendo todo o ma-terial d'esta obra de cantaria, excellente no s pela parte de fra, n1as tan1bem quasi toda por

  • dentro fabricada cn1 pedra marmorc, que por ser to dura c forte custaria n1uita dcspeza e trabalho sua esculptura e lavor, que o con1 tanta variedade e tanta multido de figuras, folhagens, canaes re-torcidos, enlaados, resaltos, pyramides, e ren1ates com outras n1ais galanterias e invenes de diffe-rentes aspectos e formativas, com tanto primor e traa, e tanta variedade na sua correspondencia, que um nunca acabar para se querer descrever; porm sempre se dir o que por n1ais principal da dita obra se no deve remetter ao silencio.

    26. E j que pela parte de fra se con1ea a narrao d' este edificio, tenha o primeiro logar o magnanimo portico do seu templo, que fica para essa dita parte do sul, por ser para o templo o referido portico sua n1ais commun1 entrada, e que a est patenteando tambem para sua admirao, pois que sem esta, para elle muito mal se pode olhar, que tal a disposio da sua architectura e fabrica, que faz elevar os sentidos de quem n'elle pe os olhos. Sobre um arco que no meio d'este portico e sem segundo se levanta do cho, com bastante largura e altura, est a soberana imagen1 de Santa 1\laria de Bel em, de pedra marn1ore obra-da con1o tudo o mais que ahi se v, com o me-nino Deus em seus braos e com um vaso n'uma mo que serviu de recolher n'elle aquellas dadivas mysteriosas de oiro, mirra e incenso que os santos tres reis magos offereceram ao n1esn1o rei menino recem-nascido cm Belem. De un1a e outra parte,

  • pelos nichos das colun1nas que vo subindo, esto algtunas santas virgens de bon1 tan1anho suas ima-gens, con1o so todas as de1nais que adornam este portico, as quaes santas acon1panham ahi sua so-berana rainha; no remate de cima entre os capi-teis das columnas est a imagem do archanjo S. Miguel, que da egreja catholica seu protector e defensor, e de quem o dito rei fundador d'esta obra era summmnente devoto; abaixo da imagem do archanjo fican1 de u1na e de outra parte roda os quatro doutores principaes da egreja, convm a saber, S. Gregorio papa, S. Jeronymo cardeal, Santo A1nbrosio arcebispo e Santo Agostinho bis-po; pouco abaixo mais se ven1 os quatro prophe-tas maiores, Izaias, Jeremias, Ezequiel e Daniel.

    27. Debaixo do sobredito arco sobre que est a imagem de Nossa Senhora de Belem, como acima fica dito, e onde se frma aquelle vo n1aneira de uin alpendre, co1n bastante largura e altura, como tan1bem j se disse, se levanta um pilar entre u1na e outra porta, que faz a entrada da egreja; sobre elle, na altura que fica por cima d'estas portas, est a figura do infante D. Henri-que, como primeiro fundador da antiga ermida, que se trespassou e mudou para este templo, e a quem deve, no s Portugal, mas tambem Hespa-nha, a luz das navegaes, com que se vieram a descobrir e conquistar tantas terras e provncias, que depois para uma e outra cora se adquiriram e sujeitaram, e assim, por todos estes respeitos,

  • quiz o mais que grande rei D. Manuel se desse me-moria do sobredito infante esta honra, de se lhe pr sua imagen1 em logar to soberano, e no a sua do dito rei, que se pz em outro portico que supposto seja o da porta principal da mesma egreja, no comtudo de tanta fabrica e grandeza que no deixe aquelle de levar a este muito excesso; mostrando d'esta maneira o grande monarcha com soberana politica que mais se devia ao infante que a elle.

    28. De uma e outra parte d'onde a figura do infante D. Henrique se collocou ficam duas ima-gens de nosso padre S. Jeronymo, de meio relevo, ben1 abertas e esculpidas em pedraria, uma em fi-gura de cardeal e outra de penitente adorando a Christo, bem nosso, crucificado, que tan1bem de bom tamanho est en1 pedra sua santa imagen1 admiravelmente esculpida, ficando uma das inla-gens do n1aximo dos doutores sobre cada uma das portas, que do entrada egreja, as quaes ima-gens est o dito venerando como quetn approva e lhe agrada a eleio que se fez da religio do dito tnaximo doutor, para que merecessetn seus filhos a entrada e habitao d'este mosteiro. No remate da pyramide em que vae fenecer esse pi-lar, onde fica a imagem do infante, se descobre so-bre esse mesmo ren1ate uma outra de pequeno vulto do invencissimo martyr S. Sebastio, e lhe fica por cima, no meio da volta do arco, o escudo das armas reaes de Portugal, com a serpente so-bre a cora das armas, para que a proteco de

  • um to grande defensor co1no S. Sebastio tenha Deus sempre livre e sen1 leso a este reino e mos-teiro de qualquer mal e contagio; finahnente se manifesta por uma e outra parte nas ilhargas da circumferencia do arco d'este portico maravilhoso os sagrados doze apostolas, que sendo para prn-cipes do n1undo por validos de Deus to escolhi-dos, se lhes devia tmnben1 o seren1 suas santas imagens, na casa, que de Deus c na terra, to principal, collocadas.

    29. Isto quanto ao _que toca e este portico de admirao, em que se diz por n1aior o que n'elle est obrado, no falando em optras mil coisas mais que ahi se descobrem e se divisan1, por essa variedade to grand_e da n1agnifica esculptura, tanto n'elle como tan1bem nas janellas de vidra-as, que, para darem luz egreja, por essa parte se abriram, uma de maior grandeza que outra, conforme a arte o pedia para o ministerio que te1n, e assim mesn1o tambem na mais obra, que por toda essa correnteza e frontaria da egreja e dorn1itorio se v; sendo todo o comprimento d'este dormitorio em arcos muito bem lavrados e aber-tos, que entre essa machina grande de botareos vo correndo desde o cho at por cima do te-lhado d'este mesmo dormitorio, onde acabm em pyramides, que mais sobem acima nas janellas maiores e do ao corredor do donnitorio clari-dade; por baixo d'estas pyramides se guarnecem as cimalhas das paredes com grande multido de

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    cruzes do habito da Ordem de Christo, que cor-rem em duas ordens lanadas.

    3o. E tudo isto assim se acha na mesma frma da outra parte d'este dormitorio, que fica para a clausura, tirando smente os arcos que vo entre os botareos da parte de fra, porque d'esta parte de dentro, havendo tambem estes como os outros da outra banda, no ha arcos entre elles, como tambem as paredes que ficam da parte de dentro no so con1o as de fra de cantaria, mas sim de alvenaria; finalmente seria um nunca acabar o querer-se referir no s o que se mostra por fra n'este admiravel edificio, mas tambem- o que por dentro se descobre e se v; como assim o mani-festam os dois disticos que o famoso Luci o 18 de Andrade e Resende sobre esta materia compoz, e que em cima do portal das duas columnas que d entrada para a porta principal d'esta egreja, e tam-bem para a portaria principal da clausura d'este mosteiro, esto em pedra gravados, e so da ma-neira seguinte:

    VASTA MOLE SACRVM DIYINA lN LITORE MATRI REX POSVIT REGVM MAXIMVS EMMANVEL

    - AYXIT OPYS HffiRES REGNI, ET PIETATIS VTERQVE STRVCTVRA CERTANT RELIGIONE PARES. 19

    Is Est errado este nome, no s tomando-se, como muitos ou-tros fizeram, o L, que quer dizer Licenciatus, por Lu cio, mas tam-bem pondo o appellido de Andrade em lagar do nome de Andr, de quem so os disticos.

    19 No ha este lettreiro por ter sido demolida a portaria onde existiu, como se v do Capitulo V.

  • CAPrfULO V

    Em que se trata do que se contm e fica rara dentro do portal de vasta mole, que este sobre que esto os versos acima, que, por comearem assim, assim se chama, narrando-se to smentc o que ahi ha para dizer, antes de se entrar na cgreja e casa da portaria.

    3 1. Todo esse vo que fica para dentro d'cste dito portal, e que ten1 bastante comprin1ento e lar-gura, no havia de ser coberto por cima como agora se v, n1as descoberto por servir para a p_orta principal da egreja, e se mostra ser assim, pois o portico d'ella com toda a obra que levava, que era de exccllente esculptura, ia rematar en-tre as duas torres dos sinos, que esto imperfei-tas. Depois da morte de el-rei, para se cobrir este atrio como agora se v, se cortou e desmanchou a portada d'esta abobada, e s ficou o que debaixo d' e lia cabe; digno de lastima que to admiravel

  • portico se desfizesse; isto se tratou para se lanar sobre a abobada a casa que serve de ante-cro, c dar serventia d'elle para o dormitorio e para o coro, abrindo-se ahi duas portas grandes frontei-ras uma outra para este effeito, e por cima do telhado da dita casa uma janell~ de bom tamanho que d claridade ao cro, ainda que foi sempre grande desar o desviar-se esta obra da direco que levava conforme a sua planta, porque sem-pre vem a incorrer censura de irregular; desgraa grande que padecem as obras de tnaior supposi-o que no se acabam~ e applicam depois a dif-ferentes intentos daquelles para que foram talha-das, como se v bem e se conhece no crte que, n'este portico admiravel da porta principal da egreja, se deu para se cobrir de abobada esse vo que lhe servia de arco, e para se fazer por cima a casa do ante-cro, que dessem 20 passagem do dor-mitorio para o cro e d'este para aquelle, quando nen1 o dito cro nem dormitorio se tinham deter-minado, segundo a planta do edificio, para o mi-nisterio que lhes deram, e que tem, pois levava a obra outros intentos e fins, do que aquelles para que havia de servir, como dos signaes e dos indi-cies que o demonstram assim se v, e evidente-mente se colhe, e tambem da tradio dos anti-gos que o confirma.

    3z. Este portico da porta principal d'esta egreja

    2o As portas a que a traz se refere.

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    que est para dentro do portal de vasta mole, ainda que ficou acanhado por se lhe cortar a obra que o levava acin1a entre as torres dos sinos, como se disse, a respeito da abobada que ahi n'este vo se fabricou, de obra to singular, o que d'ella lhe ficou, e de tal esculptura o seu feitio, e tudo em pedra marn1ore con1o a demais obra de todo este edificio, que faz tudo admirar. Por cima da porta no meio d'ella est o mysterio do nascimento de Christo, nosso bem e Senhor, como to pro-prio d'esta casa de Bele1n; da parte direita o mys-terio da sua incarnao, e da parte esquerda o mysterio da adorao que lhe fizeram, quando de pouco nascido, os tres reis magos do Oriente. De uma e outra parte mais abaixo esto de uma, que a da direita, o fundador d'este templo, o senhor rei D. Manuel, em figura de pedra marn1ore de admiravel lavor, posto ahi de joelhos, e nosso padre S. Jeronymo pegando d'elle como que o applica a fazer adorao ao menino Deus nascido no presepio de Belen1; da outra parte, que a da esquerda, est de joelhos a rainha D. Maria, sua segunda mulher, tambem em figura de pedra como a de seu marido, e S. Joo Baptista pegando d'ella como tambem a applica a fazer adorao. Com grande propriedade, para o presente intento, se elegeram os dois to grandes santos, um por pa-triarcha dos monges que aqui entravam a morar, o outro por espelho singular da vida c estado mo-nastico e penitente, em que tanto d doutor l\ia-

    3

  • xin1o com este divino precursor se pareceu. Pela parte inferior d'este portico principal se vem as in1agens dos Apostolas Evangelistas sagrados, de alguns santos, con1o tamben1 de anjos, o que tudo adorna o portico assim como a mms obra que n'elle se v lavrada.

    33. Defronte d'este portico, para a parte do poente, fica uma capella da imagem de Christo crucificado, que se chama do vencimento, e serve de cemiterio para os irmos, que fallecem, da ir-mandade dos Passos, que est sita n'este mos-teiro e que ha muitos annos se conserva com grande devoo; a qual cape lia, que a communi-dade lhe concedeu, mandaram os irn1os fazer, como diz o lettreiro que fica sobre o arco que en-tra para a mesma capella, e assim:

    EsTA CAPELLA MANDARAM FAZER os IRMos DA SANTA CRvz Do SENHOR DOS PAssos n'EsTE REAL CON-VENTO DE BELEM PARA SEV JAZIGO, A QVAL LHES DEV ESTA COMMVNIDADE EM O MEZ DE MAIO DE I67I.21

    34. Dentro d'este vo tambem fica a porta da portaria principal d'este mosteiro para a parte do norte, e fronteira ao portal de vasta 1nole, a qual por remedio se accon1modou tambem aqui, por-

    21 Esta capella foi demolida, desapparecendo por esse motivo o lettreiro.

  • 35

    que havia de ser a portaria principal em outra parte, segundo a planta do edificio, se este se aca-basse conforme a direco que levava. Tem esta portaria de uma e de outra parte janellas de gra-des, e sobre ellas duas figuras que so dos hon1-bros para cima smente e de grandes caras e as-pectos; uma que de Hercules com seu distico por baixo que diz assim:

    HOC LAPIDE ANTE FORES DEPICTA ALCIDIS IMAGO

    REGALIS FIRMVM DENOTAT JEDIS OPUS. 22

    Da outra parte que entra para a portaria se lee1n dois disticos d' esta maneira:

    CillSARIS INCISO PRillSENS lN MARMORE VVLTVS

    INDVAT AVGVSTJE LIMINA FAVSTA DOMVS. 23

    Sobre a porta que entra para a portaria se leem dois disticos d'esta maneira:

    22 Damos a traduco em portuguez d'este lettreiro, que j no existe.

    A IMAGEM DE ALCIDE REPRESENTADA N'ESTA PEDRA DENOTA A GRANDE OBRA DO EDIFICIO REAL.

    23 Tambem no existe; a sua traduco

    VULTO DE CESAR AQUI PRESENTE ESCULPDO NO MARMORE INDICA OS FAUSTOSOS LIMIARES DA AUGUIT A CASA.

  • 36

    EX'TITIT AI.CIOES GENTIS DOMINATOR IBERtE 7 FR.ENA \"IT C

  • CAPITULO VI

    Em que se trata do corpo da egreja at s grades do cruzeiro e do que ahi se contm.

    35. Entrando pela porta principal d'este tem-plo ficam logo entrada duas capellas que esto debaixo do coro; uma, seja esta a primeira de que se fale, do Senhor dos Passos, a qual imagem de to soberano feitio e tal aspecto que move a muita devoo e respeito a quem n'ella pe os olhos, e milagrosa; o adorno d'esta capella e sua fabrica singular e os paran1entos de que se serve em a sua procisso so dos mais singula-res. Tem uma irmandade muito extendida e lus-trosa, de que a senhora infanta primogenita de el-rei D. Joo V, que Deus guarde, protectora, e da irmandade nunca se faz provedor seno pes-soa titular ou cavalheiro illustre; contm tambem

  • 38

    muitas graas de que gosam os irmos d'esta ir-mandade.

    36. O papa Clemente IX concedeu para a dita irmandade jubileu que ganhan1 os que n'ella en-trarem no dia da entrada, con10 tambem os que visitarem o altar do Senhor dos Passos no dia de Santa Cruz, desde as primeiras vesperas at o sol posto do outro dia, co1no no breve que para isto se passou se declara, o qual foi passado en1 Roma a 8 de abril do anno de 1 66g e se guarda no car-torio d'este mosteiro, assim como mais outro bre-ve, tamben1 concedido no mesmo dia e anno pelo mesn1o Summo Ponti~ce, para ter o altar do Se-nhor dos Passos privilegio em o oitavario dos san-tos, en1 a segunda feira de cada semana, dizendo n'clla qualquer sacerdote missa de defunctos pela alma de algun1 irn1o ou irm d'esta irmandade. Finalmente sem duvida esta irmandade, pelo que gosa e de que consta, de grande venerao e respeito entre todas as irmandades porque excede a todas.

    37. E da outra parte d'esta capella est a do milagroso S. Leonardo, 25 aonde concorre grande multido de gente a buscar a proteco d'este santo para suas necessidades; a imagem do qual e mais outras que esto assim mesmo n' este tem-plo, como so a de Nossa Senhora das Estrellas, a de nosso padre S. Jeronyn1o, a de S. Basilio e a

    :t Actualmeme servindo de baptistcrio.

  • 3g

    de S. Bernardo, se diz que vieram da India, que l se mandaram fazer para este templo, assim como outras mais que por chegarem quebradas no serviram.

    38. Sobre estas capellas, que so quadradas de vinte e dois palmos e meio por cada parte cada uma, se formam as duas torres dos sinos que fi-caram, como se disse, por acabar e imperfeitas; e immediatamente pegadas s sobreditas capellas, para a parte de cima da egreja, ficam dois vos arqueados do mesmo tamanho que ellas, da mes-ma proporo, de abobada de pedraria toda mui bem lavrada como as capellas, e da mesma sorte assin1 todo esse vo do meio, que corre entre el-las, desde a porta principal da egreja at os tres arcos que ahi se forn1am, e sobre que as grades de cima do cro e das tribunas se firmam. Sobre este vo do n1eio fica o cro mettido entre as duas tor-res dos sinos e entre as duas tribunas, mas estreito e no conforme ao que devia ser, porm como foi posto aqui por remedio, como se advertiu, se desculpa de que ficasse assim; de boa esculptura o seu lavor e bastante capacidade para ainda n1ais religiosos do que pode esta communidade manter. Conta o seu comprimento at s grades oitenta e oito palmos; no meio das grades est uma devo-ttsstma imagem de Christo 26 crucificado, de n1ui grande estatura, a qual deu para o dito logar o

    26 Hoje no altar da capella baptismal.

  • infante D. Luiz, filho do senhor rei D. !vlanuel. De un1a e de outra parte do cro ficam duas tri-bunas en1 que esto dois orgos 2 grandes, um que de vinte e quatro registos e outro de doze registos e n1ais dois orgos 28 pequenos, junto s grades, que so de seis registos cada um. No se deve passar em silencio a livraria 29 d'este cro, que sem duvida das melhores que se do para este ministerio, no pela lettra s e pelo canto dos livros que tudo singular, mas tambem pelas ad-miraveis illuminuras de que constam os ditos li-vros, que so de grande estimao e todos como

    27 O da direita tem o seguinte lettreiro:

    MANOEL

    MACHADO TEIX.a.

    D 'MJRANDA O FEZ

    E O ACABOU NO

    ANNO DE 1781

    e o Ja esquerda este outro:

    O EX.110 D. F.R DIOGO DE=

    JEZVS JARDIM SENDO

    BISPO DE PERNAMBVCO

    MANDOU FAZER

    ESTE ORGA NO AN= NO DE 1789

    28 No ha noticia do destino que theram. Em seu logar ha ou-tros dois, um mais antigo, de treze registos, hoje inutilisado, man-dado para a1li, da extincta patriarchal da Ajuda, pela rainha D.l\la-ria segunda. O outro muito pequeno c moderno improprio d'este templo, porm o que serve nos officios divinos. Parece que foi para l mandado das obras publicas.

    29 Ignora-se o destino que teve.

  • tradio d' esta casa foram escriptos por monges da mesma Ordem.

    3g. Indo abaixo egreja em que ficmos, tem esta desde a sua porta principal at s grades que a dividem do cruzeiro, em comprido duzentos e vinte e tres palmos e de largo cem palmos e meio, sustentando-se o seu tecto, que quasi todo de esteira e de enlaados de pedraria bem lavrada, em oito admiraveis columnas, que quatro de cada parte fazem a diviso de tres naves, de que consta o corpo d'esta egreja, que contra o que affirma o padre mestre Siguena, em a descripo d'esta casa, que se acha na terceira parte da chronica d'esta Ordem, 80 entendei-o-ia porm assim, sobre que no disputamos. Duas d'estas colun1nas sele-vantam e se formam de entre arco e arco, dos tres que por baixo das grades do cro ficam lanados, com notavel architectura; outras duas n1ais das sobreditas columnas serven1 no s de sustenta-culo ao tecto do corpo da egreja por essa parte, n1as tamben1 pela outra ao tecto do cruzeiro, pela qual razo so de n1aior grossura e fortaleza que as outras seis, que so mais delgadas, de que pro-cede o condemnarem alguns a delicadeza d'ellas, por assentarem no ficar d'essa n1aneira a obra d'este edificio segura; mas o contrario ten1 n1os-t~ado a experiencia de tantos annos, en1 que se ten1 conservado com firmissin1a segurana. O certo

    3o Pag. 84, Cap. xvu.

  • que o architecto d'esta fabrica admiravcl se cha-mava o mestre Boytac, que era francez de nao, como se diz, sendo trazido por um monarcha to grande,-que foi con1o affirmam os escriptores o maior que teve n'aquelles tempos o mundo, te-mido e respeitado em todo elle,- para uma obra to insigne e tanto do seu empenho, no crivei que mandasse buscar e se quizesse assim valer de qualquer n1estrc de architectura, que no fosse o mais insigne n'cssa tal arte, para que no com-mettesse contra ella os defeitos c os erros que o padre mestre Siguena, na descripo d'esta casa, julga por tantas vezes, mas nem por isso deixa de ter esta obra a estimao e agrado dos n1ais peri-tos. Todas estas oito columnas de que van1os aqui falando so de tanta galanteria em seu lavor desde o baixo at ao alto e com tantos nichos roda n'cllas, c imagens de santos de que haviam de ser ornadas,- que faz tudo causar grande gosto em se vr.

    40. Dentro da parede que fica para a parte do norte, e fronteira porta travessa d'cste sumptuoso templo, esto dez confessionarios, 31 alm de dois

    31 Na parte inferior do nicho do quinto confessionario contando da capella-mr ha o seguinte lettreiro:

    DEVS QV.\RITA5 EST SS ET QVI MANET S lN QVARITA

    cuja traduco assim: Deus caridade; e assim aquclle que permanece na cariJad\!.

  • mais, que Ja no servem, na capella do Senhor dos Passos, que vem a fazer doze, e por cima de seus portaes que so admiravelmente lavrados, com nichos, e sobre estes suas cupulas, que vo fenecer em pyramides, aberto tudo e vazado com tanta miudeza de obra que parece se no podia lavrar em pedra mannore toda essa galanteria. Consta cada um dos confessionarios de sua casa bastante e muito bem accommodada, assim para a parte da egreja como tambem para a parte do claustro, ficando entre este 32 e o penitente uma grade de ferro con1 seu raro que ten1 de bronze.

    32 Assim est no mss., mas devia ser-entre o confessor, etc.

  • CAPITULO VII

    Que trata do cruzeiro da egreja e do mais que n'ella se contm.

    41. este cruzeiro de to singular fabrica em a sua architectura que ainda aos mais versados n'ella causa assombro, vendo como em tanto vo de que consta, por respeito de sua n1uita altura, comprimento e largura, possa ficar o seu tecto quasi direito e de esteira e com mui pouco ar-queado e sem ter pilar ou columna alguma no meio em que se podesse suster, que parece no podia estar segura d'esta sorte toda essa grande ma china; to sublime e levantada a altura d'estc cruzeiro que mal se pode chegar l cima com qualquer tiro de mo que c debaixo se lance; tem de comprido, isto , das grades do corpo da egreja at s da capella-mr, oitenta e nove pal-mos, e de largo, isto , das grades de uma e outra

  • capella que lhe fica de uma e outra parte, cento e trinta palmos; o tecto de enlaados de pedraria bem lavrada, que fechan1 todos em diversos es-cudos de bronze, que constam de varias pinturas, como so as armas reaes, as d'esta religio e as insignias dos quatro Evangelistas.

    42. Esto n'este cruzeiro collocados seis alta-res dentro das mestnas paredes, feitos roda seus arcos de n1ui bastante altura e largura, e ricamente lavrados, em que estes se formam de uma e outra parte dos sobreditos altares; o primeiro e que fica da parte do Evangelho junto porta da sacristia de Nossa Senhora de Belem, orago d'este tem-plo e mosteiro, a imagem da qual formosissima e de grande estatura, de vestidos 33 e milagrosa; no a da antiga ermida que aqui estava, ainda que no deixe de existir n'esta casa como sempre existiu e se tem hoje 34 no ante-cro, porque antes esteve sempre em uma capella das duas grandes do crl)zeiro e de menor estatura que a outra imagem de que aqui se fala de Santa Maria de Belem e no como esta de vestidos mas estofada.

    43 .. O segundo altar d'esta parte do Evangelho e junto ao pulpito d'elle do nosso padre S. Je-ronymo, em figura de penitente, com o Senhor crucificado em uma mo, e batendo com a outra

    33 Que os tem bastante ricos. 34 Est em poder da administrao da Casa Pia na capella da

    cerca denominada do Santo Christo, onde tivemos occasio de a vr.

  • nos peitos com uma pedra, que causa grande at-teno e devoo quelles que pem n'ella os olhos e de quen1 disse el-rei Filippe, o Prudente, quando a viu, estas palavras

    }rfiren que nte quiere hablar. Debaixo do nicho d'esta santa imagem, em um

    santuario que ahi est com sua vidraa por fra, est uma reliquia do dito Santo Doutor, que um pedao do casco da sua cabea; roda do nicho esto seis imagens de meios corpos de summos pontifices santos e com reliquias tambem olhando como admirados d' este oraculo e prodigio de dou-trina e santidade que Deus creou no mundo para bem da sua egreja. No alto do retabulo d'este al-tar fica no meio uma cruz 35 com o cal vario, haste e braos de crystal, tudo que ter dois palmos de alto, com o Senhor crucificado n'ella, e nos lados d'este nicho em que fica a dita cruz esto, em ou-tros dois mais que ahi ficam, duas cabeas de san-

    - tas virgens e martyres, uma que de Santa Prisca e outra das onze mil virgens, cada uma das cabe-as guardada em sua custodia de prata sobre doi-rada, de feitio singular e guarnecidas roda de muitas reliquias. Estas duas santas cabeas que esto n'este altar deu para este santo templo a rainha D. Catharina, mulher de el-rei D. Joo III,

    35 Foram inuteis todas as nossa!' investigaes para sabe~ odes-tino que teve esta joia.

  • 47

    a de Santa Prisca lh'a mandou, dita rainha, de Alemanha, sua sobrinha a imperatriz D. 1\1aria, me do cardeal AI berto, que foi depois vi ce-rei d'este reino. Teve esta Santa Prisca n'esta casa uma irmandade que foi com seu compromisso con-firmada por auctoridade do arcebispo de Lisboa, o qual se chamava D. Miguel de Castro, como consta da sua proviso passada na dita cidade a I o de dezembro de I 5 go, que se guarda no car-torio d'este mosteiro, junto com outros papeis que referem o que aqui fica dito d'esta santa cabea de Santa Prisca, como d'elles tambem consta que a dita irmandade se instituiu depois que os ingle-zes entraram em Lisboa no tempo do rei Filippe II, que governava j estes reinos, e se ter provavel-mente que por intercesso da santa no fizeram os taes inglezes mal algum a este mosteiro. E ou-tra santa , cabea de uma das onze mil virgens mandou a rainha D. Catharina para esta casa, e se entregou n'ella por um notario apostolico e ca-pello da rainha, chamado doutor Travassos, con1 um instrumento da dita cabea, de que tudo pas-sou f a 26 de novembro de I 540, o qual instru-mento se guarda no cartorio d'esta casa.

    44 este altar de nosso padre S. Jeronymo privilegiado pro Dejunctis, dizendo n'elle missa al-gum sacerdote d'esta casa, to smente pela alma de algum fiel christo que partir d'este mundo, conseguindo a dita alma, do thesoireiro da egreja, indulgencia at tanto que seja livre das penas do

  • purgatorio, como consta da bulia que se guarda no cartorio d'esta casa do papa Gregorio XIII, pas-sada em Roma Idibus Januarii do anno de I 5 84 no I 3.0 de seu pontificado, a qual comea Onuzium saluti paterna charitati intenti.

    45. No meio d'estes dois altares de Santa Ma-ria de Belem e do nosso padre S. Jeronymo se le-vanta un1a columna de pedraria bem lavrada na altura do vo que se formou para os altares, en1 citna da qual est uma figura doirada do funda-dor d'este templo, o senhor rei D. Manuel. 36

    46. Da outra prte do arco da capclla-mr, que da banda da Epistola, fica logo o altar de nossa madre Santa Paula, com muitas imagens de santas de meio corpo e com reliquias nos peitos e en1 seus nichos as taes imagens roda do da santa matrona Paula; por cin1a d'este est o de Nossa Senhora d' Ajuda em uma cadeirinha assentada, com o menino Deus ao collo e dois anjos aos la-dos; de pequeno vulto esta imagem antiquissima e se diz se achou n'esse mesmo logar em que se erigiu a egreja parochial, com esse mesmo titulo de Nossa Senhora d' Ajuda, e aonde hoje se v a egreja em a qual parochia est este mosteiro c que fra o descobrin1ento d'esta imagern antes de se tomar aos moiros por el-rei D. Affonso Henri-ques a cidade de Lisboa, e assim se tem ser a egreja e freguezia mais antiga que aquella cidade;

    36 Est substituda por uma figura qualquer.

  • 49

    depois de estar j este mosteiro fundado, gover-nando este reino, na menoridade de seu neto el-rei D. Sebastio, a rainha D. Catharina a mandou mudar para elle, ainda que houve pleito sqbre a mudana, se assentou que ficasse n'este ten1plo. Est mais n'este altar de Santa Paula, debaixo de seu mesmo nicho, outro pequeno com sua vidraa por fra, em que se conserva uma pequena in1a-gem do Martyr S. Sebastio, que ter pouco mais de um palmo, e muito n1ilagrosa, de quem se diz que n'este reino extinguira j uma grande peste que n'elle houve; conserva-se no mesmo nicho uma relquia de S. Roque, que un1 dedo do dito santo, encerrada em uma custodia.

    47 O outro altar que se segue d'esta mesma parte da Epstola o de Nossa Senhora das Es-trellas, imagem mais milagrosa e dos muitos mi-lagres que tem feito faz meno o servo de Deus fr. Diogo de Jesus, monge professo d'este mos-teiro, em um livro manuscripto de varias materias e tratados, que se guarda na livraria d'esta casa, e tambem n'elle faz meno de uma devota irman-dade que debaixo da proteco d'esta mesma Se-nhora houve n'esta egreja, pela qual irmandade se alcanou um breve, que no cartorio d'este n1os-teiro se conserva, do papa Innocencio X, dado em Roma a 6 de fevereiro do anno de 1 65 2, em que concede varias gt!aas a esta irmandade.

    48. Entre estes dois altares de Nossa Senhora das Estrellas e o de nossa madre Santa Paula se

    4

  • 5o

    levanta un1a colun1na de pedraria bcn1 lavrada, na altura do vo que se formou para os ditos al-tares, e imitao da outra que fica entre os dois altares da outra parte, sobre a qual est a figura d'el-rei D. Joo III. 37

    49 Voltando para a parte do sul esto mais outros dois altares dentro de arcos de pedraria, mais bem lavrada da 1nesma sorte que os outros dos mais altares d'este cruzeiro, de que vamos agora falando, um de Santa Eustochia, 38 virgem, filha de nossa madre Santa Paula, e que lhe sue-cedeu no governo dos n1osteiros das religiosas d'esta Ordem, e o outro altar do insigne portu-guez Santo Antonio, a qual imagem, dizem, veiu de Italia e differente das mais que se fazem d'este santo, que no se acham com barbas como esta tem. Fica cada um d'estes dois altares em seu lado do arco grande da capella aonde est el-rei D. Sebastio com mais outros corpos reaes sepultado. Defronte d'estes dois altares esto, em correspondencia dos arcos d'elles, outros dois arcos tan1bem do 1nesmo lavor de pedraria e collateraes ao arco grande da outra capella de-fronte, onde est sepultado com mais outros cor-pos reaes o cardeal rei D. Henrique; dentro de cada um d'estes dois arcos, collateraes a esta dita capella, fica ahi sua porta, uma que entra para a sacristia e outra para o claustro principal.

    31 Vid. nota 3-t. 38 Hoje de Nossa Senhora das Dores.

  • CAPITULO VIII

    Que trata da capella-mr d'esta egreja e o que n'ella ha que _ dizer.

    So. Supposto que esta capella-n1r esteja feita con1 grande custo, e Ievantad~ toda roda sobre colun1nas que vo e1n duas ordens, correndo por baixo as que so em 1naior grandeza e menor as de citna, e sendo tudo de excellente pedraria, no , porn1, da mesn1a obra da egreja e do cruzeiro, n1as differente; n1andou-a fazer a rainha D. Ca-tharina, mulher de el-rei D. Joo III. O reveren-dissimo padre mestre Siguena, na descripo que fez d'esta casa, na terceira parte da Chronica da Orden1, 39 diz que esta capella-n1r se fez en1 Jo-gar de outra que j se havia feito, e que por ser

    39 Cap. xvu, pag. 84.

  • pequena se desmanchou para esta se fazer, mas enganou-se n'isto que diz, como em outras coisas mais que escreve d'esta casa, que no se ajustam bem com a direco regular que levava o famoso edificio de todo este mosteiro; seria por mal infor-mado ou por assim lhe parecer por falta de ap-plicao, como devia de v r esta obra; porque, conforme a tradio dos antigos, e como o pede a mesma obra da egreja e do cruzeiro e mais ca-pellas, havia a dita capella-mr de ser com o de-mais edificio proporcionada e condizer uma obra com a outra, e assim d'esta sorte se v que o acer-tado pedia maior grandeza e outra fabrica e feitio, como assim o esto mostrando tambem os mes-mos pulpitos, que no admiravel arco que d en-trada a esta capella, que de to excellente lavor como o so os pulpitos, que se formaram para n'elles se cantarem em a missa as Epistolas e Evangelhos; por estes mesmos respeitos se escul-piram n'elles as imagens de meio relevo que ahi esto, nos do Evangelho as dos quatro Evangelis-tas e nos da Epistola as dos quatro Apostolas que as escreveram, no contando S. Joo, que vae en-tre os Evangelistas; e para serventia e ministe-rio dos pulpitos requeriam uma capella-mr mais larga e mais comprida, que tivesse maior vo, e assim tambem por respeito e atteno ao cro que n'ella se havia de collocar, e que havia ahi e no aonde est, e por remedia se poz.

    5 1. Alm do que mostra-se mais no ser assim

  • 53

    o que o padre Jos 40 Siguena diz, porque ainda na quinta do conde de Santa Cruz, que hoje tambem marquez de Gouveia, se acharam alicer-ces que para a capella-mr se abriram, de que ainda se vem vestigios, e a tradio dos antigos confirma isto mesmo, e porque tambem alm de tudo assim ser necessario para a capacidade de todo o n1inisterio que havia de haver na capella-mr; tambem se haviam de lavrar catacumbas para se collocarem os corpos das pessoas reaes que fallecessem; o certo que no estava a ca-pella-mr ainda feita quando o senhor rei D. Ma-nuel falleceu, e s havia alguns principias, como temos dito, de que se comeava a levantar e fa-bricar na sua obra o edificio, e por no se conti-nuar com ella, e no ficar um to magnifico edifi-cio com o tal defeito de no ter capella-mr, se lhe mandou fazer esta que agora tem, que, sup-posto seja de grande custo e bem obrada, no condiz com a mais obra e muito differente d'ella.

    52. Tem esta capella-n1r, que mandou fazer a rainha D. Catharina, das grades de sua entrada at os degraus que sobem para o altar-mr, que o seu comprimento, cincoenta e nove palmos e meio e de largo trinta e sete. Consta toda ella roda de trinta e duas colun1nas de pedra de Ex-tremoz, sendo as dezeseis debaixo de muito com-

    fo O mss. tem Afanoel em vez de Jos, pois era este o nome do referido escriptor, erro devido a escrever -.\/mzoel por mestre.

  • prin1ento e grossura, e as de cima n1ais delgadas e pequenas; vo correndo de duas en1 duas pelas paredes at o ovado que frma a capella d'on.de fica o altar-mr, porque ahi esto smente por baixo quatro e outt~as tantas por cima sem esta-retn acompanhadas, mas cada uma s por si; co-brem os capiteis de un1as e outras columnas das debaixo e das de cima umas cimalhas que vo roda das paredes de toda esta capella, a qual se fecha em abobada de pedraria azul e vermelha, que se frma em quadrados guarnecidos de pe-dra branca, e doirados seus perfis, o que tudo se vae seguindo assim d' esta maneira na proporo da postura das columnas sobre que se estriba, e toda a obra d' este tecto se levanta com as pare-des juntamente que as acompanham.

    53. Entre as duas colutnnas que esto no meio d'esse rotundo que faz de n1eia laranja em a sua cabeceira a capella-mr fica o sacrario de prata em que o Santissimo Sacratnento se encerra, o qual sacrario prometteu e mandou comear a fa-zer el-rei D. Affonso VI, em aco de graas a Deus pela merc que lhe fez da victoria que lhe deu na batalha de An1eixial depois da restaurao de Evora, porque estando aqui en1 Belem quando lhe trouxeram esta nova entrou fogo n'este tem-plo a dar a Deus graas por ella, cantando a om-n1unidade o Te Deutn laudanzus e fez logo ahi o sobredito monarcha a tal promessa d'este sacra-rio, que mandou se comeasse a fazer, o qual el-

  • 55

    rei D. Pedro II seu irmo, depois que tomou posse d'estes reinos, con1o principe regente d'elles, man-dou tambem continuar na sua obra, at que de todo se acabou; assin1 se deve entender o lettreiro que na porta do sacrario se pz, que diz assim:

    O PRINCEPE D PEDRO QVEDEOS GOARDE DEV ESTE SACRARIO AESTE REAL MOS

    TEIRO DE BELLEM NO ANNO DE 167S.

    Tem o sacrario quinze palmos e meio de am-bito e de alto vinte paln1os, debaixo d'elle se for-mou para dentro un1a casa pequena de abobada lavrada de pedraria, que est servindo ao sacrario de base e fundan1ento, e d claridade a ella no s a entrada de um arco pequeno que tetn, mas tam-bem uma fresta com sua vidraa_ que fica no fim da casa em que esto tres caixes que a tomam toda e n'elles depositados os corpos de el-rei D. Affonso VI, que est no meio, e sua n1o direita o do principe D. Theodosio, seu irmo, e n1o esquerda o da infanta D. Joanna, sua irn1.

    S4. Entre duas colun1nas de um e de outro lado d'este sacrario fican1 dois quadros grandes de ado-rao dos reis n1agos, que so de pintura antiga, fazendo suas offertas ao menino Deus nascido en1 Belem, e antes de se pr ahi o sacrario estava n'esse mesmo logar outro quadro como estes, que continha uma pintura de Nossa Senhora assen-taa com seu sagrado filho nos braos e a do

  • Sli

    santo rei mais velho adorando de joelhos, e sup-posto se tirasse o quadro para se pr em seu lo-gar o sacrario, sempre ficou na porta d' este, es-tampado de 1neio relevo en1 prata, o mysterio da adorao d' estes santos tres reis. Sobre o sacrario e os dois quadros que lhe ficam aos lados esto entre as columnas de -cima mais tres quadros tam-ben1 guarnecidos, con1o os debaixo, de molduras de pedrarias mais finas; no do meio est descido da cruz o corpo de Nosso Divino Redemptor, lan-ado sobre um lenol, deante de sua dolorosissima me; de uma parte est outro quadro e1n que se v o n1esmo Reden1ptor com a sua cruz s cos-tas, e da outra parte outro quadro com o Senhor atado columna em que foi por nosso amor aoi-tado.

    55. Toda a obra d'esta capella de pedraria mui fina, que se est n'ella vendo qualquer pes-soa como se fosse en1 un1 espelho, mas toda- de obra liza, de que se deixa ben1_ vr o quanto uma da outra differe, e con1 tanta differena de vanta-getn que vendo o grande rei das Hespanhas, Fi-lippe o Prudente, a obra d'este edificio, que na vida de seu fundador se tinha n'elle lavrado, e que deixou depois de sua morte j feita, chegou com verdade a romper n'estas palavras: Nada se lza lzeclzo en e/ Escurial! E assim , porque ao ani-mo generoso do monarcha, que en1prehendeu com tanto zelo esta obra maravilhosa, correspondia o architecto e 111~stre d'ella com toda a satisfao e

  • desempenho, por ser na arte de architectura to insigne que por tal foi trazido para mestre de fa-brica 41 como esta, de tanto empenho; e tanto se fiava este perito architecto na sciencia grande que tinha d'esta materia, que reprehendendo-o o dito monarcha, a quem servia n' este edificio, por faltar em certa occasio atteno para com um grande d'este reino, o que seria por descuido ou pelo no conhecer; e como o dito senhor instasse na repre-henso que lhe dava, lhe respondeu o mestre Boy-tac, que assim se appellidava Senhor, V. A. em os seus reinos pode ja1._er quantos grandes qui1._er, mas no a um mestre Boytac porque isso s Deus ojar_.

    56. No pavimento d'esta capella-mr, em logar mais levantado, se formam entre duas e duas co-lumnas das grandes que ficam da parte debaixcr quatro famosos mausoleos de pedraria branca, vermelha e azul, que esto sobre dois elephantes de pedra azul, cada um lavrado tudo mui bem de obra liza. ~o primeiro n1ausoleo que fica da parte do Evangelho est o corpo do grande monarcha o senhor rei D. Manuel, fundador d'este insigne templo e n1osteiro, com seus epitaphios em dois disticos, que so, como os mais lettreiros que es-to na sepultura d'esta capella-mr, do famoso Lu cio 42 Andr de Resende e dizem assin1:

    41 Mestre Boytac j estava em Portugal annos antes de se co-mear este edificio.

    u Vid. nota 18.

  • I.ITORE AB OBCIDVO QVI PRIMI AD LVMINA SOLIS EXTENDIT CVLTVM NOTITIAMQVE DEI

    TOT REGES DO~HTI CVI SVBMISERE TIARAS

    CONDITVR HOC TVMVLO MAXIMYS EMMANVEL 43

    S7. E1n outro tumulo abaixo d'cste e da n1esma parte do Evangelho est o da rainha D. Maria) sua segunda n1ulher, com seu lettreiro, que diz:

    MARIA FERNANDI CATHOLICI CASTPREGISF

    D. EMMANVELIS L VSIT REGIS P F INVICTI CONIVX

    MIRA lN DEVM PIETATE INSIGNIS AC BENE DE

    REPVB SEM PER MERIT A H S E 44

    58. Da outra parte da E pistola, no prin1eiro Io-ga r, est um mausoleo d'el-rci D. Joo o III com os disticos seguintes:

    PACE DOMI BELLOQVE FORIS MODERAMINE MIRO A VXIT I OANNES TERCIVS IMPERIVM

    DIVINA EXCOLVIT REGNO IMPORTAVIT ATHENAS

    HEIC TANDEM SITVS ESTREXPATRIAEQVE PARENS 45

    ~3 AQUELLE lJ.uE DA PRAIA OCCIDENTAL AT ONDE NASCE O SOL ALARGOU O CULTO E O CONHECIMENTO DE DEUS

    A QUEM TANTOS REIS SUBJUGADOS SUBMETTERAM .o\S COROAS JAZ N'ESTE TUMULO MANUEL O GRANDE

    44 MARIA FILHA DE FERNANDO O CATHOLICO REI DE CASTELLA

    MULHER DE D. MANUEL REI DA LUSiTANIA (PORTUGAL) P. F.INVICTO INSIGNE NA ADMIRAVEL PIEDA[E PAUA C(.M DEUS E SEMPRE BENEMERITA DO ESTADO, AQUI ESTA SEPULTADA.

    45 ADMIRAVEL NA PAZ DO REINO E NA GUERRA DO EXTRANGEIRO JOO III AUGMENTOU O IMPERIO CULTIVOU O REYNO IMPORTANDO AS SCIENCIAS DE AIHENAS

    AQUI FINALMENTE JAZ REI E PAE DA PATRIA.

  • 5g

    5g. Em outro tumulo abaixo d'este e da mesma parte est o da rainha D. Catharina, mulher d'el-rei D. Joo III, com seu lettreiro; que diz:

    CA THARINA PHILIPPI I CASTEL REG IS F IOANNIS III L V

    SITAN REGIS P F INVICTI CONIVX MAGNI ANIMI PI

    ETA TIS EXIMIAE PRVDENTIAE SINGVLARIS ET lN

    COMPARABILIS EXEMPI I REGINA H S E 4oli

    4GcATHARINA FILHA llE FILIPPE I REI DE C;\STELLA

    .MULHER DE JOO lll REI DA LUSITANL\ (POHTUGAL) P. F. INVICTO RAINHA DE GRANDE ANIMO EXIMIA NA l'IEDADE SINGULAR NA

    PRUDENCIA E EXEMPLO INCOMPAR.\VEL AQUI EST SEPULTAOA.

  • CAPITULO IX

    Em que ~e descrevem as duas capellas grandes que ficam de uma e outra parte na largura do cruzeiro e do que n'ellas ha.

    6o. As capellas grandes do cruzeiro da egreja, assim a da parte do Evangelho como a outra de-fronte que fica da parte da Epistola, so do mesmo tamanho e de quarenta e seis palmos de comprido e trinta e sete de largo cada uma, e os arcos que lhes do, a uma e outra, entrada, so da mesma altura e largura e com a mesma variedade de la-vor que a do arco da ca pella-mr, e os tectos d' estas capellas so tambem com os mesmos en-laados de pedraria lavrada, que os da egreja e cruzeiro, de que consta certamente que ainda an-tes da morte d'el-rei D. Manuel se acabaram tam-bem. Contm cada capella d'estas dentro de si nove arcos de pedraria, tr~s em cada parte, e com

  • 61

    bastante vo para dentro das paredes cada um, e com seus embutidos de differentes castas de pe-dra, que no smente nos ditos arcos, mas tam-bem em muita da obra que vae por cima das ci-malhas d'elles correndo, se deixam vr d'estes ar-cos, que com seus concavos se formam nas pare-des das capellas, uns servem para altares e outros para sepulturas, desproporo grande que se ex-tranha! Entende-se que ao principio se fizeram para servirem, no de sepulturas, mas de altares, principalmente os tres que esto nas cabeceiras d'estas capellas e fronteiros aos arcos grandes que do a ellas entrada, o que sem duvida, porque sempre serviram de altares.

    61. Depois que se trasladaram do meio d'estas capellas os corpos do cardeal rei e d'el-rei D. Se-bastio, onde estavam at ento sobre eas, os puzeram cada um d'elles no logar onde esta_va o altar mais principal e levantado de cada uma das capellas, que era como d' ellas o altar-n1r, o que se fez d' essa maneira por eleio e escolha do ca-

    - pello-mr, arcebispo de Lisboa, D. Luiz de Sousa, que depois foi cardeal, a quem ento se commetteu a diligencia de eleger sitio n' este templo para esta trasladao, e escolheu o dos altares que temos dito e se tiraram as santas imagens que n'elles es-tavam, para se fazerem os mausoleos, havendo n'estc templo tantos legares capacissimos, onde se podiam pr com magestade, sem se bulir nos al-tares que serviam de mais superior ministerio.

  • lJ2

    62. Na capclla, d'estas duas, que fica da parte do vangelho, na parte superior c levantada, onde estava o altar tnais principal, como se disse, se fa-bricou o mausoleo maneira e na mesma frma dos que esto na capella-mr, para n'elles se coi-locar o corpo do rei cardeal, que quando ahi se collocou estava todo inteiro e organizado sem lhe faltar parte alguma do corpo, que sobre a arma-o de todo estava con1 a pelle scca, c vestido com as roupas de cardeal, de que testemunha de vista quem escreveu este papel, que o viu bem devagar por tnuitas vezes, e o dizer-se que um brao seu e a cabea est no collegio de Evora da Companhia de Jesus, de que foi fundador, bem pode ser, mas ser por figura de rhetorica, toman-do-se pelo cffcito a causa, pois no consta que ti-vesse mais de dois braos e uma cabea s, que da n1aneira que c se viu estar o seu corpo em Belem diz o epitaphio, que se lhe pz n'este novo mausoleo, que en1 dois dsticos se fez, e se diz que pelo excellentissimo marquez d' Alegrete, Manuel Telles da Silva, esto d'esta tnaneira:

    H1c IACET HENRicvs GEMINO DIADEl\IATE CLARvs,

    Qvon PATRIO ScEPTRO, PVRPVRA IVNCTA FviT CoNDITVR, ET REGNVl\I PARITER cvl\1 REGE SEPYLTVM,

    V T FORET IMPER Y 7 VIT AQ, MORSQ SVI 4; 47 AQUI JAZ HENRIQUE ILLUSTRE POR DUAS COROAS

    PORQUE A PURl'URA SE REUNIU AO SCEPTRO PATRIO EST SEPULTADO E EGUALMENTE O REINO SEPULTADO COM O 1\.EI COMO SE FOSSE TANTO A VIDA COMO A MORTE DE SEU REINO.

  • ()3

    63. Em os lados d'este n1ausoleo ficmn dois al-tares con1 seus retabulos doirados, e lhes servem de frontaes a cada um duas lan1inas de pedra, com passos da vida de nosso padre S. J eronymo, to superiormente esculpidos 48 que por juizo dos que melhor o entendem devimn de estar engastados dos mais superiores metaes, e o mesmo tambem se julga de outras duas laminas 49 mais, que ficmn em os outros dois altares, que esto defronte d'es-tes, em outra capella, de um e de outro lado do n1ausoleo d'el-rei D. Sebastio que ahi jaz. D'estes dois altares, de que vamos agora falando, que fi-cam n'esta capella onde est o cardeal rei sepul-tado aos lados d' esta sua sepultura, un1 de Santo Euzebio, discipulo de nosso padre S. J eronymo e o que depois da sua morte lhe succedeu no mos-teiro de Santa Maria deBelem e nos mais da Pa-lestina, onde teve esta religio seu principio, e o outro altar da outra parte d'esta sobredita sepul-tura o Santo Apostolo das lndias Orientaes, S. Francisco Xavier, de que ha tradio n'esta casa, que antes de embarcar para essa sagrada tnisso prgara n este tetnplo de Belen1 no mesmo pulpito portatil que ahi havia de madeira e csculptura, e que sempre ahi serviu para esse n1inisterio das prgaes, at que a serenissin1a rainha da Gran-Bretanha, D. Catharina, irm d'el-rei D. Pedro II, o

    48 So obra do esculptor francez Nicolau, o mesmo que traba-lhou no convento da Pena em Cintra.

    49 Vid. nota antecedente.

  • mandou ir, por devoo que tinha ao dito santo, para a sua capella da Bemposta, aonde est.

    64. Em um sacrario que est por baixo da ima-gem do dito santo Xavier, que est n'este altar de que falamos, se guarda uma relquia sua, que de uma parte de seu figado, a qual alcanou dos pa-dres da Companhia, para esta casa, Joo Rabello do Campo, pessoa que foi conhecida na crte; onde assistia, e mandou fazer tambem o retabulo para o altar do mesn1o santo, que como aqui es-teve n' esta casa antes de partir para a sua misso da India, onde fez tanto fructo com a prgao do sagrado Evangelho e com sua vida apostolica e pela grande devoo que tinha a Nossa Senhora, a quem esta casa dedicada e tambem a nosso padre S. Jeronymo, que n'ella assistem, e da dita casa se partir para to men1oravel empresa, era bem que no faltasse n'ella sua memoria continua, como prenda de tanta venerao e agrado, como a que logra e a que possue