do mito À tragÉdia: agamÊmnon entre grÉcia e roma · especial interés en transmitirnos la...

106
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES DEPARTAMENTO DE LITERATURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO DO MITO À TRAGÉDIA: AGAMÊMNON ENTRE GRÉCIA E ROMA Fortaleza 2013

Upload: others

Post on 12-Aug-2021

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARAacuteCENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE LITERATURAPROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LETRAS

PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO

DO MITO Agrave TRAGEacuteDIA AGAMEcircMNON ENTRE GREacuteCIA E ROMA

Fortaleza 2013

PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO

DO MITO Agrave TRAGEacuteDIA AGAMEcircMNON ENTRE GREacuteCIA E ROMA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras da Universidade Federal do Cearaacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Letras com concentraccedilatildeo na aacuterea de Literatura Comparada

Orientador Prof Dr Orlando Luiz de Arauacutejo

Fortaleza 2013

PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO

DO MITO Agrave TRAGEacuteDIA AGAMEcircMNON ENTRE GREacuteCIA E ROMA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras da Universidade Federal do Cearaacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Letras com concentraccedilatildeo na aacuterea de Literatura Comparada

Aprovada em ____________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

Prof Dr Orlando Luiz de Arauacutejo (orientador)

Universidade Federal do Cearaacute

________________________________________

Prof Dr Joseacute Eduardo dos Santos Lohner

Universidade de Satildeo Paulo

_________________________________________

Profordf Dra Ana Maria Ceacutesar Pompeu

Universidade Federal do Cearaacute

Para a minha famiacutelia e

para o NUCLAS da UFC

AGRADECIMENTOS

A Deus pela sabedoria pela forccedila pela determinaccedilatildeo para conduzir a minha pesquisa e pela

minha sauacutede e paz nesses anos do mestrado

Aos meus pais pelo eterno amor pelo apoio agrave minha vida acadecircmica e por sempre

acreditarem no meu sucesso

Ao meu marido pelo companheirismo por compreender as minhas ausecircncias durante a

escritura da dissertaccedilatildeo e por sempre me apoiar na vida profissional

Agrave minha irmatilde que mesmo morando longe pelo apoio e pela ajuda nessa caminhada da vida

profissional

Aos meus tios tias primos e primas por acreditarem no meu sucesso

Aos meus amigos e amigas pelo companherismo por acreditarem no meu sucesso e por

compreenderem as minhas ausecircncias em alguns momentos

Ao professor Orlando Luiz de Araacuteujo pela orientaccedilatildeo atenta e paciente pelos livros

emprestados pelas preciosas sugestotildees e criacuteticas no desenvolvimento dessa pesquisa e pela

amizade

Agrave professora Ana Maria Ceacutesar Pompeu da UFC pelas preciosas criacuteticas e sugestotildees durante

a qualificaccedilatildeo e pela amizade

Ao professor Francisco Edi de Oliveira Sousa da UFC por ter me incentivado desde a

graduaccedilatildeo ao estudo do Latim por ter me enviado alguns livros e pela amizade

Ao professor Roberto Arruda de Oliveira da UFC pelas criacuteticas e sugestotildees durante a

qualificaccedilatildeo

Ao professor Joseacute Eduardo dos Santos Lohner da USP por aceitar o convite para participar

da banca de defesa dessa dissertaccedilatildeo e por contribuir para o enriquecimento dessa pesquisa

Agrave UECE por consentir o meu afastamento das atividades acadecircmicas para cursar o

mestrado e por financiar os meus estudos

Ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Letras da UFC pela oportunidade de cursar o mestrado

na aacuterea de Literatura Claacutessica

RESUMO

Na Greacutecia Antiga mitos como o de Agamecircmnon eram narrados em meios sociais e

adaptados ao momento no qual eram apresentados possibilitando assim vaacuterias versotildees de uma

mesma narrativa Acerca do mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos restaram alguns textos

escritos como na poesia eacutepica Iliacuteada e Odisseia de Homero no poema liacuterico Piacutetica XI de Piacutendaro

nas trageacutedias Oresteia de Eacutesquilo no Aacutejax e na Electra de Soacutefocles na Heacutecuba Troianas

Androcircmaca Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides nos poemas

Cantos Ciacuteprios e Retornos do ciclo troiano e em outras narrativas como a Biblioteca Mitoloacutegica de

Apolodoro e a Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias Jaacute na literatura latina encontram-se referecircncias

ao mito de Agamecircmnon no Egisto de Liacutevio Andronico na Clitemnestra de Aacutecio na Eneida de

Virgiacutelio nos poemas A arte de Amar e Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon

Troianas e Tiestes de Secircneca Nessa pesquisa mostrar-se-aacute como as obras mencionadas recontam o

mito de Agamecircmnon e como Eacutesquilo e Secircneca ao escreverem as suas trageacutedias ambas intituladas

Agamecircmnon apoderam-se dessa tradiccedilatildeo literaacuteria Analisar-se-aacute as partes do mito que foram

colhidas dessa tradiccedilatildeo pelos tragedioacutegrafos e se tentaraacute mostrar algumas particularidades dos

tragedioacutegrafos influenciados por um contexto social ao recontar esse mito na tentativa de

apresentar uma comparaccedilatildeo entre os textos quanto ao processo de recriaccedilatildeo miacutetica feito por Eacutesquilo

e Secircneca

Palavras-chave Mito Agamecircmnon Trageacutedia Eacutesquilo Secircneca

ABSTRACT

In Ancient Greece myths as Agamemnonrsquos were told in social environment and adapted at

the moment they were presented enabling many versions of the same story About the

Agamemnonrsquos myth called the Greekrsquos boss they were left some of the written texts as in the epic

poetry Homers Iliad and Odyssey in the lyric poetry Pindars Pythian XI in the tragedies

Aeschylus Orestia Sophocles Ajax and Electra Euripedes Hecuba The Trojan Women

Adromache Electra Iphigenia in Tauris Orestes and Iphigenia at Aulis in the poems The Cypria

and The returns from the Trojan Cycle and in other stories as the Apollodorus Bibliotheca and

Pausanias Description of Greece In the Latin literature we can find references to Agamemnonrsquos

myths in Livius Andronicus Aegisthus Accius Clytemnestra Virgils The Aeneid Ovids The

Metamorphoses and The Art of Love Senecas Troades Agamemnon and Thyestes In this research it

will be shown how the mentioned stories retell Agamemnonrsquos myths and how Aeschylus and

Seneca when they wrote their tragedies both called Agamemnon took possession of this literary

tradition It will be analyzed the parts from the myth which were gathered from this tradition from

the tragedians and it will try to show some of particularities from the tragedians influenced by a

social context when they retold this myth in a attempt to present a comparative between the texts as

the process of the mythical recreation made by Aeschylus and Seneca

Keywords Myth Agamemnon Tragedy Aeschylus Seneca

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo hellip 8

2 Capiacutetulo I Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeohellip 11

3 Capiacutetulo II Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo 36

31 A tradiccedilatildeo eacutepica hellip 36

32 A tradiccedilatildeo liacuterica hellip 44

33 A tradiccedilatildeo traacutegica hellip 47

34 A recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon hellip 54

4 Capiacutetulo III Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeo 66

41 A tradiccedilatildeo literaacuteria grega hellip 66

42 A tradiccedilatildeo literaacuteria romana hellip 75

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon 85

5 Conclusatildeo helliphellip 100

Referecircncias hellip 102

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem como objetivo de estudo as duas trageacutedias da tradiccedilatildeo greco-romana

intituladas Agamecircmnon uma de Eacutesquilo e a outra de Secircneca no que diz respeito agrave recepccedilatildeo feita

pelos tragedioacutegrafos em suas respectivas obras

O mito de Agamecircmnon assim como os outros mitos gregos foi transmitido a princiacutepio por

meio da oralidade e depois a partir dos textos literaacuterios Agamecircmnon ficou conhecido na tradiccedilatildeo

ocidental por ter liderado as tropas gregas rumo agrave guerra de Troia por ter sacrificado a filha Ifigecircnia

em honra agrave deusa Aacutertemis e por ter morrido assassinado por sua esposa Clitemnestra As partes do

mito de Agamecircmnon aparecem em diversos textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana Neste

estudo optou-se por analisar como a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e a homocircnima de Secircneca

recontam a morte do rei pois cada um desses tragedioacutegrafos faz uma leitura do mito do rei de

Argos

Cuando un autor tragico reelabora em su drama un tema mitico tampouco tiene especial intereacutes en transmitirnos la versioacuten completa y canoacutenica sino que centra su representacioacuten em algunos puntos que en su reflexioacuten le parecen los maacutes sugestivos y convenientes1 (GUAL 2006 p67)

Na tradiccedilatildeo grega Eacutesquilo escolheu recriar o mito de Agamecircmnon na sua peccedila

considerando a sua audiecircncia e os acontecimentos em Atenas Essa trageacutedia foi encenada em 458

aC e repensa juntamente com as Coeacuteforas e as Eumecircnides por exemplo questotildees sobre a justiccedila

ateniense Mas essa versatildeo traacutegica do mito natildeo somente mostra os aspectos da sociedade ateniense

mas tambeacutem se apoia na tradiccedilatildeo literaacuteria anterior acerca do mito

E na tradiccedilatildeo romana Secircneca tambeacutem recepcionou os textos de seus antecessores ao

escrever a sua versatildeo do mito de Agamecircmnon A trageacutedia senequiana revela as influecircncias gregas e

romanas recebidas atraveacutes de leituras feitas pelo tragedioacutegrafo E ainda o mito eacute recontado sob uma

perspectiva imperialista e com uma linguagem mais acurada sob influecircncia da retoacuterica poreacutem

artificial

Considerando os aspectos de reescritura do mito de Agamecircmnon pelos tragedioacutegrafos e a

semelhanccedila entre os tiacutetulos das peccedilas visa-se mostrar quais textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e da

romana serviram de modelo aos autores para a composiccedilatildeo das suas respectivas trageacutedias Este

1 Quando um autor traacutegico reelabora em seu drama um tema miacutetico natildeo estaacute particularmente interessado em nos transmitir a sua versatildeo completa e canocircnica mas centra a sua representaccedilatildeo em alguns pontos que na sua reflexatildeo lhe parecem mais sugestivos e convenientes

9

estudo apresenta trecircs capiacutetulos que relatam o desenvolvimento da recepccedilatildeo desde os poemas

homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca

O primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo se inicia com um

estudo acerca da oralidade da escrita e das contribuiccedilotildees que esses elementos concederam aos

primeiros poemas da tradiccedilatildeo grega Os poemas homeacutericos satildeo considerados os primeiros textos

poeacuteticos gregos que recontam os mitos gregos por meio da transmissatildeo oral Por isso o processo de

criaccedilatildeo desses poemas eacute mostrado atraveacutes dos estudos teoacutericos de Milman Parry Albert Lord e

Gregory Nagy Logo apoacutes os poemas homeacutericos Hesiacuteodo apresenta diferenccedilas no processo criativo

de sua poesia E com a revoluccedilatildeo provocada pela escrita na Greacutecia as trageacutedias do seacutec V jaacute

vislumbram uma composiccedilatildeo mais elaborada mas ainda sob influecircncia da oralidade

A trageacutedia grega tem como principais representantes Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides Eles

tiveram as suas peccedilas encenadas em Atenas nos festivais dionisiacuteacos e por meio da representaccedilatildeo

recontavam os mitos gregos Dentre as trageacutedias gregas que restaram tem-se uma uacutenica trilogia

Oresteia de Eacutesquilo da qual faz parte a peccedila Agamecircmnon Em Roma as primeiras manifestaccedilotildees

teatrais aconteceram em festivais luacutedicos O teatro traacutegico romano tem a participaccedilatildeo de Liacutevio

Andronico Neacutevio Ecircnio Pacuacutevio e Aacutecio poreacutem desses soacute restaram alguns fragmentos E apoacutes esse

periacuteodo soacute restaram na iacutentegra os textos completos das trageacutedias de Secircneca

O segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo divide-se em

quatro partes a tradiccedilatildeo eacutepica a tradiccedilatildeo liacuterica a tradiccedilatildeo traacutegica e a recepccedilatildeo de Eacutesquilo em

Agamecircmnon A tradiccedilatildeo eacutepica relata como o mito de Agamecircmnon eacute contado nos poemas homeacutericos

Iliacuteada e Odisseia e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos A tradiccedilatildeo liacuterica

apresenta o mito de Agamecircmnon no poema Oresteia de Estesiacutecoro e no epiniacutecio Piacutetica XI de

Piacutendaro A tradiccedilatildeo traacutegica mostra o mito de Agamecircmnon na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e nas

outras duas peccedilas da trilogia Coeacuteforas e Eumecircnides E na recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon

tenta-se mostrar quais das influecircncias literaacuterias apresentadas sobreviveram no texto de Eacutesquilo

Nesses poemas Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos e como um homem assassinado pela

esposa

O terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana e recepccedilatildeordquo

divide-se em trecircs partes a tradiccedilatildeo literaacuteria grega a tradiccedilatildeo literaacuteria romana e a recepccedilatildeo de

Secircneca em Agamecircmnon A tradiccedilatildeo literaacuteria grega mostra o mito de Agamecircmnon nas trageacutedias

Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e

Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e nas narrativas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo

da Greacutecia de Pausacircnias A tradiccedilatildeo romana apresenta o mito de Agamecircmnon nos seguintes textos

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

10

Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de Secircneca E na recepccedilatildeo

de Secircneca em Agamecircmnon busca-se mostrar quais as influecircncias sofridas por Secircneca ao compor a

sua trageacutedia priorizando os resquiacutecios da tradiccedilatildeo literaacuteria romana sobreviventes na peccedila

11

2 CAPIacuteTULO 1 Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeo

O objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar inicialmente informaccedilotildees acerca da oralidade e da

escrita alfabeacutetica na Greacutecia antiga e quais contribuiccedilotildees esses elementos exerceram na poesia grega

do periacuteodo arcaico em especial na trageacutedia do seacuteculo V aC Depois seratildeo apresentadas

consideraccedilotildees acerca do teatro romano

A sociedade grega antiga ficou conhecida como uma sociedade culturalmente avanccedilada

principalmente por causa do advento da escrita alfabeacutetica Embora bem antes jaacute houvesse uma

escrita silaacutebica a conhecida Linear B essa natildeo resistiu ao tempo e provavelmente por falta de uso

desapareceu juntamente com a civilizaccedilatildeo micecircnica (c 1500-1100 aC) Seacuteculos depois a escrita

alfabeacutetica espalhou-se gradualmente pela Greacutecia Ateacute entatildeo a sociedade grega era de natureza

predominantemente oral as notiacutecias os textos poeacuteticos as leis a tradiccedilatildeo tudo era transmitido boca

a boca como afirma Gual (2006 p 35-36)

Las instituciones se apoyan en los mitos se recurre a ellos para tomar decisiones se interpretan los hechos de acuerdo con ellos Los maacutes viejos se los cuentan a los maacutes joacutevenes y eacutestos se inician en los saberes tradicionales de su pueblo mediante los grandes relatos de los dioses y los heacuteroes fundadores Las nodrizas les cuentan a los nintildeos los fascinantes sucesos de un tiempo lejano y divino Los abuelos y las abuelas recuentan a los pequentildeos lo que a ellos les contaron tiempo atraacutes sus proprios abuelos Y en las fiestas comunitarias se reitera a traveacutes de rituales mimeacuteticos y de narraciones escogidas las palabras de los mitos2

E como exemplo dessa tradiccedilatildeo de transmissatildeo oral tem-se o canto VII da Odisseia (v62-

95) de Homero quando Alciacutenoo rei dos feaacutecios em seu palaacutecio prepara um banquete e para essa

comemoraccedilatildeo eacute levado um cantor que ao cantar os feitos de Troia emociona Odisseu

κῆρυξ δ ἐγγύθεν ἦλθεν ἄγων ἐρίηρον ἀοιδόντὸν περὶ Μοῦσ ἐφίλησε δίδου δ ἀγαθόν τε κακόν τεὀφθαλμῶν μὲν ἄμερσε δίδου δ ἡδεῖαν ἀοιδήν (Hom Od v62-64)[hellip]αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντοΜοῦσ ἄρ ἀοιδὸν ἀνῆκεν ἀειδέμεναι κλέα ἀνδρῶνοἴμης τῆς τότ ἄρα κλέος οὐρανὸν εὐρὺν ἵκανενεῖκος Ὀδυσσῆος καὶ Πηλεΐδεω Ἀχιλῆος (Hom Od VIII v72-75)[hellip]ταῦτ ἄρ ἀοιδὸς ἄειδε περικλυτός αὐτὰρ Ὀδυσσεὺς

2 As instituiccedilotildees se apoiam nos mitos recorrem a eles para tomar decisotildees interpretam os feitos de acordo com eles Os mais velhos os contam aos mais jovens e estes se iniciam nos conhecimentos tradicionais de seu povo mediante os grandes relatos dos deuses e dos heroacuteis fundadores As nutrizes contam agraves crianccedilas os feitos fascinantes de um tempo distante e divino Os avocircs e as avoacutes recontam aos pequenos o que a eles contaram tempos atraacutes seus proacuteprios avoacutes E nas festas comunitaacuterias se reitera atraveacutes dos rituais mimeacuteticos e das narraccedilotildees escolhidas as palavras dos mitos

12

πορφύρεον μέγα φᾶρος ἑλὼν χερσὶ στιβαρῇσικὰκ κεφαλῆς εἴρυσσε κάλυψε δὲ καλὰ πρόσωπααἴδετο γὰρ Φαίηκας ὑπ ὀφρύσι δάκρυα λείβων (Hom Od VIII v83-86)

Jaacute pelo arauto trazido o cantor divinal se aproximaque tanto a Musa distingue e a quem males de bens concederatira-lhe a vista dos olhos mas cantos sublimes lhe inspira [hellip]Tendo assim pois a vontade da fome e da sede saciadoa Musa logo o incitou a falar sobre os feitos dos homens gestasde heroacuteis cuja fama o alto ceacuteu nesse tempo atingiraa disseccedilatildeo entre Aquiles Pelida e Odisseu tatildeo falada[hellip]Isso narrava o famoso cantor Odisseu entrementes com as matildeos fortes o manto de puacuterpura para a cabeccedilapuxa encobrindo-a com o fim de esconder as feiccedilotildees majestosasEnvergonha-se sim de que o vissem chorar os Feaacutecios3

Atraveacutes do relato exposto acima pode-se verificar o quanto era comum na Greacutecia Antiga a

transmissatildeo oral dos feitos heroicos O mito produto da tradiccedilatildeo grega tambeacutem teve a sua

existecircncia propagada por meio da exposiccedilatildeo oral ateacute que o advento da escrita comeccedilasse a registraacute-

lo Ele sobreviveu ateacute os dias de hoje principalmente por meio dos textos escritos pois em seus

primoacuterdios estava restrito agrave oralidade como afirma Thomas (2005 p3-4) ldquo[] a Greacutecia antiga era

em muitos aspectos uma sociedade oral na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em

relaccedilatildeo agrave palavra faladardquo Desse modo os textos poeacuteticos eram compostos para serem ouvidos

assim continua Thomas (2005 p4)

A maior parte da literatura grega poreacutem tinha por finalidade ser ouvida ou cantada ndash transmitida oralmente portanto ndash e havia uma forte corrente de aversatildeo pela palavra escrita mesmo pelos altamente letrados documentos escritos natildeo eram considerados por si mesmos prova adequada em contextos legais ateacute a segunda metade do seacuteculo IV aC

Somente com a reinvenccedilatildeo da escrita na Greacutecia Antiga momento em que ldquoo alfabeto foi

adaptado do alfabeto feniacutecio provavelmente na primeira metade do seacuteculo VIIIrdquo (THOMAS 2005

p17) ndash que segundo Havelock (1996 p20) esse alfabeto surgiu dos contatos comerciais entre

gregos e feniacutecios ndash foi que os mitos deixaram de ser exclusivamente de natureza oral e comeccedilaram a

ser escritos

A escrita grega antiga a princiacutepio foi usada ldquopara marcar objetos ou compor um memorial

ou ateacute mesmo escrever versosrdquo (THOMAS 2005 p67) Como exemplo tem-se o famoso Vaso do

Diacutepylon datado de 750-690 aC que conteacutem uma inscriccedilatildeo metrificada em ldquohexacircmetro de estilo

3 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes neste capiacutetulo satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

13

homeacuterico onde se lecirc de traacutes para frente quem agora entre os danccedilarinos melhor desempenho

tiver Segue-se a isto uma tentativa de um segundo verso que avanccedila com esforccedilo ateacute parar perto

da asardquo(HAVELOCK 1996 p197) Numa sociedade oral as primeiras manifestaccedilotildees de escrita

tendem a registrar a palavra falada por isso que algumas inscriccedilotildees encontradas estatildeo escritas em

versos ao contraacuterio do que acontece na sociedade letrada moderna em que os registros oficiais satildeo

feitos em prosa

A oralidade na Greacutecia Antiga foi veiacuteculo de muitos acontecimentos dentre eles o iniacutecio da

democracia como afirma Dupont (1998 p12) ldquoLa democratie grecque elle-mecircme fut fondeacutee sur

une parole politique essentiellement orale leacutecriture ne servant quaux lettres dambassadeurs aux

teacutemoignages dans les procegraves et agrave la publication des loisrdquo4 Tambeacutem natildeo se pode esquecer de que a

filosofia grega foi propagada por meio da oralidade os discursos filosoacuteficos que temos hoje

resultaram de um diaacutelogo oral como os de Pitaacutegoras Soacutecrates Aristoacuteteles e os Peripateacuteticos5 Na

verdade em geral a Greacutecia prioriza a oralidade em detrimento da escrita pois essa eacute vista como um

instrumento de poder como conclui Dupont (1998 p13)

Dune faccedilon geacuteneacuterale la Gregravece classique se meacutefie de lecriture quand elle preacutetend transcrire et conserver la parole des vivants et de la lecture qui asservit le lecteur agrave la volonteacute du scripteur car la fonction la plus ancienne de lecriture grecque neacutetait pas denregistrer les paroles des hommes mais de faire parler les choses muettes coupes ou stegraveles funeacuteraires gracircce agrave une oralisation de linscription par le lecteur6

Como a sociedade grega natildeo primava pela composiccedilatildeo escrita muito dificilmente se poderia

falar em literatura Pois segundo Dupont para se ter literatura como eacute pensada hoje tem-se que ter

leitores E nas sociedades antigas ndash Greacutecia e Roma ndash eram comuns as leituras puacuteblicas em

contraponto agraves leituras individuais fato esse que permite a escrita do texto com o intuito de

exclusivamente ser lido ldquoles Anciens ont connu bien des faccedilons de lire un livre mais jamais cette

lecture litteacuteraire semble-t-il sinon sous la forme dune reacuteeacutecriture ce que nous appelons un

remakerdquo (DUPONT 1998 p16)7 Da Greacutecia Antiga nos restou um exemplo dessa reescrita dos

mitos jaacute conhecidos o mito de Electra filha de Agamecircmnon e Clitemnestra que mata a proacutepria matildee

com a ajuda do irmatildeo Orestes para vingar a morte do pai Esse mito eacute recontado em trecircs trageacutedias

gregas nas Coeacuteforas de Eacutesquilo na Electra de Soacutefocles e na Electra de Euriacutepides Cada peccedila

4 A democracia grega em si foi fundada sobre um discurso poliacutetico essencialmente oral a escrita serve apenas para as cartas de embaixadores como prova num julgamento e para a publicaccedilatildeo de leis

5 DUPONT Florence Linvention de la litteacuterature Paris La Deacutecouverte 1998 p 126 Em geral a Greacutecia claacutessica desconfia da escrita quando ela pretende transcrever e conservar as falas dos vivos e da

leitura que submete o leitor agrave vontade do escritor porque a funccedilatildeo mais antiga da escrita grega natildeo era registrar as falas dos homens mas fazer falar as coisas mudas taccedilas ou laacutepides graccedilas a um registro da oralizaccedilatildeo para o leitor

7 Os antigos conheceram muitas maneiras de ler um livro mas nunca como uma leitura literaacuteria aparentemente senatildeo como uma reescrita o que chamamos de remake

14

apresenta uma versatildeo diferente do mito como na cena de reconhecimento na qual Orestes eacute

reconhecido nas Coeacuteforas de Eacutesquilo o reconhecimento se daacute de trecircs modos ndash anel de cabelo de

Orestes as pegadas as roupas tecidas por Electra na Electra de Soacutefocles o reconhecimento se daacute

por meio de um sinete (siacutembolo familiar) mostrado por Orestes para Electra e na Electra de

Euriacutepides o reconhecimento acontece quando o lavrador marido de Electra vecirc uma cicatriz de

infacircncia no rosto de Orestes Portanto observa-se que embora a cena de reconhecimento das

trageacutedias apresentadas se mostrem de modo distinto o tema do matriciacutedio de Electra permanece nas

trecircs peccedilas conservando essa parte do mito

Os primeiros textos ditos ldquoliteraacuteriosrdquo ndash ou se poderia preferir a nomenclatura ldquopoeacuteticosrdquo ou

ldquopoetizadosrdquo8 ndash que chegaram ateacute os dias de hoje satildeo a Iliacuteada e a Odisseia de Homero datados do

seacuteculo VIII aC Esses textos segundo Thomas (2005 p17) ldquoparecem ser produto de composiccedilatildeo

bem como de execuccedilatildeo inteiramente oralrdquo

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoesia oralrdquo do livro Letramento e Oralidade na Greacutecia Antiga a

autora elenca algumas anaacutelises a respeito da presenccedila da oralidade na poesia homeacuterica base do

estudo da oralidade grega A primeira teoria eacute a conhecida como teoria de Milman Parry

argumentando que ldquoos eacutepicos homeacutericos eram poesia oralrdquo (THOMAS 2005 p 41) Parry analisou

as caracteriacutesticas da poesia eacutepica como os epiacutetetos homeacutericos e apresentou um novo

direcionamento sobre os estudos de oralidade A teoria de Parry revolucionou as pesquisas sobre a

poesia homeacuterica ao considerar a audiecircncia e a performance9 na criaccedilatildeo dos poemas conforme

afirma Thomas (2005 p42) ldquoeacute decisivamente por causa da teoria de Parry que podemos agora

reconhecer a importacircncia do puacuteblico e do contexto da apresentaccedilatildeo nas sociedades orais e

tradicionais o mesmo se diria do caraacuteter de improvisaccedilatildeordquo

As pesquisas de Parry tentaram mostrar que os poemas homeacutericos eram constituiacutedos por

expressotildees formulares (termos que se adequavam agrave meacutetrica do poema no momento da criaccedilatildeo

poeacutetica) que possibilitavam a criaccedilatildeo da poesia oral em analogia com a observaccedilatildeo da poesia

iugoslava Apoacutes a morte de Parry Lord um dos colaboradores da pesquisa daacute seguimento aos

estudos sobre performance A teoria Parry-Lord prioriza a audiecircncia o poeta deveria adaptar a

exposiccedilatildeo oral ao gosto do puacuteblico podendo alteraacute-la caso os ouvintes natildeo estivessem satisfeitos

pois cada performance era pontual assim como afirma Lord (1971 p5) no livro The singer of

tales ldquoWe shall see that in a very real sense every performance is separate song for every

8 Por se tratarem de uma composiccedilatildeo riacutetmica Havelock (1996 p13) prefere utilizar os termos ldquopoeacuteticordquo ou ldquopoetizadordquo tais termos estariam em equivalecircncia com ldquoletradordquo e ldquoarte escritardquo

9 Entenda-se nesse capiacutetulo performance como desempenho do poeta na exposiccedilatildeo oral pois o termo ldquoembora historicamente de formaccedilatildeo francesa ela [performance] nos vem do inglecircs e nos anos 1930 e 1940 emprestada ao vocabulaacuterio da dramaturgiardquo (ZUMTHOR 2007 p29-30)

15

performance is unique and every performance bears the signature of its poet singerrdquo10 A

composiccedilatildeo oral far-se-ia diante do puacuteblico diferindo do caraacuteter exclusivo de improvisaccedilatildeo pois se

apoiava em expressotildees formulares elementos essenciais para auxiliar o poeta no ato de compor o

poema portanto natildeo precisando se apoiar inteiramente no recurso mnemocircnico Lord (1971 p13)

tambeacutem distingue a composiccedilatildeo da poesia oral do poema literaacuterio

For the oral poet the moment of composition is the performance In the case of literary poem there is a gap in the time between composition and reading or performance in the case of the oral poem this gap does not exist because composition and performance are two aspects of the same moment11

O aspecto importante da performance para Lord eacute que o poeta cria ao cantar ele natildeo eacute um

mero recitador por isso tem a liberdade de construir o seu poema Ele ainda apresenta dois fatores

da composiccedilatildeo oral que segundo ele natildeo estatildeo presentes numa escrita tradicional

We must remember that the oral poet has no idea of a fixed model to serve as his guide He has models enough but they are not fixed and he has not idea of memorizing them in a fixed form Every time he hears a song sung it is different Secondly there is a factor of time The literate poet has leisure to compose at any rate he pleases The oral poet must keep singing His composition by its very nature must be rapid Individual singers may and do vary in their rate of composition of course but it has limits because there is an audience waiting to hear the story 12(LORD 1971 p22)

Desse modo importa ao poeta manter a tradiccedilatildeo ou seja o tema a ser cantado e natildeo a

forma fixa do poema Segundo Thomas (2005 p55) haacute pesquisadores como Kirk que defendem

que mesmo sem a ajuda da escrita eacute possiacutevel ter havido uma preacutevia elaboraccedilatildeo do poema antes da

performance

Portanto um poema em grande escala como a Iliacuteada pode ter sido desenvolvido muito gradualmente ndash e natildeo necessariamente com a escrita As maiores cenas podem ter sido cuidadosamente elaboradas em privado refinadas continuamente e reproduzidas ao menos grosso modo da mesma forma em sucessivas apresentaccedilotildees (THOMAS 2005 p55)

10 Veremos que num sentido muito real cada performance eacute um poema distinto pois cada performance eacute uacutenica e cada performance tem a assinatura de seu cantor-poeta

11 Para o poeta oral o momento da composiccedilatildeo eacute a performance No caso do poema literaacuterio haacute uma lacuna no tempo entre a composiccedilatildeo e a leitura ou performance no caso do poema oral essa lacuna natildeo existe porque a composiccedilatildeo e a performance satildeo dois aspectos do mesmo momento

12 Devemos lembrar que o poeta oral natildeo tem ideia de um modelo fixo para servir como seu guia Ele tem modelos suficientes mas eles natildeo satildeo fixos e que ele natildeo tem ideia de memorizaacute-los de uma forma fixa Toda vez que ele ouve uma canccedilatildeo cantada eacute diferente E segundo lugar existe o fator tempo O poeta letrado tem tempo para compor de qualquer modo que ele quiser O poeta oral deve continuar cantando A sua composiccedilatildeo por sua natureza deve ser raacutepida Cantores individuais podem e variam em sua razatildeo de composiccedilatildeo eacute claro mas tem limites porque tem um puacuteblico a espera para ouvir a histoacuteria

16

Apoacutes muitas apresentaccedilotildees do mesmo canto pode-se pensar que o poeta tem a possibilidade

de especializar o seu canto quantas vezes forem necessaacuterias Por isso Thomas (2005 p56) conclui

ldquoTampouco haacute razatildeo para pensar que a memorizaccedilatildeo (de qualquer grau) pudesse tolher a

improvisaccedilatildeo e a criatividade ela pode simplesmente suplementar a improvisaccedilatildeo e preservar as

cenas mais cuidadasrdquo

Mas contrapondo o que foi mencionado anteriormente o fato de as epopeias parecerem de

natureza oral natildeo exclui a possibilidade de haver um texto escrito para a organizaccedilatildeo das ideias e

para facilitar o processo de criaccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de partes relevantes do mito conforme mostra a

ldquoteoria de Shiverdquo na qual a composiccedilatildeo oral pode se utilizar da escrita para ajudar a lembrar o texto

a ser exposto assim nos mostra Thomas (2005 p59)

Desse modo Homero usava a dicccedilatildeo tradicional certamente mas frequentemente meditando tatildeo cuidadosamente sobre a expressatildeo mais apta em vez de usar uma expressatildeo preacute-fabricada que comeccedila a parecer muito com Milton ou Virgiacutelio

Com isso Homero teria tido a possibilidade de refletir sobre a sua criaccedilatildeo poeacutetica podendo

escolher o termo mais adequado para o seu poema Mas natildeo se pode esquecer de que no periacuteodo

em que ele viveu a escrita era usada em segundo plano e natildeo como apoio agrave criaccedilatildeo poeacutetica

portanto Homero provavelmente natildeo se utilizou da escrita para a composiccedilatildeo de seus poemas

Nas epopeias a escrita alfabeacutetica ajudaria porque ldquotem uma capacidade uacutetil de preservar

informaccedilatildeo e tornar a comunicaccedilatildeo agrave longa distacircncia muito mais faacutecilrdquo (THOMAS 2005 p39)

Essa capacidade de preservaccedilatildeo da poesia oral coloca em questatildeo o caraacuteter oral presente por

exemplo nos poemas homeacutericos mesmo que natildeo haja evidecircncias a princiacutepio da fixaccedilatildeo da poesia

grega arcaica Essa ideia soacute surgiraacute apoacutes o seacuteculo V aC como nos mostra Thomas (2005 p67)

Textos autorizados dos grandes traacutegicos do seacuteculo V foram produzidos apenas na segunda metade do seacuteculo IV sob os auspiacutecios de Licurgo numa clara tentativa de fixar os textos traacutegicos num periacuteodo em que um maior respeito pela palavra escrita ndash e pela literatura do seacuteculo V ndash eacute visiacutevel em diversas aacutereas

Gregory Nagy tambeacutem apresenta uma pesquisa acerca da questatildeo homeacuterica e no primeiro

capiacutetulo do seu livro Homeric Questions elenca dez conceitos para abordar a performance homeacuterica

(trabalho de campo sincronia versus diacronia composiccedilatildeo em performance difusatildeo tema

foacutermula economia como frugalidade tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo unidade e organizaccedilatildeo e autor e

texto) e lista mais dez conceitos em uso que satildeo aplicados enganosamente Dos dez conceitos para

17

a performance mais adiante elegeremos em outro lugar desta dissertaccedilatildeo alguns desses a saber

tema tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo e autor e texto Com base na teoria de Parry-Lord Nagy propotildee um

redirecionamento desta como bem coloca no iniacutecio do segundo capiacutetulo do seu livro

In earlier work my starting point has been the central comparative insight of Milman Parry and Albert Lord gleaned from their fieldwork in South Slavic oral epic traditions that composition and performance are aspects of the same process in the making of Homeric poetry13 (NAGY 1996 p 29)

O autor com base nos estudos citados afirma que haacute uma interaccedilatildeo entre trecircs aspectos ndash

composiccedilatildeo performance e difusatildeo ndash para compor a produccedilatildeo da poesia homeacuterica ao inveacutes dos

dois aspectos de Parry-Lord (composiccedilatildeo e performance) Nagy designa o primeiro lugar agrave

performance como ele expotildee

The process of composition-in-performance which is a matter of recomposition in each performance can be expected to be directly affected by the degree of diffusion that is the extent to which a given tradition of composition has a chance to be performed in a varying spectrum of narrower or broader social frameworks The wider the diffusion I argued the fewer opportunities for recomposition so that the widest possible reception entails teleologically the strictest possible degree of adherence to a normative and unified version14 (NAGY 1996 p39-40)

Mais adiante de acordo com a triacuteade apresentada Nagy atribui cinco idades aos textos de

Homero e em cada periacuteodo tenta mostrar como se deu a transmissatildeo dos poemas homeacutericos em

performance As cinco idades dos textos homeacutericos satildeo as seguintes primeira natildeo haacute textos escritos

(2000-800 aC) segunda periacuteodo pan-helecircnico ainda natildeo haacute textos escritos (da metade do seacutec

VIII aC agrave metade do seacutec VI aC) terceira com textos transcritos (da metade do seacutec VI aC ateacute

fins do seacutec IV aC) quarta com textos transcritos e roteiros (de fins do IV aC ateacute metade do seacutec

II) e quinta com os textos como escritura (da metade do seacutec II em diante) como bem resume

Mota (2010 p32) em seu artigo intitulado ldquoNos passos de Homero performance como argumento

na Antiguidaderdquo

G Nagy assinala que os momentos na histoacuteria da performance e textualizaccedilatildeo dessas 13 Em trabalhos anteriores o meu ponto de partida foi a ideia central comparativa de Milman Parry e Albert Lord

adquirida a partir de seu trabalho de campo nas tradiccedilotildees orais eacutepicas do Sul Eslavo que a composiccedilatildeo e a performance satildeo aspectos de um mesmo processo na confecccedilatildeo da poesia homeacuterica

14 O processo de composiccedilatildeo em performance que eacute uma questatildeo de recomposiccedilatildeo em cada execuccedilatildeo pode-se esperar que seja diretamente afetada pelo grau de difusatildeo ou seja a extensatildeo em que uma dada tradiccedilatildeo de composiccedilatildeo tem a possibilidade de ser realizada em um espectro variaacutevel de estruturas sociais mais estreitas ou mais amplas Quanto maior a difusatildeo argumentei menores satildeo as oportunidades para a recomposiccedilatildeo de modo que a recepccedilatildeo mais ampla possiacutevel implica teleologicamente o grau mais estrito possiacutevel de adesatildeo a uma versatildeo normativa e unificada

18

obras natildeo soacute se encontram associadas como tambeacutem em suas implicaccedilotildees apresentam uma histoacuteria das mudanccedilas e transformaccedilotildees da cultura performativa na Antiguidade O estudo da recepccedilatildeo e produccedilatildeo de Homero ilumina dramaacuteticas mutaccedilotildees no conceito e experiecircncia de situaccedilotildees interativas cujas implicaccedilotildees foram incorporadas em mentalidades que subagem em pressupostos ateacute hoje dominantes

Ao atribuir uma nova perspectiva para a criaccedilatildeo e a recepccedilatildeo do poema homeacuterico Nagy

apresenta uma ampliaccedilatildeo da teoria de Parry-Lord e uma nova vertente para os estudos homeacutericos

utilizando aspectos histoacutericos e linguiacutesticos

Entatildeo diante das teorias apresentadas pode-se concluir que os poemas homeacutericos foram

compostos em tempos anteriores e entraram em contato com a escrita em meados do seacutec VIII

mesmo que ainda natildeo se utilizassem dela para a composiccedilatildeo dos poemas Soacute seacuteculos depois eacute que

houve uma versatildeo escrita dos poemas (provavelmente a que nos restou) o que natildeo quer dizer que

seria a uacutenica versatildeo jaacute que naquele periacuteodo prevalecia a performance O mesmo fato

provavelmente acontecia natildeo somente com as poesias eacutepicas mas tambeacutem com os mitos gregos em

geral

Logo depois dos textos homeacutericos com um novo processo de criaccedilatildeo aparecem os poemas

de Hesiacuteodo a Teogonia e Os trabalhos e os dias Na Teogonia o aedo invoca as musas para cantar a

origem dos deuses Nesse texto assim como nos de Homero encontram-se marcas de oralidade

como nos mostra Torrano (2007 p15)

A marca de oralidade natildeo estaacute somente nas caracteriacutesticas exteriores e formais da Teogonia a saber 1) nas foacutermulas e frases preacute-fabricadas que combinando-se como mosaicos vatildeo compondo os versos em sequecircncias salpicadas por palavras e expressotildees inevitavelmente retornantes 2) na justaposiccedilatildeo com que as sequecircncias narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras mas antes tendo cada sequecircncia narrativa um igual valor na sintaxe da narraccedilatildeo total e podendo portanto sempre e ao arbiacutetrio do poeta articular-se a um nuacutemero quase indefinido de novas sequencias 3) nos cataacutelogos (lista de nomes proacuteprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemocircnico que soacute a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma funccedilatildeo motivada e significativa dentro do contexto do poema

A poesia hesioacutedica eacute anterior agrave fixaccedilatildeo da escrita na Greacutecia embora jaacute existisse a escrita tal

recurso natildeo era utilizado para a composiccedilatildeo de poemas Soacute depois iraacute surgir a poesia liacuterica na qual

se encontra o uso do alfabeto15

Contudo o surgimento da escrita natildeo implica o desaparecimento da composiccedilatildeo oral E

como propotildee Havelock (1996 p24) em seu livro A revoluccedilatildeo escrita na Greacutecia e suas

15 TORRANO Jaa ldquoO mundo como funccedilatildeo de musasrdquo In HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

19

consequecircncias culturais abordou-se ldquoassuntos que vatildeo de Homero ao drama grego tendo em vista

demonstrar a permanecircncia ateacute o fim do seacuteculo V da colaboraccedilatildeo entre o oral e o escritordquo Entatildeo natildeo

se pode estudar as produccedilotildees poeacuteticas gregas dos seacuteculos VIII ao V aC sem pensar que a oralidade

e a escrita conviviam harmonicamente e se contaminavam Tambeacutem deve-se lembrar de que a

oralidade e a leitura puacuteblica estavam mais presentes no cotidiano dos gregos desse periacuteodo do que a

proacutepria escrita Um exemplo disso pode ser encontrado em Luciano de Samoacutesata (seacutec II dC)

quando relata que Heroacutedoto apresentou as suas histoacuterias num festival de Oliacutempia como meio de

divulgar a sua obra

ἐνίσταται οὖν Ὀλύμπια τὰ μεγάλα καὶ ὁ Ἡρόδοτος τοῦτ ἐκεῖνο ἥκειν οἱ νομίσας τὸν καιρόν οὗ μάλιστα ἐγλίχετο πλήθουσαν τηρήσας τὴν πανήγυριν ἁπανταχόθεν ἤδη τῶν ἀρίστων συνειλεγμένων παρελθὼν ἐς τὸν ὀπισθόδομον οὐ θεατήν ἀλλ ἀγωνιστὴν Ὀλυμπίων παρεῖχεν ἑαυτὸν ᾄδων τὰς ἱστορίας καὶ κηλῶν τοὺς παρόντας ἄχρι τοῦ καὶ Μούσας κληθῆναι τὰς βίβλους αὐτοῦ ἐννέα καὶ αὐτὰς οὔσας (SAMOacuteSATA Herod I)

Realizam-se entatildeo os grandes jogos Oliacutempicos e Heroacutedoto considerando que lhe chegara a oportunidade por que tanto ansiava observando a panegiacuteria lotada de todas as partes os mais distintos homens jaacute reunidos tendo-se aproximado da parte de traacutes do templo natildeo como espectador mas como competidor dos Jogos Oliacutempicos apresentava-se cantando suas histoacuterias e encantando os presentes a ponto de seus livros terem recebido o nomes das Musas sendo eles tambeacutem nove16

Nesses trecircs seacuteculos os textos produzidos eram para ser a priori lidos em puacuteblico assim

como Havelock (1996 p184) caracteriza a composiccedilatildeo poeacutetica do drama grego

O drama ateniense aleacutem de ser riacutetmico obedece a regras associativas e de prediccedilatildeo proacutepria da composiccedilatildeo oral compotildee-se com base no princiacutepio do eco e se concebe como uma apresentaccedilatildeo a ser ouvida vista e memorizada mas natildeo lida

Diante de tal citaccedilatildeo torna-se impossiacutevel estudar o drama grego sem verificaacute-lo sob a oacutetica

da recepccedilatildeo embora haja como corpus apenas o texto escrito e possa analisaacute-lo numa leitura

solitaacuteria ndash que ldquose define ao mesmo tempo como absorccedilatildeo e criaccedilatildeo processo de trocas dinacircmicas

que constituem a obra na consciecircncia do leitorrdquo (ZUMTHOR 2007 p51) ndash aspectos esses bem

diferentes da sociedade grega antiga E na recepccedilatildeo verifica-se dentro da poesia oral com mais

destaque a performance como afirma Zumthor (2007 p 50) ldquoa performance eacute entatildeo um momento

da recepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente recebidordquo Performance essa

que entra em disputa com a recepccedilatildeo pois a uacuteltima sobrevive por mais tempo do que a outra por

isso torna-se impossiacutevel reviver uma performance jaacute exibida jaacute que cada performance eacute uacutenica ao

16 RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

20

contraacuterio da recepccedilatildeo de que eacute possiacutevel reconhecer o seu valor em um texto poeacutetico na sua proacutepria

eacutepoca Segundo Zumthor (2007 p51) o discurso poeacutetico estabelece um confronto entre

performance e recepccedilatildeo embora a uacuteltima tenha uma duraccedilatildeo mais longa por isso ldquopode-se falar da

recepccedilatildeo de Virgiacutelio e de Homero mas nos situamos a uma tal distacircncia temporal desses autores

que o termo performance natildeo tem mais sentido em relaccedilatildeo a elesrdquo (ZUMTHOR 2007 p51)

Contudo conclui Zumthor (2007 p52) ldquoa recepccedilatildeo eu o repito se produz em circunstacircncia

psiacutequica privilegiada performance ou leiturardquo

Assim numa sociedade primitiva na qual soacute havia transmissatildeo oral

A ldquorecepccedilatildeordquo vai se fazer pela audiccedilatildeo acompanhada da vista uma e outra tendo por objeto o discurso assim performatizado eacute com efeito proacuteprio da situaccedilatildeo oral que transmissatildeo e recepccedilatildeo aiacute constituam um ato uacutenico de participaccedilatildeo co-presenccedila esta gerando o prazer Esse ato uacutenico eacute a performance (ZUMTHOR2007 p65)

Como se deu nas apresentaccedilotildees das trageacutedias aacuteticas em que a audiecircncia ao assistir ao

espetaacuteculo observava a performance dos atores utilizando-se da audiccedilatildeo e da vista contrapondo-se

agraves apresentaccedilotildees orais dos textos homeacutericos Nesse momento uacutenico no qual a performance eacute

executada os atores tentam interagir com a audiecircncia e tentam provocar algumas sensaccedilotildees como

no caso da trageacutedia grega terror e piedade conforme afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1449b 23-28)

ao definir a trageacutedia17

Em Atenas assim como expotildee Havelock (1996 p275) ldquoo drama aacutetico como uma forma de

arte nativa de Atenas surgiu conforme a tradiccedilatildeo sugere na uacuteltima metade do seacuteculo VI com o fim

de prover o necessaacuterio suplemento a Homerordquo Como uma extensatildeo da poesia homeacuterica o drama

aacutetico prosseguiu com o efeito didaacutetico daquela e tambeacutem promoveu o entretenimento ao puacuteblico

grego por meio das representaccedilotildees cecircnicas Mas ao contraacuterio do que fizera a epopeia ao fornecer

aos cidadatildeos atenienses uma ldquoidentidade coletiva moral poliacutetica e histoacutericardquo (HAVELOCK 1996

p276) o drama aacutetico propunha uma ldquoidentidade particular que era de uma cidade-estado

especiacutefica Ouvindo e assistindo agraves peccedilas encenadas eles reconheciam e absorviam um comentaacuterio

corrente a seu proacuteprio noacutemos e eacutethos (HAVELOCK 1996 p276) O drama tambeacutem se

contrapunha agrave poesia eacutepica no quesito de comunicaccedilatildeo pois os poemas homeacutericos necessitavam

somente do sentido da audiccedilatildeo do puacuteblico para captar a composiccedilatildeo oral jaacute o drama utilizava-se

simultaneamente de dois sentidos da audiccedilatildeo e da visatildeo Assim o drama aacutetico permanece com o 17 ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς

ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις δρώντων καὶ οὐ δι ἀπαγγελίας δι ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν Eacute pois a Trageacutedia imitaccedilatildeo de uma accedilatildeo de caraacuteter elevado completa e de certa extensatildeo em linguagem ornamentada e com vaacuterias espeacutecies de ornamentos distribuiacutedas pelas diversas partes [do drama] [imitaccedilatildeo que se efetua] natildeo por narrativa mas mediante atores e que suscitando o ldquoterror e a piedade tem por efeito a purificaccedilatildeo dessas emoccedilotildeesrdquo (traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa)

21

mesmo caraacuteter didaacutetico jaacute utilizado pelas epopeias homeacutericas uma combinaccedilatildeo de educaccedilatildeo com

entretenimento para propagar os costumes gregos Portanto ldquoas peccedilas eram representaccedilotildees

contiacutenuas de aspectos do panorama ciacutevico com que a audiecircncia era convidada a identificar-serdquo

(HAVELOCK 1996 p276)

Desse modo as peccedilas aacuteticas eram produtos de composiccedilatildeo oral na qual o coro era um

elemento central pois rememorava a parte mais poeacutetica da representaccedilatildeo O coro funcionava como

uma personagem na peccedila porque dialogava com as outras personagens e interferia no

desenvolvimento do enredo E o mito escolhido a ser encenado nada mais era do que um pequeno

trecho da poesia homeacuterica jaacute conhecido do puacuteblico

Finalmente o mito de cada peccedila situando a trama num passado heroico imaginaacuterio seguia o princiacutepio da fantasia homeacuterica envolvendo a mensagem contemporacircnea em uma aura arcaica de modo a dar-lhe assim distanciamento um tom grandiloquente e capacidade de sobrevivecircncia (HAVELOCK 1996 p 277)

Com o passar do tempo a oralidade como meio de divulgaccedilatildeo dos poemas vai se

enfraquecendo cedendo lugar a outras formas de comunicaccedilatildeo como a escrita e assim afirma

Havelock (1996 p277-78)

A comunicaccedilatildeo importante podia ser congelada na escrita lida relida e evocada em vez de plantar-se na memoacuteria oral Pela loacutegica deste avanccedilo o que se pode chamar de oralidade da trageacutedia grega estava destinada a sofrer erosatildeo O propoacutesito didaacutetico central havia de enfraquecer-se na medida em que a cultura vinha cada vez mais a apoiar-se em formas escritas de comunicaccedilatildeo estocada disponiacutevel para reutilizaccedilatildeo O justo equiliacutebrio entre instruccedilatildeo e entretenimento uma necessidade mnemocircnica desde tempos imemoriais havia de alterar-se privilegiando o entretenimento

Como representaccedilatildeo desse decliacutenio da oralidade no drama aacutetico consequecircncia da tensatildeo

vivida pela trageacutedia entre o falar e o ouvir tem-se como exemplo o papel do coro nas peccedilas gregas

O coro das trageacutedias gregas era um componente essencial a essas peccedilas pois ele carregava mais

fortemente o aspecto de composiccedilatildeo oral tatildeo presente nos poemas homeacutericos Os cantos corais eram

entoados por cidadatildeos gregos dando uma caracteriacutestica mais popular a essa parte da trageacutedia O

nuacutemero de participantes dos coros variava de acordo com o gecircnero teatral e o autor ldquophilological

opinion agrees with the numbers twelve for the choruses of Aeschylus fifteen for those of

Sophocles and Euripides and twenty-four in Ancient Comedy similarly for the fifty-member

chorus of the dithyrambrdquo18 (CALAME 1997 p 21) Segundo Calame em seu livro Choruses

young women in Ancient Greece o coro traacutegico assume uma forma retangular contrapondo-se agrave 18 A opiniatildeo filoloacutegica concorda com os nuacutemeros doze para os coros de Eacutesquilo quinze para os de Soacutefocles e

Euriacutepides e vinte e quatro na Comeacutedia Antiga da mesma forma cinquenta membros do coro do ditirambo

22

forma circular dos cantos liacutericos ainda que tenha vindo desse canto

The iconography of the lyric chorus is thus divided into two large categories one processional the other circular A third less important category of disposition in rows can be added This classification has two consequences First the rectangular formation of the tragic chorus should probably be included in this third class The tragic chorus would therefore originate in a lyric form and the dichotomy between tragic chorus characterized by retangle and lyric chorus circularity is probably not as marked as my remarks at the beginning of the paragraph would suggest Second the visual images reveal a feature of the lyric chorus not apparent in written documents that of procession (CALAME 1997 p38)19

E para acrescentar agraves informaccedilotildees estruturais do coro no livro An introduction to greek

tragedy o autor afirma que os atores que compunham o coro eram exclusivamente masculinos

usavam trajes adequados e maacutescaras que cobriam toda a cabeccedila20

Aleacutem das questotildees estruturais apresentadas sobre o coro natildeo se pode esquecer que no

drama aacutetico do seacutec V aC havia tambeacutem um propoacutesito didaacutetico que Havelock (1996 p315) divide

em dois niacuteveis

O primeiro eacute temaacutetico exigindo que a trama de toda a peccedila seja manipulada de modo tal que propicie um disfarce para os interesses sociais e contemporacircneos e uma liccedilatildeo indireta sobre como administrar O segundo eacute o aforiacutestico um niacutevel em que a retoacuterica e os cantos de todos os integrantes da trageacutedia satildeo linguisticamente elaborados de modo a conter copiosos fragmentos do eacutethos e do noacutemos da sociedade sua ldquosabedoriardquo oral

Nos cantos corais presencia-se o segundo niacutevel o aforiacutestico principalmente atraveacutes dos

ditos populares reelaborados como meio de divulgaccedilatildeo da sabedoria popular conforme aparece

num exemplo apresentado por Havelock (1996 p 310) ldquoO discurso oral memorizaacutevel

privilegiando o especiacutefico antes que o geral em vez de dizer A honestidade eacute a melhor poliacutetica

prefere dar-lhe esta formulaccedilatildeo um homem honesto eacute que alcanccedila proveitordquo Reescrevendo o dito

popular e o aproximando da realidade da sociedade espectante

Na trageacutedia grega do seacutec V encontram-se exemplos de aforismos nos cantos corais que

atribuem um caraacuteter oral e popular a esses cantos como se vecirc no segundo estaacutesimo da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo19 A iconografia do coro liacuterico estaacute assim dividida em duas grandes categorias uma a procissatildeo e a outra a circular

Uma terceira menos importante categoria de disposiccedilatildeo em filas podem ser adicionada Esta classificaccedilatildeo tem duas consequecircncias Em primeiro lugar a formaccedilatildeo retangular do coro traacutegico provavelmente deve ser incluiacuteda nesta terceira classe O coro traacutegico portanto originaacuterio de uma forma liacuterica e a dicotomia entre o coro traacutegico caracterizado pelo retangularidade e o coro liacuterico pelo circularidade provavelmente natildeo eacute tatildeo marcada como minhas observaccedilotildees no iniacutecio do paraacutegrafo sugere Em segundo lugar as imagens visuais revelam uma caracteriacutestica do coro liacuterico natildeo perceptiacutevel em documentos escritos como o da procissatildeo

20 SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011 p 4

23

παλαίφατος δ ἐν βροτοῖς γέρων λόγος                  τέτυκται μέγαν τελε-σθέντα φωτὸς ὄλβοντεκνοῦσθαι μηδ ἄπαιδα θνῄσκειν (Es Ag 750-753)

Priacutestino entre mortais velho proveacuterbio diz quando grandea opulecircncia humanaprocria e natildeo morre sem filho21

Como se pode observar o coro apresentado indica um proveacuterbio antigo e quem o proferiu O

coro esquiliano ao inserir o substantivo φωτὸς (humano dos homens) apresenta um caraacuteter

didaacutetico ao aproximar o proveacuterbio do povo aacutetico Praacutetica bastante comum natildeo soacute nos coros das

trageacutedias mas tambeacutem nas falas das personagens como no proacutelogo da trageacutedia As traquiacutenias de

Soacutefocles proferido por Dejanira

Λόγος μέν ἐστ ἀρχαῖος ἀνθρώπων φανεὶςὡς οὐκ ἂν αἰῶν ἐκμάθοις βροτῶν πρὶν ἂνθάνῃ τις οὔτ εἰ χρηστὸς οὔτ εἴ τῳ κακός (Sof Traq v 1-3)

Ditado antigo dos homensdiz que antes de morrer nenhum mortal pode saber se tem bom fado ou mau22

E mais uma vez encontra-se no aforismo uma referecircncia agrave identificaccedilatildeo do povo com o

proveacuterbio ao inserir o substantivo ἀνθρώπων (homem) confirmando assim o intuito didaacutetico das

peccedilas

Os ditos populares presentes nas trageacutedias satildeo um dos exemplos que marcam a

sobrevivecircncia da oralidade nas peccedilas do seacutec V aC Fato esse explicado porque a trageacutedia aleacutem de

sofrer influecircncias da oralidade dos poemas homeacutericos teria vindo de um canto popular o

ditirambo como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica

γενομένη δ οὖν ἀπ ἀρχῆς αὐτοσχεδιαστικῆς - καὶ αὐτὴ καὶ ἡ κωμῳδία καὶ ἡ μὲν ἀπὸ τῶν ἐξαρχόντων τὸν διθύραμβον ἡ δὲ ἀπὸ τῶν τὰ φαλλικὰ ἃ ἔτι καὶ νῦν ἐν πολλαῖς τῶν πόλεων διαμένει νομιζόμενα - κατὰ μικρὸν ηὐξήθη προαγόντων ὅσον ἐγίγνετο φανερὸν αὐτῆςmiddot καὶ πολλὰς μεταβολὰς μεταβαλοῦσα ἡ τραγῳδία ἐπαύσατο ἐπεὶ ἔσχε τὴν αὑτῆς φύσιν (Ar Poe 1449a 9-15)

Mas nascida de um princiacutepio improvisado (tanto a Trageacutedia como a Comeacutedia a Trageacutedia dos solistas do ditirambo a Comeacutedia dos solistas dos cantos faacutelicos composiccedilotildees estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades) [a Trageacutedia]

21 Traduccedilatildeo de Jaa TORRANO (2004)22 Traduccedilatildeo de Flaacutevio Ribeiro de OLIVEIRA (2009)

24

pouco a pouco foi evoluindo agrave medida que se desenvolvia tanto quanto nela se manifestava ateacute que passadas muitas transformaccedilotildees a Trageacutedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural23

Para confirmar essa influecircncia do ditirambo na poesia traacutegica em especial nos cantos corais

Calame em seu artigo ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo elenca mais outras fontes

antigas que registram a proximidade entre os dois gecircneros

Degraves le Ve siegravecle dailleurs les Grecs eux-mecircmes nont pas manqueacute de faire deacuteriver les repreacutesentations tragiques atheacutenienne dans leur ensemble dexeacutecutions chorales soit quHeacuterodote montre Clisthegravenes de Sicyone le beau-pegravere de Clisthegravenes dAthegravenes transfeacuterant les ltltchoeurs tragiquesgtgt de la ceacuteleacutebration du heacuteros Adraste agrave celle du dieu Dionysos soit quAristote en cherche lorigine dans linstitution des ltltconducteursgtgt du dithyrambe forme chorale deacutedieacutee au mecircme Dionysos soit encore quun teacutemoignage beaucoup plus tardif affirme que Solon aurait deacuteja attribueacute agrave Arion le poegravete meacutelique compositeur de dithyrambes la premiegravere exeacutecution dramatique que dune ltlttrageacutediegtgt Pour Diogegravene Laerce degraves lors il en fait aucun doute que les premiegraveres repreacutesentations tragiques eacutetaient assumeacutees uniquement par un groupe choral (CALAME 1997 p181-182)24

O ditirambo era uma narrativa de tema heroacuteico entoada por um coro em honra de Dioniso e

ao que parece performada de improviso25 daiacute o caraacuteter heroico considerado como elo entre o

ditirambo e a trageacutedia E Aristoacuteteles coloca o ditirambo lado a lado com a trageacutedia e a eacutepica ao

classificaacute-las como imitaccedilatildeo26 Mas a histoacuteria acerca da origem da trageacutedia eacute muito complexa

Muitas pinturas nos vasos colocam ao lado da encenaccedilatildeo traacutegica a figura de Dioniso e dos saacutetiros

Aristoacuteteles apresenta uma antiga proximidade entre os cantos dos saacutetiros com a trageacutedia ao dizer na

Poeacutetica

ἔτι δὲ τὸ μέγεθοςmiddot ἐκ μικρῶν μύθων καὶ λέξεως γελοίας διὰ τὸ ἐκ σατυρικοῦ μεταβαλεῖν ὀψὲ ἀπεσεμνύνθη τό τε μέτρον ἐκ τετραμέτρου ἰαμβεῖον ἐγένετο (Ar Poe 1449a 19-22)

23 Todas as traduccedilotildees da Poeacutetica de Aristoacuteteles presentes nesse texto satildeo de Eudoro de Sousa conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

24 A partir do seacuteculo V aleacutem disso os proacuteprios gregos natildeo deixaram de fazer representaccedilotildees traacutegicas atenienses nas suas execuccedilotildees corais seja quando Heroacutedoto mostra Cliacutestenes de Sicion o padrasto de Cliacutestenes de Atenas transferindo ltltcoros traacutegicosgtgt da celebraccedilatildeo do heroacutei Adrasto ao deus Dioniso seja quando Aristoacuteteles procura a origem da instituiccedilatildeo dos ltltcondutoresgtgt do ditirambo a forma coral dedicada ao mesmo Dioniso seja ainda um testemunho muito mais tarde que afirma que Soacutelon tinha jaacute atribuiacutedo a Arion o poeta meacutelico compositor de ditirambos a primeira execuccedilatildeo dramaacutetica de uma ltlttrageacutediagtgt Para Dioacutegenes Laeacutercio portanto natildeo haacute nenhuma duacutevida de que as primeiras representaccedilotildees traacutegicas foram assumidas apenas por um grupo coral

25 MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) p129

26 ἐποποιία δὴ καὶ ἡ τῆς τραγῳδίας ποίησις ἔτι δὲ κωμῳδία καὶ ἡ διθυραμβοποιητικὴ καὶ τῆς αὐλητικῆς ἡ πλείστη καὶ κιθαριστικῆς πᾶσαι τυγχάνουσιν οὖσαι μιμήσεις τὸ σύνολον A Epopeia a Trageacutedia assim como [a comeacutedia] e a poesia ditiracircmbica e a maior parte da auleacutetica e da citariacutestica todas satildeo em geral imitaccedilotildees (1447a 14-16) Inclui na traduccedilatildeo ldquoa comeacutediardquo pois natildeo consta na traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa e consta no texto grego κωμῳδία

25

Quanto agrave grandeza tarde adquiriu [a Trageacutedia] o seu estilo [soacute quando se afastou] dos argumentos breves e da elocuccedilatildeo grotesca [isto eacute] do [elemento] satiacuterico

Contudo a trageacutedia teria tido influecircncia de diversos gecircneros como a eacutepica o ditirambo e os

cantos dos saacutetiros Embora se verifique com mais evidecircncia a influecircncia da poesia eacutepica atraveacutes dos

mitos e do caraacuteter didaacutetico e do ditirambo na composiccedilatildeo dos cantos corais e do caraacuteter

ritualiacutestico como afirma Scullion (2005 p26)

Tragedyrsquos inheritance from epic is vastly more important to him than that from dithyramb but epic cannot account for tragedyrsquos choral component Dithyramb not only can do that but can also anchor tragedy in the specific Athenian milieu in which it came to fruition27

E dentre as questotildees sobre a origem da trageacutedia coloca-se que o inventor da trageacutedia foi

Teacutespis pois foi considerado o ldquothe man who first produced a recognizable ancestor of the tragic

actor on the Athenian stagerdquo28 (MILLER 1961 p132) Pela junccedilatildeo do primeiro ator traacutegico com o

canto coral influenciado pelo ditirambo assim teriam sido os primoacuterdios da trageacutedia Depois a

poesia traacutegica se consolida com Eacutesquilo que segundo Aristoacuteteles

καὶ τό τε τῶν ὑποκριτῶν πλῆθος ἐξ ἑνὸς εἰς δύο πρῶτος Αἰσχύλος ἤγαγε καὶ τὰ τοῦ χοροῦ ἠλάττωσε καὶ τὸν λόγον πρωταγωνιστεῖν παρεσκεύασενmiddot (Ar Poe 1449a 16-180)

Eacutesquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o nuacutemero dos atores diminuiu a importacircncia do coro e fez do diaacutelogo protagonista

Assim como os textos de Eacutesquilo tambeacutem sobreviveram os de Soacutefocles e os de Euriacutepides

totalizando trinta e duas peccedilas que foram performatizadas nos festivais dionisiacuteacos Todas as peccedilas

foram compostas ldquoroughly between the end of the Persian Wars and Athensrsquo defeat by Sparta and

her alliesrdquo29 (DEBNAR 2005 p6) Dentre essas peccedilas somente uma eacute de cunho histoacuterico Os

persas (472 aC) de Eacutesquilo que narra a derrota do rei persa Xerxes na batalha de Salamina As

outras peccedilas de Eacutesquilo foram apresentadas em trilogias mas soacute restou uma delas a Oresteia

composta pelas peccedilas Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides30 Essa trilogia foi encenada em 458 aC

no teatro de Dioniso Em todas as peccedilas que sobreviveram Eacutesquilo obteve o primeiro lugar

27 A heranccedila da trageacutedia do eacutepico eacute muito mais importante para ela do que a do ditirambo mas a eacutepica natildeo pode explicar o componente coral da trageacutedia O ditirambo natildeo soacute pode fazer isso mas tambeacutem pode ancorar a trageacutedia no meio especiacutefico ateniense em que chegaram a ser concretizadas

28 Homem que primeiro produziu um antepassado reconheciacutevel do ator traacutegico no palco ateniense29 Aproximadamente entre o final das Guerras Persas e a derrota de Atenas por Esparta e seus aliados30 MOTA 2008 p18

26

Eacutesquilo o poeta de Elecircusis aleacutem de escrever trageacutedias tambeacutem lutou na batalha de

Maratona talvez por isso tenha tratado numa de suas trageacutedias da guerra conforme jaacute foi citado

Embora o momento narrado na peccedila date de oito anos antes Eacutesquilo reescreve esse momento

histoacuterico em sua trageacutedia movendo os fatos do seacutec V ao passado miacutetico A vitoacuteria dos gregos

contra os persas influenciaram muito na poesia da eacutepoca como na trageacutedia Os persas de Eacutesquilo

como afirma Debnar (2005 p7)

Conversely although the historical referent of Persians is clear modern scholarsrsquo interpretations of the poetrsquos use of the event are shaped in large part by how far they believe the Athenians had moved toward empire by the end of the 470s31

Tambeacutem na Oresteia encontram-se referecircncias ao seacutec V periacuteodo em que as trageacutedias foram

encenadas

The conflicts and resolution of the Oresteia are strongly colored by the difficulties the Athenians were facing in the 450s clashes with the Persians the First Peloponnesian War and political upheavals within their own city32 (Debnar 2005 p 10)

A primeira trageacutedia da trilogia Agamecircmnon apresenta uma ecircnfase no mar mostrando a

forccedila da guerra mariacutetima na viagem rumo a Troia e no retorno do rei de Argos O poder mariacutetimo

refletiria o poder adquirido por Atenas ao vencer os Persas Na outra peccedila Eumecircnides Eacutesquilo

coloca em cena o tribunal ateniense e uma disputa entre as leis antigas (Eriacutenias) e as novas (Atena)

E como exemplo mais definido dessa reforma juriacutedica em Atenas tem-se o seguinte exemplo

It is equally certain that when Athena gives the jury of Athenian citizens the power to try cases of murder the poet alludes to Ephialtesrsquo reform of the Areopagus which still retained this power in 45833 (DEBNAR 2005 p 10)

Natildeo somente nas trageacutedias de Eacutesquilo observam-se essas referecircncias histoacutericas ao periacuteodo

em que foram encenadas as peccedilas Em Soacutefocles na trageacutedia Aacutejax que foi encenada durante o

periacuteodo de trinta anos de paz na Greacutecia demonstra um retorno aos mitos homeacutericos pela

personagem Aacutejax como tambeacutem apresenta uma proximidade com o seacutec V aC

31 Por outro lado embora o referencial teoacuterico de Os persas seja claro as interpretaccedilotildees dos estudiosos modernos usadas pelo poeta do evento satildeo formadas em grande parte por quatildeo longe eles acreditam que os atenienses tenham se movido em direccedilatildeo ao impeacuterio ateacute o final de 470

32 Os conflitos e a resoluccedilatildeo da Oresteia satildeo fortemente ilustradas pelas dificuldades que os atenienses enfrentavam em 450 confrontos com os persas a primeira guerra do Peloponeso e levantes poliacuteticos dentro de sua proacutepria cidade

33 Eacute igualmente certo que quando Atena daacute ao juacuteri de cidadatildeos atenienses competecircncia para julgar os casos de homiciacutedio o poeta alude agrave reforma do Aeroacutepago de Efialtes que ainda mantinha esse poder em 458

27

At the same time his [Ajax] command of sailors would have reminded the fifth-century audience of themselves and of the great aristocratic generals responsible for repelling the Persians and for the prosperity that the expansion of the empire brought their city (DEBNAR 2005 p12)34

Tambeacutem se verifica na peccedila Suplicantes de Euriacutepides assim como em Eacutesquilo a presenccedila da

guerra Mas o momento histoacuterico natildeo eacute o mesmo conforme afirma Debnar (2005 p16)

Nonetheless just as mention of civil war in Eumenides is likely to have reminded Aeschylusrsquo audience of the political situation after Ephialtesrsquo reforms so in Euripidesrsquo play the refusal of the Thebans to allow burial of their foes could have reminded the Athenians of a similar incident involving Boeotians in the recent past35

A reforma de Efialtes que aconteceu dois ou trecircs anos antes da encenaccedilatildeo da peccedila

Eumecircnides de Eacutesquilo pode ser lembrada pelos espectadores na trageacutedia como jaacute foi citado

anteriormente (DEBNAR 2005 p10) assim como o incidente recente envolvendo os Beoacutecios

poderia ter sido lembrado pela audiecircncia da peccedila Suplicantes de Euriacutepides

Conforme se observa nos exemplos apresentados durante o seacutec V aC periacuteodo em que

foram encenadas as trageacutedias os mitos gregos foram reescritos investidos de uma nova visatildeo no

caso a influecircncia dos momentos histoacutericos vividos pelos gregos A audiecircncia dessas peccedilas ao

assistir os fatos jaacute vivenciados pelo seu povo se identifica com a trageacutedia encenada

O teatro grego do seacutec V aC era encenado nas festas dionisiacuteacas como as Dioniacutesias Rurais

as Leneias e as Grandes Dioniacutesias exceto nas Antesteacuterias nas quais natildeo se confirmam as

apresentaccedilotildees teatrais As Dioniacutesias Rurais aconteciam no mecircs de dezembro mecircs de Poseidon

comeccedilavam com um cortejo faacutelico e em sequecircncia acontecia um sacrifiacutecio depois desses seguiam

com as representaccedilotildees teatrais a trageacutedia a comeacutedia e o ditirambo As Leneias aconteciam em

janeiro no mecircs do Gameacutelion e incluiacuteam o cortejo conduzido pelo arconte sacrifiacutecio e

apresentaccedilotildees dramaacuteticas de comeacutedia de trageacutedia e de ditirambo Esse festival era tipicamente

aacutetico pois natildeo contava com a presenccedila de natildeo-atenienses As Antesteacuterias aconteciam entre os dias

11 e 13 do mecircs de Antesteacuterion mecircs de fevereiro No primeiro dia de festival era o dia de abertura

dos toneacuteis No segundo dia havia um concurso de bebida No terceiro dia acontecia a festa das

34 Ao mesmo tempo o seu [Aacutejax] comando de marinheiros teria lembrado o puacuteblico do quinto seacuteculo deles mesmos e dos grandes generais aristocraacuteticos responsaacuteveis por repelir os persas e pela prosperidade que a expansatildeo do Impeacuterio trouxe a sua cidade

35 No entanto assim como a menccedilatildeo de guerra civil em Eumecircnides eacute provaacutevel que tenha lembrado a audiecircncia de Eacutesquilo da situaccedilatildeo poliacutetica apoacutes as reformas de Efialtes portanto na peccedila de Euriacutepides a recusa dos tebanos para permitir o sepultamento de seus inimigos poderia ter lembrado os atenienses de um incidente semelhante envolvendo os Beoacutecios num passado recente

28

marmitas E natildeo haacute muitas referecircncias acerca da existecircncia de concursos dramaacuteticos nessa festa36

As Grandes Dioniacutesias eram festivais urbanos em honra de Dioniso Eleuteacuterio Esse festival

acontecia no mecircs do Elafeboacutelion (no final de marccedilo) e contava com a presenccedila natildeo soacute de cidadatildeos

atenienses mas tambeacutem de outras cidades-estados Nesse festival havia concursos teatrais e ldquoo

responsaacutevel pelas celebraccedilotildees era o arconte-epocircnimo que tinha a seu cargo os custos da pompe37 e

dos concursos dramaacuteticos e ditiracircmbicosrdquo (CASTIAJO 2012 p20) No primeiro dia de festival os

poetas os atores e os participantes dos coros que se apresentaratildeo no evento mostram-se sem

maacutescaras e davam uma preacutevia das performances a serem apresentadas No final desse dia a estaacutetua

de Dioniacuteso eacute conduzida de seu templo ateacute o teatro No segundo dia acontecia o cortejo religioso a

pompe e depois o sacrifiacutecio e de tarde ocorria o concurso de cantos corais Nos outros dias

aconteciam as competiccedilotildees dramaacuteticas nas quais eram encenadas comeacutedias trageacutedias e dramas

satiacutericos

A ordem das competiccedilotildees dramaacuteticas bem como os dias a elas dedicados continuam a ser questotildees controversas A versatildeo dominante eacute a de que antes e depois da guerra do Peloponeso (431-404 aC) o primeiro dia dos concursos era dedicado agrave performance de cinco comeacutedias e os restantes trecircs eram preenchidos cada um deles com a apresentaccedilatildeo por um uacutenico poeta e corego de trecircs trageacutedias e um drama satiacuterico Outra das versotildees daacute como certo que o primeiro dia estava reservado agrave performance dos ditirambos de rapazes e agrave representaccedilatildeo de uma comeacutedia o segundo agrave competiccedilatildeo dos coros ditiracircmbicos de homens e agrave performance de outra comeacutedia e os trecircs uacuteltimos dias cada um deles agrave apresentaccedilatildeo de uma tetralogia traacutegica e de uma comeacutedia (CASTIAJO 2012 p 26)

No uacuteltimo dia do festival o arconte-epocircnimo anunciava agrave audiecircncia os vencedores dos

concursos dramaacuteticos Os poetas vencedores eram coroados com coroas de hera e conduzidos para

casa por um cortejo vitorioso Natildeo se sabe quais seriam os precircmios concedidos aos melhores atores

A encenaccedilatildeo das peccedilas do seacutec V aC nas Grandes Dioniacutesias acontecia normalmente no

teatro de pedra de Dioniso De laacute o puacuteblico de quase 3000 pessoas tinha uma visatildeo privilegiada na

qual era possiacutevel acompanhar a procissatildeo e visualizar os sacrifiacutecios38 E tambeacutem era um ambiente

propiacutecio para as danccedilas e encenaccedilotildees No palco acontecia a cena os atores usavam maacutescaras que

ajudavam na projeccedilatildeo vocal As maacutescaras davam um caraacuteter impessoal aos atores e os distanciava

da audiecircncia Elas eram diferentes para a trageacutedia e para a comeacutedia E para complementar o figurino

dos atores as vestimentas que poderiam por exemplo demonstrar a classe social muito diziam de

suas personagens Assim como as maacutescaras as vestimentas e os sapatos tambeacutem eram distintos para

a trageacutedia e a comeacutedia Na trageacutedia os atores usavam a tuacutenica peplo e na comeacutedia a tuacutenica chiton 36 CASTIAJO 2012 p 13-1737 Procissatildeo38 CASTIAJO 2012 p33

29

curta para que fosse possiacutevel visualizar o phallos Os sapatos na trageacutedia eram simples e

confortaacuteveis com altura ateacute a perna jaacute na comeacutedia os sapatos eram triviais as embades

Depois de paramentados os atores deveriam cumprir o seu papel de representar uma

personagem deixando de ser um mero recitador de poemas Para designar ator os gregos

utilizavam a palavra hypokrites ldquojaacute usada no seacuteculo V aC e que natildeo haveria nenhum outro termo

para denominar atores em geral incluindo os protagonistasrdquo (CASTIAJO 2012 p82) Aleacutem de

hypokrites havia outros termos mais especiacuteficos para designar o papel ocupado pelo poeta dentro

da encenaccedilatildeo como protagonistes deuteragonistes e tritagonistes Esses termos eram pouco

utilizados e serviam para indicar a divisatildeo dos atores e natildeo um niacutevel de importacircncia Os atores

deveriam ter habilidades especiacuteficas para conseguirem desempenhar o seu papel como uma boa

projeccedilatildeo vocal uma flexibilidade de gesticulaccedilatildeo uma capacidade de danccedilar e muito preparo fiacutesico

para aguentar a rotina de ensaios e o tempo no palco

Em cena o ator dialogava com outro ator ou com um coro Visto como elemento primordial

(jaacute mencionado anteriormente) o coro vai perdendo espaccedilo com o passar dos anos para outros

atores nas representaccedilotildees dramaacuteticas No seacutec V aC ainda vemos o coro participando efetivamente

das trageacutedias de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides mas soacute

na viragem do seacuteculo V para o IV aC nomeadamente com a figura de Aacutegaton que se assiste de uma forma mais evidente ao relegar do papel do coro para segundo plano jaacute que por esta altura o enfoque passou a ser atribuiacutedo aos atores sendo que a participaccedilatildeo do coro passou a ser escassa cabendo-lhe quase exclusivamente a intervenccedilatildeo em interluacutedios ndash embolima ndash entre as peccedilas que mais natildeo eram do que cacircnticos com pouca ou sem qualquer relaccedilatildeo com os acontecimentos representados no espaccedilo ceacutenico passando desta forma e definitivamente a estar afastado da accedilatildeo dramaacutetica (CASTIAJO 2012 p106-107)

Poreacutem enquanto esteve presente efetivamente nas representaccedilotildees dramaacuteticas segundo

Castiajo (2012 p109-113) o coro exerceu funccedilotildees importantes como sendo o narrador dos fatos

conhecidos e desconhecidos da audiecircncia como o interlocutor do ator como ldquoum intermediaacuterio

entre o mundo ficcional da peccedila e a realidade da audiecircncia jaacute que por natureza composiccedilatildeo e

colocaccedilatildeo fiacutesica pertencia simultaneamente ao mundo da peccedila e ao mundo da audiecircnciardquo

(CASTIAJO 2012 p 110) como elemento teatral de identificaccedilatildeo das personagens que entram em

cena como representantes de um grupo especiacutefico como representante de uma coletividade E

assim como os atores o coro tambeacutem deveria ter a habilidade de projeccedilatildeo de voz e de danccedilar

Todo esse aparato cecircnico do teatro do seacutec V aC culminava numa representaccedilatildeo teatral

cujo principal espectador era o cidadatildeo grego

30

Assim para aleacutem de todo o tipo de cidadatildeos que estariam presentes fosse qual fosse a sua categoria profissional ou niacutevel de formaccedilatildeo ndash artesatildeos agricultores sacerdotes poetas filoacutesofos (o que a este niacutevel eacute representativo da dimensatildeo democraacutetica dos festivais) ndash eacute hoje cada vez mais aceite que tambeacutem os escravos as crianccedilas e as mulheres tinham assento no teatro (CASTIAJO 2012 p130)

Quanto agrave presenccedila das mulheres nas representaccedilotildees teatrais haacute controveacutersias alguns

estudiosos acreditam que as mulheres teriam ido ao teatro embora em nuacutemero reduzido e ficando

restritas a cadeiras especiacuteficas e outros que defendem que as mulheres natildeo frequentavam o teatro

durante os festivais E aleacutem dos homens mulheres crianccedilas e escravos os natildeo-atenienses39 ainda

assistiam aos espetaacuteculos durante as Grandes Dioniacutesias Essa diversidade de audiecircncia exigia dos

poetas e dos atores uma maior profissionalizaccedilatildeo de sua arte para que pudessem agradar o maior

nuacutemero possiacutevel de espectadores

O teatro em Roma se inicia por volta do seacutec III aC apoacutes a tomada da cidade de Tarento

pois os artesatildeos e os soldados apoacutes terem contato em suas viagens com representaccedilotildees teatrais nas

cidades de origem grega quiseram trazer essa nova experiecircncia para Roma

Because Roman merchants and soldiers had seen tragic performances in the Greek theatres of Tarentum and Syracuse during the campaigns against Pyrrhus and the Carthaginians they wanted to introduce this kind of drama at Rome and in 240BC Livius Andronicus a Tarentine Greek who bore the name of his Roman patron was commissioned to translate ndash or rather adapt ndash a tragedy and a comedy for the victory games40 (FANTHAM 2007 p116)

Todavia o teatro romano em sua formaccedilatildeo natildeo somente sofreu influecircncias dos gregos

provenientes da regiatildeo conhecida como Magna Greacutecia ndash Lucacircnia Apuacutelia e Siciacutelia ndash mas tambeacutem

dos etruscos (povo situado ao norte de Roma) e dos uacutembrios (povo situado agrave nordeste de Roma)

Os etruscos acumulavam elementos da cultura grega e da cultura feniacutecia Ficaram

conhecidos por seus muacutesicos danccedilarinos e maacutescaras mas natildeo restou nenhum texto escrito dessas

manifestaccedilotildees artiacutesticas somente pinturas que representam tais manifestaccedilotildees Tambeacutem o nome

actor (ator) teria origem na palavra etrusca histrio Quanto aos umbros pouco se sabe a respeito

deles Diante dessas imprecisas informaccedilotildees conclui Dupont (2003 p 142) ldquoCar ce qui fait

lidentiteacute du theacuteacirctre latin cest la rencontre et la synthegravese des deux la poeacutesie grecque e les spectacles

latins41rdquo Com isso pode-se dizer que as principais fontes do teatro romano seriam o teatro grego e

os espetaacuteculos latinos 39 Como trata-se de teatro ateniense os estrangeiros satildeo os que natildeo pertencem aquela poacutelis40 Porque os comerciantes e os soldados romanos tinham visto performances dramaacuteticas nos teatros gregos de Tarento e Siracusa durante as campanhas contra Pirro e os cartagineses eles queriam introduzir este tipo de drama em Roma e em 240 aC Liacutevio Andronico um tarentino grego que tinha o nome de seu patrono romano foi contratado para traduzir ndash ou melhor adaptar ndash uma trageacutedia e uma comeacutedia para os jogos de vitoacuteria41 Pois o que faz a identidade do teatro latino eacute o encontro e a siacutentese de dois a poesia grega e os espetaacuteculos latinos

31

Os espetaacuteculos romanos eram apresentados nos chamado ludi um festival coletivo puacuteblico

ou privado E nesses natildeo soacute aconteciam apresentaccedilotildees teatrais mas tambeacutem corrida de cavalos

combate de animais combate de gladiadores entre outras Os espetaacuteculos teatrais eram chamados

de ludi scaenici e os outros espetaacuteculos eram conhecidos como ludi circenses

The ludi scaenici were organised by Roman magistrates who used them (among other things) to impress their peers clients and the citizen body as a whole and (especially where the praetexta was concerned) for specific political goals42 (BOYLE 2009 p6)

Os romanos promoviam a princiacutepio espetaacuteculos de cunho religioso nos quais foram

inseridos as apresentaccedilotildees performatizadas ldquoThe ludi began with a sacrifice to the appropriate deity

and a procession from the cult temple but when the play began the actors had to compete with all

kinds of circus-style entertainmentrdquo43 (BOYLE 2009 p6) Os sacrifiacutecios tambeacutem poderiam ser

feitos aos magistrados e nem sempre eram dedicados a apenas uma divindade Jaacute as procissotildees

provavelmente remontam a uma tradiccedilatildeo etrusca

Nos ludi incluiam-se vaacuterias apresentaccedilotildees comeacutedias trageacutedias farsas atelanas mimos

muacutesica e danccedila44 Os espetaacuteculos teatrais eram apresentados em teatros ditos ldquotemporaacuteriosrdquo que

podiam ser montados e desmontados normalmente a estrutura desse teatro era feita de madeira ou

de maacutermore Por isso a scaena podia ser montada em vaacuterios lugares da cidade ao contraacuterio do que

acontecia com os jogos circenses que tinham um lugar fixo e fechado para a apresentaccedilatildeo de seus

espetaacuteculos45 O primeiro teatro dito ldquopermanenterdquo construiacutedo em Roma foi o teatro de Pompeu em

55 aC como caracteriza Goldberg (1996 p265)

The vast structure itself was in many ways a marvel Romes first stone theater designed to hold perhaps 40000 spectators incorporated a temple of Venus Victrix above the cavea flanked by four ancillary sanctuaries to revered abstractions like Honos and Virtus while behind the stage building stretched an elaborate portico and formal garden connecting the theater with a new senate-house some 200 meters to the east46

42 Os ludi scaenici foram organizados por magistrados romanos que os usaram (entre outras coisas) para impressionar os seus pares nobres e o corpo do cidadatildeo como um todo e (especialmente onde estava a pretexta foi referida) para objetivos poliacuteticos especiacuteficos

43 Os ludi comeccedilavam com um sacrifiacutecio agrave divindade apropriada e uma procissatildeo do templo de culto mas quando a peccedila comeccedilava os atores tinham que competir com todos os tipos de entretenimento de estilo circense

44 BOYLE 2009 p645 BEACHAM 2007 p202-22646 A grande estrutura em si foi de muitas maneiras uma maravilha o primeiro teatro de pedra de Roma projetado para

manter talvez 40 mil espectadores incorporou um templo de Venus Victrix acima do cauea ladeado por quatro santuaacuterios auxiliares para reverenciadas abstraccedilotildees como Honos e Virtus enquanto por detraacutes do palco construiacutedo estendeu um poacutertico elaborado e um jardim formal ligando o teatro com uma nova casa senatorial cerca de 200 metros para o leste

32

Depois desse teatro foram construiacutedos os teatros de Balbo em 13 aC e o de Marcelo em 11

aC no reinado de Augusto47 Com um espaccedilo fiacutesico definido para as encenaccedilotildees os jogos romanos

jaacute constavam em seus calendaacuterios Em Roma os festivais aconteciam normalmente de abril a

novembro comeccedilando com os Ludi Megalenses e os Ludi Cerialis em abril e terminando com os

Ludi Plebeii em novembro48

Em todos os jogos aconteciam representaccedilotildees teatrais que eram encerrados pelas

apresentaccedilotildees circenses Os espetaacuteculos duravam o dia todo se estendendo ateacute a noite O povo

romano passava muitos dias do ano nos Jogos Aleacutem de proporcionar divertimento nesses

espetaacuteculos eram distribuiacutedos para o povo comida e presentes

A audiecircncia romana era composta por pessoas de todas classes sociais do escravo ao

magistrado mas havia uma divisatildeo social dentro do teatro cujo em assentos especiacuteficos de acordo

com a sua colocaccedilatildeo na sociedade as pessoas se acomodavam

Admission was free on a first-come first-served basis but restrictions on seating for different classes made the theatre lsquoa vivid representation of Roman social hierarchyrsquo As choruses played little or no role in Roman drama seats were set up in the orchestra for senators (and possibly their families) behind which sat recent civic honourees The next fourteen rows were reserved for the lsquoknightsrsquo (equites) Behind them sat married (male) citizens then unmarried citizens then women and finally slaves who often stood in the back49 (REHM 2007 p197)

Os atores traacutegicos portavam uma coroa na cabeccedila vestiam-se com uma toga puacuterpura ou

violeta e calccedilavam coturnos Quanto agraves maacutescaras os atores romanos natildeo as utilizaram muito

porque a princiacutepio elas estavam restritas agraves atelanas50 As maacutescara foram usadas por um curto

espaccedilo de tempo durante o seacutec I pela trageacutedia e pela comeacutedia Esse haacutebito soacute foi conservado pela

pantomima51 Ao inveacutes da maacutescara o ator romano privilegiava o uso da maquiagem52

Outro produto essencial do teatro romano era a muacutesica que estava presente em todas as

47 DUPONT 2003 p5848 REHM 2007 p19449 A entrada era gratuita organizada por ordem de chegada mas as restriccedilotildees de assentos para diferentes classes

tornavam o teatro a representaccedilatildeo viva da hierarquia social romana Como os coros pouco encenados ou com nenhum papel no teatro romano os assentos foram instalados na orquestra para senadores (e possivelmente suas famiacutelias) atraacutes dos quais se sentavam os cidadatildeos receacutem homenageados As proacuteximas quatorze filas foram reservadas para os cavaleiros (equites) Atraacutes deles sentavam-se os cidadatildeos casados (masculino) os cidadatildeos solteiros entatildeo as mulheres e finalmente os escravos que muitas vezes ficavam na parte de traacutes

50 A atelana era ldquooriginaacuteria ao que tudo indica uma espeacutecie de farsa popular vivida por personagens fixas burlescas e caracteriacutesticas (hellip) Aparentada com o drama satiacuterico com a hilarotrageacutedia e com a farsa tarentina a atelana era representada por personagens mascaradas (hellip) Vazada inicialmente em linguajar ruacutestico a atelana se intelectualiza aos poucos assumindo dimensotildees literaacuterias no comeccedilo do seacutec I aC quando Noacutevio e Pompocircnio compotildeem textos para representaccedilotildeesrdquo (CARDOSO 2003 p 38)

51 A pantomima era ldquorepresentada por atores mascarados e versando sobre assuntos mitoloacutegicos ou extraiacutedos da realidade cocircmicos ou seacuteriosrdquo (CARDOSO 2003 p38)

52 DUPONT 2003 p81

33

apresentaccedilotildees teatrais A muacutesica era apresentada por um flautista e um cantor O puacuteblico romano

preferia a muacutesica desde as origens da cidade ldquoLa culture musicale est geacuteneacuterale les chansons

chanteacutees au theacuteacirctre sont reprises et fredonneacutees dans les rues et les banquetsrdquo53 (DUPONT 2003

p116) Aleacutem de apreciar a muacutesica o puacuteblico romano tambeacutem se detinha no momento do

espetaacuteculo na performance dos atores

A preferecircncia do povo romano pela muacutesica pelo espetaacuteculo pela performance vai distanciaacute-

lo do teatro de texto teatro de influecircncia grega cultivado pelos poetas do periacuteodo claacutessico romano

O teatro em Roma de acordo com o puacuteblico pode ser dividido em dois tipos diferentes como afirma

DUPONT (2003 p126-127)

Le theacuteacirctre romains fut donc perpeacutetuellement deacutechireacute par un clivagem sociologique du public qui correspond agrave un clivage estheacutetique Ce clivage lisible dans le public va aboutir agrave la constitution de deux publics et deux types de theacuteacirctres diffeacuterents Paralleacutelement agrave la pantomime qui va canaliser le public populaire un theacirctre litteacuteraire apparaicirct sous lEmpire theacuteacirctre agrave textes54

Com isso as apresentaccedilotildees teatrais no periacuteodo do Impeacuterio Romano mais aceitas pelo

puacuteblico popular eram as pantomimas enquanto os textos teatrais se propagavam pela elite romana

Esse novo teatro romano de natureza literaacuteria natildeo se adequava agraves apresentaccedilotildees teatrais ocorridas

durante os Jogos por isso os poetas encontraram um outro meio de divulgar as suas obras elas

eram apresentadas em reuniotildees particulares de aristocratas em forma de leitura puacuteblica55

La lecture des trageacutedies donne agrave celle-ci une digniteacute nouvelle Cette reacuteception eacuterudite des textes theacuteacirctraux suscite une nouvelle forme deacutecriture la piegravece est deacutesormais un texte clos produisant une signification symbolique Deacutesormais il est possible denvisager lexistence dun theacuteacirctre politique intentionnellement politique ougrave les personnages soient des figures du pouvoir et mecircme dun theacuteacirctre psychologique ougrave les personnages soient des figures de la passion (DUPONT 2003 p 127-128)56

Com esse novo meio de divulgaccedilatildeo dos textos as peccedilas teatrais passaram a privilegiar

outros assuntos natildeo abordados antes como as questotildees poliacuteticas e sociais estas caracteriacutesticas natildeo

eram mencionadas nas encenaccedilotildees durante os Jogos Romanos pois nesses eventos o principal

53 A cultura musical eacute geral as canccedilotildees cantadas no teatro satildeo retomadas e cantaroladas nas ruas e nos banquetes 54 O teatro romano foi pois perpetualmente divido por uma clivagem socioloacutegica do puacuteblico que corresponde a uma

clivagem esteacutetica Essa clivagem legiacutevel do puacuteblico vai resultar na constituiccedilatildeo de dois puacuteblicos e de dois tipos de teatro diferentes Paralelamente agrave pantomima que vai canalizar o puacuteblico popular um teatro literaacuterio aparece sob o Impeacuterio o teatro de texto

55 DUPONT 2003 p12756 A leitura das trageacutedias datildeo a essas uma nova dignidade Essa recepccedilatildeo erudita dos textos teatrais suscita uma nova

forma de escrita a peccedila eacute daqui em diante um texto fechado produtor de uma significaccedilatildeo simboacutelica Daqui em diante eacute possiacutevel considerar a existecircncia de um teatro poliacutetico intencionalmente poliacutetico onde as personagens sejam figuras de poder mesmo de um teatro psicoloacutegico onde as personagens sejam figuras de paixatildeo

34

objetivo era o divertimento

O teatro literaacuterio se inicia com Liacutevio Andronico Apoacutes a tomada de Tarento em 272 aC o

jovem eacute levado para Roma como preso de guerra Ele chega nessa cidade ainda crianccedila e eacute educado

em escola biliacutengue para escravos especializados E em 249 aC Liacutevio Andronico apresenta o

primeiro poema nos Ludi Tarentini Ele tambeacutem traduziu a Odisseia de Homero em versos

saturninos e escreveu peccedilas teatrais atraveacutes de mitos gregos como a mais conhecida O Cavalo de

Troia57 assim ldquoby adapting a Greek tragedy Livius was transferring an established Greek dramatic

tradition to Rome creating the Roman theatrerdquo58

Depois de Liacutevio Andronico Neacutevio foi o segundo tragedioacutegrafo em Roma Ele encenou a

primeira trageacutedia em 235 aC e tanto escreveu trageacutedias como comeacutedias59 Tambeacutem utilizou-se de

temas associados agrave mitologia grega e aleacutem disso Neacutevio introduziu um novo gecircnero dramaacutetico

tipicamente romano a fabula pretexta

Ecircnio tambeacutem escreveu trageacutedias e inovou em seus poemas ldquoIl ne lui suffit pas decirctre

applaudi au theacuteacirctre il veut ecirctre immortaliseacute dans ses oeuvres Il inaugure un noveau type de poegravetes

qui a la faccedilon grecque cherche la gloire dans leacutecriture (DUPONT 2003 p 313)60 por isso ele

distancia-se da trageacutedia para encenaccedilatildeo dos Jogos Romanos Ecircnio escreveu uma epopeia Annales e

uma trageacutedia pretexta61 Ambracia Esse poeta foi muito citado por Ciacutecero e aceito pelo povo

romano suas trageacutedias seguiram o modelo das trageacutedias gregas utilizando-se principalmente da

mitologia ldquoEnnius a donneacute agrave ses trageacutedies leur dimension monumentale par une eacutecriture rheacutetorique

qui leur insufflait un poids politiquerdquo62 (DUPONT 2003 p 326)

No periacuteodo em que foram encenadas as trageacutedias de Liacutevio Neacutevio e Ecircnio havia uma

preocupaccedilatildeo com a audiecircncia em contraposiccedilatildeo o proacuteximo tragedioacutegrafo Pacuacutevio natildeo se

preocupou com isso

Pacuvius did not strive for complete audience identificacion with his characters in that he used the archaicizing language of his dramatic precursors and coined some odd expressions to elevate his poetry from contemporary expression63 (ERASMO 2004

57 DUPONT 2003 p 145-16158 Adaptando uma trageacutedia grega Liacutevio estava transferindo uma tradiccedilatildeo dramaacutetica grega estabelecida a Roma

criando o teatro romano59 ERASMO 2004 p1460 Natildeo basta para ele ser aplaudido no teatro ele quer ser imortalizado em suas obras Ele inaugura um novo tipo de

poeta que ao modo grego procura a gloacuteria na escrita 61 A trageacutedia praetexta eacute uma trageacutedia tipicamente romana pois os acontecimentos se passam em Roma e as

personagens satildeo da histoacuteria romana ldquoNa fabula praetexta o heroacutei eacute um grande homem rei ou cocircnsul da histoacuteria romana e enverga a toga debruada a puacuterpura insiacutegnia do poder Trata-se de um teatro de caacuteriz poliacuteticordquo (GAILLARD 1992 p 36)

62 Ecircnio deu a suas trageacutedias um dimensatildeo monumental a uma escrita retoacuterica que lhe insuflava um peso poliacutetico 63 Pacuacutevio natildeo se esforccedila para a completa identificaccedilatildeo da audiecircncia com seus personagens em que ele usou a

linguagem arcaizante de seus precursores dramaacuteticas e cunhou algumas expressotildees estranhas para elevar sua poesia

35

p35)

Pacuacutevio foi considerado um dos melhores tragedioacutegrafos romanos Depois dele tem-se Aacutecio

que continuou a escrever trageacutedias de mitos gregos mas ele ldquoseems to draw attention to the art of

persuasion as much as to its ill effectsrdquo64 (ERASMO 2004 p43) Ele marcou a sua eacutepoca como o

uacuteltimo tragedioacutegrafo profissional em Roma65

No Impeacuterio de Augusto a trageacutedia romana ganha vaacuterios representantes mas deste periacuteodo

restaram pouquiacutessimos versos A maioria da produccedilatildeo traacutegica da eacutepoca foi amadora as mais

famosas peccedilas foram Tiestes de Vaacuterio e Medeia de Oviacutedio as quais Quintiliano comentou66 Nesse

periacuteodo a pantomima ganha mais espaccedilo nas apresentaccedilotildees teatrais e as trageacutedias passam a ser mais

escritas e elaboradas Para Dupont (2003 p 340-341)

Mais en reacutealiteacute le siegravecle dAuguste marque le divorce deacutefinitif de la parole tragique e des spectacles car les pantomimes et les lectures publiques apparaissent preacuteciseacutement agrave ce moment La trageacutedie se transforme totalment en opeacutera et la poeacutesie dramatique se retire dans les auditoriums67

Com isso pode-se pensar que a trageacutedia romana deixa de ser encenada e passa a ser lida

publicamente em reuniotildees privadas da aristocracia romana

Under the Principate literary drama began to abandon public theaters for the more intimate (and more aristocratic) confines of smaller roofed halls and private homes Recitation rather than fully staged performance became the norm the kind of performance long established for the presentation of Latin literary works68

(GOLDBERG 1996 p273)

de expressatildeo contemporacircnea64 parece chamar a atenccedilatildeo para a arte da persuasatildeo tanto quanto aos seus efeitos nocivos65 GOLDBERG 1996 p27066 GOLDBERG 1996 p27167 Mas na realidade o seacuteculo de Augusto marca o divoacutercio definitivo da fala traacutegica e dos espetaacuteculos pois as

pantomimas e as leituras puacuteblicas aparecem precisamente nesse momento A trageacutedia se transforma totalmente em oacutepera e a poesia dramaacutetica se retira dos auditoacuterios

68 Sob o principado drama literaacuterio comeccedilou a abandonar os teatros puacuteblicos para os mais iacutentimos limites (e mais aristocraacutetico) de salas cobertas menores e casas particulares Recitaccedilatildeo em vez de totalmente encenada uma performance tornou-se a norma o tipo de perfomance estabelecida haacute muito tempo para a apresentaccedilatildeo de obras literaacuterias latinas

36

3 CAPIacuteTULO 2 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo

Este capiacutetulo pretende apresentar como o mito do rei Agamecircmnon eacute mostrado pela tradiccedilatildeo

grega de Homero a Eacutesquilo Nesse periacuteodo haacute registros do mito de Agamecircmnon na Iliacuteada e na

Odisseia de Homero nos fragmentos dos poemas do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos no

poema Oresteia de Estesiacutecoro que chegou ateacute noacutes tambeacutem de forma muito fragmentada na Piacutetica

XI de Piacutendaro e na Oresteia de Eacutesquilo Com base nessa tradiccedilatildeo tentar-se-aacute apresentar como o

mito de Agamecircmnon eacute reescrito por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon

31 A tradiccedilatildeo eacutepica os poemas homeacutericos e os poemas eacutepicos do ciclo troiano

Os primeiros textos poeacuteticos da literatura grega que restaram foram a Iliacuteada e a Odisseia

ambos atribuiacutedos a Homero datados do seacutec VIII aC Nas duas obras encontra-se a nossa

personagem principal Agamecircmnon sendo apresentada em cada uma das obras de maneira

particular

A Iliacuteada narra a ira de Aquiles que se deu no uacuteltimo ano da guerra de Troia A ira do chefe

dos Mirmidotildees foi provocada por Agamecircmnon que ao perder a sua presa de guerra filha de um

sacerdote de Apolo apossa-se da cativa de Aquiles Briseida No canto I Agamecircmnon mostra-se um

rei impiedoso arrogante e desrespeitoso com os deuses quando natildeo se importa com o pedido de

Crises (Il I v24-32) E o chefe dos gregos fica irritado quando Calcante o acusa de ser o

responsaacutevel pela peste no acampamento

Ἤτοι ὅ γ ὣς εἰπὼν κατ ἄρ ἕζετο τοῖσι δ ἀνέστηἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνωνἀχνύμενος μένεος δὲ μέγα φρένες ἀμφιμέλαιναιπίμπλαντ ὄσσε δέ οἱ πυρὶ λαμπετόωντι ἐΐκτην (Hom Il I v101-104)

Levanta-te entatildeo do seu postoo nobre filho de Atreu Agameacutemnone rei poderosocom torvo aspecto De trevas a coacutelera o peito lhe enchia a transbordar Pareciam-lhe os olhos dois fogos brilhantes69

Aquiles sente-se ultrajado pelo rei que tomou a sua cativa de guerra e pede ajuda agrave sua

matildee Teacutetis No canto II Agamecircmnon tem um sonho enganador e por isso convoca uma assembleia

para que os gregos retornem agrave guerra O rei aparece portando um cetro de origem divina como

siacutembolo do seu poder divino

69 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

37

ἀνὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνἔστη σκῆπτρον ἔχων τὸ μὲν Ἥφαιστος κάμε τεύχωνἭφαιστος μὲν δῶκε Διὶ Κρονίωνι ἄνακτι (Hom Il II v100-102)

Levanta-se o forte Agameacutemnonenas matildeos o cetro que Hefesto com muito artifiacutecio forjarapara presente fazer a Zeus pai que de Crono nascera

Depois da assembleia Agamecircmnon faz um sacrifiacutecio a Zeus para que proteja os gregos na

guerra demonstrando um caraacuteter religioso proacuteprio dos monarcas (Il II v402-403) E com o

exeacutercito pronto o rei aparece suntuoso de aparecircncia divina

μετὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνὄμματα καὶ κεφαλὴν ἴκελος Διὶ τερπικεραύνῳἌρεϊ δὲ ζώνην στέρνον δὲ Ποσειδάωνιἠΰτε βοῦς ἀγέληφι μέγ ἔξοχος ἔπλετο πάντωνταῦρος ὃ γάρ τε βόεσσι μεταπρέπει ἀγρομένῃσιτοῖον ἄρ Ἀτρεΐδην θῆκε Ζεὺς ἤματι κείνῳἐκπρεπέ ἐν πολλοῖσι καὶ ἔξοχον ἡρώεσσιν (Hom Il II v477-483)

No meio se achava Agameacutemnone ao grande fulminador semelhante no olhar e feitio do rosto a Ares no talho do cinto e a Posido no peito fortiacutessimoBem como o touro de grande manada que a todos os outros bois sobreexcede e apoacutes se vai levando reunidas as vacastal aparecircncia emprestou nesse dia Zeus grande a Agameacutemnonepara que fosse o primeiro entre tantos heroacuteis excelentes

No canto III Priacuteamo pede a Helena que lhe apresente quais satildeo os gregos presentes naquele

combate O primeiro eacute Agamecircmnon assim descrito por Helena

οὗτός γ Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνων ἀμφότερον βασιλεύς τ ἀγαθὸς κρατερός τ αἰχμητής (Hom Il III v178-179)

Esse eacute Agamecircmnon rei poderoso de Atreu descendente tatildeo grande rei chefe dos homens quatildeo forte e notaacutevel guerreiro

E apoacutes as palavras de Helena Priacuteamo responde

ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη μοιρηγενὲς ὀλβιόδαιμονἦ ῥά νύ τοι πολλοὶ δεδμήατο κοῦροι Ἀχαιῶν (Hom Il III v182-183)

Oacute venturoso Agameacutemnone filho dileto dos deusesque sobre tantos guerreiros Acaios o mando exercitas

38

Mais adiante no canto IX depois de muitos gregos mortos em combate Agamecircmnon

propotildee o retorno agrave Greacutecia pois os gregos estatildeo perdendo a batalha

ἀλλ ἄγεθ ὡς ἂν ἐγὼ εἴπω πειθώμεθα πάντες φεύγωμεν σὺν νηυσὶ φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν οὐ γὰρ ἔτι Τροίην αἱρήσομεν εὐρυάγυιαν (Hom Il IX v26-28)

Ora faccedilamos conforme o aconselho obedeccedilam-me todos para o torratildeo de nascenccedila fujamos nas ceacuteleres naves pois eacute impossiacutevel tomar a cidade espaccedilosa dos Teucros

Mas por causa dessa proposta o rei natildeo eacute bem visto pelos companheiros sendo considerado

como covarde por isso pela primeira vez reconhece os seus erros e propotildee a Aquiles por

intermeacutedio de Odisseu a devoluccedilatildeo de Briseida e uma grande recompensa (Il IX v15-161)

Mesmo assim Aquiles ainda irado natildeo aceita a proposta do rei de Argos (Il IX v386-387) No

canto XI tem-se o triunfo do chefe das tropas gregas Agamecircmnon lidera os gregos num combate

contra os troianos chefiados por Heitor Nesse duelo o Atrida mata muitos inimigos

ἀτὰρ κρείων Ἀγαμέμνων αἰὲν ἀποκτείνων ἕπετ Ἀργείοισι κελεύων (Hom Il XI v153-154)

Natildeo cessa Agameacutemnone forte de dizimar o inimigo exortando os guerreiros argivos

Poreacutem o rei acaba se ferindo em combate e embora natildeo quisesse sair da luta para se

proteger sobe num carro rumo agraves naus

στῆ δ εὐρὰξ σὺν δουρὶ λαθὼν Ἀγαμέμνονα δῖοννύξε δέ μιν κατὰ χεῖρα μέσην ἀγκῶνος ἔνερθεἀντικρὺ δὲ διέσχε φαεινοῦ δουρὸς ἀκωκήῥίγησέν τ ἄρ ἔπειτα ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνωνἀλλ οὐδ ὧς ἀπέληγε μάχης ἠδὲ πτολέμοιο (Hom Il XI v251-255)

Sem que o notasse Agameacutemnone pocircs-se-lhe ao lado e com a lanccedila proacuteximo do cotovelo o antebraccedilo no meio feriu-lhe atravessando-o com a ponta aguccedilada do hastil reluzente Estremeceu Agameacutemnone nobre pastor de guerreiros mas natildeo obstante natildeo quis desistir dos combates e lutas

Logo o chefe retorna ao acampamento dos gregos para cuidar dos ferimentos Em seguida

no canto XIV Agamecircmnon chega ao acampamento ferido ao lado de Odisseu e Diomedes o rei

retoma a ideia de que os gregos fujam de Troia

39

νῆες ὅσαι πρῶται εἰρύαται ἄγχι θαλάσσηςἕλκωμεν πάσας δὲ ἐρύσσομεν εἰς ἅλα δῖανὕψι δ ἐπ εὐνάων ὁρμίσσομεν εἰς ὅ κεν ἔλθῃνὺξ ἀβρότη ἢν καὶ τῇ ἀπόσχωνται πολέμοιοΤρῶες ἔπειτα δέ κεν ἐρυσαίμεθα νῆας ἁπάσαςοὐ γάρ τις νέμεσις φυγέειν κακόν οὐδ ἀνὰ νύκταβέλτερον ὃς φεύγων προφύγῃ κακὸν ἠὲ ἁλώῃ (Hom Il XIV v75-81)

Sem mais demora arrastemos as naus que se encontram mais perto da praia extensa e as lancemos agraves ondas divinas bem longe onde o mar for mais profundo firmando-as com as pedras acircncoras para aguardarmos a Noite imortal Caso os Teucros se abstenham de combater poderemos talvez pocircr a nado elas todas Natildeo eacute vergonha fugir ainda mesmo seja de noite Eacute preferiacutevel da ruiacutena escapar a ser presa do imigo

Mas os outros gregos natildeo querem recuar e retomam a luta Apoacutes muitas perdas e com a

decisatildeo de Aquiles de retornar para a batalha para vingar a morte de Paacutetroclo no canto XIX

Agamecircmnon mais uma vez reconhece os seus erros e a ofensa a Aquiles com isso por intermeacutedio

de Odisseu devolve Briseida e os ricos presentes jaacute prometidos Ao devolver a cativa de Aquiles

Agamecircmnon faraacute um juramento afirmando nunca ter tocado na jovem

ἀνθρώπους τίνυνται ὅτις κ ἐπίορκον ὀμόσσῃ μὴ μὲν ἐγὼ κούρῃ Βρισηΐδι χεῖρ ἐπένεικα οὔτ εὐνῆς πρόφασιν κεχρημένος οὔτέ τευ ἄλλου (Hom Il XIX v260-262)

Nunca na jovem Briseide toquei nem por forccedila de amores nem porque em mim tenha atuado outra forccedila qualquer porventura Em minha tenda durante esse tempo ficou ela intacta

E no canto XXIII Aquiles preocupado com as honras fuacutenebres de Paacutetroclo logo apresenta

Agamecircmnon como chefe das tropas para determinar a construccedilatildeo da pira funeraacuteria do morto desse

modo o poder do rei mostra-se vinculado aos preceitos religiosos

ἠῶθεν δ ὄτρυνον ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγάμεμνονὕλην τ ἀξέμεναι παρά τε σχεῖν ὅσσ ἐπιεικὲςνεκρὸν ἔχοντα νέεσθαι ὑπὸ ζόφον ἠερόενταὄφρ ἤτοι τοῦτον μὲν ἐπιφλέγῃ ἀκάματον πῦρθᾶσσον ἀπ ὀφθαλμῶν λαοὶ δ ἐπὶ ἔργα τράπωνται (Hom Il XXIII v49-53)

Mas quando da aurora raiar Agameacutemnone de homens caudilhomanda que lenha nos tragam e o mais de que um morto precisaquando haacute de a viagem fazer para o reino das trevas espessas para que o fogo incansavel depressa o consuma tirando-ode nossas vistas e assim possam todos voltar para a lida

Assim as apariccedilotildees de Agamecircmnon na Iliacuteada satildeo descritas observa-se que a personagem eacute

40

caracterizada atraveacutes das falas de outras personagens e tambeacutem de suas proposiccedilotildees

principalmente num contexto de guerra como rei chefe guerreiro forte valoroso valente

poderoso viril religioso e de aparecircncia divina em alguns momentos eacute depreciado ao aparecer

como covarde e autoritaacuterio Nesse texto o Agamecircmnon natildeo exerce outros papeacuteis como os

familiares ele aparece principalmente como chefe dos gregos

Poreacutem Agamecircmnon natildeo estaacute presente na Iliacuteada somente nesses momentos citados

anteriormente apenas foram selecionados os mais relevantes O chefe dos gregos eacute intitulado

principalmente dos seguintes epiacutetetos Atrida como em ἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων

Ἀγαμέμνων70 (Hom Il I v102) tambeacutem nesse exemplo tem-se o epiacuteteto de poderosoforte

κρείων outro epiacuteteto eacute o de chefe dos homens ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων71 ( Hom Il II

v612) Chega a ser equiparado aos deuses ao receber a seguinte adjetivaccedilatildeo ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη72

(Hom Il III v182) o adjetivo μάκαρ eacute usado apenas para os deuses como se pode verificar no

verbete do Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego de Isidro (1998 p 354)

μάκαρ feliz rico opulento os Bem-aventurados (deuses)

Jaacute na Odisseia epopeia que narra a volta de Odisseu para a sua paacutetria apoacutes guerrear em

Troia a menccedilatildeo agrave personagem Agamecircmnon se faz em nuacutemero menor de versos em comparaccedilatildeo

com a Iliacuteada No canto III Atena na aparecircncia de Mentor acompanha Telecircmaco na busca por

notiacutecias sobre Odisseu que ainda natildeo havia retornado para a paacutetria apoacutes passados muitos anos do

fim da batalha Na primeira parada desembarcam em Pilos e encontram o velho Nestor que lhes

contaraacute alguns acontecimentos do fim da guerra de Troia como o momento da assembleia dos

gregos liderada por Agamecircmnon para discutir o retorno para a paacutetria Depois Nestor menciona o

destino do valoroso chefe dos gregos

Ἀτρεΐδην δὲ καὶ αὐτοὶ ἀκούετε νόσφιν ἐόντεςὥς τ ἦλθ ὥς τ Αἴγισθος ἐμήσατο λυγρὸν ὄλεθρον (Hom Od III v193-194)

O que respeita ao Atrida soubeste-lo embora distantesde sua volta e do fim desditoso que Egisto lhe urdiu73

70 Optou-se por natildeo traduzir diretamente no texto alguns versos citados em grego da Iliacuteada e da Odisseia de Homero e do Agamecircmnon de Eacutesquilo pois as traduccedilotildees utilizadas para as obras citadas em alguns momentos natildeo abrangem o valor semacircntico adequado para essa pesquisaPortanto traduziu-se o verso assim O nobre Atrida Agamecircmnon chefe poderoso (traduccedilatildeo nossa)

71 O chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)72 Oacute bem-aventurado Atrida (traduccedilatildeo nossa)73 Todas as traduccedilotildees da Odisseia da Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na

referecircncia bibliograacutefica HOMERO Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

41

Nessa conversa a deusa Atena tambeacutem fala da morte de Agamecircmnon como produto do

artifiacutecio de sua esposa e do amante dela

ἢ ἐλθὼν ἀπολέσθαι ἐφέστιος ὡς Ἀγαμέμνων ὤλεθ ὑπ Αἰγίσθοιο δόλῳ καὶ ἧς ἀλόχοιο (Hom Od III v234-235)

tal como Agameacutemnone que sucumbiu ante fraude de sua mulher e de Egisto

Mais adiante Telecircmaco questiona Nestor sobre a morte de Agamecircmnon O velho explica

como Egisto planejou a morte e lembra que Orestes vingou a morte do rei matando Egisto Nestor

atribui a Egisto o assassiacutenio do rei

κτείνας Ἀτρεΐδην δέδμητο δὲ λαὸς ὑπ αὐτῷ ἑπτάετες δ ἤνασσε πολυχρύσοιο Μυκήνης (Hom Od III v304-305)

(Egisto) reina em Micenas em ouro abundante durante sete anos poacutes dar a Morte a Agameacutemnone e o povo forccedilar a obediecircncia

No canto IV Telecircmaco aporta na Lacedemocircnia e visita o palaacutecio de Menelau o irmatildeo de

Agamecircmnon O jovem escuta as palavras do rei que descreve como foi o retorno dos gregos para as

suas respectivas paacutetrias apoacutes a destruiccedilatildeo de Troia e relata que Agamecircmnon foi morto ao voltar

para casa viacutetima de um plano de Egisto que preparou um banquete como armadilha para

recepcionaacute-lo e o matar com o intuito de tomar o seu reino

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como

42

na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

No canto VIII quando Odisseu estaacute na terra dos feaacutecios e participa da assembleia um cantor

aparece para recitar os feitos dos homens dentre eles Agamecircmnon (Od VIII v77-79) No canto

IX Odisseu se apresenta ao Ciclope como partiacutecipe da tropa de Agamecircmnon (Od IX v263-266)

No canto XI Odisseu desce ao Hades e encontra por laacute Agamecircmnon uma alma sofrida

acompanhado dos companheiros mortos por Egistos (Od XI v387-389) Odisseu conversa com

Agamecircmnon e busca saber a causa da sua morte O chefe dos gregos assim responde

οὔτε μ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ ἐπὶ χέρσουἀλλά μοι Αἴγισθος τεύξας θάνατόν τε μόρον τεἔκτα σὺν οὐλομένῃ ἀλόχῳ οἶκόνδε καλέσσαςδειπνίσσας ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃὣς θάνον οἰκτίστῳ θανάτῳ (Hom Od XI v408-412)

nem quando em terra saltasse caiacute pela matildeo de inimigosNatildeo minha Morte e o destino fatal por Egisto me vieramCom minha esposa funesta matou-me depois de chamar-me para um banquete em sua casa qual boi que se abate no talhoDessa maneira morri vergonhosa

Agamecircmnon lamenta a sua morte vergonhosa e tambeacutem critica a sua esposa (Od XI v427-

430) No canto XIII jaacute em Iacutetaca Odisseu ao conversar com Atenas teme que o seu destino seja

semelhante ao de Agamecircmnon ao saber da existecircncia dos pretendentes de Peneacutelope (Od XIII

v383-385) E no canto XXIV Agamecircmnon novamente aparece no Hades pois os pretendentes de

Peneacutelope apoacutes a morte seguem para o reino dos mortos Eles ficam ao redor de Aquiles e chega

Agamecircmnon que conversa com o Pelida Aquiles lembra a morte ingloriosa do chefe dos gregos

(Od XXIV v34) que a lamenta

ἐν νόστῳ γάρ μοι Ζεὺς μήσατο λυγρὸν ὄλεθρονΑἰγίσθου ὑπὸ χερσὶ καὶ οὐλομένης ἀλόχοιο (Hom Od XXIV v96-97)

Zeus me aprestou triste Morte ao me achar novamente na praia agraves matildeos de Egisto guerreiro e da minha funesta consorte

Agamecircmnon reconhece dentre os pretendentes um que o hospedou em Iacutetaca Os dois

conversam o rei lamenta a esposa que teve e admira a sorte de Odisseu que se casou com uma

mulher muito virtuosa Peneacutelope (Od XXIV v192-202)

Desse modo a Odisseia nos apresenta o mito do glorioso chefe dos gregos lembrando

principalmente a sua morte que aparece em conflito com a gloacuteria guerreira dele Agamecircmnon eacute

lembrado pelas personagens por causa da sua morte vergonhosa e tambeacutem aparece duas vezes na

43

narrativa como uma alma sofrida por ter tido tal morte

Dos fragmentos dos poemas eacutepicos do ciclo troiano haacute a reconstituiccedilatildeo de parte dos textos

estes poemas seriam Cantos Ciacuteprios Etiacuteopes A Pequena Iliacuteada O Saque de Iacutelion Retornos e

Telegonia todos eles foram escritos apoacutes as obras de Homero Dentre os poemas apresentar-se-atildeo

apenas Cantos Ciacuteprios e Retornos pois ambos apresentam trechos relevantes do mito de

Agamecircmnon O Cantos Ciacuteprios datado do seacutec VI aC e de autoria desconhecida deteacutem-se nas

origens da Guerra de Troia ateacute o iniacutecio da Iliacuteada Neste poema Agamecircmnon o chefe dos gregos

sacrifica a proacutepria filha Ifigecircnia em honra agrave deusa Aacutertemis

και τό δεύτερον ήθροισμένου του στόλου έν Ανλίδι Αγαμέμνων επί θήρας βαλών έλαφον ύπερ-βάλλειν έφησε και τήν Αρτεμιν μηνίσασα δέ ή θεός έπέσχεν αυτούς τοΰ πλον χειμώνας έπιπέμπουσα Ίίάλχαντος δέ είπόντος τήν της θεού μήνιν καί Ίφιγένειαν κελενσαντος θύειν τήι Αρτέμιδι ώς επί γάμον αυτήν Αχιλλεΐ μεταπεμφάμενοι θύειν έπιχει-ρούσιν ltΚάλχας δέ έφη ουκ άλλως δύνασθαι πλεΐν αυτούς ει μή τών Αγαμέμνονος θυγατέρων ή κρα-τιστεύονσα κάλλει σφάγιον Αρτέμιδος παραστήι πέμφας Αγαμέμνων προς Κλυταιμήστραν Όδυσσέα καί Ταλθύβιον Ίφιγένειαν ήιτει λέγων ύπεσχήσθαι δώσειν αυτήν Αχιλλεΐ γυναίκα μισθόν της στρατείας Αρgt Αρτεμις δέ αυτήν έζαρπάσασα εις Ταύρους μετακομίζει καί άθάνατον ποιεί έλαφον δέ αντί της κόρης παρίστησι τώι βωμώ (APOLODORO Ep 3 20 apud SOUSA 2008 p 27)

Enquanto a frota se prepara em Aacuteulis para uma segunda expediccedilatildeo contra Iacutelion Agamecircmnon mata um cervo em uma caccedilada e se vangloria de ser melhor que Aacutertemis Zangada a deusa envia tempestades que impedem a frota de zarpar Calcante explica a razatildeo do mau tempo e diz que natildeo poderatildeo navegar enquanto a mais bela filha de Agamecircmnon natildeo for imolada em honra de Aacutertemis Decidindo-se a realizar o sacrifiacutecio Agamecircmnon envia Taltiacutebio e Odisseu a Clitemnestra para perguntar por Ifigecircnia afirmando que a jovem estava prometida a Aquiles em recompensa pela participaccedilatildeo deste na expediccedilatildeo Iludida a matildee entrega a filha Quando Ifigecircnia chega o altar jaacute estaacute pronto para a imolaccedilatildeo No entanto Aacutertemis retira a jovem do altar colocando em seu lugar um cervo e a leva para junto dos Tauros na Crimeia onde lhe concede a imortalidade74

Depois se verifica no poema as novas invasotildees das tropas gregas o saque de algumas

cidades e a divisatildeo dos espoacutelios de guerra

και εκ των λαφύρων Άχιλλεύς μεν Βρισηίδα γέρας λαμβάνει Χρυσηΐδα δέ Αγαμέμνων (PROCLUS Chrestomathia apud SOUSA 2008 p30)

74 Todas as traduccedilotildees dos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos presentes nesse texto satildeo de Francisco Edi de Oliveira Sousa retiradas da Tese de Doutorado de seguinte referecircncia SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

44

Aquiles toma Briseida como sua parte Agamecircmnon Criseida capturada em Tebas Hipoplaacutecia onde se encontrava por conta de sacrifiacutecios em honra de Aacutertemis

No Retornos atribuiacutedo a Haacutegias de Trezene e datado de VII aC localizado de acordo com

o mito apoacutes a Odisseia observa-se que Agamecircmnon sai de Troia e tenta voltar para a paacutetria Em

seguida eacute relatada a morte dele

ltέπειgtτα Αγαμέμνονος νπο Αιγίσθου και Κλυταιμήστρας άναιρεθέντος νπ Όρέστον και ΤΙυλάδον τιμωρία (Poculum Homericum MB 36 (SINN) apud SOUSA 2008 p 54-55)

Agamecircmnon por sua vez retorna ao seu palaacutecio onde eacute morto por Egisto e Clitemnestra Mais tarde Orestes e Piacutelades chegam para vingar o assassiacutenio de Agamecircmon

Como se trata de fragmentos o que nos restou dos poemas dos ciclos eacutepicos apresentam-

nos uma breve narraccedilatildeo acerca de partes do mito de Agamecircmnon Observa-se nos trechos dos

Cantos Ciacuteprios o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a posse de Criseida por Agamecircmnon como presa de

guerra e no trecho de Retornos a morte do rei ao chegar agrave sua paacutetria

32 A tradiccedilatildeo liacuterica Estesiacutecoro e Piacutendaro

Assim como na Iliacuteada e na Odisseia de Homero e nos poemas Cantos Ciacuteprios e Retornos

mais tarde por entre os seacutec VI e V aC o mito de Agamecircmnon apareceraacute na poesia liacuterica de

Estesiacutecoro Ele escreveu muitos poemas e dentre eles um intitulado Oresteia dividido em dois

livros E conforme afirma Campbell (2001 p2) esse poema teria sido uma adaptaccedilatildeo de um poema

homocircnimo anterior de Xanto

Stesichorus referred somewhere in his poetry to a predecessor Xanthus who composed an Oresteia which Stesichorus was said to have adapted and this Xanthus may have been a western Greek75

Aleacutem disso restaram apenas alguns fragmentos desse poema que foram reconstituiacutedos a

partir de vaacuterios textos como no livro I de um escoliasta de Aristoacutefanes em Paz (775ss 800 797ss)

no livro II de um escoliasta de Dionisio da Traacutecia (Art 6) de Habron num escoliasta da Iliacuteada de

Homero (ap POxy 1087 ii 47s) e no livro I ou II de Filodemo em Sobre a piedade de um

escoliasta de Euriacutepides em Orestes (46) de um escoliasta de Eacutesquilo em Coeacuteforas (733) e de

75 Estesiacutecoro referiu-se em algum lugar na sua poesia a um antecessor Xanto que compocircs uma Oresteia que Estesiacutecoro havia dito ter adaptado e Xanto pode ter sido um grego ocidental

45

Plutarco em De sera numinis vindicta (10 555a)76 Dos fragmentos reconstituiacutedos nenhum

menciona Agamecircmnon mas um deles apresenta um sonho que Clitemnestra teve antes de ser morta

por Orestes

τᾶι δὲ δράκων ἐδόκησε μολεῖν κάρα βεβροτωμένος ἄκρονἐκ δ ἄρα τοῦ βασιλεὺς Πλεισθενίδας ἐφάνη (Plut ser num vind 10 555a - iii 412 Pohlenz-Sieveking apud CAMPBELL 2001 p 132-133)

And it seemed to her that a snake came the top of its head bloodstained and out of it appeared a Pleisthenid king77

Esses versos trazem uma parte do sonho premonitoacuterio de Clitemnetra que tambeacutem aparece

em Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo Esse sonho teria acontecido antes da morte de Clitemnestra

Em Estesiacutecoro ela interpreta a serpente como sendo Agamecircmnon irado pela morte que teve e por

isso ela envia oferendas ao tuacutemulo do rei Desse modo os versos do poeta liacuterico sugerem que

Clitemnestra teria matado o marido como pode se observar a partir do estudo abaixo

This appears from the nature of the dream which terrified the Clytaemnestra of Stesichorus just before the retribution A serpent approached her with gore upon its head and then changed into Agamemnon78 (JEBB 1894 seccedilatildeo 6)

Jaacute o mesmo episoacutedio do sonho nas Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo eacute relatado pelo Coro

em diaacutelogo com Orestes mas ambos interpretam o sonho como sendo Orestes a cobra que

Clitemenestra tem nos braccedilos Essa interpretaccedilatildeo diverge da interpretaccedilatildeo sugerida a partir dos

fragmentos de Estesiacutecoro

Acerca de Agamecircmnon nos fragmentos de Estesiacutecoro soacute pode se suscitar que ele foi morto

pelas matildeos de sua esposa ao se tentar reconstituir os dois versos mencionados do poema Oresteia

E para escrever esse poema Estesiacutecoro talvez tenha se utilizado dos poemas de Homero e Hesiacuteodo

como pode se observar no Comentaacuterio do Papiro (POxy 2506 fr26 col ii apud CAMPBELL 2001

p 130-131)

Στη]σίχορος ἐχρήσατ[ο διη-γήμασιν τῶν τε ἄλλ[ων ποι-ητῶν οἱ πλείονες τ[μαις ταῖς τούτου με[Ὅμηρον κα[ὶ] Ἡσίοδον [μᾶλλ[ον] Στησιχο[ρ][

76 Todas as indicaccedilotildees citadas e os fragmentos encontram-se em CAMPBELL 2001 p127-13377 E parecia-lhe que uma serpente veio o topo de sua cabeccedila manchada de sangue e com isso surgiu um rei Pliacutestenes78 Isso aparece a partir da natureza do sonho que aterrorizou a Clitemnestra de Estesiacutecoro pouco antes da retribuiccedilatildeo

Uma serpente se aproximou dela com sangue em cima de sua cabeccedila e depois mudou para Agamecircmnon

46

φων[]

Stesichorus used narratives (of Homer and Hesiodo) and most of the other poets used his material for after Homer and Hesiodo they agree above all with Stesichorus79

Apesar de haver apenas fragmentos dos poemas de Estesiacutecoro pode-se deduzir que a

Oresteia dele assim como os poemas de outros poetas contemporacircneos a ele foram influenciados

pelos textos de Homero e Hesiacuteodo e influenciaram os poetas posteriores como mostra a citaccedilatildeo

anterior

Depois da Oresteia de Estesiacutecoro parte do mito de Agamecircmnon eacute narrada no poema Piacutetica

XI de Piacutendaro datado de entre 474-454 aC Esse poema foi composto para um tebano o vencedor

Trasideo Encontra-se na Piacutetica XI (v16-37) assim o mito do rei de Argos

νικῶν ξένου Λάκωνος Ὀρέστατὸν δὴ φονευομένου πατρὸς Ἀρσινόα Κλυταιμήστραςχειρῶν ὕπο κρατερᾶνἐκ δόλου τροφὸς ἄνελε δυσπενθέοςὁπότε Δαρδανίδα κόραν ΠριάμουΚασσάνδραν πολιῷ χαλκῷ σὺν Ἀγαμεμνονίᾳψυχᾷ πόρευ Ἀχέροντος ἀκτὰν παρ εὔσκιοννηλὴς γυνά πότερόν νιν ἄρ Ἰφιγένει ἐπ Εὐρίπῳσφαχθεῖσα τῆλε πάτραςἔκνισεν βαρυπάλαμον ὄρσαι χόλονἢ ἑτέρῳ λέχεϊ δαμαζομένανἔννυχοι πάραγον κοῖται τὸ δὲ νέαις ἀλόχοιςἔχθιστον ἀμπλάκιον καλύψαι τ ἀμάχανονἀλλοτρίαισι γλώσσαιςκακολόγοι δὲ πολῖταιἴσχει τε γὰρ ὄλβος οὐ μείονα φθόνονὁ δὲ χαμηλὰ πνέων ἄφαντον βρέμειθάνεν μὲν αὐτὸς ἥρως Ἀτρεΐδαςἵκων χρόνῳ κλυταῖς ἐν ἈμύκλαιςΓ΄μάντιν τ ὄλεσσε κόραν ἐπεὶ ἀμφ Ἑλένᾳ πυρωθένταςΤρώων ἔλυσε δόμουςἁβρότατος ὁ δ ἄρα γέροντα ξένονΣτροφίον ἐξίκετο νέα κεφαλάΠαρνασσοῦ πόδα ναίοντ ἀλλὰ χρονίῳ σὺν Ἄρειπέφνεν τε ματέρα θῆκέ τ Αἴγισθον ἐν φοναῖς (Pin Pit XI v 16-37)

o amigo do lacoacutenico Orestes Arsiacuteone sua ama arrancou-o do amargo engano logo que seu pai foi assassinado agraves matildeos violentas de Clitemnestra quando esta impiedosa mulher jogou Cassandra filha de Priacuteamo o Dardacircnida juntamente com a alma de Agameacutemnon para a margem sombria de aqueronte com o accedilo cinzento Teraacute sido Ifigeacutenia chacinada em Euripo longe da paacutetria quem a levou a erguer a matildeo pesada do rancor Ou teraacute sido dominada numa cama anoacutenima e as noites de

79 Estesiacutecoro usou narrativas (de Homero e Hesiacuteodo) e muitos outros poetas usaram esse material porque depois de Homero e Hesiacuteodo eles concordam acima de tudo com Estesiacutecoro

47

sexo desviaram-na do seu caminho Este eacute o erro mais odioso das jovens esposas e eacute impossiacutevel de esconder porque os outros iratildeo contaacute-lo Os cidadatildeos falam mal uns dos outros porque toda a becircnccedilatildeo traz consigo uma natildeo menor inveja mas quem respira junto ao chatildeo geme sem ser visto Foi assim que morreu o heroacuteico filho de Atreuquando finalmente regressou agrave famosa Amiclas e destruiu a rapariga das profecias ao acabar com o luxo na casa dos troianos e pocircr-lhes fogo por causa de Helena Orestes a jovem crianccedila foi para junto do velho Estroacutefio amigo da famiacutelia que vivia no sopeacute de Parnasso Por fim com a ajuda de Ares matou a matildee e afogou Egisto numa mar de sangue 80

Como se pode observar no trecho do poema eacute mencionada a morte de Agamecircmnon e a de

Cassandra causada por Clitemnestra depois se verificam os questionamentos sobre os motivos que

levaram Clitemnestra a matar o rei e finaliza com a vinganccedila de Orestes ao matar a matildee e o

amante dela O foco desse poema eacute concedido agrave Clitemenestra que matou o rei e a maior parte da

referecircncia miacutetica expotildee os questionamentos da rainha

33 A tradiccedilatildeo traacutegica Agamecircmnon de Eacutesquilo

Apoacutes a tradiccedilatildeo liacuterica tem-se notiacutecia do mito de Agamecircmnon por meio da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo datada de 458 aC Essa trageacutedia foi encenada juntamente com outras duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo compondo assim uma trilogia intitulada Oresteia A

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute a primeira peccedila da trilogia que narra a morte do rei Agamecircmnon

viacutetima de um plano de vinganccedila da sua esposa e do amante dela ao retornar agrave sua paacutetria

A peccedila eacute composta por partes dialogadas (episoacutedios) e por partes cantadas (estaacutesimos ndash

cantos corais) O enredo da trageacutedia se inicia com um proacutelogo recitado pelo Vigia que aguarda os

sinais do fim da guerra de Troia Ele apresenta o palaacutecio dos Atridas e Clitemnestra que espera o

retorno do marido (Ag v1-39) No primeiro episoacutedio Clitemnestra anuncia a destruiccedilatildeo de Troia

mesmo que o mensageiro ainda natildeo tenha chegado ao palaacutecio (Ag v267) Segundo ela os fachos

de fogo mostram que Troia foi tomada pelos gregos (Ag v281-316) No segundo episoacutedio o

Arauto chega ao palaacutecio e narra a gloacuteria dos gregos em Troia Comeccedila o seu relato falando dos

feitos guerreiros de Agamecircmnon e anuncia que o rei estaacute para chegar

δέξασθε κόσμῳ βασιλέα πολλῷ χρόνῳ

80 Todas as traduccedilotildees do poema Piacutetica XI de Piacutendaro presentes nesse texto satildeo de Antoacutenio de Castro Caeiro conforme a seguinte referecircncia PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

48

ἥκει γὰρ ὑμῖν φῶς ἐν εὐφρόνῃ φέρωνκαὶ τοῖσδ ἅπασι κοινὸν Ἀγαμέμνων ἄναξἀλλ εὖ νιν ἀσπάσασθε καὶ γὰρ οὖν πρέπειΤροίαν κατασκάψαντα τοῦ δικηφόρουΔιὸς μακέλλῃ τῇ κατείργασται πέδον (Ag v521-526)

Recebei em ordem o rei passado tempoe a todos esses luz comum rei AgamecircmnonEia bem o saudai pois assim conveacutemele revolveu Troia com a enxada de Zeus portador de justiccedila lavrado estaacute o solo81

ἄναξ Ἀτρείδης πρέσβυς εὐδαίμων ἀνήρ ἥκει τίεσθαι δ ἀξιώτατος βροτῶντῶν νῦν (Ag v530-532)

O rei Atrida secircnior e com bons Numesvem Honrai o mais digno dos mortaisde hoje

Depois o Arauto continua lembrando os males vividos durante a guerra (Ag v551-566) e

rememora a vitoacuteria dos gregos (Ag v577-579) Sob a indagaccedilatildeo do Coro sobre o destino de

Menelau o Arauto relata a tempestade no mar que ocasionou o naufraacutegio de vaacuterias naus Por causa

disso as naus do marido de Helena teriam desaparecido (Ag v636-680) No terceiro episoacutedio o

Coro anuncia a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio dos Atridas

ἄγε δή βασιλεῦ Τροίας πτολίπορθἈτρέως γένεθλονπῶς σε προσείπω πῶς σε σεβίξωμήθ ὑπεράρας μήθ ὑποκάμψαςκαιρὸν χάριτος (Ag v783-787)

Eia oacute rei devastador de Troiaprogecircnie de Atreucomo te saudar como te venerarnatildeo excedendo nem faltandoagrave medida do benefiacutecio

Agamecircmnon louva os deuses pela destruiccedilatildeo de Troia e pelo seu retorno satildeo e salvo agrave paacutetria

(Ag v810-813) Logo Clitemnestra lamenta o tempo que o marido ficou ausente e lembra os

rumores ouvidos por ela acerca da rotina guerreira do cocircnjuge (Ag v855-913) E para receber

Agamecircmnon Clitemnestra prepara as honras devidas a ele natildeo permitindo que o marido pise o

chatildeo descoberto

νῦν δέ μοι φίλον κάρα81 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

49

ἔκβαιν ἀπήνης τῆσδε μὴ χαμαὶ τιθεὶςτὸν σὸν πόδ ὦναξ Ἰλίου πορθήτορα (Ag v905-907)

Agora oacute cabeccedila querida desce desse carro sem pocircr no chatildeoo teu peacute devastador de Iacutelion oacute rei

Por causa disso Agamecircmnon pede agrave esposa honras dignas de um homem e natildeo de um deus

mas Clitemnestra tenta convencecirc-lo de sua gloacuteria Logo Agamecircmnon pede agrave rainha que acolha

Cassandra a presa de guerra filha de Priacuteamo (Ag v950-952) No quarto episoacutedio Clitemnestra

convida a cativa para entrar no palaacutecio e menciona o banquete que estaacute sendo preparado para

festejar o retorno do rei Ao adentrar o palaacutecio Cassandra entra em estado de transe (Ag v1072-

1073) Ela vecirc os crimes cometidos dentro da morada dos Atridas Em seguida a profetisa descreve

como aconteceraacute um novo crime

ἰὼ τάλαινα τόδε γὰρ τελεῖς                   τὸν ὁμοδέμνιον πόσινλουτροῖσι φαιδρύνασα - πῶς φράσω τέλοςτάχος γὰρ τόδ ἔσται προτείνει δὲ χεὶρ ἐκχερὸς ὀρεγομένα (Ag v1107-1111)

Ioacute Miacutesera isto faraacutes Ao lavares no banhoo teu marido ndash como direi o fatoLogo isto seraacute ela estende a matildeo apoacutes matildeo alcanccedilando

ἦ δίκτυόν τί γ Ἅιδουἀλλ ἄρκυς ἡ ξύνευνος ἡ ξυναιτίαφόνου (Ag v1115-1117)

Eacute um laccedilo de HadesMas a rede eacute o seu cocircnjuge co-autora do massacre

ἆ ἆ ἰδοὺ ἰδού ἄπεχε τῆς βοὸς                   τὸν ταῦρον ἐν πέπλοισινμελαγκέρῳ λαβοῦσα μηχανήματιτύπτει πίτνει δ lsaquoἐνrsaquo ἐνύδρῳ τεύχειδολοφόνου λέβητος τύχαν σοι λέγω (Ag v1125-1129)

Acirc acirc Olha olha Potildee longe de vacao touro Na tuacutenica com negricoacuternio ardil ela captura e feree ele tomba na banheira cheia daacutegua

Aleacutem de anuciar um proacuteximo crime Cassandra prenuncia a sua proacutepria morte (Ag v1258-

1260) Ela tambeacutem lembra o castigo que recebeu de Apolo E menciona a traiccedilatildeo de Clitemnestra e

50

Egisto

ἐκ τῶνδε ποινάς φημι βουλεύειν τινάλέοντ ἄναλκιν ἐν λέχει στρωφώμενονοἰκουρόν οἴμοι τῷ μολόντι δεσπότῃ -ἐμῷ φέρειν γὰρ χρὴ τὸ δούλιον ζυγόννεῶν τ ἄπαρχος Ἰλίου τ ἀναστάτηςοὐκ οἶδεν οἵα γλῶσσα μισητῆς κυνὸςλείξασα κἀκτείνασα φαιδρὸν οὖς δίκηνἄτης λαθραίου τεύξεται κακῇ τύχῃτοιάδε τόλμα θῆλυς ἄρσενος φονεύς (Ag v1223-1231)

Digo que trama puniccedilatildeo por isto um leatildeo covarde a rolar no leito caseiro contra o receacutem-vindo senhor meu pois devo suportar o julgo servil O capitatildeo de navios e destruidor de Iacutelion natildeo conhece que liacutengua de odiosa cadela a falar e a esticar escusa alegremente lograraacute latente dano com maligna sorte Tal eacute a ousadia fecircmea mata macho

Ἀγαμέμνονός σέ φημ ἐπόψεσθαι μόρον (Ag v1246)

Digo que veraacutes a morte de Agamecircmnon

Apoacutes a profetizaccedilatildeo de Cassandra Agamecircmnon soacute voltaraacute agrave cena no final do quarto

estaacutesimo (diaacutelogo dos coreutas) gritando por estar sendo golpeado como se vecirc nos versos

Αγ ὤμοι πέπληγμαι καιρίαν πληγὴν ἔσωΧο σῖγα τίς πληγὴν ἀυτεῖ καιρίως οὐτασμένοςΑγ ὤμοι μάλ αὖθις δευτέραν πεπληγμένος (Ag v1343-1345)

Agamecircmnon Oacutemoi Um golpe certeiro golpeou-me dentroCoro Silecircncio Quem grita ferido de golpe certeiroAgamecircmnon Oacutemoi Outra vez outro golpe me atingiu

No quinto episoacutedio Clitemnestra relata a morte do marido Ela descreve o assassiacutenio

cometido por ela mesma

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσών

51

κἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostrado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

Depois de narrar a morte do rei Clitemnestra tenta justificar o seu ato criminoso dizendo

que Agamecircmnon sacrificou Ifigecircnia filha do casal para que as tropas gregas tivessem ventos

favoraacuteveis para conseguir navegar rumo a Troia dizendo que ela foi ultrajada pelo marido pois ele

tinha muitas concubinas dentre elas Criseida e Cassandra e por causa disso a rainha tambeacutem mata

a profetisa Por fim o Coro reclama as honras funeacutebres ao morto e Clitemnestra afirma que cuidaraacute

disso

No uacutetimo episoacutedio aparece Egisto lembrando os crimes sofridos por seu pai e se sente

vingado com a morte de Agamecircmnon (Ag v1577-1611) Ele fala que tramou o crime mas a

execuccedilatildeo foi feita por Clitemnestra O Coro alerta para uma futura vinganccedila de Orestes mas o casal

de amantes natildeo se importa

Na trageacutedia de Eacutesquilo a personagem Agamecircmnon participa pouco da peccedila Ele apenas

aparece no terceiro episoacutedio ao retornar da guerra e se mostra um homem religioso e vitorioso

Embora Clitemnestra o tente divinizar o rei demonstra modeacutestia na comemoraccedilatildeo da vitoacuteria E

mais adiante ouve-se os gritos de dor do rei ao ser apunhalado ele jaacute natildeo estaacute mais em cena

Agamecircmnon foi assassinado por sua esposa e ela mesma nos conta como o matou Nessa trageacutedia

Agamecircmnon passa de rei vitorioso para rei morto pelas matildeos de uma mulher

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides de Eacutesquilo

peccedilas que compotildeem juntamente com Agamecircmnon a trilogia intitulada Oresteia As trecircs trageacutedias

foram encenadas todas no mesmo dia e as duas uacuteltimas datildeo continuidade ao mito encenado tendo

como objeto a morte de Agamecircmnon Nas Coeacuteforas Electra e Orestes vingam a morte do pai

52

matando a proacutepria matildee e Egisto No primeiro episoacutedio Electra diante do tuacutemulo do pai lamenta a

sua morte

ἢ σῖγ ἀτίμως ὥσπερ οὖν ἀπώλετοπατήρ τάδ ἐκχέασα γάποτον χύσινστείχω καθάρμαθ ὥς τις ἐκπέμψας πάλινδικοῦσα τεῦχος ἀστρόφοισιν ὄμμασιν (Es Coe v94-97)

Ou em silecircncio sem honra como pereceuo pai verter esta vertente poccedilatildeo da terrae retornar como quem despediu imundiacuteciesao lanccedilar a urna sem voltar os olhos82

Mais adiante Orestes ao conversar com Electra tambeacutem lembra a morte do pai

αἰετοῦ πατρόςθανόντος ἐν πλεκταῖσι καὶ σπειράμασινδεινῆς ἐχίδνης (Es Coe v247-249)

quando o paimorreu nos enlances e nas espiraisde medonha viacutebora

E nos uacuteltimos versos da trageacutedia o Coro lembra a morte do rei como mais um dos crimes

ocorridos no palaacutecio dos Atridas como se verifica nos versos abaixo

δεύτερον ἀνδρὸς βασίλεια πάθηλουτροδάικτος δ ὤλετ Ἀχαιῶνπολέμαρχος ἀνήρ (Es Coe v1070-1072)

Depois a morte do marido trucidado no banho pereceuo rei guerreiro dos aqueus

Nas Eumecircnides Orestes eacute julgado por ter matado a proacutepria matildee para vingar a morte de

Agamecircmnon Orestes lembra como aconteceu o assassinato do rei no terceiro episoacutedio

Ἀγαμέμνον ἀνδρῶν ναυβατῶν ἁρμόστοραξὺν ᾧ σὺ Τροίαν ἄπολιν Ἰλίου πόλινἔθηκας ἔφθιθ οὗτος οὐ καλῶς μολὼνεἰς οἶκον ἀλλά νιν κελαινόφρων ἐμὴμήτηρ κατέκτα ποικίλοις ἀγρεύμασικρύψασ ἃ λουτρῶν ἐξεμαρτύρει φόνον (Es Eu v456-461)

Agamecircmnon o comandante da esquadra82 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Coeacuteforas de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Coeacuteforas Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

53

com que fizeste sem forte o forte de IacutelionEle sucumbiu sem nobreza ao chegarem casa minha matildee de coraccedilatildeo negromatou-o envolto em astuto veacuteutestemunho do massacre no banho83

No proacuteximo episoacutedio Apolo tambeacutem lembra como foi a morte de Agamecircmnon ao tentar

defender Orestes da acusaccedilatildeo de matriciacutedio

οὐ γάρ τι ταὐτὸν ἄνδρα γενναῖον θανεῖνδιοσδότοις σκήπτροισι τιμαλφούμενονκαὶ ταῦτα πρὸς γυναικός οὔ τι θουρίοιςτόξοις ἑκηβόλοισιν ὥστ Ἀμαζόνοςἀλλ ὡς ἀκούσῃ Παλλάς οἵ τ ἐφήμενοιψήφῳ διαιρεῖν τοῦδε πράγματος πέριἀπὸ στρατείας γάρ νιν ἠμποληκότατὰ πλεῖστ ἄμεινον εὔφροσιν δεδεγμένη                                   δροίτῃ περῶντι λουτρὰ κἀπὶ τέρματιφᾶρος περεσκήνωσεν ἐν δ ἀτέρμονικόπτει πεδήσασ ἄνδρα δαιδάλῳ πέπλῳἀνδρὸς μὲν ὑμῖν οὗτος εἴρηται μόροςτοῦ παντοσέμνου τοῦ στρατηλάτου νεῶν (Es Eu v 625-637)

Natildeo eacute o mesmo o varatildeo nobre ser mortohonrado com cetro outorgado por Zeuse morto por mulher natildeo como furioso arco longemitente como de Amazonamas como ouviraacutes Palas e voacutes ao ladoque no voto decidireis esta questatildeoNa guerra o mais das vezes prosperoue na volta ela o recebeu com beneacutevolas palavras ofereceu banhos quentesem banheira de prata e ao terminarrecobriu-o com manto e no inteacuterminoaacuterduo manto prende e golpeia o varatildeoEsta morte vos eacute contada do varatildeovenerado por todos chefe da armada

Assim nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides a parte do mito de Agamecircmnon mencionada eacute a

morte contada por vaacuterios personagens das duas trageacutedias e principalmente pelos filhos do rei As

duas trageacutedias mostram os mesmos detalhes referentes agrave morte do rei apresentados em Agamecircmnon

como o banho mortal o uso do manto para imobilizar a viacutetima e o assassiacutenio cometido por

Clitemnestra Essa unidade acerca da morte de Agamecircmnon eacute mantida nas trecircs trageacutedias da

Oresteia demonstrando a uniformidade e coerecircncia do tragedioacutegrafo E ao apresentar as duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides buscou-se mostrar com mais evidecircncia como Eacutesquilo construiu a

83 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Eumecircnides de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Eumecircnides Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

54

morte de Agamecircmnon

34 A recepccedilatildeo no Agamecircmnon de Eacutesquilo

Diante das referecircncias sobre o mito de Agamecircmnon pretende-se mostrar como Eacutesquilo

construiu a sua personagem Natildeo seratildeo utilizados os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro

pois esses natildeo contecircm informaccedilotildees significativas para essa pesquisa Assim esse capiacutetulo se deteraacute

no mito de Agamecircmnon presente nos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia nos versos dos Cantos

Ciacuteprios e dos Retornos na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e se necessaacuterio nas Coeacuteforas e nas

Eumecircnides

Embora natildeo se vaacute utilizar os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro o proacuteprio tiacutetulo

do poema jaacute sugere uma ideia diferente do mito de Agamecircmnon da ideia anteriormente apresentada

por Homero E como jaacute foi mencionado antes de Estesiacutecoro jaacute havia uma versatildeo da Oresteia

composta por Xanto pela qual se mostra a importacircncia do mito naquela eacutepoca e a sua recriaccedilatildeo

Assim como Estesiacutecoro e Xanto Eacutesquilo compocircs uma Oresteia soacute que se utilizou do gecircnero

dramaacutetico e esse nome foi dado ao tiacutetulo de uma trilogia como jaacute foi citado anteriormente e natildeo a

um uacutenico poema Como base nas poucas informaccedilotildees acerca do poema de Estesiacutecoro pode-se supor

que a ideia de criar um poema que contemple a morte de Agamecircmnon seria uma influecircncia dos

poemas liacutericos na trageacutedia de Eacutesquilo mesmo que natildeo se saiba ateacute que ponto o tragedioacutegrafo foi

influenciado Poreacutem se sabe que o fragmento do poema Oresteia de Estesiacutecoro sobre o sonho de

Clitemnestra jaacute mencionado anteriormente foi reconstituiacutedo a partir das Coeacuteforas de Eacutesquilo Essa

cena soacute aparece na versatildeo esquiliana da encenaccedilatildeo do assassiacutenio de Clitemnestra natildeo estando

presente nem na Electra de Soacutefocles nem na Electra de Euriacutepides que abordam a mesma parte do

mito o matriciacutedio perpretado por Electra e Orestes Contudo esse fato pode anunciar uma

aproximaccedilatildeo entre o poema liacuterico de Estesiacutecoro e a poesia traacutegica de Eacutesquilo pois esta eacute a uacutenica a

manter o sonho no enredo

Os textos a serem analisados pertencem a princiacutepio a gecircneros distintos dois satildeo poemas

eacutepicos Iliacuteada e Odisseia e um eacute trageacutedia Agamecircmnon A diferenciaccedilatildeo de gecircnero jaacute permite uma

visatildeo diferente da personagem estudada embora sejam ambas imitaccedilatildeo de homens superiores como

se vecirc na Poeacutetica84 (1449b 9-10) de Aristoacuteteles A poesia eacutepica grega possui um caraacuteter coletivo

moral poliacutetico e histoacuterico (HAVELOCK 1996 p276) Diante disso o Agamecircmnon homeacuterico seraacute

construiacutedo principalmente com essas caracteriacutesticas Na Iliacuteada Agamecircmnon eacute o chefe das tropas 84 ἡ μὲν οὖν ἐποποιία τῇ τραγῳδίᾳ μέχρι μὲν τοῦ μετὰ μέτρου λόγῳ μίμησις εἶναι σπουδαίων

ἠκολούθησενmiddot (A Epopeia e a Trageacutedia concordam somente em serem ambas imitaccedilatildeo de homens superiores em verso)

55

gregas e o chefe dos homens Ele aparece como um ser supremo e mais valoroso do que os outros

guerreiros Por meio dos epiacutetetos percebe-se o valor do rei de Argos como jaacute foi mostrado

anteriormente Jaacute na Odisseia Agamecircmnon aparece na lembranccedila das personagens poreacutem natildeo mais

como um heroacutei mas sim como um homem de morte vergonhosa Ele surge duas vezes no poema

como uma alma do Hades que lamenta ter tido uma morte sem gloacuteria Embora as duas epopeias

homeacutericas tenham a mesma proposta diante da sociedade grega a personagem Agamecircmnon eacute

mostrada de maneira distinta na Iliacuteada um chefe glorioso e na Odisseia um homem desditoso

Com isso pode-se dizer que a trageacutedia de Eacutesquilo quer mostrar essa passagem do rei Agamecircmnon

de chefe glorioso a um homem desditoso ou seja do triunfo presente na Iliacuteada agrave derrocada presente

na Odisseia Essa mudanccedila eacute proacutepria da trageacutedia como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1451a 13-

16)

ὡς δὲ ἁπλῶς διορίσαντας εἰπεῖν ἐν ὅσῳ μεγέθει κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον ἐφεξῆς γιγνομένων συμβαίνει εἰς εὐτυχίαν ἐκ δυστυχίας ἢ ἐξ εὐτυχίας εἰς δυστυχίαν μεταβάλλειν ἱκανὸς ὅρος ἐστὶν τοῦ μεγέθους

Dando uma definiccedilatildeo mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Trageacutedia eacute o que permite que nas accedilotildees uma apoacutes outra sucedidas conformemente agrave verossimilhanccedila e agrave necessidade se decirc o transe da infelicidade agrave felicidade ou da felicidade agrave infelicidade

Entatildeo essa mudanccedila na trageacutedia Agamecircmnon pode ser concebida como uma junccedilatildeo das duas

personagens Agamecircmnon da poesia homeacuterica que na Iliacuteada eacute glorioso e na Odisseia desditoso Eacute

essa mudanccedila do heroacutei ao homem comum que alimenta a trageacutedia Esse fato liga a audiecircncia agrave

personagem pois a humanizaccedilatildeo do heroacutei o aproxima da realidade local

Eacutesquilo assim como os outros tragedioacutegrafos do seacutec V vai compor suas trageacutedias com base

nos mitos e ao escolher o mito de Agamecircmnon utilizou-se provavelmente das fontes homeacutericas

como afirma Serrano (2003 p119) ldquoEsquilo ha conseguido perfiacutelar la grandeza de un

personaje directamente heredado de la eacutepica homeacutericardquo85 Para Havelock (1996 p275) o drama

aacutetico eacute como se fosse uma extensatildeo dos poemas eacutepicos ele conserva o caraacuteter didaacutetico mas tem

uma identidade particular Dentro dessa identidade particular a personagem Agamecircmnon de

Eacutesquilo diferencia-se das personagens homocircnimas da poesia homeacuterica mas tambeacutem se assemelha

em algumas caracteriacutesticas

No Agamecircmnon de Eacutesquilo encontram-se nuanccedilas da personagem homocircnima da Iliacuteada de

Homero em alguns versos como quando o Coro no paacuterodo anapeacutestico menciona quem eram os

chefes gregos

85 Eacutesquilo conseguiu perfilar a grandeza de um personagem diretamente herdado da eacutepica homeacuterica

56

Μενέλαος ἄναξ ἠδ Ἀγαμέμνωνδιθρόνου Διόθεν καὶ δισκήπτρουτιμῆς ὀχυρὸν ζεῦγος Ἀτρειδᾶν (Es Ag v42-44)

o rei Menelau e Agamecircmnonestrecircnuo par de Atridas honradopor Zeus com dois tronos e dois cetros

Ainda no paacuterodo liacuterico o Coro mais uma vez lembra a dupla de Atridas e seu poder

κεδνὸς δὲ στρατόμαντις ἰδὼν δύο λήμασι δισσοὺς                  Ἀτρεΐδας μαχίμους ἐδάη λαγοδαίταςπομπούς τ ἀρχάς (Es Ag v123-125)

dois Atridasde dupla iacutendole belicosos vorazes de lebrecondutores do impeacuterio

A mesma referecircncia de Eacutesquilo mostrada nos exemplos acima a Agamecircmnon como Atrida

junto com o seu irmatildeo Menelau aparece algumas vezes na Iliacuteada de Homero como nos versos

Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ Μενελάῳ86 (Il VII v374) δ Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ

Μενελάῳ87 (Il VII v470) pois na Iliacuteada eacute mais frequente a presenccedila de Agamecircmnon Atrida

dissociada da presenccedila do irmatildeo o epiacuteteto Atrida eacute utilizado para os dois reis quer estejam soacutes ou

em par Isso pode mostrar que no poema eacutepico Agamecircmnon ao aparecer inuacutemeras vezes sozinho

eacute mais forte e valoroso do que a personagem homocircnima da trageacutedia que aparece em par com o

irmatildeo

No primeiro exemplo de Eacutesquilo Agamecircmnon e Menelau aparecem como honrados por

Zeus (Διόθεν) o mesmo viacutenculo divino estaacute presente na Iliacuteada como nos versos seguintes

Ἀγαμέμνονα δῖον88 (Il IV v223) e Ἀγαμέμνονι δίῳ89(Il XVIII v257) Mais uma vez o

adjetivo atribuiacutedo ao rei na poesia eacutepica eacute compartilhado com o irmatildeo na poesia traacutegica designando

um menor valor da personagem da peccedila

Na trageacutedia quando o Arauto chega ao palaacutecio dos Atridas ele anuncia a chegada de

Agamecircmnon e o chama de rei (monarca) ndash βασιλέα (Ag v521) e de rei (chefe) ndash ἄναξ (Ag

v523 e 530) Os dois adjetivos tambeacutem qualificam Agamecircmnon na Iliacuteada como rei (monarca)

86 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)87 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)88 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)89 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

57

αἰδομένω βασιλῆα90 (Il I v331) e τοῦ βασιλῆος ἀπηνέος91 (Il I v340) e como rei (chefe)

ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων92 (Il III v267) e ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων93 (Il XI v254)

Mais adiante na trageacutedia esquiliana o Coro no iniacutecio do terceiro episoacutedio tambeacutem chama

Agamecircmnon de βασιλεῦ assim como o Arauto mencionou nos versos anteriores E por fim

Agamecircmnon soacute seraacute novamente lembrado como rei (monarca) no canto de lamentaccedilatildeo do Coro

apoacutes a morte dele no verso ἰὼ ἰὼ βασιλεῦ βασιλεῦ94 (Ag v1489 e 1513) Na Iliacuteada tambeacutem

encontra-se outro adjetivo para qualificar o rei como chefe poderoso em κρείων Ἀγαμέμνων95

(IV v204 e 311) esse adjetivo natildeo foi encontrado na trageacutedia de Eacutesquilo talvez porque a

indumentaacuteria do ator eou a sua performance jaacute indicassem a audiecircncia o poder e a forccedila de

Agamecircmnon como se pode verificar na qualificaccedilatildeo do rei a partir das palavras de Clitemnestra

λέγοιμ ἂν ἄνδρα τόνδε τῶν σταθμῶν κύνασωτῆρα ναὸς πρότονον ὑψηλῆς στέγηςστῦλον ποδήρη μονογενὲς τέκνον πατρίκαὶ γῆν φανεῖσαν ναυτίλοις παρ ἐλπίδακάλλιστον ἦμαρ εἰσιδεῖν ἐκ χείματοςὁδοιπόρῳ διψῶντι πηγαῖον ῥέοςτερπνὸν δὲ τἀναγκαῖον ἐκφυγεῖν ἅπαν (Ag v896-902)

eu diria este homem catildeo do estaacutebulo salvador cabo do navio coluna firmado alto teto filho uacutenico para o pai terra agrave vista para marujos inesperadasereno dia a contemplar apoacutes tormentaaacutegua da fonte para o sedento viajor prazeroso escapar a toda coerccedilatildeo

Agamecircmnon natildeo aparece na trageacutedia soacute como rei mas tambeacutem como um homem religioso e

temente aos deuses Ele mesmo tenta passar essa imagem

πρῶτον μὲν Ἄργος καὶ θεοὺς ἐγχωρίουςδίκη προσειπεῖν τοὺς ἐμοὶ μεταιτίους (Ag v810-811)

Primeiro Argos e os Deuses regionaiseacute justo saudar

τούτων θεοῖσι χρὴ πολύμνηστον χάριντίνειν ἐπείπερ χἀρπαγὰς ὑπερκόπους (Ag v821-822)

90 Mostrando respeito ao rei (traduccedilatildeo nossa)91 O hodiendo rei (traduccedilatildeo nossa)92 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nosso)93 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)94 Ioacute ioacute rei rei (traduccedilatildeo nossa)95 O poderoso Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

58

Por isto eacute preciso dar mecircmores graccedilasaos Deuses muitas

νῦν δ ἐς μέλαθρα καὶ δόμους ἐφεστίουςἐλθὼν θεοῖσι πρῶτα δεξιώσομαιοἵπερ πρόσω πέμψαντες ἤγαγον πάλιν (Ag v851-853)

Agora ao palaacutecio e morada de Heacutestia irei e saudarei primeiro os Deusesque me enviaram e reconduziram

Jaacute na Iliacuteada Agamecircmnon aparece exercendo o papel religioso na funccedilatildeo de chefe das tropas

gregas como quando Zeus lhe envia um sonho enganador para que os gregos voltassem ao

combate entatildeo diante disso Agamecircmnon faz uma oferenda a Zeus no canto II (v402-403) e ao

presidir os funerais de Paacutetroclo no canto XXIII (v49-53) Mas tambeacutem Agamecircmnon como chefe

das tropas gregas escuta a previsatildeo de Calcante sobre a peste que assola o acampamento grego e

segue o conselho do adivinho no canto I (v68-120) E no Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem se

encontra uma previsatildeo de Calcante acerca do destino dos Atridas na guerra de Troia no paacuterodo

liacuterico (v114-159) nessa peccedila natildeo fica claro a recepccedilatildeo do prenuncio

Aleacutem disso o Agamecircmnon traacutegico tem medo de comparar-se aos deuses e ser punido por

isso mas mesmo assim Clitemnestra o conduz para essa desmedida quando manda estender um

tapete puacuterpuro para o rei entrar no palaacutecio Ele aceita a opulecircncia oferecida pela esposa

ἀλλ εἰ δοκεῖ σοι ταῦθ ὑπαί τις ἀρβύλαςλύοι τάχος πρόδουλον ἔμβασιν ποδόςκαὶ τοῖσδέ μ ἐμβαίνονθ ἁλουργέσιν θεῶνμή τις πρόσωθεν ὄμματος βάλοι φθόνοςπολλὴ γὰρ αἰδὼς δωματοφθορεῖν ποσὶνφύροντα πλοῦτον ἀργυρωνήτους θ ὑφάς

Se isto te agrada descalce-me logoos sapatos servis anteparos dos peacutes e ao pisar nestas puacuterpuras dos Deusesnatildeo me atinja de longe a inveja do olhoGrande eacute o pudor de arruinar o palaacuteciopisando opulecircncia e tecidos preciosos (Ag v944-949)

A trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem vai se influenciar pela Odisseia de Homero E a

primeira influecircncia jaacute aparece no proacutelogo recitado por um Vigia um servo que mandado por

Clitemnestra aguarda os sinais do retorno do rei

καὶ νῦν φυλάσσω λαμπάδος τὸ σύμβολοναὐγὴν πυρὸς φέρουσαν ἐκ Τροίας φάτινἁλώσιμόν τε βάξιν ὧδε γὰρ κρατεῖ

59

γυναικὸς ἀνδρόβουλον ἐλπίζον κέαρ (Es Ag v8-11)

Agora aguardo o sinal do lampejoa luz do fogo a trazer voz de Troiae notiacutecia da captura tal eacute o poderdo viril coraccedilatildeo expectante da mulher

A mesma personagem tambeacutem aparece na Odisseia no canto IV (v526-527) quando

Menelau conta a Telecircmaco como foi a recepccedilatildeo de Agamecircmnon em seu palaacutecio Mas o Vigia de

Homero eacute mandado por Egisto e natildeo por Clitemnestra como ocorre na trageacutedia

O principal tema abordado em relaccedilatildeo agraves duas obras eacute a morte de Agamecircmnon Na trageacutedia

grega a morte do rei eacute relatada duas vezes a primeira por meio da previsatildeo de Cassandra e a

segunda quando Clitemnestra conta como matou o marido Jaacute no poema homeacuterico a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada pelas personagens e pelo proacuteprio rei depois de morto no Hades que se

recorda da sua morte ingloriosa E a parte referente agrave previsatildeo da morte do rei feita por Cassandra

na trageacutedia natildeo aparece na Odisseia Nesse poema eacutepico Cassandra aparece quando Agamecircmnon

ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra matou a consorte perto de seu corpo (XI

v422-423) A referecircncia agrave morte de Cassandra tambeacutem surge na Piacutetica XI de Piacutendaro ao mencionar

que Cassandra vai para o Hades com Agamecircmnon (v30-31) e na peccedila de Eacutesquilo quando

Clitemnestra anuncia que matou a profetisa (Ag v1440-1441) Assim como a morte do rei

Cassandra tambeacutem prevecirc a sua morte (Ag v1258-1260) Na trageacutedia a previsatildeo de Cassandra

acerca da morte do rei tem o papel dramaacutetico de descrever mais minunciosamente como tudo

aconteceraacute como se pode observar nos versos jaacute citados anteriormente e preparar a audiecircncia para

o que estaacute por vir A Cassandra como personagem traacutegica representa um momento de transiccedilatildeo A

profetisa aparece em cena para mostrar a mudanccedila traacutegica a passagem do heroacutei da felicidade para a

infelicidade por isso logo apoacutes a sua previsatildeo se daacute a morte do rei Essa caracteriacutestica eacute proacutepria do

estado transitoacuterio vivido por Cassandra que oscila entre o humano (natureza proacutepria) e o divino

(natureza profeacutetica)96

No quinto episoacutedio da trageacutedia Clitemnestra narra como matou o seu marido explica que

usou uma rede para imobilizaacute-lo e o atingiu com trecircs golpes certeiros Essa descriccedilatildeo do assassiacutenio

soacute aparece na trageacutedia natildeo estando presente no poema eacutepico Os detalhes relatados da morte do rei

satildeo essenciais para o teatro porque Agamecircmnon vai morrer por traacutes das ldquocortinasrdquo As mortes na

trageacutedia grega do seacutec V normalmente natildeo eram encenadas mas sim contadas por uma personagem

No momento em que Clitemnestra descreve como matou o rei tem-se o cliacutemax da trageacutedia ao

96 Mais informaccedilotildees acerca de Cassandra em IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80 Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

60

contraacuterio do que acontece na eacutepica na qual natildeo haacute um uacutenico momento importante e sim muitos

Assim a Clitemnestra traacutegica conta como matou o rei

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσώνκἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

A morte de Agamecircmnon na peccedila de Eacutesquilo tem um uacutenico assassino a sua esposa

Clitemnestra como se verifica nos versos acima isso tambeacutem acontece na Piacutetica XI de Piacutendaro na

qual Clitemnestra aleacutem de ser apontada como assassina do marido e de Cassandra tambeacutem aparece

demonstrando os seus questionamentos sobre o assassiacutenio Nesse poema Clitemnestra e os seus

questionamentos tomam a maioria dos versos destinados ao mito do Atrida e a respeito disso afirma

Fialho (2012 p 49) ldquoO fulcro do crime eacute Clitemnestra jaacute longe da tradiccedilatildeo do ciclo eacutepico troiano

e nem sequer a rainha eacute posta a par de Egisto no seu gesto mortiacuteferordquo A forccedila da Clitemnestra

traacutegica a torna capaz de matar sozinha o marido e a coloca no foco do assassiacutenio assim como

ocorre na Clitemnestra de Piacutendaro Aliaacutes a rainha aparece como protagonista da morte do rei a partir

da poesia liacuterica pois nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano ela compartilha

essa culpa com o amante Egisto como assim propotildee Serrano (2003 p106)

61

A partir de la eacutepica se comienza a producir una paulatina inversioacuten de la responsabilidad criminal Estesiacutecoro presenta una heroiacutena maacutes decidida hasta que finalmente en Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra cobra un gran protagonismo se convierte en la ejecutora del crimen (17-22) frente a Egisto que comienza a perder su papel principal en la historia97

Na Odisseia o rei aparece como assassinado pela esposa e pelo amante dela Egisto como

jaacute foi mostrado nas palavras de Atena no canto III (v234-235) e nas palavras do espectro de

Agamecircmnon nos cantos XI (v408-412) e XXIV (v96-97) E no poema Retornos os dois tambeacutem

aparecem como executores dos crimes nos versos jaacute mencionados acima Com isso pode se

deduzir que Eacutesquilo ao escolher o assassino de Agamecircmnon foi influenciado pelo poema liacuterico de

Piacutendaro ao inveacutes dos poemas eacutepicos

Mas mesmo que os assassinos na trageacutedia e no poema eacutepico natildeo sejam os mesmos o autor

do plano de morte do rei foi Egisto e nisso os dois poemas concordam Na trageacutedia assim fala

Egisto

καὶ τοῦδε τἀνδρὸς ἡψάμην θυραῖος ὤνπᾶσαν ξυνάψας μηχανὴν δυσβουλίας (Ag v1608-1609)

e estando fora pus a matildeo neste homemao tramar todo o ardil do conluio

Na Odisseia a descriccedilatildeo do plano de Egisto eacute mais detalhada do que na trageacutedia como se

observa na fala de Menelau mostrando que o poema eacutepico concede um maior destaque ao plano de

vinganccedila e seus executores do que ao rei Agamecircmnon e agrave sua morte pois esse teve uma morte sem

gloacuteria

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara

97 A partir da eacutepica se comeccedila a produzir uma paulatina inversatildeo da responsabilidade criminal Estesiacutecoro apresenta uma heroiacutena mais decidida ateacute que finalmente em Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra desempenha um grande protagonismo torna-se a executora do crime (17-22) frente a Egisto que comeccedila a perder o seu papel principal na histoacuteria

62

natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

Por outro lado essa descriccedilatildeo presente na Odisseia em alguns aspectos se difere da

descriccedilatildeo feita por Clitemnestra em Eacutesquilo como menciona Serrano (2003 p 53)

Ofrece Homero en este pasaje la segunda versioacuten de la muerte del Atrida distinta de la que recogeraacute Esquilo en la Orestiacutea Invitaacutendolo a un banquete Egisto mata a Agamenoacuten y a sus hombres cayendo tambieacuten en la lucha los hombres de Egisto no se nombra a Clitemnestra en niguacuten momento98

As partes referentes ao banquete preparado a Agamecircmnon por Egisto e a morte dos

guerreiros do rei juntamente com ele natildeo aparecem na trageacutedia esquiliana Aleacutem da ausecircncia de

Clitemnestra tatildeo presente na peccedila

Tambeacutem atraveacutes desses versos homeacutericos pode-se perceber que aleacutem de preparar o plano

de vinganccedila Egisto eacute a personagem mais ativa na execuccedilatildeo da morte do rei como afirma Serrano

(2003 p105-106)

En la eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de una importante responsabilidad como artiacutefice del crimen de Agamenoacuten y Clitemnestra aparece en un segundo plano desde el principio habiendo sido seducida y engantildeada por el hijo de Tiestes99

E outro toacutepico relevante eacute a comparaccedilatildeo da morte do rei a um sacrifiacutecio de animais como

foi mencionado nos versos homeacutericos acima que tambeacutem estaacute presente na trageacutedia de Eacutesquilo nas

palavras de Clitemnestra

τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάριν (Es Ag v1386-1387)

oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos

98 Nesta passagem Homero oferece uma segunda versatildeo da morte do Atrida distinta da que fora retirada da Oresteia de Eacutesquilo Convidando-o para um banquete Egisto mata Agamecircmnon e seus homens caindo tambeacutem na luta os homens de Egisto natildeo se nomeia Clitemnestra em nenhum momento

99 Na eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de uma grande responsabilidade como artiacutefice do crime de Agamecircmnon e Clitemnestra aparece em segundo plano desde o iniacutecio tendo sido seduzida e enganada pelo filho de Tiestes

63

Jaacute com relaccedilatildeo agrave morte vergonhosa mencionada na Odisseia ateacute pelo espectro de

Agamecircmnon ela eacute julgada diferentemente pela Clitemnestra de Eacutesquilo

[οὔτ ἀνελεύθερον οἶμαι θάνατοντῷδε γενέσθαι] (Es Ag v1521)

Natildeo creio que teve indigna mortenatildeo eacute injusto ter dolorosa morte

Clitemnestra justifica que a morte de Agamecircmnon natildeo eacute indigna porque ele estaacute pagando

pelos males que fez e assim o considera digno do Hades pois o rei cometeu muitos erros no

passado e por isso deve morrer Somente a Clitemnestra traacutegica julga que a morte do rei eacute digna

dele Na Odisseia natildeo soacute nas palavras do espectro de Agamecircmnon mas tambeacutem na fala das outras

personagens que mencionam a morte do rei encontra-se referecircncia agrave morte vergonhosa de

Agamecircmnon como quando no canto XXIV no Hades Agamecircmnon conversa com Aquiles e esse

lembra os feitos do rei em Troia mas lamenta a morte sem gloacuteria

νῦν δ ἄρα σ οἰκτίστῳ θανάτῳ εἵμαρτο ἁλῶναι (Hom Od XXIV v34)

Mas o destino te havia guardado a mais triste das Mortes

E a mesma ideia de morte vergonhosa tambeacutem estaacute presente nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides

de Eacutesquilo Na primeira trageacutedia Orestes em diaacutelogo com Electra e o Coro lamenta por seu pai

natildeo ter morrido na guerra de Troia e por natildeo ter deixado uma gloacuteria para os filhos

εἰ γὰρ ὑπ Ἰλίῳ                 πρός τινος Λυκίων πάτερδορίτμητος κατηναρίσθηςλιπὼν ἂν εὔκλειαν ἐν δόμοισιντέκνων τ ἐν κελεύθοιςἐπιστρεπτὸν αἰῶκτίσσας πολύχωστον ἂν εἶχεςτάφον διαποντίου γᾶςδώμασιν εὐφόρητον (Es Coe v345-353)

Ah se no sopeacute de Iacuteliongolpeado por lanccedila de um liacutecio tivesses perecido oacute paiLegada bela gloacuteria no palaacutecio e nos caminhos dos filhos criadavida a que se voltam os olharesterias tuacutemulo magniacuteficoem terra ultramarinasuportaacutevel ao palaacutecio

64

Na segunda peccedila Orestes tambeacutem afirma que o pai teve uma morte indigna como jaacute foi

citado anteriormente (Es Eu v 448-449) Assim a morte de Agamecircmnon eacute tida como desonrosa

na Odisseia e nas duas trageacutedias apresentadas acima mostrando que Eacutesquilo embora em

Agamecircmnon tenha atraveacutes de Clitemnestra julgado a morte do rei como digna compartilhou da

imagem negativa da morte do rei ao qualificaacute-la como indigna nas outras duas trageacutedias da Oresteia

e em ambas por meio da fala de Orestes

Embora muitas partes referentes agrave morte do Agamecircmnon de Eacutesquilo sejam parecidas com as

partes presentes na Odisseia de Homero a abordagem sobre a morte eacute diferente Na Odisseia morre

o rei de Argos e chefe vitorioso da guerra de Troia a morte do rei eacute indigna ingloriosa e

vergonhosa pois para um heroi guerreiro eacute preferiacutevel morrer na guerra e ter uma gloacuteria eterna do

que morrer velho ou pelas matildeos de uma mulher como acontece em Eacutesquilo Pode-se observar essa

morte gloriosa quando no canto XXIV o espectro de Agamecircmnon ao conversar com o espectro de

Aquiles no Hades conta para o uacuteltimo como foram as suas honras fuacutenebres e lembra a fama de

Aquiles por ter morrido em combate

ὣς σὺ μὲν οὐδὲ θανὼν ὄνομ ὤλεσας ἀλλά τοι αἰεὶπάντας ἐπ ἀνθρώπους κλέος ἔσσεται ἐσθλόν Ἀχιλλεῦ (Hom Od XXIV v93-94)

Natildeo se apagou com tua Morte o teu nome poreacutem para sempreentre os mortais haacutes de fruir grande Aquiles renome glorioso

Jaacute na trageacutedia Agamecircmnon quem morre eacute o marido de Clitemnestra e o pai de Ifigecircnia Os

laccedilos de sangue causam a morte do rei que eacute provocada pelo retorno dele ao lar Assim o rei

glorioso vencedor de Troia perde a sua honra ao morrer sendo viacutetima de um crime familiar

produto de uma maldiccedilatildeo Essa maldiccedilatildeo natildeo eacute mencionada nos poemas homeacutericos Nesse

momento observa-se o caraacuteter particular da trageacutedia pois Agamecircmnon eacute assassinado por causa da

vinganccedila de sua esposa um motivo particular contrapondo-se ao caraacuteter coletivo da poesia eacutepica

por isso em Homero a morte de Agamecircmnon eacute vergonhosa e sem gloacuteria pois eacute produto de uma

causa particular

As justificativas do assassiacutenio de Agamecircmnon feitas por Clitemnestra ndash sacriacuteficio de

Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas (Criseida) e levar uma amante ateacute o palaacutecio (Cassandra) ndash na

trageacutedia Agamecircmnon satildeo apresentadas pela esposa apoacutes a execuccedilatildeo do marido

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ

65

[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόπος καὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e v 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulherquem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa

Esses argumentos demonstram uma aproximaccedilatildeo entre a trageacutedia e o poema de Piacutendaro pois

quando Clitemnestra se questiona a respeito da execuccedilatildeo do crime ela suscita as justificativas da

personagem traacutegica (Pin Pit XI v22-27) A rainha liacuterica lembra do sacrifiacutecio de Ifigecircnia e das

amantes de Agamecircmnon (Criseida e Cassandra) Como nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos

do ciclo troiano natildeo se encontra menccedilatildeo a respeito das justificativas apresentadas por Clitemnestra

para cometer o assassiacutenio pode-se concluir que dentre as obras que sobreviveram a Piacutetica XI de

Piacutendaro influenciou Eacutesquilo na criaccedilatildeo desses argumentos da rainha

Aleacutem disso nos versos citados acima observa-se que em Agamecircmnon Clitemnestra mata o

marido e tambeacutem mata Cassandra consumando a profecia Esse momento do mito estaacute presente na

Odisseia de Homero quando Agamecircmnon ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra

matou a consorte perto de seu corpo (XI v422-423) Na Piacutetica XI (v30-31) Cassandra eacute enviada

com Agamecircmnon para o reino dos mortos E na trageacutedia de Eacutesquilo Clitemnestra afirma que a

adivinha jaz do mesmo modo que o rei

No entanto pode-se dizer que Eacutesquilo natildeo soacute usou os poemas homeacutericos para construir a sua

trageacutedia Agamecircmnon mas tambeacutem sofreu influecircncias dos poemas liacutericos de Estesiacutecoro e Piacutendaro

conforme foi apresentado anteriormente Mas num primeiro momento percebe-se mais claramente

a presenccedila da Iliacuteada na peccedila atraveacutes do caraacuteter guerreiro e real de Agamecircmnon E num segundo

momento aparece a Odisseia ao tratar da morte do rei Os dois poemas liacutericos mudam o foco do

assassinato do rei para Clitemnestra E assim imerso em todas essas influecircncias poeacuteticas pode-se

dizer que Eacutesquilo construiu o seu Agamecircmnon Contudo a trageacutedia esquiliana tambeacutem se

contaminou dos aspectos sociais da sua eacutepoca poreacutem esse assunto natildeo se pretende abordar nesta

pesquisa

66

4 CAPIacuteTULO 3 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e recepccedilatildeo

O presente capiacutetulo pretende apresentar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega apoacutes a Oresteia de

Eacutesquilo e a romana recontam o mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos na guerra de Troia Seratildeo

discutidas as seguintes obras na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca

Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Biblioteca

Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de

Secircneca E atraveacutes das obras apresentadas tentar-se-aacute mostrar como Secircneca recepcionou essa

tradiccedilatildeo em sua trageacutedia Agamecircmnon

41 A tradiccedilatildeo miacutetica grega

A trageacutedia Aacutejax de Soacutefocles datada de 450 aC apresenta a morte do guerreiro Aacutejax Nessa

trageacutedia Agamecircmnon surge depois da morte do protagonista para impedir que seja concedida a

honra fuacutenebre ao morto (Sof Aj v1226-1263) Mas depois o rei eacute convencido por Odisseu a

autorizar o enterro de Aacutejax (Sof Aj v1318-1373) Nesses versos Agamecircmnon aparece como o

chefe das tropas gregas a autoridade maacutexima que soacute cede ao enterro quando Odisseu lembra que o

ato de negar honras fuacutenebres eacute um ato impiedoso

Jaacute na Electra de Soacutefocles peccedila de data incerta de entre 420-410 aC Agamecircmnon jaacute estaacute

morto e Electra sua filha espera a chegada do irmatildeo Orestes para vingar o assassiacutenio do pai No

primeiro episoacutedio em diaacutelogo com o Coro ela lembra o assassinato do pai

ὅσα τὸν δύστηνον ἐμὸν θρηνῶπατέρ ὃν κατὰ μὲν βάρβαρον αἶανφοίνιος Ἄρης οὐκ ἐξένισενμήτηρ δ ἡμὴ χὠ κοινολεχὴςΑἴγισθος ὅπως δρῦν ὑλοτόμοισχίζουσι κάρα φονίῳ πελέκεικοὐδεὶς τούτων οἶκτος ἀπ ἄλληςἢ μοῦ φέρεται σοῦ πάτερ οὕτωςἀδίκως οἰκτρῶς τε θανόντος (Sof El v94-102)

Ela (Clitemnestra) sabe as laacutegrimas que chorei pelo meu desditoso pai que em terras baacuterbaras o sanguinolento Ares natildeo colheu e a quem a matildee e o amante Egisto fenderam a cabeccedila com homicida acha como os lenhadores fendem um carvalho100

100 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Soacutefocles satildeo do Pe E Dias Palmeira conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SOacuteFOCLES Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os Rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

67

Mais adiante Electra lamentando a sua vida por ser prisioneira na proacutepria casa continua

Ὦ πασᾶν κείνα πλέον ἁμέραἐλθοῦσ ἐχθίστα δή μοιὦ νύξ ὦ δείπνων ἀρρήτωνἔκπαγλ ἄχθητοὺς ἐμὸς ἴδε πατὴρθανάτους αἰκεῖς διδύμαιν χειροῖν (Sof El v201-206)

Oacute dia mais execraacutevel de quantos vivi Oacute noite oacute dor horriacutevel daquele banquete nefando em que meu pai recebeu uma morte infame de um duplo braccedilo

Apreensiva com a vida reclusa no palaacutecio dos Atridas e insatisfeita com a indiferenccedila da

irmatilde Crisoacutetemis em relaccedilatildeo a morte do pai Electra enfrenta a matildee Clitemnestra e esta afirma

Πατὴρ γάρ οὐδὲν ἄλλο σοὶ πρόσχημ ἀεὶὡς ἐξ ἐμοῦ τέθνηκεν ἐξ ἐμοῦ καλῶςἔξοιδα τῶνδ ἄρνησις οὐκ ἔνεστί μοι (Sof El v525-527)

O teu pai ndash e nenhuma outra coisa te serve de pretexto ndash afirmas que morreu agraves minhas matildeos Sim agraves minhas matildeos bem sei nem me eacute possiacutevel negaacute-lo

Clitemnestra justifica o assassiacutenio com o crime cometido por Agamecircmnon pois ele

sacrificou a proacutepria filha Ifigecircnia em honra da deusa Aacutertemis para que os ventos fossem

favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo agrave Troia Nessa trageacutedia Soacutefocles deteacutem-se na morte de Agamecircmnon

motivo pelo qual a sua filha Electra acompanhada de Orestes deseja matar a proacutepria matildee para

vingar o assassiacutenio do pai E Agamecircmnon natildeo aparece como personagem nessa peccedila somente haacute

menccedilatildeo agrave morte dele

Do mesmo modo a Electra de Euriacutepides datada de 413 aC101 apresenta poucas referecircncias

agrave morte do rei No proacutelogo em que haacute um diaacutelogo entre Electra e seu marido ele menciona a morte

do chefe dos gregos

ἐν δὲ δώμασινθνήισκει γυναικὸς πρὸς Κλυταιμήστρας δόλωικαὶ τοῦ Θυέστου παιδὸς Αἰγίσθου χερί (Eu El v8-10)

Em casa poreacutem eacute morto por ardil da mulher Clitemnestra e pelas matildeos do filho de Tiestes Egisto102

101 Dataccedilatildeo mais consensual entre os pesquisadores pois haacute muita polecircmica acerca desse assunto Para mais informaccedilotildees SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado p 18-19

102 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Euriacutepides satildeo de Karen Amaral Sacconi conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo

68

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nessa peccedila por Orestes (Eu El v 85-86)

Electra mais uma vez lamenta o assassinato do pai (Eu El v 122-124 e v163-166) E por fim

antes do relato da morte de Clitemnestra o Coro lembra a morte do rei

παλίρρους δὲ τάνδ ὑπάγεται δίκαδιαδρόμου λέχους μέλεον ἃ πόσινχρόνιον ἱκόμενον εἰς οἴκουςΚυκλώπειά τ οὐράνια τείχε ὀ-ξυθήκτωι βέλους ἔκανενdaggerαὐτόχειρπέλεκυν ἐν χεροῖν λαβοῦσ (Eu El v 1155-1160)

A justiccedila reflui e acusa esta mulherpor seu leito errante Pois ela quando o esposo desventuradovoltou depois de muito para casa para as muralhas cicloacutepicas e celestesela matou com o gume afiado da espada na proacutepria matildeona matildeo tinha um machado

Assim como a Electra de Soacutefocles a peccedila homocircnima de Euriacutepides lembra apenas a morte de

Agamecircmnon atraveacutes das falas das personagens A morte do rei eacute o principal argumento para que

Electra e Orestes matem a proacutepria matildee e Egisto

E anteriormente agrave Electra de Euriacutepides foram encenadas trecircs trageacutedias do mesmo

tragedioacutegrafo que trazem o mito de Agamecircmnon Androcircmaca Heacutecuba e Troianas Na Androcircmaca

datada de 429-425 aC Androcircmaca eacute ameaccedilada de morte por Hermiacuteone mas com a ajuda de Peleu

ela consegue escapar Como a trageacutedia pertence ao ciclo troiano haacute menccedilatildeo agrave morte do chefe dos

gregos como se observa no quarto estaacutesimo

βέβακε δ Ἀτρείδας ἀλόχου παλάμαιςαὐτά τ ἐναλλάξασα φόνον θανάτουπρὸς τέκνων ἐπηῦρεν (Eu And v 1028-1030)

Haacute perecido o Atrida agraves matildeos da esposae ela pagou o crime com a morterecebeu de seus filhos o castigo do deus103

As outras referecircncias a Agamecircmnon presentes nessa peccedila estatildeo ligadas agrave paternidade de

Orestes que aparece na peccedila para ajudar Hermiacuteone a fugir da puniccedilatildeo de tentar matar Androcircmaca

Na Heacutecuba datada de 425-424 aC Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila

Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado 103 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Androcircmaca de Euriacutepides satildeo de Joseacute Ribeiro Ferreira

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

69

quando apoacutes o sacrifiacutecio de Poliacutexena ele encontra Heacutecuba junto a um cadaacutever o do seu filho

Polidoro Heacutecuba pede ao rei que a ajude a vingar a morte de seu filho Logo Agamecircmnon encontra

Polimestor o assassino de Polidoro com os olhos feridos pelas matildeos das mulheres troianas

chefiadas por Heacutecuba mas o rei argivo nega hospitalidade ao assassino e este antes de ir embora

amaldiccediloa o chefe grego como se vecirc no diaacutelogo com Heacutecuba

Πο καὶ σήν γ ἀνάγκη παῖδα Κασσάνδραν θανεῖνΕκ ἀπέπτυσ αὐτῶι ταῦτα σοὶ δίδωμ ἔχεινΠο κτενεῖ νιν ἡ τοῦδ ἄλοχος οἰκουρὸς πικράΕκ μήπω μανείη Τυνδαρὶς τοσόνδε παῖςΠο καὐτόν γε τοῦτον πέλεκυν ἐξάρασ ἄνω (Eu Hec v1275-1279)

Pol E eacute necessaacuterio que morra tua filha CassandraHeacutec Cuspo fora que o mesmo valha para tiPol A esposa desse aiacute acre guardiatilde da casa mataacute-la-aacuteHec Que a Tindarida nunca enlouqueccedila desse modoPol E tambeacutem mataraacute esse aiacute erguendo uma machada104

Nos versos acima pode-se observar que haacute uma referecircncia agrave morte de Agamecircmnon na peccedila

Apesar das palavras maleacuteficas de Polimestor Agamecircmnon aparece como um homem virtuoso ao

negar ajuda a Polimestor que matou Polidoro o seu hoacutespede

Nas Troianas datada de 415 aC Heacutecuba preocupa-se com o destino de sua prole apoacutes a

queda de Troia Em conversa com a sua filha Cassandra a jovem revela agrave matildee uma profecia de

Apolo

εἰ γὰρ ἔστι ΛοξίαςἙλένης γαμεῖ με δυσχερέστερον γάμονὁ τῶν Ἀχαιῶν κλεινὸς Ἀγαμέμνων ἄναξκτενῶ γὰρ αὐτὸν κἀντιπορθήσω δόμουςποινὰς ἀδελφῶν καὶ πατρὸς λαβοῦσ ἐμοῦἀλλ αὔτ ἐάσω πέλεκυν οὐχ ὑμνήσομενὃς ἐς τράχηλον τὸν ἐμὸν εἶσι χἀτέρωνμητροκτόνους τ ἀγῶνας οὓς οὑμοὶ γάμοιθήσουσιν οἴκων τ Ἀτρέως ἀνάστασιν (Eu Tr v356-364)

se Loacutexias existedesposar-me-aacute em bodas mais difiacuteceis que as de Helenao senhor do aqueus o glorioso AgamecircmnonMataacute-lo-ei e agora eu saquearei casas buscando vingar meus irmatildeos e meu paiMas deixa estar natildeo cantaremos a machadaque na nuca minha e de outros penetraraacuteas lutas matricidas que minhas bodas

104 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Heacutecuba de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

70

causaratildeo e a derrocada da casa de Atreu105

O trecho acima mostra a uniatildeo de Cassandra com Agamecircmnon e as consequecircncias dessas

nuacutepcias a morte dos dois Nessa peccedila Agamecircmnon tem a sua imagem vinculada agrave de Cassandra

portanto mostra-se como aquele que escolheu a mecircnade como presa de guerra mas tambeacutem eacute

lembrado como o chefe dos gregos por Taltiacutebio (v413-414)

Na Ifigecircnia em Taacuteuris datada de 414-411 aC Ifigecircnia estaacute em Taacuteuris e natildeo foi sacrificada

em Aacuteulis pelo proacuteprio pai Orestes aparece nessa cidade e os irmatildeos se encontram A jovem

pergunta ao estrangeiro ao saber que era grego notiacutecias sobre o final da guerra de Troia e questiona

Orestes sobre o destino de Agamecircmnon

Ιφ Ἀτρέως ἐλέγετο δή τις Ἀγαμέμνων ἄναξΟρ οὐκ οἶδ ἄπελθε τοῦ λόγου τούτου γύναιΙφ μὴ πρὸς θεῶν ἀλλ εἴφ ἵν εὐφρανθῶ μένεΟρ τέθνηχ ὁ τλήμων πρὸς δ ἀπώλεσέν τιναΙφ τέθνηκε ποίαι συμφορᾶι τάλαιν ἐγώΟρ τί δ ἐστέναξας τοῦτο μῶν προσῆκέ σοιΙφ τὸν ὄλβον αὐτοῦ τὸν πάροιθ ἀναστένωΟρ δεινῶς γὰρ ἐκ γυναικὸς οἴχεται σφαγείς (Eu If Tau v545-552)

If Eacute chamado de Agamecircmnon o soberano filho de AtreuOr Natildeo sei Deixe desse falatoacuterio mulherIf Natildeo pelos deuses Diga-me oacute estrangeiro para que eu me consoleOr Estaacute morto o infeliz e com ele pereceu algueacutem If Morto De que forma Ah como sou infelizOr Por que este lamento Acaso isso lhe interessaIf Lamento pela riqueza de outroraOr Pereceu de forma terriacutevel assassinado por mulher106

Como se pode observar a morte de Agamecircmnon eacute lembrada nessa peccedila quando Ifigecircnia

questiona o estrangeiro sobre os seus familiares Tambeacutem nessa trageacutedia Agamecircmnon aparece

como o pai de Orestes e de Ifigecircnia

No Orestes datado de 408 aC apoacutes o assassiacutenio de Clitemnestra e Egisto Orestes adoece e

eacute condenado agrave morte pelos argivos incitados por Tiacutendaro Mas perturbado pelo perigo iminente

Orestes com ajuda de Electra e Piacutelades parece matar Helena e tambeacutem ameaccedila a vida de

Hermiacuteone No uacuteltimo episoacutedio o deus Apolo surge e apazigua o conflito Nessa peccedila a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada em alguns momentos jaacute no proacutelogo Electra menciona a sua origem e a

105 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

106 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Taacuteuris de Euriacutepides satildeo de Marcelo Bourschied conforme consta na referecircncia bibliograacutefica BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

71

morte do pai

ὁ δὲ Κλυταιμήστρας λέχοςἐπίσημον εἰς Ἕλληνας Ἀγαμέμνων ἄναξὧι παρθένοι μὲν τρεῖς ἔφυμεν ἐκ μιᾶςΧρυσόθεμις Ἰφιγένειά τ Ἠλέκτρα τ ἐγώἄρσην δ Ὀρέστης μητρὸς ἀνοσιωτάτηςἣ πόσιν ἀπείρωι περιβαλοῦσ ὑφάσματιἔκτεινεν ὧν δ ἕκατι παρθένωι λέγεινοὐ καλόν (Eu Or v 20-27)

E o outro o priacutencipe Agamecircmnon ficou com o leito de Clitemnestra famigerada entre os gregos Trecircs donzelas nasceram a este de uma soacute mulher ndash Crisoacutetemis Ifigecircnia e eu Eletra bem como o varatildeo Orestes ndash nascidas da matildee iacutempia da que matou o marido depois de o lanccedilar numa teia inextrincaacutevel107

No segundo episoacutedio Menelau chega ao palaacutecio dos Atridas e conta como soube da morte

de seu irmatildeo

Ἀγαμέμνονος μὲν γὰρ τύχας ἠπιστάμην[καὶ θάνατον οἵωι πρὸς δάμαρτος ὤλετο]Μαλέαι προσίσχων πρῶιραν ἐκ δὲ κυμάτωνὁ ναυτίλοισι μάντις ἐξήγγειλέ μοιΝηρέως προφήτης Γλαῦκος ἀψευδὴς θεόςὅς μοι τόδ εἶπεν ἐμφανῶς κατασταθείςΜενέλαε κεῖται σὸς κασίγνητος θανώνλουτροῖσιν ἀλόχου περιπεσὼν πανυστάτοις (Eu Or v360-367)

Sim de Agamecircmnon conheci o destino e a morte que o vitimou agraves matildeos da esposa quando em Maacutelea acostou o meu navio pois anunciou-me de entre as ondas o adivinho dos homens do mar o inteacuterprete de Nereu Glauco deus que natildeo enganam Tornando-se visiacutevel eis o que ele me disse ldquoMenelau teu irmatildeo jaz morto abatido agraves matildeos da esposa no banho derradeirordquo

E ainda nesse episoacutedio Tiacutendaro lembra a faccedilanha da filha Clitemnestra embora natildeo aprove

a sua atitude

ἐπεὶ γὰρ ἐξέπνευσεν Ἀγαμέμνων βίονκάρα θυγατρὸς τῆς ἐμῆς πληγεὶς ὕποαἴσχιστον ἔργον (οὐ γὰρ αἰνέσω ποτέ) (Eu Or v496-498)

Pois quando Agamecircmnon expirou ferido pela minha filha na cabeccedila a mais vergonhosa das accedilotildees ndash pois jamais a aprovarei

Desse modo por meio da morte do rei eacute apresentado o mito de Agamecircmnon na trageacutedia

107 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Orestes de Euriacutepides satildeo de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

72

Orestes de Euriacutepides Nas citaccedilotildees mostradas verifica-se a visatildeo de trecircs personagens ndash Electra

Menelau e Tiacutendaro ndash acerca da morte do rei e se encontra uma unidade nas falas ao atribuiacuterem a

Clitemnestra o assassiacutenio do chefe dos gregos

Na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides peccedila datada de 405 aC Agamecircmnon participa como

personagem do iniacutecio ao fim da trageacutedia Ele inicia a trageacutedia arrependido por ter mandado Odisseu

ir buscar Ifigecircnia em Argos para que a jovem fosse sacrificada em honra agrave deusa Aacutertemis

Κάλχας δ ὁ μάντις ἀπορίαι κεχρημένοιςἀνεῖλεν Ἰφιγένειαν ἣν ἔσπειρ ἐγὼἈρτέμιδι θῦσαι τῆι τόδ οἰκούσηι πέδονκαὶ πλοῦν τ ἔσεσθαι καὶ κατασκαφὰς Φρυγῶνθύσασι μὴ θύσασι δ οὐκ εἶναι τάδεκλυὼν δ ἐγὼ ταῦτ ὀρθίωι κηρύγματιΤαλθύβιον εἶπον πάντ ἀφιέναι στρατόνὡς οὔποτ ἂν τλὰς θυγατέρα κτανεῖν ἐμήν (Eu If Aul v 89-96)

Entatildeo Calcas o adivinho vendo o nosso embaraccedilo pronunciou um oraacuteculo Ifigecircnia que eu gerei devia ser imolada a Aacutertemis que esta regiatildeo habita a expediccedilatildeo e a ruiacutena dos Friacutegios soacute com o sacrifiacutecio sem o sacrifiacutecio nada disto seria possiacutevel Ouvindo eu estas coisas mandei Taltiacutebio em clara proclamaccedilatildeo desmobilizar todo o exeacutercito pois jamais ousaria matar a minha filha108

Menelau por causa disso discute com o irmatildeo e por fim encoraja-o a imolar a proacutepria

filha Nesse contexto temos um duelo entre o dever do chefe das tropas gregas que deve sacrificar

Ifigecircnia para que os ventos sejam favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo a Troia e o dever de pai que natildeo

deve matar a filha O rei por toda a trageacutedia titubeia na sua decisatildeo mas pressionado pelos gregos

acaba decidindo por imolar Ifigecircnia Nas palavras do guerreiro observamos o seu sentimento

paternal e por vezes ainda chora por ter que sacrificar a sua filha

A Biblioteca Mitoloacutegica texto de dataccedilatildeo incerta eacute uma coletacircnea de mitologia grega e

embora incompleta estaacute dividida em trecircs livros e um Epiacutetome nesta uacuteltima parte encontramos

trechos sobre o mito de Agamecircmnon Apolodoro narra o mito do rei de Argos a partir de seu

casamento com Clitemnestra e dessa uniatildeo nasceram Orestes Crisoacutetemis Electra e Ifigecircnia (Ap

Bibl Mit Ep 2 16) Em seguida tem-se Agamecircmnon como chefe dos gregos que para continuar

a viagem para Troia deve sacrificar a filha Ifigecircnia

Κάλχας δὲ ἔφη οὐκ ἄλλως δύνασθαι πλεῖν αὐτούς εἰ μὴ τῶν Ἀγαμέμνονος

108 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides satildeo de Carlos Alberto Pais de Almeida conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

73

θυγατέρων ἡ κρατιστεύουσα κάλλει σφάγιον Ἀρτέμιδι παραστῇ διὰ τὸ μηνίειν τὴν θεὸν τῷ Ἀγαμέμνονι (Ap Bibl Mit Ep 3 21)

Calcante aseguroacute que no podriacutean navegar a non ser que de las hijas de Agamenoacuten se presentase la maacutes pujante en belleza como ofrenda agrave Aacutertemis pues la diosa se habiacutea irritado contra Agamenoacuten debido a que una vez que alanceoacute a un ciervo109

Depois o rei soacute aparece no final da guerra de Troia Agamecircmnon recebe Cassandra como

espoacutelio de guerra (Ap Bibl Mit Ep 5 23) e antes de iniciar a viagem de volta para casa faz

oferendas agrave deusa Atena Finalmente ao chegar a sua paacutetria eacute assassinado por Clitemnestra e

Egisto

Ἀγαμέμνων δὲ καταντήσας εἰς Μυκήνας μετὰ Κασάνδρας ἀναιρεῖται ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυταιμνήστραςmiddot δίδωσι γὰρ αὐτῷ χιτῶνα ἄχειρα καὶ ἀτράχηλον καὶ τοῦτον ἐνδυόμενος φονεύεται καὶ βασιλεύει Μυκηνῶν Αἴγισθοςmiddot κτείνουσι δὲ καὶ Κασάνδραν (Ap Bibl Mit Ep 6 23)

Agamenoacuten a su vuelta a Micenas acompantildeado de Cassandra es asesinado por Egisto y Clitemnestra eacutesta le da una tuacutenica sin orificio ni para los brazos ni para la cabeza y mientras se la pone es sacrificado Egisto se proclama rey de Micenas tambieacuten dan muerte a Cassandra

Na Biblioteca Mitoloacutegica por ser um compecircndio de mitologia grega a vida de Agamecircmnon

o chefe dos gregos encontra-se com mais informaccedilotildees do que em outras narrativas Ainda que

Apolodoro as reconte de modo mais resumido o autor nos daacute um panorama dos mitos gregos jaacute

conhecidos pela tradiccedilatildeo dentre eles o de Agamecircmnon

Na Descriccedilatildeo da Greacutecia datada da segunda metade do seacutec II dC Pausacircnias nos apresenta

uma espeacutecie de guia turiacutestico da Greacutecia no qual nos mostra monumentos e cidades importantes

essa obra estaacute dividida em dez livros de acordo com a localidade a ser descrita O autor natildeo soacute

descreve o que vecirc como tambeacutem relata a histoacuteria do monumento ou do lugar visitado Seraacute

estudado o livro II intitulado Corinto e Argoacutelidas Nesse livro Pausacircnias visita o tuacutemulo de

Agamecircmnon como assim narra

τάφος δὲ ἔστι μὲν Ἀτρέως εἰσὶ δὲ καὶ ὅσους σὺν Ἀγαμέμνονι ἐπανήκοντας ἐξ Ἰλίου δειπνίσας κατεφόνευσεν Αἴγισθος τοῦ μὲν δὴ Κασσάνδρας μνήματος ἀμφισβητοῦσι Λακεδαιμονίων οἱ περὶ Ἀμύκλας οἰκοῦντεςmiddot ἕτερον δέ ἐστιν Ἀγαμέμνονος τὸ δὲ Εὐρυμέδοντος τοῦ ἡνιόχου καὶ Τελεδάμου τὸ αὐτὸ καὶ Πέλοπος (Pau Des Gre II 16 6)

Hay una tumba de Atreo y estaacuten las tumbas de todos a los que cuando regresaron de Ilioacuten dio muerte Egisto despueacutes de ofrecerles un banquete Los lacedemonios que

109 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro satildeo de Julia Garciacutea Moreno conforme consta na referecircncia bibliograacutefica APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

74

viven en Amiclas se disputan la sepultura de Cassandra Hay otra de Agamenoacuten otra de Erimedonte el auriga una uacutenica de Teledamo y de Peacutelope110

Em seguida fala dos tuacutemulos de Clitemnestra e Egisto que foram sepultados em tuacutemulos

mais distantes fora das muralhas da cidade

Κλυταιμνήστρα δὲ ἐτάφη καὶ Αἴγισθος ὀλίγον ἀπωτέρω τοῦ τείχουςmiddot ἐντὸς δὲ ἀπηξιώθησαν ἔνθα Ἀγαμέμνων τε αὐτὸς ἔκειτο καὶ οἱ σὺν ἐκείνῳ φονευθέντες (Pau Des Gre II 16 7)

Clitemnestra y Egisto recibieron sepultura un poco maacutes lejos de la muralla fueron considerados indignos de ser enterrados dentro donde yaciacutea el proacuteprio Agamenoacuten y los que fueron asesinados con eacutel

A descriccedilatildeo feita por Pausacircnias das tumbas da famiacutelia Atrida pouco revela sobre

Agamecircmnon embora natildeo mencione a traiccedilatildeo ao rei de Argos apresenta Clitemnestra e Egisto como

traidores pois natildeo tiveram direito agrave mesma sepultura que seus familiares

A tradiccedilatildeo miacutetica grega acerca do mito de Agamecircmnon apoacutes as peccedilas de Eacutesquilo pode ser

dividida em trageacutedias e narrativas Nas trageacutedias a morte de Agamecircmnon aparece em quase todas

as peccedilas exceto no Aacutejax de Eacutesquilo e na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Em relaccedilatildeo agrave morte do rei

os assassinos foram Clitemnestra e Egisto na Electra de Sofoacutecles e na peccedila homocircnima de Euriacutepides

E Clitemnestra aparece como a uacutenica culpada pelo assassiacutenio de Agamecircmnon na Androcircmaca na

Heacutecuba na Ifigecircnia em Taacuteuris e no Orestes de Euriacutepides Os artifiacutecios usados para matar o rei estatildeo

presentes em algumas peccedilas como o banquete para recepcionar o chefe dos gregos na Electra de

Soacutefocles o machado usado como arma na Electra na Heacutecuba e nas Troianas de Euriacutepides o banho

mortiacutefero e a rede (teia) para imobilizar a viacutetima no Orestes de Euriacutepides E somente na trageacutedia

Heacutecuba de Euriacutepides a morte de Cassandra estaacute ligada agrave morte do rei Como se pode observar as

trageacutedias preservam em sua maioria a morte de Agamecircmnon divergindo em relaccedilatildeo ao(s)

autor(es) do assassiacutenio e lembrando as artimanhas usadas para a execuccedilatildeo da morte

As duas narrativas abordam em comum a morte de Agamecircmnon Ambas concordam em

relaccedilatildeo aos assassinos do rei Clitemnestra e Egisto Jaacute em relaccedilatildeo aos artifiacutecios usados pelos

assassinos na Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro tem-se o uso do manto para imobilizar a viacutetima

e na Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias tem-se a menccedilatildeo ao banquete oferecido em honra ao rei E

a morte de Cassandra vinculada agrave morte de Agamecircmnon soacute eacute mencionada na obra de Apolodoro Na

Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias o relato sobre a morte do chefe dos gregos mostra uma

110 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias satildeo de Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

75

proximidade com o mesmo relato apresentado na Odisseia (IV v526-535) de Homero ambos

mostram que os guerreiros de Agamecircmnon foram mortos junto com ele ao retornarem para a paacutetria

e tambeacutem lembram do banquete servido ao rei e aos seus homens

Contudo a tradiccedilatildeo grega apresentada anteriormente em relaccedilatildeo a morte de Agamecircmnon

prefere a hipoacutetese de Clitemnestra e Egisto terem assassinado o rei

42 A tradiccedilatildeo miacutetica romana

O mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo miacutetica romana eacute recontado nas trageacutedias Egisto de

Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio na epopeia Eneida (I aC) de Virgiacutelio nos poemas A

arte de amar (I aC ndash I dC) e Metamorfoses (I aC ndash I dC) de Oviacutedio na narrativa Faacutebulas de

Higino nas trageacutedias Troianas Tiestes e Agamecircmnon (I dC) de Secircneca Observar-se-aacute como cada

um desses textos apresenta o mito do rei argivo

A trageacutedia Aegisthus de Liacutevio Andronico datada de III aC narra o assassinato de

Agamecircmnon O primeiro poeta de Roma reescreveu muitas trageacutedias gregas que sobreviveram

apenas fragmentos delas como em Aegisthus da qual soacute restaram oito fragmentos ldquoThe greatest

number of surviving fragments come from the Aegishtus Eight fragments from this play exist yet is

unclear whether Livius used Aeschylus Agamemnon or Sophocles Aegisthus as a modelrdquo111

(ERASMO 2004 p11-12) Nos fragmentos 4 e 5 segundo Erasmo (2004 p 12) tem-se o retorno

de Agamecircmnon para a paacutetria acompanhado de Cassandra

(4) nemo haece uostrorum ruminetur mulieri(Andr Aegh frag4)

Let no one of you rehash this to the woman112

(5) sollemnitusque adeo ditali laudem lubens(Andr Aegh frag5)

Solemnly and freely (he offered) praise to god

E os fragmentos 6 e 7 conforme afirma Erasmo (2004 p13) mostram informaccedilotildees acerca

da morte de Agamecircmnon

(6) hellip in sedes conlocat se regias

111 O maior nuacutemero de fragmentos sobreviventes vem de Egisto Existem oito fragmentos dessa peccedila ainda natildeo estaacute claro se Liacutevio usou o Agamecircmnon de Eacutesquilo ou o Egisto de Soacutefocles como modelo

112 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Egisto de Liacutevio Andronico satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

76

Clytemnestra iuxtim tertias natae occupant (Andr Aegh frag6)

He seats himself upon royal thronesClytemnestra is next to him their daughters occupy the thirds

(7) ipsus se in terram saucius fligit cadens (Andr Aegh frag7)

Falling he dashed his wounded self onto the ground

Por meio dos fragmentos apresentados pode-se verificar que a peccedila Egisto de Liacutevio

Andronico retrata a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio e a morte dele No entanto a peccedila ao se

intitular Egisto apresenta uma focalizaccedilatildeo na personagem homocircnima contrapondo agrave tradiccedilatildeo

traacutegica grega na qual Agamecircmnon era o foco principal

Jaacute acerca da trageacutedia Clitemnestra de Aacutecio que foi encenada na inauguraccedilatildeo do teatro de

Pompeu em 55 aC restaram apenas dez fragmentos e assim como da trageacutedia de Liacutevio pouco se

sabe Desses fragmentos um apresenta Cassandra profetizando o dia de sua morte

(7) scibam hanc mihi supremam lucem et seruiti finem dari (Ac Cl frag7)

I knew that this day would be my last and an end to my slavery113

Em um outro fragmento haacute uma alusatildeo ao destino de Agamecircmnon e Cassandra

(8)hellip seras potiuntur plagas (Ac Cl frag 9)

hellip they receive their late blows

E segundo Tarrant (2004 p14) a Clitemnestra de Aacutecio completaria o Egisto de Liacutevio

Andronico sugerindo que ambas vieram da mesma fonte grega

The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus it has been suggested that both plays depend on the same Greek source 114 (TARRANT 2004 p14)

A Eneida de Virgiacutelio poema eacutepico datado de I aC dividido em doze cantos que narram a

busca de Eneias por uma terra na qual ele possa fundar uma nova Troia tambeacutem narra partes do

113 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Clitemnestra de Aacutecio satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

114 Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio isto foi sugerido que ambas as peccedilas dependem da mesma fonte grega

77

mito de Agamecircmnon No Canto I quando Eneias chega ao templo de Juno e contempla as pinturas

nas paredes do monumento ele vecirc num dos quadros a representaccedilatildeo pictoacuterica dos filhos de Atreu

(Virg En v 460-462) Jaacute no Canto II Eneias ao narrar os acontecimentos de Troia aos feniacutecios

lembra o sacrifiacutecio de Ifigecircnia

Sanguine placastis ventos et virgine caesacum primum Iliacas Danai venistis ad oras (Virg En II v 116-117)

Quando pela primeira vez oacute gregos viestes para o litoral troiano aplacastes os ventos com o sangue e a morte de uma virgem115

E no Canto XI haacute uma treacutegua na guerra para enterrar os mortos Durante uma assembleia

para se decidir sobre a continuidade da guerra Diomedes lembra os destinos dos gregos apoacutes o fim

da guerra de Troia

Ipse Mycenaeus magnorum ductor Achivomconiugis infandae prima intra limina dextraoppetiit devictam Asiam subsedit adulter (Virg En XI v 266-268)

O proacuteprio rei de Micenas o chefe dos grandes aqueus tombou agrave entrada do seu palaacutecio ferido pela destra da sua abominaacutevel consorte um aduacuteltero agrave traiccedilatildeo derruba o vencedor da Aacutesia

Como se verifica por meio desses versos a morte desafortunada de Agamecircmnon eacute tambeacutem

mencionada na Eneida de Virgiacutelio O heroacutei grego natildeo eacute muito lembrado nesse poema pois este se

dedica agrave gloacuteria romana

Nos poemas de Oviacutedio Agamecircmnon tambeacutem aparece A arte de amar poema datado de I

aC ndash I dC dividido em trecircs livros cita Agamecircmnon em alguns versos No livro I Agamecircmnon eacute

lembrado por causa de sua morte

Qui Martem terra Neptunum effugit undisconiugis Atrides victima dira fuit (Ov Art Am I v333-334)

Apoacutes ter escapado de Marte na terra de Netuno sobre as ondas o filho de Atreu foi funesta viacutetima de sua mulher116

No livro II Oviacutedio reconta a justificativa que Clitemnestra teve para trair e matar 115 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Eneida de Virgiacutelio satildeo de Tassilo Orpheu Spalding

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

116 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo de A arte de amar de Oviacutedio satildeo de Duacutenia Marinho da Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

78

Agamecircmnon pois enquanto ele lhe foi fiel ela natildeo o traiu

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viri Audierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virum (Ov Art Am II v399-408)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Lirnessiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de esposo

Assim Oviacutedio no poema A arte de amar menciona Agamecircmnon ao rememorar a sua morte

e a traiccedilatildeo ao casamento com Clitemnestra que culminou no assassiacutenio dele

Jaacute no poema Metamorfoses datado de I aC ndash I dC uma coletacircnea de mitos que mostra a

transformaccedilatildeo de homens em animais aacutervores rios e pedras reconta a narrativa da Guerra de Troia

e nesse momento lembra do rei Agamecircmnon No canto XII o primeiro momento do mito eacute

contado o sacrifiacutecio de Ifigecircnia quer nas palavras profeacuteticas de Calcante (Ov Met XII v 29-31) e

quer nas palavras de Odisseu ao disputar com Aacutejax as armas de Aquiles (Ov Met XIII v 183-

187) E nesse poema encontra-se uma parte do mito natildeo muito citada pelo mitoacutegrafo Agamecircmnon

rouba as filhas de Acircnio que tinham o poder de transformar todas as coisas em milho vinho e

azeitonas verdes para alimentar as tropas gregas

hoc ubi cognovit Troiae populator Atridesne non ex aliqua vestram sensisse procellamnos quoque parte putes armorum viribus ususabstrahit invitas gremio genitoris alantqueimperat Argolicam caelesti munere classem (Ov Met XIII 654-658)

Mal soube disto o filho de Atreu o saqueador de Troia(natildeo julgueis que noacutes de algum modo natildeo sentimostambeacutem a vossa tormenta) recorrendo agrave forccedila das armasarrebata-as agrave sua revelia dos braccedilos do pai e ordena-lhesque abasteccedilam a frota da Argoacutelide com o seu dom celeste117

117 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Metamorfoses de Oviacutedio satildeo de Paulo Farmhouse Alberto conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

79

Desse modo Oviacutedio apresenta Agamecircmnon nas Metamorfoses principalmente como chefe

das tropas gregas ao contraacuterio do que acontece no poema A arte de amar na qual a imagem de

Agamecircmnon estaacute vinculada agrave famiacutelia quer ele como traidor da esposa quer como o morto pela

consorte

Na narrativa Faacutebulas de Higino datada do seacutec I aC118 apresenta Agamecircmnon desde a

participaccedilatildeo na busca por Tiestes (Fab 88 8) para que este fosse conduzido ao palaacutecio dos

Atridas ateacute a morte do rei Nesse iacutenterim Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas

rumo agrave guerra de Troia no episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

in Aulide tempestas eos ira Dianae retinebat (hellip) Is cum haruspices convocasset et Calchas se respondisset aliter expiare non posse nisi Iphigeniam filiam Agamemnonis immolasset (hellip) Quam cum in Aulidem adduxisset et parens eam immolare vellet Diana virginem miserata est et caliginem eis obiecit cervamque pro ea supposuit Iphigeniamque (Hig Fab 98 1-4)

Pero una tempestad desatada por la coacutelera de Diana los reteniacutea em Aacuteulide (hellip)Traacutes convocar a los aruacutespices Calcante respondioacute que la uacutenica manera de aplacar a la diosa era sacrificar a Ifigenia la hija de Agamenoacuten (hellip) Cuando la condujo a Aacuteulide y su padre estaba a punto de sacrificarla Diana se apiadoacute de la doncella los envolvioacute em una oscuridad y puso una cierva em su lugar119

E o mitema sobre a briga de Agamecircmnon com Aquiles pela escrava Briseida na guerra de

Troia tambeacutem eacute mencionado por Higino

Agamemnon Briseidam Brisae sacerdotis filiam ex Moesia captivam propter formae dignitatem quam Achilles ceperat ab Achille abduxit eo tempore quo Chryseida Chrysi sacerdoti Apollinis Zminthei reddidit (hellip) Achilles cum Agamemnone redit in gratiam Briseidamque ei reddidit (Hig Fab 106 1 e 3)

Agamenoacuten separoacute a Aquiles de su esclava Briseida hija del sacerdote Brises de Misia a causa de su espleacutendida belleza por la misma eacutepoca em que devolvioacute a Criseida hija de Crises sacerdote de Apolo Esminteo (hellip) Aquiles se reconcilioacute com Agamenoacuten y eacuteste le devolvioacute a Briseida

118 Essa narrativa sofre com problemas de autoria e de tiacutetulo e como afirma Saacutenchez (2009 p8) ldquoLa cuestioacuten se remonta a la edicioacuten priacutencipe realizada por Jacobus Micyllus em Basilea em 1535 Este filoacutelogo llevoacute a la imprenta un coacutedice que hasta entonces se habiacutea conservado em la Bibioteca del Monasterio de Freising y lo editoacute com el siguiente tiacutetulo Libro de Faacutebulas de Cayo Julio Higino liberto de Augusto Lamentablemente el manuscrito el uacutenico ejemplar conservadordquo (A questatildeo remonta a primeira ediccedilatildeo feita por Jacobus Micyllus na Basileia em 1535 Este filoacutelogo levou agrave impressatildeo um coacutedice que ateacute entatildeo tinha se conservado na Biblioteca do Mosteiro de Freising e o editou com o seguinte tiacutetulo Livro de Faacutebulas de Caio Juacutelio Higino liberto de Augusto Lamentavelmente o manuscrito eacute o uacutenico exemplar conservado)

119 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Faacutebulas de Higino satildeo de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

80

Por fim o narrador das Faacutebulas conta como foi a morte de Agamecircmnon

Tunc Clytaemnestra cum Aegistho filio Thyestis cepit consilium ut Agamemnonem et Cassandram interficeret quem sacrificantem securi cum Cassandra interfecerunt (Hig Fab 117 1)

Entonces Clitemnestra em compantildeiacutea de Egisto hijo de Tiestes concibioacute el plan de asesinar a Agamenoacuten y a Casandra Lo asesinaron com un hacha mientras realizaba un sacrificio com Casandra

O mito de Agamecircmnon apareceraacute com maior relevacircncia na tradiccedilatildeo literaacuteria romana por

meio das trageacutedias de Secircneca Agamecircmnon As troianas e Tiestes Natildeo se sabe exatamente em que

data Secircneca escreveu as trageacutedias poreacutem alguns estudiosos afirmam que as trageacutedias senequianas

foram escritas entre os anos 40-65 dC120 De acordo com essa dataccedilatildeo Lohner (2009 p15)

apresenta uma divisatildeo das peccedilas em trecircs grupos

Diante dos resultados obtidos as peccedilas foram distribuiacutedas em trecircs grupos do primeiro fazem parte o Agamecircmnon seguido das peccedilas Fedra e Eacutedipo ndash seriam estas por conseguinte as primeiras composiccedilotildees dramaacuteticas de Secircneca ndash no segundo grupo figuram nesta ordem Medeia Troianas e Heacutercules louco e por fim no terceiro Tiestes e Feniacutecias (FITCH apud LOHNER 2009 p15)

A trageacutedia Tiestes mostra a vinganccedila de Atreu em relaccedilatildeo a seu irmatildeo Tiestes ao matar os

sobrinhos e os servir ao pai em um banquete Nessa peccedila Agamecircmnon ainda eacute muito jovem mas

seu pai Atreu diz que tornaraacute os filhos cientes da vinganccedila por ele planejada

Consili Agamemnon meisciens minister fiat et fratri sciensMenelaus adsit (Sen Ties v325-327)

Agamecircmnon seraacute auxiliar ciente do meu plano e Menelau de tudo informado ajudaraacute seu pai121

Apenas nesse trecho Agamecircmnon eacute mencionado na peccedila Tiestes Na trageacutedia Troianas

Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila No segundo episoacutedio Pirro filho de Aquiles

reclama ao chefe dos gregos uma recompensa agrave gloacuteria de seu pai o sacrifiacutecio de Poliacutexena filha de

Priacuteamo e Heacutecuba Mas Agamecircmnon se mostra um rei cauteloso e natildeo aceita o sacrifiacutecio da jovem

120 LOHNER 2009 p15121 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Tiestes de Secircneca satildeo de J A Segurado Campos

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEacuteNECA Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

81

Regia ut virgo occidattumuloque donum detur et cineres rigetet facinus atrox caedis ut thalamos vocentnon patiar In me culpa cunctorum reditqui non vetat peccare cum possit iubet (Sen Troi v288-292)

Natildeo permitirei que uma virgem real morra e seja oferecida como precircmio a um tuacutemulo e regue com sangue as cinzas e que chamem de casamento ao crime atroz de um assassiacutenio A culpa de todos voltar-se-aacute contra mim Quem natildeo impede um crime quando pode o ordena122

Mesmo assim Pirro insiste e o rei manda chamar Calcante para resolver o impasse O

adivinho orienta os gregos a sacrificarem Poliacutexena em honra de Aquiles E se mostrando piedoso

Agamecircmnon natildeo tem como impedir a morte da jovem Assim aparece Agamecircmnon na trageacutedia

Troianas de Secircneca como o chefe das tropas gregas e temente aos deuses

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca se inicia com um proacutelogo recitado pelo espectro de

Tiestes Ele lembra a maldiccedilatildeo familiar e os vaacuterios crimes que aconteceram naquele palaacutecio O

espectro apresenta o rei Agamecircmnon

rex ille regum ductor Agamemnon ducumcuius secutae mille vexillum ratesIliaca velis maria texerunt suispost decima Phoebi lustra devicto Ilioadest daturus coniugi iugulum suae (Sen Ag v39-43)

rei dos reis Agamecircmnon chefe dentre os chefes a cujo pavilhatildeo seguiram mil navioscobrindo com suas velas os mares troianos de Febo apoacutes dois lustros dominada Troia aqui estaacute para dar agrave sua esposa o pescoccedilo123

O espectro de Tiestes jaacute no proacutelogo da trageacutedia anuncia a chegada do rei Agamecircmnon e a

sua morte executada pela esposa No segundo ato Clitemnestra em diaacutelogo com a Ama titubeia na

vinganccedila de matar o rei A Ama aconselha a rainha a desistir do crime pois Clitemnestra ousa uma

vinganccedila contra um homem poderoso

hunc fraude nunc conaris et furto aggrediQuem non Achilles ense violavit feroquamuis procacem torvus armasset manum

122 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Secircneca satildeo de Zeacutelia de Almeida Cardoso conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Luacutecio Aneu As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

123 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Agamecircmnon de Secircneca satildeo de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

82

non melior Aiax morte decreta furensnon sola Danais Hector et bello moranon tela Paridis certa non Memnon nigernon Xanthus armis corpora immixta aggerensfluctusque Simois caede purpureos agensnon nivea proles Cycnus aequorei deinon bellicoso Thressa cum Rheso phalanxnon picta pharetras et securigera manupeltata Amazon hunc domi reducem parasmactare et aras caede maculare impia (Sen Ag v206-219)

Ora te empenhas em atacar com ardil e enganoquem com feroz espada Aquiles natildeo feriuembora em fuacuteria a matildeo tenha armado insolentenem Aacutejax o mais bravo louco a impor-lhe a morte nem aos dacircnaos e agrave guerra o soacute entrave Heitornem de Paacuteris o dardo certo e o negro Mecircmnonnem o Xanto que corpos e armas amontoae o Simoente de aacuteguas rubras de matanccedilanem Cicno raccedila niacutevea do equoacutereo deusnem a falange traacutecia com Reso beliacutegeronem armada de pelta e machado a Amazonacom a aljava pintada a ele que retornavais imolar manchando o altar com iacutempia morte

Apoacutes os argumentos da Ama Egisto aparece e incita a amante a persistir na vinganccedila Mas

Clitemnestra sai de cena mostrando estar em duacutevidas em relaccedilatildeo agrave vinganccedila

No terceiro ato Clitemnestra recebe o mensageiro Euriacutebates que avisa sobre a chegada do

rei e conta como foi o retorno dos gregos apoacutes o fim da guerra de Troia E nesse relato o

mensageiro lembra a gloacuteria de morrer em batalha

Quid fata possunt Invidet Pyrrhus patriAiaci Ulixes Hectori Atrides minorAgamemno Priamo quisquis ad Troiam iacetfelix vocatur cadere qui mervit graduquem fama servat victa quem tellus tegit (Sen Ag v512-516)

Quanto eacute o poder dos fados Pirro inveja o pai Ulisses a Agravejax o mais jovem Atrida a Heitora Priacuteamo Agamecircmnon ao que jaz em Troiafeliz o chamam quem morrer logrou em lutaquem a fama eterniza e o chatildeo vencido cobre

Logo depois Cassandra surge acompanhada do coro de mulheres troianas A profetisa de

Apolo aparece em cena lamentando a morte dos troianos Em seguida Cassandra entra em estado

de transe Nesse momento a profetisa prevecirc a morte de Agamecircmnon

83

Timete reges moneo furtivum genusagrestis iste alumnus evertet domumQuid ista vecors tela feminea manudestricta praefert Quem petit dextra virumLacaena cultu ferrum Amazonium gerensQuae versat oculos alia nunc facies meosvictor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Agv 732-740)

Temei oacute reis advirto-vos espuacuteria raccedila vai rasar um palaacutecio essa cria dos bosques Por que essa insana ostenta na matildeo de mulher a espada nua A que homem busca com a destra trajada qual lacocircnia e com arma de Amazona Que outra visatildeo atrai agora os olhos meus De feras vencedor colo altaneiro jaz sujeito a infames presas o leatildeo marmaacuterico sofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Apoacutes o estado de transe de Cassandra Agamecircmnon entra no palaacutecio e eacute bem recepcionado

por sua esposa Ele dialoga com a profetisa que tenta lhe alertar sobre o perigo iminente mas ele

natildeo entende as suas palavras (Sen Ag v792-798) No quinto ato Cassandra ao presenciar o

assassinato do rei relata-nos como tudo aconteceu

Epulae regia instructae domoquales fuerunt ultimae Phrygibus dapescelebrantur ostro lectus Iliaco nitetmerumque in auro veteris Assaraci trahuntEt ipse picta veste sublimis iacetPriami superbas corpore exuvias gerensDetrahere cultus uxor hostiles iubetinduere potius coniugis fidae manutextos amictus - horreo atque animo tremoregemne perimet exul et adulter virumVenere fata Sanguinem extremae dapesdomini videbunt et cruor Baccho incidetMortifera vinctum perfidae tradit neciinduta vestis exitum manibus negantcaputque laxi et invii cludunt sinusHaurit trementi semivir dextra latusnec penitus egit vulnere in medio stupetAt ille ut altis hispidus silvis apercum casse vinctus temptat egressus tamenartatque motu vincla et in cassum furitcupit fluentes undique et caecos sinusdissicere et hostem quaerit implicitus suumArmat bipenni Tyndaris dextram furensqualisque ad aras colla taurorum priusdesignat oculis antequam ferro petatsic huc et illuc impiam librat manum

84

Habet peractum est Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacentNondum recedunt ille iam exanimem petitlaceratque corpus illa fodientem adivvat (Sen Ag v875-905)

No reacutegio paccedilo lautas eacutepulasqual foi o uacuteltimo banquete para os friacutegios celebram-se De Iacutelio luz no leito o ostro e tomam vinho no ouro do vetusto Assaacuteraco e ele deitado e altivo em traje matizado de Priacuteamo em seu corpo leva o rico espoacutelio Ordena-lhe a mulher a tirar a veste imiga e envolver-se no manto pela matildeo tecido de fiel esposa Sinto nalma horror e tremo ecircxul e aduacuteltero o algoz de um rei e esposoVeio o destino as eacutepulas finais veratildeo do soberano o sangue em Baco ver vertido Mortiacutefera amarrado entrega-o a uma morte peacuterfida a veste que o cobriu prendem-lhe as matildeos e atam a cabeccedila as dobras frouxas e sem fenda Seu flanco o falso homem rasga com matildeo trecircmula natildeo cravou fundo em pleno golpe ele vacila Mas como um hirto javali na mata funda preso na rede tenta no entanto escapar e inquieto aperta o laccedilo em fuacuteria contra a rede aquele as dobras cegas que vazam dos lados quer romper e procura enlaccedilado o inimigo Bipene em punho irosa de Tiacutendaro a filha qual popa que no altar as cernelhas dos touros aponta com o olhar antes que vibre o ferro ela a matildeo iacutempia assim balanccedila aqui e ali Eis Consumado estaacute De estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorra do tronco a face com um frecircmito desaba E ainda natildeo recuam atacam ele o corpo sem vida e o lacera ela ajuda o algoz

Apoacutes a descriccedilatildeo do assassiacutenio Electra aparece em cena e pede a Estroacutefio que cuide de

Orestes e o leve para bem longe dali Depois Clitemnestra anuncia que mataraacute Cassandra e ela

tambeacutem promete castigar a filha por ter escondido o irmatildeo Orestes Assim Secircneca nos conta a

morte do rei de Argos (Micenas) o grande vencedor da guerra de Troia

A tradiccedilatildeo miacutetica romana acerca do mito de Agamecircmnon apresenta principalmente os

episoacutedios da morte do rei e do sacrifiacutecio de Ifigecircnia A morte do rei aparece no Egisto de Liacutevio

Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e no

Agamecircmnon de Secircneca Na Eneida e na A arte de amar Clitemnestra aparece como a uacutenica

responsaacutevel pela morte do chefe dos gregos jaacute na trageacutedia e na narrativa de Higino Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto E as obras citadas anteriormente trazem como motivo para a

85

execuccedilatildeo do crime a traiccedilatildeo do rei em relaccedilatildeo agrave sua esposa Nos outros poemas ndash Metamorfoses de

Oviacutedio e Troianas de Secircneca ndash Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas como tambeacutem

nas Faacutebulas de Higino

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon

Apoacutes os relatos acerca do mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo literaacuteria grega apresentados

anteriormente incluindo os textos do capiacutetulo anterior e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana pode-se

observar que Secircneca se utilizou de alguns desses textos para criar a sua peccedila mas tambeacutem natildeo

sobreviveram todos os textos que serviram de fonte para o tragedioacutegrafo como afirma Lohner

(2009 p111) ldquoPor outro em vista da perda quase total da poesia traacutegica latina anterior agrave de

Secircneca muito pouco se pode averiguar sobre o viacutenculo desta obra com modelos nacionaisrdquo E

mesmo que Herrmann (1924 p 312) afirme que havia trageacutedias de antecessores nas quais Egisto

era o foco da peccedila

Il est difficile de savoir si ce changement dorientation vient de Livius Andronicus ou dAccius dont les trageacutedies avaient Egisthe pour centre124

Com base nas duas citaccedilotildees observa-se que fica difiacutecil resgatar essa influecircncia das trageacutedias

latinas nos dramas senequianos mas mesmo assim alguns estudiosos afirmam que haacute alguma

correspondecircncia entre as trageacutedias Egisto de Liacutevio Andronico e a Clitemnestra de Aacutecio com o

Agamecircmnon de Secircneca

While most of the specific connections alleged between Seneca and the Republican dramatists will not bear inspection there are clear similarities of plot between Agamemnon and Livius Andronicus Aegisthus and Accius Clytemnestra Livius play (whose Greek is not known) coincides with Senecas in several deviations from Aeschylus (hellip) The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus 125 (TARRANT 2004 p13-14)

Na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Agamecircmnon eacute apresentado basicamente como o chefe das tropas

124 Eacute difiacutecil saber se a mudanccedila de orientaccedilatildeo vem de Liacutevio Andronico ou de Aacutecio dos quais as trageacutedias tem Egisto como centro

125 Enquanto a maioria das conexotildees especiacuteficas alegadas entre Secircneca e os dramaturgos republicanos natildeo vai suportar uma inspeccedilatildeo haacute claras semelhanccedilas de enredo entre Agamemnon e Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio A peccedila de Liacutevio (cuja grega natildeo eacute conhecida) coincide com a de Secircneca nas vaacuterias divergecircncias de Eacutesquilo (hellip) Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio

86

gregas e como o rei assassinado por sua esposa esses satildeo os mitemas126 mais mencionados pela

tradiccedilatildeo Dentre os mitemas que narram Agamecircmnon como o chefe dos gregos o mais comum eacute o

do sacrifiacutecio de Ifigecircnia Entatildeo pode-se afirmar que esse episoacutedio eacute mais frequente na tradiccedilatildeo

porque liga o papel de liacuteder dos gregos ao de morto pela esposa sendo o sacrifiacutecio da filha a

principal justificativa do crime Portanto os mitemas que seratildeo analisados satildeo esses dois jaacute

mencionados

Nas trageacutedias gregas do seacutec V Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos em

Agamecircmnon de Eacutesquilo Aacutejax de Soacutefocles Heacutecuba Troianas Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e

como morto por Clitemnestra em Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo Electra de

Soacutefocles Androcircmaca Electra Troianas Ifigecircnia em Taacuteuris e Orestes de Euriacutepides Em Aacutejax de

Soacutefocles Agamecircmnon quer negar honras fuacutenebres ao Aacutejax mas acaba sedendo aos argumentos de

Odisseu Na Heacutecuba de Euriacutepides o rei ajuda Heacutecuba a vingar a morte do filho Polidoro viacutetima de

traiccedilatildeo e ele tambeacutem nega hospitalidade ao assassino do filho de Priacuteamo Nas Troianas

Agamecircmnon eacute lembrado por Taltiacutebio como o chefe dos gregos E na Ifigecircnia em Aacuteulis o rei como

liacuteder das tropas gregas exclui o seu direito de pai e sacrifica a filha Ifigecircnia em honra da deusa

Aacutertemis por ventos favoraacuteveis para a navegaccedilatildeo rumo a Troia

Nas trageacutedias que trazem Agamecircmnon como chefe dos gregos eacute mais frequente o adjetivo

ἄναξ (chefe rei) vinculado agrave imagem do rei como se observa nos seguintes versos Ἀγαμέμνων

ἄναξ (Es Ag v523) Ἀγαμέμνων τ ἄναξ (Eu Hec v553) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Tr

v249) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Or v21) Ἀγάμεμνον ἄναξ (Eu If Aul v3)127 Os exemplos

demonstram o quanto estaacute presente nas peccedilas o papel de Agamecircmnon como rei (chefe) dos gregos

na guerra de Troia

Jaacute nas trageacutedias que trazem a morte de Agamecircmnon haacute um consenso de que Clitemnestra e

Egisto participaram do assassiacutenio mas o autor da execuccedilatildeo pode variar de acordo com a peccedila Na

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo fica evidente que a autora do crime eacute Clitemnestra embora ela

tenha contado com a ajuda de Egisto para mobilizar a viacutetima (Es Ag v1384-1387) Poreacutem em

outras peccedilas Clitemnestra aparece como protagonista do crime embora natildeo fique evidente se ela

sozinha teria matado o marido ou se ela e Egisto executaram o assassiacutenio como em Androcircmaca

(v1028-1029) Heacutecuba (v1287-1289) e Ifigecircnia em Taacuteuris (v552) de Euriacutepides E nas outras

trageacutedias verifica-se como assassinos do rei Clitemnestra e Egisto como na Electra de Soacutefocles

126 Leacutevi-Strauss llama mitemas a los segmentos miacutenimos de una narracioacuten miacutetica de la misma forma que los fonemas existen en foneacutetica o los morfemas en morfologiacutea como unidad miacutenima significativa del relato miacutetico (Leacutevi-Strauss apud GUAL p 4) (Leacutevi-Strauss chama de mitemas os segmentos miacutenimos de uma narraccedilatildeo miacutetica da mesma forma que os fonemas existem na foneacutetica ou os morfemas na morfologia como unidade miacutenima significativa do relato miacutetico)

127 A traduccedilatildeo dos termos desse periacuteodo citados em grego eacute o rei (chefe) Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

87

(v97-99) e na Electra de Euriacutepides (v8-10) Contrapondo-se agraves peccedilas apresentadas de Euriacutepides

em Orestes soacute haacute menccedilatildeo agrave Clitemnestra como executora do crime enfocando no crime cometido

pela rainha Com isso parece que os tragedioacutegrafos gregos colocam Clitemnestra como a principal

causadora da morte de Agamecircmnon em quase todas as peccedilas que trazem esse mitema exceto nas

peccedilas Electra de Sofoacutecles e na de Euriacutepides nas quais a culpa tambeacutem recai sobre Egisto para

justificar o assassinato dele nas duas trageacutedias

Nas duas narrativas mostradas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia

de Pausacircnias as referecircncias ao mito de Agamecircmnon tambeacutem retomam a participaccedilatildeo dele na guerra

de Troia e a sua morte A Biblioteca Mitoloacutegica por ter um caraacuteter enciclopeacutedico tenta contar com

mais detalhes dos mitos enfocando nos principais episoacutedios como o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a morte

do rei Jaacute na obra de Pausacircnias soacute haacute menccedilatildeo agrave morte do rei Nas duas narrativas Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto conforme jaacute foi visto anteriormente

Com isso pode-se concluir que na tradiccedilatildeo literaacuteria grega acerca do mito da morte de

Agamecircmnon paira uma variaccedilatildeo sobre o executor do assassiacutenio nas trageacutedias do seacutec V

Clitemnestra eacute tida como a principal executora do crime jaacute nas narrativas posteriores a culpa pela

morte do rei eacute dividida entre Clitemnestra e Egisto

E na tradiccedilatildeo literaacuteria romana Agamecircmnon natildeo soacute eacute lembrado como chefe dos gregos

como tambeacutem pela sua morte Como liacuteder grego ele aparece no Egisto de Liacutevio Andronico na

Eneida de Virgiacutelio nas Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino nas Troianas e no

Agamecircmnon de Secircneca nos quais eacute lembrado principalmente pelo episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

exceto na primeira obra na qual Agamecircmnon aparece conduzindo a presa de guerra Cassandra Jaacute a

sua morte eacute mencionada no Egisto de Liacutevio Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de

Oviacutedio e nas Faacutebulas de Higino no Agamecircmnon de Secircneca nos quais o rei eacute assassinado pela

proacutepria esposa

Secircneca antes de escrever a trageacutedia Agamecircmnon teve contato se natildeo com todas essas obras

citadas mas com a maioria delas principalmente as trageacutedias gregas Segundo Herrmann (1924

p312) Secircneca teria se utilizado das seguintes fontes para construir a sua peccedila

On peut conclure en ce qui concerne les sources agrave une influence nette dEschyle des deux Egisthes128 latins auxquels sadjoignent Sophocle et Euriacutepide et pour le

128 Segundo Tarrant (2004 p13 nota 7) ldquoAccius Aegisthus has also been compared but this play was probably about the return of Orestesrdquo (O Egisto de Aacutecio tambeacutem tem sido comparado mas esta peccedila foi provavelmente sobre o retorno de Orestes) Jaacute Hall (2005 p30 nota 26) atribue uma identificaccedilatildeo entre Clitemnestra e Egisto de Aacutecio ldquoIt is possible that the play is to be identified with Acciusrsquo Aegisthus which included a speech in which a character spoke about the lsquomight of governmentrsquo vis imperi breaking menrsquos fierce spirits (frr 8-9) a remark that women are more easily hardened (callent) than men (frr 10-11) and a reference to a man presumably Orestes whose lsquohand is fouled and spattered by his motherrsquos bloodrsquo (fr 12) Accius also wrote an Agamemnonrsquos Children

88

troisieacuteme eacutepisode des sources multiples sans compter les emprunts habituels agrave Horace ou agrave Ovide dans les parties lyriques129

Contrapondo-se agrave afirmaccedilatildeo de Herrmann Tarrant (2004 p10) afirma que apesar da

mesma delimitaccedilatildeo do mito a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo natildeo teria servido de modelo para

Secircneca na composiccedilatildeo da sua peccedila homocircnima

It seems incredibile that the Agamemnon of Aeschylus could ever have been thought Senecas source The basic outline of the plot is similar but this Seneca need not have derived from Aeschylus on the other hand characterisation structure and themes are all quite unrelated The only parts of Aeschylus play which find a parallel in Seneca are the arrival of a herald with the news of the storms and a scene in which Cassandra foresees the murder of Agamemnon and herself even here the similarity of situation is heavily outweighed by diversity of content and treatment Nothing in Senecas play requires direct knowledge of Aeschylus130

Considerar-se-aacute portanto a grande dificuldade de indicar quais seriam as fontes usadas por

Secircneca e por isso natildeo se pretende esgotar o tema ao direcionar as influecircncias sofridas por ele E agrave

medida que parecer necessaacuterio para justificar a recepccedilatildeo da peccedila retomar-se-aacute alguns dos textos da

tradiccedilatildeo literaacuteria apresentados

O proacutelogo da trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca eacute recitado pelo espectro de Tiestes que lembra

os crimes jaacute vivenciados pela famiacutelia Tantaacutelida Um proacutelogo distinto do proacutelogo de Eacutesquilo que eacute

recitado pelo Vigia do palaacutecio Mas a trageacutedia grega do seacutec V costumava trazer para a cena

fantasmas como a apariccedilatildeo do fantasma de Dario em Os persas de Eacutesquilo (v681-844) a apariccedilatildeo

do fantasma de Clitemnestra nas Eumecircnides de Eacutesquilo (v94-139) e a apariccedilatildeo do fantasma de

Polidoro na Heacutecuba de Euriacutepides (v1-58)131 Dentre os exemplos mostrados somente duas

apariccedilotildees acontecem no proacutelogo das suas respectivas trageacutedias a primeira eacute a do fantasma de

Clitemnestra que aparece no proacutelogo em diaacutelogo com o Coro reclamando a sua morte a segunda eacute

(Agamemnonidae) (Eacute possiacutevel que a peccedila eacute para ser identificada com Egisto de Aacutecio que incluiu um discurso no qual um personagem falou sobre o ldquopoder do governordquo vis imperi quebrando os espiacuteritos ferozes dos homens frr (8-9) uma observaccedilatildeo que as mulheres satildeo mais facilmente endurecidas (callent) do que os homens (frr 10-11) e uma referecircncia a um homem presumivelmente Orestes cuja matildeo eacute suja e salpicada pelo sangue da sua matildee (fr 12) Aacutecio tambeacutem escreveu um Filhos de Agamecircmnon (Agamemnonidae))

129 Pode-se perceber no que diz respeito agraves fontes uma clara influecircncia de Eacutesquilo dos dois Egistos latinos aos quais se juntam Soacutefocles e Euriacutepides e para o terceiro episoacutedio as fontes satildeo vaacuterias sem contar os empreacutestimos habituais de Horaacutecio ou de Oviacutedio nas partes liacutericas

130 Parece inacreditaacutevel que o Agamenon de Eacutesquilo jamais poderia ter sido pensado como fonte de Secircneca O esquema baacutesico da trama eacute semelhante mas este Secircneca natildeo precisa ter derivado de Eacutesquilo por outro lado a estrutura caracterizaccedilatildeo e os temas satildeo bastante independentes As uacutenicas partes da peccedila de Eacutesquilo que encontra paralelo em Secircneca satildeo a chegada de um arauto com a notiacutecia das tempestades e uma cena em que Cassandra prevecirc o assassinato de Agamecircmnon e de si mesma mesmo aqui a similaridade de situaccedilatildeo eacute fortemente compensada pela diversidade de conteuacutedo e de tratamento Nada na peccedila de Secircneca requer conhecimento direto de Eacutesquilo

131 Mais informaccedilotildees acerca da apariccedilatildeo de mortos na literatura grega e na romana consultar BRUNO Pauliane T S As apariccedilotildees dos mortos nas trageacutedias de Secircneca Fortaleza UFC 2006 Monografia de Especializaccedilatildeo

89

a do fantasma de Polidoro que recita o proacutelogo sozinho requerendo as suas honras fuacutenebres Haacute

algumas semelhanccedilas estruturais entre o proacutelogo da trageacutedia Heacutecuba de Euriacutepides e o da trageacutedia

Agamecircmnon de Secircneca ambas se iniciam com os personagens-fantasmas contando de onde vecircm

como se pode observar respectivamente nos versos abaixo

Ἥκω νεκρῶν κευθμῶνα καὶ σκότου πύλαςλιπών ἵν Ἅιδης χωρὶς ὤικισται θεῶν (Eu Hec v1-2)

Vim o antro dos mortos e as portas da escuridatildeotendo deixado onde mora Hades separado dos deuses

Opaca linquens Ditis inferni locaadsum profundo Tartari emissus specu (Sen Ag v1-2)

Deixando a estacircncia escura do deus infernaleis-me da funda gruta do Taacutertaro enviado

Apoacutes mostrar de onde vem o espectro de Tiestes apresenta o espaccedilo no qual ele estaacute

naquele momento o palaacutecio dos Atridas e fala da anguacutestia de retornar agravequele lugar Em seguida ele

se apresenta O mesmo natildeo ocorre com o espectro de Polidoro que logo depois de anunciar de onde

vem se apresenta agrave audiecircncia

uincam Thyestes sceleribus cunctos meis (Sen Ag v 25)

a todos eu Tiestes venccedilo com crimes

Πολύδωρος Ἑκάβης παῖς γεγὼς τῆς ΚισσέωςΠριάμου τε πατρός (Eu Hec v3-4)

Sou Polidoro nascido de Heacutecuba filha de Quisseu e de Priacuteamo meu pai

Depois da apresentaccedilatildeo dos espectros ambos contam as suas histoacuterias e indicam o que iraacute

acontecer no decorrer da peccedila Nesse momento o espectro de Tiestes tambeacutem descreve em detalhes

o espaccedilo cecircnico e a sua organizaccedilatildeo

video paternos immo fraternos laresHoc est vetustum Pelopiae limen domushinc auspicari regium capiti decusmos est Pelasgis hoc sedent alti toroquibus superba sceptra gestantur manulocus hic habendae curiae - hic epulis locus (Sen Ag v 6-11)

vejo o paterno ou antes o fraterno lar Eacute esta a antiga entrada da casa de Peacutelope

90

Aqui os pelasgos usam inaugurar na frontea reacutegia insiacutegnia Neste trono altivos sentam-se os que brandem seus cetros sob a matildeo soberbaEste o local da cuacuteria ali o dos banquetes

Essa descriccedilatildeo parece caracterizar as peccedilas de Secircneca pois segundo Herrmann (1924

p343) os proacutelogos de trecircs trageacutedias de Secircneca apresentam um caraacuteter descritivo

Les premieres [Hercule Furieux Agamemnon et Thyestes] plus proche de ceux dEuripide motiveraient en quelque sorte laction en caracteacuterisant sommairement les protagonistes en indiquant le lieu le moment et la situation apparente de deacutebut de lintrigue132

Nesses versos o fantasma de Tiestes utiliza o verbo uideo no presente do indicativo para

mostrar uma proximidade com a audiecircncia que assim como ele podia ldquovivenciarrdquo o que estava

sendo descrito Atraveacutes dessas evidecircncias estruturais mostradas entre os proacutelogos mencionados

pode-se observar uma influecircncia da poesia traacutegica de Euriacutepides na trageacutedia de Secircneca

No segundo ato Clitemnestra dialoga com a Ama e ela titubeia na decisatildeo de se vingar do

marido Esse episoacutedio eacute tipicamente senequiano a figura da Ama nessa peccedila aparece como o alter

ego de Clitemnestra mostrando as suas incertezas suas duacutevidas e seus medos como afirma Serrano

(2003 p 116) ldquoPor primera vez el autor latino se detiene a describir minunciosamente la situacioacuten

espiritual de Clitemnestrardquo133 Ao titubear entre cometer ou natildeo o assassiacutenio a rainha expotildee as

atrocidades cometidas pelo esposo justificando assim a sua vinganccedila Ela utiliza-se de muitos

versos mostrando uma maior relevacircncia natildeo soacute a um crime mas a todos

O scelera semper sceleribus vincens domuscruore ventos emimus bellum neceSed vela pariter mille fecerunt ratesNon est soluta prospero classis deoeiecit Aulis impias portu ratesSic auspicatus bella non melius geritamore captae captus immotus preceSminthea tenuit spolia Phoebei senisardore sacrae virginis iam tum furens (Sen Ag v169-177)

Oacute casa que com crimes sempre vence crimes ventos pagos com sangue a guerra com assassiacutenioMas mil navios deram agrave vela ao mesmo tempo A esquadra natildeo largou sob um deus favoraacutevel Aacuteulis as iacutempias nas repeliu de seu porto

132 As primeiras [Heacutercules Furioso Agamecircmnon e Tiestes] as mais proacuteximas das de Euriacutepides motivaram de certa forma a accedilatildeo caracterizando brevemente os protagonistas incluindo o local o momento e a situaccedilatildeo aparente do iniacutecio da trama

133 Pela primeira vez o autor latino deteacutem-se em descrever minunciosamente a situaccedilatildeo espiritual de Clitemnestra

91

Sob tais auspiacutecios natildeo se faz a melhor guerra No amor da prisioneira preso imune a rogos obteve o espoacutelio esmiacutenteo do anciatildeo de Febo jaacute louco entatildeo de ardor pela sagrada virgem

neve desertus foreta paelice umquam barbara caelebs torusablatam Achilli diligit Lyrnesidanec rapere puduit e sinu avulsam viriEn Paridis hostem Nunc novum vulnus gerensamore Phrygiae vatis incensus furitet post tropaea Troica ac versum Iliumcaptae maritus remeat et Priami gener (Sen Ag v184-191)

Para nunca o leito solitaacuterio privar de concubina baacuterbara a de Lirnesso elege tomada de Aquiles roubou-a sem pudor dos braccedilos do varatildeo O inimigo de Paacuteris Leva agora nova ferida e na paixatildeo ferve da vate friacutegia e apoacutes trofeacuteus troianos e arrasada Iacutelio unido a uma cativa genro vem de Priacuteamo

Os versos apresentados (v162ss) segundo Tarrant (1978 p 262) mostram que ldquoSenecas

Clytemestra in Agamemnon for example is clearly based in part on a passage in the Ars

Amatoriardquo134 como se pode observar nos versos de Oviacutedio

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viriAudierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virumQuae bene celaris si qua tamen acta patebuntilla licet pateant tu tamen usque nega (Ov Ar Am v399-410)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de seu marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Linerssiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com os seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de seu esposo

134 A Clitemnestra de Secircneca em Agamemnon por exemplo eacute claramente baseada em parte em uma passagem na Ars Amatoria

92

A Clitemnestra senequiana apresenta trecircs motivos para se vingar do marido o sacrifiacutecio da

sua filha Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas Criseida e Cassandra com quem o rei casou e a

levou consigo ao palaacutecio Os mesmos motivos satildeo descritos pela Clitemnestra esquiliana que tenta

justificar o assassiacutenio apoacutes ter dado morte ao rei

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόποςκαὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulher quem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa135

Em Secircneca Clitemnestra lembra os motivos de vinganccedila para tentar se convencer de que

deve matar o marido por isso as justificativas aparecem antes do assassiacutenio isso natildeo ocorre em

Eacutesquilo pois a sua Clitemnestra apresenta os motivos apoacutes a morte do rei ao tentar formular a

proacutepria defesa para uma puniccedilatildeo futura

Na trageacutedia romana depois de expor os motivos para a vinganccedila Clitemnestra conversa

com Egisto no final desse ato A apariccedilatildeo de Egisto nesse momento da peccedila eacute uma inovaccedilatildeo de

Secircneca como afirma Serrano (2003 p75) ldquoTambieacuten original es la aparicioacuten de Egisto antes del

retorno de Agamenoacuten que antildeade una serie de nuevos momentos a la historia de la parejardquo136 Ele

aparece para convencer a rainha de que ela deve matar o marido As falas presentes nesse ato natildeo

encontram associaccedilatildeo com nenhum outro texto que sobreviveu da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana

apresentada Jaacute as referecircncias agraves justificativas de vinganccedila aparecem apoacutes a morte do rei como foi

mencionado

A presenccedila de Egisto e a caracterizaccedilatildeo dele como personagem tatildeo forte na peccedila de Secircneca

talvez seja uma influecircncia das peccedilas intituladas Egisto de Liacutevio Andronico e de Aacutecio (jaacute

mencionadas anteriormente) nas quais Egisto era a personagem principal ou entatildeo uma influecircncia

135 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

136 Tambeacutem eacute original a apariccedilatildeo de Egisto antes do retorno de Agamecircmnon que adiciona uma seacuterie de novos momentos na histoacuteria do casal

93

(todavia mais difiacutecil de ser explicada) oriunda da Odisseia na qual Egisto aparece como o assassino

de Agamecircmnon Sobre isso afirma Serrano (2003 p 55) ldquoEn la eacutepica Egisto es el definitivo

responsable de los actos contra Agamenoacuten y de la seduccioacuten de Clitemnestrardquo137

No terceiro ato o mensageiro Euriacutebates chega ao palaacutecio e anuncia o retorno do rei

Clitemnestra conversa com Euriacutebates e este conta sobre o retorno dos gregos Pode-se dividir o

discurso de Euriacutebates em trecircs episoacutedios como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas narrative

comprises three distinct episodes the storm which overtook the Greeks on the return voyage from

Troy the death of Ajax Oileus at the hands of Athena and Poseidon and the deceit of Naupliusrdquo138

Os trecircs episoacutedios teriam sido narrados no poema Retornos Nos dois primeiros episoacutedios tem-se os

fragmentos recuperados a partir do sumaacuterio de Proclus139 (Proc Chres completado por Apolod

Epit 61-30 apud WEST 2003 p154)

Άγαμέμνων δε θνσας ανάγεται και Ύενέδωι προσίσχει- Νεοπτόλεμον δε πείθει Θετις άφικομένη έπιμεϊναι δύο ημέρας και θνσιάσαι και επιμένει οι δέ ανάγονται και περί Τήνον χειμάζονται- Αθηνά γάρ έδεήθη Διός τοις Ελλησι χειμώνα έπιπέμψαι- και πολλαί νήες βνθίζονται Αρgt εΐθ ό περί τάς Καφηρίδας πέτρας δηλονται χειμων και ή Αΐαντος φθορά τοϋ Αοκρον ltκαί έκβρασθέντα θάπτει Θετις έν Μνκόνωι A frota liderada por Agamecircmnon deixa Tecircnedos perto de Tenos eacute surpreendida por uma tempestade enviada por Zeus atendendo a um pedido de Atena Em meio a essa intempeacuterie muitos barcos afundam Mais tarde a frota defronta outra tormenta junto agraves rochas cafeacuteridas durante a qual o Aacutejax loacutecrio encontra a morte Teacutetis prepara o seu corpo e lhe rende honras fuacutenebres na ilha de Miconos140

E do uacuteltimo episoacutedio haacute apenas uma inferecircncia como mostra SOUSA (2008 p55)

Naacuteuplio e seus filhos Palamedes Eacuteax e Nausimedonte deveriam participar dos Retornos nos episoacutedios da morte de Agamecircmnon como insinua Apolodoro (II 1 5151) depois no Epiacutetome (6 7-11) conta-se que Naacuteuplio assim que sabe da morte de Palamedes vai ao encontro dos gregos por mar para exigir uma indenizaccedilatildeo Sem sucesso resolve vingar-se para tanto navega para as terras gregas e se empenha a favorecer alguns adulteacuterios o de Clitemnestra com Egisto o de Egiacuteale esposa de Diomedes com Cometes filho de Estecircnelo o de Meda esposa de Idomeneu com Leuco Natildeo satisfeito faz uma fogueira sobre o monte Cafareu na costa do Eubeia para sinalizar aos barcos gregos vindos de Troia a existecircncia de um porto ali enganados satildeo atraiacutedos para o escolho e afundam

Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo encontra-se apenas um dos episoacutedios mencionados o da

137 Na eacutepica Egisto eacute o responsaacutevel definitivo pelos atos contra Agamecircmnon e pela seduccedilatildeo de Clitemnestra138 A narrativa de Secircneca eacute composta por trecircs episoacutedios distintos a tempestade que assolou os gregos na viagem de

volta de Troia a morte de Aacutejax Oileu pelas matildeos de Atena e Poseidon e o engano de Naacuteuplio 139 Para mais informaccedilotildees sobre os poemas eacutepicos do ciclo troiano ver em SOUSA Francisco Edi de Oliveira As

pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado140 Traduccedilatildeo de Francisco Edi de Oliveira SOUSA (2008 p53-54)

94

tempestade E essa tempestade narrada pelo Arauto grego natildeo influenciou o relato de Euriacutebates

como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas account of the storm owes nothing to Aeschylusrdquo141

Mas apesar dessa informaccedilatildeo na mesma cena observa-se pouquiacutessimas semelhanccedilas como a

indagaccedilatildeo de Clitemnestra ao mensageiro sobre o destino de Menelau que estaacute presente nas duas

peccedilas

σὺ δ εἰπέ κῆρυξ Μενέλεων δὲ πεύθομαιεἰ νόστιμός τε καὶ σεσῳμένος πάλιν (Es Ag v617-618)

Diz tu oacute arauto e indago de Menelause ele tendo regressado salvo outra vez

Tu pande vivat coniugis frater meiet pande teneat quas soror sedes mea (Sen Ag v404-405)

Tu revela se vive o irmatildeo de meu esposoe revela o local que minha irmatilde habita

E tambeacutem o questionamento do Coro (Eacutesquilo) e de Clitemnestra (Secircneca) sobre os reveses

que assolaram as naus gregas presente em ambas as trageacutedias

πῶς γὰρ λέγεις χειμῶνα ναυτικῷ στρατῷἐλθεῖν τελευτῆσαί τε δαιμόνων κότῳ (Es Ag v634-635)

Como dizes Procela veio agrave esquadrae deu-lhe fim pelo rancor dos Numes

Quis fare nostras hauserit casus ratesaut quae maris fortuna dispulerit duces(Sen Ag v414-415)

Fala-me que infortuacutenio essas naus engoliu que capricho do mar dispersou nossos chefes

Com isso dentre a tradiccedilatildeo literaacuteria apresentada pode-se dizer que o discurso de Euriacutebates

talvez tenha sofrido influecircncia do poema eacutepico Retornos essa proximidade com o texto grego

talvez natildeo tenha chegado ateacute Secircneca diretamente mas atraveacutes de fontes romanas anteriores

Contudo Lohner (2009 p182-183) afirma que as fontes de Secircneca para compor esse relato seriam

de trageacutedias latinas

A narrativa da tempestade ocorrida durante o retorno dos gregos fazia parte de uma peccedila posterior a Eacutesquilo adaptada por Liacutevio Andronico na trageacutedia Aegisthus e tambeacutem por Aacutecio na trageacutedia Clytemnestra Secircneca imita os versos de Andronico no iniacutecio de sua narrativa

141 O relato de Secircneca sobre a tempestade natildeo deve nada a Eacutesquilo

95

Embora a cena da tempestade fosse bastante comum nos seacuteculos quinto e quarto142 a junccedilatildeo

dos trecircs episoacutedios ndash a tempestade a morte de Aacutejax e o engano de Naacuteuplio ndash na narrativa de

Euriacutebates parece ser uma influecircncia teatral do seacuteculo quarto

One or more lost tragic messenger-speeches may have combined for the first time the storm the death of Ajax and the treachery of Nauplius the loose sense of dramatic relevance presupposed by such a sprawling narrative may point to a fourth-century play143 (TARRANT 2004 p21)

No Ato IV Cassandra em diaacutelogo com o Coro de mulheres troianas prevecirc a morte de

Agamecircmnon e dela mesma A menccedilatildeo agraves visotildees profeacuteticas de Cassandra satildeo mostradas na trageacutedia

Agamemnon de Eacutesquilo e na Arte de Amar de Oviacutedio (como jaacute foi citado anteriormente) Poreacutem em

relaccedilatildeo com a primeira obra haacute uma inversatildeo da ordem dos acontecimentos entre as trageacutedias na

grega Agamecircmnon chega ao palaacutecio antes de Cassandra jaacute na romana Cassandra aparece em cena

antes de Agamecircmnon contrapondo-se a ordem normal na qual o rei chega antes dos prisioneiros

Alguns momentos do transe profeacutetico estatildeo presentes nas duas trageacutedias como a referecircncia

agrave possessatildeo apoliacutenica da jovem

παπαῖ οἷον τὸ πῦρ ἐπέρχεται δέ μοιὀτοτοῖ Λύκει Ἄπολλον οἲ ἐγὼ ἐγώ (Es Ag v1256-1257)

Papaicirc Que fogo este E invade-meOtotoicirc Lupino Apolo Ai de mim

Quid me furoris incitam stimulis noviquid mentis inopem sacra Parnasi iugarapitis Recede Phoebe iam non sum tua (Sen Ag v 720-722)

Por que me incitas o impulso de um novo furorPor que sagrados cumes do Parnaso insaname rendeis Para traacutes Febo jaacute natildeo sou tua

Tambeacutem se encontra nas duas peccedilas a metaacutefora dos animais felinos em relaccedilatildeo ao rei (leatildeo)

e agrave Clitemnestra (leoa) como se pode ver nos versos abaixo

αὕτη δίπους λέαινα συγκοιμωμένηλύκῳ λέοντος εὐγενοῦς ἀπουσίᾳκτενεῖ με τὴν τάλαιναν (Es Ag v1258-1260)

142 TARRANT 2004 p20143 Um ou mais discursos traacutegicos perdidos de mensageiro podem ter combinado pela primeira vez a tempestade a

morte de Ajax e a traiccedilatildeo de Nauplius o sentido amplo de relevacircncia dramaacutetica pressuposta por uma narrativa tatildeo extensa pode apontar para uma peccedila do seacuteculo IV

96

Essa leoa biacutepene junto com o lobodeitada na ausecircncia do nobre leatildeomatar-me-aacute miacutesera

victor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Ag v738-740)

De feras vencedor colo altaneiro jazsujeito a infames presas o leatildeo marmaacutericosofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Ainda nesse ato Agamecircmnon chega ao palaacutecio e conversa com Cassandra A profetisa

compara o rei grego a Priacuteamo na tentativa de lhe advertir sobre o perigo iminente Embora esse seja

o uacutenico momento em que Agamecircmnon aparece na trageacutedia o rei estaacute presente tambeacutem atraveacutes das

outras personagens como bem afirma Serrano (2003 p124)

la corta aparicioacuten de Agamenoacuten no lo priva de ser el protagonista de toda la obra como en cierta medida ocurriacutea en los traacutegicos griegos Agamenoacuten es la causa de las dudas de Clitemnestra del odio de Egisto y del amor de Electra Cuando aparece en escena recupera la grandeza del heacuteroe eacutepico soberbio y orgulloso de sus actos144

E no Ato V Cassandra por meio do transe profeacutetico narra simultaneamente de fora do

palaacutecio como Clitemnestra matou o seu marido A morte de Agamecircmnon eacute lembrada na maioria das

obras que trazem o mito do rei A descriccedilatildeo da morte inicia-se com trecircs verbos no presente do

indicativo uideo et intersum et fruor (v872) para Lohner (2009 p217) esse versos representam

eco no texto latino dos versos 46-47 do proacutelogo tendo o efeito de evocar a figura de Tiestes Laacute o verbo uideo assinalava a visatildeo prospectiva de Tiestes agora assinala a visatildeo ldquoem tempo realrdquo de Cassandra

Depois Cassandra descreve a imagem de Agamecircmnon vestido de Priacuteamo no banquete feito

para ele O banquete senequiano segundo Serrano (2003 p75) seria uma influecircncia da Odisseia de

Homero ldquofinalmente cae vencido por su mujer y su primo en un banquete de tradicioacuten homeacuterica en

el que le apresan entre engantildeosas vestidurasrdquo145 A referecircncia ao banquete homeacuterico encontra-se nos

versos 526-535 do canto IV uma comemoraccedilatildeo oferecida por Egisto

144 A curta apariccedilatildeo de Agamecircmnon natildeo o priva de ser protagonista de toda a obra como de certo modo acontecia nos traacutegicos gregos Agamecircmnon eacute a causa das duacutevidas de Clitemnestra do oacutedio de Egisto e do amor de Electra Quando aparece em cena recupera a grandeza do heroacutei eacutepico soberbo e orgulhoso de seus atos

145 Finalmente cai vencido por sua esposa e seu primo num banquete de tradiccedilatildeo homeacuterica no qual o prendem em roupas enganosas

97

Clitemnestra induz o marido a trocar as vestimentas e o envolve num manto que o

mobilizaraacute Depois disso Egisto daacute o primeiro golpe e Clitemnestra o ajuda na execuccedilatildeo do rei A

imagem do morto (v901-903) segundo Lohner (2009 p218) seria a mesma imagem da morte de

Priacuteamo descrita na Eneida de Virgiacutelio ldquoesses versos latinos imitam os de Virgiacutelio na (Eneida 2

557-558) referentes agrave decapitaccedilatildeo de Priacuteamordquo como se pode observar nos versos abaixo

Iacet ingens litore truncusauolsumque umeris caput et sine nomine corpus (Vir En v557-558)

Sobra a margem jaz um tronco gigantescouma cabeccedila separada das espaacuteduas um corpo sem nome

Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacent (Sen Ag v901-903)

Da estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorrado tronco a face com frecircmito desaba

Assim Agamecircmnon volta a ser comparado a Priacuteamo atraveacutes das semelhanccedilas mostradas

entre os versos dos poemas A trageacutedia de Secircneca retoma os termos caput trunco e iacent da poesia

virgiliana (caput truncus e iacet)146 O verbo iaceo usado no presente demonstra a disposiccedilatildeo do

corpo morto e a separaccedilatildeo deste em duas partes caput (cabeccedila) e truncustrunco (tronco)

representa a decapitaccedilatildeo do corpo presente em ambos os poemas A imagem da separaccedilatildeo entre a

cabeccedila e o corpo fica mais evidente em Secircneca com o particiacutepio passado amputatum (amputada) e

em Virgiacutelio com o termo auolsum umeris (separada das espaacuteduas)

Agamecircmnon morreu e os assassinos dilaceram o seu corpo Na versatildeo de Secircneca os

responsaacuteveis pela morte do rei satildeo Clitemnestra e Egisto isso representa para a tradiccedilatildeo da poesia

traacutegica um enfraquecimento da personagem Clitemnestra No Agamecircmnon de Eacutesquilo Clitemnestra

mata sozinha o marido e assim Serrano (2003 p107-108) a caracteriza

Se muestra entonces como una figura terriblemente grandiosa en el umbral del palacio salpicada con la sangre que compara con gotas de rociacuteo no se arrepiente ni se derrumba al contemplar sus manos manchadas por el crimen asume su responsabilidad e intenta hacer partiacutecipe de su actuacioacuten al daimon de la casa de Atreo y enlazar asiacute el resto de sus razones (Ifigenia Casandra) con la herencia geneacutetica de la culpa147

146 LOHNER 2009 p218147 Mostra-se entatildeo como uma figura terrivelmente grandiosa no umbral do palaacutecio salpicada com o sangue que

compara com gotas de orvalho natildeo se arrepende nem se abala ao contemplar suas matildeos manchadas pelo crime assume sua responsabilidade e tenta envolver a sua accedilatildeo no daimon da casa de Atreu e enlaccedilar assim o resto de suas razotildees (Ifigecircnia Cassandra) com a heranccedila geneacutetica da culpa

98

Clitemnestra jaacute perde parte da sua forccedila nas Coeacuteforas de Eacutesquilo quando aparece com medo

por causa da vinganccedila dos filhos Na Electra de Soacutefocles Clitemnestra aparece como incapacitada

de lutar diante da decisatildeo dos filhos de vingar a morte do pai E na Electra de Euriacutepides a rainha se

mostra mais humana e por isso Egisto se torna o principal foco da vinganccedila de Electra e Orestes

como afirma Serrano (2003 p115)

Frente a la configuracioacuten de la heroiacutena marcada por la tradicioacuten la figura de Euriacutepides sufre una humanizacioacuten se ve descargada de la dureza que hasta ahora la habiacutea caracterizado y por lo tanto de parte de su culpabilidad al reconocer sus errores y confesar su arrepentimiento pese al desprecio y los reproches de Electra148

E em Secircneca Clitemnestra a princiacutepio mostra-se em duacutevida quanto ao plano de vinganccedila

mas com a ajuda de Egisto ela participa ativamente da morte do rei como jaacute foi mencionado Com

isso conclui Serrano (2203 p116)

La decidida Clitemnestra esquilea ha perdido su entereza paulatinamente y ahora necesita maacutes que en ninguna otra ocasioacuten el apoyo de Egisto que desde el comienzo se ha mantenido inamovible duro y fuerte149

Apoacutes a cena descrita da morte Electra aparece e entrega Orestes a Estroacutefio a mesma

referecircncia a essa entrega aparece tambeacutem em Higino (Fab 117 2)

At Electra Agamemnonis filia Orestem fratrem infantem sustulit quem demandavit in Phocide Strophio cui fuit Astyochea Agamemnonis soror nupta

Electra hija de Agamenoacuten se llevoacute a su hermano pequentildeo Orestes yy lo confioacute a Estrofio em la Foacutecide que estaba casado com Astiacuteoque hermana de Agamenoacuten

Logo a jovem encontra a matildee e reclama a morte do pai Clitemnestra chama Egisto e pede

que ele castigue a filha e mate Cassandra Essa cena final segundo Tarrant (2004 p17-18) revela

uma proximidade com a trageacutedia republicana

The last act of Agamemnon contains the clearest parallel to republican drama a scene after the murder involving at least Electra and her mother (and perhaps Aegisthus and

148 Diante da configuraccedilatildeo da heroiacutena marcada pela tradiccedilatildeo a figura de Euriacutepides sofre uma humanizaccedilatildeo mostra-se desvinculada da dureza que ateacute agora a tinha caracterizado e portanto por parte da sua culpa ao reconhecer os erros e confessar seu arrependimento apesar do desprezo e das injuacuterias de Electra

149 A decidida Clitemnestra esquiliana perdeu sua totalidade paulatinamente e agora necessita mais do que alguma outra ocasiatildeo do apoio de Egisto que desde o comeccedilo se manteve imoacutevel duro e forte

99

Cassandra as well) is certainly attested for Livius and Accius150

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca teria sofrido muitas outras influecircncias literaacuterias e como jaacute

foi dito algumas dessas natildeo se podem recuperar Contudo atribui-se como as principais fontes de

Secircneca foram as trageacutedias republicanas de Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio e

algumas trageacutedias da eacutepoca de Augusto como afirma Tarrant (2004 p14)

Many aspects of Senecan dramatic procedure probably derive from Augustan precedent and inspiration and the Augustans may have been responsible for the synthesis of classical myth Hellenistic canons of form elements of archaic diction and great stylistic refinement which we associate with Senecan drama151

Essa pesquisa natildeo congrega todas as fontes utilizadas por Secircneca ao compor a sua trageacutedia

mas pretendeu-se mostrar atraveacutes das fontes que restaram que eacute possiacutevel verificar uma retomada

dessas feitas pelo tragedioacutegrafo

150 O uacuteltimo ato do Agamenon conteacutem um clariacutessimo paralelo com o drama republicano uma cena apoacutes o assassinato envolvendo pelo menos Electra e sua matildee (e talvez Egisto e Cassandra tambeacutem) eacute certamente atestada por Liacutevio e Aacutecio

151 Muitos aspectos do processo dramaacutetico Secircneca derivam provavelmente precedente de Augusto e da inspiraccedilatildeo e os Augustanos podem ter sido responsaacuteveis pela siacutentese do mito claacutessico cacircnones helecircnicos de forma elementos da dicccedilatildeo arcaica e de grande refinamento estiliacutestico que noacutes associamos com Secircneca drama

100

5 CONCLUSAtildeO

Este trabalho teve o intuito de mostrar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega e a romana apresentou

o mito de Agamecircmnon desde os poemas homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca focalizando a recepccedilatildeo

do mito feita por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon e por Secircneca na trageacutedia homocircnima

No primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo desenvolveu-se

um panorama do processo criativo da poesia grega desde Homero ateacute o drama aacutetico Na Greacutecia esse

processo contou com uma forte influecircncia da oralidade que com o passar dos seacuteculos vai se

enfraquecendo por causa da revoluccedilatildeo da escrita Nas trageacutedias gregas do seacutec V ainda se encontra

resquiacutecios de oralidade Jaacute em Roma o processo criativo da poesia mostra um viacutenculo direto com a

escrita As representaccedilotildees traacutegicas do periacuteodo arcaico romano tinham uma referecircncia textual desta

restaram apenas fragmentos Por isso o mito de Agamecircmnon foi recriado nos diversos textos

apresentados da tradiccedilatildeo grega e da romana de maneira particular pois esses vatildeo recepcionar o mito

de acordo com o acesso agrave tradiccedilatildeo miacuteticaliteraacuteria

No segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo ao apresentar a

tradiccedilatildeo literaacuteria desde Homero ateacute Eacutesquilo pode-se considerar que Eacutesquilo colheu muito dessa

tradiccedilatildeo para compor o seu Agamecircmnon A trageacutedia esquiliana tem traccedilos homeacutericos e traccedilos liacutericos

O rei Agamecircmnon traacutegico eacute glorioso como o rei homocircnimo de Homero presente na Iliacuteada A

Clitemnestra traacutegica eacute produto de uma tradiccedilatildeo liacuterica da Piacutetica XI de Pigravendaro na qual era o

principal foco Atraveacutes da anaacutelise mostrada nesse capiacutetulo a recepccedilatildeo de Eacutesquilo para compor

Agamecircmnon deveu-se principalmente aos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia e ao poema liacuterico

Piacutetica XI de Piacutendaro

No terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeordquo

apresentou-se a tradiccedilatildeo literaacuteria desde Soacutefocles ateacute Secircneca Essa tradiccedilatildeo contou com uma grande

distacircncia temporal desde o seacutec V aC ateacute o seacutec I dC e com a presenccedila de duas culturas

diferentes a grega e a romana mas mesmo assim foi possiacutevel indicar algumas influecircncias sofridas

por Secircneca ao compor a sua peccedila Considerou-se a perceptiacutevel a influecircncia das obras romanas

como a Eneida de Virgiacutelio as trageacutedias latinas Egisto e Clitemnestra a Arte de Amar de Oviacutedio as

Faacutebulas de Higino e outros modelos latinos que natildeo sobreviveram Assim pode-se dizer que

Secircneca reescreveu o mito de Agamecircmnon no que diz respeito ao enredo apoiando-se

principalmente na tradiccedilatildeo literaacuteria romana mas sem desconsiderar algumas influecircncias dos textos

gregos

Contudo o presente trabalho pretendeu mostrar que os tragedioacutegrafos estudados Eacutesquilo e

Secircneca se apropriam da tradiccedilatildeo literaacuteria anterior a eles para construir as suas peccedilas Com base

101

nessa tradiccedilatildeo eles reescrevem os mitos jaacute conhecidos e os transmitem com uma nova versatildeo

perpetrando a cada reescritura um novo paradigma do mito de Agamecircmnon

102

REFEREcircNCIAS

ALMEIDA Guilherme de amp VIEIRA Trajano Trecircs trageacutedias gregas Antiacutegone Prometeu prisioneiro Aacutejax Satildeo Paulo Perspectiva 1997

APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

BEACHAM Richard ldquoPlaying places the temporary and the permanentrdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p202-226 BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

BOYLE A JTragic Seneca an essay in the theatrical tradition New York Routledge 2009

CALAME Claude Choruses of young women in Ancient Greece Trad de Derek Collins and Janice Orion Lanham Rowman amp Little Publishers 1997

_______ ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo In Megravetis Anthropologie des mondes grecs anciens Volume 12 1997 pp 181-203

CAMPBELL David A Greek Lyric ndash III ndash Stesichorus Ibycus and Simonides Loeb Classical Library Cambridge Harvard University Press 2001

CARDOSO Zeacutelia de Almeida A literatura latina Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

CASTIAJO Isabel O teatro grego em contexto de representaccedilatildeo Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2012

DEBNAR Paula ldquoFifth-Century Athenian History and Tragedyrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

DUPONT Florence LActeur Roi ndash Le theacuteacirctre dans la Rome Antique Paris Les Belles Lettres 2003

_______ Linvention de la litteacuterature de ivresse grecque au texte latin Paris la Deacutecouverte 1998

ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Coeacuteforas Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Eumecircnides Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Os persas Trad de Maacuterio da Gama Kury Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1992

103

EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

______ Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

______ Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

______ Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

______ Teatro de Euriacutepides ndash Ifigecircnia em Aacuteulis As Bacantes Electra Trad Nataacutelia Correia Porto Civilizaccedilatildeo 1969

FANTHAM Elaine ldquoRoman Tragedyrdquo In HARRISON Stephen (ed) A companion to Latin literature Malden Oxford e Victoria Blackwell 2005

FIALHO Maria do Ceacuteu ldquoDo Oikos agrave Poacutelis de Agameacutemnon sob o signo da distorccedilatildeordquo In Aacutegora Estudos Claacutessicos em Debate nordm 14 2012 p47-61 Acessado pelo site httprevistasuaptindexphpagoraarticleview13011188 em 28 de janeiro de 2013

GAILLARD Jacques Introduccedilatildeo agrave literatura latina ndash das origens a Apuleio Trad de Maria Cristina Pimentel Mem Martins Inqueacuterito 1994

GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

GUAL Carlos Garciacutea Introduccioacuten a la mitologiacutea griega Madrid Alianza Editorial 2006

______ Mitologiacutea y literatura en el mundo griego In httpwwwucmesinfoamalteadocumentosseminario2Seminario2_Grecia_GarciaGualpdf acessado em 29 de maio de 2011

HALL Edith Aeschylusrsquo Clytemnestra versus her Senecan Tradition 2005 p 1-34 Arquivo In httpwwwrhulacukcrgrdocumentspdfpapersagamemnonpdf acessado em 05 de maio de 2013HAVELOCK Erick A A revoluccedilatildeo da escrita na Greacutecia e suas consequecircncias culturais Trad de Ordep Joseacute Serra Satildeo Paulo Editora da UNESP Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

HERRMANN Leacuteon Le theacuteatre de Seacutenegraveque Paris Les Belles Lettres 1924

HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

______ Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80

104

Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

ISIDRO Pereira S J Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Livraria AI 1998 8ordf ed

JEBB Sir Richard C Sophocles The Plays and Fragments with critical notes commentary and translation in English prose Part VI The Electra Cambridge Cambridge University Press 1894 In httpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=Perseus3Atext3A19990400253Atext3Dintro acessado em 08 de janeiro de 2013

LOHNER Joseacute Eduardo dos Santos ldquoIntroduccedilatildeo Posfaacutecio e Notasrdquo In SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

LORD Albert B The singer of tales New York Atheneum 1971

MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) pp 126-137

MOTA Marcus ldquoNos passos de Homero performance como argumento da Antiguidaderdquo In VIS Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte Brasiacutelia Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte 2010

NAGY Gregory Homeric Questions Austin University of Texas Press 1996

OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

______ Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

REHM Rush ldquoFestivals and audiences in Athens and Romerdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p184-201

RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011

SCULLION Scott ldquoTragedy and religion the problem of originsrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

105

_______ Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004

_______ As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

_______ Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

SERRANO Diana de Paco ldquoCaracterizacioacuten de Clitemnestra y Agamenoacuten de Esquilo a Seacutenecardquo In Myrtia Revista Filologiacutea Claacutessica 2003 nordm18 p105-127 Acessado em 08 de outubro de 2011 pelo site httpdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=934677

_______ ldquoEl drama de Agamenoacuten de Homero a nuestros diacuteasrdquo In La tragedia de Agamenoacuten en el teatro Espantildeol del siglo XX Murcia Universidad de Murcia 2003 p50-84 SOacuteFOCLES As Traquiacutenias Trad de Flaacutevio Ribeiro de Oliveira Campinas Editora UNICAMP 2009

_______ Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

TARRANT J R ldquoIntroductionrdquo in SENECA Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004 paacutegs 3-96

_______ Senecas drama and its antecedents Havard Studies in Classical Philology (HSCP) nordm82 pp 213-263 1978

THOMAS Rosalind Letramento e oralidade na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Odysseus 2005

VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

WEST Martin L Greek epic fragments Cambridge Harvard University Press 2003

ZUMTHOR Paul Performance recepccedilatildeo leitura Trad de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich Satildeo Paulo Cosac Naify 2007

PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO

DO MITO Agrave TRAGEacuteDIA AGAMEcircMNON ENTRE GREacuteCIA E ROMA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras da Universidade Federal do Cearaacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Letras com concentraccedilatildeo na aacuterea de Literatura Comparada

Orientador Prof Dr Orlando Luiz de Arauacutejo

Fortaleza 2013

PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO

DO MITO Agrave TRAGEacuteDIA AGAMEcircMNON ENTRE GREacuteCIA E ROMA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras da Universidade Federal do Cearaacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Letras com concentraccedilatildeo na aacuterea de Literatura Comparada

Aprovada em ____________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

Prof Dr Orlando Luiz de Arauacutejo (orientador)

Universidade Federal do Cearaacute

________________________________________

Prof Dr Joseacute Eduardo dos Santos Lohner

Universidade de Satildeo Paulo

_________________________________________

Profordf Dra Ana Maria Ceacutesar Pompeu

Universidade Federal do Cearaacute

Para a minha famiacutelia e

para o NUCLAS da UFC

AGRADECIMENTOS

A Deus pela sabedoria pela forccedila pela determinaccedilatildeo para conduzir a minha pesquisa e pela

minha sauacutede e paz nesses anos do mestrado

Aos meus pais pelo eterno amor pelo apoio agrave minha vida acadecircmica e por sempre

acreditarem no meu sucesso

Ao meu marido pelo companheirismo por compreender as minhas ausecircncias durante a

escritura da dissertaccedilatildeo e por sempre me apoiar na vida profissional

Agrave minha irmatilde que mesmo morando longe pelo apoio e pela ajuda nessa caminhada da vida

profissional

Aos meus tios tias primos e primas por acreditarem no meu sucesso

Aos meus amigos e amigas pelo companherismo por acreditarem no meu sucesso e por

compreenderem as minhas ausecircncias em alguns momentos

Ao professor Orlando Luiz de Araacuteujo pela orientaccedilatildeo atenta e paciente pelos livros

emprestados pelas preciosas sugestotildees e criacuteticas no desenvolvimento dessa pesquisa e pela

amizade

Agrave professora Ana Maria Ceacutesar Pompeu da UFC pelas preciosas criacuteticas e sugestotildees durante

a qualificaccedilatildeo e pela amizade

Ao professor Francisco Edi de Oliveira Sousa da UFC por ter me incentivado desde a

graduaccedilatildeo ao estudo do Latim por ter me enviado alguns livros e pela amizade

Ao professor Roberto Arruda de Oliveira da UFC pelas criacuteticas e sugestotildees durante a

qualificaccedilatildeo

Ao professor Joseacute Eduardo dos Santos Lohner da USP por aceitar o convite para participar

da banca de defesa dessa dissertaccedilatildeo e por contribuir para o enriquecimento dessa pesquisa

Agrave UECE por consentir o meu afastamento das atividades acadecircmicas para cursar o

mestrado e por financiar os meus estudos

Ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Letras da UFC pela oportunidade de cursar o mestrado

na aacuterea de Literatura Claacutessica

RESUMO

Na Greacutecia Antiga mitos como o de Agamecircmnon eram narrados em meios sociais e

adaptados ao momento no qual eram apresentados possibilitando assim vaacuterias versotildees de uma

mesma narrativa Acerca do mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos restaram alguns textos

escritos como na poesia eacutepica Iliacuteada e Odisseia de Homero no poema liacuterico Piacutetica XI de Piacutendaro

nas trageacutedias Oresteia de Eacutesquilo no Aacutejax e na Electra de Soacutefocles na Heacutecuba Troianas

Androcircmaca Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides nos poemas

Cantos Ciacuteprios e Retornos do ciclo troiano e em outras narrativas como a Biblioteca Mitoloacutegica de

Apolodoro e a Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias Jaacute na literatura latina encontram-se referecircncias

ao mito de Agamecircmnon no Egisto de Liacutevio Andronico na Clitemnestra de Aacutecio na Eneida de

Virgiacutelio nos poemas A arte de Amar e Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon

Troianas e Tiestes de Secircneca Nessa pesquisa mostrar-se-aacute como as obras mencionadas recontam o

mito de Agamecircmnon e como Eacutesquilo e Secircneca ao escreverem as suas trageacutedias ambas intituladas

Agamecircmnon apoderam-se dessa tradiccedilatildeo literaacuteria Analisar-se-aacute as partes do mito que foram

colhidas dessa tradiccedilatildeo pelos tragedioacutegrafos e se tentaraacute mostrar algumas particularidades dos

tragedioacutegrafos influenciados por um contexto social ao recontar esse mito na tentativa de

apresentar uma comparaccedilatildeo entre os textos quanto ao processo de recriaccedilatildeo miacutetica feito por Eacutesquilo

e Secircneca

Palavras-chave Mito Agamecircmnon Trageacutedia Eacutesquilo Secircneca

ABSTRACT

In Ancient Greece myths as Agamemnonrsquos were told in social environment and adapted at

the moment they were presented enabling many versions of the same story About the

Agamemnonrsquos myth called the Greekrsquos boss they were left some of the written texts as in the epic

poetry Homers Iliad and Odyssey in the lyric poetry Pindars Pythian XI in the tragedies

Aeschylus Orestia Sophocles Ajax and Electra Euripedes Hecuba The Trojan Women

Adromache Electra Iphigenia in Tauris Orestes and Iphigenia at Aulis in the poems The Cypria

and The returns from the Trojan Cycle and in other stories as the Apollodorus Bibliotheca and

Pausanias Description of Greece In the Latin literature we can find references to Agamemnonrsquos

myths in Livius Andronicus Aegisthus Accius Clytemnestra Virgils The Aeneid Ovids The

Metamorphoses and The Art of Love Senecas Troades Agamemnon and Thyestes In this research it

will be shown how the mentioned stories retell Agamemnonrsquos myths and how Aeschylus and

Seneca when they wrote their tragedies both called Agamemnon took possession of this literary

tradition It will be analyzed the parts from the myth which were gathered from this tradition from

the tragedians and it will try to show some of particularities from the tragedians influenced by a

social context when they retold this myth in a attempt to present a comparative between the texts as

the process of the mythical recreation made by Aeschylus and Seneca

Keywords Myth Agamemnon Tragedy Aeschylus Seneca

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo hellip 8

2 Capiacutetulo I Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeohellip 11

3 Capiacutetulo II Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo 36

31 A tradiccedilatildeo eacutepica hellip 36

32 A tradiccedilatildeo liacuterica hellip 44

33 A tradiccedilatildeo traacutegica hellip 47

34 A recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon hellip 54

4 Capiacutetulo III Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeo 66

41 A tradiccedilatildeo literaacuteria grega hellip 66

42 A tradiccedilatildeo literaacuteria romana hellip 75

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon 85

5 Conclusatildeo helliphellip 100

Referecircncias hellip 102

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem como objetivo de estudo as duas trageacutedias da tradiccedilatildeo greco-romana

intituladas Agamecircmnon uma de Eacutesquilo e a outra de Secircneca no que diz respeito agrave recepccedilatildeo feita

pelos tragedioacutegrafos em suas respectivas obras

O mito de Agamecircmnon assim como os outros mitos gregos foi transmitido a princiacutepio por

meio da oralidade e depois a partir dos textos literaacuterios Agamecircmnon ficou conhecido na tradiccedilatildeo

ocidental por ter liderado as tropas gregas rumo agrave guerra de Troia por ter sacrificado a filha Ifigecircnia

em honra agrave deusa Aacutertemis e por ter morrido assassinado por sua esposa Clitemnestra As partes do

mito de Agamecircmnon aparecem em diversos textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana Neste

estudo optou-se por analisar como a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e a homocircnima de Secircneca

recontam a morte do rei pois cada um desses tragedioacutegrafos faz uma leitura do mito do rei de

Argos

Cuando un autor tragico reelabora em su drama un tema mitico tampouco tiene especial intereacutes en transmitirnos la versioacuten completa y canoacutenica sino que centra su representacioacuten em algunos puntos que en su reflexioacuten le parecen los maacutes sugestivos y convenientes1 (GUAL 2006 p67)

Na tradiccedilatildeo grega Eacutesquilo escolheu recriar o mito de Agamecircmnon na sua peccedila

considerando a sua audiecircncia e os acontecimentos em Atenas Essa trageacutedia foi encenada em 458

aC e repensa juntamente com as Coeacuteforas e as Eumecircnides por exemplo questotildees sobre a justiccedila

ateniense Mas essa versatildeo traacutegica do mito natildeo somente mostra os aspectos da sociedade ateniense

mas tambeacutem se apoia na tradiccedilatildeo literaacuteria anterior acerca do mito

E na tradiccedilatildeo romana Secircneca tambeacutem recepcionou os textos de seus antecessores ao

escrever a sua versatildeo do mito de Agamecircmnon A trageacutedia senequiana revela as influecircncias gregas e

romanas recebidas atraveacutes de leituras feitas pelo tragedioacutegrafo E ainda o mito eacute recontado sob uma

perspectiva imperialista e com uma linguagem mais acurada sob influecircncia da retoacuterica poreacutem

artificial

Considerando os aspectos de reescritura do mito de Agamecircmnon pelos tragedioacutegrafos e a

semelhanccedila entre os tiacutetulos das peccedilas visa-se mostrar quais textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e da

romana serviram de modelo aos autores para a composiccedilatildeo das suas respectivas trageacutedias Este

1 Quando um autor traacutegico reelabora em seu drama um tema miacutetico natildeo estaacute particularmente interessado em nos transmitir a sua versatildeo completa e canocircnica mas centra a sua representaccedilatildeo em alguns pontos que na sua reflexatildeo lhe parecem mais sugestivos e convenientes

9

estudo apresenta trecircs capiacutetulos que relatam o desenvolvimento da recepccedilatildeo desde os poemas

homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca

O primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo se inicia com um

estudo acerca da oralidade da escrita e das contribuiccedilotildees que esses elementos concederam aos

primeiros poemas da tradiccedilatildeo grega Os poemas homeacutericos satildeo considerados os primeiros textos

poeacuteticos gregos que recontam os mitos gregos por meio da transmissatildeo oral Por isso o processo de

criaccedilatildeo desses poemas eacute mostrado atraveacutes dos estudos teoacutericos de Milman Parry Albert Lord e

Gregory Nagy Logo apoacutes os poemas homeacutericos Hesiacuteodo apresenta diferenccedilas no processo criativo

de sua poesia E com a revoluccedilatildeo provocada pela escrita na Greacutecia as trageacutedias do seacutec V jaacute

vislumbram uma composiccedilatildeo mais elaborada mas ainda sob influecircncia da oralidade

A trageacutedia grega tem como principais representantes Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides Eles

tiveram as suas peccedilas encenadas em Atenas nos festivais dionisiacuteacos e por meio da representaccedilatildeo

recontavam os mitos gregos Dentre as trageacutedias gregas que restaram tem-se uma uacutenica trilogia

Oresteia de Eacutesquilo da qual faz parte a peccedila Agamecircmnon Em Roma as primeiras manifestaccedilotildees

teatrais aconteceram em festivais luacutedicos O teatro traacutegico romano tem a participaccedilatildeo de Liacutevio

Andronico Neacutevio Ecircnio Pacuacutevio e Aacutecio poreacutem desses soacute restaram alguns fragmentos E apoacutes esse

periacuteodo soacute restaram na iacutentegra os textos completos das trageacutedias de Secircneca

O segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo divide-se em

quatro partes a tradiccedilatildeo eacutepica a tradiccedilatildeo liacuterica a tradiccedilatildeo traacutegica e a recepccedilatildeo de Eacutesquilo em

Agamecircmnon A tradiccedilatildeo eacutepica relata como o mito de Agamecircmnon eacute contado nos poemas homeacutericos

Iliacuteada e Odisseia e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos A tradiccedilatildeo liacuterica

apresenta o mito de Agamecircmnon no poema Oresteia de Estesiacutecoro e no epiniacutecio Piacutetica XI de

Piacutendaro A tradiccedilatildeo traacutegica mostra o mito de Agamecircmnon na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e nas

outras duas peccedilas da trilogia Coeacuteforas e Eumecircnides E na recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon

tenta-se mostrar quais das influecircncias literaacuterias apresentadas sobreviveram no texto de Eacutesquilo

Nesses poemas Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos e como um homem assassinado pela

esposa

O terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana e recepccedilatildeordquo

divide-se em trecircs partes a tradiccedilatildeo literaacuteria grega a tradiccedilatildeo literaacuteria romana e a recepccedilatildeo de

Secircneca em Agamecircmnon A tradiccedilatildeo literaacuteria grega mostra o mito de Agamecircmnon nas trageacutedias

Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e

Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e nas narrativas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo

da Greacutecia de Pausacircnias A tradiccedilatildeo romana apresenta o mito de Agamecircmnon nos seguintes textos

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

10

Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de Secircneca E na recepccedilatildeo

de Secircneca em Agamecircmnon busca-se mostrar quais as influecircncias sofridas por Secircneca ao compor a

sua trageacutedia priorizando os resquiacutecios da tradiccedilatildeo literaacuteria romana sobreviventes na peccedila

11

2 CAPIacuteTULO 1 Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeo

O objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar inicialmente informaccedilotildees acerca da oralidade e da

escrita alfabeacutetica na Greacutecia antiga e quais contribuiccedilotildees esses elementos exerceram na poesia grega

do periacuteodo arcaico em especial na trageacutedia do seacuteculo V aC Depois seratildeo apresentadas

consideraccedilotildees acerca do teatro romano

A sociedade grega antiga ficou conhecida como uma sociedade culturalmente avanccedilada

principalmente por causa do advento da escrita alfabeacutetica Embora bem antes jaacute houvesse uma

escrita silaacutebica a conhecida Linear B essa natildeo resistiu ao tempo e provavelmente por falta de uso

desapareceu juntamente com a civilizaccedilatildeo micecircnica (c 1500-1100 aC) Seacuteculos depois a escrita

alfabeacutetica espalhou-se gradualmente pela Greacutecia Ateacute entatildeo a sociedade grega era de natureza

predominantemente oral as notiacutecias os textos poeacuteticos as leis a tradiccedilatildeo tudo era transmitido boca

a boca como afirma Gual (2006 p 35-36)

Las instituciones se apoyan en los mitos se recurre a ellos para tomar decisiones se interpretan los hechos de acuerdo con ellos Los maacutes viejos se los cuentan a los maacutes joacutevenes y eacutestos se inician en los saberes tradicionales de su pueblo mediante los grandes relatos de los dioses y los heacuteroes fundadores Las nodrizas les cuentan a los nintildeos los fascinantes sucesos de un tiempo lejano y divino Los abuelos y las abuelas recuentan a los pequentildeos lo que a ellos les contaron tiempo atraacutes sus proprios abuelos Y en las fiestas comunitarias se reitera a traveacutes de rituales mimeacuteticos y de narraciones escogidas las palabras de los mitos2

E como exemplo dessa tradiccedilatildeo de transmissatildeo oral tem-se o canto VII da Odisseia (v62-

95) de Homero quando Alciacutenoo rei dos feaacutecios em seu palaacutecio prepara um banquete e para essa

comemoraccedilatildeo eacute levado um cantor que ao cantar os feitos de Troia emociona Odisseu

κῆρυξ δ ἐγγύθεν ἦλθεν ἄγων ἐρίηρον ἀοιδόντὸν περὶ Μοῦσ ἐφίλησε δίδου δ ἀγαθόν τε κακόν τεὀφθαλμῶν μὲν ἄμερσε δίδου δ ἡδεῖαν ἀοιδήν (Hom Od v62-64)[hellip]αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντοΜοῦσ ἄρ ἀοιδὸν ἀνῆκεν ἀειδέμεναι κλέα ἀνδρῶνοἴμης τῆς τότ ἄρα κλέος οὐρανὸν εὐρὺν ἵκανενεῖκος Ὀδυσσῆος καὶ Πηλεΐδεω Ἀχιλῆος (Hom Od VIII v72-75)[hellip]ταῦτ ἄρ ἀοιδὸς ἄειδε περικλυτός αὐτὰρ Ὀδυσσεὺς

2 As instituiccedilotildees se apoiam nos mitos recorrem a eles para tomar decisotildees interpretam os feitos de acordo com eles Os mais velhos os contam aos mais jovens e estes se iniciam nos conhecimentos tradicionais de seu povo mediante os grandes relatos dos deuses e dos heroacuteis fundadores As nutrizes contam agraves crianccedilas os feitos fascinantes de um tempo distante e divino Os avocircs e as avoacutes recontam aos pequenos o que a eles contaram tempos atraacutes seus proacuteprios avoacutes E nas festas comunitaacuterias se reitera atraveacutes dos rituais mimeacuteticos e das narraccedilotildees escolhidas as palavras dos mitos

12

πορφύρεον μέγα φᾶρος ἑλὼν χερσὶ στιβαρῇσικὰκ κεφαλῆς εἴρυσσε κάλυψε δὲ καλὰ πρόσωπααἴδετο γὰρ Φαίηκας ὑπ ὀφρύσι δάκρυα λείβων (Hom Od VIII v83-86)

Jaacute pelo arauto trazido o cantor divinal se aproximaque tanto a Musa distingue e a quem males de bens concederatira-lhe a vista dos olhos mas cantos sublimes lhe inspira [hellip]Tendo assim pois a vontade da fome e da sede saciadoa Musa logo o incitou a falar sobre os feitos dos homens gestasde heroacuteis cuja fama o alto ceacuteu nesse tempo atingiraa disseccedilatildeo entre Aquiles Pelida e Odisseu tatildeo falada[hellip]Isso narrava o famoso cantor Odisseu entrementes com as matildeos fortes o manto de puacuterpura para a cabeccedilapuxa encobrindo-a com o fim de esconder as feiccedilotildees majestosasEnvergonha-se sim de que o vissem chorar os Feaacutecios3

Atraveacutes do relato exposto acima pode-se verificar o quanto era comum na Greacutecia Antiga a

transmissatildeo oral dos feitos heroicos O mito produto da tradiccedilatildeo grega tambeacutem teve a sua

existecircncia propagada por meio da exposiccedilatildeo oral ateacute que o advento da escrita comeccedilasse a registraacute-

lo Ele sobreviveu ateacute os dias de hoje principalmente por meio dos textos escritos pois em seus

primoacuterdios estava restrito agrave oralidade como afirma Thomas (2005 p3-4) ldquo[] a Greacutecia antiga era

em muitos aspectos uma sociedade oral na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em

relaccedilatildeo agrave palavra faladardquo Desse modo os textos poeacuteticos eram compostos para serem ouvidos

assim continua Thomas (2005 p4)

A maior parte da literatura grega poreacutem tinha por finalidade ser ouvida ou cantada ndash transmitida oralmente portanto ndash e havia uma forte corrente de aversatildeo pela palavra escrita mesmo pelos altamente letrados documentos escritos natildeo eram considerados por si mesmos prova adequada em contextos legais ateacute a segunda metade do seacuteculo IV aC

Somente com a reinvenccedilatildeo da escrita na Greacutecia Antiga momento em que ldquoo alfabeto foi

adaptado do alfabeto feniacutecio provavelmente na primeira metade do seacuteculo VIIIrdquo (THOMAS 2005

p17) ndash que segundo Havelock (1996 p20) esse alfabeto surgiu dos contatos comerciais entre

gregos e feniacutecios ndash foi que os mitos deixaram de ser exclusivamente de natureza oral e comeccedilaram a

ser escritos

A escrita grega antiga a princiacutepio foi usada ldquopara marcar objetos ou compor um memorial

ou ateacute mesmo escrever versosrdquo (THOMAS 2005 p67) Como exemplo tem-se o famoso Vaso do

Diacutepylon datado de 750-690 aC que conteacutem uma inscriccedilatildeo metrificada em ldquohexacircmetro de estilo

3 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes neste capiacutetulo satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

13

homeacuterico onde se lecirc de traacutes para frente quem agora entre os danccedilarinos melhor desempenho

tiver Segue-se a isto uma tentativa de um segundo verso que avanccedila com esforccedilo ateacute parar perto

da asardquo(HAVELOCK 1996 p197) Numa sociedade oral as primeiras manifestaccedilotildees de escrita

tendem a registrar a palavra falada por isso que algumas inscriccedilotildees encontradas estatildeo escritas em

versos ao contraacuterio do que acontece na sociedade letrada moderna em que os registros oficiais satildeo

feitos em prosa

A oralidade na Greacutecia Antiga foi veiacuteculo de muitos acontecimentos dentre eles o iniacutecio da

democracia como afirma Dupont (1998 p12) ldquoLa democratie grecque elle-mecircme fut fondeacutee sur

une parole politique essentiellement orale leacutecriture ne servant quaux lettres dambassadeurs aux

teacutemoignages dans les procegraves et agrave la publication des loisrdquo4 Tambeacutem natildeo se pode esquecer de que a

filosofia grega foi propagada por meio da oralidade os discursos filosoacuteficos que temos hoje

resultaram de um diaacutelogo oral como os de Pitaacutegoras Soacutecrates Aristoacuteteles e os Peripateacuteticos5 Na

verdade em geral a Greacutecia prioriza a oralidade em detrimento da escrita pois essa eacute vista como um

instrumento de poder como conclui Dupont (1998 p13)

Dune faccedilon geacuteneacuterale la Gregravece classique se meacutefie de lecriture quand elle preacutetend transcrire et conserver la parole des vivants et de la lecture qui asservit le lecteur agrave la volonteacute du scripteur car la fonction la plus ancienne de lecriture grecque neacutetait pas denregistrer les paroles des hommes mais de faire parler les choses muettes coupes ou stegraveles funeacuteraires gracircce agrave une oralisation de linscription par le lecteur6

Como a sociedade grega natildeo primava pela composiccedilatildeo escrita muito dificilmente se poderia

falar em literatura Pois segundo Dupont para se ter literatura como eacute pensada hoje tem-se que ter

leitores E nas sociedades antigas ndash Greacutecia e Roma ndash eram comuns as leituras puacuteblicas em

contraponto agraves leituras individuais fato esse que permite a escrita do texto com o intuito de

exclusivamente ser lido ldquoles Anciens ont connu bien des faccedilons de lire un livre mais jamais cette

lecture litteacuteraire semble-t-il sinon sous la forme dune reacuteeacutecriture ce que nous appelons un

remakerdquo (DUPONT 1998 p16)7 Da Greacutecia Antiga nos restou um exemplo dessa reescrita dos

mitos jaacute conhecidos o mito de Electra filha de Agamecircmnon e Clitemnestra que mata a proacutepria matildee

com a ajuda do irmatildeo Orestes para vingar a morte do pai Esse mito eacute recontado em trecircs trageacutedias

gregas nas Coeacuteforas de Eacutesquilo na Electra de Soacutefocles e na Electra de Euriacutepides Cada peccedila

4 A democracia grega em si foi fundada sobre um discurso poliacutetico essencialmente oral a escrita serve apenas para as cartas de embaixadores como prova num julgamento e para a publicaccedilatildeo de leis

5 DUPONT Florence Linvention de la litteacuterature Paris La Deacutecouverte 1998 p 126 Em geral a Greacutecia claacutessica desconfia da escrita quando ela pretende transcrever e conservar as falas dos vivos e da

leitura que submete o leitor agrave vontade do escritor porque a funccedilatildeo mais antiga da escrita grega natildeo era registrar as falas dos homens mas fazer falar as coisas mudas taccedilas ou laacutepides graccedilas a um registro da oralizaccedilatildeo para o leitor

7 Os antigos conheceram muitas maneiras de ler um livro mas nunca como uma leitura literaacuteria aparentemente senatildeo como uma reescrita o que chamamos de remake

14

apresenta uma versatildeo diferente do mito como na cena de reconhecimento na qual Orestes eacute

reconhecido nas Coeacuteforas de Eacutesquilo o reconhecimento se daacute de trecircs modos ndash anel de cabelo de

Orestes as pegadas as roupas tecidas por Electra na Electra de Soacutefocles o reconhecimento se daacute

por meio de um sinete (siacutembolo familiar) mostrado por Orestes para Electra e na Electra de

Euriacutepides o reconhecimento acontece quando o lavrador marido de Electra vecirc uma cicatriz de

infacircncia no rosto de Orestes Portanto observa-se que embora a cena de reconhecimento das

trageacutedias apresentadas se mostrem de modo distinto o tema do matriciacutedio de Electra permanece nas

trecircs peccedilas conservando essa parte do mito

Os primeiros textos ditos ldquoliteraacuteriosrdquo ndash ou se poderia preferir a nomenclatura ldquopoeacuteticosrdquo ou

ldquopoetizadosrdquo8 ndash que chegaram ateacute os dias de hoje satildeo a Iliacuteada e a Odisseia de Homero datados do

seacuteculo VIII aC Esses textos segundo Thomas (2005 p17) ldquoparecem ser produto de composiccedilatildeo

bem como de execuccedilatildeo inteiramente oralrdquo

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoesia oralrdquo do livro Letramento e Oralidade na Greacutecia Antiga a

autora elenca algumas anaacutelises a respeito da presenccedila da oralidade na poesia homeacuterica base do

estudo da oralidade grega A primeira teoria eacute a conhecida como teoria de Milman Parry

argumentando que ldquoos eacutepicos homeacutericos eram poesia oralrdquo (THOMAS 2005 p 41) Parry analisou

as caracteriacutesticas da poesia eacutepica como os epiacutetetos homeacutericos e apresentou um novo

direcionamento sobre os estudos de oralidade A teoria de Parry revolucionou as pesquisas sobre a

poesia homeacuterica ao considerar a audiecircncia e a performance9 na criaccedilatildeo dos poemas conforme

afirma Thomas (2005 p42) ldquoeacute decisivamente por causa da teoria de Parry que podemos agora

reconhecer a importacircncia do puacuteblico e do contexto da apresentaccedilatildeo nas sociedades orais e

tradicionais o mesmo se diria do caraacuteter de improvisaccedilatildeordquo

As pesquisas de Parry tentaram mostrar que os poemas homeacutericos eram constituiacutedos por

expressotildees formulares (termos que se adequavam agrave meacutetrica do poema no momento da criaccedilatildeo

poeacutetica) que possibilitavam a criaccedilatildeo da poesia oral em analogia com a observaccedilatildeo da poesia

iugoslava Apoacutes a morte de Parry Lord um dos colaboradores da pesquisa daacute seguimento aos

estudos sobre performance A teoria Parry-Lord prioriza a audiecircncia o poeta deveria adaptar a

exposiccedilatildeo oral ao gosto do puacuteblico podendo alteraacute-la caso os ouvintes natildeo estivessem satisfeitos

pois cada performance era pontual assim como afirma Lord (1971 p5) no livro The singer of

tales ldquoWe shall see that in a very real sense every performance is separate song for every

8 Por se tratarem de uma composiccedilatildeo riacutetmica Havelock (1996 p13) prefere utilizar os termos ldquopoeacuteticordquo ou ldquopoetizadordquo tais termos estariam em equivalecircncia com ldquoletradordquo e ldquoarte escritardquo

9 Entenda-se nesse capiacutetulo performance como desempenho do poeta na exposiccedilatildeo oral pois o termo ldquoembora historicamente de formaccedilatildeo francesa ela [performance] nos vem do inglecircs e nos anos 1930 e 1940 emprestada ao vocabulaacuterio da dramaturgiardquo (ZUMTHOR 2007 p29-30)

15

performance is unique and every performance bears the signature of its poet singerrdquo10 A

composiccedilatildeo oral far-se-ia diante do puacuteblico diferindo do caraacuteter exclusivo de improvisaccedilatildeo pois se

apoiava em expressotildees formulares elementos essenciais para auxiliar o poeta no ato de compor o

poema portanto natildeo precisando se apoiar inteiramente no recurso mnemocircnico Lord (1971 p13)

tambeacutem distingue a composiccedilatildeo da poesia oral do poema literaacuterio

For the oral poet the moment of composition is the performance In the case of literary poem there is a gap in the time between composition and reading or performance in the case of the oral poem this gap does not exist because composition and performance are two aspects of the same moment11

O aspecto importante da performance para Lord eacute que o poeta cria ao cantar ele natildeo eacute um

mero recitador por isso tem a liberdade de construir o seu poema Ele ainda apresenta dois fatores

da composiccedilatildeo oral que segundo ele natildeo estatildeo presentes numa escrita tradicional

We must remember that the oral poet has no idea of a fixed model to serve as his guide He has models enough but they are not fixed and he has not idea of memorizing them in a fixed form Every time he hears a song sung it is different Secondly there is a factor of time The literate poet has leisure to compose at any rate he pleases The oral poet must keep singing His composition by its very nature must be rapid Individual singers may and do vary in their rate of composition of course but it has limits because there is an audience waiting to hear the story 12(LORD 1971 p22)

Desse modo importa ao poeta manter a tradiccedilatildeo ou seja o tema a ser cantado e natildeo a

forma fixa do poema Segundo Thomas (2005 p55) haacute pesquisadores como Kirk que defendem

que mesmo sem a ajuda da escrita eacute possiacutevel ter havido uma preacutevia elaboraccedilatildeo do poema antes da

performance

Portanto um poema em grande escala como a Iliacuteada pode ter sido desenvolvido muito gradualmente ndash e natildeo necessariamente com a escrita As maiores cenas podem ter sido cuidadosamente elaboradas em privado refinadas continuamente e reproduzidas ao menos grosso modo da mesma forma em sucessivas apresentaccedilotildees (THOMAS 2005 p55)

10 Veremos que num sentido muito real cada performance eacute um poema distinto pois cada performance eacute uacutenica e cada performance tem a assinatura de seu cantor-poeta

11 Para o poeta oral o momento da composiccedilatildeo eacute a performance No caso do poema literaacuterio haacute uma lacuna no tempo entre a composiccedilatildeo e a leitura ou performance no caso do poema oral essa lacuna natildeo existe porque a composiccedilatildeo e a performance satildeo dois aspectos do mesmo momento

12 Devemos lembrar que o poeta oral natildeo tem ideia de um modelo fixo para servir como seu guia Ele tem modelos suficientes mas eles natildeo satildeo fixos e que ele natildeo tem ideia de memorizaacute-los de uma forma fixa Toda vez que ele ouve uma canccedilatildeo cantada eacute diferente E segundo lugar existe o fator tempo O poeta letrado tem tempo para compor de qualquer modo que ele quiser O poeta oral deve continuar cantando A sua composiccedilatildeo por sua natureza deve ser raacutepida Cantores individuais podem e variam em sua razatildeo de composiccedilatildeo eacute claro mas tem limites porque tem um puacuteblico a espera para ouvir a histoacuteria

16

Apoacutes muitas apresentaccedilotildees do mesmo canto pode-se pensar que o poeta tem a possibilidade

de especializar o seu canto quantas vezes forem necessaacuterias Por isso Thomas (2005 p56) conclui

ldquoTampouco haacute razatildeo para pensar que a memorizaccedilatildeo (de qualquer grau) pudesse tolher a

improvisaccedilatildeo e a criatividade ela pode simplesmente suplementar a improvisaccedilatildeo e preservar as

cenas mais cuidadasrdquo

Mas contrapondo o que foi mencionado anteriormente o fato de as epopeias parecerem de

natureza oral natildeo exclui a possibilidade de haver um texto escrito para a organizaccedilatildeo das ideias e

para facilitar o processo de criaccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de partes relevantes do mito conforme mostra a

ldquoteoria de Shiverdquo na qual a composiccedilatildeo oral pode se utilizar da escrita para ajudar a lembrar o texto

a ser exposto assim nos mostra Thomas (2005 p59)

Desse modo Homero usava a dicccedilatildeo tradicional certamente mas frequentemente meditando tatildeo cuidadosamente sobre a expressatildeo mais apta em vez de usar uma expressatildeo preacute-fabricada que comeccedila a parecer muito com Milton ou Virgiacutelio

Com isso Homero teria tido a possibilidade de refletir sobre a sua criaccedilatildeo poeacutetica podendo

escolher o termo mais adequado para o seu poema Mas natildeo se pode esquecer de que no periacuteodo

em que ele viveu a escrita era usada em segundo plano e natildeo como apoio agrave criaccedilatildeo poeacutetica

portanto Homero provavelmente natildeo se utilizou da escrita para a composiccedilatildeo de seus poemas

Nas epopeias a escrita alfabeacutetica ajudaria porque ldquotem uma capacidade uacutetil de preservar

informaccedilatildeo e tornar a comunicaccedilatildeo agrave longa distacircncia muito mais faacutecilrdquo (THOMAS 2005 p39)

Essa capacidade de preservaccedilatildeo da poesia oral coloca em questatildeo o caraacuteter oral presente por

exemplo nos poemas homeacutericos mesmo que natildeo haja evidecircncias a princiacutepio da fixaccedilatildeo da poesia

grega arcaica Essa ideia soacute surgiraacute apoacutes o seacuteculo V aC como nos mostra Thomas (2005 p67)

Textos autorizados dos grandes traacutegicos do seacuteculo V foram produzidos apenas na segunda metade do seacuteculo IV sob os auspiacutecios de Licurgo numa clara tentativa de fixar os textos traacutegicos num periacuteodo em que um maior respeito pela palavra escrita ndash e pela literatura do seacuteculo V ndash eacute visiacutevel em diversas aacutereas

Gregory Nagy tambeacutem apresenta uma pesquisa acerca da questatildeo homeacuterica e no primeiro

capiacutetulo do seu livro Homeric Questions elenca dez conceitos para abordar a performance homeacuterica

(trabalho de campo sincronia versus diacronia composiccedilatildeo em performance difusatildeo tema

foacutermula economia como frugalidade tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo unidade e organizaccedilatildeo e autor e

texto) e lista mais dez conceitos em uso que satildeo aplicados enganosamente Dos dez conceitos para

17

a performance mais adiante elegeremos em outro lugar desta dissertaccedilatildeo alguns desses a saber

tema tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo e autor e texto Com base na teoria de Parry-Lord Nagy propotildee um

redirecionamento desta como bem coloca no iniacutecio do segundo capiacutetulo do seu livro

In earlier work my starting point has been the central comparative insight of Milman Parry and Albert Lord gleaned from their fieldwork in South Slavic oral epic traditions that composition and performance are aspects of the same process in the making of Homeric poetry13 (NAGY 1996 p 29)

O autor com base nos estudos citados afirma que haacute uma interaccedilatildeo entre trecircs aspectos ndash

composiccedilatildeo performance e difusatildeo ndash para compor a produccedilatildeo da poesia homeacuterica ao inveacutes dos

dois aspectos de Parry-Lord (composiccedilatildeo e performance) Nagy designa o primeiro lugar agrave

performance como ele expotildee

The process of composition-in-performance which is a matter of recomposition in each performance can be expected to be directly affected by the degree of diffusion that is the extent to which a given tradition of composition has a chance to be performed in a varying spectrum of narrower or broader social frameworks The wider the diffusion I argued the fewer opportunities for recomposition so that the widest possible reception entails teleologically the strictest possible degree of adherence to a normative and unified version14 (NAGY 1996 p39-40)

Mais adiante de acordo com a triacuteade apresentada Nagy atribui cinco idades aos textos de

Homero e em cada periacuteodo tenta mostrar como se deu a transmissatildeo dos poemas homeacutericos em

performance As cinco idades dos textos homeacutericos satildeo as seguintes primeira natildeo haacute textos escritos

(2000-800 aC) segunda periacuteodo pan-helecircnico ainda natildeo haacute textos escritos (da metade do seacutec

VIII aC agrave metade do seacutec VI aC) terceira com textos transcritos (da metade do seacutec VI aC ateacute

fins do seacutec IV aC) quarta com textos transcritos e roteiros (de fins do IV aC ateacute metade do seacutec

II) e quinta com os textos como escritura (da metade do seacutec II em diante) como bem resume

Mota (2010 p32) em seu artigo intitulado ldquoNos passos de Homero performance como argumento

na Antiguidaderdquo

G Nagy assinala que os momentos na histoacuteria da performance e textualizaccedilatildeo dessas 13 Em trabalhos anteriores o meu ponto de partida foi a ideia central comparativa de Milman Parry e Albert Lord

adquirida a partir de seu trabalho de campo nas tradiccedilotildees orais eacutepicas do Sul Eslavo que a composiccedilatildeo e a performance satildeo aspectos de um mesmo processo na confecccedilatildeo da poesia homeacuterica

14 O processo de composiccedilatildeo em performance que eacute uma questatildeo de recomposiccedilatildeo em cada execuccedilatildeo pode-se esperar que seja diretamente afetada pelo grau de difusatildeo ou seja a extensatildeo em que uma dada tradiccedilatildeo de composiccedilatildeo tem a possibilidade de ser realizada em um espectro variaacutevel de estruturas sociais mais estreitas ou mais amplas Quanto maior a difusatildeo argumentei menores satildeo as oportunidades para a recomposiccedilatildeo de modo que a recepccedilatildeo mais ampla possiacutevel implica teleologicamente o grau mais estrito possiacutevel de adesatildeo a uma versatildeo normativa e unificada

18

obras natildeo soacute se encontram associadas como tambeacutem em suas implicaccedilotildees apresentam uma histoacuteria das mudanccedilas e transformaccedilotildees da cultura performativa na Antiguidade O estudo da recepccedilatildeo e produccedilatildeo de Homero ilumina dramaacuteticas mutaccedilotildees no conceito e experiecircncia de situaccedilotildees interativas cujas implicaccedilotildees foram incorporadas em mentalidades que subagem em pressupostos ateacute hoje dominantes

Ao atribuir uma nova perspectiva para a criaccedilatildeo e a recepccedilatildeo do poema homeacuterico Nagy

apresenta uma ampliaccedilatildeo da teoria de Parry-Lord e uma nova vertente para os estudos homeacutericos

utilizando aspectos histoacutericos e linguiacutesticos

Entatildeo diante das teorias apresentadas pode-se concluir que os poemas homeacutericos foram

compostos em tempos anteriores e entraram em contato com a escrita em meados do seacutec VIII

mesmo que ainda natildeo se utilizassem dela para a composiccedilatildeo dos poemas Soacute seacuteculos depois eacute que

houve uma versatildeo escrita dos poemas (provavelmente a que nos restou) o que natildeo quer dizer que

seria a uacutenica versatildeo jaacute que naquele periacuteodo prevalecia a performance O mesmo fato

provavelmente acontecia natildeo somente com as poesias eacutepicas mas tambeacutem com os mitos gregos em

geral

Logo depois dos textos homeacutericos com um novo processo de criaccedilatildeo aparecem os poemas

de Hesiacuteodo a Teogonia e Os trabalhos e os dias Na Teogonia o aedo invoca as musas para cantar a

origem dos deuses Nesse texto assim como nos de Homero encontram-se marcas de oralidade

como nos mostra Torrano (2007 p15)

A marca de oralidade natildeo estaacute somente nas caracteriacutesticas exteriores e formais da Teogonia a saber 1) nas foacutermulas e frases preacute-fabricadas que combinando-se como mosaicos vatildeo compondo os versos em sequecircncias salpicadas por palavras e expressotildees inevitavelmente retornantes 2) na justaposiccedilatildeo com que as sequecircncias narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras mas antes tendo cada sequecircncia narrativa um igual valor na sintaxe da narraccedilatildeo total e podendo portanto sempre e ao arbiacutetrio do poeta articular-se a um nuacutemero quase indefinido de novas sequencias 3) nos cataacutelogos (lista de nomes proacuteprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemocircnico que soacute a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma funccedilatildeo motivada e significativa dentro do contexto do poema

A poesia hesioacutedica eacute anterior agrave fixaccedilatildeo da escrita na Greacutecia embora jaacute existisse a escrita tal

recurso natildeo era utilizado para a composiccedilatildeo de poemas Soacute depois iraacute surgir a poesia liacuterica na qual

se encontra o uso do alfabeto15

Contudo o surgimento da escrita natildeo implica o desaparecimento da composiccedilatildeo oral E

como propotildee Havelock (1996 p24) em seu livro A revoluccedilatildeo escrita na Greacutecia e suas

15 TORRANO Jaa ldquoO mundo como funccedilatildeo de musasrdquo In HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

19

consequecircncias culturais abordou-se ldquoassuntos que vatildeo de Homero ao drama grego tendo em vista

demonstrar a permanecircncia ateacute o fim do seacuteculo V da colaboraccedilatildeo entre o oral e o escritordquo Entatildeo natildeo

se pode estudar as produccedilotildees poeacuteticas gregas dos seacuteculos VIII ao V aC sem pensar que a oralidade

e a escrita conviviam harmonicamente e se contaminavam Tambeacutem deve-se lembrar de que a

oralidade e a leitura puacuteblica estavam mais presentes no cotidiano dos gregos desse periacuteodo do que a

proacutepria escrita Um exemplo disso pode ser encontrado em Luciano de Samoacutesata (seacutec II dC)

quando relata que Heroacutedoto apresentou as suas histoacuterias num festival de Oliacutempia como meio de

divulgar a sua obra

ἐνίσταται οὖν Ὀλύμπια τὰ μεγάλα καὶ ὁ Ἡρόδοτος τοῦτ ἐκεῖνο ἥκειν οἱ νομίσας τὸν καιρόν οὗ μάλιστα ἐγλίχετο πλήθουσαν τηρήσας τὴν πανήγυριν ἁπανταχόθεν ἤδη τῶν ἀρίστων συνειλεγμένων παρελθὼν ἐς τὸν ὀπισθόδομον οὐ θεατήν ἀλλ ἀγωνιστὴν Ὀλυμπίων παρεῖχεν ἑαυτὸν ᾄδων τὰς ἱστορίας καὶ κηλῶν τοὺς παρόντας ἄχρι τοῦ καὶ Μούσας κληθῆναι τὰς βίβλους αὐτοῦ ἐννέα καὶ αὐτὰς οὔσας (SAMOacuteSATA Herod I)

Realizam-se entatildeo os grandes jogos Oliacutempicos e Heroacutedoto considerando que lhe chegara a oportunidade por que tanto ansiava observando a panegiacuteria lotada de todas as partes os mais distintos homens jaacute reunidos tendo-se aproximado da parte de traacutes do templo natildeo como espectador mas como competidor dos Jogos Oliacutempicos apresentava-se cantando suas histoacuterias e encantando os presentes a ponto de seus livros terem recebido o nomes das Musas sendo eles tambeacutem nove16

Nesses trecircs seacuteculos os textos produzidos eram para ser a priori lidos em puacuteblico assim

como Havelock (1996 p184) caracteriza a composiccedilatildeo poeacutetica do drama grego

O drama ateniense aleacutem de ser riacutetmico obedece a regras associativas e de prediccedilatildeo proacutepria da composiccedilatildeo oral compotildee-se com base no princiacutepio do eco e se concebe como uma apresentaccedilatildeo a ser ouvida vista e memorizada mas natildeo lida

Diante de tal citaccedilatildeo torna-se impossiacutevel estudar o drama grego sem verificaacute-lo sob a oacutetica

da recepccedilatildeo embora haja como corpus apenas o texto escrito e possa analisaacute-lo numa leitura

solitaacuteria ndash que ldquose define ao mesmo tempo como absorccedilatildeo e criaccedilatildeo processo de trocas dinacircmicas

que constituem a obra na consciecircncia do leitorrdquo (ZUMTHOR 2007 p51) ndash aspectos esses bem

diferentes da sociedade grega antiga E na recepccedilatildeo verifica-se dentro da poesia oral com mais

destaque a performance como afirma Zumthor (2007 p 50) ldquoa performance eacute entatildeo um momento

da recepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente recebidordquo Performance essa

que entra em disputa com a recepccedilatildeo pois a uacuteltima sobrevive por mais tempo do que a outra por

isso torna-se impossiacutevel reviver uma performance jaacute exibida jaacute que cada performance eacute uacutenica ao

16 RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

20

contraacuterio da recepccedilatildeo de que eacute possiacutevel reconhecer o seu valor em um texto poeacutetico na sua proacutepria

eacutepoca Segundo Zumthor (2007 p51) o discurso poeacutetico estabelece um confronto entre

performance e recepccedilatildeo embora a uacuteltima tenha uma duraccedilatildeo mais longa por isso ldquopode-se falar da

recepccedilatildeo de Virgiacutelio e de Homero mas nos situamos a uma tal distacircncia temporal desses autores

que o termo performance natildeo tem mais sentido em relaccedilatildeo a elesrdquo (ZUMTHOR 2007 p51)

Contudo conclui Zumthor (2007 p52) ldquoa recepccedilatildeo eu o repito se produz em circunstacircncia

psiacutequica privilegiada performance ou leiturardquo

Assim numa sociedade primitiva na qual soacute havia transmissatildeo oral

A ldquorecepccedilatildeordquo vai se fazer pela audiccedilatildeo acompanhada da vista uma e outra tendo por objeto o discurso assim performatizado eacute com efeito proacuteprio da situaccedilatildeo oral que transmissatildeo e recepccedilatildeo aiacute constituam um ato uacutenico de participaccedilatildeo co-presenccedila esta gerando o prazer Esse ato uacutenico eacute a performance (ZUMTHOR2007 p65)

Como se deu nas apresentaccedilotildees das trageacutedias aacuteticas em que a audiecircncia ao assistir ao

espetaacuteculo observava a performance dos atores utilizando-se da audiccedilatildeo e da vista contrapondo-se

agraves apresentaccedilotildees orais dos textos homeacutericos Nesse momento uacutenico no qual a performance eacute

executada os atores tentam interagir com a audiecircncia e tentam provocar algumas sensaccedilotildees como

no caso da trageacutedia grega terror e piedade conforme afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1449b 23-28)

ao definir a trageacutedia17

Em Atenas assim como expotildee Havelock (1996 p275) ldquoo drama aacutetico como uma forma de

arte nativa de Atenas surgiu conforme a tradiccedilatildeo sugere na uacuteltima metade do seacuteculo VI com o fim

de prover o necessaacuterio suplemento a Homerordquo Como uma extensatildeo da poesia homeacuterica o drama

aacutetico prosseguiu com o efeito didaacutetico daquela e tambeacutem promoveu o entretenimento ao puacuteblico

grego por meio das representaccedilotildees cecircnicas Mas ao contraacuterio do que fizera a epopeia ao fornecer

aos cidadatildeos atenienses uma ldquoidentidade coletiva moral poliacutetica e histoacutericardquo (HAVELOCK 1996

p276) o drama aacutetico propunha uma ldquoidentidade particular que era de uma cidade-estado

especiacutefica Ouvindo e assistindo agraves peccedilas encenadas eles reconheciam e absorviam um comentaacuterio

corrente a seu proacuteprio noacutemos e eacutethos (HAVELOCK 1996 p276) O drama tambeacutem se

contrapunha agrave poesia eacutepica no quesito de comunicaccedilatildeo pois os poemas homeacutericos necessitavam

somente do sentido da audiccedilatildeo do puacuteblico para captar a composiccedilatildeo oral jaacute o drama utilizava-se

simultaneamente de dois sentidos da audiccedilatildeo e da visatildeo Assim o drama aacutetico permanece com o 17 ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς

ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις δρώντων καὶ οὐ δι ἀπαγγελίας δι ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν Eacute pois a Trageacutedia imitaccedilatildeo de uma accedilatildeo de caraacuteter elevado completa e de certa extensatildeo em linguagem ornamentada e com vaacuterias espeacutecies de ornamentos distribuiacutedas pelas diversas partes [do drama] [imitaccedilatildeo que se efetua] natildeo por narrativa mas mediante atores e que suscitando o ldquoterror e a piedade tem por efeito a purificaccedilatildeo dessas emoccedilotildeesrdquo (traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa)

21

mesmo caraacuteter didaacutetico jaacute utilizado pelas epopeias homeacutericas uma combinaccedilatildeo de educaccedilatildeo com

entretenimento para propagar os costumes gregos Portanto ldquoas peccedilas eram representaccedilotildees

contiacutenuas de aspectos do panorama ciacutevico com que a audiecircncia era convidada a identificar-serdquo

(HAVELOCK 1996 p276)

Desse modo as peccedilas aacuteticas eram produtos de composiccedilatildeo oral na qual o coro era um

elemento central pois rememorava a parte mais poeacutetica da representaccedilatildeo O coro funcionava como

uma personagem na peccedila porque dialogava com as outras personagens e interferia no

desenvolvimento do enredo E o mito escolhido a ser encenado nada mais era do que um pequeno

trecho da poesia homeacuterica jaacute conhecido do puacuteblico

Finalmente o mito de cada peccedila situando a trama num passado heroico imaginaacuterio seguia o princiacutepio da fantasia homeacuterica envolvendo a mensagem contemporacircnea em uma aura arcaica de modo a dar-lhe assim distanciamento um tom grandiloquente e capacidade de sobrevivecircncia (HAVELOCK 1996 p 277)

Com o passar do tempo a oralidade como meio de divulgaccedilatildeo dos poemas vai se

enfraquecendo cedendo lugar a outras formas de comunicaccedilatildeo como a escrita e assim afirma

Havelock (1996 p277-78)

A comunicaccedilatildeo importante podia ser congelada na escrita lida relida e evocada em vez de plantar-se na memoacuteria oral Pela loacutegica deste avanccedilo o que se pode chamar de oralidade da trageacutedia grega estava destinada a sofrer erosatildeo O propoacutesito didaacutetico central havia de enfraquecer-se na medida em que a cultura vinha cada vez mais a apoiar-se em formas escritas de comunicaccedilatildeo estocada disponiacutevel para reutilizaccedilatildeo O justo equiliacutebrio entre instruccedilatildeo e entretenimento uma necessidade mnemocircnica desde tempos imemoriais havia de alterar-se privilegiando o entretenimento

Como representaccedilatildeo desse decliacutenio da oralidade no drama aacutetico consequecircncia da tensatildeo

vivida pela trageacutedia entre o falar e o ouvir tem-se como exemplo o papel do coro nas peccedilas gregas

O coro das trageacutedias gregas era um componente essencial a essas peccedilas pois ele carregava mais

fortemente o aspecto de composiccedilatildeo oral tatildeo presente nos poemas homeacutericos Os cantos corais eram

entoados por cidadatildeos gregos dando uma caracteriacutestica mais popular a essa parte da trageacutedia O

nuacutemero de participantes dos coros variava de acordo com o gecircnero teatral e o autor ldquophilological

opinion agrees with the numbers twelve for the choruses of Aeschylus fifteen for those of

Sophocles and Euripides and twenty-four in Ancient Comedy similarly for the fifty-member

chorus of the dithyrambrdquo18 (CALAME 1997 p 21) Segundo Calame em seu livro Choruses

young women in Ancient Greece o coro traacutegico assume uma forma retangular contrapondo-se agrave 18 A opiniatildeo filoloacutegica concorda com os nuacutemeros doze para os coros de Eacutesquilo quinze para os de Soacutefocles e

Euriacutepides e vinte e quatro na Comeacutedia Antiga da mesma forma cinquenta membros do coro do ditirambo

22

forma circular dos cantos liacutericos ainda que tenha vindo desse canto

The iconography of the lyric chorus is thus divided into two large categories one processional the other circular A third less important category of disposition in rows can be added This classification has two consequences First the rectangular formation of the tragic chorus should probably be included in this third class The tragic chorus would therefore originate in a lyric form and the dichotomy between tragic chorus characterized by retangle and lyric chorus circularity is probably not as marked as my remarks at the beginning of the paragraph would suggest Second the visual images reveal a feature of the lyric chorus not apparent in written documents that of procession (CALAME 1997 p38)19

E para acrescentar agraves informaccedilotildees estruturais do coro no livro An introduction to greek

tragedy o autor afirma que os atores que compunham o coro eram exclusivamente masculinos

usavam trajes adequados e maacutescaras que cobriam toda a cabeccedila20

Aleacutem das questotildees estruturais apresentadas sobre o coro natildeo se pode esquecer que no

drama aacutetico do seacutec V aC havia tambeacutem um propoacutesito didaacutetico que Havelock (1996 p315) divide

em dois niacuteveis

O primeiro eacute temaacutetico exigindo que a trama de toda a peccedila seja manipulada de modo tal que propicie um disfarce para os interesses sociais e contemporacircneos e uma liccedilatildeo indireta sobre como administrar O segundo eacute o aforiacutestico um niacutevel em que a retoacuterica e os cantos de todos os integrantes da trageacutedia satildeo linguisticamente elaborados de modo a conter copiosos fragmentos do eacutethos e do noacutemos da sociedade sua ldquosabedoriardquo oral

Nos cantos corais presencia-se o segundo niacutevel o aforiacutestico principalmente atraveacutes dos

ditos populares reelaborados como meio de divulgaccedilatildeo da sabedoria popular conforme aparece

num exemplo apresentado por Havelock (1996 p 310) ldquoO discurso oral memorizaacutevel

privilegiando o especiacutefico antes que o geral em vez de dizer A honestidade eacute a melhor poliacutetica

prefere dar-lhe esta formulaccedilatildeo um homem honesto eacute que alcanccedila proveitordquo Reescrevendo o dito

popular e o aproximando da realidade da sociedade espectante

Na trageacutedia grega do seacutec V encontram-se exemplos de aforismos nos cantos corais que

atribuem um caraacuteter oral e popular a esses cantos como se vecirc no segundo estaacutesimo da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo19 A iconografia do coro liacuterico estaacute assim dividida em duas grandes categorias uma a procissatildeo e a outra a circular

Uma terceira menos importante categoria de disposiccedilatildeo em filas podem ser adicionada Esta classificaccedilatildeo tem duas consequecircncias Em primeiro lugar a formaccedilatildeo retangular do coro traacutegico provavelmente deve ser incluiacuteda nesta terceira classe O coro traacutegico portanto originaacuterio de uma forma liacuterica e a dicotomia entre o coro traacutegico caracterizado pelo retangularidade e o coro liacuterico pelo circularidade provavelmente natildeo eacute tatildeo marcada como minhas observaccedilotildees no iniacutecio do paraacutegrafo sugere Em segundo lugar as imagens visuais revelam uma caracteriacutestica do coro liacuterico natildeo perceptiacutevel em documentos escritos como o da procissatildeo

20 SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011 p 4

23

παλαίφατος δ ἐν βροτοῖς γέρων λόγος                  τέτυκται μέγαν τελε-σθέντα φωτὸς ὄλβοντεκνοῦσθαι μηδ ἄπαιδα θνῄσκειν (Es Ag 750-753)

Priacutestino entre mortais velho proveacuterbio diz quando grandea opulecircncia humanaprocria e natildeo morre sem filho21

Como se pode observar o coro apresentado indica um proveacuterbio antigo e quem o proferiu O

coro esquiliano ao inserir o substantivo φωτὸς (humano dos homens) apresenta um caraacuteter

didaacutetico ao aproximar o proveacuterbio do povo aacutetico Praacutetica bastante comum natildeo soacute nos coros das

trageacutedias mas tambeacutem nas falas das personagens como no proacutelogo da trageacutedia As traquiacutenias de

Soacutefocles proferido por Dejanira

Λόγος μέν ἐστ ἀρχαῖος ἀνθρώπων φανεὶςὡς οὐκ ἂν αἰῶν ἐκμάθοις βροτῶν πρὶν ἂνθάνῃ τις οὔτ εἰ χρηστὸς οὔτ εἴ τῳ κακός (Sof Traq v 1-3)

Ditado antigo dos homensdiz que antes de morrer nenhum mortal pode saber se tem bom fado ou mau22

E mais uma vez encontra-se no aforismo uma referecircncia agrave identificaccedilatildeo do povo com o

proveacuterbio ao inserir o substantivo ἀνθρώπων (homem) confirmando assim o intuito didaacutetico das

peccedilas

Os ditos populares presentes nas trageacutedias satildeo um dos exemplos que marcam a

sobrevivecircncia da oralidade nas peccedilas do seacutec V aC Fato esse explicado porque a trageacutedia aleacutem de

sofrer influecircncias da oralidade dos poemas homeacutericos teria vindo de um canto popular o

ditirambo como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica

γενομένη δ οὖν ἀπ ἀρχῆς αὐτοσχεδιαστικῆς - καὶ αὐτὴ καὶ ἡ κωμῳδία καὶ ἡ μὲν ἀπὸ τῶν ἐξαρχόντων τὸν διθύραμβον ἡ δὲ ἀπὸ τῶν τὰ φαλλικὰ ἃ ἔτι καὶ νῦν ἐν πολλαῖς τῶν πόλεων διαμένει νομιζόμενα - κατὰ μικρὸν ηὐξήθη προαγόντων ὅσον ἐγίγνετο φανερὸν αὐτῆςmiddot καὶ πολλὰς μεταβολὰς μεταβαλοῦσα ἡ τραγῳδία ἐπαύσατο ἐπεὶ ἔσχε τὴν αὑτῆς φύσιν (Ar Poe 1449a 9-15)

Mas nascida de um princiacutepio improvisado (tanto a Trageacutedia como a Comeacutedia a Trageacutedia dos solistas do ditirambo a Comeacutedia dos solistas dos cantos faacutelicos composiccedilotildees estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades) [a Trageacutedia]

21 Traduccedilatildeo de Jaa TORRANO (2004)22 Traduccedilatildeo de Flaacutevio Ribeiro de OLIVEIRA (2009)

24

pouco a pouco foi evoluindo agrave medida que se desenvolvia tanto quanto nela se manifestava ateacute que passadas muitas transformaccedilotildees a Trageacutedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural23

Para confirmar essa influecircncia do ditirambo na poesia traacutegica em especial nos cantos corais

Calame em seu artigo ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo elenca mais outras fontes

antigas que registram a proximidade entre os dois gecircneros

Degraves le Ve siegravecle dailleurs les Grecs eux-mecircmes nont pas manqueacute de faire deacuteriver les repreacutesentations tragiques atheacutenienne dans leur ensemble dexeacutecutions chorales soit quHeacuterodote montre Clisthegravenes de Sicyone le beau-pegravere de Clisthegravenes dAthegravenes transfeacuterant les ltltchoeurs tragiquesgtgt de la ceacuteleacutebration du heacuteros Adraste agrave celle du dieu Dionysos soit quAristote en cherche lorigine dans linstitution des ltltconducteursgtgt du dithyrambe forme chorale deacutedieacutee au mecircme Dionysos soit encore quun teacutemoignage beaucoup plus tardif affirme que Solon aurait deacuteja attribueacute agrave Arion le poegravete meacutelique compositeur de dithyrambes la premiegravere exeacutecution dramatique que dune ltlttrageacutediegtgt Pour Diogegravene Laerce degraves lors il en fait aucun doute que les premiegraveres repreacutesentations tragiques eacutetaient assumeacutees uniquement par un groupe choral (CALAME 1997 p181-182)24

O ditirambo era uma narrativa de tema heroacuteico entoada por um coro em honra de Dioniso e

ao que parece performada de improviso25 daiacute o caraacuteter heroico considerado como elo entre o

ditirambo e a trageacutedia E Aristoacuteteles coloca o ditirambo lado a lado com a trageacutedia e a eacutepica ao

classificaacute-las como imitaccedilatildeo26 Mas a histoacuteria acerca da origem da trageacutedia eacute muito complexa

Muitas pinturas nos vasos colocam ao lado da encenaccedilatildeo traacutegica a figura de Dioniso e dos saacutetiros

Aristoacuteteles apresenta uma antiga proximidade entre os cantos dos saacutetiros com a trageacutedia ao dizer na

Poeacutetica

ἔτι δὲ τὸ μέγεθοςmiddot ἐκ μικρῶν μύθων καὶ λέξεως γελοίας διὰ τὸ ἐκ σατυρικοῦ μεταβαλεῖν ὀψὲ ἀπεσεμνύνθη τό τε μέτρον ἐκ τετραμέτρου ἰαμβεῖον ἐγένετο (Ar Poe 1449a 19-22)

23 Todas as traduccedilotildees da Poeacutetica de Aristoacuteteles presentes nesse texto satildeo de Eudoro de Sousa conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

24 A partir do seacuteculo V aleacutem disso os proacuteprios gregos natildeo deixaram de fazer representaccedilotildees traacutegicas atenienses nas suas execuccedilotildees corais seja quando Heroacutedoto mostra Cliacutestenes de Sicion o padrasto de Cliacutestenes de Atenas transferindo ltltcoros traacutegicosgtgt da celebraccedilatildeo do heroacutei Adrasto ao deus Dioniso seja quando Aristoacuteteles procura a origem da instituiccedilatildeo dos ltltcondutoresgtgt do ditirambo a forma coral dedicada ao mesmo Dioniso seja ainda um testemunho muito mais tarde que afirma que Soacutelon tinha jaacute atribuiacutedo a Arion o poeta meacutelico compositor de ditirambos a primeira execuccedilatildeo dramaacutetica de uma ltlttrageacutediagtgt Para Dioacutegenes Laeacutercio portanto natildeo haacute nenhuma duacutevida de que as primeiras representaccedilotildees traacutegicas foram assumidas apenas por um grupo coral

25 MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) p129

26 ἐποποιία δὴ καὶ ἡ τῆς τραγῳδίας ποίησις ἔτι δὲ κωμῳδία καὶ ἡ διθυραμβοποιητικὴ καὶ τῆς αὐλητικῆς ἡ πλείστη καὶ κιθαριστικῆς πᾶσαι τυγχάνουσιν οὖσαι μιμήσεις τὸ σύνολον A Epopeia a Trageacutedia assim como [a comeacutedia] e a poesia ditiracircmbica e a maior parte da auleacutetica e da citariacutestica todas satildeo em geral imitaccedilotildees (1447a 14-16) Inclui na traduccedilatildeo ldquoa comeacutediardquo pois natildeo consta na traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa e consta no texto grego κωμῳδία

25

Quanto agrave grandeza tarde adquiriu [a Trageacutedia] o seu estilo [soacute quando se afastou] dos argumentos breves e da elocuccedilatildeo grotesca [isto eacute] do [elemento] satiacuterico

Contudo a trageacutedia teria tido influecircncia de diversos gecircneros como a eacutepica o ditirambo e os

cantos dos saacutetiros Embora se verifique com mais evidecircncia a influecircncia da poesia eacutepica atraveacutes dos

mitos e do caraacuteter didaacutetico e do ditirambo na composiccedilatildeo dos cantos corais e do caraacuteter

ritualiacutestico como afirma Scullion (2005 p26)

Tragedyrsquos inheritance from epic is vastly more important to him than that from dithyramb but epic cannot account for tragedyrsquos choral component Dithyramb not only can do that but can also anchor tragedy in the specific Athenian milieu in which it came to fruition27

E dentre as questotildees sobre a origem da trageacutedia coloca-se que o inventor da trageacutedia foi

Teacutespis pois foi considerado o ldquothe man who first produced a recognizable ancestor of the tragic

actor on the Athenian stagerdquo28 (MILLER 1961 p132) Pela junccedilatildeo do primeiro ator traacutegico com o

canto coral influenciado pelo ditirambo assim teriam sido os primoacuterdios da trageacutedia Depois a

poesia traacutegica se consolida com Eacutesquilo que segundo Aristoacuteteles

καὶ τό τε τῶν ὑποκριτῶν πλῆθος ἐξ ἑνὸς εἰς δύο πρῶτος Αἰσχύλος ἤγαγε καὶ τὰ τοῦ χοροῦ ἠλάττωσε καὶ τὸν λόγον πρωταγωνιστεῖν παρεσκεύασενmiddot (Ar Poe 1449a 16-180)

Eacutesquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o nuacutemero dos atores diminuiu a importacircncia do coro e fez do diaacutelogo protagonista

Assim como os textos de Eacutesquilo tambeacutem sobreviveram os de Soacutefocles e os de Euriacutepides

totalizando trinta e duas peccedilas que foram performatizadas nos festivais dionisiacuteacos Todas as peccedilas

foram compostas ldquoroughly between the end of the Persian Wars and Athensrsquo defeat by Sparta and

her alliesrdquo29 (DEBNAR 2005 p6) Dentre essas peccedilas somente uma eacute de cunho histoacuterico Os

persas (472 aC) de Eacutesquilo que narra a derrota do rei persa Xerxes na batalha de Salamina As

outras peccedilas de Eacutesquilo foram apresentadas em trilogias mas soacute restou uma delas a Oresteia

composta pelas peccedilas Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides30 Essa trilogia foi encenada em 458 aC

no teatro de Dioniso Em todas as peccedilas que sobreviveram Eacutesquilo obteve o primeiro lugar

27 A heranccedila da trageacutedia do eacutepico eacute muito mais importante para ela do que a do ditirambo mas a eacutepica natildeo pode explicar o componente coral da trageacutedia O ditirambo natildeo soacute pode fazer isso mas tambeacutem pode ancorar a trageacutedia no meio especiacutefico ateniense em que chegaram a ser concretizadas

28 Homem que primeiro produziu um antepassado reconheciacutevel do ator traacutegico no palco ateniense29 Aproximadamente entre o final das Guerras Persas e a derrota de Atenas por Esparta e seus aliados30 MOTA 2008 p18

26

Eacutesquilo o poeta de Elecircusis aleacutem de escrever trageacutedias tambeacutem lutou na batalha de

Maratona talvez por isso tenha tratado numa de suas trageacutedias da guerra conforme jaacute foi citado

Embora o momento narrado na peccedila date de oito anos antes Eacutesquilo reescreve esse momento

histoacuterico em sua trageacutedia movendo os fatos do seacutec V ao passado miacutetico A vitoacuteria dos gregos

contra os persas influenciaram muito na poesia da eacutepoca como na trageacutedia Os persas de Eacutesquilo

como afirma Debnar (2005 p7)

Conversely although the historical referent of Persians is clear modern scholarsrsquo interpretations of the poetrsquos use of the event are shaped in large part by how far they believe the Athenians had moved toward empire by the end of the 470s31

Tambeacutem na Oresteia encontram-se referecircncias ao seacutec V periacuteodo em que as trageacutedias foram

encenadas

The conflicts and resolution of the Oresteia are strongly colored by the difficulties the Athenians were facing in the 450s clashes with the Persians the First Peloponnesian War and political upheavals within their own city32 (Debnar 2005 p 10)

A primeira trageacutedia da trilogia Agamecircmnon apresenta uma ecircnfase no mar mostrando a

forccedila da guerra mariacutetima na viagem rumo a Troia e no retorno do rei de Argos O poder mariacutetimo

refletiria o poder adquirido por Atenas ao vencer os Persas Na outra peccedila Eumecircnides Eacutesquilo

coloca em cena o tribunal ateniense e uma disputa entre as leis antigas (Eriacutenias) e as novas (Atena)

E como exemplo mais definido dessa reforma juriacutedica em Atenas tem-se o seguinte exemplo

It is equally certain that when Athena gives the jury of Athenian citizens the power to try cases of murder the poet alludes to Ephialtesrsquo reform of the Areopagus which still retained this power in 45833 (DEBNAR 2005 p 10)

Natildeo somente nas trageacutedias de Eacutesquilo observam-se essas referecircncias histoacutericas ao periacuteodo

em que foram encenadas as peccedilas Em Soacutefocles na trageacutedia Aacutejax que foi encenada durante o

periacuteodo de trinta anos de paz na Greacutecia demonstra um retorno aos mitos homeacutericos pela

personagem Aacutejax como tambeacutem apresenta uma proximidade com o seacutec V aC

31 Por outro lado embora o referencial teoacuterico de Os persas seja claro as interpretaccedilotildees dos estudiosos modernos usadas pelo poeta do evento satildeo formadas em grande parte por quatildeo longe eles acreditam que os atenienses tenham se movido em direccedilatildeo ao impeacuterio ateacute o final de 470

32 Os conflitos e a resoluccedilatildeo da Oresteia satildeo fortemente ilustradas pelas dificuldades que os atenienses enfrentavam em 450 confrontos com os persas a primeira guerra do Peloponeso e levantes poliacuteticos dentro de sua proacutepria cidade

33 Eacute igualmente certo que quando Atena daacute ao juacuteri de cidadatildeos atenienses competecircncia para julgar os casos de homiciacutedio o poeta alude agrave reforma do Aeroacutepago de Efialtes que ainda mantinha esse poder em 458

27

At the same time his [Ajax] command of sailors would have reminded the fifth-century audience of themselves and of the great aristocratic generals responsible for repelling the Persians and for the prosperity that the expansion of the empire brought their city (DEBNAR 2005 p12)34

Tambeacutem se verifica na peccedila Suplicantes de Euriacutepides assim como em Eacutesquilo a presenccedila da

guerra Mas o momento histoacuterico natildeo eacute o mesmo conforme afirma Debnar (2005 p16)

Nonetheless just as mention of civil war in Eumenides is likely to have reminded Aeschylusrsquo audience of the political situation after Ephialtesrsquo reforms so in Euripidesrsquo play the refusal of the Thebans to allow burial of their foes could have reminded the Athenians of a similar incident involving Boeotians in the recent past35

A reforma de Efialtes que aconteceu dois ou trecircs anos antes da encenaccedilatildeo da peccedila

Eumecircnides de Eacutesquilo pode ser lembrada pelos espectadores na trageacutedia como jaacute foi citado

anteriormente (DEBNAR 2005 p10) assim como o incidente recente envolvendo os Beoacutecios

poderia ter sido lembrado pela audiecircncia da peccedila Suplicantes de Euriacutepides

Conforme se observa nos exemplos apresentados durante o seacutec V aC periacuteodo em que

foram encenadas as trageacutedias os mitos gregos foram reescritos investidos de uma nova visatildeo no

caso a influecircncia dos momentos histoacutericos vividos pelos gregos A audiecircncia dessas peccedilas ao

assistir os fatos jaacute vivenciados pelo seu povo se identifica com a trageacutedia encenada

O teatro grego do seacutec V aC era encenado nas festas dionisiacuteacas como as Dioniacutesias Rurais

as Leneias e as Grandes Dioniacutesias exceto nas Antesteacuterias nas quais natildeo se confirmam as

apresentaccedilotildees teatrais As Dioniacutesias Rurais aconteciam no mecircs de dezembro mecircs de Poseidon

comeccedilavam com um cortejo faacutelico e em sequecircncia acontecia um sacrifiacutecio depois desses seguiam

com as representaccedilotildees teatrais a trageacutedia a comeacutedia e o ditirambo As Leneias aconteciam em

janeiro no mecircs do Gameacutelion e incluiacuteam o cortejo conduzido pelo arconte sacrifiacutecio e

apresentaccedilotildees dramaacuteticas de comeacutedia de trageacutedia e de ditirambo Esse festival era tipicamente

aacutetico pois natildeo contava com a presenccedila de natildeo-atenienses As Antesteacuterias aconteciam entre os dias

11 e 13 do mecircs de Antesteacuterion mecircs de fevereiro No primeiro dia de festival era o dia de abertura

dos toneacuteis No segundo dia havia um concurso de bebida No terceiro dia acontecia a festa das

34 Ao mesmo tempo o seu [Aacutejax] comando de marinheiros teria lembrado o puacuteblico do quinto seacuteculo deles mesmos e dos grandes generais aristocraacuteticos responsaacuteveis por repelir os persas e pela prosperidade que a expansatildeo do Impeacuterio trouxe a sua cidade

35 No entanto assim como a menccedilatildeo de guerra civil em Eumecircnides eacute provaacutevel que tenha lembrado a audiecircncia de Eacutesquilo da situaccedilatildeo poliacutetica apoacutes as reformas de Efialtes portanto na peccedila de Euriacutepides a recusa dos tebanos para permitir o sepultamento de seus inimigos poderia ter lembrado os atenienses de um incidente semelhante envolvendo os Beoacutecios num passado recente

28

marmitas E natildeo haacute muitas referecircncias acerca da existecircncia de concursos dramaacuteticos nessa festa36

As Grandes Dioniacutesias eram festivais urbanos em honra de Dioniso Eleuteacuterio Esse festival

acontecia no mecircs do Elafeboacutelion (no final de marccedilo) e contava com a presenccedila natildeo soacute de cidadatildeos

atenienses mas tambeacutem de outras cidades-estados Nesse festival havia concursos teatrais e ldquoo

responsaacutevel pelas celebraccedilotildees era o arconte-epocircnimo que tinha a seu cargo os custos da pompe37 e

dos concursos dramaacuteticos e ditiracircmbicosrdquo (CASTIAJO 2012 p20) No primeiro dia de festival os

poetas os atores e os participantes dos coros que se apresentaratildeo no evento mostram-se sem

maacutescaras e davam uma preacutevia das performances a serem apresentadas No final desse dia a estaacutetua

de Dioniacuteso eacute conduzida de seu templo ateacute o teatro No segundo dia acontecia o cortejo religioso a

pompe e depois o sacrifiacutecio e de tarde ocorria o concurso de cantos corais Nos outros dias

aconteciam as competiccedilotildees dramaacuteticas nas quais eram encenadas comeacutedias trageacutedias e dramas

satiacutericos

A ordem das competiccedilotildees dramaacuteticas bem como os dias a elas dedicados continuam a ser questotildees controversas A versatildeo dominante eacute a de que antes e depois da guerra do Peloponeso (431-404 aC) o primeiro dia dos concursos era dedicado agrave performance de cinco comeacutedias e os restantes trecircs eram preenchidos cada um deles com a apresentaccedilatildeo por um uacutenico poeta e corego de trecircs trageacutedias e um drama satiacuterico Outra das versotildees daacute como certo que o primeiro dia estava reservado agrave performance dos ditirambos de rapazes e agrave representaccedilatildeo de uma comeacutedia o segundo agrave competiccedilatildeo dos coros ditiracircmbicos de homens e agrave performance de outra comeacutedia e os trecircs uacuteltimos dias cada um deles agrave apresentaccedilatildeo de uma tetralogia traacutegica e de uma comeacutedia (CASTIAJO 2012 p 26)

No uacuteltimo dia do festival o arconte-epocircnimo anunciava agrave audiecircncia os vencedores dos

concursos dramaacuteticos Os poetas vencedores eram coroados com coroas de hera e conduzidos para

casa por um cortejo vitorioso Natildeo se sabe quais seriam os precircmios concedidos aos melhores atores

A encenaccedilatildeo das peccedilas do seacutec V aC nas Grandes Dioniacutesias acontecia normalmente no

teatro de pedra de Dioniso De laacute o puacuteblico de quase 3000 pessoas tinha uma visatildeo privilegiada na

qual era possiacutevel acompanhar a procissatildeo e visualizar os sacrifiacutecios38 E tambeacutem era um ambiente

propiacutecio para as danccedilas e encenaccedilotildees No palco acontecia a cena os atores usavam maacutescaras que

ajudavam na projeccedilatildeo vocal As maacutescaras davam um caraacuteter impessoal aos atores e os distanciava

da audiecircncia Elas eram diferentes para a trageacutedia e para a comeacutedia E para complementar o figurino

dos atores as vestimentas que poderiam por exemplo demonstrar a classe social muito diziam de

suas personagens Assim como as maacutescaras as vestimentas e os sapatos tambeacutem eram distintos para

a trageacutedia e a comeacutedia Na trageacutedia os atores usavam a tuacutenica peplo e na comeacutedia a tuacutenica chiton 36 CASTIAJO 2012 p 13-1737 Procissatildeo38 CASTIAJO 2012 p33

29

curta para que fosse possiacutevel visualizar o phallos Os sapatos na trageacutedia eram simples e

confortaacuteveis com altura ateacute a perna jaacute na comeacutedia os sapatos eram triviais as embades

Depois de paramentados os atores deveriam cumprir o seu papel de representar uma

personagem deixando de ser um mero recitador de poemas Para designar ator os gregos

utilizavam a palavra hypokrites ldquojaacute usada no seacuteculo V aC e que natildeo haveria nenhum outro termo

para denominar atores em geral incluindo os protagonistasrdquo (CASTIAJO 2012 p82) Aleacutem de

hypokrites havia outros termos mais especiacuteficos para designar o papel ocupado pelo poeta dentro

da encenaccedilatildeo como protagonistes deuteragonistes e tritagonistes Esses termos eram pouco

utilizados e serviam para indicar a divisatildeo dos atores e natildeo um niacutevel de importacircncia Os atores

deveriam ter habilidades especiacuteficas para conseguirem desempenhar o seu papel como uma boa

projeccedilatildeo vocal uma flexibilidade de gesticulaccedilatildeo uma capacidade de danccedilar e muito preparo fiacutesico

para aguentar a rotina de ensaios e o tempo no palco

Em cena o ator dialogava com outro ator ou com um coro Visto como elemento primordial

(jaacute mencionado anteriormente) o coro vai perdendo espaccedilo com o passar dos anos para outros

atores nas representaccedilotildees dramaacuteticas No seacutec V aC ainda vemos o coro participando efetivamente

das trageacutedias de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides mas soacute

na viragem do seacuteculo V para o IV aC nomeadamente com a figura de Aacutegaton que se assiste de uma forma mais evidente ao relegar do papel do coro para segundo plano jaacute que por esta altura o enfoque passou a ser atribuiacutedo aos atores sendo que a participaccedilatildeo do coro passou a ser escassa cabendo-lhe quase exclusivamente a intervenccedilatildeo em interluacutedios ndash embolima ndash entre as peccedilas que mais natildeo eram do que cacircnticos com pouca ou sem qualquer relaccedilatildeo com os acontecimentos representados no espaccedilo ceacutenico passando desta forma e definitivamente a estar afastado da accedilatildeo dramaacutetica (CASTIAJO 2012 p106-107)

Poreacutem enquanto esteve presente efetivamente nas representaccedilotildees dramaacuteticas segundo

Castiajo (2012 p109-113) o coro exerceu funccedilotildees importantes como sendo o narrador dos fatos

conhecidos e desconhecidos da audiecircncia como o interlocutor do ator como ldquoum intermediaacuterio

entre o mundo ficcional da peccedila e a realidade da audiecircncia jaacute que por natureza composiccedilatildeo e

colocaccedilatildeo fiacutesica pertencia simultaneamente ao mundo da peccedila e ao mundo da audiecircnciardquo

(CASTIAJO 2012 p 110) como elemento teatral de identificaccedilatildeo das personagens que entram em

cena como representantes de um grupo especiacutefico como representante de uma coletividade E

assim como os atores o coro tambeacutem deveria ter a habilidade de projeccedilatildeo de voz e de danccedilar

Todo esse aparato cecircnico do teatro do seacutec V aC culminava numa representaccedilatildeo teatral

cujo principal espectador era o cidadatildeo grego

30

Assim para aleacutem de todo o tipo de cidadatildeos que estariam presentes fosse qual fosse a sua categoria profissional ou niacutevel de formaccedilatildeo ndash artesatildeos agricultores sacerdotes poetas filoacutesofos (o que a este niacutevel eacute representativo da dimensatildeo democraacutetica dos festivais) ndash eacute hoje cada vez mais aceite que tambeacutem os escravos as crianccedilas e as mulheres tinham assento no teatro (CASTIAJO 2012 p130)

Quanto agrave presenccedila das mulheres nas representaccedilotildees teatrais haacute controveacutersias alguns

estudiosos acreditam que as mulheres teriam ido ao teatro embora em nuacutemero reduzido e ficando

restritas a cadeiras especiacuteficas e outros que defendem que as mulheres natildeo frequentavam o teatro

durante os festivais E aleacutem dos homens mulheres crianccedilas e escravos os natildeo-atenienses39 ainda

assistiam aos espetaacuteculos durante as Grandes Dioniacutesias Essa diversidade de audiecircncia exigia dos

poetas e dos atores uma maior profissionalizaccedilatildeo de sua arte para que pudessem agradar o maior

nuacutemero possiacutevel de espectadores

O teatro em Roma se inicia por volta do seacutec III aC apoacutes a tomada da cidade de Tarento

pois os artesatildeos e os soldados apoacutes terem contato em suas viagens com representaccedilotildees teatrais nas

cidades de origem grega quiseram trazer essa nova experiecircncia para Roma

Because Roman merchants and soldiers had seen tragic performances in the Greek theatres of Tarentum and Syracuse during the campaigns against Pyrrhus and the Carthaginians they wanted to introduce this kind of drama at Rome and in 240BC Livius Andronicus a Tarentine Greek who bore the name of his Roman patron was commissioned to translate ndash or rather adapt ndash a tragedy and a comedy for the victory games40 (FANTHAM 2007 p116)

Todavia o teatro romano em sua formaccedilatildeo natildeo somente sofreu influecircncias dos gregos

provenientes da regiatildeo conhecida como Magna Greacutecia ndash Lucacircnia Apuacutelia e Siciacutelia ndash mas tambeacutem

dos etruscos (povo situado ao norte de Roma) e dos uacutembrios (povo situado agrave nordeste de Roma)

Os etruscos acumulavam elementos da cultura grega e da cultura feniacutecia Ficaram

conhecidos por seus muacutesicos danccedilarinos e maacutescaras mas natildeo restou nenhum texto escrito dessas

manifestaccedilotildees artiacutesticas somente pinturas que representam tais manifestaccedilotildees Tambeacutem o nome

actor (ator) teria origem na palavra etrusca histrio Quanto aos umbros pouco se sabe a respeito

deles Diante dessas imprecisas informaccedilotildees conclui Dupont (2003 p 142) ldquoCar ce qui fait

lidentiteacute du theacuteacirctre latin cest la rencontre et la synthegravese des deux la poeacutesie grecque e les spectacles

latins41rdquo Com isso pode-se dizer que as principais fontes do teatro romano seriam o teatro grego e

os espetaacuteculos latinos 39 Como trata-se de teatro ateniense os estrangeiros satildeo os que natildeo pertencem aquela poacutelis40 Porque os comerciantes e os soldados romanos tinham visto performances dramaacuteticas nos teatros gregos de Tarento e Siracusa durante as campanhas contra Pirro e os cartagineses eles queriam introduzir este tipo de drama em Roma e em 240 aC Liacutevio Andronico um tarentino grego que tinha o nome de seu patrono romano foi contratado para traduzir ndash ou melhor adaptar ndash uma trageacutedia e uma comeacutedia para os jogos de vitoacuteria41 Pois o que faz a identidade do teatro latino eacute o encontro e a siacutentese de dois a poesia grega e os espetaacuteculos latinos

31

Os espetaacuteculos romanos eram apresentados nos chamado ludi um festival coletivo puacuteblico

ou privado E nesses natildeo soacute aconteciam apresentaccedilotildees teatrais mas tambeacutem corrida de cavalos

combate de animais combate de gladiadores entre outras Os espetaacuteculos teatrais eram chamados

de ludi scaenici e os outros espetaacuteculos eram conhecidos como ludi circenses

The ludi scaenici were organised by Roman magistrates who used them (among other things) to impress their peers clients and the citizen body as a whole and (especially where the praetexta was concerned) for specific political goals42 (BOYLE 2009 p6)

Os romanos promoviam a princiacutepio espetaacuteculos de cunho religioso nos quais foram

inseridos as apresentaccedilotildees performatizadas ldquoThe ludi began with a sacrifice to the appropriate deity

and a procession from the cult temple but when the play began the actors had to compete with all

kinds of circus-style entertainmentrdquo43 (BOYLE 2009 p6) Os sacrifiacutecios tambeacutem poderiam ser

feitos aos magistrados e nem sempre eram dedicados a apenas uma divindade Jaacute as procissotildees

provavelmente remontam a uma tradiccedilatildeo etrusca

Nos ludi incluiam-se vaacuterias apresentaccedilotildees comeacutedias trageacutedias farsas atelanas mimos

muacutesica e danccedila44 Os espetaacuteculos teatrais eram apresentados em teatros ditos ldquotemporaacuteriosrdquo que

podiam ser montados e desmontados normalmente a estrutura desse teatro era feita de madeira ou

de maacutermore Por isso a scaena podia ser montada em vaacuterios lugares da cidade ao contraacuterio do que

acontecia com os jogos circenses que tinham um lugar fixo e fechado para a apresentaccedilatildeo de seus

espetaacuteculos45 O primeiro teatro dito ldquopermanenterdquo construiacutedo em Roma foi o teatro de Pompeu em

55 aC como caracteriza Goldberg (1996 p265)

The vast structure itself was in many ways a marvel Romes first stone theater designed to hold perhaps 40000 spectators incorporated a temple of Venus Victrix above the cavea flanked by four ancillary sanctuaries to revered abstractions like Honos and Virtus while behind the stage building stretched an elaborate portico and formal garden connecting the theater with a new senate-house some 200 meters to the east46

42 Os ludi scaenici foram organizados por magistrados romanos que os usaram (entre outras coisas) para impressionar os seus pares nobres e o corpo do cidadatildeo como um todo e (especialmente onde estava a pretexta foi referida) para objetivos poliacuteticos especiacuteficos

43 Os ludi comeccedilavam com um sacrifiacutecio agrave divindade apropriada e uma procissatildeo do templo de culto mas quando a peccedila comeccedilava os atores tinham que competir com todos os tipos de entretenimento de estilo circense

44 BOYLE 2009 p645 BEACHAM 2007 p202-22646 A grande estrutura em si foi de muitas maneiras uma maravilha o primeiro teatro de pedra de Roma projetado para

manter talvez 40 mil espectadores incorporou um templo de Venus Victrix acima do cauea ladeado por quatro santuaacuterios auxiliares para reverenciadas abstraccedilotildees como Honos e Virtus enquanto por detraacutes do palco construiacutedo estendeu um poacutertico elaborado e um jardim formal ligando o teatro com uma nova casa senatorial cerca de 200 metros para o leste

32

Depois desse teatro foram construiacutedos os teatros de Balbo em 13 aC e o de Marcelo em 11

aC no reinado de Augusto47 Com um espaccedilo fiacutesico definido para as encenaccedilotildees os jogos romanos

jaacute constavam em seus calendaacuterios Em Roma os festivais aconteciam normalmente de abril a

novembro comeccedilando com os Ludi Megalenses e os Ludi Cerialis em abril e terminando com os

Ludi Plebeii em novembro48

Em todos os jogos aconteciam representaccedilotildees teatrais que eram encerrados pelas

apresentaccedilotildees circenses Os espetaacuteculos duravam o dia todo se estendendo ateacute a noite O povo

romano passava muitos dias do ano nos Jogos Aleacutem de proporcionar divertimento nesses

espetaacuteculos eram distribuiacutedos para o povo comida e presentes

A audiecircncia romana era composta por pessoas de todas classes sociais do escravo ao

magistrado mas havia uma divisatildeo social dentro do teatro cujo em assentos especiacuteficos de acordo

com a sua colocaccedilatildeo na sociedade as pessoas se acomodavam

Admission was free on a first-come first-served basis but restrictions on seating for different classes made the theatre lsquoa vivid representation of Roman social hierarchyrsquo As choruses played little or no role in Roman drama seats were set up in the orchestra for senators (and possibly their families) behind which sat recent civic honourees The next fourteen rows were reserved for the lsquoknightsrsquo (equites) Behind them sat married (male) citizens then unmarried citizens then women and finally slaves who often stood in the back49 (REHM 2007 p197)

Os atores traacutegicos portavam uma coroa na cabeccedila vestiam-se com uma toga puacuterpura ou

violeta e calccedilavam coturnos Quanto agraves maacutescaras os atores romanos natildeo as utilizaram muito

porque a princiacutepio elas estavam restritas agraves atelanas50 As maacutescara foram usadas por um curto

espaccedilo de tempo durante o seacutec I pela trageacutedia e pela comeacutedia Esse haacutebito soacute foi conservado pela

pantomima51 Ao inveacutes da maacutescara o ator romano privilegiava o uso da maquiagem52

Outro produto essencial do teatro romano era a muacutesica que estava presente em todas as

47 DUPONT 2003 p5848 REHM 2007 p19449 A entrada era gratuita organizada por ordem de chegada mas as restriccedilotildees de assentos para diferentes classes

tornavam o teatro a representaccedilatildeo viva da hierarquia social romana Como os coros pouco encenados ou com nenhum papel no teatro romano os assentos foram instalados na orquestra para senadores (e possivelmente suas famiacutelias) atraacutes dos quais se sentavam os cidadatildeos receacutem homenageados As proacuteximas quatorze filas foram reservadas para os cavaleiros (equites) Atraacutes deles sentavam-se os cidadatildeos casados (masculino) os cidadatildeos solteiros entatildeo as mulheres e finalmente os escravos que muitas vezes ficavam na parte de traacutes

50 A atelana era ldquooriginaacuteria ao que tudo indica uma espeacutecie de farsa popular vivida por personagens fixas burlescas e caracteriacutesticas (hellip) Aparentada com o drama satiacuterico com a hilarotrageacutedia e com a farsa tarentina a atelana era representada por personagens mascaradas (hellip) Vazada inicialmente em linguajar ruacutestico a atelana se intelectualiza aos poucos assumindo dimensotildees literaacuterias no comeccedilo do seacutec I aC quando Noacutevio e Pompocircnio compotildeem textos para representaccedilotildeesrdquo (CARDOSO 2003 p 38)

51 A pantomima era ldquorepresentada por atores mascarados e versando sobre assuntos mitoloacutegicos ou extraiacutedos da realidade cocircmicos ou seacuteriosrdquo (CARDOSO 2003 p38)

52 DUPONT 2003 p81

33

apresentaccedilotildees teatrais A muacutesica era apresentada por um flautista e um cantor O puacuteblico romano

preferia a muacutesica desde as origens da cidade ldquoLa culture musicale est geacuteneacuterale les chansons

chanteacutees au theacuteacirctre sont reprises et fredonneacutees dans les rues et les banquetsrdquo53 (DUPONT 2003

p116) Aleacutem de apreciar a muacutesica o puacuteblico romano tambeacutem se detinha no momento do

espetaacuteculo na performance dos atores

A preferecircncia do povo romano pela muacutesica pelo espetaacuteculo pela performance vai distanciaacute-

lo do teatro de texto teatro de influecircncia grega cultivado pelos poetas do periacuteodo claacutessico romano

O teatro em Roma de acordo com o puacuteblico pode ser dividido em dois tipos diferentes como afirma

DUPONT (2003 p126-127)

Le theacuteacirctre romains fut donc perpeacutetuellement deacutechireacute par un clivagem sociologique du public qui correspond agrave un clivage estheacutetique Ce clivage lisible dans le public va aboutir agrave la constitution de deux publics et deux types de theacuteacirctres diffeacuterents Paralleacutelement agrave la pantomime qui va canaliser le public populaire un theacirctre litteacuteraire apparaicirct sous lEmpire theacuteacirctre agrave textes54

Com isso as apresentaccedilotildees teatrais no periacuteodo do Impeacuterio Romano mais aceitas pelo

puacuteblico popular eram as pantomimas enquanto os textos teatrais se propagavam pela elite romana

Esse novo teatro romano de natureza literaacuteria natildeo se adequava agraves apresentaccedilotildees teatrais ocorridas

durante os Jogos por isso os poetas encontraram um outro meio de divulgar as suas obras elas

eram apresentadas em reuniotildees particulares de aristocratas em forma de leitura puacuteblica55

La lecture des trageacutedies donne agrave celle-ci une digniteacute nouvelle Cette reacuteception eacuterudite des textes theacuteacirctraux suscite une nouvelle forme deacutecriture la piegravece est deacutesormais un texte clos produisant une signification symbolique Deacutesormais il est possible denvisager lexistence dun theacuteacirctre politique intentionnellement politique ougrave les personnages soient des figures du pouvoir et mecircme dun theacuteacirctre psychologique ougrave les personnages soient des figures de la passion (DUPONT 2003 p 127-128)56

Com esse novo meio de divulgaccedilatildeo dos textos as peccedilas teatrais passaram a privilegiar

outros assuntos natildeo abordados antes como as questotildees poliacuteticas e sociais estas caracteriacutesticas natildeo

eram mencionadas nas encenaccedilotildees durante os Jogos Romanos pois nesses eventos o principal

53 A cultura musical eacute geral as canccedilotildees cantadas no teatro satildeo retomadas e cantaroladas nas ruas e nos banquetes 54 O teatro romano foi pois perpetualmente divido por uma clivagem socioloacutegica do puacuteblico que corresponde a uma

clivagem esteacutetica Essa clivagem legiacutevel do puacuteblico vai resultar na constituiccedilatildeo de dois puacuteblicos e de dois tipos de teatro diferentes Paralelamente agrave pantomima que vai canalizar o puacuteblico popular um teatro literaacuterio aparece sob o Impeacuterio o teatro de texto

55 DUPONT 2003 p12756 A leitura das trageacutedias datildeo a essas uma nova dignidade Essa recepccedilatildeo erudita dos textos teatrais suscita uma nova

forma de escrita a peccedila eacute daqui em diante um texto fechado produtor de uma significaccedilatildeo simboacutelica Daqui em diante eacute possiacutevel considerar a existecircncia de um teatro poliacutetico intencionalmente poliacutetico onde as personagens sejam figuras de poder mesmo de um teatro psicoloacutegico onde as personagens sejam figuras de paixatildeo

34

objetivo era o divertimento

O teatro literaacuterio se inicia com Liacutevio Andronico Apoacutes a tomada de Tarento em 272 aC o

jovem eacute levado para Roma como preso de guerra Ele chega nessa cidade ainda crianccedila e eacute educado

em escola biliacutengue para escravos especializados E em 249 aC Liacutevio Andronico apresenta o

primeiro poema nos Ludi Tarentini Ele tambeacutem traduziu a Odisseia de Homero em versos

saturninos e escreveu peccedilas teatrais atraveacutes de mitos gregos como a mais conhecida O Cavalo de

Troia57 assim ldquoby adapting a Greek tragedy Livius was transferring an established Greek dramatic

tradition to Rome creating the Roman theatrerdquo58

Depois de Liacutevio Andronico Neacutevio foi o segundo tragedioacutegrafo em Roma Ele encenou a

primeira trageacutedia em 235 aC e tanto escreveu trageacutedias como comeacutedias59 Tambeacutem utilizou-se de

temas associados agrave mitologia grega e aleacutem disso Neacutevio introduziu um novo gecircnero dramaacutetico

tipicamente romano a fabula pretexta

Ecircnio tambeacutem escreveu trageacutedias e inovou em seus poemas ldquoIl ne lui suffit pas decirctre

applaudi au theacuteacirctre il veut ecirctre immortaliseacute dans ses oeuvres Il inaugure un noveau type de poegravetes

qui a la faccedilon grecque cherche la gloire dans leacutecriture (DUPONT 2003 p 313)60 por isso ele

distancia-se da trageacutedia para encenaccedilatildeo dos Jogos Romanos Ecircnio escreveu uma epopeia Annales e

uma trageacutedia pretexta61 Ambracia Esse poeta foi muito citado por Ciacutecero e aceito pelo povo

romano suas trageacutedias seguiram o modelo das trageacutedias gregas utilizando-se principalmente da

mitologia ldquoEnnius a donneacute agrave ses trageacutedies leur dimension monumentale par une eacutecriture rheacutetorique

qui leur insufflait un poids politiquerdquo62 (DUPONT 2003 p 326)

No periacuteodo em que foram encenadas as trageacutedias de Liacutevio Neacutevio e Ecircnio havia uma

preocupaccedilatildeo com a audiecircncia em contraposiccedilatildeo o proacuteximo tragedioacutegrafo Pacuacutevio natildeo se

preocupou com isso

Pacuvius did not strive for complete audience identificacion with his characters in that he used the archaicizing language of his dramatic precursors and coined some odd expressions to elevate his poetry from contemporary expression63 (ERASMO 2004

57 DUPONT 2003 p 145-16158 Adaptando uma trageacutedia grega Liacutevio estava transferindo uma tradiccedilatildeo dramaacutetica grega estabelecida a Roma

criando o teatro romano59 ERASMO 2004 p1460 Natildeo basta para ele ser aplaudido no teatro ele quer ser imortalizado em suas obras Ele inaugura um novo tipo de

poeta que ao modo grego procura a gloacuteria na escrita 61 A trageacutedia praetexta eacute uma trageacutedia tipicamente romana pois os acontecimentos se passam em Roma e as

personagens satildeo da histoacuteria romana ldquoNa fabula praetexta o heroacutei eacute um grande homem rei ou cocircnsul da histoacuteria romana e enverga a toga debruada a puacuterpura insiacutegnia do poder Trata-se de um teatro de caacuteriz poliacuteticordquo (GAILLARD 1992 p 36)

62 Ecircnio deu a suas trageacutedias um dimensatildeo monumental a uma escrita retoacuterica que lhe insuflava um peso poliacutetico 63 Pacuacutevio natildeo se esforccedila para a completa identificaccedilatildeo da audiecircncia com seus personagens em que ele usou a

linguagem arcaizante de seus precursores dramaacuteticas e cunhou algumas expressotildees estranhas para elevar sua poesia

35

p35)

Pacuacutevio foi considerado um dos melhores tragedioacutegrafos romanos Depois dele tem-se Aacutecio

que continuou a escrever trageacutedias de mitos gregos mas ele ldquoseems to draw attention to the art of

persuasion as much as to its ill effectsrdquo64 (ERASMO 2004 p43) Ele marcou a sua eacutepoca como o

uacuteltimo tragedioacutegrafo profissional em Roma65

No Impeacuterio de Augusto a trageacutedia romana ganha vaacuterios representantes mas deste periacuteodo

restaram pouquiacutessimos versos A maioria da produccedilatildeo traacutegica da eacutepoca foi amadora as mais

famosas peccedilas foram Tiestes de Vaacuterio e Medeia de Oviacutedio as quais Quintiliano comentou66 Nesse

periacuteodo a pantomima ganha mais espaccedilo nas apresentaccedilotildees teatrais e as trageacutedias passam a ser mais

escritas e elaboradas Para Dupont (2003 p 340-341)

Mais en reacutealiteacute le siegravecle dAuguste marque le divorce deacutefinitif de la parole tragique e des spectacles car les pantomimes et les lectures publiques apparaissent preacuteciseacutement agrave ce moment La trageacutedie se transforme totalment en opeacutera et la poeacutesie dramatique se retire dans les auditoriums67

Com isso pode-se pensar que a trageacutedia romana deixa de ser encenada e passa a ser lida

publicamente em reuniotildees privadas da aristocracia romana

Under the Principate literary drama began to abandon public theaters for the more intimate (and more aristocratic) confines of smaller roofed halls and private homes Recitation rather than fully staged performance became the norm the kind of performance long established for the presentation of Latin literary works68

(GOLDBERG 1996 p273)

de expressatildeo contemporacircnea64 parece chamar a atenccedilatildeo para a arte da persuasatildeo tanto quanto aos seus efeitos nocivos65 GOLDBERG 1996 p27066 GOLDBERG 1996 p27167 Mas na realidade o seacuteculo de Augusto marca o divoacutercio definitivo da fala traacutegica e dos espetaacuteculos pois as

pantomimas e as leituras puacuteblicas aparecem precisamente nesse momento A trageacutedia se transforma totalmente em oacutepera e a poesia dramaacutetica se retira dos auditoacuterios

68 Sob o principado drama literaacuterio comeccedilou a abandonar os teatros puacuteblicos para os mais iacutentimos limites (e mais aristocraacutetico) de salas cobertas menores e casas particulares Recitaccedilatildeo em vez de totalmente encenada uma performance tornou-se a norma o tipo de perfomance estabelecida haacute muito tempo para a apresentaccedilatildeo de obras literaacuterias latinas

36

3 CAPIacuteTULO 2 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo

Este capiacutetulo pretende apresentar como o mito do rei Agamecircmnon eacute mostrado pela tradiccedilatildeo

grega de Homero a Eacutesquilo Nesse periacuteodo haacute registros do mito de Agamecircmnon na Iliacuteada e na

Odisseia de Homero nos fragmentos dos poemas do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos no

poema Oresteia de Estesiacutecoro que chegou ateacute noacutes tambeacutem de forma muito fragmentada na Piacutetica

XI de Piacutendaro e na Oresteia de Eacutesquilo Com base nessa tradiccedilatildeo tentar-se-aacute apresentar como o

mito de Agamecircmnon eacute reescrito por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon

31 A tradiccedilatildeo eacutepica os poemas homeacutericos e os poemas eacutepicos do ciclo troiano

Os primeiros textos poeacuteticos da literatura grega que restaram foram a Iliacuteada e a Odisseia

ambos atribuiacutedos a Homero datados do seacutec VIII aC Nas duas obras encontra-se a nossa

personagem principal Agamecircmnon sendo apresentada em cada uma das obras de maneira

particular

A Iliacuteada narra a ira de Aquiles que se deu no uacuteltimo ano da guerra de Troia A ira do chefe

dos Mirmidotildees foi provocada por Agamecircmnon que ao perder a sua presa de guerra filha de um

sacerdote de Apolo apossa-se da cativa de Aquiles Briseida No canto I Agamecircmnon mostra-se um

rei impiedoso arrogante e desrespeitoso com os deuses quando natildeo se importa com o pedido de

Crises (Il I v24-32) E o chefe dos gregos fica irritado quando Calcante o acusa de ser o

responsaacutevel pela peste no acampamento

Ἤτοι ὅ γ ὣς εἰπὼν κατ ἄρ ἕζετο τοῖσι δ ἀνέστηἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνωνἀχνύμενος μένεος δὲ μέγα φρένες ἀμφιμέλαιναιπίμπλαντ ὄσσε δέ οἱ πυρὶ λαμπετόωντι ἐΐκτην (Hom Il I v101-104)

Levanta-te entatildeo do seu postoo nobre filho de Atreu Agameacutemnone rei poderosocom torvo aspecto De trevas a coacutelera o peito lhe enchia a transbordar Pareciam-lhe os olhos dois fogos brilhantes69

Aquiles sente-se ultrajado pelo rei que tomou a sua cativa de guerra e pede ajuda agrave sua

matildee Teacutetis No canto II Agamecircmnon tem um sonho enganador e por isso convoca uma assembleia

para que os gregos retornem agrave guerra O rei aparece portando um cetro de origem divina como

siacutembolo do seu poder divino

69 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

37

ἀνὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνἔστη σκῆπτρον ἔχων τὸ μὲν Ἥφαιστος κάμε τεύχωνἭφαιστος μὲν δῶκε Διὶ Κρονίωνι ἄνακτι (Hom Il II v100-102)

Levanta-se o forte Agameacutemnonenas matildeos o cetro que Hefesto com muito artifiacutecio forjarapara presente fazer a Zeus pai que de Crono nascera

Depois da assembleia Agamecircmnon faz um sacrifiacutecio a Zeus para que proteja os gregos na

guerra demonstrando um caraacuteter religioso proacuteprio dos monarcas (Il II v402-403) E com o

exeacutercito pronto o rei aparece suntuoso de aparecircncia divina

μετὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνὄμματα καὶ κεφαλὴν ἴκελος Διὶ τερπικεραύνῳἌρεϊ δὲ ζώνην στέρνον δὲ Ποσειδάωνιἠΰτε βοῦς ἀγέληφι μέγ ἔξοχος ἔπλετο πάντωνταῦρος ὃ γάρ τε βόεσσι μεταπρέπει ἀγρομένῃσιτοῖον ἄρ Ἀτρεΐδην θῆκε Ζεὺς ἤματι κείνῳἐκπρεπέ ἐν πολλοῖσι καὶ ἔξοχον ἡρώεσσιν (Hom Il II v477-483)

No meio se achava Agameacutemnone ao grande fulminador semelhante no olhar e feitio do rosto a Ares no talho do cinto e a Posido no peito fortiacutessimoBem como o touro de grande manada que a todos os outros bois sobreexcede e apoacutes se vai levando reunidas as vacastal aparecircncia emprestou nesse dia Zeus grande a Agameacutemnonepara que fosse o primeiro entre tantos heroacuteis excelentes

No canto III Priacuteamo pede a Helena que lhe apresente quais satildeo os gregos presentes naquele

combate O primeiro eacute Agamecircmnon assim descrito por Helena

οὗτός γ Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνων ἀμφότερον βασιλεύς τ ἀγαθὸς κρατερός τ αἰχμητής (Hom Il III v178-179)

Esse eacute Agamecircmnon rei poderoso de Atreu descendente tatildeo grande rei chefe dos homens quatildeo forte e notaacutevel guerreiro

E apoacutes as palavras de Helena Priacuteamo responde

ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη μοιρηγενὲς ὀλβιόδαιμονἦ ῥά νύ τοι πολλοὶ δεδμήατο κοῦροι Ἀχαιῶν (Hom Il III v182-183)

Oacute venturoso Agameacutemnone filho dileto dos deusesque sobre tantos guerreiros Acaios o mando exercitas

38

Mais adiante no canto IX depois de muitos gregos mortos em combate Agamecircmnon

propotildee o retorno agrave Greacutecia pois os gregos estatildeo perdendo a batalha

ἀλλ ἄγεθ ὡς ἂν ἐγὼ εἴπω πειθώμεθα πάντες φεύγωμεν σὺν νηυσὶ φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν οὐ γὰρ ἔτι Τροίην αἱρήσομεν εὐρυάγυιαν (Hom Il IX v26-28)

Ora faccedilamos conforme o aconselho obedeccedilam-me todos para o torratildeo de nascenccedila fujamos nas ceacuteleres naves pois eacute impossiacutevel tomar a cidade espaccedilosa dos Teucros

Mas por causa dessa proposta o rei natildeo eacute bem visto pelos companheiros sendo considerado

como covarde por isso pela primeira vez reconhece os seus erros e propotildee a Aquiles por

intermeacutedio de Odisseu a devoluccedilatildeo de Briseida e uma grande recompensa (Il IX v15-161)

Mesmo assim Aquiles ainda irado natildeo aceita a proposta do rei de Argos (Il IX v386-387) No

canto XI tem-se o triunfo do chefe das tropas gregas Agamecircmnon lidera os gregos num combate

contra os troianos chefiados por Heitor Nesse duelo o Atrida mata muitos inimigos

ἀτὰρ κρείων Ἀγαμέμνων αἰὲν ἀποκτείνων ἕπετ Ἀργείοισι κελεύων (Hom Il XI v153-154)

Natildeo cessa Agameacutemnone forte de dizimar o inimigo exortando os guerreiros argivos

Poreacutem o rei acaba se ferindo em combate e embora natildeo quisesse sair da luta para se

proteger sobe num carro rumo agraves naus

στῆ δ εὐρὰξ σὺν δουρὶ λαθὼν Ἀγαμέμνονα δῖοννύξε δέ μιν κατὰ χεῖρα μέσην ἀγκῶνος ἔνερθεἀντικρὺ δὲ διέσχε φαεινοῦ δουρὸς ἀκωκήῥίγησέν τ ἄρ ἔπειτα ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνωνἀλλ οὐδ ὧς ἀπέληγε μάχης ἠδὲ πτολέμοιο (Hom Il XI v251-255)

Sem que o notasse Agameacutemnone pocircs-se-lhe ao lado e com a lanccedila proacuteximo do cotovelo o antebraccedilo no meio feriu-lhe atravessando-o com a ponta aguccedilada do hastil reluzente Estremeceu Agameacutemnone nobre pastor de guerreiros mas natildeo obstante natildeo quis desistir dos combates e lutas

Logo o chefe retorna ao acampamento dos gregos para cuidar dos ferimentos Em seguida

no canto XIV Agamecircmnon chega ao acampamento ferido ao lado de Odisseu e Diomedes o rei

retoma a ideia de que os gregos fujam de Troia

39

νῆες ὅσαι πρῶται εἰρύαται ἄγχι θαλάσσηςἕλκωμεν πάσας δὲ ἐρύσσομεν εἰς ἅλα δῖανὕψι δ ἐπ εὐνάων ὁρμίσσομεν εἰς ὅ κεν ἔλθῃνὺξ ἀβρότη ἢν καὶ τῇ ἀπόσχωνται πολέμοιοΤρῶες ἔπειτα δέ κεν ἐρυσαίμεθα νῆας ἁπάσαςοὐ γάρ τις νέμεσις φυγέειν κακόν οὐδ ἀνὰ νύκταβέλτερον ὃς φεύγων προφύγῃ κακὸν ἠὲ ἁλώῃ (Hom Il XIV v75-81)

Sem mais demora arrastemos as naus que se encontram mais perto da praia extensa e as lancemos agraves ondas divinas bem longe onde o mar for mais profundo firmando-as com as pedras acircncoras para aguardarmos a Noite imortal Caso os Teucros se abstenham de combater poderemos talvez pocircr a nado elas todas Natildeo eacute vergonha fugir ainda mesmo seja de noite Eacute preferiacutevel da ruiacutena escapar a ser presa do imigo

Mas os outros gregos natildeo querem recuar e retomam a luta Apoacutes muitas perdas e com a

decisatildeo de Aquiles de retornar para a batalha para vingar a morte de Paacutetroclo no canto XIX

Agamecircmnon mais uma vez reconhece os seus erros e a ofensa a Aquiles com isso por intermeacutedio

de Odisseu devolve Briseida e os ricos presentes jaacute prometidos Ao devolver a cativa de Aquiles

Agamecircmnon faraacute um juramento afirmando nunca ter tocado na jovem

ἀνθρώπους τίνυνται ὅτις κ ἐπίορκον ὀμόσσῃ μὴ μὲν ἐγὼ κούρῃ Βρισηΐδι χεῖρ ἐπένεικα οὔτ εὐνῆς πρόφασιν κεχρημένος οὔτέ τευ ἄλλου (Hom Il XIX v260-262)

Nunca na jovem Briseide toquei nem por forccedila de amores nem porque em mim tenha atuado outra forccedila qualquer porventura Em minha tenda durante esse tempo ficou ela intacta

E no canto XXIII Aquiles preocupado com as honras fuacutenebres de Paacutetroclo logo apresenta

Agamecircmnon como chefe das tropas para determinar a construccedilatildeo da pira funeraacuteria do morto desse

modo o poder do rei mostra-se vinculado aos preceitos religiosos

ἠῶθεν δ ὄτρυνον ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγάμεμνονὕλην τ ἀξέμεναι παρά τε σχεῖν ὅσσ ἐπιεικὲςνεκρὸν ἔχοντα νέεσθαι ὑπὸ ζόφον ἠερόενταὄφρ ἤτοι τοῦτον μὲν ἐπιφλέγῃ ἀκάματον πῦρθᾶσσον ἀπ ὀφθαλμῶν λαοὶ δ ἐπὶ ἔργα τράπωνται (Hom Il XXIII v49-53)

Mas quando da aurora raiar Agameacutemnone de homens caudilhomanda que lenha nos tragam e o mais de que um morto precisaquando haacute de a viagem fazer para o reino das trevas espessas para que o fogo incansavel depressa o consuma tirando-ode nossas vistas e assim possam todos voltar para a lida

Assim as apariccedilotildees de Agamecircmnon na Iliacuteada satildeo descritas observa-se que a personagem eacute

40

caracterizada atraveacutes das falas de outras personagens e tambeacutem de suas proposiccedilotildees

principalmente num contexto de guerra como rei chefe guerreiro forte valoroso valente

poderoso viril religioso e de aparecircncia divina em alguns momentos eacute depreciado ao aparecer

como covarde e autoritaacuterio Nesse texto o Agamecircmnon natildeo exerce outros papeacuteis como os

familiares ele aparece principalmente como chefe dos gregos

Poreacutem Agamecircmnon natildeo estaacute presente na Iliacuteada somente nesses momentos citados

anteriormente apenas foram selecionados os mais relevantes O chefe dos gregos eacute intitulado

principalmente dos seguintes epiacutetetos Atrida como em ἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων

Ἀγαμέμνων70 (Hom Il I v102) tambeacutem nesse exemplo tem-se o epiacuteteto de poderosoforte

κρείων outro epiacuteteto eacute o de chefe dos homens ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων71 ( Hom Il II

v612) Chega a ser equiparado aos deuses ao receber a seguinte adjetivaccedilatildeo ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη72

(Hom Il III v182) o adjetivo μάκαρ eacute usado apenas para os deuses como se pode verificar no

verbete do Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego de Isidro (1998 p 354)

μάκαρ feliz rico opulento os Bem-aventurados (deuses)

Jaacute na Odisseia epopeia que narra a volta de Odisseu para a sua paacutetria apoacutes guerrear em

Troia a menccedilatildeo agrave personagem Agamecircmnon se faz em nuacutemero menor de versos em comparaccedilatildeo

com a Iliacuteada No canto III Atena na aparecircncia de Mentor acompanha Telecircmaco na busca por

notiacutecias sobre Odisseu que ainda natildeo havia retornado para a paacutetria apoacutes passados muitos anos do

fim da batalha Na primeira parada desembarcam em Pilos e encontram o velho Nestor que lhes

contaraacute alguns acontecimentos do fim da guerra de Troia como o momento da assembleia dos

gregos liderada por Agamecircmnon para discutir o retorno para a paacutetria Depois Nestor menciona o

destino do valoroso chefe dos gregos

Ἀτρεΐδην δὲ καὶ αὐτοὶ ἀκούετε νόσφιν ἐόντεςὥς τ ἦλθ ὥς τ Αἴγισθος ἐμήσατο λυγρὸν ὄλεθρον (Hom Od III v193-194)

O que respeita ao Atrida soubeste-lo embora distantesde sua volta e do fim desditoso que Egisto lhe urdiu73

70 Optou-se por natildeo traduzir diretamente no texto alguns versos citados em grego da Iliacuteada e da Odisseia de Homero e do Agamecircmnon de Eacutesquilo pois as traduccedilotildees utilizadas para as obras citadas em alguns momentos natildeo abrangem o valor semacircntico adequado para essa pesquisaPortanto traduziu-se o verso assim O nobre Atrida Agamecircmnon chefe poderoso (traduccedilatildeo nossa)

71 O chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)72 Oacute bem-aventurado Atrida (traduccedilatildeo nossa)73 Todas as traduccedilotildees da Odisseia da Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na

referecircncia bibliograacutefica HOMERO Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

41

Nessa conversa a deusa Atena tambeacutem fala da morte de Agamecircmnon como produto do

artifiacutecio de sua esposa e do amante dela

ἢ ἐλθὼν ἀπολέσθαι ἐφέστιος ὡς Ἀγαμέμνων ὤλεθ ὑπ Αἰγίσθοιο δόλῳ καὶ ἧς ἀλόχοιο (Hom Od III v234-235)

tal como Agameacutemnone que sucumbiu ante fraude de sua mulher e de Egisto

Mais adiante Telecircmaco questiona Nestor sobre a morte de Agamecircmnon O velho explica

como Egisto planejou a morte e lembra que Orestes vingou a morte do rei matando Egisto Nestor

atribui a Egisto o assassiacutenio do rei

κτείνας Ἀτρεΐδην δέδμητο δὲ λαὸς ὑπ αὐτῷ ἑπτάετες δ ἤνασσε πολυχρύσοιο Μυκήνης (Hom Od III v304-305)

(Egisto) reina em Micenas em ouro abundante durante sete anos poacutes dar a Morte a Agameacutemnone e o povo forccedilar a obediecircncia

No canto IV Telecircmaco aporta na Lacedemocircnia e visita o palaacutecio de Menelau o irmatildeo de

Agamecircmnon O jovem escuta as palavras do rei que descreve como foi o retorno dos gregos para as

suas respectivas paacutetrias apoacutes a destruiccedilatildeo de Troia e relata que Agamecircmnon foi morto ao voltar

para casa viacutetima de um plano de Egisto que preparou um banquete como armadilha para

recepcionaacute-lo e o matar com o intuito de tomar o seu reino

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como

42

na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

No canto VIII quando Odisseu estaacute na terra dos feaacutecios e participa da assembleia um cantor

aparece para recitar os feitos dos homens dentre eles Agamecircmnon (Od VIII v77-79) No canto

IX Odisseu se apresenta ao Ciclope como partiacutecipe da tropa de Agamecircmnon (Od IX v263-266)

No canto XI Odisseu desce ao Hades e encontra por laacute Agamecircmnon uma alma sofrida

acompanhado dos companheiros mortos por Egistos (Od XI v387-389) Odisseu conversa com

Agamecircmnon e busca saber a causa da sua morte O chefe dos gregos assim responde

οὔτε μ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ ἐπὶ χέρσουἀλλά μοι Αἴγισθος τεύξας θάνατόν τε μόρον τεἔκτα σὺν οὐλομένῃ ἀλόχῳ οἶκόνδε καλέσσαςδειπνίσσας ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃὣς θάνον οἰκτίστῳ θανάτῳ (Hom Od XI v408-412)

nem quando em terra saltasse caiacute pela matildeo de inimigosNatildeo minha Morte e o destino fatal por Egisto me vieramCom minha esposa funesta matou-me depois de chamar-me para um banquete em sua casa qual boi que se abate no talhoDessa maneira morri vergonhosa

Agamecircmnon lamenta a sua morte vergonhosa e tambeacutem critica a sua esposa (Od XI v427-

430) No canto XIII jaacute em Iacutetaca Odisseu ao conversar com Atenas teme que o seu destino seja

semelhante ao de Agamecircmnon ao saber da existecircncia dos pretendentes de Peneacutelope (Od XIII

v383-385) E no canto XXIV Agamecircmnon novamente aparece no Hades pois os pretendentes de

Peneacutelope apoacutes a morte seguem para o reino dos mortos Eles ficam ao redor de Aquiles e chega

Agamecircmnon que conversa com o Pelida Aquiles lembra a morte ingloriosa do chefe dos gregos

(Od XXIV v34) que a lamenta

ἐν νόστῳ γάρ μοι Ζεὺς μήσατο λυγρὸν ὄλεθρονΑἰγίσθου ὑπὸ χερσὶ καὶ οὐλομένης ἀλόχοιο (Hom Od XXIV v96-97)

Zeus me aprestou triste Morte ao me achar novamente na praia agraves matildeos de Egisto guerreiro e da minha funesta consorte

Agamecircmnon reconhece dentre os pretendentes um que o hospedou em Iacutetaca Os dois

conversam o rei lamenta a esposa que teve e admira a sorte de Odisseu que se casou com uma

mulher muito virtuosa Peneacutelope (Od XXIV v192-202)

Desse modo a Odisseia nos apresenta o mito do glorioso chefe dos gregos lembrando

principalmente a sua morte que aparece em conflito com a gloacuteria guerreira dele Agamecircmnon eacute

lembrado pelas personagens por causa da sua morte vergonhosa e tambeacutem aparece duas vezes na

43

narrativa como uma alma sofrida por ter tido tal morte

Dos fragmentos dos poemas eacutepicos do ciclo troiano haacute a reconstituiccedilatildeo de parte dos textos

estes poemas seriam Cantos Ciacuteprios Etiacuteopes A Pequena Iliacuteada O Saque de Iacutelion Retornos e

Telegonia todos eles foram escritos apoacutes as obras de Homero Dentre os poemas apresentar-se-atildeo

apenas Cantos Ciacuteprios e Retornos pois ambos apresentam trechos relevantes do mito de

Agamecircmnon O Cantos Ciacuteprios datado do seacutec VI aC e de autoria desconhecida deteacutem-se nas

origens da Guerra de Troia ateacute o iniacutecio da Iliacuteada Neste poema Agamecircmnon o chefe dos gregos

sacrifica a proacutepria filha Ifigecircnia em honra agrave deusa Aacutertemis

και τό δεύτερον ήθροισμένου του στόλου έν Ανλίδι Αγαμέμνων επί θήρας βαλών έλαφον ύπερ-βάλλειν έφησε και τήν Αρτεμιν μηνίσασα δέ ή θεός έπέσχεν αυτούς τοΰ πλον χειμώνας έπιπέμπουσα Ίίάλχαντος δέ είπόντος τήν της θεού μήνιν καί Ίφιγένειαν κελενσαντος θύειν τήι Αρτέμιδι ώς επί γάμον αυτήν Αχιλλεΐ μεταπεμφάμενοι θύειν έπιχει-ρούσιν ltΚάλχας δέ έφη ουκ άλλως δύνασθαι πλεΐν αυτούς ει μή τών Αγαμέμνονος θυγατέρων ή κρα-τιστεύονσα κάλλει σφάγιον Αρτέμιδος παραστήι πέμφας Αγαμέμνων προς Κλυταιμήστραν Όδυσσέα καί Ταλθύβιον Ίφιγένειαν ήιτει λέγων ύπεσχήσθαι δώσειν αυτήν Αχιλλεΐ γυναίκα μισθόν της στρατείας Αρgt Αρτεμις δέ αυτήν έζαρπάσασα εις Ταύρους μετακομίζει καί άθάνατον ποιεί έλαφον δέ αντί της κόρης παρίστησι τώι βωμώ (APOLODORO Ep 3 20 apud SOUSA 2008 p 27)

Enquanto a frota se prepara em Aacuteulis para uma segunda expediccedilatildeo contra Iacutelion Agamecircmnon mata um cervo em uma caccedilada e se vangloria de ser melhor que Aacutertemis Zangada a deusa envia tempestades que impedem a frota de zarpar Calcante explica a razatildeo do mau tempo e diz que natildeo poderatildeo navegar enquanto a mais bela filha de Agamecircmnon natildeo for imolada em honra de Aacutertemis Decidindo-se a realizar o sacrifiacutecio Agamecircmnon envia Taltiacutebio e Odisseu a Clitemnestra para perguntar por Ifigecircnia afirmando que a jovem estava prometida a Aquiles em recompensa pela participaccedilatildeo deste na expediccedilatildeo Iludida a matildee entrega a filha Quando Ifigecircnia chega o altar jaacute estaacute pronto para a imolaccedilatildeo No entanto Aacutertemis retira a jovem do altar colocando em seu lugar um cervo e a leva para junto dos Tauros na Crimeia onde lhe concede a imortalidade74

Depois se verifica no poema as novas invasotildees das tropas gregas o saque de algumas

cidades e a divisatildeo dos espoacutelios de guerra

και εκ των λαφύρων Άχιλλεύς μεν Βρισηίδα γέρας λαμβάνει Χρυσηΐδα δέ Αγαμέμνων (PROCLUS Chrestomathia apud SOUSA 2008 p30)

74 Todas as traduccedilotildees dos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos presentes nesse texto satildeo de Francisco Edi de Oliveira Sousa retiradas da Tese de Doutorado de seguinte referecircncia SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

44

Aquiles toma Briseida como sua parte Agamecircmnon Criseida capturada em Tebas Hipoplaacutecia onde se encontrava por conta de sacrifiacutecios em honra de Aacutertemis

No Retornos atribuiacutedo a Haacutegias de Trezene e datado de VII aC localizado de acordo com

o mito apoacutes a Odisseia observa-se que Agamecircmnon sai de Troia e tenta voltar para a paacutetria Em

seguida eacute relatada a morte dele

ltέπειgtτα Αγαμέμνονος νπο Αιγίσθου και Κλυταιμήστρας άναιρεθέντος νπ Όρέστον και ΤΙυλάδον τιμωρία (Poculum Homericum MB 36 (SINN) apud SOUSA 2008 p 54-55)

Agamecircmnon por sua vez retorna ao seu palaacutecio onde eacute morto por Egisto e Clitemnestra Mais tarde Orestes e Piacutelades chegam para vingar o assassiacutenio de Agamecircmon

Como se trata de fragmentos o que nos restou dos poemas dos ciclos eacutepicos apresentam-

nos uma breve narraccedilatildeo acerca de partes do mito de Agamecircmnon Observa-se nos trechos dos

Cantos Ciacuteprios o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a posse de Criseida por Agamecircmnon como presa de

guerra e no trecho de Retornos a morte do rei ao chegar agrave sua paacutetria

32 A tradiccedilatildeo liacuterica Estesiacutecoro e Piacutendaro

Assim como na Iliacuteada e na Odisseia de Homero e nos poemas Cantos Ciacuteprios e Retornos

mais tarde por entre os seacutec VI e V aC o mito de Agamecircmnon apareceraacute na poesia liacuterica de

Estesiacutecoro Ele escreveu muitos poemas e dentre eles um intitulado Oresteia dividido em dois

livros E conforme afirma Campbell (2001 p2) esse poema teria sido uma adaptaccedilatildeo de um poema

homocircnimo anterior de Xanto

Stesichorus referred somewhere in his poetry to a predecessor Xanthus who composed an Oresteia which Stesichorus was said to have adapted and this Xanthus may have been a western Greek75

Aleacutem disso restaram apenas alguns fragmentos desse poema que foram reconstituiacutedos a

partir de vaacuterios textos como no livro I de um escoliasta de Aristoacutefanes em Paz (775ss 800 797ss)

no livro II de um escoliasta de Dionisio da Traacutecia (Art 6) de Habron num escoliasta da Iliacuteada de

Homero (ap POxy 1087 ii 47s) e no livro I ou II de Filodemo em Sobre a piedade de um

escoliasta de Euriacutepides em Orestes (46) de um escoliasta de Eacutesquilo em Coeacuteforas (733) e de

75 Estesiacutecoro referiu-se em algum lugar na sua poesia a um antecessor Xanto que compocircs uma Oresteia que Estesiacutecoro havia dito ter adaptado e Xanto pode ter sido um grego ocidental

45

Plutarco em De sera numinis vindicta (10 555a)76 Dos fragmentos reconstituiacutedos nenhum

menciona Agamecircmnon mas um deles apresenta um sonho que Clitemnestra teve antes de ser morta

por Orestes

τᾶι δὲ δράκων ἐδόκησε μολεῖν κάρα βεβροτωμένος ἄκρονἐκ δ ἄρα τοῦ βασιλεὺς Πλεισθενίδας ἐφάνη (Plut ser num vind 10 555a - iii 412 Pohlenz-Sieveking apud CAMPBELL 2001 p 132-133)

And it seemed to her that a snake came the top of its head bloodstained and out of it appeared a Pleisthenid king77

Esses versos trazem uma parte do sonho premonitoacuterio de Clitemnetra que tambeacutem aparece

em Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo Esse sonho teria acontecido antes da morte de Clitemnestra

Em Estesiacutecoro ela interpreta a serpente como sendo Agamecircmnon irado pela morte que teve e por

isso ela envia oferendas ao tuacutemulo do rei Desse modo os versos do poeta liacuterico sugerem que

Clitemnestra teria matado o marido como pode se observar a partir do estudo abaixo

This appears from the nature of the dream which terrified the Clytaemnestra of Stesichorus just before the retribution A serpent approached her with gore upon its head and then changed into Agamemnon78 (JEBB 1894 seccedilatildeo 6)

Jaacute o mesmo episoacutedio do sonho nas Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo eacute relatado pelo Coro

em diaacutelogo com Orestes mas ambos interpretam o sonho como sendo Orestes a cobra que

Clitemenestra tem nos braccedilos Essa interpretaccedilatildeo diverge da interpretaccedilatildeo sugerida a partir dos

fragmentos de Estesiacutecoro

Acerca de Agamecircmnon nos fragmentos de Estesiacutecoro soacute pode se suscitar que ele foi morto

pelas matildeos de sua esposa ao se tentar reconstituir os dois versos mencionados do poema Oresteia

E para escrever esse poema Estesiacutecoro talvez tenha se utilizado dos poemas de Homero e Hesiacuteodo

como pode se observar no Comentaacuterio do Papiro (POxy 2506 fr26 col ii apud CAMPBELL 2001

p 130-131)

Στη]σίχορος ἐχρήσατ[ο διη-γήμασιν τῶν τε ἄλλ[ων ποι-ητῶν οἱ πλείονες τ[μαις ταῖς τούτου με[Ὅμηρον κα[ὶ] Ἡσίοδον [μᾶλλ[ον] Στησιχο[ρ][

76 Todas as indicaccedilotildees citadas e os fragmentos encontram-se em CAMPBELL 2001 p127-13377 E parecia-lhe que uma serpente veio o topo de sua cabeccedila manchada de sangue e com isso surgiu um rei Pliacutestenes78 Isso aparece a partir da natureza do sonho que aterrorizou a Clitemnestra de Estesiacutecoro pouco antes da retribuiccedilatildeo

Uma serpente se aproximou dela com sangue em cima de sua cabeccedila e depois mudou para Agamecircmnon

46

φων[]

Stesichorus used narratives (of Homer and Hesiodo) and most of the other poets used his material for after Homer and Hesiodo they agree above all with Stesichorus79

Apesar de haver apenas fragmentos dos poemas de Estesiacutecoro pode-se deduzir que a

Oresteia dele assim como os poemas de outros poetas contemporacircneos a ele foram influenciados

pelos textos de Homero e Hesiacuteodo e influenciaram os poetas posteriores como mostra a citaccedilatildeo

anterior

Depois da Oresteia de Estesiacutecoro parte do mito de Agamecircmnon eacute narrada no poema Piacutetica

XI de Piacutendaro datado de entre 474-454 aC Esse poema foi composto para um tebano o vencedor

Trasideo Encontra-se na Piacutetica XI (v16-37) assim o mito do rei de Argos

νικῶν ξένου Λάκωνος Ὀρέστατὸν δὴ φονευομένου πατρὸς Ἀρσινόα Κλυταιμήστραςχειρῶν ὕπο κρατερᾶνἐκ δόλου τροφὸς ἄνελε δυσπενθέοςὁπότε Δαρδανίδα κόραν ΠριάμουΚασσάνδραν πολιῷ χαλκῷ σὺν Ἀγαμεμνονίᾳψυχᾷ πόρευ Ἀχέροντος ἀκτὰν παρ εὔσκιοννηλὴς γυνά πότερόν νιν ἄρ Ἰφιγένει ἐπ Εὐρίπῳσφαχθεῖσα τῆλε πάτραςἔκνισεν βαρυπάλαμον ὄρσαι χόλονἢ ἑτέρῳ λέχεϊ δαμαζομένανἔννυχοι πάραγον κοῖται τὸ δὲ νέαις ἀλόχοιςἔχθιστον ἀμπλάκιον καλύψαι τ ἀμάχανονἀλλοτρίαισι γλώσσαιςκακολόγοι δὲ πολῖταιἴσχει τε γὰρ ὄλβος οὐ μείονα φθόνονὁ δὲ χαμηλὰ πνέων ἄφαντον βρέμειθάνεν μὲν αὐτὸς ἥρως Ἀτρεΐδαςἵκων χρόνῳ κλυταῖς ἐν ἈμύκλαιςΓ΄μάντιν τ ὄλεσσε κόραν ἐπεὶ ἀμφ Ἑλένᾳ πυρωθένταςΤρώων ἔλυσε δόμουςἁβρότατος ὁ δ ἄρα γέροντα ξένονΣτροφίον ἐξίκετο νέα κεφαλάΠαρνασσοῦ πόδα ναίοντ ἀλλὰ χρονίῳ σὺν Ἄρειπέφνεν τε ματέρα θῆκέ τ Αἴγισθον ἐν φοναῖς (Pin Pit XI v 16-37)

o amigo do lacoacutenico Orestes Arsiacuteone sua ama arrancou-o do amargo engano logo que seu pai foi assassinado agraves matildeos violentas de Clitemnestra quando esta impiedosa mulher jogou Cassandra filha de Priacuteamo o Dardacircnida juntamente com a alma de Agameacutemnon para a margem sombria de aqueronte com o accedilo cinzento Teraacute sido Ifigeacutenia chacinada em Euripo longe da paacutetria quem a levou a erguer a matildeo pesada do rancor Ou teraacute sido dominada numa cama anoacutenima e as noites de

79 Estesiacutecoro usou narrativas (de Homero e Hesiacuteodo) e muitos outros poetas usaram esse material porque depois de Homero e Hesiacuteodo eles concordam acima de tudo com Estesiacutecoro

47

sexo desviaram-na do seu caminho Este eacute o erro mais odioso das jovens esposas e eacute impossiacutevel de esconder porque os outros iratildeo contaacute-lo Os cidadatildeos falam mal uns dos outros porque toda a becircnccedilatildeo traz consigo uma natildeo menor inveja mas quem respira junto ao chatildeo geme sem ser visto Foi assim que morreu o heroacuteico filho de Atreuquando finalmente regressou agrave famosa Amiclas e destruiu a rapariga das profecias ao acabar com o luxo na casa dos troianos e pocircr-lhes fogo por causa de Helena Orestes a jovem crianccedila foi para junto do velho Estroacutefio amigo da famiacutelia que vivia no sopeacute de Parnasso Por fim com a ajuda de Ares matou a matildee e afogou Egisto numa mar de sangue 80

Como se pode observar no trecho do poema eacute mencionada a morte de Agamecircmnon e a de

Cassandra causada por Clitemnestra depois se verificam os questionamentos sobre os motivos que

levaram Clitemnestra a matar o rei e finaliza com a vinganccedila de Orestes ao matar a matildee e o

amante dela O foco desse poema eacute concedido agrave Clitemenestra que matou o rei e a maior parte da

referecircncia miacutetica expotildee os questionamentos da rainha

33 A tradiccedilatildeo traacutegica Agamecircmnon de Eacutesquilo

Apoacutes a tradiccedilatildeo liacuterica tem-se notiacutecia do mito de Agamecircmnon por meio da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo datada de 458 aC Essa trageacutedia foi encenada juntamente com outras duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo compondo assim uma trilogia intitulada Oresteia A

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute a primeira peccedila da trilogia que narra a morte do rei Agamecircmnon

viacutetima de um plano de vinganccedila da sua esposa e do amante dela ao retornar agrave sua paacutetria

A peccedila eacute composta por partes dialogadas (episoacutedios) e por partes cantadas (estaacutesimos ndash

cantos corais) O enredo da trageacutedia se inicia com um proacutelogo recitado pelo Vigia que aguarda os

sinais do fim da guerra de Troia Ele apresenta o palaacutecio dos Atridas e Clitemnestra que espera o

retorno do marido (Ag v1-39) No primeiro episoacutedio Clitemnestra anuncia a destruiccedilatildeo de Troia

mesmo que o mensageiro ainda natildeo tenha chegado ao palaacutecio (Ag v267) Segundo ela os fachos

de fogo mostram que Troia foi tomada pelos gregos (Ag v281-316) No segundo episoacutedio o

Arauto chega ao palaacutecio e narra a gloacuteria dos gregos em Troia Comeccedila o seu relato falando dos

feitos guerreiros de Agamecircmnon e anuncia que o rei estaacute para chegar

δέξασθε κόσμῳ βασιλέα πολλῷ χρόνῳ

80 Todas as traduccedilotildees do poema Piacutetica XI de Piacutendaro presentes nesse texto satildeo de Antoacutenio de Castro Caeiro conforme a seguinte referecircncia PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

48

ἥκει γὰρ ὑμῖν φῶς ἐν εὐφρόνῃ φέρωνκαὶ τοῖσδ ἅπασι κοινὸν Ἀγαμέμνων ἄναξἀλλ εὖ νιν ἀσπάσασθε καὶ γὰρ οὖν πρέπειΤροίαν κατασκάψαντα τοῦ δικηφόρουΔιὸς μακέλλῃ τῇ κατείργασται πέδον (Ag v521-526)

Recebei em ordem o rei passado tempoe a todos esses luz comum rei AgamecircmnonEia bem o saudai pois assim conveacutemele revolveu Troia com a enxada de Zeus portador de justiccedila lavrado estaacute o solo81

ἄναξ Ἀτρείδης πρέσβυς εὐδαίμων ἀνήρ ἥκει τίεσθαι δ ἀξιώτατος βροτῶντῶν νῦν (Ag v530-532)

O rei Atrida secircnior e com bons Numesvem Honrai o mais digno dos mortaisde hoje

Depois o Arauto continua lembrando os males vividos durante a guerra (Ag v551-566) e

rememora a vitoacuteria dos gregos (Ag v577-579) Sob a indagaccedilatildeo do Coro sobre o destino de

Menelau o Arauto relata a tempestade no mar que ocasionou o naufraacutegio de vaacuterias naus Por causa

disso as naus do marido de Helena teriam desaparecido (Ag v636-680) No terceiro episoacutedio o

Coro anuncia a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio dos Atridas

ἄγε δή βασιλεῦ Τροίας πτολίπορθἈτρέως γένεθλονπῶς σε προσείπω πῶς σε σεβίξωμήθ ὑπεράρας μήθ ὑποκάμψαςκαιρὸν χάριτος (Ag v783-787)

Eia oacute rei devastador de Troiaprogecircnie de Atreucomo te saudar como te venerarnatildeo excedendo nem faltandoagrave medida do benefiacutecio

Agamecircmnon louva os deuses pela destruiccedilatildeo de Troia e pelo seu retorno satildeo e salvo agrave paacutetria

(Ag v810-813) Logo Clitemnestra lamenta o tempo que o marido ficou ausente e lembra os

rumores ouvidos por ela acerca da rotina guerreira do cocircnjuge (Ag v855-913) E para receber

Agamecircmnon Clitemnestra prepara as honras devidas a ele natildeo permitindo que o marido pise o

chatildeo descoberto

νῦν δέ μοι φίλον κάρα81 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

49

ἔκβαιν ἀπήνης τῆσδε μὴ χαμαὶ τιθεὶςτὸν σὸν πόδ ὦναξ Ἰλίου πορθήτορα (Ag v905-907)

Agora oacute cabeccedila querida desce desse carro sem pocircr no chatildeoo teu peacute devastador de Iacutelion oacute rei

Por causa disso Agamecircmnon pede agrave esposa honras dignas de um homem e natildeo de um deus

mas Clitemnestra tenta convencecirc-lo de sua gloacuteria Logo Agamecircmnon pede agrave rainha que acolha

Cassandra a presa de guerra filha de Priacuteamo (Ag v950-952) No quarto episoacutedio Clitemnestra

convida a cativa para entrar no palaacutecio e menciona o banquete que estaacute sendo preparado para

festejar o retorno do rei Ao adentrar o palaacutecio Cassandra entra em estado de transe (Ag v1072-

1073) Ela vecirc os crimes cometidos dentro da morada dos Atridas Em seguida a profetisa descreve

como aconteceraacute um novo crime

ἰὼ τάλαινα τόδε γὰρ τελεῖς                   τὸν ὁμοδέμνιον πόσινλουτροῖσι φαιδρύνασα - πῶς φράσω τέλοςτάχος γὰρ τόδ ἔσται προτείνει δὲ χεὶρ ἐκχερὸς ὀρεγομένα (Ag v1107-1111)

Ioacute Miacutesera isto faraacutes Ao lavares no banhoo teu marido ndash como direi o fatoLogo isto seraacute ela estende a matildeo apoacutes matildeo alcanccedilando

ἦ δίκτυόν τί γ Ἅιδουἀλλ ἄρκυς ἡ ξύνευνος ἡ ξυναιτίαφόνου (Ag v1115-1117)

Eacute um laccedilo de HadesMas a rede eacute o seu cocircnjuge co-autora do massacre

ἆ ἆ ἰδοὺ ἰδού ἄπεχε τῆς βοὸς                   τὸν ταῦρον ἐν πέπλοισινμελαγκέρῳ λαβοῦσα μηχανήματιτύπτει πίτνει δ lsaquoἐνrsaquo ἐνύδρῳ τεύχειδολοφόνου λέβητος τύχαν σοι λέγω (Ag v1125-1129)

Acirc acirc Olha olha Potildee longe de vacao touro Na tuacutenica com negricoacuternio ardil ela captura e feree ele tomba na banheira cheia daacutegua

Aleacutem de anuciar um proacuteximo crime Cassandra prenuncia a sua proacutepria morte (Ag v1258-

1260) Ela tambeacutem lembra o castigo que recebeu de Apolo E menciona a traiccedilatildeo de Clitemnestra e

50

Egisto

ἐκ τῶνδε ποινάς φημι βουλεύειν τινάλέοντ ἄναλκιν ἐν λέχει στρωφώμενονοἰκουρόν οἴμοι τῷ μολόντι δεσπότῃ -ἐμῷ φέρειν γὰρ χρὴ τὸ δούλιον ζυγόννεῶν τ ἄπαρχος Ἰλίου τ ἀναστάτηςοὐκ οἶδεν οἵα γλῶσσα μισητῆς κυνὸςλείξασα κἀκτείνασα φαιδρὸν οὖς δίκηνἄτης λαθραίου τεύξεται κακῇ τύχῃτοιάδε τόλμα θῆλυς ἄρσενος φονεύς (Ag v1223-1231)

Digo que trama puniccedilatildeo por isto um leatildeo covarde a rolar no leito caseiro contra o receacutem-vindo senhor meu pois devo suportar o julgo servil O capitatildeo de navios e destruidor de Iacutelion natildeo conhece que liacutengua de odiosa cadela a falar e a esticar escusa alegremente lograraacute latente dano com maligna sorte Tal eacute a ousadia fecircmea mata macho

Ἀγαμέμνονός σέ φημ ἐπόψεσθαι μόρον (Ag v1246)

Digo que veraacutes a morte de Agamecircmnon

Apoacutes a profetizaccedilatildeo de Cassandra Agamecircmnon soacute voltaraacute agrave cena no final do quarto

estaacutesimo (diaacutelogo dos coreutas) gritando por estar sendo golpeado como se vecirc nos versos

Αγ ὤμοι πέπληγμαι καιρίαν πληγὴν ἔσωΧο σῖγα τίς πληγὴν ἀυτεῖ καιρίως οὐτασμένοςΑγ ὤμοι μάλ αὖθις δευτέραν πεπληγμένος (Ag v1343-1345)

Agamecircmnon Oacutemoi Um golpe certeiro golpeou-me dentroCoro Silecircncio Quem grita ferido de golpe certeiroAgamecircmnon Oacutemoi Outra vez outro golpe me atingiu

No quinto episoacutedio Clitemnestra relata a morte do marido Ela descreve o assassiacutenio

cometido por ela mesma

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσών

51

κἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostrado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

Depois de narrar a morte do rei Clitemnestra tenta justificar o seu ato criminoso dizendo

que Agamecircmnon sacrificou Ifigecircnia filha do casal para que as tropas gregas tivessem ventos

favoraacuteveis para conseguir navegar rumo a Troia dizendo que ela foi ultrajada pelo marido pois ele

tinha muitas concubinas dentre elas Criseida e Cassandra e por causa disso a rainha tambeacutem mata

a profetisa Por fim o Coro reclama as honras funeacutebres ao morto e Clitemnestra afirma que cuidaraacute

disso

No uacutetimo episoacutedio aparece Egisto lembrando os crimes sofridos por seu pai e se sente

vingado com a morte de Agamecircmnon (Ag v1577-1611) Ele fala que tramou o crime mas a

execuccedilatildeo foi feita por Clitemnestra O Coro alerta para uma futura vinganccedila de Orestes mas o casal

de amantes natildeo se importa

Na trageacutedia de Eacutesquilo a personagem Agamecircmnon participa pouco da peccedila Ele apenas

aparece no terceiro episoacutedio ao retornar da guerra e se mostra um homem religioso e vitorioso

Embora Clitemnestra o tente divinizar o rei demonstra modeacutestia na comemoraccedilatildeo da vitoacuteria E

mais adiante ouve-se os gritos de dor do rei ao ser apunhalado ele jaacute natildeo estaacute mais em cena

Agamecircmnon foi assassinado por sua esposa e ela mesma nos conta como o matou Nessa trageacutedia

Agamecircmnon passa de rei vitorioso para rei morto pelas matildeos de uma mulher

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides de Eacutesquilo

peccedilas que compotildeem juntamente com Agamecircmnon a trilogia intitulada Oresteia As trecircs trageacutedias

foram encenadas todas no mesmo dia e as duas uacuteltimas datildeo continuidade ao mito encenado tendo

como objeto a morte de Agamecircmnon Nas Coeacuteforas Electra e Orestes vingam a morte do pai

52

matando a proacutepria matildee e Egisto No primeiro episoacutedio Electra diante do tuacutemulo do pai lamenta a

sua morte

ἢ σῖγ ἀτίμως ὥσπερ οὖν ἀπώλετοπατήρ τάδ ἐκχέασα γάποτον χύσινστείχω καθάρμαθ ὥς τις ἐκπέμψας πάλινδικοῦσα τεῦχος ἀστρόφοισιν ὄμμασιν (Es Coe v94-97)

Ou em silecircncio sem honra como pereceuo pai verter esta vertente poccedilatildeo da terrae retornar como quem despediu imundiacuteciesao lanccedilar a urna sem voltar os olhos82

Mais adiante Orestes ao conversar com Electra tambeacutem lembra a morte do pai

αἰετοῦ πατρόςθανόντος ἐν πλεκταῖσι καὶ σπειράμασινδεινῆς ἐχίδνης (Es Coe v247-249)

quando o paimorreu nos enlances e nas espiraisde medonha viacutebora

E nos uacuteltimos versos da trageacutedia o Coro lembra a morte do rei como mais um dos crimes

ocorridos no palaacutecio dos Atridas como se verifica nos versos abaixo

δεύτερον ἀνδρὸς βασίλεια πάθηλουτροδάικτος δ ὤλετ Ἀχαιῶνπολέμαρχος ἀνήρ (Es Coe v1070-1072)

Depois a morte do marido trucidado no banho pereceuo rei guerreiro dos aqueus

Nas Eumecircnides Orestes eacute julgado por ter matado a proacutepria matildee para vingar a morte de

Agamecircmnon Orestes lembra como aconteceu o assassinato do rei no terceiro episoacutedio

Ἀγαμέμνον ἀνδρῶν ναυβατῶν ἁρμόστοραξὺν ᾧ σὺ Τροίαν ἄπολιν Ἰλίου πόλινἔθηκας ἔφθιθ οὗτος οὐ καλῶς μολὼνεἰς οἶκον ἀλλά νιν κελαινόφρων ἐμὴμήτηρ κατέκτα ποικίλοις ἀγρεύμασικρύψασ ἃ λουτρῶν ἐξεμαρτύρει φόνον (Es Eu v456-461)

Agamecircmnon o comandante da esquadra82 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Coeacuteforas de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Coeacuteforas Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

53

com que fizeste sem forte o forte de IacutelionEle sucumbiu sem nobreza ao chegarem casa minha matildee de coraccedilatildeo negromatou-o envolto em astuto veacuteutestemunho do massacre no banho83

No proacuteximo episoacutedio Apolo tambeacutem lembra como foi a morte de Agamecircmnon ao tentar

defender Orestes da acusaccedilatildeo de matriciacutedio

οὐ γάρ τι ταὐτὸν ἄνδρα γενναῖον θανεῖνδιοσδότοις σκήπτροισι τιμαλφούμενονκαὶ ταῦτα πρὸς γυναικός οὔ τι θουρίοιςτόξοις ἑκηβόλοισιν ὥστ Ἀμαζόνοςἀλλ ὡς ἀκούσῃ Παλλάς οἵ τ ἐφήμενοιψήφῳ διαιρεῖν τοῦδε πράγματος πέριἀπὸ στρατείας γάρ νιν ἠμποληκότατὰ πλεῖστ ἄμεινον εὔφροσιν δεδεγμένη                                   δροίτῃ περῶντι λουτρὰ κἀπὶ τέρματιφᾶρος περεσκήνωσεν ἐν δ ἀτέρμονικόπτει πεδήσασ ἄνδρα δαιδάλῳ πέπλῳἀνδρὸς μὲν ὑμῖν οὗτος εἴρηται μόροςτοῦ παντοσέμνου τοῦ στρατηλάτου νεῶν (Es Eu v 625-637)

Natildeo eacute o mesmo o varatildeo nobre ser mortohonrado com cetro outorgado por Zeuse morto por mulher natildeo como furioso arco longemitente como de Amazonamas como ouviraacutes Palas e voacutes ao ladoque no voto decidireis esta questatildeoNa guerra o mais das vezes prosperoue na volta ela o recebeu com beneacutevolas palavras ofereceu banhos quentesem banheira de prata e ao terminarrecobriu-o com manto e no inteacuterminoaacuterduo manto prende e golpeia o varatildeoEsta morte vos eacute contada do varatildeovenerado por todos chefe da armada

Assim nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides a parte do mito de Agamecircmnon mencionada eacute a

morte contada por vaacuterios personagens das duas trageacutedias e principalmente pelos filhos do rei As

duas trageacutedias mostram os mesmos detalhes referentes agrave morte do rei apresentados em Agamecircmnon

como o banho mortal o uso do manto para imobilizar a viacutetima e o assassiacutenio cometido por

Clitemnestra Essa unidade acerca da morte de Agamecircmnon eacute mantida nas trecircs trageacutedias da

Oresteia demonstrando a uniformidade e coerecircncia do tragedioacutegrafo E ao apresentar as duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides buscou-se mostrar com mais evidecircncia como Eacutesquilo construiu a

83 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Eumecircnides de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Eumecircnides Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

54

morte de Agamecircmnon

34 A recepccedilatildeo no Agamecircmnon de Eacutesquilo

Diante das referecircncias sobre o mito de Agamecircmnon pretende-se mostrar como Eacutesquilo

construiu a sua personagem Natildeo seratildeo utilizados os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro

pois esses natildeo contecircm informaccedilotildees significativas para essa pesquisa Assim esse capiacutetulo se deteraacute

no mito de Agamecircmnon presente nos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia nos versos dos Cantos

Ciacuteprios e dos Retornos na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e se necessaacuterio nas Coeacuteforas e nas

Eumecircnides

Embora natildeo se vaacute utilizar os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro o proacuteprio tiacutetulo

do poema jaacute sugere uma ideia diferente do mito de Agamecircmnon da ideia anteriormente apresentada

por Homero E como jaacute foi mencionado antes de Estesiacutecoro jaacute havia uma versatildeo da Oresteia

composta por Xanto pela qual se mostra a importacircncia do mito naquela eacutepoca e a sua recriaccedilatildeo

Assim como Estesiacutecoro e Xanto Eacutesquilo compocircs uma Oresteia soacute que se utilizou do gecircnero

dramaacutetico e esse nome foi dado ao tiacutetulo de uma trilogia como jaacute foi citado anteriormente e natildeo a

um uacutenico poema Como base nas poucas informaccedilotildees acerca do poema de Estesiacutecoro pode-se supor

que a ideia de criar um poema que contemple a morte de Agamecircmnon seria uma influecircncia dos

poemas liacutericos na trageacutedia de Eacutesquilo mesmo que natildeo se saiba ateacute que ponto o tragedioacutegrafo foi

influenciado Poreacutem se sabe que o fragmento do poema Oresteia de Estesiacutecoro sobre o sonho de

Clitemnestra jaacute mencionado anteriormente foi reconstituiacutedo a partir das Coeacuteforas de Eacutesquilo Essa

cena soacute aparece na versatildeo esquiliana da encenaccedilatildeo do assassiacutenio de Clitemnestra natildeo estando

presente nem na Electra de Soacutefocles nem na Electra de Euriacutepides que abordam a mesma parte do

mito o matriciacutedio perpretado por Electra e Orestes Contudo esse fato pode anunciar uma

aproximaccedilatildeo entre o poema liacuterico de Estesiacutecoro e a poesia traacutegica de Eacutesquilo pois esta eacute a uacutenica a

manter o sonho no enredo

Os textos a serem analisados pertencem a princiacutepio a gecircneros distintos dois satildeo poemas

eacutepicos Iliacuteada e Odisseia e um eacute trageacutedia Agamecircmnon A diferenciaccedilatildeo de gecircnero jaacute permite uma

visatildeo diferente da personagem estudada embora sejam ambas imitaccedilatildeo de homens superiores como

se vecirc na Poeacutetica84 (1449b 9-10) de Aristoacuteteles A poesia eacutepica grega possui um caraacuteter coletivo

moral poliacutetico e histoacuterico (HAVELOCK 1996 p276) Diante disso o Agamecircmnon homeacuterico seraacute

construiacutedo principalmente com essas caracteriacutesticas Na Iliacuteada Agamecircmnon eacute o chefe das tropas 84 ἡ μὲν οὖν ἐποποιία τῇ τραγῳδίᾳ μέχρι μὲν τοῦ μετὰ μέτρου λόγῳ μίμησις εἶναι σπουδαίων

ἠκολούθησενmiddot (A Epopeia e a Trageacutedia concordam somente em serem ambas imitaccedilatildeo de homens superiores em verso)

55

gregas e o chefe dos homens Ele aparece como um ser supremo e mais valoroso do que os outros

guerreiros Por meio dos epiacutetetos percebe-se o valor do rei de Argos como jaacute foi mostrado

anteriormente Jaacute na Odisseia Agamecircmnon aparece na lembranccedila das personagens poreacutem natildeo mais

como um heroacutei mas sim como um homem de morte vergonhosa Ele surge duas vezes no poema

como uma alma do Hades que lamenta ter tido uma morte sem gloacuteria Embora as duas epopeias

homeacutericas tenham a mesma proposta diante da sociedade grega a personagem Agamecircmnon eacute

mostrada de maneira distinta na Iliacuteada um chefe glorioso e na Odisseia um homem desditoso

Com isso pode-se dizer que a trageacutedia de Eacutesquilo quer mostrar essa passagem do rei Agamecircmnon

de chefe glorioso a um homem desditoso ou seja do triunfo presente na Iliacuteada agrave derrocada presente

na Odisseia Essa mudanccedila eacute proacutepria da trageacutedia como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1451a 13-

16)

ὡς δὲ ἁπλῶς διορίσαντας εἰπεῖν ἐν ὅσῳ μεγέθει κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον ἐφεξῆς γιγνομένων συμβαίνει εἰς εὐτυχίαν ἐκ δυστυχίας ἢ ἐξ εὐτυχίας εἰς δυστυχίαν μεταβάλλειν ἱκανὸς ὅρος ἐστὶν τοῦ μεγέθους

Dando uma definiccedilatildeo mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Trageacutedia eacute o que permite que nas accedilotildees uma apoacutes outra sucedidas conformemente agrave verossimilhanccedila e agrave necessidade se decirc o transe da infelicidade agrave felicidade ou da felicidade agrave infelicidade

Entatildeo essa mudanccedila na trageacutedia Agamecircmnon pode ser concebida como uma junccedilatildeo das duas

personagens Agamecircmnon da poesia homeacuterica que na Iliacuteada eacute glorioso e na Odisseia desditoso Eacute

essa mudanccedila do heroacutei ao homem comum que alimenta a trageacutedia Esse fato liga a audiecircncia agrave

personagem pois a humanizaccedilatildeo do heroacutei o aproxima da realidade local

Eacutesquilo assim como os outros tragedioacutegrafos do seacutec V vai compor suas trageacutedias com base

nos mitos e ao escolher o mito de Agamecircmnon utilizou-se provavelmente das fontes homeacutericas

como afirma Serrano (2003 p119) ldquoEsquilo ha conseguido perfiacutelar la grandeza de un

personaje directamente heredado de la eacutepica homeacutericardquo85 Para Havelock (1996 p275) o drama

aacutetico eacute como se fosse uma extensatildeo dos poemas eacutepicos ele conserva o caraacuteter didaacutetico mas tem

uma identidade particular Dentro dessa identidade particular a personagem Agamecircmnon de

Eacutesquilo diferencia-se das personagens homocircnimas da poesia homeacuterica mas tambeacutem se assemelha

em algumas caracteriacutesticas

No Agamecircmnon de Eacutesquilo encontram-se nuanccedilas da personagem homocircnima da Iliacuteada de

Homero em alguns versos como quando o Coro no paacuterodo anapeacutestico menciona quem eram os

chefes gregos

85 Eacutesquilo conseguiu perfilar a grandeza de um personagem diretamente herdado da eacutepica homeacuterica

56

Μενέλαος ἄναξ ἠδ Ἀγαμέμνωνδιθρόνου Διόθεν καὶ δισκήπτρουτιμῆς ὀχυρὸν ζεῦγος Ἀτρειδᾶν (Es Ag v42-44)

o rei Menelau e Agamecircmnonestrecircnuo par de Atridas honradopor Zeus com dois tronos e dois cetros

Ainda no paacuterodo liacuterico o Coro mais uma vez lembra a dupla de Atridas e seu poder

κεδνὸς δὲ στρατόμαντις ἰδὼν δύο λήμασι δισσοὺς                  Ἀτρεΐδας μαχίμους ἐδάη λαγοδαίταςπομπούς τ ἀρχάς (Es Ag v123-125)

dois Atridasde dupla iacutendole belicosos vorazes de lebrecondutores do impeacuterio

A mesma referecircncia de Eacutesquilo mostrada nos exemplos acima a Agamecircmnon como Atrida

junto com o seu irmatildeo Menelau aparece algumas vezes na Iliacuteada de Homero como nos versos

Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ Μενελάῳ86 (Il VII v374) δ Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ

Μενελάῳ87 (Il VII v470) pois na Iliacuteada eacute mais frequente a presenccedila de Agamecircmnon Atrida

dissociada da presenccedila do irmatildeo o epiacuteteto Atrida eacute utilizado para os dois reis quer estejam soacutes ou

em par Isso pode mostrar que no poema eacutepico Agamecircmnon ao aparecer inuacutemeras vezes sozinho

eacute mais forte e valoroso do que a personagem homocircnima da trageacutedia que aparece em par com o

irmatildeo

No primeiro exemplo de Eacutesquilo Agamecircmnon e Menelau aparecem como honrados por

Zeus (Διόθεν) o mesmo viacutenculo divino estaacute presente na Iliacuteada como nos versos seguintes

Ἀγαμέμνονα δῖον88 (Il IV v223) e Ἀγαμέμνονι δίῳ89(Il XVIII v257) Mais uma vez o

adjetivo atribuiacutedo ao rei na poesia eacutepica eacute compartilhado com o irmatildeo na poesia traacutegica designando

um menor valor da personagem da peccedila

Na trageacutedia quando o Arauto chega ao palaacutecio dos Atridas ele anuncia a chegada de

Agamecircmnon e o chama de rei (monarca) ndash βασιλέα (Ag v521) e de rei (chefe) ndash ἄναξ (Ag

v523 e 530) Os dois adjetivos tambeacutem qualificam Agamecircmnon na Iliacuteada como rei (monarca)

86 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)87 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)88 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)89 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

57

αἰδομένω βασιλῆα90 (Il I v331) e τοῦ βασιλῆος ἀπηνέος91 (Il I v340) e como rei (chefe)

ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων92 (Il III v267) e ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων93 (Il XI v254)

Mais adiante na trageacutedia esquiliana o Coro no iniacutecio do terceiro episoacutedio tambeacutem chama

Agamecircmnon de βασιλεῦ assim como o Arauto mencionou nos versos anteriores E por fim

Agamecircmnon soacute seraacute novamente lembrado como rei (monarca) no canto de lamentaccedilatildeo do Coro

apoacutes a morte dele no verso ἰὼ ἰὼ βασιλεῦ βασιλεῦ94 (Ag v1489 e 1513) Na Iliacuteada tambeacutem

encontra-se outro adjetivo para qualificar o rei como chefe poderoso em κρείων Ἀγαμέμνων95

(IV v204 e 311) esse adjetivo natildeo foi encontrado na trageacutedia de Eacutesquilo talvez porque a

indumentaacuteria do ator eou a sua performance jaacute indicassem a audiecircncia o poder e a forccedila de

Agamecircmnon como se pode verificar na qualificaccedilatildeo do rei a partir das palavras de Clitemnestra

λέγοιμ ἂν ἄνδρα τόνδε τῶν σταθμῶν κύνασωτῆρα ναὸς πρότονον ὑψηλῆς στέγηςστῦλον ποδήρη μονογενὲς τέκνον πατρίκαὶ γῆν φανεῖσαν ναυτίλοις παρ ἐλπίδακάλλιστον ἦμαρ εἰσιδεῖν ἐκ χείματοςὁδοιπόρῳ διψῶντι πηγαῖον ῥέοςτερπνὸν δὲ τἀναγκαῖον ἐκφυγεῖν ἅπαν (Ag v896-902)

eu diria este homem catildeo do estaacutebulo salvador cabo do navio coluna firmado alto teto filho uacutenico para o pai terra agrave vista para marujos inesperadasereno dia a contemplar apoacutes tormentaaacutegua da fonte para o sedento viajor prazeroso escapar a toda coerccedilatildeo

Agamecircmnon natildeo aparece na trageacutedia soacute como rei mas tambeacutem como um homem religioso e

temente aos deuses Ele mesmo tenta passar essa imagem

πρῶτον μὲν Ἄργος καὶ θεοὺς ἐγχωρίουςδίκη προσειπεῖν τοὺς ἐμοὶ μεταιτίους (Ag v810-811)

Primeiro Argos e os Deuses regionaiseacute justo saudar

τούτων θεοῖσι χρὴ πολύμνηστον χάριντίνειν ἐπείπερ χἀρπαγὰς ὑπερκόπους (Ag v821-822)

90 Mostrando respeito ao rei (traduccedilatildeo nossa)91 O hodiendo rei (traduccedilatildeo nossa)92 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nosso)93 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)94 Ioacute ioacute rei rei (traduccedilatildeo nossa)95 O poderoso Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

58

Por isto eacute preciso dar mecircmores graccedilasaos Deuses muitas

νῦν δ ἐς μέλαθρα καὶ δόμους ἐφεστίουςἐλθὼν θεοῖσι πρῶτα δεξιώσομαιοἵπερ πρόσω πέμψαντες ἤγαγον πάλιν (Ag v851-853)

Agora ao palaacutecio e morada de Heacutestia irei e saudarei primeiro os Deusesque me enviaram e reconduziram

Jaacute na Iliacuteada Agamecircmnon aparece exercendo o papel religioso na funccedilatildeo de chefe das tropas

gregas como quando Zeus lhe envia um sonho enganador para que os gregos voltassem ao

combate entatildeo diante disso Agamecircmnon faz uma oferenda a Zeus no canto II (v402-403) e ao

presidir os funerais de Paacutetroclo no canto XXIII (v49-53) Mas tambeacutem Agamecircmnon como chefe

das tropas gregas escuta a previsatildeo de Calcante sobre a peste que assola o acampamento grego e

segue o conselho do adivinho no canto I (v68-120) E no Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem se

encontra uma previsatildeo de Calcante acerca do destino dos Atridas na guerra de Troia no paacuterodo

liacuterico (v114-159) nessa peccedila natildeo fica claro a recepccedilatildeo do prenuncio

Aleacutem disso o Agamecircmnon traacutegico tem medo de comparar-se aos deuses e ser punido por

isso mas mesmo assim Clitemnestra o conduz para essa desmedida quando manda estender um

tapete puacuterpuro para o rei entrar no palaacutecio Ele aceita a opulecircncia oferecida pela esposa

ἀλλ εἰ δοκεῖ σοι ταῦθ ὑπαί τις ἀρβύλαςλύοι τάχος πρόδουλον ἔμβασιν ποδόςκαὶ τοῖσδέ μ ἐμβαίνονθ ἁλουργέσιν θεῶνμή τις πρόσωθεν ὄμματος βάλοι φθόνοςπολλὴ γὰρ αἰδὼς δωματοφθορεῖν ποσὶνφύροντα πλοῦτον ἀργυρωνήτους θ ὑφάς

Se isto te agrada descalce-me logoos sapatos servis anteparos dos peacutes e ao pisar nestas puacuterpuras dos Deusesnatildeo me atinja de longe a inveja do olhoGrande eacute o pudor de arruinar o palaacuteciopisando opulecircncia e tecidos preciosos (Ag v944-949)

A trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem vai se influenciar pela Odisseia de Homero E a

primeira influecircncia jaacute aparece no proacutelogo recitado por um Vigia um servo que mandado por

Clitemnestra aguarda os sinais do retorno do rei

καὶ νῦν φυλάσσω λαμπάδος τὸ σύμβολοναὐγὴν πυρὸς φέρουσαν ἐκ Τροίας φάτινἁλώσιμόν τε βάξιν ὧδε γὰρ κρατεῖ

59

γυναικὸς ἀνδρόβουλον ἐλπίζον κέαρ (Es Ag v8-11)

Agora aguardo o sinal do lampejoa luz do fogo a trazer voz de Troiae notiacutecia da captura tal eacute o poderdo viril coraccedilatildeo expectante da mulher

A mesma personagem tambeacutem aparece na Odisseia no canto IV (v526-527) quando

Menelau conta a Telecircmaco como foi a recepccedilatildeo de Agamecircmnon em seu palaacutecio Mas o Vigia de

Homero eacute mandado por Egisto e natildeo por Clitemnestra como ocorre na trageacutedia

O principal tema abordado em relaccedilatildeo agraves duas obras eacute a morte de Agamecircmnon Na trageacutedia

grega a morte do rei eacute relatada duas vezes a primeira por meio da previsatildeo de Cassandra e a

segunda quando Clitemnestra conta como matou o marido Jaacute no poema homeacuterico a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada pelas personagens e pelo proacuteprio rei depois de morto no Hades que se

recorda da sua morte ingloriosa E a parte referente agrave previsatildeo da morte do rei feita por Cassandra

na trageacutedia natildeo aparece na Odisseia Nesse poema eacutepico Cassandra aparece quando Agamecircmnon

ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra matou a consorte perto de seu corpo (XI

v422-423) A referecircncia agrave morte de Cassandra tambeacutem surge na Piacutetica XI de Piacutendaro ao mencionar

que Cassandra vai para o Hades com Agamecircmnon (v30-31) e na peccedila de Eacutesquilo quando

Clitemnestra anuncia que matou a profetisa (Ag v1440-1441) Assim como a morte do rei

Cassandra tambeacutem prevecirc a sua morte (Ag v1258-1260) Na trageacutedia a previsatildeo de Cassandra

acerca da morte do rei tem o papel dramaacutetico de descrever mais minunciosamente como tudo

aconteceraacute como se pode observar nos versos jaacute citados anteriormente e preparar a audiecircncia para

o que estaacute por vir A Cassandra como personagem traacutegica representa um momento de transiccedilatildeo A

profetisa aparece em cena para mostrar a mudanccedila traacutegica a passagem do heroacutei da felicidade para a

infelicidade por isso logo apoacutes a sua previsatildeo se daacute a morte do rei Essa caracteriacutestica eacute proacutepria do

estado transitoacuterio vivido por Cassandra que oscila entre o humano (natureza proacutepria) e o divino

(natureza profeacutetica)96

No quinto episoacutedio da trageacutedia Clitemnestra narra como matou o seu marido explica que

usou uma rede para imobilizaacute-lo e o atingiu com trecircs golpes certeiros Essa descriccedilatildeo do assassiacutenio

soacute aparece na trageacutedia natildeo estando presente no poema eacutepico Os detalhes relatados da morte do rei

satildeo essenciais para o teatro porque Agamecircmnon vai morrer por traacutes das ldquocortinasrdquo As mortes na

trageacutedia grega do seacutec V normalmente natildeo eram encenadas mas sim contadas por uma personagem

No momento em que Clitemnestra descreve como matou o rei tem-se o cliacutemax da trageacutedia ao

96 Mais informaccedilotildees acerca de Cassandra em IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80 Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

60

contraacuterio do que acontece na eacutepica na qual natildeo haacute um uacutenico momento importante e sim muitos

Assim a Clitemnestra traacutegica conta como matou o rei

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσώνκἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

A morte de Agamecircmnon na peccedila de Eacutesquilo tem um uacutenico assassino a sua esposa

Clitemnestra como se verifica nos versos acima isso tambeacutem acontece na Piacutetica XI de Piacutendaro na

qual Clitemnestra aleacutem de ser apontada como assassina do marido e de Cassandra tambeacutem aparece

demonstrando os seus questionamentos sobre o assassiacutenio Nesse poema Clitemnestra e os seus

questionamentos tomam a maioria dos versos destinados ao mito do Atrida e a respeito disso afirma

Fialho (2012 p 49) ldquoO fulcro do crime eacute Clitemnestra jaacute longe da tradiccedilatildeo do ciclo eacutepico troiano

e nem sequer a rainha eacute posta a par de Egisto no seu gesto mortiacuteferordquo A forccedila da Clitemnestra

traacutegica a torna capaz de matar sozinha o marido e a coloca no foco do assassiacutenio assim como

ocorre na Clitemnestra de Piacutendaro Aliaacutes a rainha aparece como protagonista da morte do rei a partir

da poesia liacuterica pois nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano ela compartilha

essa culpa com o amante Egisto como assim propotildee Serrano (2003 p106)

61

A partir de la eacutepica se comienza a producir una paulatina inversioacuten de la responsabilidad criminal Estesiacutecoro presenta una heroiacutena maacutes decidida hasta que finalmente en Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra cobra un gran protagonismo se convierte en la ejecutora del crimen (17-22) frente a Egisto que comienza a perder su papel principal en la historia97

Na Odisseia o rei aparece como assassinado pela esposa e pelo amante dela Egisto como

jaacute foi mostrado nas palavras de Atena no canto III (v234-235) e nas palavras do espectro de

Agamecircmnon nos cantos XI (v408-412) e XXIV (v96-97) E no poema Retornos os dois tambeacutem

aparecem como executores dos crimes nos versos jaacute mencionados acima Com isso pode se

deduzir que Eacutesquilo ao escolher o assassino de Agamecircmnon foi influenciado pelo poema liacuterico de

Piacutendaro ao inveacutes dos poemas eacutepicos

Mas mesmo que os assassinos na trageacutedia e no poema eacutepico natildeo sejam os mesmos o autor

do plano de morte do rei foi Egisto e nisso os dois poemas concordam Na trageacutedia assim fala

Egisto

καὶ τοῦδε τἀνδρὸς ἡψάμην θυραῖος ὤνπᾶσαν ξυνάψας μηχανὴν δυσβουλίας (Ag v1608-1609)

e estando fora pus a matildeo neste homemao tramar todo o ardil do conluio

Na Odisseia a descriccedilatildeo do plano de Egisto eacute mais detalhada do que na trageacutedia como se

observa na fala de Menelau mostrando que o poema eacutepico concede um maior destaque ao plano de

vinganccedila e seus executores do que ao rei Agamecircmnon e agrave sua morte pois esse teve uma morte sem

gloacuteria

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara

97 A partir da eacutepica se comeccedila a produzir uma paulatina inversatildeo da responsabilidade criminal Estesiacutecoro apresenta uma heroiacutena mais decidida ateacute que finalmente em Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra desempenha um grande protagonismo torna-se a executora do crime (17-22) frente a Egisto que comeccedila a perder o seu papel principal na histoacuteria

62

natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

Por outro lado essa descriccedilatildeo presente na Odisseia em alguns aspectos se difere da

descriccedilatildeo feita por Clitemnestra em Eacutesquilo como menciona Serrano (2003 p 53)

Ofrece Homero en este pasaje la segunda versioacuten de la muerte del Atrida distinta de la que recogeraacute Esquilo en la Orestiacutea Invitaacutendolo a un banquete Egisto mata a Agamenoacuten y a sus hombres cayendo tambieacuten en la lucha los hombres de Egisto no se nombra a Clitemnestra en niguacuten momento98

As partes referentes ao banquete preparado a Agamecircmnon por Egisto e a morte dos

guerreiros do rei juntamente com ele natildeo aparecem na trageacutedia esquiliana Aleacutem da ausecircncia de

Clitemnestra tatildeo presente na peccedila

Tambeacutem atraveacutes desses versos homeacutericos pode-se perceber que aleacutem de preparar o plano

de vinganccedila Egisto eacute a personagem mais ativa na execuccedilatildeo da morte do rei como afirma Serrano

(2003 p105-106)

En la eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de una importante responsabilidad como artiacutefice del crimen de Agamenoacuten y Clitemnestra aparece en un segundo plano desde el principio habiendo sido seducida y engantildeada por el hijo de Tiestes99

E outro toacutepico relevante eacute a comparaccedilatildeo da morte do rei a um sacrifiacutecio de animais como

foi mencionado nos versos homeacutericos acima que tambeacutem estaacute presente na trageacutedia de Eacutesquilo nas

palavras de Clitemnestra

τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάριν (Es Ag v1386-1387)

oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos

98 Nesta passagem Homero oferece uma segunda versatildeo da morte do Atrida distinta da que fora retirada da Oresteia de Eacutesquilo Convidando-o para um banquete Egisto mata Agamecircmnon e seus homens caindo tambeacutem na luta os homens de Egisto natildeo se nomeia Clitemnestra em nenhum momento

99 Na eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de uma grande responsabilidade como artiacutefice do crime de Agamecircmnon e Clitemnestra aparece em segundo plano desde o iniacutecio tendo sido seduzida e enganada pelo filho de Tiestes

63

Jaacute com relaccedilatildeo agrave morte vergonhosa mencionada na Odisseia ateacute pelo espectro de

Agamecircmnon ela eacute julgada diferentemente pela Clitemnestra de Eacutesquilo

[οὔτ ἀνελεύθερον οἶμαι θάνατοντῷδε γενέσθαι] (Es Ag v1521)

Natildeo creio que teve indigna mortenatildeo eacute injusto ter dolorosa morte

Clitemnestra justifica que a morte de Agamecircmnon natildeo eacute indigna porque ele estaacute pagando

pelos males que fez e assim o considera digno do Hades pois o rei cometeu muitos erros no

passado e por isso deve morrer Somente a Clitemnestra traacutegica julga que a morte do rei eacute digna

dele Na Odisseia natildeo soacute nas palavras do espectro de Agamecircmnon mas tambeacutem na fala das outras

personagens que mencionam a morte do rei encontra-se referecircncia agrave morte vergonhosa de

Agamecircmnon como quando no canto XXIV no Hades Agamecircmnon conversa com Aquiles e esse

lembra os feitos do rei em Troia mas lamenta a morte sem gloacuteria

νῦν δ ἄρα σ οἰκτίστῳ θανάτῳ εἵμαρτο ἁλῶναι (Hom Od XXIV v34)

Mas o destino te havia guardado a mais triste das Mortes

E a mesma ideia de morte vergonhosa tambeacutem estaacute presente nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides

de Eacutesquilo Na primeira trageacutedia Orestes em diaacutelogo com Electra e o Coro lamenta por seu pai

natildeo ter morrido na guerra de Troia e por natildeo ter deixado uma gloacuteria para os filhos

εἰ γὰρ ὑπ Ἰλίῳ                 πρός τινος Λυκίων πάτερδορίτμητος κατηναρίσθηςλιπὼν ἂν εὔκλειαν ἐν δόμοισιντέκνων τ ἐν κελεύθοιςἐπιστρεπτὸν αἰῶκτίσσας πολύχωστον ἂν εἶχεςτάφον διαποντίου γᾶςδώμασιν εὐφόρητον (Es Coe v345-353)

Ah se no sopeacute de Iacuteliongolpeado por lanccedila de um liacutecio tivesses perecido oacute paiLegada bela gloacuteria no palaacutecio e nos caminhos dos filhos criadavida a que se voltam os olharesterias tuacutemulo magniacuteficoem terra ultramarinasuportaacutevel ao palaacutecio

64

Na segunda peccedila Orestes tambeacutem afirma que o pai teve uma morte indigna como jaacute foi

citado anteriormente (Es Eu v 448-449) Assim a morte de Agamecircmnon eacute tida como desonrosa

na Odisseia e nas duas trageacutedias apresentadas acima mostrando que Eacutesquilo embora em

Agamecircmnon tenha atraveacutes de Clitemnestra julgado a morte do rei como digna compartilhou da

imagem negativa da morte do rei ao qualificaacute-la como indigna nas outras duas trageacutedias da Oresteia

e em ambas por meio da fala de Orestes

Embora muitas partes referentes agrave morte do Agamecircmnon de Eacutesquilo sejam parecidas com as

partes presentes na Odisseia de Homero a abordagem sobre a morte eacute diferente Na Odisseia morre

o rei de Argos e chefe vitorioso da guerra de Troia a morte do rei eacute indigna ingloriosa e

vergonhosa pois para um heroi guerreiro eacute preferiacutevel morrer na guerra e ter uma gloacuteria eterna do

que morrer velho ou pelas matildeos de uma mulher como acontece em Eacutesquilo Pode-se observar essa

morte gloriosa quando no canto XXIV o espectro de Agamecircmnon ao conversar com o espectro de

Aquiles no Hades conta para o uacuteltimo como foram as suas honras fuacutenebres e lembra a fama de

Aquiles por ter morrido em combate

ὣς σὺ μὲν οὐδὲ θανὼν ὄνομ ὤλεσας ἀλλά τοι αἰεὶπάντας ἐπ ἀνθρώπους κλέος ἔσσεται ἐσθλόν Ἀχιλλεῦ (Hom Od XXIV v93-94)

Natildeo se apagou com tua Morte o teu nome poreacutem para sempreentre os mortais haacutes de fruir grande Aquiles renome glorioso

Jaacute na trageacutedia Agamecircmnon quem morre eacute o marido de Clitemnestra e o pai de Ifigecircnia Os

laccedilos de sangue causam a morte do rei que eacute provocada pelo retorno dele ao lar Assim o rei

glorioso vencedor de Troia perde a sua honra ao morrer sendo viacutetima de um crime familiar

produto de uma maldiccedilatildeo Essa maldiccedilatildeo natildeo eacute mencionada nos poemas homeacutericos Nesse

momento observa-se o caraacuteter particular da trageacutedia pois Agamecircmnon eacute assassinado por causa da

vinganccedila de sua esposa um motivo particular contrapondo-se ao caraacuteter coletivo da poesia eacutepica

por isso em Homero a morte de Agamecircmnon eacute vergonhosa e sem gloacuteria pois eacute produto de uma

causa particular

As justificativas do assassiacutenio de Agamecircmnon feitas por Clitemnestra ndash sacriacuteficio de

Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas (Criseida) e levar uma amante ateacute o palaacutecio (Cassandra) ndash na

trageacutedia Agamecircmnon satildeo apresentadas pela esposa apoacutes a execuccedilatildeo do marido

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ

65

[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόπος καὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e v 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulherquem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa

Esses argumentos demonstram uma aproximaccedilatildeo entre a trageacutedia e o poema de Piacutendaro pois

quando Clitemnestra se questiona a respeito da execuccedilatildeo do crime ela suscita as justificativas da

personagem traacutegica (Pin Pit XI v22-27) A rainha liacuterica lembra do sacrifiacutecio de Ifigecircnia e das

amantes de Agamecircmnon (Criseida e Cassandra) Como nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos

do ciclo troiano natildeo se encontra menccedilatildeo a respeito das justificativas apresentadas por Clitemnestra

para cometer o assassiacutenio pode-se concluir que dentre as obras que sobreviveram a Piacutetica XI de

Piacutendaro influenciou Eacutesquilo na criaccedilatildeo desses argumentos da rainha

Aleacutem disso nos versos citados acima observa-se que em Agamecircmnon Clitemnestra mata o

marido e tambeacutem mata Cassandra consumando a profecia Esse momento do mito estaacute presente na

Odisseia de Homero quando Agamecircmnon ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra

matou a consorte perto de seu corpo (XI v422-423) Na Piacutetica XI (v30-31) Cassandra eacute enviada

com Agamecircmnon para o reino dos mortos E na trageacutedia de Eacutesquilo Clitemnestra afirma que a

adivinha jaz do mesmo modo que o rei

No entanto pode-se dizer que Eacutesquilo natildeo soacute usou os poemas homeacutericos para construir a sua

trageacutedia Agamecircmnon mas tambeacutem sofreu influecircncias dos poemas liacutericos de Estesiacutecoro e Piacutendaro

conforme foi apresentado anteriormente Mas num primeiro momento percebe-se mais claramente

a presenccedila da Iliacuteada na peccedila atraveacutes do caraacuteter guerreiro e real de Agamecircmnon E num segundo

momento aparece a Odisseia ao tratar da morte do rei Os dois poemas liacutericos mudam o foco do

assassinato do rei para Clitemnestra E assim imerso em todas essas influecircncias poeacuteticas pode-se

dizer que Eacutesquilo construiu o seu Agamecircmnon Contudo a trageacutedia esquiliana tambeacutem se

contaminou dos aspectos sociais da sua eacutepoca poreacutem esse assunto natildeo se pretende abordar nesta

pesquisa

66

4 CAPIacuteTULO 3 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e recepccedilatildeo

O presente capiacutetulo pretende apresentar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega apoacutes a Oresteia de

Eacutesquilo e a romana recontam o mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos na guerra de Troia Seratildeo

discutidas as seguintes obras na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca

Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Biblioteca

Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de

Secircneca E atraveacutes das obras apresentadas tentar-se-aacute mostrar como Secircneca recepcionou essa

tradiccedilatildeo em sua trageacutedia Agamecircmnon

41 A tradiccedilatildeo miacutetica grega

A trageacutedia Aacutejax de Soacutefocles datada de 450 aC apresenta a morte do guerreiro Aacutejax Nessa

trageacutedia Agamecircmnon surge depois da morte do protagonista para impedir que seja concedida a

honra fuacutenebre ao morto (Sof Aj v1226-1263) Mas depois o rei eacute convencido por Odisseu a

autorizar o enterro de Aacutejax (Sof Aj v1318-1373) Nesses versos Agamecircmnon aparece como o

chefe das tropas gregas a autoridade maacutexima que soacute cede ao enterro quando Odisseu lembra que o

ato de negar honras fuacutenebres eacute um ato impiedoso

Jaacute na Electra de Soacutefocles peccedila de data incerta de entre 420-410 aC Agamecircmnon jaacute estaacute

morto e Electra sua filha espera a chegada do irmatildeo Orestes para vingar o assassiacutenio do pai No

primeiro episoacutedio em diaacutelogo com o Coro ela lembra o assassinato do pai

ὅσα τὸν δύστηνον ἐμὸν θρηνῶπατέρ ὃν κατὰ μὲν βάρβαρον αἶανφοίνιος Ἄρης οὐκ ἐξένισενμήτηρ δ ἡμὴ χὠ κοινολεχὴςΑἴγισθος ὅπως δρῦν ὑλοτόμοισχίζουσι κάρα φονίῳ πελέκεικοὐδεὶς τούτων οἶκτος ἀπ ἄλληςἢ μοῦ φέρεται σοῦ πάτερ οὕτωςἀδίκως οἰκτρῶς τε θανόντος (Sof El v94-102)

Ela (Clitemnestra) sabe as laacutegrimas que chorei pelo meu desditoso pai que em terras baacuterbaras o sanguinolento Ares natildeo colheu e a quem a matildee e o amante Egisto fenderam a cabeccedila com homicida acha como os lenhadores fendem um carvalho100

100 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Soacutefocles satildeo do Pe E Dias Palmeira conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SOacuteFOCLES Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os Rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

67

Mais adiante Electra lamentando a sua vida por ser prisioneira na proacutepria casa continua

Ὦ πασᾶν κείνα πλέον ἁμέραἐλθοῦσ ἐχθίστα δή μοιὦ νύξ ὦ δείπνων ἀρρήτωνἔκπαγλ ἄχθητοὺς ἐμὸς ἴδε πατὴρθανάτους αἰκεῖς διδύμαιν χειροῖν (Sof El v201-206)

Oacute dia mais execraacutevel de quantos vivi Oacute noite oacute dor horriacutevel daquele banquete nefando em que meu pai recebeu uma morte infame de um duplo braccedilo

Apreensiva com a vida reclusa no palaacutecio dos Atridas e insatisfeita com a indiferenccedila da

irmatilde Crisoacutetemis em relaccedilatildeo a morte do pai Electra enfrenta a matildee Clitemnestra e esta afirma

Πατὴρ γάρ οὐδὲν ἄλλο σοὶ πρόσχημ ἀεὶὡς ἐξ ἐμοῦ τέθνηκεν ἐξ ἐμοῦ καλῶςἔξοιδα τῶνδ ἄρνησις οὐκ ἔνεστί μοι (Sof El v525-527)

O teu pai ndash e nenhuma outra coisa te serve de pretexto ndash afirmas que morreu agraves minhas matildeos Sim agraves minhas matildeos bem sei nem me eacute possiacutevel negaacute-lo

Clitemnestra justifica o assassiacutenio com o crime cometido por Agamecircmnon pois ele

sacrificou a proacutepria filha Ifigecircnia em honra da deusa Aacutertemis para que os ventos fossem

favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo agrave Troia Nessa trageacutedia Soacutefocles deteacutem-se na morte de Agamecircmnon

motivo pelo qual a sua filha Electra acompanhada de Orestes deseja matar a proacutepria matildee para

vingar o assassiacutenio do pai E Agamecircmnon natildeo aparece como personagem nessa peccedila somente haacute

menccedilatildeo agrave morte dele

Do mesmo modo a Electra de Euriacutepides datada de 413 aC101 apresenta poucas referecircncias

agrave morte do rei No proacutelogo em que haacute um diaacutelogo entre Electra e seu marido ele menciona a morte

do chefe dos gregos

ἐν δὲ δώμασινθνήισκει γυναικὸς πρὸς Κλυταιμήστρας δόλωικαὶ τοῦ Θυέστου παιδὸς Αἰγίσθου χερί (Eu El v8-10)

Em casa poreacutem eacute morto por ardil da mulher Clitemnestra e pelas matildeos do filho de Tiestes Egisto102

101 Dataccedilatildeo mais consensual entre os pesquisadores pois haacute muita polecircmica acerca desse assunto Para mais informaccedilotildees SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado p 18-19

102 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Euriacutepides satildeo de Karen Amaral Sacconi conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo

68

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nessa peccedila por Orestes (Eu El v 85-86)

Electra mais uma vez lamenta o assassinato do pai (Eu El v 122-124 e v163-166) E por fim

antes do relato da morte de Clitemnestra o Coro lembra a morte do rei

παλίρρους δὲ τάνδ ὑπάγεται δίκαδιαδρόμου λέχους μέλεον ἃ πόσινχρόνιον ἱκόμενον εἰς οἴκουςΚυκλώπειά τ οὐράνια τείχε ὀ-ξυθήκτωι βέλους ἔκανενdaggerαὐτόχειρπέλεκυν ἐν χεροῖν λαβοῦσ (Eu El v 1155-1160)

A justiccedila reflui e acusa esta mulherpor seu leito errante Pois ela quando o esposo desventuradovoltou depois de muito para casa para as muralhas cicloacutepicas e celestesela matou com o gume afiado da espada na proacutepria matildeona matildeo tinha um machado

Assim como a Electra de Soacutefocles a peccedila homocircnima de Euriacutepides lembra apenas a morte de

Agamecircmnon atraveacutes das falas das personagens A morte do rei eacute o principal argumento para que

Electra e Orestes matem a proacutepria matildee e Egisto

E anteriormente agrave Electra de Euriacutepides foram encenadas trecircs trageacutedias do mesmo

tragedioacutegrafo que trazem o mito de Agamecircmnon Androcircmaca Heacutecuba e Troianas Na Androcircmaca

datada de 429-425 aC Androcircmaca eacute ameaccedilada de morte por Hermiacuteone mas com a ajuda de Peleu

ela consegue escapar Como a trageacutedia pertence ao ciclo troiano haacute menccedilatildeo agrave morte do chefe dos

gregos como se observa no quarto estaacutesimo

βέβακε δ Ἀτρείδας ἀλόχου παλάμαιςαὐτά τ ἐναλλάξασα φόνον θανάτουπρὸς τέκνων ἐπηῦρεν (Eu And v 1028-1030)

Haacute perecido o Atrida agraves matildeos da esposae ela pagou o crime com a morterecebeu de seus filhos o castigo do deus103

As outras referecircncias a Agamecircmnon presentes nessa peccedila estatildeo ligadas agrave paternidade de

Orestes que aparece na peccedila para ajudar Hermiacuteone a fugir da puniccedilatildeo de tentar matar Androcircmaca

Na Heacutecuba datada de 425-424 aC Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila

Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado 103 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Androcircmaca de Euriacutepides satildeo de Joseacute Ribeiro Ferreira

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

69

quando apoacutes o sacrifiacutecio de Poliacutexena ele encontra Heacutecuba junto a um cadaacutever o do seu filho

Polidoro Heacutecuba pede ao rei que a ajude a vingar a morte de seu filho Logo Agamecircmnon encontra

Polimestor o assassino de Polidoro com os olhos feridos pelas matildeos das mulheres troianas

chefiadas por Heacutecuba mas o rei argivo nega hospitalidade ao assassino e este antes de ir embora

amaldiccediloa o chefe grego como se vecirc no diaacutelogo com Heacutecuba

Πο καὶ σήν γ ἀνάγκη παῖδα Κασσάνδραν θανεῖνΕκ ἀπέπτυσ αὐτῶι ταῦτα σοὶ δίδωμ ἔχεινΠο κτενεῖ νιν ἡ τοῦδ ἄλοχος οἰκουρὸς πικράΕκ μήπω μανείη Τυνδαρὶς τοσόνδε παῖςΠο καὐτόν γε τοῦτον πέλεκυν ἐξάρασ ἄνω (Eu Hec v1275-1279)

Pol E eacute necessaacuterio que morra tua filha CassandraHeacutec Cuspo fora que o mesmo valha para tiPol A esposa desse aiacute acre guardiatilde da casa mataacute-la-aacuteHec Que a Tindarida nunca enlouqueccedila desse modoPol E tambeacutem mataraacute esse aiacute erguendo uma machada104

Nos versos acima pode-se observar que haacute uma referecircncia agrave morte de Agamecircmnon na peccedila

Apesar das palavras maleacuteficas de Polimestor Agamecircmnon aparece como um homem virtuoso ao

negar ajuda a Polimestor que matou Polidoro o seu hoacutespede

Nas Troianas datada de 415 aC Heacutecuba preocupa-se com o destino de sua prole apoacutes a

queda de Troia Em conversa com a sua filha Cassandra a jovem revela agrave matildee uma profecia de

Apolo

εἰ γὰρ ἔστι ΛοξίαςἙλένης γαμεῖ με δυσχερέστερον γάμονὁ τῶν Ἀχαιῶν κλεινὸς Ἀγαμέμνων ἄναξκτενῶ γὰρ αὐτὸν κἀντιπορθήσω δόμουςποινὰς ἀδελφῶν καὶ πατρὸς λαβοῦσ ἐμοῦἀλλ αὔτ ἐάσω πέλεκυν οὐχ ὑμνήσομενὃς ἐς τράχηλον τὸν ἐμὸν εἶσι χἀτέρωνμητροκτόνους τ ἀγῶνας οὓς οὑμοὶ γάμοιθήσουσιν οἴκων τ Ἀτρέως ἀνάστασιν (Eu Tr v356-364)

se Loacutexias existedesposar-me-aacute em bodas mais difiacuteceis que as de Helenao senhor do aqueus o glorioso AgamecircmnonMataacute-lo-ei e agora eu saquearei casas buscando vingar meus irmatildeos e meu paiMas deixa estar natildeo cantaremos a machadaque na nuca minha e de outros penetraraacuteas lutas matricidas que minhas bodas

104 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Heacutecuba de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

70

causaratildeo e a derrocada da casa de Atreu105

O trecho acima mostra a uniatildeo de Cassandra com Agamecircmnon e as consequecircncias dessas

nuacutepcias a morte dos dois Nessa peccedila Agamecircmnon tem a sua imagem vinculada agrave de Cassandra

portanto mostra-se como aquele que escolheu a mecircnade como presa de guerra mas tambeacutem eacute

lembrado como o chefe dos gregos por Taltiacutebio (v413-414)

Na Ifigecircnia em Taacuteuris datada de 414-411 aC Ifigecircnia estaacute em Taacuteuris e natildeo foi sacrificada

em Aacuteulis pelo proacuteprio pai Orestes aparece nessa cidade e os irmatildeos se encontram A jovem

pergunta ao estrangeiro ao saber que era grego notiacutecias sobre o final da guerra de Troia e questiona

Orestes sobre o destino de Agamecircmnon

Ιφ Ἀτρέως ἐλέγετο δή τις Ἀγαμέμνων ἄναξΟρ οὐκ οἶδ ἄπελθε τοῦ λόγου τούτου γύναιΙφ μὴ πρὸς θεῶν ἀλλ εἴφ ἵν εὐφρανθῶ μένεΟρ τέθνηχ ὁ τλήμων πρὸς δ ἀπώλεσέν τιναΙφ τέθνηκε ποίαι συμφορᾶι τάλαιν ἐγώΟρ τί δ ἐστέναξας τοῦτο μῶν προσῆκέ σοιΙφ τὸν ὄλβον αὐτοῦ τὸν πάροιθ ἀναστένωΟρ δεινῶς γὰρ ἐκ γυναικὸς οἴχεται σφαγείς (Eu If Tau v545-552)

If Eacute chamado de Agamecircmnon o soberano filho de AtreuOr Natildeo sei Deixe desse falatoacuterio mulherIf Natildeo pelos deuses Diga-me oacute estrangeiro para que eu me consoleOr Estaacute morto o infeliz e com ele pereceu algueacutem If Morto De que forma Ah como sou infelizOr Por que este lamento Acaso isso lhe interessaIf Lamento pela riqueza de outroraOr Pereceu de forma terriacutevel assassinado por mulher106

Como se pode observar a morte de Agamecircmnon eacute lembrada nessa peccedila quando Ifigecircnia

questiona o estrangeiro sobre os seus familiares Tambeacutem nessa trageacutedia Agamecircmnon aparece

como o pai de Orestes e de Ifigecircnia

No Orestes datado de 408 aC apoacutes o assassiacutenio de Clitemnestra e Egisto Orestes adoece e

eacute condenado agrave morte pelos argivos incitados por Tiacutendaro Mas perturbado pelo perigo iminente

Orestes com ajuda de Electra e Piacutelades parece matar Helena e tambeacutem ameaccedila a vida de

Hermiacuteone No uacuteltimo episoacutedio o deus Apolo surge e apazigua o conflito Nessa peccedila a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada em alguns momentos jaacute no proacutelogo Electra menciona a sua origem e a

105 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

106 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Taacuteuris de Euriacutepides satildeo de Marcelo Bourschied conforme consta na referecircncia bibliograacutefica BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

71

morte do pai

ὁ δὲ Κλυταιμήστρας λέχοςἐπίσημον εἰς Ἕλληνας Ἀγαμέμνων ἄναξὧι παρθένοι μὲν τρεῖς ἔφυμεν ἐκ μιᾶςΧρυσόθεμις Ἰφιγένειά τ Ἠλέκτρα τ ἐγώἄρσην δ Ὀρέστης μητρὸς ἀνοσιωτάτηςἣ πόσιν ἀπείρωι περιβαλοῦσ ὑφάσματιἔκτεινεν ὧν δ ἕκατι παρθένωι λέγεινοὐ καλόν (Eu Or v 20-27)

E o outro o priacutencipe Agamecircmnon ficou com o leito de Clitemnestra famigerada entre os gregos Trecircs donzelas nasceram a este de uma soacute mulher ndash Crisoacutetemis Ifigecircnia e eu Eletra bem como o varatildeo Orestes ndash nascidas da matildee iacutempia da que matou o marido depois de o lanccedilar numa teia inextrincaacutevel107

No segundo episoacutedio Menelau chega ao palaacutecio dos Atridas e conta como soube da morte

de seu irmatildeo

Ἀγαμέμνονος μὲν γὰρ τύχας ἠπιστάμην[καὶ θάνατον οἵωι πρὸς δάμαρτος ὤλετο]Μαλέαι προσίσχων πρῶιραν ἐκ δὲ κυμάτωνὁ ναυτίλοισι μάντις ἐξήγγειλέ μοιΝηρέως προφήτης Γλαῦκος ἀψευδὴς θεόςὅς μοι τόδ εἶπεν ἐμφανῶς κατασταθείςΜενέλαε κεῖται σὸς κασίγνητος θανώνλουτροῖσιν ἀλόχου περιπεσὼν πανυστάτοις (Eu Or v360-367)

Sim de Agamecircmnon conheci o destino e a morte que o vitimou agraves matildeos da esposa quando em Maacutelea acostou o meu navio pois anunciou-me de entre as ondas o adivinho dos homens do mar o inteacuterprete de Nereu Glauco deus que natildeo enganam Tornando-se visiacutevel eis o que ele me disse ldquoMenelau teu irmatildeo jaz morto abatido agraves matildeos da esposa no banho derradeirordquo

E ainda nesse episoacutedio Tiacutendaro lembra a faccedilanha da filha Clitemnestra embora natildeo aprove

a sua atitude

ἐπεὶ γὰρ ἐξέπνευσεν Ἀγαμέμνων βίονκάρα θυγατρὸς τῆς ἐμῆς πληγεὶς ὕποαἴσχιστον ἔργον (οὐ γὰρ αἰνέσω ποτέ) (Eu Or v496-498)

Pois quando Agamecircmnon expirou ferido pela minha filha na cabeccedila a mais vergonhosa das accedilotildees ndash pois jamais a aprovarei

Desse modo por meio da morte do rei eacute apresentado o mito de Agamecircmnon na trageacutedia

107 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Orestes de Euriacutepides satildeo de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

72

Orestes de Euriacutepides Nas citaccedilotildees mostradas verifica-se a visatildeo de trecircs personagens ndash Electra

Menelau e Tiacutendaro ndash acerca da morte do rei e se encontra uma unidade nas falas ao atribuiacuterem a

Clitemnestra o assassiacutenio do chefe dos gregos

Na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides peccedila datada de 405 aC Agamecircmnon participa como

personagem do iniacutecio ao fim da trageacutedia Ele inicia a trageacutedia arrependido por ter mandado Odisseu

ir buscar Ifigecircnia em Argos para que a jovem fosse sacrificada em honra agrave deusa Aacutertemis

Κάλχας δ ὁ μάντις ἀπορίαι κεχρημένοιςἀνεῖλεν Ἰφιγένειαν ἣν ἔσπειρ ἐγὼἈρτέμιδι θῦσαι τῆι τόδ οἰκούσηι πέδονκαὶ πλοῦν τ ἔσεσθαι καὶ κατασκαφὰς Φρυγῶνθύσασι μὴ θύσασι δ οὐκ εἶναι τάδεκλυὼν δ ἐγὼ ταῦτ ὀρθίωι κηρύγματιΤαλθύβιον εἶπον πάντ ἀφιέναι στρατόνὡς οὔποτ ἂν τλὰς θυγατέρα κτανεῖν ἐμήν (Eu If Aul v 89-96)

Entatildeo Calcas o adivinho vendo o nosso embaraccedilo pronunciou um oraacuteculo Ifigecircnia que eu gerei devia ser imolada a Aacutertemis que esta regiatildeo habita a expediccedilatildeo e a ruiacutena dos Friacutegios soacute com o sacrifiacutecio sem o sacrifiacutecio nada disto seria possiacutevel Ouvindo eu estas coisas mandei Taltiacutebio em clara proclamaccedilatildeo desmobilizar todo o exeacutercito pois jamais ousaria matar a minha filha108

Menelau por causa disso discute com o irmatildeo e por fim encoraja-o a imolar a proacutepria

filha Nesse contexto temos um duelo entre o dever do chefe das tropas gregas que deve sacrificar

Ifigecircnia para que os ventos sejam favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo a Troia e o dever de pai que natildeo

deve matar a filha O rei por toda a trageacutedia titubeia na sua decisatildeo mas pressionado pelos gregos

acaba decidindo por imolar Ifigecircnia Nas palavras do guerreiro observamos o seu sentimento

paternal e por vezes ainda chora por ter que sacrificar a sua filha

A Biblioteca Mitoloacutegica texto de dataccedilatildeo incerta eacute uma coletacircnea de mitologia grega e

embora incompleta estaacute dividida em trecircs livros e um Epiacutetome nesta uacuteltima parte encontramos

trechos sobre o mito de Agamecircmnon Apolodoro narra o mito do rei de Argos a partir de seu

casamento com Clitemnestra e dessa uniatildeo nasceram Orestes Crisoacutetemis Electra e Ifigecircnia (Ap

Bibl Mit Ep 2 16) Em seguida tem-se Agamecircmnon como chefe dos gregos que para continuar

a viagem para Troia deve sacrificar a filha Ifigecircnia

Κάλχας δὲ ἔφη οὐκ ἄλλως δύνασθαι πλεῖν αὐτούς εἰ μὴ τῶν Ἀγαμέμνονος

108 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides satildeo de Carlos Alberto Pais de Almeida conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

73

θυγατέρων ἡ κρατιστεύουσα κάλλει σφάγιον Ἀρτέμιδι παραστῇ διὰ τὸ μηνίειν τὴν θεὸν τῷ Ἀγαμέμνονι (Ap Bibl Mit Ep 3 21)

Calcante aseguroacute que no podriacutean navegar a non ser que de las hijas de Agamenoacuten se presentase la maacutes pujante en belleza como ofrenda agrave Aacutertemis pues la diosa se habiacutea irritado contra Agamenoacuten debido a que una vez que alanceoacute a un ciervo109

Depois o rei soacute aparece no final da guerra de Troia Agamecircmnon recebe Cassandra como

espoacutelio de guerra (Ap Bibl Mit Ep 5 23) e antes de iniciar a viagem de volta para casa faz

oferendas agrave deusa Atena Finalmente ao chegar a sua paacutetria eacute assassinado por Clitemnestra e

Egisto

Ἀγαμέμνων δὲ καταντήσας εἰς Μυκήνας μετὰ Κασάνδρας ἀναιρεῖται ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυταιμνήστραςmiddot δίδωσι γὰρ αὐτῷ χιτῶνα ἄχειρα καὶ ἀτράχηλον καὶ τοῦτον ἐνδυόμενος φονεύεται καὶ βασιλεύει Μυκηνῶν Αἴγισθοςmiddot κτείνουσι δὲ καὶ Κασάνδραν (Ap Bibl Mit Ep 6 23)

Agamenoacuten a su vuelta a Micenas acompantildeado de Cassandra es asesinado por Egisto y Clitemnestra eacutesta le da una tuacutenica sin orificio ni para los brazos ni para la cabeza y mientras se la pone es sacrificado Egisto se proclama rey de Micenas tambieacuten dan muerte a Cassandra

Na Biblioteca Mitoloacutegica por ser um compecircndio de mitologia grega a vida de Agamecircmnon

o chefe dos gregos encontra-se com mais informaccedilotildees do que em outras narrativas Ainda que

Apolodoro as reconte de modo mais resumido o autor nos daacute um panorama dos mitos gregos jaacute

conhecidos pela tradiccedilatildeo dentre eles o de Agamecircmnon

Na Descriccedilatildeo da Greacutecia datada da segunda metade do seacutec II dC Pausacircnias nos apresenta

uma espeacutecie de guia turiacutestico da Greacutecia no qual nos mostra monumentos e cidades importantes

essa obra estaacute dividida em dez livros de acordo com a localidade a ser descrita O autor natildeo soacute

descreve o que vecirc como tambeacutem relata a histoacuteria do monumento ou do lugar visitado Seraacute

estudado o livro II intitulado Corinto e Argoacutelidas Nesse livro Pausacircnias visita o tuacutemulo de

Agamecircmnon como assim narra

τάφος δὲ ἔστι μὲν Ἀτρέως εἰσὶ δὲ καὶ ὅσους σὺν Ἀγαμέμνονι ἐπανήκοντας ἐξ Ἰλίου δειπνίσας κατεφόνευσεν Αἴγισθος τοῦ μὲν δὴ Κασσάνδρας μνήματος ἀμφισβητοῦσι Λακεδαιμονίων οἱ περὶ Ἀμύκλας οἰκοῦντεςmiddot ἕτερον δέ ἐστιν Ἀγαμέμνονος τὸ δὲ Εὐρυμέδοντος τοῦ ἡνιόχου καὶ Τελεδάμου τὸ αὐτὸ καὶ Πέλοπος (Pau Des Gre II 16 6)

Hay una tumba de Atreo y estaacuten las tumbas de todos a los que cuando regresaron de Ilioacuten dio muerte Egisto despueacutes de ofrecerles un banquete Los lacedemonios que

109 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro satildeo de Julia Garciacutea Moreno conforme consta na referecircncia bibliograacutefica APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

74

viven en Amiclas se disputan la sepultura de Cassandra Hay otra de Agamenoacuten otra de Erimedonte el auriga una uacutenica de Teledamo y de Peacutelope110

Em seguida fala dos tuacutemulos de Clitemnestra e Egisto que foram sepultados em tuacutemulos

mais distantes fora das muralhas da cidade

Κλυταιμνήστρα δὲ ἐτάφη καὶ Αἴγισθος ὀλίγον ἀπωτέρω τοῦ τείχουςmiddot ἐντὸς δὲ ἀπηξιώθησαν ἔνθα Ἀγαμέμνων τε αὐτὸς ἔκειτο καὶ οἱ σὺν ἐκείνῳ φονευθέντες (Pau Des Gre II 16 7)

Clitemnestra y Egisto recibieron sepultura un poco maacutes lejos de la muralla fueron considerados indignos de ser enterrados dentro donde yaciacutea el proacuteprio Agamenoacuten y los que fueron asesinados con eacutel

A descriccedilatildeo feita por Pausacircnias das tumbas da famiacutelia Atrida pouco revela sobre

Agamecircmnon embora natildeo mencione a traiccedilatildeo ao rei de Argos apresenta Clitemnestra e Egisto como

traidores pois natildeo tiveram direito agrave mesma sepultura que seus familiares

A tradiccedilatildeo miacutetica grega acerca do mito de Agamecircmnon apoacutes as peccedilas de Eacutesquilo pode ser

dividida em trageacutedias e narrativas Nas trageacutedias a morte de Agamecircmnon aparece em quase todas

as peccedilas exceto no Aacutejax de Eacutesquilo e na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Em relaccedilatildeo agrave morte do rei

os assassinos foram Clitemnestra e Egisto na Electra de Sofoacutecles e na peccedila homocircnima de Euriacutepides

E Clitemnestra aparece como a uacutenica culpada pelo assassiacutenio de Agamecircmnon na Androcircmaca na

Heacutecuba na Ifigecircnia em Taacuteuris e no Orestes de Euriacutepides Os artifiacutecios usados para matar o rei estatildeo

presentes em algumas peccedilas como o banquete para recepcionar o chefe dos gregos na Electra de

Soacutefocles o machado usado como arma na Electra na Heacutecuba e nas Troianas de Euriacutepides o banho

mortiacutefero e a rede (teia) para imobilizar a viacutetima no Orestes de Euriacutepides E somente na trageacutedia

Heacutecuba de Euriacutepides a morte de Cassandra estaacute ligada agrave morte do rei Como se pode observar as

trageacutedias preservam em sua maioria a morte de Agamecircmnon divergindo em relaccedilatildeo ao(s)

autor(es) do assassiacutenio e lembrando as artimanhas usadas para a execuccedilatildeo da morte

As duas narrativas abordam em comum a morte de Agamecircmnon Ambas concordam em

relaccedilatildeo aos assassinos do rei Clitemnestra e Egisto Jaacute em relaccedilatildeo aos artifiacutecios usados pelos

assassinos na Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro tem-se o uso do manto para imobilizar a viacutetima

e na Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias tem-se a menccedilatildeo ao banquete oferecido em honra ao rei E

a morte de Cassandra vinculada agrave morte de Agamecircmnon soacute eacute mencionada na obra de Apolodoro Na

Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias o relato sobre a morte do chefe dos gregos mostra uma

110 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias satildeo de Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

75

proximidade com o mesmo relato apresentado na Odisseia (IV v526-535) de Homero ambos

mostram que os guerreiros de Agamecircmnon foram mortos junto com ele ao retornarem para a paacutetria

e tambeacutem lembram do banquete servido ao rei e aos seus homens

Contudo a tradiccedilatildeo grega apresentada anteriormente em relaccedilatildeo a morte de Agamecircmnon

prefere a hipoacutetese de Clitemnestra e Egisto terem assassinado o rei

42 A tradiccedilatildeo miacutetica romana

O mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo miacutetica romana eacute recontado nas trageacutedias Egisto de

Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio na epopeia Eneida (I aC) de Virgiacutelio nos poemas A

arte de amar (I aC ndash I dC) e Metamorfoses (I aC ndash I dC) de Oviacutedio na narrativa Faacutebulas de

Higino nas trageacutedias Troianas Tiestes e Agamecircmnon (I dC) de Secircneca Observar-se-aacute como cada

um desses textos apresenta o mito do rei argivo

A trageacutedia Aegisthus de Liacutevio Andronico datada de III aC narra o assassinato de

Agamecircmnon O primeiro poeta de Roma reescreveu muitas trageacutedias gregas que sobreviveram

apenas fragmentos delas como em Aegisthus da qual soacute restaram oito fragmentos ldquoThe greatest

number of surviving fragments come from the Aegishtus Eight fragments from this play exist yet is

unclear whether Livius used Aeschylus Agamemnon or Sophocles Aegisthus as a modelrdquo111

(ERASMO 2004 p11-12) Nos fragmentos 4 e 5 segundo Erasmo (2004 p 12) tem-se o retorno

de Agamecircmnon para a paacutetria acompanhado de Cassandra

(4) nemo haece uostrorum ruminetur mulieri(Andr Aegh frag4)

Let no one of you rehash this to the woman112

(5) sollemnitusque adeo ditali laudem lubens(Andr Aegh frag5)

Solemnly and freely (he offered) praise to god

E os fragmentos 6 e 7 conforme afirma Erasmo (2004 p13) mostram informaccedilotildees acerca

da morte de Agamecircmnon

(6) hellip in sedes conlocat se regias

111 O maior nuacutemero de fragmentos sobreviventes vem de Egisto Existem oito fragmentos dessa peccedila ainda natildeo estaacute claro se Liacutevio usou o Agamecircmnon de Eacutesquilo ou o Egisto de Soacutefocles como modelo

112 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Egisto de Liacutevio Andronico satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

76

Clytemnestra iuxtim tertias natae occupant (Andr Aegh frag6)

He seats himself upon royal thronesClytemnestra is next to him their daughters occupy the thirds

(7) ipsus se in terram saucius fligit cadens (Andr Aegh frag7)

Falling he dashed his wounded self onto the ground

Por meio dos fragmentos apresentados pode-se verificar que a peccedila Egisto de Liacutevio

Andronico retrata a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio e a morte dele No entanto a peccedila ao se

intitular Egisto apresenta uma focalizaccedilatildeo na personagem homocircnima contrapondo agrave tradiccedilatildeo

traacutegica grega na qual Agamecircmnon era o foco principal

Jaacute acerca da trageacutedia Clitemnestra de Aacutecio que foi encenada na inauguraccedilatildeo do teatro de

Pompeu em 55 aC restaram apenas dez fragmentos e assim como da trageacutedia de Liacutevio pouco se

sabe Desses fragmentos um apresenta Cassandra profetizando o dia de sua morte

(7) scibam hanc mihi supremam lucem et seruiti finem dari (Ac Cl frag7)

I knew that this day would be my last and an end to my slavery113

Em um outro fragmento haacute uma alusatildeo ao destino de Agamecircmnon e Cassandra

(8)hellip seras potiuntur plagas (Ac Cl frag 9)

hellip they receive their late blows

E segundo Tarrant (2004 p14) a Clitemnestra de Aacutecio completaria o Egisto de Liacutevio

Andronico sugerindo que ambas vieram da mesma fonte grega

The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus it has been suggested that both plays depend on the same Greek source 114 (TARRANT 2004 p14)

A Eneida de Virgiacutelio poema eacutepico datado de I aC dividido em doze cantos que narram a

busca de Eneias por uma terra na qual ele possa fundar uma nova Troia tambeacutem narra partes do

113 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Clitemnestra de Aacutecio satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

114 Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio isto foi sugerido que ambas as peccedilas dependem da mesma fonte grega

77

mito de Agamecircmnon No Canto I quando Eneias chega ao templo de Juno e contempla as pinturas

nas paredes do monumento ele vecirc num dos quadros a representaccedilatildeo pictoacuterica dos filhos de Atreu

(Virg En v 460-462) Jaacute no Canto II Eneias ao narrar os acontecimentos de Troia aos feniacutecios

lembra o sacrifiacutecio de Ifigecircnia

Sanguine placastis ventos et virgine caesacum primum Iliacas Danai venistis ad oras (Virg En II v 116-117)

Quando pela primeira vez oacute gregos viestes para o litoral troiano aplacastes os ventos com o sangue e a morte de uma virgem115

E no Canto XI haacute uma treacutegua na guerra para enterrar os mortos Durante uma assembleia

para se decidir sobre a continuidade da guerra Diomedes lembra os destinos dos gregos apoacutes o fim

da guerra de Troia

Ipse Mycenaeus magnorum ductor Achivomconiugis infandae prima intra limina dextraoppetiit devictam Asiam subsedit adulter (Virg En XI v 266-268)

O proacuteprio rei de Micenas o chefe dos grandes aqueus tombou agrave entrada do seu palaacutecio ferido pela destra da sua abominaacutevel consorte um aduacuteltero agrave traiccedilatildeo derruba o vencedor da Aacutesia

Como se verifica por meio desses versos a morte desafortunada de Agamecircmnon eacute tambeacutem

mencionada na Eneida de Virgiacutelio O heroacutei grego natildeo eacute muito lembrado nesse poema pois este se

dedica agrave gloacuteria romana

Nos poemas de Oviacutedio Agamecircmnon tambeacutem aparece A arte de amar poema datado de I

aC ndash I dC dividido em trecircs livros cita Agamecircmnon em alguns versos No livro I Agamecircmnon eacute

lembrado por causa de sua morte

Qui Martem terra Neptunum effugit undisconiugis Atrides victima dira fuit (Ov Art Am I v333-334)

Apoacutes ter escapado de Marte na terra de Netuno sobre as ondas o filho de Atreu foi funesta viacutetima de sua mulher116

No livro II Oviacutedio reconta a justificativa que Clitemnestra teve para trair e matar 115 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Eneida de Virgiacutelio satildeo de Tassilo Orpheu Spalding

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

116 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo de A arte de amar de Oviacutedio satildeo de Duacutenia Marinho da Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

78

Agamecircmnon pois enquanto ele lhe foi fiel ela natildeo o traiu

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viri Audierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virum (Ov Art Am II v399-408)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Lirnessiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de esposo

Assim Oviacutedio no poema A arte de amar menciona Agamecircmnon ao rememorar a sua morte

e a traiccedilatildeo ao casamento com Clitemnestra que culminou no assassiacutenio dele

Jaacute no poema Metamorfoses datado de I aC ndash I dC uma coletacircnea de mitos que mostra a

transformaccedilatildeo de homens em animais aacutervores rios e pedras reconta a narrativa da Guerra de Troia

e nesse momento lembra do rei Agamecircmnon No canto XII o primeiro momento do mito eacute

contado o sacrifiacutecio de Ifigecircnia quer nas palavras profeacuteticas de Calcante (Ov Met XII v 29-31) e

quer nas palavras de Odisseu ao disputar com Aacutejax as armas de Aquiles (Ov Met XIII v 183-

187) E nesse poema encontra-se uma parte do mito natildeo muito citada pelo mitoacutegrafo Agamecircmnon

rouba as filhas de Acircnio que tinham o poder de transformar todas as coisas em milho vinho e

azeitonas verdes para alimentar as tropas gregas

hoc ubi cognovit Troiae populator Atridesne non ex aliqua vestram sensisse procellamnos quoque parte putes armorum viribus ususabstrahit invitas gremio genitoris alantqueimperat Argolicam caelesti munere classem (Ov Met XIII 654-658)

Mal soube disto o filho de Atreu o saqueador de Troia(natildeo julgueis que noacutes de algum modo natildeo sentimostambeacutem a vossa tormenta) recorrendo agrave forccedila das armasarrebata-as agrave sua revelia dos braccedilos do pai e ordena-lhesque abasteccedilam a frota da Argoacutelide com o seu dom celeste117

117 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Metamorfoses de Oviacutedio satildeo de Paulo Farmhouse Alberto conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

79

Desse modo Oviacutedio apresenta Agamecircmnon nas Metamorfoses principalmente como chefe

das tropas gregas ao contraacuterio do que acontece no poema A arte de amar na qual a imagem de

Agamecircmnon estaacute vinculada agrave famiacutelia quer ele como traidor da esposa quer como o morto pela

consorte

Na narrativa Faacutebulas de Higino datada do seacutec I aC118 apresenta Agamecircmnon desde a

participaccedilatildeo na busca por Tiestes (Fab 88 8) para que este fosse conduzido ao palaacutecio dos

Atridas ateacute a morte do rei Nesse iacutenterim Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas

rumo agrave guerra de Troia no episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

in Aulide tempestas eos ira Dianae retinebat (hellip) Is cum haruspices convocasset et Calchas se respondisset aliter expiare non posse nisi Iphigeniam filiam Agamemnonis immolasset (hellip) Quam cum in Aulidem adduxisset et parens eam immolare vellet Diana virginem miserata est et caliginem eis obiecit cervamque pro ea supposuit Iphigeniamque (Hig Fab 98 1-4)

Pero una tempestad desatada por la coacutelera de Diana los reteniacutea em Aacuteulide (hellip)Traacutes convocar a los aruacutespices Calcante respondioacute que la uacutenica manera de aplacar a la diosa era sacrificar a Ifigenia la hija de Agamenoacuten (hellip) Cuando la condujo a Aacuteulide y su padre estaba a punto de sacrificarla Diana se apiadoacute de la doncella los envolvioacute em una oscuridad y puso una cierva em su lugar119

E o mitema sobre a briga de Agamecircmnon com Aquiles pela escrava Briseida na guerra de

Troia tambeacutem eacute mencionado por Higino

Agamemnon Briseidam Brisae sacerdotis filiam ex Moesia captivam propter formae dignitatem quam Achilles ceperat ab Achille abduxit eo tempore quo Chryseida Chrysi sacerdoti Apollinis Zminthei reddidit (hellip) Achilles cum Agamemnone redit in gratiam Briseidamque ei reddidit (Hig Fab 106 1 e 3)

Agamenoacuten separoacute a Aquiles de su esclava Briseida hija del sacerdote Brises de Misia a causa de su espleacutendida belleza por la misma eacutepoca em que devolvioacute a Criseida hija de Crises sacerdote de Apolo Esminteo (hellip) Aquiles se reconcilioacute com Agamenoacuten y eacuteste le devolvioacute a Briseida

118 Essa narrativa sofre com problemas de autoria e de tiacutetulo e como afirma Saacutenchez (2009 p8) ldquoLa cuestioacuten se remonta a la edicioacuten priacutencipe realizada por Jacobus Micyllus em Basilea em 1535 Este filoacutelogo llevoacute a la imprenta un coacutedice que hasta entonces se habiacutea conservado em la Bibioteca del Monasterio de Freising y lo editoacute com el siguiente tiacutetulo Libro de Faacutebulas de Cayo Julio Higino liberto de Augusto Lamentablemente el manuscrito el uacutenico ejemplar conservadordquo (A questatildeo remonta a primeira ediccedilatildeo feita por Jacobus Micyllus na Basileia em 1535 Este filoacutelogo levou agrave impressatildeo um coacutedice que ateacute entatildeo tinha se conservado na Biblioteca do Mosteiro de Freising e o editou com o seguinte tiacutetulo Livro de Faacutebulas de Caio Juacutelio Higino liberto de Augusto Lamentavelmente o manuscrito eacute o uacutenico exemplar conservado)

119 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Faacutebulas de Higino satildeo de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

80

Por fim o narrador das Faacutebulas conta como foi a morte de Agamecircmnon

Tunc Clytaemnestra cum Aegistho filio Thyestis cepit consilium ut Agamemnonem et Cassandram interficeret quem sacrificantem securi cum Cassandra interfecerunt (Hig Fab 117 1)

Entonces Clitemnestra em compantildeiacutea de Egisto hijo de Tiestes concibioacute el plan de asesinar a Agamenoacuten y a Casandra Lo asesinaron com un hacha mientras realizaba un sacrificio com Casandra

O mito de Agamecircmnon apareceraacute com maior relevacircncia na tradiccedilatildeo literaacuteria romana por

meio das trageacutedias de Secircneca Agamecircmnon As troianas e Tiestes Natildeo se sabe exatamente em que

data Secircneca escreveu as trageacutedias poreacutem alguns estudiosos afirmam que as trageacutedias senequianas

foram escritas entre os anos 40-65 dC120 De acordo com essa dataccedilatildeo Lohner (2009 p15)

apresenta uma divisatildeo das peccedilas em trecircs grupos

Diante dos resultados obtidos as peccedilas foram distribuiacutedas em trecircs grupos do primeiro fazem parte o Agamecircmnon seguido das peccedilas Fedra e Eacutedipo ndash seriam estas por conseguinte as primeiras composiccedilotildees dramaacuteticas de Secircneca ndash no segundo grupo figuram nesta ordem Medeia Troianas e Heacutercules louco e por fim no terceiro Tiestes e Feniacutecias (FITCH apud LOHNER 2009 p15)

A trageacutedia Tiestes mostra a vinganccedila de Atreu em relaccedilatildeo a seu irmatildeo Tiestes ao matar os

sobrinhos e os servir ao pai em um banquete Nessa peccedila Agamecircmnon ainda eacute muito jovem mas

seu pai Atreu diz que tornaraacute os filhos cientes da vinganccedila por ele planejada

Consili Agamemnon meisciens minister fiat et fratri sciensMenelaus adsit (Sen Ties v325-327)

Agamecircmnon seraacute auxiliar ciente do meu plano e Menelau de tudo informado ajudaraacute seu pai121

Apenas nesse trecho Agamecircmnon eacute mencionado na peccedila Tiestes Na trageacutedia Troianas

Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila No segundo episoacutedio Pirro filho de Aquiles

reclama ao chefe dos gregos uma recompensa agrave gloacuteria de seu pai o sacrifiacutecio de Poliacutexena filha de

Priacuteamo e Heacutecuba Mas Agamecircmnon se mostra um rei cauteloso e natildeo aceita o sacrifiacutecio da jovem

120 LOHNER 2009 p15121 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Tiestes de Secircneca satildeo de J A Segurado Campos

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEacuteNECA Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

81

Regia ut virgo occidattumuloque donum detur et cineres rigetet facinus atrox caedis ut thalamos vocentnon patiar In me culpa cunctorum reditqui non vetat peccare cum possit iubet (Sen Troi v288-292)

Natildeo permitirei que uma virgem real morra e seja oferecida como precircmio a um tuacutemulo e regue com sangue as cinzas e que chamem de casamento ao crime atroz de um assassiacutenio A culpa de todos voltar-se-aacute contra mim Quem natildeo impede um crime quando pode o ordena122

Mesmo assim Pirro insiste e o rei manda chamar Calcante para resolver o impasse O

adivinho orienta os gregos a sacrificarem Poliacutexena em honra de Aquiles E se mostrando piedoso

Agamecircmnon natildeo tem como impedir a morte da jovem Assim aparece Agamecircmnon na trageacutedia

Troianas de Secircneca como o chefe das tropas gregas e temente aos deuses

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca se inicia com um proacutelogo recitado pelo espectro de

Tiestes Ele lembra a maldiccedilatildeo familiar e os vaacuterios crimes que aconteceram naquele palaacutecio O

espectro apresenta o rei Agamecircmnon

rex ille regum ductor Agamemnon ducumcuius secutae mille vexillum ratesIliaca velis maria texerunt suispost decima Phoebi lustra devicto Ilioadest daturus coniugi iugulum suae (Sen Ag v39-43)

rei dos reis Agamecircmnon chefe dentre os chefes a cujo pavilhatildeo seguiram mil navioscobrindo com suas velas os mares troianos de Febo apoacutes dois lustros dominada Troia aqui estaacute para dar agrave sua esposa o pescoccedilo123

O espectro de Tiestes jaacute no proacutelogo da trageacutedia anuncia a chegada do rei Agamecircmnon e a

sua morte executada pela esposa No segundo ato Clitemnestra em diaacutelogo com a Ama titubeia na

vinganccedila de matar o rei A Ama aconselha a rainha a desistir do crime pois Clitemnestra ousa uma

vinganccedila contra um homem poderoso

hunc fraude nunc conaris et furto aggrediQuem non Achilles ense violavit feroquamuis procacem torvus armasset manum

122 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Secircneca satildeo de Zeacutelia de Almeida Cardoso conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Luacutecio Aneu As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

123 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Agamecircmnon de Secircneca satildeo de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

82

non melior Aiax morte decreta furensnon sola Danais Hector et bello moranon tela Paridis certa non Memnon nigernon Xanthus armis corpora immixta aggerensfluctusque Simois caede purpureos agensnon nivea proles Cycnus aequorei deinon bellicoso Thressa cum Rheso phalanxnon picta pharetras et securigera manupeltata Amazon hunc domi reducem parasmactare et aras caede maculare impia (Sen Ag v206-219)

Ora te empenhas em atacar com ardil e enganoquem com feroz espada Aquiles natildeo feriuembora em fuacuteria a matildeo tenha armado insolentenem Aacutejax o mais bravo louco a impor-lhe a morte nem aos dacircnaos e agrave guerra o soacute entrave Heitornem de Paacuteris o dardo certo e o negro Mecircmnonnem o Xanto que corpos e armas amontoae o Simoente de aacuteguas rubras de matanccedilanem Cicno raccedila niacutevea do equoacutereo deusnem a falange traacutecia com Reso beliacutegeronem armada de pelta e machado a Amazonacom a aljava pintada a ele que retornavais imolar manchando o altar com iacutempia morte

Apoacutes os argumentos da Ama Egisto aparece e incita a amante a persistir na vinganccedila Mas

Clitemnestra sai de cena mostrando estar em duacutevidas em relaccedilatildeo agrave vinganccedila

No terceiro ato Clitemnestra recebe o mensageiro Euriacutebates que avisa sobre a chegada do

rei e conta como foi o retorno dos gregos apoacutes o fim da guerra de Troia E nesse relato o

mensageiro lembra a gloacuteria de morrer em batalha

Quid fata possunt Invidet Pyrrhus patriAiaci Ulixes Hectori Atrides minorAgamemno Priamo quisquis ad Troiam iacetfelix vocatur cadere qui mervit graduquem fama servat victa quem tellus tegit (Sen Ag v512-516)

Quanto eacute o poder dos fados Pirro inveja o pai Ulisses a Agravejax o mais jovem Atrida a Heitora Priacuteamo Agamecircmnon ao que jaz em Troiafeliz o chamam quem morrer logrou em lutaquem a fama eterniza e o chatildeo vencido cobre

Logo depois Cassandra surge acompanhada do coro de mulheres troianas A profetisa de

Apolo aparece em cena lamentando a morte dos troianos Em seguida Cassandra entra em estado

de transe Nesse momento a profetisa prevecirc a morte de Agamecircmnon

83

Timete reges moneo furtivum genusagrestis iste alumnus evertet domumQuid ista vecors tela feminea manudestricta praefert Quem petit dextra virumLacaena cultu ferrum Amazonium gerensQuae versat oculos alia nunc facies meosvictor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Agv 732-740)

Temei oacute reis advirto-vos espuacuteria raccedila vai rasar um palaacutecio essa cria dos bosques Por que essa insana ostenta na matildeo de mulher a espada nua A que homem busca com a destra trajada qual lacocircnia e com arma de Amazona Que outra visatildeo atrai agora os olhos meus De feras vencedor colo altaneiro jaz sujeito a infames presas o leatildeo marmaacuterico sofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Apoacutes o estado de transe de Cassandra Agamecircmnon entra no palaacutecio e eacute bem recepcionado

por sua esposa Ele dialoga com a profetisa que tenta lhe alertar sobre o perigo iminente mas ele

natildeo entende as suas palavras (Sen Ag v792-798) No quinto ato Cassandra ao presenciar o

assassinato do rei relata-nos como tudo aconteceu

Epulae regia instructae domoquales fuerunt ultimae Phrygibus dapescelebrantur ostro lectus Iliaco nitetmerumque in auro veteris Assaraci trahuntEt ipse picta veste sublimis iacetPriami superbas corpore exuvias gerensDetrahere cultus uxor hostiles iubetinduere potius coniugis fidae manutextos amictus - horreo atque animo tremoregemne perimet exul et adulter virumVenere fata Sanguinem extremae dapesdomini videbunt et cruor Baccho incidetMortifera vinctum perfidae tradit neciinduta vestis exitum manibus negantcaputque laxi et invii cludunt sinusHaurit trementi semivir dextra latusnec penitus egit vulnere in medio stupetAt ille ut altis hispidus silvis apercum casse vinctus temptat egressus tamenartatque motu vincla et in cassum furitcupit fluentes undique et caecos sinusdissicere et hostem quaerit implicitus suumArmat bipenni Tyndaris dextram furensqualisque ad aras colla taurorum priusdesignat oculis antequam ferro petatsic huc et illuc impiam librat manum

84

Habet peractum est Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacentNondum recedunt ille iam exanimem petitlaceratque corpus illa fodientem adivvat (Sen Ag v875-905)

No reacutegio paccedilo lautas eacutepulasqual foi o uacuteltimo banquete para os friacutegios celebram-se De Iacutelio luz no leito o ostro e tomam vinho no ouro do vetusto Assaacuteraco e ele deitado e altivo em traje matizado de Priacuteamo em seu corpo leva o rico espoacutelio Ordena-lhe a mulher a tirar a veste imiga e envolver-se no manto pela matildeo tecido de fiel esposa Sinto nalma horror e tremo ecircxul e aduacuteltero o algoz de um rei e esposoVeio o destino as eacutepulas finais veratildeo do soberano o sangue em Baco ver vertido Mortiacutefera amarrado entrega-o a uma morte peacuterfida a veste que o cobriu prendem-lhe as matildeos e atam a cabeccedila as dobras frouxas e sem fenda Seu flanco o falso homem rasga com matildeo trecircmula natildeo cravou fundo em pleno golpe ele vacila Mas como um hirto javali na mata funda preso na rede tenta no entanto escapar e inquieto aperta o laccedilo em fuacuteria contra a rede aquele as dobras cegas que vazam dos lados quer romper e procura enlaccedilado o inimigo Bipene em punho irosa de Tiacutendaro a filha qual popa que no altar as cernelhas dos touros aponta com o olhar antes que vibre o ferro ela a matildeo iacutempia assim balanccedila aqui e ali Eis Consumado estaacute De estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorra do tronco a face com um frecircmito desaba E ainda natildeo recuam atacam ele o corpo sem vida e o lacera ela ajuda o algoz

Apoacutes a descriccedilatildeo do assassiacutenio Electra aparece em cena e pede a Estroacutefio que cuide de

Orestes e o leve para bem longe dali Depois Clitemnestra anuncia que mataraacute Cassandra e ela

tambeacutem promete castigar a filha por ter escondido o irmatildeo Orestes Assim Secircneca nos conta a

morte do rei de Argos (Micenas) o grande vencedor da guerra de Troia

A tradiccedilatildeo miacutetica romana acerca do mito de Agamecircmnon apresenta principalmente os

episoacutedios da morte do rei e do sacrifiacutecio de Ifigecircnia A morte do rei aparece no Egisto de Liacutevio

Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e no

Agamecircmnon de Secircneca Na Eneida e na A arte de amar Clitemnestra aparece como a uacutenica

responsaacutevel pela morte do chefe dos gregos jaacute na trageacutedia e na narrativa de Higino Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto E as obras citadas anteriormente trazem como motivo para a

85

execuccedilatildeo do crime a traiccedilatildeo do rei em relaccedilatildeo agrave sua esposa Nos outros poemas ndash Metamorfoses de

Oviacutedio e Troianas de Secircneca ndash Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas como tambeacutem

nas Faacutebulas de Higino

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon

Apoacutes os relatos acerca do mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo literaacuteria grega apresentados

anteriormente incluindo os textos do capiacutetulo anterior e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana pode-se

observar que Secircneca se utilizou de alguns desses textos para criar a sua peccedila mas tambeacutem natildeo

sobreviveram todos os textos que serviram de fonte para o tragedioacutegrafo como afirma Lohner

(2009 p111) ldquoPor outro em vista da perda quase total da poesia traacutegica latina anterior agrave de

Secircneca muito pouco se pode averiguar sobre o viacutenculo desta obra com modelos nacionaisrdquo E

mesmo que Herrmann (1924 p 312) afirme que havia trageacutedias de antecessores nas quais Egisto

era o foco da peccedila

Il est difficile de savoir si ce changement dorientation vient de Livius Andronicus ou dAccius dont les trageacutedies avaient Egisthe pour centre124

Com base nas duas citaccedilotildees observa-se que fica difiacutecil resgatar essa influecircncia das trageacutedias

latinas nos dramas senequianos mas mesmo assim alguns estudiosos afirmam que haacute alguma

correspondecircncia entre as trageacutedias Egisto de Liacutevio Andronico e a Clitemnestra de Aacutecio com o

Agamecircmnon de Secircneca

While most of the specific connections alleged between Seneca and the Republican dramatists will not bear inspection there are clear similarities of plot between Agamemnon and Livius Andronicus Aegisthus and Accius Clytemnestra Livius play (whose Greek is not known) coincides with Senecas in several deviations from Aeschylus (hellip) The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus 125 (TARRANT 2004 p13-14)

Na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Agamecircmnon eacute apresentado basicamente como o chefe das tropas

124 Eacute difiacutecil saber se a mudanccedila de orientaccedilatildeo vem de Liacutevio Andronico ou de Aacutecio dos quais as trageacutedias tem Egisto como centro

125 Enquanto a maioria das conexotildees especiacuteficas alegadas entre Secircneca e os dramaturgos republicanos natildeo vai suportar uma inspeccedilatildeo haacute claras semelhanccedilas de enredo entre Agamemnon e Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio A peccedila de Liacutevio (cuja grega natildeo eacute conhecida) coincide com a de Secircneca nas vaacuterias divergecircncias de Eacutesquilo (hellip) Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio

86

gregas e como o rei assassinado por sua esposa esses satildeo os mitemas126 mais mencionados pela

tradiccedilatildeo Dentre os mitemas que narram Agamecircmnon como o chefe dos gregos o mais comum eacute o

do sacrifiacutecio de Ifigecircnia Entatildeo pode-se afirmar que esse episoacutedio eacute mais frequente na tradiccedilatildeo

porque liga o papel de liacuteder dos gregos ao de morto pela esposa sendo o sacrifiacutecio da filha a

principal justificativa do crime Portanto os mitemas que seratildeo analisados satildeo esses dois jaacute

mencionados

Nas trageacutedias gregas do seacutec V Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos em

Agamecircmnon de Eacutesquilo Aacutejax de Soacutefocles Heacutecuba Troianas Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e

como morto por Clitemnestra em Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo Electra de

Soacutefocles Androcircmaca Electra Troianas Ifigecircnia em Taacuteuris e Orestes de Euriacutepides Em Aacutejax de

Soacutefocles Agamecircmnon quer negar honras fuacutenebres ao Aacutejax mas acaba sedendo aos argumentos de

Odisseu Na Heacutecuba de Euriacutepides o rei ajuda Heacutecuba a vingar a morte do filho Polidoro viacutetima de

traiccedilatildeo e ele tambeacutem nega hospitalidade ao assassino do filho de Priacuteamo Nas Troianas

Agamecircmnon eacute lembrado por Taltiacutebio como o chefe dos gregos E na Ifigecircnia em Aacuteulis o rei como

liacuteder das tropas gregas exclui o seu direito de pai e sacrifica a filha Ifigecircnia em honra da deusa

Aacutertemis por ventos favoraacuteveis para a navegaccedilatildeo rumo a Troia

Nas trageacutedias que trazem Agamecircmnon como chefe dos gregos eacute mais frequente o adjetivo

ἄναξ (chefe rei) vinculado agrave imagem do rei como se observa nos seguintes versos Ἀγαμέμνων

ἄναξ (Es Ag v523) Ἀγαμέμνων τ ἄναξ (Eu Hec v553) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Tr

v249) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Or v21) Ἀγάμεμνον ἄναξ (Eu If Aul v3)127 Os exemplos

demonstram o quanto estaacute presente nas peccedilas o papel de Agamecircmnon como rei (chefe) dos gregos

na guerra de Troia

Jaacute nas trageacutedias que trazem a morte de Agamecircmnon haacute um consenso de que Clitemnestra e

Egisto participaram do assassiacutenio mas o autor da execuccedilatildeo pode variar de acordo com a peccedila Na

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo fica evidente que a autora do crime eacute Clitemnestra embora ela

tenha contado com a ajuda de Egisto para mobilizar a viacutetima (Es Ag v1384-1387) Poreacutem em

outras peccedilas Clitemnestra aparece como protagonista do crime embora natildeo fique evidente se ela

sozinha teria matado o marido ou se ela e Egisto executaram o assassiacutenio como em Androcircmaca

(v1028-1029) Heacutecuba (v1287-1289) e Ifigecircnia em Taacuteuris (v552) de Euriacutepides E nas outras

trageacutedias verifica-se como assassinos do rei Clitemnestra e Egisto como na Electra de Soacutefocles

126 Leacutevi-Strauss llama mitemas a los segmentos miacutenimos de una narracioacuten miacutetica de la misma forma que los fonemas existen en foneacutetica o los morfemas en morfologiacutea como unidad miacutenima significativa del relato miacutetico (Leacutevi-Strauss apud GUAL p 4) (Leacutevi-Strauss chama de mitemas os segmentos miacutenimos de uma narraccedilatildeo miacutetica da mesma forma que os fonemas existem na foneacutetica ou os morfemas na morfologia como unidade miacutenima significativa do relato miacutetico)

127 A traduccedilatildeo dos termos desse periacuteodo citados em grego eacute o rei (chefe) Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

87

(v97-99) e na Electra de Euriacutepides (v8-10) Contrapondo-se agraves peccedilas apresentadas de Euriacutepides

em Orestes soacute haacute menccedilatildeo agrave Clitemnestra como executora do crime enfocando no crime cometido

pela rainha Com isso parece que os tragedioacutegrafos gregos colocam Clitemnestra como a principal

causadora da morte de Agamecircmnon em quase todas as peccedilas que trazem esse mitema exceto nas

peccedilas Electra de Sofoacutecles e na de Euriacutepides nas quais a culpa tambeacutem recai sobre Egisto para

justificar o assassinato dele nas duas trageacutedias

Nas duas narrativas mostradas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia

de Pausacircnias as referecircncias ao mito de Agamecircmnon tambeacutem retomam a participaccedilatildeo dele na guerra

de Troia e a sua morte A Biblioteca Mitoloacutegica por ter um caraacuteter enciclopeacutedico tenta contar com

mais detalhes dos mitos enfocando nos principais episoacutedios como o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a morte

do rei Jaacute na obra de Pausacircnias soacute haacute menccedilatildeo agrave morte do rei Nas duas narrativas Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto conforme jaacute foi visto anteriormente

Com isso pode-se concluir que na tradiccedilatildeo literaacuteria grega acerca do mito da morte de

Agamecircmnon paira uma variaccedilatildeo sobre o executor do assassiacutenio nas trageacutedias do seacutec V

Clitemnestra eacute tida como a principal executora do crime jaacute nas narrativas posteriores a culpa pela

morte do rei eacute dividida entre Clitemnestra e Egisto

E na tradiccedilatildeo literaacuteria romana Agamecircmnon natildeo soacute eacute lembrado como chefe dos gregos

como tambeacutem pela sua morte Como liacuteder grego ele aparece no Egisto de Liacutevio Andronico na

Eneida de Virgiacutelio nas Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino nas Troianas e no

Agamecircmnon de Secircneca nos quais eacute lembrado principalmente pelo episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

exceto na primeira obra na qual Agamecircmnon aparece conduzindo a presa de guerra Cassandra Jaacute a

sua morte eacute mencionada no Egisto de Liacutevio Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de

Oviacutedio e nas Faacutebulas de Higino no Agamecircmnon de Secircneca nos quais o rei eacute assassinado pela

proacutepria esposa

Secircneca antes de escrever a trageacutedia Agamecircmnon teve contato se natildeo com todas essas obras

citadas mas com a maioria delas principalmente as trageacutedias gregas Segundo Herrmann (1924

p312) Secircneca teria se utilizado das seguintes fontes para construir a sua peccedila

On peut conclure en ce qui concerne les sources agrave une influence nette dEschyle des deux Egisthes128 latins auxquels sadjoignent Sophocle et Euriacutepide et pour le

128 Segundo Tarrant (2004 p13 nota 7) ldquoAccius Aegisthus has also been compared but this play was probably about the return of Orestesrdquo (O Egisto de Aacutecio tambeacutem tem sido comparado mas esta peccedila foi provavelmente sobre o retorno de Orestes) Jaacute Hall (2005 p30 nota 26) atribue uma identificaccedilatildeo entre Clitemnestra e Egisto de Aacutecio ldquoIt is possible that the play is to be identified with Acciusrsquo Aegisthus which included a speech in which a character spoke about the lsquomight of governmentrsquo vis imperi breaking menrsquos fierce spirits (frr 8-9) a remark that women are more easily hardened (callent) than men (frr 10-11) and a reference to a man presumably Orestes whose lsquohand is fouled and spattered by his motherrsquos bloodrsquo (fr 12) Accius also wrote an Agamemnonrsquos Children

88

troisieacuteme eacutepisode des sources multiples sans compter les emprunts habituels agrave Horace ou agrave Ovide dans les parties lyriques129

Contrapondo-se agrave afirmaccedilatildeo de Herrmann Tarrant (2004 p10) afirma que apesar da

mesma delimitaccedilatildeo do mito a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo natildeo teria servido de modelo para

Secircneca na composiccedilatildeo da sua peccedila homocircnima

It seems incredibile that the Agamemnon of Aeschylus could ever have been thought Senecas source The basic outline of the plot is similar but this Seneca need not have derived from Aeschylus on the other hand characterisation structure and themes are all quite unrelated The only parts of Aeschylus play which find a parallel in Seneca are the arrival of a herald with the news of the storms and a scene in which Cassandra foresees the murder of Agamemnon and herself even here the similarity of situation is heavily outweighed by diversity of content and treatment Nothing in Senecas play requires direct knowledge of Aeschylus130

Considerar-se-aacute portanto a grande dificuldade de indicar quais seriam as fontes usadas por

Secircneca e por isso natildeo se pretende esgotar o tema ao direcionar as influecircncias sofridas por ele E agrave

medida que parecer necessaacuterio para justificar a recepccedilatildeo da peccedila retomar-se-aacute alguns dos textos da

tradiccedilatildeo literaacuteria apresentados

O proacutelogo da trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca eacute recitado pelo espectro de Tiestes que lembra

os crimes jaacute vivenciados pela famiacutelia Tantaacutelida Um proacutelogo distinto do proacutelogo de Eacutesquilo que eacute

recitado pelo Vigia do palaacutecio Mas a trageacutedia grega do seacutec V costumava trazer para a cena

fantasmas como a apariccedilatildeo do fantasma de Dario em Os persas de Eacutesquilo (v681-844) a apariccedilatildeo

do fantasma de Clitemnestra nas Eumecircnides de Eacutesquilo (v94-139) e a apariccedilatildeo do fantasma de

Polidoro na Heacutecuba de Euriacutepides (v1-58)131 Dentre os exemplos mostrados somente duas

apariccedilotildees acontecem no proacutelogo das suas respectivas trageacutedias a primeira eacute a do fantasma de

Clitemnestra que aparece no proacutelogo em diaacutelogo com o Coro reclamando a sua morte a segunda eacute

(Agamemnonidae) (Eacute possiacutevel que a peccedila eacute para ser identificada com Egisto de Aacutecio que incluiu um discurso no qual um personagem falou sobre o ldquopoder do governordquo vis imperi quebrando os espiacuteritos ferozes dos homens frr (8-9) uma observaccedilatildeo que as mulheres satildeo mais facilmente endurecidas (callent) do que os homens (frr 10-11) e uma referecircncia a um homem presumivelmente Orestes cuja matildeo eacute suja e salpicada pelo sangue da sua matildee (fr 12) Aacutecio tambeacutem escreveu um Filhos de Agamecircmnon (Agamemnonidae))

129 Pode-se perceber no que diz respeito agraves fontes uma clara influecircncia de Eacutesquilo dos dois Egistos latinos aos quais se juntam Soacutefocles e Euriacutepides e para o terceiro episoacutedio as fontes satildeo vaacuterias sem contar os empreacutestimos habituais de Horaacutecio ou de Oviacutedio nas partes liacutericas

130 Parece inacreditaacutevel que o Agamenon de Eacutesquilo jamais poderia ter sido pensado como fonte de Secircneca O esquema baacutesico da trama eacute semelhante mas este Secircneca natildeo precisa ter derivado de Eacutesquilo por outro lado a estrutura caracterizaccedilatildeo e os temas satildeo bastante independentes As uacutenicas partes da peccedila de Eacutesquilo que encontra paralelo em Secircneca satildeo a chegada de um arauto com a notiacutecia das tempestades e uma cena em que Cassandra prevecirc o assassinato de Agamecircmnon e de si mesma mesmo aqui a similaridade de situaccedilatildeo eacute fortemente compensada pela diversidade de conteuacutedo e de tratamento Nada na peccedila de Secircneca requer conhecimento direto de Eacutesquilo

131 Mais informaccedilotildees acerca da apariccedilatildeo de mortos na literatura grega e na romana consultar BRUNO Pauliane T S As apariccedilotildees dos mortos nas trageacutedias de Secircneca Fortaleza UFC 2006 Monografia de Especializaccedilatildeo

89

a do fantasma de Polidoro que recita o proacutelogo sozinho requerendo as suas honras fuacutenebres Haacute

algumas semelhanccedilas estruturais entre o proacutelogo da trageacutedia Heacutecuba de Euriacutepides e o da trageacutedia

Agamecircmnon de Secircneca ambas se iniciam com os personagens-fantasmas contando de onde vecircm

como se pode observar respectivamente nos versos abaixo

Ἥκω νεκρῶν κευθμῶνα καὶ σκότου πύλαςλιπών ἵν Ἅιδης χωρὶς ὤικισται θεῶν (Eu Hec v1-2)

Vim o antro dos mortos e as portas da escuridatildeotendo deixado onde mora Hades separado dos deuses

Opaca linquens Ditis inferni locaadsum profundo Tartari emissus specu (Sen Ag v1-2)

Deixando a estacircncia escura do deus infernaleis-me da funda gruta do Taacutertaro enviado

Apoacutes mostrar de onde vem o espectro de Tiestes apresenta o espaccedilo no qual ele estaacute

naquele momento o palaacutecio dos Atridas e fala da anguacutestia de retornar agravequele lugar Em seguida ele

se apresenta O mesmo natildeo ocorre com o espectro de Polidoro que logo depois de anunciar de onde

vem se apresenta agrave audiecircncia

uincam Thyestes sceleribus cunctos meis (Sen Ag v 25)

a todos eu Tiestes venccedilo com crimes

Πολύδωρος Ἑκάβης παῖς γεγὼς τῆς ΚισσέωςΠριάμου τε πατρός (Eu Hec v3-4)

Sou Polidoro nascido de Heacutecuba filha de Quisseu e de Priacuteamo meu pai

Depois da apresentaccedilatildeo dos espectros ambos contam as suas histoacuterias e indicam o que iraacute

acontecer no decorrer da peccedila Nesse momento o espectro de Tiestes tambeacutem descreve em detalhes

o espaccedilo cecircnico e a sua organizaccedilatildeo

video paternos immo fraternos laresHoc est vetustum Pelopiae limen domushinc auspicari regium capiti decusmos est Pelasgis hoc sedent alti toroquibus superba sceptra gestantur manulocus hic habendae curiae - hic epulis locus (Sen Ag v 6-11)

vejo o paterno ou antes o fraterno lar Eacute esta a antiga entrada da casa de Peacutelope

90

Aqui os pelasgos usam inaugurar na frontea reacutegia insiacutegnia Neste trono altivos sentam-se os que brandem seus cetros sob a matildeo soberbaEste o local da cuacuteria ali o dos banquetes

Essa descriccedilatildeo parece caracterizar as peccedilas de Secircneca pois segundo Herrmann (1924

p343) os proacutelogos de trecircs trageacutedias de Secircneca apresentam um caraacuteter descritivo

Les premieres [Hercule Furieux Agamemnon et Thyestes] plus proche de ceux dEuripide motiveraient en quelque sorte laction en caracteacuterisant sommairement les protagonistes en indiquant le lieu le moment et la situation apparente de deacutebut de lintrigue132

Nesses versos o fantasma de Tiestes utiliza o verbo uideo no presente do indicativo para

mostrar uma proximidade com a audiecircncia que assim como ele podia ldquovivenciarrdquo o que estava

sendo descrito Atraveacutes dessas evidecircncias estruturais mostradas entre os proacutelogos mencionados

pode-se observar uma influecircncia da poesia traacutegica de Euriacutepides na trageacutedia de Secircneca

No segundo ato Clitemnestra dialoga com a Ama e ela titubeia na decisatildeo de se vingar do

marido Esse episoacutedio eacute tipicamente senequiano a figura da Ama nessa peccedila aparece como o alter

ego de Clitemnestra mostrando as suas incertezas suas duacutevidas e seus medos como afirma Serrano

(2003 p 116) ldquoPor primera vez el autor latino se detiene a describir minunciosamente la situacioacuten

espiritual de Clitemnestrardquo133 Ao titubear entre cometer ou natildeo o assassiacutenio a rainha expotildee as

atrocidades cometidas pelo esposo justificando assim a sua vinganccedila Ela utiliza-se de muitos

versos mostrando uma maior relevacircncia natildeo soacute a um crime mas a todos

O scelera semper sceleribus vincens domuscruore ventos emimus bellum neceSed vela pariter mille fecerunt ratesNon est soluta prospero classis deoeiecit Aulis impias portu ratesSic auspicatus bella non melius geritamore captae captus immotus preceSminthea tenuit spolia Phoebei senisardore sacrae virginis iam tum furens (Sen Ag v169-177)

Oacute casa que com crimes sempre vence crimes ventos pagos com sangue a guerra com assassiacutenioMas mil navios deram agrave vela ao mesmo tempo A esquadra natildeo largou sob um deus favoraacutevel Aacuteulis as iacutempias nas repeliu de seu porto

132 As primeiras [Heacutercules Furioso Agamecircmnon e Tiestes] as mais proacuteximas das de Euriacutepides motivaram de certa forma a accedilatildeo caracterizando brevemente os protagonistas incluindo o local o momento e a situaccedilatildeo aparente do iniacutecio da trama

133 Pela primeira vez o autor latino deteacutem-se em descrever minunciosamente a situaccedilatildeo espiritual de Clitemnestra

91

Sob tais auspiacutecios natildeo se faz a melhor guerra No amor da prisioneira preso imune a rogos obteve o espoacutelio esmiacutenteo do anciatildeo de Febo jaacute louco entatildeo de ardor pela sagrada virgem

neve desertus foreta paelice umquam barbara caelebs torusablatam Achilli diligit Lyrnesidanec rapere puduit e sinu avulsam viriEn Paridis hostem Nunc novum vulnus gerensamore Phrygiae vatis incensus furitet post tropaea Troica ac versum Iliumcaptae maritus remeat et Priami gener (Sen Ag v184-191)

Para nunca o leito solitaacuterio privar de concubina baacuterbara a de Lirnesso elege tomada de Aquiles roubou-a sem pudor dos braccedilos do varatildeo O inimigo de Paacuteris Leva agora nova ferida e na paixatildeo ferve da vate friacutegia e apoacutes trofeacuteus troianos e arrasada Iacutelio unido a uma cativa genro vem de Priacuteamo

Os versos apresentados (v162ss) segundo Tarrant (1978 p 262) mostram que ldquoSenecas

Clytemestra in Agamemnon for example is clearly based in part on a passage in the Ars

Amatoriardquo134 como se pode observar nos versos de Oviacutedio

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viriAudierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virumQuae bene celaris si qua tamen acta patebuntilla licet pateant tu tamen usque nega (Ov Ar Am v399-410)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de seu marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Linerssiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com os seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de seu esposo

134 A Clitemnestra de Secircneca em Agamemnon por exemplo eacute claramente baseada em parte em uma passagem na Ars Amatoria

92

A Clitemnestra senequiana apresenta trecircs motivos para se vingar do marido o sacrifiacutecio da

sua filha Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas Criseida e Cassandra com quem o rei casou e a

levou consigo ao palaacutecio Os mesmos motivos satildeo descritos pela Clitemnestra esquiliana que tenta

justificar o assassiacutenio apoacutes ter dado morte ao rei

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόποςκαὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulher quem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa135

Em Secircneca Clitemnestra lembra os motivos de vinganccedila para tentar se convencer de que

deve matar o marido por isso as justificativas aparecem antes do assassiacutenio isso natildeo ocorre em

Eacutesquilo pois a sua Clitemnestra apresenta os motivos apoacutes a morte do rei ao tentar formular a

proacutepria defesa para uma puniccedilatildeo futura

Na trageacutedia romana depois de expor os motivos para a vinganccedila Clitemnestra conversa

com Egisto no final desse ato A apariccedilatildeo de Egisto nesse momento da peccedila eacute uma inovaccedilatildeo de

Secircneca como afirma Serrano (2003 p75) ldquoTambieacuten original es la aparicioacuten de Egisto antes del

retorno de Agamenoacuten que antildeade una serie de nuevos momentos a la historia de la parejardquo136 Ele

aparece para convencer a rainha de que ela deve matar o marido As falas presentes nesse ato natildeo

encontram associaccedilatildeo com nenhum outro texto que sobreviveu da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana

apresentada Jaacute as referecircncias agraves justificativas de vinganccedila aparecem apoacutes a morte do rei como foi

mencionado

A presenccedila de Egisto e a caracterizaccedilatildeo dele como personagem tatildeo forte na peccedila de Secircneca

talvez seja uma influecircncia das peccedilas intituladas Egisto de Liacutevio Andronico e de Aacutecio (jaacute

mencionadas anteriormente) nas quais Egisto era a personagem principal ou entatildeo uma influecircncia

135 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

136 Tambeacutem eacute original a apariccedilatildeo de Egisto antes do retorno de Agamecircmnon que adiciona uma seacuterie de novos momentos na histoacuteria do casal

93

(todavia mais difiacutecil de ser explicada) oriunda da Odisseia na qual Egisto aparece como o assassino

de Agamecircmnon Sobre isso afirma Serrano (2003 p 55) ldquoEn la eacutepica Egisto es el definitivo

responsable de los actos contra Agamenoacuten y de la seduccioacuten de Clitemnestrardquo137

No terceiro ato o mensageiro Euriacutebates chega ao palaacutecio e anuncia o retorno do rei

Clitemnestra conversa com Euriacutebates e este conta sobre o retorno dos gregos Pode-se dividir o

discurso de Euriacutebates em trecircs episoacutedios como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas narrative

comprises three distinct episodes the storm which overtook the Greeks on the return voyage from

Troy the death of Ajax Oileus at the hands of Athena and Poseidon and the deceit of Naupliusrdquo138

Os trecircs episoacutedios teriam sido narrados no poema Retornos Nos dois primeiros episoacutedios tem-se os

fragmentos recuperados a partir do sumaacuterio de Proclus139 (Proc Chres completado por Apolod

Epit 61-30 apud WEST 2003 p154)

Άγαμέμνων δε θνσας ανάγεται και Ύενέδωι προσίσχει- Νεοπτόλεμον δε πείθει Θετις άφικομένη έπιμεϊναι δύο ημέρας και θνσιάσαι και επιμένει οι δέ ανάγονται και περί Τήνον χειμάζονται- Αθηνά γάρ έδεήθη Διός τοις Ελλησι χειμώνα έπιπέμψαι- και πολλαί νήες βνθίζονται Αρgt εΐθ ό περί τάς Καφηρίδας πέτρας δηλονται χειμων και ή Αΐαντος φθορά τοϋ Αοκρον ltκαί έκβρασθέντα θάπτει Θετις έν Μνκόνωι A frota liderada por Agamecircmnon deixa Tecircnedos perto de Tenos eacute surpreendida por uma tempestade enviada por Zeus atendendo a um pedido de Atena Em meio a essa intempeacuterie muitos barcos afundam Mais tarde a frota defronta outra tormenta junto agraves rochas cafeacuteridas durante a qual o Aacutejax loacutecrio encontra a morte Teacutetis prepara o seu corpo e lhe rende honras fuacutenebres na ilha de Miconos140

E do uacuteltimo episoacutedio haacute apenas uma inferecircncia como mostra SOUSA (2008 p55)

Naacuteuplio e seus filhos Palamedes Eacuteax e Nausimedonte deveriam participar dos Retornos nos episoacutedios da morte de Agamecircmnon como insinua Apolodoro (II 1 5151) depois no Epiacutetome (6 7-11) conta-se que Naacuteuplio assim que sabe da morte de Palamedes vai ao encontro dos gregos por mar para exigir uma indenizaccedilatildeo Sem sucesso resolve vingar-se para tanto navega para as terras gregas e se empenha a favorecer alguns adulteacuterios o de Clitemnestra com Egisto o de Egiacuteale esposa de Diomedes com Cometes filho de Estecircnelo o de Meda esposa de Idomeneu com Leuco Natildeo satisfeito faz uma fogueira sobre o monte Cafareu na costa do Eubeia para sinalizar aos barcos gregos vindos de Troia a existecircncia de um porto ali enganados satildeo atraiacutedos para o escolho e afundam

Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo encontra-se apenas um dos episoacutedios mencionados o da

137 Na eacutepica Egisto eacute o responsaacutevel definitivo pelos atos contra Agamecircmnon e pela seduccedilatildeo de Clitemnestra138 A narrativa de Secircneca eacute composta por trecircs episoacutedios distintos a tempestade que assolou os gregos na viagem de

volta de Troia a morte de Aacutejax Oileu pelas matildeos de Atena e Poseidon e o engano de Naacuteuplio 139 Para mais informaccedilotildees sobre os poemas eacutepicos do ciclo troiano ver em SOUSA Francisco Edi de Oliveira As

pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado140 Traduccedilatildeo de Francisco Edi de Oliveira SOUSA (2008 p53-54)

94

tempestade E essa tempestade narrada pelo Arauto grego natildeo influenciou o relato de Euriacutebates

como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas account of the storm owes nothing to Aeschylusrdquo141

Mas apesar dessa informaccedilatildeo na mesma cena observa-se pouquiacutessimas semelhanccedilas como a

indagaccedilatildeo de Clitemnestra ao mensageiro sobre o destino de Menelau que estaacute presente nas duas

peccedilas

σὺ δ εἰπέ κῆρυξ Μενέλεων δὲ πεύθομαιεἰ νόστιμός τε καὶ σεσῳμένος πάλιν (Es Ag v617-618)

Diz tu oacute arauto e indago de Menelause ele tendo regressado salvo outra vez

Tu pande vivat coniugis frater meiet pande teneat quas soror sedes mea (Sen Ag v404-405)

Tu revela se vive o irmatildeo de meu esposoe revela o local que minha irmatilde habita

E tambeacutem o questionamento do Coro (Eacutesquilo) e de Clitemnestra (Secircneca) sobre os reveses

que assolaram as naus gregas presente em ambas as trageacutedias

πῶς γὰρ λέγεις χειμῶνα ναυτικῷ στρατῷἐλθεῖν τελευτῆσαί τε δαιμόνων κότῳ (Es Ag v634-635)

Como dizes Procela veio agrave esquadrae deu-lhe fim pelo rancor dos Numes

Quis fare nostras hauserit casus ratesaut quae maris fortuna dispulerit duces(Sen Ag v414-415)

Fala-me que infortuacutenio essas naus engoliu que capricho do mar dispersou nossos chefes

Com isso dentre a tradiccedilatildeo literaacuteria apresentada pode-se dizer que o discurso de Euriacutebates

talvez tenha sofrido influecircncia do poema eacutepico Retornos essa proximidade com o texto grego

talvez natildeo tenha chegado ateacute Secircneca diretamente mas atraveacutes de fontes romanas anteriores

Contudo Lohner (2009 p182-183) afirma que as fontes de Secircneca para compor esse relato seriam

de trageacutedias latinas

A narrativa da tempestade ocorrida durante o retorno dos gregos fazia parte de uma peccedila posterior a Eacutesquilo adaptada por Liacutevio Andronico na trageacutedia Aegisthus e tambeacutem por Aacutecio na trageacutedia Clytemnestra Secircneca imita os versos de Andronico no iniacutecio de sua narrativa

141 O relato de Secircneca sobre a tempestade natildeo deve nada a Eacutesquilo

95

Embora a cena da tempestade fosse bastante comum nos seacuteculos quinto e quarto142 a junccedilatildeo

dos trecircs episoacutedios ndash a tempestade a morte de Aacutejax e o engano de Naacuteuplio ndash na narrativa de

Euriacutebates parece ser uma influecircncia teatral do seacuteculo quarto

One or more lost tragic messenger-speeches may have combined for the first time the storm the death of Ajax and the treachery of Nauplius the loose sense of dramatic relevance presupposed by such a sprawling narrative may point to a fourth-century play143 (TARRANT 2004 p21)

No Ato IV Cassandra em diaacutelogo com o Coro de mulheres troianas prevecirc a morte de

Agamecircmnon e dela mesma A menccedilatildeo agraves visotildees profeacuteticas de Cassandra satildeo mostradas na trageacutedia

Agamemnon de Eacutesquilo e na Arte de Amar de Oviacutedio (como jaacute foi citado anteriormente) Poreacutem em

relaccedilatildeo com a primeira obra haacute uma inversatildeo da ordem dos acontecimentos entre as trageacutedias na

grega Agamecircmnon chega ao palaacutecio antes de Cassandra jaacute na romana Cassandra aparece em cena

antes de Agamecircmnon contrapondo-se a ordem normal na qual o rei chega antes dos prisioneiros

Alguns momentos do transe profeacutetico estatildeo presentes nas duas trageacutedias como a referecircncia

agrave possessatildeo apoliacutenica da jovem

παπαῖ οἷον τὸ πῦρ ἐπέρχεται δέ μοιὀτοτοῖ Λύκει Ἄπολλον οἲ ἐγὼ ἐγώ (Es Ag v1256-1257)

Papaicirc Que fogo este E invade-meOtotoicirc Lupino Apolo Ai de mim

Quid me furoris incitam stimulis noviquid mentis inopem sacra Parnasi iugarapitis Recede Phoebe iam non sum tua (Sen Ag v 720-722)

Por que me incitas o impulso de um novo furorPor que sagrados cumes do Parnaso insaname rendeis Para traacutes Febo jaacute natildeo sou tua

Tambeacutem se encontra nas duas peccedilas a metaacutefora dos animais felinos em relaccedilatildeo ao rei (leatildeo)

e agrave Clitemnestra (leoa) como se pode ver nos versos abaixo

αὕτη δίπους λέαινα συγκοιμωμένηλύκῳ λέοντος εὐγενοῦς ἀπουσίᾳκτενεῖ με τὴν τάλαιναν (Es Ag v1258-1260)

142 TARRANT 2004 p20143 Um ou mais discursos traacutegicos perdidos de mensageiro podem ter combinado pela primeira vez a tempestade a

morte de Ajax e a traiccedilatildeo de Nauplius o sentido amplo de relevacircncia dramaacutetica pressuposta por uma narrativa tatildeo extensa pode apontar para uma peccedila do seacuteculo IV

96

Essa leoa biacutepene junto com o lobodeitada na ausecircncia do nobre leatildeomatar-me-aacute miacutesera

victor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Ag v738-740)

De feras vencedor colo altaneiro jazsujeito a infames presas o leatildeo marmaacutericosofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Ainda nesse ato Agamecircmnon chega ao palaacutecio e conversa com Cassandra A profetisa

compara o rei grego a Priacuteamo na tentativa de lhe advertir sobre o perigo iminente Embora esse seja

o uacutenico momento em que Agamecircmnon aparece na trageacutedia o rei estaacute presente tambeacutem atraveacutes das

outras personagens como bem afirma Serrano (2003 p124)

la corta aparicioacuten de Agamenoacuten no lo priva de ser el protagonista de toda la obra como en cierta medida ocurriacutea en los traacutegicos griegos Agamenoacuten es la causa de las dudas de Clitemnestra del odio de Egisto y del amor de Electra Cuando aparece en escena recupera la grandeza del heacuteroe eacutepico soberbio y orgulloso de sus actos144

E no Ato V Cassandra por meio do transe profeacutetico narra simultaneamente de fora do

palaacutecio como Clitemnestra matou o seu marido A morte de Agamecircmnon eacute lembrada na maioria das

obras que trazem o mito do rei A descriccedilatildeo da morte inicia-se com trecircs verbos no presente do

indicativo uideo et intersum et fruor (v872) para Lohner (2009 p217) esse versos representam

eco no texto latino dos versos 46-47 do proacutelogo tendo o efeito de evocar a figura de Tiestes Laacute o verbo uideo assinalava a visatildeo prospectiva de Tiestes agora assinala a visatildeo ldquoem tempo realrdquo de Cassandra

Depois Cassandra descreve a imagem de Agamecircmnon vestido de Priacuteamo no banquete feito

para ele O banquete senequiano segundo Serrano (2003 p75) seria uma influecircncia da Odisseia de

Homero ldquofinalmente cae vencido por su mujer y su primo en un banquete de tradicioacuten homeacuterica en

el que le apresan entre engantildeosas vestidurasrdquo145 A referecircncia ao banquete homeacuterico encontra-se nos

versos 526-535 do canto IV uma comemoraccedilatildeo oferecida por Egisto

144 A curta apariccedilatildeo de Agamecircmnon natildeo o priva de ser protagonista de toda a obra como de certo modo acontecia nos traacutegicos gregos Agamecircmnon eacute a causa das duacutevidas de Clitemnestra do oacutedio de Egisto e do amor de Electra Quando aparece em cena recupera a grandeza do heroacutei eacutepico soberbo e orgulhoso de seus atos

145 Finalmente cai vencido por sua esposa e seu primo num banquete de tradiccedilatildeo homeacuterica no qual o prendem em roupas enganosas

97

Clitemnestra induz o marido a trocar as vestimentas e o envolve num manto que o

mobilizaraacute Depois disso Egisto daacute o primeiro golpe e Clitemnestra o ajuda na execuccedilatildeo do rei A

imagem do morto (v901-903) segundo Lohner (2009 p218) seria a mesma imagem da morte de

Priacuteamo descrita na Eneida de Virgiacutelio ldquoesses versos latinos imitam os de Virgiacutelio na (Eneida 2

557-558) referentes agrave decapitaccedilatildeo de Priacuteamordquo como se pode observar nos versos abaixo

Iacet ingens litore truncusauolsumque umeris caput et sine nomine corpus (Vir En v557-558)

Sobra a margem jaz um tronco gigantescouma cabeccedila separada das espaacuteduas um corpo sem nome

Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacent (Sen Ag v901-903)

Da estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorrado tronco a face com frecircmito desaba

Assim Agamecircmnon volta a ser comparado a Priacuteamo atraveacutes das semelhanccedilas mostradas

entre os versos dos poemas A trageacutedia de Secircneca retoma os termos caput trunco e iacent da poesia

virgiliana (caput truncus e iacet)146 O verbo iaceo usado no presente demonstra a disposiccedilatildeo do

corpo morto e a separaccedilatildeo deste em duas partes caput (cabeccedila) e truncustrunco (tronco)

representa a decapitaccedilatildeo do corpo presente em ambos os poemas A imagem da separaccedilatildeo entre a

cabeccedila e o corpo fica mais evidente em Secircneca com o particiacutepio passado amputatum (amputada) e

em Virgiacutelio com o termo auolsum umeris (separada das espaacuteduas)

Agamecircmnon morreu e os assassinos dilaceram o seu corpo Na versatildeo de Secircneca os

responsaacuteveis pela morte do rei satildeo Clitemnestra e Egisto isso representa para a tradiccedilatildeo da poesia

traacutegica um enfraquecimento da personagem Clitemnestra No Agamecircmnon de Eacutesquilo Clitemnestra

mata sozinha o marido e assim Serrano (2003 p107-108) a caracteriza

Se muestra entonces como una figura terriblemente grandiosa en el umbral del palacio salpicada con la sangre que compara con gotas de rociacuteo no se arrepiente ni se derrumba al contemplar sus manos manchadas por el crimen asume su responsabilidad e intenta hacer partiacutecipe de su actuacioacuten al daimon de la casa de Atreo y enlazar asiacute el resto de sus razones (Ifigenia Casandra) con la herencia geneacutetica de la culpa147

146 LOHNER 2009 p218147 Mostra-se entatildeo como uma figura terrivelmente grandiosa no umbral do palaacutecio salpicada com o sangue que

compara com gotas de orvalho natildeo se arrepende nem se abala ao contemplar suas matildeos manchadas pelo crime assume sua responsabilidade e tenta envolver a sua accedilatildeo no daimon da casa de Atreu e enlaccedilar assim o resto de suas razotildees (Ifigecircnia Cassandra) com a heranccedila geneacutetica da culpa

98

Clitemnestra jaacute perde parte da sua forccedila nas Coeacuteforas de Eacutesquilo quando aparece com medo

por causa da vinganccedila dos filhos Na Electra de Soacutefocles Clitemnestra aparece como incapacitada

de lutar diante da decisatildeo dos filhos de vingar a morte do pai E na Electra de Euriacutepides a rainha se

mostra mais humana e por isso Egisto se torna o principal foco da vinganccedila de Electra e Orestes

como afirma Serrano (2003 p115)

Frente a la configuracioacuten de la heroiacutena marcada por la tradicioacuten la figura de Euriacutepides sufre una humanizacioacuten se ve descargada de la dureza que hasta ahora la habiacutea caracterizado y por lo tanto de parte de su culpabilidad al reconocer sus errores y confesar su arrepentimiento pese al desprecio y los reproches de Electra148

E em Secircneca Clitemnestra a princiacutepio mostra-se em duacutevida quanto ao plano de vinganccedila

mas com a ajuda de Egisto ela participa ativamente da morte do rei como jaacute foi mencionado Com

isso conclui Serrano (2203 p116)

La decidida Clitemnestra esquilea ha perdido su entereza paulatinamente y ahora necesita maacutes que en ninguna otra ocasioacuten el apoyo de Egisto que desde el comienzo se ha mantenido inamovible duro y fuerte149

Apoacutes a cena descrita da morte Electra aparece e entrega Orestes a Estroacutefio a mesma

referecircncia a essa entrega aparece tambeacutem em Higino (Fab 117 2)

At Electra Agamemnonis filia Orestem fratrem infantem sustulit quem demandavit in Phocide Strophio cui fuit Astyochea Agamemnonis soror nupta

Electra hija de Agamenoacuten se llevoacute a su hermano pequentildeo Orestes yy lo confioacute a Estrofio em la Foacutecide que estaba casado com Astiacuteoque hermana de Agamenoacuten

Logo a jovem encontra a matildee e reclama a morte do pai Clitemnestra chama Egisto e pede

que ele castigue a filha e mate Cassandra Essa cena final segundo Tarrant (2004 p17-18) revela

uma proximidade com a trageacutedia republicana

The last act of Agamemnon contains the clearest parallel to republican drama a scene after the murder involving at least Electra and her mother (and perhaps Aegisthus and

148 Diante da configuraccedilatildeo da heroiacutena marcada pela tradiccedilatildeo a figura de Euriacutepides sofre uma humanizaccedilatildeo mostra-se desvinculada da dureza que ateacute agora a tinha caracterizado e portanto por parte da sua culpa ao reconhecer os erros e confessar seu arrependimento apesar do desprezo e das injuacuterias de Electra

149 A decidida Clitemnestra esquiliana perdeu sua totalidade paulatinamente e agora necessita mais do que alguma outra ocasiatildeo do apoio de Egisto que desde o comeccedilo se manteve imoacutevel duro e forte

99

Cassandra as well) is certainly attested for Livius and Accius150

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca teria sofrido muitas outras influecircncias literaacuterias e como jaacute

foi dito algumas dessas natildeo se podem recuperar Contudo atribui-se como as principais fontes de

Secircneca foram as trageacutedias republicanas de Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio e

algumas trageacutedias da eacutepoca de Augusto como afirma Tarrant (2004 p14)

Many aspects of Senecan dramatic procedure probably derive from Augustan precedent and inspiration and the Augustans may have been responsible for the synthesis of classical myth Hellenistic canons of form elements of archaic diction and great stylistic refinement which we associate with Senecan drama151

Essa pesquisa natildeo congrega todas as fontes utilizadas por Secircneca ao compor a sua trageacutedia

mas pretendeu-se mostrar atraveacutes das fontes que restaram que eacute possiacutevel verificar uma retomada

dessas feitas pelo tragedioacutegrafo

150 O uacuteltimo ato do Agamenon conteacutem um clariacutessimo paralelo com o drama republicano uma cena apoacutes o assassinato envolvendo pelo menos Electra e sua matildee (e talvez Egisto e Cassandra tambeacutem) eacute certamente atestada por Liacutevio e Aacutecio

151 Muitos aspectos do processo dramaacutetico Secircneca derivam provavelmente precedente de Augusto e da inspiraccedilatildeo e os Augustanos podem ter sido responsaacuteveis pela siacutentese do mito claacutessico cacircnones helecircnicos de forma elementos da dicccedilatildeo arcaica e de grande refinamento estiliacutestico que noacutes associamos com Secircneca drama

100

5 CONCLUSAtildeO

Este trabalho teve o intuito de mostrar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega e a romana apresentou

o mito de Agamecircmnon desde os poemas homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca focalizando a recepccedilatildeo

do mito feita por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon e por Secircneca na trageacutedia homocircnima

No primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo desenvolveu-se

um panorama do processo criativo da poesia grega desde Homero ateacute o drama aacutetico Na Greacutecia esse

processo contou com uma forte influecircncia da oralidade que com o passar dos seacuteculos vai se

enfraquecendo por causa da revoluccedilatildeo da escrita Nas trageacutedias gregas do seacutec V ainda se encontra

resquiacutecios de oralidade Jaacute em Roma o processo criativo da poesia mostra um viacutenculo direto com a

escrita As representaccedilotildees traacutegicas do periacuteodo arcaico romano tinham uma referecircncia textual desta

restaram apenas fragmentos Por isso o mito de Agamecircmnon foi recriado nos diversos textos

apresentados da tradiccedilatildeo grega e da romana de maneira particular pois esses vatildeo recepcionar o mito

de acordo com o acesso agrave tradiccedilatildeo miacuteticaliteraacuteria

No segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo ao apresentar a

tradiccedilatildeo literaacuteria desde Homero ateacute Eacutesquilo pode-se considerar que Eacutesquilo colheu muito dessa

tradiccedilatildeo para compor o seu Agamecircmnon A trageacutedia esquiliana tem traccedilos homeacutericos e traccedilos liacutericos

O rei Agamecircmnon traacutegico eacute glorioso como o rei homocircnimo de Homero presente na Iliacuteada A

Clitemnestra traacutegica eacute produto de uma tradiccedilatildeo liacuterica da Piacutetica XI de Pigravendaro na qual era o

principal foco Atraveacutes da anaacutelise mostrada nesse capiacutetulo a recepccedilatildeo de Eacutesquilo para compor

Agamecircmnon deveu-se principalmente aos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia e ao poema liacuterico

Piacutetica XI de Piacutendaro

No terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeordquo

apresentou-se a tradiccedilatildeo literaacuteria desde Soacutefocles ateacute Secircneca Essa tradiccedilatildeo contou com uma grande

distacircncia temporal desde o seacutec V aC ateacute o seacutec I dC e com a presenccedila de duas culturas

diferentes a grega e a romana mas mesmo assim foi possiacutevel indicar algumas influecircncias sofridas

por Secircneca ao compor a sua peccedila Considerou-se a perceptiacutevel a influecircncia das obras romanas

como a Eneida de Virgiacutelio as trageacutedias latinas Egisto e Clitemnestra a Arte de Amar de Oviacutedio as

Faacutebulas de Higino e outros modelos latinos que natildeo sobreviveram Assim pode-se dizer que

Secircneca reescreveu o mito de Agamecircmnon no que diz respeito ao enredo apoiando-se

principalmente na tradiccedilatildeo literaacuteria romana mas sem desconsiderar algumas influecircncias dos textos

gregos

Contudo o presente trabalho pretendeu mostrar que os tragedioacutegrafos estudados Eacutesquilo e

Secircneca se apropriam da tradiccedilatildeo literaacuteria anterior a eles para construir as suas peccedilas Com base

101

nessa tradiccedilatildeo eles reescrevem os mitos jaacute conhecidos e os transmitem com uma nova versatildeo

perpetrando a cada reescritura um novo paradigma do mito de Agamecircmnon

102

REFEREcircNCIAS

ALMEIDA Guilherme de amp VIEIRA Trajano Trecircs trageacutedias gregas Antiacutegone Prometeu prisioneiro Aacutejax Satildeo Paulo Perspectiva 1997

APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

BEACHAM Richard ldquoPlaying places the temporary and the permanentrdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p202-226 BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

BOYLE A JTragic Seneca an essay in the theatrical tradition New York Routledge 2009

CALAME Claude Choruses of young women in Ancient Greece Trad de Derek Collins and Janice Orion Lanham Rowman amp Little Publishers 1997

_______ ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo In Megravetis Anthropologie des mondes grecs anciens Volume 12 1997 pp 181-203

CAMPBELL David A Greek Lyric ndash III ndash Stesichorus Ibycus and Simonides Loeb Classical Library Cambridge Harvard University Press 2001

CARDOSO Zeacutelia de Almeida A literatura latina Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

CASTIAJO Isabel O teatro grego em contexto de representaccedilatildeo Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2012

DEBNAR Paula ldquoFifth-Century Athenian History and Tragedyrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

DUPONT Florence LActeur Roi ndash Le theacuteacirctre dans la Rome Antique Paris Les Belles Lettres 2003

_______ Linvention de la litteacuterature de ivresse grecque au texte latin Paris la Deacutecouverte 1998

ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Coeacuteforas Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Eumecircnides Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Os persas Trad de Maacuterio da Gama Kury Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1992

103

EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

______ Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

______ Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

______ Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

______ Teatro de Euriacutepides ndash Ifigecircnia em Aacuteulis As Bacantes Electra Trad Nataacutelia Correia Porto Civilizaccedilatildeo 1969

FANTHAM Elaine ldquoRoman Tragedyrdquo In HARRISON Stephen (ed) A companion to Latin literature Malden Oxford e Victoria Blackwell 2005

FIALHO Maria do Ceacuteu ldquoDo Oikos agrave Poacutelis de Agameacutemnon sob o signo da distorccedilatildeordquo In Aacutegora Estudos Claacutessicos em Debate nordm 14 2012 p47-61 Acessado pelo site httprevistasuaptindexphpagoraarticleview13011188 em 28 de janeiro de 2013

GAILLARD Jacques Introduccedilatildeo agrave literatura latina ndash das origens a Apuleio Trad de Maria Cristina Pimentel Mem Martins Inqueacuterito 1994

GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

GUAL Carlos Garciacutea Introduccioacuten a la mitologiacutea griega Madrid Alianza Editorial 2006

______ Mitologiacutea y literatura en el mundo griego In httpwwwucmesinfoamalteadocumentosseminario2Seminario2_Grecia_GarciaGualpdf acessado em 29 de maio de 2011

HALL Edith Aeschylusrsquo Clytemnestra versus her Senecan Tradition 2005 p 1-34 Arquivo In httpwwwrhulacukcrgrdocumentspdfpapersagamemnonpdf acessado em 05 de maio de 2013HAVELOCK Erick A A revoluccedilatildeo da escrita na Greacutecia e suas consequecircncias culturais Trad de Ordep Joseacute Serra Satildeo Paulo Editora da UNESP Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

HERRMANN Leacuteon Le theacuteatre de Seacutenegraveque Paris Les Belles Lettres 1924

HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

______ Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80

104

Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

ISIDRO Pereira S J Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Livraria AI 1998 8ordf ed

JEBB Sir Richard C Sophocles The Plays and Fragments with critical notes commentary and translation in English prose Part VI The Electra Cambridge Cambridge University Press 1894 In httpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=Perseus3Atext3A19990400253Atext3Dintro acessado em 08 de janeiro de 2013

LOHNER Joseacute Eduardo dos Santos ldquoIntroduccedilatildeo Posfaacutecio e Notasrdquo In SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

LORD Albert B The singer of tales New York Atheneum 1971

MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) pp 126-137

MOTA Marcus ldquoNos passos de Homero performance como argumento da Antiguidaderdquo In VIS Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte Brasiacutelia Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte 2010

NAGY Gregory Homeric Questions Austin University of Texas Press 1996

OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

______ Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

REHM Rush ldquoFestivals and audiences in Athens and Romerdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p184-201

RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011

SCULLION Scott ldquoTragedy and religion the problem of originsrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

105

_______ Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004

_______ As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

_______ Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

SERRANO Diana de Paco ldquoCaracterizacioacuten de Clitemnestra y Agamenoacuten de Esquilo a Seacutenecardquo In Myrtia Revista Filologiacutea Claacutessica 2003 nordm18 p105-127 Acessado em 08 de outubro de 2011 pelo site httpdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=934677

_______ ldquoEl drama de Agamenoacuten de Homero a nuestros diacuteasrdquo In La tragedia de Agamenoacuten en el teatro Espantildeol del siglo XX Murcia Universidad de Murcia 2003 p50-84 SOacuteFOCLES As Traquiacutenias Trad de Flaacutevio Ribeiro de Oliveira Campinas Editora UNICAMP 2009

_______ Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

TARRANT J R ldquoIntroductionrdquo in SENECA Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004 paacutegs 3-96

_______ Senecas drama and its antecedents Havard Studies in Classical Philology (HSCP) nordm82 pp 213-263 1978

THOMAS Rosalind Letramento e oralidade na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Odysseus 2005

VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

WEST Martin L Greek epic fragments Cambridge Harvard University Press 2003

ZUMTHOR Paul Performance recepccedilatildeo leitura Trad de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich Satildeo Paulo Cosac Naify 2007

PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO

DO MITO Agrave TRAGEacuteDIA AGAMEcircMNON ENTRE GREacuteCIA E ROMA

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras da Universidade Federal do Cearaacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Letras com concentraccedilatildeo na aacuterea de Literatura Comparada

Aprovada em ____________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

Prof Dr Orlando Luiz de Arauacutejo (orientador)

Universidade Federal do Cearaacute

________________________________________

Prof Dr Joseacute Eduardo dos Santos Lohner

Universidade de Satildeo Paulo

_________________________________________

Profordf Dra Ana Maria Ceacutesar Pompeu

Universidade Federal do Cearaacute

Para a minha famiacutelia e

para o NUCLAS da UFC

AGRADECIMENTOS

A Deus pela sabedoria pela forccedila pela determinaccedilatildeo para conduzir a minha pesquisa e pela

minha sauacutede e paz nesses anos do mestrado

Aos meus pais pelo eterno amor pelo apoio agrave minha vida acadecircmica e por sempre

acreditarem no meu sucesso

Ao meu marido pelo companheirismo por compreender as minhas ausecircncias durante a

escritura da dissertaccedilatildeo e por sempre me apoiar na vida profissional

Agrave minha irmatilde que mesmo morando longe pelo apoio e pela ajuda nessa caminhada da vida

profissional

Aos meus tios tias primos e primas por acreditarem no meu sucesso

Aos meus amigos e amigas pelo companherismo por acreditarem no meu sucesso e por

compreenderem as minhas ausecircncias em alguns momentos

Ao professor Orlando Luiz de Araacuteujo pela orientaccedilatildeo atenta e paciente pelos livros

emprestados pelas preciosas sugestotildees e criacuteticas no desenvolvimento dessa pesquisa e pela

amizade

Agrave professora Ana Maria Ceacutesar Pompeu da UFC pelas preciosas criacuteticas e sugestotildees durante

a qualificaccedilatildeo e pela amizade

Ao professor Francisco Edi de Oliveira Sousa da UFC por ter me incentivado desde a

graduaccedilatildeo ao estudo do Latim por ter me enviado alguns livros e pela amizade

Ao professor Roberto Arruda de Oliveira da UFC pelas criacuteticas e sugestotildees durante a

qualificaccedilatildeo

Ao professor Joseacute Eduardo dos Santos Lohner da USP por aceitar o convite para participar

da banca de defesa dessa dissertaccedilatildeo e por contribuir para o enriquecimento dessa pesquisa

Agrave UECE por consentir o meu afastamento das atividades acadecircmicas para cursar o

mestrado e por financiar os meus estudos

Ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Letras da UFC pela oportunidade de cursar o mestrado

na aacuterea de Literatura Claacutessica

RESUMO

Na Greacutecia Antiga mitos como o de Agamecircmnon eram narrados em meios sociais e

adaptados ao momento no qual eram apresentados possibilitando assim vaacuterias versotildees de uma

mesma narrativa Acerca do mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos restaram alguns textos

escritos como na poesia eacutepica Iliacuteada e Odisseia de Homero no poema liacuterico Piacutetica XI de Piacutendaro

nas trageacutedias Oresteia de Eacutesquilo no Aacutejax e na Electra de Soacutefocles na Heacutecuba Troianas

Androcircmaca Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides nos poemas

Cantos Ciacuteprios e Retornos do ciclo troiano e em outras narrativas como a Biblioteca Mitoloacutegica de

Apolodoro e a Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias Jaacute na literatura latina encontram-se referecircncias

ao mito de Agamecircmnon no Egisto de Liacutevio Andronico na Clitemnestra de Aacutecio na Eneida de

Virgiacutelio nos poemas A arte de Amar e Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon

Troianas e Tiestes de Secircneca Nessa pesquisa mostrar-se-aacute como as obras mencionadas recontam o

mito de Agamecircmnon e como Eacutesquilo e Secircneca ao escreverem as suas trageacutedias ambas intituladas

Agamecircmnon apoderam-se dessa tradiccedilatildeo literaacuteria Analisar-se-aacute as partes do mito que foram

colhidas dessa tradiccedilatildeo pelos tragedioacutegrafos e se tentaraacute mostrar algumas particularidades dos

tragedioacutegrafos influenciados por um contexto social ao recontar esse mito na tentativa de

apresentar uma comparaccedilatildeo entre os textos quanto ao processo de recriaccedilatildeo miacutetica feito por Eacutesquilo

e Secircneca

Palavras-chave Mito Agamecircmnon Trageacutedia Eacutesquilo Secircneca

ABSTRACT

In Ancient Greece myths as Agamemnonrsquos were told in social environment and adapted at

the moment they were presented enabling many versions of the same story About the

Agamemnonrsquos myth called the Greekrsquos boss they were left some of the written texts as in the epic

poetry Homers Iliad and Odyssey in the lyric poetry Pindars Pythian XI in the tragedies

Aeschylus Orestia Sophocles Ajax and Electra Euripedes Hecuba The Trojan Women

Adromache Electra Iphigenia in Tauris Orestes and Iphigenia at Aulis in the poems The Cypria

and The returns from the Trojan Cycle and in other stories as the Apollodorus Bibliotheca and

Pausanias Description of Greece In the Latin literature we can find references to Agamemnonrsquos

myths in Livius Andronicus Aegisthus Accius Clytemnestra Virgils The Aeneid Ovids The

Metamorphoses and The Art of Love Senecas Troades Agamemnon and Thyestes In this research it

will be shown how the mentioned stories retell Agamemnonrsquos myths and how Aeschylus and

Seneca when they wrote their tragedies both called Agamemnon took possession of this literary

tradition It will be analyzed the parts from the myth which were gathered from this tradition from

the tragedians and it will try to show some of particularities from the tragedians influenced by a

social context when they retold this myth in a attempt to present a comparative between the texts as

the process of the mythical recreation made by Aeschylus and Seneca

Keywords Myth Agamemnon Tragedy Aeschylus Seneca

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo hellip 8

2 Capiacutetulo I Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeohellip 11

3 Capiacutetulo II Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo 36

31 A tradiccedilatildeo eacutepica hellip 36

32 A tradiccedilatildeo liacuterica hellip 44

33 A tradiccedilatildeo traacutegica hellip 47

34 A recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon hellip 54

4 Capiacutetulo III Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeo 66

41 A tradiccedilatildeo literaacuteria grega hellip 66

42 A tradiccedilatildeo literaacuteria romana hellip 75

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon 85

5 Conclusatildeo helliphellip 100

Referecircncias hellip 102

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem como objetivo de estudo as duas trageacutedias da tradiccedilatildeo greco-romana

intituladas Agamecircmnon uma de Eacutesquilo e a outra de Secircneca no que diz respeito agrave recepccedilatildeo feita

pelos tragedioacutegrafos em suas respectivas obras

O mito de Agamecircmnon assim como os outros mitos gregos foi transmitido a princiacutepio por

meio da oralidade e depois a partir dos textos literaacuterios Agamecircmnon ficou conhecido na tradiccedilatildeo

ocidental por ter liderado as tropas gregas rumo agrave guerra de Troia por ter sacrificado a filha Ifigecircnia

em honra agrave deusa Aacutertemis e por ter morrido assassinado por sua esposa Clitemnestra As partes do

mito de Agamecircmnon aparecem em diversos textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana Neste

estudo optou-se por analisar como a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e a homocircnima de Secircneca

recontam a morte do rei pois cada um desses tragedioacutegrafos faz uma leitura do mito do rei de

Argos

Cuando un autor tragico reelabora em su drama un tema mitico tampouco tiene especial intereacutes en transmitirnos la versioacuten completa y canoacutenica sino que centra su representacioacuten em algunos puntos que en su reflexioacuten le parecen los maacutes sugestivos y convenientes1 (GUAL 2006 p67)

Na tradiccedilatildeo grega Eacutesquilo escolheu recriar o mito de Agamecircmnon na sua peccedila

considerando a sua audiecircncia e os acontecimentos em Atenas Essa trageacutedia foi encenada em 458

aC e repensa juntamente com as Coeacuteforas e as Eumecircnides por exemplo questotildees sobre a justiccedila

ateniense Mas essa versatildeo traacutegica do mito natildeo somente mostra os aspectos da sociedade ateniense

mas tambeacutem se apoia na tradiccedilatildeo literaacuteria anterior acerca do mito

E na tradiccedilatildeo romana Secircneca tambeacutem recepcionou os textos de seus antecessores ao

escrever a sua versatildeo do mito de Agamecircmnon A trageacutedia senequiana revela as influecircncias gregas e

romanas recebidas atraveacutes de leituras feitas pelo tragedioacutegrafo E ainda o mito eacute recontado sob uma

perspectiva imperialista e com uma linguagem mais acurada sob influecircncia da retoacuterica poreacutem

artificial

Considerando os aspectos de reescritura do mito de Agamecircmnon pelos tragedioacutegrafos e a

semelhanccedila entre os tiacutetulos das peccedilas visa-se mostrar quais textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e da

romana serviram de modelo aos autores para a composiccedilatildeo das suas respectivas trageacutedias Este

1 Quando um autor traacutegico reelabora em seu drama um tema miacutetico natildeo estaacute particularmente interessado em nos transmitir a sua versatildeo completa e canocircnica mas centra a sua representaccedilatildeo em alguns pontos que na sua reflexatildeo lhe parecem mais sugestivos e convenientes

9

estudo apresenta trecircs capiacutetulos que relatam o desenvolvimento da recepccedilatildeo desde os poemas

homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca

O primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo se inicia com um

estudo acerca da oralidade da escrita e das contribuiccedilotildees que esses elementos concederam aos

primeiros poemas da tradiccedilatildeo grega Os poemas homeacutericos satildeo considerados os primeiros textos

poeacuteticos gregos que recontam os mitos gregos por meio da transmissatildeo oral Por isso o processo de

criaccedilatildeo desses poemas eacute mostrado atraveacutes dos estudos teoacutericos de Milman Parry Albert Lord e

Gregory Nagy Logo apoacutes os poemas homeacutericos Hesiacuteodo apresenta diferenccedilas no processo criativo

de sua poesia E com a revoluccedilatildeo provocada pela escrita na Greacutecia as trageacutedias do seacutec V jaacute

vislumbram uma composiccedilatildeo mais elaborada mas ainda sob influecircncia da oralidade

A trageacutedia grega tem como principais representantes Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides Eles

tiveram as suas peccedilas encenadas em Atenas nos festivais dionisiacuteacos e por meio da representaccedilatildeo

recontavam os mitos gregos Dentre as trageacutedias gregas que restaram tem-se uma uacutenica trilogia

Oresteia de Eacutesquilo da qual faz parte a peccedila Agamecircmnon Em Roma as primeiras manifestaccedilotildees

teatrais aconteceram em festivais luacutedicos O teatro traacutegico romano tem a participaccedilatildeo de Liacutevio

Andronico Neacutevio Ecircnio Pacuacutevio e Aacutecio poreacutem desses soacute restaram alguns fragmentos E apoacutes esse

periacuteodo soacute restaram na iacutentegra os textos completos das trageacutedias de Secircneca

O segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo divide-se em

quatro partes a tradiccedilatildeo eacutepica a tradiccedilatildeo liacuterica a tradiccedilatildeo traacutegica e a recepccedilatildeo de Eacutesquilo em

Agamecircmnon A tradiccedilatildeo eacutepica relata como o mito de Agamecircmnon eacute contado nos poemas homeacutericos

Iliacuteada e Odisseia e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos A tradiccedilatildeo liacuterica

apresenta o mito de Agamecircmnon no poema Oresteia de Estesiacutecoro e no epiniacutecio Piacutetica XI de

Piacutendaro A tradiccedilatildeo traacutegica mostra o mito de Agamecircmnon na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e nas

outras duas peccedilas da trilogia Coeacuteforas e Eumecircnides E na recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon

tenta-se mostrar quais das influecircncias literaacuterias apresentadas sobreviveram no texto de Eacutesquilo

Nesses poemas Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos e como um homem assassinado pela

esposa

O terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana e recepccedilatildeordquo

divide-se em trecircs partes a tradiccedilatildeo literaacuteria grega a tradiccedilatildeo literaacuteria romana e a recepccedilatildeo de

Secircneca em Agamecircmnon A tradiccedilatildeo literaacuteria grega mostra o mito de Agamecircmnon nas trageacutedias

Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e

Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e nas narrativas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo

da Greacutecia de Pausacircnias A tradiccedilatildeo romana apresenta o mito de Agamecircmnon nos seguintes textos

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

10

Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de Secircneca E na recepccedilatildeo

de Secircneca em Agamecircmnon busca-se mostrar quais as influecircncias sofridas por Secircneca ao compor a

sua trageacutedia priorizando os resquiacutecios da tradiccedilatildeo literaacuteria romana sobreviventes na peccedila

11

2 CAPIacuteTULO 1 Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeo

O objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar inicialmente informaccedilotildees acerca da oralidade e da

escrita alfabeacutetica na Greacutecia antiga e quais contribuiccedilotildees esses elementos exerceram na poesia grega

do periacuteodo arcaico em especial na trageacutedia do seacuteculo V aC Depois seratildeo apresentadas

consideraccedilotildees acerca do teatro romano

A sociedade grega antiga ficou conhecida como uma sociedade culturalmente avanccedilada

principalmente por causa do advento da escrita alfabeacutetica Embora bem antes jaacute houvesse uma

escrita silaacutebica a conhecida Linear B essa natildeo resistiu ao tempo e provavelmente por falta de uso

desapareceu juntamente com a civilizaccedilatildeo micecircnica (c 1500-1100 aC) Seacuteculos depois a escrita

alfabeacutetica espalhou-se gradualmente pela Greacutecia Ateacute entatildeo a sociedade grega era de natureza

predominantemente oral as notiacutecias os textos poeacuteticos as leis a tradiccedilatildeo tudo era transmitido boca

a boca como afirma Gual (2006 p 35-36)

Las instituciones se apoyan en los mitos se recurre a ellos para tomar decisiones se interpretan los hechos de acuerdo con ellos Los maacutes viejos se los cuentan a los maacutes joacutevenes y eacutestos se inician en los saberes tradicionales de su pueblo mediante los grandes relatos de los dioses y los heacuteroes fundadores Las nodrizas les cuentan a los nintildeos los fascinantes sucesos de un tiempo lejano y divino Los abuelos y las abuelas recuentan a los pequentildeos lo que a ellos les contaron tiempo atraacutes sus proprios abuelos Y en las fiestas comunitarias se reitera a traveacutes de rituales mimeacuteticos y de narraciones escogidas las palabras de los mitos2

E como exemplo dessa tradiccedilatildeo de transmissatildeo oral tem-se o canto VII da Odisseia (v62-

95) de Homero quando Alciacutenoo rei dos feaacutecios em seu palaacutecio prepara um banquete e para essa

comemoraccedilatildeo eacute levado um cantor que ao cantar os feitos de Troia emociona Odisseu

κῆρυξ δ ἐγγύθεν ἦλθεν ἄγων ἐρίηρον ἀοιδόντὸν περὶ Μοῦσ ἐφίλησε δίδου δ ἀγαθόν τε κακόν τεὀφθαλμῶν μὲν ἄμερσε δίδου δ ἡδεῖαν ἀοιδήν (Hom Od v62-64)[hellip]αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντοΜοῦσ ἄρ ἀοιδὸν ἀνῆκεν ἀειδέμεναι κλέα ἀνδρῶνοἴμης τῆς τότ ἄρα κλέος οὐρανὸν εὐρὺν ἵκανενεῖκος Ὀδυσσῆος καὶ Πηλεΐδεω Ἀχιλῆος (Hom Od VIII v72-75)[hellip]ταῦτ ἄρ ἀοιδὸς ἄειδε περικλυτός αὐτὰρ Ὀδυσσεὺς

2 As instituiccedilotildees se apoiam nos mitos recorrem a eles para tomar decisotildees interpretam os feitos de acordo com eles Os mais velhos os contam aos mais jovens e estes se iniciam nos conhecimentos tradicionais de seu povo mediante os grandes relatos dos deuses e dos heroacuteis fundadores As nutrizes contam agraves crianccedilas os feitos fascinantes de um tempo distante e divino Os avocircs e as avoacutes recontam aos pequenos o que a eles contaram tempos atraacutes seus proacuteprios avoacutes E nas festas comunitaacuterias se reitera atraveacutes dos rituais mimeacuteticos e das narraccedilotildees escolhidas as palavras dos mitos

12

πορφύρεον μέγα φᾶρος ἑλὼν χερσὶ στιβαρῇσικὰκ κεφαλῆς εἴρυσσε κάλυψε δὲ καλὰ πρόσωπααἴδετο γὰρ Φαίηκας ὑπ ὀφρύσι δάκρυα λείβων (Hom Od VIII v83-86)

Jaacute pelo arauto trazido o cantor divinal se aproximaque tanto a Musa distingue e a quem males de bens concederatira-lhe a vista dos olhos mas cantos sublimes lhe inspira [hellip]Tendo assim pois a vontade da fome e da sede saciadoa Musa logo o incitou a falar sobre os feitos dos homens gestasde heroacuteis cuja fama o alto ceacuteu nesse tempo atingiraa disseccedilatildeo entre Aquiles Pelida e Odisseu tatildeo falada[hellip]Isso narrava o famoso cantor Odisseu entrementes com as matildeos fortes o manto de puacuterpura para a cabeccedilapuxa encobrindo-a com o fim de esconder as feiccedilotildees majestosasEnvergonha-se sim de que o vissem chorar os Feaacutecios3

Atraveacutes do relato exposto acima pode-se verificar o quanto era comum na Greacutecia Antiga a

transmissatildeo oral dos feitos heroicos O mito produto da tradiccedilatildeo grega tambeacutem teve a sua

existecircncia propagada por meio da exposiccedilatildeo oral ateacute que o advento da escrita comeccedilasse a registraacute-

lo Ele sobreviveu ateacute os dias de hoje principalmente por meio dos textos escritos pois em seus

primoacuterdios estava restrito agrave oralidade como afirma Thomas (2005 p3-4) ldquo[] a Greacutecia antiga era

em muitos aspectos uma sociedade oral na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em

relaccedilatildeo agrave palavra faladardquo Desse modo os textos poeacuteticos eram compostos para serem ouvidos

assim continua Thomas (2005 p4)

A maior parte da literatura grega poreacutem tinha por finalidade ser ouvida ou cantada ndash transmitida oralmente portanto ndash e havia uma forte corrente de aversatildeo pela palavra escrita mesmo pelos altamente letrados documentos escritos natildeo eram considerados por si mesmos prova adequada em contextos legais ateacute a segunda metade do seacuteculo IV aC

Somente com a reinvenccedilatildeo da escrita na Greacutecia Antiga momento em que ldquoo alfabeto foi

adaptado do alfabeto feniacutecio provavelmente na primeira metade do seacuteculo VIIIrdquo (THOMAS 2005

p17) ndash que segundo Havelock (1996 p20) esse alfabeto surgiu dos contatos comerciais entre

gregos e feniacutecios ndash foi que os mitos deixaram de ser exclusivamente de natureza oral e comeccedilaram a

ser escritos

A escrita grega antiga a princiacutepio foi usada ldquopara marcar objetos ou compor um memorial

ou ateacute mesmo escrever versosrdquo (THOMAS 2005 p67) Como exemplo tem-se o famoso Vaso do

Diacutepylon datado de 750-690 aC que conteacutem uma inscriccedilatildeo metrificada em ldquohexacircmetro de estilo

3 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes neste capiacutetulo satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

13

homeacuterico onde se lecirc de traacutes para frente quem agora entre os danccedilarinos melhor desempenho

tiver Segue-se a isto uma tentativa de um segundo verso que avanccedila com esforccedilo ateacute parar perto

da asardquo(HAVELOCK 1996 p197) Numa sociedade oral as primeiras manifestaccedilotildees de escrita

tendem a registrar a palavra falada por isso que algumas inscriccedilotildees encontradas estatildeo escritas em

versos ao contraacuterio do que acontece na sociedade letrada moderna em que os registros oficiais satildeo

feitos em prosa

A oralidade na Greacutecia Antiga foi veiacuteculo de muitos acontecimentos dentre eles o iniacutecio da

democracia como afirma Dupont (1998 p12) ldquoLa democratie grecque elle-mecircme fut fondeacutee sur

une parole politique essentiellement orale leacutecriture ne servant quaux lettres dambassadeurs aux

teacutemoignages dans les procegraves et agrave la publication des loisrdquo4 Tambeacutem natildeo se pode esquecer de que a

filosofia grega foi propagada por meio da oralidade os discursos filosoacuteficos que temos hoje

resultaram de um diaacutelogo oral como os de Pitaacutegoras Soacutecrates Aristoacuteteles e os Peripateacuteticos5 Na

verdade em geral a Greacutecia prioriza a oralidade em detrimento da escrita pois essa eacute vista como um

instrumento de poder como conclui Dupont (1998 p13)

Dune faccedilon geacuteneacuterale la Gregravece classique se meacutefie de lecriture quand elle preacutetend transcrire et conserver la parole des vivants et de la lecture qui asservit le lecteur agrave la volonteacute du scripteur car la fonction la plus ancienne de lecriture grecque neacutetait pas denregistrer les paroles des hommes mais de faire parler les choses muettes coupes ou stegraveles funeacuteraires gracircce agrave une oralisation de linscription par le lecteur6

Como a sociedade grega natildeo primava pela composiccedilatildeo escrita muito dificilmente se poderia

falar em literatura Pois segundo Dupont para se ter literatura como eacute pensada hoje tem-se que ter

leitores E nas sociedades antigas ndash Greacutecia e Roma ndash eram comuns as leituras puacuteblicas em

contraponto agraves leituras individuais fato esse que permite a escrita do texto com o intuito de

exclusivamente ser lido ldquoles Anciens ont connu bien des faccedilons de lire un livre mais jamais cette

lecture litteacuteraire semble-t-il sinon sous la forme dune reacuteeacutecriture ce que nous appelons un

remakerdquo (DUPONT 1998 p16)7 Da Greacutecia Antiga nos restou um exemplo dessa reescrita dos

mitos jaacute conhecidos o mito de Electra filha de Agamecircmnon e Clitemnestra que mata a proacutepria matildee

com a ajuda do irmatildeo Orestes para vingar a morte do pai Esse mito eacute recontado em trecircs trageacutedias

gregas nas Coeacuteforas de Eacutesquilo na Electra de Soacutefocles e na Electra de Euriacutepides Cada peccedila

4 A democracia grega em si foi fundada sobre um discurso poliacutetico essencialmente oral a escrita serve apenas para as cartas de embaixadores como prova num julgamento e para a publicaccedilatildeo de leis

5 DUPONT Florence Linvention de la litteacuterature Paris La Deacutecouverte 1998 p 126 Em geral a Greacutecia claacutessica desconfia da escrita quando ela pretende transcrever e conservar as falas dos vivos e da

leitura que submete o leitor agrave vontade do escritor porque a funccedilatildeo mais antiga da escrita grega natildeo era registrar as falas dos homens mas fazer falar as coisas mudas taccedilas ou laacutepides graccedilas a um registro da oralizaccedilatildeo para o leitor

7 Os antigos conheceram muitas maneiras de ler um livro mas nunca como uma leitura literaacuteria aparentemente senatildeo como uma reescrita o que chamamos de remake

14

apresenta uma versatildeo diferente do mito como na cena de reconhecimento na qual Orestes eacute

reconhecido nas Coeacuteforas de Eacutesquilo o reconhecimento se daacute de trecircs modos ndash anel de cabelo de

Orestes as pegadas as roupas tecidas por Electra na Electra de Soacutefocles o reconhecimento se daacute

por meio de um sinete (siacutembolo familiar) mostrado por Orestes para Electra e na Electra de

Euriacutepides o reconhecimento acontece quando o lavrador marido de Electra vecirc uma cicatriz de

infacircncia no rosto de Orestes Portanto observa-se que embora a cena de reconhecimento das

trageacutedias apresentadas se mostrem de modo distinto o tema do matriciacutedio de Electra permanece nas

trecircs peccedilas conservando essa parte do mito

Os primeiros textos ditos ldquoliteraacuteriosrdquo ndash ou se poderia preferir a nomenclatura ldquopoeacuteticosrdquo ou

ldquopoetizadosrdquo8 ndash que chegaram ateacute os dias de hoje satildeo a Iliacuteada e a Odisseia de Homero datados do

seacuteculo VIII aC Esses textos segundo Thomas (2005 p17) ldquoparecem ser produto de composiccedilatildeo

bem como de execuccedilatildeo inteiramente oralrdquo

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoesia oralrdquo do livro Letramento e Oralidade na Greacutecia Antiga a

autora elenca algumas anaacutelises a respeito da presenccedila da oralidade na poesia homeacuterica base do

estudo da oralidade grega A primeira teoria eacute a conhecida como teoria de Milman Parry

argumentando que ldquoos eacutepicos homeacutericos eram poesia oralrdquo (THOMAS 2005 p 41) Parry analisou

as caracteriacutesticas da poesia eacutepica como os epiacutetetos homeacutericos e apresentou um novo

direcionamento sobre os estudos de oralidade A teoria de Parry revolucionou as pesquisas sobre a

poesia homeacuterica ao considerar a audiecircncia e a performance9 na criaccedilatildeo dos poemas conforme

afirma Thomas (2005 p42) ldquoeacute decisivamente por causa da teoria de Parry que podemos agora

reconhecer a importacircncia do puacuteblico e do contexto da apresentaccedilatildeo nas sociedades orais e

tradicionais o mesmo se diria do caraacuteter de improvisaccedilatildeordquo

As pesquisas de Parry tentaram mostrar que os poemas homeacutericos eram constituiacutedos por

expressotildees formulares (termos que se adequavam agrave meacutetrica do poema no momento da criaccedilatildeo

poeacutetica) que possibilitavam a criaccedilatildeo da poesia oral em analogia com a observaccedilatildeo da poesia

iugoslava Apoacutes a morte de Parry Lord um dos colaboradores da pesquisa daacute seguimento aos

estudos sobre performance A teoria Parry-Lord prioriza a audiecircncia o poeta deveria adaptar a

exposiccedilatildeo oral ao gosto do puacuteblico podendo alteraacute-la caso os ouvintes natildeo estivessem satisfeitos

pois cada performance era pontual assim como afirma Lord (1971 p5) no livro The singer of

tales ldquoWe shall see that in a very real sense every performance is separate song for every

8 Por se tratarem de uma composiccedilatildeo riacutetmica Havelock (1996 p13) prefere utilizar os termos ldquopoeacuteticordquo ou ldquopoetizadordquo tais termos estariam em equivalecircncia com ldquoletradordquo e ldquoarte escritardquo

9 Entenda-se nesse capiacutetulo performance como desempenho do poeta na exposiccedilatildeo oral pois o termo ldquoembora historicamente de formaccedilatildeo francesa ela [performance] nos vem do inglecircs e nos anos 1930 e 1940 emprestada ao vocabulaacuterio da dramaturgiardquo (ZUMTHOR 2007 p29-30)

15

performance is unique and every performance bears the signature of its poet singerrdquo10 A

composiccedilatildeo oral far-se-ia diante do puacuteblico diferindo do caraacuteter exclusivo de improvisaccedilatildeo pois se

apoiava em expressotildees formulares elementos essenciais para auxiliar o poeta no ato de compor o

poema portanto natildeo precisando se apoiar inteiramente no recurso mnemocircnico Lord (1971 p13)

tambeacutem distingue a composiccedilatildeo da poesia oral do poema literaacuterio

For the oral poet the moment of composition is the performance In the case of literary poem there is a gap in the time between composition and reading or performance in the case of the oral poem this gap does not exist because composition and performance are two aspects of the same moment11

O aspecto importante da performance para Lord eacute que o poeta cria ao cantar ele natildeo eacute um

mero recitador por isso tem a liberdade de construir o seu poema Ele ainda apresenta dois fatores

da composiccedilatildeo oral que segundo ele natildeo estatildeo presentes numa escrita tradicional

We must remember that the oral poet has no idea of a fixed model to serve as his guide He has models enough but they are not fixed and he has not idea of memorizing them in a fixed form Every time he hears a song sung it is different Secondly there is a factor of time The literate poet has leisure to compose at any rate he pleases The oral poet must keep singing His composition by its very nature must be rapid Individual singers may and do vary in their rate of composition of course but it has limits because there is an audience waiting to hear the story 12(LORD 1971 p22)

Desse modo importa ao poeta manter a tradiccedilatildeo ou seja o tema a ser cantado e natildeo a

forma fixa do poema Segundo Thomas (2005 p55) haacute pesquisadores como Kirk que defendem

que mesmo sem a ajuda da escrita eacute possiacutevel ter havido uma preacutevia elaboraccedilatildeo do poema antes da

performance

Portanto um poema em grande escala como a Iliacuteada pode ter sido desenvolvido muito gradualmente ndash e natildeo necessariamente com a escrita As maiores cenas podem ter sido cuidadosamente elaboradas em privado refinadas continuamente e reproduzidas ao menos grosso modo da mesma forma em sucessivas apresentaccedilotildees (THOMAS 2005 p55)

10 Veremos que num sentido muito real cada performance eacute um poema distinto pois cada performance eacute uacutenica e cada performance tem a assinatura de seu cantor-poeta

11 Para o poeta oral o momento da composiccedilatildeo eacute a performance No caso do poema literaacuterio haacute uma lacuna no tempo entre a composiccedilatildeo e a leitura ou performance no caso do poema oral essa lacuna natildeo existe porque a composiccedilatildeo e a performance satildeo dois aspectos do mesmo momento

12 Devemos lembrar que o poeta oral natildeo tem ideia de um modelo fixo para servir como seu guia Ele tem modelos suficientes mas eles natildeo satildeo fixos e que ele natildeo tem ideia de memorizaacute-los de uma forma fixa Toda vez que ele ouve uma canccedilatildeo cantada eacute diferente E segundo lugar existe o fator tempo O poeta letrado tem tempo para compor de qualquer modo que ele quiser O poeta oral deve continuar cantando A sua composiccedilatildeo por sua natureza deve ser raacutepida Cantores individuais podem e variam em sua razatildeo de composiccedilatildeo eacute claro mas tem limites porque tem um puacuteblico a espera para ouvir a histoacuteria

16

Apoacutes muitas apresentaccedilotildees do mesmo canto pode-se pensar que o poeta tem a possibilidade

de especializar o seu canto quantas vezes forem necessaacuterias Por isso Thomas (2005 p56) conclui

ldquoTampouco haacute razatildeo para pensar que a memorizaccedilatildeo (de qualquer grau) pudesse tolher a

improvisaccedilatildeo e a criatividade ela pode simplesmente suplementar a improvisaccedilatildeo e preservar as

cenas mais cuidadasrdquo

Mas contrapondo o que foi mencionado anteriormente o fato de as epopeias parecerem de

natureza oral natildeo exclui a possibilidade de haver um texto escrito para a organizaccedilatildeo das ideias e

para facilitar o processo de criaccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de partes relevantes do mito conforme mostra a

ldquoteoria de Shiverdquo na qual a composiccedilatildeo oral pode se utilizar da escrita para ajudar a lembrar o texto

a ser exposto assim nos mostra Thomas (2005 p59)

Desse modo Homero usava a dicccedilatildeo tradicional certamente mas frequentemente meditando tatildeo cuidadosamente sobre a expressatildeo mais apta em vez de usar uma expressatildeo preacute-fabricada que comeccedila a parecer muito com Milton ou Virgiacutelio

Com isso Homero teria tido a possibilidade de refletir sobre a sua criaccedilatildeo poeacutetica podendo

escolher o termo mais adequado para o seu poema Mas natildeo se pode esquecer de que no periacuteodo

em que ele viveu a escrita era usada em segundo plano e natildeo como apoio agrave criaccedilatildeo poeacutetica

portanto Homero provavelmente natildeo se utilizou da escrita para a composiccedilatildeo de seus poemas

Nas epopeias a escrita alfabeacutetica ajudaria porque ldquotem uma capacidade uacutetil de preservar

informaccedilatildeo e tornar a comunicaccedilatildeo agrave longa distacircncia muito mais faacutecilrdquo (THOMAS 2005 p39)

Essa capacidade de preservaccedilatildeo da poesia oral coloca em questatildeo o caraacuteter oral presente por

exemplo nos poemas homeacutericos mesmo que natildeo haja evidecircncias a princiacutepio da fixaccedilatildeo da poesia

grega arcaica Essa ideia soacute surgiraacute apoacutes o seacuteculo V aC como nos mostra Thomas (2005 p67)

Textos autorizados dos grandes traacutegicos do seacuteculo V foram produzidos apenas na segunda metade do seacuteculo IV sob os auspiacutecios de Licurgo numa clara tentativa de fixar os textos traacutegicos num periacuteodo em que um maior respeito pela palavra escrita ndash e pela literatura do seacuteculo V ndash eacute visiacutevel em diversas aacutereas

Gregory Nagy tambeacutem apresenta uma pesquisa acerca da questatildeo homeacuterica e no primeiro

capiacutetulo do seu livro Homeric Questions elenca dez conceitos para abordar a performance homeacuterica

(trabalho de campo sincronia versus diacronia composiccedilatildeo em performance difusatildeo tema

foacutermula economia como frugalidade tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo unidade e organizaccedilatildeo e autor e

texto) e lista mais dez conceitos em uso que satildeo aplicados enganosamente Dos dez conceitos para

17

a performance mais adiante elegeremos em outro lugar desta dissertaccedilatildeo alguns desses a saber

tema tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo e autor e texto Com base na teoria de Parry-Lord Nagy propotildee um

redirecionamento desta como bem coloca no iniacutecio do segundo capiacutetulo do seu livro

In earlier work my starting point has been the central comparative insight of Milman Parry and Albert Lord gleaned from their fieldwork in South Slavic oral epic traditions that composition and performance are aspects of the same process in the making of Homeric poetry13 (NAGY 1996 p 29)

O autor com base nos estudos citados afirma que haacute uma interaccedilatildeo entre trecircs aspectos ndash

composiccedilatildeo performance e difusatildeo ndash para compor a produccedilatildeo da poesia homeacuterica ao inveacutes dos

dois aspectos de Parry-Lord (composiccedilatildeo e performance) Nagy designa o primeiro lugar agrave

performance como ele expotildee

The process of composition-in-performance which is a matter of recomposition in each performance can be expected to be directly affected by the degree of diffusion that is the extent to which a given tradition of composition has a chance to be performed in a varying spectrum of narrower or broader social frameworks The wider the diffusion I argued the fewer opportunities for recomposition so that the widest possible reception entails teleologically the strictest possible degree of adherence to a normative and unified version14 (NAGY 1996 p39-40)

Mais adiante de acordo com a triacuteade apresentada Nagy atribui cinco idades aos textos de

Homero e em cada periacuteodo tenta mostrar como se deu a transmissatildeo dos poemas homeacutericos em

performance As cinco idades dos textos homeacutericos satildeo as seguintes primeira natildeo haacute textos escritos

(2000-800 aC) segunda periacuteodo pan-helecircnico ainda natildeo haacute textos escritos (da metade do seacutec

VIII aC agrave metade do seacutec VI aC) terceira com textos transcritos (da metade do seacutec VI aC ateacute

fins do seacutec IV aC) quarta com textos transcritos e roteiros (de fins do IV aC ateacute metade do seacutec

II) e quinta com os textos como escritura (da metade do seacutec II em diante) como bem resume

Mota (2010 p32) em seu artigo intitulado ldquoNos passos de Homero performance como argumento

na Antiguidaderdquo

G Nagy assinala que os momentos na histoacuteria da performance e textualizaccedilatildeo dessas 13 Em trabalhos anteriores o meu ponto de partida foi a ideia central comparativa de Milman Parry e Albert Lord

adquirida a partir de seu trabalho de campo nas tradiccedilotildees orais eacutepicas do Sul Eslavo que a composiccedilatildeo e a performance satildeo aspectos de um mesmo processo na confecccedilatildeo da poesia homeacuterica

14 O processo de composiccedilatildeo em performance que eacute uma questatildeo de recomposiccedilatildeo em cada execuccedilatildeo pode-se esperar que seja diretamente afetada pelo grau de difusatildeo ou seja a extensatildeo em que uma dada tradiccedilatildeo de composiccedilatildeo tem a possibilidade de ser realizada em um espectro variaacutevel de estruturas sociais mais estreitas ou mais amplas Quanto maior a difusatildeo argumentei menores satildeo as oportunidades para a recomposiccedilatildeo de modo que a recepccedilatildeo mais ampla possiacutevel implica teleologicamente o grau mais estrito possiacutevel de adesatildeo a uma versatildeo normativa e unificada

18

obras natildeo soacute se encontram associadas como tambeacutem em suas implicaccedilotildees apresentam uma histoacuteria das mudanccedilas e transformaccedilotildees da cultura performativa na Antiguidade O estudo da recepccedilatildeo e produccedilatildeo de Homero ilumina dramaacuteticas mutaccedilotildees no conceito e experiecircncia de situaccedilotildees interativas cujas implicaccedilotildees foram incorporadas em mentalidades que subagem em pressupostos ateacute hoje dominantes

Ao atribuir uma nova perspectiva para a criaccedilatildeo e a recepccedilatildeo do poema homeacuterico Nagy

apresenta uma ampliaccedilatildeo da teoria de Parry-Lord e uma nova vertente para os estudos homeacutericos

utilizando aspectos histoacutericos e linguiacutesticos

Entatildeo diante das teorias apresentadas pode-se concluir que os poemas homeacutericos foram

compostos em tempos anteriores e entraram em contato com a escrita em meados do seacutec VIII

mesmo que ainda natildeo se utilizassem dela para a composiccedilatildeo dos poemas Soacute seacuteculos depois eacute que

houve uma versatildeo escrita dos poemas (provavelmente a que nos restou) o que natildeo quer dizer que

seria a uacutenica versatildeo jaacute que naquele periacuteodo prevalecia a performance O mesmo fato

provavelmente acontecia natildeo somente com as poesias eacutepicas mas tambeacutem com os mitos gregos em

geral

Logo depois dos textos homeacutericos com um novo processo de criaccedilatildeo aparecem os poemas

de Hesiacuteodo a Teogonia e Os trabalhos e os dias Na Teogonia o aedo invoca as musas para cantar a

origem dos deuses Nesse texto assim como nos de Homero encontram-se marcas de oralidade

como nos mostra Torrano (2007 p15)

A marca de oralidade natildeo estaacute somente nas caracteriacutesticas exteriores e formais da Teogonia a saber 1) nas foacutermulas e frases preacute-fabricadas que combinando-se como mosaicos vatildeo compondo os versos em sequecircncias salpicadas por palavras e expressotildees inevitavelmente retornantes 2) na justaposiccedilatildeo com que as sequecircncias narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras mas antes tendo cada sequecircncia narrativa um igual valor na sintaxe da narraccedilatildeo total e podendo portanto sempre e ao arbiacutetrio do poeta articular-se a um nuacutemero quase indefinido de novas sequencias 3) nos cataacutelogos (lista de nomes proacuteprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemocircnico que soacute a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma funccedilatildeo motivada e significativa dentro do contexto do poema

A poesia hesioacutedica eacute anterior agrave fixaccedilatildeo da escrita na Greacutecia embora jaacute existisse a escrita tal

recurso natildeo era utilizado para a composiccedilatildeo de poemas Soacute depois iraacute surgir a poesia liacuterica na qual

se encontra o uso do alfabeto15

Contudo o surgimento da escrita natildeo implica o desaparecimento da composiccedilatildeo oral E

como propotildee Havelock (1996 p24) em seu livro A revoluccedilatildeo escrita na Greacutecia e suas

15 TORRANO Jaa ldquoO mundo como funccedilatildeo de musasrdquo In HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

19

consequecircncias culturais abordou-se ldquoassuntos que vatildeo de Homero ao drama grego tendo em vista

demonstrar a permanecircncia ateacute o fim do seacuteculo V da colaboraccedilatildeo entre o oral e o escritordquo Entatildeo natildeo

se pode estudar as produccedilotildees poeacuteticas gregas dos seacuteculos VIII ao V aC sem pensar que a oralidade

e a escrita conviviam harmonicamente e se contaminavam Tambeacutem deve-se lembrar de que a

oralidade e a leitura puacuteblica estavam mais presentes no cotidiano dos gregos desse periacuteodo do que a

proacutepria escrita Um exemplo disso pode ser encontrado em Luciano de Samoacutesata (seacutec II dC)

quando relata que Heroacutedoto apresentou as suas histoacuterias num festival de Oliacutempia como meio de

divulgar a sua obra

ἐνίσταται οὖν Ὀλύμπια τὰ μεγάλα καὶ ὁ Ἡρόδοτος τοῦτ ἐκεῖνο ἥκειν οἱ νομίσας τὸν καιρόν οὗ μάλιστα ἐγλίχετο πλήθουσαν τηρήσας τὴν πανήγυριν ἁπανταχόθεν ἤδη τῶν ἀρίστων συνειλεγμένων παρελθὼν ἐς τὸν ὀπισθόδομον οὐ θεατήν ἀλλ ἀγωνιστὴν Ὀλυμπίων παρεῖχεν ἑαυτὸν ᾄδων τὰς ἱστορίας καὶ κηλῶν τοὺς παρόντας ἄχρι τοῦ καὶ Μούσας κληθῆναι τὰς βίβλους αὐτοῦ ἐννέα καὶ αὐτὰς οὔσας (SAMOacuteSATA Herod I)

Realizam-se entatildeo os grandes jogos Oliacutempicos e Heroacutedoto considerando que lhe chegara a oportunidade por que tanto ansiava observando a panegiacuteria lotada de todas as partes os mais distintos homens jaacute reunidos tendo-se aproximado da parte de traacutes do templo natildeo como espectador mas como competidor dos Jogos Oliacutempicos apresentava-se cantando suas histoacuterias e encantando os presentes a ponto de seus livros terem recebido o nomes das Musas sendo eles tambeacutem nove16

Nesses trecircs seacuteculos os textos produzidos eram para ser a priori lidos em puacuteblico assim

como Havelock (1996 p184) caracteriza a composiccedilatildeo poeacutetica do drama grego

O drama ateniense aleacutem de ser riacutetmico obedece a regras associativas e de prediccedilatildeo proacutepria da composiccedilatildeo oral compotildee-se com base no princiacutepio do eco e se concebe como uma apresentaccedilatildeo a ser ouvida vista e memorizada mas natildeo lida

Diante de tal citaccedilatildeo torna-se impossiacutevel estudar o drama grego sem verificaacute-lo sob a oacutetica

da recepccedilatildeo embora haja como corpus apenas o texto escrito e possa analisaacute-lo numa leitura

solitaacuteria ndash que ldquose define ao mesmo tempo como absorccedilatildeo e criaccedilatildeo processo de trocas dinacircmicas

que constituem a obra na consciecircncia do leitorrdquo (ZUMTHOR 2007 p51) ndash aspectos esses bem

diferentes da sociedade grega antiga E na recepccedilatildeo verifica-se dentro da poesia oral com mais

destaque a performance como afirma Zumthor (2007 p 50) ldquoa performance eacute entatildeo um momento

da recepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente recebidordquo Performance essa

que entra em disputa com a recepccedilatildeo pois a uacuteltima sobrevive por mais tempo do que a outra por

isso torna-se impossiacutevel reviver uma performance jaacute exibida jaacute que cada performance eacute uacutenica ao

16 RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

20

contraacuterio da recepccedilatildeo de que eacute possiacutevel reconhecer o seu valor em um texto poeacutetico na sua proacutepria

eacutepoca Segundo Zumthor (2007 p51) o discurso poeacutetico estabelece um confronto entre

performance e recepccedilatildeo embora a uacuteltima tenha uma duraccedilatildeo mais longa por isso ldquopode-se falar da

recepccedilatildeo de Virgiacutelio e de Homero mas nos situamos a uma tal distacircncia temporal desses autores

que o termo performance natildeo tem mais sentido em relaccedilatildeo a elesrdquo (ZUMTHOR 2007 p51)

Contudo conclui Zumthor (2007 p52) ldquoa recepccedilatildeo eu o repito se produz em circunstacircncia

psiacutequica privilegiada performance ou leiturardquo

Assim numa sociedade primitiva na qual soacute havia transmissatildeo oral

A ldquorecepccedilatildeordquo vai se fazer pela audiccedilatildeo acompanhada da vista uma e outra tendo por objeto o discurso assim performatizado eacute com efeito proacuteprio da situaccedilatildeo oral que transmissatildeo e recepccedilatildeo aiacute constituam um ato uacutenico de participaccedilatildeo co-presenccedila esta gerando o prazer Esse ato uacutenico eacute a performance (ZUMTHOR2007 p65)

Como se deu nas apresentaccedilotildees das trageacutedias aacuteticas em que a audiecircncia ao assistir ao

espetaacuteculo observava a performance dos atores utilizando-se da audiccedilatildeo e da vista contrapondo-se

agraves apresentaccedilotildees orais dos textos homeacutericos Nesse momento uacutenico no qual a performance eacute

executada os atores tentam interagir com a audiecircncia e tentam provocar algumas sensaccedilotildees como

no caso da trageacutedia grega terror e piedade conforme afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1449b 23-28)

ao definir a trageacutedia17

Em Atenas assim como expotildee Havelock (1996 p275) ldquoo drama aacutetico como uma forma de

arte nativa de Atenas surgiu conforme a tradiccedilatildeo sugere na uacuteltima metade do seacuteculo VI com o fim

de prover o necessaacuterio suplemento a Homerordquo Como uma extensatildeo da poesia homeacuterica o drama

aacutetico prosseguiu com o efeito didaacutetico daquela e tambeacutem promoveu o entretenimento ao puacuteblico

grego por meio das representaccedilotildees cecircnicas Mas ao contraacuterio do que fizera a epopeia ao fornecer

aos cidadatildeos atenienses uma ldquoidentidade coletiva moral poliacutetica e histoacutericardquo (HAVELOCK 1996

p276) o drama aacutetico propunha uma ldquoidentidade particular que era de uma cidade-estado

especiacutefica Ouvindo e assistindo agraves peccedilas encenadas eles reconheciam e absorviam um comentaacuterio

corrente a seu proacuteprio noacutemos e eacutethos (HAVELOCK 1996 p276) O drama tambeacutem se

contrapunha agrave poesia eacutepica no quesito de comunicaccedilatildeo pois os poemas homeacutericos necessitavam

somente do sentido da audiccedilatildeo do puacuteblico para captar a composiccedilatildeo oral jaacute o drama utilizava-se

simultaneamente de dois sentidos da audiccedilatildeo e da visatildeo Assim o drama aacutetico permanece com o 17 ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς

ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις δρώντων καὶ οὐ δι ἀπαγγελίας δι ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν Eacute pois a Trageacutedia imitaccedilatildeo de uma accedilatildeo de caraacuteter elevado completa e de certa extensatildeo em linguagem ornamentada e com vaacuterias espeacutecies de ornamentos distribuiacutedas pelas diversas partes [do drama] [imitaccedilatildeo que se efetua] natildeo por narrativa mas mediante atores e que suscitando o ldquoterror e a piedade tem por efeito a purificaccedilatildeo dessas emoccedilotildeesrdquo (traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa)

21

mesmo caraacuteter didaacutetico jaacute utilizado pelas epopeias homeacutericas uma combinaccedilatildeo de educaccedilatildeo com

entretenimento para propagar os costumes gregos Portanto ldquoas peccedilas eram representaccedilotildees

contiacutenuas de aspectos do panorama ciacutevico com que a audiecircncia era convidada a identificar-serdquo

(HAVELOCK 1996 p276)

Desse modo as peccedilas aacuteticas eram produtos de composiccedilatildeo oral na qual o coro era um

elemento central pois rememorava a parte mais poeacutetica da representaccedilatildeo O coro funcionava como

uma personagem na peccedila porque dialogava com as outras personagens e interferia no

desenvolvimento do enredo E o mito escolhido a ser encenado nada mais era do que um pequeno

trecho da poesia homeacuterica jaacute conhecido do puacuteblico

Finalmente o mito de cada peccedila situando a trama num passado heroico imaginaacuterio seguia o princiacutepio da fantasia homeacuterica envolvendo a mensagem contemporacircnea em uma aura arcaica de modo a dar-lhe assim distanciamento um tom grandiloquente e capacidade de sobrevivecircncia (HAVELOCK 1996 p 277)

Com o passar do tempo a oralidade como meio de divulgaccedilatildeo dos poemas vai se

enfraquecendo cedendo lugar a outras formas de comunicaccedilatildeo como a escrita e assim afirma

Havelock (1996 p277-78)

A comunicaccedilatildeo importante podia ser congelada na escrita lida relida e evocada em vez de plantar-se na memoacuteria oral Pela loacutegica deste avanccedilo o que se pode chamar de oralidade da trageacutedia grega estava destinada a sofrer erosatildeo O propoacutesito didaacutetico central havia de enfraquecer-se na medida em que a cultura vinha cada vez mais a apoiar-se em formas escritas de comunicaccedilatildeo estocada disponiacutevel para reutilizaccedilatildeo O justo equiliacutebrio entre instruccedilatildeo e entretenimento uma necessidade mnemocircnica desde tempos imemoriais havia de alterar-se privilegiando o entretenimento

Como representaccedilatildeo desse decliacutenio da oralidade no drama aacutetico consequecircncia da tensatildeo

vivida pela trageacutedia entre o falar e o ouvir tem-se como exemplo o papel do coro nas peccedilas gregas

O coro das trageacutedias gregas era um componente essencial a essas peccedilas pois ele carregava mais

fortemente o aspecto de composiccedilatildeo oral tatildeo presente nos poemas homeacutericos Os cantos corais eram

entoados por cidadatildeos gregos dando uma caracteriacutestica mais popular a essa parte da trageacutedia O

nuacutemero de participantes dos coros variava de acordo com o gecircnero teatral e o autor ldquophilological

opinion agrees with the numbers twelve for the choruses of Aeschylus fifteen for those of

Sophocles and Euripides and twenty-four in Ancient Comedy similarly for the fifty-member

chorus of the dithyrambrdquo18 (CALAME 1997 p 21) Segundo Calame em seu livro Choruses

young women in Ancient Greece o coro traacutegico assume uma forma retangular contrapondo-se agrave 18 A opiniatildeo filoloacutegica concorda com os nuacutemeros doze para os coros de Eacutesquilo quinze para os de Soacutefocles e

Euriacutepides e vinte e quatro na Comeacutedia Antiga da mesma forma cinquenta membros do coro do ditirambo

22

forma circular dos cantos liacutericos ainda que tenha vindo desse canto

The iconography of the lyric chorus is thus divided into two large categories one processional the other circular A third less important category of disposition in rows can be added This classification has two consequences First the rectangular formation of the tragic chorus should probably be included in this third class The tragic chorus would therefore originate in a lyric form and the dichotomy between tragic chorus characterized by retangle and lyric chorus circularity is probably not as marked as my remarks at the beginning of the paragraph would suggest Second the visual images reveal a feature of the lyric chorus not apparent in written documents that of procession (CALAME 1997 p38)19

E para acrescentar agraves informaccedilotildees estruturais do coro no livro An introduction to greek

tragedy o autor afirma que os atores que compunham o coro eram exclusivamente masculinos

usavam trajes adequados e maacutescaras que cobriam toda a cabeccedila20

Aleacutem das questotildees estruturais apresentadas sobre o coro natildeo se pode esquecer que no

drama aacutetico do seacutec V aC havia tambeacutem um propoacutesito didaacutetico que Havelock (1996 p315) divide

em dois niacuteveis

O primeiro eacute temaacutetico exigindo que a trama de toda a peccedila seja manipulada de modo tal que propicie um disfarce para os interesses sociais e contemporacircneos e uma liccedilatildeo indireta sobre como administrar O segundo eacute o aforiacutestico um niacutevel em que a retoacuterica e os cantos de todos os integrantes da trageacutedia satildeo linguisticamente elaborados de modo a conter copiosos fragmentos do eacutethos e do noacutemos da sociedade sua ldquosabedoriardquo oral

Nos cantos corais presencia-se o segundo niacutevel o aforiacutestico principalmente atraveacutes dos

ditos populares reelaborados como meio de divulgaccedilatildeo da sabedoria popular conforme aparece

num exemplo apresentado por Havelock (1996 p 310) ldquoO discurso oral memorizaacutevel

privilegiando o especiacutefico antes que o geral em vez de dizer A honestidade eacute a melhor poliacutetica

prefere dar-lhe esta formulaccedilatildeo um homem honesto eacute que alcanccedila proveitordquo Reescrevendo o dito

popular e o aproximando da realidade da sociedade espectante

Na trageacutedia grega do seacutec V encontram-se exemplos de aforismos nos cantos corais que

atribuem um caraacuteter oral e popular a esses cantos como se vecirc no segundo estaacutesimo da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo19 A iconografia do coro liacuterico estaacute assim dividida em duas grandes categorias uma a procissatildeo e a outra a circular

Uma terceira menos importante categoria de disposiccedilatildeo em filas podem ser adicionada Esta classificaccedilatildeo tem duas consequecircncias Em primeiro lugar a formaccedilatildeo retangular do coro traacutegico provavelmente deve ser incluiacuteda nesta terceira classe O coro traacutegico portanto originaacuterio de uma forma liacuterica e a dicotomia entre o coro traacutegico caracterizado pelo retangularidade e o coro liacuterico pelo circularidade provavelmente natildeo eacute tatildeo marcada como minhas observaccedilotildees no iniacutecio do paraacutegrafo sugere Em segundo lugar as imagens visuais revelam uma caracteriacutestica do coro liacuterico natildeo perceptiacutevel em documentos escritos como o da procissatildeo

20 SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011 p 4

23

παλαίφατος δ ἐν βροτοῖς γέρων λόγος                  τέτυκται μέγαν τελε-σθέντα φωτὸς ὄλβοντεκνοῦσθαι μηδ ἄπαιδα θνῄσκειν (Es Ag 750-753)

Priacutestino entre mortais velho proveacuterbio diz quando grandea opulecircncia humanaprocria e natildeo morre sem filho21

Como se pode observar o coro apresentado indica um proveacuterbio antigo e quem o proferiu O

coro esquiliano ao inserir o substantivo φωτὸς (humano dos homens) apresenta um caraacuteter

didaacutetico ao aproximar o proveacuterbio do povo aacutetico Praacutetica bastante comum natildeo soacute nos coros das

trageacutedias mas tambeacutem nas falas das personagens como no proacutelogo da trageacutedia As traquiacutenias de

Soacutefocles proferido por Dejanira

Λόγος μέν ἐστ ἀρχαῖος ἀνθρώπων φανεὶςὡς οὐκ ἂν αἰῶν ἐκμάθοις βροτῶν πρὶν ἂνθάνῃ τις οὔτ εἰ χρηστὸς οὔτ εἴ τῳ κακός (Sof Traq v 1-3)

Ditado antigo dos homensdiz que antes de morrer nenhum mortal pode saber se tem bom fado ou mau22

E mais uma vez encontra-se no aforismo uma referecircncia agrave identificaccedilatildeo do povo com o

proveacuterbio ao inserir o substantivo ἀνθρώπων (homem) confirmando assim o intuito didaacutetico das

peccedilas

Os ditos populares presentes nas trageacutedias satildeo um dos exemplos que marcam a

sobrevivecircncia da oralidade nas peccedilas do seacutec V aC Fato esse explicado porque a trageacutedia aleacutem de

sofrer influecircncias da oralidade dos poemas homeacutericos teria vindo de um canto popular o

ditirambo como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica

γενομένη δ οὖν ἀπ ἀρχῆς αὐτοσχεδιαστικῆς - καὶ αὐτὴ καὶ ἡ κωμῳδία καὶ ἡ μὲν ἀπὸ τῶν ἐξαρχόντων τὸν διθύραμβον ἡ δὲ ἀπὸ τῶν τὰ φαλλικὰ ἃ ἔτι καὶ νῦν ἐν πολλαῖς τῶν πόλεων διαμένει νομιζόμενα - κατὰ μικρὸν ηὐξήθη προαγόντων ὅσον ἐγίγνετο φανερὸν αὐτῆςmiddot καὶ πολλὰς μεταβολὰς μεταβαλοῦσα ἡ τραγῳδία ἐπαύσατο ἐπεὶ ἔσχε τὴν αὑτῆς φύσιν (Ar Poe 1449a 9-15)

Mas nascida de um princiacutepio improvisado (tanto a Trageacutedia como a Comeacutedia a Trageacutedia dos solistas do ditirambo a Comeacutedia dos solistas dos cantos faacutelicos composiccedilotildees estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades) [a Trageacutedia]

21 Traduccedilatildeo de Jaa TORRANO (2004)22 Traduccedilatildeo de Flaacutevio Ribeiro de OLIVEIRA (2009)

24

pouco a pouco foi evoluindo agrave medida que se desenvolvia tanto quanto nela se manifestava ateacute que passadas muitas transformaccedilotildees a Trageacutedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural23

Para confirmar essa influecircncia do ditirambo na poesia traacutegica em especial nos cantos corais

Calame em seu artigo ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo elenca mais outras fontes

antigas que registram a proximidade entre os dois gecircneros

Degraves le Ve siegravecle dailleurs les Grecs eux-mecircmes nont pas manqueacute de faire deacuteriver les repreacutesentations tragiques atheacutenienne dans leur ensemble dexeacutecutions chorales soit quHeacuterodote montre Clisthegravenes de Sicyone le beau-pegravere de Clisthegravenes dAthegravenes transfeacuterant les ltltchoeurs tragiquesgtgt de la ceacuteleacutebration du heacuteros Adraste agrave celle du dieu Dionysos soit quAristote en cherche lorigine dans linstitution des ltltconducteursgtgt du dithyrambe forme chorale deacutedieacutee au mecircme Dionysos soit encore quun teacutemoignage beaucoup plus tardif affirme que Solon aurait deacuteja attribueacute agrave Arion le poegravete meacutelique compositeur de dithyrambes la premiegravere exeacutecution dramatique que dune ltlttrageacutediegtgt Pour Diogegravene Laerce degraves lors il en fait aucun doute que les premiegraveres repreacutesentations tragiques eacutetaient assumeacutees uniquement par un groupe choral (CALAME 1997 p181-182)24

O ditirambo era uma narrativa de tema heroacuteico entoada por um coro em honra de Dioniso e

ao que parece performada de improviso25 daiacute o caraacuteter heroico considerado como elo entre o

ditirambo e a trageacutedia E Aristoacuteteles coloca o ditirambo lado a lado com a trageacutedia e a eacutepica ao

classificaacute-las como imitaccedilatildeo26 Mas a histoacuteria acerca da origem da trageacutedia eacute muito complexa

Muitas pinturas nos vasos colocam ao lado da encenaccedilatildeo traacutegica a figura de Dioniso e dos saacutetiros

Aristoacuteteles apresenta uma antiga proximidade entre os cantos dos saacutetiros com a trageacutedia ao dizer na

Poeacutetica

ἔτι δὲ τὸ μέγεθοςmiddot ἐκ μικρῶν μύθων καὶ λέξεως γελοίας διὰ τὸ ἐκ σατυρικοῦ μεταβαλεῖν ὀψὲ ἀπεσεμνύνθη τό τε μέτρον ἐκ τετραμέτρου ἰαμβεῖον ἐγένετο (Ar Poe 1449a 19-22)

23 Todas as traduccedilotildees da Poeacutetica de Aristoacuteteles presentes nesse texto satildeo de Eudoro de Sousa conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

24 A partir do seacuteculo V aleacutem disso os proacuteprios gregos natildeo deixaram de fazer representaccedilotildees traacutegicas atenienses nas suas execuccedilotildees corais seja quando Heroacutedoto mostra Cliacutestenes de Sicion o padrasto de Cliacutestenes de Atenas transferindo ltltcoros traacutegicosgtgt da celebraccedilatildeo do heroacutei Adrasto ao deus Dioniso seja quando Aristoacuteteles procura a origem da instituiccedilatildeo dos ltltcondutoresgtgt do ditirambo a forma coral dedicada ao mesmo Dioniso seja ainda um testemunho muito mais tarde que afirma que Soacutelon tinha jaacute atribuiacutedo a Arion o poeta meacutelico compositor de ditirambos a primeira execuccedilatildeo dramaacutetica de uma ltlttrageacutediagtgt Para Dioacutegenes Laeacutercio portanto natildeo haacute nenhuma duacutevida de que as primeiras representaccedilotildees traacutegicas foram assumidas apenas por um grupo coral

25 MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) p129

26 ἐποποιία δὴ καὶ ἡ τῆς τραγῳδίας ποίησις ἔτι δὲ κωμῳδία καὶ ἡ διθυραμβοποιητικὴ καὶ τῆς αὐλητικῆς ἡ πλείστη καὶ κιθαριστικῆς πᾶσαι τυγχάνουσιν οὖσαι μιμήσεις τὸ σύνολον A Epopeia a Trageacutedia assim como [a comeacutedia] e a poesia ditiracircmbica e a maior parte da auleacutetica e da citariacutestica todas satildeo em geral imitaccedilotildees (1447a 14-16) Inclui na traduccedilatildeo ldquoa comeacutediardquo pois natildeo consta na traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa e consta no texto grego κωμῳδία

25

Quanto agrave grandeza tarde adquiriu [a Trageacutedia] o seu estilo [soacute quando se afastou] dos argumentos breves e da elocuccedilatildeo grotesca [isto eacute] do [elemento] satiacuterico

Contudo a trageacutedia teria tido influecircncia de diversos gecircneros como a eacutepica o ditirambo e os

cantos dos saacutetiros Embora se verifique com mais evidecircncia a influecircncia da poesia eacutepica atraveacutes dos

mitos e do caraacuteter didaacutetico e do ditirambo na composiccedilatildeo dos cantos corais e do caraacuteter

ritualiacutestico como afirma Scullion (2005 p26)

Tragedyrsquos inheritance from epic is vastly more important to him than that from dithyramb but epic cannot account for tragedyrsquos choral component Dithyramb not only can do that but can also anchor tragedy in the specific Athenian milieu in which it came to fruition27

E dentre as questotildees sobre a origem da trageacutedia coloca-se que o inventor da trageacutedia foi

Teacutespis pois foi considerado o ldquothe man who first produced a recognizable ancestor of the tragic

actor on the Athenian stagerdquo28 (MILLER 1961 p132) Pela junccedilatildeo do primeiro ator traacutegico com o

canto coral influenciado pelo ditirambo assim teriam sido os primoacuterdios da trageacutedia Depois a

poesia traacutegica se consolida com Eacutesquilo que segundo Aristoacuteteles

καὶ τό τε τῶν ὑποκριτῶν πλῆθος ἐξ ἑνὸς εἰς δύο πρῶτος Αἰσχύλος ἤγαγε καὶ τὰ τοῦ χοροῦ ἠλάττωσε καὶ τὸν λόγον πρωταγωνιστεῖν παρεσκεύασενmiddot (Ar Poe 1449a 16-180)

Eacutesquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o nuacutemero dos atores diminuiu a importacircncia do coro e fez do diaacutelogo protagonista

Assim como os textos de Eacutesquilo tambeacutem sobreviveram os de Soacutefocles e os de Euriacutepides

totalizando trinta e duas peccedilas que foram performatizadas nos festivais dionisiacuteacos Todas as peccedilas

foram compostas ldquoroughly between the end of the Persian Wars and Athensrsquo defeat by Sparta and

her alliesrdquo29 (DEBNAR 2005 p6) Dentre essas peccedilas somente uma eacute de cunho histoacuterico Os

persas (472 aC) de Eacutesquilo que narra a derrota do rei persa Xerxes na batalha de Salamina As

outras peccedilas de Eacutesquilo foram apresentadas em trilogias mas soacute restou uma delas a Oresteia

composta pelas peccedilas Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides30 Essa trilogia foi encenada em 458 aC

no teatro de Dioniso Em todas as peccedilas que sobreviveram Eacutesquilo obteve o primeiro lugar

27 A heranccedila da trageacutedia do eacutepico eacute muito mais importante para ela do que a do ditirambo mas a eacutepica natildeo pode explicar o componente coral da trageacutedia O ditirambo natildeo soacute pode fazer isso mas tambeacutem pode ancorar a trageacutedia no meio especiacutefico ateniense em que chegaram a ser concretizadas

28 Homem que primeiro produziu um antepassado reconheciacutevel do ator traacutegico no palco ateniense29 Aproximadamente entre o final das Guerras Persas e a derrota de Atenas por Esparta e seus aliados30 MOTA 2008 p18

26

Eacutesquilo o poeta de Elecircusis aleacutem de escrever trageacutedias tambeacutem lutou na batalha de

Maratona talvez por isso tenha tratado numa de suas trageacutedias da guerra conforme jaacute foi citado

Embora o momento narrado na peccedila date de oito anos antes Eacutesquilo reescreve esse momento

histoacuterico em sua trageacutedia movendo os fatos do seacutec V ao passado miacutetico A vitoacuteria dos gregos

contra os persas influenciaram muito na poesia da eacutepoca como na trageacutedia Os persas de Eacutesquilo

como afirma Debnar (2005 p7)

Conversely although the historical referent of Persians is clear modern scholarsrsquo interpretations of the poetrsquos use of the event are shaped in large part by how far they believe the Athenians had moved toward empire by the end of the 470s31

Tambeacutem na Oresteia encontram-se referecircncias ao seacutec V periacuteodo em que as trageacutedias foram

encenadas

The conflicts and resolution of the Oresteia are strongly colored by the difficulties the Athenians were facing in the 450s clashes with the Persians the First Peloponnesian War and political upheavals within their own city32 (Debnar 2005 p 10)

A primeira trageacutedia da trilogia Agamecircmnon apresenta uma ecircnfase no mar mostrando a

forccedila da guerra mariacutetima na viagem rumo a Troia e no retorno do rei de Argos O poder mariacutetimo

refletiria o poder adquirido por Atenas ao vencer os Persas Na outra peccedila Eumecircnides Eacutesquilo

coloca em cena o tribunal ateniense e uma disputa entre as leis antigas (Eriacutenias) e as novas (Atena)

E como exemplo mais definido dessa reforma juriacutedica em Atenas tem-se o seguinte exemplo

It is equally certain that when Athena gives the jury of Athenian citizens the power to try cases of murder the poet alludes to Ephialtesrsquo reform of the Areopagus which still retained this power in 45833 (DEBNAR 2005 p 10)

Natildeo somente nas trageacutedias de Eacutesquilo observam-se essas referecircncias histoacutericas ao periacuteodo

em que foram encenadas as peccedilas Em Soacutefocles na trageacutedia Aacutejax que foi encenada durante o

periacuteodo de trinta anos de paz na Greacutecia demonstra um retorno aos mitos homeacutericos pela

personagem Aacutejax como tambeacutem apresenta uma proximidade com o seacutec V aC

31 Por outro lado embora o referencial teoacuterico de Os persas seja claro as interpretaccedilotildees dos estudiosos modernos usadas pelo poeta do evento satildeo formadas em grande parte por quatildeo longe eles acreditam que os atenienses tenham se movido em direccedilatildeo ao impeacuterio ateacute o final de 470

32 Os conflitos e a resoluccedilatildeo da Oresteia satildeo fortemente ilustradas pelas dificuldades que os atenienses enfrentavam em 450 confrontos com os persas a primeira guerra do Peloponeso e levantes poliacuteticos dentro de sua proacutepria cidade

33 Eacute igualmente certo que quando Atena daacute ao juacuteri de cidadatildeos atenienses competecircncia para julgar os casos de homiciacutedio o poeta alude agrave reforma do Aeroacutepago de Efialtes que ainda mantinha esse poder em 458

27

At the same time his [Ajax] command of sailors would have reminded the fifth-century audience of themselves and of the great aristocratic generals responsible for repelling the Persians and for the prosperity that the expansion of the empire brought their city (DEBNAR 2005 p12)34

Tambeacutem se verifica na peccedila Suplicantes de Euriacutepides assim como em Eacutesquilo a presenccedila da

guerra Mas o momento histoacuterico natildeo eacute o mesmo conforme afirma Debnar (2005 p16)

Nonetheless just as mention of civil war in Eumenides is likely to have reminded Aeschylusrsquo audience of the political situation after Ephialtesrsquo reforms so in Euripidesrsquo play the refusal of the Thebans to allow burial of their foes could have reminded the Athenians of a similar incident involving Boeotians in the recent past35

A reforma de Efialtes que aconteceu dois ou trecircs anos antes da encenaccedilatildeo da peccedila

Eumecircnides de Eacutesquilo pode ser lembrada pelos espectadores na trageacutedia como jaacute foi citado

anteriormente (DEBNAR 2005 p10) assim como o incidente recente envolvendo os Beoacutecios

poderia ter sido lembrado pela audiecircncia da peccedila Suplicantes de Euriacutepides

Conforme se observa nos exemplos apresentados durante o seacutec V aC periacuteodo em que

foram encenadas as trageacutedias os mitos gregos foram reescritos investidos de uma nova visatildeo no

caso a influecircncia dos momentos histoacutericos vividos pelos gregos A audiecircncia dessas peccedilas ao

assistir os fatos jaacute vivenciados pelo seu povo se identifica com a trageacutedia encenada

O teatro grego do seacutec V aC era encenado nas festas dionisiacuteacas como as Dioniacutesias Rurais

as Leneias e as Grandes Dioniacutesias exceto nas Antesteacuterias nas quais natildeo se confirmam as

apresentaccedilotildees teatrais As Dioniacutesias Rurais aconteciam no mecircs de dezembro mecircs de Poseidon

comeccedilavam com um cortejo faacutelico e em sequecircncia acontecia um sacrifiacutecio depois desses seguiam

com as representaccedilotildees teatrais a trageacutedia a comeacutedia e o ditirambo As Leneias aconteciam em

janeiro no mecircs do Gameacutelion e incluiacuteam o cortejo conduzido pelo arconte sacrifiacutecio e

apresentaccedilotildees dramaacuteticas de comeacutedia de trageacutedia e de ditirambo Esse festival era tipicamente

aacutetico pois natildeo contava com a presenccedila de natildeo-atenienses As Antesteacuterias aconteciam entre os dias

11 e 13 do mecircs de Antesteacuterion mecircs de fevereiro No primeiro dia de festival era o dia de abertura

dos toneacuteis No segundo dia havia um concurso de bebida No terceiro dia acontecia a festa das

34 Ao mesmo tempo o seu [Aacutejax] comando de marinheiros teria lembrado o puacuteblico do quinto seacuteculo deles mesmos e dos grandes generais aristocraacuteticos responsaacuteveis por repelir os persas e pela prosperidade que a expansatildeo do Impeacuterio trouxe a sua cidade

35 No entanto assim como a menccedilatildeo de guerra civil em Eumecircnides eacute provaacutevel que tenha lembrado a audiecircncia de Eacutesquilo da situaccedilatildeo poliacutetica apoacutes as reformas de Efialtes portanto na peccedila de Euriacutepides a recusa dos tebanos para permitir o sepultamento de seus inimigos poderia ter lembrado os atenienses de um incidente semelhante envolvendo os Beoacutecios num passado recente

28

marmitas E natildeo haacute muitas referecircncias acerca da existecircncia de concursos dramaacuteticos nessa festa36

As Grandes Dioniacutesias eram festivais urbanos em honra de Dioniso Eleuteacuterio Esse festival

acontecia no mecircs do Elafeboacutelion (no final de marccedilo) e contava com a presenccedila natildeo soacute de cidadatildeos

atenienses mas tambeacutem de outras cidades-estados Nesse festival havia concursos teatrais e ldquoo

responsaacutevel pelas celebraccedilotildees era o arconte-epocircnimo que tinha a seu cargo os custos da pompe37 e

dos concursos dramaacuteticos e ditiracircmbicosrdquo (CASTIAJO 2012 p20) No primeiro dia de festival os

poetas os atores e os participantes dos coros que se apresentaratildeo no evento mostram-se sem

maacutescaras e davam uma preacutevia das performances a serem apresentadas No final desse dia a estaacutetua

de Dioniacuteso eacute conduzida de seu templo ateacute o teatro No segundo dia acontecia o cortejo religioso a

pompe e depois o sacrifiacutecio e de tarde ocorria o concurso de cantos corais Nos outros dias

aconteciam as competiccedilotildees dramaacuteticas nas quais eram encenadas comeacutedias trageacutedias e dramas

satiacutericos

A ordem das competiccedilotildees dramaacuteticas bem como os dias a elas dedicados continuam a ser questotildees controversas A versatildeo dominante eacute a de que antes e depois da guerra do Peloponeso (431-404 aC) o primeiro dia dos concursos era dedicado agrave performance de cinco comeacutedias e os restantes trecircs eram preenchidos cada um deles com a apresentaccedilatildeo por um uacutenico poeta e corego de trecircs trageacutedias e um drama satiacuterico Outra das versotildees daacute como certo que o primeiro dia estava reservado agrave performance dos ditirambos de rapazes e agrave representaccedilatildeo de uma comeacutedia o segundo agrave competiccedilatildeo dos coros ditiracircmbicos de homens e agrave performance de outra comeacutedia e os trecircs uacuteltimos dias cada um deles agrave apresentaccedilatildeo de uma tetralogia traacutegica e de uma comeacutedia (CASTIAJO 2012 p 26)

No uacuteltimo dia do festival o arconte-epocircnimo anunciava agrave audiecircncia os vencedores dos

concursos dramaacuteticos Os poetas vencedores eram coroados com coroas de hera e conduzidos para

casa por um cortejo vitorioso Natildeo se sabe quais seriam os precircmios concedidos aos melhores atores

A encenaccedilatildeo das peccedilas do seacutec V aC nas Grandes Dioniacutesias acontecia normalmente no

teatro de pedra de Dioniso De laacute o puacuteblico de quase 3000 pessoas tinha uma visatildeo privilegiada na

qual era possiacutevel acompanhar a procissatildeo e visualizar os sacrifiacutecios38 E tambeacutem era um ambiente

propiacutecio para as danccedilas e encenaccedilotildees No palco acontecia a cena os atores usavam maacutescaras que

ajudavam na projeccedilatildeo vocal As maacutescaras davam um caraacuteter impessoal aos atores e os distanciava

da audiecircncia Elas eram diferentes para a trageacutedia e para a comeacutedia E para complementar o figurino

dos atores as vestimentas que poderiam por exemplo demonstrar a classe social muito diziam de

suas personagens Assim como as maacutescaras as vestimentas e os sapatos tambeacutem eram distintos para

a trageacutedia e a comeacutedia Na trageacutedia os atores usavam a tuacutenica peplo e na comeacutedia a tuacutenica chiton 36 CASTIAJO 2012 p 13-1737 Procissatildeo38 CASTIAJO 2012 p33

29

curta para que fosse possiacutevel visualizar o phallos Os sapatos na trageacutedia eram simples e

confortaacuteveis com altura ateacute a perna jaacute na comeacutedia os sapatos eram triviais as embades

Depois de paramentados os atores deveriam cumprir o seu papel de representar uma

personagem deixando de ser um mero recitador de poemas Para designar ator os gregos

utilizavam a palavra hypokrites ldquojaacute usada no seacuteculo V aC e que natildeo haveria nenhum outro termo

para denominar atores em geral incluindo os protagonistasrdquo (CASTIAJO 2012 p82) Aleacutem de

hypokrites havia outros termos mais especiacuteficos para designar o papel ocupado pelo poeta dentro

da encenaccedilatildeo como protagonistes deuteragonistes e tritagonistes Esses termos eram pouco

utilizados e serviam para indicar a divisatildeo dos atores e natildeo um niacutevel de importacircncia Os atores

deveriam ter habilidades especiacuteficas para conseguirem desempenhar o seu papel como uma boa

projeccedilatildeo vocal uma flexibilidade de gesticulaccedilatildeo uma capacidade de danccedilar e muito preparo fiacutesico

para aguentar a rotina de ensaios e o tempo no palco

Em cena o ator dialogava com outro ator ou com um coro Visto como elemento primordial

(jaacute mencionado anteriormente) o coro vai perdendo espaccedilo com o passar dos anos para outros

atores nas representaccedilotildees dramaacuteticas No seacutec V aC ainda vemos o coro participando efetivamente

das trageacutedias de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides mas soacute

na viragem do seacuteculo V para o IV aC nomeadamente com a figura de Aacutegaton que se assiste de uma forma mais evidente ao relegar do papel do coro para segundo plano jaacute que por esta altura o enfoque passou a ser atribuiacutedo aos atores sendo que a participaccedilatildeo do coro passou a ser escassa cabendo-lhe quase exclusivamente a intervenccedilatildeo em interluacutedios ndash embolima ndash entre as peccedilas que mais natildeo eram do que cacircnticos com pouca ou sem qualquer relaccedilatildeo com os acontecimentos representados no espaccedilo ceacutenico passando desta forma e definitivamente a estar afastado da accedilatildeo dramaacutetica (CASTIAJO 2012 p106-107)

Poreacutem enquanto esteve presente efetivamente nas representaccedilotildees dramaacuteticas segundo

Castiajo (2012 p109-113) o coro exerceu funccedilotildees importantes como sendo o narrador dos fatos

conhecidos e desconhecidos da audiecircncia como o interlocutor do ator como ldquoum intermediaacuterio

entre o mundo ficcional da peccedila e a realidade da audiecircncia jaacute que por natureza composiccedilatildeo e

colocaccedilatildeo fiacutesica pertencia simultaneamente ao mundo da peccedila e ao mundo da audiecircnciardquo

(CASTIAJO 2012 p 110) como elemento teatral de identificaccedilatildeo das personagens que entram em

cena como representantes de um grupo especiacutefico como representante de uma coletividade E

assim como os atores o coro tambeacutem deveria ter a habilidade de projeccedilatildeo de voz e de danccedilar

Todo esse aparato cecircnico do teatro do seacutec V aC culminava numa representaccedilatildeo teatral

cujo principal espectador era o cidadatildeo grego

30

Assim para aleacutem de todo o tipo de cidadatildeos que estariam presentes fosse qual fosse a sua categoria profissional ou niacutevel de formaccedilatildeo ndash artesatildeos agricultores sacerdotes poetas filoacutesofos (o que a este niacutevel eacute representativo da dimensatildeo democraacutetica dos festivais) ndash eacute hoje cada vez mais aceite que tambeacutem os escravos as crianccedilas e as mulheres tinham assento no teatro (CASTIAJO 2012 p130)

Quanto agrave presenccedila das mulheres nas representaccedilotildees teatrais haacute controveacutersias alguns

estudiosos acreditam que as mulheres teriam ido ao teatro embora em nuacutemero reduzido e ficando

restritas a cadeiras especiacuteficas e outros que defendem que as mulheres natildeo frequentavam o teatro

durante os festivais E aleacutem dos homens mulheres crianccedilas e escravos os natildeo-atenienses39 ainda

assistiam aos espetaacuteculos durante as Grandes Dioniacutesias Essa diversidade de audiecircncia exigia dos

poetas e dos atores uma maior profissionalizaccedilatildeo de sua arte para que pudessem agradar o maior

nuacutemero possiacutevel de espectadores

O teatro em Roma se inicia por volta do seacutec III aC apoacutes a tomada da cidade de Tarento

pois os artesatildeos e os soldados apoacutes terem contato em suas viagens com representaccedilotildees teatrais nas

cidades de origem grega quiseram trazer essa nova experiecircncia para Roma

Because Roman merchants and soldiers had seen tragic performances in the Greek theatres of Tarentum and Syracuse during the campaigns against Pyrrhus and the Carthaginians they wanted to introduce this kind of drama at Rome and in 240BC Livius Andronicus a Tarentine Greek who bore the name of his Roman patron was commissioned to translate ndash or rather adapt ndash a tragedy and a comedy for the victory games40 (FANTHAM 2007 p116)

Todavia o teatro romano em sua formaccedilatildeo natildeo somente sofreu influecircncias dos gregos

provenientes da regiatildeo conhecida como Magna Greacutecia ndash Lucacircnia Apuacutelia e Siciacutelia ndash mas tambeacutem

dos etruscos (povo situado ao norte de Roma) e dos uacutembrios (povo situado agrave nordeste de Roma)

Os etruscos acumulavam elementos da cultura grega e da cultura feniacutecia Ficaram

conhecidos por seus muacutesicos danccedilarinos e maacutescaras mas natildeo restou nenhum texto escrito dessas

manifestaccedilotildees artiacutesticas somente pinturas que representam tais manifestaccedilotildees Tambeacutem o nome

actor (ator) teria origem na palavra etrusca histrio Quanto aos umbros pouco se sabe a respeito

deles Diante dessas imprecisas informaccedilotildees conclui Dupont (2003 p 142) ldquoCar ce qui fait

lidentiteacute du theacuteacirctre latin cest la rencontre et la synthegravese des deux la poeacutesie grecque e les spectacles

latins41rdquo Com isso pode-se dizer que as principais fontes do teatro romano seriam o teatro grego e

os espetaacuteculos latinos 39 Como trata-se de teatro ateniense os estrangeiros satildeo os que natildeo pertencem aquela poacutelis40 Porque os comerciantes e os soldados romanos tinham visto performances dramaacuteticas nos teatros gregos de Tarento e Siracusa durante as campanhas contra Pirro e os cartagineses eles queriam introduzir este tipo de drama em Roma e em 240 aC Liacutevio Andronico um tarentino grego que tinha o nome de seu patrono romano foi contratado para traduzir ndash ou melhor adaptar ndash uma trageacutedia e uma comeacutedia para os jogos de vitoacuteria41 Pois o que faz a identidade do teatro latino eacute o encontro e a siacutentese de dois a poesia grega e os espetaacuteculos latinos

31

Os espetaacuteculos romanos eram apresentados nos chamado ludi um festival coletivo puacuteblico

ou privado E nesses natildeo soacute aconteciam apresentaccedilotildees teatrais mas tambeacutem corrida de cavalos

combate de animais combate de gladiadores entre outras Os espetaacuteculos teatrais eram chamados

de ludi scaenici e os outros espetaacuteculos eram conhecidos como ludi circenses

The ludi scaenici were organised by Roman magistrates who used them (among other things) to impress their peers clients and the citizen body as a whole and (especially where the praetexta was concerned) for specific political goals42 (BOYLE 2009 p6)

Os romanos promoviam a princiacutepio espetaacuteculos de cunho religioso nos quais foram

inseridos as apresentaccedilotildees performatizadas ldquoThe ludi began with a sacrifice to the appropriate deity

and a procession from the cult temple but when the play began the actors had to compete with all

kinds of circus-style entertainmentrdquo43 (BOYLE 2009 p6) Os sacrifiacutecios tambeacutem poderiam ser

feitos aos magistrados e nem sempre eram dedicados a apenas uma divindade Jaacute as procissotildees

provavelmente remontam a uma tradiccedilatildeo etrusca

Nos ludi incluiam-se vaacuterias apresentaccedilotildees comeacutedias trageacutedias farsas atelanas mimos

muacutesica e danccedila44 Os espetaacuteculos teatrais eram apresentados em teatros ditos ldquotemporaacuteriosrdquo que

podiam ser montados e desmontados normalmente a estrutura desse teatro era feita de madeira ou

de maacutermore Por isso a scaena podia ser montada em vaacuterios lugares da cidade ao contraacuterio do que

acontecia com os jogos circenses que tinham um lugar fixo e fechado para a apresentaccedilatildeo de seus

espetaacuteculos45 O primeiro teatro dito ldquopermanenterdquo construiacutedo em Roma foi o teatro de Pompeu em

55 aC como caracteriza Goldberg (1996 p265)

The vast structure itself was in many ways a marvel Romes first stone theater designed to hold perhaps 40000 spectators incorporated a temple of Venus Victrix above the cavea flanked by four ancillary sanctuaries to revered abstractions like Honos and Virtus while behind the stage building stretched an elaborate portico and formal garden connecting the theater with a new senate-house some 200 meters to the east46

42 Os ludi scaenici foram organizados por magistrados romanos que os usaram (entre outras coisas) para impressionar os seus pares nobres e o corpo do cidadatildeo como um todo e (especialmente onde estava a pretexta foi referida) para objetivos poliacuteticos especiacuteficos

43 Os ludi comeccedilavam com um sacrifiacutecio agrave divindade apropriada e uma procissatildeo do templo de culto mas quando a peccedila comeccedilava os atores tinham que competir com todos os tipos de entretenimento de estilo circense

44 BOYLE 2009 p645 BEACHAM 2007 p202-22646 A grande estrutura em si foi de muitas maneiras uma maravilha o primeiro teatro de pedra de Roma projetado para

manter talvez 40 mil espectadores incorporou um templo de Venus Victrix acima do cauea ladeado por quatro santuaacuterios auxiliares para reverenciadas abstraccedilotildees como Honos e Virtus enquanto por detraacutes do palco construiacutedo estendeu um poacutertico elaborado e um jardim formal ligando o teatro com uma nova casa senatorial cerca de 200 metros para o leste

32

Depois desse teatro foram construiacutedos os teatros de Balbo em 13 aC e o de Marcelo em 11

aC no reinado de Augusto47 Com um espaccedilo fiacutesico definido para as encenaccedilotildees os jogos romanos

jaacute constavam em seus calendaacuterios Em Roma os festivais aconteciam normalmente de abril a

novembro comeccedilando com os Ludi Megalenses e os Ludi Cerialis em abril e terminando com os

Ludi Plebeii em novembro48

Em todos os jogos aconteciam representaccedilotildees teatrais que eram encerrados pelas

apresentaccedilotildees circenses Os espetaacuteculos duravam o dia todo se estendendo ateacute a noite O povo

romano passava muitos dias do ano nos Jogos Aleacutem de proporcionar divertimento nesses

espetaacuteculos eram distribuiacutedos para o povo comida e presentes

A audiecircncia romana era composta por pessoas de todas classes sociais do escravo ao

magistrado mas havia uma divisatildeo social dentro do teatro cujo em assentos especiacuteficos de acordo

com a sua colocaccedilatildeo na sociedade as pessoas se acomodavam

Admission was free on a first-come first-served basis but restrictions on seating for different classes made the theatre lsquoa vivid representation of Roman social hierarchyrsquo As choruses played little or no role in Roman drama seats were set up in the orchestra for senators (and possibly their families) behind which sat recent civic honourees The next fourteen rows were reserved for the lsquoknightsrsquo (equites) Behind them sat married (male) citizens then unmarried citizens then women and finally slaves who often stood in the back49 (REHM 2007 p197)

Os atores traacutegicos portavam uma coroa na cabeccedila vestiam-se com uma toga puacuterpura ou

violeta e calccedilavam coturnos Quanto agraves maacutescaras os atores romanos natildeo as utilizaram muito

porque a princiacutepio elas estavam restritas agraves atelanas50 As maacutescara foram usadas por um curto

espaccedilo de tempo durante o seacutec I pela trageacutedia e pela comeacutedia Esse haacutebito soacute foi conservado pela

pantomima51 Ao inveacutes da maacutescara o ator romano privilegiava o uso da maquiagem52

Outro produto essencial do teatro romano era a muacutesica que estava presente em todas as

47 DUPONT 2003 p5848 REHM 2007 p19449 A entrada era gratuita organizada por ordem de chegada mas as restriccedilotildees de assentos para diferentes classes

tornavam o teatro a representaccedilatildeo viva da hierarquia social romana Como os coros pouco encenados ou com nenhum papel no teatro romano os assentos foram instalados na orquestra para senadores (e possivelmente suas famiacutelias) atraacutes dos quais se sentavam os cidadatildeos receacutem homenageados As proacuteximas quatorze filas foram reservadas para os cavaleiros (equites) Atraacutes deles sentavam-se os cidadatildeos casados (masculino) os cidadatildeos solteiros entatildeo as mulheres e finalmente os escravos que muitas vezes ficavam na parte de traacutes

50 A atelana era ldquooriginaacuteria ao que tudo indica uma espeacutecie de farsa popular vivida por personagens fixas burlescas e caracteriacutesticas (hellip) Aparentada com o drama satiacuterico com a hilarotrageacutedia e com a farsa tarentina a atelana era representada por personagens mascaradas (hellip) Vazada inicialmente em linguajar ruacutestico a atelana se intelectualiza aos poucos assumindo dimensotildees literaacuterias no comeccedilo do seacutec I aC quando Noacutevio e Pompocircnio compotildeem textos para representaccedilotildeesrdquo (CARDOSO 2003 p 38)

51 A pantomima era ldquorepresentada por atores mascarados e versando sobre assuntos mitoloacutegicos ou extraiacutedos da realidade cocircmicos ou seacuteriosrdquo (CARDOSO 2003 p38)

52 DUPONT 2003 p81

33

apresentaccedilotildees teatrais A muacutesica era apresentada por um flautista e um cantor O puacuteblico romano

preferia a muacutesica desde as origens da cidade ldquoLa culture musicale est geacuteneacuterale les chansons

chanteacutees au theacuteacirctre sont reprises et fredonneacutees dans les rues et les banquetsrdquo53 (DUPONT 2003

p116) Aleacutem de apreciar a muacutesica o puacuteblico romano tambeacutem se detinha no momento do

espetaacuteculo na performance dos atores

A preferecircncia do povo romano pela muacutesica pelo espetaacuteculo pela performance vai distanciaacute-

lo do teatro de texto teatro de influecircncia grega cultivado pelos poetas do periacuteodo claacutessico romano

O teatro em Roma de acordo com o puacuteblico pode ser dividido em dois tipos diferentes como afirma

DUPONT (2003 p126-127)

Le theacuteacirctre romains fut donc perpeacutetuellement deacutechireacute par un clivagem sociologique du public qui correspond agrave un clivage estheacutetique Ce clivage lisible dans le public va aboutir agrave la constitution de deux publics et deux types de theacuteacirctres diffeacuterents Paralleacutelement agrave la pantomime qui va canaliser le public populaire un theacirctre litteacuteraire apparaicirct sous lEmpire theacuteacirctre agrave textes54

Com isso as apresentaccedilotildees teatrais no periacuteodo do Impeacuterio Romano mais aceitas pelo

puacuteblico popular eram as pantomimas enquanto os textos teatrais se propagavam pela elite romana

Esse novo teatro romano de natureza literaacuteria natildeo se adequava agraves apresentaccedilotildees teatrais ocorridas

durante os Jogos por isso os poetas encontraram um outro meio de divulgar as suas obras elas

eram apresentadas em reuniotildees particulares de aristocratas em forma de leitura puacuteblica55

La lecture des trageacutedies donne agrave celle-ci une digniteacute nouvelle Cette reacuteception eacuterudite des textes theacuteacirctraux suscite une nouvelle forme deacutecriture la piegravece est deacutesormais un texte clos produisant une signification symbolique Deacutesormais il est possible denvisager lexistence dun theacuteacirctre politique intentionnellement politique ougrave les personnages soient des figures du pouvoir et mecircme dun theacuteacirctre psychologique ougrave les personnages soient des figures de la passion (DUPONT 2003 p 127-128)56

Com esse novo meio de divulgaccedilatildeo dos textos as peccedilas teatrais passaram a privilegiar

outros assuntos natildeo abordados antes como as questotildees poliacuteticas e sociais estas caracteriacutesticas natildeo

eram mencionadas nas encenaccedilotildees durante os Jogos Romanos pois nesses eventos o principal

53 A cultura musical eacute geral as canccedilotildees cantadas no teatro satildeo retomadas e cantaroladas nas ruas e nos banquetes 54 O teatro romano foi pois perpetualmente divido por uma clivagem socioloacutegica do puacuteblico que corresponde a uma

clivagem esteacutetica Essa clivagem legiacutevel do puacuteblico vai resultar na constituiccedilatildeo de dois puacuteblicos e de dois tipos de teatro diferentes Paralelamente agrave pantomima que vai canalizar o puacuteblico popular um teatro literaacuterio aparece sob o Impeacuterio o teatro de texto

55 DUPONT 2003 p12756 A leitura das trageacutedias datildeo a essas uma nova dignidade Essa recepccedilatildeo erudita dos textos teatrais suscita uma nova

forma de escrita a peccedila eacute daqui em diante um texto fechado produtor de uma significaccedilatildeo simboacutelica Daqui em diante eacute possiacutevel considerar a existecircncia de um teatro poliacutetico intencionalmente poliacutetico onde as personagens sejam figuras de poder mesmo de um teatro psicoloacutegico onde as personagens sejam figuras de paixatildeo

34

objetivo era o divertimento

O teatro literaacuterio se inicia com Liacutevio Andronico Apoacutes a tomada de Tarento em 272 aC o

jovem eacute levado para Roma como preso de guerra Ele chega nessa cidade ainda crianccedila e eacute educado

em escola biliacutengue para escravos especializados E em 249 aC Liacutevio Andronico apresenta o

primeiro poema nos Ludi Tarentini Ele tambeacutem traduziu a Odisseia de Homero em versos

saturninos e escreveu peccedilas teatrais atraveacutes de mitos gregos como a mais conhecida O Cavalo de

Troia57 assim ldquoby adapting a Greek tragedy Livius was transferring an established Greek dramatic

tradition to Rome creating the Roman theatrerdquo58

Depois de Liacutevio Andronico Neacutevio foi o segundo tragedioacutegrafo em Roma Ele encenou a

primeira trageacutedia em 235 aC e tanto escreveu trageacutedias como comeacutedias59 Tambeacutem utilizou-se de

temas associados agrave mitologia grega e aleacutem disso Neacutevio introduziu um novo gecircnero dramaacutetico

tipicamente romano a fabula pretexta

Ecircnio tambeacutem escreveu trageacutedias e inovou em seus poemas ldquoIl ne lui suffit pas decirctre

applaudi au theacuteacirctre il veut ecirctre immortaliseacute dans ses oeuvres Il inaugure un noveau type de poegravetes

qui a la faccedilon grecque cherche la gloire dans leacutecriture (DUPONT 2003 p 313)60 por isso ele

distancia-se da trageacutedia para encenaccedilatildeo dos Jogos Romanos Ecircnio escreveu uma epopeia Annales e

uma trageacutedia pretexta61 Ambracia Esse poeta foi muito citado por Ciacutecero e aceito pelo povo

romano suas trageacutedias seguiram o modelo das trageacutedias gregas utilizando-se principalmente da

mitologia ldquoEnnius a donneacute agrave ses trageacutedies leur dimension monumentale par une eacutecriture rheacutetorique

qui leur insufflait un poids politiquerdquo62 (DUPONT 2003 p 326)

No periacuteodo em que foram encenadas as trageacutedias de Liacutevio Neacutevio e Ecircnio havia uma

preocupaccedilatildeo com a audiecircncia em contraposiccedilatildeo o proacuteximo tragedioacutegrafo Pacuacutevio natildeo se

preocupou com isso

Pacuvius did not strive for complete audience identificacion with his characters in that he used the archaicizing language of his dramatic precursors and coined some odd expressions to elevate his poetry from contemporary expression63 (ERASMO 2004

57 DUPONT 2003 p 145-16158 Adaptando uma trageacutedia grega Liacutevio estava transferindo uma tradiccedilatildeo dramaacutetica grega estabelecida a Roma

criando o teatro romano59 ERASMO 2004 p1460 Natildeo basta para ele ser aplaudido no teatro ele quer ser imortalizado em suas obras Ele inaugura um novo tipo de

poeta que ao modo grego procura a gloacuteria na escrita 61 A trageacutedia praetexta eacute uma trageacutedia tipicamente romana pois os acontecimentos se passam em Roma e as

personagens satildeo da histoacuteria romana ldquoNa fabula praetexta o heroacutei eacute um grande homem rei ou cocircnsul da histoacuteria romana e enverga a toga debruada a puacuterpura insiacutegnia do poder Trata-se de um teatro de caacuteriz poliacuteticordquo (GAILLARD 1992 p 36)

62 Ecircnio deu a suas trageacutedias um dimensatildeo monumental a uma escrita retoacuterica que lhe insuflava um peso poliacutetico 63 Pacuacutevio natildeo se esforccedila para a completa identificaccedilatildeo da audiecircncia com seus personagens em que ele usou a

linguagem arcaizante de seus precursores dramaacuteticas e cunhou algumas expressotildees estranhas para elevar sua poesia

35

p35)

Pacuacutevio foi considerado um dos melhores tragedioacutegrafos romanos Depois dele tem-se Aacutecio

que continuou a escrever trageacutedias de mitos gregos mas ele ldquoseems to draw attention to the art of

persuasion as much as to its ill effectsrdquo64 (ERASMO 2004 p43) Ele marcou a sua eacutepoca como o

uacuteltimo tragedioacutegrafo profissional em Roma65

No Impeacuterio de Augusto a trageacutedia romana ganha vaacuterios representantes mas deste periacuteodo

restaram pouquiacutessimos versos A maioria da produccedilatildeo traacutegica da eacutepoca foi amadora as mais

famosas peccedilas foram Tiestes de Vaacuterio e Medeia de Oviacutedio as quais Quintiliano comentou66 Nesse

periacuteodo a pantomima ganha mais espaccedilo nas apresentaccedilotildees teatrais e as trageacutedias passam a ser mais

escritas e elaboradas Para Dupont (2003 p 340-341)

Mais en reacutealiteacute le siegravecle dAuguste marque le divorce deacutefinitif de la parole tragique e des spectacles car les pantomimes et les lectures publiques apparaissent preacuteciseacutement agrave ce moment La trageacutedie se transforme totalment en opeacutera et la poeacutesie dramatique se retire dans les auditoriums67

Com isso pode-se pensar que a trageacutedia romana deixa de ser encenada e passa a ser lida

publicamente em reuniotildees privadas da aristocracia romana

Under the Principate literary drama began to abandon public theaters for the more intimate (and more aristocratic) confines of smaller roofed halls and private homes Recitation rather than fully staged performance became the norm the kind of performance long established for the presentation of Latin literary works68

(GOLDBERG 1996 p273)

de expressatildeo contemporacircnea64 parece chamar a atenccedilatildeo para a arte da persuasatildeo tanto quanto aos seus efeitos nocivos65 GOLDBERG 1996 p27066 GOLDBERG 1996 p27167 Mas na realidade o seacuteculo de Augusto marca o divoacutercio definitivo da fala traacutegica e dos espetaacuteculos pois as

pantomimas e as leituras puacuteblicas aparecem precisamente nesse momento A trageacutedia se transforma totalmente em oacutepera e a poesia dramaacutetica se retira dos auditoacuterios

68 Sob o principado drama literaacuterio comeccedilou a abandonar os teatros puacuteblicos para os mais iacutentimos limites (e mais aristocraacutetico) de salas cobertas menores e casas particulares Recitaccedilatildeo em vez de totalmente encenada uma performance tornou-se a norma o tipo de perfomance estabelecida haacute muito tempo para a apresentaccedilatildeo de obras literaacuterias latinas

36

3 CAPIacuteTULO 2 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo

Este capiacutetulo pretende apresentar como o mito do rei Agamecircmnon eacute mostrado pela tradiccedilatildeo

grega de Homero a Eacutesquilo Nesse periacuteodo haacute registros do mito de Agamecircmnon na Iliacuteada e na

Odisseia de Homero nos fragmentos dos poemas do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos no

poema Oresteia de Estesiacutecoro que chegou ateacute noacutes tambeacutem de forma muito fragmentada na Piacutetica

XI de Piacutendaro e na Oresteia de Eacutesquilo Com base nessa tradiccedilatildeo tentar-se-aacute apresentar como o

mito de Agamecircmnon eacute reescrito por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon

31 A tradiccedilatildeo eacutepica os poemas homeacutericos e os poemas eacutepicos do ciclo troiano

Os primeiros textos poeacuteticos da literatura grega que restaram foram a Iliacuteada e a Odisseia

ambos atribuiacutedos a Homero datados do seacutec VIII aC Nas duas obras encontra-se a nossa

personagem principal Agamecircmnon sendo apresentada em cada uma das obras de maneira

particular

A Iliacuteada narra a ira de Aquiles que se deu no uacuteltimo ano da guerra de Troia A ira do chefe

dos Mirmidotildees foi provocada por Agamecircmnon que ao perder a sua presa de guerra filha de um

sacerdote de Apolo apossa-se da cativa de Aquiles Briseida No canto I Agamecircmnon mostra-se um

rei impiedoso arrogante e desrespeitoso com os deuses quando natildeo se importa com o pedido de

Crises (Il I v24-32) E o chefe dos gregos fica irritado quando Calcante o acusa de ser o

responsaacutevel pela peste no acampamento

Ἤτοι ὅ γ ὣς εἰπὼν κατ ἄρ ἕζετο τοῖσι δ ἀνέστηἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνωνἀχνύμενος μένεος δὲ μέγα φρένες ἀμφιμέλαιναιπίμπλαντ ὄσσε δέ οἱ πυρὶ λαμπετόωντι ἐΐκτην (Hom Il I v101-104)

Levanta-te entatildeo do seu postoo nobre filho de Atreu Agameacutemnone rei poderosocom torvo aspecto De trevas a coacutelera o peito lhe enchia a transbordar Pareciam-lhe os olhos dois fogos brilhantes69

Aquiles sente-se ultrajado pelo rei que tomou a sua cativa de guerra e pede ajuda agrave sua

matildee Teacutetis No canto II Agamecircmnon tem um sonho enganador e por isso convoca uma assembleia

para que os gregos retornem agrave guerra O rei aparece portando um cetro de origem divina como

siacutembolo do seu poder divino

69 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

37

ἀνὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνἔστη σκῆπτρον ἔχων τὸ μὲν Ἥφαιστος κάμε τεύχωνἭφαιστος μὲν δῶκε Διὶ Κρονίωνι ἄνακτι (Hom Il II v100-102)

Levanta-se o forte Agameacutemnonenas matildeos o cetro que Hefesto com muito artifiacutecio forjarapara presente fazer a Zeus pai que de Crono nascera

Depois da assembleia Agamecircmnon faz um sacrifiacutecio a Zeus para que proteja os gregos na

guerra demonstrando um caraacuteter religioso proacuteprio dos monarcas (Il II v402-403) E com o

exeacutercito pronto o rei aparece suntuoso de aparecircncia divina

μετὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνὄμματα καὶ κεφαλὴν ἴκελος Διὶ τερπικεραύνῳἌρεϊ δὲ ζώνην στέρνον δὲ Ποσειδάωνιἠΰτε βοῦς ἀγέληφι μέγ ἔξοχος ἔπλετο πάντωνταῦρος ὃ γάρ τε βόεσσι μεταπρέπει ἀγρομένῃσιτοῖον ἄρ Ἀτρεΐδην θῆκε Ζεὺς ἤματι κείνῳἐκπρεπέ ἐν πολλοῖσι καὶ ἔξοχον ἡρώεσσιν (Hom Il II v477-483)

No meio se achava Agameacutemnone ao grande fulminador semelhante no olhar e feitio do rosto a Ares no talho do cinto e a Posido no peito fortiacutessimoBem como o touro de grande manada que a todos os outros bois sobreexcede e apoacutes se vai levando reunidas as vacastal aparecircncia emprestou nesse dia Zeus grande a Agameacutemnonepara que fosse o primeiro entre tantos heroacuteis excelentes

No canto III Priacuteamo pede a Helena que lhe apresente quais satildeo os gregos presentes naquele

combate O primeiro eacute Agamecircmnon assim descrito por Helena

οὗτός γ Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνων ἀμφότερον βασιλεύς τ ἀγαθὸς κρατερός τ αἰχμητής (Hom Il III v178-179)

Esse eacute Agamecircmnon rei poderoso de Atreu descendente tatildeo grande rei chefe dos homens quatildeo forte e notaacutevel guerreiro

E apoacutes as palavras de Helena Priacuteamo responde

ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη μοιρηγενὲς ὀλβιόδαιμονἦ ῥά νύ τοι πολλοὶ δεδμήατο κοῦροι Ἀχαιῶν (Hom Il III v182-183)

Oacute venturoso Agameacutemnone filho dileto dos deusesque sobre tantos guerreiros Acaios o mando exercitas

38

Mais adiante no canto IX depois de muitos gregos mortos em combate Agamecircmnon

propotildee o retorno agrave Greacutecia pois os gregos estatildeo perdendo a batalha

ἀλλ ἄγεθ ὡς ἂν ἐγὼ εἴπω πειθώμεθα πάντες φεύγωμεν σὺν νηυσὶ φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν οὐ γὰρ ἔτι Τροίην αἱρήσομεν εὐρυάγυιαν (Hom Il IX v26-28)

Ora faccedilamos conforme o aconselho obedeccedilam-me todos para o torratildeo de nascenccedila fujamos nas ceacuteleres naves pois eacute impossiacutevel tomar a cidade espaccedilosa dos Teucros

Mas por causa dessa proposta o rei natildeo eacute bem visto pelos companheiros sendo considerado

como covarde por isso pela primeira vez reconhece os seus erros e propotildee a Aquiles por

intermeacutedio de Odisseu a devoluccedilatildeo de Briseida e uma grande recompensa (Il IX v15-161)

Mesmo assim Aquiles ainda irado natildeo aceita a proposta do rei de Argos (Il IX v386-387) No

canto XI tem-se o triunfo do chefe das tropas gregas Agamecircmnon lidera os gregos num combate

contra os troianos chefiados por Heitor Nesse duelo o Atrida mata muitos inimigos

ἀτὰρ κρείων Ἀγαμέμνων αἰὲν ἀποκτείνων ἕπετ Ἀργείοισι κελεύων (Hom Il XI v153-154)

Natildeo cessa Agameacutemnone forte de dizimar o inimigo exortando os guerreiros argivos

Poreacutem o rei acaba se ferindo em combate e embora natildeo quisesse sair da luta para se

proteger sobe num carro rumo agraves naus

στῆ δ εὐρὰξ σὺν δουρὶ λαθὼν Ἀγαμέμνονα δῖοννύξε δέ μιν κατὰ χεῖρα μέσην ἀγκῶνος ἔνερθεἀντικρὺ δὲ διέσχε φαεινοῦ δουρὸς ἀκωκήῥίγησέν τ ἄρ ἔπειτα ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνωνἀλλ οὐδ ὧς ἀπέληγε μάχης ἠδὲ πτολέμοιο (Hom Il XI v251-255)

Sem que o notasse Agameacutemnone pocircs-se-lhe ao lado e com a lanccedila proacuteximo do cotovelo o antebraccedilo no meio feriu-lhe atravessando-o com a ponta aguccedilada do hastil reluzente Estremeceu Agameacutemnone nobre pastor de guerreiros mas natildeo obstante natildeo quis desistir dos combates e lutas

Logo o chefe retorna ao acampamento dos gregos para cuidar dos ferimentos Em seguida

no canto XIV Agamecircmnon chega ao acampamento ferido ao lado de Odisseu e Diomedes o rei

retoma a ideia de que os gregos fujam de Troia

39

νῆες ὅσαι πρῶται εἰρύαται ἄγχι θαλάσσηςἕλκωμεν πάσας δὲ ἐρύσσομεν εἰς ἅλα δῖανὕψι δ ἐπ εὐνάων ὁρμίσσομεν εἰς ὅ κεν ἔλθῃνὺξ ἀβρότη ἢν καὶ τῇ ἀπόσχωνται πολέμοιοΤρῶες ἔπειτα δέ κεν ἐρυσαίμεθα νῆας ἁπάσαςοὐ γάρ τις νέμεσις φυγέειν κακόν οὐδ ἀνὰ νύκταβέλτερον ὃς φεύγων προφύγῃ κακὸν ἠὲ ἁλώῃ (Hom Il XIV v75-81)

Sem mais demora arrastemos as naus que se encontram mais perto da praia extensa e as lancemos agraves ondas divinas bem longe onde o mar for mais profundo firmando-as com as pedras acircncoras para aguardarmos a Noite imortal Caso os Teucros se abstenham de combater poderemos talvez pocircr a nado elas todas Natildeo eacute vergonha fugir ainda mesmo seja de noite Eacute preferiacutevel da ruiacutena escapar a ser presa do imigo

Mas os outros gregos natildeo querem recuar e retomam a luta Apoacutes muitas perdas e com a

decisatildeo de Aquiles de retornar para a batalha para vingar a morte de Paacutetroclo no canto XIX

Agamecircmnon mais uma vez reconhece os seus erros e a ofensa a Aquiles com isso por intermeacutedio

de Odisseu devolve Briseida e os ricos presentes jaacute prometidos Ao devolver a cativa de Aquiles

Agamecircmnon faraacute um juramento afirmando nunca ter tocado na jovem

ἀνθρώπους τίνυνται ὅτις κ ἐπίορκον ὀμόσσῃ μὴ μὲν ἐγὼ κούρῃ Βρισηΐδι χεῖρ ἐπένεικα οὔτ εὐνῆς πρόφασιν κεχρημένος οὔτέ τευ ἄλλου (Hom Il XIX v260-262)

Nunca na jovem Briseide toquei nem por forccedila de amores nem porque em mim tenha atuado outra forccedila qualquer porventura Em minha tenda durante esse tempo ficou ela intacta

E no canto XXIII Aquiles preocupado com as honras fuacutenebres de Paacutetroclo logo apresenta

Agamecircmnon como chefe das tropas para determinar a construccedilatildeo da pira funeraacuteria do morto desse

modo o poder do rei mostra-se vinculado aos preceitos religiosos

ἠῶθεν δ ὄτρυνον ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγάμεμνονὕλην τ ἀξέμεναι παρά τε σχεῖν ὅσσ ἐπιεικὲςνεκρὸν ἔχοντα νέεσθαι ὑπὸ ζόφον ἠερόενταὄφρ ἤτοι τοῦτον μὲν ἐπιφλέγῃ ἀκάματον πῦρθᾶσσον ἀπ ὀφθαλμῶν λαοὶ δ ἐπὶ ἔργα τράπωνται (Hom Il XXIII v49-53)

Mas quando da aurora raiar Agameacutemnone de homens caudilhomanda que lenha nos tragam e o mais de que um morto precisaquando haacute de a viagem fazer para o reino das trevas espessas para que o fogo incansavel depressa o consuma tirando-ode nossas vistas e assim possam todos voltar para a lida

Assim as apariccedilotildees de Agamecircmnon na Iliacuteada satildeo descritas observa-se que a personagem eacute

40

caracterizada atraveacutes das falas de outras personagens e tambeacutem de suas proposiccedilotildees

principalmente num contexto de guerra como rei chefe guerreiro forte valoroso valente

poderoso viril religioso e de aparecircncia divina em alguns momentos eacute depreciado ao aparecer

como covarde e autoritaacuterio Nesse texto o Agamecircmnon natildeo exerce outros papeacuteis como os

familiares ele aparece principalmente como chefe dos gregos

Poreacutem Agamecircmnon natildeo estaacute presente na Iliacuteada somente nesses momentos citados

anteriormente apenas foram selecionados os mais relevantes O chefe dos gregos eacute intitulado

principalmente dos seguintes epiacutetetos Atrida como em ἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων

Ἀγαμέμνων70 (Hom Il I v102) tambeacutem nesse exemplo tem-se o epiacuteteto de poderosoforte

κρείων outro epiacuteteto eacute o de chefe dos homens ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων71 ( Hom Il II

v612) Chega a ser equiparado aos deuses ao receber a seguinte adjetivaccedilatildeo ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη72

(Hom Il III v182) o adjetivo μάκαρ eacute usado apenas para os deuses como se pode verificar no

verbete do Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego de Isidro (1998 p 354)

μάκαρ feliz rico opulento os Bem-aventurados (deuses)

Jaacute na Odisseia epopeia que narra a volta de Odisseu para a sua paacutetria apoacutes guerrear em

Troia a menccedilatildeo agrave personagem Agamecircmnon se faz em nuacutemero menor de versos em comparaccedilatildeo

com a Iliacuteada No canto III Atena na aparecircncia de Mentor acompanha Telecircmaco na busca por

notiacutecias sobre Odisseu que ainda natildeo havia retornado para a paacutetria apoacutes passados muitos anos do

fim da batalha Na primeira parada desembarcam em Pilos e encontram o velho Nestor que lhes

contaraacute alguns acontecimentos do fim da guerra de Troia como o momento da assembleia dos

gregos liderada por Agamecircmnon para discutir o retorno para a paacutetria Depois Nestor menciona o

destino do valoroso chefe dos gregos

Ἀτρεΐδην δὲ καὶ αὐτοὶ ἀκούετε νόσφιν ἐόντεςὥς τ ἦλθ ὥς τ Αἴγισθος ἐμήσατο λυγρὸν ὄλεθρον (Hom Od III v193-194)

O que respeita ao Atrida soubeste-lo embora distantesde sua volta e do fim desditoso que Egisto lhe urdiu73

70 Optou-se por natildeo traduzir diretamente no texto alguns versos citados em grego da Iliacuteada e da Odisseia de Homero e do Agamecircmnon de Eacutesquilo pois as traduccedilotildees utilizadas para as obras citadas em alguns momentos natildeo abrangem o valor semacircntico adequado para essa pesquisaPortanto traduziu-se o verso assim O nobre Atrida Agamecircmnon chefe poderoso (traduccedilatildeo nossa)

71 O chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)72 Oacute bem-aventurado Atrida (traduccedilatildeo nossa)73 Todas as traduccedilotildees da Odisseia da Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na

referecircncia bibliograacutefica HOMERO Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

41

Nessa conversa a deusa Atena tambeacutem fala da morte de Agamecircmnon como produto do

artifiacutecio de sua esposa e do amante dela

ἢ ἐλθὼν ἀπολέσθαι ἐφέστιος ὡς Ἀγαμέμνων ὤλεθ ὑπ Αἰγίσθοιο δόλῳ καὶ ἧς ἀλόχοιο (Hom Od III v234-235)

tal como Agameacutemnone que sucumbiu ante fraude de sua mulher e de Egisto

Mais adiante Telecircmaco questiona Nestor sobre a morte de Agamecircmnon O velho explica

como Egisto planejou a morte e lembra que Orestes vingou a morte do rei matando Egisto Nestor

atribui a Egisto o assassiacutenio do rei

κτείνας Ἀτρεΐδην δέδμητο δὲ λαὸς ὑπ αὐτῷ ἑπτάετες δ ἤνασσε πολυχρύσοιο Μυκήνης (Hom Od III v304-305)

(Egisto) reina em Micenas em ouro abundante durante sete anos poacutes dar a Morte a Agameacutemnone e o povo forccedilar a obediecircncia

No canto IV Telecircmaco aporta na Lacedemocircnia e visita o palaacutecio de Menelau o irmatildeo de

Agamecircmnon O jovem escuta as palavras do rei que descreve como foi o retorno dos gregos para as

suas respectivas paacutetrias apoacutes a destruiccedilatildeo de Troia e relata que Agamecircmnon foi morto ao voltar

para casa viacutetima de um plano de Egisto que preparou um banquete como armadilha para

recepcionaacute-lo e o matar com o intuito de tomar o seu reino

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como

42

na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

No canto VIII quando Odisseu estaacute na terra dos feaacutecios e participa da assembleia um cantor

aparece para recitar os feitos dos homens dentre eles Agamecircmnon (Od VIII v77-79) No canto

IX Odisseu se apresenta ao Ciclope como partiacutecipe da tropa de Agamecircmnon (Od IX v263-266)

No canto XI Odisseu desce ao Hades e encontra por laacute Agamecircmnon uma alma sofrida

acompanhado dos companheiros mortos por Egistos (Od XI v387-389) Odisseu conversa com

Agamecircmnon e busca saber a causa da sua morte O chefe dos gregos assim responde

οὔτε μ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ ἐπὶ χέρσουἀλλά μοι Αἴγισθος τεύξας θάνατόν τε μόρον τεἔκτα σὺν οὐλομένῃ ἀλόχῳ οἶκόνδε καλέσσαςδειπνίσσας ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃὣς θάνον οἰκτίστῳ θανάτῳ (Hom Od XI v408-412)

nem quando em terra saltasse caiacute pela matildeo de inimigosNatildeo minha Morte e o destino fatal por Egisto me vieramCom minha esposa funesta matou-me depois de chamar-me para um banquete em sua casa qual boi que se abate no talhoDessa maneira morri vergonhosa

Agamecircmnon lamenta a sua morte vergonhosa e tambeacutem critica a sua esposa (Od XI v427-

430) No canto XIII jaacute em Iacutetaca Odisseu ao conversar com Atenas teme que o seu destino seja

semelhante ao de Agamecircmnon ao saber da existecircncia dos pretendentes de Peneacutelope (Od XIII

v383-385) E no canto XXIV Agamecircmnon novamente aparece no Hades pois os pretendentes de

Peneacutelope apoacutes a morte seguem para o reino dos mortos Eles ficam ao redor de Aquiles e chega

Agamecircmnon que conversa com o Pelida Aquiles lembra a morte ingloriosa do chefe dos gregos

(Od XXIV v34) que a lamenta

ἐν νόστῳ γάρ μοι Ζεὺς μήσατο λυγρὸν ὄλεθρονΑἰγίσθου ὑπὸ χερσὶ καὶ οὐλομένης ἀλόχοιο (Hom Od XXIV v96-97)

Zeus me aprestou triste Morte ao me achar novamente na praia agraves matildeos de Egisto guerreiro e da minha funesta consorte

Agamecircmnon reconhece dentre os pretendentes um que o hospedou em Iacutetaca Os dois

conversam o rei lamenta a esposa que teve e admira a sorte de Odisseu que se casou com uma

mulher muito virtuosa Peneacutelope (Od XXIV v192-202)

Desse modo a Odisseia nos apresenta o mito do glorioso chefe dos gregos lembrando

principalmente a sua morte que aparece em conflito com a gloacuteria guerreira dele Agamecircmnon eacute

lembrado pelas personagens por causa da sua morte vergonhosa e tambeacutem aparece duas vezes na

43

narrativa como uma alma sofrida por ter tido tal morte

Dos fragmentos dos poemas eacutepicos do ciclo troiano haacute a reconstituiccedilatildeo de parte dos textos

estes poemas seriam Cantos Ciacuteprios Etiacuteopes A Pequena Iliacuteada O Saque de Iacutelion Retornos e

Telegonia todos eles foram escritos apoacutes as obras de Homero Dentre os poemas apresentar-se-atildeo

apenas Cantos Ciacuteprios e Retornos pois ambos apresentam trechos relevantes do mito de

Agamecircmnon O Cantos Ciacuteprios datado do seacutec VI aC e de autoria desconhecida deteacutem-se nas

origens da Guerra de Troia ateacute o iniacutecio da Iliacuteada Neste poema Agamecircmnon o chefe dos gregos

sacrifica a proacutepria filha Ifigecircnia em honra agrave deusa Aacutertemis

και τό δεύτερον ήθροισμένου του στόλου έν Ανλίδι Αγαμέμνων επί θήρας βαλών έλαφον ύπερ-βάλλειν έφησε και τήν Αρτεμιν μηνίσασα δέ ή θεός έπέσχεν αυτούς τοΰ πλον χειμώνας έπιπέμπουσα Ίίάλχαντος δέ είπόντος τήν της θεού μήνιν καί Ίφιγένειαν κελενσαντος θύειν τήι Αρτέμιδι ώς επί γάμον αυτήν Αχιλλεΐ μεταπεμφάμενοι θύειν έπιχει-ρούσιν ltΚάλχας δέ έφη ουκ άλλως δύνασθαι πλεΐν αυτούς ει μή τών Αγαμέμνονος θυγατέρων ή κρα-τιστεύονσα κάλλει σφάγιον Αρτέμιδος παραστήι πέμφας Αγαμέμνων προς Κλυταιμήστραν Όδυσσέα καί Ταλθύβιον Ίφιγένειαν ήιτει λέγων ύπεσχήσθαι δώσειν αυτήν Αχιλλεΐ γυναίκα μισθόν της στρατείας Αρgt Αρτεμις δέ αυτήν έζαρπάσασα εις Ταύρους μετακομίζει καί άθάνατον ποιεί έλαφον δέ αντί της κόρης παρίστησι τώι βωμώ (APOLODORO Ep 3 20 apud SOUSA 2008 p 27)

Enquanto a frota se prepara em Aacuteulis para uma segunda expediccedilatildeo contra Iacutelion Agamecircmnon mata um cervo em uma caccedilada e se vangloria de ser melhor que Aacutertemis Zangada a deusa envia tempestades que impedem a frota de zarpar Calcante explica a razatildeo do mau tempo e diz que natildeo poderatildeo navegar enquanto a mais bela filha de Agamecircmnon natildeo for imolada em honra de Aacutertemis Decidindo-se a realizar o sacrifiacutecio Agamecircmnon envia Taltiacutebio e Odisseu a Clitemnestra para perguntar por Ifigecircnia afirmando que a jovem estava prometida a Aquiles em recompensa pela participaccedilatildeo deste na expediccedilatildeo Iludida a matildee entrega a filha Quando Ifigecircnia chega o altar jaacute estaacute pronto para a imolaccedilatildeo No entanto Aacutertemis retira a jovem do altar colocando em seu lugar um cervo e a leva para junto dos Tauros na Crimeia onde lhe concede a imortalidade74

Depois se verifica no poema as novas invasotildees das tropas gregas o saque de algumas

cidades e a divisatildeo dos espoacutelios de guerra

και εκ των λαφύρων Άχιλλεύς μεν Βρισηίδα γέρας λαμβάνει Χρυσηΐδα δέ Αγαμέμνων (PROCLUS Chrestomathia apud SOUSA 2008 p30)

74 Todas as traduccedilotildees dos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos presentes nesse texto satildeo de Francisco Edi de Oliveira Sousa retiradas da Tese de Doutorado de seguinte referecircncia SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

44

Aquiles toma Briseida como sua parte Agamecircmnon Criseida capturada em Tebas Hipoplaacutecia onde se encontrava por conta de sacrifiacutecios em honra de Aacutertemis

No Retornos atribuiacutedo a Haacutegias de Trezene e datado de VII aC localizado de acordo com

o mito apoacutes a Odisseia observa-se que Agamecircmnon sai de Troia e tenta voltar para a paacutetria Em

seguida eacute relatada a morte dele

ltέπειgtτα Αγαμέμνονος νπο Αιγίσθου και Κλυταιμήστρας άναιρεθέντος νπ Όρέστον και ΤΙυλάδον τιμωρία (Poculum Homericum MB 36 (SINN) apud SOUSA 2008 p 54-55)

Agamecircmnon por sua vez retorna ao seu palaacutecio onde eacute morto por Egisto e Clitemnestra Mais tarde Orestes e Piacutelades chegam para vingar o assassiacutenio de Agamecircmon

Como se trata de fragmentos o que nos restou dos poemas dos ciclos eacutepicos apresentam-

nos uma breve narraccedilatildeo acerca de partes do mito de Agamecircmnon Observa-se nos trechos dos

Cantos Ciacuteprios o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a posse de Criseida por Agamecircmnon como presa de

guerra e no trecho de Retornos a morte do rei ao chegar agrave sua paacutetria

32 A tradiccedilatildeo liacuterica Estesiacutecoro e Piacutendaro

Assim como na Iliacuteada e na Odisseia de Homero e nos poemas Cantos Ciacuteprios e Retornos

mais tarde por entre os seacutec VI e V aC o mito de Agamecircmnon apareceraacute na poesia liacuterica de

Estesiacutecoro Ele escreveu muitos poemas e dentre eles um intitulado Oresteia dividido em dois

livros E conforme afirma Campbell (2001 p2) esse poema teria sido uma adaptaccedilatildeo de um poema

homocircnimo anterior de Xanto

Stesichorus referred somewhere in his poetry to a predecessor Xanthus who composed an Oresteia which Stesichorus was said to have adapted and this Xanthus may have been a western Greek75

Aleacutem disso restaram apenas alguns fragmentos desse poema que foram reconstituiacutedos a

partir de vaacuterios textos como no livro I de um escoliasta de Aristoacutefanes em Paz (775ss 800 797ss)

no livro II de um escoliasta de Dionisio da Traacutecia (Art 6) de Habron num escoliasta da Iliacuteada de

Homero (ap POxy 1087 ii 47s) e no livro I ou II de Filodemo em Sobre a piedade de um

escoliasta de Euriacutepides em Orestes (46) de um escoliasta de Eacutesquilo em Coeacuteforas (733) e de

75 Estesiacutecoro referiu-se em algum lugar na sua poesia a um antecessor Xanto que compocircs uma Oresteia que Estesiacutecoro havia dito ter adaptado e Xanto pode ter sido um grego ocidental

45

Plutarco em De sera numinis vindicta (10 555a)76 Dos fragmentos reconstituiacutedos nenhum

menciona Agamecircmnon mas um deles apresenta um sonho que Clitemnestra teve antes de ser morta

por Orestes

τᾶι δὲ δράκων ἐδόκησε μολεῖν κάρα βεβροτωμένος ἄκρονἐκ δ ἄρα τοῦ βασιλεὺς Πλεισθενίδας ἐφάνη (Plut ser num vind 10 555a - iii 412 Pohlenz-Sieveking apud CAMPBELL 2001 p 132-133)

And it seemed to her that a snake came the top of its head bloodstained and out of it appeared a Pleisthenid king77

Esses versos trazem uma parte do sonho premonitoacuterio de Clitemnetra que tambeacutem aparece

em Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo Esse sonho teria acontecido antes da morte de Clitemnestra

Em Estesiacutecoro ela interpreta a serpente como sendo Agamecircmnon irado pela morte que teve e por

isso ela envia oferendas ao tuacutemulo do rei Desse modo os versos do poeta liacuterico sugerem que

Clitemnestra teria matado o marido como pode se observar a partir do estudo abaixo

This appears from the nature of the dream which terrified the Clytaemnestra of Stesichorus just before the retribution A serpent approached her with gore upon its head and then changed into Agamemnon78 (JEBB 1894 seccedilatildeo 6)

Jaacute o mesmo episoacutedio do sonho nas Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo eacute relatado pelo Coro

em diaacutelogo com Orestes mas ambos interpretam o sonho como sendo Orestes a cobra que

Clitemenestra tem nos braccedilos Essa interpretaccedilatildeo diverge da interpretaccedilatildeo sugerida a partir dos

fragmentos de Estesiacutecoro

Acerca de Agamecircmnon nos fragmentos de Estesiacutecoro soacute pode se suscitar que ele foi morto

pelas matildeos de sua esposa ao se tentar reconstituir os dois versos mencionados do poema Oresteia

E para escrever esse poema Estesiacutecoro talvez tenha se utilizado dos poemas de Homero e Hesiacuteodo

como pode se observar no Comentaacuterio do Papiro (POxy 2506 fr26 col ii apud CAMPBELL 2001

p 130-131)

Στη]σίχορος ἐχρήσατ[ο διη-γήμασιν τῶν τε ἄλλ[ων ποι-ητῶν οἱ πλείονες τ[μαις ταῖς τούτου με[Ὅμηρον κα[ὶ] Ἡσίοδον [μᾶλλ[ον] Στησιχο[ρ][

76 Todas as indicaccedilotildees citadas e os fragmentos encontram-se em CAMPBELL 2001 p127-13377 E parecia-lhe que uma serpente veio o topo de sua cabeccedila manchada de sangue e com isso surgiu um rei Pliacutestenes78 Isso aparece a partir da natureza do sonho que aterrorizou a Clitemnestra de Estesiacutecoro pouco antes da retribuiccedilatildeo

Uma serpente se aproximou dela com sangue em cima de sua cabeccedila e depois mudou para Agamecircmnon

46

φων[]

Stesichorus used narratives (of Homer and Hesiodo) and most of the other poets used his material for after Homer and Hesiodo they agree above all with Stesichorus79

Apesar de haver apenas fragmentos dos poemas de Estesiacutecoro pode-se deduzir que a

Oresteia dele assim como os poemas de outros poetas contemporacircneos a ele foram influenciados

pelos textos de Homero e Hesiacuteodo e influenciaram os poetas posteriores como mostra a citaccedilatildeo

anterior

Depois da Oresteia de Estesiacutecoro parte do mito de Agamecircmnon eacute narrada no poema Piacutetica

XI de Piacutendaro datado de entre 474-454 aC Esse poema foi composto para um tebano o vencedor

Trasideo Encontra-se na Piacutetica XI (v16-37) assim o mito do rei de Argos

νικῶν ξένου Λάκωνος Ὀρέστατὸν δὴ φονευομένου πατρὸς Ἀρσινόα Κλυταιμήστραςχειρῶν ὕπο κρατερᾶνἐκ δόλου τροφὸς ἄνελε δυσπενθέοςὁπότε Δαρδανίδα κόραν ΠριάμουΚασσάνδραν πολιῷ χαλκῷ σὺν Ἀγαμεμνονίᾳψυχᾷ πόρευ Ἀχέροντος ἀκτὰν παρ εὔσκιοννηλὴς γυνά πότερόν νιν ἄρ Ἰφιγένει ἐπ Εὐρίπῳσφαχθεῖσα τῆλε πάτραςἔκνισεν βαρυπάλαμον ὄρσαι χόλονἢ ἑτέρῳ λέχεϊ δαμαζομένανἔννυχοι πάραγον κοῖται τὸ δὲ νέαις ἀλόχοιςἔχθιστον ἀμπλάκιον καλύψαι τ ἀμάχανονἀλλοτρίαισι γλώσσαιςκακολόγοι δὲ πολῖταιἴσχει τε γὰρ ὄλβος οὐ μείονα φθόνονὁ δὲ χαμηλὰ πνέων ἄφαντον βρέμειθάνεν μὲν αὐτὸς ἥρως Ἀτρεΐδαςἵκων χρόνῳ κλυταῖς ἐν ἈμύκλαιςΓ΄μάντιν τ ὄλεσσε κόραν ἐπεὶ ἀμφ Ἑλένᾳ πυρωθένταςΤρώων ἔλυσε δόμουςἁβρότατος ὁ δ ἄρα γέροντα ξένονΣτροφίον ἐξίκετο νέα κεφαλάΠαρνασσοῦ πόδα ναίοντ ἀλλὰ χρονίῳ σὺν Ἄρειπέφνεν τε ματέρα θῆκέ τ Αἴγισθον ἐν φοναῖς (Pin Pit XI v 16-37)

o amigo do lacoacutenico Orestes Arsiacuteone sua ama arrancou-o do amargo engano logo que seu pai foi assassinado agraves matildeos violentas de Clitemnestra quando esta impiedosa mulher jogou Cassandra filha de Priacuteamo o Dardacircnida juntamente com a alma de Agameacutemnon para a margem sombria de aqueronte com o accedilo cinzento Teraacute sido Ifigeacutenia chacinada em Euripo longe da paacutetria quem a levou a erguer a matildeo pesada do rancor Ou teraacute sido dominada numa cama anoacutenima e as noites de

79 Estesiacutecoro usou narrativas (de Homero e Hesiacuteodo) e muitos outros poetas usaram esse material porque depois de Homero e Hesiacuteodo eles concordam acima de tudo com Estesiacutecoro

47

sexo desviaram-na do seu caminho Este eacute o erro mais odioso das jovens esposas e eacute impossiacutevel de esconder porque os outros iratildeo contaacute-lo Os cidadatildeos falam mal uns dos outros porque toda a becircnccedilatildeo traz consigo uma natildeo menor inveja mas quem respira junto ao chatildeo geme sem ser visto Foi assim que morreu o heroacuteico filho de Atreuquando finalmente regressou agrave famosa Amiclas e destruiu a rapariga das profecias ao acabar com o luxo na casa dos troianos e pocircr-lhes fogo por causa de Helena Orestes a jovem crianccedila foi para junto do velho Estroacutefio amigo da famiacutelia que vivia no sopeacute de Parnasso Por fim com a ajuda de Ares matou a matildee e afogou Egisto numa mar de sangue 80

Como se pode observar no trecho do poema eacute mencionada a morte de Agamecircmnon e a de

Cassandra causada por Clitemnestra depois se verificam os questionamentos sobre os motivos que

levaram Clitemnestra a matar o rei e finaliza com a vinganccedila de Orestes ao matar a matildee e o

amante dela O foco desse poema eacute concedido agrave Clitemenestra que matou o rei e a maior parte da

referecircncia miacutetica expotildee os questionamentos da rainha

33 A tradiccedilatildeo traacutegica Agamecircmnon de Eacutesquilo

Apoacutes a tradiccedilatildeo liacuterica tem-se notiacutecia do mito de Agamecircmnon por meio da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo datada de 458 aC Essa trageacutedia foi encenada juntamente com outras duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo compondo assim uma trilogia intitulada Oresteia A

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute a primeira peccedila da trilogia que narra a morte do rei Agamecircmnon

viacutetima de um plano de vinganccedila da sua esposa e do amante dela ao retornar agrave sua paacutetria

A peccedila eacute composta por partes dialogadas (episoacutedios) e por partes cantadas (estaacutesimos ndash

cantos corais) O enredo da trageacutedia se inicia com um proacutelogo recitado pelo Vigia que aguarda os

sinais do fim da guerra de Troia Ele apresenta o palaacutecio dos Atridas e Clitemnestra que espera o

retorno do marido (Ag v1-39) No primeiro episoacutedio Clitemnestra anuncia a destruiccedilatildeo de Troia

mesmo que o mensageiro ainda natildeo tenha chegado ao palaacutecio (Ag v267) Segundo ela os fachos

de fogo mostram que Troia foi tomada pelos gregos (Ag v281-316) No segundo episoacutedio o

Arauto chega ao palaacutecio e narra a gloacuteria dos gregos em Troia Comeccedila o seu relato falando dos

feitos guerreiros de Agamecircmnon e anuncia que o rei estaacute para chegar

δέξασθε κόσμῳ βασιλέα πολλῷ χρόνῳ

80 Todas as traduccedilotildees do poema Piacutetica XI de Piacutendaro presentes nesse texto satildeo de Antoacutenio de Castro Caeiro conforme a seguinte referecircncia PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

48

ἥκει γὰρ ὑμῖν φῶς ἐν εὐφρόνῃ φέρωνκαὶ τοῖσδ ἅπασι κοινὸν Ἀγαμέμνων ἄναξἀλλ εὖ νιν ἀσπάσασθε καὶ γὰρ οὖν πρέπειΤροίαν κατασκάψαντα τοῦ δικηφόρουΔιὸς μακέλλῃ τῇ κατείργασται πέδον (Ag v521-526)

Recebei em ordem o rei passado tempoe a todos esses luz comum rei AgamecircmnonEia bem o saudai pois assim conveacutemele revolveu Troia com a enxada de Zeus portador de justiccedila lavrado estaacute o solo81

ἄναξ Ἀτρείδης πρέσβυς εὐδαίμων ἀνήρ ἥκει τίεσθαι δ ἀξιώτατος βροτῶντῶν νῦν (Ag v530-532)

O rei Atrida secircnior e com bons Numesvem Honrai o mais digno dos mortaisde hoje

Depois o Arauto continua lembrando os males vividos durante a guerra (Ag v551-566) e

rememora a vitoacuteria dos gregos (Ag v577-579) Sob a indagaccedilatildeo do Coro sobre o destino de

Menelau o Arauto relata a tempestade no mar que ocasionou o naufraacutegio de vaacuterias naus Por causa

disso as naus do marido de Helena teriam desaparecido (Ag v636-680) No terceiro episoacutedio o

Coro anuncia a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio dos Atridas

ἄγε δή βασιλεῦ Τροίας πτολίπορθἈτρέως γένεθλονπῶς σε προσείπω πῶς σε σεβίξωμήθ ὑπεράρας μήθ ὑποκάμψαςκαιρὸν χάριτος (Ag v783-787)

Eia oacute rei devastador de Troiaprogecircnie de Atreucomo te saudar como te venerarnatildeo excedendo nem faltandoagrave medida do benefiacutecio

Agamecircmnon louva os deuses pela destruiccedilatildeo de Troia e pelo seu retorno satildeo e salvo agrave paacutetria

(Ag v810-813) Logo Clitemnestra lamenta o tempo que o marido ficou ausente e lembra os

rumores ouvidos por ela acerca da rotina guerreira do cocircnjuge (Ag v855-913) E para receber

Agamecircmnon Clitemnestra prepara as honras devidas a ele natildeo permitindo que o marido pise o

chatildeo descoberto

νῦν δέ μοι φίλον κάρα81 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

49

ἔκβαιν ἀπήνης τῆσδε μὴ χαμαὶ τιθεὶςτὸν σὸν πόδ ὦναξ Ἰλίου πορθήτορα (Ag v905-907)

Agora oacute cabeccedila querida desce desse carro sem pocircr no chatildeoo teu peacute devastador de Iacutelion oacute rei

Por causa disso Agamecircmnon pede agrave esposa honras dignas de um homem e natildeo de um deus

mas Clitemnestra tenta convencecirc-lo de sua gloacuteria Logo Agamecircmnon pede agrave rainha que acolha

Cassandra a presa de guerra filha de Priacuteamo (Ag v950-952) No quarto episoacutedio Clitemnestra

convida a cativa para entrar no palaacutecio e menciona o banquete que estaacute sendo preparado para

festejar o retorno do rei Ao adentrar o palaacutecio Cassandra entra em estado de transe (Ag v1072-

1073) Ela vecirc os crimes cometidos dentro da morada dos Atridas Em seguida a profetisa descreve

como aconteceraacute um novo crime

ἰὼ τάλαινα τόδε γὰρ τελεῖς                   τὸν ὁμοδέμνιον πόσινλουτροῖσι φαιδρύνασα - πῶς φράσω τέλοςτάχος γὰρ τόδ ἔσται προτείνει δὲ χεὶρ ἐκχερὸς ὀρεγομένα (Ag v1107-1111)

Ioacute Miacutesera isto faraacutes Ao lavares no banhoo teu marido ndash como direi o fatoLogo isto seraacute ela estende a matildeo apoacutes matildeo alcanccedilando

ἦ δίκτυόν τί γ Ἅιδουἀλλ ἄρκυς ἡ ξύνευνος ἡ ξυναιτίαφόνου (Ag v1115-1117)

Eacute um laccedilo de HadesMas a rede eacute o seu cocircnjuge co-autora do massacre

ἆ ἆ ἰδοὺ ἰδού ἄπεχε τῆς βοὸς                   τὸν ταῦρον ἐν πέπλοισινμελαγκέρῳ λαβοῦσα μηχανήματιτύπτει πίτνει δ lsaquoἐνrsaquo ἐνύδρῳ τεύχειδολοφόνου λέβητος τύχαν σοι λέγω (Ag v1125-1129)

Acirc acirc Olha olha Potildee longe de vacao touro Na tuacutenica com negricoacuternio ardil ela captura e feree ele tomba na banheira cheia daacutegua

Aleacutem de anuciar um proacuteximo crime Cassandra prenuncia a sua proacutepria morte (Ag v1258-

1260) Ela tambeacutem lembra o castigo que recebeu de Apolo E menciona a traiccedilatildeo de Clitemnestra e

50

Egisto

ἐκ τῶνδε ποινάς φημι βουλεύειν τινάλέοντ ἄναλκιν ἐν λέχει στρωφώμενονοἰκουρόν οἴμοι τῷ μολόντι δεσπότῃ -ἐμῷ φέρειν γὰρ χρὴ τὸ δούλιον ζυγόννεῶν τ ἄπαρχος Ἰλίου τ ἀναστάτηςοὐκ οἶδεν οἵα γλῶσσα μισητῆς κυνὸςλείξασα κἀκτείνασα φαιδρὸν οὖς δίκηνἄτης λαθραίου τεύξεται κακῇ τύχῃτοιάδε τόλμα θῆλυς ἄρσενος φονεύς (Ag v1223-1231)

Digo que trama puniccedilatildeo por isto um leatildeo covarde a rolar no leito caseiro contra o receacutem-vindo senhor meu pois devo suportar o julgo servil O capitatildeo de navios e destruidor de Iacutelion natildeo conhece que liacutengua de odiosa cadela a falar e a esticar escusa alegremente lograraacute latente dano com maligna sorte Tal eacute a ousadia fecircmea mata macho

Ἀγαμέμνονός σέ φημ ἐπόψεσθαι μόρον (Ag v1246)

Digo que veraacutes a morte de Agamecircmnon

Apoacutes a profetizaccedilatildeo de Cassandra Agamecircmnon soacute voltaraacute agrave cena no final do quarto

estaacutesimo (diaacutelogo dos coreutas) gritando por estar sendo golpeado como se vecirc nos versos

Αγ ὤμοι πέπληγμαι καιρίαν πληγὴν ἔσωΧο σῖγα τίς πληγὴν ἀυτεῖ καιρίως οὐτασμένοςΑγ ὤμοι μάλ αὖθις δευτέραν πεπληγμένος (Ag v1343-1345)

Agamecircmnon Oacutemoi Um golpe certeiro golpeou-me dentroCoro Silecircncio Quem grita ferido de golpe certeiroAgamecircmnon Oacutemoi Outra vez outro golpe me atingiu

No quinto episoacutedio Clitemnestra relata a morte do marido Ela descreve o assassiacutenio

cometido por ela mesma

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσών

51

κἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostrado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

Depois de narrar a morte do rei Clitemnestra tenta justificar o seu ato criminoso dizendo

que Agamecircmnon sacrificou Ifigecircnia filha do casal para que as tropas gregas tivessem ventos

favoraacuteveis para conseguir navegar rumo a Troia dizendo que ela foi ultrajada pelo marido pois ele

tinha muitas concubinas dentre elas Criseida e Cassandra e por causa disso a rainha tambeacutem mata

a profetisa Por fim o Coro reclama as honras funeacutebres ao morto e Clitemnestra afirma que cuidaraacute

disso

No uacutetimo episoacutedio aparece Egisto lembrando os crimes sofridos por seu pai e se sente

vingado com a morte de Agamecircmnon (Ag v1577-1611) Ele fala que tramou o crime mas a

execuccedilatildeo foi feita por Clitemnestra O Coro alerta para uma futura vinganccedila de Orestes mas o casal

de amantes natildeo se importa

Na trageacutedia de Eacutesquilo a personagem Agamecircmnon participa pouco da peccedila Ele apenas

aparece no terceiro episoacutedio ao retornar da guerra e se mostra um homem religioso e vitorioso

Embora Clitemnestra o tente divinizar o rei demonstra modeacutestia na comemoraccedilatildeo da vitoacuteria E

mais adiante ouve-se os gritos de dor do rei ao ser apunhalado ele jaacute natildeo estaacute mais em cena

Agamecircmnon foi assassinado por sua esposa e ela mesma nos conta como o matou Nessa trageacutedia

Agamecircmnon passa de rei vitorioso para rei morto pelas matildeos de uma mulher

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides de Eacutesquilo

peccedilas que compotildeem juntamente com Agamecircmnon a trilogia intitulada Oresteia As trecircs trageacutedias

foram encenadas todas no mesmo dia e as duas uacuteltimas datildeo continuidade ao mito encenado tendo

como objeto a morte de Agamecircmnon Nas Coeacuteforas Electra e Orestes vingam a morte do pai

52

matando a proacutepria matildee e Egisto No primeiro episoacutedio Electra diante do tuacutemulo do pai lamenta a

sua morte

ἢ σῖγ ἀτίμως ὥσπερ οὖν ἀπώλετοπατήρ τάδ ἐκχέασα γάποτον χύσινστείχω καθάρμαθ ὥς τις ἐκπέμψας πάλινδικοῦσα τεῦχος ἀστρόφοισιν ὄμμασιν (Es Coe v94-97)

Ou em silecircncio sem honra como pereceuo pai verter esta vertente poccedilatildeo da terrae retornar como quem despediu imundiacuteciesao lanccedilar a urna sem voltar os olhos82

Mais adiante Orestes ao conversar com Electra tambeacutem lembra a morte do pai

αἰετοῦ πατρόςθανόντος ἐν πλεκταῖσι καὶ σπειράμασινδεινῆς ἐχίδνης (Es Coe v247-249)

quando o paimorreu nos enlances e nas espiraisde medonha viacutebora

E nos uacuteltimos versos da trageacutedia o Coro lembra a morte do rei como mais um dos crimes

ocorridos no palaacutecio dos Atridas como se verifica nos versos abaixo

δεύτερον ἀνδρὸς βασίλεια πάθηλουτροδάικτος δ ὤλετ Ἀχαιῶνπολέμαρχος ἀνήρ (Es Coe v1070-1072)

Depois a morte do marido trucidado no banho pereceuo rei guerreiro dos aqueus

Nas Eumecircnides Orestes eacute julgado por ter matado a proacutepria matildee para vingar a morte de

Agamecircmnon Orestes lembra como aconteceu o assassinato do rei no terceiro episoacutedio

Ἀγαμέμνον ἀνδρῶν ναυβατῶν ἁρμόστοραξὺν ᾧ σὺ Τροίαν ἄπολιν Ἰλίου πόλινἔθηκας ἔφθιθ οὗτος οὐ καλῶς μολὼνεἰς οἶκον ἀλλά νιν κελαινόφρων ἐμὴμήτηρ κατέκτα ποικίλοις ἀγρεύμασικρύψασ ἃ λουτρῶν ἐξεμαρτύρει φόνον (Es Eu v456-461)

Agamecircmnon o comandante da esquadra82 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Coeacuteforas de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Coeacuteforas Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

53

com que fizeste sem forte o forte de IacutelionEle sucumbiu sem nobreza ao chegarem casa minha matildee de coraccedilatildeo negromatou-o envolto em astuto veacuteutestemunho do massacre no banho83

No proacuteximo episoacutedio Apolo tambeacutem lembra como foi a morte de Agamecircmnon ao tentar

defender Orestes da acusaccedilatildeo de matriciacutedio

οὐ γάρ τι ταὐτὸν ἄνδρα γενναῖον θανεῖνδιοσδότοις σκήπτροισι τιμαλφούμενονκαὶ ταῦτα πρὸς γυναικός οὔ τι θουρίοιςτόξοις ἑκηβόλοισιν ὥστ Ἀμαζόνοςἀλλ ὡς ἀκούσῃ Παλλάς οἵ τ ἐφήμενοιψήφῳ διαιρεῖν τοῦδε πράγματος πέριἀπὸ στρατείας γάρ νιν ἠμποληκότατὰ πλεῖστ ἄμεινον εὔφροσιν δεδεγμένη                                   δροίτῃ περῶντι λουτρὰ κἀπὶ τέρματιφᾶρος περεσκήνωσεν ἐν δ ἀτέρμονικόπτει πεδήσασ ἄνδρα δαιδάλῳ πέπλῳἀνδρὸς μὲν ὑμῖν οὗτος εἴρηται μόροςτοῦ παντοσέμνου τοῦ στρατηλάτου νεῶν (Es Eu v 625-637)

Natildeo eacute o mesmo o varatildeo nobre ser mortohonrado com cetro outorgado por Zeuse morto por mulher natildeo como furioso arco longemitente como de Amazonamas como ouviraacutes Palas e voacutes ao ladoque no voto decidireis esta questatildeoNa guerra o mais das vezes prosperoue na volta ela o recebeu com beneacutevolas palavras ofereceu banhos quentesem banheira de prata e ao terminarrecobriu-o com manto e no inteacuterminoaacuterduo manto prende e golpeia o varatildeoEsta morte vos eacute contada do varatildeovenerado por todos chefe da armada

Assim nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides a parte do mito de Agamecircmnon mencionada eacute a

morte contada por vaacuterios personagens das duas trageacutedias e principalmente pelos filhos do rei As

duas trageacutedias mostram os mesmos detalhes referentes agrave morte do rei apresentados em Agamecircmnon

como o banho mortal o uso do manto para imobilizar a viacutetima e o assassiacutenio cometido por

Clitemnestra Essa unidade acerca da morte de Agamecircmnon eacute mantida nas trecircs trageacutedias da

Oresteia demonstrando a uniformidade e coerecircncia do tragedioacutegrafo E ao apresentar as duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides buscou-se mostrar com mais evidecircncia como Eacutesquilo construiu a

83 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Eumecircnides de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Eumecircnides Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

54

morte de Agamecircmnon

34 A recepccedilatildeo no Agamecircmnon de Eacutesquilo

Diante das referecircncias sobre o mito de Agamecircmnon pretende-se mostrar como Eacutesquilo

construiu a sua personagem Natildeo seratildeo utilizados os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro

pois esses natildeo contecircm informaccedilotildees significativas para essa pesquisa Assim esse capiacutetulo se deteraacute

no mito de Agamecircmnon presente nos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia nos versos dos Cantos

Ciacuteprios e dos Retornos na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e se necessaacuterio nas Coeacuteforas e nas

Eumecircnides

Embora natildeo se vaacute utilizar os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro o proacuteprio tiacutetulo

do poema jaacute sugere uma ideia diferente do mito de Agamecircmnon da ideia anteriormente apresentada

por Homero E como jaacute foi mencionado antes de Estesiacutecoro jaacute havia uma versatildeo da Oresteia

composta por Xanto pela qual se mostra a importacircncia do mito naquela eacutepoca e a sua recriaccedilatildeo

Assim como Estesiacutecoro e Xanto Eacutesquilo compocircs uma Oresteia soacute que se utilizou do gecircnero

dramaacutetico e esse nome foi dado ao tiacutetulo de uma trilogia como jaacute foi citado anteriormente e natildeo a

um uacutenico poema Como base nas poucas informaccedilotildees acerca do poema de Estesiacutecoro pode-se supor

que a ideia de criar um poema que contemple a morte de Agamecircmnon seria uma influecircncia dos

poemas liacutericos na trageacutedia de Eacutesquilo mesmo que natildeo se saiba ateacute que ponto o tragedioacutegrafo foi

influenciado Poreacutem se sabe que o fragmento do poema Oresteia de Estesiacutecoro sobre o sonho de

Clitemnestra jaacute mencionado anteriormente foi reconstituiacutedo a partir das Coeacuteforas de Eacutesquilo Essa

cena soacute aparece na versatildeo esquiliana da encenaccedilatildeo do assassiacutenio de Clitemnestra natildeo estando

presente nem na Electra de Soacutefocles nem na Electra de Euriacutepides que abordam a mesma parte do

mito o matriciacutedio perpretado por Electra e Orestes Contudo esse fato pode anunciar uma

aproximaccedilatildeo entre o poema liacuterico de Estesiacutecoro e a poesia traacutegica de Eacutesquilo pois esta eacute a uacutenica a

manter o sonho no enredo

Os textos a serem analisados pertencem a princiacutepio a gecircneros distintos dois satildeo poemas

eacutepicos Iliacuteada e Odisseia e um eacute trageacutedia Agamecircmnon A diferenciaccedilatildeo de gecircnero jaacute permite uma

visatildeo diferente da personagem estudada embora sejam ambas imitaccedilatildeo de homens superiores como

se vecirc na Poeacutetica84 (1449b 9-10) de Aristoacuteteles A poesia eacutepica grega possui um caraacuteter coletivo

moral poliacutetico e histoacuterico (HAVELOCK 1996 p276) Diante disso o Agamecircmnon homeacuterico seraacute

construiacutedo principalmente com essas caracteriacutesticas Na Iliacuteada Agamecircmnon eacute o chefe das tropas 84 ἡ μὲν οὖν ἐποποιία τῇ τραγῳδίᾳ μέχρι μὲν τοῦ μετὰ μέτρου λόγῳ μίμησις εἶναι σπουδαίων

ἠκολούθησενmiddot (A Epopeia e a Trageacutedia concordam somente em serem ambas imitaccedilatildeo de homens superiores em verso)

55

gregas e o chefe dos homens Ele aparece como um ser supremo e mais valoroso do que os outros

guerreiros Por meio dos epiacutetetos percebe-se o valor do rei de Argos como jaacute foi mostrado

anteriormente Jaacute na Odisseia Agamecircmnon aparece na lembranccedila das personagens poreacutem natildeo mais

como um heroacutei mas sim como um homem de morte vergonhosa Ele surge duas vezes no poema

como uma alma do Hades que lamenta ter tido uma morte sem gloacuteria Embora as duas epopeias

homeacutericas tenham a mesma proposta diante da sociedade grega a personagem Agamecircmnon eacute

mostrada de maneira distinta na Iliacuteada um chefe glorioso e na Odisseia um homem desditoso

Com isso pode-se dizer que a trageacutedia de Eacutesquilo quer mostrar essa passagem do rei Agamecircmnon

de chefe glorioso a um homem desditoso ou seja do triunfo presente na Iliacuteada agrave derrocada presente

na Odisseia Essa mudanccedila eacute proacutepria da trageacutedia como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1451a 13-

16)

ὡς δὲ ἁπλῶς διορίσαντας εἰπεῖν ἐν ὅσῳ μεγέθει κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον ἐφεξῆς γιγνομένων συμβαίνει εἰς εὐτυχίαν ἐκ δυστυχίας ἢ ἐξ εὐτυχίας εἰς δυστυχίαν μεταβάλλειν ἱκανὸς ὅρος ἐστὶν τοῦ μεγέθους

Dando uma definiccedilatildeo mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Trageacutedia eacute o que permite que nas accedilotildees uma apoacutes outra sucedidas conformemente agrave verossimilhanccedila e agrave necessidade se decirc o transe da infelicidade agrave felicidade ou da felicidade agrave infelicidade

Entatildeo essa mudanccedila na trageacutedia Agamecircmnon pode ser concebida como uma junccedilatildeo das duas

personagens Agamecircmnon da poesia homeacuterica que na Iliacuteada eacute glorioso e na Odisseia desditoso Eacute

essa mudanccedila do heroacutei ao homem comum que alimenta a trageacutedia Esse fato liga a audiecircncia agrave

personagem pois a humanizaccedilatildeo do heroacutei o aproxima da realidade local

Eacutesquilo assim como os outros tragedioacutegrafos do seacutec V vai compor suas trageacutedias com base

nos mitos e ao escolher o mito de Agamecircmnon utilizou-se provavelmente das fontes homeacutericas

como afirma Serrano (2003 p119) ldquoEsquilo ha conseguido perfiacutelar la grandeza de un

personaje directamente heredado de la eacutepica homeacutericardquo85 Para Havelock (1996 p275) o drama

aacutetico eacute como se fosse uma extensatildeo dos poemas eacutepicos ele conserva o caraacuteter didaacutetico mas tem

uma identidade particular Dentro dessa identidade particular a personagem Agamecircmnon de

Eacutesquilo diferencia-se das personagens homocircnimas da poesia homeacuterica mas tambeacutem se assemelha

em algumas caracteriacutesticas

No Agamecircmnon de Eacutesquilo encontram-se nuanccedilas da personagem homocircnima da Iliacuteada de

Homero em alguns versos como quando o Coro no paacuterodo anapeacutestico menciona quem eram os

chefes gregos

85 Eacutesquilo conseguiu perfilar a grandeza de um personagem diretamente herdado da eacutepica homeacuterica

56

Μενέλαος ἄναξ ἠδ Ἀγαμέμνωνδιθρόνου Διόθεν καὶ δισκήπτρουτιμῆς ὀχυρὸν ζεῦγος Ἀτρειδᾶν (Es Ag v42-44)

o rei Menelau e Agamecircmnonestrecircnuo par de Atridas honradopor Zeus com dois tronos e dois cetros

Ainda no paacuterodo liacuterico o Coro mais uma vez lembra a dupla de Atridas e seu poder

κεδνὸς δὲ στρατόμαντις ἰδὼν δύο λήμασι δισσοὺς                  Ἀτρεΐδας μαχίμους ἐδάη λαγοδαίταςπομπούς τ ἀρχάς (Es Ag v123-125)

dois Atridasde dupla iacutendole belicosos vorazes de lebrecondutores do impeacuterio

A mesma referecircncia de Eacutesquilo mostrada nos exemplos acima a Agamecircmnon como Atrida

junto com o seu irmatildeo Menelau aparece algumas vezes na Iliacuteada de Homero como nos versos

Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ Μενελάῳ86 (Il VII v374) δ Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ

Μενελάῳ87 (Il VII v470) pois na Iliacuteada eacute mais frequente a presenccedila de Agamecircmnon Atrida

dissociada da presenccedila do irmatildeo o epiacuteteto Atrida eacute utilizado para os dois reis quer estejam soacutes ou

em par Isso pode mostrar que no poema eacutepico Agamecircmnon ao aparecer inuacutemeras vezes sozinho

eacute mais forte e valoroso do que a personagem homocircnima da trageacutedia que aparece em par com o

irmatildeo

No primeiro exemplo de Eacutesquilo Agamecircmnon e Menelau aparecem como honrados por

Zeus (Διόθεν) o mesmo viacutenculo divino estaacute presente na Iliacuteada como nos versos seguintes

Ἀγαμέμνονα δῖον88 (Il IV v223) e Ἀγαμέμνονι δίῳ89(Il XVIII v257) Mais uma vez o

adjetivo atribuiacutedo ao rei na poesia eacutepica eacute compartilhado com o irmatildeo na poesia traacutegica designando

um menor valor da personagem da peccedila

Na trageacutedia quando o Arauto chega ao palaacutecio dos Atridas ele anuncia a chegada de

Agamecircmnon e o chama de rei (monarca) ndash βασιλέα (Ag v521) e de rei (chefe) ndash ἄναξ (Ag

v523 e 530) Os dois adjetivos tambeacutem qualificam Agamecircmnon na Iliacuteada como rei (monarca)

86 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)87 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)88 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)89 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

57

αἰδομένω βασιλῆα90 (Il I v331) e τοῦ βασιλῆος ἀπηνέος91 (Il I v340) e como rei (chefe)

ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων92 (Il III v267) e ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων93 (Il XI v254)

Mais adiante na trageacutedia esquiliana o Coro no iniacutecio do terceiro episoacutedio tambeacutem chama

Agamecircmnon de βασιλεῦ assim como o Arauto mencionou nos versos anteriores E por fim

Agamecircmnon soacute seraacute novamente lembrado como rei (monarca) no canto de lamentaccedilatildeo do Coro

apoacutes a morte dele no verso ἰὼ ἰὼ βασιλεῦ βασιλεῦ94 (Ag v1489 e 1513) Na Iliacuteada tambeacutem

encontra-se outro adjetivo para qualificar o rei como chefe poderoso em κρείων Ἀγαμέμνων95

(IV v204 e 311) esse adjetivo natildeo foi encontrado na trageacutedia de Eacutesquilo talvez porque a

indumentaacuteria do ator eou a sua performance jaacute indicassem a audiecircncia o poder e a forccedila de

Agamecircmnon como se pode verificar na qualificaccedilatildeo do rei a partir das palavras de Clitemnestra

λέγοιμ ἂν ἄνδρα τόνδε τῶν σταθμῶν κύνασωτῆρα ναὸς πρότονον ὑψηλῆς στέγηςστῦλον ποδήρη μονογενὲς τέκνον πατρίκαὶ γῆν φανεῖσαν ναυτίλοις παρ ἐλπίδακάλλιστον ἦμαρ εἰσιδεῖν ἐκ χείματοςὁδοιπόρῳ διψῶντι πηγαῖον ῥέοςτερπνὸν δὲ τἀναγκαῖον ἐκφυγεῖν ἅπαν (Ag v896-902)

eu diria este homem catildeo do estaacutebulo salvador cabo do navio coluna firmado alto teto filho uacutenico para o pai terra agrave vista para marujos inesperadasereno dia a contemplar apoacutes tormentaaacutegua da fonte para o sedento viajor prazeroso escapar a toda coerccedilatildeo

Agamecircmnon natildeo aparece na trageacutedia soacute como rei mas tambeacutem como um homem religioso e

temente aos deuses Ele mesmo tenta passar essa imagem

πρῶτον μὲν Ἄργος καὶ θεοὺς ἐγχωρίουςδίκη προσειπεῖν τοὺς ἐμοὶ μεταιτίους (Ag v810-811)

Primeiro Argos e os Deuses regionaiseacute justo saudar

τούτων θεοῖσι χρὴ πολύμνηστον χάριντίνειν ἐπείπερ χἀρπαγὰς ὑπερκόπους (Ag v821-822)

90 Mostrando respeito ao rei (traduccedilatildeo nossa)91 O hodiendo rei (traduccedilatildeo nossa)92 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nosso)93 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)94 Ioacute ioacute rei rei (traduccedilatildeo nossa)95 O poderoso Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

58

Por isto eacute preciso dar mecircmores graccedilasaos Deuses muitas

νῦν δ ἐς μέλαθρα καὶ δόμους ἐφεστίουςἐλθὼν θεοῖσι πρῶτα δεξιώσομαιοἵπερ πρόσω πέμψαντες ἤγαγον πάλιν (Ag v851-853)

Agora ao palaacutecio e morada de Heacutestia irei e saudarei primeiro os Deusesque me enviaram e reconduziram

Jaacute na Iliacuteada Agamecircmnon aparece exercendo o papel religioso na funccedilatildeo de chefe das tropas

gregas como quando Zeus lhe envia um sonho enganador para que os gregos voltassem ao

combate entatildeo diante disso Agamecircmnon faz uma oferenda a Zeus no canto II (v402-403) e ao

presidir os funerais de Paacutetroclo no canto XXIII (v49-53) Mas tambeacutem Agamecircmnon como chefe

das tropas gregas escuta a previsatildeo de Calcante sobre a peste que assola o acampamento grego e

segue o conselho do adivinho no canto I (v68-120) E no Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem se

encontra uma previsatildeo de Calcante acerca do destino dos Atridas na guerra de Troia no paacuterodo

liacuterico (v114-159) nessa peccedila natildeo fica claro a recepccedilatildeo do prenuncio

Aleacutem disso o Agamecircmnon traacutegico tem medo de comparar-se aos deuses e ser punido por

isso mas mesmo assim Clitemnestra o conduz para essa desmedida quando manda estender um

tapete puacuterpuro para o rei entrar no palaacutecio Ele aceita a opulecircncia oferecida pela esposa

ἀλλ εἰ δοκεῖ σοι ταῦθ ὑπαί τις ἀρβύλαςλύοι τάχος πρόδουλον ἔμβασιν ποδόςκαὶ τοῖσδέ μ ἐμβαίνονθ ἁλουργέσιν θεῶνμή τις πρόσωθεν ὄμματος βάλοι φθόνοςπολλὴ γὰρ αἰδὼς δωματοφθορεῖν ποσὶνφύροντα πλοῦτον ἀργυρωνήτους θ ὑφάς

Se isto te agrada descalce-me logoos sapatos servis anteparos dos peacutes e ao pisar nestas puacuterpuras dos Deusesnatildeo me atinja de longe a inveja do olhoGrande eacute o pudor de arruinar o palaacuteciopisando opulecircncia e tecidos preciosos (Ag v944-949)

A trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem vai se influenciar pela Odisseia de Homero E a

primeira influecircncia jaacute aparece no proacutelogo recitado por um Vigia um servo que mandado por

Clitemnestra aguarda os sinais do retorno do rei

καὶ νῦν φυλάσσω λαμπάδος τὸ σύμβολοναὐγὴν πυρὸς φέρουσαν ἐκ Τροίας φάτινἁλώσιμόν τε βάξιν ὧδε γὰρ κρατεῖ

59

γυναικὸς ἀνδρόβουλον ἐλπίζον κέαρ (Es Ag v8-11)

Agora aguardo o sinal do lampejoa luz do fogo a trazer voz de Troiae notiacutecia da captura tal eacute o poderdo viril coraccedilatildeo expectante da mulher

A mesma personagem tambeacutem aparece na Odisseia no canto IV (v526-527) quando

Menelau conta a Telecircmaco como foi a recepccedilatildeo de Agamecircmnon em seu palaacutecio Mas o Vigia de

Homero eacute mandado por Egisto e natildeo por Clitemnestra como ocorre na trageacutedia

O principal tema abordado em relaccedilatildeo agraves duas obras eacute a morte de Agamecircmnon Na trageacutedia

grega a morte do rei eacute relatada duas vezes a primeira por meio da previsatildeo de Cassandra e a

segunda quando Clitemnestra conta como matou o marido Jaacute no poema homeacuterico a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada pelas personagens e pelo proacuteprio rei depois de morto no Hades que se

recorda da sua morte ingloriosa E a parte referente agrave previsatildeo da morte do rei feita por Cassandra

na trageacutedia natildeo aparece na Odisseia Nesse poema eacutepico Cassandra aparece quando Agamecircmnon

ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra matou a consorte perto de seu corpo (XI

v422-423) A referecircncia agrave morte de Cassandra tambeacutem surge na Piacutetica XI de Piacutendaro ao mencionar

que Cassandra vai para o Hades com Agamecircmnon (v30-31) e na peccedila de Eacutesquilo quando

Clitemnestra anuncia que matou a profetisa (Ag v1440-1441) Assim como a morte do rei

Cassandra tambeacutem prevecirc a sua morte (Ag v1258-1260) Na trageacutedia a previsatildeo de Cassandra

acerca da morte do rei tem o papel dramaacutetico de descrever mais minunciosamente como tudo

aconteceraacute como se pode observar nos versos jaacute citados anteriormente e preparar a audiecircncia para

o que estaacute por vir A Cassandra como personagem traacutegica representa um momento de transiccedilatildeo A

profetisa aparece em cena para mostrar a mudanccedila traacutegica a passagem do heroacutei da felicidade para a

infelicidade por isso logo apoacutes a sua previsatildeo se daacute a morte do rei Essa caracteriacutestica eacute proacutepria do

estado transitoacuterio vivido por Cassandra que oscila entre o humano (natureza proacutepria) e o divino

(natureza profeacutetica)96

No quinto episoacutedio da trageacutedia Clitemnestra narra como matou o seu marido explica que

usou uma rede para imobilizaacute-lo e o atingiu com trecircs golpes certeiros Essa descriccedilatildeo do assassiacutenio

soacute aparece na trageacutedia natildeo estando presente no poema eacutepico Os detalhes relatados da morte do rei

satildeo essenciais para o teatro porque Agamecircmnon vai morrer por traacutes das ldquocortinasrdquo As mortes na

trageacutedia grega do seacutec V normalmente natildeo eram encenadas mas sim contadas por uma personagem

No momento em que Clitemnestra descreve como matou o rei tem-se o cliacutemax da trageacutedia ao

96 Mais informaccedilotildees acerca de Cassandra em IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80 Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

60

contraacuterio do que acontece na eacutepica na qual natildeo haacute um uacutenico momento importante e sim muitos

Assim a Clitemnestra traacutegica conta como matou o rei

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσώνκἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

A morte de Agamecircmnon na peccedila de Eacutesquilo tem um uacutenico assassino a sua esposa

Clitemnestra como se verifica nos versos acima isso tambeacutem acontece na Piacutetica XI de Piacutendaro na

qual Clitemnestra aleacutem de ser apontada como assassina do marido e de Cassandra tambeacutem aparece

demonstrando os seus questionamentos sobre o assassiacutenio Nesse poema Clitemnestra e os seus

questionamentos tomam a maioria dos versos destinados ao mito do Atrida e a respeito disso afirma

Fialho (2012 p 49) ldquoO fulcro do crime eacute Clitemnestra jaacute longe da tradiccedilatildeo do ciclo eacutepico troiano

e nem sequer a rainha eacute posta a par de Egisto no seu gesto mortiacuteferordquo A forccedila da Clitemnestra

traacutegica a torna capaz de matar sozinha o marido e a coloca no foco do assassiacutenio assim como

ocorre na Clitemnestra de Piacutendaro Aliaacutes a rainha aparece como protagonista da morte do rei a partir

da poesia liacuterica pois nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano ela compartilha

essa culpa com o amante Egisto como assim propotildee Serrano (2003 p106)

61

A partir de la eacutepica se comienza a producir una paulatina inversioacuten de la responsabilidad criminal Estesiacutecoro presenta una heroiacutena maacutes decidida hasta que finalmente en Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra cobra un gran protagonismo se convierte en la ejecutora del crimen (17-22) frente a Egisto que comienza a perder su papel principal en la historia97

Na Odisseia o rei aparece como assassinado pela esposa e pelo amante dela Egisto como

jaacute foi mostrado nas palavras de Atena no canto III (v234-235) e nas palavras do espectro de

Agamecircmnon nos cantos XI (v408-412) e XXIV (v96-97) E no poema Retornos os dois tambeacutem

aparecem como executores dos crimes nos versos jaacute mencionados acima Com isso pode se

deduzir que Eacutesquilo ao escolher o assassino de Agamecircmnon foi influenciado pelo poema liacuterico de

Piacutendaro ao inveacutes dos poemas eacutepicos

Mas mesmo que os assassinos na trageacutedia e no poema eacutepico natildeo sejam os mesmos o autor

do plano de morte do rei foi Egisto e nisso os dois poemas concordam Na trageacutedia assim fala

Egisto

καὶ τοῦδε τἀνδρὸς ἡψάμην θυραῖος ὤνπᾶσαν ξυνάψας μηχανὴν δυσβουλίας (Ag v1608-1609)

e estando fora pus a matildeo neste homemao tramar todo o ardil do conluio

Na Odisseia a descriccedilatildeo do plano de Egisto eacute mais detalhada do que na trageacutedia como se

observa na fala de Menelau mostrando que o poema eacutepico concede um maior destaque ao plano de

vinganccedila e seus executores do que ao rei Agamecircmnon e agrave sua morte pois esse teve uma morte sem

gloacuteria

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara

97 A partir da eacutepica se comeccedila a produzir uma paulatina inversatildeo da responsabilidade criminal Estesiacutecoro apresenta uma heroiacutena mais decidida ateacute que finalmente em Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra desempenha um grande protagonismo torna-se a executora do crime (17-22) frente a Egisto que comeccedila a perder o seu papel principal na histoacuteria

62

natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

Por outro lado essa descriccedilatildeo presente na Odisseia em alguns aspectos se difere da

descriccedilatildeo feita por Clitemnestra em Eacutesquilo como menciona Serrano (2003 p 53)

Ofrece Homero en este pasaje la segunda versioacuten de la muerte del Atrida distinta de la que recogeraacute Esquilo en la Orestiacutea Invitaacutendolo a un banquete Egisto mata a Agamenoacuten y a sus hombres cayendo tambieacuten en la lucha los hombres de Egisto no se nombra a Clitemnestra en niguacuten momento98

As partes referentes ao banquete preparado a Agamecircmnon por Egisto e a morte dos

guerreiros do rei juntamente com ele natildeo aparecem na trageacutedia esquiliana Aleacutem da ausecircncia de

Clitemnestra tatildeo presente na peccedila

Tambeacutem atraveacutes desses versos homeacutericos pode-se perceber que aleacutem de preparar o plano

de vinganccedila Egisto eacute a personagem mais ativa na execuccedilatildeo da morte do rei como afirma Serrano

(2003 p105-106)

En la eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de una importante responsabilidad como artiacutefice del crimen de Agamenoacuten y Clitemnestra aparece en un segundo plano desde el principio habiendo sido seducida y engantildeada por el hijo de Tiestes99

E outro toacutepico relevante eacute a comparaccedilatildeo da morte do rei a um sacrifiacutecio de animais como

foi mencionado nos versos homeacutericos acima que tambeacutem estaacute presente na trageacutedia de Eacutesquilo nas

palavras de Clitemnestra

τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάριν (Es Ag v1386-1387)

oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos

98 Nesta passagem Homero oferece uma segunda versatildeo da morte do Atrida distinta da que fora retirada da Oresteia de Eacutesquilo Convidando-o para um banquete Egisto mata Agamecircmnon e seus homens caindo tambeacutem na luta os homens de Egisto natildeo se nomeia Clitemnestra em nenhum momento

99 Na eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de uma grande responsabilidade como artiacutefice do crime de Agamecircmnon e Clitemnestra aparece em segundo plano desde o iniacutecio tendo sido seduzida e enganada pelo filho de Tiestes

63

Jaacute com relaccedilatildeo agrave morte vergonhosa mencionada na Odisseia ateacute pelo espectro de

Agamecircmnon ela eacute julgada diferentemente pela Clitemnestra de Eacutesquilo

[οὔτ ἀνελεύθερον οἶμαι θάνατοντῷδε γενέσθαι] (Es Ag v1521)

Natildeo creio que teve indigna mortenatildeo eacute injusto ter dolorosa morte

Clitemnestra justifica que a morte de Agamecircmnon natildeo eacute indigna porque ele estaacute pagando

pelos males que fez e assim o considera digno do Hades pois o rei cometeu muitos erros no

passado e por isso deve morrer Somente a Clitemnestra traacutegica julga que a morte do rei eacute digna

dele Na Odisseia natildeo soacute nas palavras do espectro de Agamecircmnon mas tambeacutem na fala das outras

personagens que mencionam a morte do rei encontra-se referecircncia agrave morte vergonhosa de

Agamecircmnon como quando no canto XXIV no Hades Agamecircmnon conversa com Aquiles e esse

lembra os feitos do rei em Troia mas lamenta a morte sem gloacuteria

νῦν δ ἄρα σ οἰκτίστῳ θανάτῳ εἵμαρτο ἁλῶναι (Hom Od XXIV v34)

Mas o destino te havia guardado a mais triste das Mortes

E a mesma ideia de morte vergonhosa tambeacutem estaacute presente nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides

de Eacutesquilo Na primeira trageacutedia Orestes em diaacutelogo com Electra e o Coro lamenta por seu pai

natildeo ter morrido na guerra de Troia e por natildeo ter deixado uma gloacuteria para os filhos

εἰ γὰρ ὑπ Ἰλίῳ                 πρός τινος Λυκίων πάτερδορίτμητος κατηναρίσθηςλιπὼν ἂν εὔκλειαν ἐν δόμοισιντέκνων τ ἐν κελεύθοιςἐπιστρεπτὸν αἰῶκτίσσας πολύχωστον ἂν εἶχεςτάφον διαποντίου γᾶςδώμασιν εὐφόρητον (Es Coe v345-353)

Ah se no sopeacute de Iacuteliongolpeado por lanccedila de um liacutecio tivesses perecido oacute paiLegada bela gloacuteria no palaacutecio e nos caminhos dos filhos criadavida a que se voltam os olharesterias tuacutemulo magniacuteficoem terra ultramarinasuportaacutevel ao palaacutecio

64

Na segunda peccedila Orestes tambeacutem afirma que o pai teve uma morte indigna como jaacute foi

citado anteriormente (Es Eu v 448-449) Assim a morte de Agamecircmnon eacute tida como desonrosa

na Odisseia e nas duas trageacutedias apresentadas acima mostrando que Eacutesquilo embora em

Agamecircmnon tenha atraveacutes de Clitemnestra julgado a morte do rei como digna compartilhou da

imagem negativa da morte do rei ao qualificaacute-la como indigna nas outras duas trageacutedias da Oresteia

e em ambas por meio da fala de Orestes

Embora muitas partes referentes agrave morte do Agamecircmnon de Eacutesquilo sejam parecidas com as

partes presentes na Odisseia de Homero a abordagem sobre a morte eacute diferente Na Odisseia morre

o rei de Argos e chefe vitorioso da guerra de Troia a morte do rei eacute indigna ingloriosa e

vergonhosa pois para um heroi guerreiro eacute preferiacutevel morrer na guerra e ter uma gloacuteria eterna do

que morrer velho ou pelas matildeos de uma mulher como acontece em Eacutesquilo Pode-se observar essa

morte gloriosa quando no canto XXIV o espectro de Agamecircmnon ao conversar com o espectro de

Aquiles no Hades conta para o uacuteltimo como foram as suas honras fuacutenebres e lembra a fama de

Aquiles por ter morrido em combate

ὣς σὺ μὲν οὐδὲ θανὼν ὄνομ ὤλεσας ἀλλά τοι αἰεὶπάντας ἐπ ἀνθρώπους κλέος ἔσσεται ἐσθλόν Ἀχιλλεῦ (Hom Od XXIV v93-94)

Natildeo se apagou com tua Morte o teu nome poreacutem para sempreentre os mortais haacutes de fruir grande Aquiles renome glorioso

Jaacute na trageacutedia Agamecircmnon quem morre eacute o marido de Clitemnestra e o pai de Ifigecircnia Os

laccedilos de sangue causam a morte do rei que eacute provocada pelo retorno dele ao lar Assim o rei

glorioso vencedor de Troia perde a sua honra ao morrer sendo viacutetima de um crime familiar

produto de uma maldiccedilatildeo Essa maldiccedilatildeo natildeo eacute mencionada nos poemas homeacutericos Nesse

momento observa-se o caraacuteter particular da trageacutedia pois Agamecircmnon eacute assassinado por causa da

vinganccedila de sua esposa um motivo particular contrapondo-se ao caraacuteter coletivo da poesia eacutepica

por isso em Homero a morte de Agamecircmnon eacute vergonhosa e sem gloacuteria pois eacute produto de uma

causa particular

As justificativas do assassiacutenio de Agamecircmnon feitas por Clitemnestra ndash sacriacuteficio de

Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas (Criseida) e levar uma amante ateacute o palaacutecio (Cassandra) ndash na

trageacutedia Agamecircmnon satildeo apresentadas pela esposa apoacutes a execuccedilatildeo do marido

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ

65

[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόπος καὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e v 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulherquem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa

Esses argumentos demonstram uma aproximaccedilatildeo entre a trageacutedia e o poema de Piacutendaro pois

quando Clitemnestra se questiona a respeito da execuccedilatildeo do crime ela suscita as justificativas da

personagem traacutegica (Pin Pit XI v22-27) A rainha liacuterica lembra do sacrifiacutecio de Ifigecircnia e das

amantes de Agamecircmnon (Criseida e Cassandra) Como nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos

do ciclo troiano natildeo se encontra menccedilatildeo a respeito das justificativas apresentadas por Clitemnestra

para cometer o assassiacutenio pode-se concluir que dentre as obras que sobreviveram a Piacutetica XI de

Piacutendaro influenciou Eacutesquilo na criaccedilatildeo desses argumentos da rainha

Aleacutem disso nos versos citados acima observa-se que em Agamecircmnon Clitemnestra mata o

marido e tambeacutem mata Cassandra consumando a profecia Esse momento do mito estaacute presente na

Odisseia de Homero quando Agamecircmnon ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra

matou a consorte perto de seu corpo (XI v422-423) Na Piacutetica XI (v30-31) Cassandra eacute enviada

com Agamecircmnon para o reino dos mortos E na trageacutedia de Eacutesquilo Clitemnestra afirma que a

adivinha jaz do mesmo modo que o rei

No entanto pode-se dizer que Eacutesquilo natildeo soacute usou os poemas homeacutericos para construir a sua

trageacutedia Agamecircmnon mas tambeacutem sofreu influecircncias dos poemas liacutericos de Estesiacutecoro e Piacutendaro

conforme foi apresentado anteriormente Mas num primeiro momento percebe-se mais claramente

a presenccedila da Iliacuteada na peccedila atraveacutes do caraacuteter guerreiro e real de Agamecircmnon E num segundo

momento aparece a Odisseia ao tratar da morte do rei Os dois poemas liacutericos mudam o foco do

assassinato do rei para Clitemnestra E assim imerso em todas essas influecircncias poeacuteticas pode-se

dizer que Eacutesquilo construiu o seu Agamecircmnon Contudo a trageacutedia esquiliana tambeacutem se

contaminou dos aspectos sociais da sua eacutepoca poreacutem esse assunto natildeo se pretende abordar nesta

pesquisa

66

4 CAPIacuteTULO 3 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e recepccedilatildeo

O presente capiacutetulo pretende apresentar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega apoacutes a Oresteia de

Eacutesquilo e a romana recontam o mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos na guerra de Troia Seratildeo

discutidas as seguintes obras na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca

Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Biblioteca

Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de

Secircneca E atraveacutes das obras apresentadas tentar-se-aacute mostrar como Secircneca recepcionou essa

tradiccedilatildeo em sua trageacutedia Agamecircmnon

41 A tradiccedilatildeo miacutetica grega

A trageacutedia Aacutejax de Soacutefocles datada de 450 aC apresenta a morte do guerreiro Aacutejax Nessa

trageacutedia Agamecircmnon surge depois da morte do protagonista para impedir que seja concedida a

honra fuacutenebre ao morto (Sof Aj v1226-1263) Mas depois o rei eacute convencido por Odisseu a

autorizar o enterro de Aacutejax (Sof Aj v1318-1373) Nesses versos Agamecircmnon aparece como o

chefe das tropas gregas a autoridade maacutexima que soacute cede ao enterro quando Odisseu lembra que o

ato de negar honras fuacutenebres eacute um ato impiedoso

Jaacute na Electra de Soacutefocles peccedila de data incerta de entre 420-410 aC Agamecircmnon jaacute estaacute

morto e Electra sua filha espera a chegada do irmatildeo Orestes para vingar o assassiacutenio do pai No

primeiro episoacutedio em diaacutelogo com o Coro ela lembra o assassinato do pai

ὅσα τὸν δύστηνον ἐμὸν θρηνῶπατέρ ὃν κατὰ μὲν βάρβαρον αἶανφοίνιος Ἄρης οὐκ ἐξένισενμήτηρ δ ἡμὴ χὠ κοινολεχὴςΑἴγισθος ὅπως δρῦν ὑλοτόμοισχίζουσι κάρα φονίῳ πελέκεικοὐδεὶς τούτων οἶκτος ἀπ ἄλληςἢ μοῦ φέρεται σοῦ πάτερ οὕτωςἀδίκως οἰκτρῶς τε θανόντος (Sof El v94-102)

Ela (Clitemnestra) sabe as laacutegrimas que chorei pelo meu desditoso pai que em terras baacuterbaras o sanguinolento Ares natildeo colheu e a quem a matildee e o amante Egisto fenderam a cabeccedila com homicida acha como os lenhadores fendem um carvalho100

100 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Soacutefocles satildeo do Pe E Dias Palmeira conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SOacuteFOCLES Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os Rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

67

Mais adiante Electra lamentando a sua vida por ser prisioneira na proacutepria casa continua

Ὦ πασᾶν κείνα πλέον ἁμέραἐλθοῦσ ἐχθίστα δή μοιὦ νύξ ὦ δείπνων ἀρρήτωνἔκπαγλ ἄχθητοὺς ἐμὸς ἴδε πατὴρθανάτους αἰκεῖς διδύμαιν χειροῖν (Sof El v201-206)

Oacute dia mais execraacutevel de quantos vivi Oacute noite oacute dor horriacutevel daquele banquete nefando em que meu pai recebeu uma morte infame de um duplo braccedilo

Apreensiva com a vida reclusa no palaacutecio dos Atridas e insatisfeita com a indiferenccedila da

irmatilde Crisoacutetemis em relaccedilatildeo a morte do pai Electra enfrenta a matildee Clitemnestra e esta afirma

Πατὴρ γάρ οὐδὲν ἄλλο σοὶ πρόσχημ ἀεὶὡς ἐξ ἐμοῦ τέθνηκεν ἐξ ἐμοῦ καλῶςἔξοιδα τῶνδ ἄρνησις οὐκ ἔνεστί μοι (Sof El v525-527)

O teu pai ndash e nenhuma outra coisa te serve de pretexto ndash afirmas que morreu agraves minhas matildeos Sim agraves minhas matildeos bem sei nem me eacute possiacutevel negaacute-lo

Clitemnestra justifica o assassiacutenio com o crime cometido por Agamecircmnon pois ele

sacrificou a proacutepria filha Ifigecircnia em honra da deusa Aacutertemis para que os ventos fossem

favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo agrave Troia Nessa trageacutedia Soacutefocles deteacutem-se na morte de Agamecircmnon

motivo pelo qual a sua filha Electra acompanhada de Orestes deseja matar a proacutepria matildee para

vingar o assassiacutenio do pai E Agamecircmnon natildeo aparece como personagem nessa peccedila somente haacute

menccedilatildeo agrave morte dele

Do mesmo modo a Electra de Euriacutepides datada de 413 aC101 apresenta poucas referecircncias

agrave morte do rei No proacutelogo em que haacute um diaacutelogo entre Electra e seu marido ele menciona a morte

do chefe dos gregos

ἐν δὲ δώμασινθνήισκει γυναικὸς πρὸς Κλυταιμήστρας δόλωικαὶ τοῦ Θυέστου παιδὸς Αἰγίσθου χερί (Eu El v8-10)

Em casa poreacutem eacute morto por ardil da mulher Clitemnestra e pelas matildeos do filho de Tiestes Egisto102

101 Dataccedilatildeo mais consensual entre os pesquisadores pois haacute muita polecircmica acerca desse assunto Para mais informaccedilotildees SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado p 18-19

102 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Euriacutepides satildeo de Karen Amaral Sacconi conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo

68

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nessa peccedila por Orestes (Eu El v 85-86)

Electra mais uma vez lamenta o assassinato do pai (Eu El v 122-124 e v163-166) E por fim

antes do relato da morte de Clitemnestra o Coro lembra a morte do rei

παλίρρους δὲ τάνδ ὑπάγεται δίκαδιαδρόμου λέχους μέλεον ἃ πόσινχρόνιον ἱκόμενον εἰς οἴκουςΚυκλώπειά τ οὐράνια τείχε ὀ-ξυθήκτωι βέλους ἔκανενdaggerαὐτόχειρπέλεκυν ἐν χεροῖν λαβοῦσ (Eu El v 1155-1160)

A justiccedila reflui e acusa esta mulherpor seu leito errante Pois ela quando o esposo desventuradovoltou depois de muito para casa para as muralhas cicloacutepicas e celestesela matou com o gume afiado da espada na proacutepria matildeona matildeo tinha um machado

Assim como a Electra de Soacutefocles a peccedila homocircnima de Euriacutepides lembra apenas a morte de

Agamecircmnon atraveacutes das falas das personagens A morte do rei eacute o principal argumento para que

Electra e Orestes matem a proacutepria matildee e Egisto

E anteriormente agrave Electra de Euriacutepides foram encenadas trecircs trageacutedias do mesmo

tragedioacutegrafo que trazem o mito de Agamecircmnon Androcircmaca Heacutecuba e Troianas Na Androcircmaca

datada de 429-425 aC Androcircmaca eacute ameaccedilada de morte por Hermiacuteone mas com a ajuda de Peleu

ela consegue escapar Como a trageacutedia pertence ao ciclo troiano haacute menccedilatildeo agrave morte do chefe dos

gregos como se observa no quarto estaacutesimo

βέβακε δ Ἀτρείδας ἀλόχου παλάμαιςαὐτά τ ἐναλλάξασα φόνον θανάτουπρὸς τέκνων ἐπηῦρεν (Eu And v 1028-1030)

Haacute perecido o Atrida agraves matildeos da esposae ela pagou o crime com a morterecebeu de seus filhos o castigo do deus103

As outras referecircncias a Agamecircmnon presentes nessa peccedila estatildeo ligadas agrave paternidade de

Orestes que aparece na peccedila para ajudar Hermiacuteone a fugir da puniccedilatildeo de tentar matar Androcircmaca

Na Heacutecuba datada de 425-424 aC Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila

Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado 103 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Androcircmaca de Euriacutepides satildeo de Joseacute Ribeiro Ferreira

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

69

quando apoacutes o sacrifiacutecio de Poliacutexena ele encontra Heacutecuba junto a um cadaacutever o do seu filho

Polidoro Heacutecuba pede ao rei que a ajude a vingar a morte de seu filho Logo Agamecircmnon encontra

Polimestor o assassino de Polidoro com os olhos feridos pelas matildeos das mulheres troianas

chefiadas por Heacutecuba mas o rei argivo nega hospitalidade ao assassino e este antes de ir embora

amaldiccediloa o chefe grego como se vecirc no diaacutelogo com Heacutecuba

Πο καὶ σήν γ ἀνάγκη παῖδα Κασσάνδραν θανεῖνΕκ ἀπέπτυσ αὐτῶι ταῦτα σοὶ δίδωμ ἔχεινΠο κτενεῖ νιν ἡ τοῦδ ἄλοχος οἰκουρὸς πικράΕκ μήπω μανείη Τυνδαρὶς τοσόνδε παῖςΠο καὐτόν γε τοῦτον πέλεκυν ἐξάρασ ἄνω (Eu Hec v1275-1279)

Pol E eacute necessaacuterio que morra tua filha CassandraHeacutec Cuspo fora que o mesmo valha para tiPol A esposa desse aiacute acre guardiatilde da casa mataacute-la-aacuteHec Que a Tindarida nunca enlouqueccedila desse modoPol E tambeacutem mataraacute esse aiacute erguendo uma machada104

Nos versos acima pode-se observar que haacute uma referecircncia agrave morte de Agamecircmnon na peccedila

Apesar das palavras maleacuteficas de Polimestor Agamecircmnon aparece como um homem virtuoso ao

negar ajuda a Polimestor que matou Polidoro o seu hoacutespede

Nas Troianas datada de 415 aC Heacutecuba preocupa-se com o destino de sua prole apoacutes a

queda de Troia Em conversa com a sua filha Cassandra a jovem revela agrave matildee uma profecia de

Apolo

εἰ γὰρ ἔστι ΛοξίαςἙλένης γαμεῖ με δυσχερέστερον γάμονὁ τῶν Ἀχαιῶν κλεινὸς Ἀγαμέμνων ἄναξκτενῶ γὰρ αὐτὸν κἀντιπορθήσω δόμουςποινὰς ἀδελφῶν καὶ πατρὸς λαβοῦσ ἐμοῦἀλλ αὔτ ἐάσω πέλεκυν οὐχ ὑμνήσομενὃς ἐς τράχηλον τὸν ἐμὸν εἶσι χἀτέρωνμητροκτόνους τ ἀγῶνας οὓς οὑμοὶ γάμοιθήσουσιν οἴκων τ Ἀτρέως ἀνάστασιν (Eu Tr v356-364)

se Loacutexias existedesposar-me-aacute em bodas mais difiacuteceis que as de Helenao senhor do aqueus o glorioso AgamecircmnonMataacute-lo-ei e agora eu saquearei casas buscando vingar meus irmatildeos e meu paiMas deixa estar natildeo cantaremos a machadaque na nuca minha e de outros penetraraacuteas lutas matricidas que minhas bodas

104 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Heacutecuba de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

70

causaratildeo e a derrocada da casa de Atreu105

O trecho acima mostra a uniatildeo de Cassandra com Agamecircmnon e as consequecircncias dessas

nuacutepcias a morte dos dois Nessa peccedila Agamecircmnon tem a sua imagem vinculada agrave de Cassandra

portanto mostra-se como aquele que escolheu a mecircnade como presa de guerra mas tambeacutem eacute

lembrado como o chefe dos gregos por Taltiacutebio (v413-414)

Na Ifigecircnia em Taacuteuris datada de 414-411 aC Ifigecircnia estaacute em Taacuteuris e natildeo foi sacrificada

em Aacuteulis pelo proacuteprio pai Orestes aparece nessa cidade e os irmatildeos se encontram A jovem

pergunta ao estrangeiro ao saber que era grego notiacutecias sobre o final da guerra de Troia e questiona

Orestes sobre o destino de Agamecircmnon

Ιφ Ἀτρέως ἐλέγετο δή τις Ἀγαμέμνων ἄναξΟρ οὐκ οἶδ ἄπελθε τοῦ λόγου τούτου γύναιΙφ μὴ πρὸς θεῶν ἀλλ εἴφ ἵν εὐφρανθῶ μένεΟρ τέθνηχ ὁ τλήμων πρὸς δ ἀπώλεσέν τιναΙφ τέθνηκε ποίαι συμφορᾶι τάλαιν ἐγώΟρ τί δ ἐστέναξας τοῦτο μῶν προσῆκέ σοιΙφ τὸν ὄλβον αὐτοῦ τὸν πάροιθ ἀναστένωΟρ δεινῶς γὰρ ἐκ γυναικὸς οἴχεται σφαγείς (Eu If Tau v545-552)

If Eacute chamado de Agamecircmnon o soberano filho de AtreuOr Natildeo sei Deixe desse falatoacuterio mulherIf Natildeo pelos deuses Diga-me oacute estrangeiro para que eu me consoleOr Estaacute morto o infeliz e com ele pereceu algueacutem If Morto De que forma Ah como sou infelizOr Por que este lamento Acaso isso lhe interessaIf Lamento pela riqueza de outroraOr Pereceu de forma terriacutevel assassinado por mulher106

Como se pode observar a morte de Agamecircmnon eacute lembrada nessa peccedila quando Ifigecircnia

questiona o estrangeiro sobre os seus familiares Tambeacutem nessa trageacutedia Agamecircmnon aparece

como o pai de Orestes e de Ifigecircnia

No Orestes datado de 408 aC apoacutes o assassiacutenio de Clitemnestra e Egisto Orestes adoece e

eacute condenado agrave morte pelos argivos incitados por Tiacutendaro Mas perturbado pelo perigo iminente

Orestes com ajuda de Electra e Piacutelades parece matar Helena e tambeacutem ameaccedila a vida de

Hermiacuteone No uacuteltimo episoacutedio o deus Apolo surge e apazigua o conflito Nessa peccedila a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada em alguns momentos jaacute no proacutelogo Electra menciona a sua origem e a

105 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

106 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Taacuteuris de Euriacutepides satildeo de Marcelo Bourschied conforme consta na referecircncia bibliograacutefica BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

71

morte do pai

ὁ δὲ Κλυταιμήστρας λέχοςἐπίσημον εἰς Ἕλληνας Ἀγαμέμνων ἄναξὧι παρθένοι μὲν τρεῖς ἔφυμεν ἐκ μιᾶςΧρυσόθεμις Ἰφιγένειά τ Ἠλέκτρα τ ἐγώἄρσην δ Ὀρέστης μητρὸς ἀνοσιωτάτηςἣ πόσιν ἀπείρωι περιβαλοῦσ ὑφάσματιἔκτεινεν ὧν δ ἕκατι παρθένωι λέγεινοὐ καλόν (Eu Or v 20-27)

E o outro o priacutencipe Agamecircmnon ficou com o leito de Clitemnestra famigerada entre os gregos Trecircs donzelas nasceram a este de uma soacute mulher ndash Crisoacutetemis Ifigecircnia e eu Eletra bem como o varatildeo Orestes ndash nascidas da matildee iacutempia da que matou o marido depois de o lanccedilar numa teia inextrincaacutevel107

No segundo episoacutedio Menelau chega ao palaacutecio dos Atridas e conta como soube da morte

de seu irmatildeo

Ἀγαμέμνονος μὲν γὰρ τύχας ἠπιστάμην[καὶ θάνατον οἵωι πρὸς δάμαρτος ὤλετο]Μαλέαι προσίσχων πρῶιραν ἐκ δὲ κυμάτωνὁ ναυτίλοισι μάντις ἐξήγγειλέ μοιΝηρέως προφήτης Γλαῦκος ἀψευδὴς θεόςὅς μοι τόδ εἶπεν ἐμφανῶς κατασταθείςΜενέλαε κεῖται σὸς κασίγνητος θανώνλουτροῖσιν ἀλόχου περιπεσὼν πανυστάτοις (Eu Or v360-367)

Sim de Agamecircmnon conheci o destino e a morte que o vitimou agraves matildeos da esposa quando em Maacutelea acostou o meu navio pois anunciou-me de entre as ondas o adivinho dos homens do mar o inteacuterprete de Nereu Glauco deus que natildeo enganam Tornando-se visiacutevel eis o que ele me disse ldquoMenelau teu irmatildeo jaz morto abatido agraves matildeos da esposa no banho derradeirordquo

E ainda nesse episoacutedio Tiacutendaro lembra a faccedilanha da filha Clitemnestra embora natildeo aprove

a sua atitude

ἐπεὶ γὰρ ἐξέπνευσεν Ἀγαμέμνων βίονκάρα θυγατρὸς τῆς ἐμῆς πληγεὶς ὕποαἴσχιστον ἔργον (οὐ γὰρ αἰνέσω ποτέ) (Eu Or v496-498)

Pois quando Agamecircmnon expirou ferido pela minha filha na cabeccedila a mais vergonhosa das accedilotildees ndash pois jamais a aprovarei

Desse modo por meio da morte do rei eacute apresentado o mito de Agamecircmnon na trageacutedia

107 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Orestes de Euriacutepides satildeo de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

72

Orestes de Euriacutepides Nas citaccedilotildees mostradas verifica-se a visatildeo de trecircs personagens ndash Electra

Menelau e Tiacutendaro ndash acerca da morte do rei e se encontra uma unidade nas falas ao atribuiacuterem a

Clitemnestra o assassiacutenio do chefe dos gregos

Na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides peccedila datada de 405 aC Agamecircmnon participa como

personagem do iniacutecio ao fim da trageacutedia Ele inicia a trageacutedia arrependido por ter mandado Odisseu

ir buscar Ifigecircnia em Argos para que a jovem fosse sacrificada em honra agrave deusa Aacutertemis

Κάλχας δ ὁ μάντις ἀπορίαι κεχρημένοιςἀνεῖλεν Ἰφιγένειαν ἣν ἔσπειρ ἐγὼἈρτέμιδι θῦσαι τῆι τόδ οἰκούσηι πέδονκαὶ πλοῦν τ ἔσεσθαι καὶ κατασκαφὰς Φρυγῶνθύσασι μὴ θύσασι δ οὐκ εἶναι τάδεκλυὼν δ ἐγὼ ταῦτ ὀρθίωι κηρύγματιΤαλθύβιον εἶπον πάντ ἀφιέναι στρατόνὡς οὔποτ ἂν τλὰς θυγατέρα κτανεῖν ἐμήν (Eu If Aul v 89-96)

Entatildeo Calcas o adivinho vendo o nosso embaraccedilo pronunciou um oraacuteculo Ifigecircnia que eu gerei devia ser imolada a Aacutertemis que esta regiatildeo habita a expediccedilatildeo e a ruiacutena dos Friacutegios soacute com o sacrifiacutecio sem o sacrifiacutecio nada disto seria possiacutevel Ouvindo eu estas coisas mandei Taltiacutebio em clara proclamaccedilatildeo desmobilizar todo o exeacutercito pois jamais ousaria matar a minha filha108

Menelau por causa disso discute com o irmatildeo e por fim encoraja-o a imolar a proacutepria

filha Nesse contexto temos um duelo entre o dever do chefe das tropas gregas que deve sacrificar

Ifigecircnia para que os ventos sejam favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo a Troia e o dever de pai que natildeo

deve matar a filha O rei por toda a trageacutedia titubeia na sua decisatildeo mas pressionado pelos gregos

acaba decidindo por imolar Ifigecircnia Nas palavras do guerreiro observamos o seu sentimento

paternal e por vezes ainda chora por ter que sacrificar a sua filha

A Biblioteca Mitoloacutegica texto de dataccedilatildeo incerta eacute uma coletacircnea de mitologia grega e

embora incompleta estaacute dividida em trecircs livros e um Epiacutetome nesta uacuteltima parte encontramos

trechos sobre o mito de Agamecircmnon Apolodoro narra o mito do rei de Argos a partir de seu

casamento com Clitemnestra e dessa uniatildeo nasceram Orestes Crisoacutetemis Electra e Ifigecircnia (Ap

Bibl Mit Ep 2 16) Em seguida tem-se Agamecircmnon como chefe dos gregos que para continuar

a viagem para Troia deve sacrificar a filha Ifigecircnia

Κάλχας δὲ ἔφη οὐκ ἄλλως δύνασθαι πλεῖν αὐτούς εἰ μὴ τῶν Ἀγαμέμνονος

108 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides satildeo de Carlos Alberto Pais de Almeida conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

73

θυγατέρων ἡ κρατιστεύουσα κάλλει σφάγιον Ἀρτέμιδι παραστῇ διὰ τὸ μηνίειν τὴν θεὸν τῷ Ἀγαμέμνονι (Ap Bibl Mit Ep 3 21)

Calcante aseguroacute que no podriacutean navegar a non ser que de las hijas de Agamenoacuten se presentase la maacutes pujante en belleza como ofrenda agrave Aacutertemis pues la diosa se habiacutea irritado contra Agamenoacuten debido a que una vez que alanceoacute a un ciervo109

Depois o rei soacute aparece no final da guerra de Troia Agamecircmnon recebe Cassandra como

espoacutelio de guerra (Ap Bibl Mit Ep 5 23) e antes de iniciar a viagem de volta para casa faz

oferendas agrave deusa Atena Finalmente ao chegar a sua paacutetria eacute assassinado por Clitemnestra e

Egisto

Ἀγαμέμνων δὲ καταντήσας εἰς Μυκήνας μετὰ Κασάνδρας ἀναιρεῖται ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυταιμνήστραςmiddot δίδωσι γὰρ αὐτῷ χιτῶνα ἄχειρα καὶ ἀτράχηλον καὶ τοῦτον ἐνδυόμενος φονεύεται καὶ βασιλεύει Μυκηνῶν Αἴγισθοςmiddot κτείνουσι δὲ καὶ Κασάνδραν (Ap Bibl Mit Ep 6 23)

Agamenoacuten a su vuelta a Micenas acompantildeado de Cassandra es asesinado por Egisto y Clitemnestra eacutesta le da una tuacutenica sin orificio ni para los brazos ni para la cabeza y mientras se la pone es sacrificado Egisto se proclama rey de Micenas tambieacuten dan muerte a Cassandra

Na Biblioteca Mitoloacutegica por ser um compecircndio de mitologia grega a vida de Agamecircmnon

o chefe dos gregos encontra-se com mais informaccedilotildees do que em outras narrativas Ainda que

Apolodoro as reconte de modo mais resumido o autor nos daacute um panorama dos mitos gregos jaacute

conhecidos pela tradiccedilatildeo dentre eles o de Agamecircmnon

Na Descriccedilatildeo da Greacutecia datada da segunda metade do seacutec II dC Pausacircnias nos apresenta

uma espeacutecie de guia turiacutestico da Greacutecia no qual nos mostra monumentos e cidades importantes

essa obra estaacute dividida em dez livros de acordo com a localidade a ser descrita O autor natildeo soacute

descreve o que vecirc como tambeacutem relata a histoacuteria do monumento ou do lugar visitado Seraacute

estudado o livro II intitulado Corinto e Argoacutelidas Nesse livro Pausacircnias visita o tuacutemulo de

Agamecircmnon como assim narra

τάφος δὲ ἔστι μὲν Ἀτρέως εἰσὶ δὲ καὶ ὅσους σὺν Ἀγαμέμνονι ἐπανήκοντας ἐξ Ἰλίου δειπνίσας κατεφόνευσεν Αἴγισθος τοῦ μὲν δὴ Κασσάνδρας μνήματος ἀμφισβητοῦσι Λακεδαιμονίων οἱ περὶ Ἀμύκλας οἰκοῦντεςmiddot ἕτερον δέ ἐστιν Ἀγαμέμνονος τὸ δὲ Εὐρυμέδοντος τοῦ ἡνιόχου καὶ Τελεδάμου τὸ αὐτὸ καὶ Πέλοπος (Pau Des Gre II 16 6)

Hay una tumba de Atreo y estaacuten las tumbas de todos a los que cuando regresaron de Ilioacuten dio muerte Egisto despueacutes de ofrecerles un banquete Los lacedemonios que

109 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro satildeo de Julia Garciacutea Moreno conforme consta na referecircncia bibliograacutefica APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

74

viven en Amiclas se disputan la sepultura de Cassandra Hay otra de Agamenoacuten otra de Erimedonte el auriga una uacutenica de Teledamo y de Peacutelope110

Em seguida fala dos tuacutemulos de Clitemnestra e Egisto que foram sepultados em tuacutemulos

mais distantes fora das muralhas da cidade

Κλυταιμνήστρα δὲ ἐτάφη καὶ Αἴγισθος ὀλίγον ἀπωτέρω τοῦ τείχουςmiddot ἐντὸς δὲ ἀπηξιώθησαν ἔνθα Ἀγαμέμνων τε αὐτὸς ἔκειτο καὶ οἱ σὺν ἐκείνῳ φονευθέντες (Pau Des Gre II 16 7)

Clitemnestra y Egisto recibieron sepultura un poco maacutes lejos de la muralla fueron considerados indignos de ser enterrados dentro donde yaciacutea el proacuteprio Agamenoacuten y los que fueron asesinados con eacutel

A descriccedilatildeo feita por Pausacircnias das tumbas da famiacutelia Atrida pouco revela sobre

Agamecircmnon embora natildeo mencione a traiccedilatildeo ao rei de Argos apresenta Clitemnestra e Egisto como

traidores pois natildeo tiveram direito agrave mesma sepultura que seus familiares

A tradiccedilatildeo miacutetica grega acerca do mito de Agamecircmnon apoacutes as peccedilas de Eacutesquilo pode ser

dividida em trageacutedias e narrativas Nas trageacutedias a morte de Agamecircmnon aparece em quase todas

as peccedilas exceto no Aacutejax de Eacutesquilo e na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Em relaccedilatildeo agrave morte do rei

os assassinos foram Clitemnestra e Egisto na Electra de Sofoacutecles e na peccedila homocircnima de Euriacutepides

E Clitemnestra aparece como a uacutenica culpada pelo assassiacutenio de Agamecircmnon na Androcircmaca na

Heacutecuba na Ifigecircnia em Taacuteuris e no Orestes de Euriacutepides Os artifiacutecios usados para matar o rei estatildeo

presentes em algumas peccedilas como o banquete para recepcionar o chefe dos gregos na Electra de

Soacutefocles o machado usado como arma na Electra na Heacutecuba e nas Troianas de Euriacutepides o banho

mortiacutefero e a rede (teia) para imobilizar a viacutetima no Orestes de Euriacutepides E somente na trageacutedia

Heacutecuba de Euriacutepides a morte de Cassandra estaacute ligada agrave morte do rei Como se pode observar as

trageacutedias preservam em sua maioria a morte de Agamecircmnon divergindo em relaccedilatildeo ao(s)

autor(es) do assassiacutenio e lembrando as artimanhas usadas para a execuccedilatildeo da morte

As duas narrativas abordam em comum a morte de Agamecircmnon Ambas concordam em

relaccedilatildeo aos assassinos do rei Clitemnestra e Egisto Jaacute em relaccedilatildeo aos artifiacutecios usados pelos

assassinos na Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro tem-se o uso do manto para imobilizar a viacutetima

e na Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias tem-se a menccedilatildeo ao banquete oferecido em honra ao rei E

a morte de Cassandra vinculada agrave morte de Agamecircmnon soacute eacute mencionada na obra de Apolodoro Na

Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias o relato sobre a morte do chefe dos gregos mostra uma

110 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias satildeo de Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

75

proximidade com o mesmo relato apresentado na Odisseia (IV v526-535) de Homero ambos

mostram que os guerreiros de Agamecircmnon foram mortos junto com ele ao retornarem para a paacutetria

e tambeacutem lembram do banquete servido ao rei e aos seus homens

Contudo a tradiccedilatildeo grega apresentada anteriormente em relaccedilatildeo a morte de Agamecircmnon

prefere a hipoacutetese de Clitemnestra e Egisto terem assassinado o rei

42 A tradiccedilatildeo miacutetica romana

O mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo miacutetica romana eacute recontado nas trageacutedias Egisto de

Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio na epopeia Eneida (I aC) de Virgiacutelio nos poemas A

arte de amar (I aC ndash I dC) e Metamorfoses (I aC ndash I dC) de Oviacutedio na narrativa Faacutebulas de

Higino nas trageacutedias Troianas Tiestes e Agamecircmnon (I dC) de Secircneca Observar-se-aacute como cada

um desses textos apresenta o mito do rei argivo

A trageacutedia Aegisthus de Liacutevio Andronico datada de III aC narra o assassinato de

Agamecircmnon O primeiro poeta de Roma reescreveu muitas trageacutedias gregas que sobreviveram

apenas fragmentos delas como em Aegisthus da qual soacute restaram oito fragmentos ldquoThe greatest

number of surviving fragments come from the Aegishtus Eight fragments from this play exist yet is

unclear whether Livius used Aeschylus Agamemnon or Sophocles Aegisthus as a modelrdquo111

(ERASMO 2004 p11-12) Nos fragmentos 4 e 5 segundo Erasmo (2004 p 12) tem-se o retorno

de Agamecircmnon para a paacutetria acompanhado de Cassandra

(4) nemo haece uostrorum ruminetur mulieri(Andr Aegh frag4)

Let no one of you rehash this to the woman112

(5) sollemnitusque adeo ditali laudem lubens(Andr Aegh frag5)

Solemnly and freely (he offered) praise to god

E os fragmentos 6 e 7 conforme afirma Erasmo (2004 p13) mostram informaccedilotildees acerca

da morte de Agamecircmnon

(6) hellip in sedes conlocat se regias

111 O maior nuacutemero de fragmentos sobreviventes vem de Egisto Existem oito fragmentos dessa peccedila ainda natildeo estaacute claro se Liacutevio usou o Agamecircmnon de Eacutesquilo ou o Egisto de Soacutefocles como modelo

112 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Egisto de Liacutevio Andronico satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

76

Clytemnestra iuxtim tertias natae occupant (Andr Aegh frag6)

He seats himself upon royal thronesClytemnestra is next to him their daughters occupy the thirds

(7) ipsus se in terram saucius fligit cadens (Andr Aegh frag7)

Falling he dashed his wounded self onto the ground

Por meio dos fragmentos apresentados pode-se verificar que a peccedila Egisto de Liacutevio

Andronico retrata a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio e a morte dele No entanto a peccedila ao se

intitular Egisto apresenta uma focalizaccedilatildeo na personagem homocircnima contrapondo agrave tradiccedilatildeo

traacutegica grega na qual Agamecircmnon era o foco principal

Jaacute acerca da trageacutedia Clitemnestra de Aacutecio que foi encenada na inauguraccedilatildeo do teatro de

Pompeu em 55 aC restaram apenas dez fragmentos e assim como da trageacutedia de Liacutevio pouco se

sabe Desses fragmentos um apresenta Cassandra profetizando o dia de sua morte

(7) scibam hanc mihi supremam lucem et seruiti finem dari (Ac Cl frag7)

I knew that this day would be my last and an end to my slavery113

Em um outro fragmento haacute uma alusatildeo ao destino de Agamecircmnon e Cassandra

(8)hellip seras potiuntur plagas (Ac Cl frag 9)

hellip they receive their late blows

E segundo Tarrant (2004 p14) a Clitemnestra de Aacutecio completaria o Egisto de Liacutevio

Andronico sugerindo que ambas vieram da mesma fonte grega

The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus it has been suggested that both plays depend on the same Greek source 114 (TARRANT 2004 p14)

A Eneida de Virgiacutelio poema eacutepico datado de I aC dividido em doze cantos que narram a

busca de Eneias por uma terra na qual ele possa fundar uma nova Troia tambeacutem narra partes do

113 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Clitemnestra de Aacutecio satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

114 Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio isto foi sugerido que ambas as peccedilas dependem da mesma fonte grega

77

mito de Agamecircmnon No Canto I quando Eneias chega ao templo de Juno e contempla as pinturas

nas paredes do monumento ele vecirc num dos quadros a representaccedilatildeo pictoacuterica dos filhos de Atreu

(Virg En v 460-462) Jaacute no Canto II Eneias ao narrar os acontecimentos de Troia aos feniacutecios

lembra o sacrifiacutecio de Ifigecircnia

Sanguine placastis ventos et virgine caesacum primum Iliacas Danai venistis ad oras (Virg En II v 116-117)

Quando pela primeira vez oacute gregos viestes para o litoral troiano aplacastes os ventos com o sangue e a morte de uma virgem115

E no Canto XI haacute uma treacutegua na guerra para enterrar os mortos Durante uma assembleia

para se decidir sobre a continuidade da guerra Diomedes lembra os destinos dos gregos apoacutes o fim

da guerra de Troia

Ipse Mycenaeus magnorum ductor Achivomconiugis infandae prima intra limina dextraoppetiit devictam Asiam subsedit adulter (Virg En XI v 266-268)

O proacuteprio rei de Micenas o chefe dos grandes aqueus tombou agrave entrada do seu palaacutecio ferido pela destra da sua abominaacutevel consorte um aduacuteltero agrave traiccedilatildeo derruba o vencedor da Aacutesia

Como se verifica por meio desses versos a morte desafortunada de Agamecircmnon eacute tambeacutem

mencionada na Eneida de Virgiacutelio O heroacutei grego natildeo eacute muito lembrado nesse poema pois este se

dedica agrave gloacuteria romana

Nos poemas de Oviacutedio Agamecircmnon tambeacutem aparece A arte de amar poema datado de I

aC ndash I dC dividido em trecircs livros cita Agamecircmnon em alguns versos No livro I Agamecircmnon eacute

lembrado por causa de sua morte

Qui Martem terra Neptunum effugit undisconiugis Atrides victima dira fuit (Ov Art Am I v333-334)

Apoacutes ter escapado de Marte na terra de Netuno sobre as ondas o filho de Atreu foi funesta viacutetima de sua mulher116

No livro II Oviacutedio reconta a justificativa que Clitemnestra teve para trair e matar 115 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Eneida de Virgiacutelio satildeo de Tassilo Orpheu Spalding

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

116 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo de A arte de amar de Oviacutedio satildeo de Duacutenia Marinho da Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

78

Agamecircmnon pois enquanto ele lhe foi fiel ela natildeo o traiu

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viri Audierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virum (Ov Art Am II v399-408)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Lirnessiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de esposo

Assim Oviacutedio no poema A arte de amar menciona Agamecircmnon ao rememorar a sua morte

e a traiccedilatildeo ao casamento com Clitemnestra que culminou no assassiacutenio dele

Jaacute no poema Metamorfoses datado de I aC ndash I dC uma coletacircnea de mitos que mostra a

transformaccedilatildeo de homens em animais aacutervores rios e pedras reconta a narrativa da Guerra de Troia

e nesse momento lembra do rei Agamecircmnon No canto XII o primeiro momento do mito eacute

contado o sacrifiacutecio de Ifigecircnia quer nas palavras profeacuteticas de Calcante (Ov Met XII v 29-31) e

quer nas palavras de Odisseu ao disputar com Aacutejax as armas de Aquiles (Ov Met XIII v 183-

187) E nesse poema encontra-se uma parte do mito natildeo muito citada pelo mitoacutegrafo Agamecircmnon

rouba as filhas de Acircnio que tinham o poder de transformar todas as coisas em milho vinho e

azeitonas verdes para alimentar as tropas gregas

hoc ubi cognovit Troiae populator Atridesne non ex aliqua vestram sensisse procellamnos quoque parte putes armorum viribus ususabstrahit invitas gremio genitoris alantqueimperat Argolicam caelesti munere classem (Ov Met XIII 654-658)

Mal soube disto o filho de Atreu o saqueador de Troia(natildeo julgueis que noacutes de algum modo natildeo sentimostambeacutem a vossa tormenta) recorrendo agrave forccedila das armasarrebata-as agrave sua revelia dos braccedilos do pai e ordena-lhesque abasteccedilam a frota da Argoacutelide com o seu dom celeste117

117 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Metamorfoses de Oviacutedio satildeo de Paulo Farmhouse Alberto conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

79

Desse modo Oviacutedio apresenta Agamecircmnon nas Metamorfoses principalmente como chefe

das tropas gregas ao contraacuterio do que acontece no poema A arte de amar na qual a imagem de

Agamecircmnon estaacute vinculada agrave famiacutelia quer ele como traidor da esposa quer como o morto pela

consorte

Na narrativa Faacutebulas de Higino datada do seacutec I aC118 apresenta Agamecircmnon desde a

participaccedilatildeo na busca por Tiestes (Fab 88 8) para que este fosse conduzido ao palaacutecio dos

Atridas ateacute a morte do rei Nesse iacutenterim Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas

rumo agrave guerra de Troia no episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

in Aulide tempestas eos ira Dianae retinebat (hellip) Is cum haruspices convocasset et Calchas se respondisset aliter expiare non posse nisi Iphigeniam filiam Agamemnonis immolasset (hellip) Quam cum in Aulidem adduxisset et parens eam immolare vellet Diana virginem miserata est et caliginem eis obiecit cervamque pro ea supposuit Iphigeniamque (Hig Fab 98 1-4)

Pero una tempestad desatada por la coacutelera de Diana los reteniacutea em Aacuteulide (hellip)Traacutes convocar a los aruacutespices Calcante respondioacute que la uacutenica manera de aplacar a la diosa era sacrificar a Ifigenia la hija de Agamenoacuten (hellip) Cuando la condujo a Aacuteulide y su padre estaba a punto de sacrificarla Diana se apiadoacute de la doncella los envolvioacute em una oscuridad y puso una cierva em su lugar119

E o mitema sobre a briga de Agamecircmnon com Aquiles pela escrava Briseida na guerra de

Troia tambeacutem eacute mencionado por Higino

Agamemnon Briseidam Brisae sacerdotis filiam ex Moesia captivam propter formae dignitatem quam Achilles ceperat ab Achille abduxit eo tempore quo Chryseida Chrysi sacerdoti Apollinis Zminthei reddidit (hellip) Achilles cum Agamemnone redit in gratiam Briseidamque ei reddidit (Hig Fab 106 1 e 3)

Agamenoacuten separoacute a Aquiles de su esclava Briseida hija del sacerdote Brises de Misia a causa de su espleacutendida belleza por la misma eacutepoca em que devolvioacute a Criseida hija de Crises sacerdote de Apolo Esminteo (hellip) Aquiles se reconcilioacute com Agamenoacuten y eacuteste le devolvioacute a Briseida

118 Essa narrativa sofre com problemas de autoria e de tiacutetulo e como afirma Saacutenchez (2009 p8) ldquoLa cuestioacuten se remonta a la edicioacuten priacutencipe realizada por Jacobus Micyllus em Basilea em 1535 Este filoacutelogo llevoacute a la imprenta un coacutedice que hasta entonces se habiacutea conservado em la Bibioteca del Monasterio de Freising y lo editoacute com el siguiente tiacutetulo Libro de Faacutebulas de Cayo Julio Higino liberto de Augusto Lamentablemente el manuscrito el uacutenico ejemplar conservadordquo (A questatildeo remonta a primeira ediccedilatildeo feita por Jacobus Micyllus na Basileia em 1535 Este filoacutelogo levou agrave impressatildeo um coacutedice que ateacute entatildeo tinha se conservado na Biblioteca do Mosteiro de Freising e o editou com o seguinte tiacutetulo Livro de Faacutebulas de Caio Juacutelio Higino liberto de Augusto Lamentavelmente o manuscrito eacute o uacutenico exemplar conservado)

119 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Faacutebulas de Higino satildeo de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

80

Por fim o narrador das Faacutebulas conta como foi a morte de Agamecircmnon

Tunc Clytaemnestra cum Aegistho filio Thyestis cepit consilium ut Agamemnonem et Cassandram interficeret quem sacrificantem securi cum Cassandra interfecerunt (Hig Fab 117 1)

Entonces Clitemnestra em compantildeiacutea de Egisto hijo de Tiestes concibioacute el plan de asesinar a Agamenoacuten y a Casandra Lo asesinaron com un hacha mientras realizaba un sacrificio com Casandra

O mito de Agamecircmnon apareceraacute com maior relevacircncia na tradiccedilatildeo literaacuteria romana por

meio das trageacutedias de Secircneca Agamecircmnon As troianas e Tiestes Natildeo se sabe exatamente em que

data Secircneca escreveu as trageacutedias poreacutem alguns estudiosos afirmam que as trageacutedias senequianas

foram escritas entre os anos 40-65 dC120 De acordo com essa dataccedilatildeo Lohner (2009 p15)

apresenta uma divisatildeo das peccedilas em trecircs grupos

Diante dos resultados obtidos as peccedilas foram distribuiacutedas em trecircs grupos do primeiro fazem parte o Agamecircmnon seguido das peccedilas Fedra e Eacutedipo ndash seriam estas por conseguinte as primeiras composiccedilotildees dramaacuteticas de Secircneca ndash no segundo grupo figuram nesta ordem Medeia Troianas e Heacutercules louco e por fim no terceiro Tiestes e Feniacutecias (FITCH apud LOHNER 2009 p15)

A trageacutedia Tiestes mostra a vinganccedila de Atreu em relaccedilatildeo a seu irmatildeo Tiestes ao matar os

sobrinhos e os servir ao pai em um banquete Nessa peccedila Agamecircmnon ainda eacute muito jovem mas

seu pai Atreu diz que tornaraacute os filhos cientes da vinganccedila por ele planejada

Consili Agamemnon meisciens minister fiat et fratri sciensMenelaus adsit (Sen Ties v325-327)

Agamecircmnon seraacute auxiliar ciente do meu plano e Menelau de tudo informado ajudaraacute seu pai121

Apenas nesse trecho Agamecircmnon eacute mencionado na peccedila Tiestes Na trageacutedia Troianas

Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila No segundo episoacutedio Pirro filho de Aquiles

reclama ao chefe dos gregos uma recompensa agrave gloacuteria de seu pai o sacrifiacutecio de Poliacutexena filha de

Priacuteamo e Heacutecuba Mas Agamecircmnon se mostra um rei cauteloso e natildeo aceita o sacrifiacutecio da jovem

120 LOHNER 2009 p15121 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Tiestes de Secircneca satildeo de J A Segurado Campos

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEacuteNECA Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

81

Regia ut virgo occidattumuloque donum detur et cineres rigetet facinus atrox caedis ut thalamos vocentnon patiar In me culpa cunctorum reditqui non vetat peccare cum possit iubet (Sen Troi v288-292)

Natildeo permitirei que uma virgem real morra e seja oferecida como precircmio a um tuacutemulo e regue com sangue as cinzas e que chamem de casamento ao crime atroz de um assassiacutenio A culpa de todos voltar-se-aacute contra mim Quem natildeo impede um crime quando pode o ordena122

Mesmo assim Pirro insiste e o rei manda chamar Calcante para resolver o impasse O

adivinho orienta os gregos a sacrificarem Poliacutexena em honra de Aquiles E se mostrando piedoso

Agamecircmnon natildeo tem como impedir a morte da jovem Assim aparece Agamecircmnon na trageacutedia

Troianas de Secircneca como o chefe das tropas gregas e temente aos deuses

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca se inicia com um proacutelogo recitado pelo espectro de

Tiestes Ele lembra a maldiccedilatildeo familiar e os vaacuterios crimes que aconteceram naquele palaacutecio O

espectro apresenta o rei Agamecircmnon

rex ille regum ductor Agamemnon ducumcuius secutae mille vexillum ratesIliaca velis maria texerunt suispost decima Phoebi lustra devicto Ilioadest daturus coniugi iugulum suae (Sen Ag v39-43)

rei dos reis Agamecircmnon chefe dentre os chefes a cujo pavilhatildeo seguiram mil navioscobrindo com suas velas os mares troianos de Febo apoacutes dois lustros dominada Troia aqui estaacute para dar agrave sua esposa o pescoccedilo123

O espectro de Tiestes jaacute no proacutelogo da trageacutedia anuncia a chegada do rei Agamecircmnon e a

sua morte executada pela esposa No segundo ato Clitemnestra em diaacutelogo com a Ama titubeia na

vinganccedila de matar o rei A Ama aconselha a rainha a desistir do crime pois Clitemnestra ousa uma

vinganccedila contra um homem poderoso

hunc fraude nunc conaris et furto aggrediQuem non Achilles ense violavit feroquamuis procacem torvus armasset manum

122 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Secircneca satildeo de Zeacutelia de Almeida Cardoso conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Luacutecio Aneu As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

123 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Agamecircmnon de Secircneca satildeo de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

82

non melior Aiax morte decreta furensnon sola Danais Hector et bello moranon tela Paridis certa non Memnon nigernon Xanthus armis corpora immixta aggerensfluctusque Simois caede purpureos agensnon nivea proles Cycnus aequorei deinon bellicoso Thressa cum Rheso phalanxnon picta pharetras et securigera manupeltata Amazon hunc domi reducem parasmactare et aras caede maculare impia (Sen Ag v206-219)

Ora te empenhas em atacar com ardil e enganoquem com feroz espada Aquiles natildeo feriuembora em fuacuteria a matildeo tenha armado insolentenem Aacutejax o mais bravo louco a impor-lhe a morte nem aos dacircnaos e agrave guerra o soacute entrave Heitornem de Paacuteris o dardo certo e o negro Mecircmnonnem o Xanto que corpos e armas amontoae o Simoente de aacuteguas rubras de matanccedilanem Cicno raccedila niacutevea do equoacutereo deusnem a falange traacutecia com Reso beliacutegeronem armada de pelta e machado a Amazonacom a aljava pintada a ele que retornavais imolar manchando o altar com iacutempia morte

Apoacutes os argumentos da Ama Egisto aparece e incita a amante a persistir na vinganccedila Mas

Clitemnestra sai de cena mostrando estar em duacutevidas em relaccedilatildeo agrave vinganccedila

No terceiro ato Clitemnestra recebe o mensageiro Euriacutebates que avisa sobre a chegada do

rei e conta como foi o retorno dos gregos apoacutes o fim da guerra de Troia E nesse relato o

mensageiro lembra a gloacuteria de morrer em batalha

Quid fata possunt Invidet Pyrrhus patriAiaci Ulixes Hectori Atrides minorAgamemno Priamo quisquis ad Troiam iacetfelix vocatur cadere qui mervit graduquem fama servat victa quem tellus tegit (Sen Ag v512-516)

Quanto eacute o poder dos fados Pirro inveja o pai Ulisses a Agravejax o mais jovem Atrida a Heitora Priacuteamo Agamecircmnon ao que jaz em Troiafeliz o chamam quem morrer logrou em lutaquem a fama eterniza e o chatildeo vencido cobre

Logo depois Cassandra surge acompanhada do coro de mulheres troianas A profetisa de

Apolo aparece em cena lamentando a morte dos troianos Em seguida Cassandra entra em estado

de transe Nesse momento a profetisa prevecirc a morte de Agamecircmnon

83

Timete reges moneo furtivum genusagrestis iste alumnus evertet domumQuid ista vecors tela feminea manudestricta praefert Quem petit dextra virumLacaena cultu ferrum Amazonium gerensQuae versat oculos alia nunc facies meosvictor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Agv 732-740)

Temei oacute reis advirto-vos espuacuteria raccedila vai rasar um palaacutecio essa cria dos bosques Por que essa insana ostenta na matildeo de mulher a espada nua A que homem busca com a destra trajada qual lacocircnia e com arma de Amazona Que outra visatildeo atrai agora os olhos meus De feras vencedor colo altaneiro jaz sujeito a infames presas o leatildeo marmaacuterico sofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Apoacutes o estado de transe de Cassandra Agamecircmnon entra no palaacutecio e eacute bem recepcionado

por sua esposa Ele dialoga com a profetisa que tenta lhe alertar sobre o perigo iminente mas ele

natildeo entende as suas palavras (Sen Ag v792-798) No quinto ato Cassandra ao presenciar o

assassinato do rei relata-nos como tudo aconteceu

Epulae regia instructae domoquales fuerunt ultimae Phrygibus dapescelebrantur ostro lectus Iliaco nitetmerumque in auro veteris Assaraci trahuntEt ipse picta veste sublimis iacetPriami superbas corpore exuvias gerensDetrahere cultus uxor hostiles iubetinduere potius coniugis fidae manutextos amictus - horreo atque animo tremoregemne perimet exul et adulter virumVenere fata Sanguinem extremae dapesdomini videbunt et cruor Baccho incidetMortifera vinctum perfidae tradit neciinduta vestis exitum manibus negantcaputque laxi et invii cludunt sinusHaurit trementi semivir dextra latusnec penitus egit vulnere in medio stupetAt ille ut altis hispidus silvis apercum casse vinctus temptat egressus tamenartatque motu vincla et in cassum furitcupit fluentes undique et caecos sinusdissicere et hostem quaerit implicitus suumArmat bipenni Tyndaris dextram furensqualisque ad aras colla taurorum priusdesignat oculis antequam ferro petatsic huc et illuc impiam librat manum

84

Habet peractum est Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacentNondum recedunt ille iam exanimem petitlaceratque corpus illa fodientem adivvat (Sen Ag v875-905)

No reacutegio paccedilo lautas eacutepulasqual foi o uacuteltimo banquete para os friacutegios celebram-se De Iacutelio luz no leito o ostro e tomam vinho no ouro do vetusto Assaacuteraco e ele deitado e altivo em traje matizado de Priacuteamo em seu corpo leva o rico espoacutelio Ordena-lhe a mulher a tirar a veste imiga e envolver-se no manto pela matildeo tecido de fiel esposa Sinto nalma horror e tremo ecircxul e aduacuteltero o algoz de um rei e esposoVeio o destino as eacutepulas finais veratildeo do soberano o sangue em Baco ver vertido Mortiacutefera amarrado entrega-o a uma morte peacuterfida a veste que o cobriu prendem-lhe as matildeos e atam a cabeccedila as dobras frouxas e sem fenda Seu flanco o falso homem rasga com matildeo trecircmula natildeo cravou fundo em pleno golpe ele vacila Mas como um hirto javali na mata funda preso na rede tenta no entanto escapar e inquieto aperta o laccedilo em fuacuteria contra a rede aquele as dobras cegas que vazam dos lados quer romper e procura enlaccedilado o inimigo Bipene em punho irosa de Tiacutendaro a filha qual popa que no altar as cernelhas dos touros aponta com o olhar antes que vibre o ferro ela a matildeo iacutempia assim balanccedila aqui e ali Eis Consumado estaacute De estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorra do tronco a face com um frecircmito desaba E ainda natildeo recuam atacam ele o corpo sem vida e o lacera ela ajuda o algoz

Apoacutes a descriccedilatildeo do assassiacutenio Electra aparece em cena e pede a Estroacutefio que cuide de

Orestes e o leve para bem longe dali Depois Clitemnestra anuncia que mataraacute Cassandra e ela

tambeacutem promete castigar a filha por ter escondido o irmatildeo Orestes Assim Secircneca nos conta a

morte do rei de Argos (Micenas) o grande vencedor da guerra de Troia

A tradiccedilatildeo miacutetica romana acerca do mito de Agamecircmnon apresenta principalmente os

episoacutedios da morte do rei e do sacrifiacutecio de Ifigecircnia A morte do rei aparece no Egisto de Liacutevio

Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e no

Agamecircmnon de Secircneca Na Eneida e na A arte de amar Clitemnestra aparece como a uacutenica

responsaacutevel pela morte do chefe dos gregos jaacute na trageacutedia e na narrativa de Higino Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto E as obras citadas anteriormente trazem como motivo para a

85

execuccedilatildeo do crime a traiccedilatildeo do rei em relaccedilatildeo agrave sua esposa Nos outros poemas ndash Metamorfoses de

Oviacutedio e Troianas de Secircneca ndash Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas como tambeacutem

nas Faacutebulas de Higino

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon

Apoacutes os relatos acerca do mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo literaacuteria grega apresentados

anteriormente incluindo os textos do capiacutetulo anterior e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana pode-se

observar que Secircneca se utilizou de alguns desses textos para criar a sua peccedila mas tambeacutem natildeo

sobreviveram todos os textos que serviram de fonte para o tragedioacutegrafo como afirma Lohner

(2009 p111) ldquoPor outro em vista da perda quase total da poesia traacutegica latina anterior agrave de

Secircneca muito pouco se pode averiguar sobre o viacutenculo desta obra com modelos nacionaisrdquo E

mesmo que Herrmann (1924 p 312) afirme que havia trageacutedias de antecessores nas quais Egisto

era o foco da peccedila

Il est difficile de savoir si ce changement dorientation vient de Livius Andronicus ou dAccius dont les trageacutedies avaient Egisthe pour centre124

Com base nas duas citaccedilotildees observa-se que fica difiacutecil resgatar essa influecircncia das trageacutedias

latinas nos dramas senequianos mas mesmo assim alguns estudiosos afirmam que haacute alguma

correspondecircncia entre as trageacutedias Egisto de Liacutevio Andronico e a Clitemnestra de Aacutecio com o

Agamecircmnon de Secircneca

While most of the specific connections alleged between Seneca and the Republican dramatists will not bear inspection there are clear similarities of plot between Agamemnon and Livius Andronicus Aegisthus and Accius Clytemnestra Livius play (whose Greek is not known) coincides with Senecas in several deviations from Aeschylus (hellip) The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus 125 (TARRANT 2004 p13-14)

Na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Agamecircmnon eacute apresentado basicamente como o chefe das tropas

124 Eacute difiacutecil saber se a mudanccedila de orientaccedilatildeo vem de Liacutevio Andronico ou de Aacutecio dos quais as trageacutedias tem Egisto como centro

125 Enquanto a maioria das conexotildees especiacuteficas alegadas entre Secircneca e os dramaturgos republicanos natildeo vai suportar uma inspeccedilatildeo haacute claras semelhanccedilas de enredo entre Agamemnon e Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio A peccedila de Liacutevio (cuja grega natildeo eacute conhecida) coincide com a de Secircneca nas vaacuterias divergecircncias de Eacutesquilo (hellip) Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio

86

gregas e como o rei assassinado por sua esposa esses satildeo os mitemas126 mais mencionados pela

tradiccedilatildeo Dentre os mitemas que narram Agamecircmnon como o chefe dos gregos o mais comum eacute o

do sacrifiacutecio de Ifigecircnia Entatildeo pode-se afirmar que esse episoacutedio eacute mais frequente na tradiccedilatildeo

porque liga o papel de liacuteder dos gregos ao de morto pela esposa sendo o sacrifiacutecio da filha a

principal justificativa do crime Portanto os mitemas que seratildeo analisados satildeo esses dois jaacute

mencionados

Nas trageacutedias gregas do seacutec V Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos em

Agamecircmnon de Eacutesquilo Aacutejax de Soacutefocles Heacutecuba Troianas Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e

como morto por Clitemnestra em Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo Electra de

Soacutefocles Androcircmaca Electra Troianas Ifigecircnia em Taacuteuris e Orestes de Euriacutepides Em Aacutejax de

Soacutefocles Agamecircmnon quer negar honras fuacutenebres ao Aacutejax mas acaba sedendo aos argumentos de

Odisseu Na Heacutecuba de Euriacutepides o rei ajuda Heacutecuba a vingar a morte do filho Polidoro viacutetima de

traiccedilatildeo e ele tambeacutem nega hospitalidade ao assassino do filho de Priacuteamo Nas Troianas

Agamecircmnon eacute lembrado por Taltiacutebio como o chefe dos gregos E na Ifigecircnia em Aacuteulis o rei como

liacuteder das tropas gregas exclui o seu direito de pai e sacrifica a filha Ifigecircnia em honra da deusa

Aacutertemis por ventos favoraacuteveis para a navegaccedilatildeo rumo a Troia

Nas trageacutedias que trazem Agamecircmnon como chefe dos gregos eacute mais frequente o adjetivo

ἄναξ (chefe rei) vinculado agrave imagem do rei como se observa nos seguintes versos Ἀγαμέμνων

ἄναξ (Es Ag v523) Ἀγαμέμνων τ ἄναξ (Eu Hec v553) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Tr

v249) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Or v21) Ἀγάμεμνον ἄναξ (Eu If Aul v3)127 Os exemplos

demonstram o quanto estaacute presente nas peccedilas o papel de Agamecircmnon como rei (chefe) dos gregos

na guerra de Troia

Jaacute nas trageacutedias que trazem a morte de Agamecircmnon haacute um consenso de que Clitemnestra e

Egisto participaram do assassiacutenio mas o autor da execuccedilatildeo pode variar de acordo com a peccedila Na

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo fica evidente que a autora do crime eacute Clitemnestra embora ela

tenha contado com a ajuda de Egisto para mobilizar a viacutetima (Es Ag v1384-1387) Poreacutem em

outras peccedilas Clitemnestra aparece como protagonista do crime embora natildeo fique evidente se ela

sozinha teria matado o marido ou se ela e Egisto executaram o assassiacutenio como em Androcircmaca

(v1028-1029) Heacutecuba (v1287-1289) e Ifigecircnia em Taacuteuris (v552) de Euriacutepides E nas outras

trageacutedias verifica-se como assassinos do rei Clitemnestra e Egisto como na Electra de Soacutefocles

126 Leacutevi-Strauss llama mitemas a los segmentos miacutenimos de una narracioacuten miacutetica de la misma forma que los fonemas existen en foneacutetica o los morfemas en morfologiacutea como unidad miacutenima significativa del relato miacutetico (Leacutevi-Strauss apud GUAL p 4) (Leacutevi-Strauss chama de mitemas os segmentos miacutenimos de uma narraccedilatildeo miacutetica da mesma forma que os fonemas existem na foneacutetica ou os morfemas na morfologia como unidade miacutenima significativa do relato miacutetico)

127 A traduccedilatildeo dos termos desse periacuteodo citados em grego eacute o rei (chefe) Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

87

(v97-99) e na Electra de Euriacutepides (v8-10) Contrapondo-se agraves peccedilas apresentadas de Euriacutepides

em Orestes soacute haacute menccedilatildeo agrave Clitemnestra como executora do crime enfocando no crime cometido

pela rainha Com isso parece que os tragedioacutegrafos gregos colocam Clitemnestra como a principal

causadora da morte de Agamecircmnon em quase todas as peccedilas que trazem esse mitema exceto nas

peccedilas Electra de Sofoacutecles e na de Euriacutepides nas quais a culpa tambeacutem recai sobre Egisto para

justificar o assassinato dele nas duas trageacutedias

Nas duas narrativas mostradas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia

de Pausacircnias as referecircncias ao mito de Agamecircmnon tambeacutem retomam a participaccedilatildeo dele na guerra

de Troia e a sua morte A Biblioteca Mitoloacutegica por ter um caraacuteter enciclopeacutedico tenta contar com

mais detalhes dos mitos enfocando nos principais episoacutedios como o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a morte

do rei Jaacute na obra de Pausacircnias soacute haacute menccedilatildeo agrave morte do rei Nas duas narrativas Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto conforme jaacute foi visto anteriormente

Com isso pode-se concluir que na tradiccedilatildeo literaacuteria grega acerca do mito da morte de

Agamecircmnon paira uma variaccedilatildeo sobre o executor do assassiacutenio nas trageacutedias do seacutec V

Clitemnestra eacute tida como a principal executora do crime jaacute nas narrativas posteriores a culpa pela

morte do rei eacute dividida entre Clitemnestra e Egisto

E na tradiccedilatildeo literaacuteria romana Agamecircmnon natildeo soacute eacute lembrado como chefe dos gregos

como tambeacutem pela sua morte Como liacuteder grego ele aparece no Egisto de Liacutevio Andronico na

Eneida de Virgiacutelio nas Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino nas Troianas e no

Agamecircmnon de Secircneca nos quais eacute lembrado principalmente pelo episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

exceto na primeira obra na qual Agamecircmnon aparece conduzindo a presa de guerra Cassandra Jaacute a

sua morte eacute mencionada no Egisto de Liacutevio Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de

Oviacutedio e nas Faacutebulas de Higino no Agamecircmnon de Secircneca nos quais o rei eacute assassinado pela

proacutepria esposa

Secircneca antes de escrever a trageacutedia Agamecircmnon teve contato se natildeo com todas essas obras

citadas mas com a maioria delas principalmente as trageacutedias gregas Segundo Herrmann (1924

p312) Secircneca teria se utilizado das seguintes fontes para construir a sua peccedila

On peut conclure en ce qui concerne les sources agrave une influence nette dEschyle des deux Egisthes128 latins auxquels sadjoignent Sophocle et Euriacutepide et pour le

128 Segundo Tarrant (2004 p13 nota 7) ldquoAccius Aegisthus has also been compared but this play was probably about the return of Orestesrdquo (O Egisto de Aacutecio tambeacutem tem sido comparado mas esta peccedila foi provavelmente sobre o retorno de Orestes) Jaacute Hall (2005 p30 nota 26) atribue uma identificaccedilatildeo entre Clitemnestra e Egisto de Aacutecio ldquoIt is possible that the play is to be identified with Acciusrsquo Aegisthus which included a speech in which a character spoke about the lsquomight of governmentrsquo vis imperi breaking menrsquos fierce spirits (frr 8-9) a remark that women are more easily hardened (callent) than men (frr 10-11) and a reference to a man presumably Orestes whose lsquohand is fouled and spattered by his motherrsquos bloodrsquo (fr 12) Accius also wrote an Agamemnonrsquos Children

88

troisieacuteme eacutepisode des sources multiples sans compter les emprunts habituels agrave Horace ou agrave Ovide dans les parties lyriques129

Contrapondo-se agrave afirmaccedilatildeo de Herrmann Tarrant (2004 p10) afirma que apesar da

mesma delimitaccedilatildeo do mito a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo natildeo teria servido de modelo para

Secircneca na composiccedilatildeo da sua peccedila homocircnima

It seems incredibile that the Agamemnon of Aeschylus could ever have been thought Senecas source The basic outline of the plot is similar but this Seneca need not have derived from Aeschylus on the other hand characterisation structure and themes are all quite unrelated The only parts of Aeschylus play which find a parallel in Seneca are the arrival of a herald with the news of the storms and a scene in which Cassandra foresees the murder of Agamemnon and herself even here the similarity of situation is heavily outweighed by diversity of content and treatment Nothing in Senecas play requires direct knowledge of Aeschylus130

Considerar-se-aacute portanto a grande dificuldade de indicar quais seriam as fontes usadas por

Secircneca e por isso natildeo se pretende esgotar o tema ao direcionar as influecircncias sofridas por ele E agrave

medida que parecer necessaacuterio para justificar a recepccedilatildeo da peccedila retomar-se-aacute alguns dos textos da

tradiccedilatildeo literaacuteria apresentados

O proacutelogo da trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca eacute recitado pelo espectro de Tiestes que lembra

os crimes jaacute vivenciados pela famiacutelia Tantaacutelida Um proacutelogo distinto do proacutelogo de Eacutesquilo que eacute

recitado pelo Vigia do palaacutecio Mas a trageacutedia grega do seacutec V costumava trazer para a cena

fantasmas como a apariccedilatildeo do fantasma de Dario em Os persas de Eacutesquilo (v681-844) a apariccedilatildeo

do fantasma de Clitemnestra nas Eumecircnides de Eacutesquilo (v94-139) e a apariccedilatildeo do fantasma de

Polidoro na Heacutecuba de Euriacutepides (v1-58)131 Dentre os exemplos mostrados somente duas

apariccedilotildees acontecem no proacutelogo das suas respectivas trageacutedias a primeira eacute a do fantasma de

Clitemnestra que aparece no proacutelogo em diaacutelogo com o Coro reclamando a sua morte a segunda eacute

(Agamemnonidae) (Eacute possiacutevel que a peccedila eacute para ser identificada com Egisto de Aacutecio que incluiu um discurso no qual um personagem falou sobre o ldquopoder do governordquo vis imperi quebrando os espiacuteritos ferozes dos homens frr (8-9) uma observaccedilatildeo que as mulheres satildeo mais facilmente endurecidas (callent) do que os homens (frr 10-11) e uma referecircncia a um homem presumivelmente Orestes cuja matildeo eacute suja e salpicada pelo sangue da sua matildee (fr 12) Aacutecio tambeacutem escreveu um Filhos de Agamecircmnon (Agamemnonidae))

129 Pode-se perceber no que diz respeito agraves fontes uma clara influecircncia de Eacutesquilo dos dois Egistos latinos aos quais se juntam Soacutefocles e Euriacutepides e para o terceiro episoacutedio as fontes satildeo vaacuterias sem contar os empreacutestimos habituais de Horaacutecio ou de Oviacutedio nas partes liacutericas

130 Parece inacreditaacutevel que o Agamenon de Eacutesquilo jamais poderia ter sido pensado como fonte de Secircneca O esquema baacutesico da trama eacute semelhante mas este Secircneca natildeo precisa ter derivado de Eacutesquilo por outro lado a estrutura caracterizaccedilatildeo e os temas satildeo bastante independentes As uacutenicas partes da peccedila de Eacutesquilo que encontra paralelo em Secircneca satildeo a chegada de um arauto com a notiacutecia das tempestades e uma cena em que Cassandra prevecirc o assassinato de Agamecircmnon e de si mesma mesmo aqui a similaridade de situaccedilatildeo eacute fortemente compensada pela diversidade de conteuacutedo e de tratamento Nada na peccedila de Secircneca requer conhecimento direto de Eacutesquilo

131 Mais informaccedilotildees acerca da apariccedilatildeo de mortos na literatura grega e na romana consultar BRUNO Pauliane T S As apariccedilotildees dos mortos nas trageacutedias de Secircneca Fortaleza UFC 2006 Monografia de Especializaccedilatildeo

89

a do fantasma de Polidoro que recita o proacutelogo sozinho requerendo as suas honras fuacutenebres Haacute

algumas semelhanccedilas estruturais entre o proacutelogo da trageacutedia Heacutecuba de Euriacutepides e o da trageacutedia

Agamecircmnon de Secircneca ambas se iniciam com os personagens-fantasmas contando de onde vecircm

como se pode observar respectivamente nos versos abaixo

Ἥκω νεκρῶν κευθμῶνα καὶ σκότου πύλαςλιπών ἵν Ἅιδης χωρὶς ὤικισται θεῶν (Eu Hec v1-2)

Vim o antro dos mortos e as portas da escuridatildeotendo deixado onde mora Hades separado dos deuses

Opaca linquens Ditis inferni locaadsum profundo Tartari emissus specu (Sen Ag v1-2)

Deixando a estacircncia escura do deus infernaleis-me da funda gruta do Taacutertaro enviado

Apoacutes mostrar de onde vem o espectro de Tiestes apresenta o espaccedilo no qual ele estaacute

naquele momento o palaacutecio dos Atridas e fala da anguacutestia de retornar agravequele lugar Em seguida ele

se apresenta O mesmo natildeo ocorre com o espectro de Polidoro que logo depois de anunciar de onde

vem se apresenta agrave audiecircncia

uincam Thyestes sceleribus cunctos meis (Sen Ag v 25)

a todos eu Tiestes venccedilo com crimes

Πολύδωρος Ἑκάβης παῖς γεγὼς τῆς ΚισσέωςΠριάμου τε πατρός (Eu Hec v3-4)

Sou Polidoro nascido de Heacutecuba filha de Quisseu e de Priacuteamo meu pai

Depois da apresentaccedilatildeo dos espectros ambos contam as suas histoacuterias e indicam o que iraacute

acontecer no decorrer da peccedila Nesse momento o espectro de Tiestes tambeacutem descreve em detalhes

o espaccedilo cecircnico e a sua organizaccedilatildeo

video paternos immo fraternos laresHoc est vetustum Pelopiae limen domushinc auspicari regium capiti decusmos est Pelasgis hoc sedent alti toroquibus superba sceptra gestantur manulocus hic habendae curiae - hic epulis locus (Sen Ag v 6-11)

vejo o paterno ou antes o fraterno lar Eacute esta a antiga entrada da casa de Peacutelope

90

Aqui os pelasgos usam inaugurar na frontea reacutegia insiacutegnia Neste trono altivos sentam-se os que brandem seus cetros sob a matildeo soberbaEste o local da cuacuteria ali o dos banquetes

Essa descriccedilatildeo parece caracterizar as peccedilas de Secircneca pois segundo Herrmann (1924

p343) os proacutelogos de trecircs trageacutedias de Secircneca apresentam um caraacuteter descritivo

Les premieres [Hercule Furieux Agamemnon et Thyestes] plus proche de ceux dEuripide motiveraient en quelque sorte laction en caracteacuterisant sommairement les protagonistes en indiquant le lieu le moment et la situation apparente de deacutebut de lintrigue132

Nesses versos o fantasma de Tiestes utiliza o verbo uideo no presente do indicativo para

mostrar uma proximidade com a audiecircncia que assim como ele podia ldquovivenciarrdquo o que estava

sendo descrito Atraveacutes dessas evidecircncias estruturais mostradas entre os proacutelogos mencionados

pode-se observar uma influecircncia da poesia traacutegica de Euriacutepides na trageacutedia de Secircneca

No segundo ato Clitemnestra dialoga com a Ama e ela titubeia na decisatildeo de se vingar do

marido Esse episoacutedio eacute tipicamente senequiano a figura da Ama nessa peccedila aparece como o alter

ego de Clitemnestra mostrando as suas incertezas suas duacutevidas e seus medos como afirma Serrano

(2003 p 116) ldquoPor primera vez el autor latino se detiene a describir minunciosamente la situacioacuten

espiritual de Clitemnestrardquo133 Ao titubear entre cometer ou natildeo o assassiacutenio a rainha expotildee as

atrocidades cometidas pelo esposo justificando assim a sua vinganccedila Ela utiliza-se de muitos

versos mostrando uma maior relevacircncia natildeo soacute a um crime mas a todos

O scelera semper sceleribus vincens domuscruore ventos emimus bellum neceSed vela pariter mille fecerunt ratesNon est soluta prospero classis deoeiecit Aulis impias portu ratesSic auspicatus bella non melius geritamore captae captus immotus preceSminthea tenuit spolia Phoebei senisardore sacrae virginis iam tum furens (Sen Ag v169-177)

Oacute casa que com crimes sempre vence crimes ventos pagos com sangue a guerra com assassiacutenioMas mil navios deram agrave vela ao mesmo tempo A esquadra natildeo largou sob um deus favoraacutevel Aacuteulis as iacutempias nas repeliu de seu porto

132 As primeiras [Heacutercules Furioso Agamecircmnon e Tiestes] as mais proacuteximas das de Euriacutepides motivaram de certa forma a accedilatildeo caracterizando brevemente os protagonistas incluindo o local o momento e a situaccedilatildeo aparente do iniacutecio da trama

133 Pela primeira vez o autor latino deteacutem-se em descrever minunciosamente a situaccedilatildeo espiritual de Clitemnestra

91

Sob tais auspiacutecios natildeo se faz a melhor guerra No amor da prisioneira preso imune a rogos obteve o espoacutelio esmiacutenteo do anciatildeo de Febo jaacute louco entatildeo de ardor pela sagrada virgem

neve desertus foreta paelice umquam barbara caelebs torusablatam Achilli diligit Lyrnesidanec rapere puduit e sinu avulsam viriEn Paridis hostem Nunc novum vulnus gerensamore Phrygiae vatis incensus furitet post tropaea Troica ac versum Iliumcaptae maritus remeat et Priami gener (Sen Ag v184-191)

Para nunca o leito solitaacuterio privar de concubina baacuterbara a de Lirnesso elege tomada de Aquiles roubou-a sem pudor dos braccedilos do varatildeo O inimigo de Paacuteris Leva agora nova ferida e na paixatildeo ferve da vate friacutegia e apoacutes trofeacuteus troianos e arrasada Iacutelio unido a uma cativa genro vem de Priacuteamo

Os versos apresentados (v162ss) segundo Tarrant (1978 p 262) mostram que ldquoSenecas

Clytemestra in Agamemnon for example is clearly based in part on a passage in the Ars

Amatoriardquo134 como se pode observar nos versos de Oviacutedio

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viriAudierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virumQuae bene celaris si qua tamen acta patebuntilla licet pateant tu tamen usque nega (Ov Ar Am v399-410)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de seu marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Linerssiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com os seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de seu esposo

134 A Clitemnestra de Secircneca em Agamemnon por exemplo eacute claramente baseada em parte em uma passagem na Ars Amatoria

92

A Clitemnestra senequiana apresenta trecircs motivos para se vingar do marido o sacrifiacutecio da

sua filha Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas Criseida e Cassandra com quem o rei casou e a

levou consigo ao palaacutecio Os mesmos motivos satildeo descritos pela Clitemnestra esquiliana que tenta

justificar o assassiacutenio apoacutes ter dado morte ao rei

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόποςκαὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulher quem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa135

Em Secircneca Clitemnestra lembra os motivos de vinganccedila para tentar se convencer de que

deve matar o marido por isso as justificativas aparecem antes do assassiacutenio isso natildeo ocorre em

Eacutesquilo pois a sua Clitemnestra apresenta os motivos apoacutes a morte do rei ao tentar formular a

proacutepria defesa para uma puniccedilatildeo futura

Na trageacutedia romana depois de expor os motivos para a vinganccedila Clitemnestra conversa

com Egisto no final desse ato A apariccedilatildeo de Egisto nesse momento da peccedila eacute uma inovaccedilatildeo de

Secircneca como afirma Serrano (2003 p75) ldquoTambieacuten original es la aparicioacuten de Egisto antes del

retorno de Agamenoacuten que antildeade una serie de nuevos momentos a la historia de la parejardquo136 Ele

aparece para convencer a rainha de que ela deve matar o marido As falas presentes nesse ato natildeo

encontram associaccedilatildeo com nenhum outro texto que sobreviveu da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana

apresentada Jaacute as referecircncias agraves justificativas de vinganccedila aparecem apoacutes a morte do rei como foi

mencionado

A presenccedila de Egisto e a caracterizaccedilatildeo dele como personagem tatildeo forte na peccedila de Secircneca

talvez seja uma influecircncia das peccedilas intituladas Egisto de Liacutevio Andronico e de Aacutecio (jaacute

mencionadas anteriormente) nas quais Egisto era a personagem principal ou entatildeo uma influecircncia

135 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

136 Tambeacutem eacute original a apariccedilatildeo de Egisto antes do retorno de Agamecircmnon que adiciona uma seacuterie de novos momentos na histoacuteria do casal

93

(todavia mais difiacutecil de ser explicada) oriunda da Odisseia na qual Egisto aparece como o assassino

de Agamecircmnon Sobre isso afirma Serrano (2003 p 55) ldquoEn la eacutepica Egisto es el definitivo

responsable de los actos contra Agamenoacuten y de la seduccioacuten de Clitemnestrardquo137

No terceiro ato o mensageiro Euriacutebates chega ao palaacutecio e anuncia o retorno do rei

Clitemnestra conversa com Euriacutebates e este conta sobre o retorno dos gregos Pode-se dividir o

discurso de Euriacutebates em trecircs episoacutedios como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas narrative

comprises three distinct episodes the storm which overtook the Greeks on the return voyage from

Troy the death of Ajax Oileus at the hands of Athena and Poseidon and the deceit of Naupliusrdquo138

Os trecircs episoacutedios teriam sido narrados no poema Retornos Nos dois primeiros episoacutedios tem-se os

fragmentos recuperados a partir do sumaacuterio de Proclus139 (Proc Chres completado por Apolod

Epit 61-30 apud WEST 2003 p154)

Άγαμέμνων δε θνσας ανάγεται και Ύενέδωι προσίσχει- Νεοπτόλεμον δε πείθει Θετις άφικομένη έπιμεϊναι δύο ημέρας και θνσιάσαι και επιμένει οι δέ ανάγονται και περί Τήνον χειμάζονται- Αθηνά γάρ έδεήθη Διός τοις Ελλησι χειμώνα έπιπέμψαι- και πολλαί νήες βνθίζονται Αρgt εΐθ ό περί τάς Καφηρίδας πέτρας δηλονται χειμων και ή Αΐαντος φθορά τοϋ Αοκρον ltκαί έκβρασθέντα θάπτει Θετις έν Μνκόνωι A frota liderada por Agamecircmnon deixa Tecircnedos perto de Tenos eacute surpreendida por uma tempestade enviada por Zeus atendendo a um pedido de Atena Em meio a essa intempeacuterie muitos barcos afundam Mais tarde a frota defronta outra tormenta junto agraves rochas cafeacuteridas durante a qual o Aacutejax loacutecrio encontra a morte Teacutetis prepara o seu corpo e lhe rende honras fuacutenebres na ilha de Miconos140

E do uacuteltimo episoacutedio haacute apenas uma inferecircncia como mostra SOUSA (2008 p55)

Naacuteuplio e seus filhos Palamedes Eacuteax e Nausimedonte deveriam participar dos Retornos nos episoacutedios da morte de Agamecircmnon como insinua Apolodoro (II 1 5151) depois no Epiacutetome (6 7-11) conta-se que Naacuteuplio assim que sabe da morte de Palamedes vai ao encontro dos gregos por mar para exigir uma indenizaccedilatildeo Sem sucesso resolve vingar-se para tanto navega para as terras gregas e se empenha a favorecer alguns adulteacuterios o de Clitemnestra com Egisto o de Egiacuteale esposa de Diomedes com Cometes filho de Estecircnelo o de Meda esposa de Idomeneu com Leuco Natildeo satisfeito faz uma fogueira sobre o monte Cafareu na costa do Eubeia para sinalizar aos barcos gregos vindos de Troia a existecircncia de um porto ali enganados satildeo atraiacutedos para o escolho e afundam

Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo encontra-se apenas um dos episoacutedios mencionados o da

137 Na eacutepica Egisto eacute o responsaacutevel definitivo pelos atos contra Agamecircmnon e pela seduccedilatildeo de Clitemnestra138 A narrativa de Secircneca eacute composta por trecircs episoacutedios distintos a tempestade que assolou os gregos na viagem de

volta de Troia a morte de Aacutejax Oileu pelas matildeos de Atena e Poseidon e o engano de Naacuteuplio 139 Para mais informaccedilotildees sobre os poemas eacutepicos do ciclo troiano ver em SOUSA Francisco Edi de Oliveira As

pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado140 Traduccedilatildeo de Francisco Edi de Oliveira SOUSA (2008 p53-54)

94

tempestade E essa tempestade narrada pelo Arauto grego natildeo influenciou o relato de Euriacutebates

como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas account of the storm owes nothing to Aeschylusrdquo141

Mas apesar dessa informaccedilatildeo na mesma cena observa-se pouquiacutessimas semelhanccedilas como a

indagaccedilatildeo de Clitemnestra ao mensageiro sobre o destino de Menelau que estaacute presente nas duas

peccedilas

σὺ δ εἰπέ κῆρυξ Μενέλεων δὲ πεύθομαιεἰ νόστιμός τε καὶ σεσῳμένος πάλιν (Es Ag v617-618)

Diz tu oacute arauto e indago de Menelause ele tendo regressado salvo outra vez

Tu pande vivat coniugis frater meiet pande teneat quas soror sedes mea (Sen Ag v404-405)

Tu revela se vive o irmatildeo de meu esposoe revela o local que minha irmatilde habita

E tambeacutem o questionamento do Coro (Eacutesquilo) e de Clitemnestra (Secircneca) sobre os reveses

que assolaram as naus gregas presente em ambas as trageacutedias

πῶς γὰρ λέγεις χειμῶνα ναυτικῷ στρατῷἐλθεῖν τελευτῆσαί τε δαιμόνων κότῳ (Es Ag v634-635)

Como dizes Procela veio agrave esquadrae deu-lhe fim pelo rancor dos Numes

Quis fare nostras hauserit casus ratesaut quae maris fortuna dispulerit duces(Sen Ag v414-415)

Fala-me que infortuacutenio essas naus engoliu que capricho do mar dispersou nossos chefes

Com isso dentre a tradiccedilatildeo literaacuteria apresentada pode-se dizer que o discurso de Euriacutebates

talvez tenha sofrido influecircncia do poema eacutepico Retornos essa proximidade com o texto grego

talvez natildeo tenha chegado ateacute Secircneca diretamente mas atraveacutes de fontes romanas anteriores

Contudo Lohner (2009 p182-183) afirma que as fontes de Secircneca para compor esse relato seriam

de trageacutedias latinas

A narrativa da tempestade ocorrida durante o retorno dos gregos fazia parte de uma peccedila posterior a Eacutesquilo adaptada por Liacutevio Andronico na trageacutedia Aegisthus e tambeacutem por Aacutecio na trageacutedia Clytemnestra Secircneca imita os versos de Andronico no iniacutecio de sua narrativa

141 O relato de Secircneca sobre a tempestade natildeo deve nada a Eacutesquilo

95

Embora a cena da tempestade fosse bastante comum nos seacuteculos quinto e quarto142 a junccedilatildeo

dos trecircs episoacutedios ndash a tempestade a morte de Aacutejax e o engano de Naacuteuplio ndash na narrativa de

Euriacutebates parece ser uma influecircncia teatral do seacuteculo quarto

One or more lost tragic messenger-speeches may have combined for the first time the storm the death of Ajax and the treachery of Nauplius the loose sense of dramatic relevance presupposed by such a sprawling narrative may point to a fourth-century play143 (TARRANT 2004 p21)

No Ato IV Cassandra em diaacutelogo com o Coro de mulheres troianas prevecirc a morte de

Agamecircmnon e dela mesma A menccedilatildeo agraves visotildees profeacuteticas de Cassandra satildeo mostradas na trageacutedia

Agamemnon de Eacutesquilo e na Arte de Amar de Oviacutedio (como jaacute foi citado anteriormente) Poreacutem em

relaccedilatildeo com a primeira obra haacute uma inversatildeo da ordem dos acontecimentos entre as trageacutedias na

grega Agamecircmnon chega ao palaacutecio antes de Cassandra jaacute na romana Cassandra aparece em cena

antes de Agamecircmnon contrapondo-se a ordem normal na qual o rei chega antes dos prisioneiros

Alguns momentos do transe profeacutetico estatildeo presentes nas duas trageacutedias como a referecircncia

agrave possessatildeo apoliacutenica da jovem

παπαῖ οἷον τὸ πῦρ ἐπέρχεται δέ μοιὀτοτοῖ Λύκει Ἄπολλον οἲ ἐγὼ ἐγώ (Es Ag v1256-1257)

Papaicirc Que fogo este E invade-meOtotoicirc Lupino Apolo Ai de mim

Quid me furoris incitam stimulis noviquid mentis inopem sacra Parnasi iugarapitis Recede Phoebe iam non sum tua (Sen Ag v 720-722)

Por que me incitas o impulso de um novo furorPor que sagrados cumes do Parnaso insaname rendeis Para traacutes Febo jaacute natildeo sou tua

Tambeacutem se encontra nas duas peccedilas a metaacutefora dos animais felinos em relaccedilatildeo ao rei (leatildeo)

e agrave Clitemnestra (leoa) como se pode ver nos versos abaixo

αὕτη δίπους λέαινα συγκοιμωμένηλύκῳ λέοντος εὐγενοῦς ἀπουσίᾳκτενεῖ με τὴν τάλαιναν (Es Ag v1258-1260)

142 TARRANT 2004 p20143 Um ou mais discursos traacutegicos perdidos de mensageiro podem ter combinado pela primeira vez a tempestade a

morte de Ajax e a traiccedilatildeo de Nauplius o sentido amplo de relevacircncia dramaacutetica pressuposta por uma narrativa tatildeo extensa pode apontar para uma peccedila do seacuteculo IV

96

Essa leoa biacutepene junto com o lobodeitada na ausecircncia do nobre leatildeomatar-me-aacute miacutesera

victor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Ag v738-740)

De feras vencedor colo altaneiro jazsujeito a infames presas o leatildeo marmaacutericosofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Ainda nesse ato Agamecircmnon chega ao palaacutecio e conversa com Cassandra A profetisa

compara o rei grego a Priacuteamo na tentativa de lhe advertir sobre o perigo iminente Embora esse seja

o uacutenico momento em que Agamecircmnon aparece na trageacutedia o rei estaacute presente tambeacutem atraveacutes das

outras personagens como bem afirma Serrano (2003 p124)

la corta aparicioacuten de Agamenoacuten no lo priva de ser el protagonista de toda la obra como en cierta medida ocurriacutea en los traacutegicos griegos Agamenoacuten es la causa de las dudas de Clitemnestra del odio de Egisto y del amor de Electra Cuando aparece en escena recupera la grandeza del heacuteroe eacutepico soberbio y orgulloso de sus actos144

E no Ato V Cassandra por meio do transe profeacutetico narra simultaneamente de fora do

palaacutecio como Clitemnestra matou o seu marido A morte de Agamecircmnon eacute lembrada na maioria das

obras que trazem o mito do rei A descriccedilatildeo da morte inicia-se com trecircs verbos no presente do

indicativo uideo et intersum et fruor (v872) para Lohner (2009 p217) esse versos representam

eco no texto latino dos versos 46-47 do proacutelogo tendo o efeito de evocar a figura de Tiestes Laacute o verbo uideo assinalava a visatildeo prospectiva de Tiestes agora assinala a visatildeo ldquoem tempo realrdquo de Cassandra

Depois Cassandra descreve a imagem de Agamecircmnon vestido de Priacuteamo no banquete feito

para ele O banquete senequiano segundo Serrano (2003 p75) seria uma influecircncia da Odisseia de

Homero ldquofinalmente cae vencido por su mujer y su primo en un banquete de tradicioacuten homeacuterica en

el que le apresan entre engantildeosas vestidurasrdquo145 A referecircncia ao banquete homeacuterico encontra-se nos

versos 526-535 do canto IV uma comemoraccedilatildeo oferecida por Egisto

144 A curta apariccedilatildeo de Agamecircmnon natildeo o priva de ser protagonista de toda a obra como de certo modo acontecia nos traacutegicos gregos Agamecircmnon eacute a causa das duacutevidas de Clitemnestra do oacutedio de Egisto e do amor de Electra Quando aparece em cena recupera a grandeza do heroacutei eacutepico soberbo e orgulhoso de seus atos

145 Finalmente cai vencido por sua esposa e seu primo num banquete de tradiccedilatildeo homeacuterica no qual o prendem em roupas enganosas

97

Clitemnestra induz o marido a trocar as vestimentas e o envolve num manto que o

mobilizaraacute Depois disso Egisto daacute o primeiro golpe e Clitemnestra o ajuda na execuccedilatildeo do rei A

imagem do morto (v901-903) segundo Lohner (2009 p218) seria a mesma imagem da morte de

Priacuteamo descrita na Eneida de Virgiacutelio ldquoesses versos latinos imitam os de Virgiacutelio na (Eneida 2

557-558) referentes agrave decapitaccedilatildeo de Priacuteamordquo como se pode observar nos versos abaixo

Iacet ingens litore truncusauolsumque umeris caput et sine nomine corpus (Vir En v557-558)

Sobra a margem jaz um tronco gigantescouma cabeccedila separada das espaacuteduas um corpo sem nome

Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacent (Sen Ag v901-903)

Da estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorrado tronco a face com frecircmito desaba

Assim Agamecircmnon volta a ser comparado a Priacuteamo atraveacutes das semelhanccedilas mostradas

entre os versos dos poemas A trageacutedia de Secircneca retoma os termos caput trunco e iacent da poesia

virgiliana (caput truncus e iacet)146 O verbo iaceo usado no presente demonstra a disposiccedilatildeo do

corpo morto e a separaccedilatildeo deste em duas partes caput (cabeccedila) e truncustrunco (tronco)

representa a decapitaccedilatildeo do corpo presente em ambos os poemas A imagem da separaccedilatildeo entre a

cabeccedila e o corpo fica mais evidente em Secircneca com o particiacutepio passado amputatum (amputada) e

em Virgiacutelio com o termo auolsum umeris (separada das espaacuteduas)

Agamecircmnon morreu e os assassinos dilaceram o seu corpo Na versatildeo de Secircneca os

responsaacuteveis pela morte do rei satildeo Clitemnestra e Egisto isso representa para a tradiccedilatildeo da poesia

traacutegica um enfraquecimento da personagem Clitemnestra No Agamecircmnon de Eacutesquilo Clitemnestra

mata sozinha o marido e assim Serrano (2003 p107-108) a caracteriza

Se muestra entonces como una figura terriblemente grandiosa en el umbral del palacio salpicada con la sangre que compara con gotas de rociacuteo no se arrepiente ni se derrumba al contemplar sus manos manchadas por el crimen asume su responsabilidad e intenta hacer partiacutecipe de su actuacioacuten al daimon de la casa de Atreo y enlazar asiacute el resto de sus razones (Ifigenia Casandra) con la herencia geneacutetica de la culpa147

146 LOHNER 2009 p218147 Mostra-se entatildeo como uma figura terrivelmente grandiosa no umbral do palaacutecio salpicada com o sangue que

compara com gotas de orvalho natildeo se arrepende nem se abala ao contemplar suas matildeos manchadas pelo crime assume sua responsabilidade e tenta envolver a sua accedilatildeo no daimon da casa de Atreu e enlaccedilar assim o resto de suas razotildees (Ifigecircnia Cassandra) com a heranccedila geneacutetica da culpa

98

Clitemnestra jaacute perde parte da sua forccedila nas Coeacuteforas de Eacutesquilo quando aparece com medo

por causa da vinganccedila dos filhos Na Electra de Soacutefocles Clitemnestra aparece como incapacitada

de lutar diante da decisatildeo dos filhos de vingar a morte do pai E na Electra de Euriacutepides a rainha se

mostra mais humana e por isso Egisto se torna o principal foco da vinganccedila de Electra e Orestes

como afirma Serrano (2003 p115)

Frente a la configuracioacuten de la heroiacutena marcada por la tradicioacuten la figura de Euriacutepides sufre una humanizacioacuten se ve descargada de la dureza que hasta ahora la habiacutea caracterizado y por lo tanto de parte de su culpabilidad al reconocer sus errores y confesar su arrepentimiento pese al desprecio y los reproches de Electra148

E em Secircneca Clitemnestra a princiacutepio mostra-se em duacutevida quanto ao plano de vinganccedila

mas com a ajuda de Egisto ela participa ativamente da morte do rei como jaacute foi mencionado Com

isso conclui Serrano (2203 p116)

La decidida Clitemnestra esquilea ha perdido su entereza paulatinamente y ahora necesita maacutes que en ninguna otra ocasioacuten el apoyo de Egisto que desde el comienzo se ha mantenido inamovible duro y fuerte149

Apoacutes a cena descrita da morte Electra aparece e entrega Orestes a Estroacutefio a mesma

referecircncia a essa entrega aparece tambeacutem em Higino (Fab 117 2)

At Electra Agamemnonis filia Orestem fratrem infantem sustulit quem demandavit in Phocide Strophio cui fuit Astyochea Agamemnonis soror nupta

Electra hija de Agamenoacuten se llevoacute a su hermano pequentildeo Orestes yy lo confioacute a Estrofio em la Foacutecide que estaba casado com Astiacuteoque hermana de Agamenoacuten

Logo a jovem encontra a matildee e reclama a morte do pai Clitemnestra chama Egisto e pede

que ele castigue a filha e mate Cassandra Essa cena final segundo Tarrant (2004 p17-18) revela

uma proximidade com a trageacutedia republicana

The last act of Agamemnon contains the clearest parallel to republican drama a scene after the murder involving at least Electra and her mother (and perhaps Aegisthus and

148 Diante da configuraccedilatildeo da heroiacutena marcada pela tradiccedilatildeo a figura de Euriacutepides sofre uma humanizaccedilatildeo mostra-se desvinculada da dureza que ateacute agora a tinha caracterizado e portanto por parte da sua culpa ao reconhecer os erros e confessar seu arrependimento apesar do desprezo e das injuacuterias de Electra

149 A decidida Clitemnestra esquiliana perdeu sua totalidade paulatinamente e agora necessita mais do que alguma outra ocasiatildeo do apoio de Egisto que desde o comeccedilo se manteve imoacutevel duro e forte

99

Cassandra as well) is certainly attested for Livius and Accius150

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca teria sofrido muitas outras influecircncias literaacuterias e como jaacute

foi dito algumas dessas natildeo se podem recuperar Contudo atribui-se como as principais fontes de

Secircneca foram as trageacutedias republicanas de Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio e

algumas trageacutedias da eacutepoca de Augusto como afirma Tarrant (2004 p14)

Many aspects of Senecan dramatic procedure probably derive from Augustan precedent and inspiration and the Augustans may have been responsible for the synthesis of classical myth Hellenistic canons of form elements of archaic diction and great stylistic refinement which we associate with Senecan drama151

Essa pesquisa natildeo congrega todas as fontes utilizadas por Secircneca ao compor a sua trageacutedia

mas pretendeu-se mostrar atraveacutes das fontes que restaram que eacute possiacutevel verificar uma retomada

dessas feitas pelo tragedioacutegrafo

150 O uacuteltimo ato do Agamenon conteacutem um clariacutessimo paralelo com o drama republicano uma cena apoacutes o assassinato envolvendo pelo menos Electra e sua matildee (e talvez Egisto e Cassandra tambeacutem) eacute certamente atestada por Liacutevio e Aacutecio

151 Muitos aspectos do processo dramaacutetico Secircneca derivam provavelmente precedente de Augusto e da inspiraccedilatildeo e os Augustanos podem ter sido responsaacuteveis pela siacutentese do mito claacutessico cacircnones helecircnicos de forma elementos da dicccedilatildeo arcaica e de grande refinamento estiliacutestico que noacutes associamos com Secircneca drama

100

5 CONCLUSAtildeO

Este trabalho teve o intuito de mostrar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega e a romana apresentou

o mito de Agamecircmnon desde os poemas homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca focalizando a recepccedilatildeo

do mito feita por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon e por Secircneca na trageacutedia homocircnima

No primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo desenvolveu-se

um panorama do processo criativo da poesia grega desde Homero ateacute o drama aacutetico Na Greacutecia esse

processo contou com uma forte influecircncia da oralidade que com o passar dos seacuteculos vai se

enfraquecendo por causa da revoluccedilatildeo da escrita Nas trageacutedias gregas do seacutec V ainda se encontra

resquiacutecios de oralidade Jaacute em Roma o processo criativo da poesia mostra um viacutenculo direto com a

escrita As representaccedilotildees traacutegicas do periacuteodo arcaico romano tinham uma referecircncia textual desta

restaram apenas fragmentos Por isso o mito de Agamecircmnon foi recriado nos diversos textos

apresentados da tradiccedilatildeo grega e da romana de maneira particular pois esses vatildeo recepcionar o mito

de acordo com o acesso agrave tradiccedilatildeo miacuteticaliteraacuteria

No segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo ao apresentar a

tradiccedilatildeo literaacuteria desde Homero ateacute Eacutesquilo pode-se considerar que Eacutesquilo colheu muito dessa

tradiccedilatildeo para compor o seu Agamecircmnon A trageacutedia esquiliana tem traccedilos homeacutericos e traccedilos liacutericos

O rei Agamecircmnon traacutegico eacute glorioso como o rei homocircnimo de Homero presente na Iliacuteada A

Clitemnestra traacutegica eacute produto de uma tradiccedilatildeo liacuterica da Piacutetica XI de Pigravendaro na qual era o

principal foco Atraveacutes da anaacutelise mostrada nesse capiacutetulo a recepccedilatildeo de Eacutesquilo para compor

Agamecircmnon deveu-se principalmente aos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia e ao poema liacuterico

Piacutetica XI de Piacutendaro

No terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeordquo

apresentou-se a tradiccedilatildeo literaacuteria desde Soacutefocles ateacute Secircneca Essa tradiccedilatildeo contou com uma grande

distacircncia temporal desde o seacutec V aC ateacute o seacutec I dC e com a presenccedila de duas culturas

diferentes a grega e a romana mas mesmo assim foi possiacutevel indicar algumas influecircncias sofridas

por Secircneca ao compor a sua peccedila Considerou-se a perceptiacutevel a influecircncia das obras romanas

como a Eneida de Virgiacutelio as trageacutedias latinas Egisto e Clitemnestra a Arte de Amar de Oviacutedio as

Faacutebulas de Higino e outros modelos latinos que natildeo sobreviveram Assim pode-se dizer que

Secircneca reescreveu o mito de Agamecircmnon no que diz respeito ao enredo apoiando-se

principalmente na tradiccedilatildeo literaacuteria romana mas sem desconsiderar algumas influecircncias dos textos

gregos

Contudo o presente trabalho pretendeu mostrar que os tragedioacutegrafos estudados Eacutesquilo e

Secircneca se apropriam da tradiccedilatildeo literaacuteria anterior a eles para construir as suas peccedilas Com base

101

nessa tradiccedilatildeo eles reescrevem os mitos jaacute conhecidos e os transmitem com uma nova versatildeo

perpetrando a cada reescritura um novo paradigma do mito de Agamecircmnon

102

REFEREcircNCIAS

ALMEIDA Guilherme de amp VIEIRA Trajano Trecircs trageacutedias gregas Antiacutegone Prometeu prisioneiro Aacutejax Satildeo Paulo Perspectiva 1997

APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

BEACHAM Richard ldquoPlaying places the temporary and the permanentrdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p202-226 BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

BOYLE A JTragic Seneca an essay in the theatrical tradition New York Routledge 2009

CALAME Claude Choruses of young women in Ancient Greece Trad de Derek Collins and Janice Orion Lanham Rowman amp Little Publishers 1997

_______ ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo In Megravetis Anthropologie des mondes grecs anciens Volume 12 1997 pp 181-203

CAMPBELL David A Greek Lyric ndash III ndash Stesichorus Ibycus and Simonides Loeb Classical Library Cambridge Harvard University Press 2001

CARDOSO Zeacutelia de Almeida A literatura latina Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

CASTIAJO Isabel O teatro grego em contexto de representaccedilatildeo Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2012

DEBNAR Paula ldquoFifth-Century Athenian History and Tragedyrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

DUPONT Florence LActeur Roi ndash Le theacuteacirctre dans la Rome Antique Paris Les Belles Lettres 2003

_______ Linvention de la litteacuterature de ivresse grecque au texte latin Paris la Deacutecouverte 1998

ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Coeacuteforas Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Eumecircnides Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Os persas Trad de Maacuterio da Gama Kury Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1992

103

EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

______ Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

______ Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

______ Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

______ Teatro de Euriacutepides ndash Ifigecircnia em Aacuteulis As Bacantes Electra Trad Nataacutelia Correia Porto Civilizaccedilatildeo 1969

FANTHAM Elaine ldquoRoman Tragedyrdquo In HARRISON Stephen (ed) A companion to Latin literature Malden Oxford e Victoria Blackwell 2005

FIALHO Maria do Ceacuteu ldquoDo Oikos agrave Poacutelis de Agameacutemnon sob o signo da distorccedilatildeordquo In Aacutegora Estudos Claacutessicos em Debate nordm 14 2012 p47-61 Acessado pelo site httprevistasuaptindexphpagoraarticleview13011188 em 28 de janeiro de 2013

GAILLARD Jacques Introduccedilatildeo agrave literatura latina ndash das origens a Apuleio Trad de Maria Cristina Pimentel Mem Martins Inqueacuterito 1994

GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

GUAL Carlos Garciacutea Introduccioacuten a la mitologiacutea griega Madrid Alianza Editorial 2006

______ Mitologiacutea y literatura en el mundo griego In httpwwwucmesinfoamalteadocumentosseminario2Seminario2_Grecia_GarciaGualpdf acessado em 29 de maio de 2011

HALL Edith Aeschylusrsquo Clytemnestra versus her Senecan Tradition 2005 p 1-34 Arquivo In httpwwwrhulacukcrgrdocumentspdfpapersagamemnonpdf acessado em 05 de maio de 2013HAVELOCK Erick A A revoluccedilatildeo da escrita na Greacutecia e suas consequecircncias culturais Trad de Ordep Joseacute Serra Satildeo Paulo Editora da UNESP Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

HERRMANN Leacuteon Le theacuteatre de Seacutenegraveque Paris Les Belles Lettres 1924

HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

______ Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80

104

Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

ISIDRO Pereira S J Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Livraria AI 1998 8ordf ed

JEBB Sir Richard C Sophocles The Plays and Fragments with critical notes commentary and translation in English prose Part VI The Electra Cambridge Cambridge University Press 1894 In httpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=Perseus3Atext3A19990400253Atext3Dintro acessado em 08 de janeiro de 2013

LOHNER Joseacute Eduardo dos Santos ldquoIntroduccedilatildeo Posfaacutecio e Notasrdquo In SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

LORD Albert B The singer of tales New York Atheneum 1971

MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) pp 126-137

MOTA Marcus ldquoNos passos de Homero performance como argumento da Antiguidaderdquo In VIS Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte Brasiacutelia Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte 2010

NAGY Gregory Homeric Questions Austin University of Texas Press 1996

OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

______ Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

REHM Rush ldquoFestivals and audiences in Athens and Romerdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p184-201

RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011

SCULLION Scott ldquoTragedy and religion the problem of originsrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

105

_______ Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004

_______ As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

_______ Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

SERRANO Diana de Paco ldquoCaracterizacioacuten de Clitemnestra y Agamenoacuten de Esquilo a Seacutenecardquo In Myrtia Revista Filologiacutea Claacutessica 2003 nordm18 p105-127 Acessado em 08 de outubro de 2011 pelo site httpdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=934677

_______ ldquoEl drama de Agamenoacuten de Homero a nuestros diacuteasrdquo In La tragedia de Agamenoacuten en el teatro Espantildeol del siglo XX Murcia Universidad de Murcia 2003 p50-84 SOacuteFOCLES As Traquiacutenias Trad de Flaacutevio Ribeiro de Oliveira Campinas Editora UNICAMP 2009

_______ Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

TARRANT J R ldquoIntroductionrdquo in SENECA Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004 paacutegs 3-96

_______ Senecas drama and its antecedents Havard Studies in Classical Philology (HSCP) nordm82 pp 213-263 1978

THOMAS Rosalind Letramento e oralidade na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Odysseus 2005

VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

WEST Martin L Greek epic fragments Cambridge Harvard University Press 2003

ZUMTHOR Paul Performance recepccedilatildeo leitura Trad de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich Satildeo Paulo Cosac Naify 2007

Para a minha famiacutelia e

para o NUCLAS da UFC

AGRADECIMENTOS

A Deus pela sabedoria pela forccedila pela determinaccedilatildeo para conduzir a minha pesquisa e pela

minha sauacutede e paz nesses anos do mestrado

Aos meus pais pelo eterno amor pelo apoio agrave minha vida acadecircmica e por sempre

acreditarem no meu sucesso

Ao meu marido pelo companheirismo por compreender as minhas ausecircncias durante a

escritura da dissertaccedilatildeo e por sempre me apoiar na vida profissional

Agrave minha irmatilde que mesmo morando longe pelo apoio e pela ajuda nessa caminhada da vida

profissional

Aos meus tios tias primos e primas por acreditarem no meu sucesso

Aos meus amigos e amigas pelo companherismo por acreditarem no meu sucesso e por

compreenderem as minhas ausecircncias em alguns momentos

Ao professor Orlando Luiz de Araacuteujo pela orientaccedilatildeo atenta e paciente pelos livros

emprestados pelas preciosas sugestotildees e criacuteticas no desenvolvimento dessa pesquisa e pela

amizade

Agrave professora Ana Maria Ceacutesar Pompeu da UFC pelas preciosas criacuteticas e sugestotildees durante

a qualificaccedilatildeo e pela amizade

Ao professor Francisco Edi de Oliveira Sousa da UFC por ter me incentivado desde a

graduaccedilatildeo ao estudo do Latim por ter me enviado alguns livros e pela amizade

Ao professor Roberto Arruda de Oliveira da UFC pelas criacuteticas e sugestotildees durante a

qualificaccedilatildeo

Ao professor Joseacute Eduardo dos Santos Lohner da USP por aceitar o convite para participar

da banca de defesa dessa dissertaccedilatildeo e por contribuir para o enriquecimento dessa pesquisa

Agrave UECE por consentir o meu afastamento das atividades acadecircmicas para cursar o

mestrado e por financiar os meus estudos

Ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Letras da UFC pela oportunidade de cursar o mestrado

na aacuterea de Literatura Claacutessica

RESUMO

Na Greacutecia Antiga mitos como o de Agamecircmnon eram narrados em meios sociais e

adaptados ao momento no qual eram apresentados possibilitando assim vaacuterias versotildees de uma

mesma narrativa Acerca do mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos restaram alguns textos

escritos como na poesia eacutepica Iliacuteada e Odisseia de Homero no poema liacuterico Piacutetica XI de Piacutendaro

nas trageacutedias Oresteia de Eacutesquilo no Aacutejax e na Electra de Soacutefocles na Heacutecuba Troianas

Androcircmaca Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides nos poemas

Cantos Ciacuteprios e Retornos do ciclo troiano e em outras narrativas como a Biblioteca Mitoloacutegica de

Apolodoro e a Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias Jaacute na literatura latina encontram-se referecircncias

ao mito de Agamecircmnon no Egisto de Liacutevio Andronico na Clitemnestra de Aacutecio na Eneida de

Virgiacutelio nos poemas A arte de Amar e Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon

Troianas e Tiestes de Secircneca Nessa pesquisa mostrar-se-aacute como as obras mencionadas recontam o

mito de Agamecircmnon e como Eacutesquilo e Secircneca ao escreverem as suas trageacutedias ambas intituladas

Agamecircmnon apoderam-se dessa tradiccedilatildeo literaacuteria Analisar-se-aacute as partes do mito que foram

colhidas dessa tradiccedilatildeo pelos tragedioacutegrafos e se tentaraacute mostrar algumas particularidades dos

tragedioacutegrafos influenciados por um contexto social ao recontar esse mito na tentativa de

apresentar uma comparaccedilatildeo entre os textos quanto ao processo de recriaccedilatildeo miacutetica feito por Eacutesquilo

e Secircneca

Palavras-chave Mito Agamecircmnon Trageacutedia Eacutesquilo Secircneca

ABSTRACT

In Ancient Greece myths as Agamemnonrsquos were told in social environment and adapted at

the moment they were presented enabling many versions of the same story About the

Agamemnonrsquos myth called the Greekrsquos boss they were left some of the written texts as in the epic

poetry Homers Iliad and Odyssey in the lyric poetry Pindars Pythian XI in the tragedies

Aeschylus Orestia Sophocles Ajax and Electra Euripedes Hecuba The Trojan Women

Adromache Electra Iphigenia in Tauris Orestes and Iphigenia at Aulis in the poems The Cypria

and The returns from the Trojan Cycle and in other stories as the Apollodorus Bibliotheca and

Pausanias Description of Greece In the Latin literature we can find references to Agamemnonrsquos

myths in Livius Andronicus Aegisthus Accius Clytemnestra Virgils The Aeneid Ovids The

Metamorphoses and The Art of Love Senecas Troades Agamemnon and Thyestes In this research it

will be shown how the mentioned stories retell Agamemnonrsquos myths and how Aeschylus and

Seneca when they wrote their tragedies both called Agamemnon took possession of this literary

tradition It will be analyzed the parts from the myth which were gathered from this tradition from

the tragedians and it will try to show some of particularities from the tragedians influenced by a

social context when they retold this myth in a attempt to present a comparative between the texts as

the process of the mythical recreation made by Aeschylus and Seneca

Keywords Myth Agamemnon Tragedy Aeschylus Seneca

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo hellip 8

2 Capiacutetulo I Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeohellip 11

3 Capiacutetulo II Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo 36

31 A tradiccedilatildeo eacutepica hellip 36

32 A tradiccedilatildeo liacuterica hellip 44

33 A tradiccedilatildeo traacutegica hellip 47

34 A recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon hellip 54

4 Capiacutetulo III Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeo 66

41 A tradiccedilatildeo literaacuteria grega hellip 66

42 A tradiccedilatildeo literaacuteria romana hellip 75

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon 85

5 Conclusatildeo helliphellip 100

Referecircncias hellip 102

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem como objetivo de estudo as duas trageacutedias da tradiccedilatildeo greco-romana

intituladas Agamecircmnon uma de Eacutesquilo e a outra de Secircneca no que diz respeito agrave recepccedilatildeo feita

pelos tragedioacutegrafos em suas respectivas obras

O mito de Agamecircmnon assim como os outros mitos gregos foi transmitido a princiacutepio por

meio da oralidade e depois a partir dos textos literaacuterios Agamecircmnon ficou conhecido na tradiccedilatildeo

ocidental por ter liderado as tropas gregas rumo agrave guerra de Troia por ter sacrificado a filha Ifigecircnia

em honra agrave deusa Aacutertemis e por ter morrido assassinado por sua esposa Clitemnestra As partes do

mito de Agamecircmnon aparecem em diversos textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana Neste

estudo optou-se por analisar como a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e a homocircnima de Secircneca

recontam a morte do rei pois cada um desses tragedioacutegrafos faz uma leitura do mito do rei de

Argos

Cuando un autor tragico reelabora em su drama un tema mitico tampouco tiene especial intereacutes en transmitirnos la versioacuten completa y canoacutenica sino que centra su representacioacuten em algunos puntos que en su reflexioacuten le parecen los maacutes sugestivos y convenientes1 (GUAL 2006 p67)

Na tradiccedilatildeo grega Eacutesquilo escolheu recriar o mito de Agamecircmnon na sua peccedila

considerando a sua audiecircncia e os acontecimentos em Atenas Essa trageacutedia foi encenada em 458

aC e repensa juntamente com as Coeacuteforas e as Eumecircnides por exemplo questotildees sobre a justiccedila

ateniense Mas essa versatildeo traacutegica do mito natildeo somente mostra os aspectos da sociedade ateniense

mas tambeacutem se apoia na tradiccedilatildeo literaacuteria anterior acerca do mito

E na tradiccedilatildeo romana Secircneca tambeacutem recepcionou os textos de seus antecessores ao

escrever a sua versatildeo do mito de Agamecircmnon A trageacutedia senequiana revela as influecircncias gregas e

romanas recebidas atraveacutes de leituras feitas pelo tragedioacutegrafo E ainda o mito eacute recontado sob uma

perspectiva imperialista e com uma linguagem mais acurada sob influecircncia da retoacuterica poreacutem

artificial

Considerando os aspectos de reescritura do mito de Agamecircmnon pelos tragedioacutegrafos e a

semelhanccedila entre os tiacutetulos das peccedilas visa-se mostrar quais textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e da

romana serviram de modelo aos autores para a composiccedilatildeo das suas respectivas trageacutedias Este

1 Quando um autor traacutegico reelabora em seu drama um tema miacutetico natildeo estaacute particularmente interessado em nos transmitir a sua versatildeo completa e canocircnica mas centra a sua representaccedilatildeo em alguns pontos que na sua reflexatildeo lhe parecem mais sugestivos e convenientes

9

estudo apresenta trecircs capiacutetulos que relatam o desenvolvimento da recepccedilatildeo desde os poemas

homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca

O primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo se inicia com um

estudo acerca da oralidade da escrita e das contribuiccedilotildees que esses elementos concederam aos

primeiros poemas da tradiccedilatildeo grega Os poemas homeacutericos satildeo considerados os primeiros textos

poeacuteticos gregos que recontam os mitos gregos por meio da transmissatildeo oral Por isso o processo de

criaccedilatildeo desses poemas eacute mostrado atraveacutes dos estudos teoacutericos de Milman Parry Albert Lord e

Gregory Nagy Logo apoacutes os poemas homeacutericos Hesiacuteodo apresenta diferenccedilas no processo criativo

de sua poesia E com a revoluccedilatildeo provocada pela escrita na Greacutecia as trageacutedias do seacutec V jaacute

vislumbram uma composiccedilatildeo mais elaborada mas ainda sob influecircncia da oralidade

A trageacutedia grega tem como principais representantes Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides Eles

tiveram as suas peccedilas encenadas em Atenas nos festivais dionisiacuteacos e por meio da representaccedilatildeo

recontavam os mitos gregos Dentre as trageacutedias gregas que restaram tem-se uma uacutenica trilogia

Oresteia de Eacutesquilo da qual faz parte a peccedila Agamecircmnon Em Roma as primeiras manifestaccedilotildees

teatrais aconteceram em festivais luacutedicos O teatro traacutegico romano tem a participaccedilatildeo de Liacutevio

Andronico Neacutevio Ecircnio Pacuacutevio e Aacutecio poreacutem desses soacute restaram alguns fragmentos E apoacutes esse

periacuteodo soacute restaram na iacutentegra os textos completos das trageacutedias de Secircneca

O segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo divide-se em

quatro partes a tradiccedilatildeo eacutepica a tradiccedilatildeo liacuterica a tradiccedilatildeo traacutegica e a recepccedilatildeo de Eacutesquilo em

Agamecircmnon A tradiccedilatildeo eacutepica relata como o mito de Agamecircmnon eacute contado nos poemas homeacutericos

Iliacuteada e Odisseia e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos A tradiccedilatildeo liacuterica

apresenta o mito de Agamecircmnon no poema Oresteia de Estesiacutecoro e no epiniacutecio Piacutetica XI de

Piacutendaro A tradiccedilatildeo traacutegica mostra o mito de Agamecircmnon na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e nas

outras duas peccedilas da trilogia Coeacuteforas e Eumecircnides E na recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon

tenta-se mostrar quais das influecircncias literaacuterias apresentadas sobreviveram no texto de Eacutesquilo

Nesses poemas Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos e como um homem assassinado pela

esposa

O terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana e recepccedilatildeordquo

divide-se em trecircs partes a tradiccedilatildeo literaacuteria grega a tradiccedilatildeo literaacuteria romana e a recepccedilatildeo de

Secircneca em Agamecircmnon A tradiccedilatildeo literaacuteria grega mostra o mito de Agamecircmnon nas trageacutedias

Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e

Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e nas narrativas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo

da Greacutecia de Pausacircnias A tradiccedilatildeo romana apresenta o mito de Agamecircmnon nos seguintes textos

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

10

Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de Secircneca E na recepccedilatildeo

de Secircneca em Agamecircmnon busca-se mostrar quais as influecircncias sofridas por Secircneca ao compor a

sua trageacutedia priorizando os resquiacutecios da tradiccedilatildeo literaacuteria romana sobreviventes na peccedila

11

2 CAPIacuteTULO 1 Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeo

O objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar inicialmente informaccedilotildees acerca da oralidade e da

escrita alfabeacutetica na Greacutecia antiga e quais contribuiccedilotildees esses elementos exerceram na poesia grega

do periacuteodo arcaico em especial na trageacutedia do seacuteculo V aC Depois seratildeo apresentadas

consideraccedilotildees acerca do teatro romano

A sociedade grega antiga ficou conhecida como uma sociedade culturalmente avanccedilada

principalmente por causa do advento da escrita alfabeacutetica Embora bem antes jaacute houvesse uma

escrita silaacutebica a conhecida Linear B essa natildeo resistiu ao tempo e provavelmente por falta de uso

desapareceu juntamente com a civilizaccedilatildeo micecircnica (c 1500-1100 aC) Seacuteculos depois a escrita

alfabeacutetica espalhou-se gradualmente pela Greacutecia Ateacute entatildeo a sociedade grega era de natureza

predominantemente oral as notiacutecias os textos poeacuteticos as leis a tradiccedilatildeo tudo era transmitido boca

a boca como afirma Gual (2006 p 35-36)

Las instituciones se apoyan en los mitos se recurre a ellos para tomar decisiones se interpretan los hechos de acuerdo con ellos Los maacutes viejos se los cuentan a los maacutes joacutevenes y eacutestos se inician en los saberes tradicionales de su pueblo mediante los grandes relatos de los dioses y los heacuteroes fundadores Las nodrizas les cuentan a los nintildeos los fascinantes sucesos de un tiempo lejano y divino Los abuelos y las abuelas recuentan a los pequentildeos lo que a ellos les contaron tiempo atraacutes sus proprios abuelos Y en las fiestas comunitarias se reitera a traveacutes de rituales mimeacuteticos y de narraciones escogidas las palabras de los mitos2

E como exemplo dessa tradiccedilatildeo de transmissatildeo oral tem-se o canto VII da Odisseia (v62-

95) de Homero quando Alciacutenoo rei dos feaacutecios em seu palaacutecio prepara um banquete e para essa

comemoraccedilatildeo eacute levado um cantor que ao cantar os feitos de Troia emociona Odisseu

κῆρυξ δ ἐγγύθεν ἦλθεν ἄγων ἐρίηρον ἀοιδόντὸν περὶ Μοῦσ ἐφίλησε δίδου δ ἀγαθόν τε κακόν τεὀφθαλμῶν μὲν ἄμερσε δίδου δ ἡδεῖαν ἀοιδήν (Hom Od v62-64)[hellip]αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντοΜοῦσ ἄρ ἀοιδὸν ἀνῆκεν ἀειδέμεναι κλέα ἀνδρῶνοἴμης τῆς τότ ἄρα κλέος οὐρανὸν εὐρὺν ἵκανενεῖκος Ὀδυσσῆος καὶ Πηλεΐδεω Ἀχιλῆος (Hom Od VIII v72-75)[hellip]ταῦτ ἄρ ἀοιδὸς ἄειδε περικλυτός αὐτὰρ Ὀδυσσεὺς

2 As instituiccedilotildees se apoiam nos mitos recorrem a eles para tomar decisotildees interpretam os feitos de acordo com eles Os mais velhos os contam aos mais jovens e estes se iniciam nos conhecimentos tradicionais de seu povo mediante os grandes relatos dos deuses e dos heroacuteis fundadores As nutrizes contam agraves crianccedilas os feitos fascinantes de um tempo distante e divino Os avocircs e as avoacutes recontam aos pequenos o que a eles contaram tempos atraacutes seus proacuteprios avoacutes E nas festas comunitaacuterias se reitera atraveacutes dos rituais mimeacuteticos e das narraccedilotildees escolhidas as palavras dos mitos

12

πορφύρεον μέγα φᾶρος ἑλὼν χερσὶ στιβαρῇσικὰκ κεφαλῆς εἴρυσσε κάλυψε δὲ καλὰ πρόσωπααἴδετο γὰρ Φαίηκας ὑπ ὀφρύσι δάκρυα λείβων (Hom Od VIII v83-86)

Jaacute pelo arauto trazido o cantor divinal se aproximaque tanto a Musa distingue e a quem males de bens concederatira-lhe a vista dos olhos mas cantos sublimes lhe inspira [hellip]Tendo assim pois a vontade da fome e da sede saciadoa Musa logo o incitou a falar sobre os feitos dos homens gestasde heroacuteis cuja fama o alto ceacuteu nesse tempo atingiraa disseccedilatildeo entre Aquiles Pelida e Odisseu tatildeo falada[hellip]Isso narrava o famoso cantor Odisseu entrementes com as matildeos fortes o manto de puacuterpura para a cabeccedilapuxa encobrindo-a com o fim de esconder as feiccedilotildees majestosasEnvergonha-se sim de que o vissem chorar os Feaacutecios3

Atraveacutes do relato exposto acima pode-se verificar o quanto era comum na Greacutecia Antiga a

transmissatildeo oral dos feitos heroicos O mito produto da tradiccedilatildeo grega tambeacutem teve a sua

existecircncia propagada por meio da exposiccedilatildeo oral ateacute que o advento da escrita comeccedilasse a registraacute-

lo Ele sobreviveu ateacute os dias de hoje principalmente por meio dos textos escritos pois em seus

primoacuterdios estava restrito agrave oralidade como afirma Thomas (2005 p3-4) ldquo[] a Greacutecia antiga era

em muitos aspectos uma sociedade oral na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em

relaccedilatildeo agrave palavra faladardquo Desse modo os textos poeacuteticos eram compostos para serem ouvidos

assim continua Thomas (2005 p4)

A maior parte da literatura grega poreacutem tinha por finalidade ser ouvida ou cantada ndash transmitida oralmente portanto ndash e havia uma forte corrente de aversatildeo pela palavra escrita mesmo pelos altamente letrados documentos escritos natildeo eram considerados por si mesmos prova adequada em contextos legais ateacute a segunda metade do seacuteculo IV aC

Somente com a reinvenccedilatildeo da escrita na Greacutecia Antiga momento em que ldquoo alfabeto foi

adaptado do alfabeto feniacutecio provavelmente na primeira metade do seacuteculo VIIIrdquo (THOMAS 2005

p17) ndash que segundo Havelock (1996 p20) esse alfabeto surgiu dos contatos comerciais entre

gregos e feniacutecios ndash foi que os mitos deixaram de ser exclusivamente de natureza oral e comeccedilaram a

ser escritos

A escrita grega antiga a princiacutepio foi usada ldquopara marcar objetos ou compor um memorial

ou ateacute mesmo escrever versosrdquo (THOMAS 2005 p67) Como exemplo tem-se o famoso Vaso do

Diacutepylon datado de 750-690 aC que conteacutem uma inscriccedilatildeo metrificada em ldquohexacircmetro de estilo

3 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes neste capiacutetulo satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

13

homeacuterico onde se lecirc de traacutes para frente quem agora entre os danccedilarinos melhor desempenho

tiver Segue-se a isto uma tentativa de um segundo verso que avanccedila com esforccedilo ateacute parar perto

da asardquo(HAVELOCK 1996 p197) Numa sociedade oral as primeiras manifestaccedilotildees de escrita

tendem a registrar a palavra falada por isso que algumas inscriccedilotildees encontradas estatildeo escritas em

versos ao contraacuterio do que acontece na sociedade letrada moderna em que os registros oficiais satildeo

feitos em prosa

A oralidade na Greacutecia Antiga foi veiacuteculo de muitos acontecimentos dentre eles o iniacutecio da

democracia como afirma Dupont (1998 p12) ldquoLa democratie grecque elle-mecircme fut fondeacutee sur

une parole politique essentiellement orale leacutecriture ne servant quaux lettres dambassadeurs aux

teacutemoignages dans les procegraves et agrave la publication des loisrdquo4 Tambeacutem natildeo se pode esquecer de que a

filosofia grega foi propagada por meio da oralidade os discursos filosoacuteficos que temos hoje

resultaram de um diaacutelogo oral como os de Pitaacutegoras Soacutecrates Aristoacuteteles e os Peripateacuteticos5 Na

verdade em geral a Greacutecia prioriza a oralidade em detrimento da escrita pois essa eacute vista como um

instrumento de poder como conclui Dupont (1998 p13)

Dune faccedilon geacuteneacuterale la Gregravece classique se meacutefie de lecriture quand elle preacutetend transcrire et conserver la parole des vivants et de la lecture qui asservit le lecteur agrave la volonteacute du scripteur car la fonction la plus ancienne de lecriture grecque neacutetait pas denregistrer les paroles des hommes mais de faire parler les choses muettes coupes ou stegraveles funeacuteraires gracircce agrave une oralisation de linscription par le lecteur6

Como a sociedade grega natildeo primava pela composiccedilatildeo escrita muito dificilmente se poderia

falar em literatura Pois segundo Dupont para se ter literatura como eacute pensada hoje tem-se que ter

leitores E nas sociedades antigas ndash Greacutecia e Roma ndash eram comuns as leituras puacuteblicas em

contraponto agraves leituras individuais fato esse que permite a escrita do texto com o intuito de

exclusivamente ser lido ldquoles Anciens ont connu bien des faccedilons de lire un livre mais jamais cette

lecture litteacuteraire semble-t-il sinon sous la forme dune reacuteeacutecriture ce que nous appelons un

remakerdquo (DUPONT 1998 p16)7 Da Greacutecia Antiga nos restou um exemplo dessa reescrita dos

mitos jaacute conhecidos o mito de Electra filha de Agamecircmnon e Clitemnestra que mata a proacutepria matildee

com a ajuda do irmatildeo Orestes para vingar a morte do pai Esse mito eacute recontado em trecircs trageacutedias

gregas nas Coeacuteforas de Eacutesquilo na Electra de Soacutefocles e na Electra de Euriacutepides Cada peccedila

4 A democracia grega em si foi fundada sobre um discurso poliacutetico essencialmente oral a escrita serve apenas para as cartas de embaixadores como prova num julgamento e para a publicaccedilatildeo de leis

5 DUPONT Florence Linvention de la litteacuterature Paris La Deacutecouverte 1998 p 126 Em geral a Greacutecia claacutessica desconfia da escrita quando ela pretende transcrever e conservar as falas dos vivos e da

leitura que submete o leitor agrave vontade do escritor porque a funccedilatildeo mais antiga da escrita grega natildeo era registrar as falas dos homens mas fazer falar as coisas mudas taccedilas ou laacutepides graccedilas a um registro da oralizaccedilatildeo para o leitor

7 Os antigos conheceram muitas maneiras de ler um livro mas nunca como uma leitura literaacuteria aparentemente senatildeo como uma reescrita o que chamamos de remake

14

apresenta uma versatildeo diferente do mito como na cena de reconhecimento na qual Orestes eacute

reconhecido nas Coeacuteforas de Eacutesquilo o reconhecimento se daacute de trecircs modos ndash anel de cabelo de

Orestes as pegadas as roupas tecidas por Electra na Electra de Soacutefocles o reconhecimento se daacute

por meio de um sinete (siacutembolo familiar) mostrado por Orestes para Electra e na Electra de

Euriacutepides o reconhecimento acontece quando o lavrador marido de Electra vecirc uma cicatriz de

infacircncia no rosto de Orestes Portanto observa-se que embora a cena de reconhecimento das

trageacutedias apresentadas se mostrem de modo distinto o tema do matriciacutedio de Electra permanece nas

trecircs peccedilas conservando essa parte do mito

Os primeiros textos ditos ldquoliteraacuteriosrdquo ndash ou se poderia preferir a nomenclatura ldquopoeacuteticosrdquo ou

ldquopoetizadosrdquo8 ndash que chegaram ateacute os dias de hoje satildeo a Iliacuteada e a Odisseia de Homero datados do

seacuteculo VIII aC Esses textos segundo Thomas (2005 p17) ldquoparecem ser produto de composiccedilatildeo

bem como de execuccedilatildeo inteiramente oralrdquo

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoesia oralrdquo do livro Letramento e Oralidade na Greacutecia Antiga a

autora elenca algumas anaacutelises a respeito da presenccedila da oralidade na poesia homeacuterica base do

estudo da oralidade grega A primeira teoria eacute a conhecida como teoria de Milman Parry

argumentando que ldquoos eacutepicos homeacutericos eram poesia oralrdquo (THOMAS 2005 p 41) Parry analisou

as caracteriacutesticas da poesia eacutepica como os epiacutetetos homeacutericos e apresentou um novo

direcionamento sobre os estudos de oralidade A teoria de Parry revolucionou as pesquisas sobre a

poesia homeacuterica ao considerar a audiecircncia e a performance9 na criaccedilatildeo dos poemas conforme

afirma Thomas (2005 p42) ldquoeacute decisivamente por causa da teoria de Parry que podemos agora

reconhecer a importacircncia do puacuteblico e do contexto da apresentaccedilatildeo nas sociedades orais e

tradicionais o mesmo se diria do caraacuteter de improvisaccedilatildeordquo

As pesquisas de Parry tentaram mostrar que os poemas homeacutericos eram constituiacutedos por

expressotildees formulares (termos que se adequavam agrave meacutetrica do poema no momento da criaccedilatildeo

poeacutetica) que possibilitavam a criaccedilatildeo da poesia oral em analogia com a observaccedilatildeo da poesia

iugoslava Apoacutes a morte de Parry Lord um dos colaboradores da pesquisa daacute seguimento aos

estudos sobre performance A teoria Parry-Lord prioriza a audiecircncia o poeta deveria adaptar a

exposiccedilatildeo oral ao gosto do puacuteblico podendo alteraacute-la caso os ouvintes natildeo estivessem satisfeitos

pois cada performance era pontual assim como afirma Lord (1971 p5) no livro The singer of

tales ldquoWe shall see that in a very real sense every performance is separate song for every

8 Por se tratarem de uma composiccedilatildeo riacutetmica Havelock (1996 p13) prefere utilizar os termos ldquopoeacuteticordquo ou ldquopoetizadordquo tais termos estariam em equivalecircncia com ldquoletradordquo e ldquoarte escritardquo

9 Entenda-se nesse capiacutetulo performance como desempenho do poeta na exposiccedilatildeo oral pois o termo ldquoembora historicamente de formaccedilatildeo francesa ela [performance] nos vem do inglecircs e nos anos 1930 e 1940 emprestada ao vocabulaacuterio da dramaturgiardquo (ZUMTHOR 2007 p29-30)

15

performance is unique and every performance bears the signature of its poet singerrdquo10 A

composiccedilatildeo oral far-se-ia diante do puacuteblico diferindo do caraacuteter exclusivo de improvisaccedilatildeo pois se

apoiava em expressotildees formulares elementos essenciais para auxiliar o poeta no ato de compor o

poema portanto natildeo precisando se apoiar inteiramente no recurso mnemocircnico Lord (1971 p13)

tambeacutem distingue a composiccedilatildeo da poesia oral do poema literaacuterio

For the oral poet the moment of composition is the performance In the case of literary poem there is a gap in the time between composition and reading or performance in the case of the oral poem this gap does not exist because composition and performance are two aspects of the same moment11

O aspecto importante da performance para Lord eacute que o poeta cria ao cantar ele natildeo eacute um

mero recitador por isso tem a liberdade de construir o seu poema Ele ainda apresenta dois fatores

da composiccedilatildeo oral que segundo ele natildeo estatildeo presentes numa escrita tradicional

We must remember that the oral poet has no idea of a fixed model to serve as his guide He has models enough but they are not fixed and he has not idea of memorizing them in a fixed form Every time he hears a song sung it is different Secondly there is a factor of time The literate poet has leisure to compose at any rate he pleases The oral poet must keep singing His composition by its very nature must be rapid Individual singers may and do vary in their rate of composition of course but it has limits because there is an audience waiting to hear the story 12(LORD 1971 p22)

Desse modo importa ao poeta manter a tradiccedilatildeo ou seja o tema a ser cantado e natildeo a

forma fixa do poema Segundo Thomas (2005 p55) haacute pesquisadores como Kirk que defendem

que mesmo sem a ajuda da escrita eacute possiacutevel ter havido uma preacutevia elaboraccedilatildeo do poema antes da

performance

Portanto um poema em grande escala como a Iliacuteada pode ter sido desenvolvido muito gradualmente ndash e natildeo necessariamente com a escrita As maiores cenas podem ter sido cuidadosamente elaboradas em privado refinadas continuamente e reproduzidas ao menos grosso modo da mesma forma em sucessivas apresentaccedilotildees (THOMAS 2005 p55)

10 Veremos que num sentido muito real cada performance eacute um poema distinto pois cada performance eacute uacutenica e cada performance tem a assinatura de seu cantor-poeta

11 Para o poeta oral o momento da composiccedilatildeo eacute a performance No caso do poema literaacuterio haacute uma lacuna no tempo entre a composiccedilatildeo e a leitura ou performance no caso do poema oral essa lacuna natildeo existe porque a composiccedilatildeo e a performance satildeo dois aspectos do mesmo momento

12 Devemos lembrar que o poeta oral natildeo tem ideia de um modelo fixo para servir como seu guia Ele tem modelos suficientes mas eles natildeo satildeo fixos e que ele natildeo tem ideia de memorizaacute-los de uma forma fixa Toda vez que ele ouve uma canccedilatildeo cantada eacute diferente E segundo lugar existe o fator tempo O poeta letrado tem tempo para compor de qualquer modo que ele quiser O poeta oral deve continuar cantando A sua composiccedilatildeo por sua natureza deve ser raacutepida Cantores individuais podem e variam em sua razatildeo de composiccedilatildeo eacute claro mas tem limites porque tem um puacuteblico a espera para ouvir a histoacuteria

16

Apoacutes muitas apresentaccedilotildees do mesmo canto pode-se pensar que o poeta tem a possibilidade

de especializar o seu canto quantas vezes forem necessaacuterias Por isso Thomas (2005 p56) conclui

ldquoTampouco haacute razatildeo para pensar que a memorizaccedilatildeo (de qualquer grau) pudesse tolher a

improvisaccedilatildeo e a criatividade ela pode simplesmente suplementar a improvisaccedilatildeo e preservar as

cenas mais cuidadasrdquo

Mas contrapondo o que foi mencionado anteriormente o fato de as epopeias parecerem de

natureza oral natildeo exclui a possibilidade de haver um texto escrito para a organizaccedilatildeo das ideias e

para facilitar o processo de criaccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de partes relevantes do mito conforme mostra a

ldquoteoria de Shiverdquo na qual a composiccedilatildeo oral pode se utilizar da escrita para ajudar a lembrar o texto

a ser exposto assim nos mostra Thomas (2005 p59)

Desse modo Homero usava a dicccedilatildeo tradicional certamente mas frequentemente meditando tatildeo cuidadosamente sobre a expressatildeo mais apta em vez de usar uma expressatildeo preacute-fabricada que comeccedila a parecer muito com Milton ou Virgiacutelio

Com isso Homero teria tido a possibilidade de refletir sobre a sua criaccedilatildeo poeacutetica podendo

escolher o termo mais adequado para o seu poema Mas natildeo se pode esquecer de que no periacuteodo

em que ele viveu a escrita era usada em segundo plano e natildeo como apoio agrave criaccedilatildeo poeacutetica

portanto Homero provavelmente natildeo se utilizou da escrita para a composiccedilatildeo de seus poemas

Nas epopeias a escrita alfabeacutetica ajudaria porque ldquotem uma capacidade uacutetil de preservar

informaccedilatildeo e tornar a comunicaccedilatildeo agrave longa distacircncia muito mais faacutecilrdquo (THOMAS 2005 p39)

Essa capacidade de preservaccedilatildeo da poesia oral coloca em questatildeo o caraacuteter oral presente por

exemplo nos poemas homeacutericos mesmo que natildeo haja evidecircncias a princiacutepio da fixaccedilatildeo da poesia

grega arcaica Essa ideia soacute surgiraacute apoacutes o seacuteculo V aC como nos mostra Thomas (2005 p67)

Textos autorizados dos grandes traacutegicos do seacuteculo V foram produzidos apenas na segunda metade do seacuteculo IV sob os auspiacutecios de Licurgo numa clara tentativa de fixar os textos traacutegicos num periacuteodo em que um maior respeito pela palavra escrita ndash e pela literatura do seacuteculo V ndash eacute visiacutevel em diversas aacutereas

Gregory Nagy tambeacutem apresenta uma pesquisa acerca da questatildeo homeacuterica e no primeiro

capiacutetulo do seu livro Homeric Questions elenca dez conceitos para abordar a performance homeacuterica

(trabalho de campo sincronia versus diacronia composiccedilatildeo em performance difusatildeo tema

foacutermula economia como frugalidade tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo unidade e organizaccedilatildeo e autor e

texto) e lista mais dez conceitos em uso que satildeo aplicados enganosamente Dos dez conceitos para

17

a performance mais adiante elegeremos em outro lugar desta dissertaccedilatildeo alguns desses a saber

tema tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo e autor e texto Com base na teoria de Parry-Lord Nagy propotildee um

redirecionamento desta como bem coloca no iniacutecio do segundo capiacutetulo do seu livro

In earlier work my starting point has been the central comparative insight of Milman Parry and Albert Lord gleaned from their fieldwork in South Slavic oral epic traditions that composition and performance are aspects of the same process in the making of Homeric poetry13 (NAGY 1996 p 29)

O autor com base nos estudos citados afirma que haacute uma interaccedilatildeo entre trecircs aspectos ndash

composiccedilatildeo performance e difusatildeo ndash para compor a produccedilatildeo da poesia homeacuterica ao inveacutes dos

dois aspectos de Parry-Lord (composiccedilatildeo e performance) Nagy designa o primeiro lugar agrave

performance como ele expotildee

The process of composition-in-performance which is a matter of recomposition in each performance can be expected to be directly affected by the degree of diffusion that is the extent to which a given tradition of composition has a chance to be performed in a varying spectrum of narrower or broader social frameworks The wider the diffusion I argued the fewer opportunities for recomposition so that the widest possible reception entails teleologically the strictest possible degree of adherence to a normative and unified version14 (NAGY 1996 p39-40)

Mais adiante de acordo com a triacuteade apresentada Nagy atribui cinco idades aos textos de

Homero e em cada periacuteodo tenta mostrar como se deu a transmissatildeo dos poemas homeacutericos em

performance As cinco idades dos textos homeacutericos satildeo as seguintes primeira natildeo haacute textos escritos

(2000-800 aC) segunda periacuteodo pan-helecircnico ainda natildeo haacute textos escritos (da metade do seacutec

VIII aC agrave metade do seacutec VI aC) terceira com textos transcritos (da metade do seacutec VI aC ateacute

fins do seacutec IV aC) quarta com textos transcritos e roteiros (de fins do IV aC ateacute metade do seacutec

II) e quinta com os textos como escritura (da metade do seacutec II em diante) como bem resume

Mota (2010 p32) em seu artigo intitulado ldquoNos passos de Homero performance como argumento

na Antiguidaderdquo

G Nagy assinala que os momentos na histoacuteria da performance e textualizaccedilatildeo dessas 13 Em trabalhos anteriores o meu ponto de partida foi a ideia central comparativa de Milman Parry e Albert Lord

adquirida a partir de seu trabalho de campo nas tradiccedilotildees orais eacutepicas do Sul Eslavo que a composiccedilatildeo e a performance satildeo aspectos de um mesmo processo na confecccedilatildeo da poesia homeacuterica

14 O processo de composiccedilatildeo em performance que eacute uma questatildeo de recomposiccedilatildeo em cada execuccedilatildeo pode-se esperar que seja diretamente afetada pelo grau de difusatildeo ou seja a extensatildeo em que uma dada tradiccedilatildeo de composiccedilatildeo tem a possibilidade de ser realizada em um espectro variaacutevel de estruturas sociais mais estreitas ou mais amplas Quanto maior a difusatildeo argumentei menores satildeo as oportunidades para a recomposiccedilatildeo de modo que a recepccedilatildeo mais ampla possiacutevel implica teleologicamente o grau mais estrito possiacutevel de adesatildeo a uma versatildeo normativa e unificada

18

obras natildeo soacute se encontram associadas como tambeacutem em suas implicaccedilotildees apresentam uma histoacuteria das mudanccedilas e transformaccedilotildees da cultura performativa na Antiguidade O estudo da recepccedilatildeo e produccedilatildeo de Homero ilumina dramaacuteticas mutaccedilotildees no conceito e experiecircncia de situaccedilotildees interativas cujas implicaccedilotildees foram incorporadas em mentalidades que subagem em pressupostos ateacute hoje dominantes

Ao atribuir uma nova perspectiva para a criaccedilatildeo e a recepccedilatildeo do poema homeacuterico Nagy

apresenta uma ampliaccedilatildeo da teoria de Parry-Lord e uma nova vertente para os estudos homeacutericos

utilizando aspectos histoacutericos e linguiacutesticos

Entatildeo diante das teorias apresentadas pode-se concluir que os poemas homeacutericos foram

compostos em tempos anteriores e entraram em contato com a escrita em meados do seacutec VIII

mesmo que ainda natildeo se utilizassem dela para a composiccedilatildeo dos poemas Soacute seacuteculos depois eacute que

houve uma versatildeo escrita dos poemas (provavelmente a que nos restou) o que natildeo quer dizer que

seria a uacutenica versatildeo jaacute que naquele periacuteodo prevalecia a performance O mesmo fato

provavelmente acontecia natildeo somente com as poesias eacutepicas mas tambeacutem com os mitos gregos em

geral

Logo depois dos textos homeacutericos com um novo processo de criaccedilatildeo aparecem os poemas

de Hesiacuteodo a Teogonia e Os trabalhos e os dias Na Teogonia o aedo invoca as musas para cantar a

origem dos deuses Nesse texto assim como nos de Homero encontram-se marcas de oralidade

como nos mostra Torrano (2007 p15)

A marca de oralidade natildeo estaacute somente nas caracteriacutesticas exteriores e formais da Teogonia a saber 1) nas foacutermulas e frases preacute-fabricadas que combinando-se como mosaicos vatildeo compondo os versos em sequecircncias salpicadas por palavras e expressotildees inevitavelmente retornantes 2) na justaposiccedilatildeo com que as sequecircncias narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras mas antes tendo cada sequecircncia narrativa um igual valor na sintaxe da narraccedilatildeo total e podendo portanto sempre e ao arbiacutetrio do poeta articular-se a um nuacutemero quase indefinido de novas sequencias 3) nos cataacutelogos (lista de nomes proacuteprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemocircnico que soacute a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma funccedilatildeo motivada e significativa dentro do contexto do poema

A poesia hesioacutedica eacute anterior agrave fixaccedilatildeo da escrita na Greacutecia embora jaacute existisse a escrita tal

recurso natildeo era utilizado para a composiccedilatildeo de poemas Soacute depois iraacute surgir a poesia liacuterica na qual

se encontra o uso do alfabeto15

Contudo o surgimento da escrita natildeo implica o desaparecimento da composiccedilatildeo oral E

como propotildee Havelock (1996 p24) em seu livro A revoluccedilatildeo escrita na Greacutecia e suas

15 TORRANO Jaa ldquoO mundo como funccedilatildeo de musasrdquo In HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

19

consequecircncias culturais abordou-se ldquoassuntos que vatildeo de Homero ao drama grego tendo em vista

demonstrar a permanecircncia ateacute o fim do seacuteculo V da colaboraccedilatildeo entre o oral e o escritordquo Entatildeo natildeo

se pode estudar as produccedilotildees poeacuteticas gregas dos seacuteculos VIII ao V aC sem pensar que a oralidade

e a escrita conviviam harmonicamente e se contaminavam Tambeacutem deve-se lembrar de que a

oralidade e a leitura puacuteblica estavam mais presentes no cotidiano dos gregos desse periacuteodo do que a

proacutepria escrita Um exemplo disso pode ser encontrado em Luciano de Samoacutesata (seacutec II dC)

quando relata que Heroacutedoto apresentou as suas histoacuterias num festival de Oliacutempia como meio de

divulgar a sua obra

ἐνίσταται οὖν Ὀλύμπια τὰ μεγάλα καὶ ὁ Ἡρόδοτος τοῦτ ἐκεῖνο ἥκειν οἱ νομίσας τὸν καιρόν οὗ μάλιστα ἐγλίχετο πλήθουσαν τηρήσας τὴν πανήγυριν ἁπανταχόθεν ἤδη τῶν ἀρίστων συνειλεγμένων παρελθὼν ἐς τὸν ὀπισθόδομον οὐ θεατήν ἀλλ ἀγωνιστὴν Ὀλυμπίων παρεῖχεν ἑαυτὸν ᾄδων τὰς ἱστορίας καὶ κηλῶν τοὺς παρόντας ἄχρι τοῦ καὶ Μούσας κληθῆναι τὰς βίβλους αὐτοῦ ἐννέα καὶ αὐτὰς οὔσας (SAMOacuteSATA Herod I)

Realizam-se entatildeo os grandes jogos Oliacutempicos e Heroacutedoto considerando que lhe chegara a oportunidade por que tanto ansiava observando a panegiacuteria lotada de todas as partes os mais distintos homens jaacute reunidos tendo-se aproximado da parte de traacutes do templo natildeo como espectador mas como competidor dos Jogos Oliacutempicos apresentava-se cantando suas histoacuterias e encantando os presentes a ponto de seus livros terem recebido o nomes das Musas sendo eles tambeacutem nove16

Nesses trecircs seacuteculos os textos produzidos eram para ser a priori lidos em puacuteblico assim

como Havelock (1996 p184) caracteriza a composiccedilatildeo poeacutetica do drama grego

O drama ateniense aleacutem de ser riacutetmico obedece a regras associativas e de prediccedilatildeo proacutepria da composiccedilatildeo oral compotildee-se com base no princiacutepio do eco e se concebe como uma apresentaccedilatildeo a ser ouvida vista e memorizada mas natildeo lida

Diante de tal citaccedilatildeo torna-se impossiacutevel estudar o drama grego sem verificaacute-lo sob a oacutetica

da recepccedilatildeo embora haja como corpus apenas o texto escrito e possa analisaacute-lo numa leitura

solitaacuteria ndash que ldquose define ao mesmo tempo como absorccedilatildeo e criaccedilatildeo processo de trocas dinacircmicas

que constituem a obra na consciecircncia do leitorrdquo (ZUMTHOR 2007 p51) ndash aspectos esses bem

diferentes da sociedade grega antiga E na recepccedilatildeo verifica-se dentro da poesia oral com mais

destaque a performance como afirma Zumthor (2007 p 50) ldquoa performance eacute entatildeo um momento

da recepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente recebidordquo Performance essa

que entra em disputa com a recepccedilatildeo pois a uacuteltima sobrevive por mais tempo do que a outra por

isso torna-se impossiacutevel reviver uma performance jaacute exibida jaacute que cada performance eacute uacutenica ao

16 RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

20

contraacuterio da recepccedilatildeo de que eacute possiacutevel reconhecer o seu valor em um texto poeacutetico na sua proacutepria

eacutepoca Segundo Zumthor (2007 p51) o discurso poeacutetico estabelece um confronto entre

performance e recepccedilatildeo embora a uacuteltima tenha uma duraccedilatildeo mais longa por isso ldquopode-se falar da

recepccedilatildeo de Virgiacutelio e de Homero mas nos situamos a uma tal distacircncia temporal desses autores

que o termo performance natildeo tem mais sentido em relaccedilatildeo a elesrdquo (ZUMTHOR 2007 p51)

Contudo conclui Zumthor (2007 p52) ldquoa recepccedilatildeo eu o repito se produz em circunstacircncia

psiacutequica privilegiada performance ou leiturardquo

Assim numa sociedade primitiva na qual soacute havia transmissatildeo oral

A ldquorecepccedilatildeordquo vai se fazer pela audiccedilatildeo acompanhada da vista uma e outra tendo por objeto o discurso assim performatizado eacute com efeito proacuteprio da situaccedilatildeo oral que transmissatildeo e recepccedilatildeo aiacute constituam um ato uacutenico de participaccedilatildeo co-presenccedila esta gerando o prazer Esse ato uacutenico eacute a performance (ZUMTHOR2007 p65)

Como se deu nas apresentaccedilotildees das trageacutedias aacuteticas em que a audiecircncia ao assistir ao

espetaacuteculo observava a performance dos atores utilizando-se da audiccedilatildeo e da vista contrapondo-se

agraves apresentaccedilotildees orais dos textos homeacutericos Nesse momento uacutenico no qual a performance eacute

executada os atores tentam interagir com a audiecircncia e tentam provocar algumas sensaccedilotildees como

no caso da trageacutedia grega terror e piedade conforme afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1449b 23-28)

ao definir a trageacutedia17

Em Atenas assim como expotildee Havelock (1996 p275) ldquoo drama aacutetico como uma forma de

arte nativa de Atenas surgiu conforme a tradiccedilatildeo sugere na uacuteltima metade do seacuteculo VI com o fim

de prover o necessaacuterio suplemento a Homerordquo Como uma extensatildeo da poesia homeacuterica o drama

aacutetico prosseguiu com o efeito didaacutetico daquela e tambeacutem promoveu o entretenimento ao puacuteblico

grego por meio das representaccedilotildees cecircnicas Mas ao contraacuterio do que fizera a epopeia ao fornecer

aos cidadatildeos atenienses uma ldquoidentidade coletiva moral poliacutetica e histoacutericardquo (HAVELOCK 1996

p276) o drama aacutetico propunha uma ldquoidentidade particular que era de uma cidade-estado

especiacutefica Ouvindo e assistindo agraves peccedilas encenadas eles reconheciam e absorviam um comentaacuterio

corrente a seu proacuteprio noacutemos e eacutethos (HAVELOCK 1996 p276) O drama tambeacutem se

contrapunha agrave poesia eacutepica no quesito de comunicaccedilatildeo pois os poemas homeacutericos necessitavam

somente do sentido da audiccedilatildeo do puacuteblico para captar a composiccedilatildeo oral jaacute o drama utilizava-se

simultaneamente de dois sentidos da audiccedilatildeo e da visatildeo Assim o drama aacutetico permanece com o 17 ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς

ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις δρώντων καὶ οὐ δι ἀπαγγελίας δι ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν Eacute pois a Trageacutedia imitaccedilatildeo de uma accedilatildeo de caraacuteter elevado completa e de certa extensatildeo em linguagem ornamentada e com vaacuterias espeacutecies de ornamentos distribuiacutedas pelas diversas partes [do drama] [imitaccedilatildeo que se efetua] natildeo por narrativa mas mediante atores e que suscitando o ldquoterror e a piedade tem por efeito a purificaccedilatildeo dessas emoccedilotildeesrdquo (traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa)

21

mesmo caraacuteter didaacutetico jaacute utilizado pelas epopeias homeacutericas uma combinaccedilatildeo de educaccedilatildeo com

entretenimento para propagar os costumes gregos Portanto ldquoas peccedilas eram representaccedilotildees

contiacutenuas de aspectos do panorama ciacutevico com que a audiecircncia era convidada a identificar-serdquo

(HAVELOCK 1996 p276)

Desse modo as peccedilas aacuteticas eram produtos de composiccedilatildeo oral na qual o coro era um

elemento central pois rememorava a parte mais poeacutetica da representaccedilatildeo O coro funcionava como

uma personagem na peccedila porque dialogava com as outras personagens e interferia no

desenvolvimento do enredo E o mito escolhido a ser encenado nada mais era do que um pequeno

trecho da poesia homeacuterica jaacute conhecido do puacuteblico

Finalmente o mito de cada peccedila situando a trama num passado heroico imaginaacuterio seguia o princiacutepio da fantasia homeacuterica envolvendo a mensagem contemporacircnea em uma aura arcaica de modo a dar-lhe assim distanciamento um tom grandiloquente e capacidade de sobrevivecircncia (HAVELOCK 1996 p 277)

Com o passar do tempo a oralidade como meio de divulgaccedilatildeo dos poemas vai se

enfraquecendo cedendo lugar a outras formas de comunicaccedilatildeo como a escrita e assim afirma

Havelock (1996 p277-78)

A comunicaccedilatildeo importante podia ser congelada na escrita lida relida e evocada em vez de plantar-se na memoacuteria oral Pela loacutegica deste avanccedilo o que se pode chamar de oralidade da trageacutedia grega estava destinada a sofrer erosatildeo O propoacutesito didaacutetico central havia de enfraquecer-se na medida em que a cultura vinha cada vez mais a apoiar-se em formas escritas de comunicaccedilatildeo estocada disponiacutevel para reutilizaccedilatildeo O justo equiliacutebrio entre instruccedilatildeo e entretenimento uma necessidade mnemocircnica desde tempos imemoriais havia de alterar-se privilegiando o entretenimento

Como representaccedilatildeo desse decliacutenio da oralidade no drama aacutetico consequecircncia da tensatildeo

vivida pela trageacutedia entre o falar e o ouvir tem-se como exemplo o papel do coro nas peccedilas gregas

O coro das trageacutedias gregas era um componente essencial a essas peccedilas pois ele carregava mais

fortemente o aspecto de composiccedilatildeo oral tatildeo presente nos poemas homeacutericos Os cantos corais eram

entoados por cidadatildeos gregos dando uma caracteriacutestica mais popular a essa parte da trageacutedia O

nuacutemero de participantes dos coros variava de acordo com o gecircnero teatral e o autor ldquophilological

opinion agrees with the numbers twelve for the choruses of Aeschylus fifteen for those of

Sophocles and Euripides and twenty-four in Ancient Comedy similarly for the fifty-member

chorus of the dithyrambrdquo18 (CALAME 1997 p 21) Segundo Calame em seu livro Choruses

young women in Ancient Greece o coro traacutegico assume uma forma retangular contrapondo-se agrave 18 A opiniatildeo filoloacutegica concorda com os nuacutemeros doze para os coros de Eacutesquilo quinze para os de Soacutefocles e

Euriacutepides e vinte e quatro na Comeacutedia Antiga da mesma forma cinquenta membros do coro do ditirambo

22

forma circular dos cantos liacutericos ainda que tenha vindo desse canto

The iconography of the lyric chorus is thus divided into two large categories one processional the other circular A third less important category of disposition in rows can be added This classification has two consequences First the rectangular formation of the tragic chorus should probably be included in this third class The tragic chorus would therefore originate in a lyric form and the dichotomy between tragic chorus characterized by retangle and lyric chorus circularity is probably not as marked as my remarks at the beginning of the paragraph would suggest Second the visual images reveal a feature of the lyric chorus not apparent in written documents that of procession (CALAME 1997 p38)19

E para acrescentar agraves informaccedilotildees estruturais do coro no livro An introduction to greek

tragedy o autor afirma que os atores que compunham o coro eram exclusivamente masculinos

usavam trajes adequados e maacutescaras que cobriam toda a cabeccedila20

Aleacutem das questotildees estruturais apresentadas sobre o coro natildeo se pode esquecer que no

drama aacutetico do seacutec V aC havia tambeacutem um propoacutesito didaacutetico que Havelock (1996 p315) divide

em dois niacuteveis

O primeiro eacute temaacutetico exigindo que a trama de toda a peccedila seja manipulada de modo tal que propicie um disfarce para os interesses sociais e contemporacircneos e uma liccedilatildeo indireta sobre como administrar O segundo eacute o aforiacutestico um niacutevel em que a retoacuterica e os cantos de todos os integrantes da trageacutedia satildeo linguisticamente elaborados de modo a conter copiosos fragmentos do eacutethos e do noacutemos da sociedade sua ldquosabedoriardquo oral

Nos cantos corais presencia-se o segundo niacutevel o aforiacutestico principalmente atraveacutes dos

ditos populares reelaborados como meio de divulgaccedilatildeo da sabedoria popular conforme aparece

num exemplo apresentado por Havelock (1996 p 310) ldquoO discurso oral memorizaacutevel

privilegiando o especiacutefico antes que o geral em vez de dizer A honestidade eacute a melhor poliacutetica

prefere dar-lhe esta formulaccedilatildeo um homem honesto eacute que alcanccedila proveitordquo Reescrevendo o dito

popular e o aproximando da realidade da sociedade espectante

Na trageacutedia grega do seacutec V encontram-se exemplos de aforismos nos cantos corais que

atribuem um caraacuteter oral e popular a esses cantos como se vecirc no segundo estaacutesimo da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo19 A iconografia do coro liacuterico estaacute assim dividida em duas grandes categorias uma a procissatildeo e a outra a circular

Uma terceira menos importante categoria de disposiccedilatildeo em filas podem ser adicionada Esta classificaccedilatildeo tem duas consequecircncias Em primeiro lugar a formaccedilatildeo retangular do coro traacutegico provavelmente deve ser incluiacuteda nesta terceira classe O coro traacutegico portanto originaacuterio de uma forma liacuterica e a dicotomia entre o coro traacutegico caracterizado pelo retangularidade e o coro liacuterico pelo circularidade provavelmente natildeo eacute tatildeo marcada como minhas observaccedilotildees no iniacutecio do paraacutegrafo sugere Em segundo lugar as imagens visuais revelam uma caracteriacutestica do coro liacuterico natildeo perceptiacutevel em documentos escritos como o da procissatildeo

20 SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011 p 4

23

παλαίφατος δ ἐν βροτοῖς γέρων λόγος                  τέτυκται μέγαν τελε-σθέντα φωτὸς ὄλβοντεκνοῦσθαι μηδ ἄπαιδα θνῄσκειν (Es Ag 750-753)

Priacutestino entre mortais velho proveacuterbio diz quando grandea opulecircncia humanaprocria e natildeo morre sem filho21

Como se pode observar o coro apresentado indica um proveacuterbio antigo e quem o proferiu O

coro esquiliano ao inserir o substantivo φωτὸς (humano dos homens) apresenta um caraacuteter

didaacutetico ao aproximar o proveacuterbio do povo aacutetico Praacutetica bastante comum natildeo soacute nos coros das

trageacutedias mas tambeacutem nas falas das personagens como no proacutelogo da trageacutedia As traquiacutenias de

Soacutefocles proferido por Dejanira

Λόγος μέν ἐστ ἀρχαῖος ἀνθρώπων φανεὶςὡς οὐκ ἂν αἰῶν ἐκμάθοις βροτῶν πρὶν ἂνθάνῃ τις οὔτ εἰ χρηστὸς οὔτ εἴ τῳ κακός (Sof Traq v 1-3)

Ditado antigo dos homensdiz que antes de morrer nenhum mortal pode saber se tem bom fado ou mau22

E mais uma vez encontra-se no aforismo uma referecircncia agrave identificaccedilatildeo do povo com o

proveacuterbio ao inserir o substantivo ἀνθρώπων (homem) confirmando assim o intuito didaacutetico das

peccedilas

Os ditos populares presentes nas trageacutedias satildeo um dos exemplos que marcam a

sobrevivecircncia da oralidade nas peccedilas do seacutec V aC Fato esse explicado porque a trageacutedia aleacutem de

sofrer influecircncias da oralidade dos poemas homeacutericos teria vindo de um canto popular o

ditirambo como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica

γενομένη δ οὖν ἀπ ἀρχῆς αὐτοσχεδιαστικῆς - καὶ αὐτὴ καὶ ἡ κωμῳδία καὶ ἡ μὲν ἀπὸ τῶν ἐξαρχόντων τὸν διθύραμβον ἡ δὲ ἀπὸ τῶν τὰ φαλλικὰ ἃ ἔτι καὶ νῦν ἐν πολλαῖς τῶν πόλεων διαμένει νομιζόμενα - κατὰ μικρὸν ηὐξήθη προαγόντων ὅσον ἐγίγνετο φανερὸν αὐτῆςmiddot καὶ πολλὰς μεταβολὰς μεταβαλοῦσα ἡ τραγῳδία ἐπαύσατο ἐπεὶ ἔσχε τὴν αὑτῆς φύσιν (Ar Poe 1449a 9-15)

Mas nascida de um princiacutepio improvisado (tanto a Trageacutedia como a Comeacutedia a Trageacutedia dos solistas do ditirambo a Comeacutedia dos solistas dos cantos faacutelicos composiccedilotildees estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades) [a Trageacutedia]

21 Traduccedilatildeo de Jaa TORRANO (2004)22 Traduccedilatildeo de Flaacutevio Ribeiro de OLIVEIRA (2009)

24

pouco a pouco foi evoluindo agrave medida que se desenvolvia tanto quanto nela se manifestava ateacute que passadas muitas transformaccedilotildees a Trageacutedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural23

Para confirmar essa influecircncia do ditirambo na poesia traacutegica em especial nos cantos corais

Calame em seu artigo ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo elenca mais outras fontes

antigas que registram a proximidade entre os dois gecircneros

Degraves le Ve siegravecle dailleurs les Grecs eux-mecircmes nont pas manqueacute de faire deacuteriver les repreacutesentations tragiques atheacutenienne dans leur ensemble dexeacutecutions chorales soit quHeacuterodote montre Clisthegravenes de Sicyone le beau-pegravere de Clisthegravenes dAthegravenes transfeacuterant les ltltchoeurs tragiquesgtgt de la ceacuteleacutebration du heacuteros Adraste agrave celle du dieu Dionysos soit quAristote en cherche lorigine dans linstitution des ltltconducteursgtgt du dithyrambe forme chorale deacutedieacutee au mecircme Dionysos soit encore quun teacutemoignage beaucoup plus tardif affirme que Solon aurait deacuteja attribueacute agrave Arion le poegravete meacutelique compositeur de dithyrambes la premiegravere exeacutecution dramatique que dune ltlttrageacutediegtgt Pour Diogegravene Laerce degraves lors il en fait aucun doute que les premiegraveres repreacutesentations tragiques eacutetaient assumeacutees uniquement par un groupe choral (CALAME 1997 p181-182)24

O ditirambo era uma narrativa de tema heroacuteico entoada por um coro em honra de Dioniso e

ao que parece performada de improviso25 daiacute o caraacuteter heroico considerado como elo entre o

ditirambo e a trageacutedia E Aristoacuteteles coloca o ditirambo lado a lado com a trageacutedia e a eacutepica ao

classificaacute-las como imitaccedilatildeo26 Mas a histoacuteria acerca da origem da trageacutedia eacute muito complexa

Muitas pinturas nos vasos colocam ao lado da encenaccedilatildeo traacutegica a figura de Dioniso e dos saacutetiros

Aristoacuteteles apresenta uma antiga proximidade entre os cantos dos saacutetiros com a trageacutedia ao dizer na

Poeacutetica

ἔτι δὲ τὸ μέγεθοςmiddot ἐκ μικρῶν μύθων καὶ λέξεως γελοίας διὰ τὸ ἐκ σατυρικοῦ μεταβαλεῖν ὀψὲ ἀπεσεμνύνθη τό τε μέτρον ἐκ τετραμέτρου ἰαμβεῖον ἐγένετο (Ar Poe 1449a 19-22)

23 Todas as traduccedilotildees da Poeacutetica de Aristoacuteteles presentes nesse texto satildeo de Eudoro de Sousa conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

24 A partir do seacuteculo V aleacutem disso os proacuteprios gregos natildeo deixaram de fazer representaccedilotildees traacutegicas atenienses nas suas execuccedilotildees corais seja quando Heroacutedoto mostra Cliacutestenes de Sicion o padrasto de Cliacutestenes de Atenas transferindo ltltcoros traacutegicosgtgt da celebraccedilatildeo do heroacutei Adrasto ao deus Dioniso seja quando Aristoacuteteles procura a origem da instituiccedilatildeo dos ltltcondutoresgtgt do ditirambo a forma coral dedicada ao mesmo Dioniso seja ainda um testemunho muito mais tarde que afirma que Soacutelon tinha jaacute atribuiacutedo a Arion o poeta meacutelico compositor de ditirambos a primeira execuccedilatildeo dramaacutetica de uma ltlttrageacutediagtgt Para Dioacutegenes Laeacutercio portanto natildeo haacute nenhuma duacutevida de que as primeiras representaccedilotildees traacutegicas foram assumidas apenas por um grupo coral

25 MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) p129

26 ἐποποιία δὴ καὶ ἡ τῆς τραγῳδίας ποίησις ἔτι δὲ κωμῳδία καὶ ἡ διθυραμβοποιητικὴ καὶ τῆς αὐλητικῆς ἡ πλείστη καὶ κιθαριστικῆς πᾶσαι τυγχάνουσιν οὖσαι μιμήσεις τὸ σύνολον A Epopeia a Trageacutedia assim como [a comeacutedia] e a poesia ditiracircmbica e a maior parte da auleacutetica e da citariacutestica todas satildeo em geral imitaccedilotildees (1447a 14-16) Inclui na traduccedilatildeo ldquoa comeacutediardquo pois natildeo consta na traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa e consta no texto grego κωμῳδία

25

Quanto agrave grandeza tarde adquiriu [a Trageacutedia] o seu estilo [soacute quando se afastou] dos argumentos breves e da elocuccedilatildeo grotesca [isto eacute] do [elemento] satiacuterico

Contudo a trageacutedia teria tido influecircncia de diversos gecircneros como a eacutepica o ditirambo e os

cantos dos saacutetiros Embora se verifique com mais evidecircncia a influecircncia da poesia eacutepica atraveacutes dos

mitos e do caraacuteter didaacutetico e do ditirambo na composiccedilatildeo dos cantos corais e do caraacuteter

ritualiacutestico como afirma Scullion (2005 p26)

Tragedyrsquos inheritance from epic is vastly more important to him than that from dithyramb but epic cannot account for tragedyrsquos choral component Dithyramb not only can do that but can also anchor tragedy in the specific Athenian milieu in which it came to fruition27

E dentre as questotildees sobre a origem da trageacutedia coloca-se que o inventor da trageacutedia foi

Teacutespis pois foi considerado o ldquothe man who first produced a recognizable ancestor of the tragic

actor on the Athenian stagerdquo28 (MILLER 1961 p132) Pela junccedilatildeo do primeiro ator traacutegico com o

canto coral influenciado pelo ditirambo assim teriam sido os primoacuterdios da trageacutedia Depois a

poesia traacutegica se consolida com Eacutesquilo que segundo Aristoacuteteles

καὶ τό τε τῶν ὑποκριτῶν πλῆθος ἐξ ἑνὸς εἰς δύο πρῶτος Αἰσχύλος ἤγαγε καὶ τὰ τοῦ χοροῦ ἠλάττωσε καὶ τὸν λόγον πρωταγωνιστεῖν παρεσκεύασενmiddot (Ar Poe 1449a 16-180)

Eacutesquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o nuacutemero dos atores diminuiu a importacircncia do coro e fez do diaacutelogo protagonista

Assim como os textos de Eacutesquilo tambeacutem sobreviveram os de Soacutefocles e os de Euriacutepides

totalizando trinta e duas peccedilas que foram performatizadas nos festivais dionisiacuteacos Todas as peccedilas

foram compostas ldquoroughly between the end of the Persian Wars and Athensrsquo defeat by Sparta and

her alliesrdquo29 (DEBNAR 2005 p6) Dentre essas peccedilas somente uma eacute de cunho histoacuterico Os

persas (472 aC) de Eacutesquilo que narra a derrota do rei persa Xerxes na batalha de Salamina As

outras peccedilas de Eacutesquilo foram apresentadas em trilogias mas soacute restou uma delas a Oresteia

composta pelas peccedilas Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides30 Essa trilogia foi encenada em 458 aC

no teatro de Dioniso Em todas as peccedilas que sobreviveram Eacutesquilo obteve o primeiro lugar

27 A heranccedila da trageacutedia do eacutepico eacute muito mais importante para ela do que a do ditirambo mas a eacutepica natildeo pode explicar o componente coral da trageacutedia O ditirambo natildeo soacute pode fazer isso mas tambeacutem pode ancorar a trageacutedia no meio especiacutefico ateniense em que chegaram a ser concretizadas

28 Homem que primeiro produziu um antepassado reconheciacutevel do ator traacutegico no palco ateniense29 Aproximadamente entre o final das Guerras Persas e a derrota de Atenas por Esparta e seus aliados30 MOTA 2008 p18

26

Eacutesquilo o poeta de Elecircusis aleacutem de escrever trageacutedias tambeacutem lutou na batalha de

Maratona talvez por isso tenha tratado numa de suas trageacutedias da guerra conforme jaacute foi citado

Embora o momento narrado na peccedila date de oito anos antes Eacutesquilo reescreve esse momento

histoacuterico em sua trageacutedia movendo os fatos do seacutec V ao passado miacutetico A vitoacuteria dos gregos

contra os persas influenciaram muito na poesia da eacutepoca como na trageacutedia Os persas de Eacutesquilo

como afirma Debnar (2005 p7)

Conversely although the historical referent of Persians is clear modern scholarsrsquo interpretations of the poetrsquos use of the event are shaped in large part by how far they believe the Athenians had moved toward empire by the end of the 470s31

Tambeacutem na Oresteia encontram-se referecircncias ao seacutec V periacuteodo em que as trageacutedias foram

encenadas

The conflicts and resolution of the Oresteia are strongly colored by the difficulties the Athenians were facing in the 450s clashes with the Persians the First Peloponnesian War and political upheavals within their own city32 (Debnar 2005 p 10)

A primeira trageacutedia da trilogia Agamecircmnon apresenta uma ecircnfase no mar mostrando a

forccedila da guerra mariacutetima na viagem rumo a Troia e no retorno do rei de Argos O poder mariacutetimo

refletiria o poder adquirido por Atenas ao vencer os Persas Na outra peccedila Eumecircnides Eacutesquilo

coloca em cena o tribunal ateniense e uma disputa entre as leis antigas (Eriacutenias) e as novas (Atena)

E como exemplo mais definido dessa reforma juriacutedica em Atenas tem-se o seguinte exemplo

It is equally certain that when Athena gives the jury of Athenian citizens the power to try cases of murder the poet alludes to Ephialtesrsquo reform of the Areopagus which still retained this power in 45833 (DEBNAR 2005 p 10)

Natildeo somente nas trageacutedias de Eacutesquilo observam-se essas referecircncias histoacutericas ao periacuteodo

em que foram encenadas as peccedilas Em Soacutefocles na trageacutedia Aacutejax que foi encenada durante o

periacuteodo de trinta anos de paz na Greacutecia demonstra um retorno aos mitos homeacutericos pela

personagem Aacutejax como tambeacutem apresenta uma proximidade com o seacutec V aC

31 Por outro lado embora o referencial teoacuterico de Os persas seja claro as interpretaccedilotildees dos estudiosos modernos usadas pelo poeta do evento satildeo formadas em grande parte por quatildeo longe eles acreditam que os atenienses tenham se movido em direccedilatildeo ao impeacuterio ateacute o final de 470

32 Os conflitos e a resoluccedilatildeo da Oresteia satildeo fortemente ilustradas pelas dificuldades que os atenienses enfrentavam em 450 confrontos com os persas a primeira guerra do Peloponeso e levantes poliacuteticos dentro de sua proacutepria cidade

33 Eacute igualmente certo que quando Atena daacute ao juacuteri de cidadatildeos atenienses competecircncia para julgar os casos de homiciacutedio o poeta alude agrave reforma do Aeroacutepago de Efialtes que ainda mantinha esse poder em 458

27

At the same time his [Ajax] command of sailors would have reminded the fifth-century audience of themselves and of the great aristocratic generals responsible for repelling the Persians and for the prosperity that the expansion of the empire brought their city (DEBNAR 2005 p12)34

Tambeacutem se verifica na peccedila Suplicantes de Euriacutepides assim como em Eacutesquilo a presenccedila da

guerra Mas o momento histoacuterico natildeo eacute o mesmo conforme afirma Debnar (2005 p16)

Nonetheless just as mention of civil war in Eumenides is likely to have reminded Aeschylusrsquo audience of the political situation after Ephialtesrsquo reforms so in Euripidesrsquo play the refusal of the Thebans to allow burial of their foes could have reminded the Athenians of a similar incident involving Boeotians in the recent past35

A reforma de Efialtes que aconteceu dois ou trecircs anos antes da encenaccedilatildeo da peccedila

Eumecircnides de Eacutesquilo pode ser lembrada pelos espectadores na trageacutedia como jaacute foi citado

anteriormente (DEBNAR 2005 p10) assim como o incidente recente envolvendo os Beoacutecios

poderia ter sido lembrado pela audiecircncia da peccedila Suplicantes de Euriacutepides

Conforme se observa nos exemplos apresentados durante o seacutec V aC periacuteodo em que

foram encenadas as trageacutedias os mitos gregos foram reescritos investidos de uma nova visatildeo no

caso a influecircncia dos momentos histoacutericos vividos pelos gregos A audiecircncia dessas peccedilas ao

assistir os fatos jaacute vivenciados pelo seu povo se identifica com a trageacutedia encenada

O teatro grego do seacutec V aC era encenado nas festas dionisiacuteacas como as Dioniacutesias Rurais

as Leneias e as Grandes Dioniacutesias exceto nas Antesteacuterias nas quais natildeo se confirmam as

apresentaccedilotildees teatrais As Dioniacutesias Rurais aconteciam no mecircs de dezembro mecircs de Poseidon

comeccedilavam com um cortejo faacutelico e em sequecircncia acontecia um sacrifiacutecio depois desses seguiam

com as representaccedilotildees teatrais a trageacutedia a comeacutedia e o ditirambo As Leneias aconteciam em

janeiro no mecircs do Gameacutelion e incluiacuteam o cortejo conduzido pelo arconte sacrifiacutecio e

apresentaccedilotildees dramaacuteticas de comeacutedia de trageacutedia e de ditirambo Esse festival era tipicamente

aacutetico pois natildeo contava com a presenccedila de natildeo-atenienses As Antesteacuterias aconteciam entre os dias

11 e 13 do mecircs de Antesteacuterion mecircs de fevereiro No primeiro dia de festival era o dia de abertura

dos toneacuteis No segundo dia havia um concurso de bebida No terceiro dia acontecia a festa das

34 Ao mesmo tempo o seu [Aacutejax] comando de marinheiros teria lembrado o puacuteblico do quinto seacuteculo deles mesmos e dos grandes generais aristocraacuteticos responsaacuteveis por repelir os persas e pela prosperidade que a expansatildeo do Impeacuterio trouxe a sua cidade

35 No entanto assim como a menccedilatildeo de guerra civil em Eumecircnides eacute provaacutevel que tenha lembrado a audiecircncia de Eacutesquilo da situaccedilatildeo poliacutetica apoacutes as reformas de Efialtes portanto na peccedila de Euriacutepides a recusa dos tebanos para permitir o sepultamento de seus inimigos poderia ter lembrado os atenienses de um incidente semelhante envolvendo os Beoacutecios num passado recente

28

marmitas E natildeo haacute muitas referecircncias acerca da existecircncia de concursos dramaacuteticos nessa festa36

As Grandes Dioniacutesias eram festivais urbanos em honra de Dioniso Eleuteacuterio Esse festival

acontecia no mecircs do Elafeboacutelion (no final de marccedilo) e contava com a presenccedila natildeo soacute de cidadatildeos

atenienses mas tambeacutem de outras cidades-estados Nesse festival havia concursos teatrais e ldquoo

responsaacutevel pelas celebraccedilotildees era o arconte-epocircnimo que tinha a seu cargo os custos da pompe37 e

dos concursos dramaacuteticos e ditiracircmbicosrdquo (CASTIAJO 2012 p20) No primeiro dia de festival os

poetas os atores e os participantes dos coros que se apresentaratildeo no evento mostram-se sem

maacutescaras e davam uma preacutevia das performances a serem apresentadas No final desse dia a estaacutetua

de Dioniacuteso eacute conduzida de seu templo ateacute o teatro No segundo dia acontecia o cortejo religioso a

pompe e depois o sacrifiacutecio e de tarde ocorria o concurso de cantos corais Nos outros dias

aconteciam as competiccedilotildees dramaacuteticas nas quais eram encenadas comeacutedias trageacutedias e dramas

satiacutericos

A ordem das competiccedilotildees dramaacuteticas bem como os dias a elas dedicados continuam a ser questotildees controversas A versatildeo dominante eacute a de que antes e depois da guerra do Peloponeso (431-404 aC) o primeiro dia dos concursos era dedicado agrave performance de cinco comeacutedias e os restantes trecircs eram preenchidos cada um deles com a apresentaccedilatildeo por um uacutenico poeta e corego de trecircs trageacutedias e um drama satiacuterico Outra das versotildees daacute como certo que o primeiro dia estava reservado agrave performance dos ditirambos de rapazes e agrave representaccedilatildeo de uma comeacutedia o segundo agrave competiccedilatildeo dos coros ditiracircmbicos de homens e agrave performance de outra comeacutedia e os trecircs uacuteltimos dias cada um deles agrave apresentaccedilatildeo de uma tetralogia traacutegica e de uma comeacutedia (CASTIAJO 2012 p 26)

No uacuteltimo dia do festival o arconte-epocircnimo anunciava agrave audiecircncia os vencedores dos

concursos dramaacuteticos Os poetas vencedores eram coroados com coroas de hera e conduzidos para

casa por um cortejo vitorioso Natildeo se sabe quais seriam os precircmios concedidos aos melhores atores

A encenaccedilatildeo das peccedilas do seacutec V aC nas Grandes Dioniacutesias acontecia normalmente no

teatro de pedra de Dioniso De laacute o puacuteblico de quase 3000 pessoas tinha uma visatildeo privilegiada na

qual era possiacutevel acompanhar a procissatildeo e visualizar os sacrifiacutecios38 E tambeacutem era um ambiente

propiacutecio para as danccedilas e encenaccedilotildees No palco acontecia a cena os atores usavam maacutescaras que

ajudavam na projeccedilatildeo vocal As maacutescaras davam um caraacuteter impessoal aos atores e os distanciava

da audiecircncia Elas eram diferentes para a trageacutedia e para a comeacutedia E para complementar o figurino

dos atores as vestimentas que poderiam por exemplo demonstrar a classe social muito diziam de

suas personagens Assim como as maacutescaras as vestimentas e os sapatos tambeacutem eram distintos para

a trageacutedia e a comeacutedia Na trageacutedia os atores usavam a tuacutenica peplo e na comeacutedia a tuacutenica chiton 36 CASTIAJO 2012 p 13-1737 Procissatildeo38 CASTIAJO 2012 p33

29

curta para que fosse possiacutevel visualizar o phallos Os sapatos na trageacutedia eram simples e

confortaacuteveis com altura ateacute a perna jaacute na comeacutedia os sapatos eram triviais as embades

Depois de paramentados os atores deveriam cumprir o seu papel de representar uma

personagem deixando de ser um mero recitador de poemas Para designar ator os gregos

utilizavam a palavra hypokrites ldquojaacute usada no seacuteculo V aC e que natildeo haveria nenhum outro termo

para denominar atores em geral incluindo os protagonistasrdquo (CASTIAJO 2012 p82) Aleacutem de

hypokrites havia outros termos mais especiacuteficos para designar o papel ocupado pelo poeta dentro

da encenaccedilatildeo como protagonistes deuteragonistes e tritagonistes Esses termos eram pouco

utilizados e serviam para indicar a divisatildeo dos atores e natildeo um niacutevel de importacircncia Os atores

deveriam ter habilidades especiacuteficas para conseguirem desempenhar o seu papel como uma boa

projeccedilatildeo vocal uma flexibilidade de gesticulaccedilatildeo uma capacidade de danccedilar e muito preparo fiacutesico

para aguentar a rotina de ensaios e o tempo no palco

Em cena o ator dialogava com outro ator ou com um coro Visto como elemento primordial

(jaacute mencionado anteriormente) o coro vai perdendo espaccedilo com o passar dos anos para outros

atores nas representaccedilotildees dramaacuteticas No seacutec V aC ainda vemos o coro participando efetivamente

das trageacutedias de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides mas soacute

na viragem do seacuteculo V para o IV aC nomeadamente com a figura de Aacutegaton que se assiste de uma forma mais evidente ao relegar do papel do coro para segundo plano jaacute que por esta altura o enfoque passou a ser atribuiacutedo aos atores sendo que a participaccedilatildeo do coro passou a ser escassa cabendo-lhe quase exclusivamente a intervenccedilatildeo em interluacutedios ndash embolima ndash entre as peccedilas que mais natildeo eram do que cacircnticos com pouca ou sem qualquer relaccedilatildeo com os acontecimentos representados no espaccedilo ceacutenico passando desta forma e definitivamente a estar afastado da accedilatildeo dramaacutetica (CASTIAJO 2012 p106-107)

Poreacutem enquanto esteve presente efetivamente nas representaccedilotildees dramaacuteticas segundo

Castiajo (2012 p109-113) o coro exerceu funccedilotildees importantes como sendo o narrador dos fatos

conhecidos e desconhecidos da audiecircncia como o interlocutor do ator como ldquoum intermediaacuterio

entre o mundo ficcional da peccedila e a realidade da audiecircncia jaacute que por natureza composiccedilatildeo e

colocaccedilatildeo fiacutesica pertencia simultaneamente ao mundo da peccedila e ao mundo da audiecircnciardquo

(CASTIAJO 2012 p 110) como elemento teatral de identificaccedilatildeo das personagens que entram em

cena como representantes de um grupo especiacutefico como representante de uma coletividade E

assim como os atores o coro tambeacutem deveria ter a habilidade de projeccedilatildeo de voz e de danccedilar

Todo esse aparato cecircnico do teatro do seacutec V aC culminava numa representaccedilatildeo teatral

cujo principal espectador era o cidadatildeo grego

30

Assim para aleacutem de todo o tipo de cidadatildeos que estariam presentes fosse qual fosse a sua categoria profissional ou niacutevel de formaccedilatildeo ndash artesatildeos agricultores sacerdotes poetas filoacutesofos (o que a este niacutevel eacute representativo da dimensatildeo democraacutetica dos festivais) ndash eacute hoje cada vez mais aceite que tambeacutem os escravos as crianccedilas e as mulheres tinham assento no teatro (CASTIAJO 2012 p130)

Quanto agrave presenccedila das mulheres nas representaccedilotildees teatrais haacute controveacutersias alguns

estudiosos acreditam que as mulheres teriam ido ao teatro embora em nuacutemero reduzido e ficando

restritas a cadeiras especiacuteficas e outros que defendem que as mulheres natildeo frequentavam o teatro

durante os festivais E aleacutem dos homens mulheres crianccedilas e escravos os natildeo-atenienses39 ainda

assistiam aos espetaacuteculos durante as Grandes Dioniacutesias Essa diversidade de audiecircncia exigia dos

poetas e dos atores uma maior profissionalizaccedilatildeo de sua arte para que pudessem agradar o maior

nuacutemero possiacutevel de espectadores

O teatro em Roma se inicia por volta do seacutec III aC apoacutes a tomada da cidade de Tarento

pois os artesatildeos e os soldados apoacutes terem contato em suas viagens com representaccedilotildees teatrais nas

cidades de origem grega quiseram trazer essa nova experiecircncia para Roma

Because Roman merchants and soldiers had seen tragic performances in the Greek theatres of Tarentum and Syracuse during the campaigns against Pyrrhus and the Carthaginians they wanted to introduce this kind of drama at Rome and in 240BC Livius Andronicus a Tarentine Greek who bore the name of his Roman patron was commissioned to translate ndash or rather adapt ndash a tragedy and a comedy for the victory games40 (FANTHAM 2007 p116)

Todavia o teatro romano em sua formaccedilatildeo natildeo somente sofreu influecircncias dos gregos

provenientes da regiatildeo conhecida como Magna Greacutecia ndash Lucacircnia Apuacutelia e Siciacutelia ndash mas tambeacutem

dos etruscos (povo situado ao norte de Roma) e dos uacutembrios (povo situado agrave nordeste de Roma)

Os etruscos acumulavam elementos da cultura grega e da cultura feniacutecia Ficaram

conhecidos por seus muacutesicos danccedilarinos e maacutescaras mas natildeo restou nenhum texto escrito dessas

manifestaccedilotildees artiacutesticas somente pinturas que representam tais manifestaccedilotildees Tambeacutem o nome

actor (ator) teria origem na palavra etrusca histrio Quanto aos umbros pouco se sabe a respeito

deles Diante dessas imprecisas informaccedilotildees conclui Dupont (2003 p 142) ldquoCar ce qui fait

lidentiteacute du theacuteacirctre latin cest la rencontre et la synthegravese des deux la poeacutesie grecque e les spectacles

latins41rdquo Com isso pode-se dizer que as principais fontes do teatro romano seriam o teatro grego e

os espetaacuteculos latinos 39 Como trata-se de teatro ateniense os estrangeiros satildeo os que natildeo pertencem aquela poacutelis40 Porque os comerciantes e os soldados romanos tinham visto performances dramaacuteticas nos teatros gregos de Tarento e Siracusa durante as campanhas contra Pirro e os cartagineses eles queriam introduzir este tipo de drama em Roma e em 240 aC Liacutevio Andronico um tarentino grego que tinha o nome de seu patrono romano foi contratado para traduzir ndash ou melhor adaptar ndash uma trageacutedia e uma comeacutedia para os jogos de vitoacuteria41 Pois o que faz a identidade do teatro latino eacute o encontro e a siacutentese de dois a poesia grega e os espetaacuteculos latinos

31

Os espetaacuteculos romanos eram apresentados nos chamado ludi um festival coletivo puacuteblico

ou privado E nesses natildeo soacute aconteciam apresentaccedilotildees teatrais mas tambeacutem corrida de cavalos

combate de animais combate de gladiadores entre outras Os espetaacuteculos teatrais eram chamados

de ludi scaenici e os outros espetaacuteculos eram conhecidos como ludi circenses

The ludi scaenici were organised by Roman magistrates who used them (among other things) to impress their peers clients and the citizen body as a whole and (especially where the praetexta was concerned) for specific political goals42 (BOYLE 2009 p6)

Os romanos promoviam a princiacutepio espetaacuteculos de cunho religioso nos quais foram

inseridos as apresentaccedilotildees performatizadas ldquoThe ludi began with a sacrifice to the appropriate deity

and a procession from the cult temple but when the play began the actors had to compete with all

kinds of circus-style entertainmentrdquo43 (BOYLE 2009 p6) Os sacrifiacutecios tambeacutem poderiam ser

feitos aos magistrados e nem sempre eram dedicados a apenas uma divindade Jaacute as procissotildees

provavelmente remontam a uma tradiccedilatildeo etrusca

Nos ludi incluiam-se vaacuterias apresentaccedilotildees comeacutedias trageacutedias farsas atelanas mimos

muacutesica e danccedila44 Os espetaacuteculos teatrais eram apresentados em teatros ditos ldquotemporaacuteriosrdquo que

podiam ser montados e desmontados normalmente a estrutura desse teatro era feita de madeira ou

de maacutermore Por isso a scaena podia ser montada em vaacuterios lugares da cidade ao contraacuterio do que

acontecia com os jogos circenses que tinham um lugar fixo e fechado para a apresentaccedilatildeo de seus

espetaacuteculos45 O primeiro teatro dito ldquopermanenterdquo construiacutedo em Roma foi o teatro de Pompeu em

55 aC como caracteriza Goldberg (1996 p265)

The vast structure itself was in many ways a marvel Romes first stone theater designed to hold perhaps 40000 spectators incorporated a temple of Venus Victrix above the cavea flanked by four ancillary sanctuaries to revered abstractions like Honos and Virtus while behind the stage building stretched an elaborate portico and formal garden connecting the theater with a new senate-house some 200 meters to the east46

42 Os ludi scaenici foram organizados por magistrados romanos que os usaram (entre outras coisas) para impressionar os seus pares nobres e o corpo do cidadatildeo como um todo e (especialmente onde estava a pretexta foi referida) para objetivos poliacuteticos especiacuteficos

43 Os ludi comeccedilavam com um sacrifiacutecio agrave divindade apropriada e uma procissatildeo do templo de culto mas quando a peccedila comeccedilava os atores tinham que competir com todos os tipos de entretenimento de estilo circense

44 BOYLE 2009 p645 BEACHAM 2007 p202-22646 A grande estrutura em si foi de muitas maneiras uma maravilha o primeiro teatro de pedra de Roma projetado para

manter talvez 40 mil espectadores incorporou um templo de Venus Victrix acima do cauea ladeado por quatro santuaacuterios auxiliares para reverenciadas abstraccedilotildees como Honos e Virtus enquanto por detraacutes do palco construiacutedo estendeu um poacutertico elaborado e um jardim formal ligando o teatro com uma nova casa senatorial cerca de 200 metros para o leste

32

Depois desse teatro foram construiacutedos os teatros de Balbo em 13 aC e o de Marcelo em 11

aC no reinado de Augusto47 Com um espaccedilo fiacutesico definido para as encenaccedilotildees os jogos romanos

jaacute constavam em seus calendaacuterios Em Roma os festivais aconteciam normalmente de abril a

novembro comeccedilando com os Ludi Megalenses e os Ludi Cerialis em abril e terminando com os

Ludi Plebeii em novembro48

Em todos os jogos aconteciam representaccedilotildees teatrais que eram encerrados pelas

apresentaccedilotildees circenses Os espetaacuteculos duravam o dia todo se estendendo ateacute a noite O povo

romano passava muitos dias do ano nos Jogos Aleacutem de proporcionar divertimento nesses

espetaacuteculos eram distribuiacutedos para o povo comida e presentes

A audiecircncia romana era composta por pessoas de todas classes sociais do escravo ao

magistrado mas havia uma divisatildeo social dentro do teatro cujo em assentos especiacuteficos de acordo

com a sua colocaccedilatildeo na sociedade as pessoas se acomodavam

Admission was free on a first-come first-served basis but restrictions on seating for different classes made the theatre lsquoa vivid representation of Roman social hierarchyrsquo As choruses played little or no role in Roman drama seats were set up in the orchestra for senators (and possibly their families) behind which sat recent civic honourees The next fourteen rows were reserved for the lsquoknightsrsquo (equites) Behind them sat married (male) citizens then unmarried citizens then women and finally slaves who often stood in the back49 (REHM 2007 p197)

Os atores traacutegicos portavam uma coroa na cabeccedila vestiam-se com uma toga puacuterpura ou

violeta e calccedilavam coturnos Quanto agraves maacutescaras os atores romanos natildeo as utilizaram muito

porque a princiacutepio elas estavam restritas agraves atelanas50 As maacutescara foram usadas por um curto

espaccedilo de tempo durante o seacutec I pela trageacutedia e pela comeacutedia Esse haacutebito soacute foi conservado pela

pantomima51 Ao inveacutes da maacutescara o ator romano privilegiava o uso da maquiagem52

Outro produto essencial do teatro romano era a muacutesica que estava presente em todas as

47 DUPONT 2003 p5848 REHM 2007 p19449 A entrada era gratuita organizada por ordem de chegada mas as restriccedilotildees de assentos para diferentes classes

tornavam o teatro a representaccedilatildeo viva da hierarquia social romana Como os coros pouco encenados ou com nenhum papel no teatro romano os assentos foram instalados na orquestra para senadores (e possivelmente suas famiacutelias) atraacutes dos quais se sentavam os cidadatildeos receacutem homenageados As proacuteximas quatorze filas foram reservadas para os cavaleiros (equites) Atraacutes deles sentavam-se os cidadatildeos casados (masculino) os cidadatildeos solteiros entatildeo as mulheres e finalmente os escravos que muitas vezes ficavam na parte de traacutes

50 A atelana era ldquooriginaacuteria ao que tudo indica uma espeacutecie de farsa popular vivida por personagens fixas burlescas e caracteriacutesticas (hellip) Aparentada com o drama satiacuterico com a hilarotrageacutedia e com a farsa tarentina a atelana era representada por personagens mascaradas (hellip) Vazada inicialmente em linguajar ruacutestico a atelana se intelectualiza aos poucos assumindo dimensotildees literaacuterias no comeccedilo do seacutec I aC quando Noacutevio e Pompocircnio compotildeem textos para representaccedilotildeesrdquo (CARDOSO 2003 p 38)

51 A pantomima era ldquorepresentada por atores mascarados e versando sobre assuntos mitoloacutegicos ou extraiacutedos da realidade cocircmicos ou seacuteriosrdquo (CARDOSO 2003 p38)

52 DUPONT 2003 p81

33

apresentaccedilotildees teatrais A muacutesica era apresentada por um flautista e um cantor O puacuteblico romano

preferia a muacutesica desde as origens da cidade ldquoLa culture musicale est geacuteneacuterale les chansons

chanteacutees au theacuteacirctre sont reprises et fredonneacutees dans les rues et les banquetsrdquo53 (DUPONT 2003

p116) Aleacutem de apreciar a muacutesica o puacuteblico romano tambeacutem se detinha no momento do

espetaacuteculo na performance dos atores

A preferecircncia do povo romano pela muacutesica pelo espetaacuteculo pela performance vai distanciaacute-

lo do teatro de texto teatro de influecircncia grega cultivado pelos poetas do periacuteodo claacutessico romano

O teatro em Roma de acordo com o puacuteblico pode ser dividido em dois tipos diferentes como afirma

DUPONT (2003 p126-127)

Le theacuteacirctre romains fut donc perpeacutetuellement deacutechireacute par un clivagem sociologique du public qui correspond agrave un clivage estheacutetique Ce clivage lisible dans le public va aboutir agrave la constitution de deux publics et deux types de theacuteacirctres diffeacuterents Paralleacutelement agrave la pantomime qui va canaliser le public populaire un theacirctre litteacuteraire apparaicirct sous lEmpire theacuteacirctre agrave textes54

Com isso as apresentaccedilotildees teatrais no periacuteodo do Impeacuterio Romano mais aceitas pelo

puacuteblico popular eram as pantomimas enquanto os textos teatrais se propagavam pela elite romana

Esse novo teatro romano de natureza literaacuteria natildeo se adequava agraves apresentaccedilotildees teatrais ocorridas

durante os Jogos por isso os poetas encontraram um outro meio de divulgar as suas obras elas

eram apresentadas em reuniotildees particulares de aristocratas em forma de leitura puacuteblica55

La lecture des trageacutedies donne agrave celle-ci une digniteacute nouvelle Cette reacuteception eacuterudite des textes theacuteacirctraux suscite une nouvelle forme deacutecriture la piegravece est deacutesormais un texte clos produisant une signification symbolique Deacutesormais il est possible denvisager lexistence dun theacuteacirctre politique intentionnellement politique ougrave les personnages soient des figures du pouvoir et mecircme dun theacuteacirctre psychologique ougrave les personnages soient des figures de la passion (DUPONT 2003 p 127-128)56

Com esse novo meio de divulgaccedilatildeo dos textos as peccedilas teatrais passaram a privilegiar

outros assuntos natildeo abordados antes como as questotildees poliacuteticas e sociais estas caracteriacutesticas natildeo

eram mencionadas nas encenaccedilotildees durante os Jogos Romanos pois nesses eventos o principal

53 A cultura musical eacute geral as canccedilotildees cantadas no teatro satildeo retomadas e cantaroladas nas ruas e nos banquetes 54 O teatro romano foi pois perpetualmente divido por uma clivagem socioloacutegica do puacuteblico que corresponde a uma

clivagem esteacutetica Essa clivagem legiacutevel do puacuteblico vai resultar na constituiccedilatildeo de dois puacuteblicos e de dois tipos de teatro diferentes Paralelamente agrave pantomima que vai canalizar o puacuteblico popular um teatro literaacuterio aparece sob o Impeacuterio o teatro de texto

55 DUPONT 2003 p12756 A leitura das trageacutedias datildeo a essas uma nova dignidade Essa recepccedilatildeo erudita dos textos teatrais suscita uma nova

forma de escrita a peccedila eacute daqui em diante um texto fechado produtor de uma significaccedilatildeo simboacutelica Daqui em diante eacute possiacutevel considerar a existecircncia de um teatro poliacutetico intencionalmente poliacutetico onde as personagens sejam figuras de poder mesmo de um teatro psicoloacutegico onde as personagens sejam figuras de paixatildeo

34

objetivo era o divertimento

O teatro literaacuterio se inicia com Liacutevio Andronico Apoacutes a tomada de Tarento em 272 aC o

jovem eacute levado para Roma como preso de guerra Ele chega nessa cidade ainda crianccedila e eacute educado

em escola biliacutengue para escravos especializados E em 249 aC Liacutevio Andronico apresenta o

primeiro poema nos Ludi Tarentini Ele tambeacutem traduziu a Odisseia de Homero em versos

saturninos e escreveu peccedilas teatrais atraveacutes de mitos gregos como a mais conhecida O Cavalo de

Troia57 assim ldquoby adapting a Greek tragedy Livius was transferring an established Greek dramatic

tradition to Rome creating the Roman theatrerdquo58

Depois de Liacutevio Andronico Neacutevio foi o segundo tragedioacutegrafo em Roma Ele encenou a

primeira trageacutedia em 235 aC e tanto escreveu trageacutedias como comeacutedias59 Tambeacutem utilizou-se de

temas associados agrave mitologia grega e aleacutem disso Neacutevio introduziu um novo gecircnero dramaacutetico

tipicamente romano a fabula pretexta

Ecircnio tambeacutem escreveu trageacutedias e inovou em seus poemas ldquoIl ne lui suffit pas decirctre

applaudi au theacuteacirctre il veut ecirctre immortaliseacute dans ses oeuvres Il inaugure un noveau type de poegravetes

qui a la faccedilon grecque cherche la gloire dans leacutecriture (DUPONT 2003 p 313)60 por isso ele

distancia-se da trageacutedia para encenaccedilatildeo dos Jogos Romanos Ecircnio escreveu uma epopeia Annales e

uma trageacutedia pretexta61 Ambracia Esse poeta foi muito citado por Ciacutecero e aceito pelo povo

romano suas trageacutedias seguiram o modelo das trageacutedias gregas utilizando-se principalmente da

mitologia ldquoEnnius a donneacute agrave ses trageacutedies leur dimension monumentale par une eacutecriture rheacutetorique

qui leur insufflait un poids politiquerdquo62 (DUPONT 2003 p 326)

No periacuteodo em que foram encenadas as trageacutedias de Liacutevio Neacutevio e Ecircnio havia uma

preocupaccedilatildeo com a audiecircncia em contraposiccedilatildeo o proacuteximo tragedioacutegrafo Pacuacutevio natildeo se

preocupou com isso

Pacuvius did not strive for complete audience identificacion with his characters in that he used the archaicizing language of his dramatic precursors and coined some odd expressions to elevate his poetry from contemporary expression63 (ERASMO 2004

57 DUPONT 2003 p 145-16158 Adaptando uma trageacutedia grega Liacutevio estava transferindo uma tradiccedilatildeo dramaacutetica grega estabelecida a Roma

criando o teatro romano59 ERASMO 2004 p1460 Natildeo basta para ele ser aplaudido no teatro ele quer ser imortalizado em suas obras Ele inaugura um novo tipo de

poeta que ao modo grego procura a gloacuteria na escrita 61 A trageacutedia praetexta eacute uma trageacutedia tipicamente romana pois os acontecimentos se passam em Roma e as

personagens satildeo da histoacuteria romana ldquoNa fabula praetexta o heroacutei eacute um grande homem rei ou cocircnsul da histoacuteria romana e enverga a toga debruada a puacuterpura insiacutegnia do poder Trata-se de um teatro de caacuteriz poliacuteticordquo (GAILLARD 1992 p 36)

62 Ecircnio deu a suas trageacutedias um dimensatildeo monumental a uma escrita retoacuterica que lhe insuflava um peso poliacutetico 63 Pacuacutevio natildeo se esforccedila para a completa identificaccedilatildeo da audiecircncia com seus personagens em que ele usou a

linguagem arcaizante de seus precursores dramaacuteticas e cunhou algumas expressotildees estranhas para elevar sua poesia

35

p35)

Pacuacutevio foi considerado um dos melhores tragedioacutegrafos romanos Depois dele tem-se Aacutecio

que continuou a escrever trageacutedias de mitos gregos mas ele ldquoseems to draw attention to the art of

persuasion as much as to its ill effectsrdquo64 (ERASMO 2004 p43) Ele marcou a sua eacutepoca como o

uacuteltimo tragedioacutegrafo profissional em Roma65

No Impeacuterio de Augusto a trageacutedia romana ganha vaacuterios representantes mas deste periacuteodo

restaram pouquiacutessimos versos A maioria da produccedilatildeo traacutegica da eacutepoca foi amadora as mais

famosas peccedilas foram Tiestes de Vaacuterio e Medeia de Oviacutedio as quais Quintiliano comentou66 Nesse

periacuteodo a pantomima ganha mais espaccedilo nas apresentaccedilotildees teatrais e as trageacutedias passam a ser mais

escritas e elaboradas Para Dupont (2003 p 340-341)

Mais en reacutealiteacute le siegravecle dAuguste marque le divorce deacutefinitif de la parole tragique e des spectacles car les pantomimes et les lectures publiques apparaissent preacuteciseacutement agrave ce moment La trageacutedie se transforme totalment en opeacutera et la poeacutesie dramatique se retire dans les auditoriums67

Com isso pode-se pensar que a trageacutedia romana deixa de ser encenada e passa a ser lida

publicamente em reuniotildees privadas da aristocracia romana

Under the Principate literary drama began to abandon public theaters for the more intimate (and more aristocratic) confines of smaller roofed halls and private homes Recitation rather than fully staged performance became the norm the kind of performance long established for the presentation of Latin literary works68

(GOLDBERG 1996 p273)

de expressatildeo contemporacircnea64 parece chamar a atenccedilatildeo para a arte da persuasatildeo tanto quanto aos seus efeitos nocivos65 GOLDBERG 1996 p27066 GOLDBERG 1996 p27167 Mas na realidade o seacuteculo de Augusto marca o divoacutercio definitivo da fala traacutegica e dos espetaacuteculos pois as

pantomimas e as leituras puacuteblicas aparecem precisamente nesse momento A trageacutedia se transforma totalmente em oacutepera e a poesia dramaacutetica se retira dos auditoacuterios

68 Sob o principado drama literaacuterio comeccedilou a abandonar os teatros puacuteblicos para os mais iacutentimos limites (e mais aristocraacutetico) de salas cobertas menores e casas particulares Recitaccedilatildeo em vez de totalmente encenada uma performance tornou-se a norma o tipo de perfomance estabelecida haacute muito tempo para a apresentaccedilatildeo de obras literaacuterias latinas

36

3 CAPIacuteTULO 2 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo

Este capiacutetulo pretende apresentar como o mito do rei Agamecircmnon eacute mostrado pela tradiccedilatildeo

grega de Homero a Eacutesquilo Nesse periacuteodo haacute registros do mito de Agamecircmnon na Iliacuteada e na

Odisseia de Homero nos fragmentos dos poemas do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos no

poema Oresteia de Estesiacutecoro que chegou ateacute noacutes tambeacutem de forma muito fragmentada na Piacutetica

XI de Piacutendaro e na Oresteia de Eacutesquilo Com base nessa tradiccedilatildeo tentar-se-aacute apresentar como o

mito de Agamecircmnon eacute reescrito por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon

31 A tradiccedilatildeo eacutepica os poemas homeacutericos e os poemas eacutepicos do ciclo troiano

Os primeiros textos poeacuteticos da literatura grega que restaram foram a Iliacuteada e a Odisseia

ambos atribuiacutedos a Homero datados do seacutec VIII aC Nas duas obras encontra-se a nossa

personagem principal Agamecircmnon sendo apresentada em cada uma das obras de maneira

particular

A Iliacuteada narra a ira de Aquiles que se deu no uacuteltimo ano da guerra de Troia A ira do chefe

dos Mirmidotildees foi provocada por Agamecircmnon que ao perder a sua presa de guerra filha de um

sacerdote de Apolo apossa-se da cativa de Aquiles Briseida No canto I Agamecircmnon mostra-se um

rei impiedoso arrogante e desrespeitoso com os deuses quando natildeo se importa com o pedido de

Crises (Il I v24-32) E o chefe dos gregos fica irritado quando Calcante o acusa de ser o

responsaacutevel pela peste no acampamento

Ἤτοι ὅ γ ὣς εἰπὼν κατ ἄρ ἕζετο τοῖσι δ ἀνέστηἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνωνἀχνύμενος μένεος δὲ μέγα φρένες ἀμφιμέλαιναιπίμπλαντ ὄσσε δέ οἱ πυρὶ λαμπετόωντι ἐΐκτην (Hom Il I v101-104)

Levanta-te entatildeo do seu postoo nobre filho de Atreu Agameacutemnone rei poderosocom torvo aspecto De trevas a coacutelera o peito lhe enchia a transbordar Pareciam-lhe os olhos dois fogos brilhantes69

Aquiles sente-se ultrajado pelo rei que tomou a sua cativa de guerra e pede ajuda agrave sua

matildee Teacutetis No canto II Agamecircmnon tem um sonho enganador e por isso convoca uma assembleia

para que os gregos retornem agrave guerra O rei aparece portando um cetro de origem divina como

siacutembolo do seu poder divino

69 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

37

ἀνὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνἔστη σκῆπτρον ἔχων τὸ μὲν Ἥφαιστος κάμε τεύχωνἭφαιστος μὲν δῶκε Διὶ Κρονίωνι ἄνακτι (Hom Il II v100-102)

Levanta-se o forte Agameacutemnonenas matildeos o cetro que Hefesto com muito artifiacutecio forjarapara presente fazer a Zeus pai que de Crono nascera

Depois da assembleia Agamecircmnon faz um sacrifiacutecio a Zeus para que proteja os gregos na

guerra demonstrando um caraacuteter religioso proacuteprio dos monarcas (Il II v402-403) E com o

exeacutercito pronto o rei aparece suntuoso de aparecircncia divina

μετὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνὄμματα καὶ κεφαλὴν ἴκελος Διὶ τερπικεραύνῳἌρεϊ δὲ ζώνην στέρνον δὲ Ποσειδάωνιἠΰτε βοῦς ἀγέληφι μέγ ἔξοχος ἔπλετο πάντωνταῦρος ὃ γάρ τε βόεσσι μεταπρέπει ἀγρομένῃσιτοῖον ἄρ Ἀτρεΐδην θῆκε Ζεὺς ἤματι κείνῳἐκπρεπέ ἐν πολλοῖσι καὶ ἔξοχον ἡρώεσσιν (Hom Il II v477-483)

No meio se achava Agameacutemnone ao grande fulminador semelhante no olhar e feitio do rosto a Ares no talho do cinto e a Posido no peito fortiacutessimoBem como o touro de grande manada que a todos os outros bois sobreexcede e apoacutes se vai levando reunidas as vacastal aparecircncia emprestou nesse dia Zeus grande a Agameacutemnonepara que fosse o primeiro entre tantos heroacuteis excelentes

No canto III Priacuteamo pede a Helena que lhe apresente quais satildeo os gregos presentes naquele

combate O primeiro eacute Agamecircmnon assim descrito por Helena

οὗτός γ Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνων ἀμφότερον βασιλεύς τ ἀγαθὸς κρατερός τ αἰχμητής (Hom Il III v178-179)

Esse eacute Agamecircmnon rei poderoso de Atreu descendente tatildeo grande rei chefe dos homens quatildeo forte e notaacutevel guerreiro

E apoacutes as palavras de Helena Priacuteamo responde

ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη μοιρηγενὲς ὀλβιόδαιμονἦ ῥά νύ τοι πολλοὶ δεδμήατο κοῦροι Ἀχαιῶν (Hom Il III v182-183)

Oacute venturoso Agameacutemnone filho dileto dos deusesque sobre tantos guerreiros Acaios o mando exercitas

38

Mais adiante no canto IX depois de muitos gregos mortos em combate Agamecircmnon

propotildee o retorno agrave Greacutecia pois os gregos estatildeo perdendo a batalha

ἀλλ ἄγεθ ὡς ἂν ἐγὼ εἴπω πειθώμεθα πάντες φεύγωμεν σὺν νηυσὶ φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν οὐ γὰρ ἔτι Τροίην αἱρήσομεν εὐρυάγυιαν (Hom Il IX v26-28)

Ora faccedilamos conforme o aconselho obedeccedilam-me todos para o torratildeo de nascenccedila fujamos nas ceacuteleres naves pois eacute impossiacutevel tomar a cidade espaccedilosa dos Teucros

Mas por causa dessa proposta o rei natildeo eacute bem visto pelos companheiros sendo considerado

como covarde por isso pela primeira vez reconhece os seus erros e propotildee a Aquiles por

intermeacutedio de Odisseu a devoluccedilatildeo de Briseida e uma grande recompensa (Il IX v15-161)

Mesmo assim Aquiles ainda irado natildeo aceita a proposta do rei de Argos (Il IX v386-387) No

canto XI tem-se o triunfo do chefe das tropas gregas Agamecircmnon lidera os gregos num combate

contra os troianos chefiados por Heitor Nesse duelo o Atrida mata muitos inimigos

ἀτὰρ κρείων Ἀγαμέμνων αἰὲν ἀποκτείνων ἕπετ Ἀργείοισι κελεύων (Hom Il XI v153-154)

Natildeo cessa Agameacutemnone forte de dizimar o inimigo exortando os guerreiros argivos

Poreacutem o rei acaba se ferindo em combate e embora natildeo quisesse sair da luta para se

proteger sobe num carro rumo agraves naus

στῆ δ εὐρὰξ σὺν δουρὶ λαθὼν Ἀγαμέμνονα δῖοννύξε δέ μιν κατὰ χεῖρα μέσην ἀγκῶνος ἔνερθεἀντικρὺ δὲ διέσχε φαεινοῦ δουρὸς ἀκωκήῥίγησέν τ ἄρ ἔπειτα ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνωνἀλλ οὐδ ὧς ἀπέληγε μάχης ἠδὲ πτολέμοιο (Hom Il XI v251-255)

Sem que o notasse Agameacutemnone pocircs-se-lhe ao lado e com a lanccedila proacuteximo do cotovelo o antebraccedilo no meio feriu-lhe atravessando-o com a ponta aguccedilada do hastil reluzente Estremeceu Agameacutemnone nobre pastor de guerreiros mas natildeo obstante natildeo quis desistir dos combates e lutas

Logo o chefe retorna ao acampamento dos gregos para cuidar dos ferimentos Em seguida

no canto XIV Agamecircmnon chega ao acampamento ferido ao lado de Odisseu e Diomedes o rei

retoma a ideia de que os gregos fujam de Troia

39

νῆες ὅσαι πρῶται εἰρύαται ἄγχι θαλάσσηςἕλκωμεν πάσας δὲ ἐρύσσομεν εἰς ἅλα δῖανὕψι δ ἐπ εὐνάων ὁρμίσσομεν εἰς ὅ κεν ἔλθῃνὺξ ἀβρότη ἢν καὶ τῇ ἀπόσχωνται πολέμοιοΤρῶες ἔπειτα δέ κεν ἐρυσαίμεθα νῆας ἁπάσαςοὐ γάρ τις νέμεσις φυγέειν κακόν οὐδ ἀνὰ νύκταβέλτερον ὃς φεύγων προφύγῃ κακὸν ἠὲ ἁλώῃ (Hom Il XIV v75-81)

Sem mais demora arrastemos as naus que se encontram mais perto da praia extensa e as lancemos agraves ondas divinas bem longe onde o mar for mais profundo firmando-as com as pedras acircncoras para aguardarmos a Noite imortal Caso os Teucros se abstenham de combater poderemos talvez pocircr a nado elas todas Natildeo eacute vergonha fugir ainda mesmo seja de noite Eacute preferiacutevel da ruiacutena escapar a ser presa do imigo

Mas os outros gregos natildeo querem recuar e retomam a luta Apoacutes muitas perdas e com a

decisatildeo de Aquiles de retornar para a batalha para vingar a morte de Paacutetroclo no canto XIX

Agamecircmnon mais uma vez reconhece os seus erros e a ofensa a Aquiles com isso por intermeacutedio

de Odisseu devolve Briseida e os ricos presentes jaacute prometidos Ao devolver a cativa de Aquiles

Agamecircmnon faraacute um juramento afirmando nunca ter tocado na jovem

ἀνθρώπους τίνυνται ὅτις κ ἐπίορκον ὀμόσσῃ μὴ μὲν ἐγὼ κούρῃ Βρισηΐδι χεῖρ ἐπένεικα οὔτ εὐνῆς πρόφασιν κεχρημένος οὔτέ τευ ἄλλου (Hom Il XIX v260-262)

Nunca na jovem Briseide toquei nem por forccedila de amores nem porque em mim tenha atuado outra forccedila qualquer porventura Em minha tenda durante esse tempo ficou ela intacta

E no canto XXIII Aquiles preocupado com as honras fuacutenebres de Paacutetroclo logo apresenta

Agamecircmnon como chefe das tropas para determinar a construccedilatildeo da pira funeraacuteria do morto desse

modo o poder do rei mostra-se vinculado aos preceitos religiosos

ἠῶθεν δ ὄτρυνον ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγάμεμνονὕλην τ ἀξέμεναι παρά τε σχεῖν ὅσσ ἐπιεικὲςνεκρὸν ἔχοντα νέεσθαι ὑπὸ ζόφον ἠερόενταὄφρ ἤτοι τοῦτον μὲν ἐπιφλέγῃ ἀκάματον πῦρθᾶσσον ἀπ ὀφθαλμῶν λαοὶ δ ἐπὶ ἔργα τράπωνται (Hom Il XXIII v49-53)

Mas quando da aurora raiar Agameacutemnone de homens caudilhomanda que lenha nos tragam e o mais de que um morto precisaquando haacute de a viagem fazer para o reino das trevas espessas para que o fogo incansavel depressa o consuma tirando-ode nossas vistas e assim possam todos voltar para a lida

Assim as apariccedilotildees de Agamecircmnon na Iliacuteada satildeo descritas observa-se que a personagem eacute

40

caracterizada atraveacutes das falas de outras personagens e tambeacutem de suas proposiccedilotildees

principalmente num contexto de guerra como rei chefe guerreiro forte valoroso valente

poderoso viril religioso e de aparecircncia divina em alguns momentos eacute depreciado ao aparecer

como covarde e autoritaacuterio Nesse texto o Agamecircmnon natildeo exerce outros papeacuteis como os

familiares ele aparece principalmente como chefe dos gregos

Poreacutem Agamecircmnon natildeo estaacute presente na Iliacuteada somente nesses momentos citados

anteriormente apenas foram selecionados os mais relevantes O chefe dos gregos eacute intitulado

principalmente dos seguintes epiacutetetos Atrida como em ἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων

Ἀγαμέμνων70 (Hom Il I v102) tambeacutem nesse exemplo tem-se o epiacuteteto de poderosoforte

κρείων outro epiacuteteto eacute o de chefe dos homens ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων71 ( Hom Il II

v612) Chega a ser equiparado aos deuses ao receber a seguinte adjetivaccedilatildeo ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη72

(Hom Il III v182) o adjetivo μάκαρ eacute usado apenas para os deuses como se pode verificar no

verbete do Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego de Isidro (1998 p 354)

μάκαρ feliz rico opulento os Bem-aventurados (deuses)

Jaacute na Odisseia epopeia que narra a volta de Odisseu para a sua paacutetria apoacutes guerrear em

Troia a menccedilatildeo agrave personagem Agamecircmnon se faz em nuacutemero menor de versos em comparaccedilatildeo

com a Iliacuteada No canto III Atena na aparecircncia de Mentor acompanha Telecircmaco na busca por

notiacutecias sobre Odisseu que ainda natildeo havia retornado para a paacutetria apoacutes passados muitos anos do

fim da batalha Na primeira parada desembarcam em Pilos e encontram o velho Nestor que lhes

contaraacute alguns acontecimentos do fim da guerra de Troia como o momento da assembleia dos

gregos liderada por Agamecircmnon para discutir o retorno para a paacutetria Depois Nestor menciona o

destino do valoroso chefe dos gregos

Ἀτρεΐδην δὲ καὶ αὐτοὶ ἀκούετε νόσφιν ἐόντεςὥς τ ἦλθ ὥς τ Αἴγισθος ἐμήσατο λυγρὸν ὄλεθρον (Hom Od III v193-194)

O que respeita ao Atrida soubeste-lo embora distantesde sua volta e do fim desditoso que Egisto lhe urdiu73

70 Optou-se por natildeo traduzir diretamente no texto alguns versos citados em grego da Iliacuteada e da Odisseia de Homero e do Agamecircmnon de Eacutesquilo pois as traduccedilotildees utilizadas para as obras citadas em alguns momentos natildeo abrangem o valor semacircntico adequado para essa pesquisaPortanto traduziu-se o verso assim O nobre Atrida Agamecircmnon chefe poderoso (traduccedilatildeo nossa)

71 O chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)72 Oacute bem-aventurado Atrida (traduccedilatildeo nossa)73 Todas as traduccedilotildees da Odisseia da Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na

referecircncia bibliograacutefica HOMERO Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

41

Nessa conversa a deusa Atena tambeacutem fala da morte de Agamecircmnon como produto do

artifiacutecio de sua esposa e do amante dela

ἢ ἐλθὼν ἀπολέσθαι ἐφέστιος ὡς Ἀγαμέμνων ὤλεθ ὑπ Αἰγίσθοιο δόλῳ καὶ ἧς ἀλόχοιο (Hom Od III v234-235)

tal como Agameacutemnone que sucumbiu ante fraude de sua mulher e de Egisto

Mais adiante Telecircmaco questiona Nestor sobre a morte de Agamecircmnon O velho explica

como Egisto planejou a morte e lembra que Orestes vingou a morte do rei matando Egisto Nestor

atribui a Egisto o assassiacutenio do rei

κτείνας Ἀτρεΐδην δέδμητο δὲ λαὸς ὑπ αὐτῷ ἑπτάετες δ ἤνασσε πολυχρύσοιο Μυκήνης (Hom Od III v304-305)

(Egisto) reina em Micenas em ouro abundante durante sete anos poacutes dar a Morte a Agameacutemnone e o povo forccedilar a obediecircncia

No canto IV Telecircmaco aporta na Lacedemocircnia e visita o palaacutecio de Menelau o irmatildeo de

Agamecircmnon O jovem escuta as palavras do rei que descreve como foi o retorno dos gregos para as

suas respectivas paacutetrias apoacutes a destruiccedilatildeo de Troia e relata que Agamecircmnon foi morto ao voltar

para casa viacutetima de um plano de Egisto que preparou um banquete como armadilha para

recepcionaacute-lo e o matar com o intuito de tomar o seu reino

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como

42

na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

No canto VIII quando Odisseu estaacute na terra dos feaacutecios e participa da assembleia um cantor

aparece para recitar os feitos dos homens dentre eles Agamecircmnon (Od VIII v77-79) No canto

IX Odisseu se apresenta ao Ciclope como partiacutecipe da tropa de Agamecircmnon (Od IX v263-266)

No canto XI Odisseu desce ao Hades e encontra por laacute Agamecircmnon uma alma sofrida

acompanhado dos companheiros mortos por Egistos (Od XI v387-389) Odisseu conversa com

Agamecircmnon e busca saber a causa da sua morte O chefe dos gregos assim responde

οὔτε μ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ ἐπὶ χέρσουἀλλά μοι Αἴγισθος τεύξας θάνατόν τε μόρον τεἔκτα σὺν οὐλομένῃ ἀλόχῳ οἶκόνδε καλέσσαςδειπνίσσας ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃὣς θάνον οἰκτίστῳ θανάτῳ (Hom Od XI v408-412)

nem quando em terra saltasse caiacute pela matildeo de inimigosNatildeo minha Morte e o destino fatal por Egisto me vieramCom minha esposa funesta matou-me depois de chamar-me para um banquete em sua casa qual boi que se abate no talhoDessa maneira morri vergonhosa

Agamecircmnon lamenta a sua morte vergonhosa e tambeacutem critica a sua esposa (Od XI v427-

430) No canto XIII jaacute em Iacutetaca Odisseu ao conversar com Atenas teme que o seu destino seja

semelhante ao de Agamecircmnon ao saber da existecircncia dos pretendentes de Peneacutelope (Od XIII

v383-385) E no canto XXIV Agamecircmnon novamente aparece no Hades pois os pretendentes de

Peneacutelope apoacutes a morte seguem para o reino dos mortos Eles ficam ao redor de Aquiles e chega

Agamecircmnon que conversa com o Pelida Aquiles lembra a morte ingloriosa do chefe dos gregos

(Od XXIV v34) que a lamenta

ἐν νόστῳ γάρ μοι Ζεὺς μήσατο λυγρὸν ὄλεθρονΑἰγίσθου ὑπὸ χερσὶ καὶ οὐλομένης ἀλόχοιο (Hom Od XXIV v96-97)

Zeus me aprestou triste Morte ao me achar novamente na praia agraves matildeos de Egisto guerreiro e da minha funesta consorte

Agamecircmnon reconhece dentre os pretendentes um que o hospedou em Iacutetaca Os dois

conversam o rei lamenta a esposa que teve e admira a sorte de Odisseu que se casou com uma

mulher muito virtuosa Peneacutelope (Od XXIV v192-202)

Desse modo a Odisseia nos apresenta o mito do glorioso chefe dos gregos lembrando

principalmente a sua morte que aparece em conflito com a gloacuteria guerreira dele Agamecircmnon eacute

lembrado pelas personagens por causa da sua morte vergonhosa e tambeacutem aparece duas vezes na

43

narrativa como uma alma sofrida por ter tido tal morte

Dos fragmentos dos poemas eacutepicos do ciclo troiano haacute a reconstituiccedilatildeo de parte dos textos

estes poemas seriam Cantos Ciacuteprios Etiacuteopes A Pequena Iliacuteada O Saque de Iacutelion Retornos e

Telegonia todos eles foram escritos apoacutes as obras de Homero Dentre os poemas apresentar-se-atildeo

apenas Cantos Ciacuteprios e Retornos pois ambos apresentam trechos relevantes do mito de

Agamecircmnon O Cantos Ciacuteprios datado do seacutec VI aC e de autoria desconhecida deteacutem-se nas

origens da Guerra de Troia ateacute o iniacutecio da Iliacuteada Neste poema Agamecircmnon o chefe dos gregos

sacrifica a proacutepria filha Ifigecircnia em honra agrave deusa Aacutertemis

και τό δεύτερον ήθροισμένου του στόλου έν Ανλίδι Αγαμέμνων επί θήρας βαλών έλαφον ύπερ-βάλλειν έφησε και τήν Αρτεμιν μηνίσασα δέ ή θεός έπέσχεν αυτούς τοΰ πλον χειμώνας έπιπέμπουσα Ίίάλχαντος δέ είπόντος τήν της θεού μήνιν καί Ίφιγένειαν κελενσαντος θύειν τήι Αρτέμιδι ώς επί γάμον αυτήν Αχιλλεΐ μεταπεμφάμενοι θύειν έπιχει-ρούσιν ltΚάλχας δέ έφη ουκ άλλως δύνασθαι πλεΐν αυτούς ει μή τών Αγαμέμνονος θυγατέρων ή κρα-τιστεύονσα κάλλει σφάγιον Αρτέμιδος παραστήι πέμφας Αγαμέμνων προς Κλυταιμήστραν Όδυσσέα καί Ταλθύβιον Ίφιγένειαν ήιτει λέγων ύπεσχήσθαι δώσειν αυτήν Αχιλλεΐ γυναίκα μισθόν της στρατείας Αρgt Αρτεμις δέ αυτήν έζαρπάσασα εις Ταύρους μετακομίζει καί άθάνατον ποιεί έλαφον δέ αντί της κόρης παρίστησι τώι βωμώ (APOLODORO Ep 3 20 apud SOUSA 2008 p 27)

Enquanto a frota se prepara em Aacuteulis para uma segunda expediccedilatildeo contra Iacutelion Agamecircmnon mata um cervo em uma caccedilada e se vangloria de ser melhor que Aacutertemis Zangada a deusa envia tempestades que impedem a frota de zarpar Calcante explica a razatildeo do mau tempo e diz que natildeo poderatildeo navegar enquanto a mais bela filha de Agamecircmnon natildeo for imolada em honra de Aacutertemis Decidindo-se a realizar o sacrifiacutecio Agamecircmnon envia Taltiacutebio e Odisseu a Clitemnestra para perguntar por Ifigecircnia afirmando que a jovem estava prometida a Aquiles em recompensa pela participaccedilatildeo deste na expediccedilatildeo Iludida a matildee entrega a filha Quando Ifigecircnia chega o altar jaacute estaacute pronto para a imolaccedilatildeo No entanto Aacutertemis retira a jovem do altar colocando em seu lugar um cervo e a leva para junto dos Tauros na Crimeia onde lhe concede a imortalidade74

Depois se verifica no poema as novas invasotildees das tropas gregas o saque de algumas

cidades e a divisatildeo dos espoacutelios de guerra

και εκ των λαφύρων Άχιλλεύς μεν Βρισηίδα γέρας λαμβάνει Χρυσηΐδα δέ Αγαμέμνων (PROCLUS Chrestomathia apud SOUSA 2008 p30)

74 Todas as traduccedilotildees dos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos presentes nesse texto satildeo de Francisco Edi de Oliveira Sousa retiradas da Tese de Doutorado de seguinte referecircncia SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

44

Aquiles toma Briseida como sua parte Agamecircmnon Criseida capturada em Tebas Hipoplaacutecia onde se encontrava por conta de sacrifiacutecios em honra de Aacutertemis

No Retornos atribuiacutedo a Haacutegias de Trezene e datado de VII aC localizado de acordo com

o mito apoacutes a Odisseia observa-se que Agamecircmnon sai de Troia e tenta voltar para a paacutetria Em

seguida eacute relatada a morte dele

ltέπειgtτα Αγαμέμνονος νπο Αιγίσθου και Κλυταιμήστρας άναιρεθέντος νπ Όρέστον και ΤΙυλάδον τιμωρία (Poculum Homericum MB 36 (SINN) apud SOUSA 2008 p 54-55)

Agamecircmnon por sua vez retorna ao seu palaacutecio onde eacute morto por Egisto e Clitemnestra Mais tarde Orestes e Piacutelades chegam para vingar o assassiacutenio de Agamecircmon

Como se trata de fragmentos o que nos restou dos poemas dos ciclos eacutepicos apresentam-

nos uma breve narraccedilatildeo acerca de partes do mito de Agamecircmnon Observa-se nos trechos dos

Cantos Ciacuteprios o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a posse de Criseida por Agamecircmnon como presa de

guerra e no trecho de Retornos a morte do rei ao chegar agrave sua paacutetria

32 A tradiccedilatildeo liacuterica Estesiacutecoro e Piacutendaro

Assim como na Iliacuteada e na Odisseia de Homero e nos poemas Cantos Ciacuteprios e Retornos

mais tarde por entre os seacutec VI e V aC o mito de Agamecircmnon apareceraacute na poesia liacuterica de

Estesiacutecoro Ele escreveu muitos poemas e dentre eles um intitulado Oresteia dividido em dois

livros E conforme afirma Campbell (2001 p2) esse poema teria sido uma adaptaccedilatildeo de um poema

homocircnimo anterior de Xanto

Stesichorus referred somewhere in his poetry to a predecessor Xanthus who composed an Oresteia which Stesichorus was said to have adapted and this Xanthus may have been a western Greek75

Aleacutem disso restaram apenas alguns fragmentos desse poema que foram reconstituiacutedos a

partir de vaacuterios textos como no livro I de um escoliasta de Aristoacutefanes em Paz (775ss 800 797ss)

no livro II de um escoliasta de Dionisio da Traacutecia (Art 6) de Habron num escoliasta da Iliacuteada de

Homero (ap POxy 1087 ii 47s) e no livro I ou II de Filodemo em Sobre a piedade de um

escoliasta de Euriacutepides em Orestes (46) de um escoliasta de Eacutesquilo em Coeacuteforas (733) e de

75 Estesiacutecoro referiu-se em algum lugar na sua poesia a um antecessor Xanto que compocircs uma Oresteia que Estesiacutecoro havia dito ter adaptado e Xanto pode ter sido um grego ocidental

45

Plutarco em De sera numinis vindicta (10 555a)76 Dos fragmentos reconstituiacutedos nenhum

menciona Agamecircmnon mas um deles apresenta um sonho que Clitemnestra teve antes de ser morta

por Orestes

τᾶι δὲ δράκων ἐδόκησε μολεῖν κάρα βεβροτωμένος ἄκρονἐκ δ ἄρα τοῦ βασιλεὺς Πλεισθενίδας ἐφάνη (Plut ser num vind 10 555a - iii 412 Pohlenz-Sieveking apud CAMPBELL 2001 p 132-133)

And it seemed to her that a snake came the top of its head bloodstained and out of it appeared a Pleisthenid king77

Esses versos trazem uma parte do sonho premonitoacuterio de Clitemnetra que tambeacutem aparece

em Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo Esse sonho teria acontecido antes da morte de Clitemnestra

Em Estesiacutecoro ela interpreta a serpente como sendo Agamecircmnon irado pela morte que teve e por

isso ela envia oferendas ao tuacutemulo do rei Desse modo os versos do poeta liacuterico sugerem que

Clitemnestra teria matado o marido como pode se observar a partir do estudo abaixo

This appears from the nature of the dream which terrified the Clytaemnestra of Stesichorus just before the retribution A serpent approached her with gore upon its head and then changed into Agamemnon78 (JEBB 1894 seccedilatildeo 6)

Jaacute o mesmo episoacutedio do sonho nas Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo eacute relatado pelo Coro

em diaacutelogo com Orestes mas ambos interpretam o sonho como sendo Orestes a cobra que

Clitemenestra tem nos braccedilos Essa interpretaccedilatildeo diverge da interpretaccedilatildeo sugerida a partir dos

fragmentos de Estesiacutecoro

Acerca de Agamecircmnon nos fragmentos de Estesiacutecoro soacute pode se suscitar que ele foi morto

pelas matildeos de sua esposa ao se tentar reconstituir os dois versos mencionados do poema Oresteia

E para escrever esse poema Estesiacutecoro talvez tenha se utilizado dos poemas de Homero e Hesiacuteodo

como pode se observar no Comentaacuterio do Papiro (POxy 2506 fr26 col ii apud CAMPBELL 2001

p 130-131)

Στη]σίχορος ἐχρήσατ[ο διη-γήμασιν τῶν τε ἄλλ[ων ποι-ητῶν οἱ πλείονες τ[μαις ταῖς τούτου με[Ὅμηρον κα[ὶ] Ἡσίοδον [μᾶλλ[ον] Στησιχο[ρ][

76 Todas as indicaccedilotildees citadas e os fragmentos encontram-se em CAMPBELL 2001 p127-13377 E parecia-lhe que uma serpente veio o topo de sua cabeccedila manchada de sangue e com isso surgiu um rei Pliacutestenes78 Isso aparece a partir da natureza do sonho que aterrorizou a Clitemnestra de Estesiacutecoro pouco antes da retribuiccedilatildeo

Uma serpente se aproximou dela com sangue em cima de sua cabeccedila e depois mudou para Agamecircmnon

46

φων[]

Stesichorus used narratives (of Homer and Hesiodo) and most of the other poets used his material for after Homer and Hesiodo they agree above all with Stesichorus79

Apesar de haver apenas fragmentos dos poemas de Estesiacutecoro pode-se deduzir que a

Oresteia dele assim como os poemas de outros poetas contemporacircneos a ele foram influenciados

pelos textos de Homero e Hesiacuteodo e influenciaram os poetas posteriores como mostra a citaccedilatildeo

anterior

Depois da Oresteia de Estesiacutecoro parte do mito de Agamecircmnon eacute narrada no poema Piacutetica

XI de Piacutendaro datado de entre 474-454 aC Esse poema foi composto para um tebano o vencedor

Trasideo Encontra-se na Piacutetica XI (v16-37) assim o mito do rei de Argos

νικῶν ξένου Λάκωνος Ὀρέστατὸν δὴ φονευομένου πατρὸς Ἀρσινόα Κλυταιμήστραςχειρῶν ὕπο κρατερᾶνἐκ δόλου τροφὸς ἄνελε δυσπενθέοςὁπότε Δαρδανίδα κόραν ΠριάμουΚασσάνδραν πολιῷ χαλκῷ σὺν Ἀγαμεμνονίᾳψυχᾷ πόρευ Ἀχέροντος ἀκτὰν παρ εὔσκιοννηλὴς γυνά πότερόν νιν ἄρ Ἰφιγένει ἐπ Εὐρίπῳσφαχθεῖσα τῆλε πάτραςἔκνισεν βαρυπάλαμον ὄρσαι χόλονἢ ἑτέρῳ λέχεϊ δαμαζομένανἔννυχοι πάραγον κοῖται τὸ δὲ νέαις ἀλόχοιςἔχθιστον ἀμπλάκιον καλύψαι τ ἀμάχανονἀλλοτρίαισι γλώσσαιςκακολόγοι δὲ πολῖταιἴσχει τε γὰρ ὄλβος οὐ μείονα φθόνονὁ δὲ χαμηλὰ πνέων ἄφαντον βρέμειθάνεν μὲν αὐτὸς ἥρως Ἀτρεΐδαςἵκων χρόνῳ κλυταῖς ἐν ἈμύκλαιςΓ΄μάντιν τ ὄλεσσε κόραν ἐπεὶ ἀμφ Ἑλένᾳ πυρωθένταςΤρώων ἔλυσε δόμουςἁβρότατος ὁ δ ἄρα γέροντα ξένονΣτροφίον ἐξίκετο νέα κεφαλάΠαρνασσοῦ πόδα ναίοντ ἀλλὰ χρονίῳ σὺν Ἄρειπέφνεν τε ματέρα θῆκέ τ Αἴγισθον ἐν φοναῖς (Pin Pit XI v 16-37)

o amigo do lacoacutenico Orestes Arsiacuteone sua ama arrancou-o do amargo engano logo que seu pai foi assassinado agraves matildeos violentas de Clitemnestra quando esta impiedosa mulher jogou Cassandra filha de Priacuteamo o Dardacircnida juntamente com a alma de Agameacutemnon para a margem sombria de aqueronte com o accedilo cinzento Teraacute sido Ifigeacutenia chacinada em Euripo longe da paacutetria quem a levou a erguer a matildeo pesada do rancor Ou teraacute sido dominada numa cama anoacutenima e as noites de

79 Estesiacutecoro usou narrativas (de Homero e Hesiacuteodo) e muitos outros poetas usaram esse material porque depois de Homero e Hesiacuteodo eles concordam acima de tudo com Estesiacutecoro

47

sexo desviaram-na do seu caminho Este eacute o erro mais odioso das jovens esposas e eacute impossiacutevel de esconder porque os outros iratildeo contaacute-lo Os cidadatildeos falam mal uns dos outros porque toda a becircnccedilatildeo traz consigo uma natildeo menor inveja mas quem respira junto ao chatildeo geme sem ser visto Foi assim que morreu o heroacuteico filho de Atreuquando finalmente regressou agrave famosa Amiclas e destruiu a rapariga das profecias ao acabar com o luxo na casa dos troianos e pocircr-lhes fogo por causa de Helena Orestes a jovem crianccedila foi para junto do velho Estroacutefio amigo da famiacutelia que vivia no sopeacute de Parnasso Por fim com a ajuda de Ares matou a matildee e afogou Egisto numa mar de sangue 80

Como se pode observar no trecho do poema eacute mencionada a morte de Agamecircmnon e a de

Cassandra causada por Clitemnestra depois se verificam os questionamentos sobre os motivos que

levaram Clitemnestra a matar o rei e finaliza com a vinganccedila de Orestes ao matar a matildee e o

amante dela O foco desse poema eacute concedido agrave Clitemenestra que matou o rei e a maior parte da

referecircncia miacutetica expotildee os questionamentos da rainha

33 A tradiccedilatildeo traacutegica Agamecircmnon de Eacutesquilo

Apoacutes a tradiccedilatildeo liacuterica tem-se notiacutecia do mito de Agamecircmnon por meio da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo datada de 458 aC Essa trageacutedia foi encenada juntamente com outras duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo compondo assim uma trilogia intitulada Oresteia A

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute a primeira peccedila da trilogia que narra a morte do rei Agamecircmnon

viacutetima de um plano de vinganccedila da sua esposa e do amante dela ao retornar agrave sua paacutetria

A peccedila eacute composta por partes dialogadas (episoacutedios) e por partes cantadas (estaacutesimos ndash

cantos corais) O enredo da trageacutedia se inicia com um proacutelogo recitado pelo Vigia que aguarda os

sinais do fim da guerra de Troia Ele apresenta o palaacutecio dos Atridas e Clitemnestra que espera o

retorno do marido (Ag v1-39) No primeiro episoacutedio Clitemnestra anuncia a destruiccedilatildeo de Troia

mesmo que o mensageiro ainda natildeo tenha chegado ao palaacutecio (Ag v267) Segundo ela os fachos

de fogo mostram que Troia foi tomada pelos gregos (Ag v281-316) No segundo episoacutedio o

Arauto chega ao palaacutecio e narra a gloacuteria dos gregos em Troia Comeccedila o seu relato falando dos

feitos guerreiros de Agamecircmnon e anuncia que o rei estaacute para chegar

δέξασθε κόσμῳ βασιλέα πολλῷ χρόνῳ

80 Todas as traduccedilotildees do poema Piacutetica XI de Piacutendaro presentes nesse texto satildeo de Antoacutenio de Castro Caeiro conforme a seguinte referecircncia PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

48

ἥκει γὰρ ὑμῖν φῶς ἐν εὐφρόνῃ φέρωνκαὶ τοῖσδ ἅπασι κοινὸν Ἀγαμέμνων ἄναξἀλλ εὖ νιν ἀσπάσασθε καὶ γὰρ οὖν πρέπειΤροίαν κατασκάψαντα τοῦ δικηφόρουΔιὸς μακέλλῃ τῇ κατείργασται πέδον (Ag v521-526)

Recebei em ordem o rei passado tempoe a todos esses luz comum rei AgamecircmnonEia bem o saudai pois assim conveacutemele revolveu Troia com a enxada de Zeus portador de justiccedila lavrado estaacute o solo81

ἄναξ Ἀτρείδης πρέσβυς εὐδαίμων ἀνήρ ἥκει τίεσθαι δ ἀξιώτατος βροτῶντῶν νῦν (Ag v530-532)

O rei Atrida secircnior e com bons Numesvem Honrai o mais digno dos mortaisde hoje

Depois o Arauto continua lembrando os males vividos durante a guerra (Ag v551-566) e

rememora a vitoacuteria dos gregos (Ag v577-579) Sob a indagaccedilatildeo do Coro sobre o destino de

Menelau o Arauto relata a tempestade no mar que ocasionou o naufraacutegio de vaacuterias naus Por causa

disso as naus do marido de Helena teriam desaparecido (Ag v636-680) No terceiro episoacutedio o

Coro anuncia a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio dos Atridas

ἄγε δή βασιλεῦ Τροίας πτολίπορθἈτρέως γένεθλονπῶς σε προσείπω πῶς σε σεβίξωμήθ ὑπεράρας μήθ ὑποκάμψαςκαιρὸν χάριτος (Ag v783-787)

Eia oacute rei devastador de Troiaprogecircnie de Atreucomo te saudar como te venerarnatildeo excedendo nem faltandoagrave medida do benefiacutecio

Agamecircmnon louva os deuses pela destruiccedilatildeo de Troia e pelo seu retorno satildeo e salvo agrave paacutetria

(Ag v810-813) Logo Clitemnestra lamenta o tempo que o marido ficou ausente e lembra os

rumores ouvidos por ela acerca da rotina guerreira do cocircnjuge (Ag v855-913) E para receber

Agamecircmnon Clitemnestra prepara as honras devidas a ele natildeo permitindo que o marido pise o

chatildeo descoberto

νῦν δέ μοι φίλον κάρα81 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

49

ἔκβαιν ἀπήνης τῆσδε μὴ χαμαὶ τιθεὶςτὸν σὸν πόδ ὦναξ Ἰλίου πορθήτορα (Ag v905-907)

Agora oacute cabeccedila querida desce desse carro sem pocircr no chatildeoo teu peacute devastador de Iacutelion oacute rei

Por causa disso Agamecircmnon pede agrave esposa honras dignas de um homem e natildeo de um deus

mas Clitemnestra tenta convencecirc-lo de sua gloacuteria Logo Agamecircmnon pede agrave rainha que acolha

Cassandra a presa de guerra filha de Priacuteamo (Ag v950-952) No quarto episoacutedio Clitemnestra

convida a cativa para entrar no palaacutecio e menciona o banquete que estaacute sendo preparado para

festejar o retorno do rei Ao adentrar o palaacutecio Cassandra entra em estado de transe (Ag v1072-

1073) Ela vecirc os crimes cometidos dentro da morada dos Atridas Em seguida a profetisa descreve

como aconteceraacute um novo crime

ἰὼ τάλαινα τόδε γὰρ τελεῖς                   τὸν ὁμοδέμνιον πόσινλουτροῖσι φαιδρύνασα - πῶς φράσω τέλοςτάχος γὰρ τόδ ἔσται προτείνει δὲ χεὶρ ἐκχερὸς ὀρεγομένα (Ag v1107-1111)

Ioacute Miacutesera isto faraacutes Ao lavares no banhoo teu marido ndash como direi o fatoLogo isto seraacute ela estende a matildeo apoacutes matildeo alcanccedilando

ἦ δίκτυόν τί γ Ἅιδουἀλλ ἄρκυς ἡ ξύνευνος ἡ ξυναιτίαφόνου (Ag v1115-1117)

Eacute um laccedilo de HadesMas a rede eacute o seu cocircnjuge co-autora do massacre

ἆ ἆ ἰδοὺ ἰδού ἄπεχε τῆς βοὸς                   τὸν ταῦρον ἐν πέπλοισινμελαγκέρῳ λαβοῦσα μηχανήματιτύπτει πίτνει δ lsaquoἐνrsaquo ἐνύδρῳ τεύχειδολοφόνου λέβητος τύχαν σοι λέγω (Ag v1125-1129)

Acirc acirc Olha olha Potildee longe de vacao touro Na tuacutenica com negricoacuternio ardil ela captura e feree ele tomba na banheira cheia daacutegua

Aleacutem de anuciar um proacuteximo crime Cassandra prenuncia a sua proacutepria morte (Ag v1258-

1260) Ela tambeacutem lembra o castigo que recebeu de Apolo E menciona a traiccedilatildeo de Clitemnestra e

50

Egisto

ἐκ τῶνδε ποινάς φημι βουλεύειν τινάλέοντ ἄναλκιν ἐν λέχει στρωφώμενονοἰκουρόν οἴμοι τῷ μολόντι δεσπότῃ -ἐμῷ φέρειν γὰρ χρὴ τὸ δούλιον ζυγόννεῶν τ ἄπαρχος Ἰλίου τ ἀναστάτηςοὐκ οἶδεν οἵα γλῶσσα μισητῆς κυνὸςλείξασα κἀκτείνασα φαιδρὸν οὖς δίκηνἄτης λαθραίου τεύξεται κακῇ τύχῃτοιάδε τόλμα θῆλυς ἄρσενος φονεύς (Ag v1223-1231)

Digo que trama puniccedilatildeo por isto um leatildeo covarde a rolar no leito caseiro contra o receacutem-vindo senhor meu pois devo suportar o julgo servil O capitatildeo de navios e destruidor de Iacutelion natildeo conhece que liacutengua de odiosa cadela a falar e a esticar escusa alegremente lograraacute latente dano com maligna sorte Tal eacute a ousadia fecircmea mata macho

Ἀγαμέμνονός σέ φημ ἐπόψεσθαι μόρον (Ag v1246)

Digo que veraacutes a morte de Agamecircmnon

Apoacutes a profetizaccedilatildeo de Cassandra Agamecircmnon soacute voltaraacute agrave cena no final do quarto

estaacutesimo (diaacutelogo dos coreutas) gritando por estar sendo golpeado como se vecirc nos versos

Αγ ὤμοι πέπληγμαι καιρίαν πληγὴν ἔσωΧο σῖγα τίς πληγὴν ἀυτεῖ καιρίως οὐτασμένοςΑγ ὤμοι μάλ αὖθις δευτέραν πεπληγμένος (Ag v1343-1345)

Agamecircmnon Oacutemoi Um golpe certeiro golpeou-me dentroCoro Silecircncio Quem grita ferido de golpe certeiroAgamecircmnon Oacutemoi Outra vez outro golpe me atingiu

No quinto episoacutedio Clitemnestra relata a morte do marido Ela descreve o assassiacutenio

cometido por ela mesma

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσών

51

κἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostrado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

Depois de narrar a morte do rei Clitemnestra tenta justificar o seu ato criminoso dizendo

que Agamecircmnon sacrificou Ifigecircnia filha do casal para que as tropas gregas tivessem ventos

favoraacuteveis para conseguir navegar rumo a Troia dizendo que ela foi ultrajada pelo marido pois ele

tinha muitas concubinas dentre elas Criseida e Cassandra e por causa disso a rainha tambeacutem mata

a profetisa Por fim o Coro reclama as honras funeacutebres ao morto e Clitemnestra afirma que cuidaraacute

disso

No uacutetimo episoacutedio aparece Egisto lembrando os crimes sofridos por seu pai e se sente

vingado com a morte de Agamecircmnon (Ag v1577-1611) Ele fala que tramou o crime mas a

execuccedilatildeo foi feita por Clitemnestra O Coro alerta para uma futura vinganccedila de Orestes mas o casal

de amantes natildeo se importa

Na trageacutedia de Eacutesquilo a personagem Agamecircmnon participa pouco da peccedila Ele apenas

aparece no terceiro episoacutedio ao retornar da guerra e se mostra um homem religioso e vitorioso

Embora Clitemnestra o tente divinizar o rei demonstra modeacutestia na comemoraccedilatildeo da vitoacuteria E

mais adiante ouve-se os gritos de dor do rei ao ser apunhalado ele jaacute natildeo estaacute mais em cena

Agamecircmnon foi assassinado por sua esposa e ela mesma nos conta como o matou Nessa trageacutedia

Agamecircmnon passa de rei vitorioso para rei morto pelas matildeos de uma mulher

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides de Eacutesquilo

peccedilas que compotildeem juntamente com Agamecircmnon a trilogia intitulada Oresteia As trecircs trageacutedias

foram encenadas todas no mesmo dia e as duas uacuteltimas datildeo continuidade ao mito encenado tendo

como objeto a morte de Agamecircmnon Nas Coeacuteforas Electra e Orestes vingam a morte do pai

52

matando a proacutepria matildee e Egisto No primeiro episoacutedio Electra diante do tuacutemulo do pai lamenta a

sua morte

ἢ σῖγ ἀτίμως ὥσπερ οὖν ἀπώλετοπατήρ τάδ ἐκχέασα γάποτον χύσινστείχω καθάρμαθ ὥς τις ἐκπέμψας πάλινδικοῦσα τεῦχος ἀστρόφοισιν ὄμμασιν (Es Coe v94-97)

Ou em silecircncio sem honra como pereceuo pai verter esta vertente poccedilatildeo da terrae retornar como quem despediu imundiacuteciesao lanccedilar a urna sem voltar os olhos82

Mais adiante Orestes ao conversar com Electra tambeacutem lembra a morte do pai

αἰετοῦ πατρόςθανόντος ἐν πλεκταῖσι καὶ σπειράμασινδεινῆς ἐχίδνης (Es Coe v247-249)

quando o paimorreu nos enlances e nas espiraisde medonha viacutebora

E nos uacuteltimos versos da trageacutedia o Coro lembra a morte do rei como mais um dos crimes

ocorridos no palaacutecio dos Atridas como se verifica nos versos abaixo

δεύτερον ἀνδρὸς βασίλεια πάθηλουτροδάικτος δ ὤλετ Ἀχαιῶνπολέμαρχος ἀνήρ (Es Coe v1070-1072)

Depois a morte do marido trucidado no banho pereceuo rei guerreiro dos aqueus

Nas Eumecircnides Orestes eacute julgado por ter matado a proacutepria matildee para vingar a morte de

Agamecircmnon Orestes lembra como aconteceu o assassinato do rei no terceiro episoacutedio

Ἀγαμέμνον ἀνδρῶν ναυβατῶν ἁρμόστοραξὺν ᾧ σὺ Τροίαν ἄπολιν Ἰλίου πόλινἔθηκας ἔφθιθ οὗτος οὐ καλῶς μολὼνεἰς οἶκον ἀλλά νιν κελαινόφρων ἐμὴμήτηρ κατέκτα ποικίλοις ἀγρεύμασικρύψασ ἃ λουτρῶν ἐξεμαρτύρει φόνον (Es Eu v456-461)

Agamecircmnon o comandante da esquadra82 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Coeacuteforas de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Coeacuteforas Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

53

com que fizeste sem forte o forte de IacutelionEle sucumbiu sem nobreza ao chegarem casa minha matildee de coraccedilatildeo negromatou-o envolto em astuto veacuteutestemunho do massacre no banho83

No proacuteximo episoacutedio Apolo tambeacutem lembra como foi a morte de Agamecircmnon ao tentar

defender Orestes da acusaccedilatildeo de matriciacutedio

οὐ γάρ τι ταὐτὸν ἄνδρα γενναῖον θανεῖνδιοσδότοις σκήπτροισι τιμαλφούμενονκαὶ ταῦτα πρὸς γυναικός οὔ τι θουρίοιςτόξοις ἑκηβόλοισιν ὥστ Ἀμαζόνοςἀλλ ὡς ἀκούσῃ Παλλάς οἵ τ ἐφήμενοιψήφῳ διαιρεῖν τοῦδε πράγματος πέριἀπὸ στρατείας γάρ νιν ἠμποληκότατὰ πλεῖστ ἄμεινον εὔφροσιν δεδεγμένη                                   δροίτῃ περῶντι λουτρὰ κἀπὶ τέρματιφᾶρος περεσκήνωσεν ἐν δ ἀτέρμονικόπτει πεδήσασ ἄνδρα δαιδάλῳ πέπλῳἀνδρὸς μὲν ὑμῖν οὗτος εἴρηται μόροςτοῦ παντοσέμνου τοῦ στρατηλάτου νεῶν (Es Eu v 625-637)

Natildeo eacute o mesmo o varatildeo nobre ser mortohonrado com cetro outorgado por Zeuse morto por mulher natildeo como furioso arco longemitente como de Amazonamas como ouviraacutes Palas e voacutes ao ladoque no voto decidireis esta questatildeoNa guerra o mais das vezes prosperoue na volta ela o recebeu com beneacutevolas palavras ofereceu banhos quentesem banheira de prata e ao terminarrecobriu-o com manto e no inteacuterminoaacuterduo manto prende e golpeia o varatildeoEsta morte vos eacute contada do varatildeovenerado por todos chefe da armada

Assim nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides a parte do mito de Agamecircmnon mencionada eacute a

morte contada por vaacuterios personagens das duas trageacutedias e principalmente pelos filhos do rei As

duas trageacutedias mostram os mesmos detalhes referentes agrave morte do rei apresentados em Agamecircmnon

como o banho mortal o uso do manto para imobilizar a viacutetima e o assassiacutenio cometido por

Clitemnestra Essa unidade acerca da morte de Agamecircmnon eacute mantida nas trecircs trageacutedias da

Oresteia demonstrando a uniformidade e coerecircncia do tragedioacutegrafo E ao apresentar as duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides buscou-se mostrar com mais evidecircncia como Eacutesquilo construiu a

83 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Eumecircnides de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Eumecircnides Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

54

morte de Agamecircmnon

34 A recepccedilatildeo no Agamecircmnon de Eacutesquilo

Diante das referecircncias sobre o mito de Agamecircmnon pretende-se mostrar como Eacutesquilo

construiu a sua personagem Natildeo seratildeo utilizados os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro

pois esses natildeo contecircm informaccedilotildees significativas para essa pesquisa Assim esse capiacutetulo se deteraacute

no mito de Agamecircmnon presente nos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia nos versos dos Cantos

Ciacuteprios e dos Retornos na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e se necessaacuterio nas Coeacuteforas e nas

Eumecircnides

Embora natildeo se vaacute utilizar os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro o proacuteprio tiacutetulo

do poema jaacute sugere uma ideia diferente do mito de Agamecircmnon da ideia anteriormente apresentada

por Homero E como jaacute foi mencionado antes de Estesiacutecoro jaacute havia uma versatildeo da Oresteia

composta por Xanto pela qual se mostra a importacircncia do mito naquela eacutepoca e a sua recriaccedilatildeo

Assim como Estesiacutecoro e Xanto Eacutesquilo compocircs uma Oresteia soacute que se utilizou do gecircnero

dramaacutetico e esse nome foi dado ao tiacutetulo de uma trilogia como jaacute foi citado anteriormente e natildeo a

um uacutenico poema Como base nas poucas informaccedilotildees acerca do poema de Estesiacutecoro pode-se supor

que a ideia de criar um poema que contemple a morte de Agamecircmnon seria uma influecircncia dos

poemas liacutericos na trageacutedia de Eacutesquilo mesmo que natildeo se saiba ateacute que ponto o tragedioacutegrafo foi

influenciado Poreacutem se sabe que o fragmento do poema Oresteia de Estesiacutecoro sobre o sonho de

Clitemnestra jaacute mencionado anteriormente foi reconstituiacutedo a partir das Coeacuteforas de Eacutesquilo Essa

cena soacute aparece na versatildeo esquiliana da encenaccedilatildeo do assassiacutenio de Clitemnestra natildeo estando

presente nem na Electra de Soacutefocles nem na Electra de Euriacutepides que abordam a mesma parte do

mito o matriciacutedio perpretado por Electra e Orestes Contudo esse fato pode anunciar uma

aproximaccedilatildeo entre o poema liacuterico de Estesiacutecoro e a poesia traacutegica de Eacutesquilo pois esta eacute a uacutenica a

manter o sonho no enredo

Os textos a serem analisados pertencem a princiacutepio a gecircneros distintos dois satildeo poemas

eacutepicos Iliacuteada e Odisseia e um eacute trageacutedia Agamecircmnon A diferenciaccedilatildeo de gecircnero jaacute permite uma

visatildeo diferente da personagem estudada embora sejam ambas imitaccedilatildeo de homens superiores como

se vecirc na Poeacutetica84 (1449b 9-10) de Aristoacuteteles A poesia eacutepica grega possui um caraacuteter coletivo

moral poliacutetico e histoacuterico (HAVELOCK 1996 p276) Diante disso o Agamecircmnon homeacuterico seraacute

construiacutedo principalmente com essas caracteriacutesticas Na Iliacuteada Agamecircmnon eacute o chefe das tropas 84 ἡ μὲν οὖν ἐποποιία τῇ τραγῳδίᾳ μέχρι μὲν τοῦ μετὰ μέτρου λόγῳ μίμησις εἶναι σπουδαίων

ἠκολούθησενmiddot (A Epopeia e a Trageacutedia concordam somente em serem ambas imitaccedilatildeo de homens superiores em verso)

55

gregas e o chefe dos homens Ele aparece como um ser supremo e mais valoroso do que os outros

guerreiros Por meio dos epiacutetetos percebe-se o valor do rei de Argos como jaacute foi mostrado

anteriormente Jaacute na Odisseia Agamecircmnon aparece na lembranccedila das personagens poreacutem natildeo mais

como um heroacutei mas sim como um homem de morte vergonhosa Ele surge duas vezes no poema

como uma alma do Hades que lamenta ter tido uma morte sem gloacuteria Embora as duas epopeias

homeacutericas tenham a mesma proposta diante da sociedade grega a personagem Agamecircmnon eacute

mostrada de maneira distinta na Iliacuteada um chefe glorioso e na Odisseia um homem desditoso

Com isso pode-se dizer que a trageacutedia de Eacutesquilo quer mostrar essa passagem do rei Agamecircmnon

de chefe glorioso a um homem desditoso ou seja do triunfo presente na Iliacuteada agrave derrocada presente

na Odisseia Essa mudanccedila eacute proacutepria da trageacutedia como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1451a 13-

16)

ὡς δὲ ἁπλῶς διορίσαντας εἰπεῖν ἐν ὅσῳ μεγέθει κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον ἐφεξῆς γιγνομένων συμβαίνει εἰς εὐτυχίαν ἐκ δυστυχίας ἢ ἐξ εὐτυχίας εἰς δυστυχίαν μεταβάλλειν ἱκανὸς ὅρος ἐστὶν τοῦ μεγέθους

Dando uma definiccedilatildeo mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Trageacutedia eacute o que permite que nas accedilotildees uma apoacutes outra sucedidas conformemente agrave verossimilhanccedila e agrave necessidade se decirc o transe da infelicidade agrave felicidade ou da felicidade agrave infelicidade

Entatildeo essa mudanccedila na trageacutedia Agamecircmnon pode ser concebida como uma junccedilatildeo das duas

personagens Agamecircmnon da poesia homeacuterica que na Iliacuteada eacute glorioso e na Odisseia desditoso Eacute

essa mudanccedila do heroacutei ao homem comum que alimenta a trageacutedia Esse fato liga a audiecircncia agrave

personagem pois a humanizaccedilatildeo do heroacutei o aproxima da realidade local

Eacutesquilo assim como os outros tragedioacutegrafos do seacutec V vai compor suas trageacutedias com base

nos mitos e ao escolher o mito de Agamecircmnon utilizou-se provavelmente das fontes homeacutericas

como afirma Serrano (2003 p119) ldquoEsquilo ha conseguido perfiacutelar la grandeza de un

personaje directamente heredado de la eacutepica homeacutericardquo85 Para Havelock (1996 p275) o drama

aacutetico eacute como se fosse uma extensatildeo dos poemas eacutepicos ele conserva o caraacuteter didaacutetico mas tem

uma identidade particular Dentro dessa identidade particular a personagem Agamecircmnon de

Eacutesquilo diferencia-se das personagens homocircnimas da poesia homeacuterica mas tambeacutem se assemelha

em algumas caracteriacutesticas

No Agamecircmnon de Eacutesquilo encontram-se nuanccedilas da personagem homocircnima da Iliacuteada de

Homero em alguns versos como quando o Coro no paacuterodo anapeacutestico menciona quem eram os

chefes gregos

85 Eacutesquilo conseguiu perfilar a grandeza de um personagem diretamente herdado da eacutepica homeacuterica

56

Μενέλαος ἄναξ ἠδ Ἀγαμέμνωνδιθρόνου Διόθεν καὶ δισκήπτρουτιμῆς ὀχυρὸν ζεῦγος Ἀτρειδᾶν (Es Ag v42-44)

o rei Menelau e Agamecircmnonestrecircnuo par de Atridas honradopor Zeus com dois tronos e dois cetros

Ainda no paacuterodo liacuterico o Coro mais uma vez lembra a dupla de Atridas e seu poder

κεδνὸς δὲ στρατόμαντις ἰδὼν δύο λήμασι δισσοὺς                  Ἀτρεΐδας μαχίμους ἐδάη λαγοδαίταςπομπούς τ ἀρχάς (Es Ag v123-125)

dois Atridasde dupla iacutendole belicosos vorazes de lebrecondutores do impeacuterio

A mesma referecircncia de Eacutesquilo mostrada nos exemplos acima a Agamecircmnon como Atrida

junto com o seu irmatildeo Menelau aparece algumas vezes na Iliacuteada de Homero como nos versos

Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ Μενελάῳ86 (Il VII v374) δ Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ

Μενελάῳ87 (Il VII v470) pois na Iliacuteada eacute mais frequente a presenccedila de Agamecircmnon Atrida

dissociada da presenccedila do irmatildeo o epiacuteteto Atrida eacute utilizado para os dois reis quer estejam soacutes ou

em par Isso pode mostrar que no poema eacutepico Agamecircmnon ao aparecer inuacutemeras vezes sozinho

eacute mais forte e valoroso do que a personagem homocircnima da trageacutedia que aparece em par com o

irmatildeo

No primeiro exemplo de Eacutesquilo Agamecircmnon e Menelau aparecem como honrados por

Zeus (Διόθεν) o mesmo viacutenculo divino estaacute presente na Iliacuteada como nos versos seguintes

Ἀγαμέμνονα δῖον88 (Il IV v223) e Ἀγαμέμνονι δίῳ89(Il XVIII v257) Mais uma vez o

adjetivo atribuiacutedo ao rei na poesia eacutepica eacute compartilhado com o irmatildeo na poesia traacutegica designando

um menor valor da personagem da peccedila

Na trageacutedia quando o Arauto chega ao palaacutecio dos Atridas ele anuncia a chegada de

Agamecircmnon e o chama de rei (monarca) ndash βασιλέα (Ag v521) e de rei (chefe) ndash ἄναξ (Ag

v523 e 530) Os dois adjetivos tambeacutem qualificam Agamecircmnon na Iliacuteada como rei (monarca)

86 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)87 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)88 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)89 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

57

αἰδομένω βασιλῆα90 (Il I v331) e τοῦ βασιλῆος ἀπηνέος91 (Il I v340) e como rei (chefe)

ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων92 (Il III v267) e ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων93 (Il XI v254)

Mais adiante na trageacutedia esquiliana o Coro no iniacutecio do terceiro episoacutedio tambeacutem chama

Agamecircmnon de βασιλεῦ assim como o Arauto mencionou nos versos anteriores E por fim

Agamecircmnon soacute seraacute novamente lembrado como rei (monarca) no canto de lamentaccedilatildeo do Coro

apoacutes a morte dele no verso ἰὼ ἰὼ βασιλεῦ βασιλεῦ94 (Ag v1489 e 1513) Na Iliacuteada tambeacutem

encontra-se outro adjetivo para qualificar o rei como chefe poderoso em κρείων Ἀγαμέμνων95

(IV v204 e 311) esse adjetivo natildeo foi encontrado na trageacutedia de Eacutesquilo talvez porque a

indumentaacuteria do ator eou a sua performance jaacute indicassem a audiecircncia o poder e a forccedila de

Agamecircmnon como se pode verificar na qualificaccedilatildeo do rei a partir das palavras de Clitemnestra

λέγοιμ ἂν ἄνδρα τόνδε τῶν σταθμῶν κύνασωτῆρα ναὸς πρότονον ὑψηλῆς στέγηςστῦλον ποδήρη μονογενὲς τέκνον πατρίκαὶ γῆν φανεῖσαν ναυτίλοις παρ ἐλπίδακάλλιστον ἦμαρ εἰσιδεῖν ἐκ χείματοςὁδοιπόρῳ διψῶντι πηγαῖον ῥέοςτερπνὸν δὲ τἀναγκαῖον ἐκφυγεῖν ἅπαν (Ag v896-902)

eu diria este homem catildeo do estaacutebulo salvador cabo do navio coluna firmado alto teto filho uacutenico para o pai terra agrave vista para marujos inesperadasereno dia a contemplar apoacutes tormentaaacutegua da fonte para o sedento viajor prazeroso escapar a toda coerccedilatildeo

Agamecircmnon natildeo aparece na trageacutedia soacute como rei mas tambeacutem como um homem religioso e

temente aos deuses Ele mesmo tenta passar essa imagem

πρῶτον μὲν Ἄργος καὶ θεοὺς ἐγχωρίουςδίκη προσειπεῖν τοὺς ἐμοὶ μεταιτίους (Ag v810-811)

Primeiro Argos e os Deuses regionaiseacute justo saudar

τούτων θεοῖσι χρὴ πολύμνηστον χάριντίνειν ἐπείπερ χἀρπαγὰς ὑπερκόπους (Ag v821-822)

90 Mostrando respeito ao rei (traduccedilatildeo nossa)91 O hodiendo rei (traduccedilatildeo nossa)92 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nosso)93 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)94 Ioacute ioacute rei rei (traduccedilatildeo nossa)95 O poderoso Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

58

Por isto eacute preciso dar mecircmores graccedilasaos Deuses muitas

νῦν δ ἐς μέλαθρα καὶ δόμους ἐφεστίουςἐλθὼν θεοῖσι πρῶτα δεξιώσομαιοἵπερ πρόσω πέμψαντες ἤγαγον πάλιν (Ag v851-853)

Agora ao palaacutecio e morada de Heacutestia irei e saudarei primeiro os Deusesque me enviaram e reconduziram

Jaacute na Iliacuteada Agamecircmnon aparece exercendo o papel religioso na funccedilatildeo de chefe das tropas

gregas como quando Zeus lhe envia um sonho enganador para que os gregos voltassem ao

combate entatildeo diante disso Agamecircmnon faz uma oferenda a Zeus no canto II (v402-403) e ao

presidir os funerais de Paacutetroclo no canto XXIII (v49-53) Mas tambeacutem Agamecircmnon como chefe

das tropas gregas escuta a previsatildeo de Calcante sobre a peste que assola o acampamento grego e

segue o conselho do adivinho no canto I (v68-120) E no Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem se

encontra uma previsatildeo de Calcante acerca do destino dos Atridas na guerra de Troia no paacuterodo

liacuterico (v114-159) nessa peccedila natildeo fica claro a recepccedilatildeo do prenuncio

Aleacutem disso o Agamecircmnon traacutegico tem medo de comparar-se aos deuses e ser punido por

isso mas mesmo assim Clitemnestra o conduz para essa desmedida quando manda estender um

tapete puacuterpuro para o rei entrar no palaacutecio Ele aceita a opulecircncia oferecida pela esposa

ἀλλ εἰ δοκεῖ σοι ταῦθ ὑπαί τις ἀρβύλαςλύοι τάχος πρόδουλον ἔμβασιν ποδόςκαὶ τοῖσδέ μ ἐμβαίνονθ ἁλουργέσιν θεῶνμή τις πρόσωθεν ὄμματος βάλοι φθόνοςπολλὴ γὰρ αἰδὼς δωματοφθορεῖν ποσὶνφύροντα πλοῦτον ἀργυρωνήτους θ ὑφάς

Se isto te agrada descalce-me logoos sapatos servis anteparos dos peacutes e ao pisar nestas puacuterpuras dos Deusesnatildeo me atinja de longe a inveja do olhoGrande eacute o pudor de arruinar o palaacuteciopisando opulecircncia e tecidos preciosos (Ag v944-949)

A trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem vai se influenciar pela Odisseia de Homero E a

primeira influecircncia jaacute aparece no proacutelogo recitado por um Vigia um servo que mandado por

Clitemnestra aguarda os sinais do retorno do rei

καὶ νῦν φυλάσσω λαμπάδος τὸ σύμβολοναὐγὴν πυρὸς φέρουσαν ἐκ Τροίας φάτινἁλώσιμόν τε βάξιν ὧδε γὰρ κρατεῖ

59

γυναικὸς ἀνδρόβουλον ἐλπίζον κέαρ (Es Ag v8-11)

Agora aguardo o sinal do lampejoa luz do fogo a trazer voz de Troiae notiacutecia da captura tal eacute o poderdo viril coraccedilatildeo expectante da mulher

A mesma personagem tambeacutem aparece na Odisseia no canto IV (v526-527) quando

Menelau conta a Telecircmaco como foi a recepccedilatildeo de Agamecircmnon em seu palaacutecio Mas o Vigia de

Homero eacute mandado por Egisto e natildeo por Clitemnestra como ocorre na trageacutedia

O principal tema abordado em relaccedilatildeo agraves duas obras eacute a morte de Agamecircmnon Na trageacutedia

grega a morte do rei eacute relatada duas vezes a primeira por meio da previsatildeo de Cassandra e a

segunda quando Clitemnestra conta como matou o marido Jaacute no poema homeacuterico a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada pelas personagens e pelo proacuteprio rei depois de morto no Hades que se

recorda da sua morte ingloriosa E a parte referente agrave previsatildeo da morte do rei feita por Cassandra

na trageacutedia natildeo aparece na Odisseia Nesse poema eacutepico Cassandra aparece quando Agamecircmnon

ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra matou a consorte perto de seu corpo (XI

v422-423) A referecircncia agrave morte de Cassandra tambeacutem surge na Piacutetica XI de Piacutendaro ao mencionar

que Cassandra vai para o Hades com Agamecircmnon (v30-31) e na peccedila de Eacutesquilo quando

Clitemnestra anuncia que matou a profetisa (Ag v1440-1441) Assim como a morte do rei

Cassandra tambeacutem prevecirc a sua morte (Ag v1258-1260) Na trageacutedia a previsatildeo de Cassandra

acerca da morte do rei tem o papel dramaacutetico de descrever mais minunciosamente como tudo

aconteceraacute como se pode observar nos versos jaacute citados anteriormente e preparar a audiecircncia para

o que estaacute por vir A Cassandra como personagem traacutegica representa um momento de transiccedilatildeo A

profetisa aparece em cena para mostrar a mudanccedila traacutegica a passagem do heroacutei da felicidade para a

infelicidade por isso logo apoacutes a sua previsatildeo se daacute a morte do rei Essa caracteriacutestica eacute proacutepria do

estado transitoacuterio vivido por Cassandra que oscila entre o humano (natureza proacutepria) e o divino

(natureza profeacutetica)96

No quinto episoacutedio da trageacutedia Clitemnestra narra como matou o seu marido explica que

usou uma rede para imobilizaacute-lo e o atingiu com trecircs golpes certeiros Essa descriccedilatildeo do assassiacutenio

soacute aparece na trageacutedia natildeo estando presente no poema eacutepico Os detalhes relatados da morte do rei

satildeo essenciais para o teatro porque Agamecircmnon vai morrer por traacutes das ldquocortinasrdquo As mortes na

trageacutedia grega do seacutec V normalmente natildeo eram encenadas mas sim contadas por uma personagem

No momento em que Clitemnestra descreve como matou o rei tem-se o cliacutemax da trageacutedia ao

96 Mais informaccedilotildees acerca de Cassandra em IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80 Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

60

contraacuterio do que acontece na eacutepica na qual natildeo haacute um uacutenico momento importante e sim muitos

Assim a Clitemnestra traacutegica conta como matou o rei

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσώνκἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

A morte de Agamecircmnon na peccedila de Eacutesquilo tem um uacutenico assassino a sua esposa

Clitemnestra como se verifica nos versos acima isso tambeacutem acontece na Piacutetica XI de Piacutendaro na

qual Clitemnestra aleacutem de ser apontada como assassina do marido e de Cassandra tambeacutem aparece

demonstrando os seus questionamentos sobre o assassiacutenio Nesse poema Clitemnestra e os seus

questionamentos tomam a maioria dos versos destinados ao mito do Atrida e a respeito disso afirma

Fialho (2012 p 49) ldquoO fulcro do crime eacute Clitemnestra jaacute longe da tradiccedilatildeo do ciclo eacutepico troiano

e nem sequer a rainha eacute posta a par de Egisto no seu gesto mortiacuteferordquo A forccedila da Clitemnestra

traacutegica a torna capaz de matar sozinha o marido e a coloca no foco do assassiacutenio assim como

ocorre na Clitemnestra de Piacutendaro Aliaacutes a rainha aparece como protagonista da morte do rei a partir

da poesia liacuterica pois nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano ela compartilha

essa culpa com o amante Egisto como assim propotildee Serrano (2003 p106)

61

A partir de la eacutepica se comienza a producir una paulatina inversioacuten de la responsabilidad criminal Estesiacutecoro presenta una heroiacutena maacutes decidida hasta que finalmente en Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra cobra un gran protagonismo se convierte en la ejecutora del crimen (17-22) frente a Egisto que comienza a perder su papel principal en la historia97

Na Odisseia o rei aparece como assassinado pela esposa e pelo amante dela Egisto como

jaacute foi mostrado nas palavras de Atena no canto III (v234-235) e nas palavras do espectro de

Agamecircmnon nos cantos XI (v408-412) e XXIV (v96-97) E no poema Retornos os dois tambeacutem

aparecem como executores dos crimes nos versos jaacute mencionados acima Com isso pode se

deduzir que Eacutesquilo ao escolher o assassino de Agamecircmnon foi influenciado pelo poema liacuterico de

Piacutendaro ao inveacutes dos poemas eacutepicos

Mas mesmo que os assassinos na trageacutedia e no poema eacutepico natildeo sejam os mesmos o autor

do plano de morte do rei foi Egisto e nisso os dois poemas concordam Na trageacutedia assim fala

Egisto

καὶ τοῦδε τἀνδρὸς ἡψάμην θυραῖος ὤνπᾶσαν ξυνάψας μηχανὴν δυσβουλίας (Ag v1608-1609)

e estando fora pus a matildeo neste homemao tramar todo o ardil do conluio

Na Odisseia a descriccedilatildeo do plano de Egisto eacute mais detalhada do que na trageacutedia como se

observa na fala de Menelau mostrando que o poema eacutepico concede um maior destaque ao plano de

vinganccedila e seus executores do que ao rei Agamecircmnon e agrave sua morte pois esse teve uma morte sem

gloacuteria

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara

97 A partir da eacutepica se comeccedila a produzir uma paulatina inversatildeo da responsabilidade criminal Estesiacutecoro apresenta uma heroiacutena mais decidida ateacute que finalmente em Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra desempenha um grande protagonismo torna-se a executora do crime (17-22) frente a Egisto que comeccedila a perder o seu papel principal na histoacuteria

62

natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

Por outro lado essa descriccedilatildeo presente na Odisseia em alguns aspectos se difere da

descriccedilatildeo feita por Clitemnestra em Eacutesquilo como menciona Serrano (2003 p 53)

Ofrece Homero en este pasaje la segunda versioacuten de la muerte del Atrida distinta de la que recogeraacute Esquilo en la Orestiacutea Invitaacutendolo a un banquete Egisto mata a Agamenoacuten y a sus hombres cayendo tambieacuten en la lucha los hombres de Egisto no se nombra a Clitemnestra en niguacuten momento98

As partes referentes ao banquete preparado a Agamecircmnon por Egisto e a morte dos

guerreiros do rei juntamente com ele natildeo aparecem na trageacutedia esquiliana Aleacutem da ausecircncia de

Clitemnestra tatildeo presente na peccedila

Tambeacutem atraveacutes desses versos homeacutericos pode-se perceber que aleacutem de preparar o plano

de vinganccedila Egisto eacute a personagem mais ativa na execuccedilatildeo da morte do rei como afirma Serrano

(2003 p105-106)

En la eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de una importante responsabilidad como artiacutefice del crimen de Agamenoacuten y Clitemnestra aparece en un segundo plano desde el principio habiendo sido seducida y engantildeada por el hijo de Tiestes99

E outro toacutepico relevante eacute a comparaccedilatildeo da morte do rei a um sacrifiacutecio de animais como

foi mencionado nos versos homeacutericos acima que tambeacutem estaacute presente na trageacutedia de Eacutesquilo nas

palavras de Clitemnestra

τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάριν (Es Ag v1386-1387)

oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos

98 Nesta passagem Homero oferece uma segunda versatildeo da morte do Atrida distinta da que fora retirada da Oresteia de Eacutesquilo Convidando-o para um banquete Egisto mata Agamecircmnon e seus homens caindo tambeacutem na luta os homens de Egisto natildeo se nomeia Clitemnestra em nenhum momento

99 Na eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de uma grande responsabilidade como artiacutefice do crime de Agamecircmnon e Clitemnestra aparece em segundo plano desde o iniacutecio tendo sido seduzida e enganada pelo filho de Tiestes

63

Jaacute com relaccedilatildeo agrave morte vergonhosa mencionada na Odisseia ateacute pelo espectro de

Agamecircmnon ela eacute julgada diferentemente pela Clitemnestra de Eacutesquilo

[οὔτ ἀνελεύθερον οἶμαι θάνατοντῷδε γενέσθαι] (Es Ag v1521)

Natildeo creio que teve indigna mortenatildeo eacute injusto ter dolorosa morte

Clitemnestra justifica que a morte de Agamecircmnon natildeo eacute indigna porque ele estaacute pagando

pelos males que fez e assim o considera digno do Hades pois o rei cometeu muitos erros no

passado e por isso deve morrer Somente a Clitemnestra traacutegica julga que a morte do rei eacute digna

dele Na Odisseia natildeo soacute nas palavras do espectro de Agamecircmnon mas tambeacutem na fala das outras

personagens que mencionam a morte do rei encontra-se referecircncia agrave morte vergonhosa de

Agamecircmnon como quando no canto XXIV no Hades Agamecircmnon conversa com Aquiles e esse

lembra os feitos do rei em Troia mas lamenta a morte sem gloacuteria

νῦν δ ἄρα σ οἰκτίστῳ θανάτῳ εἵμαρτο ἁλῶναι (Hom Od XXIV v34)

Mas o destino te havia guardado a mais triste das Mortes

E a mesma ideia de morte vergonhosa tambeacutem estaacute presente nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides

de Eacutesquilo Na primeira trageacutedia Orestes em diaacutelogo com Electra e o Coro lamenta por seu pai

natildeo ter morrido na guerra de Troia e por natildeo ter deixado uma gloacuteria para os filhos

εἰ γὰρ ὑπ Ἰλίῳ                 πρός τινος Λυκίων πάτερδορίτμητος κατηναρίσθηςλιπὼν ἂν εὔκλειαν ἐν δόμοισιντέκνων τ ἐν κελεύθοιςἐπιστρεπτὸν αἰῶκτίσσας πολύχωστον ἂν εἶχεςτάφον διαποντίου γᾶςδώμασιν εὐφόρητον (Es Coe v345-353)

Ah se no sopeacute de Iacuteliongolpeado por lanccedila de um liacutecio tivesses perecido oacute paiLegada bela gloacuteria no palaacutecio e nos caminhos dos filhos criadavida a que se voltam os olharesterias tuacutemulo magniacuteficoem terra ultramarinasuportaacutevel ao palaacutecio

64

Na segunda peccedila Orestes tambeacutem afirma que o pai teve uma morte indigna como jaacute foi

citado anteriormente (Es Eu v 448-449) Assim a morte de Agamecircmnon eacute tida como desonrosa

na Odisseia e nas duas trageacutedias apresentadas acima mostrando que Eacutesquilo embora em

Agamecircmnon tenha atraveacutes de Clitemnestra julgado a morte do rei como digna compartilhou da

imagem negativa da morte do rei ao qualificaacute-la como indigna nas outras duas trageacutedias da Oresteia

e em ambas por meio da fala de Orestes

Embora muitas partes referentes agrave morte do Agamecircmnon de Eacutesquilo sejam parecidas com as

partes presentes na Odisseia de Homero a abordagem sobre a morte eacute diferente Na Odisseia morre

o rei de Argos e chefe vitorioso da guerra de Troia a morte do rei eacute indigna ingloriosa e

vergonhosa pois para um heroi guerreiro eacute preferiacutevel morrer na guerra e ter uma gloacuteria eterna do

que morrer velho ou pelas matildeos de uma mulher como acontece em Eacutesquilo Pode-se observar essa

morte gloriosa quando no canto XXIV o espectro de Agamecircmnon ao conversar com o espectro de

Aquiles no Hades conta para o uacuteltimo como foram as suas honras fuacutenebres e lembra a fama de

Aquiles por ter morrido em combate

ὣς σὺ μὲν οὐδὲ θανὼν ὄνομ ὤλεσας ἀλλά τοι αἰεὶπάντας ἐπ ἀνθρώπους κλέος ἔσσεται ἐσθλόν Ἀχιλλεῦ (Hom Od XXIV v93-94)

Natildeo se apagou com tua Morte o teu nome poreacutem para sempreentre os mortais haacutes de fruir grande Aquiles renome glorioso

Jaacute na trageacutedia Agamecircmnon quem morre eacute o marido de Clitemnestra e o pai de Ifigecircnia Os

laccedilos de sangue causam a morte do rei que eacute provocada pelo retorno dele ao lar Assim o rei

glorioso vencedor de Troia perde a sua honra ao morrer sendo viacutetima de um crime familiar

produto de uma maldiccedilatildeo Essa maldiccedilatildeo natildeo eacute mencionada nos poemas homeacutericos Nesse

momento observa-se o caraacuteter particular da trageacutedia pois Agamecircmnon eacute assassinado por causa da

vinganccedila de sua esposa um motivo particular contrapondo-se ao caraacuteter coletivo da poesia eacutepica

por isso em Homero a morte de Agamecircmnon eacute vergonhosa e sem gloacuteria pois eacute produto de uma

causa particular

As justificativas do assassiacutenio de Agamecircmnon feitas por Clitemnestra ndash sacriacuteficio de

Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas (Criseida) e levar uma amante ateacute o palaacutecio (Cassandra) ndash na

trageacutedia Agamecircmnon satildeo apresentadas pela esposa apoacutes a execuccedilatildeo do marido

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ

65

[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόπος καὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e v 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulherquem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa

Esses argumentos demonstram uma aproximaccedilatildeo entre a trageacutedia e o poema de Piacutendaro pois

quando Clitemnestra se questiona a respeito da execuccedilatildeo do crime ela suscita as justificativas da

personagem traacutegica (Pin Pit XI v22-27) A rainha liacuterica lembra do sacrifiacutecio de Ifigecircnia e das

amantes de Agamecircmnon (Criseida e Cassandra) Como nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos

do ciclo troiano natildeo se encontra menccedilatildeo a respeito das justificativas apresentadas por Clitemnestra

para cometer o assassiacutenio pode-se concluir que dentre as obras que sobreviveram a Piacutetica XI de

Piacutendaro influenciou Eacutesquilo na criaccedilatildeo desses argumentos da rainha

Aleacutem disso nos versos citados acima observa-se que em Agamecircmnon Clitemnestra mata o

marido e tambeacutem mata Cassandra consumando a profecia Esse momento do mito estaacute presente na

Odisseia de Homero quando Agamecircmnon ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra

matou a consorte perto de seu corpo (XI v422-423) Na Piacutetica XI (v30-31) Cassandra eacute enviada

com Agamecircmnon para o reino dos mortos E na trageacutedia de Eacutesquilo Clitemnestra afirma que a

adivinha jaz do mesmo modo que o rei

No entanto pode-se dizer que Eacutesquilo natildeo soacute usou os poemas homeacutericos para construir a sua

trageacutedia Agamecircmnon mas tambeacutem sofreu influecircncias dos poemas liacutericos de Estesiacutecoro e Piacutendaro

conforme foi apresentado anteriormente Mas num primeiro momento percebe-se mais claramente

a presenccedila da Iliacuteada na peccedila atraveacutes do caraacuteter guerreiro e real de Agamecircmnon E num segundo

momento aparece a Odisseia ao tratar da morte do rei Os dois poemas liacutericos mudam o foco do

assassinato do rei para Clitemnestra E assim imerso em todas essas influecircncias poeacuteticas pode-se

dizer que Eacutesquilo construiu o seu Agamecircmnon Contudo a trageacutedia esquiliana tambeacutem se

contaminou dos aspectos sociais da sua eacutepoca poreacutem esse assunto natildeo se pretende abordar nesta

pesquisa

66

4 CAPIacuteTULO 3 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e recepccedilatildeo

O presente capiacutetulo pretende apresentar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega apoacutes a Oresteia de

Eacutesquilo e a romana recontam o mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos na guerra de Troia Seratildeo

discutidas as seguintes obras na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca

Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Biblioteca

Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de

Secircneca E atraveacutes das obras apresentadas tentar-se-aacute mostrar como Secircneca recepcionou essa

tradiccedilatildeo em sua trageacutedia Agamecircmnon

41 A tradiccedilatildeo miacutetica grega

A trageacutedia Aacutejax de Soacutefocles datada de 450 aC apresenta a morte do guerreiro Aacutejax Nessa

trageacutedia Agamecircmnon surge depois da morte do protagonista para impedir que seja concedida a

honra fuacutenebre ao morto (Sof Aj v1226-1263) Mas depois o rei eacute convencido por Odisseu a

autorizar o enterro de Aacutejax (Sof Aj v1318-1373) Nesses versos Agamecircmnon aparece como o

chefe das tropas gregas a autoridade maacutexima que soacute cede ao enterro quando Odisseu lembra que o

ato de negar honras fuacutenebres eacute um ato impiedoso

Jaacute na Electra de Soacutefocles peccedila de data incerta de entre 420-410 aC Agamecircmnon jaacute estaacute

morto e Electra sua filha espera a chegada do irmatildeo Orestes para vingar o assassiacutenio do pai No

primeiro episoacutedio em diaacutelogo com o Coro ela lembra o assassinato do pai

ὅσα τὸν δύστηνον ἐμὸν θρηνῶπατέρ ὃν κατὰ μὲν βάρβαρον αἶανφοίνιος Ἄρης οὐκ ἐξένισενμήτηρ δ ἡμὴ χὠ κοινολεχὴςΑἴγισθος ὅπως δρῦν ὑλοτόμοισχίζουσι κάρα φονίῳ πελέκεικοὐδεὶς τούτων οἶκτος ἀπ ἄλληςἢ μοῦ φέρεται σοῦ πάτερ οὕτωςἀδίκως οἰκτρῶς τε θανόντος (Sof El v94-102)

Ela (Clitemnestra) sabe as laacutegrimas que chorei pelo meu desditoso pai que em terras baacuterbaras o sanguinolento Ares natildeo colheu e a quem a matildee e o amante Egisto fenderam a cabeccedila com homicida acha como os lenhadores fendem um carvalho100

100 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Soacutefocles satildeo do Pe E Dias Palmeira conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SOacuteFOCLES Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os Rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

67

Mais adiante Electra lamentando a sua vida por ser prisioneira na proacutepria casa continua

Ὦ πασᾶν κείνα πλέον ἁμέραἐλθοῦσ ἐχθίστα δή μοιὦ νύξ ὦ δείπνων ἀρρήτωνἔκπαγλ ἄχθητοὺς ἐμὸς ἴδε πατὴρθανάτους αἰκεῖς διδύμαιν χειροῖν (Sof El v201-206)

Oacute dia mais execraacutevel de quantos vivi Oacute noite oacute dor horriacutevel daquele banquete nefando em que meu pai recebeu uma morte infame de um duplo braccedilo

Apreensiva com a vida reclusa no palaacutecio dos Atridas e insatisfeita com a indiferenccedila da

irmatilde Crisoacutetemis em relaccedilatildeo a morte do pai Electra enfrenta a matildee Clitemnestra e esta afirma

Πατὴρ γάρ οὐδὲν ἄλλο σοὶ πρόσχημ ἀεὶὡς ἐξ ἐμοῦ τέθνηκεν ἐξ ἐμοῦ καλῶςἔξοιδα τῶνδ ἄρνησις οὐκ ἔνεστί μοι (Sof El v525-527)

O teu pai ndash e nenhuma outra coisa te serve de pretexto ndash afirmas que morreu agraves minhas matildeos Sim agraves minhas matildeos bem sei nem me eacute possiacutevel negaacute-lo

Clitemnestra justifica o assassiacutenio com o crime cometido por Agamecircmnon pois ele

sacrificou a proacutepria filha Ifigecircnia em honra da deusa Aacutertemis para que os ventos fossem

favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo agrave Troia Nessa trageacutedia Soacutefocles deteacutem-se na morte de Agamecircmnon

motivo pelo qual a sua filha Electra acompanhada de Orestes deseja matar a proacutepria matildee para

vingar o assassiacutenio do pai E Agamecircmnon natildeo aparece como personagem nessa peccedila somente haacute

menccedilatildeo agrave morte dele

Do mesmo modo a Electra de Euriacutepides datada de 413 aC101 apresenta poucas referecircncias

agrave morte do rei No proacutelogo em que haacute um diaacutelogo entre Electra e seu marido ele menciona a morte

do chefe dos gregos

ἐν δὲ δώμασινθνήισκει γυναικὸς πρὸς Κλυταιμήστρας δόλωικαὶ τοῦ Θυέστου παιδὸς Αἰγίσθου χερί (Eu El v8-10)

Em casa poreacutem eacute morto por ardil da mulher Clitemnestra e pelas matildeos do filho de Tiestes Egisto102

101 Dataccedilatildeo mais consensual entre os pesquisadores pois haacute muita polecircmica acerca desse assunto Para mais informaccedilotildees SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado p 18-19

102 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Euriacutepides satildeo de Karen Amaral Sacconi conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo

68

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nessa peccedila por Orestes (Eu El v 85-86)

Electra mais uma vez lamenta o assassinato do pai (Eu El v 122-124 e v163-166) E por fim

antes do relato da morte de Clitemnestra o Coro lembra a morte do rei

παλίρρους δὲ τάνδ ὑπάγεται δίκαδιαδρόμου λέχους μέλεον ἃ πόσινχρόνιον ἱκόμενον εἰς οἴκουςΚυκλώπειά τ οὐράνια τείχε ὀ-ξυθήκτωι βέλους ἔκανενdaggerαὐτόχειρπέλεκυν ἐν χεροῖν λαβοῦσ (Eu El v 1155-1160)

A justiccedila reflui e acusa esta mulherpor seu leito errante Pois ela quando o esposo desventuradovoltou depois de muito para casa para as muralhas cicloacutepicas e celestesela matou com o gume afiado da espada na proacutepria matildeona matildeo tinha um machado

Assim como a Electra de Soacutefocles a peccedila homocircnima de Euriacutepides lembra apenas a morte de

Agamecircmnon atraveacutes das falas das personagens A morte do rei eacute o principal argumento para que

Electra e Orestes matem a proacutepria matildee e Egisto

E anteriormente agrave Electra de Euriacutepides foram encenadas trecircs trageacutedias do mesmo

tragedioacutegrafo que trazem o mito de Agamecircmnon Androcircmaca Heacutecuba e Troianas Na Androcircmaca

datada de 429-425 aC Androcircmaca eacute ameaccedilada de morte por Hermiacuteone mas com a ajuda de Peleu

ela consegue escapar Como a trageacutedia pertence ao ciclo troiano haacute menccedilatildeo agrave morte do chefe dos

gregos como se observa no quarto estaacutesimo

βέβακε δ Ἀτρείδας ἀλόχου παλάμαιςαὐτά τ ἐναλλάξασα φόνον θανάτουπρὸς τέκνων ἐπηῦρεν (Eu And v 1028-1030)

Haacute perecido o Atrida agraves matildeos da esposae ela pagou o crime com a morterecebeu de seus filhos o castigo do deus103

As outras referecircncias a Agamecircmnon presentes nessa peccedila estatildeo ligadas agrave paternidade de

Orestes que aparece na peccedila para ajudar Hermiacuteone a fugir da puniccedilatildeo de tentar matar Androcircmaca

Na Heacutecuba datada de 425-424 aC Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila

Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado 103 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Androcircmaca de Euriacutepides satildeo de Joseacute Ribeiro Ferreira

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

69

quando apoacutes o sacrifiacutecio de Poliacutexena ele encontra Heacutecuba junto a um cadaacutever o do seu filho

Polidoro Heacutecuba pede ao rei que a ajude a vingar a morte de seu filho Logo Agamecircmnon encontra

Polimestor o assassino de Polidoro com os olhos feridos pelas matildeos das mulheres troianas

chefiadas por Heacutecuba mas o rei argivo nega hospitalidade ao assassino e este antes de ir embora

amaldiccediloa o chefe grego como se vecirc no diaacutelogo com Heacutecuba

Πο καὶ σήν γ ἀνάγκη παῖδα Κασσάνδραν θανεῖνΕκ ἀπέπτυσ αὐτῶι ταῦτα σοὶ δίδωμ ἔχεινΠο κτενεῖ νιν ἡ τοῦδ ἄλοχος οἰκουρὸς πικράΕκ μήπω μανείη Τυνδαρὶς τοσόνδε παῖςΠο καὐτόν γε τοῦτον πέλεκυν ἐξάρασ ἄνω (Eu Hec v1275-1279)

Pol E eacute necessaacuterio que morra tua filha CassandraHeacutec Cuspo fora que o mesmo valha para tiPol A esposa desse aiacute acre guardiatilde da casa mataacute-la-aacuteHec Que a Tindarida nunca enlouqueccedila desse modoPol E tambeacutem mataraacute esse aiacute erguendo uma machada104

Nos versos acima pode-se observar que haacute uma referecircncia agrave morte de Agamecircmnon na peccedila

Apesar das palavras maleacuteficas de Polimestor Agamecircmnon aparece como um homem virtuoso ao

negar ajuda a Polimestor que matou Polidoro o seu hoacutespede

Nas Troianas datada de 415 aC Heacutecuba preocupa-se com o destino de sua prole apoacutes a

queda de Troia Em conversa com a sua filha Cassandra a jovem revela agrave matildee uma profecia de

Apolo

εἰ γὰρ ἔστι ΛοξίαςἙλένης γαμεῖ με δυσχερέστερον γάμονὁ τῶν Ἀχαιῶν κλεινὸς Ἀγαμέμνων ἄναξκτενῶ γὰρ αὐτὸν κἀντιπορθήσω δόμουςποινὰς ἀδελφῶν καὶ πατρὸς λαβοῦσ ἐμοῦἀλλ αὔτ ἐάσω πέλεκυν οὐχ ὑμνήσομενὃς ἐς τράχηλον τὸν ἐμὸν εἶσι χἀτέρωνμητροκτόνους τ ἀγῶνας οὓς οὑμοὶ γάμοιθήσουσιν οἴκων τ Ἀτρέως ἀνάστασιν (Eu Tr v356-364)

se Loacutexias existedesposar-me-aacute em bodas mais difiacuteceis que as de Helenao senhor do aqueus o glorioso AgamecircmnonMataacute-lo-ei e agora eu saquearei casas buscando vingar meus irmatildeos e meu paiMas deixa estar natildeo cantaremos a machadaque na nuca minha e de outros penetraraacuteas lutas matricidas que minhas bodas

104 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Heacutecuba de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

70

causaratildeo e a derrocada da casa de Atreu105

O trecho acima mostra a uniatildeo de Cassandra com Agamecircmnon e as consequecircncias dessas

nuacutepcias a morte dos dois Nessa peccedila Agamecircmnon tem a sua imagem vinculada agrave de Cassandra

portanto mostra-se como aquele que escolheu a mecircnade como presa de guerra mas tambeacutem eacute

lembrado como o chefe dos gregos por Taltiacutebio (v413-414)

Na Ifigecircnia em Taacuteuris datada de 414-411 aC Ifigecircnia estaacute em Taacuteuris e natildeo foi sacrificada

em Aacuteulis pelo proacuteprio pai Orestes aparece nessa cidade e os irmatildeos se encontram A jovem

pergunta ao estrangeiro ao saber que era grego notiacutecias sobre o final da guerra de Troia e questiona

Orestes sobre o destino de Agamecircmnon

Ιφ Ἀτρέως ἐλέγετο δή τις Ἀγαμέμνων ἄναξΟρ οὐκ οἶδ ἄπελθε τοῦ λόγου τούτου γύναιΙφ μὴ πρὸς θεῶν ἀλλ εἴφ ἵν εὐφρανθῶ μένεΟρ τέθνηχ ὁ τλήμων πρὸς δ ἀπώλεσέν τιναΙφ τέθνηκε ποίαι συμφορᾶι τάλαιν ἐγώΟρ τί δ ἐστέναξας τοῦτο μῶν προσῆκέ σοιΙφ τὸν ὄλβον αὐτοῦ τὸν πάροιθ ἀναστένωΟρ δεινῶς γὰρ ἐκ γυναικὸς οἴχεται σφαγείς (Eu If Tau v545-552)

If Eacute chamado de Agamecircmnon o soberano filho de AtreuOr Natildeo sei Deixe desse falatoacuterio mulherIf Natildeo pelos deuses Diga-me oacute estrangeiro para que eu me consoleOr Estaacute morto o infeliz e com ele pereceu algueacutem If Morto De que forma Ah como sou infelizOr Por que este lamento Acaso isso lhe interessaIf Lamento pela riqueza de outroraOr Pereceu de forma terriacutevel assassinado por mulher106

Como se pode observar a morte de Agamecircmnon eacute lembrada nessa peccedila quando Ifigecircnia

questiona o estrangeiro sobre os seus familiares Tambeacutem nessa trageacutedia Agamecircmnon aparece

como o pai de Orestes e de Ifigecircnia

No Orestes datado de 408 aC apoacutes o assassiacutenio de Clitemnestra e Egisto Orestes adoece e

eacute condenado agrave morte pelos argivos incitados por Tiacutendaro Mas perturbado pelo perigo iminente

Orestes com ajuda de Electra e Piacutelades parece matar Helena e tambeacutem ameaccedila a vida de

Hermiacuteone No uacuteltimo episoacutedio o deus Apolo surge e apazigua o conflito Nessa peccedila a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada em alguns momentos jaacute no proacutelogo Electra menciona a sua origem e a

105 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

106 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Taacuteuris de Euriacutepides satildeo de Marcelo Bourschied conforme consta na referecircncia bibliograacutefica BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

71

morte do pai

ὁ δὲ Κλυταιμήστρας λέχοςἐπίσημον εἰς Ἕλληνας Ἀγαμέμνων ἄναξὧι παρθένοι μὲν τρεῖς ἔφυμεν ἐκ μιᾶςΧρυσόθεμις Ἰφιγένειά τ Ἠλέκτρα τ ἐγώἄρσην δ Ὀρέστης μητρὸς ἀνοσιωτάτηςἣ πόσιν ἀπείρωι περιβαλοῦσ ὑφάσματιἔκτεινεν ὧν δ ἕκατι παρθένωι λέγεινοὐ καλόν (Eu Or v 20-27)

E o outro o priacutencipe Agamecircmnon ficou com o leito de Clitemnestra famigerada entre os gregos Trecircs donzelas nasceram a este de uma soacute mulher ndash Crisoacutetemis Ifigecircnia e eu Eletra bem como o varatildeo Orestes ndash nascidas da matildee iacutempia da que matou o marido depois de o lanccedilar numa teia inextrincaacutevel107

No segundo episoacutedio Menelau chega ao palaacutecio dos Atridas e conta como soube da morte

de seu irmatildeo

Ἀγαμέμνονος μὲν γὰρ τύχας ἠπιστάμην[καὶ θάνατον οἵωι πρὸς δάμαρτος ὤλετο]Μαλέαι προσίσχων πρῶιραν ἐκ δὲ κυμάτωνὁ ναυτίλοισι μάντις ἐξήγγειλέ μοιΝηρέως προφήτης Γλαῦκος ἀψευδὴς θεόςὅς μοι τόδ εἶπεν ἐμφανῶς κατασταθείςΜενέλαε κεῖται σὸς κασίγνητος θανώνλουτροῖσιν ἀλόχου περιπεσὼν πανυστάτοις (Eu Or v360-367)

Sim de Agamecircmnon conheci o destino e a morte que o vitimou agraves matildeos da esposa quando em Maacutelea acostou o meu navio pois anunciou-me de entre as ondas o adivinho dos homens do mar o inteacuterprete de Nereu Glauco deus que natildeo enganam Tornando-se visiacutevel eis o que ele me disse ldquoMenelau teu irmatildeo jaz morto abatido agraves matildeos da esposa no banho derradeirordquo

E ainda nesse episoacutedio Tiacutendaro lembra a faccedilanha da filha Clitemnestra embora natildeo aprove

a sua atitude

ἐπεὶ γὰρ ἐξέπνευσεν Ἀγαμέμνων βίονκάρα θυγατρὸς τῆς ἐμῆς πληγεὶς ὕποαἴσχιστον ἔργον (οὐ γὰρ αἰνέσω ποτέ) (Eu Or v496-498)

Pois quando Agamecircmnon expirou ferido pela minha filha na cabeccedila a mais vergonhosa das accedilotildees ndash pois jamais a aprovarei

Desse modo por meio da morte do rei eacute apresentado o mito de Agamecircmnon na trageacutedia

107 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Orestes de Euriacutepides satildeo de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

72

Orestes de Euriacutepides Nas citaccedilotildees mostradas verifica-se a visatildeo de trecircs personagens ndash Electra

Menelau e Tiacutendaro ndash acerca da morte do rei e se encontra uma unidade nas falas ao atribuiacuterem a

Clitemnestra o assassiacutenio do chefe dos gregos

Na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides peccedila datada de 405 aC Agamecircmnon participa como

personagem do iniacutecio ao fim da trageacutedia Ele inicia a trageacutedia arrependido por ter mandado Odisseu

ir buscar Ifigecircnia em Argos para que a jovem fosse sacrificada em honra agrave deusa Aacutertemis

Κάλχας δ ὁ μάντις ἀπορίαι κεχρημένοιςἀνεῖλεν Ἰφιγένειαν ἣν ἔσπειρ ἐγὼἈρτέμιδι θῦσαι τῆι τόδ οἰκούσηι πέδονκαὶ πλοῦν τ ἔσεσθαι καὶ κατασκαφὰς Φρυγῶνθύσασι μὴ θύσασι δ οὐκ εἶναι τάδεκλυὼν δ ἐγὼ ταῦτ ὀρθίωι κηρύγματιΤαλθύβιον εἶπον πάντ ἀφιέναι στρατόνὡς οὔποτ ἂν τλὰς θυγατέρα κτανεῖν ἐμήν (Eu If Aul v 89-96)

Entatildeo Calcas o adivinho vendo o nosso embaraccedilo pronunciou um oraacuteculo Ifigecircnia que eu gerei devia ser imolada a Aacutertemis que esta regiatildeo habita a expediccedilatildeo e a ruiacutena dos Friacutegios soacute com o sacrifiacutecio sem o sacrifiacutecio nada disto seria possiacutevel Ouvindo eu estas coisas mandei Taltiacutebio em clara proclamaccedilatildeo desmobilizar todo o exeacutercito pois jamais ousaria matar a minha filha108

Menelau por causa disso discute com o irmatildeo e por fim encoraja-o a imolar a proacutepria

filha Nesse contexto temos um duelo entre o dever do chefe das tropas gregas que deve sacrificar

Ifigecircnia para que os ventos sejam favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo a Troia e o dever de pai que natildeo

deve matar a filha O rei por toda a trageacutedia titubeia na sua decisatildeo mas pressionado pelos gregos

acaba decidindo por imolar Ifigecircnia Nas palavras do guerreiro observamos o seu sentimento

paternal e por vezes ainda chora por ter que sacrificar a sua filha

A Biblioteca Mitoloacutegica texto de dataccedilatildeo incerta eacute uma coletacircnea de mitologia grega e

embora incompleta estaacute dividida em trecircs livros e um Epiacutetome nesta uacuteltima parte encontramos

trechos sobre o mito de Agamecircmnon Apolodoro narra o mito do rei de Argos a partir de seu

casamento com Clitemnestra e dessa uniatildeo nasceram Orestes Crisoacutetemis Electra e Ifigecircnia (Ap

Bibl Mit Ep 2 16) Em seguida tem-se Agamecircmnon como chefe dos gregos que para continuar

a viagem para Troia deve sacrificar a filha Ifigecircnia

Κάλχας δὲ ἔφη οὐκ ἄλλως δύνασθαι πλεῖν αὐτούς εἰ μὴ τῶν Ἀγαμέμνονος

108 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides satildeo de Carlos Alberto Pais de Almeida conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

73

θυγατέρων ἡ κρατιστεύουσα κάλλει σφάγιον Ἀρτέμιδι παραστῇ διὰ τὸ μηνίειν τὴν θεὸν τῷ Ἀγαμέμνονι (Ap Bibl Mit Ep 3 21)

Calcante aseguroacute que no podriacutean navegar a non ser que de las hijas de Agamenoacuten se presentase la maacutes pujante en belleza como ofrenda agrave Aacutertemis pues la diosa se habiacutea irritado contra Agamenoacuten debido a que una vez que alanceoacute a un ciervo109

Depois o rei soacute aparece no final da guerra de Troia Agamecircmnon recebe Cassandra como

espoacutelio de guerra (Ap Bibl Mit Ep 5 23) e antes de iniciar a viagem de volta para casa faz

oferendas agrave deusa Atena Finalmente ao chegar a sua paacutetria eacute assassinado por Clitemnestra e

Egisto

Ἀγαμέμνων δὲ καταντήσας εἰς Μυκήνας μετὰ Κασάνδρας ἀναιρεῖται ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυταιμνήστραςmiddot δίδωσι γὰρ αὐτῷ χιτῶνα ἄχειρα καὶ ἀτράχηλον καὶ τοῦτον ἐνδυόμενος φονεύεται καὶ βασιλεύει Μυκηνῶν Αἴγισθοςmiddot κτείνουσι δὲ καὶ Κασάνδραν (Ap Bibl Mit Ep 6 23)

Agamenoacuten a su vuelta a Micenas acompantildeado de Cassandra es asesinado por Egisto y Clitemnestra eacutesta le da una tuacutenica sin orificio ni para los brazos ni para la cabeza y mientras se la pone es sacrificado Egisto se proclama rey de Micenas tambieacuten dan muerte a Cassandra

Na Biblioteca Mitoloacutegica por ser um compecircndio de mitologia grega a vida de Agamecircmnon

o chefe dos gregos encontra-se com mais informaccedilotildees do que em outras narrativas Ainda que

Apolodoro as reconte de modo mais resumido o autor nos daacute um panorama dos mitos gregos jaacute

conhecidos pela tradiccedilatildeo dentre eles o de Agamecircmnon

Na Descriccedilatildeo da Greacutecia datada da segunda metade do seacutec II dC Pausacircnias nos apresenta

uma espeacutecie de guia turiacutestico da Greacutecia no qual nos mostra monumentos e cidades importantes

essa obra estaacute dividida em dez livros de acordo com a localidade a ser descrita O autor natildeo soacute

descreve o que vecirc como tambeacutem relata a histoacuteria do monumento ou do lugar visitado Seraacute

estudado o livro II intitulado Corinto e Argoacutelidas Nesse livro Pausacircnias visita o tuacutemulo de

Agamecircmnon como assim narra

τάφος δὲ ἔστι μὲν Ἀτρέως εἰσὶ δὲ καὶ ὅσους σὺν Ἀγαμέμνονι ἐπανήκοντας ἐξ Ἰλίου δειπνίσας κατεφόνευσεν Αἴγισθος τοῦ μὲν δὴ Κασσάνδρας μνήματος ἀμφισβητοῦσι Λακεδαιμονίων οἱ περὶ Ἀμύκλας οἰκοῦντεςmiddot ἕτερον δέ ἐστιν Ἀγαμέμνονος τὸ δὲ Εὐρυμέδοντος τοῦ ἡνιόχου καὶ Τελεδάμου τὸ αὐτὸ καὶ Πέλοπος (Pau Des Gre II 16 6)

Hay una tumba de Atreo y estaacuten las tumbas de todos a los que cuando regresaron de Ilioacuten dio muerte Egisto despueacutes de ofrecerles un banquete Los lacedemonios que

109 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro satildeo de Julia Garciacutea Moreno conforme consta na referecircncia bibliograacutefica APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

74

viven en Amiclas se disputan la sepultura de Cassandra Hay otra de Agamenoacuten otra de Erimedonte el auriga una uacutenica de Teledamo y de Peacutelope110

Em seguida fala dos tuacutemulos de Clitemnestra e Egisto que foram sepultados em tuacutemulos

mais distantes fora das muralhas da cidade

Κλυταιμνήστρα δὲ ἐτάφη καὶ Αἴγισθος ὀλίγον ἀπωτέρω τοῦ τείχουςmiddot ἐντὸς δὲ ἀπηξιώθησαν ἔνθα Ἀγαμέμνων τε αὐτὸς ἔκειτο καὶ οἱ σὺν ἐκείνῳ φονευθέντες (Pau Des Gre II 16 7)

Clitemnestra y Egisto recibieron sepultura un poco maacutes lejos de la muralla fueron considerados indignos de ser enterrados dentro donde yaciacutea el proacuteprio Agamenoacuten y los que fueron asesinados con eacutel

A descriccedilatildeo feita por Pausacircnias das tumbas da famiacutelia Atrida pouco revela sobre

Agamecircmnon embora natildeo mencione a traiccedilatildeo ao rei de Argos apresenta Clitemnestra e Egisto como

traidores pois natildeo tiveram direito agrave mesma sepultura que seus familiares

A tradiccedilatildeo miacutetica grega acerca do mito de Agamecircmnon apoacutes as peccedilas de Eacutesquilo pode ser

dividida em trageacutedias e narrativas Nas trageacutedias a morte de Agamecircmnon aparece em quase todas

as peccedilas exceto no Aacutejax de Eacutesquilo e na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Em relaccedilatildeo agrave morte do rei

os assassinos foram Clitemnestra e Egisto na Electra de Sofoacutecles e na peccedila homocircnima de Euriacutepides

E Clitemnestra aparece como a uacutenica culpada pelo assassiacutenio de Agamecircmnon na Androcircmaca na

Heacutecuba na Ifigecircnia em Taacuteuris e no Orestes de Euriacutepides Os artifiacutecios usados para matar o rei estatildeo

presentes em algumas peccedilas como o banquete para recepcionar o chefe dos gregos na Electra de

Soacutefocles o machado usado como arma na Electra na Heacutecuba e nas Troianas de Euriacutepides o banho

mortiacutefero e a rede (teia) para imobilizar a viacutetima no Orestes de Euriacutepides E somente na trageacutedia

Heacutecuba de Euriacutepides a morte de Cassandra estaacute ligada agrave morte do rei Como se pode observar as

trageacutedias preservam em sua maioria a morte de Agamecircmnon divergindo em relaccedilatildeo ao(s)

autor(es) do assassiacutenio e lembrando as artimanhas usadas para a execuccedilatildeo da morte

As duas narrativas abordam em comum a morte de Agamecircmnon Ambas concordam em

relaccedilatildeo aos assassinos do rei Clitemnestra e Egisto Jaacute em relaccedilatildeo aos artifiacutecios usados pelos

assassinos na Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro tem-se o uso do manto para imobilizar a viacutetima

e na Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias tem-se a menccedilatildeo ao banquete oferecido em honra ao rei E

a morte de Cassandra vinculada agrave morte de Agamecircmnon soacute eacute mencionada na obra de Apolodoro Na

Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias o relato sobre a morte do chefe dos gregos mostra uma

110 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias satildeo de Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

75

proximidade com o mesmo relato apresentado na Odisseia (IV v526-535) de Homero ambos

mostram que os guerreiros de Agamecircmnon foram mortos junto com ele ao retornarem para a paacutetria

e tambeacutem lembram do banquete servido ao rei e aos seus homens

Contudo a tradiccedilatildeo grega apresentada anteriormente em relaccedilatildeo a morte de Agamecircmnon

prefere a hipoacutetese de Clitemnestra e Egisto terem assassinado o rei

42 A tradiccedilatildeo miacutetica romana

O mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo miacutetica romana eacute recontado nas trageacutedias Egisto de

Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio na epopeia Eneida (I aC) de Virgiacutelio nos poemas A

arte de amar (I aC ndash I dC) e Metamorfoses (I aC ndash I dC) de Oviacutedio na narrativa Faacutebulas de

Higino nas trageacutedias Troianas Tiestes e Agamecircmnon (I dC) de Secircneca Observar-se-aacute como cada

um desses textos apresenta o mito do rei argivo

A trageacutedia Aegisthus de Liacutevio Andronico datada de III aC narra o assassinato de

Agamecircmnon O primeiro poeta de Roma reescreveu muitas trageacutedias gregas que sobreviveram

apenas fragmentos delas como em Aegisthus da qual soacute restaram oito fragmentos ldquoThe greatest

number of surviving fragments come from the Aegishtus Eight fragments from this play exist yet is

unclear whether Livius used Aeschylus Agamemnon or Sophocles Aegisthus as a modelrdquo111

(ERASMO 2004 p11-12) Nos fragmentos 4 e 5 segundo Erasmo (2004 p 12) tem-se o retorno

de Agamecircmnon para a paacutetria acompanhado de Cassandra

(4) nemo haece uostrorum ruminetur mulieri(Andr Aegh frag4)

Let no one of you rehash this to the woman112

(5) sollemnitusque adeo ditali laudem lubens(Andr Aegh frag5)

Solemnly and freely (he offered) praise to god

E os fragmentos 6 e 7 conforme afirma Erasmo (2004 p13) mostram informaccedilotildees acerca

da morte de Agamecircmnon

(6) hellip in sedes conlocat se regias

111 O maior nuacutemero de fragmentos sobreviventes vem de Egisto Existem oito fragmentos dessa peccedila ainda natildeo estaacute claro se Liacutevio usou o Agamecircmnon de Eacutesquilo ou o Egisto de Soacutefocles como modelo

112 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Egisto de Liacutevio Andronico satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

76

Clytemnestra iuxtim tertias natae occupant (Andr Aegh frag6)

He seats himself upon royal thronesClytemnestra is next to him their daughters occupy the thirds

(7) ipsus se in terram saucius fligit cadens (Andr Aegh frag7)

Falling he dashed his wounded self onto the ground

Por meio dos fragmentos apresentados pode-se verificar que a peccedila Egisto de Liacutevio

Andronico retrata a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio e a morte dele No entanto a peccedila ao se

intitular Egisto apresenta uma focalizaccedilatildeo na personagem homocircnima contrapondo agrave tradiccedilatildeo

traacutegica grega na qual Agamecircmnon era o foco principal

Jaacute acerca da trageacutedia Clitemnestra de Aacutecio que foi encenada na inauguraccedilatildeo do teatro de

Pompeu em 55 aC restaram apenas dez fragmentos e assim como da trageacutedia de Liacutevio pouco se

sabe Desses fragmentos um apresenta Cassandra profetizando o dia de sua morte

(7) scibam hanc mihi supremam lucem et seruiti finem dari (Ac Cl frag7)

I knew that this day would be my last and an end to my slavery113

Em um outro fragmento haacute uma alusatildeo ao destino de Agamecircmnon e Cassandra

(8)hellip seras potiuntur plagas (Ac Cl frag 9)

hellip they receive their late blows

E segundo Tarrant (2004 p14) a Clitemnestra de Aacutecio completaria o Egisto de Liacutevio

Andronico sugerindo que ambas vieram da mesma fonte grega

The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus it has been suggested that both plays depend on the same Greek source 114 (TARRANT 2004 p14)

A Eneida de Virgiacutelio poema eacutepico datado de I aC dividido em doze cantos que narram a

busca de Eneias por uma terra na qual ele possa fundar uma nova Troia tambeacutem narra partes do

113 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Clitemnestra de Aacutecio satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

114 Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio isto foi sugerido que ambas as peccedilas dependem da mesma fonte grega

77

mito de Agamecircmnon No Canto I quando Eneias chega ao templo de Juno e contempla as pinturas

nas paredes do monumento ele vecirc num dos quadros a representaccedilatildeo pictoacuterica dos filhos de Atreu

(Virg En v 460-462) Jaacute no Canto II Eneias ao narrar os acontecimentos de Troia aos feniacutecios

lembra o sacrifiacutecio de Ifigecircnia

Sanguine placastis ventos et virgine caesacum primum Iliacas Danai venistis ad oras (Virg En II v 116-117)

Quando pela primeira vez oacute gregos viestes para o litoral troiano aplacastes os ventos com o sangue e a morte de uma virgem115

E no Canto XI haacute uma treacutegua na guerra para enterrar os mortos Durante uma assembleia

para se decidir sobre a continuidade da guerra Diomedes lembra os destinos dos gregos apoacutes o fim

da guerra de Troia

Ipse Mycenaeus magnorum ductor Achivomconiugis infandae prima intra limina dextraoppetiit devictam Asiam subsedit adulter (Virg En XI v 266-268)

O proacuteprio rei de Micenas o chefe dos grandes aqueus tombou agrave entrada do seu palaacutecio ferido pela destra da sua abominaacutevel consorte um aduacuteltero agrave traiccedilatildeo derruba o vencedor da Aacutesia

Como se verifica por meio desses versos a morte desafortunada de Agamecircmnon eacute tambeacutem

mencionada na Eneida de Virgiacutelio O heroacutei grego natildeo eacute muito lembrado nesse poema pois este se

dedica agrave gloacuteria romana

Nos poemas de Oviacutedio Agamecircmnon tambeacutem aparece A arte de amar poema datado de I

aC ndash I dC dividido em trecircs livros cita Agamecircmnon em alguns versos No livro I Agamecircmnon eacute

lembrado por causa de sua morte

Qui Martem terra Neptunum effugit undisconiugis Atrides victima dira fuit (Ov Art Am I v333-334)

Apoacutes ter escapado de Marte na terra de Netuno sobre as ondas o filho de Atreu foi funesta viacutetima de sua mulher116

No livro II Oviacutedio reconta a justificativa que Clitemnestra teve para trair e matar 115 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Eneida de Virgiacutelio satildeo de Tassilo Orpheu Spalding

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

116 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo de A arte de amar de Oviacutedio satildeo de Duacutenia Marinho da Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

78

Agamecircmnon pois enquanto ele lhe foi fiel ela natildeo o traiu

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viri Audierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virum (Ov Art Am II v399-408)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Lirnessiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de esposo

Assim Oviacutedio no poema A arte de amar menciona Agamecircmnon ao rememorar a sua morte

e a traiccedilatildeo ao casamento com Clitemnestra que culminou no assassiacutenio dele

Jaacute no poema Metamorfoses datado de I aC ndash I dC uma coletacircnea de mitos que mostra a

transformaccedilatildeo de homens em animais aacutervores rios e pedras reconta a narrativa da Guerra de Troia

e nesse momento lembra do rei Agamecircmnon No canto XII o primeiro momento do mito eacute

contado o sacrifiacutecio de Ifigecircnia quer nas palavras profeacuteticas de Calcante (Ov Met XII v 29-31) e

quer nas palavras de Odisseu ao disputar com Aacutejax as armas de Aquiles (Ov Met XIII v 183-

187) E nesse poema encontra-se uma parte do mito natildeo muito citada pelo mitoacutegrafo Agamecircmnon

rouba as filhas de Acircnio que tinham o poder de transformar todas as coisas em milho vinho e

azeitonas verdes para alimentar as tropas gregas

hoc ubi cognovit Troiae populator Atridesne non ex aliqua vestram sensisse procellamnos quoque parte putes armorum viribus ususabstrahit invitas gremio genitoris alantqueimperat Argolicam caelesti munere classem (Ov Met XIII 654-658)

Mal soube disto o filho de Atreu o saqueador de Troia(natildeo julgueis que noacutes de algum modo natildeo sentimostambeacutem a vossa tormenta) recorrendo agrave forccedila das armasarrebata-as agrave sua revelia dos braccedilos do pai e ordena-lhesque abasteccedilam a frota da Argoacutelide com o seu dom celeste117

117 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Metamorfoses de Oviacutedio satildeo de Paulo Farmhouse Alberto conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

79

Desse modo Oviacutedio apresenta Agamecircmnon nas Metamorfoses principalmente como chefe

das tropas gregas ao contraacuterio do que acontece no poema A arte de amar na qual a imagem de

Agamecircmnon estaacute vinculada agrave famiacutelia quer ele como traidor da esposa quer como o morto pela

consorte

Na narrativa Faacutebulas de Higino datada do seacutec I aC118 apresenta Agamecircmnon desde a

participaccedilatildeo na busca por Tiestes (Fab 88 8) para que este fosse conduzido ao palaacutecio dos

Atridas ateacute a morte do rei Nesse iacutenterim Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas

rumo agrave guerra de Troia no episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

in Aulide tempestas eos ira Dianae retinebat (hellip) Is cum haruspices convocasset et Calchas se respondisset aliter expiare non posse nisi Iphigeniam filiam Agamemnonis immolasset (hellip) Quam cum in Aulidem adduxisset et parens eam immolare vellet Diana virginem miserata est et caliginem eis obiecit cervamque pro ea supposuit Iphigeniamque (Hig Fab 98 1-4)

Pero una tempestad desatada por la coacutelera de Diana los reteniacutea em Aacuteulide (hellip)Traacutes convocar a los aruacutespices Calcante respondioacute que la uacutenica manera de aplacar a la diosa era sacrificar a Ifigenia la hija de Agamenoacuten (hellip) Cuando la condujo a Aacuteulide y su padre estaba a punto de sacrificarla Diana se apiadoacute de la doncella los envolvioacute em una oscuridad y puso una cierva em su lugar119

E o mitema sobre a briga de Agamecircmnon com Aquiles pela escrava Briseida na guerra de

Troia tambeacutem eacute mencionado por Higino

Agamemnon Briseidam Brisae sacerdotis filiam ex Moesia captivam propter formae dignitatem quam Achilles ceperat ab Achille abduxit eo tempore quo Chryseida Chrysi sacerdoti Apollinis Zminthei reddidit (hellip) Achilles cum Agamemnone redit in gratiam Briseidamque ei reddidit (Hig Fab 106 1 e 3)

Agamenoacuten separoacute a Aquiles de su esclava Briseida hija del sacerdote Brises de Misia a causa de su espleacutendida belleza por la misma eacutepoca em que devolvioacute a Criseida hija de Crises sacerdote de Apolo Esminteo (hellip) Aquiles se reconcilioacute com Agamenoacuten y eacuteste le devolvioacute a Briseida

118 Essa narrativa sofre com problemas de autoria e de tiacutetulo e como afirma Saacutenchez (2009 p8) ldquoLa cuestioacuten se remonta a la edicioacuten priacutencipe realizada por Jacobus Micyllus em Basilea em 1535 Este filoacutelogo llevoacute a la imprenta un coacutedice que hasta entonces se habiacutea conservado em la Bibioteca del Monasterio de Freising y lo editoacute com el siguiente tiacutetulo Libro de Faacutebulas de Cayo Julio Higino liberto de Augusto Lamentablemente el manuscrito el uacutenico ejemplar conservadordquo (A questatildeo remonta a primeira ediccedilatildeo feita por Jacobus Micyllus na Basileia em 1535 Este filoacutelogo levou agrave impressatildeo um coacutedice que ateacute entatildeo tinha se conservado na Biblioteca do Mosteiro de Freising e o editou com o seguinte tiacutetulo Livro de Faacutebulas de Caio Juacutelio Higino liberto de Augusto Lamentavelmente o manuscrito eacute o uacutenico exemplar conservado)

119 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Faacutebulas de Higino satildeo de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

80

Por fim o narrador das Faacutebulas conta como foi a morte de Agamecircmnon

Tunc Clytaemnestra cum Aegistho filio Thyestis cepit consilium ut Agamemnonem et Cassandram interficeret quem sacrificantem securi cum Cassandra interfecerunt (Hig Fab 117 1)

Entonces Clitemnestra em compantildeiacutea de Egisto hijo de Tiestes concibioacute el plan de asesinar a Agamenoacuten y a Casandra Lo asesinaron com un hacha mientras realizaba un sacrificio com Casandra

O mito de Agamecircmnon apareceraacute com maior relevacircncia na tradiccedilatildeo literaacuteria romana por

meio das trageacutedias de Secircneca Agamecircmnon As troianas e Tiestes Natildeo se sabe exatamente em que

data Secircneca escreveu as trageacutedias poreacutem alguns estudiosos afirmam que as trageacutedias senequianas

foram escritas entre os anos 40-65 dC120 De acordo com essa dataccedilatildeo Lohner (2009 p15)

apresenta uma divisatildeo das peccedilas em trecircs grupos

Diante dos resultados obtidos as peccedilas foram distribuiacutedas em trecircs grupos do primeiro fazem parte o Agamecircmnon seguido das peccedilas Fedra e Eacutedipo ndash seriam estas por conseguinte as primeiras composiccedilotildees dramaacuteticas de Secircneca ndash no segundo grupo figuram nesta ordem Medeia Troianas e Heacutercules louco e por fim no terceiro Tiestes e Feniacutecias (FITCH apud LOHNER 2009 p15)

A trageacutedia Tiestes mostra a vinganccedila de Atreu em relaccedilatildeo a seu irmatildeo Tiestes ao matar os

sobrinhos e os servir ao pai em um banquete Nessa peccedila Agamecircmnon ainda eacute muito jovem mas

seu pai Atreu diz que tornaraacute os filhos cientes da vinganccedila por ele planejada

Consili Agamemnon meisciens minister fiat et fratri sciensMenelaus adsit (Sen Ties v325-327)

Agamecircmnon seraacute auxiliar ciente do meu plano e Menelau de tudo informado ajudaraacute seu pai121

Apenas nesse trecho Agamecircmnon eacute mencionado na peccedila Tiestes Na trageacutedia Troianas

Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila No segundo episoacutedio Pirro filho de Aquiles

reclama ao chefe dos gregos uma recompensa agrave gloacuteria de seu pai o sacrifiacutecio de Poliacutexena filha de

Priacuteamo e Heacutecuba Mas Agamecircmnon se mostra um rei cauteloso e natildeo aceita o sacrifiacutecio da jovem

120 LOHNER 2009 p15121 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Tiestes de Secircneca satildeo de J A Segurado Campos

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEacuteNECA Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

81

Regia ut virgo occidattumuloque donum detur et cineres rigetet facinus atrox caedis ut thalamos vocentnon patiar In me culpa cunctorum reditqui non vetat peccare cum possit iubet (Sen Troi v288-292)

Natildeo permitirei que uma virgem real morra e seja oferecida como precircmio a um tuacutemulo e regue com sangue as cinzas e que chamem de casamento ao crime atroz de um assassiacutenio A culpa de todos voltar-se-aacute contra mim Quem natildeo impede um crime quando pode o ordena122

Mesmo assim Pirro insiste e o rei manda chamar Calcante para resolver o impasse O

adivinho orienta os gregos a sacrificarem Poliacutexena em honra de Aquiles E se mostrando piedoso

Agamecircmnon natildeo tem como impedir a morte da jovem Assim aparece Agamecircmnon na trageacutedia

Troianas de Secircneca como o chefe das tropas gregas e temente aos deuses

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca se inicia com um proacutelogo recitado pelo espectro de

Tiestes Ele lembra a maldiccedilatildeo familiar e os vaacuterios crimes que aconteceram naquele palaacutecio O

espectro apresenta o rei Agamecircmnon

rex ille regum ductor Agamemnon ducumcuius secutae mille vexillum ratesIliaca velis maria texerunt suispost decima Phoebi lustra devicto Ilioadest daturus coniugi iugulum suae (Sen Ag v39-43)

rei dos reis Agamecircmnon chefe dentre os chefes a cujo pavilhatildeo seguiram mil navioscobrindo com suas velas os mares troianos de Febo apoacutes dois lustros dominada Troia aqui estaacute para dar agrave sua esposa o pescoccedilo123

O espectro de Tiestes jaacute no proacutelogo da trageacutedia anuncia a chegada do rei Agamecircmnon e a

sua morte executada pela esposa No segundo ato Clitemnestra em diaacutelogo com a Ama titubeia na

vinganccedila de matar o rei A Ama aconselha a rainha a desistir do crime pois Clitemnestra ousa uma

vinganccedila contra um homem poderoso

hunc fraude nunc conaris et furto aggrediQuem non Achilles ense violavit feroquamuis procacem torvus armasset manum

122 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Secircneca satildeo de Zeacutelia de Almeida Cardoso conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Luacutecio Aneu As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

123 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Agamecircmnon de Secircneca satildeo de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

82

non melior Aiax morte decreta furensnon sola Danais Hector et bello moranon tela Paridis certa non Memnon nigernon Xanthus armis corpora immixta aggerensfluctusque Simois caede purpureos agensnon nivea proles Cycnus aequorei deinon bellicoso Thressa cum Rheso phalanxnon picta pharetras et securigera manupeltata Amazon hunc domi reducem parasmactare et aras caede maculare impia (Sen Ag v206-219)

Ora te empenhas em atacar com ardil e enganoquem com feroz espada Aquiles natildeo feriuembora em fuacuteria a matildeo tenha armado insolentenem Aacutejax o mais bravo louco a impor-lhe a morte nem aos dacircnaos e agrave guerra o soacute entrave Heitornem de Paacuteris o dardo certo e o negro Mecircmnonnem o Xanto que corpos e armas amontoae o Simoente de aacuteguas rubras de matanccedilanem Cicno raccedila niacutevea do equoacutereo deusnem a falange traacutecia com Reso beliacutegeronem armada de pelta e machado a Amazonacom a aljava pintada a ele que retornavais imolar manchando o altar com iacutempia morte

Apoacutes os argumentos da Ama Egisto aparece e incita a amante a persistir na vinganccedila Mas

Clitemnestra sai de cena mostrando estar em duacutevidas em relaccedilatildeo agrave vinganccedila

No terceiro ato Clitemnestra recebe o mensageiro Euriacutebates que avisa sobre a chegada do

rei e conta como foi o retorno dos gregos apoacutes o fim da guerra de Troia E nesse relato o

mensageiro lembra a gloacuteria de morrer em batalha

Quid fata possunt Invidet Pyrrhus patriAiaci Ulixes Hectori Atrides minorAgamemno Priamo quisquis ad Troiam iacetfelix vocatur cadere qui mervit graduquem fama servat victa quem tellus tegit (Sen Ag v512-516)

Quanto eacute o poder dos fados Pirro inveja o pai Ulisses a Agravejax o mais jovem Atrida a Heitora Priacuteamo Agamecircmnon ao que jaz em Troiafeliz o chamam quem morrer logrou em lutaquem a fama eterniza e o chatildeo vencido cobre

Logo depois Cassandra surge acompanhada do coro de mulheres troianas A profetisa de

Apolo aparece em cena lamentando a morte dos troianos Em seguida Cassandra entra em estado

de transe Nesse momento a profetisa prevecirc a morte de Agamecircmnon

83

Timete reges moneo furtivum genusagrestis iste alumnus evertet domumQuid ista vecors tela feminea manudestricta praefert Quem petit dextra virumLacaena cultu ferrum Amazonium gerensQuae versat oculos alia nunc facies meosvictor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Agv 732-740)

Temei oacute reis advirto-vos espuacuteria raccedila vai rasar um palaacutecio essa cria dos bosques Por que essa insana ostenta na matildeo de mulher a espada nua A que homem busca com a destra trajada qual lacocircnia e com arma de Amazona Que outra visatildeo atrai agora os olhos meus De feras vencedor colo altaneiro jaz sujeito a infames presas o leatildeo marmaacuterico sofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Apoacutes o estado de transe de Cassandra Agamecircmnon entra no palaacutecio e eacute bem recepcionado

por sua esposa Ele dialoga com a profetisa que tenta lhe alertar sobre o perigo iminente mas ele

natildeo entende as suas palavras (Sen Ag v792-798) No quinto ato Cassandra ao presenciar o

assassinato do rei relata-nos como tudo aconteceu

Epulae regia instructae domoquales fuerunt ultimae Phrygibus dapescelebrantur ostro lectus Iliaco nitetmerumque in auro veteris Assaraci trahuntEt ipse picta veste sublimis iacetPriami superbas corpore exuvias gerensDetrahere cultus uxor hostiles iubetinduere potius coniugis fidae manutextos amictus - horreo atque animo tremoregemne perimet exul et adulter virumVenere fata Sanguinem extremae dapesdomini videbunt et cruor Baccho incidetMortifera vinctum perfidae tradit neciinduta vestis exitum manibus negantcaputque laxi et invii cludunt sinusHaurit trementi semivir dextra latusnec penitus egit vulnere in medio stupetAt ille ut altis hispidus silvis apercum casse vinctus temptat egressus tamenartatque motu vincla et in cassum furitcupit fluentes undique et caecos sinusdissicere et hostem quaerit implicitus suumArmat bipenni Tyndaris dextram furensqualisque ad aras colla taurorum priusdesignat oculis antequam ferro petatsic huc et illuc impiam librat manum

84

Habet peractum est Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacentNondum recedunt ille iam exanimem petitlaceratque corpus illa fodientem adivvat (Sen Ag v875-905)

No reacutegio paccedilo lautas eacutepulasqual foi o uacuteltimo banquete para os friacutegios celebram-se De Iacutelio luz no leito o ostro e tomam vinho no ouro do vetusto Assaacuteraco e ele deitado e altivo em traje matizado de Priacuteamo em seu corpo leva o rico espoacutelio Ordena-lhe a mulher a tirar a veste imiga e envolver-se no manto pela matildeo tecido de fiel esposa Sinto nalma horror e tremo ecircxul e aduacuteltero o algoz de um rei e esposoVeio o destino as eacutepulas finais veratildeo do soberano o sangue em Baco ver vertido Mortiacutefera amarrado entrega-o a uma morte peacuterfida a veste que o cobriu prendem-lhe as matildeos e atam a cabeccedila as dobras frouxas e sem fenda Seu flanco o falso homem rasga com matildeo trecircmula natildeo cravou fundo em pleno golpe ele vacila Mas como um hirto javali na mata funda preso na rede tenta no entanto escapar e inquieto aperta o laccedilo em fuacuteria contra a rede aquele as dobras cegas que vazam dos lados quer romper e procura enlaccedilado o inimigo Bipene em punho irosa de Tiacutendaro a filha qual popa que no altar as cernelhas dos touros aponta com o olhar antes que vibre o ferro ela a matildeo iacutempia assim balanccedila aqui e ali Eis Consumado estaacute De estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorra do tronco a face com um frecircmito desaba E ainda natildeo recuam atacam ele o corpo sem vida e o lacera ela ajuda o algoz

Apoacutes a descriccedilatildeo do assassiacutenio Electra aparece em cena e pede a Estroacutefio que cuide de

Orestes e o leve para bem longe dali Depois Clitemnestra anuncia que mataraacute Cassandra e ela

tambeacutem promete castigar a filha por ter escondido o irmatildeo Orestes Assim Secircneca nos conta a

morte do rei de Argos (Micenas) o grande vencedor da guerra de Troia

A tradiccedilatildeo miacutetica romana acerca do mito de Agamecircmnon apresenta principalmente os

episoacutedios da morte do rei e do sacrifiacutecio de Ifigecircnia A morte do rei aparece no Egisto de Liacutevio

Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e no

Agamecircmnon de Secircneca Na Eneida e na A arte de amar Clitemnestra aparece como a uacutenica

responsaacutevel pela morte do chefe dos gregos jaacute na trageacutedia e na narrativa de Higino Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto E as obras citadas anteriormente trazem como motivo para a

85

execuccedilatildeo do crime a traiccedilatildeo do rei em relaccedilatildeo agrave sua esposa Nos outros poemas ndash Metamorfoses de

Oviacutedio e Troianas de Secircneca ndash Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas como tambeacutem

nas Faacutebulas de Higino

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon

Apoacutes os relatos acerca do mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo literaacuteria grega apresentados

anteriormente incluindo os textos do capiacutetulo anterior e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana pode-se

observar que Secircneca se utilizou de alguns desses textos para criar a sua peccedila mas tambeacutem natildeo

sobreviveram todos os textos que serviram de fonte para o tragedioacutegrafo como afirma Lohner

(2009 p111) ldquoPor outro em vista da perda quase total da poesia traacutegica latina anterior agrave de

Secircneca muito pouco se pode averiguar sobre o viacutenculo desta obra com modelos nacionaisrdquo E

mesmo que Herrmann (1924 p 312) afirme que havia trageacutedias de antecessores nas quais Egisto

era o foco da peccedila

Il est difficile de savoir si ce changement dorientation vient de Livius Andronicus ou dAccius dont les trageacutedies avaient Egisthe pour centre124

Com base nas duas citaccedilotildees observa-se que fica difiacutecil resgatar essa influecircncia das trageacutedias

latinas nos dramas senequianos mas mesmo assim alguns estudiosos afirmam que haacute alguma

correspondecircncia entre as trageacutedias Egisto de Liacutevio Andronico e a Clitemnestra de Aacutecio com o

Agamecircmnon de Secircneca

While most of the specific connections alleged between Seneca and the Republican dramatists will not bear inspection there are clear similarities of plot between Agamemnon and Livius Andronicus Aegisthus and Accius Clytemnestra Livius play (whose Greek is not known) coincides with Senecas in several deviations from Aeschylus (hellip) The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus 125 (TARRANT 2004 p13-14)

Na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Agamecircmnon eacute apresentado basicamente como o chefe das tropas

124 Eacute difiacutecil saber se a mudanccedila de orientaccedilatildeo vem de Liacutevio Andronico ou de Aacutecio dos quais as trageacutedias tem Egisto como centro

125 Enquanto a maioria das conexotildees especiacuteficas alegadas entre Secircneca e os dramaturgos republicanos natildeo vai suportar uma inspeccedilatildeo haacute claras semelhanccedilas de enredo entre Agamemnon e Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio A peccedila de Liacutevio (cuja grega natildeo eacute conhecida) coincide com a de Secircneca nas vaacuterias divergecircncias de Eacutesquilo (hellip) Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio

86

gregas e como o rei assassinado por sua esposa esses satildeo os mitemas126 mais mencionados pela

tradiccedilatildeo Dentre os mitemas que narram Agamecircmnon como o chefe dos gregos o mais comum eacute o

do sacrifiacutecio de Ifigecircnia Entatildeo pode-se afirmar que esse episoacutedio eacute mais frequente na tradiccedilatildeo

porque liga o papel de liacuteder dos gregos ao de morto pela esposa sendo o sacrifiacutecio da filha a

principal justificativa do crime Portanto os mitemas que seratildeo analisados satildeo esses dois jaacute

mencionados

Nas trageacutedias gregas do seacutec V Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos em

Agamecircmnon de Eacutesquilo Aacutejax de Soacutefocles Heacutecuba Troianas Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e

como morto por Clitemnestra em Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo Electra de

Soacutefocles Androcircmaca Electra Troianas Ifigecircnia em Taacuteuris e Orestes de Euriacutepides Em Aacutejax de

Soacutefocles Agamecircmnon quer negar honras fuacutenebres ao Aacutejax mas acaba sedendo aos argumentos de

Odisseu Na Heacutecuba de Euriacutepides o rei ajuda Heacutecuba a vingar a morte do filho Polidoro viacutetima de

traiccedilatildeo e ele tambeacutem nega hospitalidade ao assassino do filho de Priacuteamo Nas Troianas

Agamecircmnon eacute lembrado por Taltiacutebio como o chefe dos gregos E na Ifigecircnia em Aacuteulis o rei como

liacuteder das tropas gregas exclui o seu direito de pai e sacrifica a filha Ifigecircnia em honra da deusa

Aacutertemis por ventos favoraacuteveis para a navegaccedilatildeo rumo a Troia

Nas trageacutedias que trazem Agamecircmnon como chefe dos gregos eacute mais frequente o adjetivo

ἄναξ (chefe rei) vinculado agrave imagem do rei como se observa nos seguintes versos Ἀγαμέμνων

ἄναξ (Es Ag v523) Ἀγαμέμνων τ ἄναξ (Eu Hec v553) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Tr

v249) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Or v21) Ἀγάμεμνον ἄναξ (Eu If Aul v3)127 Os exemplos

demonstram o quanto estaacute presente nas peccedilas o papel de Agamecircmnon como rei (chefe) dos gregos

na guerra de Troia

Jaacute nas trageacutedias que trazem a morte de Agamecircmnon haacute um consenso de que Clitemnestra e

Egisto participaram do assassiacutenio mas o autor da execuccedilatildeo pode variar de acordo com a peccedila Na

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo fica evidente que a autora do crime eacute Clitemnestra embora ela

tenha contado com a ajuda de Egisto para mobilizar a viacutetima (Es Ag v1384-1387) Poreacutem em

outras peccedilas Clitemnestra aparece como protagonista do crime embora natildeo fique evidente se ela

sozinha teria matado o marido ou se ela e Egisto executaram o assassiacutenio como em Androcircmaca

(v1028-1029) Heacutecuba (v1287-1289) e Ifigecircnia em Taacuteuris (v552) de Euriacutepides E nas outras

trageacutedias verifica-se como assassinos do rei Clitemnestra e Egisto como na Electra de Soacutefocles

126 Leacutevi-Strauss llama mitemas a los segmentos miacutenimos de una narracioacuten miacutetica de la misma forma que los fonemas existen en foneacutetica o los morfemas en morfologiacutea como unidad miacutenima significativa del relato miacutetico (Leacutevi-Strauss apud GUAL p 4) (Leacutevi-Strauss chama de mitemas os segmentos miacutenimos de uma narraccedilatildeo miacutetica da mesma forma que os fonemas existem na foneacutetica ou os morfemas na morfologia como unidade miacutenima significativa do relato miacutetico)

127 A traduccedilatildeo dos termos desse periacuteodo citados em grego eacute o rei (chefe) Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

87

(v97-99) e na Electra de Euriacutepides (v8-10) Contrapondo-se agraves peccedilas apresentadas de Euriacutepides

em Orestes soacute haacute menccedilatildeo agrave Clitemnestra como executora do crime enfocando no crime cometido

pela rainha Com isso parece que os tragedioacutegrafos gregos colocam Clitemnestra como a principal

causadora da morte de Agamecircmnon em quase todas as peccedilas que trazem esse mitema exceto nas

peccedilas Electra de Sofoacutecles e na de Euriacutepides nas quais a culpa tambeacutem recai sobre Egisto para

justificar o assassinato dele nas duas trageacutedias

Nas duas narrativas mostradas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia

de Pausacircnias as referecircncias ao mito de Agamecircmnon tambeacutem retomam a participaccedilatildeo dele na guerra

de Troia e a sua morte A Biblioteca Mitoloacutegica por ter um caraacuteter enciclopeacutedico tenta contar com

mais detalhes dos mitos enfocando nos principais episoacutedios como o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a morte

do rei Jaacute na obra de Pausacircnias soacute haacute menccedilatildeo agrave morte do rei Nas duas narrativas Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto conforme jaacute foi visto anteriormente

Com isso pode-se concluir que na tradiccedilatildeo literaacuteria grega acerca do mito da morte de

Agamecircmnon paira uma variaccedilatildeo sobre o executor do assassiacutenio nas trageacutedias do seacutec V

Clitemnestra eacute tida como a principal executora do crime jaacute nas narrativas posteriores a culpa pela

morte do rei eacute dividida entre Clitemnestra e Egisto

E na tradiccedilatildeo literaacuteria romana Agamecircmnon natildeo soacute eacute lembrado como chefe dos gregos

como tambeacutem pela sua morte Como liacuteder grego ele aparece no Egisto de Liacutevio Andronico na

Eneida de Virgiacutelio nas Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino nas Troianas e no

Agamecircmnon de Secircneca nos quais eacute lembrado principalmente pelo episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

exceto na primeira obra na qual Agamecircmnon aparece conduzindo a presa de guerra Cassandra Jaacute a

sua morte eacute mencionada no Egisto de Liacutevio Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de

Oviacutedio e nas Faacutebulas de Higino no Agamecircmnon de Secircneca nos quais o rei eacute assassinado pela

proacutepria esposa

Secircneca antes de escrever a trageacutedia Agamecircmnon teve contato se natildeo com todas essas obras

citadas mas com a maioria delas principalmente as trageacutedias gregas Segundo Herrmann (1924

p312) Secircneca teria se utilizado das seguintes fontes para construir a sua peccedila

On peut conclure en ce qui concerne les sources agrave une influence nette dEschyle des deux Egisthes128 latins auxquels sadjoignent Sophocle et Euriacutepide et pour le

128 Segundo Tarrant (2004 p13 nota 7) ldquoAccius Aegisthus has also been compared but this play was probably about the return of Orestesrdquo (O Egisto de Aacutecio tambeacutem tem sido comparado mas esta peccedila foi provavelmente sobre o retorno de Orestes) Jaacute Hall (2005 p30 nota 26) atribue uma identificaccedilatildeo entre Clitemnestra e Egisto de Aacutecio ldquoIt is possible that the play is to be identified with Acciusrsquo Aegisthus which included a speech in which a character spoke about the lsquomight of governmentrsquo vis imperi breaking menrsquos fierce spirits (frr 8-9) a remark that women are more easily hardened (callent) than men (frr 10-11) and a reference to a man presumably Orestes whose lsquohand is fouled and spattered by his motherrsquos bloodrsquo (fr 12) Accius also wrote an Agamemnonrsquos Children

88

troisieacuteme eacutepisode des sources multiples sans compter les emprunts habituels agrave Horace ou agrave Ovide dans les parties lyriques129

Contrapondo-se agrave afirmaccedilatildeo de Herrmann Tarrant (2004 p10) afirma que apesar da

mesma delimitaccedilatildeo do mito a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo natildeo teria servido de modelo para

Secircneca na composiccedilatildeo da sua peccedila homocircnima

It seems incredibile that the Agamemnon of Aeschylus could ever have been thought Senecas source The basic outline of the plot is similar but this Seneca need not have derived from Aeschylus on the other hand characterisation structure and themes are all quite unrelated The only parts of Aeschylus play which find a parallel in Seneca are the arrival of a herald with the news of the storms and a scene in which Cassandra foresees the murder of Agamemnon and herself even here the similarity of situation is heavily outweighed by diversity of content and treatment Nothing in Senecas play requires direct knowledge of Aeschylus130

Considerar-se-aacute portanto a grande dificuldade de indicar quais seriam as fontes usadas por

Secircneca e por isso natildeo se pretende esgotar o tema ao direcionar as influecircncias sofridas por ele E agrave

medida que parecer necessaacuterio para justificar a recepccedilatildeo da peccedila retomar-se-aacute alguns dos textos da

tradiccedilatildeo literaacuteria apresentados

O proacutelogo da trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca eacute recitado pelo espectro de Tiestes que lembra

os crimes jaacute vivenciados pela famiacutelia Tantaacutelida Um proacutelogo distinto do proacutelogo de Eacutesquilo que eacute

recitado pelo Vigia do palaacutecio Mas a trageacutedia grega do seacutec V costumava trazer para a cena

fantasmas como a apariccedilatildeo do fantasma de Dario em Os persas de Eacutesquilo (v681-844) a apariccedilatildeo

do fantasma de Clitemnestra nas Eumecircnides de Eacutesquilo (v94-139) e a apariccedilatildeo do fantasma de

Polidoro na Heacutecuba de Euriacutepides (v1-58)131 Dentre os exemplos mostrados somente duas

apariccedilotildees acontecem no proacutelogo das suas respectivas trageacutedias a primeira eacute a do fantasma de

Clitemnestra que aparece no proacutelogo em diaacutelogo com o Coro reclamando a sua morte a segunda eacute

(Agamemnonidae) (Eacute possiacutevel que a peccedila eacute para ser identificada com Egisto de Aacutecio que incluiu um discurso no qual um personagem falou sobre o ldquopoder do governordquo vis imperi quebrando os espiacuteritos ferozes dos homens frr (8-9) uma observaccedilatildeo que as mulheres satildeo mais facilmente endurecidas (callent) do que os homens (frr 10-11) e uma referecircncia a um homem presumivelmente Orestes cuja matildeo eacute suja e salpicada pelo sangue da sua matildee (fr 12) Aacutecio tambeacutem escreveu um Filhos de Agamecircmnon (Agamemnonidae))

129 Pode-se perceber no que diz respeito agraves fontes uma clara influecircncia de Eacutesquilo dos dois Egistos latinos aos quais se juntam Soacutefocles e Euriacutepides e para o terceiro episoacutedio as fontes satildeo vaacuterias sem contar os empreacutestimos habituais de Horaacutecio ou de Oviacutedio nas partes liacutericas

130 Parece inacreditaacutevel que o Agamenon de Eacutesquilo jamais poderia ter sido pensado como fonte de Secircneca O esquema baacutesico da trama eacute semelhante mas este Secircneca natildeo precisa ter derivado de Eacutesquilo por outro lado a estrutura caracterizaccedilatildeo e os temas satildeo bastante independentes As uacutenicas partes da peccedila de Eacutesquilo que encontra paralelo em Secircneca satildeo a chegada de um arauto com a notiacutecia das tempestades e uma cena em que Cassandra prevecirc o assassinato de Agamecircmnon e de si mesma mesmo aqui a similaridade de situaccedilatildeo eacute fortemente compensada pela diversidade de conteuacutedo e de tratamento Nada na peccedila de Secircneca requer conhecimento direto de Eacutesquilo

131 Mais informaccedilotildees acerca da apariccedilatildeo de mortos na literatura grega e na romana consultar BRUNO Pauliane T S As apariccedilotildees dos mortos nas trageacutedias de Secircneca Fortaleza UFC 2006 Monografia de Especializaccedilatildeo

89

a do fantasma de Polidoro que recita o proacutelogo sozinho requerendo as suas honras fuacutenebres Haacute

algumas semelhanccedilas estruturais entre o proacutelogo da trageacutedia Heacutecuba de Euriacutepides e o da trageacutedia

Agamecircmnon de Secircneca ambas se iniciam com os personagens-fantasmas contando de onde vecircm

como se pode observar respectivamente nos versos abaixo

Ἥκω νεκρῶν κευθμῶνα καὶ σκότου πύλαςλιπών ἵν Ἅιδης χωρὶς ὤικισται θεῶν (Eu Hec v1-2)

Vim o antro dos mortos e as portas da escuridatildeotendo deixado onde mora Hades separado dos deuses

Opaca linquens Ditis inferni locaadsum profundo Tartari emissus specu (Sen Ag v1-2)

Deixando a estacircncia escura do deus infernaleis-me da funda gruta do Taacutertaro enviado

Apoacutes mostrar de onde vem o espectro de Tiestes apresenta o espaccedilo no qual ele estaacute

naquele momento o palaacutecio dos Atridas e fala da anguacutestia de retornar agravequele lugar Em seguida ele

se apresenta O mesmo natildeo ocorre com o espectro de Polidoro que logo depois de anunciar de onde

vem se apresenta agrave audiecircncia

uincam Thyestes sceleribus cunctos meis (Sen Ag v 25)

a todos eu Tiestes venccedilo com crimes

Πολύδωρος Ἑκάβης παῖς γεγὼς τῆς ΚισσέωςΠριάμου τε πατρός (Eu Hec v3-4)

Sou Polidoro nascido de Heacutecuba filha de Quisseu e de Priacuteamo meu pai

Depois da apresentaccedilatildeo dos espectros ambos contam as suas histoacuterias e indicam o que iraacute

acontecer no decorrer da peccedila Nesse momento o espectro de Tiestes tambeacutem descreve em detalhes

o espaccedilo cecircnico e a sua organizaccedilatildeo

video paternos immo fraternos laresHoc est vetustum Pelopiae limen domushinc auspicari regium capiti decusmos est Pelasgis hoc sedent alti toroquibus superba sceptra gestantur manulocus hic habendae curiae - hic epulis locus (Sen Ag v 6-11)

vejo o paterno ou antes o fraterno lar Eacute esta a antiga entrada da casa de Peacutelope

90

Aqui os pelasgos usam inaugurar na frontea reacutegia insiacutegnia Neste trono altivos sentam-se os que brandem seus cetros sob a matildeo soberbaEste o local da cuacuteria ali o dos banquetes

Essa descriccedilatildeo parece caracterizar as peccedilas de Secircneca pois segundo Herrmann (1924

p343) os proacutelogos de trecircs trageacutedias de Secircneca apresentam um caraacuteter descritivo

Les premieres [Hercule Furieux Agamemnon et Thyestes] plus proche de ceux dEuripide motiveraient en quelque sorte laction en caracteacuterisant sommairement les protagonistes en indiquant le lieu le moment et la situation apparente de deacutebut de lintrigue132

Nesses versos o fantasma de Tiestes utiliza o verbo uideo no presente do indicativo para

mostrar uma proximidade com a audiecircncia que assim como ele podia ldquovivenciarrdquo o que estava

sendo descrito Atraveacutes dessas evidecircncias estruturais mostradas entre os proacutelogos mencionados

pode-se observar uma influecircncia da poesia traacutegica de Euriacutepides na trageacutedia de Secircneca

No segundo ato Clitemnestra dialoga com a Ama e ela titubeia na decisatildeo de se vingar do

marido Esse episoacutedio eacute tipicamente senequiano a figura da Ama nessa peccedila aparece como o alter

ego de Clitemnestra mostrando as suas incertezas suas duacutevidas e seus medos como afirma Serrano

(2003 p 116) ldquoPor primera vez el autor latino se detiene a describir minunciosamente la situacioacuten

espiritual de Clitemnestrardquo133 Ao titubear entre cometer ou natildeo o assassiacutenio a rainha expotildee as

atrocidades cometidas pelo esposo justificando assim a sua vinganccedila Ela utiliza-se de muitos

versos mostrando uma maior relevacircncia natildeo soacute a um crime mas a todos

O scelera semper sceleribus vincens domuscruore ventos emimus bellum neceSed vela pariter mille fecerunt ratesNon est soluta prospero classis deoeiecit Aulis impias portu ratesSic auspicatus bella non melius geritamore captae captus immotus preceSminthea tenuit spolia Phoebei senisardore sacrae virginis iam tum furens (Sen Ag v169-177)

Oacute casa que com crimes sempre vence crimes ventos pagos com sangue a guerra com assassiacutenioMas mil navios deram agrave vela ao mesmo tempo A esquadra natildeo largou sob um deus favoraacutevel Aacuteulis as iacutempias nas repeliu de seu porto

132 As primeiras [Heacutercules Furioso Agamecircmnon e Tiestes] as mais proacuteximas das de Euriacutepides motivaram de certa forma a accedilatildeo caracterizando brevemente os protagonistas incluindo o local o momento e a situaccedilatildeo aparente do iniacutecio da trama

133 Pela primeira vez o autor latino deteacutem-se em descrever minunciosamente a situaccedilatildeo espiritual de Clitemnestra

91

Sob tais auspiacutecios natildeo se faz a melhor guerra No amor da prisioneira preso imune a rogos obteve o espoacutelio esmiacutenteo do anciatildeo de Febo jaacute louco entatildeo de ardor pela sagrada virgem

neve desertus foreta paelice umquam barbara caelebs torusablatam Achilli diligit Lyrnesidanec rapere puduit e sinu avulsam viriEn Paridis hostem Nunc novum vulnus gerensamore Phrygiae vatis incensus furitet post tropaea Troica ac versum Iliumcaptae maritus remeat et Priami gener (Sen Ag v184-191)

Para nunca o leito solitaacuterio privar de concubina baacuterbara a de Lirnesso elege tomada de Aquiles roubou-a sem pudor dos braccedilos do varatildeo O inimigo de Paacuteris Leva agora nova ferida e na paixatildeo ferve da vate friacutegia e apoacutes trofeacuteus troianos e arrasada Iacutelio unido a uma cativa genro vem de Priacuteamo

Os versos apresentados (v162ss) segundo Tarrant (1978 p 262) mostram que ldquoSenecas

Clytemestra in Agamemnon for example is clearly based in part on a passage in the Ars

Amatoriardquo134 como se pode observar nos versos de Oviacutedio

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viriAudierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virumQuae bene celaris si qua tamen acta patebuntilla licet pateant tu tamen usque nega (Ov Ar Am v399-410)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de seu marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Linerssiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com os seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de seu esposo

134 A Clitemnestra de Secircneca em Agamemnon por exemplo eacute claramente baseada em parte em uma passagem na Ars Amatoria

92

A Clitemnestra senequiana apresenta trecircs motivos para se vingar do marido o sacrifiacutecio da

sua filha Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas Criseida e Cassandra com quem o rei casou e a

levou consigo ao palaacutecio Os mesmos motivos satildeo descritos pela Clitemnestra esquiliana que tenta

justificar o assassiacutenio apoacutes ter dado morte ao rei

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόποςκαὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulher quem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa135

Em Secircneca Clitemnestra lembra os motivos de vinganccedila para tentar se convencer de que

deve matar o marido por isso as justificativas aparecem antes do assassiacutenio isso natildeo ocorre em

Eacutesquilo pois a sua Clitemnestra apresenta os motivos apoacutes a morte do rei ao tentar formular a

proacutepria defesa para uma puniccedilatildeo futura

Na trageacutedia romana depois de expor os motivos para a vinganccedila Clitemnestra conversa

com Egisto no final desse ato A apariccedilatildeo de Egisto nesse momento da peccedila eacute uma inovaccedilatildeo de

Secircneca como afirma Serrano (2003 p75) ldquoTambieacuten original es la aparicioacuten de Egisto antes del

retorno de Agamenoacuten que antildeade una serie de nuevos momentos a la historia de la parejardquo136 Ele

aparece para convencer a rainha de que ela deve matar o marido As falas presentes nesse ato natildeo

encontram associaccedilatildeo com nenhum outro texto que sobreviveu da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana

apresentada Jaacute as referecircncias agraves justificativas de vinganccedila aparecem apoacutes a morte do rei como foi

mencionado

A presenccedila de Egisto e a caracterizaccedilatildeo dele como personagem tatildeo forte na peccedila de Secircneca

talvez seja uma influecircncia das peccedilas intituladas Egisto de Liacutevio Andronico e de Aacutecio (jaacute

mencionadas anteriormente) nas quais Egisto era a personagem principal ou entatildeo uma influecircncia

135 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

136 Tambeacutem eacute original a apariccedilatildeo de Egisto antes do retorno de Agamecircmnon que adiciona uma seacuterie de novos momentos na histoacuteria do casal

93

(todavia mais difiacutecil de ser explicada) oriunda da Odisseia na qual Egisto aparece como o assassino

de Agamecircmnon Sobre isso afirma Serrano (2003 p 55) ldquoEn la eacutepica Egisto es el definitivo

responsable de los actos contra Agamenoacuten y de la seduccioacuten de Clitemnestrardquo137

No terceiro ato o mensageiro Euriacutebates chega ao palaacutecio e anuncia o retorno do rei

Clitemnestra conversa com Euriacutebates e este conta sobre o retorno dos gregos Pode-se dividir o

discurso de Euriacutebates em trecircs episoacutedios como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas narrative

comprises three distinct episodes the storm which overtook the Greeks on the return voyage from

Troy the death of Ajax Oileus at the hands of Athena and Poseidon and the deceit of Naupliusrdquo138

Os trecircs episoacutedios teriam sido narrados no poema Retornos Nos dois primeiros episoacutedios tem-se os

fragmentos recuperados a partir do sumaacuterio de Proclus139 (Proc Chres completado por Apolod

Epit 61-30 apud WEST 2003 p154)

Άγαμέμνων δε θνσας ανάγεται και Ύενέδωι προσίσχει- Νεοπτόλεμον δε πείθει Θετις άφικομένη έπιμεϊναι δύο ημέρας και θνσιάσαι και επιμένει οι δέ ανάγονται και περί Τήνον χειμάζονται- Αθηνά γάρ έδεήθη Διός τοις Ελλησι χειμώνα έπιπέμψαι- και πολλαί νήες βνθίζονται Αρgt εΐθ ό περί τάς Καφηρίδας πέτρας δηλονται χειμων και ή Αΐαντος φθορά τοϋ Αοκρον ltκαί έκβρασθέντα θάπτει Θετις έν Μνκόνωι A frota liderada por Agamecircmnon deixa Tecircnedos perto de Tenos eacute surpreendida por uma tempestade enviada por Zeus atendendo a um pedido de Atena Em meio a essa intempeacuterie muitos barcos afundam Mais tarde a frota defronta outra tormenta junto agraves rochas cafeacuteridas durante a qual o Aacutejax loacutecrio encontra a morte Teacutetis prepara o seu corpo e lhe rende honras fuacutenebres na ilha de Miconos140

E do uacuteltimo episoacutedio haacute apenas uma inferecircncia como mostra SOUSA (2008 p55)

Naacuteuplio e seus filhos Palamedes Eacuteax e Nausimedonte deveriam participar dos Retornos nos episoacutedios da morte de Agamecircmnon como insinua Apolodoro (II 1 5151) depois no Epiacutetome (6 7-11) conta-se que Naacuteuplio assim que sabe da morte de Palamedes vai ao encontro dos gregos por mar para exigir uma indenizaccedilatildeo Sem sucesso resolve vingar-se para tanto navega para as terras gregas e se empenha a favorecer alguns adulteacuterios o de Clitemnestra com Egisto o de Egiacuteale esposa de Diomedes com Cometes filho de Estecircnelo o de Meda esposa de Idomeneu com Leuco Natildeo satisfeito faz uma fogueira sobre o monte Cafareu na costa do Eubeia para sinalizar aos barcos gregos vindos de Troia a existecircncia de um porto ali enganados satildeo atraiacutedos para o escolho e afundam

Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo encontra-se apenas um dos episoacutedios mencionados o da

137 Na eacutepica Egisto eacute o responsaacutevel definitivo pelos atos contra Agamecircmnon e pela seduccedilatildeo de Clitemnestra138 A narrativa de Secircneca eacute composta por trecircs episoacutedios distintos a tempestade que assolou os gregos na viagem de

volta de Troia a morte de Aacutejax Oileu pelas matildeos de Atena e Poseidon e o engano de Naacuteuplio 139 Para mais informaccedilotildees sobre os poemas eacutepicos do ciclo troiano ver em SOUSA Francisco Edi de Oliveira As

pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado140 Traduccedilatildeo de Francisco Edi de Oliveira SOUSA (2008 p53-54)

94

tempestade E essa tempestade narrada pelo Arauto grego natildeo influenciou o relato de Euriacutebates

como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas account of the storm owes nothing to Aeschylusrdquo141

Mas apesar dessa informaccedilatildeo na mesma cena observa-se pouquiacutessimas semelhanccedilas como a

indagaccedilatildeo de Clitemnestra ao mensageiro sobre o destino de Menelau que estaacute presente nas duas

peccedilas

σὺ δ εἰπέ κῆρυξ Μενέλεων δὲ πεύθομαιεἰ νόστιμός τε καὶ σεσῳμένος πάλιν (Es Ag v617-618)

Diz tu oacute arauto e indago de Menelause ele tendo regressado salvo outra vez

Tu pande vivat coniugis frater meiet pande teneat quas soror sedes mea (Sen Ag v404-405)

Tu revela se vive o irmatildeo de meu esposoe revela o local que minha irmatilde habita

E tambeacutem o questionamento do Coro (Eacutesquilo) e de Clitemnestra (Secircneca) sobre os reveses

que assolaram as naus gregas presente em ambas as trageacutedias

πῶς γὰρ λέγεις χειμῶνα ναυτικῷ στρατῷἐλθεῖν τελευτῆσαί τε δαιμόνων κότῳ (Es Ag v634-635)

Como dizes Procela veio agrave esquadrae deu-lhe fim pelo rancor dos Numes

Quis fare nostras hauserit casus ratesaut quae maris fortuna dispulerit duces(Sen Ag v414-415)

Fala-me que infortuacutenio essas naus engoliu que capricho do mar dispersou nossos chefes

Com isso dentre a tradiccedilatildeo literaacuteria apresentada pode-se dizer que o discurso de Euriacutebates

talvez tenha sofrido influecircncia do poema eacutepico Retornos essa proximidade com o texto grego

talvez natildeo tenha chegado ateacute Secircneca diretamente mas atraveacutes de fontes romanas anteriores

Contudo Lohner (2009 p182-183) afirma que as fontes de Secircneca para compor esse relato seriam

de trageacutedias latinas

A narrativa da tempestade ocorrida durante o retorno dos gregos fazia parte de uma peccedila posterior a Eacutesquilo adaptada por Liacutevio Andronico na trageacutedia Aegisthus e tambeacutem por Aacutecio na trageacutedia Clytemnestra Secircneca imita os versos de Andronico no iniacutecio de sua narrativa

141 O relato de Secircneca sobre a tempestade natildeo deve nada a Eacutesquilo

95

Embora a cena da tempestade fosse bastante comum nos seacuteculos quinto e quarto142 a junccedilatildeo

dos trecircs episoacutedios ndash a tempestade a morte de Aacutejax e o engano de Naacuteuplio ndash na narrativa de

Euriacutebates parece ser uma influecircncia teatral do seacuteculo quarto

One or more lost tragic messenger-speeches may have combined for the first time the storm the death of Ajax and the treachery of Nauplius the loose sense of dramatic relevance presupposed by such a sprawling narrative may point to a fourth-century play143 (TARRANT 2004 p21)

No Ato IV Cassandra em diaacutelogo com o Coro de mulheres troianas prevecirc a morte de

Agamecircmnon e dela mesma A menccedilatildeo agraves visotildees profeacuteticas de Cassandra satildeo mostradas na trageacutedia

Agamemnon de Eacutesquilo e na Arte de Amar de Oviacutedio (como jaacute foi citado anteriormente) Poreacutem em

relaccedilatildeo com a primeira obra haacute uma inversatildeo da ordem dos acontecimentos entre as trageacutedias na

grega Agamecircmnon chega ao palaacutecio antes de Cassandra jaacute na romana Cassandra aparece em cena

antes de Agamecircmnon contrapondo-se a ordem normal na qual o rei chega antes dos prisioneiros

Alguns momentos do transe profeacutetico estatildeo presentes nas duas trageacutedias como a referecircncia

agrave possessatildeo apoliacutenica da jovem

παπαῖ οἷον τὸ πῦρ ἐπέρχεται δέ μοιὀτοτοῖ Λύκει Ἄπολλον οἲ ἐγὼ ἐγώ (Es Ag v1256-1257)

Papaicirc Que fogo este E invade-meOtotoicirc Lupino Apolo Ai de mim

Quid me furoris incitam stimulis noviquid mentis inopem sacra Parnasi iugarapitis Recede Phoebe iam non sum tua (Sen Ag v 720-722)

Por que me incitas o impulso de um novo furorPor que sagrados cumes do Parnaso insaname rendeis Para traacutes Febo jaacute natildeo sou tua

Tambeacutem se encontra nas duas peccedilas a metaacutefora dos animais felinos em relaccedilatildeo ao rei (leatildeo)

e agrave Clitemnestra (leoa) como se pode ver nos versos abaixo

αὕτη δίπους λέαινα συγκοιμωμένηλύκῳ λέοντος εὐγενοῦς ἀπουσίᾳκτενεῖ με τὴν τάλαιναν (Es Ag v1258-1260)

142 TARRANT 2004 p20143 Um ou mais discursos traacutegicos perdidos de mensageiro podem ter combinado pela primeira vez a tempestade a

morte de Ajax e a traiccedilatildeo de Nauplius o sentido amplo de relevacircncia dramaacutetica pressuposta por uma narrativa tatildeo extensa pode apontar para uma peccedila do seacuteculo IV

96

Essa leoa biacutepene junto com o lobodeitada na ausecircncia do nobre leatildeomatar-me-aacute miacutesera

victor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Ag v738-740)

De feras vencedor colo altaneiro jazsujeito a infames presas o leatildeo marmaacutericosofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Ainda nesse ato Agamecircmnon chega ao palaacutecio e conversa com Cassandra A profetisa

compara o rei grego a Priacuteamo na tentativa de lhe advertir sobre o perigo iminente Embora esse seja

o uacutenico momento em que Agamecircmnon aparece na trageacutedia o rei estaacute presente tambeacutem atraveacutes das

outras personagens como bem afirma Serrano (2003 p124)

la corta aparicioacuten de Agamenoacuten no lo priva de ser el protagonista de toda la obra como en cierta medida ocurriacutea en los traacutegicos griegos Agamenoacuten es la causa de las dudas de Clitemnestra del odio de Egisto y del amor de Electra Cuando aparece en escena recupera la grandeza del heacuteroe eacutepico soberbio y orgulloso de sus actos144

E no Ato V Cassandra por meio do transe profeacutetico narra simultaneamente de fora do

palaacutecio como Clitemnestra matou o seu marido A morte de Agamecircmnon eacute lembrada na maioria das

obras que trazem o mito do rei A descriccedilatildeo da morte inicia-se com trecircs verbos no presente do

indicativo uideo et intersum et fruor (v872) para Lohner (2009 p217) esse versos representam

eco no texto latino dos versos 46-47 do proacutelogo tendo o efeito de evocar a figura de Tiestes Laacute o verbo uideo assinalava a visatildeo prospectiva de Tiestes agora assinala a visatildeo ldquoem tempo realrdquo de Cassandra

Depois Cassandra descreve a imagem de Agamecircmnon vestido de Priacuteamo no banquete feito

para ele O banquete senequiano segundo Serrano (2003 p75) seria uma influecircncia da Odisseia de

Homero ldquofinalmente cae vencido por su mujer y su primo en un banquete de tradicioacuten homeacuterica en

el que le apresan entre engantildeosas vestidurasrdquo145 A referecircncia ao banquete homeacuterico encontra-se nos

versos 526-535 do canto IV uma comemoraccedilatildeo oferecida por Egisto

144 A curta apariccedilatildeo de Agamecircmnon natildeo o priva de ser protagonista de toda a obra como de certo modo acontecia nos traacutegicos gregos Agamecircmnon eacute a causa das duacutevidas de Clitemnestra do oacutedio de Egisto e do amor de Electra Quando aparece em cena recupera a grandeza do heroacutei eacutepico soberbo e orgulhoso de seus atos

145 Finalmente cai vencido por sua esposa e seu primo num banquete de tradiccedilatildeo homeacuterica no qual o prendem em roupas enganosas

97

Clitemnestra induz o marido a trocar as vestimentas e o envolve num manto que o

mobilizaraacute Depois disso Egisto daacute o primeiro golpe e Clitemnestra o ajuda na execuccedilatildeo do rei A

imagem do morto (v901-903) segundo Lohner (2009 p218) seria a mesma imagem da morte de

Priacuteamo descrita na Eneida de Virgiacutelio ldquoesses versos latinos imitam os de Virgiacutelio na (Eneida 2

557-558) referentes agrave decapitaccedilatildeo de Priacuteamordquo como se pode observar nos versos abaixo

Iacet ingens litore truncusauolsumque umeris caput et sine nomine corpus (Vir En v557-558)

Sobra a margem jaz um tronco gigantescouma cabeccedila separada das espaacuteduas um corpo sem nome

Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacent (Sen Ag v901-903)

Da estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorrado tronco a face com frecircmito desaba

Assim Agamecircmnon volta a ser comparado a Priacuteamo atraveacutes das semelhanccedilas mostradas

entre os versos dos poemas A trageacutedia de Secircneca retoma os termos caput trunco e iacent da poesia

virgiliana (caput truncus e iacet)146 O verbo iaceo usado no presente demonstra a disposiccedilatildeo do

corpo morto e a separaccedilatildeo deste em duas partes caput (cabeccedila) e truncustrunco (tronco)

representa a decapitaccedilatildeo do corpo presente em ambos os poemas A imagem da separaccedilatildeo entre a

cabeccedila e o corpo fica mais evidente em Secircneca com o particiacutepio passado amputatum (amputada) e

em Virgiacutelio com o termo auolsum umeris (separada das espaacuteduas)

Agamecircmnon morreu e os assassinos dilaceram o seu corpo Na versatildeo de Secircneca os

responsaacuteveis pela morte do rei satildeo Clitemnestra e Egisto isso representa para a tradiccedilatildeo da poesia

traacutegica um enfraquecimento da personagem Clitemnestra No Agamecircmnon de Eacutesquilo Clitemnestra

mata sozinha o marido e assim Serrano (2003 p107-108) a caracteriza

Se muestra entonces como una figura terriblemente grandiosa en el umbral del palacio salpicada con la sangre que compara con gotas de rociacuteo no se arrepiente ni se derrumba al contemplar sus manos manchadas por el crimen asume su responsabilidad e intenta hacer partiacutecipe de su actuacioacuten al daimon de la casa de Atreo y enlazar asiacute el resto de sus razones (Ifigenia Casandra) con la herencia geneacutetica de la culpa147

146 LOHNER 2009 p218147 Mostra-se entatildeo como uma figura terrivelmente grandiosa no umbral do palaacutecio salpicada com o sangue que

compara com gotas de orvalho natildeo se arrepende nem se abala ao contemplar suas matildeos manchadas pelo crime assume sua responsabilidade e tenta envolver a sua accedilatildeo no daimon da casa de Atreu e enlaccedilar assim o resto de suas razotildees (Ifigecircnia Cassandra) com a heranccedila geneacutetica da culpa

98

Clitemnestra jaacute perde parte da sua forccedila nas Coeacuteforas de Eacutesquilo quando aparece com medo

por causa da vinganccedila dos filhos Na Electra de Soacutefocles Clitemnestra aparece como incapacitada

de lutar diante da decisatildeo dos filhos de vingar a morte do pai E na Electra de Euriacutepides a rainha se

mostra mais humana e por isso Egisto se torna o principal foco da vinganccedila de Electra e Orestes

como afirma Serrano (2003 p115)

Frente a la configuracioacuten de la heroiacutena marcada por la tradicioacuten la figura de Euriacutepides sufre una humanizacioacuten se ve descargada de la dureza que hasta ahora la habiacutea caracterizado y por lo tanto de parte de su culpabilidad al reconocer sus errores y confesar su arrepentimiento pese al desprecio y los reproches de Electra148

E em Secircneca Clitemnestra a princiacutepio mostra-se em duacutevida quanto ao plano de vinganccedila

mas com a ajuda de Egisto ela participa ativamente da morte do rei como jaacute foi mencionado Com

isso conclui Serrano (2203 p116)

La decidida Clitemnestra esquilea ha perdido su entereza paulatinamente y ahora necesita maacutes que en ninguna otra ocasioacuten el apoyo de Egisto que desde el comienzo se ha mantenido inamovible duro y fuerte149

Apoacutes a cena descrita da morte Electra aparece e entrega Orestes a Estroacutefio a mesma

referecircncia a essa entrega aparece tambeacutem em Higino (Fab 117 2)

At Electra Agamemnonis filia Orestem fratrem infantem sustulit quem demandavit in Phocide Strophio cui fuit Astyochea Agamemnonis soror nupta

Electra hija de Agamenoacuten se llevoacute a su hermano pequentildeo Orestes yy lo confioacute a Estrofio em la Foacutecide que estaba casado com Astiacuteoque hermana de Agamenoacuten

Logo a jovem encontra a matildee e reclama a morte do pai Clitemnestra chama Egisto e pede

que ele castigue a filha e mate Cassandra Essa cena final segundo Tarrant (2004 p17-18) revela

uma proximidade com a trageacutedia republicana

The last act of Agamemnon contains the clearest parallel to republican drama a scene after the murder involving at least Electra and her mother (and perhaps Aegisthus and

148 Diante da configuraccedilatildeo da heroiacutena marcada pela tradiccedilatildeo a figura de Euriacutepides sofre uma humanizaccedilatildeo mostra-se desvinculada da dureza que ateacute agora a tinha caracterizado e portanto por parte da sua culpa ao reconhecer os erros e confessar seu arrependimento apesar do desprezo e das injuacuterias de Electra

149 A decidida Clitemnestra esquiliana perdeu sua totalidade paulatinamente e agora necessita mais do que alguma outra ocasiatildeo do apoio de Egisto que desde o comeccedilo se manteve imoacutevel duro e forte

99

Cassandra as well) is certainly attested for Livius and Accius150

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca teria sofrido muitas outras influecircncias literaacuterias e como jaacute

foi dito algumas dessas natildeo se podem recuperar Contudo atribui-se como as principais fontes de

Secircneca foram as trageacutedias republicanas de Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio e

algumas trageacutedias da eacutepoca de Augusto como afirma Tarrant (2004 p14)

Many aspects of Senecan dramatic procedure probably derive from Augustan precedent and inspiration and the Augustans may have been responsible for the synthesis of classical myth Hellenistic canons of form elements of archaic diction and great stylistic refinement which we associate with Senecan drama151

Essa pesquisa natildeo congrega todas as fontes utilizadas por Secircneca ao compor a sua trageacutedia

mas pretendeu-se mostrar atraveacutes das fontes que restaram que eacute possiacutevel verificar uma retomada

dessas feitas pelo tragedioacutegrafo

150 O uacuteltimo ato do Agamenon conteacutem um clariacutessimo paralelo com o drama republicano uma cena apoacutes o assassinato envolvendo pelo menos Electra e sua matildee (e talvez Egisto e Cassandra tambeacutem) eacute certamente atestada por Liacutevio e Aacutecio

151 Muitos aspectos do processo dramaacutetico Secircneca derivam provavelmente precedente de Augusto e da inspiraccedilatildeo e os Augustanos podem ter sido responsaacuteveis pela siacutentese do mito claacutessico cacircnones helecircnicos de forma elementos da dicccedilatildeo arcaica e de grande refinamento estiliacutestico que noacutes associamos com Secircneca drama

100

5 CONCLUSAtildeO

Este trabalho teve o intuito de mostrar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega e a romana apresentou

o mito de Agamecircmnon desde os poemas homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca focalizando a recepccedilatildeo

do mito feita por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon e por Secircneca na trageacutedia homocircnima

No primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo desenvolveu-se

um panorama do processo criativo da poesia grega desde Homero ateacute o drama aacutetico Na Greacutecia esse

processo contou com uma forte influecircncia da oralidade que com o passar dos seacuteculos vai se

enfraquecendo por causa da revoluccedilatildeo da escrita Nas trageacutedias gregas do seacutec V ainda se encontra

resquiacutecios de oralidade Jaacute em Roma o processo criativo da poesia mostra um viacutenculo direto com a

escrita As representaccedilotildees traacutegicas do periacuteodo arcaico romano tinham uma referecircncia textual desta

restaram apenas fragmentos Por isso o mito de Agamecircmnon foi recriado nos diversos textos

apresentados da tradiccedilatildeo grega e da romana de maneira particular pois esses vatildeo recepcionar o mito

de acordo com o acesso agrave tradiccedilatildeo miacuteticaliteraacuteria

No segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo ao apresentar a

tradiccedilatildeo literaacuteria desde Homero ateacute Eacutesquilo pode-se considerar que Eacutesquilo colheu muito dessa

tradiccedilatildeo para compor o seu Agamecircmnon A trageacutedia esquiliana tem traccedilos homeacutericos e traccedilos liacutericos

O rei Agamecircmnon traacutegico eacute glorioso como o rei homocircnimo de Homero presente na Iliacuteada A

Clitemnestra traacutegica eacute produto de uma tradiccedilatildeo liacuterica da Piacutetica XI de Pigravendaro na qual era o

principal foco Atraveacutes da anaacutelise mostrada nesse capiacutetulo a recepccedilatildeo de Eacutesquilo para compor

Agamecircmnon deveu-se principalmente aos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia e ao poema liacuterico

Piacutetica XI de Piacutendaro

No terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeordquo

apresentou-se a tradiccedilatildeo literaacuteria desde Soacutefocles ateacute Secircneca Essa tradiccedilatildeo contou com uma grande

distacircncia temporal desde o seacutec V aC ateacute o seacutec I dC e com a presenccedila de duas culturas

diferentes a grega e a romana mas mesmo assim foi possiacutevel indicar algumas influecircncias sofridas

por Secircneca ao compor a sua peccedila Considerou-se a perceptiacutevel a influecircncia das obras romanas

como a Eneida de Virgiacutelio as trageacutedias latinas Egisto e Clitemnestra a Arte de Amar de Oviacutedio as

Faacutebulas de Higino e outros modelos latinos que natildeo sobreviveram Assim pode-se dizer que

Secircneca reescreveu o mito de Agamecircmnon no que diz respeito ao enredo apoiando-se

principalmente na tradiccedilatildeo literaacuteria romana mas sem desconsiderar algumas influecircncias dos textos

gregos

Contudo o presente trabalho pretendeu mostrar que os tragedioacutegrafos estudados Eacutesquilo e

Secircneca se apropriam da tradiccedilatildeo literaacuteria anterior a eles para construir as suas peccedilas Com base

101

nessa tradiccedilatildeo eles reescrevem os mitos jaacute conhecidos e os transmitem com uma nova versatildeo

perpetrando a cada reescritura um novo paradigma do mito de Agamecircmnon

102

REFEREcircNCIAS

ALMEIDA Guilherme de amp VIEIRA Trajano Trecircs trageacutedias gregas Antiacutegone Prometeu prisioneiro Aacutejax Satildeo Paulo Perspectiva 1997

APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

BEACHAM Richard ldquoPlaying places the temporary and the permanentrdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p202-226 BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

BOYLE A JTragic Seneca an essay in the theatrical tradition New York Routledge 2009

CALAME Claude Choruses of young women in Ancient Greece Trad de Derek Collins and Janice Orion Lanham Rowman amp Little Publishers 1997

_______ ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo In Megravetis Anthropologie des mondes grecs anciens Volume 12 1997 pp 181-203

CAMPBELL David A Greek Lyric ndash III ndash Stesichorus Ibycus and Simonides Loeb Classical Library Cambridge Harvard University Press 2001

CARDOSO Zeacutelia de Almeida A literatura latina Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

CASTIAJO Isabel O teatro grego em contexto de representaccedilatildeo Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2012

DEBNAR Paula ldquoFifth-Century Athenian History and Tragedyrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

DUPONT Florence LActeur Roi ndash Le theacuteacirctre dans la Rome Antique Paris Les Belles Lettres 2003

_______ Linvention de la litteacuterature de ivresse grecque au texte latin Paris la Deacutecouverte 1998

ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Coeacuteforas Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Eumecircnides Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Os persas Trad de Maacuterio da Gama Kury Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1992

103

EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

______ Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

______ Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

______ Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

______ Teatro de Euriacutepides ndash Ifigecircnia em Aacuteulis As Bacantes Electra Trad Nataacutelia Correia Porto Civilizaccedilatildeo 1969

FANTHAM Elaine ldquoRoman Tragedyrdquo In HARRISON Stephen (ed) A companion to Latin literature Malden Oxford e Victoria Blackwell 2005

FIALHO Maria do Ceacuteu ldquoDo Oikos agrave Poacutelis de Agameacutemnon sob o signo da distorccedilatildeordquo In Aacutegora Estudos Claacutessicos em Debate nordm 14 2012 p47-61 Acessado pelo site httprevistasuaptindexphpagoraarticleview13011188 em 28 de janeiro de 2013

GAILLARD Jacques Introduccedilatildeo agrave literatura latina ndash das origens a Apuleio Trad de Maria Cristina Pimentel Mem Martins Inqueacuterito 1994

GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

GUAL Carlos Garciacutea Introduccioacuten a la mitologiacutea griega Madrid Alianza Editorial 2006

______ Mitologiacutea y literatura en el mundo griego In httpwwwucmesinfoamalteadocumentosseminario2Seminario2_Grecia_GarciaGualpdf acessado em 29 de maio de 2011

HALL Edith Aeschylusrsquo Clytemnestra versus her Senecan Tradition 2005 p 1-34 Arquivo In httpwwwrhulacukcrgrdocumentspdfpapersagamemnonpdf acessado em 05 de maio de 2013HAVELOCK Erick A A revoluccedilatildeo da escrita na Greacutecia e suas consequecircncias culturais Trad de Ordep Joseacute Serra Satildeo Paulo Editora da UNESP Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

HERRMANN Leacuteon Le theacuteatre de Seacutenegraveque Paris Les Belles Lettres 1924

HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

______ Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80

104

Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

ISIDRO Pereira S J Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Livraria AI 1998 8ordf ed

JEBB Sir Richard C Sophocles The Plays and Fragments with critical notes commentary and translation in English prose Part VI The Electra Cambridge Cambridge University Press 1894 In httpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=Perseus3Atext3A19990400253Atext3Dintro acessado em 08 de janeiro de 2013

LOHNER Joseacute Eduardo dos Santos ldquoIntroduccedilatildeo Posfaacutecio e Notasrdquo In SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

LORD Albert B The singer of tales New York Atheneum 1971

MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) pp 126-137

MOTA Marcus ldquoNos passos de Homero performance como argumento da Antiguidaderdquo In VIS Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte Brasiacutelia Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte 2010

NAGY Gregory Homeric Questions Austin University of Texas Press 1996

OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

______ Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

REHM Rush ldquoFestivals and audiences in Athens and Romerdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p184-201

RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011

SCULLION Scott ldquoTragedy and religion the problem of originsrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

105

_______ Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004

_______ As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

_______ Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

SERRANO Diana de Paco ldquoCaracterizacioacuten de Clitemnestra y Agamenoacuten de Esquilo a Seacutenecardquo In Myrtia Revista Filologiacutea Claacutessica 2003 nordm18 p105-127 Acessado em 08 de outubro de 2011 pelo site httpdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=934677

_______ ldquoEl drama de Agamenoacuten de Homero a nuestros diacuteasrdquo In La tragedia de Agamenoacuten en el teatro Espantildeol del siglo XX Murcia Universidad de Murcia 2003 p50-84 SOacuteFOCLES As Traquiacutenias Trad de Flaacutevio Ribeiro de Oliveira Campinas Editora UNICAMP 2009

_______ Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

TARRANT J R ldquoIntroductionrdquo in SENECA Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004 paacutegs 3-96

_______ Senecas drama and its antecedents Havard Studies in Classical Philology (HSCP) nordm82 pp 213-263 1978

THOMAS Rosalind Letramento e oralidade na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Odysseus 2005

VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

WEST Martin L Greek epic fragments Cambridge Harvard University Press 2003

ZUMTHOR Paul Performance recepccedilatildeo leitura Trad de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich Satildeo Paulo Cosac Naify 2007

AGRADECIMENTOS

A Deus pela sabedoria pela forccedila pela determinaccedilatildeo para conduzir a minha pesquisa e pela

minha sauacutede e paz nesses anos do mestrado

Aos meus pais pelo eterno amor pelo apoio agrave minha vida acadecircmica e por sempre

acreditarem no meu sucesso

Ao meu marido pelo companheirismo por compreender as minhas ausecircncias durante a

escritura da dissertaccedilatildeo e por sempre me apoiar na vida profissional

Agrave minha irmatilde que mesmo morando longe pelo apoio e pela ajuda nessa caminhada da vida

profissional

Aos meus tios tias primos e primas por acreditarem no meu sucesso

Aos meus amigos e amigas pelo companherismo por acreditarem no meu sucesso e por

compreenderem as minhas ausecircncias em alguns momentos

Ao professor Orlando Luiz de Araacuteujo pela orientaccedilatildeo atenta e paciente pelos livros

emprestados pelas preciosas sugestotildees e criacuteticas no desenvolvimento dessa pesquisa e pela

amizade

Agrave professora Ana Maria Ceacutesar Pompeu da UFC pelas preciosas criacuteticas e sugestotildees durante

a qualificaccedilatildeo e pela amizade

Ao professor Francisco Edi de Oliveira Sousa da UFC por ter me incentivado desde a

graduaccedilatildeo ao estudo do Latim por ter me enviado alguns livros e pela amizade

Ao professor Roberto Arruda de Oliveira da UFC pelas criacuteticas e sugestotildees durante a

qualificaccedilatildeo

Ao professor Joseacute Eduardo dos Santos Lohner da USP por aceitar o convite para participar

da banca de defesa dessa dissertaccedilatildeo e por contribuir para o enriquecimento dessa pesquisa

Agrave UECE por consentir o meu afastamento das atividades acadecircmicas para cursar o

mestrado e por financiar os meus estudos

Ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Letras da UFC pela oportunidade de cursar o mestrado

na aacuterea de Literatura Claacutessica

RESUMO

Na Greacutecia Antiga mitos como o de Agamecircmnon eram narrados em meios sociais e

adaptados ao momento no qual eram apresentados possibilitando assim vaacuterias versotildees de uma

mesma narrativa Acerca do mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos restaram alguns textos

escritos como na poesia eacutepica Iliacuteada e Odisseia de Homero no poema liacuterico Piacutetica XI de Piacutendaro

nas trageacutedias Oresteia de Eacutesquilo no Aacutejax e na Electra de Soacutefocles na Heacutecuba Troianas

Androcircmaca Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides nos poemas

Cantos Ciacuteprios e Retornos do ciclo troiano e em outras narrativas como a Biblioteca Mitoloacutegica de

Apolodoro e a Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias Jaacute na literatura latina encontram-se referecircncias

ao mito de Agamecircmnon no Egisto de Liacutevio Andronico na Clitemnestra de Aacutecio na Eneida de

Virgiacutelio nos poemas A arte de Amar e Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon

Troianas e Tiestes de Secircneca Nessa pesquisa mostrar-se-aacute como as obras mencionadas recontam o

mito de Agamecircmnon e como Eacutesquilo e Secircneca ao escreverem as suas trageacutedias ambas intituladas

Agamecircmnon apoderam-se dessa tradiccedilatildeo literaacuteria Analisar-se-aacute as partes do mito que foram

colhidas dessa tradiccedilatildeo pelos tragedioacutegrafos e se tentaraacute mostrar algumas particularidades dos

tragedioacutegrafos influenciados por um contexto social ao recontar esse mito na tentativa de

apresentar uma comparaccedilatildeo entre os textos quanto ao processo de recriaccedilatildeo miacutetica feito por Eacutesquilo

e Secircneca

Palavras-chave Mito Agamecircmnon Trageacutedia Eacutesquilo Secircneca

ABSTRACT

In Ancient Greece myths as Agamemnonrsquos were told in social environment and adapted at

the moment they were presented enabling many versions of the same story About the

Agamemnonrsquos myth called the Greekrsquos boss they were left some of the written texts as in the epic

poetry Homers Iliad and Odyssey in the lyric poetry Pindars Pythian XI in the tragedies

Aeschylus Orestia Sophocles Ajax and Electra Euripedes Hecuba The Trojan Women

Adromache Electra Iphigenia in Tauris Orestes and Iphigenia at Aulis in the poems The Cypria

and The returns from the Trojan Cycle and in other stories as the Apollodorus Bibliotheca and

Pausanias Description of Greece In the Latin literature we can find references to Agamemnonrsquos

myths in Livius Andronicus Aegisthus Accius Clytemnestra Virgils The Aeneid Ovids The

Metamorphoses and The Art of Love Senecas Troades Agamemnon and Thyestes In this research it

will be shown how the mentioned stories retell Agamemnonrsquos myths and how Aeschylus and

Seneca when they wrote their tragedies both called Agamemnon took possession of this literary

tradition It will be analyzed the parts from the myth which were gathered from this tradition from

the tragedians and it will try to show some of particularities from the tragedians influenced by a

social context when they retold this myth in a attempt to present a comparative between the texts as

the process of the mythical recreation made by Aeschylus and Seneca

Keywords Myth Agamemnon Tragedy Aeschylus Seneca

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo hellip 8

2 Capiacutetulo I Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeohellip 11

3 Capiacutetulo II Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo 36

31 A tradiccedilatildeo eacutepica hellip 36

32 A tradiccedilatildeo liacuterica hellip 44

33 A tradiccedilatildeo traacutegica hellip 47

34 A recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon hellip 54

4 Capiacutetulo III Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeo 66

41 A tradiccedilatildeo literaacuteria grega hellip 66

42 A tradiccedilatildeo literaacuteria romana hellip 75

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon 85

5 Conclusatildeo helliphellip 100

Referecircncias hellip 102

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem como objetivo de estudo as duas trageacutedias da tradiccedilatildeo greco-romana

intituladas Agamecircmnon uma de Eacutesquilo e a outra de Secircneca no que diz respeito agrave recepccedilatildeo feita

pelos tragedioacutegrafos em suas respectivas obras

O mito de Agamecircmnon assim como os outros mitos gregos foi transmitido a princiacutepio por

meio da oralidade e depois a partir dos textos literaacuterios Agamecircmnon ficou conhecido na tradiccedilatildeo

ocidental por ter liderado as tropas gregas rumo agrave guerra de Troia por ter sacrificado a filha Ifigecircnia

em honra agrave deusa Aacutertemis e por ter morrido assassinado por sua esposa Clitemnestra As partes do

mito de Agamecircmnon aparecem em diversos textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana Neste

estudo optou-se por analisar como a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e a homocircnima de Secircneca

recontam a morte do rei pois cada um desses tragedioacutegrafos faz uma leitura do mito do rei de

Argos

Cuando un autor tragico reelabora em su drama un tema mitico tampouco tiene especial intereacutes en transmitirnos la versioacuten completa y canoacutenica sino que centra su representacioacuten em algunos puntos que en su reflexioacuten le parecen los maacutes sugestivos y convenientes1 (GUAL 2006 p67)

Na tradiccedilatildeo grega Eacutesquilo escolheu recriar o mito de Agamecircmnon na sua peccedila

considerando a sua audiecircncia e os acontecimentos em Atenas Essa trageacutedia foi encenada em 458

aC e repensa juntamente com as Coeacuteforas e as Eumecircnides por exemplo questotildees sobre a justiccedila

ateniense Mas essa versatildeo traacutegica do mito natildeo somente mostra os aspectos da sociedade ateniense

mas tambeacutem se apoia na tradiccedilatildeo literaacuteria anterior acerca do mito

E na tradiccedilatildeo romana Secircneca tambeacutem recepcionou os textos de seus antecessores ao

escrever a sua versatildeo do mito de Agamecircmnon A trageacutedia senequiana revela as influecircncias gregas e

romanas recebidas atraveacutes de leituras feitas pelo tragedioacutegrafo E ainda o mito eacute recontado sob uma

perspectiva imperialista e com uma linguagem mais acurada sob influecircncia da retoacuterica poreacutem

artificial

Considerando os aspectos de reescritura do mito de Agamecircmnon pelos tragedioacutegrafos e a

semelhanccedila entre os tiacutetulos das peccedilas visa-se mostrar quais textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e da

romana serviram de modelo aos autores para a composiccedilatildeo das suas respectivas trageacutedias Este

1 Quando um autor traacutegico reelabora em seu drama um tema miacutetico natildeo estaacute particularmente interessado em nos transmitir a sua versatildeo completa e canocircnica mas centra a sua representaccedilatildeo em alguns pontos que na sua reflexatildeo lhe parecem mais sugestivos e convenientes

9

estudo apresenta trecircs capiacutetulos que relatam o desenvolvimento da recepccedilatildeo desde os poemas

homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca

O primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo se inicia com um

estudo acerca da oralidade da escrita e das contribuiccedilotildees que esses elementos concederam aos

primeiros poemas da tradiccedilatildeo grega Os poemas homeacutericos satildeo considerados os primeiros textos

poeacuteticos gregos que recontam os mitos gregos por meio da transmissatildeo oral Por isso o processo de

criaccedilatildeo desses poemas eacute mostrado atraveacutes dos estudos teoacutericos de Milman Parry Albert Lord e

Gregory Nagy Logo apoacutes os poemas homeacutericos Hesiacuteodo apresenta diferenccedilas no processo criativo

de sua poesia E com a revoluccedilatildeo provocada pela escrita na Greacutecia as trageacutedias do seacutec V jaacute

vislumbram uma composiccedilatildeo mais elaborada mas ainda sob influecircncia da oralidade

A trageacutedia grega tem como principais representantes Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides Eles

tiveram as suas peccedilas encenadas em Atenas nos festivais dionisiacuteacos e por meio da representaccedilatildeo

recontavam os mitos gregos Dentre as trageacutedias gregas que restaram tem-se uma uacutenica trilogia

Oresteia de Eacutesquilo da qual faz parte a peccedila Agamecircmnon Em Roma as primeiras manifestaccedilotildees

teatrais aconteceram em festivais luacutedicos O teatro traacutegico romano tem a participaccedilatildeo de Liacutevio

Andronico Neacutevio Ecircnio Pacuacutevio e Aacutecio poreacutem desses soacute restaram alguns fragmentos E apoacutes esse

periacuteodo soacute restaram na iacutentegra os textos completos das trageacutedias de Secircneca

O segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo divide-se em

quatro partes a tradiccedilatildeo eacutepica a tradiccedilatildeo liacuterica a tradiccedilatildeo traacutegica e a recepccedilatildeo de Eacutesquilo em

Agamecircmnon A tradiccedilatildeo eacutepica relata como o mito de Agamecircmnon eacute contado nos poemas homeacutericos

Iliacuteada e Odisseia e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos A tradiccedilatildeo liacuterica

apresenta o mito de Agamecircmnon no poema Oresteia de Estesiacutecoro e no epiniacutecio Piacutetica XI de

Piacutendaro A tradiccedilatildeo traacutegica mostra o mito de Agamecircmnon na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e nas

outras duas peccedilas da trilogia Coeacuteforas e Eumecircnides E na recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon

tenta-se mostrar quais das influecircncias literaacuterias apresentadas sobreviveram no texto de Eacutesquilo

Nesses poemas Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos e como um homem assassinado pela

esposa

O terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana e recepccedilatildeordquo

divide-se em trecircs partes a tradiccedilatildeo literaacuteria grega a tradiccedilatildeo literaacuteria romana e a recepccedilatildeo de

Secircneca em Agamecircmnon A tradiccedilatildeo literaacuteria grega mostra o mito de Agamecircmnon nas trageacutedias

Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e

Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e nas narrativas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo

da Greacutecia de Pausacircnias A tradiccedilatildeo romana apresenta o mito de Agamecircmnon nos seguintes textos

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

10

Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de Secircneca E na recepccedilatildeo

de Secircneca em Agamecircmnon busca-se mostrar quais as influecircncias sofridas por Secircneca ao compor a

sua trageacutedia priorizando os resquiacutecios da tradiccedilatildeo literaacuteria romana sobreviventes na peccedila

11

2 CAPIacuteTULO 1 Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeo

O objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar inicialmente informaccedilotildees acerca da oralidade e da

escrita alfabeacutetica na Greacutecia antiga e quais contribuiccedilotildees esses elementos exerceram na poesia grega

do periacuteodo arcaico em especial na trageacutedia do seacuteculo V aC Depois seratildeo apresentadas

consideraccedilotildees acerca do teatro romano

A sociedade grega antiga ficou conhecida como uma sociedade culturalmente avanccedilada

principalmente por causa do advento da escrita alfabeacutetica Embora bem antes jaacute houvesse uma

escrita silaacutebica a conhecida Linear B essa natildeo resistiu ao tempo e provavelmente por falta de uso

desapareceu juntamente com a civilizaccedilatildeo micecircnica (c 1500-1100 aC) Seacuteculos depois a escrita

alfabeacutetica espalhou-se gradualmente pela Greacutecia Ateacute entatildeo a sociedade grega era de natureza

predominantemente oral as notiacutecias os textos poeacuteticos as leis a tradiccedilatildeo tudo era transmitido boca

a boca como afirma Gual (2006 p 35-36)

Las instituciones se apoyan en los mitos se recurre a ellos para tomar decisiones se interpretan los hechos de acuerdo con ellos Los maacutes viejos se los cuentan a los maacutes joacutevenes y eacutestos se inician en los saberes tradicionales de su pueblo mediante los grandes relatos de los dioses y los heacuteroes fundadores Las nodrizas les cuentan a los nintildeos los fascinantes sucesos de un tiempo lejano y divino Los abuelos y las abuelas recuentan a los pequentildeos lo que a ellos les contaron tiempo atraacutes sus proprios abuelos Y en las fiestas comunitarias se reitera a traveacutes de rituales mimeacuteticos y de narraciones escogidas las palabras de los mitos2

E como exemplo dessa tradiccedilatildeo de transmissatildeo oral tem-se o canto VII da Odisseia (v62-

95) de Homero quando Alciacutenoo rei dos feaacutecios em seu palaacutecio prepara um banquete e para essa

comemoraccedilatildeo eacute levado um cantor que ao cantar os feitos de Troia emociona Odisseu

κῆρυξ δ ἐγγύθεν ἦλθεν ἄγων ἐρίηρον ἀοιδόντὸν περὶ Μοῦσ ἐφίλησε δίδου δ ἀγαθόν τε κακόν τεὀφθαλμῶν μὲν ἄμερσε δίδου δ ἡδεῖαν ἀοιδήν (Hom Od v62-64)[hellip]αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντοΜοῦσ ἄρ ἀοιδὸν ἀνῆκεν ἀειδέμεναι κλέα ἀνδρῶνοἴμης τῆς τότ ἄρα κλέος οὐρανὸν εὐρὺν ἵκανενεῖκος Ὀδυσσῆος καὶ Πηλεΐδεω Ἀχιλῆος (Hom Od VIII v72-75)[hellip]ταῦτ ἄρ ἀοιδὸς ἄειδε περικλυτός αὐτὰρ Ὀδυσσεὺς

2 As instituiccedilotildees se apoiam nos mitos recorrem a eles para tomar decisotildees interpretam os feitos de acordo com eles Os mais velhos os contam aos mais jovens e estes se iniciam nos conhecimentos tradicionais de seu povo mediante os grandes relatos dos deuses e dos heroacuteis fundadores As nutrizes contam agraves crianccedilas os feitos fascinantes de um tempo distante e divino Os avocircs e as avoacutes recontam aos pequenos o que a eles contaram tempos atraacutes seus proacuteprios avoacutes E nas festas comunitaacuterias se reitera atraveacutes dos rituais mimeacuteticos e das narraccedilotildees escolhidas as palavras dos mitos

12

πορφύρεον μέγα φᾶρος ἑλὼν χερσὶ στιβαρῇσικὰκ κεφαλῆς εἴρυσσε κάλυψε δὲ καλὰ πρόσωπααἴδετο γὰρ Φαίηκας ὑπ ὀφρύσι δάκρυα λείβων (Hom Od VIII v83-86)

Jaacute pelo arauto trazido o cantor divinal se aproximaque tanto a Musa distingue e a quem males de bens concederatira-lhe a vista dos olhos mas cantos sublimes lhe inspira [hellip]Tendo assim pois a vontade da fome e da sede saciadoa Musa logo o incitou a falar sobre os feitos dos homens gestasde heroacuteis cuja fama o alto ceacuteu nesse tempo atingiraa disseccedilatildeo entre Aquiles Pelida e Odisseu tatildeo falada[hellip]Isso narrava o famoso cantor Odisseu entrementes com as matildeos fortes o manto de puacuterpura para a cabeccedilapuxa encobrindo-a com o fim de esconder as feiccedilotildees majestosasEnvergonha-se sim de que o vissem chorar os Feaacutecios3

Atraveacutes do relato exposto acima pode-se verificar o quanto era comum na Greacutecia Antiga a

transmissatildeo oral dos feitos heroicos O mito produto da tradiccedilatildeo grega tambeacutem teve a sua

existecircncia propagada por meio da exposiccedilatildeo oral ateacute que o advento da escrita comeccedilasse a registraacute-

lo Ele sobreviveu ateacute os dias de hoje principalmente por meio dos textos escritos pois em seus

primoacuterdios estava restrito agrave oralidade como afirma Thomas (2005 p3-4) ldquo[] a Greacutecia antiga era

em muitos aspectos uma sociedade oral na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em

relaccedilatildeo agrave palavra faladardquo Desse modo os textos poeacuteticos eram compostos para serem ouvidos

assim continua Thomas (2005 p4)

A maior parte da literatura grega poreacutem tinha por finalidade ser ouvida ou cantada ndash transmitida oralmente portanto ndash e havia uma forte corrente de aversatildeo pela palavra escrita mesmo pelos altamente letrados documentos escritos natildeo eram considerados por si mesmos prova adequada em contextos legais ateacute a segunda metade do seacuteculo IV aC

Somente com a reinvenccedilatildeo da escrita na Greacutecia Antiga momento em que ldquoo alfabeto foi

adaptado do alfabeto feniacutecio provavelmente na primeira metade do seacuteculo VIIIrdquo (THOMAS 2005

p17) ndash que segundo Havelock (1996 p20) esse alfabeto surgiu dos contatos comerciais entre

gregos e feniacutecios ndash foi que os mitos deixaram de ser exclusivamente de natureza oral e comeccedilaram a

ser escritos

A escrita grega antiga a princiacutepio foi usada ldquopara marcar objetos ou compor um memorial

ou ateacute mesmo escrever versosrdquo (THOMAS 2005 p67) Como exemplo tem-se o famoso Vaso do

Diacutepylon datado de 750-690 aC que conteacutem uma inscriccedilatildeo metrificada em ldquohexacircmetro de estilo

3 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes neste capiacutetulo satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

13

homeacuterico onde se lecirc de traacutes para frente quem agora entre os danccedilarinos melhor desempenho

tiver Segue-se a isto uma tentativa de um segundo verso que avanccedila com esforccedilo ateacute parar perto

da asardquo(HAVELOCK 1996 p197) Numa sociedade oral as primeiras manifestaccedilotildees de escrita

tendem a registrar a palavra falada por isso que algumas inscriccedilotildees encontradas estatildeo escritas em

versos ao contraacuterio do que acontece na sociedade letrada moderna em que os registros oficiais satildeo

feitos em prosa

A oralidade na Greacutecia Antiga foi veiacuteculo de muitos acontecimentos dentre eles o iniacutecio da

democracia como afirma Dupont (1998 p12) ldquoLa democratie grecque elle-mecircme fut fondeacutee sur

une parole politique essentiellement orale leacutecriture ne servant quaux lettres dambassadeurs aux

teacutemoignages dans les procegraves et agrave la publication des loisrdquo4 Tambeacutem natildeo se pode esquecer de que a

filosofia grega foi propagada por meio da oralidade os discursos filosoacuteficos que temos hoje

resultaram de um diaacutelogo oral como os de Pitaacutegoras Soacutecrates Aristoacuteteles e os Peripateacuteticos5 Na

verdade em geral a Greacutecia prioriza a oralidade em detrimento da escrita pois essa eacute vista como um

instrumento de poder como conclui Dupont (1998 p13)

Dune faccedilon geacuteneacuterale la Gregravece classique se meacutefie de lecriture quand elle preacutetend transcrire et conserver la parole des vivants et de la lecture qui asservit le lecteur agrave la volonteacute du scripteur car la fonction la plus ancienne de lecriture grecque neacutetait pas denregistrer les paroles des hommes mais de faire parler les choses muettes coupes ou stegraveles funeacuteraires gracircce agrave une oralisation de linscription par le lecteur6

Como a sociedade grega natildeo primava pela composiccedilatildeo escrita muito dificilmente se poderia

falar em literatura Pois segundo Dupont para se ter literatura como eacute pensada hoje tem-se que ter

leitores E nas sociedades antigas ndash Greacutecia e Roma ndash eram comuns as leituras puacuteblicas em

contraponto agraves leituras individuais fato esse que permite a escrita do texto com o intuito de

exclusivamente ser lido ldquoles Anciens ont connu bien des faccedilons de lire un livre mais jamais cette

lecture litteacuteraire semble-t-il sinon sous la forme dune reacuteeacutecriture ce que nous appelons un

remakerdquo (DUPONT 1998 p16)7 Da Greacutecia Antiga nos restou um exemplo dessa reescrita dos

mitos jaacute conhecidos o mito de Electra filha de Agamecircmnon e Clitemnestra que mata a proacutepria matildee

com a ajuda do irmatildeo Orestes para vingar a morte do pai Esse mito eacute recontado em trecircs trageacutedias

gregas nas Coeacuteforas de Eacutesquilo na Electra de Soacutefocles e na Electra de Euriacutepides Cada peccedila

4 A democracia grega em si foi fundada sobre um discurso poliacutetico essencialmente oral a escrita serve apenas para as cartas de embaixadores como prova num julgamento e para a publicaccedilatildeo de leis

5 DUPONT Florence Linvention de la litteacuterature Paris La Deacutecouverte 1998 p 126 Em geral a Greacutecia claacutessica desconfia da escrita quando ela pretende transcrever e conservar as falas dos vivos e da

leitura que submete o leitor agrave vontade do escritor porque a funccedilatildeo mais antiga da escrita grega natildeo era registrar as falas dos homens mas fazer falar as coisas mudas taccedilas ou laacutepides graccedilas a um registro da oralizaccedilatildeo para o leitor

7 Os antigos conheceram muitas maneiras de ler um livro mas nunca como uma leitura literaacuteria aparentemente senatildeo como uma reescrita o que chamamos de remake

14

apresenta uma versatildeo diferente do mito como na cena de reconhecimento na qual Orestes eacute

reconhecido nas Coeacuteforas de Eacutesquilo o reconhecimento se daacute de trecircs modos ndash anel de cabelo de

Orestes as pegadas as roupas tecidas por Electra na Electra de Soacutefocles o reconhecimento se daacute

por meio de um sinete (siacutembolo familiar) mostrado por Orestes para Electra e na Electra de

Euriacutepides o reconhecimento acontece quando o lavrador marido de Electra vecirc uma cicatriz de

infacircncia no rosto de Orestes Portanto observa-se que embora a cena de reconhecimento das

trageacutedias apresentadas se mostrem de modo distinto o tema do matriciacutedio de Electra permanece nas

trecircs peccedilas conservando essa parte do mito

Os primeiros textos ditos ldquoliteraacuteriosrdquo ndash ou se poderia preferir a nomenclatura ldquopoeacuteticosrdquo ou

ldquopoetizadosrdquo8 ndash que chegaram ateacute os dias de hoje satildeo a Iliacuteada e a Odisseia de Homero datados do

seacuteculo VIII aC Esses textos segundo Thomas (2005 p17) ldquoparecem ser produto de composiccedilatildeo

bem como de execuccedilatildeo inteiramente oralrdquo

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoesia oralrdquo do livro Letramento e Oralidade na Greacutecia Antiga a

autora elenca algumas anaacutelises a respeito da presenccedila da oralidade na poesia homeacuterica base do

estudo da oralidade grega A primeira teoria eacute a conhecida como teoria de Milman Parry

argumentando que ldquoos eacutepicos homeacutericos eram poesia oralrdquo (THOMAS 2005 p 41) Parry analisou

as caracteriacutesticas da poesia eacutepica como os epiacutetetos homeacutericos e apresentou um novo

direcionamento sobre os estudos de oralidade A teoria de Parry revolucionou as pesquisas sobre a

poesia homeacuterica ao considerar a audiecircncia e a performance9 na criaccedilatildeo dos poemas conforme

afirma Thomas (2005 p42) ldquoeacute decisivamente por causa da teoria de Parry que podemos agora

reconhecer a importacircncia do puacuteblico e do contexto da apresentaccedilatildeo nas sociedades orais e

tradicionais o mesmo se diria do caraacuteter de improvisaccedilatildeordquo

As pesquisas de Parry tentaram mostrar que os poemas homeacutericos eram constituiacutedos por

expressotildees formulares (termos que se adequavam agrave meacutetrica do poema no momento da criaccedilatildeo

poeacutetica) que possibilitavam a criaccedilatildeo da poesia oral em analogia com a observaccedilatildeo da poesia

iugoslava Apoacutes a morte de Parry Lord um dos colaboradores da pesquisa daacute seguimento aos

estudos sobre performance A teoria Parry-Lord prioriza a audiecircncia o poeta deveria adaptar a

exposiccedilatildeo oral ao gosto do puacuteblico podendo alteraacute-la caso os ouvintes natildeo estivessem satisfeitos

pois cada performance era pontual assim como afirma Lord (1971 p5) no livro The singer of

tales ldquoWe shall see that in a very real sense every performance is separate song for every

8 Por se tratarem de uma composiccedilatildeo riacutetmica Havelock (1996 p13) prefere utilizar os termos ldquopoeacuteticordquo ou ldquopoetizadordquo tais termos estariam em equivalecircncia com ldquoletradordquo e ldquoarte escritardquo

9 Entenda-se nesse capiacutetulo performance como desempenho do poeta na exposiccedilatildeo oral pois o termo ldquoembora historicamente de formaccedilatildeo francesa ela [performance] nos vem do inglecircs e nos anos 1930 e 1940 emprestada ao vocabulaacuterio da dramaturgiardquo (ZUMTHOR 2007 p29-30)

15

performance is unique and every performance bears the signature of its poet singerrdquo10 A

composiccedilatildeo oral far-se-ia diante do puacuteblico diferindo do caraacuteter exclusivo de improvisaccedilatildeo pois se

apoiava em expressotildees formulares elementos essenciais para auxiliar o poeta no ato de compor o

poema portanto natildeo precisando se apoiar inteiramente no recurso mnemocircnico Lord (1971 p13)

tambeacutem distingue a composiccedilatildeo da poesia oral do poema literaacuterio

For the oral poet the moment of composition is the performance In the case of literary poem there is a gap in the time between composition and reading or performance in the case of the oral poem this gap does not exist because composition and performance are two aspects of the same moment11

O aspecto importante da performance para Lord eacute que o poeta cria ao cantar ele natildeo eacute um

mero recitador por isso tem a liberdade de construir o seu poema Ele ainda apresenta dois fatores

da composiccedilatildeo oral que segundo ele natildeo estatildeo presentes numa escrita tradicional

We must remember that the oral poet has no idea of a fixed model to serve as his guide He has models enough but they are not fixed and he has not idea of memorizing them in a fixed form Every time he hears a song sung it is different Secondly there is a factor of time The literate poet has leisure to compose at any rate he pleases The oral poet must keep singing His composition by its very nature must be rapid Individual singers may and do vary in their rate of composition of course but it has limits because there is an audience waiting to hear the story 12(LORD 1971 p22)

Desse modo importa ao poeta manter a tradiccedilatildeo ou seja o tema a ser cantado e natildeo a

forma fixa do poema Segundo Thomas (2005 p55) haacute pesquisadores como Kirk que defendem

que mesmo sem a ajuda da escrita eacute possiacutevel ter havido uma preacutevia elaboraccedilatildeo do poema antes da

performance

Portanto um poema em grande escala como a Iliacuteada pode ter sido desenvolvido muito gradualmente ndash e natildeo necessariamente com a escrita As maiores cenas podem ter sido cuidadosamente elaboradas em privado refinadas continuamente e reproduzidas ao menos grosso modo da mesma forma em sucessivas apresentaccedilotildees (THOMAS 2005 p55)

10 Veremos que num sentido muito real cada performance eacute um poema distinto pois cada performance eacute uacutenica e cada performance tem a assinatura de seu cantor-poeta

11 Para o poeta oral o momento da composiccedilatildeo eacute a performance No caso do poema literaacuterio haacute uma lacuna no tempo entre a composiccedilatildeo e a leitura ou performance no caso do poema oral essa lacuna natildeo existe porque a composiccedilatildeo e a performance satildeo dois aspectos do mesmo momento

12 Devemos lembrar que o poeta oral natildeo tem ideia de um modelo fixo para servir como seu guia Ele tem modelos suficientes mas eles natildeo satildeo fixos e que ele natildeo tem ideia de memorizaacute-los de uma forma fixa Toda vez que ele ouve uma canccedilatildeo cantada eacute diferente E segundo lugar existe o fator tempo O poeta letrado tem tempo para compor de qualquer modo que ele quiser O poeta oral deve continuar cantando A sua composiccedilatildeo por sua natureza deve ser raacutepida Cantores individuais podem e variam em sua razatildeo de composiccedilatildeo eacute claro mas tem limites porque tem um puacuteblico a espera para ouvir a histoacuteria

16

Apoacutes muitas apresentaccedilotildees do mesmo canto pode-se pensar que o poeta tem a possibilidade

de especializar o seu canto quantas vezes forem necessaacuterias Por isso Thomas (2005 p56) conclui

ldquoTampouco haacute razatildeo para pensar que a memorizaccedilatildeo (de qualquer grau) pudesse tolher a

improvisaccedilatildeo e a criatividade ela pode simplesmente suplementar a improvisaccedilatildeo e preservar as

cenas mais cuidadasrdquo

Mas contrapondo o que foi mencionado anteriormente o fato de as epopeias parecerem de

natureza oral natildeo exclui a possibilidade de haver um texto escrito para a organizaccedilatildeo das ideias e

para facilitar o processo de criaccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de partes relevantes do mito conforme mostra a

ldquoteoria de Shiverdquo na qual a composiccedilatildeo oral pode se utilizar da escrita para ajudar a lembrar o texto

a ser exposto assim nos mostra Thomas (2005 p59)

Desse modo Homero usava a dicccedilatildeo tradicional certamente mas frequentemente meditando tatildeo cuidadosamente sobre a expressatildeo mais apta em vez de usar uma expressatildeo preacute-fabricada que comeccedila a parecer muito com Milton ou Virgiacutelio

Com isso Homero teria tido a possibilidade de refletir sobre a sua criaccedilatildeo poeacutetica podendo

escolher o termo mais adequado para o seu poema Mas natildeo se pode esquecer de que no periacuteodo

em que ele viveu a escrita era usada em segundo plano e natildeo como apoio agrave criaccedilatildeo poeacutetica

portanto Homero provavelmente natildeo se utilizou da escrita para a composiccedilatildeo de seus poemas

Nas epopeias a escrita alfabeacutetica ajudaria porque ldquotem uma capacidade uacutetil de preservar

informaccedilatildeo e tornar a comunicaccedilatildeo agrave longa distacircncia muito mais faacutecilrdquo (THOMAS 2005 p39)

Essa capacidade de preservaccedilatildeo da poesia oral coloca em questatildeo o caraacuteter oral presente por

exemplo nos poemas homeacutericos mesmo que natildeo haja evidecircncias a princiacutepio da fixaccedilatildeo da poesia

grega arcaica Essa ideia soacute surgiraacute apoacutes o seacuteculo V aC como nos mostra Thomas (2005 p67)

Textos autorizados dos grandes traacutegicos do seacuteculo V foram produzidos apenas na segunda metade do seacuteculo IV sob os auspiacutecios de Licurgo numa clara tentativa de fixar os textos traacutegicos num periacuteodo em que um maior respeito pela palavra escrita ndash e pela literatura do seacuteculo V ndash eacute visiacutevel em diversas aacutereas

Gregory Nagy tambeacutem apresenta uma pesquisa acerca da questatildeo homeacuterica e no primeiro

capiacutetulo do seu livro Homeric Questions elenca dez conceitos para abordar a performance homeacuterica

(trabalho de campo sincronia versus diacronia composiccedilatildeo em performance difusatildeo tema

foacutermula economia como frugalidade tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo unidade e organizaccedilatildeo e autor e

texto) e lista mais dez conceitos em uso que satildeo aplicados enganosamente Dos dez conceitos para

17

a performance mais adiante elegeremos em outro lugar desta dissertaccedilatildeo alguns desses a saber

tema tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo e autor e texto Com base na teoria de Parry-Lord Nagy propotildee um

redirecionamento desta como bem coloca no iniacutecio do segundo capiacutetulo do seu livro

In earlier work my starting point has been the central comparative insight of Milman Parry and Albert Lord gleaned from their fieldwork in South Slavic oral epic traditions that composition and performance are aspects of the same process in the making of Homeric poetry13 (NAGY 1996 p 29)

O autor com base nos estudos citados afirma que haacute uma interaccedilatildeo entre trecircs aspectos ndash

composiccedilatildeo performance e difusatildeo ndash para compor a produccedilatildeo da poesia homeacuterica ao inveacutes dos

dois aspectos de Parry-Lord (composiccedilatildeo e performance) Nagy designa o primeiro lugar agrave

performance como ele expotildee

The process of composition-in-performance which is a matter of recomposition in each performance can be expected to be directly affected by the degree of diffusion that is the extent to which a given tradition of composition has a chance to be performed in a varying spectrum of narrower or broader social frameworks The wider the diffusion I argued the fewer opportunities for recomposition so that the widest possible reception entails teleologically the strictest possible degree of adherence to a normative and unified version14 (NAGY 1996 p39-40)

Mais adiante de acordo com a triacuteade apresentada Nagy atribui cinco idades aos textos de

Homero e em cada periacuteodo tenta mostrar como se deu a transmissatildeo dos poemas homeacutericos em

performance As cinco idades dos textos homeacutericos satildeo as seguintes primeira natildeo haacute textos escritos

(2000-800 aC) segunda periacuteodo pan-helecircnico ainda natildeo haacute textos escritos (da metade do seacutec

VIII aC agrave metade do seacutec VI aC) terceira com textos transcritos (da metade do seacutec VI aC ateacute

fins do seacutec IV aC) quarta com textos transcritos e roteiros (de fins do IV aC ateacute metade do seacutec

II) e quinta com os textos como escritura (da metade do seacutec II em diante) como bem resume

Mota (2010 p32) em seu artigo intitulado ldquoNos passos de Homero performance como argumento

na Antiguidaderdquo

G Nagy assinala que os momentos na histoacuteria da performance e textualizaccedilatildeo dessas 13 Em trabalhos anteriores o meu ponto de partida foi a ideia central comparativa de Milman Parry e Albert Lord

adquirida a partir de seu trabalho de campo nas tradiccedilotildees orais eacutepicas do Sul Eslavo que a composiccedilatildeo e a performance satildeo aspectos de um mesmo processo na confecccedilatildeo da poesia homeacuterica

14 O processo de composiccedilatildeo em performance que eacute uma questatildeo de recomposiccedilatildeo em cada execuccedilatildeo pode-se esperar que seja diretamente afetada pelo grau de difusatildeo ou seja a extensatildeo em que uma dada tradiccedilatildeo de composiccedilatildeo tem a possibilidade de ser realizada em um espectro variaacutevel de estruturas sociais mais estreitas ou mais amplas Quanto maior a difusatildeo argumentei menores satildeo as oportunidades para a recomposiccedilatildeo de modo que a recepccedilatildeo mais ampla possiacutevel implica teleologicamente o grau mais estrito possiacutevel de adesatildeo a uma versatildeo normativa e unificada

18

obras natildeo soacute se encontram associadas como tambeacutem em suas implicaccedilotildees apresentam uma histoacuteria das mudanccedilas e transformaccedilotildees da cultura performativa na Antiguidade O estudo da recepccedilatildeo e produccedilatildeo de Homero ilumina dramaacuteticas mutaccedilotildees no conceito e experiecircncia de situaccedilotildees interativas cujas implicaccedilotildees foram incorporadas em mentalidades que subagem em pressupostos ateacute hoje dominantes

Ao atribuir uma nova perspectiva para a criaccedilatildeo e a recepccedilatildeo do poema homeacuterico Nagy

apresenta uma ampliaccedilatildeo da teoria de Parry-Lord e uma nova vertente para os estudos homeacutericos

utilizando aspectos histoacutericos e linguiacutesticos

Entatildeo diante das teorias apresentadas pode-se concluir que os poemas homeacutericos foram

compostos em tempos anteriores e entraram em contato com a escrita em meados do seacutec VIII

mesmo que ainda natildeo se utilizassem dela para a composiccedilatildeo dos poemas Soacute seacuteculos depois eacute que

houve uma versatildeo escrita dos poemas (provavelmente a que nos restou) o que natildeo quer dizer que

seria a uacutenica versatildeo jaacute que naquele periacuteodo prevalecia a performance O mesmo fato

provavelmente acontecia natildeo somente com as poesias eacutepicas mas tambeacutem com os mitos gregos em

geral

Logo depois dos textos homeacutericos com um novo processo de criaccedilatildeo aparecem os poemas

de Hesiacuteodo a Teogonia e Os trabalhos e os dias Na Teogonia o aedo invoca as musas para cantar a

origem dos deuses Nesse texto assim como nos de Homero encontram-se marcas de oralidade

como nos mostra Torrano (2007 p15)

A marca de oralidade natildeo estaacute somente nas caracteriacutesticas exteriores e formais da Teogonia a saber 1) nas foacutermulas e frases preacute-fabricadas que combinando-se como mosaicos vatildeo compondo os versos em sequecircncias salpicadas por palavras e expressotildees inevitavelmente retornantes 2) na justaposiccedilatildeo com que as sequecircncias narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras mas antes tendo cada sequecircncia narrativa um igual valor na sintaxe da narraccedilatildeo total e podendo portanto sempre e ao arbiacutetrio do poeta articular-se a um nuacutemero quase indefinido de novas sequencias 3) nos cataacutelogos (lista de nomes proacuteprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemocircnico que soacute a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma funccedilatildeo motivada e significativa dentro do contexto do poema

A poesia hesioacutedica eacute anterior agrave fixaccedilatildeo da escrita na Greacutecia embora jaacute existisse a escrita tal

recurso natildeo era utilizado para a composiccedilatildeo de poemas Soacute depois iraacute surgir a poesia liacuterica na qual

se encontra o uso do alfabeto15

Contudo o surgimento da escrita natildeo implica o desaparecimento da composiccedilatildeo oral E

como propotildee Havelock (1996 p24) em seu livro A revoluccedilatildeo escrita na Greacutecia e suas

15 TORRANO Jaa ldquoO mundo como funccedilatildeo de musasrdquo In HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

19

consequecircncias culturais abordou-se ldquoassuntos que vatildeo de Homero ao drama grego tendo em vista

demonstrar a permanecircncia ateacute o fim do seacuteculo V da colaboraccedilatildeo entre o oral e o escritordquo Entatildeo natildeo

se pode estudar as produccedilotildees poeacuteticas gregas dos seacuteculos VIII ao V aC sem pensar que a oralidade

e a escrita conviviam harmonicamente e se contaminavam Tambeacutem deve-se lembrar de que a

oralidade e a leitura puacuteblica estavam mais presentes no cotidiano dos gregos desse periacuteodo do que a

proacutepria escrita Um exemplo disso pode ser encontrado em Luciano de Samoacutesata (seacutec II dC)

quando relata que Heroacutedoto apresentou as suas histoacuterias num festival de Oliacutempia como meio de

divulgar a sua obra

ἐνίσταται οὖν Ὀλύμπια τὰ μεγάλα καὶ ὁ Ἡρόδοτος τοῦτ ἐκεῖνο ἥκειν οἱ νομίσας τὸν καιρόν οὗ μάλιστα ἐγλίχετο πλήθουσαν τηρήσας τὴν πανήγυριν ἁπανταχόθεν ἤδη τῶν ἀρίστων συνειλεγμένων παρελθὼν ἐς τὸν ὀπισθόδομον οὐ θεατήν ἀλλ ἀγωνιστὴν Ὀλυμπίων παρεῖχεν ἑαυτὸν ᾄδων τὰς ἱστορίας καὶ κηλῶν τοὺς παρόντας ἄχρι τοῦ καὶ Μούσας κληθῆναι τὰς βίβλους αὐτοῦ ἐννέα καὶ αὐτὰς οὔσας (SAMOacuteSATA Herod I)

Realizam-se entatildeo os grandes jogos Oliacutempicos e Heroacutedoto considerando que lhe chegara a oportunidade por que tanto ansiava observando a panegiacuteria lotada de todas as partes os mais distintos homens jaacute reunidos tendo-se aproximado da parte de traacutes do templo natildeo como espectador mas como competidor dos Jogos Oliacutempicos apresentava-se cantando suas histoacuterias e encantando os presentes a ponto de seus livros terem recebido o nomes das Musas sendo eles tambeacutem nove16

Nesses trecircs seacuteculos os textos produzidos eram para ser a priori lidos em puacuteblico assim

como Havelock (1996 p184) caracteriza a composiccedilatildeo poeacutetica do drama grego

O drama ateniense aleacutem de ser riacutetmico obedece a regras associativas e de prediccedilatildeo proacutepria da composiccedilatildeo oral compotildee-se com base no princiacutepio do eco e se concebe como uma apresentaccedilatildeo a ser ouvida vista e memorizada mas natildeo lida

Diante de tal citaccedilatildeo torna-se impossiacutevel estudar o drama grego sem verificaacute-lo sob a oacutetica

da recepccedilatildeo embora haja como corpus apenas o texto escrito e possa analisaacute-lo numa leitura

solitaacuteria ndash que ldquose define ao mesmo tempo como absorccedilatildeo e criaccedilatildeo processo de trocas dinacircmicas

que constituem a obra na consciecircncia do leitorrdquo (ZUMTHOR 2007 p51) ndash aspectos esses bem

diferentes da sociedade grega antiga E na recepccedilatildeo verifica-se dentro da poesia oral com mais

destaque a performance como afirma Zumthor (2007 p 50) ldquoa performance eacute entatildeo um momento

da recepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente recebidordquo Performance essa

que entra em disputa com a recepccedilatildeo pois a uacuteltima sobrevive por mais tempo do que a outra por

isso torna-se impossiacutevel reviver uma performance jaacute exibida jaacute que cada performance eacute uacutenica ao

16 RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

20

contraacuterio da recepccedilatildeo de que eacute possiacutevel reconhecer o seu valor em um texto poeacutetico na sua proacutepria

eacutepoca Segundo Zumthor (2007 p51) o discurso poeacutetico estabelece um confronto entre

performance e recepccedilatildeo embora a uacuteltima tenha uma duraccedilatildeo mais longa por isso ldquopode-se falar da

recepccedilatildeo de Virgiacutelio e de Homero mas nos situamos a uma tal distacircncia temporal desses autores

que o termo performance natildeo tem mais sentido em relaccedilatildeo a elesrdquo (ZUMTHOR 2007 p51)

Contudo conclui Zumthor (2007 p52) ldquoa recepccedilatildeo eu o repito se produz em circunstacircncia

psiacutequica privilegiada performance ou leiturardquo

Assim numa sociedade primitiva na qual soacute havia transmissatildeo oral

A ldquorecepccedilatildeordquo vai se fazer pela audiccedilatildeo acompanhada da vista uma e outra tendo por objeto o discurso assim performatizado eacute com efeito proacuteprio da situaccedilatildeo oral que transmissatildeo e recepccedilatildeo aiacute constituam um ato uacutenico de participaccedilatildeo co-presenccedila esta gerando o prazer Esse ato uacutenico eacute a performance (ZUMTHOR2007 p65)

Como se deu nas apresentaccedilotildees das trageacutedias aacuteticas em que a audiecircncia ao assistir ao

espetaacuteculo observava a performance dos atores utilizando-se da audiccedilatildeo e da vista contrapondo-se

agraves apresentaccedilotildees orais dos textos homeacutericos Nesse momento uacutenico no qual a performance eacute

executada os atores tentam interagir com a audiecircncia e tentam provocar algumas sensaccedilotildees como

no caso da trageacutedia grega terror e piedade conforme afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1449b 23-28)

ao definir a trageacutedia17

Em Atenas assim como expotildee Havelock (1996 p275) ldquoo drama aacutetico como uma forma de

arte nativa de Atenas surgiu conforme a tradiccedilatildeo sugere na uacuteltima metade do seacuteculo VI com o fim

de prover o necessaacuterio suplemento a Homerordquo Como uma extensatildeo da poesia homeacuterica o drama

aacutetico prosseguiu com o efeito didaacutetico daquela e tambeacutem promoveu o entretenimento ao puacuteblico

grego por meio das representaccedilotildees cecircnicas Mas ao contraacuterio do que fizera a epopeia ao fornecer

aos cidadatildeos atenienses uma ldquoidentidade coletiva moral poliacutetica e histoacutericardquo (HAVELOCK 1996

p276) o drama aacutetico propunha uma ldquoidentidade particular que era de uma cidade-estado

especiacutefica Ouvindo e assistindo agraves peccedilas encenadas eles reconheciam e absorviam um comentaacuterio

corrente a seu proacuteprio noacutemos e eacutethos (HAVELOCK 1996 p276) O drama tambeacutem se

contrapunha agrave poesia eacutepica no quesito de comunicaccedilatildeo pois os poemas homeacutericos necessitavam

somente do sentido da audiccedilatildeo do puacuteblico para captar a composiccedilatildeo oral jaacute o drama utilizava-se

simultaneamente de dois sentidos da audiccedilatildeo e da visatildeo Assim o drama aacutetico permanece com o 17 ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς

ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις δρώντων καὶ οὐ δι ἀπαγγελίας δι ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν Eacute pois a Trageacutedia imitaccedilatildeo de uma accedilatildeo de caraacuteter elevado completa e de certa extensatildeo em linguagem ornamentada e com vaacuterias espeacutecies de ornamentos distribuiacutedas pelas diversas partes [do drama] [imitaccedilatildeo que se efetua] natildeo por narrativa mas mediante atores e que suscitando o ldquoterror e a piedade tem por efeito a purificaccedilatildeo dessas emoccedilotildeesrdquo (traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa)

21

mesmo caraacuteter didaacutetico jaacute utilizado pelas epopeias homeacutericas uma combinaccedilatildeo de educaccedilatildeo com

entretenimento para propagar os costumes gregos Portanto ldquoas peccedilas eram representaccedilotildees

contiacutenuas de aspectos do panorama ciacutevico com que a audiecircncia era convidada a identificar-serdquo

(HAVELOCK 1996 p276)

Desse modo as peccedilas aacuteticas eram produtos de composiccedilatildeo oral na qual o coro era um

elemento central pois rememorava a parte mais poeacutetica da representaccedilatildeo O coro funcionava como

uma personagem na peccedila porque dialogava com as outras personagens e interferia no

desenvolvimento do enredo E o mito escolhido a ser encenado nada mais era do que um pequeno

trecho da poesia homeacuterica jaacute conhecido do puacuteblico

Finalmente o mito de cada peccedila situando a trama num passado heroico imaginaacuterio seguia o princiacutepio da fantasia homeacuterica envolvendo a mensagem contemporacircnea em uma aura arcaica de modo a dar-lhe assim distanciamento um tom grandiloquente e capacidade de sobrevivecircncia (HAVELOCK 1996 p 277)

Com o passar do tempo a oralidade como meio de divulgaccedilatildeo dos poemas vai se

enfraquecendo cedendo lugar a outras formas de comunicaccedilatildeo como a escrita e assim afirma

Havelock (1996 p277-78)

A comunicaccedilatildeo importante podia ser congelada na escrita lida relida e evocada em vez de plantar-se na memoacuteria oral Pela loacutegica deste avanccedilo o que se pode chamar de oralidade da trageacutedia grega estava destinada a sofrer erosatildeo O propoacutesito didaacutetico central havia de enfraquecer-se na medida em que a cultura vinha cada vez mais a apoiar-se em formas escritas de comunicaccedilatildeo estocada disponiacutevel para reutilizaccedilatildeo O justo equiliacutebrio entre instruccedilatildeo e entretenimento uma necessidade mnemocircnica desde tempos imemoriais havia de alterar-se privilegiando o entretenimento

Como representaccedilatildeo desse decliacutenio da oralidade no drama aacutetico consequecircncia da tensatildeo

vivida pela trageacutedia entre o falar e o ouvir tem-se como exemplo o papel do coro nas peccedilas gregas

O coro das trageacutedias gregas era um componente essencial a essas peccedilas pois ele carregava mais

fortemente o aspecto de composiccedilatildeo oral tatildeo presente nos poemas homeacutericos Os cantos corais eram

entoados por cidadatildeos gregos dando uma caracteriacutestica mais popular a essa parte da trageacutedia O

nuacutemero de participantes dos coros variava de acordo com o gecircnero teatral e o autor ldquophilological

opinion agrees with the numbers twelve for the choruses of Aeschylus fifteen for those of

Sophocles and Euripides and twenty-four in Ancient Comedy similarly for the fifty-member

chorus of the dithyrambrdquo18 (CALAME 1997 p 21) Segundo Calame em seu livro Choruses

young women in Ancient Greece o coro traacutegico assume uma forma retangular contrapondo-se agrave 18 A opiniatildeo filoloacutegica concorda com os nuacutemeros doze para os coros de Eacutesquilo quinze para os de Soacutefocles e

Euriacutepides e vinte e quatro na Comeacutedia Antiga da mesma forma cinquenta membros do coro do ditirambo

22

forma circular dos cantos liacutericos ainda que tenha vindo desse canto

The iconography of the lyric chorus is thus divided into two large categories one processional the other circular A third less important category of disposition in rows can be added This classification has two consequences First the rectangular formation of the tragic chorus should probably be included in this third class The tragic chorus would therefore originate in a lyric form and the dichotomy between tragic chorus characterized by retangle and lyric chorus circularity is probably not as marked as my remarks at the beginning of the paragraph would suggest Second the visual images reveal a feature of the lyric chorus not apparent in written documents that of procession (CALAME 1997 p38)19

E para acrescentar agraves informaccedilotildees estruturais do coro no livro An introduction to greek

tragedy o autor afirma que os atores que compunham o coro eram exclusivamente masculinos

usavam trajes adequados e maacutescaras que cobriam toda a cabeccedila20

Aleacutem das questotildees estruturais apresentadas sobre o coro natildeo se pode esquecer que no

drama aacutetico do seacutec V aC havia tambeacutem um propoacutesito didaacutetico que Havelock (1996 p315) divide

em dois niacuteveis

O primeiro eacute temaacutetico exigindo que a trama de toda a peccedila seja manipulada de modo tal que propicie um disfarce para os interesses sociais e contemporacircneos e uma liccedilatildeo indireta sobre como administrar O segundo eacute o aforiacutestico um niacutevel em que a retoacuterica e os cantos de todos os integrantes da trageacutedia satildeo linguisticamente elaborados de modo a conter copiosos fragmentos do eacutethos e do noacutemos da sociedade sua ldquosabedoriardquo oral

Nos cantos corais presencia-se o segundo niacutevel o aforiacutestico principalmente atraveacutes dos

ditos populares reelaborados como meio de divulgaccedilatildeo da sabedoria popular conforme aparece

num exemplo apresentado por Havelock (1996 p 310) ldquoO discurso oral memorizaacutevel

privilegiando o especiacutefico antes que o geral em vez de dizer A honestidade eacute a melhor poliacutetica

prefere dar-lhe esta formulaccedilatildeo um homem honesto eacute que alcanccedila proveitordquo Reescrevendo o dito

popular e o aproximando da realidade da sociedade espectante

Na trageacutedia grega do seacutec V encontram-se exemplos de aforismos nos cantos corais que

atribuem um caraacuteter oral e popular a esses cantos como se vecirc no segundo estaacutesimo da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo19 A iconografia do coro liacuterico estaacute assim dividida em duas grandes categorias uma a procissatildeo e a outra a circular

Uma terceira menos importante categoria de disposiccedilatildeo em filas podem ser adicionada Esta classificaccedilatildeo tem duas consequecircncias Em primeiro lugar a formaccedilatildeo retangular do coro traacutegico provavelmente deve ser incluiacuteda nesta terceira classe O coro traacutegico portanto originaacuterio de uma forma liacuterica e a dicotomia entre o coro traacutegico caracterizado pelo retangularidade e o coro liacuterico pelo circularidade provavelmente natildeo eacute tatildeo marcada como minhas observaccedilotildees no iniacutecio do paraacutegrafo sugere Em segundo lugar as imagens visuais revelam uma caracteriacutestica do coro liacuterico natildeo perceptiacutevel em documentos escritos como o da procissatildeo

20 SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011 p 4

23

παλαίφατος δ ἐν βροτοῖς γέρων λόγος                  τέτυκται μέγαν τελε-σθέντα φωτὸς ὄλβοντεκνοῦσθαι μηδ ἄπαιδα θνῄσκειν (Es Ag 750-753)

Priacutestino entre mortais velho proveacuterbio diz quando grandea opulecircncia humanaprocria e natildeo morre sem filho21

Como se pode observar o coro apresentado indica um proveacuterbio antigo e quem o proferiu O

coro esquiliano ao inserir o substantivo φωτὸς (humano dos homens) apresenta um caraacuteter

didaacutetico ao aproximar o proveacuterbio do povo aacutetico Praacutetica bastante comum natildeo soacute nos coros das

trageacutedias mas tambeacutem nas falas das personagens como no proacutelogo da trageacutedia As traquiacutenias de

Soacutefocles proferido por Dejanira

Λόγος μέν ἐστ ἀρχαῖος ἀνθρώπων φανεὶςὡς οὐκ ἂν αἰῶν ἐκμάθοις βροτῶν πρὶν ἂνθάνῃ τις οὔτ εἰ χρηστὸς οὔτ εἴ τῳ κακός (Sof Traq v 1-3)

Ditado antigo dos homensdiz que antes de morrer nenhum mortal pode saber se tem bom fado ou mau22

E mais uma vez encontra-se no aforismo uma referecircncia agrave identificaccedilatildeo do povo com o

proveacuterbio ao inserir o substantivo ἀνθρώπων (homem) confirmando assim o intuito didaacutetico das

peccedilas

Os ditos populares presentes nas trageacutedias satildeo um dos exemplos que marcam a

sobrevivecircncia da oralidade nas peccedilas do seacutec V aC Fato esse explicado porque a trageacutedia aleacutem de

sofrer influecircncias da oralidade dos poemas homeacutericos teria vindo de um canto popular o

ditirambo como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica

γενομένη δ οὖν ἀπ ἀρχῆς αὐτοσχεδιαστικῆς - καὶ αὐτὴ καὶ ἡ κωμῳδία καὶ ἡ μὲν ἀπὸ τῶν ἐξαρχόντων τὸν διθύραμβον ἡ δὲ ἀπὸ τῶν τὰ φαλλικὰ ἃ ἔτι καὶ νῦν ἐν πολλαῖς τῶν πόλεων διαμένει νομιζόμενα - κατὰ μικρὸν ηὐξήθη προαγόντων ὅσον ἐγίγνετο φανερὸν αὐτῆςmiddot καὶ πολλὰς μεταβολὰς μεταβαλοῦσα ἡ τραγῳδία ἐπαύσατο ἐπεὶ ἔσχε τὴν αὑτῆς φύσιν (Ar Poe 1449a 9-15)

Mas nascida de um princiacutepio improvisado (tanto a Trageacutedia como a Comeacutedia a Trageacutedia dos solistas do ditirambo a Comeacutedia dos solistas dos cantos faacutelicos composiccedilotildees estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades) [a Trageacutedia]

21 Traduccedilatildeo de Jaa TORRANO (2004)22 Traduccedilatildeo de Flaacutevio Ribeiro de OLIVEIRA (2009)

24

pouco a pouco foi evoluindo agrave medida que se desenvolvia tanto quanto nela se manifestava ateacute que passadas muitas transformaccedilotildees a Trageacutedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural23

Para confirmar essa influecircncia do ditirambo na poesia traacutegica em especial nos cantos corais

Calame em seu artigo ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo elenca mais outras fontes

antigas que registram a proximidade entre os dois gecircneros

Degraves le Ve siegravecle dailleurs les Grecs eux-mecircmes nont pas manqueacute de faire deacuteriver les repreacutesentations tragiques atheacutenienne dans leur ensemble dexeacutecutions chorales soit quHeacuterodote montre Clisthegravenes de Sicyone le beau-pegravere de Clisthegravenes dAthegravenes transfeacuterant les ltltchoeurs tragiquesgtgt de la ceacuteleacutebration du heacuteros Adraste agrave celle du dieu Dionysos soit quAristote en cherche lorigine dans linstitution des ltltconducteursgtgt du dithyrambe forme chorale deacutedieacutee au mecircme Dionysos soit encore quun teacutemoignage beaucoup plus tardif affirme que Solon aurait deacuteja attribueacute agrave Arion le poegravete meacutelique compositeur de dithyrambes la premiegravere exeacutecution dramatique que dune ltlttrageacutediegtgt Pour Diogegravene Laerce degraves lors il en fait aucun doute que les premiegraveres repreacutesentations tragiques eacutetaient assumeacutees uniquement par un groupe choral (CALAME 1997 p181-182)24

O ditirambo era uma narrativa de tema heroacuteico entoada por um coro em honra de Dioniso e

ao que parece performada de improviso25 daiacute o caraacuteter heroico considerado como elo entre o

ditirambo e a trageacutedia E Aristoacuteteles coloca o ditirambo lado a lado com a trageacutedia e a eacutepica ao

classificaacute-las como imitaccedilatildeo26 Mas a histoacuteria acerca da origem da trageacutedia eacute muito complexa

Muitas pinturas nos vasos colocam ao lado da encenaccedilatildeo traacutegica a figura de Dioniso e dos saacutetiros

Aristoacuteteles apresenta uma antiga proximidade entre os cantos dos saacutetiros com a trageacutedia ao dizer na

Poeacutetica

ἔτι δὲ τὸ μέγεθοςmiddot ἐκ μικρῶν μύθων καὶ λέξεως γελοίας διὰ τὸ ἐκ σατυρικοῦ μεταβαλεῖν ὀψὲ ἀπεσεμνύνθη τό τε μέτρον ἐκ τετραμέτρου ἰαμβεῖον ἐγένετο (Ar Poe 1449a 19-22)

23 Todas as traduccedilotildees da Poeacutetica de Aristoacuteteles presentes nesse texto satildeo de Eudoro de Sousa conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

24 A partir do seacuteculo V aleacutem disso os proacuteprios gregos natildeo deixaram de fazer representaccedilotildees traacutegicas atenienses nas suas execuccedilotildees corais seja quando Heroacutedoto mostra Cliacutestenes de Sicion o padrasto de Cliacutestenes de Atenas transferindo ltltcoros traacutegicosgtgt da celebraccedilatildeo do heroacutei Adrasto ao deus Dioniso seja quando Aristoacuteteles procura a origem da instituiccedilatildeo dos ltltcondutoresgtgt do ditirambo a forma coral dedicada ao mesmo Dioniso seja ainda um testemunho muito mais tarde que afirma que Soacutelon tinha jaacute atribuiacutedo a Arion o poeta meacutelico compositor de ditirambos a primeira execuccedilatildeo dramaacutetica de uma ltlttrageacutediagtgt Para Dioacutegenes Laeacutercio portanto natildeo haacute nenhuma duacutevida de que as primeiras representaccedilotildees traacutegicas foram assumidas apenas por um grupo coral

25 MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) p129

26 ἐποποιία δὴ καὶ ἡ τῆς τραγῳδίας ποίησις ἔτι δὲ κωμῳδία καὶ ἡ διθυραμβοποιητικὴ καὶ τῆς αὐλητικῆς ἡ πλείστη καὶ κιθαριστικῆς πᾶσαι τυγχάνουσιν οὖσαι μιμήσεις τὸ σύνολον A Epopeia a Trageacutedia assim como [a comeacutedia] e a poesia ditiracircmbica e a maior parte da auleacutetica e da citariacutestica todas satildeo em geral imitaccedilotildees (1447a 14-16) Inclui na traduccedilatildeo ldquoa comeacutediardquo pois natildeo consta na traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa e consta no texto grego κωμῳδία

25

Quanto agrave grandeza tarde adquiriu [a Trageacutedia] o seu estilo [soacute quando se afastou] dos argumentos breves e da elocuccedilatildeo grotesca [isto eacute] do [elemento] satiacuterico

Contudo a trageacutedia teria tido influecircncia de diversos gecircneros como a eacutepica o ditirambo e os

cantos dos saacutetiros Embora se verifique com mais evidecircncia a influecircncia da poesia eacutepica atraveacutes dos

mitos e do caraacuteter didaacutetico e do ditirambo na composiccedilatildeo dos cantos corais e do caraacuteter

ritualiacutestico como afirma Scullion (2005 p26)

Tragedyrsquos inheritance from epic is vastly more important to him than that from dithyramb but epic cannot account for tragedyrsquos choral component Dithyramb not only can do that but can also anchor tragedy in the specific Athenian milieu in which it came to fruition27

E dentre as questotildees sobre a origem da trageacutedia coloca-se que o inventor da trageacutedia foi

Teacutespis pois foi considerado o ldquothe man who first produced a recognizable ancestor of the tragic

actor on the Athenian stagerdquo28 (MILLER 1961 p132) Pela junccedilatildeo do primeiro ator traacutegico com o

canto coral influenciado pelo ditirambo assim teriam sido os primoacuterdios da trageacutedia Depois a

poesia traacutegica se consolida com Eacutesquilo que segundo Aristoacuteteles

καὶ τό τε τῶν ὑποκριτῶν πλῆθος ἐξ ἑνὸς εἰς δύο πρῶτος Αἰσχύλος ἤγαγε καὶ τὰ τοῦ χοροῦ ἠλάττωσε καὶ τὸν λόγον πρωταγωνιστεῖν παρεσκεύασενmiddot (Ar Poe 1449a 16-180)

Eacutesquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o nuacutemero dos atores diminuiu a importacircncia do coro e fez do diaacutelogo protagonista

Assim como os textos de Eacutesquilo tambeacutem sobreviveram os de Soacutefocles e os de Euriacutepides

totalizando trinta e duas peccedilas que foram performatizadas nos festivais dionisiacuteacos Todas as peccedilas

foram compostas ldquoroughly between the end of the Persian Wars and Athensrsquo defeat by Sparta and

her alliesrdquo29 (DEBNAR 2005 p6) Dentre essas peccedilas somente uma eacute de cunho histoacuterico Os

persas (472 aC) de Eacutesquilo que narra a derrota do rei persa Xerxes na batalha de Salamina As

outras peccedilas de Eacutesquilo foram apresentadas em trilogias mas soacute restou uma delas a Oresteia

composta pelas peccedilas Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides30 Essa trilogia foi encenada em 458 aC

no teatro de Dioniso Em todas as peccedilas que sobreviveram Eacutesquilo obteve o primeiro lugar

27 A heranccedila da trageacutedia do eacutepico eacute muito mais importante para ela do que a do ditirambo mas a eacutepica natildeo pode explicar o componente coral da trageacutedia O ditirambo natildeo soacute pode fazer isso mas tambeacutem pode ancorar a trageacutedia no meio especiacutefico ateniense em que chegaram a ser concretizadas

28 Homem que primeiro produziu um antepassado reconheciacutevel do ator traacutegico no palco ateniense29 Aproximadamente entre o final das Guerras Persas e a derrota de Atenas por Esparta e seus aliados30 MOTA 2008 p18

26

Eacutesquilo o poeta de Elecircusis aleacutem de escrever trageacutedias tambeacutem lutou na batalha de

Maratona talvez por isso tenha tratado numa de suas trageacutedias da guerra conforme jaacute foi citado

Embora o momento narrado na peccedila date de oito anos antes Eacutesquilo reescreve esse momento

histoacuterico em sua trageacutedia movendo os fatos do seacutec V ao passado miacutetico A vitoacuteria dos gregos

contra os persas influenciaram muito na poesia da eacutepoca como na trageacutedia Os persas de Eacutesquilo

como afirma Debnar (2005 p7)

Conversely although the historical referent of Persians is clear modern scholarsrsquo interpretations of the poetrsquos use of the event are shaped in large part by how far they believe the Athenians had moved toward empire by the end of the 470s31

Tambeacutem na Oresteia encontram-se referecircncias ao seacutec V periacuteodo em que as trageacutedias foram

encenadas

The conflicts and resolution of the Oresteia are strongly colored by the difficulties the Athenians were facing in the 450s clashes with the Persians the First Peloponnesian War and political upheavals within their own city32 (Debnar 2005 p 10)

A primeira trageacutedia da trilogia Agamecircmnon apresenta uma ecircnfase no mar mostrando a

forccedila da guerra mariacutetima na viagem rumo a Troia e no retorno do rei de Argos O poder mariacutetimo

refletiria o poder adquirido por Atenas ao vencer os Persas Na outra peccedila Eumecircnides Eacutesquilo

coloca em cena o tribunal ateniense e uma disputa entre as leis antigas (Eriacutenias) e as novas (Atena)

E como exemplo mais definido dessa reforma juriacutedica em Atenas tem-se o seguinte exemplo

It is equally certain that when Athena gives the jury of Athenian citizens the power to try cases of murder the poet alludes to Ephialtesrsquo reform of the Areopagus which still retained this power in 45833 (DEBNAR 2005 p 10)

Natildeo somente nas trageacutedias de Eacutesquilo observam-se essas referecircncias histoacutericas ao periacuteodo

em que foram encenadas as peccedilas Em Soacutefocles na trageacutedia Aacutejax que foi encenada durante o

periacuteodo de trinta anos de paz na Greacutecia demonstra um retorno aos mitos homeacutericos pela

personagem Aacutejax como tambeacutem apresenta uma proximidade com o seacutec V aC

31 Por outro lado embora o referencial teoacuterico de Os persas seja claro as interpretaccedilotildees dos estudiosos modernos usadas pelo poeta do evento satildeo formadas em grande parte por quatildeo longe eles acreditam que os atenienses tenham se movido em direccedilatildeo ao impeacuterio ateacute o final de 470

32 Os conflitos e a resoluccedilatildeo da Oresteia satildeo fortemente ilustradas pelas dificuldades que os atenienses enfrentavam em 450 confrontos com os persas a primeira guerra do Peloponeso e levantes poliacuteticos dentro de sua proacutepria cidade

33 Eacute igualmente certo que quando Atena daacute ao juacuteri de cidadatildeos atenienses competecircncia para julgar os casos de homiciacutedio o poeta alude agrave reforma do Aeroacutepago de Efialtes que ainda mantinha esse poder em 458

27

At the same time his [Ajax] command of sailors would have reminded the fifth-century audience of themselves and of the great aristocratic generals responsible for repelling the Persians and for the prosperity that the expansion of the empire brought their city (DEBNAR 2005 p12)34

Tambeacutem se verifica na peccedila Suplicantes de Euriacutepides assim como em Eacutesquilo a presenccedila da

guerra Mas o momento histoacuterico natildeo eacute o mesmo conforme afirma Debnar (2005 p16)

Nonetheless just as mention of civil war in Eumenides is likely to have reminded Aeschylusrsquo audience of the political situation after Ephialtesrsquo reforms so in Euripidesrsquo play the refusal of the Thebans to allow burial of their foes could have reminded the Athenians of a similar incident involving Boeotians in the recent past35

A reforma de Efialtes que aconteceu dois ou trecircs anos antes da encenaccedilatildeo da peccedila

Eumecircnides de Eacutesquilo pode ser lembrada pelos espectadores na trageacutedia como jaacute foi citado

anteriormente (DEBNAR 2005 p10) assim como o incidente recente envolvendo os Beoacutecios

poderia ter sido lembrado pela audiecircncia da peccedila Suplicantes de Euriacutepides

Conforme se observa nos exemplos apresentados durante o seacutec V aC periacuteodo em que

foram encenadas as trageacutedias os mitos gregos foram reescritos investidos de uma nova visatildeo no

caso a influecircncia dos momentos histoacutericos vividos pelos gregos A audiecircncia dessas peccedilas ao

assistir os fatos jaacute vivenciados pelo seu povo se identifica com a trageacutedia encenada

O teatro grego do seacutec V aC era encenado nas festas dionisiacuteacas como as Dioniacutesias Rurais

as Leneias e as Grandes Dioniacutesias exceto nas Antesteacuterias nas quais natildeo se confirmam as

apresentaccedilotildees teatrais As Dioniacutesias Rurais aconteciam no mecircs de dezembro mecircs de Poseidon

comeccedilavam com um cortejo faacutelico e em sequecircncia acontecia um sacrifiacutecio depois desses seguiam

com as representaccedilotildees teatrais a trageacutedia a comeacutedia e o ditirambo As Leneias aconteciam em

janeiro no mecircs do Gameacutelion e incluiacuteam o cortejo conduzido pelo arconte sacrifiacutecio e

apresentaccedilotildees dramaacuteticas de comeacutedia de trageacutedia e de ditirambo Esse festival era tipicamente

aacutetico pois natildeo contava com a presenccedila de natildeo-atenienses As Antesteacuterias aconteciam entre os dias

11 e 13 do mecircs de Antesteacuterion mecircs de fevereiro No primeiro dia de festival era o dia de abertura

dos toneacuteis No segundo dia havia um concurso de bebida No terceiro dia acontecia a festa das

34 Ao mesmo tempo o seu [Aacutejax] comando de marinheiros teria lembrado o puacuteblico do quinto seacuteculo deles mesmos e dos grandes generais aristocraacuteticos responsaacuteveis por repelir os persas e pela prosperidade que a expansatildeo do Impeacuterio trouxe a sua cidade

35 No entanto assim como a menccedilatildeo de guerra civil em Eumecircnides eacute provaacutevel que tenha lembrado a audiecircncia de Eacutesquilo da situaccedilatildeo poliacutetica apoacutes as reformas de Efialtes portanto na peccedila de Euriacutepides a recusa dos tebanos para permitir o sepultamento de seus inimigos poderia ter lembrado os atenienses de um incidente semelhante envolvendo os Beoacutecios num passado recente

28

marmitas E natildeo haacute muitas referecircncias acerca da existecircncia de concursos dramaacuteticos nessa festa36

As Grandes Dioniacutesias eram festivais urbanos em honra de Dioniso Eleuteacuterio Esse festival

acontecia no mecircs do Elafeboacutelion (no final de marccedilo) e contava com a presenccedila natildeo soacute de cidadatildeos

atenienses mas tambeacutem de outras cidades-estados Nesse festival havia concursos teatrais e ldquoo

responsaacutevel pelas celebraccedilotildees era o arconte-epocircnimo que tinha a seu cargo os custos da pompe37 e

dos concursos dramaacuteticos e ditiracircmbicosrdquo (CASTIAJO 2012 p20) No primeiro dia de festival os

poetas os atores e os participantes dos coros que se apresentaratildeo no evento mostram-se sem

maacutescaras e davam uma preacutevia das performances a serem apresentadas No final desse dia a estaacutetua

de Dioniacuteso eacute conduzida de seu templo ateacute o teatro No segundo dia acontecia o cortejo religioso a

pompe e depois o sacrifiacutecio e de tarde ocorria o concurso de cantos corais Nos outros dias

aconteciam as competiccedilotildees dramaacuteticas nas quais eram encenadas comeacutedias trageacutedias e dramas

satiacutericos

A ordem das competiccedilotildees dramaacuteticas bem como os dias a elas dedicados continuam a ser questotildees controversas A versatildeo dominante eacute a de que antes e depois da guerra do Peloponeso (431-404 aC) o primeiro dia dos concursos era dedicado agrave performance de cinco comeacutedias e os restantes trecircs eram preenchidos cada um deles com a apresentaccedilatildeo por um uacutenico poeta e corego de trecircs trageacutedias e um drama satiacuterico Outra das versotildees daacute como certo que o primeiro dia estava reservado agrave performance dos ditirambos de rapazes e agrave representaccedilatildeo de uma comeacutedia o segundo agrave competiccedilatildeo dos coros ditiracircmbicos de homens e agrave performance de outra comeacutedia e os trecircs uacuteltimos dias cada um deles agrave apresentaccedilatildeo de uma tetralogia traacutegica e de uma comeacutedia (CASTIAJO 2012 p 26)

No uacuteltimo dia do festival o arconte-epocircnimo anunciava agrave audiecircncia os vencedores dos

concursos dramaacuteticos Os poetas vencedores eram coroados com coroas de hera e conduzidos para

casa por um cortejo vitorioso Natildeo se sabe quais seriam os precircmios concedidos aos melhores atores

A encenaccedilatildeo das peccedilas do seacutec V aC nas Grandes Dioniacutesias acontecia normalmente no

teatro de pedra de Dioniso De laacute o puacuteblico de quase 3000 pessoas tinha uma visatildeo privilegiada na

qual era possiacutevel acompanhar a procissatildeo e visualizar os sacrifiacutecios38 E tambeacutem era um ambiente

propiacutecio para as danccedilas e encenaccedilotildees No palco acontecia a cena os atores usavam maacutescaras que

ajudavam na projeccedilatildeo vocal As maacutescaras davam um caraacuteter impessoal aos atores e os distanciava

da audiecircncia Elas eram diferentes para a trageacutedia e para a comeacutedia E para complementar o figurino

dos atores as vestimentas que poderiam por exemplo demonstrar a classe social muito diziam de

suas personagens Assim como as maacutescaras as vestimentas e os sapatos tambeacutem eram distintos para

a trageacutedia e a comeacutedia Na trageacutedia os atores usavam a tuacutenica peplo e na comeacutedia a tuacutenica chiton 36 CASTIAJO 2012 p 13-1737 Procissatildeo38 CASTIAJO 2012 p33

29

curta para que fosse possiacutevel visualizar o phallos Os sapatos na trageacutedia eram simples e

confortaacuteveis com altura ateacute a perna jaacute na comeacutedia os sapatos eram triviais as embades

Depois de paramentados os atores deveriam cumprir o seu papel de representar uma

personagem deixando de ser um mero recitador de poemas Para designar ator os gregos

utilizavam a palavra hypokrites ldquojaacute usada no seacuteculo V aC e que natildeo haveria nenhum outro termo

para denominar atores em geral incluindo os protagonistasrdquo (CASTIAJO 2012 p82) Aleacutem de

hypokrites havia outros termos mais especiacuteficos para designar o papel ocupado pelo poeta dentro

da encenaccedilatildeo como protagonistes deuteragonistes e tritagonistes Esses termos eram pouco

utilizados e serviam para indicar a divisatildeo dos atores e natildeo um niacutevel de importacircncia Os atores

deveriam ter habilidades especiacuteficas para conseguirem desempenhar o seu papel como uma boa

projeccedilatildeo vocal uma flexibilidade de gesticulaccedilatildeo uma capacidade de danccedilar e muito preparo fiacutesico

para aguentar a rotina de ensaios e o tempo no palco

Em cena o ator dialogava com outro ator ou com um coro Visto como elemento primordial

(jaacute mencionado anteriormente) o coro vai perdendo espaccedilo com o passar dos anos para outros

atores nas representaccedilotildees dramaacuteticas No seacutec V aC ainda vemos o coro participando efetivamente

das trageacutedias de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides mas soacute

na viragem do seacuteculo V para o IV aC nomeadamente com a figura de Aacutegaton que se assiste de uma forma mais evidente ao relegar do papel do coro para segundo plano jaacute que por esta altura o enfoque passou a ser atribuiacutedo aos atores sendo que a participaccedilatildeo do coro passou a ser escassa cabendo-lhe quase exclusivamente a intervenccedilatildeo em interluacutedios ndash embolima ndash entre as peccedilas que mais natildeo eram do que cacircnticos com pouca ou sem qualquer relaccedilatildeo com os acontecimentos representados no espaccedilo ceacutenico passando desta forma e definitivamente a estar afastado da accedilatildeo dramaacutetica (CASTIAJO 2012 p106-107)

Poreacutem enquanto esteve presente efetivamente nas representaccedilotildees dramaacuteticas segundo

Castiajo (2012 p109-113) o coro exerceu funccedilotildees importantes como sendo o narrador dos fatos

conhecidos e desconhecidos da audiecircncia como o interlocutor do ator como ldquoum intermediaacuterio

entre o mundo ficcional da peccedila e a realidade da audiecircncia jaacute que por natureza composiccedilatildeo e

colocaccedilatildeo fiacutesica pertencia simultaneamente ao mundo da peccedila e ao mundo da audiecircnciardquo

(CASTIAJO 2012 p 110) como elemento teatral de identificaccedilatildeo das personagens que entram em

cena como representantes de um grupo especiacutefico como representante de uma coletividade E

assim como os atores o coro tambeacutem deveria ter a habilidade de projeccedilatildeo de voz e de danccedilar

Todo esse aparato cecircnico do teatro do seacutec V aC culminava numa representaccedilatildeo teatral

cujo principal espectador era o cidadatildeo grego

30

Assim para aleacutem de todo o tipo de cidadatildeos que estariam presentes fosse qual fosse a sua categoria profissional ou niacutevel de formaccedilatildeo ndash artesatildeos agricultores sacerdotes poetas filoacutesofos (o que a este niacutevel eacute representativo da dimensatildeo democraacutetica dos festivais) ndash eacute hoje cada vez mais aceite que tambeacutem os escravos as crianccedilas e as mulheres tinham assento no teatro (CASTIAJO 2012 p130)

Quanto agrave presenccedila das mulheres nas representaccedilotildees teatrais haacute controveacutersias alguns

estudiosos acreditam que as mulheres teriam ido ao teatro embora em nuacutemero reduzido e ficando

restritas a cadeiras especiacuteficas e outros que defendem que as mulheres natildeo frequentavam o teatro

durante os festivais E aleacutem dos homens mulheres crianccedilas e escravos os natildeo-atenienses39 ainda

assistiam aos espetaacuteculos durante as Grandes Dioniacutesias Essa diversidade de audiecircncia exigia dos

poetas e dos atores uma maior profissionalizaccedilatildeo de sua arte para que pudessem agradar o maior

nuacutemero possiacutevel de espectadores

O teatro em Roma se inicia por volta do seacutec III aC apoacutes a tomada da cidade de Tarento

pois os artesatildeos e os soldados apoacutes terem contato em suas viagens com representaccedilotildees teatrais nas

cidades de origem grega quiseram trazer essa nova experiecircncia para Roma

Because Roman merchants and soldiers had seen tragic performances in the Greek theatres of Tarentum and Syracuse during the campaigns against Pyrrhus and the Carthaginians they wanted to introduce this kind of drama at Rome and in 240BC Livius Andronicus a Tarentine Greek who bore the name of his Roman patron was commissioned to translate ndash or rather adapt ndash a tragedy and a comedy for the victory games40 (FANTHAM 2007 p116)

Todavia o teatro romano em sua formaccedilatildeo natildeo somente sofreu influecircncias dos gregos

provenientes da regiatildeo conhecida como Magna Greacutecia ndash Lucacircnia Apuacutelia e Siciacutelia ndash mas tambeacutem

dos etruscos (povo situado ao norte de Roma) e dos uacutembrios (povo situado agrave nordeste de Roma)

Os etruscos acumulavam elementos da cultura grega e da cultura feniacutecia Ficaram

conhecidos por seus muacutesicos danccedilarinos e maacutescaras mas natildeo restou nenhum texto escrito dessas

manifestaccedilotildees artiacutesticas somente pinturas que representam tais manifestaccedilotildees Tambeacutem o nome

actor (ator) teria origem na palavra etrusca histrio Quanto aos umbros pouco se sabe a respeito

deles Diante dessas imprecisas informaccedilotildees conclui Dupont (2003 p 142) ldquoCar ce qui fait

lidentiteacute du theacuteacirctre latin cest la rencontre et la synthegravese des deux la poeacutesie grecque e les spectacles

latins41rdquo Com isso pode-se dizer que as principais fontes do teatro romano seriam o teatro grego e

os espetaacuteculos latinos 39 Como trata-se de teatro ateniense os estrangeiros satildeo os que natildeo pertencem aquela poacutelis40 Porque os comerciantes e os soldados romanos tinham visto performances dramaacuteticas nos teatros gregos de Tarento e Siracusa durante as campanhas contra Pirro e os cartagineses eles queriam introduzir este tipo de drama em Roma e em 240 aC Liacutevio Andronico um tarentino grego que tinha o nome de seu patrono romano foi contratado para traduzir ndash ou melhor adaptar ndash uma trageacutedia e uma comeacutedia para os jogos de vitoacuteria41 Pois o que faz a identidade do teatro latino eacute o encontro e a siacutentese de dois a poesia grega e os espetaacuteculos latinos

31

Os espetaacuteculos romanos eram apresentados nos chamado ludi um festival coletivo puacuteblico

ou privado E nesses natildeo soacute aconteciam apresentaccedilotildees teatrais mas tambeacutem corrida de cavalos

combate de animais combate de gladiadores entre outras Os espetaacuteculos teatrais eram chamados

de ludi scaenici e os outros espetaacuteculos eram conhecidos como ludi circenses

The ludi scaenici were organised by Roman magistrates who used them (among other things) to impress their peers clients and the citizen body as a whole and (especially where the praetexta was concerned) for specific political goals42 (BOYLE 2009 p6)

Os romanos promoviam a princiacutepio espetaacuteculos de cunho religioso nos quais foram

inseridos as apresentaccedilotildees performatizadas ldquoThe ludi began with a sacrifice to the appropriate deity

and a procession from the cult temple but when the play began the actors had to compete with all

kinds of circus-style entertainmentrdquo43 (BOYLE 2009 p6) Os sacrifiacutecios tambeacutem poderiam ser

feitos aos magistrados e nem sempre eram dedicados a apenas uma divindade Jaacute as procissotildees

provavelmente remontam a uma tradiccedilatildeo etrusca

Nos ludi incluiam-se vaacuterias apresentaccedilotildees comeacutedias trageacutedias farsas atelanas mimos

muacutesica e danccedila44 Os espetaacuteculos teatrais eram apresentados em teatros ditos ldquotemporaacuteriosrdquo que

podiam ser montados e desmontados normalmente a estrutura desse teatro era feita de madeira ou

de maacutermore Por isso a scaena podia ser montada em vaacuterios lugares da cidade ao contraacuterio do que

acontecia com os jogos circenses que tinham um lugar fixo e fechado para a apresentaccedilatildeo de seus

espetaacuteculos45 O primeiro teatro dito ldquopermanenterdquo construiacutedo em Roma foi o teatro de Pompeu em

55 aC como caracteriza Goldberg (1996 p265)

The vast structure itself was in many ways a marvel Romes first stone theater designed to hold perhaps 40000 spectators incorporated a temple of Venus Victrix above the cavea flanked by four ancillary sanctuaries to revered abstractions like Honos and Virtus while behind the stage building stretched an elaborate portico and formal garden connecting the theater with a new senate-house some 200 meters to the east46

42 Os ludi scaenici foram organizados por magistrados romanos que os usaram (entre outras coisas) para impressionar os seus pares nobres e o corpo do cidadatildeo como um todo e (especialmente onde estava a pretexta foi referida) para objetivos poliacuteticos especiacuteficos

43 Os ludi comeccedilavam com um sacrifiacutecio agrave divindade apropriada e uma procissatildeo do templo de culto mas quando a peccedila comeccedilava os atores tinham que competir com todos os tipos de entretenimento de estilo circense

44 BOYLE 2009 p645 BEACHAM 2007 p202-22646 A grande estrutura em si foi de muitas maneiras uma maravilha o primeiro teatro de pedra de Roma projetado para

manter talvez 40 mil espectadores incorporou um templo de Venus Victrix acima do cauea ladeado por quatro santuaacuterios auxiliares para reverenciadas abstraccedilotildees como Honos e Virtus enquanto por detraacutes do palco construiacutedo estendeu um poacutertico elaborado e um jardim formal ligando o teatro com uma nova casa senatorial cerca de 200 metros para o leste

32

Depois desse teatro foram construiacutedos os teatros de Balbo em 13 aC e o de Marcelo em 11

aC no reinado de Augusto47 Com um espaccedilo fiacutesico definido para as encenaccedilotildees os jogos romanos

jaacute constavam em seus calendaacuterios Em Roma os festivais aconteciam normalmente de abril a

novembro comeccedilando com os Ludi Megalenses e os Ludi Cerialis em abril e terminando com os

Ludi Plebeii em novembro48

Em todos os jogos aconteciam representaccedilotildees teatrais que eram encerrados pelas

apresentaccedilotildees circenses Os espetaacuteculos duravam o dia todo se estendendo ateacute a noite O povo

romano passava muitos dias do ano nos Jogos Aleacutem de proporcionar divertimento nesses

espetaacuteculos eram distribuiacutedos para o povo comida e presentes

A audiecircncia romana era composta por pessoas de todas classes sociais do escravo ao

magistrado mas havia uma divisatildeo social dentro do teatro cujo em assentos especiacuteficos de acordo

com a sua colocaccedilatildeo na sociedade as pessoas se acomodavam

Admission was free on a first-come first-served basis but restrictions on seating for different classes made the theatre lsquoa vivid representation of Roman social hierarchyrsquo As choruses played little or no role in Roman drama seats were set up in the orchestra for senators (and possibly their families) behind which sat recent civic honourees The next fourteen rows were reserved for the lsquoknightsrsquo (equites) Behind them sat married (male) citizens then unmarried citizens then women and finally slaves who often stood in the back49 (REHM 2007 p197)

Os atores traacutegicos portavam uma coroa na cabeccedila vestiam-se com uma toga puacuterpura ou

violeta e calccedilavam coturnos Quanto agraves maacutescaras os atores romanos natildeo as utilizaram muito

porque a princiacutepio elas estavam restritas agraves atelanas50 As maacutescara foram usadas por um curto

espaccedilo de tempo durante o seacutec I pela trageacutedia e pela comeacutedia Esse haacutebito soacute foi conservado pela

pantomima51 Ao inveacutes da maacutescara o ator romano privilegiava o uso da maquiagem52

Outro produto essencial do teatro romano era a muacutesica que estava presente em todas as

47 DUPONT 2003 p5848 REHM 2007 p19449 A entrada era gratuita organizada por ordem de chegada mas as restriccedilotildees de assentos para diferentes classes

tornavam o teatro a representaccedilatildeo viva da hierarquia social romana Como os coros pouco encenados ou com nenhum papel no teatro romano os assentos foram instalados na orquestra para senadores (e possivelmente suas famiacutelias) atraacutes dos quais se sentavam os cidadatildeos receacutem homenageados As proacuteximas quatorze filas foram reservadas para os cavaleiros (equites) Atraacutes deles sentavam-se os cidadatildeos casados (masculino) os cidadatildeos solteiros entatildeo as mulheres e finalmente os escravos que muitas vezes ficavam na parte de traacutes

50 A atelana era ldquooriginaacuteria ao que tudo indica uma espeacutecie de farsa popular vivida por personagens fixas burlescas e caracteriacutesticas (hellip) Aparentada com o drama satiacuterico com a hilarotrageacutedia e com a farsa tarentina a atelana era representada por personagens mascaradas (hellip) Vazada inicialmente em linguajar ruacutestico a atelana se intelectualiza aos poucos assumindo dimensotildees literaacuterias no comeccedilo do seacutec I aC quando Noacutevio e Pompocircnio compotildeem textos para representaccedilotildeesrdquo (CARDOSO 2003 p 38)

51 A pantomima era ldquorepresentada por atores mascarados e versando sobre assuntos mitoloacutegicos ou extraiacutedos da realidade cocircmicos ou seacuteriosrdquo (CARDOSO 2003 p38)

52 DUPONT 2003 p81

33

apresentaccedilotildees teatrais A muacutesica era apresentada por um flautista e um cantor O puacuteblico romano

preferia a muacutesica desde as origens da cidade ldquoLa culture musicale est geacuteneacuterale les chansons

chanteacutees au theacuteacirctre sont reprises et fredonneacutees dans les rues et les banquetsrdquo53 (DUPONT 2003

p116) Aleacutem de apreciar a muacutesica o puacuteblico romano tambeacutem se detinha no momento do

espetaacuteculo na performance dos atores

A preferecircncia do povo romano pela muacutesica pelo espetaacuteculo pela performance vai distanciaacute-

lo do teatro de texto teatro de influecircncia grega cultivado pelos poetas do periacuteodo claacutessico romano

O teatro em Roma de acordo com o puacuteblico pode ser dividido em dois tipos diferentes como afirma

DUPONT (2003 p126-127)

Le theacuteacirctre romains fut donc perpeacutetuellement deacutechireacute par un clivagem sociologique du public qui correspond agrave un clivage estheacutetique Ce clivage lisible dans le public va aboutir agrave la constitution de deux publics et deux types de theacuteacirctres diffeacuterents Paralleacutelement agrave la pantomime qui va canaliser le public populaire un theacirctre litteacuteraire apparaicirct sous lEmpire theacuteacirctre agrave textes54

Com isso as apresentaccedilotildees teatrais no periacuteodo do Impeacuterio Romano mais aceitas pelo

puacuteblico popular eram as pantomimas enquanto os textos teatrais se propagavam pela elite romana

Esse novo teatro romano de natureza literaacuteria natildeo se adequava agraves apresentaccedilotildees teatrais ocorridas

durante os Jogos por isso os poetas encontraram um outro meio de divulgar as suas obras elas

eram apresentadas em reuniotildees particulares de aristocratas em forma de leitura puacuteblica55

La lecture des trageacutedies donne agrave celle-ci une digniteacute nouvelle Cette reacuteception eacuterudite des textes theacuteacirctraux suscite une nouvelle forme deacutecriture la piegravece est deacutesormais un texte clos produisant une signification symbolique Deacutesormais il est possible denvisager lexistence dun theacuteacirctre politique intentionnellement politique ougrave les personnages soient des figures du pouvoir et mecircme dun theacuteacirctre psychologique ougrave les personnages soient des figures de la passion (DUPONT 2003 p 127-128)56

Com esse novo meio de divulgaccedilatildeo dos textos as peccedilas teatrais passaram a privilegiar

outros assuntos natildeo abordados antes como as questotildees poliacuteticas e sociais estas caracteriacutesticas natildeo

eram mencionadas nas encenaccedilotildees durante os Jogos Romanos pois nesses eventos o principal

53 A cultura musical eacute geral as canccedilotildees cantadas no teatro satildeo retomadas e cantaroladas nas ruas e nos banquetes 54 O teatro romano foi pois perpetualmente divido por uma clivagem socioloacutegica do puacuteblico que corresponde a uma

clivagem esteacutetica Essa clivagem legiacutevel do puacuteblico vai resultar na constituiccedilatildeo de dois puacuteblicos e de dois tipos de teatro diferentes Paralelamente agrave pantomima que vai canalizar o puacuteblico popular um teatro literaacuterio aparece sob o Impeacuterio o teatro de texto

55 DUPONT 2003 p12756 A leitura das trageacutedias datildeo a essas uma nova dignidade Essa recepccedilatildeo erudita dos textos teatrais suscita uma nova

forma de escrita a peccedila eacute daqui em diante um texto fechado produtor de uma significaccedilatildeo simboacutelica Daqui em diante eacute possiacutevel considerar a existecircncia de um teatro poliacutetico intencionalmente poliacutetico onde as personagens sejam figuras de poder mesmo de um teatro psicoloacutegico onde as personagens sejam figuras de paixatildeo

34

objetivo era o divertimento

O teatro literaacuterio se inicia com Liacutevio Andronico Apoacutes a tomada de Tarento em 272 aC o

jovem eacute levado para Roma como preso de guerra Ele chega nessa cidade ainda crianccedila e eacute educado

em escola biliacutengue para escravos especializados E em 249 aC Liacutevio Andronico apresenta o

primeiro poema nos Ludi Tarentini Ele tambeacutem traduziu a Odisseia de Homero em versos

saturninos e escreveu peccedilas teatrais atraveacutes de mitos gregos como a mais conhecida O Cavalo de

Troia57 assim ldquoby adapting a Greek tragedy Livius was transferring an established Greek dramatic

tradition to Rome creating the Roman theatrerdquo58

Depois de Liacutevio Andronico Neacutevio foi o segundo tragedioacutegrafo em Roma Ele encenou a

primeira trageacutedia em 235 aC e tanto escreveu trageacutedias como comeacutedias59 Tambeacutem utilizou-se de

temas associados agrave mitologia grega e aleacutem disso Neacutevio introduziu um novo gecircnero dramaacutetico

tipicamente romano a fabula pretexta

Ecircnio tambeacutem escreveu trageacutedias e inovou em seus poemas ldquoIl ne lui suffit pas decirctre

applaudi au theacuteacirctre il veut ecirctre immortaliseacute dans ses oeuvres Il inaugure un noveau type de poegravetes

qui a la faccedilon grecque cherche la gloire dans leacutecriture (DUPONT 2003 p 313)60 por isso ele

distancia-se da trageacutedia para encenaccedilatildeo dos Jogos Romanos Ecircnio escreveu uma epopeia Annales e

uma trageacutedia pretexta61 Ambracia Esse poeta foi muito citado por Ciacutecero e aceito pelo povo

romano suas trageacutedias seguiram o modelo das trageacutedias gregas utilizando-se principalmente da

mitologia ldquoEnnius a donneacute agrave ses trageacutedies leur dimension monumentale par une eacutecriture rheacutetorique

qui leur insufflait un poids politiquerdquo62 (DUPONT 2003 p 326)

No periacuteodo em que foram encenadas as trageacutedias de Liacutevio Neacutevio e Ecircnio havia uma

preocupaccedilatildeo com a audiecircncia em contraposiccedilatildeo o proacuteximo tragedioacutegrafo Pacuacutevio natildeo se

preocupou com isso

Pacuvius did not strive for complete audience identificacion with his characters in that he used the archaicizing language of his dramatic precursors and coined some odd expressions to elevate his poetry from contemporary expression63 (ERASMO 2004

57 DUPONT 2003 p 145-16158 Adaptando uma trageacutedia grega Liacutevio estava transferindo uma tradiccedilatildeo dramaacutetica grega estabelecida a Roma

criando o teatro romano59 ERASMO 2004 p1460 Natildeo basta para ele ser aplaudido no teatro ele quer ser imortalizado em suas obras Ele inaugura um novo tipo de

poeta que ao modo grego procura a gloacuteria na escrita 61 A trageacutedia praetexta eacute uma trageacutedia tipicamente romana pois os acontecimentos se passam em Roma e as

personagens satildeo da histoacuteria romana ldquoNa fabula praetexta o heroacutei eacute um grande homem rei ou cocircnsul da histoacuteria romana e enverga a toga debruada a puacuterpura insiacutegnia do poder Trata-se de um teatro de caacuteriz poliacuteticordquo (GAILLARD 1992 p 36)

62 Ecircnio deu a suas trageacutedias um dimensatildeo monumental a uma escrita retoacuterica que lhe insuflava um peso poliacutetico 63 Pacuacutevio natildeo se esforccedila para a completa identificaccedilatildeo da audiecircncia com seus personagens em que ele usou a

linguagem arcaizante de seus precursores dramaacuteticas e cunhou algumas expressotildees estranhas para elevar sua poesia

35

p35)

Pacuacutevio foi considerado um dos melhores tragedioacutegrafos romanos Depois dele tem-se Aacutecio

que continuou a escrever trageacutedias de mitos gregos mas ele ldquoseems to draw attention to the art of

persuasion as much as to its ill effectsrdquo64 (ERASMO 2004 p43) Ele marcou a sua eacutepoca como o

uacuteltimo tragedioacutegrafo profissional em Roma65

No Impeacuterio de Augusto a trageacutedia romana ganha vaacuterios representantes mas deste periacuteodo

restaram pouquiacutessimos versos A maioria da produccedilatildeo traacutegica da eacutepoca foi amadora as mais

famosas peccedilas foram Tiestes de Vaacuterio e Medeia de Oviacutedio as quais Quintiliano comentou66 Nesse

periacuteodo a pantomima ganha mais espaccedilo nas apresentaccedilotildees teatrais e as trageacutedias passam a ser mais

escritas e elaboradas Para Dupont (2003 p 340-341)

Mais en reacutealiteacute le siegravecle dAuguste marque le divorce deacutefinitif de la parole tragique e des spectacles car les pantomimes et les lectures publiques apparaissent preacuteciseacutement agrave ce moment La trageacutedie se transforme totalment en opeacutera et la poeacutesie dramatique se retire dans les auditoriums67

Com isso pode-se pensar que a trageacutedia romana deixa de ser encenada e passa a ser lida

publicamente em reuniotildees privadas da aristocracia romana

Under the Principate literary drama began to abandon public theaters for the more intimate (and more aristocratic) confines of smaller roofed halls and private homes Recitation rather than fully staged performance became the norm the kind of performance long established for the presentation of Latin literary works68

(GOLDBERG 1996 p273)

de expressatildeo contemporacircnea64 parece chamar a atenccedilatildeo para a arte da persuasatildeo tanto quanto aos seus efeitos nocivos65 GOLDBERG 1996 p27066 GOLDBERG 1996 p27167 Mas na realidade o seacuteculo de Augusto marca o divoacutercio definitivo da fala traacutegica e dos espetaacuteculos pois as

pantomimas e as leituras puacuteblicas aparecem precisamente nesse momento A trageacutedia se transforma totalmente em oacutepera e a poesia dramaacutetica se retira dos auditoacuterios

68 Sob o principado drama literaacuterio comeccedilou a abandonar os teatros puacuteblicos para os mais iacutentimos limites (e mais aristocraacutetico) de salas cobertas menores e casas particulares Recitaccedilatildeo em vez de totalmente encenada uma performance tornou-se a norma o tipo de perfomance estabelecida haacute muito tempo para a apresentaccedilatildeo de obras literaacuterias latinas

36

3 CAPIacuteTULO 2 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo

Este capiacutetulo pretende apresentar como o mito do rei Agamecircmnon eacute mostrado pela tradiccedilatildeo

grega de Homero a Eacutesquilo Nesse periacuteodo haacute registros do mito de Agamecircmnon na Iliacuteada e na

Odisseia de Homero nos fragmentos dos poemas do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos no

poema Oresteia de Estesiacutecoro que chegou ateacute noacutes tambeacutem de forma muito fragmentada na Piacutetica

XI de Piacutendaro e na Oresteia de Eacutesquilo Com base nessa tradiccedilatildeo tentar-se-aacute apresentar como o

mito de Agamecircmnon eacute reescrito por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon

31 A tradiccedilatildeo eacutepica os poemas homeacutericos e os poemas eacutepicos do ciclo troiano

Os primeiros textos poeacuteticos da literatura grega que restaram foram a Iliacuteada e a Odisseia

ambos atribuiacutedos a Homero datados do seacutec VIII aC Nas duas obras encontra-se a nossa

personagem principal Agamecircmnon sendo apresentada em cada uma das obras de maneira

particular

A Iliacuteada narra a ira de Aquiles que se deu no uacuteltimo ano da guerra de Troia A ira do chefe

dos Mirmidotildees foi provocada por Agamecircmnon que ao perder a sua presa de guerra filha de um

sacerdote de Apolo apossa-se da cativa de Aquiles Briseida No canto I Agamecircmnon mostra-se um

rei impiedoso arrogante e desrespeitoso com os deuses quando natildeo se importa com o pedido de

Crises (Il I v24-32) E o chefe dos gregos fica irritado quando Calcante o acusa de ser o

responsaacutevel pela peste no acampamento

Ἤτοι ὅ γ ὣς εἰπὼν κατ ἄρ ἕζετο τοῖσι δ ἀνέστηἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνωνἀχνύμενος μένεος δὲ μέγα φρένες ἀμφιμέλαιναιπίμπλαντ ὄσσε δέ οἱ πυρὶ λαμπετόωντι ἐΐκτην (Hom Il I v101-104)

Levanta-te entatildeo do seu postoo nobre filho de Atreu Agameacutemnone rei poderosocom torvo aspecto De trevas a coacutelera o peito lhe enchia a transbordar Pareciam-lhe os olhos dois fogos brilhantes69

Aquiles sente-se ultrajado pelo rei que tomou a sua cativa de guerra e pede ajuda agrave sua

matildee Teacutetis No canto II Agamecircmnon tem um sonho enganador e por isso convoca uma assembleia

para que os gregos retornem agrave guerra O rei aparece portando um cetro de origem divina como

siacutembolo do seu poder divino

69 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

37

ἀνὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνἔστη σκῆπτρον ἔχων τὸ μὲν Ἥφαιστος κάμε τεύχωνἭφαιστος μὲν δῶκε Διὶ Κρονίωνι ἄνακτι (Hom Il II v100-102)

Levanta-se o forte Agameacutemnonenas matildeos o cetro que Hefesto com muito artifiacutecio forjarapara presente fazer a Zeus pai que de Crono nascera

Depois da assembleia Agamecircmnon faz um sacrifiacutecio a Zeus para que proteja os gregos na

guerra demonstrando um caraacuteter religioso proacuteprio dos monarcas (Il II v402-403) E com o

exeacutercito pronto o rei aparece suntuoso de aparecircncia divina

μετὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνὄμματα καὶ κεφαλὴν ἴκελος Διὶ τερπικεραύνῳἌρεϊ δὲ ζώνην στέρνον δὲ Ποσειδάωνιἠΰτε βοῦς ἀγέληφι μέγ ἔξοχος ἔπλετο πάντωνταῦρος ὃ γάρ τε βόεσσι μεταπρέπει ἀγρομένῃσιτοῖον ἄρ Ἀτρεΐδην θῆκε Ζεὺς ἤματι κείνῳἐκπρεπέ ἐν πολλοῖσι καὶ ἔξοχον ἡρώεσσιν (Hom Il II v477-483)

No meio se achava Agameacutemnone ao grande fulminador semelhante no olhar e feitio do rosto a Ares no talho do cinto e a Posido no peito fortiacutessimoBem como o touro de grande manada que a todos os outros bois sobreexcede e apoacutes se vai levando reunidas as vacastal aparecircncia emprestou nesse dia Zeus grande a Agameacutemnonepara que fosse o primeiro entre tantos heroacuteis excelentes

No canto III Priacuteamo pede a Helena que lhe apresente quais satildeo os gregos presentes naquele

combate O primeiro eacute Agamecircmnon assim descrito por Helena

οὗτός γ Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνων ἀμφότερον βασιλεύς τ ἀγαθὸς κρατερός τ αἰχμητής (Hom Il III v178-179)

Esse eacute Agamecircmnon rei poderoso de Atreu descendente tatildeo grande rei chefe dos homens quatildeo forte e notaacutevel guerreiro

E apoacutes as palavras de Helena Priacuteamo responde

ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη μοιρηγενὲς ὀλβιόδαιμονἦ ῥά νύ τοι πολλοὶ δεδμήατο κοῦροι Ἀχαιῶν (Hom Il III v182-183)

Oacute venturoso Agameacutemnone filho dileto dos deusesque sobre tantos guerreiros Acaios o mando exercitas

38

Mais adiante no canto IX depois de muitos gregos mortos em combate Agamecircmnon

propotildee o retorno agrave Greacutecia pois os gregos estatildeo perdendo a batalha

ἀλλ ἄγεθ ὡς ἂν ἐγὼ εἴπω πειθώμεθα πάντες φεύγωμεν σὺν νηυσὶ φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν οὐ γὰρ ἔτι Τροίην αἱρήσομεν εὐρυάγυιαν (Hom Il IX v26-28)

Ora faccedilamos conforme o aconselho obedeccedilam-me todos para o torratildeo de nascenccedila fujamos nas ceacuteleres naves pois eacute impossiacutevel tomar a cidade espaccedilosa dos Teucros

Mas por causa dessa proposta o rei natildeo eacute bem visto pelos companheiros sendo considerado

como covarde por isso pela primeira vez reconhece os seus erros e propotildee a Aquiles por

intermeacutedio de Odisseu a devoluccedilatildeo de Briseida e uma grande recompensa (Il IX v15-161)

Mesmo assim Aquiles ainda irado natildeo aceita a proposta do rei de Argos (Il IX v386-387) No

canto XI tem-se o triunfo do chefe das tropas gregas Agamecircmnon lidera os gregos num combate

contra os troianos chefiados por Heitor Nesse duelo o Atrida mata muitos inimigos

ἀτὰρ κρείων Ἀγαμέμνων αἰὲν ἀποκτείνων ἕπετ Ἀργείοισι κελεύων (Hom Il XI v153-154)

Natildeo cessa Agameacutemnone forte de dizimar o inimigo exortando os guerreiros argivos

Poreacutem o rei acaba se ferindo em combate e embora natildeo quisesse sair da luta para se

proteger sobe num carro rumo agraves naus

στῆ δ εὐρὰξ σὺν δουρὶ λαθὼν Ἀγαμέμνονα δῖοννύξε δέ μιν κατὰ χεῖρα μέσην ἀγκῶνος ἔνερθεἀντικρὺ δὲ διέσχε φαεινοῦ δουρὸς ἀκωκήῥίγησέν τ ἄρ ἔπειτα ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνωνἀλλ οὐδ ὧς ἀπέληγε μάχης ἠδὲ πτολέμοιο (Hom Il XI v251-255)

Sem que o notasse Agameacutemnone pocircs-se-lhe ao lado e com a lanccedila proacuteximo do cotovelo o antebraccedilo no meio feriu-lhe atravessando-o com a ponta aguccedilada do hastil reluzente Estremeceu Agameacutemnone nobre pastor de guerreiros mas natildeo obstante natildeo quis desistir dos combates e lutas

Logo o chefe retorna ao acampamento dos gregos para cuidar dos ferimentos Em seguida

no canto XIV Agamecircmnon chega ao acampamento ferido ao lado de Odisseu e Diomedes o rei

retoma a ideia de que os gregos fujam de Troia

39

νῆες ὅσαι πρῶται εἰρύαται ἄγχι θαλάσσηςἕλκωμεν πάσας δὲ ἐρύσσομεν εἰς ἅλα δῖανὕψι δ ἐπ εὐνάων ὁρμίσσομεν εἰς ὅ κεν ἔλθῃνὺξ ἀβρότη ἢν καὶ τῇ ἀπόσχωνται πολέμοιοΤρῶες ἔπειτα δέ κεν ἐρυσαίμεθα νῆας ἁπάσαςοὐ γάρ τις νέμεσις φυγέειν κακόν οὐδ ἀνὰ νύκταβέλτερον ὃς φεύγων προφύγῃ κακὸν ἠὲ ἁλώῃ (Hom Il XIV v75-81)

Sem mais demora arrastemos as naus que se encontram mais perto da praia extensa e as lancemos agraves ondas divinas bem longe onde o mar for mais profundo firmando-as com as pedras acircncoras para aguardarmos a Noite imortal Caso os Teucros se abstenham de combater poderemos talvez pocircr a nado elas todas Natildeo eacute vergonha fugir ainda mesmo seja de noite Eacute preferiacutevel da ruiacutena escapar a ser presa do imigo

Mas os outros gregos natildeo querem recuar e retomam a luta Apoacutes muitas perdas e com a

decisatildeo de Aquiles de retornar para a batalha para vingar a morte de Paacutetroclo no canto XIX

Agamecircmnon mais uma vez reconhece os seus erros e a ofensa a Aquiles com isso por intermeacutedio

de Odisseu devolve Briseida e os ricos presentes jaacute prometidos Ao devolver a cativa de Aquiles

Agamecircmnon faraacute um juramento afirmando nunca ter tocado na jovem

ἀνθρώπους τίνυνται ὅτις κ ἐπίορκον ὀμόσσῃ μὴ μὲν ἐγὼ κούρῃ Βρισηΐδι χεῖρ ἐπένεικα οὔτ εὐνῆς πρόφασιν κεχρημένος οὔτέ τευ ἄλλου (Hom Il XIX v260-262)

Nunca na jovem Briseide toquei nem por forccedila de amores nem porque em mim tenha atuado outra forccedila qualquer porventura Em minha tenda durante esse tempo ficou ela intacta

E no canto XXIII Aquiles preocupado com as honras fuacutenebres de Paacutetroclo logo apresenta

Agamecircmnon como chefe das tropas para determinar a construccedilatildeo da pira funeraacuteria do morto desse

modo o poder do rei mostra-se vinculado aos preceitos religiosos

ἠῶθεν δ ὄτρυνον ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγάμεμνονὕλην τ ἀξέμεναι παρά τε σχεῖν ὅσσ ἐπιεικὲςνεκρὸν ἔχοντα νέεσθαι ὑπὸ ζόφον ἠερόενταὄφρ ἤτοι τοῦτον μὲν ἐπιφλέγῃ ἀκάματον πῦρθᾶσσον ἀπ ὀφθαλμῶν λαοὶ δ ἐπὶ ἔργα τράπωνται (Hom Il XXIII v49-53)

Mas quando da aurora raiar Agameacutemnone de homens caudilhomanda que lenha nos tragam e o mais de que um morto precisaquando haacute de a viagem fazer para o reino das trevas espessas para que o fogo incansavel depressa o consuma tirando-ode nossas vistas e assim possam todos voltar para a lida

Assim as apariccedilotildees de Agamecircmnon na Iliacuteada satildeo descritas observa-se que a personagem eacute

40

caracterizada atraveacutes das falas de outras personagens e tambeacutem de suas proposiccedilotildees

principalmente num contexto de guerra como rei chefe guerreiro forte valoroso valente

poderoso viril religioso e de aparecircncia divina em alguns momentos eacute depreciado ao aparecer

como covarde e autoritaacuterio Nesse texto o Agamecircmnon natildeo exerce outros papeacuteis como os

familiares ele aparece principalmente como chefe dos gregos

Poreacutem Agamecircmnon natildeo estaacute presente na Iliacuteada somente nesses momentos citados

anteriormente apenas foram selecionados os mais relevantes O chefe dos gregos eacute intitulado

principalmente dos seguintes epiacutetetos Atrida como em ἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων

Ἀγαμέμνων70 (Hom Il I v102) tambeacutem nesse exemplo tem-se o epiacuteteto de poderosoforte

κρείων outro epiacuteteto eacute o de chefe dos homens ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων71 ( Hom Il II

v612) Chega a ser equiparado aos deuses ao receber a seguinte adjetivaccedilatildeo ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη72

(Hom Il III v182) o adjetivo μάκαρ eacute usado apenas para os deuses como se pode verificar no

verbete do Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego de Isidro (1998 p 354)

μάκαρ feliz rico opulento os Bem-aventurados (deuses)

Jaacute na Odisseia epopeia que narra a volta de Odisseu para a sua paacutetria apoacutes guerrear em

Troia a menccedilatildeo agrave personagem Agamecircmnon se faz em nuacutemero menor de versos em comparaccedilatildeo

com a Iliacuteada No canto III Atena na aparecircncia de Mentor acompanha Telecircmaco na busca por

notiacutecias sobre Odisseu que ainda natildeo havia retornado para a paacutetria apoacutes passados muitos anos do

fim da batalha Na primeira parada desembarcam em Pilos e encontram o velho Nestor que lhes

contaraacute alguns acontecimentos do fim da guerra de Troia como o momento da assembleia dos

gregos liderada por Agamecircmnon para discutir o retorno para a paacutetria Depois Nestor menciona o

destino do valoroso chefe dos gregos

Ἀτρεΐδην δὲ καὶ αὐτοὶ ἀκούετε νόσφιν ἐόντεςὥς τ ἦλθ ὥς τ Αἴγισθος ἐμήσατο λυγρὸν ὄλεθρον (Hom Od III v193-194)

O que respeita ao Atrida soubeste-lo embora distantesde sua volta e do fim desditoso que Egisto lhe urdiu73

70 Optou-se por natildeo traduzir diretamente no texto alguns versos citados em grego da Iliacuteada e da Odisseia de Homero e do Agamecircmnon de Eacutesquilo pois as traduccedilotildees utilizadas para as obras citadas em alguns momentos natildeo abrangem o valor semacircntico adequado para essa pesquisaPortanto traduziu-se o verso assim O nobre Atrida Agamecircmnon chefe poderoso (traduccedilatildeo nossa)

71 O chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)72 Oacute bem-aventurado Atrida (traduccedilatildeo nossa)73 Todas as traduccedilotildees da Odisseia da Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na

referecircncia bibliograacutefica HOMERO Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

41

Nessa conversa a deusa Atena tambeacutem fala da morte de Agamecircmnon como produto do

artifiacutecio de sua esposa e do amante dela

ἢ ἐλθὼν ἀπολέσθαι ἐφέστιος ὡς Ἀγαμέμνων ὤλεθ ὑπ Αἰγίσθοιο δόλῳ καὶ ἧς ἀλόχοιο (Hom Od III v234-235)

tal como Agameacutemnone que sucumbiu ante fraude de sua mulher e de Egisto

Mais adiante Telecircmaco questiona Nestor sobre a morte de Agamecircmnon O velho explica

como Egisto planejou a morte e lembra que Orestes vingou a morte do rei matando Egisto Nestor

atribui a Egisto o assassiacutenio do rei

κτείνας Ἀτρεΐδην δέδμητο δὲ λαὸς ὑπ αὐτῷ ἑπτάετες δ ἤνασσε πολυχρύσοιο Μυκήνης (Hom Od III v304-305)

(Egisto) reina em Micenas em ouro abundante durante sete anos poacutes dar a Morte a Agameacutemnone e o povo forccedilar a obediecircncia

No canto IV Telecircmaco aporta na Lacedemocircnia e visita o palaacutecio de Menelau o irmatildeo de

Agamecircmnon O jovem escuta as palavras do rei que descreve como foi o retorno dos gregos para as

suas respectivas paacutetrias apoacutes a destruiccedilatildeo de Troia e relata que Agamecircmnon foi morto ao voltar

para casa viacutetima de um plano de Egisto que preparou um banquete como armadilha para

recepcionaacute-lo e o matar com o intuito de tomar o seu reino

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como

42

na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

No canto VIII quando Odisseu estaacute na terra dos feaacutecios e participa da assembleia um cantor

aparece para recitar os feitos dos homens dentre eles Agamecircmnon (Od VIII v77-79) No canto

IX Odisseu se apresenta ao Ciclope como partiacutecipe da tropa de Agamecircmnon (Od IX v263-266)

No canto XI Odisseu desce ao Hades e encontra por laacute Agamecircmnon uma alma sofrida

acompanhado dos companheiros mortos por Egistos (Od XI v387-389) Odisseu conversa com

Agamecircmnon e busca saber a causa da sua morte O chefe dos gregos assim responde

οὔτε μ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ ἐπὶ χέρσουἀλλά μοι Αἴγισθος τεύξας θάνατόν τε μόρον τεἔκτα σὺν οὐλομένῃ ἀλόχῳ οἶκόνδε καλέσσαςδειπνίσσας ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃὣς θάνον οἰκτίστῳ θανάτῳ (Hom Od XI v408-412)

nem quando em terra saltasse caiacute pela matildeo de inimigosNatildeo minha Morte e o destino fatal por Egisto me vieramCom minha esposa funesta matou-me depois de chamar-me para um banquete em sua casa qual boi que se abate no talhoDessa maneira morri vergonhosa

Agamecircmnon lamenta a sua morte vergonhosa e tambeacutem critica a sua esposa (Od XI v427-

430) No canto XIII jaacute em Iacutetaca Odisseu ao conversar com Atenas teme que o seu destino seja

semelhante ao de Agamecircmnon ao saber da existecircncia dos pretendentes de Peneacutelope (Od XIII

v383-385) E no canto XXIV Agamecircmnon novamente aparece no Hades pois os pretendentes de

Peneacutelope apoacutes a morte seguem para o reino dos mortos Eles ficam ao redor de Aquiles e chega

Agamecircmnon que conversa com o Pelida Aquiles lembra a morte ingloriosa do chefe dos gregos

(Od XXIV v34) que a lamenta

ἐν νόστῳ γάρ μοι Ζεὺς μήσατο λυγρὸν ὄλεθρονΑἰγίσθου ὑπὸ χερσὶ καὶ οὐλομένης ἀλόχοιο (Hom Od XXIV v96-97)

Zeus me aprestou triste Morte ao me achar novamente na praia agraves matildeos de Egisto guerreiro e da minha funesta consorte

Agamecircmnon reconhece dentre os pretendentes um que o hospedou em Iacutetaca Os dois

conversam o rei lamenta a esposa que teve e admira a sorte de Odisseu que se casou com uma

mulher muito virtuosa Peneacutelope (Od XXIV v192-202)

Desse modo a Odisseia nos apresenta o mito do glorioso chefe dos gregos lembrando

principalmente a sua morte que aparece em conflito com a gloacuteria guerreira dele Agamecircmnon eacute

lembrado pelas personagens por causa da sua morte vergonhosa e tambeacutem aparece duas vezes na

43

narrativa como uma alma sofrida por ter tido tal morte

Dos fragmentos dos poemas eacutepicos do ciclo troiano haacute a reconstituiccedilatildeo de parte dos textos

estes poemas seriam Cantos Ciacuteprios Etiacuteopes A Pequena Iliacuteada O Saque de Iacutelion Retornos e

Telegonia todos eles foram escritos apoacutes as obras de Homero Dentre os poemas apresentar-se-atildeo

apenas Cantos Ciacuteprios e Retornos pois ambos apresentam trechos relevantes do mito de

Agamecircmnon O Cantos Ciacuteprios datado do seacutec VI aC e de autoria desconhecida deteacutem-se nas

origens da Guerra de Troia ateacute o iniacutecio da Iliacuteada Neste poema Agamecircmnon o chefe dos gregos

sacrifica a proacutepria filha Ifigecircnia em honra agrave deusa Aacutertemis

και τό δεύτερον ήθροισμένου του στόλου έν Ανλίδι Αγαμέμνων επί θήρας βαλών έλαφον ύπερ-βάλλειν έφησε και τήν Αρτεμιν μηνίσασα δέ ή θεός έπέσχεν αυτούς τοΰ πλον χειμώνας έπιπέμπουσα Ίίάλχαντος δέ είπόντος τήν της θεού μήνιν καί Ίφιγένειαν κελενσαντος θύειν τήι Αρτέμιδι ώς επί γάμον αυτήν Αχιλλεΐ μεταπεμφάμενοι θύειν έπιχει-ρούσιν ltΚάλχας δέ έφη ουκ άλλως δύνασθαι πλεΐν αυτούς ει μή τών Αγαμέμνονος θυγατέρων ή κρα-τιστεύονσα κάλλει σφάγιον Αρτέμιδος παραστήι πέμφας Αγαμέμνων προς Κλυταιμήστραν Όδυσσέα καί Ταλθύβιον Ίφιγένειαν ήιτει λέγων ύπεσχήσθαι δώσειν αυτήν Αχιλλεΐ γυναίκα μισθόν της στρατείας Αρgt Αρτεμις δέ αυτήν έζαρπάσασα εις Ταύρους μετακομίζει καί άθάνατον ποιεί έλαφον δέ αντί της κόρης παρίστησι τώι βωμώ (APOLODORO Ep 3 20 apud SOUSA 2008 p 27)

Enquanto a frota se prepara em Aacuteulis para uma segunda expediccedilatildeo contra Iacutelion Agamecircmnon mata um cervo em uma caccedilada e se vangloria de ser melhor que Aacutertemis Zangada a deusa envia tempestades que impedem a frota de zarpar Calcante explica a razatildeo do mau tempo e diz que natildeo poderatildeo navegar enquanto a mais bela filha de Agamecircmnon natildeo for imolada em honra de Aacutertemis Decidindo-se a realizar o sacrifiacutecio Agamecircmnon envia Taltiacutebio e Odisseu a Clitemnestra para perguntar por Ifigecircnia afirmando que a jovem estava prometida a Aquiles em recompensa pela participaccedilatildeo deste na expediccedilatildeo Iludida a matildee entrega a filha Quando Ifigecircnia chega o altar jaacute estaacute pronto para a imolaccedilatildeo No entanto Aacutertemis retira a jovem do altar colocando em seu lugar um cervo e a leva para junto dos Tauros na Crimeia onde lhe concede a imortalidade74

Depois se verifica no poema as novas invasotildees das tropas gregas o saque de algumas

cidades e a divisatildeo dos espoacutelios de guerra

και εκ των λαφύρων Άχιλλεύς μεν Βρισηίδα γέρας λαμβάνει Χρυσηΐδα δέ Αγαμέμνων (PROCLUS Chrestomathia apud SOUSA 2008 p30)

74 Todas as traduccedilotildees dos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos presentes nesse texto satildeo de Francisco Edi de Oliveira Sousa retiradas da Tese de Doutorado de seguinte referecircncia SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

44

Aquiles toma Briseida como sua parte Agamecircmnon Criseida capturada em Tebas Hipoplaacutecia onde se encontrava por conta de sacrifiacutecios em honra de Aacutertemis

No Retornos atribuiacutedo a Haacutegias de Trezene e datado de VII aC localizado de acordo com

o mito apoacutes a Odisseia observa-se que Agamecircmnon sai de Troia e tenta voltar para a paacutetria Em

seguida eacute relatada a morte dele

ltέπειgtτα Αγαμέμνονος νπο Αιγίσθου και Κλυταιμήστρας άναιρεθέντος νπ Όρέστον και ΤΙυλάδον τιμωρία (Poculum Homericum MB 36 (SINN) apud SOUSA 2008 p 54-55)

Agamecircmnon por sua vez retorna ao seu palaacutecio onde eacute morto por Egisto e Clitemnestra Mais tarde Orestes e Piacutelades chegam para vingar o assassiacutenio de Agamecircmon

Como se trata de fragmentos o que nos restou dos poemas dos ciclos eacutepicos apresentam-

nos uma breve narraccedilatildeo acerca de partes do mito de Agamecircmnon Observa-se nos trechos dos

Cantos Ciacuteprios o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a posse de Criseida por Agamecircmnon como presa de

guerra e no trecho de Retornos a morte do rei ao chegar agrave sua paacutetria

32 A tradiccedilatildeo liacuterica Estesiacutecoro e Piacutendaro

Assim como na Iliacuteada e na Odisseia de Homero e nos poemas Cantos Ciacuteprios e Retornos

mais tarde por entre os seacutec VI e V aC o mito de Agamecircmnon apareceraacute na poesia liacuterica de

Estesiacutecoro Ele escreveu muitos poemas e dentre eles um intitulado Oresteia dividido em dois

livros E conforme afirma Campbell (2001 p2) esse poema teria sido uma adaptaccedilatildeo de um poema

homocircnimo anterior de Xanto

Stesichorus referred somewhere in his poetry to a predecessor Xanthus who composed an Oresteia which Stesichorus was said to have adapted and this Xanthus may have been a western Greek75

Aleacutem disso restaram apenas alguns fragmentos desse poema que foram reconstituiacutedos a

partir de vaacuterios textos como no livro I de um escoliasta de Aristoacutefanes em Paz (775ss 800 797ss)

no livro II de um escoliasta de Dionisio da Traacutecia (Art 6) de Habron num escoliasta da Iliacuteada de

Homero (ap POxy 1087 ii 47s) e no livro I ou II de Filodemo em Sobre a piedade de um

escoliasta de Euriacutepides em Orestes (46) de um escoliasta de Eacutesquilo em Coeacuteforas (733) e de

75 Estesiacutecoro referiu-se em algum lugar na sua poesia a um antecessor Xanto que compocircs uma Oresteia que Estesiacutecoro havia dito ter adaptado e Xanto pode ter sido um grego ocidental

45

Plutarco em De sera numinis vindicta (10 555a)76 Dos fragmentos reconstituiacutedos nenhum

menciona Agamecircmnon mas um deles apresenta um sonho que Clitemnestra teve antes de ser morta

por Orestes

τᾶι δὲ δράκων ἐδόκησε μολεῖν κάρα βεβροτωμένος ἄκρονἐκ δ ἄρα τοῦ βασιλεὺς Πλεισθενίδας ἐφάνη (Plut ser num vind 10 555a - iii 412 Pohlenz-Sieveking apud CAMPBELL 2001 p 132-133)

And it seemed to her that a snake came the top of its head bloodstained and out of it appeared a Pleisthenid king77

Esses versos trazem uma parte do sonho premonitoacuterio de Clitemnetra que tambeacutem aparece

em Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo Esse sonho teria acontecido antes da morte de Clitemnestra

Em Estesiacutecoro ela interpreta a serpente como sendo Agamecircmnon irado pela morte que teve e por

isso ela envia oferendas ao tuacutemulo do rei Desse modo os versos do poeta liacuterico sugerem que

Clitemnestra teria matado o marido como pode se observar a partir do estudo abaixo

This appears from the nature of the dream which terrified the Clytaemnestra of Stesichorus just before the retribution A serpent approached her with gore upon its head and then changed into Agamemnon78 (JEBB 1894 seccedilatildeo 6)

Jaacute o mesmo episoacutedio do sonho nas Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo eacute relatado pelo Coro

em diaacutelogo com Orestes mas ambos interpretam o sonho como sendo Orestes a cobra que

Clitemenestra tem nos braccedilos Essa interpretaccedilatildeo diverge da interpretaccedilatildeo sugerida a partir dos

fragmentos de Estesiacutecoro

Acerca de Agamecircmnon nos fragmentos de Estesiacutecoro soacute pode se suscitar que ele foi morto

pelas matildeos de sua esposa ao se tentar reconstituir os dois versos mencionados do poema Oresteia

E para escrever esse poema Estesiacutecoro talvez tenha se utilizado dos poemas de Homero e Hesiacuteodo

como pode se observar no Comentaacuterio do Papiro (POxy 2506 fr26 col ii apud CAMPBELL 2001

p 130-131)

Στη]σίχορος ἐχρήσατ[ο διη-γήμασιν τῶν τε ἄλλ[ων ποι-ητῶν οἱ πλείονες τ[μαις ταῖς τούτου με[Ὅμηρον κα[ὶ] Ἡσίοδον [μᾶλλ[ον] Στησιχο[ρ][

76 Todas as indicaccedilotildees citadas e os fragmentos encontram-se em CAMPBELL 2001 p127-13377 E parecia-lhe que uma serpente veio o topo de sua cabeccedila manchada de sangue e com isso surgiu um rei Pliacutestenes78 Isso aparece a partir da natureza do sonho que aterrorizou a Clitemnestra de Estesiacutecoro pouco antes da retribuiccedilatildeo

Uma serpente se aproximou dela com sangue em cima de sua cabeccedila e depois mudou para Agamecircmnon

46

φων[]

Stesichorus used narratives (of Homer and Hesiodo) and most of the other poets used his material for after Homer and Hesiodo they agree above all with Stesichorus79

Apesar de haver apenas fragmentos dos poemas de Estesiacutecoro pode-se deduzir que a

Oresteia dele assim como os poemas de outros poetas contemporacircneos a ele foram influenciados

pelos textos de Homero e Hesiacuteodo e influenciaram os poetas posteriores como mostra a citaccedilatildeo

anterior

Depois da Oresteia de Estesiacutecoro parte do mito de Agamecircmnon eacute narrada no poema Piacutetica

XI de Piacutendaro datado de entre 474-454 aC Esse poema foi composto para um tebano o vencedor

Trasideo Encontra-se na Piacutetica XI (v16-37) assim o mito do rei de Argos

νικῶν ξένου Λάκωνος Ὀρέστατὸν δὴ φονευομένου πατρὸς Ἀρσινόα Κλυταιμήστραςχειρῶν ὕπο κρατερᾶνἐκ δόλου τροφὸς ἄνελε δυσπενθέοςὁπότε Δαρδανίδα κόραν ΠριάμουΚασσάνδραν πολιῷ χαλκῷ σὺν Ἀγαμεμνονίᾳψυχᾷ πόρευ Ἀχέροντος ἀκτὰν παρ εὔσκιοννηλὴς γυνά πότερόν νιν ἄρ Ἰφιγένει ἐπ Εὐρίπῳσφαχθεῖσα τῆλε πάτραςἔκνισεν βαρυπάλαμον ὄρσαι χόλονἢ ἑτέρῳ λέχεϊ δαμαζομένανἔννυχοι πάραγον κοῖται τὸ δὲ νέαις ἀλόχοιςἔχθιστον ἀμπλάκιον καλύψαι τ ἀμάχανονἀλλοτρίαισι γλώσσαιςκακολόγοι δὲ πολῖταιἴσχει τε γὰρ ὄλβος οὐ μείονα φθόνονὁ δὲ χαμηλὰ πνέων ἄφαντον βρέμειθάνεν μὲν αὐτὸς ἥρως Ἀτρεΐδαςἵκων χρόνῳ κλυταῖς ἐν ἈμύκλαιςΓ΄μάντιν τ ὄλεσσε κόραν ἐπεὶ ἀμφ Ἑλένᾳ πυρωθένταςΤρώων ἔλυσε δόμουςἁβρότατος ὁ δ ἄρα γέροντα ξένονΣτροφίον ἐξίκετο νέα κεφαλάΠαρνασσοῦ πόδα ναίοντ ἀλλὰ χρονίῳ σὺν Ἄρειπέφνεν τε ματέρα θῆκέ τ Αἴγισθον ἐν φοναῖς (Pin Pit XI v 16-37)

o amigo do lacoacutenico Orestes Arsiacuteone sua ama arrancou-o do amargo engano logo que seu pai foi assassinado agraves matildeos violentas de Clitemnestra quando esta impiedosa mulher jogou Cassandra filha de Priacuteamo o Dardacircnida juntamente com a alma de Agameacutemnon para a margem sombria de aqueronte com o accedilo cinzento Teraacute sido Ifigeacutenia chacinada em Euripo longe da paacutetria quem a levou a erguer a matildeo pesada do rancor Ou teraacute sido dominada numa cama anoacutenima e as noites de

79 Estesiacutecoro usou narrativas (de Homero e Hesiacuteodo) e muitos outros poetas usaram esse material porque depois de Homero e Hesiacuteodo eles concordam acima de tudo com Estesiacutecoro

47

sexo desviaram-na do seu caminho Este eacute o erro mais odioso das jovens esposas e eacute impossiacutevel de esconder porque os outros iratildeo contaacute-lo Os cidadatildeos falam mal uns dos outros porque toda a becircnccedilatildeo traz consigo uma natildeo menor inveja mas quem respira junto ao chatildeo geme sem ser visto Foi assim que morreu o heroacuteico filho de Atreuquando finalmente regressou agrave famosa Amiclas e destruiu a rapariga das profecias ao acabar com o luxo na casa dos troianos e pocircr-lhes fogo por causa de Helena Orestes a jovem crianccedila foi para junto do velho Estroacutefio amigo da famiacutelia que vivia no sopeacute de Parnasso Por fim com a ajuda de Ares matou a matildee e afogou Egisto numa mar de sangue 80

Como se pode observar no trecho do poema eacute mencionada a morte de Agamecircmnon e a de

Cassandra causada por Clitemnestra depois se verificam os questionamentos sobre os motivos que

levaram Clitemnestra a matar o rei e finaliza com a vinganccedila de Orestes ao matar a matildee e o

amante dela O foco desse poema eacute concedido agrave Clitemenestra que matou o rei e a maior parte da

referecircncia miacutetica expotildee os questionamentos da rainha

33 A tradiccedilatildeo traacutegica Agamecircmnon de Eacutesquilo

Apoacutes a tradiccedilatildeo liacuterica tem-se notiacutecia do mito de Agamecircmnon por meio da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo datada de 458 aC Essa trageacutedia foi encenada juntamente com outras duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo compondo assim uma trilogia intitulada Oresteia A

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute a primeira peccedila da trilogia que narra a morte do rei Agamecircmnon

viacutetima de um plano de vinganccedila da sua esposa e do amante dela ao retornar agrave sua paacutetria

A peccedila eacute composta por partes dialogadas (episoacutedios) e por partes cantadas (estaacutesimos ndash

cantos corais) O enredo da trageacutedia se inicia com um proacutelogo recitado pelo Vigia que aguarda os

sinais do fim da guerra de Troia Ele apresenta o palaacutecio dos Atridas e Clitemnestra que espera o

retorno do marido (Ag v1-39) No primeiro episoacutedio Clitemnestra anuncia a destruiccedilatildeo de Troia

mesmo que o mensageiro ainda natildeo tenha chegado ao palaacutecio (Ag v267) Segundo ela os fachos

de fogo mostram que Troia foi tomada pelos gregos (Ag v281-316) No segundo episoacutedio o

Arauto chega ao palaacutecio e narra a gloacuteria dos gregos em Troia Comeccedila o seu relato falando dos

feitos guerreiros de Agamecircmnon e anuncia que o rei estaacute para chegar

δέξασθε κόσμῳ βασιλέα πολλῷ χρόνῳ

80 Todas as traduccedilotildees do poema Piacutetica XI de Piacutendaro presentes nesse texto satildeo de Antoacutenio de Castro Caeiro conforme a seguinte referecircncia PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

48

ἥκει γὰρ ὑμῖν φῶς ἐν εὐφρόνῃ φέρωνκαὶ τοῖσδ ἅπασι κοινὸν Ἀγαμέμνων ἄναξἀλλ εὖ νιν ἀσπάσασθε καὶ γὰρ οὖν πρέπειΤροίαν κατασκάψαντα τοῦ δικηφόρουΔιὸς μακέλλῃ τῇ κατείργασται πέδον (Ag v521-526)

Recebei em ordem o rei passado tempoe a todos esses luz comum rei AgamecircmnonEia bem o saudai pois assim conveacutemele revolveu Troia com a enxada de Zeus portador de justiccedila lavrado estaacute o solo81

ἄναξ Ἀτρείδης πρέσβυς εὐδαίμων ἀνήρ ἥκει τίεσθαι δ ἀξιώτατος βροτῶντῶν νῦν (Ag v530-532)

O rei Atrida secircnior e com bons Numesvem Honrai o mais digno dos mortaisde hoje

Depois o Arauto continua lembrando os males vividos durante a guerra (Ag v551-566) e

rememora a vitoacuteria dos gregos (Ag v577-579) Sob a indagaccedilatildeo do Coro sobre o destino de

Menelau o Arauto relata a tempestade no mar que ocasionou o naufraacutegio de vaacuterias naus Por causa

disso as naus do marido de Helena teriam desaparecido (Ag v636-680) No terceiro episoacutedio o

Coro anuncia a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio dos Atridas

ἄγε δή βασιλεῦ Τροίας πτολίπορθἈτρέως γένεθλονπῶς σε προσείπω πῶς σε σεβίξωμήθ ὑπεράρας μήθ ὑποκάμψαςκαιρὸν χάριτος (Ag v783-787)

Eia oacute rei devastador de Troiaprogecircnie de Atreucomo te saudar como te venerarnatildeo excedendo nem faltandoagrave medida do benefiacutecio

Agamecircmnon louva os deuses pela destruiccedilatildeo de Troia e pelo seu retorno satildeo e salvo agrave paacutetria

(Ag v810-813) Logo Clitemnestra lamenta o tempo que o marido ficou ausente e lembra os

rumores ouvidos por ela acerca da rotina guerreira do cocircnjuge (Ag v855-913) E para receber

Agamecircmnon Clitemnestra prepara as honras devidas a ele natildeo permitindo que o marido pise o

chatildeo descoberto

νῦν δέ μοι φίλον κάρα81 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

49

ἔκβαιν ἀπήνης τῆσδε μὴ χαμαὶ τιθεὶςτὸν σὸν πόδ ὦναξ Ἰλίου πορθήτορα (Ag v905-907)

Agora oacute cabeccedila querida desce desse carro sem pocircr no chatildeoo teu peacute devastador de Iacutelion oacute rei

Por causa disso Agamecircmnon pede agrave esposa honras dignas de um homem e natildeo de um deus

mas Clitemnestra tenta convencecirc-lo de sua gloacuteria Logo Agamecircmnon pede agrave rainha que acolha

Cassandra a presa de guerra filha de Priacuteamo (Ag v950-952) No quarto episoacutedio Clitemnestra

convida a cativa para entrar no palaacutecio e menciona o banquete que estaacute sendo preparado para

festejar o retorno do rei Ao adentrar o palaacutecio Cassandra entra em estado de transe (Ag v1072-

1073) Ela vecirc os crimes cometidos dentro da morada dos Atridas Em seguida a profetisa descreve

como aconteceraacute um novo crime

ἰὼ τάλαινα τόδε γὰρ τελεῖς                   τὸν ὁμοδέμνιον πόσινλουτροῖσι φαιδρύνασα - πῶς φράσω τέλοςτάχος γὰρ τόδ ἔσται προτείνει δὲ χεὶρ ἐκχερὸς ὀρεγομένα (Ag v1107-1111)

Ioacute Miacutesera isto faraacutes Ao lavares no banhoo teu marido ndash como direi o fatoLogo isto seraacute ela estende a matildeo apoacutes matildeo alcanccedilando

ἦ δίκτυόν τί γ Ἅιδουἀλλ ἄρκυς ἡ ξύνευνος ἡ ξυναιτίαφόνου (Ag v1115-1117)

Eacute um laccedilo de HadesMas a rede eacute o seu cocircnjuge co-autora do massacre

ἆ ἆ ἰδοὺ ἰδού ἄπεχε τῆς βοὸς                   τὸν ταῦρον ἐν πέπλοισινμελαγκέρῳ λαβοῦσα μηχανήματιτύπτει πίτνει δ lsaquoἐνrsaquo ἐνύδρῳ τεύχειδολοφόνου λέβητος τύχαν σοι λέγω (Ag v1125-1129)

Acirc acirc Olha olha Potildee longe de vacao touro Na tuacutenica com negricoacuternio ardil ela captura e feree ele tomba na banheira cheia daacutegua

Aleacutem de anuciar um proacuteximo crime Cassandra prenuncia a sua proacutepria morte (Ag v1258-

1260) Ela tambeacutem lembra o castigo que recebeu de Apolo E menciona a traiccedilatildeo de Clitemnestra e

50

Egisto

ἐκ τῶνδε ποινάς φημι βουλεύειν τινάλέοντ ἄναλκιν ἐν λέχει στρωφώμενονοἰκουρόν οἴμοι τῷ μολόντι δεσπότῃ -ἐμῷ φέρειν γὰρ χρὴ τὸ δούλιον ζυγόννεῶν τ ἄπαρχος Ἰλίου τ ἀναστάτηςοὐκ οἶδεν οἵα γλῶσσα μισητῆς κυνὸςλείξασα κἀκτείνασα φαιδρὸν οὖς δίκηνἄτης λαθραίου τεύξεται κακῇ τύχῃτοιάδε τόλμα θῆλυς ἄρσενος φονεύς (Ag v1223-1231)

Digo que trama puniccedilatildeo por isto um leatildeo covarde a rolar no leito caseiro contra o receacutem-vindo senhor meu pois devo suportar o julgo servil O capitatildeo de navios e destruidor de Iacutelion natildeo conhece que liacutengua de odiosa cadela a falar e a esticar escusa alegremente lograraacute latente dano com maligna sorte Tal eacute a ousadia fecircmea mata macho

Ἀγαμέμνονός σέ φημ ἐπόψεσθαι μόρον (Ag v1246)

Digo que veraacutes a morte de Agamecircmnon

Apoacutes a profetizaccedilatildeo de Cassandra Agamecircmnon soacute voltaraacute agrave cena no final do quarto

estaacutesimo (diaacutelogo dos coreutas) gritando por estar sendo golpeado como se vecirc nos versos

Αγ ὤμοι πέπληγμαι καιρίαν πληγὴν ἔσωΧο σῖγα τίς πληγὴν ἀυτεῖ καιρίως οὐτασμένοςΑγ ὤμοι μάλ αὖθις δευτέραν πεπληγμένος (Ag v1343-1345)

Agamecircmnon Oacutemoi Um golpe certeiro golpeou-me dentroCoro Silecircncio Quem grita ferido de golpe certeiroAgamecircmnon Oacutemoi Outra vez outro golpe me atingiu

No quinto episoacutedio Clitemnestra relata a morte do marido Ela descreve o assassiacutenio

cometido por ela mesma

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσών

51

κἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostrado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

Depois de narrar a morte do rei Clitemnestra tenta justificar o seu ato criminoso dizendo

que Agamecircmnon sacrificou Ifigecircnia filha do casal para que as tropas gregas tivessem ventos

favoraacuteveis para conseguir navegar rumo a Troia dizendo que ela foi ultrajada pelo marido pois ele

tinha muitas concubinas dentre elas Criseida e Cassandra e por causa disso a rainha tambeacutem mata

a profetisa Por fim o Coro reclama as honras funeacutebres ao morto e Clitemnestra afirma que cuidaraacute

disso

No uacutetimo episoacutedio aparece Egisto lembrando os crimes sofridos por seu pai e se sente

vingado com a morte de Agamecircmnon (Ag v1577-1611) Ele fala que tramou o crime mas a

execuccedilatildeo foi feita por Clitemnestra O Coro alerta para uma futura vinganccedila de Orestes mas o casal

de amantes natildeo se importa

Na trageacutedia de Eacutesquilo a personagem Agamecircmnon participa pouco da peccedila Ele apenas

aparece no terceiro episoacutedio ao retornar da guerra e se mostra um homem religioso e vitorioso

Embora Clitemnestra o tente divinizar o rei demonstra modeacutestia na comemoraccedilatildeo da vitoacuteria E

mais adiante ouve-se os gritos de dor do rei ao ser apunhalado ele jaacute natildeo estaacute mais em cena

Agamecircmnon foi assassinado por sua esposa e ela mesma nos conta como o matou Nessa trageacutedia

Agamecircmnon passa de rei vitorioso para rei morto pelas matildeos de uma mulher

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides de Eacutesquilo

peccedilas que compotildeem juntamente com Agamecircmnon a trilogia intitulada Oresteia As trecircs trageacutedias

foram encenadas todas no mesmo dia e as duas uacuteltimas datildeo continuidade ao mito encenado tendo

como objeto a morte de Agamecircmnon Nas Coeacuteforas Electra e Orestes vingam a morte do pai

52

matando a proacutepria matildee e Egisto No primeiro episoacutedio Electra diante do tuacutemulo do pai lamenta a

sua morte

ἢ σῖγ ἀτίμως ὥσπερ οὖν ἀπώλετοπατήρ τάδ ἐκχέασα γάποτον χύσινστείχω καθάρμαθ ὥς τις ἐκπέμψας πάλινδικοῦσα τεῦχος ἀστρόφοισιν ὄμμασιν (Es Coe v94-97)

Ou em silecircncio sem honra como pereceuo pai verter esta vertente poccedilatildeo da terrae retornar como quem despediu imundiacuteciesao lanccedilar a urna sem voltar os olhos82

Mais adiante Orestes ao conversar com Electra tambeacutem lembra a morte do pai

αἰετοῦ πατρόςθανόντος ἐν πλεκταῖσι καὶ σπειράμασινδεινῆς ἐχίδνης (Es Coe v247-249)

quando o paimorreu nos enlances e nas espiraisde medonha viacutebora

E nos uacuteltimos versos da trageacutedia o Coro lembra a morte do rei como mais um dos crimes

ocorridos no palaacutecio dos Atridas como se verifica nos versos abaixo

δεύτερον ἀνδρὸς βασίλεια πάθηλουτροδάικτος δ ὤλετ Ἀχαιῶνπολέμαρχος ἀνήρ (Es Coe v1070-1072)

Depois a morte do marido trucidado no banho pereceuo rei guerreiro dos aqueus

Nas Eumecircnides Orestes eacute julgado por ter matado a proacutepria matildee para vingar a morte de

Agamecircmnon Orestes lembra como aconteceu o assassinato do rei no terceiro episoacutedio

Ἀγαμέμνον ἀνδρῶν ναυβατῶν ἁρμόστοραξὺν ᾧ σὺ Τροίαν ἄπολιν Ἰλίου πόλινἔθηκας ἔφθιθ οὗτος οὐ καλῶς μολὼνεἰς οἶκον ἀλλά νιν κελαινόφρων ἐμὴμήτηρ κατέκτα ποικίλοις ἀγρεύμασικρύψασ ἃ λουτρῶν ἐξεμαρτύρει φόνον (Es Eu v456-461)

Agamecircmnon o comandante da esquadra82 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Coeacuteforas de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Coeacuteforas Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

53

com que fizeste sem forte o forte de IacutelionEle sucumbiu sem nobreza ao chegarem casa minha matildee de coraccedilatildeo negromatou-o envolto em astuto veacuteutestemunho do massacre no banho83

No proacuteximo episoacutedio Apolo tambeacutem lembra como foi a morte de Agamecircmnon ao tentar

defender Orestes da acusaccedilatildeo de matriciacutedio

οὐ γάρ τι ταὐτὸν ἄνδρα γενναῖον θανεῖνδιοσδότοις σκήπτροισι τιμαλφούμενονκαὶ ταῦτα πρὸς γυναικός οὔ τι θουρίοιςτόξοις ἑκηβόλοισιν ὥστ Ἀμαζόνοςἀλλ ὡς ἀκούσῃ Παλλάς οἵ τ ἐφήμενοιψήφῳ διαιρεῖν τοῦδε πράγματος πέριἀπὸ στρατείας γάρ νιν ἠμποληκότατὰ πλεῖστ ἄμεινον εὔφροσιν δεδεγμένη                                   δροίτῃ περῶντι λουτρὰ κἀπὶ τέρματιφᾶρος περεσκήνωσεν ἐν δ ἀτέρμονικόπτει πεδήσασ ἄνδρα δαιδάλῳ πέπλῳἀνδρὸς μὲν ὑμῖν οὗτος εἴρηται μόροςτοῦ παντοσέμνου τοῦ στρατηλάτου νεῶν (Es Eu v 625-637)

Natildeo eacute o mesmo o varatildeo nobre ser mortohonrado com cetro outorgado por Zeuse morto por mulher natildeo como furioso arco longemitente como de Amazonamas como ouviraacutes Palas e voacutes ao ladoque no voto decidireis esta questatildeoNa guerra o mais das vezes prosperoue na volta ela o recebeu com beneacutevolas palavras ofereceu banhos quentesem banheira de prata e ao terminarrecobriu-o com manto e no inteacuterminoaacuterduo manto prende e golpeia o varatildeoEsta morte vos eacute contada do varatildeovenerado por todos chefe da armada

Assim nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides a parte do mito de Agamecircmnon mencionada eacute a

morte contada por vaacuterios personagens das duas trageacutedias e principalmente pelos filhos do rei As

duas trageacutedias mostram os mesmos detalhes referentes agrave morte do rei apresentados em Agamecircmnon

como o banho mortal o uso do manto para imobilizar a viacutetima e o assassiacutenio cometido por

Clitemnestra Essa unidade acerca da morte de Agamecircmnon eacute mantida nas trecircs trageacutedias da

Oresteia demonstrando a uniformidade e coerecircncia do tragedioacutegrafo E ao apresentar as duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides buscou-se mostrar com mais evidecircncia como Eacutesquilo construiu a

83 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Eumecircnides de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Eumecircnides Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

54

morte de Agamecircmnon

34 A recepccedilatildeo no Agamecircmnon de Eacutesquilo

Diante das referecircncias sobre o mito de Agamecircmnon pretende-se mostrar como Eacutesquilo

construiu a sua personagem Natildeo seratildeo utilizados os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro

pois esses natildeo contecircm informaccedilotildees significativas para essa pesquisa Assim esse capiacutetulo se deteraacute

no mito de Agamecircmnon presente nos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia nos versos dos Cantos

Ciacuteprios e dos Retornos na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e se necessaacuterio nas Coeacuteforas e nas

Eumecircnides

Embora natildeo se vaacute utilizar os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro o proacuteprio tiacutetulo

do poema jaacute sugere uma ideia diferente do mito de Agamecircmnon da ideia anteriormente apresentada

por Homero E como jaacute foi mencionado antes de Estesiacutecoro jaacute havia uma versatildeo da Oresteia

composta por Xanto pela qual se mostra a importacircncia do mito naquela eacutepoca e a sua recriaccedilatildeo

Assim como Estesiacutecoro e Xanto Eacutesquilo compocircs uma Oresteia soacute que se utilizou do gecircnero

dramaacutetico e esse nome foi dado ao tiacutetulo de uma trilogia como jaacute foi citado anteriormente e natildeo a

um uacutenico poema Como base nas poucas informaccedilotildees acerca do poema de Estesiacutecoro pode-se supor

que a ideia de criar um poema que contemple a morte de Agamecircmnon seria uma influecircncia dos

poemas liacutericos na trageacutedia de Eacutesquilo mesmo que natildeo se saiba ateacute que ponto o tragedioacutegrafo foi

influenciado Poreacutem se sabe que o fragmento do poema Oresteia de Estesiacutecoro sobre o sonho de

Clitemnestra jaacute mencionado anteriormente foi reconstituiacutedo a partir das Coeacuteforas de Eacutesquilo Essa

cena soacute aparece na versatildeo esquiliana da encenaccedilatildeo do assassiacutenio de Clitemnestra natildeo estando

presente nem na Electra de Soacutefocles nem na Electra de Euriacutepides que abordam a mesma parte do

mito o matriciacutedio perpretado por Electra e Orestes Contudo esse fato pode anunciar uma

aproximaccedilatildeo entre o poema liacuterico de Estesiacutecoro e a poesia traacutegica de Eacutesquilo pois esta eacute a uacutenica a

manter o sonho no enredo

Os textos a serem analisados pertencem a princiacutepio a gecircneros distintos dois satildeo poemas

eacutepicos Iliacuteada e Odisseia e um eacute trageacutedia Agamecircmnon A diferenciaccedilatildeo de gecircnero jaacute permite uma

visatildeo diferente da personagem estudada embora sejam ambas imitaccedilatildeo de homens superiores como

se vecirc na Poeacutetica84 (1449b 9-10) de Aristoacuteteles A poesia eacutepica grega possui um caraacuteter coletivo

moral poliacutetico e histoacuterico (HAVELOCK 1996 p276) Diante disso o Agamecircmnon homeacuterico seraacute

construiacutedo principalmente com essas caracteriacutesticas Na Iliacuteada Agamecircmnon eacute o chefe das tropas 84 ἡ μὲν οὖν ἐποποιία τῇ τραγῳδίᾳ μέχρι μὲν τοῦ μετὰ μέτρου λόγῳ μίμησις εἶναι σπουδαίων

ἠκολούθησενmiddot (A Epopeia e a Trageacutedia concordam somente em serem ambas imitaccedilatildeo de homens superiores em verso)

55

gregas e o chefe dos homens Ele aparece como um ser supremo e mais valoroso do que os outros

guerreiros Por meio dos epiacutetetos percebe-se o valor do rei de Argos como jaacute foi mostrado

anteriormente Jaacute na Odisseia Agamecircmnon aparece na lembranccedila das personagens poreacutem natildeo mais

como um heroacutei mas sim como um homem de morte vergonhosa Ele surge duas vezes no poema

como uma alma do Hades que lamenta ter tido uma morte sem gloacuteria Embora as duas epopeias

homeacutericas tenham a mesma proposta diante da sociedade grega a personagem Agamecircmnon eacute

mostrada de maneira distinta na Iliacuteada um chefe glorioso e na Odisseia um homem desditoso

Com isso pode-se dizer que a trageacutedia de Eacutesquilo quer mostrar essa passagem do rei Agamecircmnon

de chefe glorioso a um homem desditoso ou seja do triunfo presente na Iliacuteada agrave derrocada presente

na Odisseia Essa mudanccedila eacute proacutepria da trageacutedia como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1451a 13-

16)

ὡς δὲ ἁπλῶς διορίσαντας εἰπεῖν ἐν ὅσῳ μεγέθει κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον ἐφεξῆς γιγνομένων συμβαίνει εἰς εὐτυχίαν ἐκ δυστυχίας ἢ ἐξ εὐτυχίας εἰς δυστυχίαν μεταβάλλειν ἱκανὸς ὅρος ἐστὶν τοῦ μεγέθους

Dando uma definiccedilatildeo mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Trageacutedia eacute o que permite que nas accedilotildees uma apoacutes outra sucedidas conformemente agrave verossimilhanccedila e agrave necessidade se decirc o transe da infelicidade agrave felicidade ou da felicidade agrave infelicidade

Entatildeo essa mudanccedila na trageacutedia Agamecircmnon pode ser concebida como uma junccedilatildeo das duas

personagens Agamecircmnon da poesia homeacuterica que na Iliacuteada eacute glorioso e na Odisseia desditoso Eacute

essa mudanccedila do heroacutei ao homem comum que alimenta a trageacutedia Esse fato liga a audiecircncia agrave

personagem pois a humanizaccedilatildeo do heroacutei o aproxima da realidade local

Eacutesquilo assim como os outros tragedioacutegrafos do seacutec V vai compor suas trageacutedias com base

nos mitos e ao escolher o mito de Agamecircmnon utilizou-se provavelmente das fontes homeacutericas

como afirma Serrano (2003 p119) ldquoEsquilo ha conseguido perfiacutelar la grandeza de un

personaje directamente heredado de la eacutepica homeacutericardquo85 Para Havelock (1996 p275) o drama

aacutetico eacute como se fosse uma extensatildeo dos poemas eacutepicos ele conserva o caraacuteter didaacutetico mas tem

uma identidade particular Dentro dessa identidade particular a personagem Agamecircmnon de

Eacutesquilo diferencia-se das personagens homocircnimas da poesia homeacuterica mas tambeacutem se assemelha

em algumas caracteriacutesticas

No Agamecircmnon de Eacutesquilo encontram-se nuanccedilas da personagem homocircnima da Iliacuteada de

Homero em alguns versos como quando o Coro no paacuterodo anapeacutestico menciona quem eram os

chefes gregos

85 Eacutesquilo conseguiu perfilar a grandeza de um personagem diretamente herdado da eacutepica homeacuterica

56

Μενέλαος ἄναξ ἠδ Ἀγαμέμνωνδιθρόνου Διόθεν καὶ δισκήπτρουτιμῆς ὀχυρὸν ζεῦγος Ἀτρειδᾶν (Es Ag v42-44)

o rei Menelau e Agamecircmnonestrecircnuo par de Atridas honradopor Zeus com dois tronos e dois cetros

Ainda no paacuterodo liacuterico o Coro mais uma vez lembra a dupla de Atridas e seu poder

κεδνὸς δὲ στρατόμαντις ἰδὼν δύο λήμασι δισσοὺς                  Ἀτρεΐδας μαχίμους ἐδάη λαγοδαίταςπομπούς τ ἀρχάς (Es Ag v123-125)

dois Atridasde dupla iacutendole belicosos vorazes de lebrecondutores do impeacuterio

A mesma referecircncia de Eacutesquilo mostrada nos exemplos acima a Agamecircmnon como Atrida

junto com o seu irmatildeo Menelau aparece algumas vezes na Iliacuteada de Homero como nos versos

Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ Μενελάῳ86 (Il VII v374) δ Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ

Μενελάῳ87 (Il VII v470) pois na Iliacuteada eacute mais frequente a presenccedila de Agamecircmnon Atrida

dissociada da presenccedila do irmatildeo o epiacuteteto Atrida eacute utilizado para os dois reis quer estejam soacutes ou

em par Isso pode mostrar que no poema eacutepico Agamecircmnon ao aparecer inuacutemeras vezes sozinho

eacute mais forte e valoroso do que a personagem homocircnima da trageacutedia que aparece em par com o

irmatildeo

No primeiro exemplo de Eacutesquilo Agamecircmnon e Menelau aparecem como honrados por

Zeus (Διόθεν) o mesmo viacutenculo divino estaacute presente na Iliacuteada como nos versos seguintes

Ἀγαμέμνονα δῖον88 (Il IV v223) e Ἀγαμέμνονι δίῳ89(Il XVIII v257) Mais uma vez o

adjetivo atribuiacutedo ao rei na poesia eacutepica eacute compartilhado com o irmatildeo na poesia traacutegica designando

um menor valor da personagem da peccedila

Na trageacutedia quando o Arauto chega ao palaacutecio dos Atridas ele anuncia a chegada de

Agamecircmnon e o chama de rei (monarca) ndash βασιλέα (Ag v521) e de rei (chefe) ndash ἄναξ (Ag

v523 e 530) Os dois adjetivos tambeacutem qualificam Agamecircmnon na Iliacuteada como rei (monarca)

86 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)87 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)88 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)89 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

57

αἰδομένω βασιλῆα90 (Il I v331) e τοῦ βασιλῆος ἀπηνέος91 (Il I v340) e como rei (chefe)

ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων92 (Il III v267) e ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων93 (Il XI v254)

Mais adiante na trageacutedia esquiliana o Coro no iniacutecio do terceiro episoacutedio tambeacutem chama

Agamecircmnon de βασιλεῦ assim como o Arauto mencionou nos versos anteriores E por fim

Agamecircmnon soacute seraacute novamente lembrado como rei (monarca) no canto de lamentaccedilatildeo do Coro

apoacutes a morte dele no verso ἰὼ ἰὼ βασιλεῦ βασιλεῦ94 (Ag v1489 e 1513) Na Iliacuteada tambeacutem

encontra-se outro adjetivo para qualificar o rei como chefe poderoso em κρείων Ἀγαμέμνων95

(IV v204 e 311) esse adjetivo natildeo foi encontrado na trageacutedia de Eacutesquilo talvez porque a

indumentaacuteria do ator eou a sua performance jaacute indicassem a audiecircncia o poder e a forccedila de

Agamecircmnon como se pode verificar na qualificaccedilatildeo do rei a partir das palavras de Clitemnestra

λέγοιμ ἂν ἄνδρα τόνδε τῶν σταθμῶν κύνασωτῆρα ναὸς πρότονον ὑψηλῆς στέγηςστῦλον ποδήρη μονογενὲς τέκνον πατρίκαὶ γῆν φανεῖσαν ναυτίλοις παρ ἐλπίδακάλλιστον ἦμαρ εἰσιδεῖν ἐκ χείματοςὁδοιπόρῳ διψῶντι πηγαῖον ῥέοςτερπνὸν δὲ τἀναγκαῖον ἐκφυγεῖν ἅπαν (Ag v896-902)

eu diria este homem catildeo do estaacutebulo salvador cabo do navio coluna firmado alto teto filho uacutenico para o pai terra agrave vista para marujos inesperadasereno dia a contemplar apoacutes tormentaaacutegua da fonte para o sedento viajor prazeroso escapar a toda coerccedilatildeo

Agamecircmnon natildeo aparece na trageacutedia soacute como rei mas tambeacutem como um homem religioso e

temente aos deuses Ele mesmo tenta passar essa imagem

πρῶτον μὲν Ἄργος καὶ θεοὺς ἐγχωρίουςδίκη προσειπεῖν τοὺς ἐμοὶ μεταιτίους (Ag v810-811)

Primeiro Argos e os Deuses regionaiseacute justo saudar

τούτων θεοῖσι χρὴ πολύμνηστον χάριντίνειν ἐπείπερ χἀρπαγὰς ὑπερκόπους (Ag v821-822)

90 Mostrando respeito ao rei (traduccedilatildeo nossa)91 O hodiendo rei (traduccedilatildeo nossa)92 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nosso)93 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)94 Ioacute ioacute rei rei (traduccedilatildeo nossa)95 O poderoso Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

58

Por isto eacute preciso dar mecircmores graccedilasaos Deuses muitas

νῦν δ ἐς μέλαθρα καὶ δόμους ἐφεστίουςἐλθὼν θεοῖσι πρῶτα δεξιώσομαιοἵπερ πρόσω πέμψαντες ἤγαγον πάλιν (Ag v851-853)

Agora ao palaacutecio e morada de Heacutestia irei e saudarei primeiro os Deusesque me enviaram e reconduziram

Jaacute na Iliacuteada Agamecircmnon aparece exercendo o papel religioso na funccedilatildeo de chefe das tropas

gregas como quando Zeus lhe envia um sonho enganador para que os gregos voltassem ao

combate entatildeo diante disso Agamecircmnon faz uma oferenda a Zeus no canto II (v402-403) e ao

presidir os funerais de Paacutetroclo no canto XXIII (v49-53) Mas tambeacutem Agamecircmnon como chefe

das tropas gregas escuta a previsatildeo de Calcante sobre a peste que assola o acampamento grego e

segue o conselho do adivinho no canto I (v68-120) E no Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem se

encontra uma previsatildeo de Calcante acerca do destino dos Atridas na guerra de Troia no paacuterodo

liacuterico (v114-159) nessa peccedila natildeo fica claro a recepccedilatildeo do prenuncio

Aleacutem disso o Agamecircmnon traacutegico tem medo de comparar-se aos deuses e ser punido por

isso mas mesmo assim Clitemnestra o conduz para essa desmedida quando manda estender um

tapete puacuterpuro para o rei entrar no palaacutecio Ele aceita a opulecircncia oferecida pela esposa

ἀλλ εἰ δοκεῖ σοι ταῦθ ὑπαί τις ἀρβύλαςλύοι τάχος πρόδουλον ἔμβασιν ποδόςκαὶ τοῖσδέ μ ἐμβαίνονθ ἁλουργέσιν θεῶνμή τις πρόσωθεν ὄμματος βάλοι φθόνοςπολλὴ γὰρ αἰδὼς δωματοφθορεῖν ποσὶνφύροντα πλοῦτον ἀργυρωνήτους θ ὑφάς

Se isto te agrada descalce-me logoos sapatos servis anteparos dos peacutes e ao pisar nestas puacuterpuras dos Deusesnatildeo me atinja de longe a inveja do olhoGrande eacute o pudor de arruinar o palaacuteciopisando opulecircncia e tecidos preciosos (Ag v944-949)

A trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem vai se influenciar pela Odisseia de Homero E a

primeira influecircncia jaacute aparece no proacutelogo recitado por um Vigia um servo que mandado por

Clitemnestra aguarda os sinais do retorno do rei

καὶ νῦν φυλάσσω λαμπάδος τὸ σύμβολοναὐγὴν πυρὸς φέρουσαν ἐκ Τροίας φάτινἁλώσιμόν τε βάξιν ὧδε γὰρ κρατεῖ

59

γυναικὸς ἀνδρόβουλον ἐλπίζον κέαρ (Es Ag v8-11)

Agora aguardo o sinal do lampejoa luz do fogo a trazer voz de Troiae notiacutecia da captura tal eacute o poderdo viril coraccedilatildeo expectante da mulher

A mesma personagem tambeacutem aparece na Odisseia no canto IV (v526-527) quando

Menelau conta a Telecircmaco como foi a recepccedilatildeo de Agamecircmnon em seu palaacutecio Mas o Vigia de

Homero eacute mandado por Egisto e natildeo por Clitemnestra como ocorre na trageacutedia

O principal tema abordado em relaccedilatildeo agraves duas obras eacute a morte de Agamecircmnon Na trageacutedia

grega a morte do rei eacute relatada duas vezes a primeira por meio da previsatildeo de Cassandra e a

segunda quando Clitemnestra conta como matou o marido Jaacute no poema homeacuterico a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada pelas personagens e pelo proacuteprio rei depois de morto no Hades que se

recorda da sua morte ingloriosa E a parte referente agrave previsatildeo da morte do rei feita por Cassandra

na trageacutedia natildeo aparece na Odisseia Nesse poema eacutepico Cassandra aparece quando Agamecircmnon

ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra matou a consorte perto de seu corpo (XI

v422-423) A referecircncia agrave morte de Cassandra tambeacutem surge na Piacutetica XI de Piacutendaro ao mencionar

que Cassandra vai para o Hades com Agamecircmnon (v30-31) e na peccedila de Eacutesquilo quando

Clitemnestra anuncia que matou a profetisa (Ag v1440-1441) Assim como a morte do rei

Cassandra tambeacutem prevecirc a sua morte (Ag v1258-1260) Na trageacutedia a previsatildeo de Cassandra

acerca da morte do rei tem o papel dramaacutetico de descrever mais minunciosamente como tudo

aconteceraacute como se pode observar nos versos jaacute citados anteriormente e preparar a audiecircncia para

o que estaacute por vir A Cassandra como personagem traacutegica representa um momento de transiccedilatildeo A

profetisa aparece em cena para mostrar a mudanccedila traacutegica a passagem do heroacutei da felicidade para a

infelicidade por isso logo apoacutes a sua previsatildeo se daacute a morte do rei Essa caracteriacutestica eacute proacutepria do

estado transitoacuterio vivido por Cassandra que oscila entre o humano (natureza proacutepria) e o divino

(natureza profeacutetica)96

No quinto episoacutedio da trageacutedia Clitemnestra narra como matou o seu marido explica que

usou uma rede para imobilizaacute-lo e o atingiu com trecircs golpes certeiros Essa descriccedilatildeo do assassiacutenio

soacute aparece na trageacutedia natildeo estando presente no poema eacutepico Os detalhes relatados da morte do rei

satildeo essenciais para o teatro porque Agamecircmnon vai morrer por traacutes das ldquocortinasrdquo As mortes na

trageacutedia grega do seacutec V normalmente natildeo eram encenadas mas sim contadas por uma personagem

No momento em que Clitemnestra descreve como matou o rei tem-se o cliacutemax da trageacutedia ao

96 Mais informaccedilotildees acerca de Cassandra em IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80 Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

60

contraacuterio do que acontece na eacutepica na qual natildeo haacute um uacutenico momento importante e sim muitos

Assim a Clitemnestra traacutegica conta como matou o rei

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσώνκἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

A morte de Agamecircmnon na peccedila de Eacutesquilo tem um uacutenico assassino a sua esposa

Clitemnestra como se verifica nos versos acima isso tambeacutem acontece na Piacutetica XI de Piacutendaro na

qual Clitemnestra aleacutem de ser apontada como assassina do marido e de Cassandra tambeacutem aparece

demonstrando os seus questionamentos sobre o assassiacutenio Nesse poema Clitemnestra e os seus

questionamentos tomam a maioria dos versos destinados ao mito do Atrida e a respeito disso afirma

Fialho (2012 p 49) ldquoO fulcro do crime eacute Clitemnestra jaacute longe da tradiccedilatildeo do ciclo eacutepico troiano

e nem sequer a rainha eacute posta a par de Egisto no seu gesto mortiacuteferordquo A forccedila da Clitemnestra

traacutegica a torna capaz de matar sozinha o marido e a coloca no foco do assassiacutenio assim como

ocorre na Clitemnestra de Piacutendaro Aliaacutes a rainha aparece como protagonista da morte do rei a partir

da poesia liacuterica pois nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano ela compartilha

essa culpa com o amante Egisto como assim propotildee Serrano (2003 p106)

61

A partir de la eacutepica se comienza a producir una paulatina inversioacuten de la responsabilidad criminal Estesiacutecoro presenta una heroiacutena maacutes decidida hasta que finalmente en Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra cobra un gran protagonismo se convierte en la ejecutora del crimen (17-22) frente a Egisto que comienza a perder su papel principal en la historia97

Na Odisseia o rei aparece como assassinado pela esposa e pelo amante dela Egisto como

jaacute foi mostrado nas palavras de Atena no canto III (v234-235) e nas palavras do espectro de

Agamecircmnon nos cantos XI (v408-412) e XXIV (v96-97) E no poema Retornos os dois tambeacutem

aparecem como executores dos crimes nos versos jaacute mencionados acima Com isso pode se

deduzir que Eacutesquilo ao escolher o assassino de Agamecircmnon foi influenciado pelo poema liacuterico de

Piacutendaro ao inveacutes dos poemas eacutepicos

Mas mesmo que os assassinos na trageacutedia e no poema eacutepico natildeo sejam os mesmos o autor

do plano de morte do rei foi Egisto e nisso os dois poemas concordam Na trageacutedia assim fala

Egisto

καὶ τοῦδε τἀνδρὸς ἡψάμην θυραῖος ὤνπᾶσαν ξυνάψας μηχανὴν δυσβουλίας (Ag v1608-1609)

e estando fora pus a matildeo neste homemao tramar todo o ardil do conluio

Na Odisseia a descriccedilatildeo do plano de Egisto eacute mais detalhada do que na trageacutedia como se

observa na fala de Menelau mostrando que o poema eacutepico concede um maior destaque ao plano de

vinganccedila e seus executores do que ao rei Agamecircmnon e agrave sua morte pois esse teve uma morte sem

gloacuteria

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara

97 A partir da eacutepica se comeccedila a produzir uma paulatina inversatildeo da responsabilidade criminal Estesiacutecoro apresenta uma heroiacutena mais decidida ateacute que finalmente em Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra desempenha um grande protagonismo torna-se a executora do crime (17-22) frente a Egisto que comeccedila a perder o seu papel principal na histoacuteria

62

natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

Por outro lado essa descriccedilatildeo presente na Odisseia em alguns aspectos se difere da

descriccedilatildeo feita por Clitemnestra em Eacutesquilo como menciona Serrano (2003 p 53)

Ofrece Homero en este pasaje la segunda versioacuten de la muerte del Atrida distinta de la que recogeraacute Esquilo en la Orestiacutea Invitaacutendolo a un banquete Egisto mata a Agamenoacuten y a sus hombres cayendo tambieacuten en la lucha los hombres de Egisto no se nombra a Clitemnestra en niguacuten momento98

As partes referentes ao banquete preparado a Agamecircmnon por Egisto e a morte dos

guerreiros do rei juntamente com ele natildeo aparecem na trageacutedia esquiliana Aleacutem da ausecircncia de

Clitemnestra tatildeo presente na peccedila

Tambeacutem atraveacutes desses versos homeacutericos pode-se perceber que aleacutem de preparar o plano

de vinganccedila Egisto eacute a personagem mais ativa na execuccedilatildeo da morte do rei como afirma Serrano

(2003 p105-106)

En la eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de una importante responsabilidad como artiacutefice del crimen de Agamenoacuten y Clitemnestra aparece en un segundo plano desde el principio habiendo sido seducida y engantildeada por el hijo de Tiestes99

E outro toacutepico relevante eacute a comparaccedilatildeo da morte do rei a um sacrifiacutecio de animais como

foi mencionado nos versos homeacutericos acima que tambeacutem estaacute presente na trageacutedia de Eacutesquilo nas

palavras de Clitemnestra

τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάριν (Es Ag v1386-1387)

oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos

98 Nesta passagem Homero oferece uma segunda versatildeo da morte do Atrida distinta da que fora retirada da Oresteia de Eacutesquilo Convidando-o para um banquete Egisto mata Agamecircmnon e seus homens caindo tambeacutem na luta os homens de Egisto natildeo se nomeia Clitemnestra em nenhum momento

99 Na eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de uma grande responsabilidade como artiacutefice do crime de Agamecircmnon e Clitemnestra aparece em segundo plano desde o iniacutecio tendo sido seduzida e enganada pelo filho de Tiestes

63

Jaacute com relaccedilatildeo agrave morte vergonhosa mencionada na Odisseia ateacute pelo espectro de

Agamecircmnon ela eacute julgada diferentemente pela Clitemnestra de Eacutesquilo

[οὔτ ἀνελεύθερον οἶμαι θάνατοντῷδε γενέσθαι] (Es Ag v1521)

Natildeo creio que teve indigna mortenatildeo eacute injusto ter dolorosa morte

Clitemnestra justifica que a morte de Agamecircmnon natildeo eacute indigna porque ele estaacute pagando

pelos males que fez e assim o considera digno do Hades pois o rei cometeu muitos erros no

passado e por isso deve morrer Somente a Clitemnestra traacutegica julga que a morte do rei eacute digna

dele Na Odisseia natildeo soacute nas palavras do espectro de Agamecircmnon mas tambeacutem na fala das outras

personagens que mencionam a morte do rei encontra-se referecircncia agrave morte vergonhosa de

Agamecircmnon como quando no canto XXIV no Hades Agamecircmnon conversa com Aquiles e esse

lembra os feitos do rei em Troia mas lamenta a morte sem gloacuteria

νῦν δ ἄρα σ οἰκτίστῳ θανάτῳ εἵμαρτο ἁλῶναι (Hom Od XXIV v34)

Mas o destino te havia guardado a mais triste das Mortes

E a mesma ideia de morte vergonhosa tambeacutem estaacute presente nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides

de Eacutesquilo Na primeira trageacutedia Orestes em diaacutelogo com Electra e o Coro lamenta por seu pai

natildeo ter morrido na guerra de Troia e por natildeo ter deixado uma gloacuteria para os filhos

εἰ γὰρ ὑπ Ἰλίῳ                 πρός τινος Λυκίων πάτερδορίτμητος κατηναρίσθηςλιπὼν ἂν εὔκλειαν ἐν δόμοισιντέκνων τ ἐν κελεύθοιςἐπιστρεπτὸν αἰῶκτίσσας πολύχωστον ἂν εἶχεςτάφον διαποντίου γᾶςδώμασιν εὐφόρητον (Es Coe v345-353)

Ah se no sopeacute de Iacuteliongolpeado por lanccedila de um liacutecio tivesses perecido oacute paiLegada bela gloacuteria no palaacutecio e nos caminhos dos filhos criadavida a que se voltam os olharesterias tuacutemulo magniacuteficoem terra ultramarinasuportaacutevel ao palaacutecio

64

Na segunda peccedila Orestes tambeacutem afirma que o pai teve uma morte indigna como jaacute foi

citado anteriormente (Es Eu v 448-449) Assim a morte de Agamecircmnon eacute tida como desonrosa

na Odisseia e nas duas trageacutedias apresentadas acima mostrando que Eacutesquilo embora em

Agamecircmnon tenha atraveacutes de Clitemnestra julgado a morte do rei como digna compartilhou da

imagem negativa da morte do rei ao qualificaacute-la como indigna nas outras duas trageacutedias da Oresteia

e em ambas por meio da fala de Orestes

Embora muitas partes referentes agrave morte do Agamecircmnon de Eacutesquilo sejam parecidas com as

partes presentes na Odisseia de Homero a abordagem sobre a morte eacute diferente Na Odisseia morre

o rei de Argos e chefe vitorioso da guerra de Troia a morte do rei eacute indigna ingloriosa e

vergonhosa pois para um heroi guerreiro eacute preferiacutevel morrer na guerra e ter uma gloacuteria eterna do

que morrer velho ou pelas matildeos de uma mulher como acontece em Eacutesquilo Pode-se observar essa

morte gloriosa quando no canto XXIV o espectro de Agamecircmnon ao conversar com o espectro de

Aquiles no Hades conta para o uacuteltimo como foram as suas honras fuacutenebres e lembra a fama de

Aquiles por ter morrido em combate

ὣς σὺ μὲν οὐδὲ θανὼν ὄνομ ὤλεσας ἀλλά τοι αἰεὶπάντας ἐπ ἀνθρώπους κλέος ἔσσεται ἐσθλόν Ἀχιλλεῦ (Hom Od XXIV v93-94)

Natildeo se apagou com tua Morte o teu nome poreacutem para sempreentre os mortais haacutes de fruir grande Aquiles renome glorioso

Jaacute na trageacutedia Agamecircmnon quem morre eacute o marido de Clitemnestra e o pai de Ifigecircnia Os

laccedilos de sangue causam a morte do rei que eacute provocada pelo retorno dele ao lar Assim o rei

glorioso vencedor de Troia perde a sua honra ao morrer sendo viacutetima de um crime familiar

produto de uma maldiccedilatildeo Essa maldiccedilatildeo natildeo eacute mencionada nos poemas homeacutericos Nesse

momento observa-se o caraacuteter particular da trageacutedia pois Agamecircmnon eacute assassinado por causa da

vinganccedila de sua esposa um motivo particular contrapondo-se ao caraacuteter coletivo da poesia eacutepica

por isso em Homero a morte de Agamecircmnon eacute vergonhosa e sem gloacuteria pois eacute produto de uma

causa particular

As justificativas do assassiacutenio de Agamecircmnon feitas por Clitemnestra ndash sacriacuteficio de

Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas (Criseida) e levar uma amante ateacute o palaacutecio (Cassandra) ndash na

trageacutedia Agamecircmnon satildeo apresentadas pela esposa apoacutes a execuccedilatildeo do marido

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ

65

[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόπος καὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e v 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulherquem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa

Esses argumentos demonstram uma aproximaccedilatildeo entre a trageacutedia e o poema de Piacutendaro pois

quando Clitemnestra se questiona a respeito da execuccedilatildeo do crime ela suscita as justificativas da

personagem traacutegica (Pin Pit XI v22-27) A rainha liacuterica lembra do sacrifiacutecio de Ifigecircnia e das

amantes de Agamecircmnon (Criseida e Cassandra) Como nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos

do ciclo troiano natildeo se encontra menccedilatildeo a respeito das justificativas apresentadas por Clitemnestra

para cometer o assassiacutenio pode-se concluir que dentre as obras que sobreviveram a Piacutetica XI de

Piacutendaro influenciou Eacutesquilo na criaccedilatildeo desses argumentos da rainha

Aleacutem disso nos versos citados acima observa-se que em Agamecircmnon Clitemnestra mata o

marido e tambeacutem mata Cassandra consumando a profecia Esse momento do mito estaacute presente na

Odisseia de Homero quando Agamecircmnon ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra

matou a consorte perto de seu corpo (XI v422-423) Na Piacutetica XI (v30-31) Cassandra eacute enviada

com Agamecircmnon para o reino dos mortos E na trageacutedia de Eacutesquilo Clitemnestra afirma que a

adivinha jaz do mesmo modo que o rei

No entanto pode-se dizer que Eacutesquilo natildeo soacute usou os poemas homeacutericos para construir a sua

trageacutedia Agamecircmnon mas tambeacutem sofreu influecircncias dos poemas liacutericos de Estesiacutecoro e Piacutendaro

conforme foi apresentado anteriormente Mas num primeiro momento percebe-se mais claramente

a presenccedila da Iliacuteada na peccedila atraveacutes do caraacuteter guerreiro e real de Agamecircmnon E num segundo

momento aparece a Odisseia ao tratar da morte do rei Os dois poemas liacutericos mudam o foco do

assassinato do rei para Clitemnestra E assim imerso em todas essas influecircncias poeacuteticas pode-se

dizer que Eacutesquilo construiu o seu Agamecircmnon Contudo a trageacutedia esquiliana tambeacutem se

contaminou dos aspectos sociais da sua eacutepoca poreacutem esse assunto natildeo se pretende abordar nesta

pesquisa

66

4 CAPIacuteTULO 3 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e recepccedilatildeo

O presente capiacutetulo pretende apresentar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega apoacutes a Oresteia de

Eacutesquilo e a romana recontam o mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos na guerra de Troia Seratildeo

discutidas as seguintes obras na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca

Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Biblioteca

Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de

Secircneca E atraveacutes das obras apresentadas tentar-se-aacute mostrar como Secircneca recepcionou essa

tradiccedilatildeo em sua trageacutedia Agamecircmnon

41 A tradiccedilatildeo miacutetica grega

A trageacutedia Aacutejax de Soacutefocles datada de 450 aC apresenta a morte do guerreiro Aacutejax Nessa

trageacutedia Agamecircmnon surge depois da morte do protagonista para impedir que seja concedida a

honra fuacutenebre ao morto (Sof Aj v1226-1263) Mas depois o rei eacute convencido por Odisseu a

autorizar o enterro de Aacutejax (Sof Aj v1318-1373) Nesses versos Agamecircmnon aparece como o

chefe das tropas gregas a autoridade maacutexima que soacute cede ao enterro quando Odisseu lembra que o

ato de negar honras fuacutenebres eacute um ato impiedoso

Jaacute na Electra de Soacutefocles peccedila de data incerta de entre 420-410 aC Agamecircmnon jaacute estaacute

morto e Electra sua filha espera a chegada do irmatildeo Orestes para vingar o assassiacutenio do pai No

primeiro episoacutedio em diaacutelogo com o Coro ela lembra o assassinato do pai

ὅσα τὸν δύστηνον ἐμὸν θρηνῶπατέρ ὃν κατὰ μὲν βάρβαρον αἶανφοίνιος Ἄρης οὐκ ἐξένισενμήτηρ δ ἡμὴ χὠ κοινολεχὴςΑἴγισθος ὅπως δρῦν ὑλοτόμοισχίζουσι κάρα φονίῳ πελέκεικοὐδεὶς τούτων οἶκτος ἀπ ἄλληςἢ μοῦ φέρεται σοῦ πάτερ οὕτωςἀδίκως οἰκτρῶς τε θανόντος (Sof El v94-102)

Ela (Clitemnestra) sabe as laacutegrimas que chorei pelo meu desditoso pai que em terras baacuterbaras o sanguinolento Ares natildeo colheu e a quem a matildee e o amante Egisto fenderam a cabeccedila com homicida acha como os lenhadores fendem um carvalho100

100 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Soacutefocles satildeo do Pe E Dias Palmeira conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SOacuteFOCLES Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os Rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

67

Mais adiante Electra lamentando a sua vida por ser prisioneira na proacutepria casa continua

Ὦ πασᾶν κείνα πλέον ἁμέραἐλθοῦσ ἐχθίστα δή μοιὦ νύξ ὦ δείπνων ἀρρήτωνἔκπαγλ ἄχθητοὺς ἐμὸς ἴδε πατὴρθανάτους αἰκεῖς διδύμαιν χειροῖν (Sof El v201-206)

Oacute dia mais execraacutevel de quantos vivi Oacute noite oacute dor horriacutevel daquele banquete nefando em que meu pai recebeu uma morte infame de um duplo braccedilo

Apreensiva com a vida reclusa no palaacutecio dos Atridas e insatisfeita com a indiferenccedila da

irmatilde Crisoacutetemis em relaccedilatildeo a morte do pai Electra enfrenta a matildee Clitemnestra e esta afirma

Πατὴρ γάρ οὐδὲν ἄλλο σοὶ πρόσχημ ἀεὶὡς ἐξ ἐμοῦ τέθνηκεν ἐξ ἐμοῦ καλῶςἔξοιδα τῶνδ ἄρνησις οὐκ ἔνεστί μοι (Sof El v525-527)

O teu pai ndash e nenhuma outra coisa te serve de pretexto ndash afirmas que morreu agraves minhas matildeos Sim agraves minhas matildeos bem sei nem me eacute possiacutevel negaacute-lo

Clitemnestra justifica o assassiacutenio com o crime cometido por Agamecircmnon pois ele

sacrificou a proacutepria filha Ifigecircnia em honra da deusa Aacutertemis para que os ventos fossem

favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo agrave Troia Nessa trageacutedia Soacutefocles deteacutem-se na morte de Agamecircmnon

motivo pelo qual a sua filha Electra acompanhada de Orestes deseja matar a proacutepria matildee para

vingar o assassiacutenio do pai E Agamecircmnon natildeo aparece como personagem nessa peccedila somente haacute

menccedilatildeo agrave morte dele

Do mesmo modo a Electra de Euriacutepides datada de 413 aC101 apresenta poucas referecircncias

agrave morte do rei No proacutelogo em que haacute um diaacutelogo entre Electra e seu marido ele menciona a morte

do chefe dos gregos

ἐν δὲ δώμασινθνήισκει γυναικὸς πρὸς Κλυταιμήστρας δόλωικαὶ τοῦ Θυέστου παιδὸς Αἰγίσθου χερί (Eu El v8-10)

Em casa poreacutem eacute morto por ardil da mulher Clitemnestra e pelas matildeos do filho de Tiestes Egisto102

101 Dataccedilatildeo mais consensual entre os pesquisadores pois haacute muita polecircmica acerca desse assunto Para mais informaccedilotildees SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado p 18-19

102 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Euriacutepides satildeo de Karen Amaral Sacconi conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo

68

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nessa peccedila por Orestes (Eu El v 85-86)

Electra mais uma vez lamenta o assassinato do pai (Eu El v 122-124 e v163-166) E por fim

antes do relato da morte de Clitemnestra o Coro lembra a morte do rei

παλίρρους δὲ τάνδ ὑπάγεται δίκαδιαδρόμου λέχους μέλεον ἃ πόσινχρόνιον ἱκόμενον εἰς οἴκουςΚυκλώπειά τ οὐράνια τείχε ὀ-ξυθήκτωι βέλους ἔκανενdaggerαὐτόχειρπέλεκυν ἐν χεροῖν λαβοῦσ (Eu El v 1155-1160)

A justiccedila reflui e acusa esta mulherpor seu leito errante Pois ela quando o esposo desventuradovoltou depois de muito para casa para as muralhas cicloacutepicas e celestesela matou com o gume afiado da espada na proacutepria matildeona matildeo tinha um machado

Assim como a Electra de Soacutefocles a peccedila homocircnima de Euriacutepides lembra apenas a morte de

Agamecircmnon atraveacutes das falas das personagens A morte do rei eacute o principal argumento para que

Electra e Orestes matem a proacutepria matildee e Egisto

E anteriormente agrave Electra de Euriacutepides foram encenadas trecircs trageacutedias do mesmo

tragedioacutegrafo que trazem o mito de Agamecircmnon Androcircmaca Heacutecuba e Troianas Na Androcircmaca

datada de 429-425 aC Androcircmaca eacute ameaccedilada de morte por Hermiacuteone mas com a ajuda de Peleu

ela consegue escapar Como a trageacutedia pertence ao ciclo troiano haacute menccedilatildeo agrave morte do chefe dos

gregos como se observa no quarto estaacutesimo

βέβακε δ Ἀτρείδας ἀλόχου παλάμαιςαὐτά τ ἐναλλάξασα φόνον θανάτουπρὸς τέκνων ἐπηῦρεν (Eu And v 1028-1030)

Haacute perecido o Atrida agraves matildeos da esposae ela pagou o crime com a morterecebeu de seus filhos o castigo do deus103

As outras referecircncias a Agamecircmnon presentes nessa peccedila estatildeo ligadas agrave paternidade de

Orestes que aparece na peccedila para ajudar Hermiacuteone a fugir da puniccedilatildeo de tentar matar Androcircmaca

Na Heacutecuba datada de 425-424 aC Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila

Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado 103 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Androcircmaca de Euriacutepides satildeo de Joseacute Ribeiro Ferreira

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

69

quando apoacutes o sacrifiacutecio de Poliacutexena ele encontra Heacutecuba junto a um cadaacutever o do seu filho

Polidoro Heacutecuba pede ao rei que a ajude a vingar a morte de seu filho Logo Agamecircmnon encontra

Polimestor o assassino de Polidoro com os olhos feridos pelas matildeos das mulheres troianas

chefiadas por Heacutecuba mas o rei argivo nega hospitalidade ao assassino e este antes de ir embora

amaldiccediloa o chefe grego como se vecirc no diaacutelogo com Heacutecuba

Πο καὶ σήν γ ἀνάγκη παῖδα Κασσάνδραν θανεῖνΕκ ἀπέπτυσ αὐτῶι ταῦτα σοὶ δίδωμ ἔχεινΠο κτενεῖ νιν ἡ τοῦδ ἄλοχος οἰκουρὸς πικράΕκ μήπω μανείη Τυνδαρὶς τοσόνδε παῖςΠο καὐτόν γε τοῦτον πέλεκυν ἐξάρασ ἄνω (Eu Hec v1275-1279)

Pol E eacute necessaacuterio que morra tua filha CassandraHeacutec Cuspo fora que o mesmo valha para tiPol A esposa desse aiacute acre guardiatilde da casa mataacute-la-aacuteHec Que a Tindarida nunca enlouqueccedila desse modoPol E tambeacutem mataraacute esse aiacute erguendo uma machada104

Nos versos acima pode-se observar que haacute uma referecircncia agrave morte de Agamecircmnon na peccedila

Apesar das palavras maleacuteficas de Polimestor Agamecircmnon aparece como um homem virtuoso ao

negar ajuda a Polimestor que matou Polidoro o seu hoacutespede

Nas Troianas datada de 415 aC Heacutecuba preocupa-se com o destino de sua prole apoacutes a

queda de Troia Em conversa com a sua filha Cassandra a jovem revela agrave matildee uma profecia de

Apolo

εἰ γὰρ ἔστι ΛοξίαςἙλένης γαμεῖ με δυσχερέστερον γάμονὁ τῶν Ἀχαιῶν κλεινὸς Ἀγαμέμνων ἄναξκτενῶ γὰρ αὐτὸν κἀντιπορθήσω δόμουςποινὰς ἀδελφῶν καὶ πατρὸς λαβοῦσ ἐμοῦἀλλ αὔτ ἐάσω πέλεκυν οὐχ ὑμνήσομενὃς ἐς τράχηλον τὸν ἐμὸν εἶσι χἀτέρωνμητροκτόνους τ ἀγῶνας οὓς οὑμοὶ γάμοιθήσουσιν οἴκων τ Ἀτρέως ἀνάστασιν (Eu Tr v356-364)

se Loacutexias existedesposar-me-aacute em bodas mais difiacuteceis que as de Helenao senhor do aqueus o glorioso AgamecircmnonMataacute-lo-ei e agora eu saquearei casas buscando vingar meus irmatildeos e meu paiMas deixa estar natildeo cantaremos a machadaque na nuca minha e de outros penetraraacuteas lutas matricidas que minhas bodas

104 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Heacutecuba de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

70

causaratildeo e a derrocada da casa de Atreu105

O trecho acima mostra a uniatildeo de Cassandra com Agamecircmnon e as consequecircncias dessas

nuacutepcias a morte dos dois Nessa peccedila Agamecircmnon tem a sua imagem vinculada agrave de Cassandra

portanto mostra-se como aquele que escolheu a mecircnade como presa de guerra mas tambeacutem eacute

lembrado como o chefe dos gregos por Taltiacutebio (v413-414)

Na Ifigecircnia em Taacuteuris datada de 414-411 aC Ifigecircnia estaacute em Taacuteuris e natildeo foi sacrificada

em Aacuteulis pelo proacuteprio pai Orestes aparece nessa cidade e os irmatildeos se encontram A jovem

pergunta ao estrangeiro ao saber que era grego notiacutecias sobre o final da guerra de Troia e questiona

Orestes sobre o destino de Agamecircmnon

Ιφ Ἀτρέως ἐλέγετο δή τις Ἀγαμέμνων ἄναξΟρ οὐκ οἶδ ἄπελθε τοῦ λόγου τούτου γύναιΙφ μὴ πρὸς θεῶν ἀλλ εἴφ ἵν εὐφρανθῶ μένεΟρ τέθνηχ ὁ τλήμων πρὸς δ ἀπώλεσέν τιναΙφ τέθνηκε ποίαι συμφορᾶι τάλαιν ἐγώΟρ τί δ ἐστέναξας τοῦτο μῶν προσῆκέ σοιΙφ τὸν ὄλβον αὐτοῦ τὸν πάροιθ ἀναστένωΟρ δεινῶς γὰρ ἐκ γυναικὸς οἴχεται σφαγείς (Eu If Tau v545-552)

If Eacute chamado de Agamecircmnon o soberano filho de AtreuOr Natildeo sei Deixe desse falatoacuterio mulherIf Natildeo pelos deuses Diga-me oacute estrangeiro para que eu me consoleOr Estaacute morto o infeliz e com ele pereceu algueacutem If Morto De que forma Ah como sou infelizOr Por que este lamento Acaso isso lhe interessaIf Lamento pela riqueza de outroraOr Pereceu de forma terriacutevel assassinado por mulher106

Como se pode observar a morte de Agamecircmnon eacute lembrada nessa peccedila quando Ifigecircnia

questiona o estrangeiro sobre os seus familiares Tambeacutem nessa trageacutedia Agamecircmnon aparece

como o pai de Orestes e de Ifigecircnia

No Orestes datado de 408 aC apoacutes o assassiacutenio de Clitemnestra e Egisto Orestes adoece e

eacute condenado agrave morte pelos argivos incitados por Tiacutendaro Mas perturbado pelo perigo iminente

Orestes com ajuda de Electra e Piacutelades parece matar Helena e tambeacutem ameaccedila a vida de

Hermiacuteone No uacuteltimo episoacutedio o deus Apolo surge e apazigua o conflito Nessa peccedila a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada em alguns momentos jaacute no proacutelogo Electra menciona a sua origem e a

105 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

106 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Taacuteuris de Euriacutepides satildeo de Marcelo Bourschied conforme consta na referecircncia bibliograacutefica BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

71

morte do pai

ὁ δὲ Κλυταιμήστρας λέχοςἐπίσημον εἰς Ἕλληνας Ἀγαμέμνων ἄναξὧι παρθένοι μὲν τρεῖς ἔφυμεν ἐκ μιᾶςΧρυσόθεμις Ἰφιγένειά τ Ἠλέκτρα τ ἐγώἄρσην δ Ὀρέστης μητρὸς ἀνοσιωτάτηςἣ πόσιν ἀπείρωι περιβαλοῦσ ὑφάσματιἔκτεινεν ὧν δ ἕκατι παρθένωι λέγεινοὐ καλόν (Eu Or v 20-27)

E o outro o priacutencipe Agamecircmnon ficou com o leito de Clitemnestra famigerada entre os gregos Trecircs donzelas nasceram a este de uma soacute mulher ndash Crisoacutetemis Ifigecircnia e eu Eletra bem como o varatildeo Orestes ndash nascidas da matildee iacutempia da que matou o marido depois de o lanccedilar numa teia inextrincaacutevel107

No segundo episoacutedio Menelau chega ao palaacutecio dos Atridas e conta como soube da morte

de seu irmatildeo

Ἀγαμέμνονος μὲν γὰρ τύχας ἠπιστάμην[καὶ θάνατον οἵωι πρὸς δάμαρτος ὤλετο]Μαλέαι προσίσχων πρῶιραν ἐκ δὲ κυμάτωνὁ ναυτίλοισι μάντις ἐξήγγειλέ μοιΝηρέως προφήτης Γλαῦκος ἀψευδὴς θεόςὅς μοι τόδ εἶπεν ἐμφανῶς κατασταθείςΜενέλαε κεῖται σὸς κασίγνητος θανώνλουτροῖσιν ἀλόχου περιπεσὼν πανυστάτοις (Eu Or v360-367)

Sim de Agamecircmnon conheci o destino e a morte que o vitimou agraves matildeos da esposa quando em Maacutelea acostou o meu navio pois anunciou-me de entre as ondas o adivinho dos homens do mar o inteacuterprete de Nereu Glauco deus que natildeo enganam Tornando-se visiacutevel eis o que ele me disse ldquoMenelau teu irmatildeo jaz morto abatido agraves matildeos da esposa no banho derradeirordquo

E ainda nesse episoacutedio Tiacutendaro lembra a faccedilanha da filha Clitemnestra embora natildeo aprove

a sua atitude

ἐπεὶ γὰρ ἐξέπνευσεν Ἀγαμέμνων βίονκάρα θυγατρὸς τῆς ἐμῆς πληγεὶς ὕποαἴσχιστον ἔργον (οὐ γὰρ αἰνέσω ποτέ) (Eu Or v496-498)

Pois quando Agamecircmnon expirou ferido pela minha filha na cabeccedila a mais vergonhosa das accedilotildees ndash pois jamais a aprovarei

Desse modo por meio da morte do rei eacute apresentado o mito de Agamecircmnon na trageacutedia

107 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Orestes de Euriacutepides satildeo de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

72

Orestes de Euriacutepides Nas citaccedilotildees mostradas verifica-se a visatildeo de trecircs personagens ndash Electra

Menelau e Tiacutendaro ndash acerca da morte do rei e se encontra uma unidade nas falas ao atribuiacuterem a

Clitemnestra o assassiacutenio do chefe dos gregos

Na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides peccedila datada de 405 aC Agamecircmnon participa como

personagem do iniacutecio ao fim da trageacutedia Ele inicia a trageacutedia arrependido por ter mandado Odisseu

ir buscar Ifigecircnia em Argos para que a jovem fosse sacrificada em honra agrave deusa Aacutertemis

Κάλχας δ ὁ μάντις ἀπορίαι κεχρημένοιςἀνεῖλεν Ἰφιγένειαν ἣν ἔσπειρ ἐγὼἈρτέμιδι θῦσαι τῆι τόδ οἰκούσηι πέδονκαὶ πλοῦν τ ἔσεσθαι καὶ κατασκαφὰς Φρυγῶνθύσασι μὴ θύσασι δ οὐκ εἶναι τάδεκλυὼν δ ἐγὼ ταῦτ ὀρθίωι κηρύγματιΤαλθύβιον εἶπον πάντ ἀφιέναι στρατόνὡς οὔποτ ἂν τλὰς θυγατέρα κτανεῖν ἐμήν (Eu If Aul v 89-96)

Entatildeo Calcas o adivinho vendo o nosso embaraccedilo pronunciou um oraacuteculo Ifigecircnia que eu gerei devia ser imolada a Aacutertemis que esta regiatildeo habita a expediccedilatildeo e a ruiacutena dos Friacutegios soacute com o sacrifiacutecio sem o sacrifiacutecio nada disto seria possiacutevel Ouvindo eu estas coisas mandei Taltiacutebio em clara proclamaccedilatildeo desmobilizar todo o exeacutercito pois jamais ousaria matar a minha filha108

Menelau por causa disso discute com o irmatildeo e por fim encoraja-o a imolar a proacutepria

filha Nesse contexto temos um duelo entre o dever do chefe das tropas gregas que deve sacrificar

Ifigecircnia para que os ventos sejam favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo a Troia e o dever de pai que natildeo

deve matar a filha O rei por toda a trageacutedia titubeia na sua decisatildeo mas pressionado pelos gregos

acaba decidindo por imolar Ifigecircnia Nas palavras do guerreiro observamos o seu sentimento

paternal e por vezes ainda chora por ter que sacrificar a sua filha

A Biblioteca Mitoloacutegica texto de dataccedilatildeo incerta eacute uma coletacircnea de mitologia grega e

embora incompleta estaacute dividida em trecircs livros e um Epiacutetome nesta uacuteltima parte encontramos

trechos sobre o mito de Agamecircmnon Apolodoro narra o mito do rei de Argos a partir de seu

casamento com Clitemnestra e dessa uniatildeo nasceram Orestes Crisoacutetemis Electra e Ifigecircnia (Ap

Bibl Mit Ep 2 16) Em seguida tem-se Agamecircmnon como chefe dos gregos que para continuar

a viagem para Troia deve sacrificar a filha Ifigecircnia

Κάλχας δὲ ἔφη οὐκ ἄλλως δύνασθαι πλεῖν αὐτούς εἰ μὴ τῶν Ἀγαμέμνονος

108 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides satildeo de Carlos Alberto Pais de Almeida conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

73

θυγατέρων ἡ κρατιστεύουσα κάλλει σφάγιον Ἀρτέμιδι παραστῇ διὰ τὸ μηνίειν τὴν θεὸν τῷ Ἀγαμέμνονι (Ap Bibl Mit Ep 3 21)

Calcante aseguroacute que no podriacutean navegar a non ser que de las hijas de Agamenoacuten se presentase la maacutes pujante en belleza como ofrenda agrave Aacutertemis pues la diosa se habiacutea irritado contra Agamenoacuten debido a que una vez que alanceoacute a un ciervo109

Depois o rei soacute aparece no final da guerra de Troia Agamecircmnon recebe Cassandra como

espoacutelio de guerra (Ap Bibl Mit Ep 5 23) e antes de iniciar a viagem de volta para casa faz

oferendas agrave deusa Atena Finalmente ao chegar a sua paacutetria eacute assassinado por Clitemnestra e

Egisto

Ἀγαμέμνων δὲ καταντήσας εἰς Μυκήνας μετὰ Κασάνδρας ἀναιρεῖται ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυταιμνήστραςmiddot δίδωσι γὰρ αὐτῷ χιτῶνα ἄχειρα καὶ ἀτράχηλον καὶ τοῦτον ἐνδυόμενος φονεύεται καὶ βασιλεύει Μυκηνῶν Αἴγισθοςmiddot κτείνουσι δὲ καὶ Κασάνδραν (Ap Bibl Mit Ep 6 23)

Agamenoacuten a su vuelta a Micenas acompantildeado de Cassandra es asesinado por Egisto y Clitemnestra eacutesta le da una tuacutenica sin orificio ni para los brazos ni para la cabeza y mientras se la pone es sacrificado Egisto se proclama rey de Micenas tambieacuten dan muerte a Cassandra

Na Biblioteca Mitoloacutegica por ser um compecircndio de mitologia grega a vida de Agamecircmnon

o chefe dos gregos encontra-se com mais informaccedilotildees do que em outras narrativas Ainda que

Apolodoro as reconte de modo mais resumido o autor nos daacute um panorama dos mitos gregos jaacute

conhecidos pela tradiccedilatildeo dentre eles o de Agamecircmnon

Na Descriccedilatildeo da Greacutecia datada da segunda metade do seacutec II dC Pausacircnias nos apresenta

uma espeacutecie de guia turiacutestico da Greacutecia no qual nos mostra monumentos e cidades importantes

essa obra estaacute dividida em dez livros de acordo com a localidade a ser descrita O autor natildeo soacute

descreve o que vecirc como tambeacutem relata a histoacuteria do monumento ou do lugar visitado Seraacute

estudado o livro II intitulado Corinto e Argoacutelidas Nesse livro Pausacircnias visita o tuacutemulo de

Agamecircmnon como assim narra

τάφος δὲ ἔστι μὲν Ἀτρέως εἰσὶ δὲ καὶ ὅσους σὺν Ἀγαμέμνονι ἐπανήκοντας ἐξ Ἰλίου δειπνίσας κατεφόνευσεν Αἴγισθος τοῦ μὲν δὴ Κασσάνδρας μνήματος ἀμφισβητοῦσι Λακεδαιμονίων οἱ περὶ Ἀμύκλας οἰκοῦντεςmiddot ἕτερον δέ ἐστιν Ἀγαμέμνονος τὸ δὲ Εὐρυμέδοντος τοῦ ἡνιόχου καὶ Τελεδάμου τὸ αὐτὸ καὶ Πέλοπος (Pau Des Gre II 16 6)

Hay una tumba de Atreo y estaacuten las tumbas de todos a los que cuando regresaron de Ilioacuten dio muerte Egisto despueacutes de ofrecerles un banquete Los lacedemonios que

109 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro satildeo de Julia Garciacutea Moreno conforme consta na referecircncia bibliograacutefica APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

74

viven en Amiclas se disputan la sepultura de Cassandra Hay otra de Agamenoacuten otra de Erimedonte el auriga una uacutenica de Teledamo y de Peacutelope110

Em seguida fala dos tuacutemulos de Clitemnestra e Egisto que foram sepultados em tuacutemulos

mais distantes fora das muralhas da cidade

Κλυταιμνήστρα δὲ ἐτάφη καὶ Αἴγισθος ὀλίγον ἀπωτέρω τοῦ τείχουςmiddot ἐντὸς δὲ ἀπηξιώθησαν ἔνθα Ἀγαμέμνων τε αὐτὸς ἔκειτο καὶ οἱ σὺν ἐκείνῳ φονευθέντες (Pau Des Gre II 16 7)

Clitemnestra y Egisto recibieron sepultura un poco maacutes lejos de la muralla fueron considerados indignos de ser enterrados dentro donde yaciacutea el proacuteprio Agamenoacuten y los que fueron asesinados con eacutel

A descriccedilatildeo feita por Pausacircnias das tumbas da famiacutelia Atrida pouco revela sobre

Agamecircmnon embora natildeo mencione a traiccedilatildeo ao rei de Argos apresenta Clitemnestra e Egisto como

traidores pois natildeo tiveram direito agrave mesma sepultura que seus familiares

A tradiccedilatildeo miacutetica grega acerca do mito de Agamecircmnon apoacutes as peccedilas de Eacutesquilo pode ser

dividida em trageacutedias e narrativas Nas trageacutedias a morte de Agamecircmnon aparece em quase todas

as peccedilas exceto no Aacutejax de Eacutesquilo e na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Em relaccedilatildeo agrave morte do rei

os assassinos foram Clitemnestra e Egisto na Electra de Sofoacutecles e na peccedila homocircnima de Euriacutepides

E Clitemnestra aparece como a uacutenica culpada pelo assassiacutenio de Agamecircmnon na Androcircmaca na

Heacutecuba na Ifigecircnia em Taacuteuris e no Orestes de Euriacutepides Os artifiacutecios usados para matar o rei estatildeo

presentes em algumas peccedilas como o banquete para recepcionar o chefe dos gregos na Electra de

Soacutefocles o machado usado como arma na Electra na Heacutecuba e nas Troianas de Euriacutepides o banho

mortiacutefero e a rede (teia) para imobilizar a viacutetima no Orestes de Euriacutepides E somente na trageacutedia

Heacutecuba de Euriacutepides a morte de Cassandra estaacute ligada agrave morte do rei Como se pode observar as

trageacutedias preservam em sua maioria a morte de Agamecircmnon divergindo em relaccedilatildeo ao(s)

autor(es) do assassiacutenio e lembrando as artimanhas usadas para a execuccedilatildeo da morte

As duas narrativas abordam em comum a morte de Agamecircmnon Ambas concordam em

relaccedilatildeo aos assassinos do rei Clitemnestra e Egisto Jaacute em relaccedilatildeo aos artifiacutecios usados pelos

assassinos na Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro tem-se o uso do manto para imobilizar a viacutetima

e na Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias tem-se a menccedilatildeo ao banquete oferecido em honra ao rei E

a morte de Cassandra vinculada agrave morte de Agamecircmnon soacute eacute mencionada na obra de Apolodoro Na

Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias o relato sobre a morte do chefe dos gregos mostra uma

110 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias satildeo de Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

75

proximidade com o mesmo relato apresentado na Odisseia (IV v526-535) de Homero ambos

mostram que os guerreiros de Agamecircmnon foram mortos junto com ele ao retornarem para a paacutetria

e tambeacutem lembram do banquete servido ao rei e aos seus homens

Contudo a tradiccedilatildeo grega apresentada anteriormente em relaccedilatildeo a morte de Agamecircmnon

prefere a hipoacutetese de Clitemnestra e Egisto terem assassinado o rei

42 A tradiccedilatildeo miacutetica romana

O mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo miacutetica romana eacute recontado nas trageacutedias Egisto de

Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio na epopeia Eneida (I aC) de Virgiacutelio nos poemas A

arte de amar (I aC ndash I dC) e Metamorfoses (I aC ndash I dC) de Oviacutedio na narrativa Faacutebulas de

Higino nas trageacutedias Troianas Tiestes e Agamecircmnon (I dC) de Secircneca Observar-se-aacute como cada

um desses textos apresenta o mito do rei argivo

A trageacutedia Aegisthus de Liacutevio Andronico datada de III aC narra o assassinato de

Agamecircmnon O primeiro poeta de Roma reescreveu muitas trageacutedias gregas que sobreviveram

apenas fragmentos delas como em Aegisthus da qual soacute restaram oito fragmentos ldquoThe greatest

number of surviving fragments come from the Aegishtus Eight fragments from this play exist yet is

unclear whether Livius used Aeschylus Agamemnon or Sophocles Aegisthus as a modelrdquo111

(ERASMO 2004 p11-12) Nos fragmentos 4 e 5 segundo Erasmo (2004 p 12) tem-se o retorno

de Agamecircmnon para a paacutetria acompanhado de Cassandra

(4) nemo haece uostrorum ruminetur mulieri(Andr Aegh frag4)

Let no one of you rehash this to the woman112

(5) sollemnitusque adeo ditali laudem lubens(Andr Aegh frag5)

Solemnly and freely (he offered) praise to god

E os fragmentos 6 e 7 conforme afirma Erasmo (2004 p13) mostram informaccedilotildees acerca

da morte de Agamecircmnon

(6) hellip in sedes conlocat se regias

111 O maior nuacutemero de fragmentos sobreviventes vem de Egisto Existem oito fragmentos dessa peccedila ainda natildeo estaacute claro se Liacutevio usou o Agamecircmnon de Eacutesquilo ou o Egisto de Soacutefocles como modelo

112 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Egisto de Liacutevio Andronico satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

76

Clytemnestra iuxtim tertias natae occupant (Andr Aegh frag6)

He seats himself upon royal thronesClytemnestra is next to him their daughters occupy the thirds

(7) ipsus se in terram saucius fligit cadens (Andr Aegh frag7)

Falling he dashed his wounded self onto the ground

Por meio dos fragmentos apresentados pode-se verificar que a peccedila Egisto de Liacutevio

Andronico retrata a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio e a morte dele No entanto a peccedila ao se

intitular Egisto apresenta uma focalizaccedilatildeo na personagem homocircnima contrapondo agrave tradiccedilatildeo

traacutegica grega na qual Agamecircmnon era o foco principal

Jaacute acerca da trageacutedia Clitemnestra de Aacutecio que foi encenada na inauguraccedilatildeo do teatro de

Pompeu em 55 aC restaram apenas dez fragmentos e assim como da trageacutedia de Liacutevio pouco se

sabe Desses fragmentos um apresenta Cassandra profetizando o dia de sua morte

(7) scibam hanc mihi supremam lucem et seruiti finem dari (Ac Cl frag7)

I knew that this day would be my last and an end to my slavery113

Em um outro fragmento haacute uma alusatildeo ao destino de Agamecircmnon e Cassandra

(8)hellip seras potiuntur plagas (Ac Cl frag 9)

hellip they receive their late blows

E segundo Tarrant (2004 p14) a Clitemnestra de Aacutecio completaria o Egisto de Liacutevio

Andronico sugerindo que ambas vieram da mesma fonte grega

The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus it has been suggested that both plays depend on the same Greek source 114 (TARRANT 2004 p14)

A Eneida de Virgiacutelio poema eacutepico datado de I aC dividido em doze cantos que narram a

busca de Eneias por uma terra na qual ele possa fundar uma nova Troia tambeacutem narra partes do

113 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Clitemnestra de Aacutecio satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

114 Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio isto foi sugerido que ambas as peccedilas dependem da mesma fonte grega

77

mito de Agamecircmnon No Canto I quando Eneias chega ao templo de Juno e contempla as pinturas

nas paredes do monumento ele vecirc num dos quadros a representaccedilatildeo pictoacuterica dos filhos de Atreu

(Virg En v 460-462) Jaacute no Canto II Eneias ao narrar os acontecimentos de Troia aos feniacutecios

lembra o sacrifiacutecio de Ifigecircnia

Sanguine placastis ventos et virgine caesacum primum Iliacas Danai venistis ad oras (Virg En II v 116-117)

Quando pela primeira vez oacute gregos viestes para o litoral troiano aplacastes os ventos com o sangue e a morte de uma virgem115

E no Canto XI haacute uma treacutegua na guerra para enterrar os mortos Durante uma assembleia

para se decidir sobre a continuidade da guerra Diomedes lembra os destinos dos gregos apoacutes o fim

da guerra de Troia

Ipse Mycenaeus magnorum ductor Achivomconiugis infandae prima intra limina dextraoppetiit devictam Asiam subsedit adulter (Virg En XI v 266-268)

O proacuteprio rei de Micenas o chefe dos grandes aqueus tombou agrave entrada do seu palaacutecio ferido pela destra da sua abominaacutevel consorte um aduacuteltero agrave traiccedilatildeo derruba o vencedor da Aacutesia

Como se verifica por meio desses versos a morte desafortunada de Agamecircmnon eacute tambeacutem

mencionada na Eneida de Virgiacutelio O heroacutei grego natildeo eacute muito lembrado nesse poema pois este se

dedica agrave gloacuteria romana

Nos poemas de Oviacutedio Agamecircmnon tambeacutem aparece A arte de amar poema datado de I

aC ndash I dC dividido em trecircs livros cita Agamecircmnon em alguns versos No livro I Agamecircmnon eacute

lembrado por causa de sua morte

Qui Martem terra Neptunum effugit undisconiugis Atrides victima dira fuit (Ov Art Am I v333-334)

Apoacutes ter escapado de Marte na terra de Netuno sobre as ondas o filho de Atreu foi funesta viacutetima de sua mulher116

No livro II Oviacutedio reconta a justificativa que Clitemnestra teve para trair e matar 115 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Eneida de Virgiacutelio satildeo de Tassilo Orpheu Spalding

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

116 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo de A arte de amar de Oviacutedio satildeo de Duacutenia Marinho da Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

78

Agamecircmnon pois enquanto ele lhe foi fiel ela natildeo o traiu

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viri Audierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virum (Ov Art Am II v399-408)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Lirnessiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de esposo

Assim Oviacutedio no poema A arte de amar menciona Agamecircmnon ao rememorar a sua morte

e a traiccedilatildeo ao casamento com Clitemnestra que culminou no assassiacutenio dele

Jaacute no poema Metamorfoses datado de I aC ndash I dC uma coletacircnea de mitos que mostra a

transformaccedilatildeo de homens em animais aacutervores rios e pedras reconta a narrativa da Guerra de Troia

e nesse momento lembra do rei Agamecircmnon No canto XII o primeiro momento do mito eacute

contado o sacrifiacutecio de Ifigecircnia quer nas palavras profeacuteticas de Calcante (Ov Met XII v 29-31) e

quer nas palavras de Odisseu ao disputar com Aacutejax as armas de Aquiles (Ov Met XIII v 183-

187) E nesse poema encontra-se uma parte do mito natildeo muito citada pelo mitoacutegrafo Agamecircmnon

rouba as filhas de Acircnio que tinham o poder de transformar todas as coisas em milho vinho e

azeitonas verdes para alimentar as tropas gregas

hoc ubi cognovit Troiae populator Atridesne non ex aliqua vestram sensisse procellamnos quoque parte putes armorum viribus ususabstrahit invitas gremio genitoris alantqueimperat Argolicam caelesti munere classem (Ov Met XIII 654-658)

Mal soube disto o filho de Atreu o saqueador de Troia(natildeo julgueis que noacutes de algum modo natildeo sentimostambeacutem a vossa tormenta) recorrendo agrave forccedila das armasarrebata-as agrave sua revelia dos braccedilos do pai e ordena-lhesque abasteccedilam a frota da Argoacutelide com o seu dom celeste117

117 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Metamorfoses de Oviacutedio satildeo de Paulo Farmhouse Alberto conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

79

Desse modo Oviacutedio apresenta Agamecircmnon nas Metamorfoses principalmente como chefe

das tropas gregas ao contraacuterio do que acontece no poema A arte de amar na qual a imagem de

Agamecircmnon estaacute vinculada agrave famiacutelia quer ele como traidor da esposa quer como o morto pela

consorte

Na narrativa Faacutebulas de Higino datada do seacutec I aC118 apresenta Agamecircmnon desde a

participaccedilatildeo na busca por Tiestes (Fab 88 8) para que este fosse conduzido ao palaacutecio dos

Atridas ateacute a morte do rei Nesse iacutenterim Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas

rumo agrave guerra de Troia no episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

in Aulide tempestas eos ira Dianae retinebat (hellip) Is cum haruspices convocasset et Calchas se respondisset aliter expiare non posse nisi Iphigeniam filiam Agamemnonis immolasset (hellip) Quam cum in Aulidem adduxisset et parens eam immolare vellet Diana virginem miserata est et caliginem eis obiecit cervamque pro ea supposuit Iphigeniamque (Hig Fab 98 1-4)

Pero una tempestad desatada por la coacutelera de Diana los reteniacutea em Aacuteulide (hellip)Traacutes convocar a los aruacutespices Calcante respondioacute que la uacutenica manera de aplacar a la diosa era sacrificar a Ifigenia la hija de Agamenoacuten (hellip) Cuando la condujo a Aacuteulide y su padre estaba a punto de sacrificarla Diana se apiadoacute de la doncella los envolvioacute em una oscuridad y puso una cierva em su lugar119

E o mitema sobre a briga de Agamecircmnon com Aquiles pela escrava Briseida na guerra de

Troia tambeacutem eacute mencionado por Higino

Agamemnon Briseidam Brisae sacerdotis filiam ex Moesia captivam propter formae dignitatem quam Achilles ceperat ab Achille abduxit eo tempore quo Chryseida Chrysi sacerdoti Apollinis Zminthei reddidit (hellip) Achilles cum Agamemnone redit in gratiam Briseidamque ei reddidit (Hig Fab 106 1 e 3)

Agamenoacuten separoacute a Aquiles de su esclava Briseida hija del sacerdote Brises de Misia a causa de su espleacutendida belleza por la misma eacutepoca em que devolvioacute a Criseida hija de Crises sacerdote de Apolo Esminteo (hellip) Aquiles se reconcilioacute com Agamenoacuten y eacuteste le devolvioacute a Briseida

118 Essa narrativa sofre com problemas de autoria e de tiacutetulo e como afirma Saacutenchez (2009 p8) ldquoLa cuestioacuten se remonta a la edicioacuten priacutencipe realizada por Jacobus Micyllus em Basilea em 1535 Este filoacutelogo llevoacute a la imprenta un coacutedice que hasta entonces se habiacutea conservado em la Bibioteca del Monasterio de Freising y lo editoacute com el siguiente tiacutetulo Libro de Faacutebulas de Cayo Julio Higino liberto de Augusto Lamentablemente el manuscrito el uacutenico ejemplar conservadordquo (A questatildeo remonta a primeira ediccedilatildeo feita por Jacobus Micyllus na Basileia em 1535 Este filoacutelogo levou agrave impressatildeo um coacutedice que ateacute entatildeo tinha se conservado na Biblioteca do Mosteiro de Freising e o editou com o seguinte tiacutetulo Livro de Faacutebulas de Caio Juacutelio Higino liberto de Augusto Lamentavelmente o manuscrito eacute o uacutenico exemplar conservado)

119 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Faacutebulas de Higino satildeo de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

80

Por fim o narrador das Faacutebulas conta como foi a morte de Agamecircmnon

Tunc Clytaemnestra cum Aegistho filio Thyestis cepit consilium ut Agamemnonem et Cassandram interficeret quem sacrificantem securi cum Cassandra interfecerunt (Hig Fab 117 1)

Entonces Clitemnestra em compantildeiacutea de Egisto hijo de Tiestes concibioacute el plan de asesinar a Agamenoacuten y a Casandra Lo asesinaron com un hacha mientras realizaba un sacrificio com Casandra

O mito de Agamecircmnon apareceraacute com maior relevacircncia na tradiccedilatildeo literaacuteria romana por

meio das trageacutedias de Secircneca Agamecircmnon As troianas e Tiestes Natildeo se sabe exatamente em que

data Secircneca escreveu as trageacutedias poreacutem alguns estudiosos afirmam que as trageacutedias senequianas

foram escritas entre os anos 40-65 dC120 De acordo com essa dataccedilatildeo Lohner (2009 p15)

apresenta uma divisatildeo das peccedilas em trecircs grupos

Diante dos resultados obtidos as peccedilas foram distribuiacutedas em trecircs grupos do primeiro fazem parte o Agamecircmnon seguido das peccedilas Fedra e Eacutedipo ndash seriam estas por conseguinte as primeiras composiccedilotildees dramaacuteticas de Secircneca ndash no segundo grupo figuram nesta ordem Medeia Troianas e Heacutercules louco e por fim no terceiro Tiestes e Feniacutecias (FITCH apud LOHNER 2009 p15)

A trageacutedia Tiestes mostra a vinganccedila de Atreu em relaccedilatildeo a seu irmatildeo Tiestes ao matar os

sobrinhos e os servir ao pai em um banquete Nessa peccedila Agamecircmnon ainda eacute muito jovem mas

seu pai Atreu diz que tornaraacute os filhos cientes da vinganccedila por ele planejada

Consili Agamemnon meisciens minister fiat et fratri sciensMenelaus adsit (Sen Ties v325-327)

Agamecircmnon seraacute auxiliar ciente do meu plano e Menelau de tudo informado ajudaraacute seu pai121

Apenas nesse trecho Agamecircmnon eacute mencionado na peccedila Tiestes Na trageacutedia Troianas

Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila No segundo episoacutedio Pirro filho de Aquiles

reclama ao chefe dos gregos uma recompensa agrave gloacuteria de seu pai o sacrifiacutecio de Poliacutexena filha de

Priacuteamo e Heacutecuba Mas Agamecircmnon se mostra um rei cauteloso e natildeo aceita o sacrifiacutecio da jovem

120 LOHNER 2009 p15121 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Tiestes de Secircneca satildeo de J A Segurado Campos

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEacuteNECA Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

81

Regia ut virgo occidattumuloque donum detur et cineres rigetet facinus atrox caedis ut thalamos vocentnon patiar In me culpa cunctorum reditqui non vetat peccare cum possit iubet (Sen Troi v288-292)

Natildeo permitirei que uma virgem real morra e seja oferecida como precircmio a um tuacutemulo e regue com sangue as cinzas e que chamem de casamento ao crime atroz de um assassiacutenio A culpa de todos voltar-se-aacute contra mim Quem natildeo impede um crime quando pode o ordena122

Mesmo assim Pirro insiste e o rei manda chamar Calcante para resolver o impasse O

adivinho orienta os gregos a sacrificarem Poliacutexena em honra de Aquiles E se mostrando piedoso

Agamecircmnon natildeo tem como impedir a morte da jovem Assim aparece Agamecircmnon na trageacutedia

Troianas de Secircneca como o chefe das tropas gregas e temente aos deuses

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca se inicia com um proacutelogo recitado pelo espectro de

Tiestes Ele lembra a maldiccedilatildeo familiar e os vaacuterios crimes que aconteceram naquele palaacutecio O

espectro apresenta o rei Agamecircmnon

rex ille regum ductor Agamemnon ducumcuius secutae mille vexillum ratesIliaca velis maria texerunt suispost decima Phoebi lustra devicto Ilioadest daturus coniugi iugulum suae (Sen Ag v39-43)

rei dos reis Agamecircmnon chefe dentre os chefes a cujo pavilhatildeo seguiram mil navioscobrindo com suas velas os mares troianos de Febo apoacutes dois lustros dominada Troia aqui estaacute para dar agrave sua esposa o pescoccedilo123

O espectro de Tiestes jaacute no proacutelogo da trageacutedia anuncia a chegada do rei Agamecircmnon e a

sua morte executada pela esposa No segundo ato Clitemnestra em diaacutelogo com a Ama titubeia na

vinganccedila de matar o rei A Ama aconselha a rainha a desistir do crime pois Clitemnestra ousa uma

vinganccedila contra um homem poderoso

hunc fraude nunc conaris et furto aggrediQuem non Achilles ense violavit feroquamuis procacem torvus armasset manum

122 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Secircneca satildeo de Zeacutelia de Almeida Cardoso conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Luacutecio Aneu As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

123 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Agamecircmnon de Secircneca satildeo de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

82

non melior Aiax morte decreta furensnon sola Danais Hector et bello moranon tela Paridis certa non Memnon nigernon Xanthus armis corpora immixta aggerensfluctusque Simois caede purpureos agensnon nivea proles Cycnus aequorei deinon bellicoso Thressa cum Rheso phalanxnon picta pharetras et securigera manupeltata Amazon hunc domi reducem parasmactare et aras caede maculare impia (Sen Ag v206-219)

Ora te empenhas em atacar com ardil e enganoquem com feroz espada Aquiles natildeo feriuembora em fuacuteria a matildeo tenha armado insolentenem Aacutejax o mais bravo louco a impor-lhe a morte nem aos dacircnaos e agrave guerra o soacute entrave Heitornem de Paacuteris o dardo certo e o negro Mecircmnonnem o Xanto que corpos e armas amontoae o Simoente de aacuteguas rubras de matanccedilanem Cicno raccedila niacutevea do equoacutereo deusnem a falange traacutecia com Reso beliacutegeronem armada de pelta e machado a Amazonacom a aljava pintada a ele que retornavais imolar manchando o altar com iacutempia morte

Apoacutes os argumentos da Ama Egisto aparece e incita a amante a persistir na vinganccedila Mas

Clitemnestra sai de cena mostrando estar em duacutevidas em relaccedilatildeo agrave vinganccedila

No terceiro ato Clitemnestra recebe o mensageiro Euriacutebates que avisa sobre a chegada do

rei e conta como foi o retorno dos gregos apoacutes o fim da guerra de Troia E nesse relato o

mensageiro lembra a gloacuteria de morrer em batalha

Quid fata possunt Invidet Pyrrhus patriAiaci Ulixes Hectori Atrides minorAgamemno Priamo quisquis ad Troiam iacetfelix vocatur cadere qui mervit graduquem fama servat victa quem tellus tegit (Sen Ag v512-516)

Quanto eacute o poder dos fados Pirro inveja o pai Ulisses a Agravejax o mais jovem Atrida a Heitora Priacuteamo Agamecircmnon ao que jaz em Troiafeliz o chamam quem morrer logrou em lutaquem a fama eterniza e o chatildeo vencido cobre

Logo depois Cassandra surge acompanhada do coro de mulheres troianas A profetisa de

Apolo aparece em cena lamentando a morte dos troianos Em seguida Cassandra entra em estado

de transe Nesse momento a profetisa prevecirc a morte de Agamecircmnon

83

Timete reges moneo furtivum genusagrestis iste alumnus evertet domumQuid ista vecors tela feminea manudestricta praefert Quem petit dextra virumLacaena cultu ferrum Amazonium gerensQuae versat oculos alia nunc facies meosvictor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Agv 732-740)

Temei oacute reis advirto-vos espuacuteria raccedila vai rasar um palaacutecio essa cria dos bosques Por que essa insana ostenta na matildeo de mulher a espada nua A que homem busca com a destra trajada qual lacocircnia e com arma de Amazona Que outra visatildeo atrai agora os olhos meus De feras vencedor colo altaneiro jaz sujeito a infames presas o leatildeo marmaacuterico sofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Apoacutes o estado de transe de Cassandra Agamecircmnon entra no palaacutecio e eacute bem recepcionado

por sua esposa Ele dialoga com a profetisa que tenta lhe alertar sobre o perigo iminente mas ele

natildeo entende as suas palavras (Sen Ag v792-798) No quinto ato Cassandra ao presenciar o

assassinato do rei relata-nos como tudo aconteceu

Epulae regia instructae domoquales fuerunt ultimae Phrygibus dapescelebrantur ostro lectus Iliaco nitetmerumque in auro veteris Assaraci trahuntEt ipse picta veste sublimis iacetPriami superbas corpore exuvias gerensDetrahere cultus uxor hostiles iubetinduere potius coniugis fidae manutextos amictus - horreo atque animo tremoregemne perimet exul et adulter virumVenere fata Sanguinem extremae dapesdomini videbunt et cruor Baccho incidetMortifera vinctum perfidae tradit neciinduta vestis exitum manibus negantcaputque laxi et invii cludunt sinusHaurit trementi semivir dextra latusnec penitus egit vulnere in medio stupetAt ille ut altis hispidus silvis apercum casse vinctus temptat egressus tamenartatque motu vincla et in cassum furitcupit fluentes undique et caecos sinusdissicere et hostem quaerit implicitus suumArmat bipenni Tyndaris dextram furensqualisque ad aras colla taurorum priusdesignat oculis antequam ferro petatsic huc et illuc impiam librat manum

84

Habet peractum est Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacentNondum recedunt ille iam exanimem petitlaceratque corpus illa fodientem adivvat (Sen Ag v875-905)

No reacutegio paccedilo lautas eacutepulasqual foi o uacuteltimo banquete para os friacutegios celebram-se De Iacutelio luz no leito o ostro e tomam vinho no ouro do vetusto Assaacuteraco e ele deitado e altivo em traje matizado de Priacuteamo em seu corpo leva o rico espoacutelio Ordena-lhe a mulher a tirar a veste imiga e envolver-se no manto pela matildeo tecido de fiel esposa Sinto nalma horror e tremo ecircxul e aduacuteltero o algoz de um rei e esposoVeio o destino as eacutepulas finais veratildeo do soberano o sangue em Baco ver vertido Mortiacutefera amarrado entrega-o a uma morte peacuterfida a veste que o cobriu prendem-lhe as matildeos e atam a cabeccedila as dobras frouxas e sem fenda Seu flanco o falso homem rasga com matildeo trecircmula natildeo cravou fundo em pleno golpe ele vacila Mas como um hirto javali na mata funda preso na rede tenta no entanto escapar e inquieto aperta o laccedilo em fuacuteria contra a rede aquele as dobras cegas que vazam dos lados quer romper e procura enlaccedilado o inimigo Bipene em punho irosa de Tiacutendaro a filha qual popa que no altar as cernelhas dos touros aponta com o olhar antes que vibre o ferro ela a matildeo iacutempia assim balanccedila aqui e ali Eis Consumado estaacute De estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorra do tronco a face com um frecircmito desaba E ainda natildeo recuam atacam ele o corpo sem vida e o lacera ela ajuda o algoz

Apoacutes a descriccedilatildeo do assassiacutenio Electra aparece em cena e pede a Estroacutefio que cuide de

Orestes e o leve para bem longe dali Depois Clitemnestra anuncia que mataraacute Cassandra e ela

tambeacutem promete castigar a filha por ter escondido o irmatildeo Orestes Assim Secircneca nos conta a

morte do rei de Argos (Micenas) o grande vencedor da guerra de Troia

A tradiccedilatildeo miacutetica romana acerca do mito de Agamecircmnon apresenta principalmente os

episoacutedios da morte do rei e do sacrifiacutecio de Ifigecircnia A morte do rei aparece no Egisto de Liacutevio

Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e no

Agamecircmnon de Secircneca Na Eneida e na A arte de amar Clitemnestra aparece como a uacutenica

responsaacutevel pela morte do chefe dos gregos jaacute na trageacutedia e na narrativa de Higino Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto E as obras citadas anteriormente trazem como motivo para a

85

execuccedilatildeo do crime a traiccedilatildeo do rei em relaccedilatildeo agrave sua esposa Nos outros poemas ndash Metamorfoses de

Oviacutedio e Troianas de Secircneca ndash Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas como tambeacutem

nas Faacutebulas de Higino

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon

Apoacutes os relatos acerca do mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo literaacuteria grega apresentados

anteriormente incluindo os textos do capiacutetulo anterior e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana pode-se

observar que Secircneca se utilizou de alguns desses textos para criar a sua peccedila mas tambeacutem natildeo

sobreviveram todos os textos que serviram de fonte para o tragedioacutegrafo como afirma Lohner

(2009 p111) ldquoPor outro em vista da perda quase total da poesia traacutegica latina anterior agrave de

Secircneca muito pouco se pode averiguar sobre o viacutenculo desta obra com modelos nacionaisrdquo E

mesmo que Herrmann (1924 p 312) afirme que havia trageacutedias de antecessores nas quais Egisto

era o foco da peccedila

Il est difficile de savoir si ce changement dorientation vient de Livius Andronicus ou dAccius dont les trageacutedies avaient Egisthe pour centre124

Com base nas duas citaccedilotildees observa-se que fica difiacutecil resgatar essa influecircncia das trageacutedias

latinas nos dramas senequianos mas mesmo assim alguns estudiosos afirmam que haacute alguma

correspondecircncia entre as trageacutedias Egisto de Liacutevio Andronico e a Clitemnestra de Aacutecio com o

Agamecircmnon de Secircneca

While most of the specific connections alleged between Seneca and the Republican dramatists will not bear inspection there are clear similarities of plot between Agamemnon and Livius Andronicus Aegisthus and Accius Clytemnestra Livius play (whose Greek is not known) coincides with Senecas in several deviations from Aeschylus (hellip) The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus 125 (TARRANT 2004 p13-14)

Na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Agamecircmnon eacute apresentado basicamente como o chefe das tropas

124 Eacute difiacutecil saber se a mudanccedila de orientaccedilatildeo vem de Liacutevio Andronico ou de Aacutecio dos quais as trageacutedias tem Egisto como centro

125 Enquanto a maioria das conexotildees especiacuteficas alegadas entre Secircneca e os dramaturgos republicanos natildeo vai suportar uma inspeccedilatildeo haacute claras semelhanccedilas de enredo entre Agamemnon e Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio A peccedila de Liacutevio (cuja grega natildeo eacute conhecida) coincide com a de Secircneca nas vaacuterias divergecircncias de Eacutesquilo (hellip) Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio

86

gregas e como o rei assassinado por sua esposa esses satildeo os mitemas126 mais mencionados pela

tradiccedilatildeo Dentre os mitemas que narram Agamecircmnon como o chefe dos gregos o mais comum eacute o

do sacrifiacutecio de Ifigecircnia Entatildeo pode-se afirmar que esse episoacutedio eacute mais frequente na tradiccedilatildeo

porque liga o papel de liacuteder dos gregos ao de morto pela esposa sendo o sacrifiacutecio da filha a

principal justificativa do crime Portanto os mitemas que seratildeo analisados satildeo esses dois jaacute

mencionados

Nas trageacutedias gregas do seacutec V Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos em

Agamecircmnon de Eacutesquilo Aacutejax de Soacutefocles Heacutecuba Troianas Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e

como morto por Clitemnestra em Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo Electra de

Soacutefocles Androcircmaca Electra Troianas Ifigecircnia em Taacuteuris e Orestes de Euriacutepides Em Aacutejax de

Soacutefocles Agamecircmnon quer negar honras fuacutenebres ao Aacutejax mas acaba sedendo aos argumentos de

Odisseu Na Heacutecuba de Euriacutepides o rei ajuda Heacutecuba a vingar a morte do filho Polidoro viacutetima de

traiccedilatildeo e ele tambeacutem nega hospitalidade ao assassino do filho de Priacuteamo Nas Troianas

Agamecircmnon eacute lembrado por Taltiacutebio como o chefe dos gregos E na Ifigecircnia em Aacuteulis o rei como

liacuteder das tropas gregas exclui o seu direito de pai e sacrifica a filha Ifigecircnia em honra da deusa

Aacutertemis por ventos favoraacuteveis para a navegaccedilatildeo rumo a Troia

Nas trageacutedias que trazem Agamecircmnon como chefe dos gregos eacute mais frequente o adjetivo

ἄναξ (chefe rei) vinculado agrave imagem do rei como se observa nos seguintes versos Ἀγαμέμνων

ἄναξ (Es Ag v523) Ἀγαμέμνων τ ἄναξ (Eu Hec v553) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Tr

v249) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Or v21) Ἀγάμεμνον ἄναξ (Eu If Aul v3)127 Os exemplos

demonstram o quanto estaacute presente nas peccedilas o papel de Agamecircmnon como rei (chefe) dos gregos

na guerra de Troia

Jaacute nas trageacutedias que trazem a morte de Agamecircmnon haacute um consenso de que Clitemnestra e

Egisto participaram do assassiacutenio mas o autor da execuccedilatildeo pode variar de acordo com a peccedila Na

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo fica evidente que a autora do crime eacute Clitemnestra embora ela

tenha contado com a ajuda de Egisto para mobilizar a viacutetima (Es Ag v1384-1387) Poreacutem em

outras peccedilas Clitemnestra aparece como protagonista do crime embora natildeo fique evidente se ela

sozinha teria matado o marido ou se ela e Egisto executaram o assassiacutenio como em Androcircmaca

(v1028-1029) Heacutecuba (v1287-1289) e Ifigecircnia em Taacuteuris (v552) de Euriacutepides E nas outras

trageacutedias verifica-se como assassinos do rei Clitemnestra e Egisto como na Electra de Soacutefocles

126 Leacutevi-Strauss llama mitemas a los segmentos miacutenimos de una narracioacuten miacutetica de la misma forma que los fonemas existen en foneacutetica o los morfemas en morfologiacutea como unidad miacutenima significativa del relato miacutetico (Leacutevi-Strauss apud GUAL p 4) (Leacutevi-Strauss chama de mitemas os segmentos miacutenimos de uma narraccedilatildeo miacutetica da mesma forma que os fonemas existem na foneacutetica ou os morfemas na morfologia como unidade miacutenima significativa do relato miacutetico)

127 A traduccedilatildeo dos termos desse periacuteodo citados em grego eacute o rei (chefe) Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

87

(v97-99) e na Electra de Euriacutepides (v8-10) Contrapondo-se agraves peccedilas apresentadas de Euriacutepides

em Orestes soacute haacute menccedilatildeo agrave Clitemnestra como executora do crime enfocando no crime cometido

pela rainha Com isso parece que os tragedioacutegrafos gregos colocam Clitemnestra como a principal

causadora da morte de Agamecircmnon em quase todas as peccedilas que trazem esse mitema exceto nas

peccedilas Electra de Sofoacutecles e na de Euriacutepides nas quais a culpa tambeacutem recai sobre Egisto para

justificar o assassinato dele nas duas trageacutedias

Nas duas narrativas mostradas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia

de Pausacircnias as referecircncias ao mito de Agamecircmnon tambeacutem retomam a participaccedilatildeo dele na guerra

de Troia e a sua morte A Biblioteca Mitoloacutegica por ter um caraacuteter enciclopeacutedico tenta contar com

mais detalhes dos mitos enfocando nos principais episoacutedios como o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a morte

do rei Jaacute na obra de Pausacircnias soacute haacute menccedilatildeo agrave morte do rei Nas duas narrativas Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto conforme jaacute foi visto anteriormente

Com isso pode-se concluir que na tradiccedilatildeo literaacuteria grega acerca do mito da morte de

Agamecircmnon paira uma variaccedilatildeo sobre o executor do assassiacutenio nas trageacutedias do seacutec V

Clitemnestra eacute tida como a principal executora do crime jaacute nas narrativas posteriores a culpa pela

morte do rei eacute dividida entre Clitemnestra e Egisto

E na tradiccedilatildeo literaacuteria romana Agamecircmnon natildeo soacute eacute lembrado como chefe dos gregos

como tambeacutem pela sua morte Como liacuteder grego ele aparece no Egisto de Liacutevio Andronico na

Eneida de Virgiacutelio nas Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino nas Troianas e no

Agamecircmnon de Secircneca nos quais eacute lembrado principalmente pelo episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

exceto na primeira obra na qual Agamecircmnon aparece conduzindo a presa de guerra Cassandra Jaacute a

sua morte eacute mencionada no Egisto de Liacutevio Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de

Oviacutedio e nas Faacutebulas de Higino no Agamecircmnon de Secircneca nos quais o rei eacute assassinado pela

proacutepria esposa

Secircneca antes de escrever a trageacutedia Agamecircmnon teve contato se natildeo com todas essas obras

citadas mas com a maioria delas principalmente as trageacutedias gregas Segundo Herrmann (1924

p312) Secircneca teria se utilizado das seguintes fontes para construir a sua peccedila

On peut conclure en ce qui concerne les sources agrave une influence nette dEschyle des deux Egisthes128 latins auxquels sadjoignent Sophocle et Euriacutepide et pour le

128 Segundo Tarrant (2004 p13 nota 7) ldquoAccius Aegisthus has also been compared but this play was probably about the return of Orestesrdquo (O Egisto de Aacutecio tambeacutem tem sido comparado mas esta peccedila foi provavelmente sobre o retorno de Orestes) Jaacute Hall (2005 p30 nota 26) atribue uma identificaccedilatildeo entre Clitemnestra e Egisto de Aacutecio ldquoIt is possible that the play is to be identified with Acciusrsquo Aegisthus which included a speech in which a character spoke about the lsquomight of governmentrsquo vis imperi breaking menrsquos fierce spirits (frr 8-9) a remark that women are more easily hardened (callent) than men (frr 10-11) and a reference to a man presumably Orestes whose lsquohand is fouled and spattered by his motherrsquos bloodrsquo (fr 12) Accius also wrote an Agamemnonrsquos Children

88

troisieacuteme eacutepisode des sources multiples sans compter les emprunts habituels agrave Horace ou agrave Ovide dans les parties lyriques129

Contrapondo-se agrave afirmaccedilatildeo de Herrmann Tarrant (2004 p10) afirma que apesar da

mesma delimitaccedilatildeo do mito a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo natildeo teria servido de modelo para

Secircneca na composiccedilatildeo da sua peccedila homocircnima

It seems incredibile that the Agamemnon of Aeschylus could ever have been thought Senecas source The basic outline of the plot is similar but this Seneca need not have derived from Aeschylus on the other hand characterisation structure and themes are all quite unrelated The only parts of Aeschylus play which find a parallel in Seneca are the arrival of a herald with the news of the storms and a scene in which Cassandra foresees the murder of Agamemnon and herself even here the similarity of situation is heavily outweighed by diversity of content and treatment Nothing in Senecas play requires direct knowledge of Aeschylus130

Considerar-se-aacute portanto a grande dificuldade de indicar quais seriam as fontes usadas por

Secircneca e por isso natildeo se pretende esgotar o tema ao direcionar as influecircncias sofridas por ele E agrave

medida que parecer necessaacuterio para justificar a recepccedilatildeo da peccedila retomar-se-aacute alguns dos textos da

tradiccedilatildeo literaacuteria apresentados

O proacutelogo da trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca eacute recitado pelo espectro de Tiestes que lembra

os crimes jaacute vivenciados pela famiacutelia Tantaacutelida Um proacutelogo distinto do proacutelogo de Eacutesquilo que eacute

recitado pelo Vigia do palaacutecio Mas a trageacutedia grega do seacutec V costumava trazer para a cena

fantasmas como a apariccedilatildeo do fantasma de Dario em Os persas de Eacutesquilo (v681-844) a apariccedilatildeo

do fantasma de Clitemnestra nas Eumecircnides de Eacutesquilo (v94-139) e a apariccedilatildeo do fantasma de

Polidoro na Heacutecuba de Euriacutepides (v1-58)131 Dentre os exemplos mostrados somente duas

apariccedilotildees acontecem no proacutelogo das suas respectivas trageacutedias a primeira eacute a do fantasma de

Clitemnestra que aparece no proacutelogo em diaacutelogo com o Coro reclamando a sua morte a segunda eacute

(Agamemnonidae) (Eacute possiacutevel que a peccedila eacute para ser identificada com Egisto de Aacutecio que incluiu um discurso no qual um personagem falou sobre o ldquopoder do governordquo vis imperi quebrando os espiacuteritos ferozes dos homens frr (8-9) uma observaccedilatildeo que as mulheres satildeo mais facilmente endurecidas (callent) do que os homens (frr 10-11) e uma referecircncia a um homem presumivelmente Orestes cuja matildeo eacute suja e salpicada pelo sangue da sua matildee (fr 12) Aacutecio tambeacutem escreveu um Filhos de Agamecircmnon (Agamemnonidae))

129 Pode-se perceber no que diz respeito agraves fontes uma clara influecircncia de Eacutesquilo dos dois Egistos latinos aos quais se juntam Soacutefocles e Euriacutepides e para o terceiro episoacutedio as fontes satildeo vaacuterias sem contar os empreacutestimos habituais de Horaacutecio ou de Oviacutedio nas partes liacutericas

130 Parece inacreditaacutevel que o Agamenon de Eacutesquilo jamais poderia ter sido pensado como fonte de Secircneca O esquema baacutesico da trama eacute semelhante mas este Secircneca natildeo precisa ter derivado de Eacutesquilo por outro lado a estrutura caracterizaccedilatildeo e os temas satildeo bastante independentes As uacutenicas partes da peccedila de Eacutesquilo que encontra paralelo em Secircneca satildeo a chegada de um arauto com a notiacutecia das tempestades e uma cena em que Cassandra prevecirc o assassinato de Agamecircmnon e de si mesma mesmo aqui a similaridade de situaccedilatildeo eacute fortemente compensada pela diversidade de conteuacutedo e de tratamento Nada na peccedila de Secircneca requer conhecimento direto de Eacutesquilo

131 Mais informaccedilotildees acerca da apariccedilatildeo de mortos na literatura grega e na romana consultar BRUNO Pauliane T S As apariccedilotildees dos mortos nas trageacutedias de Secircneca Fortaleza UFC 2006 Monografia de Especializaccedilatildeo

89

a do fantasma de Polidoro que recita o proacutelogo sozinho requerendo as suas honras fuacutenebres Haacute

algumas semelhanccedilas estruturais entre o proacutelogo da trageacutedia Heacutecuba de Euriacutepides e o da trageacutedia

Agamecircmnon de Secircneca ambas se iniciam com os personagens-fantasmas contando de onde vecircm

como se pode observar respectivamente nos versos abaixo

Ἥκω νεκρῶν κευθμῶνα καὶ σκότου πύλαςλιπών ἵν Ἅιδης χωρὶς ὤικισται θεῶν (Eu Hec v1-2)

Vim o antro dos mortos e as portas da escuridatildeotendo deixado onde mora Hades separado dos deuses

Opaca linquens Ditis inferni locaadsum profundo Tartari emissus specu (Sen Ag v1-2)

Deixando a estacircncia escura do deus infernaleis-me da funda gruta do Taacutertaro enviado

Apoacutes mostrar de onde vem o espectro de Tiestes apresenta o espaccedilo no qual ele estaacute

naquele momento o palaacutecio dos Atridas e fala da anguacutestia de retornar agravequele lugar Em seguida ele

se apresenta O mesmo natildeo ocorre com o espectro de Polidoro que logo depois de anunciar de onde

vem se apresenta agrave audiecircncia

uincam Thyestes sceleribus cunctos meis (Sen Ag v 25)

a todos eu Tiestes venccedilo com crimes

Πολύδωρος Ἑκάβης παῖς γεγὼς τῆς ΚισσέωςΠριάμου τε πατρός (Eu Hec v3-4)

Sou Polidoro nascido de Heacutecuba filha de Quisseu e de Priacuteamo meu pai

Depois da apresentaccedilatildeo dos espectros ambos contam as suas histoacuterias e indicam o que iraacute

acontecer no decorrer da peccedila Nesse momento o espectro de Tiestes tambeacutem descreve em detalhes

o espaccedilo cecircnico e a sua organizaccedilatildeo

video paternos immo fraternos laresHoc est vetustum Pelopiae limen domushinc auspicari regium capiti decusmos est Pelasgis hoc sedent alti toroquibus superba sceptra gestantur manulocus hic habendae curiae - hic epulis locus (Sen Ag v 6-11)

vejo o paterno ou antes o fraterno lar Eacute esta a antiga entrada da casa de Peacutelope

90

Aqui os pelasgos usam inaugurar na frontea reacutegia insiacutegnia Neste trono altivos sentam-se os que brandem seus cetros sob a matildeo soberbaEste o local da cuacuteria ali o dos banquetes

Essa descriccedilatildeo parece caracterizar as peccedilas de Secircneca pois segundo Herrmann (1924

p343) os proacutelogos de trecircs trageacutedias de Secircneca apresentam um caraacuteter descritivo

Les premieres [Hercule Furieux Agamemnon et Thyestes] plus proche de ceux dEuripide motiveraient en quelque sorte laction en caracteacuterisant sommairement les protagonistes en indiquant le lieu le moment et la situation apparente de deacutebut de lintrigue132

Nesses versos o fantasma de Tiestes utiliza o verbo uideo no presente do indicativo para

mostrar uma proximidade com a audiecircncia que assim como ele podia ldquovivenciarrdquo o que estava

sendo descrito Atraveacutes dessas evidecircncias estruturais mostradas entre os proacutelogos mencionados

pode-se observar uma influecircncia da poesia traacutegica de Euriacutepides na trageacutedia de Secircneca

No segundo ato Clitemnestra dialoga com a Ama e ela titubeia na decisatildeo de se vingar do

marido Esse episoacutedio eacute tipicamente senequiano a figura da Ama nessa peccedila aparece como o alter

ego de Clitemnestra mostrando as suas incertezas suas duacutevidas e seus medos como afirma Serrano

(2003 p 116) ldquoPor primera vez el autor latino se detiene a describir minunciosamente la situacioacuten

espiritual de Clitemnestrardquo133 Ao titubear entre cometer ou natildeo o assassiacutenio a rainha expotildee as

atrocidades cometidas pelo esposo justificando assim a sua vinganccedila Ela utiliza-se de muitos

versos mostrando uma maior relevacircncia natildeo soacute a um crime mas a todos

O scelera semper sceleribus vincens domuscruore ventos emimus bellum neceSed vela pariter mille fecerunt ratesNon est soluta prospero classis deoeiecit Aulis impias portu ratesSic auspicatus bella non melius geritamore captae captus immotus preceSminthea tenuit spolia Phoebei senisardore sacrae virginis iam tum furens (Sen Ag v169-177)

Oacute casa que com crimes sempre vence crimes ventos pagos com sangue a guerra com assassiacutenioMas mil navios deram agrave vela ao mesmo tempo A esquadra natildeo largou sob um deus favoraacutevel Aacuteulis as iacutempias nas repeliu de seu porto

132 As primeiras [Heacutercules Furioso Agamecircmnon e Tiestes] as mais proacuteximas das de Euriacutepides motivaram de certa forma a accedilatildeo caracterizando brevemente os protagonistas incluindo o local o momento e a situaccedilatildeo aparente do iniacutecio da trama

133 Pela primeira vez o autor latino deteacutem-se em descrever minunciosamente a situaccedilatildeo espiritual de Clitemnestra

91

Sob tais auspiacutecios natildeo se faz a melhor guerra No amor da prisioneira preso imune a rogos obteve o espoacutelio esmiacutenteo do anciatildeo de Febo jaacute louco entatildeo de ardor pela sagrada virgem

neve desertus foreta paelice umquam barbara caelebs torusablatam Achilli diligit Lyrnesidanec rapere puduit e sinu avulsam viriEn Paridis hostem Nunc novum vulnus gerensamore Phrygiae vatis incensus furitet post tropaea Troica ac versum Iliumcaptae maritus remeat et Priami gener (Sen Ag v184-191)

Para nunca o leito solitaacuterio privar de concubina baacuterbara a de Lirnesso elege tomada de Aquiles roubou-a sem pudor dos braccedilos do varatildeo O inimigo de Paacuteris Leva agora nova ferida e na paixatildeo ferve da vate friacutegia e apoacutes trofeacuteus troianos e arrasada Iacutelio unido a uma cativa genro vem de Priacuteamo

Os versos apresentados (v162ss) segundo Tarrant (1978 p 262) mostram que ldquoSenecas

Clytemestra in Agamemnon for example is clearly based in part on a passage in the Ars

Amatoriardquo134 como se pode observar nos versos de Oviacutedio

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viriAudierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virumQuae bene celaris si qua tamen acta patebuntilla licet pateant tu tamen usque nega (Ov Ar Am v399-410)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de seu marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Linerssiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com os seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de seu esposo

134 A Clitemnestra de Secircneca em Agamemnon por exemplo eacute claramente baseada em parte em uma passagem na Ars Amatoria

92

A Clitemnestra senequiana apresenta trecircs motivos para se vingar do marido o sacrifiacutecio da

sua filha Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas Criseida e Cassandra com quem o rei casou e a

levou consigo ao palaacutecio Os mesmos motivos satildeo descritos pela Clitemnestra esquiliana que tenta

justificar o assassiacutenio apoacutes ter dado morte ao rei

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόποςκαὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulher quem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa135

Em Secircneca Clitemnestra lembra os motivos de vinganccedila para tentar se convencer de que

deve matar o marido por isso as justificativas aparecem antes do assassiacutenio isso natildeo ocorre em

Eacutesquilo pois a sua Clitemnestra apresenta os motivos apoacutes a morte do rei ao tentar formular a

proacutepria defesa para uma puniccedilatildeo futura

Na trageacutedia romana depois de expor os motivos para a vinganccedila Clitemnestra conversa

com Egisto no final desse ato A apariccedilatildeo de Egisto nesse momento da peccedila eacute uma inovaccedilatildeo de

Secircneca como afirma Serrano (2003 p75) ldquoTambieacuten original es la aparicioacuten de Egisto antes del

retorno de Agamenoacuten que antildeade una serie de nuevos momentos a la historia de la parejardquo136 Ele

aparece para convencer a rainha de que ela deve matar o marido As falas presentes nesse ato natildeo

encontram associaccedilatildeo com nenhum outro texto que sobreviveu da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana

apresentada Jaacute as referecircncias agraves justificativas de vinganccedila aparecem apoacutes a morte do rei como foi

mencionado

A presenccedila de Egisto e a caracterizaccedilatildeo dele como personagem tatildeo forte na peccedila de Secircneca

talvez seja uma influecircncia das peccedilas intituladas Egisto de Liacutevio Andronico e de Aacutecio (jaacute

mencionadas anteriormente) nas quais Egisto era a personagem principal ou entatildeo uma influecircncia

135 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

136 Tambeacutem eacute original a apariccedilatildeo de Egisto antes do retorno de Agamecircmnon que adiciona uma seacuterie de novos momentos na histoacuteria do casal

93

(todavia mais difiacutecil de ser explicada) oriunda da Odisseia na qual Egisto aparece como o assassino

de Agamecircmnon Sobre isso afirma Serrano (2003 p 55) ldquoEn la eacutepica Egisto es el definitivo

responsable de los actos contra Agamenoacuten y de la seduccioacuten de Clitemnestrardquo137

No terceiro ato o mensageiro Euriacutebates chega ao palaacutecio e anuncia o retorno do rei

Clitemnestra conversa com Euriacutebates e este conta sobre o retorno dos gregos Pode-se dividir o

discurso de Euriacutebates em trecircs episoacutedios como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas narrative

comprises three distinct episodes the storm which overtook the Greeks on the return voyage from

Troy the death of Ajax Oileus at the hands of Athena and Poseidon and the deceit of Naupliusrdquo138

Os trecircs episoacutedios teriam sido narrados no poema Retornos Nos dois primeiros episoacutedios tem-se os

fragmentos recuperados a partir do sumaacuterio de Proclus139 (Proc Chres completado por Apolod

Epit 61-30 apud WEST 2003 p154)

Άγαμέμνων δε θνσας ανάγεται και Ύενέδωι προσίσχει- Νεοπτόλεμον δε πείθει Θετις άφικομένη έπιμεϊναι δύο ημέρας και θνσιάσαι και επιμένει οι δέ ανάγονται και περί Τήνον χειμάζονται- Αθηνά γάρ έδεήθη Διός τοις Ελλησι χειμώνα έπιπέμψαι- και πολλαί νήες βνθίζονται Αρgt εΐθ ό περί τάς Καφηρίδας πέτρας δηλονται χειμων και ή Αΐαντος φθορά τοϋ Αοκρον ltκαί έκβρασθέντα θάπτει Θετις έν Μνκόνωι A frota liderada por Agamecircmnon deixa Tecircnedos perto de Tenos eacute surpreendida por uma tempestade enviada por Zeus atendendo a um pedido de Atena Em meio a essa intempeacuterie muitos barcos afundam Mais tarde a frota defronta outra tormenta junto agraves rochas cafeacuteridas durante a qual o Aacutejax loacutecrio encontra a morte Teacutetis prepara o seu corpo e lhe rende honras fuacutenebres na ilha de Miconos140

E do uacuteltimo episoacutedio haacute apenas uma inferecircncia como mostra SOUSA (2008 p55)

Naacuteuplio e seus filhos Palamedes Eacuteax e Nausimedonte deveriam participar dos Retornos nos episoacutedios da morte de Agamecircmnon como insinua Apolodoro (II 1 5151) depois no Epiacutetome (6 7-11) conta-se que Naacuteuplio assim que sabe da morte de Palamedes vai ao encontro dos gregos por mar para exigir uma indenizaccedilatildeo Sem sucesso resolve vingar-se para tanto navega para as terras gregas e se empenha a favorecer alguns adulteacuterios o de Clitemnestra com Egisto o de Egiacuteale esposa de Diomedes com Cometes filho de Estecircnelo o de Meda esposa de Idomeneu com Leuco Natildeo satisfeito faz uma fogueira sobre o monte Cafareu na costa do Eubeia para sinalizar aos barcos gregos vindos de Troia a existecircncia de um porto ali enganados satildeo atraiacutedos para o escolho e afundam

Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo encontra-se apenas um dos episoacutedios mencionados o da

137 Na eacutepica Egisto eacute o responsaacutevel definitivo pelos atos contra Agamecircmnon e pela seduccedilatildeo de Clitemnestra138 A narrativa de Secircneca eacute composta por trecircs episoacutedios distintos a tempestade que assolou os gregos na viagem de

volta de Troia a morte de Aacutejax Oileu pelas matildeos de Atena e Poseidon e o engano de Naacuteuplio 139 Para mais informaccedilotildees sobre os poemas eacutepicos do ciclo troiano ver em SOUSA Francisco Edi de Oliveira As

pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado140 Traduccedilatildeo de Francisco Edi de Oliveira SOUSA (2008 p53-54)

94

tempestade E essa tempestade narrada pelo Arauto grego natildeo influenciou o relato de Euriacutebates

como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas account of the storm owes nothing to Aeschylusrdquo141

Mas apesar dessa informaccedilatildeo na mesma cena observa-se pouquiacutessimas semelhanccedilas como a

indagaccedilatildeo de Clitemnestra ao mensageiro sobre o destino de Menelau que estaacute presente nas duas

peccedilas

σὺ δ εἰπέ κῆρυξ Μενέλεων δὲ πεύθομαιεἰ νόστιμός τε καὶ σεσῳμένος πάλιν (Es Ag v617-618)

Diz tu oacute arauto e indago de Menelause ele tendo regressado salvo outra vez

Tu pande vivat coniugis frater meiet pande teneat quas soror sedes mea (Sen Ag v404-405)

Tu revela se vive o irmatildeo de meu esposoe revela o local que minha irmatilde habita

E tambeacutem o questionamento do Coro (Eacutesquilo) e de Clitemnestra (Secircneca) sobre os reveses

que assolaram as naus gregas presente em ambas as trageacutedias

πῶς γὰρ λέγεις χειμῶνα ναυτικῷ στρατῷἐλθεῖν τελευτῆσαί τε δαιμόνων κότῳ (Es Ag v634-635)

Como dizes Procela veio agrave esquadrae deu-lhe fim pelo rancor dos Numes

Quis fare nostras hauserit casus ratesaut quae maris fortuna dispulerit duces(Sen Ag v414-415)

Fala-me que infortuacutenio essas naus engoliu que capricho do mar dispersou nossos chefes

Com isso dentre a tradiccedilatildeo literaacuteria apresentada pode-se dizer que o discurso de Euriacutebates

talvez tenha sofrido influecircncia do poema eacutepico Retornos essa proximidade com o texto grego

talvez natildeo tenha chegado ateacute Secircneca diretamente mas atraveacutes de fontes romanas anteriores

Contudo Lohner (2009 p182-183) afirma que as fontes de Secircneca para compor esse relato seriam

de trageacutedias latinas

A narrativa da tempestade ocorrida durante o retorno dos gregos fazia parte de uma peccedila posterior a Eacutesquilo adaptada por Liacutevio Andronico na trageacutedia Aegisthus e tambeacutem por Aacutecio na trageacutedia Clytemnestra Secircneca imita os versos de Andronico no iniacutecio de sua narrativa

141 O relato de Secircneca sobre a tempestade natildeo deve nada a Eacutesquilo

95

Embora a cena da tempestade fosse bastante comum nos seacuteculos quinto e quarto142 a junccedilatildeo

dos trecircs episoacutedios ndash a tempestade a morte de Aacutejax e o engano de Naacuteuplio ndash na narrativa de

Euriacutebates parece ser uma influecircncia teatral do seacuteculo quarto

One or more lost tragic messenger-speeches may have combined for the first time the storm the death of Ajax and the treachery of Nauplius the loose sense of dramatic relevance presupposed by such a sprawling narrative may point to a fourth-century play143 (TARRANT 2004 p21)

No Ato IV Cassandra em diaacutelogo com o Coro de mulheres troianas prevecirc a morte de

Agamecircmnon e dela mesma A menccedilatildeo agraves visotildees profeacuteticas de Cassandra satildeo mostradas na trageacutedia

Agamemnon de Eacutesquilo e na Arte de Amar de Oviacutedio (como jaacute foi citado anteriormente) Poreacutem em

relaccedilatildeo com a primeira obra haacute uma inversatildeo da ordem dos acontecimentos entre as trageacutedias na

grega Agamecircmnon chega ao palaacutecio antes de Cassandra jaacute na romana Cassandra aparece em cena

antes de Agamecircmnon contrapondo-se a ordem normal na qual o rei chega antes dos prisioneiros

Alguns momentos do transe profeacutetico estatildeo presentes nas duas trageacutedias como a referecircncia

agrave possessatildeo apoliacutenica da jovem

παπαῖ οἷον τὸ πῦρ ἐπέρχεται δέ μοιὀτοτοῖ Λύκει Ἄπολλον οἲ ἐγὼ ἐγώ (Es Ag v1256-1257)

Papaicirc Que fogo este E invade-meOtotoicirc Lupino Apolo Ai de mim

Quid me furoris incitam stimulis noviquid mentis inopem sacra Parnasi iugarapitis Recede Phoebe iam non sum tua (Sen Ag v 720-722)

Por que me incitas o impulso de um novo furorPor que sagrados cumes do Parnaso insaname rendeis Para traacutes Febo jaacute natildeo sou tua

Tambeacutem se encontra nas duas peccedilas a metaacutefora dos animais felinos em relaccedilatildeo ao rei (leatildeo)

e agrave Clitemnestra (leoa) como se pode ver nos versos abaixo

αὕτη δίπους λέαινα συγκοιμωμένηλύκῳ λέοντος εὐγενοῦς ἀπουσίᾳκτενεῖ με τὴν τάλαιναν (Es Ag v1258-1260)

142 TARRANT 2004 p20143 Um ou mais discursos traacutegicos perdidos de mensageiro podem ter combinado pela primeira vez a tempestade a

morte de Ajax e a traiccedilatildeo de Nauplius o sentido amplo de relevacircncia dramaacutetica pressuposta por uma narrativa tatildeo extensa pode apontar para uma peccedila do seacuteculo IV

96

Essa leoa biacutepene junto com o lobodeitada na ausecircncia do nobre leatildeomatar-me-aacute miacutesera

victor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Ag v738-740)

De feras vencedor colo altaneiro jazsujeito a infames presas o leatildeo marmaacutericosofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Ainda nesse ato Agamecircmnon chega ao palaacutecio e conversa com Cassandra A profetisa

compara o rei grego a Priacuteamo na tentativa de lhe advertir sobre o perigo iminente Embora esse seja

o uacutenico momento em que Agamecircmnon aparece na trageacutedia o rei estaacute presente tambeacutem atraveacutes das

outras personagens como bem afirma Serrano (2003 p124)

la corta aparicioacuten de Agamenoacuten no lo priva de ser el protagonista de toda la obra como en cierta medida ocurriacutea en los traacutegicos griegos Agamenoacuten es la causa de las dudas de Clitemnestra del odio de Egisto y del amor de Electra Cuando aparece en escena recupera la grandeza del heacuteroe eacutepico soberbio y orgulloso de sus actos144

E no Ato V Cassandra por meio do transe profeacutetico narra simultaneamente de fora do

palaacutecio como Clitemnestra matou o seu marido A morte de Agamecircmnon eacute lembrada na maioria das

obras que trazem o mito do rei A descriccedilatildeo da morte inicia-se com trecircs verbos no presente do

indicativo uideo et intersum et fruor (v872) para Lohner (2009 p217) esse versos representam

eco no texto latino dos versos 46-47 do proacutelogo tendo o efeito de evocar a figura de Tiestes Laacute o verbo uideo assinalava a visatildeo prospectiva de Tiestes agora assinala a visatildeo ldquoem tempo realrdquo de Cassandra

Depois Cassandra descreve a imagem de Agamecircmnon vestido de Priacuteamo no banquete feito

para ele O banquete senequiano segundo Serrano (2003 p75) seria uma influecircncia da Odisseia de

Homero ldquofinalmente cae vencido por su mujer y su primo en un banquete de tradicioacuten homeacuterica en

el que le apresan entre engantildeosas vestidurasrdquo145 A referecircncia ao banquete homeacuterico encontra-se nos

versos 526-535 do canto IV uma comemoraccedilatildeo oferecida por Egisto

144 A curta apariccedilatildeo de Agamecircmnon natildeo o priva de ser protagonista de toda a obra como de certo modo acontecia nos traacutegicos gregos Agamecircmnon eacute a causa das duacutevidas de Clitemnestra do oacutedio de Egisto e do amor de Electra Quando aparece em cena recupera a grandeza do heroacutei eacutepico soberbo e orgulhoso de seus atos

145 Finalmente cai vencido por sua esposa e seu primo num banquete de tradiccedilatildeo homeacuterica no qual o prendem em roupas enganosas

97

Clitemnestra induz o marido a trocar as vestimentas e o envolve num manto que o

mobilizaraacute Depois disso Egisto daacute o primeiro golpe e Clitemnestra o ajuda na execuccedilatildeo do rei A

imagem do morto (v901-903) segundo Lohner (2009 p218) seria a mesma imagem da morte de

Priacuteamo descrita na Eneida de Virgiacutelio ldquoesses versos latinos imitam os de Virgiacutelio na (Eneida 2

557-558) referentes agrave decapitaccedilatildeo de Priacuteamordquo como se pode observar nos versos abaixo

Iacet ingens litore truncusauolsumque umeris caput et sine nomine corpus (Vir En v557-558)

Sobra a margem jaz um tronco gigantescouma cabeccedila separada das espaacuteduas um corpo sem nome

Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacent (Sen Ag v901-903)

Da estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorrado tronco a face com frecircmito desaba

Assim Agamecircmnon volta a ser comparado a Priacuteamo atraveacutes das semelhanccedilas mostradas

entre os versos dos poemas A trageacutedia de Secircneca retoma os termos caput trunco e iacent da poesia

virgiliana (caput truncus e iacet)146 O verbo iaceo usado no presente demonstra a disposiccedilatildeo do

corpo morto e a separaccedilatildeo deste em duas partes caput (cabeccedila) e truncustrunco (tronco)

representa a decapitaccedilatildeo do corpo presente em ambos os poemas A imagem da separaccedilatildeo entre a

cabeccedila e o corpo fica mais evidente em Secircneca com o particiacutepio passado amputatum (amputada) e

em Virgiacutelio com o termo auolsum umeris (separada das espaacuteduas)

Agamecircmnon morreu e os assassinos dilaceram o seu corpo Na versatildeo de Secircneca os

responsaacuteveis pela morte do rei satildeo Clitemnestra e Egisto isso representa para a tradiccedilatildeo da poesia

traacutegica um enfraquecimento da personagem Clitemnestra No Agamecircmnon de Eacutesquilo Clitemnestra

mata sozinha o marido e assim Serrano (2003 p107-108) a caracteriza

Se muestra entonces como una figura terriblemente grandiosa en el umbral del palacio salpicada con la sangre que compara con gotas de rociacuteo no se arrepiente ni se derrumba al contemplar sus manos manchadas por el crimen asume su responsabilidad e intenta hacer partiacutecipe de su actuacioacuten al daimon de la casa de Atreo y enlazar asiacute el resto de sus razones (Ifigenia Casandra) con la herencia geneacutetica de la culpa147

146 LOHNER 2009 p218147 Mostra-se entatildeo como uma figura terrivelmente grandiosa no umbral do palaacutecio salpicada com o sangue que

compara com gotas de orvalho natildeo se arrepende nem se abala ao contemplar suas matildeos manchadas pelo crime assume sua responsabilidade e tenta envolver a sua accedilatildeo no daimon da casa de Atreu e enlaccedilar assim o resto de suas razotildees (Ifigecircnia Cassandra) com a heranccedila geneacutetica da culpa

98

Clitemnestra jaacute perde parte da sua forccedila nas Coeacuteforas de Eacutesquilo quando aparece com medo

por causa da vinganccedila dos filhos Na Electra de Soacutefocles Clitemnestra aparece como incapacitada

de lutar diante da decisatildeo dos filhos de vingar a morte do pai E na Electra de Euriacutepides a rainha se

mostra mais humana e por isso Egisto se torna o principal foco da vinganccedila de Electra e Orestes

como afirma Serrano (2003 p115)

Frente a la configuracioacuten de la heroiacutena marcada por la tradicioacuten la figura de Euriacutepides sufre una humanizacioacuten se ve descargada de la dureza que hasta ahora la habiacutea caracterizado y por lo tanto de parte de su culpabilidad al reconocer sus errores y confesar su arrepentimiento pese al desprecio y los reproches de Electra148

E em Secircneca Clitemnestra a princiacutepio mostra-se em duacutevida quanto ao plano de vinganccedila

mas com a ajuda de Egisto ela participa ativamente da morte do rei como jaacute foi mencionado Com

isso conclui Serrano (2203 p116)

La decidida Clitemnestra esquilea ha perdido su entereza paulatinamente y ahora necesita maacutes que en ninguna otra ocasioacuten el apoyo de Egisto que desde el comienzo se ha mantenido inamovible duro y fuerte149

Apoacutes a cena descrita da morte Electra aparece e entrega Orestes a Estroacutefio a mesma

referecircncia a essa entrega aparece tambeacutem em Higino (Fab 117 2)

At Electra Agamemnonis filia Orestem fratrem infantem sustulit quem demandavit in Phocide Strophio cui fuit Astyochea Agamemnonis soror nupta

Electra hija de Agamenoacuten se llevoacute a su hermano pequentildeo Orestes yy lo confioacute a Estrofio em la Foacutecide que estaba casado com Astiacuteoque hermana de Agamenoacuten

Logo a jovem encontra a matildee e reclama a morte do pai Clitemnestra chama Egisto e pede

que ele castigue a filha e mate Cassandra Essa cena final segundo Tarrant (2004 p17-18) revela

uma proximidade com a trageacutedia republicana

The last act of Agamemnon contains the clearest parallel to republican drama a scene after the murder involving at least Electra and her mother (and perhaps Aegisthus and

148 Diante da configuraccedilatildeo da heroiacutena marcada pela tradiccedilatildeo a figura de Euriacutepides sofre uma humanizaccedilatildeo mostra-se desvinculada da dureza que ateacute agora a tinha caracterizado e portanto por parte da sua culpa ao reconhecer os erros e confessar seu arrependimento apesar do desprezo e das injuacuterias de Electra

149 A decidida Clitemnestra esquiliana perdeu sua totalidade paulatinamente e agora necessita mais do que alguma outra ocasiatildeo do apoio de Egisto que desde o comeccedilo se manteve imoacutevel duro e forte

99

Cassandra as well) is certainly attested for Livius and Accius150

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca teria sofrido muitas outras influecircncias literaacuterias e como jaacute

foi dito algumas dessas natildeo se podem recuperar Contudo atribui-se como as principais fontes de

Secircneca foram as trageacutedias republicanas de Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio e

algumas trageacutedias da eacutepoca de Augusto como afirma Tarrant (2004 p14)

Many aspects of Senecan dramatic procedure probably derive from Augustan precedent and inspiration and the Augustans may have been responsible for the synthesis of classical myth Hellenistic canons of form elements of archaic diction and great stylistic refinement which we associate with Senecan drama151

Essa pesquisa natildeo congrega todas as fontes utilizadas por Secircneca ao compor a sua trageacutedia

mas pretendeu-se mostrar atraveacutes das fontes que restaram que eacute possiacutevel verificar uma retomada

dessas feitas pelo tragedioacutegrafo

150 O uacuteltimo ato do Agamenon conteacutem um clariacutessimo paralelo com o drama republicano uma cena apoacutes o assassinato envolvendo pelo menos Electra e sua matildee (e talvez Egisto e Cassandra tambeacutem) eacute certamente atestada por Liacutevio e Aacutecio

151 Muitos aspectos do processo dramaacutetico Secircneca derivam provavelmente precedente de Augusto e da inspiraccedilatildeo e os Augustanos podem ter sido responsaacuteveis pela siacutentese do mito claacutessico cacircnones helecircnicos de forma elementos da dicccedilatildeo arcaica e de grande refinamento estiliacutestico que noacutes associamos com Secircneca drama

100

5 CONCLUSAtildeO

Este trabalho teve o intuito de mostrar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega e a romana apresentou

o mito de Agamecircmnon desde os poemas homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca focalizando a recepccedilatildeo

do mito feita por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon e por Secircneca na trageacutedia homocircnima

No primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo desenvolveu-se

um panorama do processo criativo da poesia grega desde Homero ateacute o drama aacutetico Na Greacutecia esse

processo contou com uma forte influecircncia da oralidade que com o passar dos seacuteculos vai se

enfraquecendo por causa da revoluccedilatildeo da escrita Nas trageacutedias gregas do seacutec V ainda se encontra

resquiacutecios de oralidade Jaacute em Roma o processo criativo da poesia mostra um viacutenculo direto com a

escrita As representaccedilotildees traacutegicas do periacuteodo arcaico romano tinham uma referecircncia textual desta

restaram apenas fragmentos Por isso o mito de Agamecircmnon foi recriado nos diversos textos

apresentados da tradiccedilatildeo grega e da romana de maneira particular pois esses vatildeo recepcionar o mito

de acordo com o acesso agrave tradiccedilatildeo miacuteticaliteraacuteria

No segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo ao apresentar a

tradiccedilatildeo literaacuteria desde Homero ateacute Eacutesquilo pode-se considerar que Eacutesquilo colheu muito dessa

tradiccedilatildeo para compor o seu Agamecircmnon A trageacutedia esquiliana tem traccedilos homeacutericos e traccedilos liacutericos

O rei Agamecircmnon traacutegico eacute glorioso como o rei homocircnimo de Homero presente na Iliacuteada A

Clitemnestra traacutegica eacute produto de uma tradiccedilatildeo liacuterica da Piacutetica XI de Pigravendaro na qual era o

principal foco Atraveacutes da anaacutelise mostrada nesse capiacutetulo a recepccedilatildeo de Eacutesquilo para compor

Agamecircmnon deveu-se principalmente aos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia e ao poema liacuterico

Piacutetica XI de Piacutendaro

No terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeordquo

apresentou-se a tradiccedilatildeo literaacuteria desde Soacutefocles ateacute Secircneca Essa tradiccedilatildeo contou com uma grande

distacircncia temporal desde o seacutec V aC ateacute o seacutec I dC e com a presenccedila de duas culturas

diferentes a grega e a romana mas mesmo assim foi possiacutevel indicar algumas influecircncias sofridas

por Secircneca ao compor a sua peccedila Considerou-se a perceptiacutevel a influecircncia das obras romanas

como a Eneida de Virgiacutelio as trageacutedias latinas Egisto e Clitemnestra a Arte de Amar de Oviacutedio as

Faacutebulas de Higino e outros modelos latinos que natildeo sobreviveram Assim pode-se dizer que

Secircneca reescreveu o mito de Agamecircmnon no que diz respeito ao enredo apoiando-se

principalmente na tradiccedilatildeo literaacuteria romana mas sem desconsiderar algumas influecircncias dos textos

gregos

Contudo o presente trabalho pretendeu mostrar que os tragedioacutegrafos estudados Eacutesquilo e

Secircneca se apropriam da tradiccedilatildeo literaacuteria anterior a eles para construir as suas peccedilas Com base

101

nessa tradiccedilatildeo eles reescrevem os mitos jaacute conhecidos e os transmitem com uma nova versatildeo

perpetrando a cada reescritura um novo paradigma do mito de Agamecircmnon

102

REFEREcircNCIAS

ALMEIDA Guilherme de amp VIEIRA Trajano Trecircs trageacutedias gregas Antiacutegone Prometeu prisioneiro Aacutejax Satildeo Paulo Perspectiva 1997

APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

BEACHAM Richard ldquoPlaying places the temporary and the permanentrdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p202-226 BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

BOYLE A JTragic Seneca an essay in the theatrical tradition New York Routledge 2009

CALAME Claude Choruses of young women in Ancient Greece Trad de Derek Collins and Janice Orion Lanham Rowman amp Little Publishers 1997

_______ ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo In Megravetis Anthropologie des mondes grecs anciens Volume 12 1997 pp 181-203

CAMPBELL David A Greek Lyric ndash III ndash Stesichorus Ibycus and Simonides Loeb Classical Library Cambridge Harvard University Press 2001

CARDOSO Zeacutelia de Almeida A literatura latina Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

CASTIAJO Isabel O teatro grego em contexto de representaccedilatildeo Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2012

DEBNAR Paula ldquoFifth-Century Athenian History and Tragedyrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

DUPONT Florence LActeur Roi ndash Le theacuteacirctre dans la Rome Antique Paris Les Belles Lettres 2003

_______ Linvention de la litteacuterature de ivresse grecque au texte latin Paris la Deacutecouverte 1998

ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Coeacuteforas Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Eumecircnides Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Os persas Trad de Maacuterio da Gama Kury Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1992

103

EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

______ Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

______ Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

______ Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

______ Teatro de Euriacutepides ndash Ifigecircnia em Aacuteulis As Bacantes Electra Trad Nataacutelia Correia Porto Civilizaccedilatildeo 1969

FANTHAM Elaine ldquoRoman Tragedyrdquo In HARRISON Stephen (ed) A companion to Latin literature Malden Oxford e Victoria Blackwell 2005

FIALHO Maria do Ceacuteu ldquoDo Oikos agrave Poacutelis de Agameacutemnon sob o signo da distorccedilatildeordquo In Aacutegora Estudos Claacutessicos em Debate nordm 14 2012 p47-61 Acessado pelo site httprevistasuaptindexphpagoraarticleview13011188 em 28 de janeiro de 2013

GAILLARD Jacques Introduccedilatildeo agrave literatura latina ndash das origens a Apuleio Trad de Maria Cristina Pimentel Mem Martins Inqueacuterito 1994

GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

GUAL Carlos Garciacutea Introduccioacuten a la mitologiacutea griega Madrid Alianza Editorial 2006

______ Mitologiacutea y literatura en el mundo griego In httpwwwucmesinfoamalteadocumentosseminario2Seminario2_Grecia_GarciaGualpdf acessado em 29 de maio de 2011

HALL Edith Aeschylusrsquo Clytemnestra versus her Senecan Tradition 2005 p 1-34 Arquivo In httpwwwrhulacukcrgrdocumentspdfpapersagamemnonpdf acessado em 05 de maio de 2013HAVELOCK Erick A A revoluccedilatildeo da escrita na Greacutecia e suas consequecircncias culturais Trad de Ordep Joseacute Serra Satildeo Paulo Editora da UNESP Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

HERRMANN Leacuteon Le theacuteatre de Seacutenegraveque Paris Les Belles Lettres 1924

HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

______ Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80

104

Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

ISIDRO Pereira S J Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Livraria AI 1998 8ordf ed

JEBB Sir Richard C Sophocles The Plays and Fragments with critical notes commentary and translation in English prose Part VI The Electra Cambridge Cambridge University Press 1894 In httpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=Perseus3Atext3A19990400253Atext3Dintro acessado em 08 de janeiro de 2013

LOHNER Joseacute Eduardo dos Santos ldquoIntroduccedilatildeo Posfaacutecio e Notasrdquo In SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

LORD Albert B The singer of tales New York Atheneum 1971

MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) pp 126-137

MOTA Marcus ldquoNos passos de Homero performance como argumento da Antiguidaderdquo In VIS Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte Brasiacutelia Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte 2010

NAGY Gregory Homeric Questions Austin University of Texas Press 1996

OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

______ Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

REHM Rush ldquoFestivals and audiences in Athens and Romerdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p184-201

RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011

SCULLION Scott ldquoTragedy and religion the problem of originsrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

105

_______ Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004

_______ As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

_______ Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

SERRANO Diana de Paco ldquoCaracterizacioacuten de Clitemnestra y Agamenoacuten de Esquilo a Seacutenecardquo In Myrtia Revista Filologiacutea Claacutessica 2003 nordm18 p105-127 Acessado em 08 de outubro de 2011 pelo site httpdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=934677

_______ ldquoEl drama de Agamenoacuten de Homero a nuestros diacuteasrdquo In La tragedia de Agamenoacuten en el teatro Espantildeol del siglo XX Murcia Universidad de Murcia 2003 p50-84 SOacuteFOCLES As Traquiacutenias Trad de Flaacutevio Ribeiro de Oliveira Campinas Editora UNICAMP 2009

_______ Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

TARRANT J R ldquoIntroductionrdquo in SENECA Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004 paacutegs 3-96

_______ Senecas drama and its antecedents Havard Studies in Classical Philology (HSCP) nordm82 pp 213-263 1978

THOMAS Rosalind Letramento e oralidade na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Odysseus 2005

VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

WEST Martin L Greek epic fragments Cambridge Harvard University Press 2003

ZUMTHOR Paul Performance recepccedilatildeo leitura Trad de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich Satildeo Paulo Cosac Naify 2007

RESUMO

Na Greacutecia Antiga mitos como o de Agamecircmnon eram narrados em meios sociais e

adaptados ao momento no qual eram apresentados possibilitando assim vaacuterias versotildees de uma

mesma narrativa Acerca do mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos restaram alguns textos

escritos como na poesia eacutepica Iliacuteada e Odisseia de Homero no poema liacuterico Piacutetica XI de Piacutendaro

nas trageacutedias Oresteia de Eacutesquilo no Aacutejax e na Electra de Soacutefocles na Heacutecuba Troianas

Androcircmaca Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides nos poemas

Cantos Ciacuteprios e Retornos do ciclo troiano e em outras narrativas como a Biblioteca Mitoloacutegica de

Apolodoro e a Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias Jaacute na literatura latina encontram-se referecircncias

ao mito de Agamecircmnon no Egisto de Liacutevio Andronico na Clitemnestra de Aacutecio na Eneida de

Virgiacutelio nos poemas A arte de Amar e Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon

Troianas e Tiestes de Secircneca Nessa pesquisa mostrar-se-aacute como as obras mencionadas recontam o

mito de Agamecircmnon e como Eacutesquilo e Secircneca ao escreverem as suas trageacutedias ambas intituladas

Agamecircmnon apoderam-se dessa tradiccedilatildeo literaacuteria Analisar-se-aacute as partes do mito que foram

colhidas dessa tradiccedilatildeo pelos tragedioacutegrafos e se tentaraacute mostrar algumas particularidades dos

tragedioacutegrafos influenciados por um contexto social ao recontar esse mito na tentativa de

apresentar uma comparaccedilatildeo entre os textos quanto ao processo de recriaccedilatildeo miacutetica feito por Eacutesquilo

e Secircneca

Palavras-chave Mito Agamecircmnon Trageacutedia Eacutesquilo Secircneca

ABSTRACT

In Ancient Greece myths as Agamemnonrsquos were told in social environment and adapted at

the moment they were presented enabling many versions of the same story About the

Agamemnonrsquos myth called the Greekrsquos boss they were left some of the written texts as in the epic

poetry Homers Iliad and Odyssey in the lyric poetry Pindars Pythian XI in the tragedies

Aeschylus Orestia Sophocles Ajax and Electra Euripedes Hecuba The Trojan Women

Adromache Electra Iphigenia in Tauris Orestes and Iphigenia at Aulis in the poems The Cypria

and The returns from the Trojan Cycle and in other stories as the Apollodorus Bibliotheca and

Pausanias Description of Greece In the Latin literature we can find references to Agamemnonrsquos

myths in Livius Andronicus Aegisthus Accius Clytemnestra Virgils The Aeneid Ovids The

Metamorphoses and The Art of Love Senecas Troades Agamemnon and Thyestes In this research it

will be shown how the mentioned stories retell Agamemnonrsquos myths and how Aeschylus and

Seneca when they wrote their tragedies both called Agamemnon took possession of this literary

tradition It will be analyzed the parts from the myth which were gathered from this tradition from

the tragedians and it will try to show some of particularities from the tragedians influenced by a

social context when they retold this myth in a attempt to present a comparative between the texts as

the process of the mythical recreation made by Aeschylus and Seneca

Keywords Myth Agamemnon Tragedy Aeschylus Seneca

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo hellip 8

2 Capiacutetulo I Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeohellip 11

3 Capiacutetulo II Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo 36

31 A tradiccedilatildeo eacutepica hellip 36

32 A tradiccedilatildeo liacuterica hellip 44

33 A tradiccedilatildeo traacutegica hellip 47

34 A recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon hellip 54

4 Capiacutetulo III Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeo 66

41 A tradiccedilatildeo literaacuteria grega hellip 66

42 A tradiccedilatildeo literaacuteria romana hellip 75

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon 85

5 Conclusatildeo helliphellip 100

Referecircncias hellip 102

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem como objetivo de estudo as duas trageacutedias da tradiccedilatildeo greco-romana

intituladas Agamecircmnon uma de Eacutesquilo e a outra de Secircneca no que diz respeito agrave recepccedilatildeo feita

pelos tragedioacutegrafos em suas respectivas obras

O mito de Agamecircmnon assim como os outros mitos gregos foi transmitido a princiacutepio por

meio da oralidade e depois a partir dos textos literaacuterios Agamecircmnon ficou conhecido na tradiccedilatildeo

ocidental por ter liderado as tropas gregas rumo agrave guerra de Troia por ter sacrificado a filha Ifigecircnia

em honra agrave deusa Aacutertemis e por ter morrido assassinado por sua esposa Clitemnestra As partes do

mito de Agamecircmnon aparecem em diversos textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana Neste

estudo optou-se por analisar como a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e a homocircnima de Secircneca

recontam a morte do rei pois cada um desses tragedioacutegrafos faz uma leitura do mito do rei de

Argos

Cuando un autor tragico reelabora em su drama un tema mitico tampouco tiene especial intereacutes en transmitirnos la versioacuten completa y canoacutenica sino que centra su representacioacuten em algunos puntos que en su reflexioacuten le parecen los maacutes sugestivos y convenientes1 (GUAL 2006 p67)

Na tradiccedilatildeo grega Eacutesquilo escolheu recriar o mito de Agamecircmnon na sua peccedila

considerando a sua audiecircncia e os acontecimentos em Atenas Essa trageacutedia foi encenada em 458

aC e repensa juntamente com as Coeacuteforas e as Eumecircnides por exemplo questotildees sobre a justiccedila

ateniense Mas essa versatildeo traacutegica do mito natildeo somente mostra os aspectos da sociedade ateniense

mas tambeacutem se apoia na tradiccedilatildeo literaacuteria anterior acerca do mito

E na tradiccedilatildeo romana Secircneca tambeacutem recepcionou os textos de seus antecessores ao

escrever a sua versatildeo do mito de Agamecircmnon A trageacutedia senequiana revela as influecircncias gregas e

romanas recebidas atraveacutes de leituras feitas pelo tragedioacutegrafo E ainda o mito eacute recontado sob uma

perspectiva imperialista e com uma linguagem mais acurada sob influecircncia da retoacuterica poreacutem

artificial

Considerando os aspectos de reescritura do mito de Agamecircmnon pelos tragedioacutegrafos e a

semelhanccedila entre os tiacutetulos das peccedilas visa-se mostrar quais textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e da

romana serviram de modelo aos autores para a composiccedilatildeo das suas respectivas trageacutedias Este

1 Quando um autor traacutegico reelabora em seu drama um tema miacutetico natildeo estaacute particularmente interessado em nos transmitir a sua versatildeo completa e canocircnica mas centra a sua representaccedilatildeo em alguns pontos que na sua reflexatildeo lhe parecem mais sugestivos e convenientes

9

estudo apresenta trecircs capiacutetulos que relatam o desenvolvimento da recepccedilatildeo desde os poemas

homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca

O primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo se inicia com um

estudo acerca da oralidade da escrita e das contribuiccedilotildees que esses elementos concederam aos

primeiros poemas da tradiccedilatildeo grega Os poemas homeacutericos satildeo considerados os primeiros textos

poeacuteticos gregos que recontam os mitos gregos por meio da transmissatildeo oral Por isso o processo de

criaccedilatildeo desses poemas eacute mostrado atraveacutes dos estudos teoacutericos de Milman Parry Albert Lord e

Gregory Nagy Logo apoacutes os poemas homeacutericos Hesiacuteodo apresenta diferenccedilas no processo criativo

de sua poesia E com a revoluccedilatildeo provocada pela escrita na Greacutecia as trageacutedias do seacutec V jaacute

vislumbram uma composiccedilatildeo mais elaborada mas ainda sob influecircncia da oralidade

A trageacutedia grega tem como principais representantes Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides Eles

tiveram as suas peccedilas encenadas em Atenas nos festivais dionisiacuteacos e por meio da representaccedilatildeo

recontavam os mitos gregos Dentre as trageacutedias gregas que restaram tem-se uma uacutenica trilogia

Oresteia de Eacutesquilo da qual faz parte a peccedila Agamecircmnon Em Roma as primeiras manifestaccedilotildees

teatrais aconteceram em festivais luacutedicos O teatro traacutegico romano tem a participaccedilatildeo de Liacutevio

Andronico Neacutevio Ecircnio Pacuacutevio e Aacutecio poreacutem desses soacute restaram alguns fragmentos E apoacutes esse

periacuteodo soacute restaram na iacutentegra os textos completos das trageacutedias de Secircneca

O segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo divide-se em

quatro partes a tradiccedilatildeo eacutepica a tradiccedilatildeo liacuterica a tradiccedilatildeo traacutegica e a recepccedilatildeo de Eacutesquilo em

Agamecircmnon A tradiccedilatildeo eacutepica relata como o mito de Agamecircmnon eacute contado nos poemas homeacutericos

Iliacuteada e Odisseia e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos A tradiccedilatildeo liacuterica

apresenta o mito de Agamecircmnon no poema Oresteia de Estesiacutecoro e no epiniacutecio Piacutetica XI de

Piacutendaro A tradiccedilatildeo traacutegica mostra o mito de Agamecircmnon na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e nas

outras duas peccedilas da trilogia Coeacuteforas e Eumecircnides E na recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon

tenta-se mostrar quais das influecircncias literaacuterias apresentadas sobreviveram no texto de Eacutesquilo

Nesses poemas Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos e como um homem assassinado pela

esposa

O terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana e recepccedilatildeordquo

divide-se em trecircs partes a tradiccedilatildeo literaacuteria grega a tradiccedilatildeo literaacuteria romana e a recepccedilatildeo de

Secircneca em Agamecircmnon A tradiccedilatildeo literaacuteria grega mostra o mito de Agamecircmnon nas trageacutedias

Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e

Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e nas narrativas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo

da Greacutecia de Pausacircnias A tradiccedilatildeo romana apresenta o mito de Agamecircmnon nos seguintes textos

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

10

Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de Secircneca E na recepccedilatildeo

de Secircneca em Agamecircmnon busca-se mostrar quais as influecircncias sofridas por Secircneca ao compor a

sua trageacutedia priorizando os resquiacutecios da tradiccedilatildeo literaacuteria romana sobreviventes na peccedila

11

2 CAPIacuteTULO 1 Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeo

O objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar inicialmente informaccedilotildees acerca da oralidade e da

escrita alfabeacutetica na Greacutecia antiga e quais contribuiccedilotildees esses elementos exerceram na poesia grega

do periacuteodo arcaico em especial na trageacutedia do seacuteculo V aC Depois seratildeo apresentadas

consideraccedilotildees acerca do teatro romano

A sociedade grega antiga ficou conhecida como uma sociedade culturalmente avanccedilada

principalmente por causa do advento da escrita alfabeacutetica Embora bem antes jaacute houvesse uma

escrita silaacutebica a conhecida Linear B essa natildeo resistiu ao tempo e provavelmente por falta de uso

desapareceu juntamente com a civilizaccedilatildeo micecircnica (c 1500-1100 aC) Seacuteculos depois a escrita

alfabeacutetica espalhou-se gradualmente pela Greacutecia Ateacute entatildeo a sociedade grega era de natureza

predominantemente oral as notiacutecias os textos poeacuteticos as leis a tradiccedilatildeo tudo era transmitido boca

a boca como afirma Gual (2006 p 35-36)

Las instituciones se apoyan en los mitos se recurre a ellos para tomar decisiones se interpretan los hechos de acuerdo con ellos Los maacutes viejos se los cuentan a los maacutes joacutevenes y eacutestos se inician en los saberes tradicionales de su pueblo mediante los grandes relatos de los dioses y los heacuteroes fundadores Las nodrizas les cuentan a los nintildeos los fascinantes sucesos de un tiempo lejano y divino Los abuelos y las abuelas recuentan a los pequentildeos lo que a ellos les contaron tiempo atraacutes sus proprios abuelos Y en las fiestas comunitarias se reitera a traveacutes de rituales mimeacuteticos y de narraciones escogidas las palabras de los mitos2

E como exemplo dessa tradiccedilatildeo de transmissatildeo oral tem-se o canto VII da Odisseia (v62-

95) de Homero quando Alciacutenoo rei dos feaacutecios em seu palaacutecio prepara um banquete e para essa

comemoraccedilatildeo eacute levado um cantor que ao cantar os feitos de Troia emociona Odisseu

κῆρυξ δ ἐγγύθεν ἦλθεν ἄγων ἐρίηρον ἀοιδόντὸν περὶ Μοῦσ ἐφίλησε δίδου δ ἀγαθόν τε κακόν τεὀφθαλμῶν μὲν ἄμερσε δίδου δ ἡδεῖαν ἀοιδήν (Hom Od v62-64)[hellip]αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντοΜοῦσ ἄρ ἀοιδὸν ἀνῆκεν ἀειδέμεναι κλέα ἀνδρῶνοἴμης τῆς τότ ἄρα κλέος οὐρανὸν εὐρὺν ἵκανενεῖκος Ὀδυσσῆος καὶ Πηλεΐδεω Ἀχιλῆος (Hom Od VIII v72-75)[hellip]ταῦτ ἄρ ἀοιδὸς ἄειδε περικλυτός αὐτὰρ Ὀδυσσεὺς

2 As instituiccedilotildees se apoiam nos mitos recorrem a eles para tomar decisotildees interpretam os feitos de acordo com eles Os mais velhos os contam aos mais jovens e estes se iniciam nos conhecimentos tradicionais de seu povo mediante os grandes relatos dos deuses e dos heroacuteis fundadores As nutrizes contam agraves crianccedilas os feitos fascinantes de um tempo distante e divino Os avocircs e as avoacutes recontam aos pequenos o que a eles contaram tempos atraacutes seus proacuteprios avoacutes E nas festas comunitaacuterias se reitera atraveacutes dos rituais mimeacuteticos e das narraccedilotildees escolhidas as palavras dos mitos

12

πορφύρεον μέγα φᾶρος ἑλὼν χερσὶ στιβαρῇσικὰκ κεφαλῆς εἴρυσσε κάλυψε δὲ καλὰ πρόσωπααἴδετο γὰρ Φαίηκας ὑπ ὀφρύσι δάκρυα λείβων (Hom Od VIII v83-86)

Jaacute pelo arauto trazido o cantor divinal se aproximaque tanto a Musa distingue e a quem males de bens concederatira-lhe a vista dos olhos mas cantos sublimes lhe inspira [hellip]Tendo assim pois a vontade da fome e da sede saciadoa Musa logo o incitou a falar sobre os feitos dos homens gestasde heroacuteis cuja fama o alto ceacuteu nesse tempo atingiraa disseccedilatildeo entre Aquiles Pelida e Odisseu tatildeo falada[hellip]Isso narrava o famoso cantor Odisseu entrementes com as matildeos fortes o manto de puacuterpura para a cabeccedilapuxa encobrindo-a com o fim de esconder as feiccedilotildees majestosasEnvergonha-se sim de que o vissem chorar os Feaacutecios3

Atraveacutes do relato exposto acima pode-se verificar o quanto era comum na Greacutecia Antiga a

transmissatildeo oral dos feitos heroicos O mito produto da tradiccedilatildeo grega tambeacutem teve a sua

existecircncia propagada por meio da exposiccedilatildeo oral ateacute que o advento da escrita comeccedilasse a registraacute-

lo Ele sobreviveu ateacute os dias de hoje principalmente por meio dos textos escritos pois em seus

primoacuterdios estava restrito agrave oralidade como afirma Thomas (2005 p3-4) ldquo[] a Greacutecia antiga era

em muitos aspectos uma sociedade oral na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em

relaccedilatildeo agrave palavra faladardquo Desse modo os textos poeacuteticos eram compostos para serem ouvidos

assim continua Thomas (2005 p4)

A maior parte da literatura grega poreacutem tinha por finalidade ser ouvida ou cantada ndash transmitida oralmente portanto ndash e havia uma forte corrente de aversatildeo pela palavra escrita mesmo pelos altamente letrados documentos escritos natildeo eram considerados por si mesmos prova adequada em contextos legais ateacute a segunda metade do seacuteculo IV aC

Somente com a reinvenccedilatildeo da escrita na Greacutecia Antiga momento em que ldquoo alfabeto foi

adaptado do alfabeto feniacutecio provavelmente na primeira metade do seacuteculo VIIIrdquo (THOMAS 2005

p17) ndash que segundo Havelock (1996 p20) esse alfabeto surgiu dos contatos comerciais entre

gregos e feniacutecios ndash foi que os mitos deixaram de ser exclusivamente de natureza oral e comeccedilaram a

ser escritos

A escrita grega antiga a princiacutepio foi usada ldquopara marcar objetos ou compor um memorial

ou ateacute mesmo escrever versosrdquo (THOMAS 2005 p67) Como exemplo tem-se o famoso Vaso do

Diacutepylon datado de 750-690 aC que conteacutem uma inscriccedilatildeo metrificada em ldquohexacircmetro de estilo

3 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes neste capiacutetulo satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

13

homeacuterico onde se lecirc de traacutes para frente quem agora entre os danccedilarinos melhor desempenho

tiver Segue-se a isto uma tentativa de um segundo verso que avanccedila com esforccedilo ateacute parar perto

da asardquo(HAVELOCK 1996 p197) Numa sociedade oral as primeiras manifestaccedilotildees de escrita

tendem a registrar a palavra falada por isso que algumas inscriccedilotildees encontradas estatildeo escritas em

versos ao contraacuterio do que acontece na sociedade letrada moderna em que os registros oficiais satildeo

feitos em prosa

A oralidade na Greacutecia Antiga foi veiacuteculo de muitos acontecimentos dentre eles o iniacutecio da

democracia como afirma Dupont (1998 p12) ldquoLa democratie grecque elle-mecircme fut fondeacutee sur

une parole politique essentiellement orale leacutecriture ne servant quaux lettres dambassadeurs aux

teacutemoignages dans les procegraves et agrave la publication des loisrdquo4 Tambeacutem natildeo se pode esquecer de que a

filosofia grega foi propagada por meio da oralidade os discursos filosoacuteficos que temos hoje

resultaram de um diaacutelogo oral como os de Pitaacutegoras Soacutecrates Aristoacuteteles e os Peripateacuteticos5 Na

verdade em geral a Greacutecia prioriza a oralidade em detrimento da escrita pois essa eacute vista como um

instrumento de poder como conclui Dupont (1998 p13)

Dune faccedilon geacuteneacuterale la Gregravece classique se meacutefie de lecriture quand elle preacutetend transcrire et conserver la parole des vivants et de la lecture qui asservit le lecteur agrave la volonteacute du scripteur car la fonction la plus ancienne de lecriture grecque neacutetait pas denregistrer les paroles des hommes mais de faire parler les choses muettes coupes ou stegraveles funeacuteraires gracircce agrave une oralisation de linscription par le lecteur6

Como a sociedade grega natildeo primava pela composiccedilatildeo escrita muito dificilmente se poderia

falar em literatura Pois segundo Dupont para se ter literatura como eacute pensada hoje tem-se que ter

leitores E nas sociedades antigas ndash Greacutecia e Roma ndash eram comuns as leituras puacuteblicas em

contraponto agraves leituras individuais fato esse que permite a escrita do texto com o intuito de

exclusivamente ser lido ldquoles Anciens ont connu bien des faccedilons de lire un livre mais jamais cette

lecture litteacuteraire semble-t-il sinon sous la forme dune reacuteeacutecriture ce que nous appelons un

remakerdquo (DUPONT 1998 p16)7 Da Greacutecia Antiga nos restou um exemplo dessa reescrita dos

mitos jaacute conhecidos o mito de Electra filha de Agamecircmnon e Clitemnestra que mata a proacutepria matildee

com a ajuda do irmatildeo Orestes para vingar a morte do pai Esse mito eacute recontado em trecircs trageacutedias

gregas nas Coeacuteforas de Eacutesquilo na Electra de Soacutefocles e na Electra de Euriacutepides Cada peccedila

4 A democracia grega em si foi fundada sobre um discurso poliacutetico essencialmente oral a escrita serve apenas para as cartas de embaixadores como prova num julgamento e para a publicaccedilatildeo de leis

5 DUPONT Florence Linvention de la litteacuterature Paris La Deacutecouverte 1998 p 126 Em geral a Greacutecia claacutessica desconfia da escrita quando ela pretende transcrever e conservar as falas dos vivos e da

leitura que submete o leitor agrave vontade do escritor porque a funccedilatildeo mais antiga da escrita grega natildeo era registrar as falas dos homens mas fazer falar as coisas mudas taccedilas ou laacutepides graccedilas a um registro da oralizaccedilatildeo para o leitor

7 Os antigos conheceram muitas maneiras de ler um livro mas nunca como uma leitura literaacuteria aparentemente senatildeo como uma reescrita o que chamamos de remake

14

apresenta uma versatildeo diferente do mito como na cena de reconhecimento na qual Orestes eacute

reconhecido nas Coeacuteforas de Eacutesquilo o reconhecimento se daacute de trecircs modos ndash anel de cabelo de

Orestes as pegadas as roupas tecidas por Electra na Electra de Soacutefocles o reconhecimento se daacute

por meio de um sinete (siacutembolo familiar) mostrado por Orestes para Electra e na Electra de

Euriacutepides o reconhecimento acontece quando o lavrador marido de Electra vecirc uma cicatriz de

infacircncia no rosto de Orestes Portanto observa-se que embora a cena de reconhecimento das

trageacutedias apresentadas se mostrem de modo distinto o tema do matriciacutedio de Electra permanece nas

trecircs peccedilas conservando essa parte do mito

Os primeiros textos ditos ldquoliteraacuteriosrdquo ndash ou se poderia preferir a nomenclatura ldquopoeacuteticosrdquo ou

ldquopoetizadosrdquo8 ndash que chegaram ateacute os dias de hoje satildeo a Iliacuteada e a Odisseia de Homero datados do

seacuteculo VIII aC Esses textos segundo Thomas (2005 p17) ldquoparecem ser produto de composiccedilatildeo

bem como de execuccedilatildeo inteiramente oralrdquo

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoesia oralrdquo do livro Letramento e Oralidade na Greacutecia Antiga a

autora elenca algumas anaacutelises a respeito da presenccedila da oralidade na poesia homeacuterica base do

estudo da oralidade grega A primeira teoria eacute a conhecida como teoria de Milman Parry

argumentando que ldquoos eacutepicos homeacutericos eram poesia oralrdquo (THOMAS 2005 p 41) Parry analisou

as caracteriacutesticas da poesia eacutepica como os epiacutetetos homeacutericos e apresentou um novo

direcionamento sobre os estudos de oralidade A teoria de Parry revolucionou as pesquisas sobre a

poesia homeacuterica ao considerar a audiecircncia e a performance9 na criaccedilatildeo dos poemas conforme

afirma Thomas (2005 p42) ldquoeacute decisivamente por causa da teoria de Parry que podemos agora

reconhecer a importacircncia do puacuteblico e do contexto da apresentaccedilatildeo nas sociedades orais e

tradicionais o mesmo se diria do caraacuteter de improvisaccedilatildeordquo

As pesquisas de Parry tentaram mostrar que os poemas homeacutericos eram constituiacutedos por

expressotildees formulares (termos que se adequavam agrave meacutetrica do poema no momento da criaccedilatildeo

poeacutetica) que possibilitavam a criaccedilatildeo da poesia oral em analogia com a observaccedilatildeo da poesia

iugoslava Apoacutes a morte de Parry Lord um dos colaboradores da pesquisa daacute seguimento aos

estudos sobre performance A teoria Parry-Lord prioriza a audiecircncia o poeta deveria adaptar a

exposiccedilatildeo oral ao gosto do puacuteblico podendo alteraacute-la caso os ouvintes natildeo estivessem satisfeitos

pois cada performance era pontual assim como afirma Lord (1971 p5) no livro The singer of

tales ldquoWe shall see that in a very real sense every performance is separate song for every

8 Por se tratarem de uma composiccedilatildeo riacutetmica Havelock (1996 p13) prefere utilizar os termos ldquopoeacuteticordquo ou ldquopoetizadordquo tais termos estariam em equivalecircncia com ldquoletradordquo e ldquoarte escritardquo

9 Entenda-se nesse capiacutetulo performance como desempenho do poeta na exposiccedilatildeo oral pois o termo ldquoembora historicamente de formaccedilatildeo francesa ela [performance] nos vem do inglecircs e nos anos 1930 e 1940 emprestada ao vocabulaacuterio da dramaturgiardquo (ZUMTHOR 2007 p29-30)

15

performance is unique and every performance bears the signature of its poet singerrdquo10 A

composiccedilatildeo oral far-se-ia diante do puacuteblico diferindo do caraacuteter exclusivo de improvisaccedilatildeo pois se

apoiava em expressotildees formulares elementos essenciais para auxiliar o poeta no ato de compor o

poema portanto natildeo precisando se apoiar inteiramente no recurso mnemocircnico Lord (1971 p13)

tambeacutem distingue a composiccedilatildeo da poesia oral do poema literaacuterio

For the oral poet the moment of composition is the performance In the case of literary poem there is a gap in the time between composition and reading or performance in the case of the oral poem this gap does not exist because composition and performance are two aspects of the same moment11

O aspecto importante da performance para Lord eacute que o poeta cria ao cantar ele natildeo eacute um

mero recitador por isso tem a liberdade de construir o seu poema Ele ainda apresenta dois fatores

da composiccedilatildeo oral que segundo ele natildeo estatildeo presentes numa escrita tradicional

We must remember that the oral poet has no idea of a fixed model to serve as his guide He has models enough but they are not fixed and he has not idea of memorizing them in a fixed form Every time he hears a song sung it is different Secondly there is a factor of time The literate poet has leisure to compose at any rate he pleases The oral poet must keep singing His composition by its very nature must be rapid Individual singers may and do vary in their rate of composition of course but it has limits because there is an audience waiting to hear the story 12(LORD 1971 p22)

Desse modo importa ao poeta manter a tradiccedilatildeo ou seja o tema a ser cantado e natildeo a

forma fixa do poema Segundo Thomas (2005 p55) haacute pesquisadores como Kirk que defendem

que mesmo sem a ajuda da escrita eacute possiacutevel ter havido uma preacutevia elaboraccedilatildeo do poema antes da

performance

Portanto um poema em grande escala como a Iliacuteada pode ter sido desenvolvido muito gradualmente ndash e natildeo necessariamente com a escrita As maiores cenas podem ter sido cuidadosamente elaboradas em privado refinadas continuamente e reproduzidas ao menos grosso modo da mesma forma em sucessivas apresentaccedilotildees (THOMAS 2005 p55)

10 Veremos que num sentido muito real cada performance eacute um poema distinto pois cada performance eacute uacutenica e cada performance tem a assinatura de seu cantor-poeta

11 Para o poeta oral o momento da composiccedilatildeo eacute a performance No caso do poema literaacuterio haacute uma lacuna no tempo entre a composiccedilatildeo e a leitura ou performance no caso do poema oral essa lacuna natildeo existe porque a composiccedilatildeo e a performance satildeo dois aspectos do mesmo momento

12 Devemos lembrar que o poeta oral natildeo tem ideia de um modelo fixo para servir como seu guia Ele tem modelos suficientes mas eles natildeo satildeo fixos e que ele natildeo tem ideia de memorizaacute-los de uma forma fixa Toda vez que ele ouve uma canccedilatildeo cantada eacute diferente E segundo lugar existe o fator tempo O poeta letrado tem tempo para compor de qualquer modo que ele quiser O poeta oral deve continuar cantando A sua composiccedilatildeo por sua natureza deve ser raacutepida Cantores individuais podem e variam em sua razatildeo de composiccedilatildeo eacute claro mas tem limites porque tem um puacuteblico a espera para ouvir a histoacuteria

16

Apoacutes muitas apresentaccedilotildees do mesmo canto pode-se pensar que o poeta tem a possibilidade

de especializar o seu canto quantas vezes forem necessaacuterias Por isso Thomas (2005 p56) conclui

ldquoTampouco haacute razatildeo para pensar que a memorizaccedilatildeo (de qualquer grau) pudesse tolher a

improvisaccedilatildeo e a criatividade ela pode simplesmente suplementar a improvisaccedilatildeo e preservar as

cenas mais cuidadasrdquo

Mas contrapondo o que foi mencionado anteriormente o fato de as epopeias parecerem de

natureza oral natildeo exclui a possibilidade de haver um texto escrito para a organizaccedilatildeo das ideias e

para facilitar o processo de criaccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de partes relevantes do mito conforme mostra a

ldquoteoria de Shiverdquo na qual a composiccedilatildeo oral pode se utilizar da escrita para ajudar a lembrar o texto

a ser exposto assim nos mostra Thomas (2005 p59)

Desse modo Homero usava a dicccedilatildeo tradicional certamente mas frequentemente meditando tatildeo cuidadosamente sobre a expressatildeo mais apta em vez de usar uma expressatildeo preacute-fabricada que comeccedila a parecer muito com Milton ou Virgiacutelio

Com isso Homero teria tido a possibilidade de refletir sobre a sua criaccedilatildeo poeacutetica podendo

escolher o termo mais adequado para o seu poema Mas natildeo se pode esquecer de que no periacuteodo

em que ele viveu a escrita era usada em segundo plano e natildeo como apoio agrave criaccedilatildeo poeacutetica

portanto Homero provavelmente natildeo se utilizou da escrita para a composiccedilatildeo de seus poemas

Nas epopeias a escrita alfabeacutetica ajudaria porque ldquotem uma capacidade uacutetil de preservar

informaccedilatildeo e tornar a comunicaccedilatildeo agrave longa distacircncia muito mais faacutecilrdquo (THOMAS 2005 p39)

Essa capacidade de preservaccedilatildeo da poesia oral coloca em questatildeo o caraacuteter oral presente por

exemplo nos poemas homeacutericos mesmo que natildeo haja evidecircncias a princiacutepio da fixaccedilatildeo da poesia

grega arcaica Essa ideia soacute surgiraacute apoacutes o seacuteculo V aC como nos mostra Thomas (2005 p67)

Textos autorizados dos grandes traacutegicos do seacuteculo V foram produzidos apenas na segunda metade do seacuteculo IV sob os auspiacutecios de Licurgo numa clara tentativa de fixar os textos traacutegicos num periacuteodo em que um maior respeito pela palavra escrita ndash e pela literatura do seacuteculo V ndash eacute visiacutevel em diversas aacutereas

Gregory Nagy tambeacutem apresenta uma pesquisa acerca da questatildeo homeacuterica e no primeiro

capiacutetulo do seu livro Homeric Questions elenca dez conceitos para abordar a performance homeacuterica

(trabalho de campo sincronia versus diacronia composiccedilatildeo em performance difusatildeo tema

foacutermula economia como frugalidade tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo unidade e organizaccedilatildeo e autor e

texto) e lista mais dez conceitos em uso que satildeo aplicados enganosamente Dos dez conceitos para

17

a performance mais adiante elegeremos em outro lugar desta dissertaccedilatildeo alguns desses a saber

tema tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo e autor e texto Com base na teoria de Parry-Lord Nagy propotildee um

redirecionamento desta como bem coloca no iniacutecio do segundo capiacutetulo do seu livro

In earlier work my starting point has been the central comparative insight of Milman Parry and Albert Lord gleaned from their fieldwork in South Slavic oral epic traditions that composition and performance are aspects of the same process in the making of Homeric poetry13 (NAGY 1996 p 29)

O autor com base nos estudos citados afirma que haacute uma interaccedilatildeo entre trecircs aspectos ndash

composiccedilatildeo performance e difusatildeo ndash para compor a produccedilatildeo da poesia homeacuterica ao inveacutes dos

dois aspectos de Parry-Lord (composiccedilatildeo e performance) Nagy designa o primeiro lugar agrave

performance como ele expotildee

The process of composition-in-performance which is a matter of recomposition in each performance can be expected to be directly affected by the degree of diffusion that is the extent to which a given tradition of composition has a chance to be performed in a varying spectrum of narrower or broader social frameworks The wider the diffusion I argued the fewer opportunities for recomposition so that the widest possible reception entails teleologically the strictest possible degree of adherence to a normative and unified version14 (NAGY 1996 p39-40)

Mais adiante de acordo com a triacuteade apresentada Nagy atribui cinco idades aos textos de

Homero e em cada periacuteodo tenta mostrar como se deu a transmissatildeo dos poemas homeacutericos em

performance As cinco idades dos textos homeacutericos satildeo as seguintes primeira natildeo haacute textos escritos

(2000-800 aC) segunda periacuteodo pan-helecircnico ainda natildeo haacute textos escritos (da metade do seacutec

VIII aC agrave metade do seacutec VI aC) terceira com textos transcritos (da metade do seacutec VI aC ateacute

fins do seacutec IV aC) quarta com textos transcritos e roteiros (de fins do IV aC ateacute metade do seacutec

II) e quinta com os textos como escritura (da metade do seacutec II em diante) como bem resume

Mota (2010 p32) em seu artigo intitulado ldquoNos passos de Homero performance como argumento

na Antiguidaderdquo

G Nagy assinala que os momentos na histoacuteria da performance e textualizaccedilatildeo dessas 13 Em trabalhos anteriores o meu ponto de partida foi a ideia central comparativa de Milman Parry e Albert Lord

adquirida a partir de seu trabalho de campo nas tradiccedilotildees orais eacutepicas do Sul Eslavo que a composiccedilatildeo e a performance satildeo aspectos de um mesmo processo na confecccedilatildeo da poesia homeacuterica

14 O processo de composiccedilatildeo em performance que eacute uma questatildeo de recomposiccedilatildeo em cada execuccedilatildeo pode-se esperar que seja diretamente afetada pelo grau de difusatildeo ou seja a extensatildeo em que uma dada tradiccedilatildeo de composiccedilatildeo tem a possibilidade de ser realizada em um espectro variaacutevel de estruturas sociais mais estreitas ou mais amplas Quanto maior a difusatildeo argumentei menores satildeo as oportunidades para a recomposiccedilatildeo de modo que a recepccedilatildeo mais ampla possiacutevel implica teleologicamente o grau mais estrito possiacutevel de adesatildeo a uma versatildeo normativa e unificada

18

obras natildeo soacute se encontram associadas como tambeacutem em suas implicaccedilotildees apresentam uma histoacuteria das mudanccedilas e transformaccedilotildees da cultura performativa na Antiguidade O estudo da recepccedilatildeo e produccedilatildeo de Homero ilumina dramaacuteticas mutaccedilotildees no conceito e experiecircncia de situaccedilotildees interativas cujas implicaccedilotildees foram incorporadas em mentalidades que subagem em pressupostos ateacute hoje dominantes

Ao atribuir uma nova perspectiva para a criaccedilatildeo e a recepccedilatildeo do poema homeacuterico Nagy

apresenta uma ampliaccedilatildeo da teoria de Parry-Lord e uma nova vertente para os estudos homeacutericos

utilizando aspectos histoacutericos e linguiacutesticos

Entatildeo diante das teorias apresentadas pode-se concluir que os poemas homeacutericos foram

compostos em tempos anteriores e entraram em contato com a escrita em meados do seacutec VIII

mesmo que ainda natildeo se utilizassem dela para a composiccedilatildeo dos poemas Soacute seacuteculos depois eacute que

houve uma versatildeo escrita dos poemas (provavelmente a que nos restou) o que natildeo quer dizer que

seria a uacutenica versatildeo jaacute que naquele periacuteodo prevalecia a performance O mesmo fato

provavelmente acontecia natildeo somente com as poesias eacutepicas mas tambeacutem com os mitos gregos em

geral

Logo depois dos textos homeacutericos com um novo processo de criaccedilatildeo aparecem os poemas

de Hesiacuteodo a Teogonia e Os trabalhos e os dias Na Teogonia o aedo invoca as musas para cantar a

origem dos deuses Nesse texto assim como nos de Homero encontram-se marcas de oralidade

como nos mostra Torrano (2007 p15)

A marca de oralidade natildeo estaacute somente nas caracteriacutesticas exteriores e formais da Teogonia a saber 1) nas foacutermulas e frases preacute-fabricadas que combinando-se como mosaicos vatildeo compondo os versos em sequecircncias salpicadas por palavras e expressotildees inevitavelmente retornantes 2) na justaposiccedilatildeo com que as sequecircncias narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras mas antes tendo cada sequecircncia narrativa um igual valor na sintaxe da narraccedilatildeo total e podendo portanto sempre e ao arbiacutetrio do poeta articular-se a um nuacutemero quase indefinido de novas sequencias 3) nos cataacutelogos (lista de nomes proacuteprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemocircnico que soacute a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma funccedilatildeo motivada e significativa dentro do contexto do poema

A poesia hesioacutedica eacute anterior agrave fixaccedilatildeo da escrita na Greacutecia embora jaacute existisse a escrita tal

recurso natildeo era utilizado para a composiccedilatildeo de poemas Soacute depois iraacute surgir a poesia liacuterica na qual

se encontra o uso do alfabeto15

Contudo o surgimento da escrita natildeo implica o desaparecimento da composiccedilatildeo oral E

como propotildee Havelock (1996 p24) em seu livro A revoluccedilatildeo escrita na Greacutecia e suas

15 TORRANO Jaa ldquoO mundo como funccedilatildeo de musasrdquo In HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

19

consequecircncias culturais abordou-se ldquoassuntos que vatildeo de Homero ao drama grego tendo em vista

demonstrar a permanecircncia ateacute o fim do seacuteculo V da colaboraccedilatildeo entre o oral e o escritordquo Entatildeo natildeo

se pode estudar as produccedilotildees poeacuteticas gregas dos seacuteculos VIII ao V aC sem pensar que a oralidade

e a escrita conviviam harmonicamente e se contaminavam Tambeacutem deve-se lembrar de que a

oralidade e a leitura puacuteblica estavam mais presentes no cotidiano dos gregos desse periacuteodo do que a

proacutepria escrita Um exemplo disso pode ser encontrado em Luciano de Samoacutesata (seacutec II dC)

quando relata que Heroacutedoto apresentou as suas histoacuterias num festival de Oliacutempia como meio de

divulgar a sua obra

ἐνίσταται οὖν Ὀλύμπια τὰ μεγάλα καὶ ὁ Ἡρόδοτος τοῦτ ἐκεῖνο ἥκειν οἱ νομίσας τὸν καιρόν οὗ μάλιστα ἐγλίχετο πλήθουσαν τηρήσας τὴν πανήγυριν ἁπανταχόθεν ἤδη τῶν ἀρίστων συνειλεγμένων παρελθὼν ἐς τὸν ὀπισθόδομον οὐ θεατήν ἀλλ ἀγωνιστὴν Ὀλυμπίων παρεῖχεν ἑαυτὸν ᾄδων τὰς ἱστορίας καὶ κηλῶν τοὺς παρόντας ἄχρι τοῦ καὶ Μούσας κληθῆναι τὰς βίβλους αὐτοῦ ἐννέα καὶ αὐτὰς οὔσας (SAMOacuteSATA Herod I)

Realizam-se entatildeo os grandes jogos Oliacutempicos e Heroacutedoto considerando que lhe chegara a oportunidade por que tanto ansiava observando a panegiacuteria lotada de todas as partes os mais distintos homens jaacute reunidos tendo-se aproximado da parte de traacutes do templo natildeo como espectador mas como competidor dos Jogos Oliacutempicos apresentava-se cantando suas histoacuterias e encantando os presentes a ponto de seus livros terem recebido o nomes das Musas sendo eles tambeacutem nove16

Nesses trecircs seacuteculos os textos produzidos eram para ser a priori lidos em puacuteblico assim

como Havelock (1996 p184) caracteriza a composiccedilatildeo poeacutetica do drama grego

O drama ateniense aleacutem de ser riacutetmico obedece a regras associativas e de prediccedilatildeo proacutepria da composiccedilatildeo oral compotildee-se com base no princiacutepio do eco e se concebe como uma apresentaccedilatildeo a ser ouvida vista e memorizada mas natildeo lida

Diante de tal citaccedilatildeo torna-se impossiacutevel estudar o drama grego sem verificaacute-lo sob a oacutetica

da recepccedilatildeo embora haja como corpus apenas o texto escrito e possa analisaacute-lo numa leitura

solitaacuteria ndash que ldquose define ao mesmo tempo como absorccedilatildeo e criaccedilatildeo processo de trocas dinacircmicas

que constituem a obra na consciecircncia do leitorrdquo (ZUMTHOR 2007 p51) ndash aspectos esses bem

diferentes da sociedade grega antiga E na recepccedilatildeo verifica-se dentro da poesia oral com mais

destaque a performance como afirma Zumthor (2007 p 50) ldquoa performance eacute entatildeo um momento

da recepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente recebidordquo Performance essa

que entra em disputa com a recepccedilatildeo pois a uacuteltima sobrevive por mais tempo do que a outra por

isso torna-se impossiacutevel reviver uma performance jaacute exibida jaacute que cada performance eacute uacutenica ao

16 RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

20

contraacuterio da recepccedilatildeo de que eacute possiacutevel reconhecer o seu valor em um texto poeacutetico na sua proacutepria

eacutepoca Segundo Zumthor (2007 p51) o discurso poeacutetico estabelece um confronto entre

performance e recepccedilatildeo embora a uacuteltima tenha uma duraccedilatildeo mais longa por isso ldquopode-se falar da

recepccedilatildeo de Virgiacutelio e de Homero mas nos situamos a uma tal distacircncia temporal desses autores

que o termo performance natildeo tem mais sentido em relaccedilatildeo a elesrdquo (ZUMTHOR 2007 p51)

Contudo conclui Zumthor (2007 p52) ldquoa recepccedilatildeo eu o repito se produz em circunstacircncia

psiacutequica privilegiada performance ou leiturardquo

Assim numa sociedade primitiva na qual soacute havia transmissatildeo oral

A ldquorecepccedilatildeordquo vai se fazer pela audiccedilatildeo acompanhada da vista uma e outra tendo por objeto o discurso assim performatizado eacute com efeito proacuteprio da situaccedilatildeo oral que transmissatildeo e recepccedilatildeo aiacute constituam um ato uacutenico de participaccedilatildeo co-presenccedila esta gerando o prazer Esse ato uacutenico eacute a performance (ZUMTHOR2007 p65)

Como se deu nas apresentaccedilotildees das trageacutedias aacuteticas em que a audiecircncia ao assistir ao

espetaacuteculo observava a performance dos atores utilizando-se da audiccedilatildeo e da vista contrapondo-se

agraves apresentaccedilotildees orais dos textos homeacutericos Nesse momento uacutenico no qual a performance eacute

executada os atores tentam interagir com a audiecircncia e tentam provocar algumas sensaccedilotildees como

no caso da trageacutedia grega terror e piedade conforme afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1449b 23-28)

ao definir a trageacutedia17

Em Atenas assim como expotildee Havelock (1996 p275) ldquoo drama aacutetico como uma forma de

arte nativa de Atenas surgiu conforme a tradiccedilatildeo sugere na uacuteltima metade do seacuteculo VI com o fim

de prover o necessaacuterio suplemento a Homerordquo Como uma extensatildeo da poesia homeacuterica o drama

aacutetico prosseguiu com o efeito didaacutetico daquela e tambeacutem promoveu o entretenimento ao puacuteblico

grego por meio das representaccedilotildees cecircnicas Mas ao contraacuterio do que fizera a epopeia ao fornecer

aos cidadatildeos atenienses uma ldquoidentidade coletiva moral poliacutetica e histoacutericardquo (HAVELOCK 1996

p276) o drama aacutetico propunha uma ldquoidentidade particular que era de uma cidade-estado

especiacutefica Ouvindo e assistindo agraves peccedilas encenadas eles reconheciam e absorviam um comentaacuterio

corrente a seu proacuteprio noacutemos e eacutethos (HAVELOCK 1996 p276) O drama tambeacutem se

contrapunha agrave poesia eacutepica no quesito de comunicaccedilatildeo pois os poemas homeacutericos necessitavam

somente do sentido da audiccedilatildeo do puacuteblico para captar a composiccedilatildeo oral jaacute o drama utilizava-se

simultaneamente de dois sentidos da audiccedilatildeo e da visatildeo Assim o drama aacutetico permanece com o 17 ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς

ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις δρώντων καὶ οὐ δι ἀπαγγελίας δι ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν Eacute pois a Trageacutedia imitaccedilatildeo de uma accedilatildeo de caraacuteter elevado completa e de certa extensatildeo em linguagem ornamentada e com vaacuterias espeacutecies de ornamentos distribuiacutedas pelas diversas partes [do drama] [imitaccedilatildeo que se efetua] natildeo por narrativa mas mediante atores e que suscitando o ldquoterror e a piedade tem por efeito a purificaccedilatildeo dessas emoccedilotildeesrdquo (traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa)

21

mesmo caraacuteter didaacutetico jaacute utilizado pelas epopeias homeacutericas uma combinaccedilatildeo de educaccedilatildeo com

entretenimento para propagar os costumes gregos Portanto ldquoas peccedilas eram representaccedilotildees

contiacutenuas de aspectos do panorama ciacutevico com que a audiecircncia era convidada a identificar-serdquo

(HAVELOCK 1996 p276)

Desse modo as peccedilas aacuteticas eram produtos de composiccedilatildeo oral na qual o coro era um

elemento central pois rememorava a parte mais poeacutetica da representaccedilatildeo O coro funcionava como

uma personagem na peccedila porque dialogava com as outras personagens e interferia no

desenvolvimento do enredo E o mito escolhido a ser encenado nada mais era do que um pequeno

trecho da poesia homeacuterica jaacute conhecido do puacuteblico

Finalmente o mito de cada peccedila situando a trama num passado heroico imaginaacuterio seguia o princiacutepio da fantasia homeacuterica envolvendo a mensagem contemporacircnea em uma aura arcaica de modo a dar-lhe assim distanciamento um tom grandiloquente e capacidade de sobrevivecircncia (HAVELOCK 1996 p 277)

Com o passar do tempo a oralidade como meio de divulgaccedilatildeo dos poemas vai se

enfraquecendo cedendo lugar a outras formas de comunicaccedilatildeo como a escrita e assim afirma

Havelock (1996 p277-78)

A comunicaccedilatildeo importante podia ser congelada na escrita lida relida e evocada em vez de plantar-se na memoacuteria oral Pela loacutegica deste avanccedilo o que se pode chamar de oralidade da trageacutedia grega estava destinada a sofrer erosatildeo O propoacutesito didaacutetico central havia de enfraquecer-se na medida em que a cultura vinha cada vez mais a apoiar-se em formas escritas de comunicaccedilatildeo estocada disponiacutevel para reutilizaccedilatildeo O justo equiliacutebrio entre instruccedilatildeo e entretenimento uma necessidade mnemocircnica desde tempos imemoriais havia de alterar-se privilegiando o entretenimento

Como representaccedilatildeo desse decliacutenio da oralidade no drama aacutetico consequecircncia da tensatildeo

vivida pela trageacutedia entre o falar e o ouvir tem-se como exemplo o papel do coro nas peccedilas gregas

O coro das trageacutedias gregas era um componente essencial a essas peccedilas pois ele carregava mais

fortemente o aspecto de composiccedilatildeo oral tatildeo presente nos poemas homeacutericos Os cantos corais eram

entoados por cidadatildeos gregos dando uma caracteriacutestica mais popular a essa parte da trageacutedia O

nuacutemero de participantes dos coros variava de acordo com o gecircnero teatral e o autor ldquophilological

opinion agrees with the numbers twelve for the choruses of Aeschylus fifteen for those of

Sophocles and Euripides and twenty-four in Ancient Comedy similarly for the fifty-member

chorus of the dithyrambrdquo18 (CALAME 1997 p 21) Segundo Calame em seu livro Choruses

young women in Ancient Greece o coro traacutegico assume uma forma retangular contrapondo-se agrave 18 A opiniatildeo filoloacutegica concorda com os nuacutemeros doze para os coros de Eacutesquilo quinze para os de Soacutefocles e

Euriacutepides e vinte e quatro na Comeacutedia Antiga da mesma forma cinquenta membros do coro do ditirambo

22

forma circular dos cantos liacutericos ainda que tenha vindo desse canto

The iconography of the lyric chorus is thus divided into two large categories one processional the other circular A third less important category of disposition in rows can be added This classification has two consequences First the rectangular formation of the tragic chorus should probably be included in this third class The tragic chorus would therefore originate in a lyric form and the dichotomy between tragic chorus characterized by retangle and lyric chorus circularity is probably not as marked as my remarks at the beginning of the paragraph would suggest Second the visual images reveal a feature of the lyric chorus not apparent in written documents that of procession (CALAME 1997 p38)19

E para acrescentar agraves informaccedilotildees estruturais do coro no livro An introduction to greek

tragedy o autor afirma que os atores que compunham o coro eram exclusivamente masculinos

usavam trajes adequados e maacutescaras que cobriam toda a cabeccedila20

Aleacutem das questotildees estruturais apresentadas sobre o coro natildeo se pode esquecer que no

drama aacutetico do seacutec V aC havia tambeacutem um propoacutesito didaacutetico que Havelock (1996 p315) divide

em dois niacuteveis

O primeiro eacute temaacutetico exigindo que a trama de toda a peccedila seja manipulada de modo tal que propicie um disfarce para os interesses sociais e contemporacircneos e uma liccedilatildeo indireta sobre como administrar O segundo eacute o aforiacutestico um niacutevel em que a retoacuterica e os cantos de todos os integrantes da trageacutedia satildeo linguisticamente elaborados de modo a conter copiosos fragmentos do eacutethos e do noacutemos da sociedade sua ldquosabedoriardquo oral

Nos cantos corais presencia-se o segundo niacutevel o aforiacutestico principalmente atraveacutes dos

ditos populares reelaborados como meio de divulgaccedilatildeo da sabedoria popular conforme aparece

num exemplo apresentado por Havelock (1996 p 310) ldquoO discurso oral memorizaacutevel

privilegiando o especiacutefico antes que o geral em vez de dizer A honestidade eacute a melhor poliacutetica

prefere dar-lhe esta formulaccedilatildeo um homem honesto eacute que alcanccedila proveitordquo Reescrevendo o dito

popular e o aproximando da realidade da sociedade espectante

Na trageacutedia grega do seacutec V encontram-se exemplos de aforismos nos cantos corais que

atribuem um caraacuteter oral e popular a esses cantos como se vecirc no segundo estaacutesimo da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo19 A iconografia do coro liacuterico estaacute assim dividida em duas grandes categorias uma a procissatildeo e a outra a circular

Uma terceira menos importante categoria de disposiccedilatildeo em filas podem ser adicionada Esta classificaccedilatildeo tem duas consequecircncias Em primeiro lugar a formaccedilatildeo retangular do coro traacutegico provavelmente deve ser incluiacuteda nesta terceira classe O coro traacutegico portanto originaacuterio de uma forma liacuterica e a dicotomia entre o coro traacutegico caracterizado pelo retangularidade e o coro liacuterico pelo circularidade provavelmente natildeo eacute tatildeo marcada como minhas observaccedilotildees no iniacutecio do paraacutegrafo sugere Em segundo lugar as imagens visuais revelam uma caracteriacutestica do coro liacuterico natildeo perceptiacutevel em documentos escritos como o da procissatildeo

20 SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011 p 4

23

παλαίφατος δ ἐν βροτοῖς γέρων λόγος                  τέτυκται μέγαν τελε-σθέντα φωτὸς ὄλβοντεκνοῦσθαι μηδ ἄπαιδα θνῄσκειν (Es Ag 750-753)

Priacutestino entre mortais velho proveacuterbio diz quando grandea opulecircncia humanaprocria e natildeo morre sem filho21

Como se pode observar o coro apresentado indica um proveacuterbio antigo e quem o proferiu O

coro esquiliano ao inserir o substantivo φωτὸς (humano dos homens) apresenta um caraacuteter

didaacutetico ao aproximar o proveacuterbio do povo aacutetico Praacutetica bastante comum natildeo soacute nos coros das

trageacutedias mas tambeacutem nas falas das personagens como no proacutelogo da trageacutedia As traquiacutenias de

Soacutefocles proferido por Dejanira

Λόγος μέν ἐστ ἀρχαῖος ἀνθρώπων φανεὶςὡς οὐκ ἂν αἰῶν ἐκμάθοις βροτῶν πρὶν ἂνθάνῃ τις οὔτ εἰ χρηστὸς οὔτ εἴ τῳ κακός (Sof Traq v 1-3)

Ditado antigo dos homensdiz que antes de morrer nenhum mortal pode saber se tem bom fado ou mau22

E mais uma vez encontra-se no aforismo uma referecircncia agrave identificaccedilatildeo do povo com o

proveacuterbio ao inserir o substantivo ἀνθρώπων (homem) confirmando assim o intuito didaacutetico das

peccedilas

Os ditos populares presentes nas trageacutedias satildeo um dos exemplos que marcam a

sobrevivecircncia da oralidade nas peccedilas do seacutec V aC Fato esse explicado porque a trageacutedia aleacutem de

sofrer influecircncias da oralidade dos poemas homeacutericos teria vindo de um canto popular o

ditirambo como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica

γενομένη δ οὖν ἀπ ἀρχῆς αὐτοσχεδιαστικῆς - καὶ αὐτὴ καὶ ἡ κωμῳδία καὶ ἡ μὲν ἀπὸ τῶν ἐξαρχόντων τὸν διθύραμβον ἡ δὲ ἀπὸ τῶν τὰ φαλλικὰ ἃ ἔτι καὶ νῦν ἐν πολλαῖς τῶν πόλεων διαμένει νομιζόμενα - κατὰ μικρὸν ηὐξήθη προαγόντων ὅσον ἐγίγνετο φανερὸν αὐτῆςmiddot καὶ πολλὰς μεταβολὰς μεταβαλοῦσα ἡ τραγῳδία ἐπαύσατο ἐπεὶ ἔσχε τὴν αὑτῆς φύσιν (Ar Poe 1449a 9-15)

Mas nascida de um princiacutepio improvisado (tanto a Trageacutedia como a Comeacutedia a Trageacutedia dos solistas do ditirambo a Comeacutedia dos solistas dos cantos faacutelicos composiccedilotildees estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades) [a Trageacutedia]

21 Traduccedilatildeo de Jaa TORRANO (2004)22 Traduccedilatildeo de Flaacutevio Ribeiro de OLIVEIRA (2009)

24

pouco a pouco foi evoluindo agrave medida que se desenvolvia tanto quanto nela se manifestava ateacute que passadas muitas transformaccedilotildees a Trageacutedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural23

Para confirmar essa influecircncia do ditirambo na poesia traacutegica em especial nos cantos corais

Calame em seu artigo ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo elenca mais outras fontes

antigas que registram a proximidade entre os dois gecircneros

Degraves le Ve siegravecle dailleurs les Grecs eux-mecircmes nont pas manqueacute de faire deacuteriver les repreacutesentations tragiques atheacutenienne dans leur ensemble dexeacutecutions chorales soit quHeacuterodote montre Clisthegravenes de Sicyone le beau-pegravere de Clisthegravenes dAthegravenes transfeacuterant les ltltchoeurs tragiquesgtgt de la ceacuteleacutebration du heacuteros Adraste agrave celle du dieu Dionysos soit quAristote en cherche lorigine dans linstitution des ltltconducteursgtgt du dithyrambe forme chorale deacutedieacutee au mecircme Dionysos soit encore quun teacutemoignage beaucoup plus tardif affirme que Solon aurait deacuteja attribueacute agrave Arion le poegravete meacutelique compositeur de dithyrambes la premiegravere exeacutecution dramatique que dune ltlttrageacutediegtgt Pour Diogegravene Laerce degraves lors il en fait aucun doute que les premiegraveres repreacutesentations tragiques eacutetaient assumeacutees uniquement par un groupe choral (CALAME 1997 p181-182)24

O ditirambo era uma narrativa de tema heroacuteico entoada por um coro em honra de Dioniso e

ao que parece performada de improviso25 daiacute o caraacuteter heroico considerado como elo entre o

ditirambo e a trageacutedia E Aristoacuteteles coloca o ditirambo lado a lado com a trageacutedia e a eacutepica ao

classificaacute-las como imitaccedilatildeo26 Mas a histoacuteria acerca da origem da trageacutedia eacute muito complexa

Muitas pinturas nos vasos colocam ao lado da encenaccedilatildeo traacutegica a figura de Dioniso e dos saacutetiros

Aristoacuteteles apresenta uma antiga proximidade entre os cantos dos saacutetiros com a trageacutedia ao dizer na

Poeacutetica

ἔτι δὲ τὸ μέγεθοςmiddot ἐκ μικρῶν μύθων καὶ λέξεως γελοίας διὰ τὸ ἐκ σατυρικοῦ μεταβαλεῖν ὀψὲ ἀπεσεμνύνθη τό τε μέτρον ἐκ τετραμέτρου ἰαμβεῖον ἐγένετο (Ar Poe 1449a 19-22)

23 Todas as traduccedilotildees da Poeacutetica de Aristoacuteteles presentes nesse texto satildeo de Eudoro de Sousa conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

24 A partir do seacuteculo V aleacutem disso os proacuteprios gregos natildeo deixaram de fazer representaccedilotildees traacutegicas atenienses nas suas execuccedilotildees corais seja quando Heroacutedoto mostra Cliacutestenes de Sicion o padrasto de Cliacutestenes de Atenas transferindo ltltcoros traacutegicosgtgt da celebraccedilatildeo do heroacutei Adrasto ao deus Dioniso seja quando Aristoacuteteles procura a origem da instituiccedilatildeo dos ltltcondutoresgtgt do ditirambo a forma coral dedicada ao mesmo Dioniso seja ainda um testemunho muito mais tarde que afirma que Soacutelon tinha jaacute atribuiacutedo a Arion o poeta meacutelico compositor de ditirambos a primeira execuccedilatildeo dramaacutetica de uma ltlttrageacutediagtgt Para Dioacutegenes Laeacutercio portanto natildeo haacute nenhuma duacutevida de que as primeiras representaccedilotildees traacutegicas foram assumidas apenas por um grupo coral

25 MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) p129

26 ἐποποιία δὴ καὶ ἡ τῆς τραγῳδίας ποίησις ἔτι δὲ κωμῳδία καὶ ἡ διθυραμβοποιητικὴ καὶ τῆς αὐλητικῆς ἡ πλείστη καὶ κιθαριστικῆς πᾶσαι τυγχάνουσιν οὖσαι μιμήσεις τὸ σύνολον A Epopeia a Trageacutedia assim como [a comeacutedia] e a poesia ditiracircmbica e a maior parte da auleacutetica e da citariacutestica todas satildeo em geral imitaccedilotildees (1447a 14-16) Inclui na traduccedilatildeo ldquoa comeacutediardquo pois natildeo consta na traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa e consta no texto grego κωμῳδία

25

Quanto agrave grandeza tarde adquiriu [a Trageacutedia] o seu estilo [soacute quando se afastou] dos argumentos breves e da elocuccedilatildeo grotesca [isto eacute] do [elemento] satiacuterico

Contudo a trageacutedia teria tido influecircncia de diversos gecircneros como a eacutepica o ditirambo e os

cantos dos saacutetiros Embora se verifique com mais evidecircncia a influecircncia da poesia eacutepica atraveacutes dos

mitos e do caraacuteter didaacutetico e do ditirambo na composiccedilatildeo dos cantos corais e do caraacuteter

ritualiacutestico como afirma Scullion (2005 p26)

Tragedyrsquos inheritance from epic is vastly more important to him than that from dithyramb but epic cannot account for tragedyrsquos choral component Dithyramb not only can do that but can also anchor tragedy in the specific Athenian milieu in which it came to fruition27

E dentre as questotildees sobre a origem da trageacutedia coloca-se que o inventor da trageacutedia foi

Teacutespis pois foi considerado o ldquothe man who first produced a recognizable ancestor of the tragic

actor on the Athenian stagerdquo28 (MILLER 1961 p132) Pela junccedilatildeo do primeiro ator traacutegico com o

canto coral influenciado pelo ditirambo assim teriam sido os primoacuterdios da trageacutedia Depois a

poesia traacutegica se consolida com Eacutesquilo que segundo Aristoacuteteles

καὶ τό τε τῶν ὑποκριτῶν πλῆθος ἐξ ἑνὸς εἰς δύο πρῶτος Αἰσχύλος ἤγαγε καὶ τὰ τοῦ χοροῦ ἠλάττωσε καὶ τὸν λόγον πρωταγωνιστεῖν παρεσκεύασενmiddot (Ar Poe 1449a 16-180)

Eacutesquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o nuacutemero dos atores diminuiu a importacircncia do coro e fez do diaacutelogo protagonista

Assim como os textos de Eacutesquilo tambeacutem sobreviveram os de Soacutefocles e os de Euriacutepides

totalizando trinta e duas peccedilas que foram performatizadas nos festivais dionisiacuteacos Todas as peccedilas

foram compostas ldquoroughly between the end of the Persian Wars and Athensrsquo defeat by Sparta and

her alliesrdquo29 (DEBNAR 2005 p6) Dentre essas peccedilas somente uma eacute de cunho histoacuterico Os

persas (472 aC) de Eacutesquilo que narra a derrota do rei persa Xerxes na batalha de Salamina As

outras peccedilas de Eacutesquilo foram apresentadas em trilogias mas soacute restou uma delas a Oresteia

composta pelas peccedilas Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides30 Essa trilogia foi encenada em 458 aC

no teatro de Dioniso Em todas as peccedilas que sobreviveram Eacutesquilo obteve o primeiro lugar

27 A heranccedila da trageacutedia do eacutepico eacute muito mais importante para ela do que a do ditirambo mas a eacutepica natildeo pode explicar o componente coral da trageacutedia O ditirambo natildeo soacute pode fazer isso mas tambeacutem pode ancorar a trageacutedia no meio especiacutefico ateniense em que chegaram a ser concretizadas

28 Homem que primeiro produziu um antepassado reconheciacutevel do ator traacutegico no palco ateniense29 Aproximadamente entre o final das Guerras Persas e a derrota de Atenas por Esparta e seus aliados30 MOTA 2008 p18

26

Eacutesquilo o poeta de Elecircusis aleacutem de escrever trageacutedias tambeacutem lutou na batalha de

Maratona talvez por isso tenha tratado numa de suas trageacutedias da guerra conforme jaacute foi citado

Embora o momento narrado na peccedila date de oito anos antes Eacutesquilo reescreve esse momento

histoacuterico em sua trageacutedia movendo os fatos do seacutec V ao passado miacutetico A vitoacuteria dos gregos

contra os persas influenciaram muito na poesia da eacutepoca como na trageacutedia Os persas de Eacutesquilo

como afirma Debnar (2005 p7)

Conversely although the historical referent of Persians is clear modern scholarsrsquo interpretations of the poetrsquos use of the event are shaped in large part by how far they believe the Athenians had moved toward empire by the end of the 470s31

Tambeacutem na Oresteia encontram-se referecircncias ao seacutec V periacuteodo em que as trageacutedias foram

encenadas

The conflicts and resolution of the Oresteia are strongly colored by the difficulties the Athenians were facing in the 450s clashes with the Persians the First Peloponnesian War and political upheavals within their own city32 (Debnar 2005 p 10)

A primeira trageacutedia da trilogia Agamecircmnon apresenta uma ecircnfase no mar mostrando a

forccedila da guerra mariacutetima na viagem rumo a Troia e no retorno do rei de Argos O poder mariacutetimo

refletiria o poder adquirido por Atenas ao vencer os Persas Na outra peccedila Eumecircnides Eacutesquilo

coloca em cena o tribunal ateniense e uma disputa entre as leis antigas (Eriacutenias) e as novas (Atena)

E como exemplo mais definido dessa reforma juriacutedica em Atenas tem-se o seguinte exemplo

It is equally certain that when Athena gives the jury of Athenian citizens the power to try cases of murder the poet alludes to Ephialtesrsquo reform of the Areopagus which still retained this power in 45833 (DEBNAR 2005 p 10)

Natildeo somente nas trageacutedias de Eacutesquilo observam-se essas referecircncias histoacutericas ao periacuteodo

em que foram encenadas as peccedilas Em Soacutefocles na trageacutedia Aacutejax que foi encenada durante o

periacuteodo de trinta anos de paz na Greacutecia demonstra um retorno aos mitos homeacutericos pela

personagem Aacutejax como tambeacutem apresenta uma proximidade com o seacutec V aC

31 Por outro lado embora o referencial teoacuterico de Os persas seja claro as interpretaccedilotildees dos estudiosos modernos usadas pelo poeta do evento satildeo formadas em grande parte por quatildeo longe eles acreditam que os atenienses tenham se movido em direccedilatildeo ao impeacuterio ateacute o final de 470

32 Os conflitos e a resoluccedilatildeo da Oresteia satildeo fortemente ilustradas pelas dificuldades que os atenienses enfrentavam em 450 confrontos com os persas a primeira guerra do Peloponeso e levantes poliacuteticos dentro de sua proacutepria cidade

33 Eacute igualmente certo que quando Atena daacute ao juacuteri de cidadatildeos atenienses competecircncia para julgar os casos de homiciacutedio o poeta alude agrave reforma do Aeroacutepago de Efialtes que ainda mantinha esse poder em 458

27

At the same time his [Ajax] command of sailors would have reminded the fifth-century audience of themselves and of the great aristocratic generals responsible for repelling the Persians and for the prosperity that the expansion of the empire brought their city (DEBNAR 2005 p12)34

Tambeacutem se verifica na peccedila Suplicantes de Euriacutepides assim como em Eacutesquilo a presenccedila da

guerra Mas o momento histoacuterico natildeo eacute o mesmo conforme afirma Debnar (2005 p16)

Nonetheless just as mention of civil war in Eumenides is likely to have reminded Aeschylusrsquo audience of the political situation after Ephialtesrsquo reforms so in Euripidesrsquo play the refusal of the Thebans to allow burial of their foes could have reminded the Athenians of a similar incident involving Boeotians in the recent past35

A reforma de Efialtes que aconteceu dois ou trecircs anos antes da encenaccedilatildeo da peccedila

Eumecircnides de Eacutesquilo pode ser lembrada pelos espectadores na trageacutedia como jaacute foi citado

anteriormente (DEBNAR 2005 p10) assim como o incidente recente envolvendo os Beoacutecios

poderia ter sido lembrado pela audiecircncia da peccedila Suplicantes de Euriacutepides

Conforme se observa nos exemplos apresentados durante o seacutec V aC periacuteodo em que

foram encenadas as trageacutedias os mitos gregos foram reescritos investidos de uma nova visatildeo no

caso a influecircncia dos momentos histoacutericos vividos pelos gregos A audiecircncia dessas peccedilas ao

assistir os fatos jaacute vivenciados pelo seu povo se identifica com a trageacutedia encenada

O teatro grego do seacutec V aC era encenado nas festas dionisiacuteacas como as Dioniacutesias Rurais

as Leneias e as Grandes Dioniacutesias exceto nas Antesteacuterias nas quais natildeo se confirmam as

apresentaccedilotildees teatrais As Dioniacutesias Rurais aconteciam no mecircs de dezembro mecircs de Poseidon

comeccedilavam com um cortejo faacutelico e em sequecircncia acontecia um sacrifiacutecio depois desses seguiam

com as representaccedilotildees teatrais a trageacutedia a comeacutedia e o ditirambo As Leneias aconteciam em

janeiro no mecircs do Gameacutelion e incluiacuteam o cortejo conduzido pelo arconte sacrifiacutecio e

apresentaccedilotildees dramaacuteticas de comeacutedia de trageacutedia e de ditirambo Esse festival era tipicamente

aacutetico pois natildeo contava com a presenccedila de natildeo-atenienses As Antesteacuterias aconteciam entre os dias

11 e 13 do mecircs de Antesteacuterion mecircs de fevereiro No primeiro dia de festival era o dia de abertura

dos toneacuteis No segundo dia havia um concurso de bebida No terceiro dia acontecia a festa das

34 Ao mesmo tempo o seu [Aacutejax] comando de marinheiros teria lembrado o puacuteblico do quinto seacuteculo deles mesmos e dos grandes generais aristocraacuteticos responsaacuteveis por repelir os persas e pela prosperidade que a expansatildeo do Impeacuterio trouxe a sua cidade

35 No entanto assim como a menccedilatildeo de guerra civil em Eumecircnides eacute provaacutevel que tenha lembrado a audiecircncia de Eacutesquilo da situaccedilatildeo poliacutetica apoacutes as reformas de Efialtes portanto na peccedila de Euriacutepides a recusa dos tebanos para permitir o sepultamento de seus inimigos poderia ter lembrado os atenienses de um incidente semelhante envolvendo os Beoacutecios num passado recente

28

marmitas E natildeo haacute muitas referecircncias acerca da existecircncia de concursos dramaacuteticos nessa festa36

As Grandes Dioniacutesias eram festivais urbanos em honra de Dioniso Eleuteacuterio Esse festival

acontecia no mecircs do Elafeboacutelion (no final de marccedilo) e contava com a presenccedila natildeo soacute de cidadatildeos

atenienses mas tambeacutem de outras cidades-estados Nesse festival havia concursos teatrais e ldquoo

responsaacutevel pelas celebraccedilotildees era o arconte-epocircnimo que tinha a seu cargo os custos da pompe37 e

dos concursos dramaacuteticos e ditiracircmbicosrdquo (CASTIAJO 2012 p20) No primeiro dia de festival os

poetas os atores e os participantes dos coros que se apresentaratildeo no evento mostram-se sem

maacutescaras e davam uma preacutevia das performances a serem apresentadas No final desse dia a estaacutetua

de Dioniacuteso eacute conduzida de seu templo ateacute o teatro No segundo dia acontecia o cortejo religioso a

pompe e depois o sacrifiacutecio e de tarde ocorria o concurso de cantos corais Nos outros dias

aconteciam as competiccedilotildees dramaacuteticas nas quais eram encenadas comeacutedias trageacutedias e dramas

satiacutericos

A ordem das competiccedilotildees dramaacuteticas bem como os dias a elas dedicados continuam a ser questotildees controversas A versatildeo dominante eacute a de que antes e depois da guerra do Peloponeso (431-404 aC) o primeiro dia dos concursos era dedicado agrave performance de cinco comeacutedias e os restantes trecircs eram preenchidos cada um deles com a apresentaccedilatildeo por um uacutenico poeta e corego de trecircs trageacutedias e um drama satiacuterico Outra das versotildees daacute como certo que o primeiro dia estava reservado agrave performance dos ditirambos de rapazes e agrave representaccedilatildeo de uma comeacutedia o segundo agrave competiccedilatildeo dos coros ditiracircmbicos de homens e agrave performance de outra comeacutedia e os trecircs uacuteltimos dias cada um deles agrave apresentaccedilatildeo de uma tetralogia traacutegica e de uma comeacutedia (CASTIAJO 2012 p 26)

No uacuteltimo dia do festival o arconte-epocircnimo anunciava agrave audiecircncia os vencedores dos

concursos dramaacuteticos Os poetas vencedores eram coroados com coroas de hera e conduzidos para

casa por um cortejo vitorioso Natildeo se sabe quais seriam os precircmios concedidos aos melhores atores

A encenaccedilatildeo das peccedilas do seacutec V aC nas Grandes Dioniacutesias acontecia normalmente no

teatro de pedra de Dioniso De laacute o puacuteblico de quase 3000 pessoas tinha uma visatildeo privilegiada na

qual era possiacutevel acompanhar a procissatildeo e visualizar os sacrifiacutecios38 E tambeacutem era um ambiente

propiacutecio para as danccedilas e encenaccedilotildees No palco acontecia a cena os atores usavam maacutescaras que

ajudavam na projeccedilatildeo vocal As maacutescaras davam um caraacuteter impessoal aos atores e os distanciava

da audiecircncia Elas eram diferentes para a trageacutedia e para a comeacutedia E para complementar o figurino

dos atores as vestimentas que poderiam por exemplo demonstrar a classe social muito diziam de

suas personagens Assim como as maacutescaras as vestimentas e os sapatos tambeacutem eram distintos para

a trageacutedia e a comeacutedia Na trageacutedia os atores usavam a tuacutenica peplo e na comeacutedia a tuacutenica chiton 36 CASTIAJO 2012 p 13-1737 Procissatildeo38 CASTIAJO 2012 p33

29

curta para que fosse possiacutevel visualizar o phallos Os sapatos na trageacutedia eram simples e

confortaacuteveis com altura ateacute a perna jaacute na comeacutedia os sapatos eram triviais as embades

Depois de paramentados os atores deveriam cumprir o seu papel de representar uma

personagem deixando de ser um mero recitador de poemas Para designar ator os gregos

utilizavam a palavra hypokrites ldquojaacute usada no seacuteculo V aC e que natildeo haveria nenhum outro termo

para denominar atores em geral incluindo os protagonistasrdquo (CASTIAJO 2012 p82) Aleacutem de

hypokrites havia outros termos mais especiacuteficos para designar o papel ocupado pelo poeta dentro

da encenaccedilatildeo como protagonistes deuteragonistes e tritagonistes Esses termos eram pouco

utilizados e serviam para indicar a divisatildeo dos atores e natildeo um niacutevel de importacircncia Os atores

deveriam ter habilidades especiacuteficas para conseguirem desempenhar o seu papel como uma boa

projeccedilatildeo vocal uma flexibilidade de gesticulaccedilatildeo uma capacidade de danccedilar e muito preparo fiacutesico

para aguentar a rotina de ensaios e o tempo no palco

Em cena o ator dialogava com outro ator ou com um coro Visto como elemento primordial

(jaacute mencionado anteriormente) o coro vai perdendo espaccedilo com o passar dos anos para outros

atores nas representaccedilotildees dramaacuteticas No seacutec V aC ainda vemos o coro participando efetivamente

das trageacutedias de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides mas soacute

na viragem do seacuteculo V para o IV aC nomeadamente com a figura de Aacutegaton que se assiste de uma forma mais evidente ao relegar do papel do coro para segundo plano jaacute que por esta altura o enfoque passou a ser atribuiacutedo aos atores sendo que a participaccedilatildeo do coro passou a ser escassa cabendo-lhe quase exclusivamente a intervenccedilatildeo em interluacutedios ndash embolima ndash entre as peccedilas que mais natildeo eram do que cacircnticos com pouca ou sem qualquer relaccedilatildeo com os acontecimentos representados no espaccedilo ceacutenico passando desta forma e definitivamente a estar afastado da accedilatildeo dramaacutetica (CASTIAJO 2012 p106-107)

Poreacutem enquanto esteve presente efetivamente nas representaccedilotildees dramaacuteticas segundo

Castiajo (2012 p109-113) o coro exerceu funccedilotildees importantes como sendo o narrador dos fatos

conhecidos e desconhecidos da audiecircncia como o interlocutor do ator como ldquoum intermediaacuterio

entre o mundo ficcional da peccedila e a realidade da audiecircncia jaacute que por natureza composiccedilatildeo e

colocaccedilatildeo fiacutesica pertencia simultaneamente ao mundo da peccedila e ao mundo da audiecircnciardquo

(CASTIAJO 2012 p 110) como elemento teatral de identificaccedilatildeo das personagens que entram em

cena como representantes de um grupo especiacutefico como representante de uma coletividade E

assim como os atores o coro tambeacutem deveria ter a habilidade de projeccedilatildeo de voz e de danccedilar

Todo esse aparato cecircnico do teatro do seacutec V aC culminava numa representaccedilatildeo teatral

cujo principal espectador era o cidadatildeo grego

30

Assim para aleacutem de todo o tipo de cidadatildeos que estariam presentes fosse qual fosse a sua categoria profissional ou niacutevel de formaccedilatildeo ndash artesatildeos agricultores sacerdotes poetas filoacutesofos (o que a este niacutevel eacute representativo da dimensatildeo democraacutetica dos festivais) ndash eacute hoje cada vez mais aceite que tambeacutem os escravos as crianccedilas e as mulheres tinham assento no teatro (CASTIAJO 2012 p130)

Quanto agrave presenccedila das mulheres nas representaccedilotildees teatrais haacute controveacutersias alguns

estudiosos acreditam que as mulheres teriam ido ao teatro embora em nuacutemero reduzido e ficando

restritas a cadeiras especiacuteficas e outros que defendem que as mulheres natildeo frequentavam o teatro

durante os festivais E aleacutem dos homens mulheres crianccedilas e escravos os natildeo-atenienses39 ainda

assistiam aos espetaacuteculos durante as Grandes Dioniacutesias Essa diversidade de audiecircncia exigia dos

poetas e dos atores uma maior profissionalizaccedilatildeo de sua arte para que pudessem agradar o maior

nuacutemero possiacutevel de espectadores

O teatro em Roma se inicia por volta do seacutec III aC apoacutes a tomada da cidade de Tarento

pois os artesatildeos e os soldados apoacutes terem contato em suas viagens com representaccedilotildees teatrais nas

cidades de origem grega quiseram trazer essa nova experiecircncia para Roma

Because Roman merchants and soldiers had seen tragic performances in the Greek theatres of Tarentum and Syracuse during the campaigns against Pyrrhus and the Carthaginians they wanted to introduce this kind of drama at Rome and in 240BC Livius Andronicus a Tarentine Greek who bore the name of his Roman patron was commissioned to translate ndash or rather adapt ndash a tragedy and a comedy for the victory games40 (FANTHAM 2007 p116)

Todavia o teatro romano em sua formaccedilatildeo natildeo somente sofreu influecircncias dos gregos

provenientes da regiatildeo conhecida como Magna Greacutecia ndash Lucacircnia Apuacutelia e Siciacutelia ndash mas tambeacutem

dos etruscos (povo situado ao norte de Roma) e dos uacutembrios (povo situado agrave nordeste de Roma)

Os etruscos acumulavam elementos da cultura grega e da cultura feniacutecia Ficaram

conhecidos por seus muacutesicos danccedilarinos e maacutescaras mas natildeo restou nenhum texto escrito dessas

manifestaccedilotildees artiacutesticas somente pinturas que representam tais manifestaccedilotildees Tambeacutem o nome

actor (ator) teria origem na palavra etrusca histrio Quanto aos umbros pouco se sabe a respeito

deles Diante dessas imprecisas informaccedilotildees conclui Dupont (2003 p 142) ldquoCar ce qui fait

lidentiteacute du theacuteacirctre latin cest la rencontre et la synthegravese des deux la poeacutesie grecque e les spectacles

latins41rdquo Com isso pode-se dizer que as principais fontes do teatro romano seriam o teatro grego e

os espetaacuteculos latinos 39 Como trata-se de teatro ateniense os estrangeiros satildeo os que natildeo pertencem aquela poacutelis40 Porque os comerciantes e os soldados romanos tinham visto performances dramaacuteticas nos teatros gregos de Tarento e Siracusa durante as campanhas contra Pirro e os cartagineses eles queriam introduzir este tipo de drama em Roma e em 240 aC Liacutevio Andronico um tarentino grego que tinha o nome de seu patrono romano foi contratado para traduzir ndash ou melhor adaptar ndash uma trageacutedia e uma comeacutedia para os jogos de vitoacuteria41 Pois o que faz a identidade do teatro latino eacute o encontro e a siacutentese de dois a poesia grega e os espetaacuteculos latinos

31

Os espetaacuteculos romanos eram apresentados nos chamado ludi um festival coletivo puacuteblico

ou privado E nesses natildeo soacute aconteciam apresentaccedilotildees teatrais mas tambeacutem corrida de cavalos

combate de animais combate de gladiadores entre outras Os espetaacuteculos teatrais eram chamados

de ludi scaenici e os outros espetaacuteculos eram conhecidos como ludi circenses

The ludi scaenici were organised by Roman magistrates who used them (among other things) to impress their peers clients and the citizen body as a whole and (especially where the praetexta was concerned) for specific political goals42 (BOYLE 2009 p6)

Os romanos promoviam a princiacutepio espetaacuteculos de cunho religioso nos quais foram

inseridos as apresentaccedilotildees performatizadas ldquoThe ludi began with a sacrifice to the appropriate deity

and a procession from the cult temple but when the play began the actors had to compete with all

kinds of circus-style entertainmentrdquo43 (BOYLE 2009 p6) Os sacrifiacutecios tambeacutem poderiam ser

feitos aos magistrados e nem sempre eram dedicados a apenas uma divindade Jaacute as procissotildees

provavelmente remontam a uma tradiccedilatildeo etrusca

Nos ludi incluiam-se vaacuterias apresentaccedilotildees comeacutedias trageacutedias farsas atelanas mimos

muacutesica e danccedila44 Os espetaacuteculos teatrais eram apresentados em teatros ditos ldquotemporaacuteriosrdquo que

podiam ser montados e desmontados normalmente a estrutura desse teatro era feita de madeira ou

de maacutermore Por isso a scaena podia ser montada em vaacuterios lugares da cidade ao contraacuterio do que

acontecia com os jogos circenses que tinham um lugar fixo e fechado para a apresentaccedilatildeo de seus

espetaacuteculos45 O primeiro teatro dito ldquopermanenterdquo construiacutedo em Roma foi o teatro de Pompeu em

55 aC como caracteriza Goldberg (1996 p265)

The vast structure itself was in many ways a marvel Romes first stone theater designed to hold perhaps 40000 spectators incorporated a temple of Venus Victrix above the cavea flanked by four ancillary sanctuaries to revered abstractions like Honos and Virtus while behind the stage building stretched an elaborate portico and formal garden connecting the theater with a new senate-house some 200 meters to the east46

42 Os ludi scaenici foram organizados por magistrados romanos que os usaram (entre outras coisas) para impressionar os seus pares nobres e o corpo do cidadatildeo como um todo e (especialmente onde estava a pretexta foi referida) para objetivos poliacuteticos especiacuteficos

43 Os ludi comeccedilavam com um sacrifiacutecio agrave divindade apropriada e uma procissatildeo do templo de culto mas quando a peccedila comeccedilava os atores tinham que competir com todos os tipos de entretenimento de estilo circense

44 BOYLE 2009 p645 BEACHAM 2007 p202-22646 A grande estrutura em si foi de muitas maneiras uma maravilha o primeiro teatro de pedra de Roma projetado para

manter talvez 40 mil espectadores incorporou um templo de Venus Victrix acima do cauea ladeado por quatro santuaacuterios auxiliares para reverenciadas abstraccedilotildees como Honos e Virtus enquanto por detraacutes do palco construiacutedo estendeu um poacutertico elaborado e um jardim formal ligando o teatro com uma nova casa senatorial cerca de 200 metros para o leste

32

Depois desse teatro foram construiacutedos os teatros de Balbo em 13 aC e o de Marcelo em 11

aC no reinado de Augusto47 Com um espaccedilo fiacutesico definido para as encenaccedilotildees os jogos romanos

jaacute constavam em seus calendaacuterios Em Roma os festivais aconteciam normalmente de abril a

novembro comeccedilando com os Ludi Megalenses e os Ludi Cerialis em abril e terminando com os

Ludi Plebeii em novembro48

Em todos os jogos aconteciam representaccedilotildees teatrais que eram encerrados pelas

apresentaccedilotildees circenses Os espetaacuteculos duravam o dia todo se estendendo ateacute a noite O povo

romano passava muitos dias do ano nos Jogos Aleacutem de proporcionar divertimento nesses

espetaacuteculos eram distribuiacutedos para o povo comida e presentes

A audiecircncia romana era composta por pessoas de todas classes sociais do escravo ao

magistrado mas havia uma divisatildeo social dentro do teatro cujo em assentos especiacuteficos de acordo

com a sua colocaccedilatildeo na sociedade as pessoas se acomodavam

Admission was free on a first-come first-served basis but restrictions on seating for different classes made the theatre lsquoa vivid representation of Roman social hierarchyrsquo As choruses played little or no role in Roman drama seats were set up in the orchestra for senators (and possibly their families) behind which sat recent civic honourees The next fourteen rows were reserved for the lsquoknightsrsquo (equites) Behind them sat married (male) citizens then unmarried citizens then women and finally slaves who often stood in the back49 (REHM 2007 p197)

Os atores traacutegicos portavam uma coroa na cabeccedila vestiam-se com uma toga puacuterpura ou

violeta e calccedilavam coturnos Quanto agraves maacutescaras os atores romanos natildeo as utilizaram muito

porque a princiacutepio elas estavam restritas agraves atelanas50 As maacutescara foram usadas por um curto

espaccedilo de tempo durante o seacutec I pela trageacutedia e pela comeacutedia Esse haacutebito soacute foi conservado pela

pantomima51 Ao inveacutes da maacutescara o ator romano privilegiava o uso da maquiagem52

Outro produto essencial do teatro romano era a muacutesica que estava presente em todas as

47 DUPONT 2003 p5848 REHM 2007 p19449 A entrada era gratuita organizada por ordem de chegada mas as restriccedilotildees de assentos para diferentes classes

tornavam o teatro a representaccedilatildeo viva da hierarquia social romana Como os coros pouco encenados ou com nenhum papel no teatro romano os assentos foram instalados na orquestra para senadores (e possivelmente suas famiacutelias) atraacutes dos quais se sentavam os cidadatildeos receacutem homenageados As proacuteximas quatorze filas foram reservadas para os cavaleiros (equites) Atraacutes deles sentavam-se os cidadatildeos casados (masculino) os cidadatildeos solteiros entatildeo as mulheres e finalmente os escravos que muitas vezes ficavam na parte de traacutes

50 A atelana era ldquooriginaacuteria ao que tudo indica uma espeacutecie de farsa popular vivida por personagens fixas burlescas e caracteriacutesticas (hellip) Aparentada com o drama satiacuterico com a hilarotrageacutedia e com a farsa tarentina a atelana era representada por personagens mascaradas (hellip) Vazada inicialmente em linguajar ruacutestico a atelana se intelectualiza aos poucos assumindo dimensotildees literaacuterias no comeccedilo do seacutec I aC quando Noacutevio e Pompocircnio compotildeem textos para representaccedilotildeesrdquo (CARDOSO 2003 p 38)

51 A pantomima era ldquorepresentada por atores mascarados e versando sobre assuntos mitoloacutegicos ou extraiacutedos da realidade cocircmicos ou seacuteriosrdquo (CARDOSO 2003 p38)

52 DUPONT 2003 p81

33

apresentaccedilotildees teatrais A muacutesica era apresentada por um flautista e um cantor O puacuteblico romano

preferia a muacutesica desde as origens da cidade ldquoLa culture musicale est geacuteneacuterale les chansons

chanteacutees au theacuteacirctre sont reprises et fredonneacutees dans les rues et les banquetsrdquo53 (DUPONT 2003

p116) Aleacutem de apreciar a muacutesica o puacuteblico romano tambeacutem se detinha no momento do

espetaacuteculo na performance dos atores

A preferecircncia do povo romano pela muacutesica pelo espetaacuteculo pela performance vai distanciaacute-

lo do teatro de texto teatro de influecircncia grega cultivado pelos poetas do periacuteodo claacutessico romano

O teatro em Roma de acordo com o puacuteblico pode ser dividido em dois tipos diferentes como afirma

DUPONT (2003 p126-127)

Le theacuteacirctre romains fut donc perpeacutetuellement deacutechireacute par un clivagem sociologique du public qui correspond agrave un clivage estheacutetique Ce clivage lisible dans le public va aboutir agrave la constitution de deux publics et deux types de theacuteacirctres diffeacuterents Paralleacutelement agrave la pantomime qui va canaliser le public populaire un theacirctre litteacuteraire apparaicirct sous lEmpire theacuteacirctre agrave textes54

Com isso as apresentaccedilotildees teatrais no periacuteodo do Impeacuterio Romano mais aceitas pelo

puacuteblico popular eram as pantomimas enquanto os textos teatrais se propagavam pela elite romana

Esse novo teatro romano de natureza literaacuteria natildeo se adequava agraves apresentaccedilotildees teatrais ocorridas

durante os Jogos por isso os poetas encontraram um outro meio de divulgar as suas obras elas

eram apresentadas em reuniotildees particulares de aristocratas em forma de leitura puacuteblica55

La lecture des trageacutedies donne agrave celle-ci une digniteacute nouvelle Cette reacuteception eacuterudite des textes theacuteacirctraux suscite une nouvelle forme deacutecriture la piegravece est deacutesormais un texte clos produisant une signification symbolique Deacutesormais il est possible denvisager lexistence dun theacuteacirctre politique intentionnellement politique ougrave les personnages soient des figures du pouvoir et mecircme dun theacuteacirctre psychologique ougrave les personnages soient des figures de la passion (DUPONT 2003 p 127-128)56

Com esse novo meio de divulgaccedilatildeo dos textos as peccedilas teatrais passaram a privilegiar

outros assuntos natildeo abordados antes como as questotildees poliacuteticas e sociais estas caracteriacutesticas natildeo

eram mencionadas nas encenaccedilotildees durante os Jogos Romanos pois nesses eventos o principal

53 A cultura musical eacute geral as canccedilotildees cantadas no teatro satildeo retomadas e cantaroladas nas ruas e nos banquetes 54 O teatro romano foi pois perpetualmente divido por uma clivagem socioloacutegica do puacuteblico que corresponde a uma

clivagem esteacutetica Essa clivagem legiacutevel do puacuteblico vai resultar na constituiccedilatildeo de dois puacuteblicos e de dois tipos de teatro diferentes Paralelamente agrave pantomima que vai canalizar o puacuteblico popular um teatro literaacuterio aparece sob o Impeacuterio o teatro de texto

55 DUPONT 2003 p12756 A leitura das trageacutedias datildeo a essas uma nova dignidade Essa recepccedilatildeo erudita dos textos teatrais suscita uma nova

forma de escrita a peccedila eacute daqui em diante um texto fechado produtor de uma significaccedilatildeo simboacutelica Daqui em diante eacute possiacutevel considerar a existecircncia de um teatro poliacutetico intencionalmente poliacutetico onde as personagens sejam figuras de poder mesmo de um teatro psicoloacutegico onde as personagens sejam figuras de paixatildeo

34

objetivo era o divertimento

O teatro literaacuterio se inicia com Liacutevio Andronico Apoacutes a tomada de Tarento em 272 aC o

jovem eacute levado para Roma como preso de guerra Ele chega nessa cidade ainda crianccedila e eacute educado

em escola biliacutengue para escravos especializados E em 249 aC Liacutevio Andronico apresenta o

primeiro poema nos Ludi Tarentini Ele tambeacutem traduziu a Odisseia de Homero em versos

saturninos e escreveu peccedilas teatrais atraveacutes de mitos gregos como a mais conhecida O Cavalo de

Troia57 assim ldquoby adapting a Greek tragedy Livius was transferring an established Greek dramatic

tradition to Rome creating the Roman theatrerdquo58

Depois de Liacutevio Andronico Neacutevio foi o segundo tragedioacutegrafo em Roma Ele encenou a

primeira trageacutedia em 235 aC e tanto escreveu trageacutedias como comeacutedias59 Tambeacutem utilizou-se de

temas associados agrave mitologia grega e aleacutem disso Neacutevio introduziu um novo gecircnero dramaacutetico

tipicamente romano a fabula pretexta

Ecircnio tambeacutem escreveu trageacutedias e inovou em seus poemas ldquoIl ne lui suffit pas decirctre

applaudi au theacuteacirctre il veut ecirctre immortaliseacute dans ses oeuvres Il inaugure un noveau type de poegravetes

qui a la faccedilon grecque cherche la gloire dans leacutecriture (DUPONT 2003 p 313)60 por isso ele

distancia-se da trageacutedia para encenaccedilatildeo dos Jogos Romanos Ecircnio escreveu uma epopeia Annales e

uma trageacutedia pretexta61 Ambracia Esse poeta foi muito citado por Ciacutecero e aceito pelo povo

romano suas trageacutedias seguiram o modelo das trageacutedias gregas utilizando-se principalmente da

mitologia ldquoEnnius a donneacute agrave ses trageacutedies leur dimension monumentale par une eacutecriture rheacutetorique

qui leur insufflait un poids politiquerdquo62 (DUPONT 2003 p 326)

No periacuteodo em que foram encenadas as trageacutedias de Liacutevio Neacutevio e Ecircnio havia uma

preocupaccedilatildeo com a audiecircncia em contraposiccedilatildeo o proacuteximo tragedioacutegrafo Pacuacutevio natildeo se

preocupou com isso

Pacuvius did not strive for complete audience identificacion with his characters in that he used the archaicizing language of his dramatic precursors and coined some odd expressions to elevate his poetry from contemporary expression63 (ERASMO 2004

57 DUPONT 2003 p 145-16158 Adaptando uma trageacutedia grega Liacutevio estava transferindo uma tradiccedilatildeo dramaacutetica grega estabelecida a Roma

criando o teatro romano59 ERASMO 2004 p1460 Natildeo basta para ele ser aplaudido no teatro ele quer ser imortalizado em suas obras Ele inaugura um novo tipo de

poeta que ao modo grego procura a gloacuteria na escrita 61 A trageacutedia praetexta eacute uma trageacutedia tipicamente romana pois os acontecimentos se passam em Roma e as

personagens satildeo da histoacuteria romana ldquoNa fabula praetexta o heroacutei eacute um grande homem rei ou cocircnsul da histoacuteria romana e enverga a toga debruada a puacuterpura insiacutegnia do poder Trata-se de um teatro de caacuteriz poliacuteticordquo (GAILLARD 1992 p 36)

62 Ecircnio deu a suas trageacutedias um dimensatildeo monumental a uma escrita retoacuterica que lhe insuflava um peso poliacutetico 63 Pacuacutevio natildeo se esforccedila para a completa identificaccedilatildeo da audiecircncia com seus personagens em que ele usou a

linguagem arcaizante de seus precursores dramaacuteticas e cunhou algumas expressotildees estranhas para elevar sua poesia

35

p35)

Pacuacutevio foi considerado um dos melhores tragedioacutegrafos romanos Depois dele tem-se Aacutecio

que continuou a escrever trageacutedias de mitos gregos mas ele ldquoseems to draw attention to the art of

persuasion as much as to its ill effectsrdquo64 (ERASMO 2004 p43) Ele marcou a sua eacutepoca como o

uacuteltimo tragedioacutegrafo profissional em Roma65

No Impeacuterio de Augusto a trageacutedia romana ganha vaacuterios representantes mas deste periacuteodo

restaram pouquiacutessimos versos A maioria da produccedilatildeo traacutegica da eacutepoca foi amadora as mais

famosas peccedilas foram Tiestes de Vaacuterio e Medeia de Oviacutedio as quais Quintiliano comentou66 Nesse

periacuteodo a pantomima ganha mais espaccedilo nas apresentaccedilotildees teatrais e as trageacutedias passam a ser mais

escritas e elaboradas Para Dupont (2003 p 340-341)

Mais en reacutealiteacute le siegravecle dAuguste marque le divorce deacutefinitif de la parole tragique e des spectacles car les pantomimes et les lectures publiques apparaissent preacuteciseacutement agrave ce moment La trageacutedie se transforme totalment en opeacutera et la poeacutesie dramatique se retire dans les auditoriums67

Com isso pode-se pensar que a trageacutedia romana deixa de ser encenada e passa a ser lida

publicamente em reuniotildees privadas da aristocracia romana

Under the Principate literary drama began to abandon public theaters for the more intimate (and more aristocratic) confines of smaller roofed halls and private homes Recitation rather than fully staged performance became the norm the kind of performance long established for the presentation of Latin literary works68

(GOLDBERG 1996 p273)

de expressatildeo contemporacircnea64 parece chamar a atenccedilatildeo para a arte da persuasatildeo tanto quanto aos seus efeitos nocivos65 GOLDBERG 1996 p27066 GOLDBERG 1996 p27167 Mas na realidade o seacuteculo de Augusto marca o divoacutercio definitivo da fala traacutegica e dos espetaacuteculos pois as

pantomimas e as leituras puacuteblicas aparecem precisamente nesse momento A trageacutedia se transforma totalmente em oacutepera e a poesia dramaacutetica se retira dos auditoacuterios

68 Sob o principado drama literaacuterio comeccedilou a abandonar os teatros puacuteblicos para os mais iacutentimos limites (e mais aristocraacutetico) de salas cobertas menores e casas particulares Recitaccedilatildeo em vez de totalmente encenada uma performance tornou-se a norma o tipo de perfomance estabelecida haacute muito tempo para a apresentaccedilatildeo de obras literaacuterias latinas

36

3 CAPIacuteTULO 2 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo

Este capiacutetulo pretende apresentar como o mito do rei Agamecircmnon eacute mostrado pela tradiccedilatildeo

grega de Homero a Eacutesquilo Nesse periacuteodo haacute registros do mito de Agamecircmnon na Iliacuteada e na

Odisseia de Homero nos fragmentos dos poemas do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos no

poema Oresteia de Estesiacutecoro que chegou ateacute noacutes tambeacutem de forma muito fragmentada na Piacutetica

XI de Piacutendaro e na Oresteia de Eacutesquilo Com base nessa tradiccedilatildeo tentar-se-aacute apresentar como o

mito de Agamecircmnon eacute reescrito por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon

31 A tradiccedilatildeo eacutepica os poemas homeacutericos e os poemas eacutepicos do ciclo troiano

Os primeiros textos poeacuteticos da literatura grega que restaram foram a Iliacuteada e a Odisseia

ambos atribuiacutedos a Homero datados do seacutec VIII aC Nas duas obras encontra-se a nossa

personagem principal Agamecircmnon sendo apresentada em cada uma das obras de maneira

particular

A Iliacuteada narra a ira de Aquiles que se deu no uacuteltimo ano da guerra de Troia A ira do chefe

dos Mirmidotildees foi provocada por Agamecircmnon que ao perder a sua presa de guerra filha de um

sacerdote de Apolo apossa-se da cativa de Aquiles Briseida No canto I Agamecircmnon mostra-se um

rei impiedoso arrogante e desrespeitoso com os deuses quando natildeo se importa com o pedido de

Crises (Il I v24-32) E o chefe dos gregos fica irritado quando Calcante o acusa de ser o

responsaacutevel pela peste no acampamento

Ἤτοι ὅ γ ὣς εἰπὼν κατ ἄρ ἕζετο τοῖσι δ ἀνέστηἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνωνἀχνύμενος μένεος δὲ μέγα φρένες ἀμφιμέλαιναιπίμπλαντ ὄσσε δέ οἱ πυρὶ λαμπετόωντι ἐΐκτην (Hom Il I v101-104)

Levanta-te entatildeo do seu postoo nobre filho de Atreu Agameacutemnone rei poderosocom torvo aspecto De trevas a coacutelera o peito lhe enchia a transbordar Pareciam-lhe os olhos dois fogos brilhantes69

Aquiles sente-se ultrajado pelo rei que tomou a sua cativa de guerra e pede ajuda agrave sua

matildee Teacutetis No canto II Agamecircmnon tem um sonho enganador e por isso convoca uma assembleia

para que os gregos retornem agrave guerra O rei aparece portando um cetro de origem divina como

siacutembolo do seu poder divino

69 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

37

ἀνὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνἔστη σκῆπτρον ἔχων τὸ μὲν Ἥφαιστος κάμε τεύχωνἭφαιστος μὲν δῶκε Διὶ Κρονίωνι ἄνακτι (Hom Il II v100-102)

Levanta-se o forte Agameacutemnonenas matildeos o cetro que Hefesto com muito artifiacutecio forjarapara presente fazer a Zeus pai que de Crono nascera

Depois da assembleia Agamecircmnon faz um sacrifiacutecio a Zeus para que proteja os gregos na

guerra demonstrando um caraacuteter religioso proacuteprio dos monarcas (Il II v402-403) E com o

exeacutercito pronto o rei aparece suntuoso de aparecircncia divina

μετὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνὄμματα καὶ κεφαλὴν ἴκελος Διὶ τερπικεραύνῳἌρεϊ δὲ ζώνην στέρνον δὲ Ποσειδάωνιἠΰτε βοῦς ἀγέληφι μέγ ἔξοχος ἔπλετο πάντωνταῦρος ὃ γάρ τε βόεσσι μεταπρέπει ἀγρομένῃσιτοῖον ἄρ Ἀτρεΐδην θῆκε Ζεὺς ἤματι κείνῳἐκπρεπέ ἐν πολλοῖσι καὶ ἔξοχον ἡρώεσσιν (Hom Il II v477-483)

No meio se achava Agameacutemnone ao grande fulminador semelhante no olhar e feitio do rosto a Ares no talho do cinto e a Posido no peito fortiacutessimoBem como o touro de grande manada que a todos os outros bois sobreexcede e apoacutes se vai levando reunidas as vacastal aparecircncia emprestou nesse dia Zeus grande a Agameacutemnonepara que fosse o primeiro entre tantos heroacuteis excelentes

No canto III Priacuteamo pede a Helena que lhe apresente quais satildeo os gregos presentes naquele

combate O primeiro eacute Agamecircmnon assim descrito por Helena

οὗτός γ Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνων ἀμφότερον βασιλεύς τ ἀγαθὸς κρατερός τ αἰχμητής (Hom Il III v178-179)

Esse eacute Agamecircmnon rei poderoso de Atreu descendente tatildeo grande rei chefe dos homens quatildeo forte e notaacutevel guerreiro

E apoacutes as palavras de Helena Priacuteamo responde

ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη μοιρηγενὲς ὀλβιόδαιμονἦ ῥά νύ τοι πολλοὶ δεδμήατο κοῦροι Ἀχαιῶν (Hom Il III v182-183)

Oacute venturoso Agameacutemnone filho dileto dos deusesque sobre tantos guerreiros Acaios o mando exercitas

38

Mais adiante no canto IX depois de muitos gregos mortos em combate Agamecircmnon

propotildee o retorno agrave Greacutecia pois os gregos estatildeo perdendo a batalha

ἀλλ ἄγεθ ὡς ἂν ἐγὼ εἴπω πειθώμεθα πάντες φεύγωμεν σὺν νηυσὶ φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν οὐ γὰρ ἔτι Τροίην αἱρήσομεν εὐρυάγυιαν (Hom Il IX v26-28)

Ora faccedilamos conforme o aconselho obedeccedilam-me todos para o torratildeo de nascenccedila fujamos nas ceacuteleres naves pois eacute impossiacutevel tomar a cidade espaccedilosa dos Teucros

Mas por causa dessa proposta o rei natildeo eacute bem visto pelos companheiros sendo considerado

como covarde por isso pela primeira vez reconhece os seus erros e propotildee a Aquiles por

intermeacutedio de Odisseu a devoluccedilatildeo de Briseida e uma grande recompensa (Il IX v15-161)

Mesmo assim Aquiles ainda irado natildeo aceita a proposta do rei de Argos (Il IX v386-387) No

canto XI tem-se o triunfo do chefe das tropas gregas Agamecircmnon lidera os gregos num combate

contra os troianos chefiados por Heitor Nesse duelo o Atrida mata muitos inimigos

ἀτὰρ κρείων Ἀγαμέμνων αἰὲν ἀποκτείνων ἕπετ Ἀργείοισι κελεύων (Hom Il XI v153-154)

Natildeo cessa Agameacutemnone forte de dizimar o inimigo exortando os guerreiros argivos

Poreacutem o rei acaba se ferindo em combate e embora natildeo quisesse sair da luta para se

proteger sobe num carro rumo agraves naus

στῆ δ εὐρὰξ σὺν δουρὶ λαθὼν Ἀγαμέμνονα δῖοννύξε δέ μιν κατὰ χεῖρα μέσην ἀγκῶνος ἔνερθεἀντικρὺ δὲ διέσχε φαεινοῦ δουρὸς ἀκωκήῥίγησέν τ ἄρ ἔπειτα ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνωνἀλλ οὐδ ὧς ἀπέληγε μάχης ἠδὲ πτολέμοιο (Hom Il XI v251-255)

Sem que o notasse Agameacutemnone pocircs-se-lhe ao lado e com a lanccedila proacuteximo do cotovelo o antebraccedilo no meio feriu-lhe atravessando-o com a ponta aguccedilada do hastil reluzente Estremeceu Agameacutemnone nobre pastor de guerreiros mas natildeo obstante natildeo quis desistir dos combates e lutas

Logo o chefe retorna ao acampamento dos gregos para cuidar dos ferimentos Em seguida

no canto XIV Agamecircmnon chega ao acampamento ferido ao lado de Odisseu e Diomedes o rei

retoma a ideia de que os gregos fujam de Troia

39

νῆες ὅσαι πρῶται εἰρύαται ἄγχι θαλάσσηςἕλκωμεν πάσας δὲ ἐρύσσομεν εἰς ἅλα δῖανὕψι δ ἐπ εὐνάων ὁρμίσσομεν εἰς ὅ κεν ἔλθῃνὺξ ἀβρότη ἢν καὶ τῇ ἀπόσχωνται πολέμοιοΤρῶες ἔπειτα δέ κεν ἐρυσαίμεθα νῆας ἁπάσαςοὐ γάρ τις νέμεσις φυγέειν κακόν οὐδ ἀνὰ νύκταβέλτερον ὃς φεύγων προφύγῃ κακὸν ἠὲ ἁλώῃ (Hom Il XIV v75-81)

Sem mais demora arrastemos as naus que se encontram mais perto da praia extensa e as lancemos agraves ondas divinas bem longe onde o mar for mais profundo firmando-as com as pedras acircncoras para aguardarmos a Noite imortal Caso os Teucros se abstenham de combater poderemos talvez pocircr a nado elas todas Natildeo eacute vergonha fugir ainda mesmo seja de noite Eacute preferiacutevel da ruiacutena escapar a ser presa do imigo

Mas os outros gregos natildeo querem recuar e retomam a luta Apoacutes muitas perdas e com a

decisatildeo de Aquiles de retornar para a batalha para vingar a morte de Paacutetroclo no canto XIX

Agamecircmnon mais uma vez reconhece os seus erros e a ofensa a Aquiles com isso por intermeacutedio

de Odisseu devolve Briseida e os ricos presentes jaacute prometidos Ao devolver a cativa de Aquiles

Agamecircmnon faraacute um juramento afirmando nunca ter tocado na jovem

ἀνθρώπους τίνυνται ὅτις κ ἐπίορκον ὀμόσσῃ μὴ μὲν ἐγὼ κούρῃ Βρισηΐδι χεῖρ ἐπένεικα οὔτ εὐνῆς πρόφασιν κεχρημένος οὔτέ τευ ἄλλου (Hom Il XIX v260-262)

Nunca na jovem Briseide toquei nem por forccedila de amores nem porque em mim tenha atuado outra forccedila qualquer porventura Em minha tenda durante esse tempo ficou ela intacta

E no canto XXIII Aquiles preocupado com as honras fuacutenebres de Paacutetroclo logo apresenta

Agamecircmnon como chefe das tropas para determinar a construccedilatildeo da pira funeraacuteria do morto desse

modo o poder do rei mostra-se vinculado aos preceitos religiosos

ἠῶθεν δ ὄτρυνον ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγάμεμνονὕλην τ ἀξέμεναι παρά τε σχεῖν ὅσσ ἐπιεικὲςνεκρὸν ἔχοντα νέεσθαι ὑπὸ ζόφον ἠερόενταὄφρ ἤτοι τοῦτον μὲν ἐπιφλέγῃ ἀκάματον πῦρθᾶσσον ἀπ ὀφθαλμῶν λαοὶ δ ἐπὶ ἔργα τράπωνται (Hom Il XXIII v49-53)

Mas quando da aurora raiar Agameacutemnone de homens caudilhomanda que lenha nos tragam e o mais de que um morto precisaquando haacute de a viagem fazer para o reino das trevas espessas para que o fogo incansavel depressa o consuma tirando-ode nossas vistas e assim possam todos voltar para a lida

Assim as apariccedilotildees de Agamecircmnon na Iliacuteada satildeo descritas observa-se que a personagem eacute

40

caracterizada atraveacutes das falas de outras personagens e tambeacutem de suas proposiccedilotildees

principalmente num contexto de guerra como rei chefe guerreiro forte valoroso valente

poderoso viril religioso e de aparecircncia divina em alguns momentos eacute depreciado ao aparecer

como covarde e autoritaacuterio Nesse texto o Agamecircmnon natildeo exerce outros papeacuteis como os

familiares ele aparece principalmente como chefe dos gregos

Poreacutem Agamecircmnon natildeo estaacute presente na Iliacuteada somente nesses momentos citados

anteriormente apenas foram selecionados os mais relevantes O chefe dos gregos eacute intitulado

principalmente dos seguintes epiacutetetos Atrida como em ἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων

Ἀγαμέμνων70 (Hom Il I v102) tambeacutem nesse exemplo tem-se o epiacuteteto de poderosoforte

κρείων outro epiacuteteto eacute o de chefe dos homens ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων71 ( Hom Il II

v612) Chega a ser equiparado aos deuses ao receber a seguinte adjetivaccedilatildeo ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη72

(Hom Il III v182) o adjetivo μάκαρ eacute usado apenas para os deuses como se pode verificar no

verbete do Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego de Isidro (1998 p 354)

μάκαρ feliz rico opulento os Bem-aventurados (deuses)

Jaacute na Odisseia epopeia que narra a volta de Odisseu para a sua paacutetria apoacutes guerrear em

Troia a menccedilatildeo agrave personagem Agamecircmnon se faz em nuacutemero menor de versos em comparaccedilatildeo

com a Iliacuteada No canto III Atena na aparecircncia de Mentor acompanha Telecircmaco na busca por

notiacutecias sobre Odisseu que ainda natildeo havia retornado para a paacutetria apoacutes passados muitos anos do

fim da batalha Na primeira parada desembarcam em Pilos e encontram o velho Nestor que lhes

contaraacute alguns acontecimentos do fim da guerra de Troia como o momento da assembleia dos

gregos liderada por Agamecircmnon para discutir o retorno para a paacutetria Depois Nestor menciona o

destino do valoroso chefe dos gregos

Ἀτρεΐδην δὲ καὶ αὐτοὶ ἀκούετε νόσφιν ἐόντεςὥς τ ἦλθ ὥς τ Αἴγισθος ἐμήσατο λυγρὸν ὄλεθρον (Hom Od III v193-194)

O que respeita ao Atrida soubeste-lo embora distantesde sua volta e do fim desditoso que Egisto lhe urdiu73

70 Optou-se por natildeo traduzir diretamente no texto alguns versos citados em grego da Iliacuteada e da Odisseia de Homero e do Agamecircmnon de Eacutesquilo pois as traduccedilotildees utilizadas para as obras citadas em alguns momentos natildeo abrangem o valor semacircntico adequado para essa pesquisaPortanto traduziu-se o verso assim O nobre Atrida Agamecircmnon chefe poderoso (traduccedilatildeo nossa)

71 O chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)72 Oacute bem-aventurado Atrida (traduccedilatildeo nossa)73 Todas as traduccedilotildees da Odisseia da Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na

referecircncia bibliograacutefica HOMERO Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

41

Nessa conversa a deusa Atena tambeacutem fala da morte de Agamecircmnon como produto do

artifiacutecio de sua esposa e do amante dela

ἢ ἐλθὼν ἀπολέσθαι ἐφέστιος ὡς Ἀγαμέμνων ὤλεθ ὑπ Αἰγίσθοιο δόλῳ καὶ ἧς ἀλόχοιο (Hom Od III v234-235)

tal como Agameacutemnone que sucumbiu ante fraude de sua mulher e de Egisto

Mais adiante Telecircmaco questiona Nestor sobre a morte de Agamecircmnon O velho explica

como Egisto planejou a morte e lembra que Orestes vingou a morte do rei matando Egisto Nestor

atribui a Egisto o assassiacutenio do rei

κτείνας Ἀτρεΐδην δέδμητο δὲ λαὸς ὑπ αὐτῷ ἑπτάετες δ ἤνασσε πολυχρύσοιο Μυκήνης (Hom Od III v304-305)

(Egisto) reina em Micenas em ouro abundante durante sete anos poacutes dar a Morte a Agameacutemnone e o povo forccedilar a obediecircncia

No canto IV Telecircmaco aporta na Lacedemocircnia e visita o palaacutecio de Menelau o irmatildeo de

Agamecircmnon O jovem escuta as palavras do rei que descreve como foi o retorno dos gregos para as

suas respectivas paacutetrias apoacutes a destruiccedilatildeo de Troia e relata que Agamecircmnon foi morto ao voltar

para casa viacutetima de um plano de Egisto que preparou um banquete como armadilha para

recepcionaacute-lo e o matar com o intuito de tomar o seu reino

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como

42

na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

No canto VIII quando Odisseu estaacute na terra dos feaacutecios e participa da assembleia um cantor

aparece para recitar os feitos dos homens dentre eles Agamecircmnon (Od VIII v77-79) No canto

IX Odisseu se apresenta ao Ciclope como partiacutecipe da tropa de Agamecircmnon (Od IX v263-266)

No canto XI Odisseu desce ao Hades e encontra por laacute Agamecircmnon uma alma sofrida

acompanhado dos companheiros mortos por Egistos (Od XI v387-389) Odisseu conversa com

Agamecircmnon e busca saber a causa da sua morte O chefe dos gregos assim responde

οὔτε μ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ ἐπὶ χέρσουἀλλά μοι Αἴγισθος τεύξας θάνατόν τε μόρον τεἔκτα σὺν οὐλομένῃ ἀλόχῳ οἶκόνδε καλέσσαςδειπνίσσας ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃὣς θάνον οἰκτίστῳ θανάτῳ (Hom Od XI v408-412)

nem quando em terra saltasse caiacute pela matildeo de inimigosNatildeo minha Morte e o destino fatal por Egisto me vieramCom minha esposa funesta matou-me depois de chamar-me para um banquete em sua casa qual boi que se abate no talhoDessa maneira morri vergonhosa

Agamecircmnon lamenta a sua morte vergonhosa e tambeacutem critica a sua esposa (Od XI v427-

430) No canto XIII jaacute em Iacutetaca Odisseu ao conversar com Atenas teme que o seu destino seja

semelhante ao de Agamecircmnon ao saber da existecircncia dos pretendentes de Peneacutelope (Od XIII

v383-385) E no canto XXIV Agamecircmnon novamente aparece no Hades pois os pretendentes de

Peneacutelope apoacutes a morte seguem para o reino dos mortos Eles ficam ao redor de Aquiles e chega

Agamecircmnon que conversa com o Pelida Aquiles lembra a morte ingloriosa do chefe dos gregos

(Od XXIV v34) que a lamenta

ἐν νόστῳ γάρ μοι Ζεὺς μήσατο λυγρὸν ὄλεθρονΑἰγίσθου ὑπὸ χερσὶ καὶ οὐλομένης ἀλόχοιο (Hom Od XXIV v96-97)

Zeus me aprestou triste Morte ao me achar novamente na praia agraves matildeos de Egisto guerreiro e da minha funesta consorte

Agamecircmnon reconhece dentre os pretendentes um que o hospedou em Iacutetaca Os dois

conversam o rei lamenta a esposa que teve e admira a sorte de Odisseu que se casou com uma

mulher muito virtuosa Peneacutelope (Od XXIV v192-202)

Desse modo a Odisseia nos apresenta o mito do glorioso chefe dos gregos lembrando

principalmente a sua morte que aparece em conflito com a gloacuteria guerreira dele Agamecircmnon eacute

lembrado pelas personagens por causa da sua morte vergonhosa e tambeacutem aparece duas vezes na

43

narrativa como uma alma sofrida por ter tido tal morte

Dos fragmentos dos poemas eacutepicos do ciclo troiano haacute a reconstituiccedilatildeo de parte dos textos

estes poemas seriam Cantos Ciacuteprios Etiacuteopes A Pequena Iliacuteada O Saque de Iacutelion Retornos e

Telegonia todos eles foram escritos apoacutes as obras de Homero Dentre os poemas apresentar-se-atildeo

apenas Cantos Ciacuteprios e Retornos pois ambos apresentam trechos relevantes do mito de

Agamecircmnon O Cantos Ciacuteprios datado do seacutec VI aC e de autoria desconhecida deteacutem-se nas

origens da Guerra de Troia ateacute o iniacutecio da Iliacuteada Neste poema Agamecircmnon o chefe dos gregos

sacrifica a proacutepria filha Ifigecircnia em honra agrave deusa Aacutertemis

και τό δεύτερον ήθροισμένου του στόλου έν Ανλίδι Αγαμέμνων επί θήρας βαλών έλαφον ύπερ-βάλλειν έφησε και τήν Αρτεμιν μηνίσασα δέ ή θεός έπέσχεν αυτούς τοΰ πλον χειμώνας έπιπέμπουσα Ίίάλχαντος δέ είπόντος τήν της θεού μήνιν καί Ίφιγένειαν κελενσαντος θύειν τήι Αρτέμιδι ώς επί γάμον αυτήν Αχιλλεΐ μεταπεμφάμενοι θύειν έπιχει-ρούσιν ltΚάλχας δέ έφη ουκ άλλως δύνασθαι πλεΐν αυτούς ει μή τών Αγαμέμνονος θυγατέρων ή κρα-τιστεύονσα κάλλει σφάγιον Αρτέμιδος παραστήι πέμφας Αγαμέμνων προς Κλυταιμήστραν Όδυσσέα καί Ταλθύβιον Ίφιγένειαν ήιτει λέγων ύπεσχήσθαι δώσειν αυτήν Αχιλλεΐ γυναίκα μισθόν της στρατείας Αρgt Αρτεμις δέ αυτήν έζαρπάσασα εις Ταύρους μετακομίζει καί άθάνατον ποιεί έλαφον δέ αντί της κόρης παρίστησι τώι βωμώ (APOLODORO Ep 3 20 apud SOUSA 2008 p 27)

Enquanto a frota se prepara em Aacuteulis para uma segunda expediccedilatildeo contra Iacutelion Agamecircmnon mata um cervo em uma caccedilada e se vangloria de ser melhor que Aacutertemis Zangada a deusa envia tempestades que impedem a frota de zarpar Calcante explica a razatildeo do mau tempo e diz que natildeo poderatildeo navegar enquanto a mais bela filha de Agamecircmnon natildeo for imolada em honra de Aacutertemis Decidindo-se a realizar o sacrifiacutecio Agamecircmnon envia Taltiacutebio e Odisseu a Clitemnestra para perguntar por Ifigecircnia afirmando que a jovem estava prometida a Aquiles em recompensa pela participaccedilatildeo deste na expediccedilatildeo Iludida a matildee entrega a filha Quando Ifigecircnia chega o altar jaacute estaacute pronto para a imolaccedilatildeo No entanto Aacutertemis retira a jovem do altar colocando em seu lugar um cervo e a leva para junto dos Tauros na Crimeia onde lhe concede a imortalidade74

Depois se verifica no poema as novas invasotildees das tropas gregas o saque de algumas

cidades e a divisatildeo dos espoacutelios de guerra

και εκ των λαφύρων Άχιλλεύς μεν Βρισηίδα γέρας λαμβάνει Χρυσηΐδα δέ Αγαμέμνων (PROCLUS Chrestomathia apud SOUSA 2008 p30)

74 Todas as traduccedilotildees dos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos presentes nesse texto satildeo de Francisco Edi de Oliveira Sousa retiradas da Tese de Doutorado de seguinte referecircncia SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

44

Aquiles toma Briseida como sua parte Agamecircmnon Criseida capturada em Tebas Hipoplaacutecia onde se encontrava por conta de sacrifiacutecios em honra de Aacutertemis

No Retornos atribuiacutedo a Haacutegias de Trezene e datado de VII aC localizado de acordo com

o mito apoacutes a Odisseia observa-se que Agamecircmnon sai de Troia e tenta voltar para a paacutetria Em

seguida eacute relatada a morte dele

ltέπειgtτα Αγαμέμνονος νπο Αιγίσθου και Κλυταιμήστρας άναιρεθέντος νπ Όρέστον και ΤΙυλάδον τιμωρία (Poculum Homericum MB 36 (SINN) apud SOUSA 2008 p 54-55)

Agamecircmnon por sua vez retorna ao seu palaacutecio onde eacute morto por Egisto e Clitemnestra Mais tarde Orestes e Piacutelades chegam para vingar o assassiacutenio de Agamecircmon

Como se trata de fragmentos o que nos restou dos poemas dos ciclos eacutepicos apresentam-

nos uma breve narraccedilatildeo acerca de partes do mito de Agamecircmnon Observa-se nos trechos dos

Cantos Ciacuteprios o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a posse de Criseida por Agamecircmnon como presa de

guerra e no trecho de Retornos a morte do rei ao chegar agrave sua paacutetria

32 A tradiccedilatildeo liacuterica Estesiacutecoro e Piacutendaro

Assim como na Iliacuteada e na Odisseia de Homero e nos poemas Cantos Ciacuteprios e Retornos

mais tarde por entre os seacutec VI e V aC o mito de Agamecircmnon apareceraacute na poesia liacuterica de

Estesiacutecoro Ele escreveu muitos poemas e dentre eles um intitulado Oresteia dividido em dois

livros E conforme afirma Campbell (2001 p2) esse poema teria sido uma adaptaccedilatildeo de um poema

homocircnimo anterior de Xanto

Stesichorus referred somewhere in his poetry to a predecessor Xanthus who composed an Oresteia which Stesichorus was said to have adapted and this Xanthus may have been a western Greek75

Aleacutem disso restaram apenas alguns fragmentos desse poema que foram reconstituiacutedos a

partir de vaacuterios textos como no livro I de um escoliasta de Aristoacutefanes em Paz (775ss 800 797ss)

no livro II de um escoliasta de Dionisio da Traacutecia (Art 6) de Habron num escoliasta da Iliacuteada de

Homero (ap POxy 1087 ii 47s) e no livro I ou II de Filodemo em Sobre a piedade de um

escoliasta de Euriacutepides em Orestes (46) de um escoliasta de Eacutesquilo em Coeacuteforas (733) e de

75 Estesiacutecoro referiu-se em algum lugar na sua poesia a um antecessor Xanto que compocircs uma Oresteia que Estesiacutecoro havia dito ter adaptado e Xanto pode ter sido um grego ocidental

45

Plutarco em De sera numinis vindicta (10 555a)76 Dos fragmentos reconstituiacutedos nenhum

menciona Agamecircmnon mas um deles apresenta um sonho que Clitemnestra teve antes de ser morta

por Orestes

τᾶι δὲ δράκων ἐδόκησε μολεῖν κάρα βεβροτωμένος ἄκρονἐκ δ ἄρα τοῦ βασιλεὺς Πλεισθενίδας ἐφάνη (Plut ser num vind 10 555a - iii 412 Pohlenz-Sieveking apud CAMPBELL 2001 p 132-133)

And it seemed to her that a snake came the top of its head bloodstained and out of it appeared a Pleisthenid king77

Esses versos trazem uma parte do sonho premonitoacuterio de Clitemnetra que tambeacutem aparece

em Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo Esse sonho teria acontecido antes da morte de Clitemnestra

Em Estesiacutecoro ela interpreta a serpente como sendo Agamecircmnon irado pela morte que teve e por

isso ela envia oferendas ao tuacutemulo do rei Desse modo os versos do poeta liacuterico sugerem que

Clitemnestra teria matado o marido como pode se observar a partir do estudo abaixo

This appears from the nature of the dream which terrified the Clytaemnestra of Stesichorus just before the retribution A serpent approached her with gore upon its head and then changed into Agamemnon78 (JEBB 1894 seccedilatildeo 6)

Jaacute o mesmo episoacutedio do sonho nas Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo eacute relatado pelo Coro

em diaacutelogo com Orestes mas ambos interpretam o sonho como sendo Orestes a cobra que

Clitemenestra tem nos braccedilos Essa interpretaccedilatildeo diverge da interpretaccedilatildeo sugerida a partir dos

fragmentos de Estesiacutecoro

Acerca de Agamecircmnon nos fragmentos de Estesiacutecoro soacute pode se suscitar que ele foi morto

pelas matildeos de sua esposa ao se tentar reconstituir os dois versos mencionados do poema Oresteia

E para escrever esse poema Estesiacutecoro talvez tenha se utilizado dos poemas de Homero e Hesiacuteodo

como pode se observar no Comentaacuterio do Papiro (POxy 2506 fr26 col ii apud CAMPBELL 2001

p 130-131)

Στη]σίχορος ἐχρήσατ[ο διη-γήμασιν τῶν τε ἄλλ[ων ποι-ητῶν οἱ πλείονες τ[μαις ταῖς τούτου με[Ὅμηρον κα[ὶ] Ἡσίοδον [μᾶλλ[ον] Στησιχο[ρ][

76 Todas as indicaccedilotildees citadas e os fragmentos encontram-se em CAMPBELL 2001 p127-13377 E parecia-lhe que uma serpente veio o topo de sua cabeccedila manchada de sangue e com isso surgiu um rei Pliacutestenes78 Isso aparece a partir da natureza do sonho que aterrorizou a Clitemnestra de Estesiacutecoro pouco antes da retribuiccedilatildeo

Uma serpente se aproximou dela com sangue em cima de sua cabeccedila e depois mudou para Agamecircmnon

46

φων[]

Stesichorus used narratives (of Homer and Hesiodo) and most of the other poets used his material for after Homer and Hesiodo they agree above all with Stesichorus79

Apesar de haver apenas fragmentos dos poemas de Estesiacutecoro pode-se deduzir que a

Oresteia dele assim como os poemas de outros poetas contemporacircneos a ele foram influenciados

pelos textos de Homero e Hesiacuteodo e influenciaram os poetas posteriores como mostra a citaccedilatildeo

anterior

Depois da Oresteia de Estesiacutecoro parte do mito de Agamecircmnon eacute narrada no poema Piacutetica

XI de Piacutendaro datado de entre 474-454 aC Esse poema foi composto para um tebano o vencedor

Trasideo Encontra-se na Piacutetica XI (v16-37) assim o mito do rei de Argos

νικῶν ξένου Λάκωνος Ὀρέστατὸν δὴ φονευομένου πατρὸς Ἀρσινόα Κλυταιμήστραςχειρῶν ὕπο κρατερᾶνἐκ δόλου τροφὸς ἄνελε δυσπενθέοςὁπότε Δαρδανίδα κόραν ΠριάμουΚασσάνδραν πολιῷ χαλκῷ σὺν Ἀγαμεμνονίᾳψυχᾷ πόρευ Ἀχέροντος ἀκτὰν παρ εὔσκιοννηλὴς γυνά πότερόν νιν ἄρ Ἰφιγένει ἐπ Εὐρίπῳσφαχθεῖσα τῆλε πάτραςἔκνισεν βαρυπάλαμον ὄρσαι χόλονἢ ἑτέρῳ λέχεϊ δαμαζομένανἔννυχοι πάραγον κοῖται τὸ δὲ νέαις ἀλόχοιςἔχθιστον ἀμπλάκιον καλύψαι τ ἀμάχανονἀλλοτρίαισι γλώσσαιςκακολόγοι δὲ πολῖταιἴσχει τε γὰρ ὄλβος οὐ μείονα φθόνονὁ δὲ χαμηλὰ πνέων ἄφαντον βρέμειθάνεν μὲν αὐτὸς ἥρως Ἀτρεΐδαςἵκων χρόνῳ κλυταῖς ἐν ἈμύκλαιςΓ΄μάντιν τ ὄλεσσε κόραν ἐπεὶ ἀμφ Ἑλένᾳ πυρωθένταςΤρώων ἔλυσε δόμουςἁβρότατος ὁ δ ἄρα γέροντα ξένονΣτροφίον ἐξίκετο νέα κεφαλάΠαρνασσοῦ πόδα ναίοντ ἀλλὰ χρονίῳ σὺν Ἄρειπέφνεν τε ματέρα θῆκέ τ Αἴγισθον ἐν φοναῖς (Pin Pit XI v 16-37)

o amigo do lacoacutenico Orestes Arsiacuteone sua ama arrancou-o do amargo engano logo que seu pai foi assassinado agraves matildeos violentas de Clitemnestra quando esta impiedosa mulher jogou Cassandra filha de Priacuteamo o Dardacircnida juntamente com a alma de Agameacutemnon para a margem sombria de aqueronte com o accedilo cinzento Teraacute sido Ifigeacutenia chacinada em Euripo longe da paacutetria quem a levou a erguer a matildeo pesada do rancor Ou teraacute sido dominada numa cama anoacutenima e as noites de

79 Estesiacutecoro usou narrativas (de Homero e Hesiacuteodo) e muitos outros poetas usaram esse material porque depois de Homero e Hesiacuteodo eles concordam acima de tudo com Estesiacutecoro

47

sexo desviaram-na do seu caminho Este eacute o erro mais odioso das jovens esposas e eacute impossiacutevel de esconder porque os outros iratildeo contaacute-lo Os cidadatildeos falam mal uns dos outros porque toda a becircnccedilatildeo traz consigo uma natildeo menor inveja mas quem respira junto ao chatildeo geme sem ser visto Foi assim que morreu o heroacuteico filho de Atreuquando finalmente regressou agrave famosa Amiclas e destruiu a rapariga das profecias ao acabar com o luxo na casa dos troianos e pocircr-lhes fogo por causa de Helena Orestes a jovem crianccedila foi para junto do velho Estroacutefio amigo da famiacutelia que vivia no sopeacute de Parnasso Por fim com a ajuda de Ares matou a matildee e afogou Egisto numa mar de sangue 80

Como se pode observar no trecho do poema eacute mencionada a morte de Agamecircmnon e a de

Cassandra causada por Clitemnestra depois se verificam os questionamentos sobre os motivos que

levaram Clitemnestra a matar o rei e finaliza com a vinganccedila de Orestes ao matar a matildee e o

amante dela O foco desse poema eacute concedido agrave Clitemenestra que matou o rei e a maior parte da

referecircncia miacutetica expotildee os questionamentos da rainha

33 A tradiccedilatildeo traacutegica Agamecircmnon de Eacutesquilo

Apoacutes a tradiccedilatildeo liacuterica tem-se notiacutecia do mito de Agamecircmnon por meio da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo datada de 458 aC Essa trageacutedia foi encenada juntamente com outras duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo compondo assim uma trilogia intitulada Oresteia A

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute a primeira peccedila da trilogia que narra a morte do rei Agamecircmnon

viacutetima de um plano de vinganccedila da sua esposa e do amante dela ao retornar agrave sua paacutetria

A peccedila eacute composta por partes dialogadas (episoacutedios) e por partes cantadas (estaacutesimos ndash

cantos corais) O enredo da trageacutedia se inicia com um proacutelogo recitado pelo Vigia que aguarda os

sinais do fim da guerra de Troia Ele apresenta o palaacutecio dos Atridas e Clitemnestra que espera o

retorno do marido (Ag v1-39) No primeiro episoacutedio Clitemnestra anuncia a destruiccedilatildeo de Troia

mesmo que o mensageiro ainda natildeo tenha chegado ao palaacutecio (Ag v267) Segundo ela os fachos

de fogo mostram que Troia foi tomada pelos gregos (Ag v281-316) No segundo episoacutedio o

Arauto chega ao palaacutecio e narra a gloacuteria dos gregos em Troia Comeccedila o seu relato falando dos

feitos guerreiros de Agamecircmnon e anuncia que o rei estaacute para chegar

δέξασθε κόσμῳ βασιλέα πολλῷ χρόνῳ

80 Todas as traduccedilotildees do poema Piacutetica XI de Piacutendaro presentes nesse texto satildeo de Antoacutenio de Castro Caeiro conforme a seguinte referecircncia PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

48

ἥκει γὰρ ὑμῖν φῶς ἐν εὐφρόνῃ φέρωνκαὶ τοῖσδ ἅπασι κοινὸν Ἀγαμέμνων ἄναξἀλλ εὖ νιν ἀσπάσασθε καὶ γὰρ οὖν πρέπειΤροίαν κατασκάψαντα τοῦ δικηφόρουΔιὸς μακέλλῃ τῇ κατείργασται πέδον (Ag v521-526)

Recebei em ordem o rei passado tempoe a todos esses luz comum rei AgamecircmnonEia bem o saudai pois assim conveacutemele revolveu Troia com a enxada de Zeus portador de justiccedila lavrado estaacute o solo81

ἄναξ Ἀτρείδης πρέσβυς εὐδαίμων ἀνήρ ἥκει τίεσθαι δ ἀξιώτατος βροτῶντῶν νῦν (Ag v530-532)

O rei Atrida secircnior e com bons Numesvem Honrai o mais digno dos mortaisde hoje

Depois o Arauto continua lembrando os males vividos durante a guerra (Ag v551-566) e

rememora a vitoacuteria dos gregos (Ag v577-579) Sob a indagaccedilatildeo do Coro sobre o destino de

Menelau o Arauto relata a tempestade no mar que ocasionou o naufraacutegio de vaacuterias naus Por causa

disso as naus do marido de Helena teriam desaparecido (Ag v636-680) No terceiro episoacutedio o

Coro anuncia a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio dos Atridas

ἄγε δή βασιλεῦ Τροίας πτολίπορθἈτρέως γένεθλονπῶς σε προσείπω πῶς σε σεβίξωμήθ ὑπεράρας μήθ ὑποκάμψαςκαιρὸν χάριτος (Ag v783-787)

Eia oacute rei devastador de Troiaprogecircnie de Atreucomo te saudar como te venerarnatildeo excedendo nem faltandoagrave medida do benefiacutecio

Agamecircmnon louva os deuses pela destruiccedilatildeo de Troia e pelo seu retorno satildeo e salvo agrave paacutetria

(Ag v810-813) Logo Clitemnestra lamenta o tempo que o marido ficou ausente e lembra os

rumores ouvidos por ela acerca da rotina guerreira do cocircnjuge (Ag v855-913) E para receber

Agamecircmnon Clitemnestra prepara as honras devidas a ele natildeo permitindo que o marido pise o

chatildeo descoberto

νῦν δέ μοι φίλον κάρα81 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

49

ἔκβαιν ἀπήνης τῆσδε μὴ χαμαὶ τιθεὶςτὸν σὸν πόδ ὦναξ Ἰλίου πορθήτορα (Ag v905-907)

Agora oacute cabeccedila querida desce desse carro sem pocircr no chatildeoo teu peacute devastador de Iacutelion oacute rei

Por causa disso Agamecircmnon pede agrave esposa honras dignas de um homem e natildeo de um deus

mas Clitemnestra tenta convencecirc-lo de sua gloacuteria Logo Agamecircmnon pede agrave rainha que acolha

Cassandra a presa de guerra filha de Priacuteamo (Ag v950-952) No quarto episoacutedio Clitemnestra

convida a cativa para entrar no palaacutecio e menciona o banquete que estaacute sendo preparado para

festejar o retorno do rei Ao adentrar o palaacutecio Cassandra entra em estado de transe (Ag v1072-

1073) Ela vecirc os crimes cometidos dentro da morada dos Atridas Em seguida a profetisa descreve

como aconteceraacute um novo crime

ἰὼ τάλαινα τόδε γὰρ τελεῖς                   τὸν ὁμοδέμνιον πόσινλουτροῖσι φαιδρύνασα - πῶς φράσω τέλοςτάχος γὰρ τόδ ἔσται προτείνει δὲ χεὶρ ἐκχερὸς ὀρεγομένα (Ag v1107-1111)

Ioacute Miacutesera isto faraacutes Ao lavares no banhoo teu marido ndash como direi o fatoLogo isto seraacute ela estende a matildeo apoacutes matildeo alcanccedilando

ἦ δίκτυόν τί γ Ἅιδουἀλλ ἄρκυς ἡ ξύνευνος ἡ ξυναιτίαφόνου (Ag v1115-1117)

Eacute um laccedilo de HadesMas a rede eacute o seu cocircnjuge co-autora do massacre

ἆ ἆ ἰδοὺ ἰδού ἄπεχε τῆς βοὸς                   τὸν ταῦρον ἐν πέπλοισινμελαγκέρῳ λαβοῦσα μηχανήματιτύπτει πίτνει δ lsaquoἐνrsaquo ἐνύδρῳ τεύχειδολοφόνου λέβητος τύχαν σοι λέγω (Ag v1125-1129)

Acirc acirc Olha olha Potildee longe de vacao touro Na tuacutenica com negricoacuternio ardil ela captura e feree ele tomba na banheira cheia daacutegua

Aleacutem de anuciar um proacuteximo crime Cassandra prenuncia a sua proacutepria morte (Ag v1258-

1260) Ela tambeacutem lembra o castigo que recebeu de Apolo E menciona a traiccedilatildeo de Clitemnestra e

50

Egisto

ἐκ τῶνδε ποινάς φημι βουλεύειν τινάλέοντ ἄναλκιν ἐν λέχει στρωφώμενονοἰκουρόν οἴμοι τῷ μολόντι δεσπότῃ -ἐμῷ φέρειν γὰρ χρὴ τὸ δούλιον ζυγόννεῶν τ ἄπαρχος Ἰλίου τ ἀναστάτηςοὐκ οἶδεν οἵα γλῶσσα μισητῆς κυνὸςλείξασα κἀκτείνασα φαιδρὸν οὖς δίκηνἄτης λαθραίου τεύξεται κακῇ τύχῃτοιάδε τόλμα θῆλυς ἄρσενος φονεύς (Ag v1223-1231)

Digo que trama puniccedilatildeo por isto um leatildeo covarde a rolar no leito caseiro contra o receacutem-vindo senhor meu pois devo suportar o julgo servil O capitatildeo de navios e destruidor de Iacutelion natildeo conhece que liacutengua de odiosa cadela a falar e a esticar escusa alegremente lograraacute latente dano com maligna sorte Tal eacute a ousadia fecircmea mata macho

Ἀγαμέμνονός σέ φημ ἐπόψεσθαι μόρον (Ag v1246)

Digo que veraacutes a morte de Agamecircmnon

Apoacutes a profetizaccedilatildeo de Cassandra Agamecircmnon soacute voltaraacute agrave cena no final do quarto

estaacutesimo (diaacutelogo dos coreutas) gritando por estar sendo golpeado como se vecirc nos versos

Αγ ὤμοι πέπληγμαι καιρίαν πληγὴν ἔσωΧο σῖγα τίς πληγὴν ἀυτεῖ καιρίως οὐτασμένοςΑγ ὤμοι μάλ αὖθις δευτέραν πεπληγμένος (Ag v1343-1345)

Agamecircmnon Oacutemoi Um golpe certeiro golpeou-me dentroCoro Silecircncio Quem grita ferido de golpe certeiroAgamecircmnon Oacutemoi Outra vez outro golpe me atingiu

No quinto episoacutedio Clitemnestra relata a morte do marido Ela descreve o assassiacutenio

cometido por ela mesma

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσών

51

κἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostrado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

Depois de narrar a morte do rei Clitemnestra tenta justificar o seu ato criminoso dizendo

que Agamecircmnon sacrificou Ifigecircnia filha do casal para que as tropas gregas tivessem ventos

favoraacuteveis para conseguir navegar rumo a Troia dizendo que ela foi ultrajada pelo marido pois ele

tinha muitas concubinas dentre elas Criseida e Cassandra e por causa disso a rainha tambeacutem mata

a profetisa Por fim o Coro reclama as honras funeacutebres ao morto e Clitemnestra afirma que cuidaraacute

disso

No uacutetimo episoacutedio aparece Egisto lembrando os crimes sofridos por seu pai e se sente

vingado com a morte de Agamecircmnon (Ag v1577-1611) Ele fala que tramou o crime mas a

execuccedilatildeo foi feita por Clitemnestra O Coro alerta para uma futura vinganccedila de Orestes mas o casal

de amantes natildeo se importa

Na trageacutedia de Eacutesquilo a personagem Agamecircmnon participa pouco da peccedila Ele apenas

aparece no terceiro episoacutedio ao retornar da guerra e se mostra um homem religioso e vitorioso

Embora Clitemnestra o tente divinizar o rei demonstra modeacutestia na comemoraccedilatildeo da vitoacuteria E

mais adiante ouve-se os gritos de dor do rei ao ser apunhalado ele jaacute natildeo estaacute mais em cena

Agamecircmnon foi assassinado por sua esposa e ela mesma nos conta como o matou Nessa trageacutedia

Agamecircmnon passa de rei vitorioso para rei morto pelas matildeos de uma mulher

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides de Eacutesquilo

peccedilas que compotildeem juntamente com Agamecircmnon a trilogia intitulada Oresteia As trecircs trageacutedias

foram encenadas todas no mesmo dia e as duas uacuteltimas datildeo continuidade ao mito encenado tendo

como objeto a morte de Agamecircmnon Nas Coeacuteforas Electra e Orestes vingam a morte do pai

52

matando a proacutepria matildee e Egisto No primeiro episoacutedio Electra diante do tuacutemulo do pai lamenta a

sua morte

ἢ σῖγ ἀτίμως ὥσπερ οὖν ἀπώλετοπατήρ τάδ ἐκχέασα γάποτον χύσινστείχω καθάρμαθ ὥς τις ἐκπέμψας πάλινδικοῦσα τεῦχος ἀστρόφοισιν ὄμμασιν (Es Coe v94-97)

Ou em silecircncio sem honra como pereceuo pai verter esta vertente poccedilatildeo da terrae retornar como quem despediu imundiacuteciesao lanccedilar a urna sem voltar os olhos82

Mais adiante Orestes ao conversar com Electra tambeacutem lembra a morte do pai

αἰετοῦ πατρόςθανόντος ἐν πλεκταῖσι καὶ σπειράμασινδεινῆς ἐχίδνης (Es Coe v247-249)

quando o paimorreu nos enlances e nas espiraisde medonha viacutebora

E nos uacuteltimos versos da trageacutedia o Coro lembra a morte do rei como mais um dos crimes

ocorridos no palaacutecio dos Atridas como se verifica nos versos abaixo

δεύτερον ἀνδρὸς βασίλεια πάθηλουτροδάικτος δ ὤλετ Ἀχαιῶνπολέμαρχος ἀνήρ (Es Coe v1070-1072)

Depois a morte do marido trucidado no banho pereceuo rei guerreiro dos aqueus

Nas Eumecircnides Orestes eacute julgado por ter matado a proacutepria matildee para vingar a morte de

Agamecircmnon Orestes lembra como aconteceu o assassinato do rei no terceiro episoacutedio

Ἀγαμέμνον ἀνδρῶν ναυβατῶν ἁρμόστοραξὺν ᾧ σὺ Τροίαν ἄπολιν Ἰλίου πόλινἔθηκας ἔφθιθ οὗτος οὐ καλῶς μολὼνεἰς οἶκον ἀλλά νιν κελαινόφρων ἐμὴμήτηρ κατέκτα ποικίλοις ἀγρεύμασικρύψασ ἃ λουτρῶν ἐξεμαρτύρει φόνον (Es Eu v456-461)

Agamecircmnon o comandante da esquadra82 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Coeacuteforas de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Coeacuteforas Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

53

com que fizeste sem forte o forte de IacutelionEle sucumbiu sem nobreza ao chegarem casa minha matildee de coraccedilatildeo negromatou-o envolto em astuto veacuteutestemunho do massacre no banho83

No proacuteximo episoacutedio Apolo tambeacutem lembra como foi a morte de Agamecircmnon ao tentar

defender Orestes da acusaccedilatildeo de matriciacutedio

οὐ γάρ τι ταὐτὸν ἄνδρα γενναῖον θανεῖνδιοσδότοις σκήπτροισι τιμαλφούμενονκαὶ ταῦτα πρὸς γυναικός οὔ τι θουρίοιςτόξοις ἑκηβόλοισιν ὥστ Ἀμαζόνοςἀλλ ὡς ἀκούσῃ Παλλάς οἵ τ ἐφήμενοιψήφῳ διαιρεῖν τοῦδε πράγματος πέριἀπὸ στρατείας γάρ νιν ἠμποληκότατὰ πλεῖστ ἄμεινον εὔφροσιν δεδεγμένη                                   δροίτῃ περῶντι λουτρὰ κἀπὶ τέρματιφᾶρος περεσκήνωσεν ἐν δ ἀτέρμονικόπτει πεδήσασ ἄνδρα δαιδάλῳ πέπλῳἀνδρὸς μὲν ὑμῖν οὗτος εἴρηται μόροςτοῦ παντοσέμνου τοῦ στρατηλάτου νεῶν (Es Eu v 625-637)

Natildeo eacute o mesmo o varatildeo nobre ser mortohonrado com cetro outorgado por Zeuse morto por mulher natildeo como furioso arco longemitente como de Amazonamas como ouviraacutes Palas e voacutes ao ladoque no voto decidireis esta questatildeoNa guerra o mais das vezes prosperoue na volta ela o recebeu com beneacutevolas palavras ofereceu banhos quentesem banheira de prata e ao terminarrecobriu-o com manto e no inteacuterminoaacuterduo manto prende e golpeia o varatildeoEsta morte vos eacute contada do varatildeovenerado por todos chefe da armada

Assim nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides a parte do mito de Agamecircmnon mencionada eacute a

morte contada por vaacuterios personagens das duas trageacutedias e principalmente pelos filhos do rei As

duas trageacutedias mostram os mesmos detalhes referentes agrave morte do rei apresentados em Agamecircmnon

como o banho mortal o uso do manto para imobilizar a viacutetima e o assassiacutenio cometido por

Clitemnestra Essa unidade acerca da morte de Agamecircmnon eacute mantida nas trecircs trageacutedias da

Oresteia demonstrando a uniformidade e coerecircncia do tragedioacutegrafo E ao apresentar as duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides buscou-se mostrar com mais evidecircncia como Eacutesquilo construiu a

83 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Eumecircnides de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Eumecircnides Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

54

morte de Agamecircmnon

34 A recepccedilatildeo no Agamecircmnon de Eacutesquilo

Diante das referecircncias sobre o mito de Agamecircmnon pretende-se mostrar como Eacutesquilo

construiu a sua personagem Natildeo seratildeo utilizados os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro

pois esses natildeo contecircm informaccedilotildees significativas para essa pesquisa Assim esse capiacutetulo se deteraacute

no mito de Agamecircmnon presente nos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia nos versos dos Cantos

Ciacuteprios e dos Retornos na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e se necessaacuterio nas Coeacuteforas e nas

Eumecircnides

Embora natildeo se vaacute utilizar os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro o proacuteprio tiacutetulo

do poema jaacute sugere uma ideia diferente do mito de Agamecircmnon da ideia anteriormente apresentada

por Homero E como jaacute foi mencionado antes de Estesiacutecoro jaacute havia uma versatildeo da Oresteia

composta por Xanto pela qual se mostra a importacircncia do mito naquela eacutepoca e a sua recriaccedilatildeo

Assim como Estesiacutecoro e Xanto Eacutesquilo compocircs uma Oresteia soacute que se utilizou do gecircnero

dramaacutetico e esse nome foi dado ao tiacutetulo de uma trilogia como jaacute foi citado anteriormente e natildeo a

um uacutenico poema Como base nas poucas informaccedilotildees acerca do poema de Estesiacutecoro pode-se supor

que a ideia de criar um poema que contemple a morte de Agamecircmnon seria uma influecircncia dos

poemas liacutericos na trageacutedia de Eacutesquilo mesmo que natildeo se saiba ateacute que ponto o tragedioacutegrafo foi

influenciado Poreacutem se sabe que o fragmento do poema Oresteia de Estesiacutecoro sobre o sonho de

Clitemnestra jaacute mencionado anteriormente foi reconstituiacutedo a partir das Coeacuteforas de Eacutesquilo Essa

cena soacute aparece na versatildeo esquiliana da encenaccedilatildeo do assassiacutenio de Clitemnestra natildeo estando

presente nem na Electra de Soacutefocles nem na Electra de Euriacutepides que abordam a mesma parte do

mito o matriciacutedio perpretado por Electra e Orestes Contudo esse fato pode anunciar uma

aproximaccedilatildeo entre o poema liacuterico de Estesiacutecoro e a poesia traacutegica de Eacutesquilo pois esta eacute a uacutenica a

manter o sonho no enredo

Os textos a serem analisados pertencem a princiacutepio a gecircneros distintos dois satildeo poemas

eacutepicos Iliacuteada e Odisseia e um eacute trageacutedia Agamecircmnon A diferenciaccedilatildeo de gecircnero jaacute permite uma

visatildeo diferente da personagem estudada embora sejam ambas imitaccedilatildeo de homens superiores como

se vecirc na Poeacutetica84 (1449b 9-10) de Aristoacuteteles A poesia eacutepica grega possui um caraacuteter coletivo

moral poliacutetico e histoacuterico (HAVELOCK 1996 p276) Diante disso o Agamecircmnon homeacuterico seraacute

construiacutedo principalmente com essas caracteriacutesticas Na Iliacuteada Agamecircmnon eacute o chefe das tropas 84 ἡ μὲν οὖν ἐποποιία τῇ τραγῳδίᾳ μέχρι μὲν τοῦ μετὰ μέτρου λόγῳ μίμησις εἶναι σπουδαίων

ἠκολούθησενmiddot (A Epopeia e a Trageacutedia concordam somente em serem ambas imitaccedilatildeo de homens superiores em verso)

55

gregas e o chefe dos homens Ele aparece como um ser supremo e mais valoroso do que os outros

guerreiros Por meio dos epiacutetetos percebe-se o valor do rei de Argos como jaacute foi mostrado

anteriormente Jaacute na Odisseia Agamecircmnon aparece na lembranccedila das personagens poreacutem natildeo mais

como um heroacutei mas sim como um homem de morte vergonhosa Ele surge duas vezes no poema

como uma alma do Hades que lamenta ter tido uma morte sem gloacuteria Embora as duas epopeias

homeacutericas tenham a mesma proposta diante da sociedade grega a personagem Agamecircmnon eacute

mostrada de maneira distinta na Iliacuteada um chefe glorioso e na Odisseia um homem desditoso

Com isso pode-se dizer que a trageacutedia de Eacutesquilo quer mostrar essa passagem do rei Agamecircmnon

de chefe glorioso a um homem desditoso ou seja do triunfo presente na Iliacuteada agrave derrocada presente

na Odisseia Essa mudanccedila eacute proacutepria da trageacutedia como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1451a 13-

16)

ὡς δὲ ἁπλῶς διορίσαντας εἰπεῖν ἐν ὅσῳ μεγέθει κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον ἐφεξῆς γιγνομένων συμβαίνει εἰς εὐτυχίαν ἐκ δυστυχίας ἢ ἐξ εὐτυχίας εἰς δυστυχίαν μεταβάλλειν ἱκανὸς ὅρος ἐστὶν τοῦ μεγέθους

Dando uma definiccedilatildeo mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Trageacutedia eacute o que permite que nas accedilotildees uma apoacutes outra sucedidas conformemente agrave verossimilhanccedila e agrave necessidade se decirc o transe da infelicidade agrave felicidade ou da felicidade agrave infelicidade

Entatildeo essa mudanccedila na trageacutedia Agamecircmnon pode ser concebida como uma junccedilatildeo das duas

personagens Agamecircmnon da poesia homeacuterica que na Iliacuteada eacute glorioso e na Odisseia desditoso Eacute

essa mudanccedila do heroacutei ao homem comum que alimenta a trageacutedia Esse fato liga a audiecircncia agrave

personagem pois a humanizaccedilatildeo do heroacutei o aproxima da realidade local

Eacutesquilo assim como os outros tragedioacutegrafos do seacutec V vai compor suas trageacutedias com base

nos mitos e ao escolher o mito de Agamecircmnon utilizou-se provavelmente das fontes homeacutericas

como afirma Serrano (2003 p119) ldquoEsquilo ha conseguido perfiacutelar la grandeza de un

personaje directamente heredado de la eacutepica homeacutericardquo85 Para Havelock (1996 p275) o drama

aacutetico eacute como se fosse uma extensatildeo dos poemas eacutepicos ele conserva o caraacuteter didaacutetico mas tem

uma identidade particular Dentro dessa identidade particular a personagem Agamecircmnon de

Eacutesquilo diferencia-se das personagens homocircnimas da poesia homeacuterica mas tambeacutem se assemelha

em algumas caracteriacutesticas

No Agamecircmnon de Eacutesquilo encontram-se nuanccedilas da personagem homocircnima da Iliacuteada de

Homero em alguns versos como quando o Coro no paacuterodo anapeacutestico menciona quem eram os

chefes gregos

85 Eacutesquilo conseguiu perfilar a grandeza de um personagem diretamente herdado da eacutepica homeacuterica

56

Μενέλαος ἄναξ ἠδ Ἀγαμέμνωνδιθρόνου Διόθεν καὶ δισκήπτρουτιμῆς ὀχυρὸν ζεῦγος Ἀτρειδᾶν (Es Ag v42-44)

o rei Menelau e Agamecircmnonestrecircnuo par de Atridas honradopor Zeus com dois tronos e dois cetros

Ainda no paacuterodo liacuterico o Coro mais uma vez lembra a dupla de Atridas e seu poder

κεδνὸς δὲ στρατόμαντις ἰδὼν δύο λήμασι δισσοὺς                  Ἀτρεΐδας μαχίμους ἐδάη λαγοδαίταςπομπούς τ ἀρχάς (Es Ag v123-125)

dois Atridasde dupla iacutendole belicosos vorazes de lebrecondutores do impeacuterio

A mesma referecircncia de Eacutesquilo mostrada nos exemplos acima a Agamecircmnon como Atrida

junto com o seu irmatildeo Menelau aparece algumas vezes na Iliacuteada de Homero como nos versos

Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ Μενελάῳ86 (Il VII v374) δ Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ

Μενελάῳ87 (Il VII v470) pois na Iliacuteada eacute mais frequente a presenccedila de Agamecircmnon Atrida

dissociada da presenccedila do irmatildeo o epiacuteteto Atrida eacute utilizado para os dois reis quer estejam soacutes ou

em par Isso pode mostrar que no poema eacutepico Agamecircmnon ao aparecer inuacutemeras vezes sozinho

eacute mais forte e valoroso do que a personagem homocircnima da trageacutedia que aparece em par com o

irmatildeo

No primeiro exemplo de Eacutesquilo Agamecircmnon e Menelau aparecem como honrados por

Zeus (Διόθεν) o mesmo viacutenculo divino estaacute presente na Iliacuteada como nos versos seguintes

Ἀγαμέμνονα δῖον88 (Il IV v223) e Ἀγαμέμνονι δίῳ89(Il XVIII v257) Mais uma vez o

adjetivo atribuiacutedo ao rei na poesia eacutepica eacute compartilhado com o irmatildeo na poesia traacutegica designando

um menor valor da personagem da peccedila

Na trageacutedia quando o Arauto chega ao palaacutecio dos Atridas ele anuncia a chegada de

Agamecircmnon e o chama de rei (monarca) ndash βασιλέα (Ag v521) e de rei (chefe) ndash ἄναξ (Ag

v523 e 530) Os dois adjetivos tambeacutem qualificam Agamecircmnon na Iliacuteada como rei (monarca)

86 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)87 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)88 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)89 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

57

αἰδομένω βασιλῆα90 (Il I v331) e τοῦ βασιλῆος ἀπηνέος91 (Il I v340) e como rei (chefe)

ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων92 (Il III v267) e ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων93 (Il XI v254)

Mais adiante na trageacutedia esquiliana o Coro no iniacutecio do terceiro episoacutedio tambeacutem chama

Agamecircmnon de βασιλεῦ assim como o Arauto mencionou nos versos anteriores E por fim

Agamecircmnon soacute seraacute novamente lembrado como rei (monarca) no canto de lamentaccedilatildeo do Coro

apoacutes a morte dele no verso ἰὼ ἰὼ βασιλεῦ βασιλεῦ94 (Ag v1489 e 1513) Na Iliacuteada tambeacutem

encontra-se outro adjetivo para qualificar o rei como chefe poderoso em κρείων Ἀγαμέμνων95

(IV v204 e 311) esse adjetivo natildeo foi encontrado na trageacutedia de Eacutesquilo talvez porque a

indumentaacuteria do ator eou a sua performance jaacute indicassem a audiecircncia o poder e a forccedila de

Agamecircmnon como se pode verificar na qualificaccedilatildeo do rei a partir das palavras de Clitemnestra

λέγοιμ ἂν ἄνδρα τόνδε τῶν σταθμῶν κύνασωτῆρα ναὸς πρότονον ὑψηλῆς στέγηςστῦλον ποδήρη μονογενὲς τέκνον πατρίκαὶ γῆν φανεῖσαν ναυτίλοις παρ ἐλπίδακάλλιστον ἦμαρ εἰσιδεῖν ἐκ χείματοςὁδοιπόρῳ διψῶντι πηγαῖον ῥέοςτερπνὸν δὲ τἀναγκαῖον ἐκφυγεῖν ἅπαν (Ag v896-902)

eu diria este homem catildeo do estaacutebulo salvador cabo do navio coluna firmado alto teto filho uacutenico para o pai terra agrave vista para marujos inesperadasereno dia a contemplar apoacutes tormentaaacutegua da fonte para o sedento viajor prazeroso escapar a toda coerccedilatildeo

Agamecircmnon natildeo aparece na trageacutedia soacute como rei mas tambeacutem como um homem religioso e

temente aos deuses Ele mesmo tenta passar essa imagem

πρῶτον μὲν Ἄργος καὶ θεοὺς ἐγχωρίουςδίκη προσειπεῖν τοὺς ἐμοὶ μεταιτίους (Ag v810-811)

Primeiro Argos e os Deuses regionaiseacute justo saudar

τούτων θεοῖσι χρὴ πολύμνηστον χάριντίνειν ἐπείπερ χἀρπαγὰς ὑπερκόπους (Ag v821-822)

90 Mostrando respeito ao rei (traduccedilatildeo nossa)91 O hodiendo rei (traduccedilatildeo nossa)92 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nosso)93 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)94 Ioacute ioacute rei rei (traduccedilatildeo nossa)95 O poderoso Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

58

Por isto eacute preciso dar mecircmores graccedilasaos Deuses muitas

νῦν δ ἐς μέλαθρα καὶ δόμους ἐφεστίουςἐλθὼν θεοῖσι πρῶτα δεξιώσομαιοἵπερ πρόσω πέμψαντες ἤγαγον πάλιν (Ag v851-853)

Agora ao palaacutecio e morada de Heacutestia irei e saudarei primeiro os Deusesque me enviaram e reconduziram

Jaacute na Iliacuteada Agamecircmnon aparece exercendo o papel religioso na funccedilatildeo de chefe das tropas

gregas como quando Zeus lhe envia um sonho enganador para que os gregos voltassem ao

combate entatildeo diante disso Agamecircmnon faz uma oferenda a Zeus no canto II (v402-403) e ao

presidir os funerais de Paacutetroclo no canto XXIII (v49-53) Mas tambeacutem Agamecircmnon como chefe

das tropas gregas escuta a previsatildeo de Calcante sobre a peste que assola o acampamento grego e

segue o conselho do adivinho no canto I (v68-120) E no Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem se

encontra uma previsatildeo de Calcante acerca do destino dos Atridas na guerra de Troia no paacuterodo

liacuterico (v114-159) nessa peccedila natildeo fica claro a recepccedilatildeo do prenuncio

Aleacutem disso o Agamecircmnon traacutegico tem medo de comparar-se aos deuses e ser punido por

isso mas mesmo assim Clitemnestra o conduz para essa desmedida quando manda estender um

tapete puacuterpuro para o rei entrar no palaacutecio Ele aceita a opulecircncia oferecida pela esposa

ἀλλ εἰ δοκεῖ σοι ταῦθ ὑπαί τις ἀρβύλαςλύοι τάχος πρόδουλον ἔμβασιν ποδόςκαὶ τοῖσδέ μ ἐμβαίνονθ ἁλουργέσιν θεῶνμή τις πρόσωθεν ὄμματος βάλοι φθόνοςπολλὴ γὰρ αἰδὼς δωματοφθορεῖν ποσὶνφύροντα πλοῦτον ἀργυρωνήτους θ ὑφάς

Se isto te agrada descalce-me logoos sapatos servis anteparos dos peacutes e ao pisar nestas puacuterpuras dos Deusesnatildeo me atinja de longe a inveja do olhoGrande eacute o pudor de arruinar o palaacuteciopisando opulecircncia e tecidos preciosos (Ag v944-949)

A trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem vai se influenciar pela Odisseia de Homero E a

primeira influecircncia jaacute aparece no proacutelogo recitado por um Vigia um servo que mandado por

Clitemnestra aguarda os sinais do retorno do rei

καὶ νῦν φυλάσσω λαμπάδος τὸ σύμβολοναὐγὴν πυρὸς φέρουσαν ἐκ Τροίας φάτινἁλώσιμόν τε βάξιν ὧδε γὰρ κρατεῖ

59

γυναικὸς ἀνδρόβουλον ἐλπίζον κέαρ (Es Ag v8-11)

Agora aguardo o sinal do lampejoa luz do fogo a trazer voz de Troiae notiacutecia da captura tal eacute o poderdo viril coraccedilatildeo expectante da mulher

A mesma personagem tambeacutem aparece na Odisseia no canto IV (v526-527) quando

Menelau conta a Telecircmaco como foi a recepccedilatildeo de Agamecircmnon em seu palaacutecio Mas o Vigia de

Homero eacute mandado por Egisto e natildeo por Clitemnestra como ocorre na trageacutedia

O principal tema abordado em relaccedilatildeo agraves duas obras eacute a morte de Agamecircmnon Na trageacutedia

grega a morte do rei eacute relatada duas vezes a primeira por meio da previsatildeo de Cassandra e a

segunda quando Clitemnestra conta como matou o marido Jaacute no poema homeacuterico a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada pelas personagens e pelo proacuteprio rei depois de morto no Hades que se

recorda da sua morte ingloriosa E a parte referente agrave previsatildeo da morte do rei feita por Cassandra

na trageacutedia natildeo aparece na Odisseia Nesse poema eacutepico Cassandra aparece quando Agamecircmnon

ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra matou a consorte perto de seu corpo (XI

v422-423) A referecircncia agrave morte de Cassandra tambeacutem surge na Piacutetica XI de Piacutendaro ao mencionar

que Cassandra vai para o Hades com Agamecircmnon (v30-31) e na peccedila de Eacutesquilo quando

Clitemnestra anuncia que matou a profetisa (Ag v1440-1441) Assim como a morte do rei

Cassandra tambeacutem prevecirc a sua morte (Ag v1258-1260) Na trageacutedia a previsatildeo de Cassandra

acerca da morte do rei tem o papel dramaacutetico de descrever mais minunciosamente como tudo

aconteceraacute como se pode observar nos versos jaacute citados anteriormente e preparar a audiecircncia para

o que estaacute por vir A Cassandra como personagem traacutegica representa um momento de transiccedilatildeo A

profetisa aparece em cena para mostrar a mudanccedila traacutegica a passagem do heroacutei da felicidade para a

infelicidade por isso logo apoacutes a sua previsatildeo se daacute a morte do rei Essa caracteriacutestica eacute proacutepria do

estado transitoacuterio vivido por Cassandra que oscila entre o humano (natureza proacutepria) e o divino

(natureza profeacutetica)96

No quinto episoacutedio da trageacutedia Clitemnestra narra como matou o seu marido explica que

usou uma rede para imobilizaacute-lo e o atingiu com trecircs golpes certeiros Essa descriccedilatildeo do assassiacutenio

soacute aparece na trageacutedia natildeo estando presente no poema eacutepico Os detalhes relatados da morte do rei

satildeo essenciais para o teatro porque Agamecircmnon vai morrer por traacutes das ldquocortinasrdquo As mortes na

trageacutedia grega do seacutec V normalmente natildeo eram encenadas mas sim contadas por uma personagem

No momento em que Clitemnestra descreve como matou o rei tem-se o cliacutemax da trageacutedia ao

96 Mais informaccedilotildees acerca de Cassandra em IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80 Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

60

contraacuterio do que acontece na eacutepica na qual natildeo haacute um uacutenico momento importante e sim muitos

Assim a Clitemnestra traacutegica conta como matou o rei

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσώνκἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

A morte de Agamecircmnon na peccedila de Eacutesquilo tem um uacutenico assassino a sua esposa

Clitemnestra como se verifica nos versos acima isso tambeacutem acontece na Piacutetica XI de Piacutendaro na

qual Clitemnestra aleacutem de ser apontada como assassina do marido e de Cassandra tambeacutem aparece

demonstrando os seus questionamentos sobre o assassiacutenio Nesse poema Clitemnestra e os seus

questionamentos tomam a maioria dos versos destinados ao mito do Atrida e a respeito disso afirma

Fialho (2012 p 49) ldquoO fulcro do crime eacute Clitemnestra jaacute longe da tradiccedilatildeo do ciclo eacutepico troiano

e nem sequer a rainha eacute posta a par de Egisto no seu gesto mortiacuteferordquo A forccedila da Clitemnestra

traacutegica a torna capaz de matar sozinha o marido e a coloca no foco do assassiacutenio assim como

ocorre na Clitemnestra de Piacutendaro Aliaacutes a rainha aparece como protagonista da morte do rei a partir

da poesia liacuterica pois nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano ela compartilha

essa culpa com o amante Egisto como assim propotildee Serrano (2003 p106)

61

A partir de la eacutepica se comienza a producir una paulatina inversioacuten de la responsabilidad criminal Estesiacutecoro presenta una heroiacutena maacutes decidida hasta que finalmente en Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra cobra un gran protagonismo se convierte en la ejecutora del crimen (17-22) frente a Egisto que comienza a perder su papel principal en la historia97

Na Odisseia o rei aparece como assassinado pela esposa e pelo amante dela Egisto como

jaacute foi mostrado nas palavras de Atena no canto III (v234-235) e nas palavras do espectro de

Agamecircmnon nos cantos XI (v408-412) e XXIV (v96-97) E no poema Retornos os dois tambeacutem

aparecem como executores dos crimes nos versos jaacute mencionados acima Com isso pode se

deduzir que Eacutesquilo ao escolher o assassino de Agamecircmnon foi influenciado pelo poema liacuterico de

Piacutendaro ao inveacutes dos poemas eacutepicos

Mas mesmo que os assassinos na trageacutedia e no poema eacutepico natildeo sejam os mesmos o autor

do plano de morte do rei foi Egisto e nisso os dois poemas concordam Na trageacutedia assim fala

Egisto

καὶ τοῦδε τἀνδρὸς ἡψάμην θυραῖος ὤνπᾶσαν ξυνάψας μηχανὴν δυσβουλίας (Ag v1608-1609)

e estando fora pus a matildeo neste homemao tramar todo o ardil do conluio

Na Odisseia a descriccedilatildeo do plano de Egisto eacute mais detalhada do que na trageacutedia como se

observa na fala de Menelau mostrando que o poema eacutepico concede um maior destaque ao plano de

vinganccedila e seus executores do que ao rei Agamecircmnon e agrave sua morte pois esse teve uma morte sem

gloacuteria

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara

97 A partir da eacutepica se comeccedila a produzir uma paulatina inversatildeo da responsabilidade criminal Estesiacutecoro apresenta uma heroiacutena mais decidida ateacute que finalmente em Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra desempenha um grande protagonismo torna-se a executora do crime (17-22) frente a Egisto que comeccedila a perder o seu papel principal na histoacuteria

62

natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

Por outro lado essa descriccedilatildeo presente na Odisseia em alguns aspectos se difere da

descriccedilatildeo feita por Clitemnestra em Eacutesquilo como menciona Serrano (2003 p 53)

Ofrece Homero en este pasaje la segunda versioacuten de la muerte del Atrida distinta de la que recogeraacute Esquilo en la Orestiacutea Invitaacutendolo a un banquete Egisto mata a Agamenoacuten y a sus hombres cayendo tambieacuten en la lucha los hombres de Egisto no se nombra a Clitemnestra en niguacuten momento98

As partes referentes ao banquete preparado a Agamecircmnon por Egisto e a morte dos

guerreiros do rei juntamente com ele natildeo aparecem na trageacutedia esquiliana Aleacutem da ausecircncia de

Clitemnestra tatildeo presente na peccedila

Tambeacutem atraveacutes desses versos homeacutericos pode-se perceber que aleacutem de preparar o plano

de vinganccedila Egisto eacute a personagem mais ativa na execuccedilatildeo da morte do rei como afirma Serrano

(2003 p105-106)

En la eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de una importante responsabilidad como artiacutefice del crimen de Agamenoacuten y Clitemnestra aparece en un segundo plano desde el principio habiendo sido seducida y engantildeada por el hijo de Tiestes99

E outro toacutepico relevante eacute a comparaccedilatildeo da morte do rei a um sacrifiacutecio de animais como

foi mencionado nos versos homeacutericos acima que tambeacutem estaacute presente na trageacutedia de Eacutesquilo nas

palavras de Clitemnestra

τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάριν (Es Ag v1386-1387)

oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos

98 Nesta passagem Homero oferece uma segunda versatildeo da morte do Atrida distinta da que fora retirada da Oresteia de Eacutesquilo Convidando-o para um banquete Egisto mata Agamecircmnon e seus homens caindo tambeacutem na luta os homens de Egisto natildeo se nomeia Clitemnestra em nenhum momento

99 Na eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de uma grande responsabilidade como artiacutefice do crime de Agamecircmnon e Clitemnestra aparece em segundo plano desde o iniacutecio tendo sido seduzida e enganada pelo filho de Tiestes

63

Jaacute com relaccedilatildeo agrave morte vergonhosa mencionada na Odisseia ateacute pelo espectro de

Agamecircmnon ela eacute julgada diferentemente pela Clitemnestra de Eacutesquilo

[οὔτ ἀνελεύθερον οἶμαι θάνατοντῷδε γενέσθαι] (Es Ag v1521)

Natildeo creio que teve indigna mortenatildeo eacute injusto ter dolorosa morte

Clitemnestra justifica que a morte de Agamecircmnon natildeo eacute indigna porque ele estaacute pagando

pelos males que fez e assim o considera digno do Hades pois o rei cometeu muitos erros no

passado e por isso deve morrer Somente a Clitemnestra traacutegica julga que a morte do rei eacute digna

dele Na Odisseia natildeo soacute nas palavras do espectro de Agamecircmnon mas tambeacutem na fala das outras

personagens que mencionam a morte do rei encontra-se referecircncia agrave morte vergonhosa de

Agamecircmnon como quando no canto XXIV no Hades Agamecircmnon conversa com Aquiles e esse

lembra os feitos do rei em Troia mas lamenta a morte sem gloacuteria

νῦν δ ἄρα σ οἰκτίστῳ θανάτῳ εἵμαρτο ἁλῶναι (Hom Od XXIV v34)

Mas o destino te havia guardado a mais triste das Mortes

E a mesma ideia de morte vergonhosa tambeacutem estaacute presente nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides

de Eacutesquilo Na primeira trageacutedia Orestes em diaacutelogo com Electra e o Coro lamenta por seu pai

natildeo ter morrido na guerra de Troia e por natildeo ter deixado uma gloacuteria para os filhos

εἰ γὰρ ὑπ Ἰλίῳ                 πρός τινος Λυκίων πάτερδορίτμητος κατηναρίσθηςλιπὼν ἂν εὔκλειαν ἐν δόμοισιντέκνων τ ἐν κελεύθοιςἐπιστρεπτὸν αἰῶκτίσσας πολύχωστον ἂν εἶχεςτάφον διαποντίου γᾶςδώμασιν εὐφόρητον (Es Coe v345-353)

Ah se no sopeacute de Iacuteliongolpeado por lanccedila de um liacutecio tivesses perecido oacute paiLegada bela gloacuteria no palaacutecio e nos caminhos dos filhos criadavida a que se voltam os olharesterias tuacutemulo magniacuteficoem terra ultramarinasuportaacutevel ao palaacutecio

64

Na segunda peccedila Orestes tambeacutem afirma que o pai teve uma morte indigna como jaacute foi

citado anteriormente (Es Eu v 448-449) Assim a morte de Agamecircmnon eacute tida como desonrosa

na Odisseia e nas duas trageacutedias apresentadas acima mostrando que Eacutesquilo embora em

Agamecircmnon tenha atraveacutes de Clitemnestra julgado a morte do rei como digna compartilhou da

imagem negativa da morte do rei ao qualificaacute-la como indigna nas outras duas trageacutedias da Oresteia

e em ambas por meio da fala de Orestes

Embora muitas partes referentes agrave morte do Agamecircmnon de Eacutesquilo sejam parecidas com as

partes presentes na Odisseia de Homero a abordagem sobre a morte eacute diferente Na Odisseia morre

o rei de Argos e chefe vitorioso da guerra de Troia a morte do rei eacute indigna ingloriosa e

vergonhosa pois para um heroi guerreiro eacute preferiacutevel morrer na guerra e ter uma gloacuteria eterna do

que morrer velho ou pelas matildeos de uma mulher como acontece em Eacutesquilo Pode-se observar essa

morte gloriosa quando no canto XXIV o espectro de Agamecircmnon ao conversar com o espectro de

Aquiles no Hades conta para o uacuteltimo como foram as suas honras fuacutenebres e lembra a fama de

Aquiles por ter morrido em combate

ὣς σὺ μὲν οὐδὲ θανὼν ὄνομ ὤλεσας ἀλλά τοι αἰεὶπάντας ἐπ ἀνθρώπους κλέος ἔσσεται ἐσθλόν Ἀχιλλεῦ (Hom Od XXIV v93-94)

Natildeo se apagou com tua Morte o teu nome poreacutem para sempreentre os mortais haacutes de fruir grande Aquiles renome glorioso

Jaacute na trageacutedia Agamecircmnon quem morre eacute o marido de Clitemnestra e o pai de Ifigecircnia Os

laccedilos de sangue causam a morte do rei que eacute provocada pelo retorno dele ao lar Assim o rei

glorioso vencedor de Troia perde a sua honra ao morrer sendo viacutetima de um crime familiar

produto de uma maldiccedilatildeo Essa maldiccedilatildeo natildeo eacute mencionada nos poemas homeacutericos Nesse

momento observa-se o caraacuteter particular da trageacutedia pois Agamecircmnon eacute assassinado por causa da

vinganccedila de sua esposa um motivo particular contrapondo-se ao caraacuteter coletivo da poesia eacutepica

por isso em Homero a morte de Agamecircmnon eacute vergonhosa e sem gloacuteria pois eacute produto de uma

causa particular

As justificativas do assassiacutenio de Agamecircmnon feitas por Clitemnestra ndash sacriacuteficio de

Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas (Criseida) e levar uma amante ateacute o palaacutecio (Cassandra) ndash na

trageacutedia Agamecircmnon satildeo apresentadas pela esposa apoacutes a execuccedilatildeo do marido

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ

65

[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόπος καὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e v 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulherquem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa

Esses argumentos demonstram uma aproximaccedilatildeo entre a trageacutedia e o poema de Piacutendaro pois

quando Clitemnestra se questiona a respeito da execuccedilatildeo do crime ela suscita as justificativas da

personagem traacutegica (Pin Pit XI v22-27) A rainha liacuterica lembra do sacrifiacutecio de Ifigecircnia e das

amantes de Agamecircmnon (Criseida e Cassandra) Como nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos

do ciclo troiano natildeo se encontra menccedilatildeo a respeito das justificativas apresentadas por Clitemnestra

para cometer o assassiacutenio pode-se concluir que dentre as obras que sobreviveram a Piacutetica XI de

Piacutendaro influenciou Eacutesquilo na criaccedilatildeo desses argumentos da rainha

Aleacutem disso nos versos citados acima observa-se que em Agamecircmnon Clitemnestra mata o

marido e tambeacutem mata Cassandra consumando a profecia Esse momento do mito estaacute presente na

Odisseia de Homero quando Agamecircmnon ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra

matou a consorte perto de seu corpo (XI v422-423) Na Piacutetica XI (v30-31) Cassandra eacute enviada

com Agamecircmnon para o reino dos mortos E na trageacutedia de Eacutesquilo Clitemnestra afirma que a

adivinha jaz do mesmo modo que o rei

No entanto pode-se dizer que Eacutesquilo natildeo soacute usou os poemas homeacutericos para construir a sua

trageacutedia Agamecircmnon mas tambeacutem sofreu influecircncias dos poemas liacutericos de Estesiacutecoro e Piacutendaro

conforme foi apresentado anteriormente Mas num primeiro momento percebe-se mais claramente

a presenccedila da Iliacuteada na peccedila atraveacutes do caraacuteter guerreiro e real de Agamecircmnon E num segundo

momento aparece a Odisseia ao tratar da morte do rei Os dois poemas liacutericos mudam o foco do

assassinato do rei para Clitemnestra E assim imerso em todas essas influecircncias poeacuteticas pode-se

dizer que Eacutesquilo construiu o seu Agamecircmnon Contudo a trageacutedia esquiliana tambeacutem se

contaminou dos aspectos sociais da sua eacutepoca poreacutem esse assunto natildeo se pretende abordar nesta

pesquisa

66

4 CAPIacuteTULO 3 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e recepccedilatildeo

O presente capiacutetulo pretende apresentar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega apoacutes a Oresteia de

Eacutesquilo e a romana recontam o mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos na guerra de Troia Seratildeo

discutidas as seguintes obras na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca

Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Biblioteca

Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de

Secircneca E atraveacutes das obras apresentadas tentar-se-aacute mostrar como Secircneca recepcionou essa

tradiccedilatildeo em sua trageacutedia Agamecircmnon

41 A tradiccedilatildeo miacutetica grega

A trageacutedia Aacutejax de Soacutefocles datada de 450 aC apresenta a morte do guerreiro Aacutejax Nessa

trageacutedia Agamecircmnon surge depois da morte do protagonista para impedir que seja concedida a

honra fuacutenebre ao morto (Sof Aj v1226-1263) Mas depois o rei eacute convencido por Odisseu a

autorizar o enterro de Aacutejax (Sof Aj v1318-1373) Nesses versos Agamecircmnon aparece como o

chefe das tropas gregas a autoridade maacutexima que soacute cede ao enterro quando Odisseu lembra que o

ato de negar honras fuacutenebres eacute um ato impiedoso

Jaacute na Electra de Soacutefocles peccedila de data incerta de entre 420-410 aC Agamecircmnon jaacute estaacute

morto e Electra sua filha espera a chegada do irmatildeo Orestes para vingar o assassiacutenio do pai No

primeiro episoacutedio em diaacutelogo com o Coro ela lembra o assassinato do pai

ὅσα τὸν δύστηνον ἐμὸν θρηνῶπατέρ ὃν κατὰ μὲν βάρβαρον αἶανφοίνιος Ἄρης οὐκ ἐξένισενμήτηρ δ ἡμὴ χὠ κοινολεχὴςΑἴγισθος ὅπως δρῦν ὑλοτόμοισχίζουσι κάρα φονίῳ πελέκεικοὐδεὶς τούτων οἶκτος ἀπ ἄλληςἢ μοῦ φέρεται σοῦ πάτερ οὕτωςἀδίκως οἰκτρῶς τε θανόντος (Sof El v94-102)

Ela (Clitemnestra) sabe as laacutegrimas que chorei pelo meu desditoso pai que em terras baacuterbaras o sanguinolento Ares natildeo colheu e a quem a matildee e o amante Egisto fenderam a cabeccedila com homicida acha como os lenhadores fendem um carvalho100

100 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Soacutefocles satildeo do Pe E Dias Palmeira conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SOacuteFOCLES Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os Rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

67

Mais adiante Electra lamentando a sua vida por ser prisioneira na proacutepria casa continua

Ὦ πασᾶν κείνα πλέον ἁμέραἐλθοῦσ ἐχθίστα δή μοιὦ νύξ ὦ δείπνων ἀρρήτωνἔκπαγλ ἄχθητοὺς ἐμὸς ἴδε πατὴρθανάτους αἰκεῖς διδύμαιν χειροῖν (Sof El v201-206)

Oacute dia mais execraacutevel de quantos vivi Oacute noite oacute dor horriacutevel daquele banquete nefando em que meu pai recebeu uma morte infame de um duplo braccedilo

Apreensiva com a vida reclusa no palaacutecio dos Atridas e insatisfeita com a indiferenccedila da

irmatilde Crisoacutetemis em relaccedilatildeo a morte do pai Electra enfrenta a matildee Clitemnestra e esta afirma

Πατὴρ γάρ οὐδὲν ἄλλο σοὶ πρόσχημ ἀεὶὡς ἐξ ἐμοῦ τέθνηκεν ἐξ ἐμοῦ καλῶςἔξοιδα τῶνδ ἄρνησις οὐκ ἔνεστί μοι (Sof El v525-527)

O teu pai ndash e nenhuma outra coisa te serve de pretexto ndash afirmas que morreu agraves minhas matildeos Sim agraves minhas matildeos bem sei nem me eacute possiacutevel negaacute-lo

Clitemnestra justifica o assassiacutenio com o crime cometido por Agamecircmnon pois ele

sacrificou a proacutepria filha Ifigecircnia em honra da deusa Aacutertemis para que os ventos fossem

favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo agrave Troia Nessa trageacutedia Soacutefocles deteacutem-se na morte de Agamecircmnon

motivo pelo qual a sua filha Electra acompanhada de Orestes deseja matar a proacutepria matildee para

vingar o assassiacutenio do pai E Agamecircmnon natildeo aparece como personagem nessa peccedila somente haacute

menccedilatildeo agrave morte dele

Do mesmo modo a Electra de Euriacutepides datada de 413 aC101 apresenta poucas referecircncias

agrave morte do rei No proacutelogo em que haacute um diaacutelogo entre Electra e seu marido ele menciona a morte

do chefe dos gregos

ἐν δὲ δώμασινθνήισκει γυναικὸς πρὸς Κλυταιμήστρας δόλωικαὶ τοῦ Θυέστου παιδὸς Αἰγίσθου χερί (Eu El v8-10)

Em casa poreacutem eacute morto por ardil da mulher Clitemnestra e pelas matildeos do filho de Tiestes Egisto102

101 Dataccedilatildeo mais consensual entre os pesquisadores pois haacute muita polecircmica acerca desse assunto Para mais informaccedilotildees SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado p 18-19

102 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Euriacutepides satildeo de Karen Amaral Sacconi conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo

68

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nessa peccedila por Orestes (Eu El v 85-86)

Electra mais uma vez lamenta o assassinato do pai (Eu El v 122-124 e v163-166) E por fim

antes do relato da morte de Clitemnestra o Coro lembra a morte do rei

παλίρρους δὲ τάνδ ὑπάγεται δίκαδιαδρόμου λέχους μέλεον ἃ πόσινχρόνιον ἱκόμενον εἰς οἴκουςΚυκλώπειά τ οὐράνια τείχε ὀ-ξυθήκτωι βέλους ἔκανενdaggerαὐτόχειρπέλεκυν ἐν χεροῖν λαβοῦσ (Eu El v 1155-1160)

A justiccedila reflui e acusa esta mulherpor seu leito errante Pois ela quando o esposo desventuradovoltou depois de muito para casa para as muralhas cicloacutepicas e celestesela matou com o gume afiado da espada na proacutepria matildeona matildeo tinha um machado

Assim como a Electra de Soacutefocles a peccedila homocircnima de Euriacutepides lembra apenas a morte de

Agamecircmnon atraveacutes das falas das personagens A morte do rei eacute o principal argumento para que

Electra e Orestes matem a proacutepria matildee e Egisto

E anteriormente agrave Electra de Euriacutepides foram encenadas trecircs trageacutedias do mesmo

tragedioacutegrafo que trazem o mito de Agamecircmnon Androcircmaca Heacutecuba e Troianas Na Androcircmaca

datada de 429-425 aC Androcircmaca eacute ameaccedilada de morte por Hermiacuteone mas com a ajuda de Peleu

ela consegue escapar Como a trageacutedia pertence ao ciclo troiano haacute menccedilatildeo agrave morte do chefe dos

gregos como se observa no quarto estaacutesimo

βέβακε δ Ἀτρείδας ἀλόχου παλάμαιςαὐτά τ ἐναλλάξασα φόνον θανάτουπρὸς τέκνων ἐπηῦρεν (Eu And v 1028-1030)

Haacute perecido o Atrida agraves matildeos da esposae ela pagou o crime com a morterecebeu de seus filhos o castigo do deus103

As outras referecircncias a Agamecircmnon presentes nessa peccedila estatildeo ligadas agrave paternidade de

Orestes que aparece na peccedila para ajudar Hermiacuteone a fugir da puniccedilatildeo de tentar matar Androcircmaca

Na Heacutecuba datada de 425-424 aC Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila

Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado 103 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Androcircmaca de Euriacutepides satildeo de Joseacute Ribeiro Ferreira

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

69

quando apoacutes o sacrifiacutecio de Poliacutexena ele encontra Heacutecuba junto a um cadaacutever o do seu filho

Polidoro Heacutecuba pede ao rei que a ajude a vingar a morte de seu filho Logo Agamecircmnon encontra

Polimestor o assassino de Polidoro com os olhos feridos pelas matildeos das mulheres troianas

chefiadas por Heacutecuba mas o rei argivo nega hospitalidade ao assassino e este antes de ir embora

amaldiccediloa o chefe grego como se vecirc no diaacutelogo com Heacutecuba

Πο καὶ σήν γ ἀνάγκη παῖδα Κασσάνδραν θανεῖνΕκ ἀπέπτυσ αὐτῶι ταῦτα σοὶ δίδωμ ἔχεινΠο κτενεῖ νιν ἡ τοῦδ ἄλοχος οἰκουρὸς πικράΕκ μήπω μανείη Τυνδαρὶς τοσόνδε παῖςΠο καὐτόν γε τοῦτον πέλεκυν ἐξάρασ ἄνω (Eu Hec v1275-1279)

Pol E eacute necessaacuterio que morra tua filha CassandraHeacutec Cuspo fora que o mesmo valha para tiPol A esposa desse aiacute acre guardiatilde da casa mataacute-la-aacuteHec Que a Tindarida nunca enlouqueccedila desse modoPol E tambeacutem mataraacute esse aiacute erguendo uma machada104

Nos versos acima pode-se observar que haacute uma referecircncia agrave morte de Agamecircmnon na peccedila

Apesar das palavras maleacuteficas de Polimestor Agamecircmnon aparece como um homem virtuoso ao

negar ajuda a Polimestor que matou Polidoro o seu hoacutespede

Nas Troianas datada de 415 aC Heacutecuba preocupa-se com o destino de sua prole apoacutes a

queda de Troia Em conversa com a sua filha Cassandra a jovem revela agrave matildee uma profecia de

Apolo

εἰ γὰρ ἔστι ΛοξίαςἙλένης γαμεῖ με δυσχερέστερον γάμονὁ τῶν Ἀχαιῶν κλεινὸς Ἀγαμέμνων ἄναξκτενῶ γὰρ αὐτὸν κἀντιπορθήσω δόμουςποινὰς ἀδελφῶν καὶ πατρὸς λαβοῦσ ἐμοῦἀλλ αὔτ ἐάσω πέλεκυν οὐχ ὑμνήσομενὃς ἐς τράχηλον τὸν ἐμὸν εἶσι χἀτέρωνμητροκτόνους τ ἀγῶνας οὓς οὑμοὶ γάμοιθήσουσιν οἴκων τ Ἀτρέως ἀνάστασιν (Eu Tr v356-364)

se Loacutexias existedesposar-me-aacute em bodas mais difiacuteceis que as de Helenao senhor do aqueus o glorioso AgamecircmnonMataacute-lo-ei e agora eu saquearei casas buscando vingar meus irmatildeos e meu paiMas deixa estar natildeo cantaremos a machadaque na nuca minha e de outros penetraraacuteas lutas matricidas que minhas bodas

104 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Heacutecuba de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

70

causaratildeo e a derrocada da casa de Atreu105

O trecho acima mostra a uniatildeo de Cassandra com Agamecircmnon e as consequecircncias dessas

nuacutepcias a morte dos dois Nessa peccedila Agamecircmnon tem a sua imagem vinculada agrave de Cassandra

portanto mostra-se como aquele que escolheu a mecircnade como presa de guerra mas tambeacutem eacute

lembrado como o chefe dos gregos por Taltiacutebio (v413-414)

Na Ifigecircnia em Taacuteuris datada de 414-411 aC Ifigecircnia estaacute em Taacuteuris e natildeo foi sacrificada

em Aacuteulis pelo proacuteprio pai Orestes aparece nessa cidade e os irmatildeos se encontram A jovem

pergunta ao estrangeiro ao saber que era grego notiacutecias sobre o final da guerra de Troia e questiona

Orestes sobre o destino de Agamecircmnon

Ιφ Ἀτρέως ἐλέγετο δή τις Ἀγαμέμνων ἄναξΟρ οὐκ οἶδ ἄπελθε τοῦ λόγου τούτου γύναιΙφ μὴ πρὸς θεῶν ἀλλ εἴφ ἵν εὐφρανθῶ μένεΟρ τέθνηχ ὁ τλήμων πρὸς δ ἀπώλεσέν τιναΙφ τέθνηκε ποίαι συμφορᾶι τάλαιν ἐγώΟρ τί δ ἐστέναξας τοῦτο μῶν προσῆκέ σοιΙφ τὸν ὄλβον αὐτοῦ τὸν πάροιθ ἀναστένωΟρ δεινῶς γὰρ ἐκ γυναικὸς οἴχεται σφαγείς (Eu If Tau v545-552)

If Eacute chamado de Agamecircmnon o soberano filho de AtreuOr Natildeo sei Deixe desse falatoacuterio mulherIf Natildeo pelos deuses Diga-me oacute estrangeiro para que eu me consoleOr Estaacute morto o infeliz e com ele pereceu algueacutem If Morto De que forma Ah como sou infelizOr Por que este lamento Acaso isso lhe interessaIf Lamento pela riqueza de outroraOr Pereceu de forma terriacutevel assassinado por mulher106

Como se pode observar a morte de Agamecircmnon eacute lembrada nessa peccedila quando Ifigecircnia

questiona o estrangeiro sobre os seus familiares Tambeacutem nessa trageacutedia Agamecircmnon aparece

como o pai de Orestes e de Ifigecircnia

No Orestes datado de 408 aC apoacutes o assassiacutenio de Clitemnestra e Egisto Orestes adoece e

eacute condenado agrave morte pelos argivos incitados por Tiacutendaro Mas perturbado pelo perigo iminente

Orestes com ajuda de Electra e Piacutelades parece matar Helena e tambeacutem ameaccedila a vida de

Hermiacuteone No uacuteltimo episoacutedio o deus Apolo surge e apazigua o conflito Nessa peccedila a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada em alguns momentos jaacute no proacutelogo Electra menciona a sua origem e a

105 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

106 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Taacuteuris de Euriacutepides satildeo de Marcelo Bourschied conforme consta na referecircncia bibliograacutefica BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

71

morte do pai

ὁ δὲ Κλυταιμήστρας λέχοςἐπίσημον εἰς Ἕλληνας Ἀγαμέμνων ἄναξὧι παρθένοι μὲν τρεῖς ἔφυμεν ἐκ μιᾶςΧρυσόθεμις Ἰφιγένειά τ Ἠλέκτρα τ ἐγώἄρσην δ Ὀρέστης μητρὸς ἀνοσιωτάτηςἣ πόσιν ἀπείρωι περιβαλοῦσ ὑφάσματιἔκτεινεν ὧν δ ἕκατι παρθένωι λέγεινοὐ καλόν (Eu Or v 20-27)

E o outro o priacutencipe Agamecircmnon ficou com o leito de Clitemnestra famigerada entre os gregos Trecircs donzelas nasceram a este de uma soacute mulher ndash Crisoacutetemis Ifigecircnia e eu Eletra bem como o varatildeo Orestes ndash nascidas da matildee iacutempia da que matou o marido depois de o lanccedilar numa teia inextrincaacutevel107

No segundo episoacutedio Menelau chega ao palaacutecio dos Atridas e conta como soube da morte

de seu irmatildeo

Ἀγαμέμνονος μὲν γὰρ τύχας ἠπιστάμην[καὶ θάνατον οἵωι πρὸς δάμαρτος ὤλετο]Μαλέαι προσίσχων πρῶιραν ἐκ δὲ κυμάτωνὁ ναυτίλοισι μάντις ἐξήγγειλέ μοιΝηρέως προφήτης Γλαῦκος ἀψευδὴς θεόςὅς μοι τόδ εἶπεν ἐμφανῶς κατασταθείςΜενέλαε κεῖται σὸς κασίγνητος θανώνλουτροῖσιν ἀλόχου περιπεσὼν πανυστάτοις (Eu Or v360-367)

Sim de Agamecircmnon conheci o destino e a morte que o vitimou agraves matildeos da esposa quando em Maacutelea acostou o meu navio pois anunciou-me de entre as ondas o adivinho dos homens do mar o inteacuterprete de Nereu Glauco deus que natildeo enganam Tornando-se visiacutevel eis o que ele me disse ldquoMenelau teu irmatildeo jaz morto abatido agraves matildeos da esposa no banho derradeirordquo

E ainda nesse episoacutedio Tiacutendaro lembra a faccedilanha da filha Clitemnestra embora natildeo aprove

a sua atitude

ἐπεὶ γὰρ ἐξέπνευσεν Ἀγαμέμνων βίονκάρα θυγατρὸς τῆς ἐμῆς πληγεὶς ὕποαἴσχιστον ἔργον (οὐ γὰρ αἰνέσω ποτέ) (Eu Or v496-498)

Pois quando Agamecircmnon expirou ferido pela minha filha na cabeccedila a mais vergonhosa das accedilotildees ndash pois jamais a aprovarei

Desse modo por meio da morte do rei eacute apresentado o mito de Agamecircmnon na trageacutedia

107 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Orestes de Euriacutepides satildeo de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

72

Orestes de Euriacutepides Nas citaccedilotildees mostradas verifica-se a visatildeo de trecircs personagens ndash Electra

Menelau e Tiacutendaro ndash acerca da morte do rei e se encontra uma unidade nas falas ao atribuiacuterem a

Clitemnestra o assassiacutenio do chefe dos gregos

Na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides peccedila datada de 405 aC Agamecircmnon participa como

personagem do iniacutecio ao fim da trageacutedia Ele inicia a trageacutedia arrependido por ter mandado Odisseu

ir buscar Ifigecircnia em Argos para que a jovem fosse sacrificada em honra agrave deusa Aacutertemis

Κάλχας δ ὁ μάντις ἀπορίαι κεχρημένοιςἀνεῖλεν Ἰφιγένειαν ἣν ἔσπειρ ἐγὼἈρτέμιδι θῦσαι τῆι τόδ οἰκούσηι πέδονκαὶ πλοῦν τ ἔσεσθαι καὶ κατασκαφὰς Φρυγῶνθύσασι μὴ θύσασι δ οὐκ εἶναι τάδεκλυὼν δ ἐγὼ ταῦτ ὀρθίωι κηρύγματιΤαλθύβιον εἶπον πάντ ἀφιέναι στρατόνὡς οὔποτ ἂν τλὰς θυγατέρα κτανεῖν ἐμήν (Eu If Aul v 89-96)

Entatildeo Calcas o adivinho vendo o nosso embaraccedilo pronunciou um oraacuteculo Ifigecircnia que eu gerei devia ser imolada a Aacutertemis que esta regiatildeo habita a expediccedilatildeo e a ruiacutena dos Friacutegios soacute com o sacrifiacutecio sem o sacrifiacutecio nada disto seria possiacutevel Ouvindo eu estas coisas mandei Taltiacutebio em clara proclamaccedilatildeo desmobilizar todo o exeacutercito pois jamais ousaria matar a minha filha108

Menelau por causa disso discute com o irmatildeo e por fim encoraja-o a imolar a proacutepria

filha Nesse contexto temos um duelo entre o dever do chefe das tropas gregas que deve sacrificar

Ifigecircnia para que os ventos sejam favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo a Troia e o dever de pai que natildeo

deve matar a filha O rei por toda a trageacutedia titubeia na sua decisatildeo mas pressionado pelos gregos

acaba decidindo por imolar Ifigecircnia Nas palavras do guerreiro observamos o seu sentimento

paternal e por vezes ainda chora por ter que sacrificar a sua filha

A Biblioteca Mitoloacutegica texto de dataccedilatildeo incerta eacute uma coletacircnea de mitologia grega e

embora incompleta estaacute dividida em trecircs livros e um Epiacutetome nesta uacuteltima parte encontramos

trechos sobre o mito de Agamecircmnon Apolodoro narra o mito do rei de Argos a partir de seu

casamento com Clitemnestra e dessa uniatildeo nasceram Orestes Crisoacutetemis Electra e Ifigecircnia (Ap

Bibl Mit Ep 2 16) Em seguida tem-se Agamecircmnon como chefe dos gregos que para continuar

a viagem para Troia deve sacrificar a filha Ifigecircnia

Κάλχας δὲ ἔφη οὐκ ἄλλως δύνασθαι πλεῖν αὐτούς εἰ μὴ τῶν Ἀγαμέμνονος

108 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides satildeo de Carlos Alberto Pais de Almeida conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

73

θυγατέρων ἡ κρατιστεύουσα κάλλει σφάγιον Ἀρτέμιδι παραστῇ διὰ τὸ μηνίειν τὴν θεὸν τῷ Ἀγαμέμνονι (Ap Bibl Mit Ep 3 21)

Calcante aseguroacute que no podriacutean navegar a non ser que de las hijas de Agamenoacuten se presentase la maacutes pujante en belleza como ofrenda agrave Aacutertemis pues la diosa se habiacutea irritado contra Agamenoacuten debido a que una vez que alanceoacute a un ciervo109

Depois o rei soacute aparece no final da guerra de Troia Agamecircmnon recebe Cassandra como

espoacutelio de guerra (Ap Bibl Mit Ep 5 23) e antes de iniciar a viagem de volta para casa faz

oferendas agrave deusa Atena Finalmente ao chegar a sua paacutetria eacute assassinado por Clitemnestra e

Egisto

Ἀγαμέμνων δὲ καταντήσας εἰς Μυκήνας μετὰ Κασάνδρας ἀναιρεῖται ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυταιμνήστραςmiddot δίδωσι γὰρ αὐτῷ χιτῶνα ἄχειρα καὶ ἀτράχηλον καὶ τοῦτον ἐνδυόμενος φονεύεται καὶ βασιλεύει Μυκηνῶν Αἴγισθοςmiddot κτείνουσι δὲ καὶ Κασάνδραν (Ap Bibl Mit Ep 6 23)

Agamenoacuten a su vuelta a Micenas acompantildeado de Cassandra es asesinado por Egisto y Clitemnestra eacutesta le da una tuacutenica sin orificio ni para los brazos ni para la cabeza y mientras se la pone es sacrificado Egisto se proclama rey de Micenas tambieacuten dan muerte a Cassandra

Na Biblioteca Mitoloacutegica por ser um compecircndio de mitologia grega a vida de Agamecircmnon

o chefe dos gregos encontra-se com mais informaccedilotildees do que em outras narrativas Ainda que

Apolodoro as reconte de modo mais resumido o autor nos daacute um panorama dos mitos gregos jaacute

conhecidos pela tradiccedilatildeo dentre eles o de Agamecircmnon

Na Descriccedilatildeo da Greacutecia datada da segunda metade do seacutec II dC Pausacircnias nos apresenta

uma espeacutecie de guia turiacutestico da Greacutecia no qual nos mostra monumentos e cidades importantes

essa obra estaacute dividida em dez livros de acordo com a localidade a ser descrita O autor natildeo soacute

descreve o que vecirc como tambeacutem relata a histoacuteria do monumento ou do lugar visitado Seraacute

estudado o livro II intitulado Corinto e Argoacutelidas Nesse livro Pausacircnias visita o tuacutemulo de

Agamecircmnon como assim narra

τάφος δὲ ἔστι μὲν Ἀτρέως εἰσὶ δὲ καὶ ὅσους σὺν Ἀγαμέμνονι ἐπανήκοντας ἐξ Ἰλίου δειπνίσας κατεφόνευσεν Αἴγισθος τοῦ μὲν δὴ Κασσάνδρας μνήματος ἀμφισβητοῦσι Λακεδαιμονίων οἱ περὶ Ἀμύκλας οἰκοῦντεςmiddot ἕτερον δέ ἐστιν Ἀγαμέμνονος τὸ δὲ Εὐρυμέδοντος τοῦ ἡνιόχου καὶ Τελεδάμου τὸ αὐτὸ καὶ Πέλοπος (Pau Des Gre II 16 6)

Hay una tumba de Atreo y estaacuten las tumbas de todos a los que cuando regresaron de Ilioacuten dio muerte Egisto despueacutes de ofrecerles un banquete Los lacedemonios que

109 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro satildeo de Julia Garciacutea Moreno conforme consta na referecircncia bibliograacutefica APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

74

viven en Amiclas se disputan la sepultura de Cassandra Hay otra de Agamenoacuten otra de Erimedonte el auriga una uacutenica de Teledamo y de Peacutelope110

Em seguida fala dos tuacutemulos de Clitemnestra e Egisto que foram sepultados em tuacutemulos

mais distantes fora das muralhas da cidade

Κλυταιμνήστρα δὲ ἐτάφη καὶ Αἴγισθος ὀλίγον ἀπωτέρω τοῦ τείχουςmiddot ἐντὸς δὲ ἀπηξιώθησαν ἔνθα Ἀγαμέμνων τε αὐτὸς ἔκειτο καὶ οἱ σὺν ἐκείνῳ φονευθέντες (Pau Des Gre II 16 7)

Clitemnestra y Egisto recibieron sepultura un poco maacutes lejos de la muralla fueron considerados indignos de ser enterrados dentro donde yaciacutea el proacuteprio Agamenoacuten y los que fueron asesinados con eacutel

A descriccedilatildeo feita por Pausacircnias das tumbas da famiacutelia Atrida pouco revela sobre

Agamecircmnon embora natildeo mencione a traiccedilatildeo ao rei de Argos apresenta Clitemnestra e Egisto como

traidores pois natildeo tiveram direito agrave mesma sepultura que seus familiares

A tradiccedilatildeo miacutetica grega acerca do mito de Agamecircmnon apoacutes as peccedilas de Eacutesquilo pode ser

dividida em trageacutedias e narrativas Nas trageacutedias a morte de Agamecircmnon aparece em quase todas

as peccedilas exceto no Aacutejax de Eacutesquilo e na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Em relaccedilatildeo agrave morte do rei

os assassinos foram Clitemnestra e Egisto na Electra de Sofoacutecles e na peccedila homocircnima de Euriacutepides

E Clitemnestra aparece como a uacutenica culpada pelo assassiacutenio de Agamecircmnon na Androcircmaca na

Heacutecuba na Ifigecircnia em Taacuteuris e no Orestes de Euriacutepides Os artifiacutecios usados para matar o rei estatildeo

presentes em algumas peccedilas como o banquete para recepcionar o chefe dos gregos na Electra de

Soacutefocles o machado usado como arma na Electra na Heacutecuba e nas Troianas de Euriacutepides o banho

mortiacutefero e a rede (teia) para imobilizar a viacutetima no Orestes de Euriacutepides E somente na trageacutedia

Heacutecuba de Euriacutepides a morte de Cassandra estaacute ligada agrave morte do rei Como se pode observar as

trageacutedias preservam em sua maioria a morte de Agamecircmnon divergindo em relaccedilatildeo ao(s)

autor(es) do assassiacutenio e lembrando as artimanhas usadas para a execuccedilatildeo da morte

As duas narrativas abordam em comum a morte de Agamecircmnon Ambas concordam em

relaccedilatildeo aos assassinos do rei Clitemnestra e Egisto Jaacute em relaccedilatildeo aos artifiacutecios usados pelos

assassinos na Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro tem-se o uso do manto para imobilizar a viacutetima

e na Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias tem-se a menccedilatildeo ao banquete oferecido em honra ao rei E

a morte de Cassandra vinculada agrave morte de Agamecircmnon soacute eacute mencionada na obra de Apolodoro Na

Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias o relato sobre a morte do chefe dos gregos mostra uma

110 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias satildeo de Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

75

proximidade com o mesmo relato apresentado na Odisseia (IV v526-535) de Homero ambos

mostram que os guerreiros de Agamecircmnon foram mortos junto com ele ao retornarem para a paacutetria

e tambeacutem lembram do banquete servido ao rei e aos seus homens

Contudo a tradiccedilatildeo grega apresentada anteriormente em relaccedilatildeo a morte de Agamecircmnon

prefere a hipoacutetese de Clitemnestra e Egisto terem assassinado o rei

42 A tradiccedilatildeo miacutetica romana

O mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo miacutetica romana eacute recontado nas trageacutedias Egisto de

Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio na epopeia Eneida (I aC) de Virgiacutelio nos poemas A

arte de amar (I aC ndash I dC) e Metamorfoses (I aC ndash I dC) de Oviacutedio na narrativa Faacutebulas de

Higino nas trageacutedias Troianas Tiestes e Agamecircmnon (I dC) de Secircneca Observar-se-aacute como cada

um desses textos apresenta o mito do rei argivo

A trageacutedia Aegisthus de Liacutevio Andronico datada de III aC narra o assassinato de

Agamecircmnon O primeiro poeta de Roma reescreveu muitas trageacutedias gregas que sobreviveram

apenas fragmentos delas como em Aegisthus da qual soacute restaram oito fragmentos ldquoThe greatest

number of surviving fragments come from the Aegishtus Eight fragments from this play exist yet is

unclear whether Livius used Aeschylus Agamemnon or Sophocles Aegisthus as a modelrdquo111

(ERASMO 2004 p11-12) Nos fragmentos 4 e 5 segundo Erasmo (2004 p 12) tem-se o retorno

de Agamecircmnon para a paacutetria acompanhado de Cassandra

(4) nemo haece uostrorum ruminetur mulieri(Andr Aegh frag4)

Let no one of you rehash this to the woman112

(5) sollemnitusque adeo ditali laudem lubens(Andr Aegh frag5)

Solemnly and freely (he offered) praise to god

E os fragmentos 6 e 7 conforme afirma Erasmo (2004 p13) mostram informaccedilotildees acerca

da morte de Agamecircmnon

(6) hellip in sedes conlocat se regias

111 O maior nuacutemero de fragmentos sobreviventes vem de Egisto Existem oito fragmentos dessa peccedila ainda natildeo estaacute claro se Liacutevio usou o Agamecircmnon de Eacutesquilo ou o Egisto de Soacutefocles como modelo

112 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Egisto de Liacutevio Andronico satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

76

Clytemnestra iuxtim tertias natae occupant (Andr Aegh frag6)

He seats himself upon royal thronesClytemnestra is next to him their daughters occupy the thirds

(7) ipsus se in terram saucius fligit cadens (Andr Aegh frag7)

Falling he dashed his wounded self onto the ground

Por meio dos fragmentos apresentados pode-se verificar que a peccedila Egisto de Liacutevio

Andronico retrata a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio e a morte dele No entanto a peccedila ao se

intitular Egisto apresenta uma focalizaccedilatildeo na personagem homocircnima contrapondo agrave tradiccedilatildeo

traacutegica grega na qual Agamecircmnon era o foco principal

Jaacute acerca da trageacutedia Clitemnestra de Aacutecio que foi encenada na inauguraccedilatildeo do teatro de

Pompeu em 55 aC restaram apenas dez fragmentos e assim como da trageacutedia de Liacutevio pouco se

sabe Desses fragmentos um apresenta Cassandra profetizando o dia de sua morte

(7) scibam hanc mihi supremam lucem et seruiti finem dari (Ac Cl frag7)

I knew that this day would be my last and an end to my slavery113

Em um outro fragmento haacute uma alusatildeo ao destino de Agamecircmnon e Cassandra

(8)hellip seras potiuntur plagas (Ac Cl frag 9)

hellip they receive their late blows

E segundo Tarrant (2004 p14) a Clitemnestra de Aacutecio completaria o Egisto de Liacutevio

Andronico sugerindo que ambas vieram da mesma fonte grega

The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus it has been suggested that both plays depend on the same Greek source 114 (TARRANT 2004 p14)

A Eneida de Virgiacutelio poema eacutepico datado de I aC dividido em doze cantos que narram a

busca de Eneias por uma terra na qual ele possa fundar uma nova Troia tambeacutem narra partes do

113 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Clitemnestra de Aacutecio satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

114 Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio isto foi sugerido que ambas as peccedilas dependem da mesma fonte grega

77

mito de Agamecircmnon No Canto I quando Eneias chega ao templo de Juno e contempla as pinturas

nas paredes do monumento ele vecirc num dos quadros a representaccedilatildeo pictoacuterica dos filhos de Atreu

(Virg En v 460-462) Jaacute no Canto II Eneias ao narrar os acontecimentos de Troia aos feniacutecios

lembra o sacrifiacutecio de Ifigecircnia

Sanguine placastis ventos et virgine caesacum primum Iliacas Danai venistis ad oras (Virg En II v 116-117)

Quando pela primeira vez oacute gregos viestes para o litoral troiano aplacastes os ventos com o sangue e a morte de uma virgem115

E no Canto XI haacute uma treacutegua na guerra para enterrar os mortos Durante uma assembleia

para se decidir sobre a continuidade da guerra Diomedes lembra os destinos dos gregos apoacutes o fim

da guerra de Troia

Ipse Mycenaeus magnorum ductor Achivomconiugis infandae prima intra limina dextraoppetiit devictam Asiam subsedit adulter (Virg En XI v 266-268)

O proacuteprio rei de Micenas o chefe dos grandes aqueus tombou agrave entrada do seu palaacutecio ferido pela destra da sua abominaacutevel consorte um aduacuteltero agrave traiccedilatildeo derruba o vencedor da Aacutesia

Como se verifica por meio desses versos a morte desafortunada de Agamecircmnon eacute tambeacutem

mencionada na Eneida de Virgiacutelio O heroacutei grego natildeo eacute muito lembrado nesse poema pois este se

dedica agrave gloacuteria romana

Nos poemas de Oviacutedio Agamecircmnon tambeacutem aparece A arte de amar poema datado de I

aC ndash I dC dividido em trecircs livros cita Agamecircmnon em alguns versos No livro I Agamecircmnon eacute

lembrado por causa de sua morte

Qui Martem terra Neptunum effugit undisconiugis Atrides victima dira fuit (Ov Art Am I v333-334)

Apoacutes ter escapado de Marte na terra de Netuno sobre as ondas o filho de Atreu foi funesta viacutetima de sua mulher116

No livro II Oviacutedio reconta a justificativa que Clitemnestra teve para trair e matar 115 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Eneida de Virgiacutelio satildeo de Tassilo Orpheu Spalding

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

116 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo de A arte de amar de Oviacutedio satildeo de Duacutenia Marinho da Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

78

Agamecircmnon pois enquanto ele lhe foi fiel ela natildeo o traiu

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viri Audierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virum (Ov Art Am II v399-408)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Lirnessiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de esposo

Assim Oviacutedio no poema A arte de amar menciona Agamecircmnon ao rememorar a sua morte

e a traiccedilatildeo ao casamento com Clitemnestra que culminou no assassiacutenio dele

Jaacute no poema Metamorfoses datado de I aC ndash I dC uma coletacircnea de mitos que mostra a

transformaccedilatildeo de homens em animais aacutervores rios e pedras reconta a narrativa da Guerra de Troia

e nesse momento lembra do rei Agamecircmnon No canto XII o primeiro momento do mito eacute

contado o sacrifiacutecio de Ifigecircnia quer nas palavras profeacuteticas de Calcante (Ov Met XII v 29-31) e

quer nas palavras de Odisseu ao disputar com Aacutejax as armas de Aquiles (Ov Met XIII v 183-

187) E nesse poema encontra-se uma parte do mito natildeo muito citada pelo mitoacutegrafo Agamecircmnon

rouba as filhas de Acircnio que tinham o poder de transformar todas as coisas em milho vinho e

azeitonas verdes para alimentar as tropas gregas

hoc ubi cognovit Troiae populator Atridesne non ex aliqua vestram sensisse procellamnos quoque parte putes armorum viribus ususabstrahit invitas gremio genitoris alantqueimperat Argolicam caelesti munere classem (Ov Met XIII 654-658)

Mal soube disto o filho de Atreu o saqueador de Troia(natildeo julgueis que noacutes de algum modo natildeo sentimostambeacutem a vossa tormenta) recorrendo agrave forccedila das armasarrebata-as agrave sua revelia dos braccedilos do pai e ordena-lhesque abasteccedilam a frota da Argoacutelide com o seu dom celeste117

117 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Metamorfoses de Oviacutedio satildeo de Paulo Farmhouse Alberto conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

79

Desse modo Oviacutedio apresenta Agamecircmnon nas Metamorfoses principalmente como chefe

das tropas gregas ao contraacuterio do que acontece no poema A arte de amar na qual a imagem de

Agamecircmnon estaacute vinculada agrave famiacutelia quer ele como traidor da esposa quer como o morto pela

consorte

Na narrativa Faacutebulas de Higino datada do seacutec I aC118 apresenta Agamecircmnon desde a

participaccedilatildeo na busca por Tiestes (Fab 88 8) para que este fosse conduzido ao palaacutecio dos

Atridas ateacute a morte do rei Nesse iacutenterim Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas

rumo agrave guerra de Troia no episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

in Aulide tempestas eos ira Dianae retinebat (hellip) Is cum haruspices convocasset et Calchas se respondisset aliter expiare non posse nisi Iphigeniam filiam Agamemnonis immolasset (hellip) Quam cum in Aulidem adduxisset et parens eam immolare vellet Diana virginem miserata est et caliginem eis obiecit cervamque pro ea supposuit Iphigeniamque (Hig Fab 98 1-4)

Pero una tempestad desatada por la coacutelera de Diana los reteniacutea em Aacuteulide (hellip)Traacutes convocar a los aruacutespices Calcante respondioacute que la uacutenica manera de aplacar a la diosa era sacrificar a Ifigenia la hija de Agamenoacuten (hellip) Cuando la condujo a Aacuteulide y su padre estaba a punto de sacrificarla Diana se apiadoacute de la doncella los envolvioacute em una oscuridad y puso una cierva em su lugar119

E o mitema sobre a briga de Agamecircmnon com Aquiles pela escrava Briseida na guerra de

Troia tambeacutem eacute mencionado por Higino

Agamemnon Briseidam Brisae sacerdotis filiam ex Moesia captivam propter formae dignitatem quam Achilles ceperat ab Achille abduxit eo tempore quo Chryseida Chrysi sacerdoti Apollinis Zminthei reddidit (hellip) Achilles cum Agamemnone redit in gratiam Briseidamque ei reddidit (Hig Fab 106 1 e 3)

Agamenoacuten separoacute a Aquiles de su esclava Briseida hija del sacerdote Brises de Misia a causa de su espleacutendida belleza por la misma eacutepoca em que devolvioacute a Criseida hija de Crises sacerdote de Apolo Esminteo (hellip) Aquiles se reconcilioacute com Agamenoacuten y eacuteste le devolvioacute a Briseida

118 Essa narrativa sofre com problemas de autoria e de tiacutetulo e como afirma Saacutenchez (2009 p8) ldquoLa cuestioacuten se remonta a la edicioacuten priacutencipe realizada por Jacobus Micyllus em Basilea em 1535 Este filoacutelogo llevoacute a la imprenta un coacutedice que hasta entonces se habiacutea conservado em la Bibioteca del Monasterio de Freising y lo editoacute com el siguiente tiacutetulo Libro de Faacutebulas de Cayo Julio Higino liberto de Augusto Lamentablemente el manuscrito el uacutenico ejemplar conservadordquo (A questatildeo remonta a primeira ediccedilatildeo feita por Jacobus Micyllus na Basileia em 1535 Este filoacutelogo levou agrave impressatildeo um coacutedice que ateacute entatildeo tinha se conservado na Biblioteca do Mosteiro de Freising e o editou com o seguinte tiacutetulo Livro de Faacutebulas de Caio Juacutelio Higino liberto de Augusto Lamentavelmente o manuscrito eacute o uacutenico exemplar conservado)

119 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Faacutebulas de Higino satildeo de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

80

Por fim o narrador das Faacutebulas conta como foi a morte de Agamecircmnon

Tunc Clytaemnestra cum Aegistho filio Thyestis cepit consilium ut Agamemnonem et Cassandram interficeret quem sacrificantem securi cum Cassandra interfecerunt (Hig Fab 117 1)

Entonces Clitemnestra em compantildeiacutea de Egisto hijo de Tiestes concibioacute el plan de asesinar a Agamenoacuten y a Casandra Lo asesinaron com un hacha mientras realizaba un sacrificio com Casandra

O mito de Agamecircmnon apareceraacute com maior relevacircncia na tradiccedilatildeo literaacuteria romana por

meio das trageacutedias de Secircneca Agamecircmnon As troianas e Tiestes Natildeo se sabe exatamente em que

data Secircneca escreveu as trageacutedias poreacutem alguns estudiosos afirmam que as trageacutedias senequianas

foram escritas entre os anos 40-65 dC120 De acordo com essa dataccedilatildeo Lohner (2009 p15)

apresenta uma divisatildeo das peccedilas em trecircs grupos

Diante dos resultados obtidos as peccedilas foram distribuiacutedas em trecircs grupos do primeiro fazem parte o Agamecircmnon seguido das peccedilas Fedra e Eacutedipo ndash seriam estas por conseguinte as primeiras composiccedilotildees dramaacuteticas de Secircneca ndash no segundo grupo figuram nesta ordem Medeia Troianas e Heacutercules louco e por fim no terceiro Tiestes e Feniacutecias (FITCH apud LOHNER 2009 p15)

A trageacutedia Tiestes mostra a vinganccedila de Atreu em relaccedilatildeo a seu irmatildeo Tiestes ao matar os

sobrinhos e os servir ao pai em um banquete Nessa peccedila Agamecircmnon ainda eacute muito jovem mas

seu pai Atreu diz que tornaraacute os filhos cientes da vinganccedila por ele planejada

Consili Agamemnon meisciens minister fiat et fratri sciensMenelaus adsit (Sen Ties v325-327)

Agamecircmnon seraacute auxiliar ciente do meu plano e Menelau de tudo informado ajudaraacute seu pai121

Apenas nesse trecho Agamecircmnon eacute mencionado na peccedila Tiestes Na trageacutedia Troianas

Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila No segundo episoacutedio Pirro filho de Aquiles

reclama ao chefe dos gregos uma recompensa agrave gloacuteria de seu pai o sacrifiacutecio de Poliacutexena filha de

Priacuteamo e Heacutecuba Mas Agamecircmnon se mostra um rei cauteloso e natildeo aceita o sacrifiacutecio da jovem

120 LOHNER 2009 p15121 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Tiestes de Secircneca satildeo de J A Segurado Campos

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEacuteNECA Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

81

Regia ut virgo occidattumuloque donum detur et cineres rigetet facinus atrox caedis ut thalamos vocentnon patiar In me culpa cunctorum reditqui non vetat peccare cum possit iubet (Sen Troi v288-292)

Natildeo permitirei que uma virgem real morra e seja oferecida como precircmio a um tuacutemulo e regue com sangue as cinzas e que chamem de casamento ao crime atroz de um assassiacutenio A culpa de todos voltar-se-aacute contra mim Quem natildeo impede um crime quando pode o ordena122

Mesmo assim Pirro insiste e o rei manda chamar Calcante para resolver o impasse O

adivinho orienta os gregos a sacrificarem Poliacutexena em honra de Aquiles E se mostrando piedoso

Agamecircmnon natildeo tem como impedir a morte da jovem Assim aparece Agamecircmnon na trageacutedia

Troianas de Secircneca como o chefe das tropas gregas e temente aos deuses

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca se inicia com um proacutelogo recitado pelo espectro de

Tiestes Ele lembra a maldiccedilatildeo familiar e os vaacuterios crimes que aconteceram naquele palaacutecio O

espectro apresenta o rei Agamecircmnon

rex ille regum ductor Agamemnon ducumcuius secutae mille vexillum ratesIliaca velis maria texerunt suispost decima Phoebi lustra devicto Ilioadest daturus coniugi iugulum suae (Sen Ag v39-43)

rei dos reis Agamecircmnon chefe dentre os chefes a cujo pavilhatildeo seguiram mil navioscobrindo com suas velas os mares troianos de Febo apoacutes dois lustros dominada Troia aqui estaacute para dar agrave sua esposa o pescoccedilo123

O espectro de Tiestes jaacute no proacutelogo da trageacutedia anuncia a chegada do rei Agamecircmnon e a

sua morte executada pela esposa No segundo ato Clitemnestra em diaacutelogo com a Ama titubeia na

vinganccedila de matar o rei A Ama aconselha a rainha a desistir do crime pois Clitemnestra ousa uma

vinganccedila contra um homem poderoso

hunc fraude nunc conaris et furto aggrediQuem non Achilles ense violavit feroquamuis procacem torvus armasset manum

122 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Secircneca satildeo de Zeacutelia de Almeida Cardoso conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Luacutecio Aneu As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

123 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Agamecircmnon de Secircneca satildeo de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

82

non melior Aiax morte decreta furensnon sola Danais Hector et bello moranon tela Paridis certa non Memnon nigernon Xanthus armis corpora immixta aggerensfluctusque Simois caede purpureos agensnon nivea proles Cycnus aequorei deinon bellicoso Thressa cum Rheso phalanxnon picta pharetras et securigera manupeltata Amazon hunc domi reducem parasmactare et aras caede maculare impia (Sen Ag v206-219)

Ora te empenhas em atacar com ardil e enganoquem com feroz espada Aquiles natildeo feriuembora em fuacuteria a matildeo tenha armado insolentenem Aacutejax o mais bravo louco a impor-lhe a morte nem aos dacircnaos e agrave guerra o soacute entrave Heitornem de Paacuteris o dardo certo e o negro Mecircmnonnem o Xanto que corpos e armas amontoae o Simoente de aacuteguas rubras de matanccedilanem Cicno raccedila niacutevea do equoacutereo deusnem a falange traacutecia com Reso beliacutegeronem armada de pelta e machado a Amazonacom a aljava pintada a ele que retornavais imolar manchando o altar com iacutempia morte

Apoacutes os argumentos da Ama Egisto aparece e incita a amante a persistir na vinganccedila Mas

Clitemnestra sai de cena mostrando estar em duacutevidas em relaccedilatildeo agrave vinganccedila

No terceiro ato Clitemnestra recebe o mensageiro Euriacutebates que avisa sobre a chegada do

rei e conta como foi o retorno dos gregos apoacutes o fim da guerra de Troia E nesse relato o

mensageiro lembra a gloacuteria de morrer em batalha

Quid fata possunt Invidet Pyrrhus patriAiaci Ulixes Hectori Atrides minorAgamemno Priamo quisquis ad Troiam iacetfelix vocatur cadere qui mervit graduquem fama servat victa quem tellus tegit (Sen Ag v512-516)

Quanto eacute o poder dos fados Pirro inveja o pai Ulisses a Agravejax o mais jovem Atrida a Heitora Priacuteamo Agamecircmnon ao que jaz em Troiafeliz o chamam quem morrer logrou em lutaquem a fama eterniza e o chatildeo vencido cobre

Logo depois Cassandra surge acompanhada do coro de mulheres troianas A profetisa de

Apolo aparece em cena lamentando a morte dos troianos Em seguida Cassandra entra em estado

de transe Nesse momento a profetisa prevecirc a morte de Agamecircmnon

83

Timete reges moneo furtivum genusagrestis iste alumnus evertet domumQuid ista vecors tela feminea manudestricta praefert Quem petit dextra virumLacaena cultu ferrum Amazonium gerensQuae versat oculos alia nunc facies meosvictor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Agv 732-740)

Temei oacute reis advirto-vos espuacuteria raccedila vai rasar um palaacutecio essa cria dos bosques Por que essa insana ostenta na matildeo de mulher a espada nua A que homem busca com a destra trajada qual lacocircnia e com arma de Amazona Que outra visatildeo atrai agora os olhos meus De feras vencedor colo altaneiro jaz sujeito a infames presas o leatildeo marmaacuterico sofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Apoacutes o estado de transe de Cassandra Agamecircmnon entra no palaacutecio e eacute bem recepcionado

por sua esposa Ele dialoga com a profetisa que tenta lhe alertar sobre o perigo iminente mas ele

natildeo entende as suas palavras (Sen Ag v792-798) No quinto ato Cassandra ao presenciar o

assassinato do rei relata-nos como tudo aconteceu

Epulae regia instructae domoquales fuerunt ultimae Phrygibus dapescelebrantur ostro lectus Iliaco nitetmerumque in auro veteris Assaraci trahuntEt ipse picta veste sublimis iacetPriami superbas corpore exuvias gerensDetrahere cultus uxor hostiles iubetinduere potius coniugis fidae manutextos amictus - horreo atque animo tremoregemne perimet exul et adulter virumVenere fata Sanguinem extremae dapesdomini videbunt et cruor Baccho incidetMortifera vinctum perfidae tradit neciinduta vestis exitum manibus negantcaputque laxi et invii cludunt sinusHaurit trementi semivir dextra latusnec penitus egit vulnere in medio stupetAt ille ut altis hispidus silvis apercum casse vinctus temptat egressus tamenartatque motu vincla et in cassum furitcupit fluentes undique et caecos sinusdissicere et hostem quaerit implicitus suumArmat bipenni Tyndaris dextram furensqualisque ad aras colla taurorum priusdesignat oculis antequam ferro petatsic huc et illuc impiam librat manum

84

Habet peractum est Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacentNondum recedunt ille iam exanimem petitlaceratque corpus illa fodientem adivvat (Sen Ag v875-905)

No reacutegio paccedilo lautas eacutepulasqual foi o uacuteltimo banquete para os friacutegios celebram-se De Iacutelio luz no leito o ostro e tomam vinho no ouro do vetusto Assaacuteraco e ele deitado e altivo em traje matizado de Priacuteamo em seu corpo leva o rico espoacutelio Ordena-lhe a mulher a tirar a veste imiga e envolver-se no manto pela matildeo tecido de fiel esposa Sinto nalma horror e tremo ecircxul e aduacuteltero o algoz de um rei e esposoVeio o destino as eacutepulas finais veratildeo do soberano o sangue em Baco ver vertido Mortiacutefera amarrado entrega-o a uma morte peacuterfida a veste que o cobriu prendem-lhe as matildeos e atam a cabeccedila as dobras frouxas e sem fenda Seu flanco o falso homem rasga com matildeo trecircmula natildeo cravou fundo em pleno golpe ele vacila Mas como um hirto javali na mata funda preso na rede tenta no entanto escapar e inquieto aperta o laccedilo em fuacuteria contra a rede aquele as dobras cegas que vazam dos lados quer romper e procura enlaccedilado o inimigo Bipene em punho irosa de Tiacutendaro a filha qual popa que no altar as cernelhas dos touros aponta com o olhar antes que vibre o ferro ela a matildeo iacutempia assim balanccedila aqui e ali Eis Consumado estaacute De estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorra do tronco a face com um frecircmito desaba E ainda natildeo recuam atacam ele o corpo sem vida e o lacera ela ajuda o algoz

Apoacutes a descriccedilatildeo do assassiacutenio Electra aparece em cena e pede a Estroacutefio que cuide de

Orestes e o leve para bem longe dali Depois Clitemnestra anuncia que mataraacute Cassandra e ela

tambeacutem promete castigar a filha por ter escondido o irmatildeo Orestes Assim Secircneca nos conta a

morte do rei de Argos (Micenas) o grande vencedor da guerra de Troia

A tradiccedilatildeo miacutetica romana acerca do mito de Agamecircmnon apresenta principalmente os

episoacutedios da morte do rei e do sacrifiacutecio de Ifigecircnia A morte do rei aparece no Egisto de Liacutevio

Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e no

Agamecircmnon de Secircneca Na Eneida e na A arte de amar Clitemnestra aparece como a uacutenica

responsaacutevel pela morte do chefe dos gregos jaacute na trageacutedia e na narrativa de Higino Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto E as obras citadas anteriormente trazem como motivo para a

85

execuccedilatildeo do crime a traiccedilatildeo do rei em relaccedilatildeo agrave sua esposa Nos outros poemas ndash Metamorfoses de

Oviacutedio e Troianas de Secircneca ndash Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas como tambeacutem

nas Faacutebulas de Higino

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon

Apoacutes os relatos acerca do mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo literaacuteria grega apresentados

anteriormente incluindo os textos do capiacutetulo anterior e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana pode-se

observar que Secircneca se utilizou de alguns desses textos para criar a sua peccedila mas tambeacutem natildeo

sobreviveram todos os textos que serviram de fonte para o tragedioacutegrafo como afirma Lohner

(2009 p111) ldquoPor outro em vista da perda quase total da poesia traacutegica latina anterior agrave de

Secircneca muito pouco se pode averiguar sobre o viacutenculo desta obra com modelos nacionaisrdquo E

mesmo que Herrmann (1924 p 312) afirme que havia trageacutedias de antecessores nas quais Egisto

era o foco da peccedila

Il est difficile de savoir si ce changement dorientation vient de Livius Andronicus ou dAccius dont les trageacutedies avaient Egisthe pour centre124

Com base nas duas citaccedilotildees observa-se que fica difiacutecil resgatar essa influecircncia das trageacutedias

latinas nos dramas senequianos mas mesmo assim alguns estudiosos afirmam que haacute alguma

correspondecircncia entre as trageacutedias Egisto de Liacutevio Andronico e a Clitemnestra de Aacutecio com o

Agamecircmnon de Secircneca

While most of the specific connections alleged between Seneca and the Republican dramatists will not bear inspection there are clear similarities of plot between Agamemnon and Livius Andronicus Aegisthus and Accius Clytemnestra Livius play (whose Greek is not known) coincides with Senecas in several deviations from Aeschylus (hellip) The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus 125 (TARRANT 2004 p13-14)

Na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Agamecircmnon eacute apresentado basicamente como o chefe das tropas

124 Eacute difiacutecil saber se a mudanccedila de orientaccedilatildeo vem de Liacutevio Andronico ou de Aacutecio dos quais as trageacutedias tem Egisto como centro

125 Enquanto a maioria das conexotildees especiacuteficas alegadas entre Secircneca e os dramaturgos republicanos natildeo vai suportar uma inspeccedilatildeo haacute claras semelhanccedilas de enredo entre Agamemnon e Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio A peccedila de Liacutevio (cuja grega natildeo eacute conhecida) coincide com a de Secircneca nas vaacuterias divergecircncias de Eacutesquilo (hellip) Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio

86

gregas e como o rei assassinado por sua esposa esses satildeo os mitemas126 mais mencionados pela

tradiccedilatildeo Dentre os mitemas que narram Agamecircmnon como o chefe dos gregos o mais comum eacute o

do sacrifiacutecio de Ifigecircnia Entatildeo pode-se afirmar que esse episoacutedio eacute mais frequente na tradiccedilatildeo

porque liga o papel de liacuteder dos gregos ao de morto pela esposa sendo o sacrifiacutecio da filha a

principal justificativa do crime Portanto os mitemas que seratildeo analisados satildeo esses dois jaacute

mencionados

Nas trageacutedias gregas do seacutec V Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos em

Agamecircmnon de Eacutesquilo Aacutejax de Soacutefocles Heacutecuba Troianas Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e

como morto por Clitemnestra em Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo Electra de

Soacutefocles Androcircmaca Electra Troianas Ifigecircnia em Taacuteuris e Orestes de Euriacutepides Em Aacutejax de

Soacutefocles Agamecircmnon quer negar honras fuacutenebres ao Aacutejax mas acaba sedendo aos argumentos de

Odisseu Na Heacutecuba de Euriacutepides o rei ajuda Heacutecuba a vingar a morte do filho Polidoro viacutetima de

traiccedilatildeo e ele tambeacutem nega hospitalidade ao assassino do filho de Priacuteamo Nas Troianas

Agamecircmnon eacute lembrado por Taltiacutebio como o chefe dos gregos E na Ifigecircnia em Aacuteulis o rei como

liacuteder das tropas gregas exclui o seu direito de pai e sacrifica a filha Ifigecircnia em honra da deusa

Aacutertemis por ventos favoraacuteveis para a navegaccedilatildeo rumo a Troia

Nas trageacutedias que trazem Agamecircmnon como chefe dos gregos eacute mais frequente o adjetivo

ἄναξ (chefe rei) vinculado agrave imagem do rei como se observa nos seguintes versos Ἀγαμέμνων

ἄναξ (Es Ag v523) Ἀγαμέμνων τ ἄναξ (Eu Hec v553) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Tr

v249) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Or v21) Ἀγάμεμνον ἄναξ (Eu If Aul v3)127 Os exemplos

demonstram o quanto estaacute presente nas peccedilas o papel de Agamecircmnon como rei (chefe) dos gregos

na guerra de Troia

Jaacute nas trageacutedias que trazem a morte de Agamecircmnon haacute um consenso de que Clitemnestra e

Egisto participaram do assassiacutenio mas o autor da execuccedilatildeo pode variar de acordo com a peccedila Na

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo fica evidente que a autora do crime eacute Clitemnestra embora ela

tenha contado com a ajuda de Egisto para mobilizar a viacutetima (Es Ag v1384-1387) Poreacutem em

outras peccedilas Clitemnestra aparece como protagonista do crime embora natildeo fique evidente se ela

sozinha teria matado o marido ou se ela e Egisto executaram o assassiacutenio como em Androcircmaca

(v1028-1029) Heacutecuba (v1287-1289) e Ifigecircnia em Taacuteuris (v552) de Euriacutepides E nas outras

trageacutedias verifica-se como assassinos do rei Clitemnestra e Egisto como na Electra de Soacutefocles

126 Leacutevi-Strauss llama mitemas a los segmentos miacutenimos de una narracioacuten miacutetica de la misma forma que los fonemas existen en foneacutetica o los morfemas en morfologiacutea como unidad miacutenima significativa del relato miacutetico (Leacutevi-Strauss apud GUAL p 4) (Leacutevi-Strauss chama de mitemas os segmentos miacutenimos de uma narraccedilatildeo miacutetica da mesma forma que os fonemas existem na foneacutetica ou os morfemas na morfologia como unidade miacutenima significativa do relato miacutetico)

127 A traduccedilatildeo dos termos desse periacuteodo citados em grego eacute o rei (chefe) Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

87

(v97-99) e na Electra de Euriacutepides (v8-10) Contrapondo-se agraves peccedilas apresentadas de Euriacutepides

em Orestes soacute haacute menccedilatildeo agrave Clitemnestra como executora do crime enfocando no crime cometido

pela rainha Com isso parece que os tragedioacutegrafos gregos colocam Clitemnestra como a principal

causadora da morte de Agamecircmnon em quase todas as peccedilas que trazem esse mitema exceto nas

peccedilas Electra de Sofoacutecles e na de Euriacutepides nas quais a culpa tambeacutem recai sobre Egisto para

justificar o assassinato dele nas duas trageacutedias

Nas duas narrativas mostradas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia

de Pausacircnias as referecircncias ao mito de Agamecircmnon tambeacutem retomam a participaccedilatildeo dele na guerra

de Troia e a sua morte A Biblioteca Mitoloacutegica por ter um caraacuteter enciclopeacutedico tenta contar com

mais detalhes dos mitos enfocando nos principais episoacutedios como o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a morte

do rei Jaacute na obra de Pausacircnias soacute haacute menccedilatildeo agrave morte do rei Nas duas narrativas Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto conforme jaacute foi visto anteriormente

Com isso pode-se concluir que na tradiccedilatildeo literaacuteria grega acerca do mito da morte de

Agamecircmnon paira uma variaccedilatildeo sobre o executor do assassiacutenio nas trageacutedias do seacutec V

Clitemnestra eacute tida como a principal executora do crime jaacute nas narrativas posteriores a culpa pela

morte do rei eacute dividida entre Clitemnestra e Egisto

E na tradiccedilatildeo literaacuteria romana Agamecircmnon natildeo soacute eacute lembrado como chefe dos gregos

como tambeacutem pela sua morte Como liacuteder grego ele aparece no Egisto de Liacutevio Andronico na

Eneida de Virgiacutelio nas Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino nas Troianas e no

Agamecircmnon de Secircneca nos quais eacute lembrado principalmente pelo episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

exceto na primeira obra na qual Agamecircmnon aparece conduzindo a presa de guerra Cassandra Jaacute a

sua morte eacute mencionada no Egisto de Liacutevio Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de

Oviacutedio e nas Faacutebulas de Higino no Agamecircmnon de Secircneca nos quais o rei eacute assassinado pela

proacutepria esposa

Secircneca antes de escrever a trageacutedia Agamecircmnon teve contato se natildeo com todas essas obras

citadas mas com a maioria delas principalmente as trageacutedias gregas Segundo Herrmann (1924

p312) Secircneca teria se utilizado das seguintes fontes para construir a sua peccedila

On peut conclure en ce qui concerne les sources agrave une influence nette dEschyle des deux Egisthes128 latins auxquels sadjoignent Sophocle et Euriacutepide et pour le

128 Segundo Tarrant (2004 p13 nota 7) ldquoAccius Aegisthus has also been compared but this play was probably about the return of Orestesrdquo (O Egisto de Aacutecio tambeacutem tem sido comparado mas esta peccedila foi provavelmente sobre o retorno de Orestes) Jaacute Hall (2005 p30 nota 26) atribue uma identificaccedilatildeo entre Clitemnestra e Egisto de Aacutecio ldquoIt is possible that the play is to be identified with Acciusrsquo Aegisthus which included a speech in which a character spoke about the lsquomight of governmentrsquo vis imperi breaking menrsquos fierce spirits (frr 8-9) a remark that women are more easily hardened (callent) than men (frr 10-11) and a reference to a man presumably Orestes whose lsquohand is fouled and spattered by his motherrsquos bloodrsquo (fr 12) Accius also wrote an Agamemnonrsquos Children

88

troisieacuteme eacutepisode des sources multiples sans compter les emprunts habituels agrave Horace ou agrave Ovide dans les parties lyriques129

Contrapondo-se agrave afirmaccedilatildeo de Herrmann Tarrant (2004 p10) afirma que apesar da

mesma delimitaccedilatildeo do mito a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo natildeo teria servido de modelo para

Secircneca na composiccedilatildeo da sua peccedila homocircnima

It seems incredibile that the Agamemnon of Aeschylus could ever have been thought Senecas source The basic outline of the plot is similar but this Seneca need not have derived from Aeschylus on the other hand characterisation structure and themes are all quite unrelated The only parts of Aeschylus play which find a parallel in Seneca are the arrival of a herald with the news of the storms and a scene in which Cassandra foresees the murder of Agamemnon and herself even here the similarity of situation is heavily outweighed by diversity of content and treatment Nothing in Senecas play requires direct knowledge of Aeschylus130

Considerar-se-aacute portanto a grande dificuldade de indicar quais seriam as fontes usadas por

Secircneca e por isso natildeo se pretende esgotar o tema ao direcionar as influecircncias sofridas por ele E agrave

medida que parecer necessaacuterio para justificar a recepccedilatildeo da peccedila retomar-se-aacute alguns dos textos da

tradiccedilatildeo literaacuteria apresentados

O proacutelogo da trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca eacute recitado pelo espectro de Tiestes que lembra

os crimes jaacute vivenciados pela famiacutelia Tantaacutelida Um proacutelogo distinto do proacutelogo de Eacutesquilo que eacute

recitado pelo Vigia do palaacutecio Mas a trageacutedia grega do seacutec V costumava trazer para a cena

fantasmas como a apariccedilatildeo do fantasma de Dario em Os persas de Eacutesquilo (v681-844) a apariccedilatildeo

do fantasma de Clitemnestra nas Eumecircnides de Eacutesquilo (v94-139) e a apariccedilatildeo do fantasma de

Polidoro na Heacutecuba de Euriacutepides (v1-58)131 Dentre os exemplos mostrados somente duas

apariccedilotildees acontecem no proacutelogo das suas respectivas trageacutedias a primeira eacute a do fantasma de

Clitemnestra que aparece no proacutelogo em diaacutelogo com o Coro reclamando a sua morte a segunda eacute

(Agamemnonidae) (Eacute possiacutevel que a peccedila eacute para ser identificada com Egisto de Aacutecio que incluiu um discurso no qual um personagem falou sobre o ldquopoder do governordquo vis imperi quebrando os espiacuteritos ferozes dos homens frr (8-9) uma observaccedilatildeo que as mulheres satildeo mais facilmente endurecidas (callent) do que os homens (frr 10-11) e uma referecircncia a um homem presumivelmente Orestes cuja matildeo eacute suja e salpicada pelo sangue da sua matildee (fr 12) Aacutecio tambeacutem escreveu um Filhos de Agamecircmnon (Agamemnonidae))

129 Pode-se perceber no que diz respeito agraves fontes uma clara influecircncia de Eacutesquilo dos dois Egistos latinos aos quais se juntam Soacutefocles e Euriacutepides e para o terceiro episoacutedio as fontes satildeo vaacuterias sem contar os empreacutestimos habituais de Horaacutecio ou de Oviacutedio nas partes liacutericas

130 Parece inacreditaacutevel que o Agamenon de Eacutesquilo jamais poderia ter sido pensado como fonte de Secircneca O esquema baacutesico da trama eacute semelhante mas este Secircneca natildeo precisa ter derivado de Eacutesquilo por outro lado a estrutura caracterizaccedilatildeo e os temas satildeo bastante independentes As uacutenicas partes da peccedila de Eacutesquilo que encontra paralelo em Secircneca satildeo a chegada de um arauto com a notiacutecia das tempestades e uma cena em que Cassandra prevecirc o assassinato de Agamecircmnon e de si mesma mesmo aqui a similaridade de situaccedilatildeo eacute fortemente compensada pela diversidade de conteuacutedo e de tratamento Nada na peccedila de Secircneca requer conhecimento direto de Eacutesquilo

131 Mais informaccedilotildees acerca da apariccedilatildeo de mortos na literatura grega e na romana consultar BRUNO Pauliane T S As apariccedilotildees dos mortos nas trageacutedias de Secircneca Fortaleza UFC 2006 Monografia de Especializaccedilatildeo

89

a do fantasma de Polidoro que recita o proacutelogo sozinho requerendo as suas honras fuacutenebres Haacute

algumas semelhanccedilas estruturais entre o proacutelogo da trageacutedia Heacutecuba de Euriacutepides e o da trageacutedia

Agamecircmnon de Secircneca ambas se iniciam com os personagens-fantasmas contando de onde vecircm

como se pode observar respectivamente nos versos abaixo

Ἥκω νεκρῶν κευθμῶνα καὶ σκότου πύλαςλιπών ἵν Ἅιδης χωρὶς ὤικισται θεῶν (Eu Hec v1-2)

Vim o antro dos mortos e as portas da escuridatildeotendo deixado onde mora Hades separado dos deuses

Opaca linquens Ditis inferni locaadsum profundo Tartari emissus specu (Sen Ag v1-2)

Deixando a estacircncia escura do deus infernaleis-me da funda gruta do Taacutertaro enviado

Apoacutes mostrar de onde vem o espectro de Tiestes apresenta o espaccedilo no qual ele estaacute

naquele momento o palaacutecio dos Atridas e fala da anguacutestia de retornar agravequele lugar Em seguida ele

se apresenta O mesmo natildeo ocorre com o espectro de Polidoro que logo depois de anunciar de onde

vem se apresenta agrave audiecircncia

uincam Thyestes sceleribus cunctos meis (Sen Ag v 25)

a todos eu Tiestes venccedilo com crimes

Πολύδωρος Ἑκάβης παῖς γεγὼς τῆς ΚισσέωςΠριάμου τε πατρός (Eu Hec v3-4)

Sou Polidoro nascido de Heacutecuba filha de Quisseu e de Priacuteamo meu pai

Depois da apresentaccedilatildeo dos espectros ambos contam as suas histoacuterias e indicam o que iraacute

acontecer no decorrer da peccedila Nesse momento o espectro de Tiestes tambeacutem descreve em detalhes

o espaccedilo cecircnico e a sua organizaccedilatildeo

video paternos immo fraternos laresHoc est vetustum Pelopiae limen domushinc auspicari regium capiti decusmos est Pelasgis hoc sedent alti toroquibus superba sceptra gestantur manulocus hic habendae curiae - hic epulis locus (Sen Ag v 6-11)

vejo o paterno ou antes o fraterno lar Eacute esta a antiga entrada da casa de Peacutelope

90

Aqui os pelasgos usam inaugurar na frontea reacutegia insiacutegnia Neste trono altivos sentam-se os que brandem seus cetros sob a matildeo soberbaEste o local da cuacuteria ali o dos banquetes

Essa descriccedilatildeo parece caracterizar as peccedilas de Secircneca pois segundo Herrmann (1924

p343) os proacutelogos de trecircs trageacutedias de Secircneca apresentam um caraacuteter descritivo

Les premieres [Hercule Furieux Agamemnon et Thyestes] plus proche de ceux dEuripide motiveraient en quelque sorte laction en caracteacuterisant sommairement les protagonistes en indiquant le lieu le moment et la situation apparente de deacutebut de lintrigue132

Nesses versos o fantasma de Tiestes utiliza o verbo uideo no presente do indicativo para

mostrar uma proximidade com a audiecircncia que assim como ele podia ldquovivenciarrdquo o que estava

sendo descrito Atraveacutes dessas evidecircncias estruturais mostradas entre os proacutelogos mencionados

pode-se observar uma influecircncia da poesia traacutegica de Euriacutepides na trageacutedia de Secircneca

No segundo ato Clitemnestra dialoga com a Ama e ela titubeia na decisatildeo de se vingar do

marido Esse episoacutedio eacute tipicamente senequiano a figura da Ama nessa peccedila aparece como o alter

ego de Clitemnestra mostrando as suas incertezas suas duacutevidas e seus medos como afirma Serrano

(2003 p 116) ldquoPor primera vez el autor latino se detiene a describir minunciosamente la situacioacuten

espiritual de Clitemnestrardquo133 Ao titubear entre cometer ou natildeo o assassiacutenio a rainha expotildee as

atrocidades cometidas pelo esposo justificando assim a sua vinganccedila Ela utiliza-se de muitos

versos mostrando uma maior relevacircncia natildeo soacute a um crime mas a todos

O scelera semper sceleribus vincens domuscruore ventos emimus bellum neceSed vela pariter mille fecerunt ratesNon est soluta prospero classis deoeiecit Aulis impias portu ratesSic auspicatus bella non melius geritamore captae captus immotus preceSminthea tenuit spolia Phoebei senisardore sacrae virginis iam tum furens (Sen Ag v169-177)

Oacute casa que com crimes sempre vence crimes ventos pagos com sangue a guerra com assassiacutenioMas mil navios deram agrave vela ao mesmo tempo A esquadra natildeo largou sob um deus favoraacutevel Aacuteulis as iacutempias nas repeliu de seu porto

132 As primeiras [Heacutercules Furioso Agamecircmnon e Tiestes] as mais proacuteximas das de Euriacutepides motivaram de certa forma a accedilatildeo caracterizando brevemente os protagonistas incluindo o local o momento e a situaccedilatildeo aparente do iniacutecio da trama

133 Pela primeira vez o autor latino deteacutem-se em descrever minunciosamente a situaccedilatildeo espiritual de Clitemnestra

91

Sob tais auspiacutecios natildeo se faz a melhor guerra No amor da prisioneira preso imune a rogos obteve o espoacutelio esmiacutenteo do anciatildeo de Febo jaacute louco entatildeo de ardor pela sagrada virgem

neve desertus foreta paelice umquam barbara caelebs torusablatam Achilli diligit Lyrnesidanec rapere puduit e sinu avulsam viriEn Paridis hostem Nunc novum vulnus gerensamore Phrygiae vatis incensus furitet post tropaea Troica ac versum Iliumcaptae maritus remeat et Priami gener (Sen Ag v184-191)

Para nunca o leito solitaacuterio privar de concubina baacuterbara a de Lirnesso elege tomada de Aquiles roubou-a sem pudor dos braccedilos do varatildeo O inimigo de Paacuteris Leva agora nova ferida e na paixatildeo ferve da vate friacutegia e apoacutes trofeacuteus troianos e arrasada Iacutelio unido a uma cativa genro vem de Priacuteamo

Os versos apresentados (v162ss) segundo Tarrant (1978 p 262) mostram que ldquoSenecas

Clytemestra in Agamemnon for example is clearly based in part on a passage in the Ars

Amatoriardquo134 como se pode observar nos versos de Oviacutedio

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viriAudierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virumQuae bene celaris si qua tamen acta patebuntilla licet pateant tu tamen usque nega (Ov Ar Am v399-410)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de seu marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Linerssiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com os seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de seu esposo

134 A Clitemnestra de Secircneca em Agamemnon por exemplo eacute claramente baseada em parte em uma passagem na Ars Amatoria

92

A Clitemnestra senequiana apresenta trecircs motivos para se vingar do marido o sacrifiacutecio da

sua filha Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas Criseida e Cassandra com quem o rei casou e a

levou consigo ao palaacutecio Os mesmos motivos satildeo descritos pela Clitemnestra esquiliana que tenta

justificar o assassiacutenio apoacutes ter dado morte ao rei

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόποςκαὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulher quem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa135

Em Secircneca Clitemnestra lembra os motivos de vinganccedila para tentar se convencer de que

deve matar o marido por isso as justificativas aparecem antes do assassiacutenio isso natildeo ocorre em

Eacutesquilo pois a sua Clitemnestra apresenta os motivos apoacutes a morte do rei ao tentar formular a

proacutepria defesa para uma puniccedilatildeo futura

Na trageacutedia romana depois de expor os motivos para a vinganccedila Clitemnestra conversa

com Egisto no final desse ato A apariccedilatildeo de Egisto nesse momento da peccedila eacute uma inovaccedilatildeo de

Secircneca como afirma Serrano (2003 p75) ldquoTambieacuten original es la aparicioacuten de Egisto antes del

retorno de Agamenoacuten que antildeade una serie de nuevos momentos a la historia de la parejardquo136 Ele

aparece para convencer a rainha de que ela deve matar o marido As falas presentes nesse ato natildeo

encontram associaccedilatildeo com nenhum outro texto que sobreviveu da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana

apresentada Jaacute as referecircncias agraves justificativas de vinganccedila aparecem apoacutes a morte do rei como foi

mencionado

A presenccedila de Egisto e a caracterizaccedilatildeo dele como personagem tatildeo forte na peccedila de Secircneca

talvez seja uma influecircncia das peccedilas intituladas Egisto de Liacutevio Andronico e de Aacutecio (jaacute

mencionadas anteriormente) nas quais Egisto era a personagem principal ou entatildeo uma influecircncia

135 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

136 Tambeacutem eacute original a apariccedilatildeo de Egisto antes do retorno de Agamecircmnon que adiciona uma seacuterie de novos momentos na histoacuteria do casal

93

(todavia mais difiacutecil de ser explicada) oriunda da Odisseia na qual Egisto aparece como o assassino

de Agamecircmnon Sobre isso afirma Serrano (2003 p 55) ldquoEn la eacutepica Egisto es el definitivo

responsable de los actos contra Agamenoacuten y de la seduccioacuten de Clitemnestrardquo137

No terceiro ato o mensageiro Euriacutebates chega ao palaacutecio e anuncia o retorno do rei

Clitemnestra conversa com Euriacutebates e este conta sobre o retorno dos gregos Pode-se dividir o

discurso de Euriacutebates em trecircs episoacutedios como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas narrative

comprises three distinct episodes the storm which overtook the Greeks on the return voyage from

Troy the death of Ajax Oileus at the hands of Athena and Poseidon and the deceit of Naupliusrdquo138

Os trecircs episoacutedios teriam sido narrados no poema Retornos Nos dois primeiros episoacutedios tem-se os

fragmentos recuperados a partir do sumaacuterio de Proclus139 (Proc Chres completado por Apolod

Epit 61-30 apud WEST 2003 p154)

Άγαμέμνων δε θνσας ανάγεται και Ύενέδωι προσίσχει- Νεοπτόλεμον δε πείθει Θετις άφικομένη έπιμεϊναι δύο ημέρας και θνσιάσαι και επιμένει οι δέ ανάγονται και περί Τήνον χειμάζονται- Αθηνά γάρ έδεήθη Διός τοις Ελλησι χειμώνα έπιπέμψαι- και πολλαί νήες βνθίζονται Αρgt εΐθ ό περί τάς Καφηρίδας πέτρας δηλονται χειμων και ή Αΐαντος φθορά τοϋ Αοκρον ltκαί έκβρασθέντα θάπτει Θετις έν Μνκόνωι A frota liderada por Agamecircmnon deixa Tecircnedos perto de Tenos eacute surpreendida por uma tempestade enviada por Zeus atendendo a um pedido de Atena Em meio a essa intempeacuterie muitos barcos afundam Mais tarde a frota defronta outra tormenta junto agraves rochas cafeacuteridas durante a qual o Aacutejax loacutecrio encontra a morte Teacutetis prepara o seu corpo e lhe rende honras fuacutenebres na ilha de Miconos140

E do uacuteltimo episoacutedio haacute apenas uma inferecircncia como mostra SOUSA (2008 p55)

Naacuteuplio e seus filhos Palamedes Eacuteax e Nausimedonte deveriam participar dos Retornos nos episoacutedios da morte de Agamecircmnon como insinua Apolodoro (II 1 5151) depois no Epiacutetome (6 7-11) conta-se que Naacuteuplio assim que sabe da morte de Palamedes vai ao encontro dos gregos por mar para exigir uma indenizaccedilatildeo Sem sucesso resolve vingar-se para tanto navega para as terras gregas e se empenha a favorecer alguns adulteacuterios o de Clitemnestra com Egisto o de Egiacuteale esposa de Diomedes com Cometes filho de Estecircnelo o de Meda esposa de Idomeneu com Leuco Natildeo satisfeito faz uma fogueira sobre o monte Cafareu na costa do Eubeia para sinalizar aos barcos gregos vindos de Troia a existecircncia de um porto ali enganados satildeo atraiacutedos para o escolho e afundam

Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo encontra-se apenas um dos episoacutedios mencionados o da

137 Na eacutepica Egisto eacute o responsaacutevel definitivo pelos atos contra Agamecircmnon e pela seduccedilatildeo de Clitemnestra138 A narrativa de Secircneca eacute composta por trecircs episoacutedios distintos a tempestade que assolou os gregos na viagem de

volta de Troia a morte de Aacutejax Oileu pelas matildeos de Atena e Poseidon e o engano de Naacuteuplio 139 Para mais informaccedilotildees sobre os poemas eacutepicos do ciclo troiano ver em SOUSA Francisco Edi de Oliveira As

pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado140 Traduccedilatildeo de Francisco Edi de Oliveira SOUSA (2008 p53-54)

94

tempestade E essa tempestade narrada pelo Arauto grego natildeo influenciou o relato de Euriacutebates

como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas account of the storm owes nothing to Aeschylusrdquo141

Mas apesar dessa informaccedilatildeo na mesma cena observa-se pouquiacutessimas semelhanccedilas como a

indagaccedilatildeo de Clitemnestra ao mensageiro sobre o destino de Menelau que estaacute presente nas duas

peccedilas

σὺ δ εἰπέ κῆρυξ Μενέλεων δὲ πεύθομαιεἰ νόστιμός τε καὶ σεσῳμένος πάλιν (Es Ag v617-618)

Diz tu oacute arauto e indago de Menelause ele tendo regressado salvo outra vez

Tu pande vivat coniugis frater meiet pande teneat quas soror sedes mea (Sen Ag v404-405)

Tu revela se vive o irmatildeo de meu esposoe revela o local que minha irmatilde habita

E tambeacutem o questionamento do Coro (Eacutesquilo) e de Clitemnestra (Secircneca) sobre os reveses

que assolaram as naus gregas presente em ambas as trageacutedias

πῶς γὰρ λέγεις χειμῶνα ναυτικῷ στρατῷἐλθεῖν τελευτῆσαί τε δαιμόνων κότῳ (Es Ag v634-635)

Como dizes Procela veio agrave esquadrae deu-lhe fim pelo rancor dos Numes

Quis fare nostras hauserit casus ratesaut quae maris fortuna dispulerit duces(Sen Ag v414-415)

Fala-me que infortuacutenio essas naus engoliu que capricho do mar dispersou nossos chefes

Com isso dentre a tradiccedilatildeo literaacuteria apresentada pode-se dizer que o discurso de Euriacutebates

talvez tenha sofrido influecircncia do poema eacutepico Retornos essa proximidade com o texto grego

talvez natildeo tenha chegado ateacute Secircneca diretamente mas atraveacutes de fontes romanas anteriores

Contudo Lohner (2009 p182-183) afirma que as fontes de Secircneca para compor esse relato seriam

de trageacutedias latinas

A narrativa da tempestade ocorrida durante o retorno dos gregos fazia parte de uma peccedila posterior a Eacutesquilo adaptada por Liacutevio Andronico na trageacutedia Aegisthus e tambeacutem por Aacutecio na trageacutedia Clytemnestra Secircneca imita os versos de Andronico no iniacutecio de sua narrativa

141 O relato de Secircneca sobre a tempestade natildeo deve nada a Eacutesquilo

95

Embora a cena da tempestade fosse bastante comum nos seacuteculos quinto e quarto142 a junccedilatildeo

dos trecircs episoacutedios ndash a tempestade a morte de Aacutejax e o engano de Naacuteuplio ndash na narrativa de

Euriacutebates parece ser uma influecircncia teatral do seacuteculo quarto

One or more lost tragic messenger-speeches may have combined for the first time the storm the death of Ajax and the treachery of Nauplius the loose sense of dramatic relevance presupposed by such a sprawling narrative may point to a fourth-century play143 (TARRANT 2004 p21)

No Ato IV Cassandra em diaacutelogo com o Coro de mulheres troianas prevecirc a morte de

Agamecircmnon e dela mesma A menccedilatildeo agraves visotildees profeacuteticas de Cassandra satildeo mostradas na trageacutedia

Agamemnon de Eacutesquilo e na Arte de Amar de Oviacutedio (como jaacute foi citado anteriormente) Poreacutem em

relaccedilatildeo com a primeira obra haacute uma inversatildeo da ordem dos acontecimentos entre as trageacutedias na

grega Agamecircmnon chega ao palaacutecio antes de Cassandra jaacute na romana Cassandra aparece em cena

antes de Agamecircmnon contrapondo-se a ordem normal na qual o rei chega antes dos prisioneiros

Alguns momentos do transe profeacutetico estatildeo presentes nas duas trageacutedias como a referecircncia

agrave possessatildeo apoliacutenica da jovem

παπαῖ οἷον τὸ πῦρ ἐπέρχεται δέ μοιὀτοτοῖ Λύκει Ἄπολλον οἲ ἐγὼ ἐγώ (Es Ag v1256-1257)

Papaicirc Que fogo este E invade-meOtotoicirc Lupino Apolo Ai de mim

Quid me furoris incitam stimulis noviquid mentis inopem sacra Parnasi iugarapitis Recede Phoebe iam non sum tua (Sen Ag v 720-722)

Por que me incitas o impulso de um novo furorPor que sagrados cumes do Parnaso insaname rendeis Para traacutes Febo jaacute natildeo sou tua

Tambeacutem se encontra nas duas peccedilas a metaacutefora dos animais felinos em relaccedilatildeo ao rei (leatildeo)

e agrave Clitemnestra (leoa) como se pode ver nos versos abaixo

αὕτη δίπους λέαινα συγκοιμωμένηλύκῳ λέοντος εὐγενοῦς ἀπουσίᾳκτενεῖ με τὴν τάλαιναν (Es Ag v1258-1260)

142 TARRANT 2004 p20143 Um ou mais discursos traacutegicos perdidos de mensageiro podem ter combinado pela primeira vez a tempestade a

morte de Ajax e a traiccedilatildeo de Nauplius o sentido amplo de relevacircncia dramaacutetica pressuposta por uma narrativa tatildeo extensa pode apontar para uma peccedila do seacuteculo IV

96

Essa leoa biacutepene junto com o lobodeitada na ausecircncia do nobre leatildeomatar-me-aacute miacutesera

victor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Ag v738-740)

De feras vencedor colo altaneiro jazsujeito a infames presas o leatildeo marmaacutericosofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Ainda nesse ato Agamecircmnon chega ao palaacutecio e conversa com Cassandra A profetisa

compara o rei grego a Priacuteamo na tentativa de lhe advertir sobre o perigo iminente Embora esse seja

o uacutenico momento em que Agamecircmnon aparece na trageacutedia o rei estaacute presente tambeacutem atraveacutes das

outras personagens como bem afirma Serrano (2003 p124)

la corta aparicioacuten de Agamenoacuten no lo priva de ser el protagonista de toda la obra como en cierta medida ocurriacutea en los traacutegicos griegos Agamenoacuten es la causa de las dudas de Clitemnestra del odio de Egisto y del amor de Electra Cuando aparece en escena recupera la grandeza del heacuteroe eacutepico soberbio y orgulloso de sus actos144

E no Ato V Cassandra por meio do transe profeacutetico narra simultaneamente de fora do

palaacutecio como Clitemnestra matou o seu marido A morte de Agamecircmnon eacute lembrada na maioria das

obras que trazem o mito do rei A descriccedilatildeo da morte inicia-se com trecircs verbos no presente do

indicativo uideo et intersum et fruor (v872) para Lohner (2009 p217) esse versos representam

eco no texto latino dos versos 46-47 do proacutelogo tendo o efeito de evocar a figura de Tiestes Laacute o verbo uideo assinalava a visatildeo prospectiva de Tiestes agora assinala a visatildeo ldquoem tempo realrdquo de Cassandra

Depois Cassandra descreve a imagem de Agamecircmnon vestido de Priacuteamo no banquete feito

para ele O banquete senequiano segundo Serrano (2003 p75) seria uma influecircncia da Odisseia de

Homero ldquofinalmente cae vencido por su mujer y su primo en un banquete de tradicioacuten homeacuterica en

el que le apresan entre engantildeosas vestidurasrdquo145 A referecircncia ao banquete homeacuterico encontra-se nos

versos 526-535 do canto IV uma comemoraccedilatildeo oferecida por Egisto

144 A curta apariccedilatildeo de Agamecircmnon natildeo o priva de ser protagonista de toda a obra como de certo modo acontecia nos traacutegicos gregos Agamecircmnon eacute a causa das duacutevidas de Clitemnestra do oacutedio de Egisto e do amor de Electra Quando aparece em cena recupera a grandeza do heroacutei eacutepico soberbo e orgulhoso de seus atos

145 Finalmente cai vencido por sua esposa e seu primo num banquete de tradiccedilatildeo homeacuterica no qual o prendem em roupas enganosas

97

Clitemnestra induz o marido a trocar as vestimentas e o envolve num manto que o

mobilizaraacute Depois disso Egisto daacute o primeiro golpe e Clitemnestra o ajuda na execuccedilatildeo do rei A

imagem do morto (v901-903) segundo Lohner (2009 p218) seria a mesma imagem da morte de

Priacuteamo descrita na Eneida de Virgiacutelio ldquoesses versos latinos imitam os de Virgiacutelio na (Eneida 2

557-558) referentes agrave decapitaccedilatildeo de Priacuteamordquo como se pode observar nos versos abaixo

Iacet ingens litore truncusauolsumque umeris caput et sine nomine corpus (Vir En v557-558)

Sobra a margem jaz um tronco gigantescouma cabeccedila separada das espaacuteduas um corpo sem nome

Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacent (Sen Ag v901-903)

Da estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorrado tronco a face com frecircmito desaba

Assim Agamecircmnon volta a ser comparado a Priacuteamo atraveacutes das semelhanccedilas mostradas

entre os versos dos poemas A trageacutedia de Secircneca retoma os termos caput trunco e iacent da poesia

virgiliana (caput truncus e iacet)146 O verbo iaceo usado no presente demonstra a disposiccedilatildeo do

corpo morto e a separaccedilatildeo deste em duas partes caput (cabeccedila) e truncustrunco (tronco)

representa a decapitaccedilatildeo do corpo presente em ambos os poemas A imagem da separaccedilatildeo entre a

cabeccedila e o corpo fica mais evidente em Secircneca com o particiacutepio passado amputatum (amputada) e

em Virgiacutelio com o termo auolsum umeris (separada das espaacuteduas)

Agamecircmnon morreu e os assassinos dilaceram o seu corpo Na versatildeo de Secircneca os

responsaacuteveis pela morte do rei satildeo Clitemnestra e Egisto isso representa para a tradiccedilatildeo da poesia

traacutegica um enfraquecimento da personagem Clitemnestra No Agamecircmnon de Eacutesquilo Clitemnestra

mata sozinha o marido e assim Serrano (2003 p107-108) a caracteriza

Se muestra entonces como una figura terriblemente grandiosa en el umbral del palacio salpicada con la sangre que compara con gotas de rociacuteo no se arrepiente ni se derrumba al contemplar sus manos manchadas por el crimen asume su responsabilidad e intenta hacer partiacutecipe de su actuacioacuten al daimon de la casa de Atreo y enlazar asiacute el resto de sus razones (Ifigenia Casandra) con la herencia geneacutetica de la culpa147

146 LOHNER 2009 p218147 Mostra-se entatildeo como uma figura terrivelmente grandiosa no umbral do palaacutecio salpicada com o sangue que

compara com gotas de orvalho natildeo se arrepende nem se abala ao contemplar suas matildeos manchadas pelo crime assume sua responsabilidade e tenta envolver a sua accedilatildeo no daimon da casa de Atreu e enlaccedilar assim o resto de suas razotildees (Ifigecircnia Cassandra) com a heranccedila geneacutetica da culpa

98

Clitemnestra jaacute perde parte da sua forccedila nas Coeacuteforas de Eacutesquilo quando aparece com medo

por causa da vinganccedila dos filhos Na Electra de Soacutefocles Clitemnestra aparece como incapacitada

de lutar diante da decisatildeo dos filhos de vingar a morte do pai E na Electra de Euriacutepides a rainha se

mostra mais humana e por isso Egisto se torna o principal foco da vinganccedila de Electra e Orestes

como afirma Serrano (2003 p115)

Frente a la configuracioacuten de la heroiacutena marcada por la tradicioacuten la figura de Euriacutepides sufre una humanizacioacuten se ve descargada de la dureza que hasta ahora la habiacutea caracterizado y por lo tanto de parte de su culpabilidad al reconocer sus errores y confesar su arrepentimiento pese al desprecio y los reproches de Electra148

E em Secircneca Clitemnestra a princiacutepio mostra-se em duacutevida quanto ao plano de vinganccedila

mas com a ajuda de Egisto ela participa ativamente da morte do rei como jaacute foi mencionado Com

isso conclui Serrano (2203 p116)

La decidida Clitemnestra esquilea ha perdido su entereza paulatinamente y ahora necesita maacutes que en ninguna otra ocasioacuten el apoyo de Egisto que desde el comienzo se ha mantenido inamovible duro y fuerte149

Apoacutes a cena descrita da morte Electra aparece e entrega Orestes a Estroacutefio a mesma

referecircncia a essa entrega aparece tambeacutem em Higino (Fab 117 2)

At Electra Agamemnonis filia Orestem fratrem infantem sustulit quem demandavit in Phocide Strophio cui fuit Astyochea Agamemnonis soror nupta

Electra hija de Agamenoacuten se llevoacute a su hermano pequentildeo Orestes yy lo confioacute a Estrofio em la Foacutecide que estaba casado com Astiacuteoque hermana de Agamenoacuten

Logo a jovem encontra a matildee e reclama a morte do pai Clitemnestra chama Egisto e pede

que ele castigue a filha e mate Cassandra Essa cena final segundo Tarrant (2004 p17-18) revela

uma proximidade com a trageacutedia republicana

The last act of Agamemnon contains the clearest parallel to republican drama a scene after the murder involving at least Electra and her mother (and perhaps Aegisthus and

148 Diante da configuraccedilatildeo da heroiacutena marcada pela tradiccedilatildeo a figura de Euriacutepides sofre uma humanizaccedilatildeo mostra-se desvinculada da dureza que ateacute agora a tinha caracterizado e portanto por parte da sua culpa ao reconhecer os erros e confessar seu arrependimento apesar do desprezo e das injuacuterias de Electra

149 A decidida Clitemnestra esquiliana perdeu sua totalidade paulatinamente e agora necessita mais do que alguma outra ocasiatildeo do apoio de Egisto que desde o comeccedilo se manteve imoacutevel duro e forte

99

Cassandra as well) is certainly attested for Livius and Accius150

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca teria sofrido muitas outras influecircncias literaacuterias e como jaacute

foi dito algumas dessas natildeo se podem recuperar Contudo atribui-se como as principais fontes de

Secircneca foram as trageacutedias republicanas de Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio e

algumas trageacutedias da eacutepoca de Augusto como afirma Tarrant (2004 p14)

Many aspects of Senecan dramatic procedure probably derive from Augustan precedent and inspiration and the Augustans may have been responsible for the synthesis of classical myth Hellenistic canons of form elements of archaic diction and great stylistic refinement which we associate with Senecan drama151

Essa pesquisa natildeo congrega todas as fontes utilizadas por Secircneca ao compor a sua trageacutedia

mas pretendeu-se mostrar atraveacutes das fontes que restaram que eacute possiacutevel verificar uma retomada

dessas feitas pelo tragedioacutegrafo

150 O uacuteltimo ato do Agamenon conteacutem um clariacutessimo paralelo com o drama republicano uma cena apoacutes o assassinato envolvendo pelo menos Electra e sua matildee (e talvez Egisto e Cassandra tambeacutem) eacute certamente atestada por Liacutevio e Aacutecio

151 Muitos aspectos do processo dramaacutetico Secircneca derivam provavelmente precedente de Augusto e da inspiraccedilatildeo e os Augustanos podem ter sido responsaacuteveis pela siacutentese do mito claacutessico cacircnones helecircnicos de forma elementos da dicccedilatildeo arcaica e de grande refinamento estiliacutestico que noacutes associamos com Secircneca drama

100

5 CONCLUSAtildeO

Este trabalho teve o intuito de mostrar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega e a romana apresentou

o mito de Agamecircmnon desde os poemas homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca focalizando a recepccedilatildeo

do mito feita por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon e por Secircneca na trageacutedia homocircnima

No primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo desenvolveu-se

um panorama do processo criativo da poesia grega desde Homero ateacute o drama aacutetico Na Greacutecia esse

processo contou com uma forte influecircncia da oralidade que com o passar dos seacuteculos vai se

enfraquecendo por causa da revoluccedilatildeo da escrita Nas trageacutedias gregas do seacutec V ainda se encontra

resquiacutecios de oralidade Jaacute em Roma o processo criativo da poesia mostra um viacutenculo direto com a

escrita As representaccedilotildees traacutegicas do periacuteodo arcaico romano tinham uma referecircncia textual desta

restaram apenas fragmentos Por isso o mito de Agamecircmnon foi recriado nos diversos textos

apresentados da tradiccedilatildeo grega e da romana de maneira particular pois esses vatildeo recepcionar o mito

de acordo com o acesso agrave tradiccedilatildeo miacuteticaliteraacuteria

No segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo ao apresentar a

tradiccedilatildeo literaacuteria desde Homero ateacute Eacutesquilo pode-se considerar que Eacutesquilo colheu muito dessa

tradiccedilatildeo para compor o seu Agamecircmnon A trageacutedia esquiliana tem traccedilos homeacutericos e traccedilos liacutericos

O rei Agamecircmnon traacutegico eacute glorioso como o rei homocircnimo de Homero presente na Iliacuteada A

Clitemnestra traacutegica eacute produto de uma tradiccedilatildeo liacuterica da Piacutetica XI de Pigravendaro na qual era o

principal foco Atraveacutes da anaacutelise mostrada nesse capiacutetulo a recepccedilatildeo de Eacutesquilo para compor

Agamecircmnon deveu-se principalmente aos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia e ao poema liacuterico

Piacutetica XI de Piacutendaro

No terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeordquo

apresentou-se a tradiccedilatildeo literaacuteria desde Soacutefocles ateacute Secircneca Essa tradiccedilatildeo contou com uma grande

distacircncia temporal desde o seacutec V aC ateacute o seacutec I dC e com a presenccedila de duas culturas

diferentes a grega e a romana mas mesmo assim foi possiacutevel indicar algumas influecircncias sofridas

por Secircneca ao compor a sua peccedila Considerou-se a perceptiacutevel a influecircncia das obras romanas

como a Eneida de Virgiacutelio as trageacutedias latinas Egisto e Clitemnestra a Arte de Amar de Oviacutedio as

Faacutebulas de Higino e outros modelos latinos que natildeo sobreviveram Assim pode-se dizer que

Secircneca reescreveu o mito de Agamecircmnon no que diz respeito ao enredo apoiando-se

principalmente na tradiccedilatildeo literaacuteria romana mas sem desconsiderar algumas influecircncias dos textos

gregos

Contudo o presente trabalho pretendeu mostrar que os tragedioacutegrafos estudados Eacutesquilo e

Secircneca se apropriam da tradiccedilatildeo literaacuteria anterior a eles para construir as suas peccedilas Com base

101

nessa tradiccedilatildeo eles reescrevem os mitos jaacute conhecidos e os transmitem com uma nova versatildeo

perpetrando a cada reescritura um novo paradigma do mito de Agamecircmnon

102

REFEREcircNCIAS

ALMEIDA Guilherme de amp VIEIRA Trajano Trecircs trageacutedias gregas Antiacutegone Prometeu prisioneiro Aacutejax Satildeo Paulo Perspectiva 1997

APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

BEACHAM Richard ldquoPlaying places the temporary and the permanentrdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p202-226 BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

BOYLE A JTragic Seneca an essay in the theatrical tradition New York Routledge 2009

CALAME Claude Choruses of young women in Ancient Greece Trad de Derek Collins and Janice Orion Lanham Rowman amp Little Publishers 1997

_______ ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo In Megravetis Anthropologie des mondes grecs anciens Volume 12 1997 pp 181-203

CAMPBELL David A Greek Lyric ndash III ndash Stesichorus Ibycus and Simonides Loeb Classical Library Cambridge Harvard University Press 2001

CARDOSO Zeacutelia de Almeida A literatura latina Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

CASTIAJO Isabel O teatro grego em contexto de representaccedilatildeo Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2012

DEBNAR Paula ldquoFifth-Century Athenian History and Tragedyrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

DUPONT Florence LActeur Roi ndash Le theacuteacirctre dans la Rome Antique Paris Les Belles Lettres 2003

_______ Linvention de la litteacuterature de ivresse grecque au texte latin Paris la Deacutecouverte 1998

ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Coeacuteforas Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Eumecircnides Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Os persas Trad de Maacuterio da Gama Kury Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1992

103

EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

______ Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

______ Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

______ Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

______ Teatro de Euriacutepides ndash Ifigecircnia em Aacuteulis As Bacantes Electra Trad Nataacutelia Correia Porto Civilizaccedilatildeo 1969

FANTHAM Elaine ldquoRoman Tragedyrdquo In HARRISON Stephen (ed) A companion to Latin literature Malden Oxford e Victoria Blackwell 2005

FIALHO Maria do Ceacuteu ldquoDo Oikos agrave Poacutelis de Agameacutemnon sob o signo da distorccedilatildeordquo In Aacutegora Estudos Claacutessicos em Debate nordm 14 2012 p47-61 Acessado pelo site httprevistasuaptindexphpagoraarticleview13011188 em 28 de janeiro de 2013

GAILLARD Jacques Introduccedilatildeo agrave literatura latina ndash das origens a Apuleio Trad de Maria Cristina Pimentel Mem Martins Inqueacuterito 1994

GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

GUAL Carlos Garciacutea Introduccioacuten a la mitologiacutea griega Madrid Alianza Editorial 2006

______ Mitologiacutea y literatura en el mundo griego In httpwwwucmesinfoamalteadocumentosseminario2Seminario2_Grecia_GarciaGualpdf acessado em 29 de maio de 2011

HALL Edith Aeschylusrsquo Clytemnestra versus her Senecan Tradition 2005 p 1-34 Arquivo In httpwwwrhulacukcrgrdocumentspdfpapersagamemnonpdf acessado em 05 de maio de 2013HAVELOCK Erick A A revoluccedilatildeo da escrita na Greacutecia e suas consequecircncias culturais Trad de Ordep Joseacute Serra Satildeo Paulo Editora da UNESP Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

HERRMANN Leacuteon Le theacuteatre de Seacutenegraveque Paris Les Belles Lettres 1924

HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

______ Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80

104

Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

ISIDRO Pereira S J Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Livraria AI 1998 8ordf ed

JEBB Sir Richard C Sophocles The Plays and Fragments with critical notes commentary and translation in English prose Part VI The Electra Cambridge Cambridge University Press 1894 In httpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=Perseus3Atext3A19990400253Atext3Dintro acessado em 08 de janeiro de 2013

LOHNER Joseacute Eduardo dos Santos ldquoIntroduccedilatildeo Posfaacutecio e Notasrdquo In SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

LORD Albert B The singer of tales New York Atheneum 1971

MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) pp 126-137

MOTA Marcus ldquoNos passos de Homero performance como argumento da Antiguidaderdquo In VIS Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte Brasiacutelia Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte 2010

NAGY Gregory Homeric Questions Austin University of Texas Press 1996

OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

______ Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

REHM Rush ldquoFestivals and audiences in Athens and Romerdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p184-201

RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011

SCULLION Scott ldquoTragedy and religion the problem of originsrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

105

_______ Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004

_______ As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

_______ Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

SERRANO Diana de Paco ldquoCaracterizacioacuten de Clitemnestra y Agamenoacuten de Esquilo a Seacutenecardquo In Myrtia Revista Filologiacutea Claacutessica 2003 nordm18 p105-127 Acessado em 08 de outubro de 2011 pelo site httpdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=934677

_______ ldquoEl drama de Agamenoacuten de Homero a nuestros diacuteasrdquo In La tragedia de Agamenoacuten en el teatro Espantildeol del siglo XX Murcia Universidad de Murcia 2003 p50-84 SOacuteFOCLES As Traquiacutenias Trad de Flaacutevio Ribeiro de Oliveira Campinas Editora UNICAMP 2009

_______ Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

TARRANT J R ldquoIntroductionrdquo in SENECA Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004 paacutegs 3-96

_______ Senecas drama and its antecedents Havard Studies in Classical Philology (HSCP) nordm82 pp 213-263 1978

THOMAS Rosalind Letramento e oralidade na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Odysseus 2005

VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

WEST Martin L Greek epic fragments Cambridge Harvard University Press 2003

ZUMTHOR Paul Performance recepccedilatildeo leitura Trad de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich Satildeo Paulo Cosac Naify 2007

ABSTRACT

In Ancient Greece myths as Agamemnonrsquos were told in social environment and adapted at

the moment they were presented enabling many versions of the same story About the

Agamemnonrsquos myth called the Greekrsquos boss they were left some of the written texts as in the epic

poetry Homers Iliad and Odyssey in the lyric poetry Pindars Pythian XI in the tragedies

Aeschylus Orestia Sophocles Ajax and Electra Euripedes Hecuba The Trojan Women

Adromache Electra Iphigenia in Tauris Orestes and Iphigenia at Aulis in the poems The Cypria

and The returns from the Trojan Cycle and in other stories as the Apollodorus Bibliotheca and

Pausanias Description of Greece In the Latin literature we can find references to Agamemnonrsquos

myths in Livius Andronicus Aegisthus Accius Clytemnestra Virgils The Aeneid Ovids The

Metamorphoses and The Art of Love Senecas Troades Agamemnon and Thyestes In this research it

will be shown how the mentioned stories retell Agamemnonrsquos myths and how Aeschylus and

Seneca when they wrote their tragedies both called Agamemnon took possession of this literary

tradition It will be analyzed the parts from the myth which were gathered from this tradition from

the tragedians and it will try to show some of particularities from the tragedians influenced by a

social context when they retold this myth in a attempt to present a comparative between the texts as

the process of the mythical recreation made by Aeschylus and Seneca

Keywords Myth Agamemnon Tragedy Aeschylus Seneca

SUMAacuteRIO

1 Introduccedilatildeo hellip 8

2 Capiacutetulo I Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeohellip 11

3 Capiacutetulo II Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo 36

31 A tradiccedilatildeo eacutepica hellip 36

32 A tradiccedilatildeo liacuterica hellip 44

33 A tradiccedilatildeo traacutegica hellip 47

34 A recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon hellip 54

4 Capiacutetulo III Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeo 66

41 A tradiccedilatildeo literaacuteria grega hellip 66

42 A tradiccedilatildeo literaacuteria romana hellip 75

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon 85

5 Conclusatildeo helliphellip 100

Referecircncias hellip 102

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

O presente trabalho tem como objetivo de estudo as duas trageacutedias da tradiccedilatildeo greco-romana

intituladas Agamecircmnon uma de Eacutesquilo e a outra de Secircneca no que diz respeito agrave recepccedilatildeo feita

pelos tragedioacutegrafos em suas respectivas obras

O mito de Agamecircmnon assim como os outros mitos gregos foi transmitido a princiacutepio por

meio da oralidade e depois a partir dos textos literaacuterios Agamecircmnon ficou conhecido na tradiccedilatildeo

ocidental por ter liderado as tropas gregas rumo agrave guerra de Troia por ter sacrificado a filha Ifigecircnia

em honra agrave deusa Aacutertemis e por ter morrido assassinado por sua esposa Clitemnestra As partes do

mito de Agamecircmnon aparecem em diversos textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana Neste

estudo optou-se por analisar como a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e a homocircnima de Secircneca

recontam a morte do rei pois cada um desses tragedioacutegrafos faz uma leitura do mito do rei de

Argos

Cuando un autor tragico reelabora em su drama un tema mitico tampouco tiene especial intereacutes en transmitirnos la versioacuten completa y canoacutenica sino que centra su representacioacuten em algunos puntos que en su reflexioacuten le parecen los maacutes sugestivos y convenientes1 (GUAL 2006 p67)

Na tradiccedilatildeo grega Eacutesquilo escolheu recriar o mito de Agamecircmnon na sua peccedila

considerando a sua audiecircncia e os acontecimentos em Atenas Essa trageacutedia foi encenada em 458

aC e repensa juntamente com as Coeacuteforas e as Eumecircnides por exemplo questotildees sobre a justiccedila

ateniense Mas essa versatildeo traacutegica do mito natildeo somente mostra os aspectos da sociedade ateniense

mas tambeacutem se apoia na tradiccedilatildeo literaacuteria anterior acerca do mito

E na tradiccedilatildeo romana Secircneca tambeacutem recepcionou os textos de seus antecessores ao

escrever a sua versatildeo do mito de Agamecircmnon A trageacutedia senequiana revela as influecircncias gregas e

romanas recebidas atraveacutes de leituras feitas pelo tragedioacutegrafo E ainda o mito eacute recontado sob uma

perspectiva imperialista e com uma linguagem mais acurada sob influecircncia da retoacuterica poreacutem

artificial

Considerando os aspectos de reescritura do mito de Agamecircmnon pelos tragedioacutegrafos e a

semelhanccedila entre os tiacutetulos das peccedilas visa-se mostrar quais textos da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e da

romana serviram de modelo aos autores para a composiccedilatildeo das suas respectivas trageacutedias Este

1 Quando um autor traacutegico reelabora em seu drama um tema miacutetico natildeo estaacute particularmente interessado em nos transmitir a sua versatildeo completa e canocircnica mas centra a sua representaccedilatildeo em alguns pontos que na sua reflexatildeo lhe parecem mais sugestivos e convenientes

9

estudo apresenta trecircs capiacutetulos que relatam o desenvolvimento da recepccedilatildeo desde os poemas

homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca

O primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo se inicia com um

estudo acerca da oralidade da escrita e das contribuiccedilotildees que esses elementos concederam aos

primeiros poemas da tradiccedilatildeo grega Os poemas homeacutericos satildeo considerados os primeiros textos

poeacuteticos gregos que recontam os mitos gregos por meio da transmissatildeo oral Por isso o processo de

criaccedilatildeo desses poemas eacute mostrado atraveacutes dos estudos teoacutericos de Milman Parry Albert Lord e

Gregory Nagy Logo apoacutes os poemas homeacutericos Hesiacuteodo apresenta diferenccedilas no processo criativo

de sua poesia E com a revoluccedilatildeo provocada pela escrita na Greacutecia as trageacutedias do seacutec V jaacute

vislumbram uma composiccedilatildeo mais elaborada mas ainda sob influecircncia da oralidade

A trageacutedia grega tem como principais representantes Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides Eles

tiveram as suas peccedilas encenadas em Atenas nos festivais dionisiacuteacos e por meio da representaccedilatildeo

recontavam os mitos gregos Dentre as trageacutedias gregas que restaram tem-se uma uacutenica trilogia

Oresteia de Eacutesquilo da qual faz parte a peccedila Agamecircmnon Em Roma as primeiras manifestaccedilotildees

teatrais aconteceram em festivais luacutedicos O teatro traacutegico romano tem a participaccedilatildeo de Liacutevio

Andronico Neacutevio Ecircnio Pacuacutevio e Aacutecio poreacutem desses soacute restaram alguns fragmentos E apoacutes esse

periacuteodo soacute restaram na iacutentegra os textos completos das trageacutedias de Secircneca

O segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo divide-se em

quatro partes a tradiccedilatildeo eacutepica a tradiccedilatildeo liacuterica a tradiccedilatildeo traacutegica e a recepccedilatildeo de Eacutesquilo em

Agamecircmnon A tradiccedilatildeo eacutepica relata como o mito de Agamecircmnon eacute contado nos poemas homeacutericos

Iliacuteada e Odisseia e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos A tradiccedilatildeo liacuterica

apresenta o mito de Agamecircmnon no poema Oresteia de Estesiacutecoro e no epiniacutecio Piacutetica XI de

Piacutendaro A tradiccedilatildeo traacutegica mostra o mito de Agamecircmnon na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e nas

outras duas peccedilas da trilogia Coeacuteforas e Eumecircnides E na recepccedilatildeo de Eacutesquilo em Agamecircmnon

tenta-se mostrar quais das influecircncias literaacuterias apresentadas sobreviveram no texto de Eacutesquilo

Nesses poemas Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos e como um homem assassinado pela

esposa

O terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana e recepccedilatildeordquo

divide-se em trecircs partes a tradiccedilatildeo literaacuteria grega a tradiccedilatildeo literaacuteria romana e a recepccedilatildeo de

Secircneca em Agamecircmnon A tradiccedilatildeo literaacuteria grega mostra o mito de Agamecircmnon nas trageacutedias

Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e

Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e nas narrativas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo

da Greacutecia de Pausacircnias A tradiccedilatildeo romana apresenta o mito de Agamecircmnon nos seguintes textos

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

10

Metamorfoses de Oviacutedio e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de Secircneca E na recepccedilatildeo

de Secircneca em Agamecircmnon busca-se mostrar quais as influecircncias sofridas por Secircneca ao compor a

sua trageacutedia priorizando os resquiacutecios da tradiccedilatildeo literaacuteria romana sobreviventes na peccedila

11

2 CAPIacuteTULO 1 Do mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeo

O objetivo deste capiacutetulo eacute apresentar inicialmente informaccedilotildees acerca da oralidade e da

escrita alfabeacutetica na Greacutecia antiga e quais contribuiccedilotildees esses elementos exerceram na poesia grega

do periacuteodo arcaico em especial na trageacutedia do seacuteculo V aC Depois seratildeo apresentadas

consideraccedilotildees acerca do teatro romano

A sociedade grega antiga ficou conhecida como uma sociedade culturalmente avanccedilada

principalmente por causa do advento da escrita alfabeacutetica Embora bem antes jaacute houvesse uma

escrita silaacutebica a conhecida Linear B essa natildeo resistiu ao tempo e provavelmente por falta de uso

desapareceu juntamente com a civilizaccedilatildeo micecircnica (c 1500-1100 aC) Seacuteculos depois a escrita

alfabeacutetica espalhou-se gradualmente pela Greacutecia Ateacute entatildeo a sociedade grega era de natureza

predominantemente oral as notiacutecias os textos poeacuteticos as leis a tradiccedilatildeo tudo era transmitido boca

a boca como afirma Gual (2006 p 35-36)

Las instituciones se apoyan en los mitos se recurre a ellos para tomar decisiones se interpretan los hechos de acuerdo con ellos Los maacutes viejos se los cuentan a los maacutes joacutevenes y eacutestos se inician en los saberes tradicionales de su pueblo mediante los grandes relatos de los dioses y los heacuteroes fundadores Las nodrizas les cuentan a los nintildeos los fascinantes sucesos de un tiempo lejano y divino Los abuelos y las abuelas recuentan a los pequentildeos lo que a ellos les contaron tiempo atraacutes sus proprios abuelos Y en las fiestas comunitarias se reitera a traveacutes de rituales mimeacuteticos y de narraciones escogidas las palabras de los mitos2

E como exemplo dessa tradiccedilatildeo de transmissatildeo oral tem-se o canto VII da Odisseia (v62-

95) de Homero quando Alciacutenoo rei dos feaacutecios em seu palaacutecio prepara um banquete e para essa

comemoraccedilatildeo eacute levado um cantor que ao cantar os feitos de Troia emociona Odisseu

κῆρυξ δ ἐγγύθεν ἦλθεν ἄγων ἐρίηρον ἀοιδόντὸν περὶ Μοῦσ ἐφίλησε δίδου δ ἀγαθόν τε κακόν τεὀφθαλμῶν μὲν ἄμερσε δίδου δ ἡδεῖαν ἀοιδήν (Hom Od v62-64)[hellip]αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντοΜοῦσ ἄρ ἀοιδὸν ἀνῆκεν ἀειδέμεναι κλέα ἀνδρῶνοἴμης τῆς τότ ἄρα κλέος οὐρανὸν εὐρὺν ἵκανενεῖκος Ὀδυσσῆος καὶ Πηλεΐδεω Ἀχιλῆος (Hom Od VIII v72-75)[hellip]ταῦτ ἄρ ἀοιδὸς ἄειδε περικλυτός αὐτὰρ Ὀδυσσεὺς

2 As instituiccedilotildees se apoiam nos mitos recorrem a eles para tomar decisotildees interpretam os feitos de acordo com eles Os mais velhos os contam aos mais jovens e estes se iniciam nos conhecimentos tradicionais de seu povo mediante os grandes relatos dos deuses e dos heroacuteis fundadores As nutrizes contam agraves crianccedilas os feitos fascinantes de um tempo distante e divino Os avocircs e as avoacutes recontam aos pequenos o que a eles contaram tempos atraacutes seus proacuteprios avoacutes E nas festas comunitaacuterias se reitera atraveacutes dos rituais mimeacuteticos e das narraccedilotildees escolhidas as palavras dos mitos

12

πορφύρεον μέγα φᾶρος ἑλὼν χερσὶ στιβαρῇσικὰκ κεφαλῆς εἴρυσσε κάλυψε δὲ καλὰ πρόσωπααἴδετο γὰρ Φαίηκας ὑπ ὀφρύσι δάκρυα λείβων (Hom Od VIII v83-86)

Jaacute pelo arauto trazido o cantor divinal se aproximaque tanto a Musa distingue e a quem males de bens concederatira-lhe a vista dos olhos mas cantos sublimes lhe inspira [hellip]Tendo assim pois a vontade da fome e da sede saciadoa Musa logo o incitou a falar sobre os feitos dos homens gestasde heroacuteis cuja fama o alto ceacuteu nesse tempo atingiraa disseccedilatildeo entre Aquiles Pelida e Odisseu tatildeo falada[hellip]Isso narrava o famoso cantor Odisseu entrementes com as matildeos fortes o manto de puacuterpura para a cabeccedilapuxa encobrindo-a com o fim de esconder as feiccedilotildees majestosasEnvergonha-se sim de que o vissem chorar os Feaacutecios3

Atraveacutes do relato exposto acima pode-se verificar o quanto era comum na Greacutecia Antiga a

transmissatildeo oral dos feitos heroicos O mito produto da tradiccedilatildeo grega tambeacutem teve a sua

existecircncia propagada por meio da exposiccedilatildeo oral ateacute que o advento da escrita comeccedilasse a registraacute-

lo Ele sobreviveu ateacute os dias de hoje principalmente por meio dos textos escritos pois em seus

primoacuterdios estava restrito agrave oralidade como afirma Thomas (2005 p3-4) ldquo[] a Greacutecia antiga era

em muitos aspectos uma sociedade oral na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em

relaccedilatildeo agrave palavra faladardquo Desse modo os textos poeacuteticos eram compostos para serem ouvidos

assim continua Thomas (2005 p4)

A maior parte da literatura grega poreacutem tinha por finalidade ser ouvida ou cantada ndash transmitida oralmente portanto ndash e havia uma forte corrente de aversatildeo pela palavra escrita mesmo pelos altamente letrados documentos escritos natildeo eram considerados por si mesmos prova adequada em contextos legais ateacute a segunda metade do seacuteculo IV aC

Somente com a reinvenccedilatildeo da escrita na Greacutecia Antiga momento em que ldquoo alfabeto foi

adaptado do alfabeto feniacutecio provavelmente na primeira metade do seacuteculo VIIIrdquo (THOMAS 2005

p17) ndash que segundo Havelock (1996 p20) esse alfabeto surgiu dos contatos comerciais entre

gregos e feniacutecios ndash foi que os mitos deixaram de ser exclusivamente de natureza oral e comeccedilaram a

ser escritos

A escrita grega antiga a princiacutepio foi usada ldquopara marcar objetos ou compor um memorial

ou ateacute mesmo escrever versosrdquo (THOMAS 2005 p67) Como exemplo tem-se o famoso Vaso do

Diacutepylon datado de 750-690 aC que conteacutem uma inscriccedilatildeo metrificada em ldquohexacircmetro de estilo

3 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes neste capiacutetulo satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

13

homeacuterico onde se lecirc de traacutes para frente quem agora entre os danccedilarinos melhor desempenho

tiver Segue-se a isto uma tentativa de um segundo verso que avanccedila com esforccedilo ateacute parar perto

da asardquo(HAVELOCK 1996 p197) Numa sociedade oral as primeiras manifestaccedilotildees de escrita

tendem a registrar a palavra falada por isso que algumas inscriccedilotildees encontradas estatildeo escritas em

versos ao contraacuterio do que acontece na sociedade letrada moderna em que os registros oficiais satildeo

feitos em prosa

A oralidade na Greacutecia Antiga foi veiacuteculo de muitos acontecimentos dentre eles o iniacutecio da

democracia como afirma Dupont (1998 p12) ldquoLa democratie grecque elle-mecircme fut fondeacutee sur

une parole politique essentiellement orale leacutecriture ne servant quaux lettres dambassadeurs aux

teacutemoignages dans les procegraves et agrave la publication des loisrdquo4 Tambeacutem natildeo se pode esquecer de que a

filosofia grega foi propagada por meio da oralidade os discursos filosoacuteficos que temos hoje

resultaram de um diaacutelogo oral como os de Pitaacutegoras Soacutecrates Aristoacuteteles e os Peripateacuteticos5 Na

verdade em geral a Greacutecia prioriza a oralidade em detrimento da escrita pois essa eacute vista como um

instrumento de poder como conclui Dupont (1998 p13)

Dune faccedilon geacuteneacuterale la Gregravece classique se meacutefie de lecriture quand elle preacutetend transcrire et conserver la parole des vivants et de la lecture qui asservit le lecteur agrave la volonteacute du scripteur car la fonction la plus ancienne de lecriture grecque neacutetait pas denregistrer les paroles des hommes mais de faire parler les choses muettes coupes ou stegraveles funeacuteraires gracircce agrave une oralisation de linscription par le lecteur6

Como a sociedade grega natildeo primava pela composiccedilatildeo escrita muito dificilmente se poderia

falar em literatura Pois segundo Dupont para se ter literatura como eacute pensada hoje tem-se que ter

leitores E nas sociedades antigas ndash Greacutecia e Roma ndash eram comuns as leituras puacuteblicas em

contraponto agraves leituras individuais fato esse que permite a escrita do texto com o intuito de

exclusivamente ser lido ldquoles Anciens ont connu bien des faccedilons de lire un livre mais jamais cette

lecture litteacuteraire semble-t-il sinon sous la forme dune reacuteeacutecriture ce que nous appelons un

remakerdquo (DUPONT 1998 p16)7 Da Greacutecia Antiga nos restou um exemplo dessa reescrita dos

mitos jaacute conhecidos o mito de Electra filha de Agamecircmnon e Clitemnestra que mata a proacutepria matildee

com a ajuda do irmatildeo Orestes para vingar a morte do pai Esse mito eacute recontado em trecircs trageacutedias

gregas nas Coeacuteforas de Eacutesquilo na Electra de Soacutefocles e na Electra de Euriacutepides Cada peccedila

4 A democracia grega em si foi fundada sobre um discurso poliacutetico essencialmente oral a escrita serve apenas para as cartas de embaixadores como prova num julgamento e para a publicaccedilatildeo de leis

5 DUPONT Florence Linvention de la litteacuterature Paris La Deacutecouverte 1998 p 126 Em geral a Greacutecia claacutessica desconfia da escrita quando ela pretende transcrever e conservar as falas dos vivos e da

leitura que submete o leitor agrave vontade do escritor porque a funccedilatildeo mais antiga da escrita grega natildeo era registrar as falas dos homens mas fazer falar as coisas mudas taccedilas ou laacutepides graccedilas a um registro da oralizaccedilatildeo para o leitor

7 Os antigos conheceram muitas maneiras de ler um livro mas nunca como uma leitura literaacuteria aparentemente senatildeo como uma reescrita o que chamamos de remake

14

apresenta uma versatildeo diferente do mito como na cena de reconhecimento na qual Orestes eacute

reconhecido nas Coeacuteforas de Eacutesquilo o reconhecimento se daacute de trecircs modos ndash anel de cabelo de

Orestes as pegadas as roupas tecidas por Electra na Electra de Soacutefocles o reconhecimento se daacute

por meio de um sinete (siacutembolo familiar) mostrado por Orestes para Electra e na Electra de

Euriacutepides o reconhecimento acontece quando o lavrador marido de Electra vecirc uma cicatriz de

infacircncia no rosto de Orestes Portanto observa-se que embora a cena de reconhecimento das

trageacutedias apresentadas se mostrem de modo distinto o tema do matriciacutedio de Electra permanece nas

trecircs peccedilas conservando essa parte do mito

Os primeiros textos ditos ldquoliteraacuteriosrdquo ndash ou se poderia preferir a nomenclatura ldquopoeacuteticosrdquo ou

ldquopoetizadosrdquo8 ndash que chegaram ateacute os dias de hoje satildeo a Iliacuteada e a Odisseia de Homero datados do

seacuteculo VIII aC Esses textos segundo Thomas (2005 p17) ldquoparecem ser produto de composiccedilatildeo

bem como de execuccedilatildeo inteiramente oralrdquo

No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoesia oralrdquo do livro Letramento e Oralidade na Greacutecia Antiga a

autora elenca algumas anaacutelises a respeito da presenccedila da oralidade na poesia homeacuterica base do

estudo da oralidade grega A primeira teoria eacute a conhecida como teoria de Milman Parry

argumentando que ldquoos eacutepicos homeacutericos eram poesia oralrdquo (THOMAS 2005 p 41) Parry analisou

as caracteriacutesticas da poesia eacutepica como os epiacutetetos homeacutericos e apresentou um novo

direcionamento sobre os estudos de oralidade A teoria de Parry revolucionou as pesquisas sobre a

poesia homeacuterica ao considerar a audiecircncia e a performance9 na criaccedilatildeo dos poemas conforme

afirma Thomas (2005 p42) ldquoeacute decisivamente por causa da teoria de Parry que podemos agora

reconhecer a importacircncia do puacuteblico e do contexto da apresentaccedilatildeo nas sociedades orais e

tradicionais o mesmo se diria do caraacuteter de improvisaccedilatildeordquo

As pesquisas de Parry tentaram mostrar que os poemas homeacutericos eram constituiacutedos por

expressotildees formulares (termos que se adequavam agrave meacutetrica do poema no momento da criaccedilatildeo

poeacutetica) que possibilitavam a criaccedilatildeo da poesia oral em analogia com a observaccedilatildeo da poesia

iugoslava Apoacutes a morte de Parry Lord um dos colaboradores da pesquisa daacute seguimento aos

estudos sobre performance A teoria Parry-Lord prioriza a audiecircncia o poeta deveria adaptar a

exposiccedilatildeo oral ao gosto do puacuteblico podendo alteraacute-la caso os ouvintes natildeo estivessem satisfeitos

pois cada performance era pontual assim como afirma Lord (1971 p5) no livro The singer of

tales ldquoWe shall see that in a very real sense every performance is separate song for every

8 Por se tratarem de uma composiccedilatildeo riacutetmica Havelock (1996 p13) prefere utilizar os termos ldquopoeacuteticordquo ou ldquopoetizadordquo tais termos estariam em equivalecircncia com ldquoletradordquo e ldquoarte escritardquo

9 Entenda-se nesse capiacutetulo performance como desempenho do poeta na exposiccedilatildeo oral pois o termo ldquoembora historicamente de formaccedilatildeo francesa ela [performance] nos vem do inglecircs e nos anos 1930 e 1940 emprestada ao vocabulaacuterio da dramaturgiardquo (ZUMTHOR 2007 p29-30)

15

performance is unique and every performance bears the signature of its poet singerrdquo10 A

composiccedilatildeo oral far-se-ia diante do puacuteblico diferindo do caraacuteter exclusivo de improvisaccedilatildeo pois se

apoiava em expressotildees formulares elementos essenciais para auxiliar o poeta no ato de compor o

poema portanto natildeo precisando se apoiar inteiramente no recurso mnemocircnico Lord (1971 p13)

tambeacutem distingue a composiccedilatildeo da poesia oral do poema literaacuterio

For the oral poet the moment of composition is the performance In the case of literary poem there is a gap in the time between composition and reading or performance in the case of the oral poem this gap does not exist because composition and performance are two aspects of the same moment11

O aspecto importante da performance para Lord eacute que o poeta cria ao cantar ele natildeo eacute um

mero recitador por isso tem a liberdade de construir o seu poema Ele ainda apresenta dois fatores

da composiccedilatildeo oral que segundo ele natildeo estatildeo presentes numa escrita tradicional

We must remember that the oral poet has no idea of a fixed model to serve as his guide He has models enough but they are not fixed and he has not idea of memorizing them in a fixed form Every time he hears a song sung it is different Secondly there is a factor of time The literate poet has leisure to compose at any rate he pleases The oral poet must keep singing His composition by its very nature must be rapid Individual singers may and do vary in their rate of composition of course but it has limits because there is an audience waiting to hear the story 12(LORD 1971 p22)

Desse modo importa ao poeta manter a tradiccedilatildeo ou seja o tema a ser cantado e natildeo a

forma fixa do poema Segundo Thomas (2005 p55) haacute pesquisadores como Kirk que defendem

que mesmo sem a ajuda da escrita eacute possiacutevel ter havido uma preacutevia elaboraccedilatildeo do poema antes da

performance

Portanto um poema em grande escala como a Iliacuteada pode ter sido desenvolvido muito gradualmente ndash e natildeo necessariamente com a escrita As maiores cenas podem ter sido cuidadosamente elaboradas em privado refinadas continuamente e reproduzidas ao menos grosso modo da mesma forma em sucessivas apresentaccedilotildees (THOMAS 2005 p55)

10 Veremos que num sentido muito real cada performance eacute um poema distinto pois cada performance eacute uacutenica e cada performance tem a assinatura de seu cantor-poeta

11 Para o poeta oral o momento da composiccedilatildeo eacute a performance No caso do poema literaacuterio haacute uma lacuna no tempo entre a composiccedilatildeo e a leitura ou performance no caso do poema oral essa lacuna natildeo existe porque a composiccedilatildeo e a performance satildeo dois aspectos do mesmo momento

12 Devemos lembrar que o poeta oral natildeo tem ideia de um modelo fixo para servir como seu guia Ele tem modelos suficientes mas eles natildeo satildeo fixos e que ele natildeo tem ideia de memorizaacute-los de uma forma fixa Toda vez que ele ouve uma canccedilatildeo cantada eacute diferente E segundo lugar existe o fator tempo O poeta letrado tem tempo para compor de qualquer modo que ele quiser O poeta oral deve continuar cantando A sua composiccedilatildeo por sua natureza deve ser raacutepida Cantores individuais podem e variam em sua razatildeo de composiccedilatildeo eacute claro mas tem limites porque tem um puacuteblico a espera para ouvir a histoacuteria

16

Apoacutes muitas apresentaccedilotildees do mesmo canto pode-se pensar que o poeta tem a possibilidade

de especializar o seu canto quantas vezes forem necessaacuterias Por isso Thomas (2005 p56) conclui

ldquoTampouco haacute razatildeo para pensar que a memorizaccedilatildeo (de qualquer grau) pudesse tolher a

improvisaccedilatildeo e a criatividade ela pode simplesmente suplementar a improvisaccedilatildeo e preservar as

cenas mais cuidadasrdquo

Mas contrapondo o que foi mencionado anteriormente o fato de as epopeias parecerem de

natureza oral natildeo exclui a possibilidade de haver um texto escrito para a organizaccedilatildeo das ideias e

para facilitar o processo de criaccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de partes relevantes do mito conforme mostra a

ldquoteoria de Shiverdquo na qual a composiccedilatildeo oral pode se utilizar da escrita para ajudar a lembrar o texto

a ser exposto assim nos mostra Thomas (2005 p59)

Desse modo Homero usava a dicccedilatildeo tradicional certamente mas frequentemente meditando tatildeo cuidadosamente sobre a expressatildeo mais apta em vez de usar uma expressatildeo preacute-fabricada que comeccedila a parecer muito com Milton ou Virgiacutelio

Com isso Homero teria tido a possibilidade de refletir sobre a sua criaccedilatildeo poeacutetica podendo

escolher o termo mais adequado para o seu poema Mas natildeo se pode esquecer de que no periacuteodo

em que ele viveu a escrita era usada em segundo plano e natildeo como apoio agrave criaccedilatildeo poeacutetica

portanto Homero provavelmente natildeo se utilizou da escrita para a composiccedilatildeo de seus poemas

Nas epopeias a escrita alfabeacutetica ajudaria porque ldquotem uma capacidade uacutetil de preservar

informaccedilatildeo e tornar a comunicaccedilatildeo agrave longa distacircncia muito mais faacutecilrdquo (THOMAS 2005 p39)

Essa capacidade de preservaccedilatildeo da poesia oral coloca em questatildeo o caraacuteter oral presente por

exemplo nos poemas homeacutericos mesmo que natildeo haja evidecircncias a princiacutepio da fixaccedilatildeo da poesia

grega arcaica Essa ideia soacute surgiraacute apoacutes o seacuteculo V aC como nos mostra Thomas (2005 p67)

Textos autorizados dos grandes traacutegicos do seacuteculo V foram produzidos apenas na segunda metade do seacuteculo IV sob os auspiacutecios de Licurgo numa clara tentativa de fixar os textos traacutegicos num periacuteodo em que um maior respeito pela palavra escrita ndash e pela literatura do seacuteculo V ndash eacute visiacutevel em diversas aacutereas

Gregory Nagy tambeacutem apresenta uma pesquisa acerca da questatildeo homeacuterica e no primeiro

capiacutetulo do seu livro Homeric Questions elenca dez conceitos para abordar a performance homeacuterica

(trabalho de campo sincronia versus diacronia composiccedilatildeo em performance difusatildeo tema

foacutermula economia como frugalidade tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo unidade e organizaccedilatildeo e autor e

texto) e lista mais dez conceitos em uso que satildeo aplicados enganosamente Dos dez conceitos para

17

a performance mais adiante elegeremos em outro lugar desta dissertaccedilatildeo alguns desses a saber

tema tradiccedilatildeo versus inovaccedilatildeo e autor e texto Com base na teoria de Parry-Lord Nagy propotildee um

redirecionamento desta como bem coloca no iniacutecio do segundo capiacutetulo do seu livro

In earlier work my starting point has been the central comparative insight of Milman Parry and Albert Lord gleaned from their fieldwork in South Slavic oral epic traditions that composition and performance are aspects of the same process in the making of Homeric poetry13 (NAGY 1996 p 29)

O autor com base nos estudos citados afirma que haacute uma interaccedilatildeo entre trecircs aspectos ndash

composiccedilatildeo performance e difusatildeo ndash para compor a produccedilatildeo da poesia homeacuterica ao inveacutes dos

dois aspectos de Parry-Lord (composiccedilatildeo e performance) Nagy designa o primeiro lugar agrave

performance como ele expotildee

The process of composition-in-performance which is a matter of recomposition in each performance can be expected to be directly affected by the degree of diffusion that is the extent to which a given tradition of composition has a chance to be performed in a varying spectrum of narrower or broader social frameworks The wider the diffusion I argued the fewer opportunities for recomposition so that the widest possible reception entails teleologically the strictest possible degree of adherence to a normative and unified version14 (NAGY 1996 p39-40)

Mais adiante de acordo com a triacuteade apresentada Nagy atribui cinco idades aos textos de

Homero e em cada periacuteodo tenta mostrar como se deu a transmissatildeo dos poemas homeacutericos em

performance As cinco idades dos textos homeacutericos satildeo as seguintes primeira natildeo haacute textos escritos

(2000-800 aC) segunda periacuteodo pan-helecircnico ainda natildeo haacute textos escritos (da metade do seacutec

VIII aC agrave metade do seacutec VI aC) terceira com textos transcritos (da metade do seacutec VI aC ateacute

fins do seacutec IV aC) quarta com textos transcritos e roteiros (de fins do IV aC ateacute metade do seacutec

II) e quinta com os textos como escritura (da metade do seacutec II em diante) como bem resume

Mota (2010 p32) em seu artigo intitulado ldquoNos passos de Homero performance como argumento

na Antiguidaderdquo

G Nagy assinala que os momentos na histoacuteria da performance e textualizaccedilatildeo dessas 13 Em trabalhos anteriores o meu ponto de partida foi a ideia central comparativa de Milman Parry e Albert Lord

adquirida a partir de seu trabalho de campo nas tradiccedilotildees orais eacutepicas do Sul Eslavo que a composiccedilatildeo e a performance satildeo aspectos de um mesmo processo na confecccedilatildeo da poesia homeacuterica

14 O processo de composiccedilatildeo em performance que eacute uma questatildeo de recomposiccedilatildeo em cada execuccedilatildeo pode-se esperar que seja diretamente afetada pelo grau de difusatildeo ou seja a extensatildeo em que uma dada tradiccedilatildeo de composiccedilatildeo tem a possibilidade de ser realizada em um espectro variaacutevel de estruturas sociais mais estreitas ou mais amplas Quanto maior a difusatildeo argumentei menores satildeo as oportunidades para a recomposiccedilatildeo de modo que a recepccedilatildeo mais ampla possiacutevel implica teleologicamente o grau mais estrito possiacutevel de adesatildeo a uma versatildeo normativa e unificada

18

obras natildeo soacute se encontram associadas como tambeacutem em suas implicaccedilotildees apresentam uma histoacuteria das mudanccedilas e transformaccedilotildees da cultura performativa na Antiguidade O estudo da recepccedilatildeo e produccedilatildeo de Homero ilumina dramaacuteticas mutaccedilotildees no conceito e experiecircncia de situaccedilotildees interativas cujas implicaccedilotildees foram incorporadas em mentalidades que subagem em pressupostos ateacute hoje dominantes

Ao atribuir uma nova perspectiva para a criaccedilatildeo e a recepccedilatildeo do poema homeacuterico Nagy

apresenta uma ampliaccedilatildeo da teoria de Parry-Lord e uma nova vertente para os estudos homeacutericos

utilizando aspectos histoacutericos e linguiacutesticos

Entatildeo diante das teorias apresentadas pode-se concluir que os poemas homeacutericos foram

compostos em tempos anteriores e entraram em contato com a escrita em meados do seacutec VIII

mesmo que ainda natildeo se utilizassem dela para a composiccedilatildeo dos poemas Soacute seacuteculos depois eacute que

houve uma versatildeo escrita dos poemas (provavelmente a que nos restou) o que natildeo quer dizer que

seria a uacutenica versatildeo jaacute que naquele periacuteodo prevalecia a performance O mesmo fato

provavelmente acontecia natildeo somente com as poesias eacutepicas mas tambeacutem com os mitos gregos em

geral

Logo depois dos textos homeacutericos com um novo processo de criaccedilatildeo aparecem os poemas

de Hesiacuteodo a Teogonia e Os trabalhos e os dias Na Teogonia o aedo invoca as musas para cantar a

origem dos deuses Nesse texto assim como nos de Homero encontram-se marcas de oralidade

como nos mostra Torrano (2007 p15)

A marca de oralidade natildeo estaacute somente nas caracteriacutesticas exteriores e formais da Teogonia a saber 1) nas foacutermulas e frases preacute-fabricadas que combinando-se como mosaicos vatildeo compondo os versos em sequecircncias salpicadas por palavras e expressotildees inevitavelmente retornantes 2) na justaposiccedilatildeo com que as sequecircncias narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras mas antes tendo cada sequecircncia narrativa um igual valor na sintaxe da narraccedilatildeo total e podendo portanto sempre e ao arbiacutetrio do poeta articular-se a um nuacutemero quase indefinido de novas sequencias 3) nos cataacutelogos (lista de nomes proacuteprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemocircnico que soacute a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma funccedilatildeo motivada e significativa dentro do contexto do poema

A poesia hesioacutedica eacute anterior agrave fixaccedilatildeo da escrita na Greacutecia embora jaacute existisse a escrita tal

recurso natildeo era utilizado para a composiccedilatildeo de poemas Soacute depois iraacute surgir a poesia liacuterica na qual

se encontra o uso do alfabeto15

Contudo o surgimento da escrita natildeo implica o desaparecimento da composiccedilatildeo oral E

como propotildee Havelock (1996 p24) em seu livro A revoluccedilatildeo escrita na Greacutecia e suas

15 TORRANO Jaa ldquoO mundo como funccedilatildeo de musasrdquo In HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

19

consequecircncias culturais abordou-se ldquoassuntos que vatildeo de Homero ao drama grego tendo em vista

demonstrar a permanecircncia ateacute o fim do seacuteculo V da colaboraccedilatildeo entre o oral e o escritordquo Entatildeo natildeo

se pode estudar as produccedilotildees poeacuteticas gregas dos seacuteculos VIII ao V aC sem pensar que a oralidade

e a escrita conviviam harmonicamente e se contaminavam Tambeacutem deve-se lembrar de que a

oralidade e a leitura puacuteblica estavam mais presentes no cotidiano dos gregos desse periacuteodo do que a

proacutepria escrita Um exemplo disso pode ser encontrado em Luciano de Samoacutesata (seacutec II dC)

quando relata que Heroacutedoto apresentou as suas histoacuterias num festival de Oliacutempia como meio de

divulgar a sua obra

ἐνίσταται οὖν Ὀλύμπια τὰ μεγάλα καὶ ὁ Ἡρόδοτος τοῦτ ἐκεῖνο ἥκειν οἱ νομίσας τὸν καιρόν οὗ μάλιστα ἐγλίχετο πλήθουσαν τηρήσας τὴν πανήγυριν ἁπανταχόθεν ἤδη τῶν ἀρίστων συνειλεγμένων παρελθὼν ἐς τὸν ὀπισθόδομον οὐ θεατήν ἀλλ ἀγωνιστὴν Ὀλυμπίων παρεῖχεν ἑαυτὸν ᾄδων τὰς ἱστορίας καὶ κηλῶν τοὺς παρόντας ἄχρι τοῦ καὶ Μούσας κληθῆναι τὰς βίβλους αὐτοῦ ἐννέα καὶ αὐτὰς οὔσας (SAMOacuteSATA Herod I)

Realizam-se entatildeo os grandes jogos Oliacutempicos e Heroacutedoto considerando que lhe chegara a oportunidade por que tanto ansiava observando a panegiacuteria lotada de todas as partes os mais distintos homens jaacute reunidos tendo-se aproximado da parte de traacutes do templo natildeo como espectador mas como competidor dos Jogos Oliacutempicos apresentava-se cantando suas histoacuterias e encantando os presentes a ponto de seus livros terem recebido o nomes das Musas sendo eles tambeacutem nove16

Nesses trecircs seacuteculos os textos produzidos eram para ser a priori lidos em puacuteblico assim

como Havelock (1996 p184) caracteriza a composiccedilatildeo poeacutetica do drama grego

O drama ateniense aleacutem de ser riacutetmico obedece a regras associativas e de prediccedilatildeo proacutepria da composiccedilatildeo oral compotildee-se com base no princiacutepio do eco e se concebe como uma apresentaccedilatildeo a ser ouvida vista e memorizada mas natildeo lida

Diante de tal citaccedilatildeo torna-se impossiacutevel estudar o drama grego sem verificaacute-lo sob a oacutetica

da recepccedilatildeo embora haja como corpus apenas o texto escrito e possa analisaacute-lo numa leitura

solitaacuteria ndash que ldquose define ao mesmo tempo como absorccedilatildeo e criaccedilatildeo processo de trocas dinacircmicas

que constituem a obra na consciecircncia do leitorrdquo (ZUMTHOR 2007 p51) ndash aspectos esses bem

diferentes da sociedade grega antiga E na recepccedilatildeo verifica-se dentro da poesia oral com mais

destaque a performance como afirma Zumthor (2007 p 50) ldquoa performance eacute entatildeo um momento

da recepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente recebidordquo Performance essa

que entra em disputa com a recepccedilatildeo pois a uacuteltima sobrevive por mais tempo do que a outra por

isso torna-se impossiacutevel reviver uma performance jaacute exibida jaacute que cada performance eacute uacutenica ao

16 RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

20

contraacuterio da recepccedilatildeo de que eacute possiacutevel reconhecer o seu valor em um texto poeacutetico na sua proacutepria

eacutepoca Segundo Zumthor (2007 p51) o discurso poeacutetico estabelece um confronto entre

performance e recepccedilatildeo embora a uacuteltima tenha uma duraccedilatildeo mais longa por isso ldquopode-se falar da

recepccedilatildeo de Virgiacutelio e de Homero mas nos situamos a uma tal distacircncia temporal desses autores

que o termo performance natildeo tem mais sentido em relaccedilatildeo a elesrdquo (ZUMTHOR 2007 p51)

Contudo conclui Zumthor (2007 p52) ldquoa recepccedilatildeo eu o repito se produz em circunstacircncia

psiacutequica privilegiada performance ou leiturardquo

Assim numa sociedade primitiva na qual soacute havia transmissatildeo oral

A ldquorecepccedilatildeordquo vai se fazer pela audiccedilatildeo acompanhada da vista uma e outra tendo por objeto o discurso assim performatizado eacute com efeito proacuteprio da situaccedilatildeo oral que transmissatildeo e recepccedilatildeo aiacute constituam um ato uacutenico de participaccedilatildeo co-presenccedila esta gerando o prazer Esse ato uacutenico eacute a performance (ZUMTHOR2007 p65)

Como se deu nas apresentaccedilotildees das trageacutedias aacuteticas em que a audiecircncia ao assistir ao

espetaacuteculo observava a performance dos atores utilizando-se da audiccedilatildeo e da vista contrapondo-se

agraves apresentaccedilotildees orais dos textos homeacutericos Nesse momento uacutenico no qual a performance eacute

executada os atores tentam interagir com a audiecircncia e tentam provocar algumas sensaccedilotildees como

no caso da trageacutedia grega terror e piedade conforme afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1449b 23-28)

ao definir a trageacutedia17

Em Atenas assim como expotildee Havelock (1996 p275) ldquoo drama aacutetico como uma forma de

arte nativa de Atenas surgiu conforme a tradiccedilatildeo sugere na uacuteltima metade do seacuteculo VI com o fim

de prover o necessaacuterio suplemento a Homerordquo Como uma extensatildeo da poesia homeacuterica o drama

aacutetico prosseguiu com o efeito didaacutetico daquela e tambeacutem promoveu o entretenimento ao puacuteblico

grego por meio das representaccedilotildees cecircnicas Mas ao contraacuterio do que fizera a epopeia ao fornecer

aos cidadatildeos atenienses uma ldquoidentidade coletiva moral poliacutetica e histoacutericardquo (HAVELOCK 1996

p276) o drama aacutetico propunha uma ldquoidentidade particular que era de uma cidade-estado

especiacutefica Ouvindo e assistindo agraves peccedilas encenadas eles reconheciam e absorviam um comentaacuterio

corrente a seu proacuteprio noacutemos e eacutethos (HAVELOCK 1996 p276) O drama tambeacutem se

contrapunha agrave poesia eacutepica no quesito de comunicaccedilatildeo pois os poemas homeacutericos necessitavam

somente do sentido da audiccedilatildeo do puacuteblico para captar a composiccedilatildeo oral jaacute o drama utilizava-se

simultaneamente de dois sentidos da audiccedilatildeo e da visatildeo Assim o drama aacutetico permanece com o 17 ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς

ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις δρώντων καὶ οὐ δι ἀπαγγελίας δι ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν Eacute pois a Trageacutedia imitaccedilatildeo de uma accedilatildeo de caraacuteter elevado completa e de certa extensatildeo em linguagem ornamentada e com vaacuterias espeacutecies de ornamentos distribuiacutedas pelas diversas partes [do drama] [imitaccedilatildeo que se efetua] natildeo por narrativa mas mediante atores e que suscitando o ldquoterror e a piedade tem por efeito a purificaccedilatildeo dessas emoccedilotildeesrdquo (traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa)

21

mesmo caraacuteter didaacutetico jaacute utilizado pelas epopeias homeacutericas uma combinaccedilatildeo de educaccedilatildeo com

entretenimento para propagar os costumes gregos Portanto ldquoas peccedilas eram representaccedilotildees

contiacutenuas de aspectos do panorama ciacutevico com que a audiecircncia era convidada a identificar-serdquo

(HAVELOCK 1996 p276)

Desse modo as peccedilas aacuteticas eram produtos de composiccedilatildeo oral na qual o coro era um

elemento central pois rememorava a parte mais poeacutetica da representaccedilatildeo O coro funcionava como

uma personagem na peccedila porque dialogava com as outras personagens e interferia no

desenvolvimento do enredo E o mito escolhido a ser encenado nada mais era do que um pequeno

trecho da poesia homeacuterica jaacute conhecido do puacuteblico

Finalmente o mito de cada peccedila situando a trama num passado heroico imaginaacuterio seguia o princiacutepio da fantasia homeacuterica envolvendo a mensagem contemporacircnea em uma aura arcaica de modo a dar-lhe assim distanciamento um tom grandiloquente e capacidade de sobrevivecircncia (HAVELOCK 1996 p 277)

Com o passar do tempo a oralidade como meio de divulgaccedilatildeo dos poemas vai se

enfraquecendo cedendo lugar a outras formas de comunicaccedilatildeo como a escrita e assim afirma

Havelock (1996 p277-78)

A comunicaccedilatildeo importante podia ser congelada na escrita lida relida e evocada em vez de plantar-se na memoacuteria oral Pela loacutegica deste avanccedilo o que se pode chamar de oralidade da trageacutedia grega estava destinada a sofrer erosatildeo O propoacutesito didaacutetico central havia de enfraquecer-se na medida em que a cultura vinha cada vez mais a apoiar-se em formas escritas de comunicaccedilatildeo estocada disponiacutevel para reutilizaccedilatildeo O justo equiliacutebrio entre instruccedilatildeo e entretenimento uma necessidade mnemocircnica desde tempos imemoriais havia de alterar-se privilegiando o entretenimento

Como representaccedilatildeo desse decliacutenio da oralidade no drama aacutetico consequecircncia da tensatildeo

vivida pela trageacutedia entre o falar e o ouvir tem-se como exemplo o papel do coro nas peccedilas gregas

O coro das trageacutedias gregas era um componente essencial a essas peccedilas pois ele carregava mais

fortemente o aspecto de composiccedilatildeo oral tatildeo presente nos poemas homeacutericos Os cantos corais eram

entoados por cidadatildeos gregos dando uma caracteriacutestica mais popular a essa parte da trageacutedia O

nuacutemero de participantes dos coros variava de acordo com o gecircnero teatral e o autor ldquophilological

opinion agrees with the numbers twelve for the choruses of Aeschylus fifteen for those of

Sophocles and Euripides and twenty-four in Ancient Comedy similarly for the fifty-member

chorus of the dithyrambrdquo18 (CALAME 1997 p 21) Segundo Calame em seu livro Choruses

young women in Ancient Greece o coro traacutegico assume uma forma retangular contrapondo-se agrave 18 A opiniatildeo filoloacutegica concorda com os nuacutemeros doze para os coros de Eacutesquilo quinze para os de Soacutefocles e

Euriacutepides e vinte e quatro na Comeacutedia Antiga da mesma forma cinquenta membros do coro do ditirambo

22

forma circular dos cantos liacutericos ainda que tenha vindo desse canto

The iconography of the lyric chorus is thus divided into two large categories one processional the other circular A third less important category of disposition in rows can be added This classification has two consequences First the rectangular formation of the tragic chorus should probably be included in this third class The tragic chorus would therefore originate in a lyric form and the dichotomy between tragic chorus characterized by retangle and lyric chorus circularity is probably not as marked as my remarks at the beginning of the paragraph would suggest Second the visual images reveal a feature of the lyric chorus not apparent in written documents that of procession (CALAME 1997 p38)19

E para acrescentar agraves informaccedilotildees estruturais do coro no livro An introduction to greek

tragedy o autor afirma que os atores que compunham o coro eram exclusivamente masculinos

usavam trajes adequados e maacutescaras que cobriam toda a cabeccedila20

Aleacutem das questotildees estruturais apresentadas sobre o coro natildeo se pode esquecer que no

drama aacutetico do seacutec V aC havia tambeacutem um propoacutesito didaacutetico que Havelock (1996 p315) divide

em dois niacuteveis

O primeiro eacute temaacutetico exigindo que a trama de toda a peccedila seja manipulada de modo tal que propicie um disfarce para os interesses sociais e contemporacircneos e uma liccedilatildeo indireta sobre como administrar O segundo eacute o aforiacutestico um niacutevel em que a retoacuterica e os cantos de todos os integrantes da trageacutedia satildeo linguisticamente elaborados de modo a conter copiosos fragmentos do eacutethos e do noacutemos da sociedade sua ldquosabedoriardquo oral

Nos cantos corais presencia-se o segundo niacutevel o aforiacutestico principalmente atraveacutes dos

ditos populares reelaborados como meio de divulgaccedilatildeo da sabedoria popular conforme aparece

num exemplo apresentado por Havelock (1996 p 310) ldquoO discurso oral memorizaacutevel

privilegiando o especiacutefico antes que o geral em vez de dizer A honestidade eacute a melhor poliacutetica

prefere dar-lhe esta formulaccedilatildeo um homem honesto eacute que alcanccedila proveitordquo Reescrevendo o dito

popular e o aproximando da realidade da sociedade espectante

Na trageacutedia grega do seacutec V encontram-se exemplos de aforismos nos cantos corais que

atribuem um caraacuteter oral e popular a esses cantos como se vecirc no segundo estaacutesimo da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo19 A iconografia do coro liacuterico estaacute assim dividida em duas grandes categorias uma a procissatildeo e a outra a circular

Uma terceira menos importante categoria de disposiccedilatildeo em filas podem ser adicionada Esta classificaccedilatildeo tem duas consequecircncias Em primeiro lugar a formaccedilatildeo retangular do coro traacutegico provavelmente deve ser incluiacuteda nesta terceira classe O coro traacutegico portanto originaacuterio de uma forma liacuterica e a dicotomia entre o coro traacutegico caracterizado pelo retangularidade e o coro liacuterico pelo circularidade provavelmente natildeo eacute tatildeo marcada como minhas observaccedilotildees no iniacutecio do paraacutegrafo sugere Em segundo lugar as imagens visuais revelam uma caracteriacutestica do coro liacuterico natildeo perceptiacutevel em documentos escritos como o da procissatildeo

20 SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011 p 4

23

παλαίφατος δ ἐν βροτοῖς γέρων λόγος                  τέτυκται μέγαν τελε-σθέντα φωτὸς ὄλβοντεκνοῦσθαι μηδ ἄπαιδα θνῄσκειν (Es Ag 750-753)

Priacutestino entre mortais velho proveacuterbio diz quando grandea opulecircncia humanaprocria e natildeo morre sem filho21

Como se pode observar o coro apresentado indica um proveacuterbio antigo e quem o proferiu O

coro esquiliano ao inserir o substantivo φωτὸς (humano dos homens) apresenta um caraacuteter

didaacutetico ao aproximar o proveacuterbio do povo aacutetico Praacutetica bastante comum natildeo soacute nos coros das

trageacutedias mas tambeacutem nas falas das personagens como no proacutelogo da trageacutedia As traquiacutenias de

Soacutefocles proferido por Dejanira

Λόγος μέν ἐστ ἀρχαῖος ἀνθρώπων φανεὶςὡς οὐκ ἂν αἰῶν ἐκμάθοις βροτῶν πρὶν ἂνθάνῃ τις οὔτ εἰ χρηστὸς οὔτ εἴ τῳ κακός (Sof Traq v 1-3)

Ditado antigo dos homensdiz que antes de morrer nenhum mortal pode saber se tem bom fado ou mau22

E mais uma vez encontra-se no aforismo uma referecircncia agrave identificaccedilatildeo do povo com o

proveacuterbio ao inserir o substantivo ἀνθρώπων (homem) confirmando assim o intuito didaacutetico das

peccedilas

Os ditos populares presentes nas trageacutedias satildeo um dos exemplos que marcam a

sobrevivecircncia da oralidade nas peccedilas do seacutec V aC Fato esse explicado porque a trageacutedia aleacutem de

sofrer influecircncias da oralidade dos poemas homeacutericos teria vindo de um canto popular o

ditirambo como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica

γενομένη δ οὖν ἀπ ἀρχῆς αὐτοσχεδιαστικῆς - καὶ αὐτὴ καὶ ἡ κωμῳδία καὶ ἡ μὲν ἀπὸ τῶν ἐξαρχόντων τὸν διθύραμβον ἡ δὲ ἀπὸ τῶν τὰ φαλλικὰ ἃ ἔτι καὶ νῦν ἐν πολλαῖς τῶν πόλεων διαμένει νομιζόμενα - κατὰ μικρὸν ηὐξήθη προαγόντων ὅσον ἐγίγνετο φανερὸν αὐτῆςmiddot καὶ πολλὰς μεταβολὰς μεταβαλοῦσα ἡ τραγῳδία ἐπαύσατο ἐπεὶ ἔσχε τὴν αὑτῆς φύσιν (Ar Poe 1449a 9-15)

Mas nascida de um princiacutepio improvisado (tanto a Trageacutedia como a Comeacutedia a Trageacutedia dos solistas do ditirambo a Comeacutedia dos solistas dos cantos faacutelicos composiccedilotildees estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades) [a Trageacutedia]

21 Traduccedilatildeo de Jaa TORRANO (2004)22 Traduccedilatildeo de Flaacutevio Ribeiro de OLIVEIRA (2009)

24

pouco a pouco foi evoluindo agrave medida que se desenvolvia tanto quanto nela se manifestava ateacute que passadas muitas transformaccedilotildees a Trageacutedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural23

Para confirmar essa influecircncia do ditirambo na poesia traacutegica em especial nos cantos corais

Calame em seu artigo ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo elenca mais outras fontes

antigas que registram a proximidade entre os dois gecircneros

Degraves le Ve siegravecle dailleurs les Grecs eux-mecircmes nont pas manqueacute de faire deacuteriver les repreacutesentations tragiques atheacutenienne dans leur ensemble dexeacutecutions chorales soit quHeacuterodote montre Clisthegravenes de Sicyone le beau-pegravere de Clisthegravenes dAthegravenes transfeacuterant les ltltchoeurs tragiquesgtgt de la ceacuteleacutebration du heacuteros Adraste agrave celle du dieu Dionysos soit quAristote en cherche lorigine dans linstitution des ltltconducteursgtgt du dithyrambe forme chorale deacutedieacutee au mecircme Dionysos soit encore quun teacutemoignage beaucoup plus tardif affirme que Solon aurait deacuteja attribueacute agrave Arion le poegravete meacutelique compositeur de dithyrambes la premiegravere exeacutecution dramatique que dune ltlttrageacutediegtgt Pour Diogegravene Laerce degraves lors il en fait aucun doute que les premiegraveres repreacutesentations tragiques eacutetaient assumeacutees uniquement par un groupe choral (CALAME 1997 p181-182)24

O ditirambo era uma narrativa de tema heroacuteico entoada por um coro em honra de Dioniso e

ao que parece performada de improviso25 daiacute o caraacuteter heroico considerado como elo entre o

ditirambo e a trageacutedia E Aristoacuteteles coloca o ditirambo lado a lado com a trageacutedia e a eacutepica ao

classificaacute-las como imitaccedilatildeo26 Mas a histoacuteria acerca da origem da trageacutedia eacute muito complexa

Muitas pinturas nos vasos colocam ao lado da encenaccedilatildeo traacutegica a figura de Dioniso e dos saacutetiros

Aristoacuteteles apresenta uma antiga proximidade entre os cantos dos saacutetiros com a trageacutedia ao dizer na

Poeacutetica

ἔτι δὲ τὸ μέγεθοςmiddot ἐκ μικρῶν μύθων καὶ λέξεως γελοίας διὰ τὸ ἐκ σατυρικοῦ μεταβαλεῖν ὀψὲ ἀπεσεμνύνθη τό τε μέτρον ἐκ τετραμέτρου ἰαμβεῖον ἐγένετο (Ar Poe 1449a 19-22)

23 Todas as traduccedilotildees da Poeacutetica de Aristoacuteteles presentes nesse texto satildeo de Eudoro de Sousa conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

24 A partir do seacuteculo V aleacutem disso os proacuteprios gregos natildeo deixaram de fazer representaccedilotildees traacutegicas atenienses nas suas execuccedilotildees corais seja quando Heroacutedoto mostra Cliacutestenes de Sicion o padrasto de Cliacutestenes de Atenas transferindo ltltcoros traacutegicosgtgt da celebraccedilatildeo do heroacutei Adrasto ao deus Dioniso seja quando Aristoacuteteles procura a origem da instituiccedilatildeo dos ltltcondutoresgtgt do ditirambo a forma coral dedicada ao mesmo Dioniso seja ainda um testemunho muito mais tarde que afirma que Soacutelon tinha jaacute atribuiacutedo a Arion o poeta meacutelico compositor de ditirambos a primeira execuccedilatildeo dramaacutetica de uma ltlttrageacutediagtgt Para Dioacutegenes Laeacutercio portanto natildeo haacute nenhuma duacutevida de que as primeiras representaccedilotildees traacutegicas foram assumidas apenas por um grupo coral

25 MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) p129

26 ἐποποιία δὴ καὶ ἡ τῆς τραγῳδίας ποίησις ἔτι δὲ κωμῳδία καὶ ἡ διθυραμβοποιητικὴ καὶ τῆς αὐλητικῆς ἡ πλείστη καὶ κιθαριστικῆς πᾶσαι τυγχάνουσιν οὖσαι μιμήσεις τὸ σύνολον A Epopeia a Trageacutedia assim como [a comeacutedia] e a poesia ditiracircmbica e a maior parte da auleacutetica e da citariacutestica todas satildeo em geral imitaccedilotildees (1447a 14-16) Inclui na traduccedilatildeo ldquoa comeacutediardquo pois natildeo consta na traduccedilatildeo de Eudoro de Sousa e consta no texto grego κωμῳδία

25

Quanto agrave grandeza tarde adquiriu [a Trageacutedia] o seu estilo [soacute quando se afastou] dos argumentos breves e da elocuccedilatildeo grotesca [isto eacute] do [elemento] satiacuterico

Contudo a trageacutedia teria tido influecircncia de diversos gecircneros como a eacutepica o ditirambo e os

cantos dos saacutetiros Embora se verifique com mais evidecircncia a influecircncia da poesia eacutepica atraveacutes dos

mitos e do caraacuteter didaacutetico e do ditirambo na composiccedilatildeo dos cantos corais e do caraacuteter

ritualiacutestico como afirma Scullion (2005 p26)

Tragedyrsquos inheritance from epic is vastly more important to him than that from dithyramb but epic cannot account for tragedyrsquos choral component Dithyramb not only can do that but can also anchor tragedy in the specific Athenian milieu in which it came to fruition27

E dentre as questotildees sobre a origem da trageacutedia coloca-se que o inventor da trageacutedia foi

Teacutespis pois foi considerado o ldquothe man who first produced a recognizable ancestor of the tragic

actor on the Athenian stagerdquo28 (MILLER 1961 p132) Pela junccedilatildeo do primeiro ator traacutegico com o

canto coral influenciado pelo ditirambo assim teriam sido os primoacuterdios da trageacutedia Depois a

poesia traacutegica se consolida com Eacutesquilo que segundo Aristoacuteteles

καὶ τό τε τῶν ὑποκριτῶν πλῆθος ἐξ ἑνὸς εἰς δύο πρῶτος Αἰσχύλος ἤγαγε καὶ τὰ τοῦ χοροῦ ἠλάττωσε καὶ τὸν λόγον πρωταγωνιστεῖν παρεσκεύασενmiddot (Ar Poe 1449a 16-180)

Eacutesquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o nuacutemero dos atores diminuiu a importacircncia do coro e fez do diaacutelogo protagonista

Assim como os textos de Eacutesquilo tambeacutem sobreviveram os de Soacutefocles e os de Euriacutepides

totalizando trinta e duas peccedilas que foram performatizadas nos festivais dionisiacuteacos Todas as peccedilas

foram compostas ldquoroughly between the end of the Persian Wars and Athensrsquo defeat by Sparta and

her alliesrdquo29 (DEBNAR 2005 p6) Dentre essas peccedilas somente uma eacute de cunho histoacuterico Os

persas (472 aC) de Eacutesquilo que narra a derrota do rei persa Xerxes na batalha de Salamina As

outras peccedilas de Eacutesquilo foram apresentadas em trilogias mas soacute restou uma delas a Oresteia

composta pelas peccedilas Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides30 Essa trilogia foi encenada em 458 aC

no teatro de Dioniso Em todas as peccedilas que sobreviveram Eacutesquilo obteve o primeiro lugar

27 A heranccedila da trageacutedia do eacutepico eacute muito mais importante para ela do que a do ditirambo mas a eacutepica natildeo pode explicar o componente coral da trageacutedia O ditirambo natildeo soacute pode fazer isso mas tambeacutem pode ancorar a trageacutedia no meio especiacutefico ateniense em que chegaram a ser concretizadas

28 Homem que primeiro produziu um antepassado reconheciacutevel do ator traacutegico no palco ateniense29 Aproximadamente entre o final das Guerras Persas e a derrota de Atenas por Esparta e seus aliados30 MOTA 2008 p18

26

Eacutesquilo o poeta de Elecircusis aleacutem de escrever trageacutedias tambeacutem lutou na batalha de

Maratona talvez por isso tenha tratado numa de suas trageacutedias da guerra conforme jaacute foi citado

Embora o momento narrado na peccedila date de oito anos antes Eacutesquilo reescreve esse momento

histoacuterico em sua trageacutedia movendo os fatos do seacutec V ao passado miacutetico A vitoacuteria dos gregos

contra os persas influenciaram muito na poesia da eacutepoca como na trageacutedia Os persas de Eacutesquilo

como afirma Debnar (2005 p7)

Conversely although the historical referent of Persians is clear modern scholarsrsquo interpretations of the poetrsquos use of the event are shaped in large part by how far they believe the Athenians had moved toward empire by the end of the 470s31

Tambeacutem na Oresteia encontram-se referecircncias ao seacutec V periacuteodo em que as trageacutedias foram

encenadas

The conflicts and resolution of the Oresteia are strongly colored by the difficulties the Athenians were facing in the 450s clashes with the Persians the First Peloponnesian War and political upheavals within their own city32 (Debnar 2005 p 10)

A primeira trageacutedia da trilogia Agamecircmnon apresenta uma ecircnfase no mar mostrando a

forccedila da guerra mariacutetima na viagem rumo a Troia e no retorno do rei de Argos O poder mariacutetimo

refletiria o poder adquirido por Atenas ao vencer os Persas Na outra peccedila Eumecircnides Eacutesquilo

coloca em cena o tribunal ateniense e uma disputa entre as leis antigas (Eriacutenias) e as novas (Atena)

E como exemplo mais definido dessa reforma juriacutedica em Atenas tem-se o seguinte exemplo

It is equally certain that when Athena gives the jury of Athenian citizens the power to try cases of murder the poet alludes to Ephialtesrsquo reform of the Areopagus which still retained this power in 45833 (DEBNAR 2005 p 10)

Natildeo somente nas trageacutedias de Eacutesquilo observam-se essas referecircncias histoacutericas ao periacuteodo

em que foram encenadas as peccedilas Em Soacutefocles na trageacutedia Aacutejax que foi encenada durante o

periacuteodo de trinta anos de paz na Greacutecia demonstra um retorno aos mitos homeacutericos pela

personagem Aacutejax como tambeacutem apresenta uma proximidade com o seacutec V aC

31 Por outro lado embora o referencial teoacuterico de Os persas seja claro as interpretaccedilotildees dos estudiosos modernos usadas pelo poeta do evento satildeo formadas em grande parte por quatildeo longe eles acreditam que os atenienses tenham se movido em direccedilatildeo ao impeacuterio ateacute o final de 470

32 Os conflitos e a resoluccedilatildeo da Oresteia satildeo fortemente ilustradas pelas dificuldades que os atenienses enfrentavam em 450 confrontos com os persas a primeira guerra do Peloponeso e levantes poliacuteticos dentro de sua proacutepria cidade

33 Eacute igualmente certo que quando Atena daacute ao juacuteri de cidadatildeos atenienses competecircncia para julgar os casos de homiciacutedio o poeta alude agrave reforma do Aeroacutepago de Efialtes que ainda mantinha esse poder em 458

27

At the same time his [Ajax] command of sailors would have reminded the fifth-century audience of themselves and of the great aristocratic generals responsible for repelling the Persians and for the prosperity that the expansion of the empire brought their city (DEBNAR 2005 p12)34

Tambeacutem se verifica na peccedila Suplicantes de Euriacutepides assim como em Eacutesquilo a presenccedila da

guerra Mas o momento histoacuterico natildeo eacute o mesmo conforme afirma Debnar (2005 p16)

Nonetheless just as mention of civil war in Eumenides is likely to have reminded Aeschylusrsquo audience of the political situation after Ephialtesrsquo reforms so in Euripidesrsquo play the refusal of the Thebans to allow burial of their foes could have reminded the Athenians of a similar incident involving Boeotians in the recent past35

A reforma de Efialtes que aconteceu dois ou trecircs anos antes da encenaccedilatildeo da peccedila

Eumecircnides de Eacutesquilo pode ser lembrada pelos espectadores na trageacutedia como jaacute foi citado

anteriormente (DEBNAR 2005 p10) assim como o incidente recente envolvendo os Beoacutecios

poderia ter sido lembrado pela audiecircncia da peccedila Suplicantes de Euriacutepides

Conforme se observa nos exemplos apresentados durante o seacutec V aC periacuteodo em que

foram encenadas as trageacutedias os mitos gregos foram reescritos investidos de uma nova visatildeo no

caso a influecircncia dos momentos histoacutericos vividos pelos gregos A audiecircncia dessas peccedilas ao

assistir os fatos jaacute vivenciados pelo seu povo se identifica com a trageacutedia encenada

O teatro grego do seacutec V aC era encenado nas festas dionisiacuteacas como as Dioniacutesias Rurais

as Leneias e as Grandes Dioniacutesias exceto nas Antesteacuterias nas quais natildeo se confirmam as

apresentaccedilotildees teatrais As Dioniacutesias Rurais aconteciam no mecircs de dezembro mecircs de Poseidon

comeccedilavam com um cortejo faacutelico e em sequecircncia acontecia um sacrifiacutecio depois desses seguiam

com as representaccedilotildees teatrais a trageacutedia a comeacutedia e o ditirambo As Leneias aconteciam em

janeiro no mecircs do Gameacutelion e incluiacuteam o cortejo conduzido pelo arconte sacrifiacutecio e

apresentaccedilotildees dramaacuteticas de comeacutedia de trageacutedia e de ditirambo Esse festival era tipicamente

aacutetico pois natildeo contava com a presenccedila de natildeo-atenienses As Antesteacuterias aconteciam entre os dias

11 e 13 do mecircs de Antesteacuterion mecircs de fevereiro No primeiro dia de festival era o dia de abertura

dos toneacuteis No segundo dia havia um concurso de bebida No terceiro dia acontecia a festa das

34 Ao mesmo tempo o seu [Aacutejax] comando de marinheiros teria lembrado o puacuteblico do quinto seacuteculo deles mesmos e dos grandes generais aristocraacuteticos responsaacuteveis por repelir os persas e pela prosperidade que a expansatildeo do Impeacuterio trouxe a sua cidade

35 No entanto assim como a menccedilatildeo de guerra civil em Eumecircnides eacute provaacutevel que tenha lembrado a audiecircncia de Eacutesquilo da situaccedilatildeo poliacutetica apoacutes as reformas de Efialtes portanto na peccedila de Euriacutepides a recusa dos tebanos para permitir o sepultamento de seus inimigos poderia ter lembrado os atenienses de um incidente semelhante envolvendo os Beoacutecios num passado recente

28

marmitas E natildeo haacute muitas referecircncias acerca da existecircncia de concursos dramaacuteticos nessa festa36

As Grandes Dioniacutesias eram festivais urbanos em honra de Dioniso Eleuteacuterio Esse festival

acontecia no mecircs do Elafeboacutelion (no final de marccedilo) e contava com a presenccedila natildeo soacute de cidadatildeos

atenienses mas tambeacutem de outras cidades-estados Nesse festival havia concursos teatrais e ldquoo

responsaacutevel pelas celebraccedilotildees era o arconte-epocircnimo que tinha a seu cargo os custos da pompe37 e

dos concursos dramaacuteticos e ditiracircmbicosrdquo (CASTIAJO 2012 p20) No primeiro dia de festival os

poetas os atores e os participantes dos coros que se apresentaratildeo no evento mostram-se sem

maacutescaras e davam uma preacutevia das performances a serem apresentadas No final desse dia a estaacutetua

de Dioniacuteso eacute conduzida de seu templo ateacute o teatro No segundo dia acontecia o cortejo religioso a

pompe e depois o sacrifiacutecio e de tarde ocorria o concurso de cantos corais Nos outros dias

aconteciam as competiccedilotildees dramaacuteticas nas quais eram encenadas comeacutedias trageacutedias e dramas

satiacutericos

A ordem das competiccedilotildees dramaacuteticas bem como os dias a elas dedicados continuam a ser questotildees controversas A versatildeo dominante eacute a de que antes e depois da guerra do Peloponeso (431-404 aC) o primeiro dia dos concursos era dedicado agrave performance de cinco comeacutedias e os restantes trecircs eram preenchidos cada um deles com a apresentaccedilatildeo por um uacutenico poeta e corego de trecircs trageacutedias e um drama satiacuterico Outra das versotildees daacute como certo que o primeiro dia estava reservado agrave performance dos ditirambos de rapazes e agrave representaccedilatildeo de uma comeacutedia o segundo agrave competiccedilatildeo dos coros ditiracircmbicos de homens e agrave performance de outra comeacutedia e os trecircs uacuteltimos dias cada um deles agrave apresentaccedilatildeo de uma tetralogia traacutegica e de uma comeacutedia (CASTIAJO 2012 p 26)

No uacuteltimo dia do festival o arconte-epocircnimo anunciava agrave audiecircncia os vencedores dos

concursos dramaacuteticos Os poetas vencedores eram coroados com coroas de hera e conduzidos para

casa por um cortejo vitorioso Natildeo se sabe quais seriam os precircmios concedidos aos melhores atores

A encenaccedilatildeo das peccedilas do seacutec V aC nas Grandes Dioniacutesias acontecia normalmente no

teatro de pedra de Dioniso De laacute o puacuteblico de quase 3000 pessoas tinha uma visatildeo privilegiada na

qual era possiacutevel acompanhar a procissatildeo e visualizar os sacrifiacutecios38 E tambeacutem era um ambiente

propiacutecio para as danccedilas e encenaccedilotildees No palco acontecia a cena os atores usavam maacutescaras que

ajudavam na projeccedilatildeo vocal As maacutescaras davam um caraacuteter impessoal aos atores e os distanciava

da audiecircncia Elas eram diferentes para a trageacutedia e para a comeacutedia E para complementar o figurino

dos atores as vestimentas que poderiam por exemplo demonstrar a classe social muito diziam de

suas personagens Assim como as maacutescaras as vestimentas e os sapatos tambeacutem eram distintos para

a trageacutedia e a comeacutedia Na trageacutedia os atores usavam a tuacutenica peplo e na comeacutedia a tuacutenica chiton 36 CASTIAJO 2012 p 13-1737 Procissatildeo38 CASTIAJO 2012 p33

29

curta para que fosse possiacutevel visualizar o phallos Os sapatos na trageacutedia eram simples e

confortaacuteveis com altura ateacute a perna jaacute na comeacutedia os sapatos eram triviais as embades

Depois de paramentados os atores deveriam cumprir o seu papel de representar uma

personagem deixando de ser um mero recitador de poemas Para designar ator os gregos

utilizavam a palavra hypokrites ldquojaacute usada no seacuteculo V aC e que natildeo haveria nenhum outro termo

para denominar atores em geral incluindo os protagonistasrdquo (CASTIAJO 2012 p82) Aleacutem de

hypokrites havia outros termos mais especiacuteficos para designar o papel ocupado pelo poeta dentro

da encenaccedilatildeo como protagonistes deuteragonistes e tritagonistes Esses termos eram pouco

utilizados e serviam para indicar a divisatildeo dos atores e natildeo um niacutevel de importacircncia Os atores

deveriam ter habilidades especiacuteficas para conseguirem desempenhar o seu papel como uma boa

projeccedilatildeo vocal uma flexibilidade de gesticulaccedilatildeo uma capacidade de danccedilar e muito preparo fiacutesico

para aguentar a rotina de ensaios e o tempo no palco

Em cena o ator dialogava com outro ator ou com um coro Visto como elemento primordial

(jaacute mencionado anteriormente) o coro vai perdendo espaccedilo com o passar dos anos para outros

atores nas representaccedilotildees dramaacuteticas No seacutec V aC ainda vemos o coro participando efetivamente

das trageacutedias de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides mas soacute

na viragem do seacuteculo V para o IV aC nomeadamente com a figura de Aacutegaton que se assiste de uma forma mais evidente ao relegar do papel do coro para segundo plano jaacute que por esta altura o enfoque passou a ser atribuiacutedo aos atores sendo que a participaccedilatildeo do coro passou a ser escassa cabendo-lhe quase exclusivamente a intervenccedilatildeo em interluacutedios ndash embolima ndash entre as peccedilas que mais natildeo eram do que cacircnticos com pouca ou sem qualquer relaccedilatildeo com os acontecimentos representados no espaccedilo ceacutenico passando desta forma e definitivamente a estar afastado da accedilatildeo dramaacutetica (CASTIAJO 2012 p106-107)

Poreacutem enquanto esteve presente efetivamente nas representaccedilotildees dramaacuteticas segundo

Castiajo (2012 p109-113) o coro exerceu funccedilotildees importantes como sendo o narrador dos fatos

conhecidos e desconhecidos da audiecircncia como o interlocutor do ator como ldquoum intermediaacuterio

entre o mundo ficcional da peccedila e a realidade da audiecircncia jaacute que por natureza composiccedilatildeo e

colocaccedilatildeo fiacutesica pertencia simultaneamente ao mundo da peccedila e ao mundo da audiecircnciardquo

(CASTIAJO 2012 p 110) como elemento teatral de identificaccedilatildeo das personagens que entram em

cena como representantes de um grupo especiacutefico como representante de uma coletividade E

assim como os atores o coro tambeacutem deveria ter a habilidade de projeccedilatildeo de voz e de danccedilar

Todo esse aparato cecircnico do teatro do seacutec V aC culminava numa representaccedilatildeo teatral

cujo principal espectador era o cidadatildeo grego

30

Assim para aleacutem de todo o tipo de cidadatildeos que estariam presentes fosse qual fosse a sua categoria profissional ou niacutevel de formaccedilatildeo ndash artesatildeos agricultores sacerdotes poetas filoacutesofos (o que a este niacutevel eacute representativo da dimensatildeo democraacutetica dos festivais) ndash eacute hoje cada vez mais aceite que tambeacutem os escravos as crianccedilas e as mulheres tinham assento no teatro (CASTIAJO 2012 p130)

Quanto agrave presenccedila das mulheres nas representaccedilotildees teatrais haacute controveacutersias alguns

estudiosos acreditam que as mulheres teriam ido ao teatro embora em nuacutemero reduzido e ficando

restritas a cadeiras especiacuteficas e outros que defendem que as mulheres natildeo frequentavam o teatro

durante os festivais E aleacutem dos homens mulheres crianccedilas e escravos os natildeo-atenienses39 ainda

assistiam aos espetaacuteculos durante as Grandes Dioniacutesias Essa diversidade de audiecircncia exigia dos

poetas e dos atores uma maior profissionalizaccedilatildeo de sua arte para que pudessem agradar o maior

nuacutemero possiacutevel de espectadores

O teatro em Roma se inicia por volta do seacutec III aC apoacutes a tomada da cidade de Tarento

pois os artesatildeos e os soldados apoacutes terem contato em suas viagens com representaccedilotildees teatrais nas

cidades de origem grega quiseram trazer essa nova experiecircncia para Roma

Because Roman merchants and soldiers had seen tragic performances in the Greek theatres of Tarentum and Syracuse during the campaigns against Pyrrhus and the Carthaginians they wanted to introduce this kind of drama at Rome and in 240BC Livius Andronicus a Tarentine Greek who bore the name of his Roman patron was commissioned to translate ndash or rather adapt ndash a tragedy and a comedy for the victory games40 (FANTHAM 2007 p116)

Todavia o teatro romano em sua formaccedilatildeo natildeo somente sofreu influecircncias dos gregos

provenientes da regiatildeo conhecida como Magna Greacutecia ndash Lucacircnia Apuacutelia e Siciacutelia ndash mas tambeacutem

dos etruscos (povo situado ao norte de Roma) e dos uacutembrios (povo situado agrave nordeste de Roma)

Os etruscos acumulavam elementos da cultura grega e da cultura feniacutecia Ficaram

conhecidos por seus muacutesicos danccedilarinos e maacutescaras mas natildeo restou nenhum texto escrito dessas

manifestaccedilotildees artiacutesticas somente pinturas que representam tais manifestaccedilotildees Tambeacutem o nome

actor (ator) teria origem na palavra etrusca histrio Quanto aos umbros pouco se sabe a respeito

deles Diante dessas imprecisas informaccedilotildees conclui Dupont (2003 p 142) ldquoCar ce qui fait

lidentiteacute du theacuteacirctre latin cest la rencontre et la synthegravese des deux la poeacutesie grecque e les spectacles

latins41rdquo Com isso pode-se dizer que as principais fontes do teatro romano seriam o teatro grego e

os espetaacuteculos latinos 39 Como trata-se de teatro ateniense os estrangeiros satildeo os que natildeo pertencem aquela poacutelis40 Porque os comerciantes e os soldados romanos tinham visto performances dramaacuteticas nos teatros gregos de Tarento e Siracusa durante as campanhas contra Pirro e os cartagineses eles queriam introduzir este tipo de drama em Roma e em 240 aC Liacutevio Andronico um tarentino grego que tinha o nome de seu patrono romano foi contratado para traduzir ndash ou melhor adaptar ndash uma trageacutedia e uma comeacutedia para os jogos de vitoacuteria41 Pois o que faz a identidade do teatro latino eacute o encontro e a siacutentese de dois a poesia grega e os espetaacuteculos latinos

31

Os espetaacuteculos romanos eram apresentados nos chamado ludi um festival coletivo puacuteblico

ou privado E nesses natildeo soacute aconteciam apresentaccedilotildees teatrais mas tambeacutem corrida de cavalos

combate de animais combate de gladiadores entre outras Os espetaacuteculos teatrais eram chamados

de ludi scaenici e os outros espetaacuteculos eram conhecidos como ludi circenses

The ludi scaenici were organised by Roman magistrates who used them (among other things) to impress their peers clients and the citizen body as a whole and (especially where the praetexta was concerned) for specific political goals42 (BOYLE 2009 p6)

Os romanos promoviam a princiacutepio espetaacuteculos de cunho religioso nos quais foram

inseridos as apresentaccedilotildees performatizadas ldquoThe ludi began with a sacrifice to the appropriate deity

and a procession from the cult temple but when the play began the actors had to compete with all

kinds of circus-style entertainmentrdquo43 (BOYLE 2009 p6) Os sacrifiacutecios tambeacutem poderiam ser

feitos aos magistrados e nem sempre eram dedicados a apenas uma divindade Jaacute as procissotildees

provavelmente remontam a uma tradiccedilatildeo etrusca

Nos ludi incluiam-se vaacuterias apresentaccedilotildees comeacutedias trageacutedias farsas atelanas mimos

muacutesica e danccedila44 Os espetaacuteculos teatrais eram apresentados em teatros ditos ldquotemporaacuteriosrdquo que

podiam ser montados e desmontados normalmente a estrutura desse teatro era feita de madeira ou

de maacutermore Por isso a scaena podia ser montada em vaacuterios lugares da cidade ao contraacuterio do que

acontecia com os jogos circenses que tinham um lugar fixo e fechado para a apresentaccedilatildeo de seus

espetaacuteculos45 O primeiro teatro dito ldquopermanenterdquo construiacutedo em Roma foi o teatro de Pompeu em

55 aC como caracteriza Goldberg (1996 p265)

The vast structure itself was in many ways a marvel Romes first stone theater designed to hold perhaps 40000 spectators incorporated a temple of Venus Victrix above the cavea flanked by four ancillary sanctuaries to revered abstractions like Honos and Virtus while behind the stage building stretched an elaborate portico and formal garden connecting the theater with a new senate-house some 200 meters to the east46

42 Os ludi scaenici foram organizados por magistrados romanos que os usaram (entre outras coisas) para impressionar os seus pares nobres e o corpo do cidadatildeo como um todo e (especialmente onde estava a pretexta foi referida) para objetivos poliacuteticos especiacuteficos

43 Os ludi comeccedilavam com um sacrifiacutecio agrave divindade apropriada e uma procissatildeo do templo de culto mas quando a peccedila comeccedilava os atores tinham que competir com todos os tipos de entretenimento de estilo circense

44 BOYLE 2009 p645 BEACHAM 2007 p202-22646 A grande estrutura em si foi de muitas maneiras uma maravilha o primeiro teatro de pedra de Roma projetado para

manter talvez 40 mil espectadores incorporou um templo de Venus Victrix acima do cauea ladeado por quatro santuaacuterios auxiliares para reverenciadas abstraccedilotildees como Honos e Virtus enquanto por detraacutes do palco construiacutedo estendeu um poacutertico elaborado e um jardim formal ligando o teatro com uma nova casa senatorial cerca de 200 metros para o leste

32

Depois desse teatro foram construiacutedos os teatros de Balbo em 13 aC e o de Marcelo em 11

aC no reinado de Augusto47 Com um espaccedilo fiacutesico definido para as encenaccedilotildees os jogos romanos

jaacute constavam em seus calendaacuterios Em Roma os festivais aconteciam normalmente de abril a

novembro comeccedilando com os Ludi Megalenses e os Ludi Cerialis em abril e terminando com os

Ludi Plebeii em novembro48

Em todos os jogos aconteciam representaccedilotildees teatrais que eram encerrados pelas

apresentaccedilotildees circenses Os espetaacuteculos duravam o dia todo se estendendo ateacute a noite O povo

romano passava muitos dias do ano nos Jogos Aleacutem de proporcionar divertimento nesses

espetaacuteculos eram distribuiacutedos para o povo comida e presentes

A audiecircncia romana era composta por pessoas de todas classes sociais do escravo ao

magistrado mas havia uma divisatildeo social dentro do teatro cujo em assentos especiacuteficos de acordo

com a sua colocaccedilatildeo na sociedade as pessoas se acomodavam

Admission was free on a first-come first-served basis but restrictions on seating for different classes made the theatre lsquoa vivid representation of Roman social hierarchyrsquo As choruses played little or no role in Roman drama seats were set up in the orchestra for senators (and possibly their families) behind which sat recent civic honourees The next fourteen rows were reserved for the lsquoknightsrsquo (equites) Behind them sat married (male) citizens then unmarried citizens then women and finally slaves who often stood in the back49 (REHM 2007 p197)

Os atores traacutegicos portavam uma coroa na cabeccedila vestiam-se com uma toga puacuterpura ou

violeta e calccedilavam coturnos Quanto agraves maacutescaras os atores romanos natildeo as utilizaram muito

porque a princiacutepio elas estavam restritas agraves atelanas50 As maacutescara foram usadas por um curto

espaccedilo de tempo durante o seacutec I pela trageacutedia e pela comeacutedia Esse haacutebito soacute foi conservado pela

pantomima51 Ao inveacutes da maacutescara o ator romano privilegiava o uso da maquiagem52

Outro produto essencial do teatro romano era a muacutesica que estava presente em todas as

47 DUPONT 2003 p5848 REHM 2007 p19449 A entrada era gratuita organizada por ordem de chegada mas as restriccedilotildees de assentos para diferentes classes

tornavam o teatro a representaccedilatildeo viva da hierarquia social romana Como os coros pouco encenados ou com nenhum papel no teatro romano os assentos foram instalados na orquestra para senadores (e possivelmente suas famiacutelias) atraacutes dos quais se sentavam os cidadatildeos receacutem homenageados As proacuteximas quatorze filas foram reservadas para os cavaleiros (equites) Atraacutes deles sentavam-se os cidadatildeos casados (masculino) os cidadatildeos solteiros entatildeo as mulheres e finalmente os escravos que muitas vezes ficavam na parte de traacutes

50 A atelana era ldquooriginaacuteria ao que tudo indica uma espeacutecie de farsa popular vivida por personagens fixas burlescas e caracteriacutesticas (hellip) Aparentada com o drama satiacuterico com a hilarotrageacutedia e com a farsa tarentina a atelana era representada por personagens mascaradas (hellip) Vazada inicialmente em linguajar ruacutestico a atelana se intelectualiza aos poucos assumindo dimensotildees literaacuterias no comeccedilo do seacutec I aC quando Noacutevio e Pompocircnio compotildeem textos para representaccedilotildeesrdquo (CARDOSO 2003 p 38)

51 A pantomima era ldquorepresentada por atores mascarados e versando sobre assuntos mitoloacutegicos ou extraiacutedos da realidade cocircmicos ou seacuteriosrdquo (CARDOSO 2003 p38)

52 DUPONT 2003 p81

33

apresentaccedilotildees teatrais A muacutesica era apresentada por um flautista e um cantor O puacuteblico romano

preferia a muacutesica desde as origens da cidade ldquoLa culture musicale est geacuteneacuterale les chansons

chanteacutees au theacuteacirctre sont reprises et fredonneacutees dans les rues et les banquetsrdquo53 (DUPONT 2003

p116) Aleacutem de apreciar a muacutesica o puacuteblico romano tambeacutem se detinha no momento do

espetaacuteculo na performance dos atores

A preferecircncia do povo romano pela muacutesica pelo espetaacuteculo pela performance vai distanciaacute-

lo do teatro de texto teatro de influecircncia grega cultivado pelos poetas do periacuteodo claacutessico romano

O teatro em Roma de acordo com o puacuteblico pode ser dividido em dois tipos diferentes como afirma

DUPONT (2003 p126-127)

Le theacuteacirctre romains fut donc perpeacutetuellement deacutechireacute par un clivagem sociologique du public qui correspond agrave un clivage estheacutetique Ce clivage lisible dans le public va aboutir agrave la constitution de deux publics et deux types de theacuteacirctres diffeacuterents Paralleacutelement agrave la pantomime qui va canaliser le public populaire un theacirctre litteacuteraire apparaicirct sous lEmpire theacuteacirctre agrave textes54

Com isso as apresentaccedilotildees teatrais no periacuteodo do Impeacuterio Romano mais aceitas pelo

puacuteblico popular eram as pantomimas enquanto os textos teatrais se propagavam pela elite romana

Esse novo teatro romano de natureza literaacuteria natildeo se adequava agraves apresentaccedilotildees teatrais ocorridas

durante os Jogos por isso os poetas encontraram um outro meio de divulgar as suas obras elas

eram apresentadas em reuniotildees particulares de aristocratas em forma de leitura puacuteblica55

La lecture des trageacutedies donne agrave celle-ci une digniteacute nouvelle Cette reacuteception eacuterudite des textes theacuteacirctraux suscite une nouvelle forme deacutecriture la piegravece est deacutesormais un texte clos produisant une signification symbolique Deacutesormais il est possible denvisager lexistence dun theacuteacirctre politique intentionnellement politique ougrave les personnages soient des figures du pouvoir et mecircme dun theacuteacirctre psychologique ougrave les personnages soient des figures de la passion (DUPONT 2003 p 127-128)56

Com esse novo meio de divulgaccedilatildeo dos textos as peccedilas teatrais passaram a privilegiar

outros assuntos natildeo abordados antes como as questotildees poliacuteticas e sociais estas caracteriacutesticas natildeo

eram mencionadas nas encenaccedilotildees durante os Jogos Romanos pois nesses eventos o principal

53 A cultura musical eacute geral as canccedilotildees cantadas no teatro satildeo retomadas e cantaroladas nas ruas e nos banquetes 54 O teatro romano foi pois perpetualmente divido por uma clivagem socioloacutegica do puacuteblico que corresponde a uma

clivagem esteacutetica Essa clivagem legiacutevel do puacuteblico vai resultar na constituiccedilatildeo de dois puacuteblicos e de dois tipos de teatro diferentes Paralelamente agrave pantomima que vai canalizar o puacuteblico popular um teatro literaacuterio aparece sob o Impeacuterio o teatro de texto

55 DUPONT 2003 p12756 A leitura das trageacutedias datildeo a essas uma nova dignidade Essa recepccedilatildeo erudita dos textos teatrais suscita uma nova

forma de escrita a peccedila eacute daqui em diante um texto fechado produtor de uma significaccedilatildeo simboacutelica Daqui em diante eacute possiacutevel considerar a existecircncia de um teatro poliacutetico intencionalmente poliacutetico onde as personagens sejam figuras de poder mesmo de um teatro psicoloacutegico onde as personagens sejam figuras de paixatildeo

34

objetivo era o divertimento

O teatro literaacuterio se inicia com Liacutevio Andronico Apoacutes a tomada de Tarento em 272 aC o

jovem eacute levado para Roma como preso de guerra Ele chega nessa cidade ainda crianccedila e eacute educado

em escola biliacutengue para escravos especializados E em 249 aC Liacutevio Andronico apresenta o

primeiro poema nos Ludi Tarentini Ele tambeacutem traduziu a Odisseia de Homero em versos

saturninos e escreveu peccedilas teatrais atraveacutes de mitos gregos como a mais conhecida O Cavalo de

Troia57 assim ldquoby adapting a Greek tragedy Livius was transferring an established Greek dramatic

tradition to Rome creating the Roman theatrerdquo58

Depois de Liacutevio Andronico Neacutevio foi o segundo tragedioacutegrafo em Roma Ele encenou a

primeira trageacutedia em 235 aC e tanto escreveu trageacutedias como comeacutedias59 Tambeacutem utilizou-se de

temas associados agrave mitologia grega e aleacutem disso Neacutevio introduziu um novo gecircnero dramaacutetico

tipicamente romano a fabula pretexta

Ecircnio tambeacutem escreveu trageacutedias e inovou em seus poemas ldquoIl ne lui suffit pas decirctre

applaudi au theacuteacirctre il veut ecirctre immortaliseacute dans ses oeuvres Il inaugure un noveau type de poegravetes

qui a la faccedilon grecque cherche la gloire dans leacutecriture (DUPONT 2003 p 313)60 por isso ele

distancia-se da trageacutedia para encenaccedilatildeo dos Jogos Romanos Ecircnio escreveu uma epopeia Annales e

uma trageacutedia pretexta61 Ambracia Esse poeta foi muito citado por Ciacutecero e aceito pelo povo

romano suas trageacutedias seguiram o modelo das trageacutedias gregas utilizando-se principalmente da

mitologia ldquoEnnius a donneacute agrave ses trageacutedies leur dimension monumentale par une eacutecriture rheacutetorique

qui leur insufflait un poids politiquerdquo62 (DUPONT 2003 p 326)

No periacuteodo em que foram encenadas as trageacutedias de Liacutevio Neacutevio e Ecircnio havia uma

preocupaccedilatildeo com a audiecircncia em contraposiccedilatildeo o proacuteximo tragedioacutegrafo Pacuacutevio natildeo se

preocupou com isso

Pacuvius did not strive for complete audience identificacion with his characters in that he used the archaicizing language of his dramatic precursors and coined some odd expressions to elevate his poetry from contemporary expression63 (ERASMO 2004

57 DUPONT 2003 p 145-16158 Adaptando uma trageacutedia grega Liacutevio estava transferindo uma tradiccedilatildeo dramaacutetica grega estabelecida a Roma

criando o teatro romano59 ERASMO 2004 p1460 Natildeo basta para ele ser aplaudido no teatro ele quer ser imortalizado em suas obras Ele inaugura um novo tipo de

poeta que ao modo grego procura a gloacuteria na escrita 61 A trageacutedia praetexta eacute uma trageacutedia tipicamente romana pois os acontecimentos se passam em Roma e as

personagens satildeo da histoacuteria romana ldquoNa fabula praetexta o heroacutei eacute um grande homem rei ou cocircnsul da histoacuteria romana e enverga a toga debruada a puacuterpura insiacutegnia do poder Trata-se de um teatro de caacuteriz poliacuteticordquo (GAILLARD 1992 p 36)

62 Ecircnio deu a suas trageacutedias um dimensatildeo monumental a uma escrita retoacuterica que lhe insuflava um peso poliacutetico 63 Pacuacutevio natildeo se esforccedila para a completa identificaccedilatildeo da audiecircncia com seus personagens em que ele usou a

linguagem arcaizante de seus precursores dramaacuteticas e cunhou algumas expressotildees estranhas para elevar sua poesia

35

p35)

Pacuacutevio foi considerado um dos melhores tragedioacutegrafos romanos Depois dele tem-se Aacutecio

que continuou a escrever trageacutedias de mitos gregos mas ele ldquoseems to draw attention to the art of

persuasion as much as to its ill effectsrdquo64 (ERASMO 2004 p43) Ele marcou a sua eacutepoca como o

uacuteltimo tragedioacutegrafo profissional em Roma65

No Impeacuterio de Augusto a trageacutedia romana ganha vaacuterios representantes mas deste periacuteodo

restaram pouquiacutessimos versos A maioria da produccedilatildeo traacutegica da eacutepoca foi amadora as mais

famosas peccedilas foram Tiestes de Vaacuterio e Medeia de Oviacutedio as quais Quintiliano comentou66 Nesse

periacuteodo a pantomima ganha mais espaccedilo nas apresentaccedilotildees teatrais e as trageacutedias passam a ser mais

escritas e elaboradas Para Dupont (2003 p 340-341)

Mais en reacutealiteacute le siegravecle dAuguste marque le divorce deacutefinitif de la parole tragique e des spectacles car les pantomimes et les lectures publiques apparaissent preacuteciseacutement agrave ce moment La trageacutedie se transforme totalment en opeacutera et la poeacutesie dramatique se retire dans les auditoriums67

Com isso pode-se pensar que a trageacutedia romana deixa de ser encenada e passa a ser lida

publicamente em reuniotildees privadas da aristocracia romana

Under the Principate literary drama began to abandon public theaters for the more intimate (and more aristocratic) confines of smaller roofed halls and private homes Recitation rather than fully staged performance became the norm the kind of performance long established for the presentation of Latin literary works68

(GOLDBERG 1996 p273)

de expressatildeo contemporacircnea64 parece chamar a atenccedilatildeo para a arte da persuasatildeo tanto quanto aos seus efeitos nocivos65 GOLDBERG 1996 p27066 GOLDBERG 1996 p27167 Mas na realidade o seacuteculo de Augusto marca o divoacutercio definitivo da fala traacutegica e dos espetaacuteculos pois as

pantomimas e as leituras puacuteblicas aparecem precisamente nesse momento A trageacutedia se transforma totalmente em oacutepera e a poesia dramaacutetica se retira dos auditoacuterios

68 Sob o principado drama literaacuterio comeccedilou a abandonar os teatros puacuteblicos para os mais iacutentimos limites (e mais aristocraacutetico) de salas cobertas menores e casas particulares Recitaccedilatildeo em vez de totalmente encenada uma performance tornou-se a norma o tipo de perfomance estabelecida haacute muito tempo para a apresentaccedilatildeo de obras literaacuterias latinas

36

3 CAPIacuteTULO 2 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeo

Este capiacutetulo pretende apresentar como o mito do rei Agamecircmnon eacute mostrado pela tradiccedilatildeo

grega de Homero a Eacutesquilo Nesse periacuteodo haacute registros do mito de Agamecircmnon na Iliacuteada e na

Odisseia de Homero nos fragmentos dos poemas do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos no

poema Oresteia de Estesiacutecoro que chegou ateacute noacutes tambeacutem de forma muito fragmentada na Piacutetica

XI de Piacutendaro e na Oresteia de Eacutesquilo Com base nessa tradiccedilatildeo tentar-se-aacute apresentar como o

mito de Agamecircmnon eacute reescrito por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon

31 A tradiccedilatildeo eacutepica os poemas homeacutericos e os poemas eacutepicos do ciclo troiano

Os primeiros textos poeacuteticos da literatura grega que restaram foram a Iliacuteada e a Odisseia

ambos atribuiacutedos a Homero datados do seacutec VIII aC Nas duas obras encontra-se a nossa

personagem principal Agamecircmnon sendo apresentada em cada uma das obras de maneira

particular

A Iliacuteada narra a ira de Aquiles que se deu no uacuteltimo ano da guerra de Troia A ira do chefe

dos Mirmidotildees foi provocada por Agamecircmnon que ao perder a sua presa de guerra filha de um

sacerdote de Apolo apossa-se da cativa de Aquiles Briseida No canto I Agamecircmnon mostra-se um

rei impiedoso arrogante e desrespeitoso com os deuses quando natildeo se importa com o pedido de

Crises (Il I v24-32) E o chefe dos gregos fica irritado quando Calcante o acusa de ser o

responsaacutevel pela peste no acampamento

Ἤτοι ὅ γ ὣς εἰπὼν κατ ἄρ ἕζετο τοῖσι δ ἀνέστηἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνωνἀχνύμενος μένεος δὲ μέγα φρένες ἀμφιμέλαιναιπίμπλαντ ὄσσε δέ οἱ πυρὶ λαμπετόωντι ἐΐκτην (Hom Il I v101-104)

Levanta-te entatildeo do seu postoo nobre filho de Atreu Agameacutemnone rei poderosocom torvo aspecto De trevas a coacutelera o peito lhe enchia a transbordar Pareciam-lhe os olhos dois fogos brilhantes69

Aquiles sente-se ultrajado pelo rei que tomou a sua cativa de guerra e pede ajuda agrave sua

matildee Teacutetis No canto II Agamecircmnon tem um sonho enganador e por isso convoca uma assembleia

para que os gregos retornem agrave guerra O rei aparece portando um cetro de origem divina como

siacutembolo do seu poder divino

69 Todas as traduccedilotildees da Iliacuteada de Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

37

ἀνὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνἔστη σκῆπτρον ἔχων τὸ μὲν Ἥφαιστος κάμε τεύχωνἭφαιστος μὲν δῶκε Διὶ Κρονίωνι ἄνακτι (Hom Il II v100-102)

Levanta-se o forte Agameacutemnonenas matildeos o cetro que Hefesto com muito artifiacutecio forjarapara presente fazer a Zeus pai que de Crono nascera

Depois da assembleia Agamecircmnon faz um sacrifiacutecio a Zeus para que proteja os gregos na

guerra demonstrando um caraacuteter religioso proacuteprio dos monarcas (Il II v402-403) E com o

exeacutercito pronto o rei aparece suntuoso de aparecircncia divina

μετὰ δὲ κρείων Ἀγαμέμνωνὄμματα καὶ κεφαλὴν ἴκελος Διὶ τερπικεραύνῳἌρεϊ δὲ ζώνην στέρνον δὲ Ποσειδάωνιἠΰτε βοῦς ἀγέληφι μέγ ἔξοχος ἔπλετο πάντωνταῦρος ὃ γάρ τε βόεσσι μεταπρέπει ἀγρομένῃσιτοῖον ἄρ Ἀτρεΐδην θῆκε Ζεὺς ἤματι κείνῳἐκπρεπέ ἐν πολλοῖσι καὶ ἔξοχον ἡρώεσσιν (Hom Il II v477-483)

No meio se achava Agameacutemnone ao grande fulminador semelhante no olhar e feitio do rosto a Ares no talho do cinto e a Posido no peito fortiacutessimoBem como o touro de grande manada que a todos os outros bois sobreexcede e apoacutes se vai levando reunidas as vacastal aparecircncia emprestou nesse dia Zeus grande a Agameacutemnonepara que fosse o primeiro entre tantos heroacuteis excelentes

No canto III Priacuteamo pede a Helena que lhe apresente quais satildeo os gregos presentes naquele

combate O primeiro eacute Agamecircmnon assim descrito por Helena

οὗτός γ Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων Ἀγαμέμνων ἀμφότερον βασιλεύς τ ἀγαθὸς κρατερός τ αἰχμητής (Hom Il III v178-179)

Esse eacute Agamecircmnon rei poderoso de Atreu descendente tatildeo grande rei chefe dos homens quatildeo forte e notaacutevel guerreiro

E apoacutes as palavras de Helena Priacuteamo responde

ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη μοιρηγενὲς ὀλβιόδαιμονἦ ῥά νύ τοι πολλοὶ δεδμήατο κοῦροι Ἀχαιῶν (Hom Il III v182-183)

Oacute venturoso Agameacutemnone filho dileto dos deusesque sobre tantos guerreiros Acaios o mando exercitas

38

Mais adiante no canto IX depois de muitos gregos mortos em combate Agamecircmnon

propotildee o retorno agrave Greacutecia pois os gregos estatildeo perdendo a batalha

ἀλλ ἄγεθ ὡς ἂν ἐγὼ εἴπω πειθώμεθα πάντες φεύγωμεν σὺν νηυσὶ φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν οὐ γὰρ ἔτι Τροίην αἱρήσομεν εὐρυάγυιαν (Hom Il IX v26-28)

Ora faccedilamos conforme o aconselho obedeccedilam-me todos para o torratildeo de nascenccedila fujamos nas ceacuteleres naves pois eacute impossiacutevel tomar a cidade espaccedilosa dos Teucros

Mas por causa dessa proposta o rei natildeo eacute bem visto pelos companheiros sendo considerado

como covarde por isso pela primeira vez reconhece os seus erros e propotildee a Aquiles por

intermeacutedio de Odisseu a devoluccedilatildeo de Briseida e uma grande recompensa (Il IX v15-161)

Mesmo assim Aquiles ainda irado natildeo aceita a proposta do rei de Argos (Il IX v386-387) No

canto XI tem-se o triunfo do chefe das tropas gregas Agamecircmnon lidera os gregos num combate

contra os troianos chefiados por Heitor Nesse duelo o Atrida mata muitos inimigos

ἀτὰρ κρείων Ἀγαμέμνων αἰὲν ἀποκτείνων ἕπετ Ἀργείοισι κελεύων (Hom Il XI v153-154)

Natildeo cessa Agameacutemnone forte de dizimar o inimigo exortando os guerreiros argivos

Poreacutem o rei acaba se ferindo em combate e embora natildeo quisesse sair da luta para se

proteger sobe num carro rumo agraves naus

στῆ δ εὐρὰξ σὺν δουρὶ λαθὼν Ἀγαμέμνονα δῖοννύξε δέ μιν κατὰ χεῖρα μέσην ἀγκῶνος ἔνερθεἀντικρὺ δὲ διέσχε φαεινοῦ δουρὸς ἀκωκήῥίγησέν τ ἄρ ἔπειτα ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνωνἀλλ οὐδ ὧς ἀπέληγε μάχης ἠδὲ πτολέμοιο (Hom Il XI v251-255)

Sem que o notasse Agameacutemnone pocircs-se-lhe ao lado e com a lanccedila proacuteximo do cotovelo o antebraccedilo no meio feriu-lhe atravessando-o com a ponta aguccedilada do hastil reluzente Estremeceu Agameacutemnone nobre pastor de guerreiros mas natildeo obstante natildeo quis desistir dos combates e lutas

Logo o chefe retorna ao acampamento dos gregos para cuidar dos ferimentos Em seguida

no canto XIV Agamecircmnon chega ao acampamento ferido ao lado de Odisseu e Diomedes o rei

retoma a ideia de que os gregos fujam de Troia

39

νῆες ὅσαι πρῶται εἰρύαται ἄγχι θαλάσσηςἕλκωμεν πάσας δὲ ἐρύσσομεν εἰς ἅλα δῖανὕψι δ ἐπ εὐνάων ὁρμίσσομεν εἰς ὅ κεν ἔλθῃνὺξ ἀβρότη ἢν καὶ τῇ ἀπόσχωνται πολέμοιοΤρῶες ἔπειτα δέ κεν ἐρυσαίμεθα νῆας ἁπάσαςοὐ γάρ τις νέμεσις φυγέειν κακόν οὐδ ἀνὰ νύκταβέλτερον ὃς φεύγων προφύγῃ κακὸν ἠὲ ἁλώῃ (Hom Il XIV v75-81)

Sem mais demora arrastemos as naus que se encontram mais perto da praia extensa e as lancemos agraves ondas divinas bem longe onde o mar for mais profundo firmando-as com as pedras acircncoras para aguardarmos a Noite imortal Caso os Teucros se abstenham de combater poderemos talvez pocircr a nado elas todas Natildeo eacute vergonha fugir ainda mesmo seja de noite Eacute preferiacutevel da ruiacutena escapar a ser presa do imigo

Mas os outros gregos natildeo querem recuar e retomam a luta Apoacutes muitas perdas e com a

decisatildeo de Aquiles de retornar para a batalha para vingar a morte de Paacutetroclo no canto XIX

Agamecircmnon mais uma vez reconhece os seus erros e a ofensa a Aquiles com isso por intermeacutedio

de Odisseu devolve Briseida e os ricos presentes jaacute prometidos Ao devolver a cativa de Aquiles

Agamecircmnon faraacute um juramento afirmando nunca ter tocado na jovem

ἀνθρώπους τίνυνται ὅτις κ ἐπίορκον ὀμόσσῃ μὴ μὲν ἐγὼ κούρῃ Βρισηΐδι χεῖρ ἐπένεικα οὔτ εὐνῆς πρόφασιν κεχρημένος οὔτέ τευ ἄλλου (Hom Il XIX v260-262)

Nunca na jovem Briseide toquei nem por forccedila de amores nem porque em mim tenha atuado outra forccedila qualquer porventura Em minha tenda durante esse tempo ficou ela intacta

E no canto XXIII Aquiles preocupado com as honras fuacutenebres de Paacutetroclo logo apresenta

Agamecircmnon como chefe das tropas para determinar a construccedilatildeo da pira funeraacuteria do morto desse

modo o poder do rei mostra-se vinculado aos preceitos religiosos

ἠῶθεν δ ὄτρυνον ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγάμεμνονὕλην τ ἀξέμεναι παρά τε σχεῖν ὅσσ ἐπιεικὲςνεκρὸν ἔχοντα νέεσθαι ὑπὸ ζόφον ἠερόενταὄφρ ἤτοι τοῦτον μὲν ἐπιφλέγῃ ἀκάματον πῦρθᾶσσον ἀπ ὀφθαλμῶν λαοὶ δ ἐπὶ ἔργα τράπωνται (Hom Il XXIII v49-53)

Mas quando da aurora raiar Agameacutemnone de homens caudilhomanda que lenha nos tragam e o mais de que um morto precisaquando haacute de a viagem fazer para o reino das trevas espessas para que o fogo incansavel depressa o consuma tirando-ode nossas vistas e assim possam todos voltar para a lida

Assim as apariccedilotildees de Agamecircmnon na Iliacuteada satildeo descritas observa-se que a personagem eacute

40

caracterizada atraveacutes das falas de outras personagens e tambeacutem de suas proposiccedilotildees

principalmente num contexto de guerra como rei chefe guerreiro forte valoroso valente

poderoso viril religioso e de aparecircncia divina em alguns momentos eacute depreciado ao aparecer

como covarde e autoritaacuterio Nesse texto o Agamecircmnon natildeo exerce outros papeacuteis como os

familiares ele aparece principalmente como chefe dos gregos

Poreacutem Agamecircmnon natildeo estaacute presente na Iliacuteada somente nesses momentos citados

anteriormente apenas foram selecionados os mais relevantes O chefe dos gregos eacute intitulado

principalmente dos seguintes epiacutetetos Atrida como em ἥρως Ἀτρεΐδης εὐρὺ κρείων

Ἀγαμέμνων70 (Hom Il I v102) tambeacutem nesse exemplo tem-se o epiacuteteto de poderosoforte

κρείων outro epiacuteteto eacute o de chefe dos homens ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων71 ( Hom Il II

v612) Chega a ser equiparado aos deuses ao receber a seguinte adjetivaccedilatildeo ὦ μάκαρ Ἀτρεΐδη72

(Hom Il III v182) o adjetivo μάκαρ eacute usado apenas para os deuses como se pode verificar no

verbete do Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego de Isidro (1998 p 354)

μάκαρ feliz rico opulento os Bem-aventurados (deuses)

Jaacute na Odisseia epopeia que narra a volta de Odisseu para a sua paacutetria apoacutes guerrear em

Troia a menccedilatildeo agrave personagem Agamecircmnon se faz em nuacutemero menor de versos em comparaccedilatildeo

com a Iliacuteada No canto III Atena na aparecircncia de Mentor acompanha Telecircmaco na busca por

notiacutecias sobre Odisseu que ainda natildeo havia retornado para a paacutetria apoacutes passados muitos anos do

fim da batalha Na primeira parada desembarcam em Pilos e encontram o velho Nestor que lhes

contaraacute alguns acontecimentos do fim da guerra de Troia como o momento da assembleia dos

gregos liderada por Agamecircmnon para discutir o retorno para a paacutetria Depois Nestor menciona o

destino do valoroso chefe dos gregos

Ἀτρεΐδην δὲ καὶ αὐτοὶ ἀκούετε νόσφιν ἐόντεςὥς τ ἦλθ ὥς τ Αἴγισθος ἐμήσατο λυγρὸν ὄλεθρον (Hom Od III v193-194)

O que respeita ao Atrida soubeste-lo embora distantesde sua volta e do fim desditoso que Egisto lhe urdiu73

70 Optou-se por natildeo traduzir diretamente no texto alguns versos citados em grego da Iliacuteada e da Odisseia de Homero e do Agamecircmnon de Eacutesquilo pois as traduccedilotildees utilizadas para as obras citadas em alguns momentos natildeo abrangem o valor semacircntico adequado para essa pesquisaPortanto traduziu-se o verso assim O nobre Atrida Agamecircmnon chefe poderoso (traduccedilatildeo nossa)

71 O chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)72 Oacute bem-aventurado Atrida (traduccedilatildeo nossa)73 Todas as traduccedilotildees da Odisseia da Homero presentes nesse texto satildeo de Carlos Alberto Nunes conforme consta na

referecircncia bibliograacutefica HOMERO Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

41

Nessa conversa a deusa Atena tambeacutem fala da morte de Agamecircmnon como produto do

artifiacutecio de sua esposa e do amante dela

ἢ ἐλθὼν ἀπολέσθαι ἐφέστιος ὡς Ἀγαμέμνων ὤλεθ ὑπ Αἰγίσθοιο δόλῳ καὶ ἧς ἀλόχοιο (Hom Od III v234-235)

tal como Agameacutemnone que sucumbiu ante fraude de sua mulher e de Egisto

Mais adiante Telecircmaco questiona Nestor sobre a morte de Agamecircmnon O velho explica

como Egisto planejou a morte e lembra que Orestes vingou a morte do rei matando Egisto Nestor

atribui a Egisto o assassiacutenio do rei

κτείνας Ἀτρεΐδην δέδμητο δὲ λαὸς ὑπ αὐτῷ ἑπτάετες δ ἤνασσε πολυχρύσοιο Μυκήνης (Hom Od III v304-305)

(Egisto) reina em Micenas em ouro abundante durante sete anos poacutes dar a Morte a Agameacutemnone e o povo forccedilar a obediecircncia

No canto IV Telecircmaco aporta na Lacedemocircnia e visita o palaacutecio de Menelau o irmatildeo de

Agamecircmnon O jovem escuta as palavras do rei que descreve como foi o retorno dos gregos para as

suas respectivas paacutetrias apoacutes a destruiccedilatildeo de Troia e relata que Agamecircmnon foi morto ao voltar

para casa viacutetima de um plano de Egisto que preparou um banquete como armadilha para

recepcionaacute-lo e o matar com o intuito de tomar o seu reino

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como

42

na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

No canto VIII quando Odisseu estaacute na terra dos feaacutecios e participa da assembleia um cantor

aparece para recitar os feitos dos homens dentre eles Agamecircmnon (Od VIII v77-79) No canto

IX Odisseu se apresenta ao Ciclope como partiacutecipe da tropa de Agamecircmnon (Od IX v263-266)

No canto XI Odisseu desce ao Hades e encontra por laacute Agamecircmnon uma alma sofrida

acompanhado dos companheiros mortos por Egistos (Od XI v387-389) Odisseu conversa com

Agamecircmnon e busca saber a causa da sua morte O chefe dos gregos assim responde

οὔτε μ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ ἐπὶ χέρσουἀλλά μοι Αἴγισθος τεύξας θάνατόν τε μόρον τεἔκτα σὺν οὐλομένῃ ἀλόχῳ οἶκόνδε καλέσσαςδειπνίσσας ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃὣς θάνον οἰκτίστῳ θανάτῳ (Hom Od XI v408-412)

nem quando em terra saltasse caiacute pela matildeo de inimigosNatildeo minha Morte e o destino fatal por Egisto me vieramCom minha esposa funesta matou-me depois de chamar-me para um banquete em sua casa qual boi que se abate no talhoDessa maneira morri vergonhosa

Agamecircmnon lamenta a sua morte vergonhosa e tambeacutem critica a sua esposa (Od XI v427-

430) No canto XIII jaacute em Iacutetaca Odisseu ao conversar com Atenas teme que o seu destino seja

semelhante ao de Agamecircmnon ao saber da existecircncia dos pretendentes de Peneacutelope (Od XIII

v383-385) E no canto XXIV Agamecircmnon novamente aparece no Hades pois os pretendentes de

Peneacutelope apoacutes a morte seguem para o reino dos mortos Eles ficam ao redor de Aquiles e chega

Agamecircmnon que conversa com o Pelida Aquiles lembra a morte ingloriosa do chefe dos gregos

(Od XXIV v34) que a lamenta

ἐν νόστῳ γάρ μοι Ζεὺς μήσατο λυγρὸν ὄλεθρονΑἰγίσθου ὑπὸ χερσὶ καὶ οὐλομένης ἀλόχοιο (Hom Od XXIV v96-97)

Zeus me aprestou triste Morte ao me achar novamente na praia agraves matildeos de Egisto guerreiro e da minha funesta consorte

Agamecircmnon reconhece dentre os pretendentes um que o hospedou em Iacutetaca Os dois

conversam o rei lamenta a esposa que teve e admira a sorte de Odisseu que se casou com uma

mulher muito virtuosa Peneacutelope (Od XXIV v192-202)

Desse modo a Odisseia nos apresenta o mito do glorioso chefe dos gregos lembrando

principalmente a sua morte que aparece em conflito com a gloacuteria guerreira dele Agamecircmnon eacute

lembrado pelas personagens por causa da sua morte vergonhosa e tambeacutem aparece duas vezes na

43

narrativa como uma alma sofrida por ter tido tal morte

Dos fragmentos dos poemas eacutepicos do ciclo troiano haacute a reconstituiccedilatildeo de parte dos textos

estes poemas seriam Cantos Ciacuteprios Etiacuteopes A Pequena Iliacuteada O Saque de Iacutelion Retornos e

Telegonia todos eles foram escritos apoacutes as obras de Homero Dentre os poemas apresentar-se-atildeo

apenas Cantos Ciacuteprios e Retornos pois ambos apresentam trechos relevantes do mito de

Agamecircmnon O Cantos Ciacuteprios datado do seacutec VI aC e de autoria desconhecida deteacutem-se nas

origens da Guerra de Troia ateacute o iniacutecio da Iliacuteada Neste poema Agamecircmnon o chefe dos gregos

sacrifica a proacutepria filha Ifigecircnia em honra agrave deusa Aacutertemis

και τό δεύτερον ήθροισμένου του στόλου έν Ανλίδι Αγαμέμνων επί θήρας βαλών έλαφον ύπερ-βάλλειν έφησε και τήν Αρτεμιν μηνίσασα δέ ή θεός έπέσχεν αυτούς τοΰ πλον χειμώνας έπιπέμπουσα Ίίάλχαντος δέ είπόντος τήν της θεού μήνιν καί Ίφιγένειαν κελενσαντος θύειν τήι Αρτέμιδι ώς επί γάμον αυτήν Αχιλλεΐ μεταπεμφάμενοι θύειν έπιχει-ρούσιν ltΚάλχας δέ έφη ουκ άλλως δύνασθαι πλεΐν αυτούς ει μή τών Αγαμέμνονος θυγατέρων ή κρα-τιστεύονσα κάλλει σφάγιον Αρτέμιδος παραστήι πέμφας Αγαμέμνων προς Κλυταιμήστραν Όδυσσέα καί Ταλθύβιον Ίφιγένειαν ήιτει λέγων ύπεσχήσθαι δώσειν αυτήν Αχιλλεΐ γυναίκα μισθόν της στρατείας Αρgt Αρτεμις δέ αυτήν έζαρπάσασα εις Ταύρους μετακομίζει καί άθάνατον ποιεί έλαφον δέ αντί της κόρης παρίστησι τώι βωμώ (APOLODORO Ep 3 20 apud SOUSA 2008 p 27)

Enquanto a frota se prepara em Aacuteulis para uma segunda expediccedilatildeo contra Iacutelion Agamecircmnon mata um cervo em uma caccedilada e se vangloria de ser melhor que Aacutertemis Zangada a deusa envia tempestades que impedem a frota de zarpar Calcante explica a razatildeo do mau tempo e diz que natildeo poderatildeo navegar enquanto a mais bela filha de Agamecircmnon natildeo for imolada em honra de Aacutertemis Decidindo-se a realizar o sacrifiacutecio Agamecircmnon envia Taltiacutebio e Odisseu a Clitemnestra para perguntar por Ifigecircnia afirmando que a jovem estava prometida a Aquiles em recompensa pela participaccedilatildeo deste na expediccedilatildeo Iludida a matildee entrega a filha Quando Ifigecircnia chega o altar jaacute estaacute pronto para a imolaccedilatildeo No entanto Aacutertemis retira a jovem do altar colocando em seu lugar um cervo e a leva para junto dos Tauros na Crimeia onde lhe concede a imortalidade74

Depois se verifica no poema as novas invasotildees das tropas gregas o saque de algumas

cidades e a divisatildeo dos espoacutelios de guerra

και εκ των λαφύρων Άχιλλεύς μεν Βρισηίδα γέρας λαμβάνει Χρυσηΐδα δέ Αγαμέμνων (PROCLUS Chrestomathia apud SOUSA 2008 p30)

74 Todas as traduccedilotildees dos poemas eacutepicos do ciclo troiano Cantos Ciacuteprios e Retornos presentes nesse texto satildeo de Francisco Edi de Oliveira Sousa retiradas da Tese de Doutorado de seguinte referecircncia SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

44

Aquiles toma Briseida como sua parte Agamecircmnon Criseida capturada em Tebas Hipoplaacutecia onde se encontrava por conta de sacrifiacutecios em honra de Aacutertemis

No Retornos atribuiacutedo a Haacutegias de Trezene e datado de VII aC localizado de acordo com

o mito apoacutes a Odisseia observa-se que Agamecircmnon sai de Troia e tenta voltar para a paacutetria Em

seguida eacute relatada a morte dele

ltέπειgtτα Αγαμέμνονος νπο Αιγίσθου και Κλυταιμήστρας άναιρεθέντος νπ Όρέστον και ΤΙυλάδον τιμωρία (Poculum Homericum MB 36 (SINN) apud SOUSA 2008 p 54-55)

Agamecircmnon por sua vez retorna ao seu palaacutecio onde eacute morto por Egisto e Clitemnestra Mais tarde Orestes e Piacutelades chegam para vingar o assassiacutenio de Agamecircmon

Como se trata de fragmentos o que nos restou dos poemas dos ciclos eacutepicos apresentam-

nos uma breve narraccedilatildeo acerca de partes do mito de Agamecircmnon Observa-se nos trechos dos

Cantos Ciacuteprios o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a posse de Criseida por Agamecircmnon como presa de

guerra e no trecho de Retornos a morte do rei ao chegar agrave sua paacutetria

32 A tradiccedilatildeo liacuterica Estesiacutecoro e Piacutendaro

Assim como na Iliacuteada e na Odisseia de Homero e nos poemas Cantos Ciacuteprios e Retornos

mais tarde por entre os seacutec VI e V aC o mito de Agamecircmnon apareceraacute na poesia liacuterica de

Estesiacutecoro Ele escreveu muitos poemas e dentre eles um intitulado Oresteia dividido em dois

livros E conforme afirma Campbell (2001 p2) esse poema teria sido uma adaptaccedilatildeo de um poema

homocircnimo anterior de Xanto

Stesichorus referred somewhere in his poetry to a predecessor Xanthus who composed an Oresteia which Stesichorus was said to have adapted and this Xanthus may have been a western Greek75

Aleacutem disso restaram apenas alguns fragmentos desse poema que foram reconstituiacutedos a

partir de vaacuterios textos como no livro I de um escoliasta de Aristoacutefanes em Paz (775ss 800 797ss)

no livro II de um escoliasta de Dionisio da Traacutecia (Art 6) de Habron num escoliasta da Iliacuteada de

Homero (ap POxy 1087 ii 47s) e no livro I ou II de Filodemo em Sobre a piedade de um

escoliasta de Euriacutepides em Orestes (46) de um escoliasta de Eacutesquilo em Coeacuteforas (733) e de

75 Estesiacutecoro referiu-se em algum lugar na sua poesia a um antecessor Xanto que compocircs uma Oresteia que Estesiacutecoro havia dito ter adaptado e Xanto pode ter sido um grego ocidental

45

Plutarco em De sera numinis vindicta (10 555a)76 Dos fragmentos reconstituiacutedos nenhum

menciona Agamecircmnon mas um deles apresenta um sonho que Clitemnestra teve antes de ser morta

por Orestes

τᾶι δὲ δράκων ἐδόκησε μολεῖν κάρα βεβροτωμένος ἄκρονἐκ δ ἄρα τοῦ βασιλεὺς Πλεισθενίδας ἐφάνη (Plut ser num vind 10 555a - iii 412 Pohlenz-Sieveking apud CAMPBELL 2001 p 132-133)

And it seemed to her that a snake came the top of its head bloodstained and out of it appeared a Pleisthenid king77

Esses versos trazem uma parte do sonho premonitoacuterio de Clitemnetra que tambeacutem aparece

em Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo Esse sonho teria acontecido antes da morte de Clitemnestra

Em Estesiacutecoro ela interpreta a serpente como sendo Agamecircmnon irado pela morte que teve e por

isso ela envia oferendas ao tuacutemulo do rei Desse modo os versos do poeta liacuterico sugerem que

Clitemnestra teria matado o marido como pode se observar a partir do estudo abaixo

This appears from the nature of the dream which terrified the Clytaemnestra of Stesichorus just before the retribution A serpent approached her with gore upon its head and then changed into Agamemnon78 (JEBB 1894 seccedilatildeo 6)

Jaacute o mesmo episoacutedio do sonho nas Coeacuteforas (v 523-539) de Eacutesquilo eacute relatado pelo Coro

em diaacutelogo com Orestes mas ambos interpretam o sonho como sendo Orestes a cobra que

Clitemenestra tem nos braccedilos Essa interpretaccedilatildeo diverge da interpretaccedilatildeo sugerida a partir dos

fragmentos de Estesiacutecoro

Acerca de Agamecircmnon nos fragmentos de Estesiacutecoro soacute pode se suscitar que ele foi morto

pelas matildeos de sua esposa ao se tentar reconstituir os dois versos mencionados do poema Oresteia

E para escrever esse poema Estesiacutecoro talvez tenha se utilizado dos poemas de Homero e Hesiacuteodo

como pode se observar no Comentaacuterio do Papiro (POxy 2506 fr26 col ii apud CAMPBELL 2001

p 130-131)

Στη]σίχορος ἐχρήσατ[ο διη-γήμασιν τῶν τε ἄλλ[ων ποι-ητῶν οἱ πλείονες τ[μαις ταῖς τούτου με[Ὅμηρον κα[ὶ] Ἡσίοδον [μᾶλλ[ον] Στησιχο[ρ][

76 Todas as indicaccedilotildees citadas e os fragmentos encontram-se em CAMPBELL 2001 p127-13377 E parecia-lhe que uma serpente veio o topo de sua cabeccedila manchada de sangue e com isso surgiu um rei Pliacutestenes78 Isso aparece a partir da natureza do sonho que aterrorizou a Clitemnestra de Estesiacutecoro pouco antes da retribuiccedilatildeo

Uma serpente se aproximou dela com sangue em cima de sua cabeccedila e depois mudou para Agamecircmnon

46

φων[]

Stesichorus used narratives (of Homer and Hesiodo) and most of the other poets used his material for after Homer and Hesiodo they agree above all with Stesichorus79

Apesar de haver apenas fragmentos dos poemas de Estesiacutecoro pode-se deduzir que a

Oresteia dele assim como os poemas de outros poetas contemporacircneos a ele foram influenciados

pelos textos de Homero e Hesiacuteodo e influenciaram os poetas posteriores como mostra a citaccedilatildeo

anterior

Depois da Oresteia de Estesiacutecoro parte do mito de Agamecircmnon eacute narrada no poema Piacutetica

XI de Piacutendaro datado de entre 474-454 aC Esse poema foi composto para um tebano o vencedor

Trasideo Encontra-se na Piacutetica XI (v16-37) assim o mito do rei de Argos

νικῶν ξένου Λάκωνος Ὀρέστατὸν δὴ φονευομένου πατρὸς Ἀρσινόα Κλυταιμήστραςχειρῶν ὕπο κρατερᾶνἐκ δόλου τροφὸς ἄνελε δυσπενθέοςὁπότε Δαρδανίδα κόραν ΠριάμουΚασσάνδραν πολιῷ χαλκῷ σὺν Ἀγαμεμνονίᾳψυχᾷ πόρευ Ἀχέροντος ἀκτὰν παρ εὔσκιοννηλὴς γυνά πότερόν νιν ἄρ Ἰφιγένει ἐπ Εὐρίπῳσφαχθεῖσα τῆλε πάτραςἔκνισεν βαρυπάλαμον ὄρσαι χόλονἢ ἑτέρῳ λέχεϊ δαμαζομένανἔννυχοι πάραγον κοῖται τὸ δὲ νέαις ἀλόχοιςἔχθιστον ἀμπλάκιον καλύψαι τ ἀμάχανονἀλλοτρίαισι γλώσσαιςκακολόγοι δὲ πολῖταιἴσχει τε γὰρ ὄλβος οὐ μείονα φθόνονὁ δὲ χαμηλὰ πνέων ἄφαντον βρέμειθάνεν μὲν αὐτὸς ἥρως Ἀτρεΐδαςἵκων χρόνῳ κλυταῖς ἐν ἈμύκλαιςΓ΄μάντιν τ ὄλεσσε κόραν ἐπεὶ ἀμφ Ἑλένᾳ πυρωθένταςΤρώων ἔλυσε δόμουςἁβρότατος ὁ δ ἄρα γέροντα ξένονΣτροφίον ἐξίκετο νέα κεφαλάΠαρνασσοῦ πόδα ναίοντ ἀλλὰ χρονίῳ σὺν Ἄρειπέφνεν τε ματέρα θῆκέ τ Αἴγισθον ἐν φοναῖς (Pin Pit XI v 16-37)

o amigo do lacoacutenico Orestes Arsiacuteone sua ama arrancou-o do amargo engano logo que seu pai foi assassinado agraves matildeos violentas de Clitemnestra quando esta impiedosa mulher jogou Cassandra filha de Priacuteamo o Dardacircnida juntamente com a alma de Agameacutemnon para a margem sombria de aqueronte com o accedilo cinzento Teraacute sido Ifigeacutenia chacinada em Euripo longe da paacutetria quem a levou a erguer a matildeo pesada do rancor Ou teraacute sido dominada numa cama anoacutenima e as noites de

79 Estesiacutecoro usou narrativas (de Homero e Hesiacuteodo) e muitos outros poetas usaram esse material porque depois de Homero e Hesiacuteodo eles concordam acima de tudo com Estesiacutecoro

47

sexo desviaram-na do seu caminho Este eacute o erro mais odioso das jovens esposas e eacute impossiacutevel de esconder porque os outros iratildeo contaacute-lo Os cidadatildeos falam mal uns dos outros porque toda a becircnccedilatildeo traz consigo uma natildeo menor inveja mas quem respira junto ao chatildeo geme sem ser visto Foi assim que morreu o heroacuteico filho de Atreuquando finalmente regressou agrave famosa Amiclas e destruiu a rapariga das profecias ao acabar com o luxo na casa dos troianos e pocircr-lhes fogo por causa de Helena Orestes a jovem crianccedila foi para junto do velho Estroacutefio amigo da famiacutelia que vivia no sopeacute de Parnasso Por fim com a ajuda de Ares matou a matildee e afogou Egisto numa mar de sangue 80

Como se pode observar no trecho do poema eacute mencionada a morte de Agamecircmnon e a de

Cassandra causada por Clitemnestra depois se verificam os questionamentos sobre os motivos que

levaram Clitemnestra a matar o rei e finaliza com a vinganccedila de Orestes ao matar a matildee e o

amante dela O foco desse poema eacute concedido agrave Clitemenestra que matou o rei e a maior parte da

referecircncia miacutetica expotildee os questionamentos da rainha

33 A tradiccedilatildeo traacutegica Agamecircmnon de Eacutesquilo

Apoacutes a tradiccedilatildeo liacuterica tem-se notiacutecia do mito de Agamecircmnon por meio da trageacutedia

Agamecircmnon de Eacutesquilo datada de 458 aC Essa trageacutedia foi encenada juntamente com outras duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo compondo assim uma trilogia intitulada Oresteia A

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute a primeira peccedila da trilogia que narra a morte do rei Agamecircmnon

viacutetima de um plano de vinganccedila da sua esposa e do amante dela ao retornar agrave sua paacutetria

A peccedila eacute composta por partes dialogadas (episoacutedios) e por partes cantadas (estaacutesimos ndash

cantos corais) O enredo da trageacutedia se inicia com um proacutelogo recitado pelo Vigia que aguarda os

sinais do fim da guerra de Troia Ele apresenta o palaacutecio dos Atridas e Clitemnestra que espera o

retorno do marido (Ag v1-39) No primeiro episoacutedio Clitemnestra anuncia a destruiccedilatildeo de Troia

mesmo que o mensageiro ainda natildeo tenha chegado ao palaacutecio (Ag v267) Segundo ela os fachos

de fogo mostram que Troia foi tomada pelos gregos (Ag v281-316) No segundo episoacutedio o

Arauto chega ao palaacutecio e narra a gloacuteria dos gregos em Troia Comeccedila o seu relato falando dos

feitos guerreiros de Agamecircmnon e anuncia que o rei estaacute para chegar

δέξασθε κόσμῳ βασιλέα πολλῷ χρόνῳ

80 Todas as traduccedilotildees do poema Piacutetica XI de Piacutendaro presentes nesse texto satildeo de Antoacutenio de Castro Caeiro conforme a seguinte referecircncia PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

48

ἥκει γὰρ ὑμῖν φῶς ἐν εὐφρόνῃ φέρωνκαὶ τοῖσδ ἅπασι κοινὸν Ἀγαμέμνων ἄναξἀλλ εὖ νιν ἀσπάσασθε καὶ γὰρ οὖν πρέπειΤροίαν κατασκάψαντα τοῦ δικηφόρουΔιὸς μακέλλῃ τῇ κατείργασται πέδον (Ag v521-526)

Recebei em ordem o rei passado tempoe a todos esses luz comum rei AgamecircmnonEia bem o saudai pois assim conveacutemele revolveu Troia com a enxada de Zeus portador de justiccedila lavrado estaacute o solo81

ἄναξ Ἀτρείδης πρέσβυς εὐδαίμων ἀνήρ ἥκει τίεσθαι δ ἀξιώτατος βροτῶντῶν νῦν (Ag v530-532)

O rei Atrida secircnior e com bons Numesvem Honrai o mais digno dos mortaisde hoje

Depois o Arauto continua lembrando os males vividos durante a guerra (Ag v551-566) e

rememora a vitoacuteria dos gregos (Ag v577-579) Sob a indagaccedilatildeo do Coro sobre o destino de

Menelau o Arauto relata a tempestade no mar que ocasionou o naufraacutegio de vaacuterias naus Por causa

disso as naus do marido de Helena teriam desaparecido (Ag v636-680) No terceiro episoacutedio o

Coro anuncia a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio dos Atridas

ἄγε δή βασιλεῦ Τροίας πτολίπορθἈτρέως γένεθλονπῶς σε προσείπω πῶς σε σεβίξωμήθ ὑπεράρας μήθ ὑποκάμψαςκαιρὸν χάριτος (Ag v783-787)

Eia oacute rei devastador de Troiaprogecircnie de Atreucomo te saudar como te venerarnatildeo excedendo nem faltandoagrave medida do benefiacutecio

Agamecircmnon louva os deuses pela destruiccedilatildeo de Troia e pelo seu retorno satildeo e salvo agrave paacutetria

(Ag v810-813) Logo Clitemnestra lamenta o tempo que o marido ficou ausente e lembra os

rumores ouvidos por ela acerca da rotina guerreira do cocircnjuge (Ag v855-913) E para receber

Agamecircmnon Clitemnestra prepara as honras devidas a ele natildeo permitindo que o marido pise o

chatildeo descoberto

νῦν δέ μοι φίλον κάρα81 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

49

ἔκβαιν ἀπήνης τῆσδε μὴ χαμαὶ τιθεὶςτὸν σὸν πόδ ὦναξ Ἰλίου πορθήτορα (Ag v905-907)

Agora oacute cabeccedila querida desce desse carro sem pocircr no chatildeoo teu peacute devastador de Iacutelion oacute rei

Por causa disso Agamecircmnon pede agrave esposa honras dignas de um homem e natildeo de um deus

mas Clitemnestra tenta convencecirc-lo de sua gloacuteria Logo Agamecircmnon pede agrave rainha que acolha

Cassandra a presa de guerra filha de Priacuteamo (Ag v950-952) No quarto episoacutedio Clitemnestra

convida a cativa para entrar no palaacutecio e menciona o banquete que estaacute sendo preparado para

festejar o retorno do rei Ao adentrar o palaacutecio Cassandra entra em estado de transe (Ag v1072-

1073) Ela vecirc os crimes cometidos dentro da morada dos Atridas Em seguida a profetisa descreve

como aconteceraacute um novo crime

ἰὼ τάλαινα τόδε γὰρ τελεῖς                   τὸν ὁμοδέμνιον πόσινλουτροῖσι φαιδρύνασα - πῶς φράσω τέλοςτάχος γὰρ τόδ ἔσται προτείνει δὲ χεὶρ ἐκχερὸς ὀρεγομένα (Ag v1107-1111)

Ioacute Miacutesera isto faraacutes Ao lavares no banhoo teu marido ndash como direi o fatoLogo isto seraacute ela estende a matildeo apoacutes matildeo alcanccedilando

ἦ δίκτυόν τί γ Ἅιδουἀλλ ἄρκυς ἡ ξύνευνος ἡ ξυναιτίαφόνου (Ag v1115-1117)

Eacute um laccedilo de HadesMas a rede eacute o seu cocircnjuge co-autora do massacre

ἆ ἆ ἰδοὺ ἰδού ἄπεχε τῆς βοὸς                   τὸν ταῦρον ἐν πέπλοισινμελαγκέρῳ λαβοῦσα μηχανήματιτύπτει πίτνει δ lsaquoἐνrsaquo ἐνύδρῳ τεύχειδολοφόνου λέβητος τύχαν σοι λέγω (Ag v1125-1129)

Acirc acirc Olha olha Potildee longe de vacao touro Na tuacutenica com negricoacuternio ardil ela captura e feree ele tomba na banheira cheia daacutegua

Aleacutem de anuciar um proacuteximo crime Cassandra prenuncia a sua proacutepria morte (Ag v1258-

1260) Ela tambeacutem lembra o castigo que recebeu de Apolo E menciona a traiccedilatildeo de Clitemnestra e

50

Egisto

ἐκ τῶνδε ποινάς φημι βουλεύειν τινάλέοντ ἄναλκιν ἐν λέχει στρωφώμενονοἰκουρόν οἴμοι τῷ μολόντι δεσπότῃ -ἐμῷ φέρειν γὰρ χρὴ τὸ δούλιον ζυγόννεῶν τ ἄπαρχος Ἰλίου τ ἀναστάτηςοὐκ οἶδεν οἵα γλῶσσα μισητῆς κυνὸςλείξασα κἀκτείνασα φαιδρὸν οὖς δίκηνἄτης λαθραίου τεύξεται κακῇ τύχῃτοιάδε τόλμα θῆλυς ἄρσενος φονεύς (Ag v1223-1231)

Digo que trama puniccedilatildeo por isto um leatildeo covarde a rolar no leito caseiro contra o receacutem-vindo senhor meu pois devo suportar o julgo servil O capitatildeo de navios e destruidor de Iacutelion natildeo conhece que liacutengua de odiosa cadela a falar e a esticar escusa alegremente lograraacute latente dano com maligna sorte Tal eacute a ousadia fecircmea mata macho

Ἀγαμέμνονός σέ φημ ἐπόψεσθαι μόρον (Ag v1246)

Digo que veraacutes a morte de Agamecircmnon

Apoacutes a profetizaccedilatildeo de Cassandra Agamecircmnon soacute voltaraacute agrave cena no final do quarto

estaacutesimo (diaacutelogo dos coreutas) gritando por estar sendo golpeado como se vecirc nos versos

Αγ ὤμοι πέπληγμαι καιρίαν πληγὴν ἔσωΧο σῖγα τίς πληγὴν ἀυτεῖ καιρίως οὐτασμένοςΑγ ὤμοι μάλ αὖθις δευτέραν πεπληγμένος (Ag v1343-1345)

Agamecircmnon Oacutemoi Um golpe certeiro golpeou-me dentroCoro Silecircncio Quem grita ferido de golpe certeiroAgamecircmnon Oacutemoi Outra vez outro golpe me atingiu

No quinto episoacutedio Clitemnestra relata a morte do marido Ela descreve o assassiacutenio

cometido por ela mesma

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσών

51

κἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostrado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

Depois de narrar a morte do rei Clitemnestra tenta justificar o seu ato criminoso dizendo

que Agamecircmnon sacrificou Ifigecircnia filha do casal para que as tropas gregas tivessem ventos

favoraacuteveis para conseguir navegar rumo a Troia dizendo que ela foi ultrajada pelo marido pois ele

tinha muitas concubinas dentre elas Criseida e Cassandra e por causa disso a rainha tambeacutem mata

a profetisa Por fim o Coro reclama as honras funeacutebres ao morto e Clitemnestra afirma que cuidaraacute

disso

No uacutetimo episoacutedio aparece Egisto lembrando os crimes sofridos por seu pai e se sente

vingado com a morte de Agamecircmnon (Ag v1577-1611) Ele fala que tramou o crime mas a

execuccedilatildeo foi feita por Clitemnestra O Coro alerta para uma futura vinganccedila de Orestes mas o casal

de amantes natildeo se importa

Na trageacutedia de Eacutesquilo a personagem Agamecircmnon participa pouco da peccedila Ele apenas

aparece no terceiro episoacutedio ao retornar da guerra e se mostra um homem religioso e vitorioso

Embora Clitemnestra o tente divinizar o rei demonstra modeacutestia na comemoraccedilatildeo da vitoacuteria E

mais adiante ouve-se os gritos de dor do rei ao ser apunhalado ele jaacute natildeo estaacute mais em cena

Agamecircmnon foi assassinado por sua esposa e ela mesma nos conta como o matou Nessa trageacutedia

Agamecircmnon passa de rei vitorioso para rei morto pelas matildeos de uma mulher

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides de Eacutesquilo

peccedilas que compotildeem juntamente com Agamecircmnon a trilogia intitulada Oresteia As trecircs trageacutedias

foram encenadas todas no mesmo dia e as duas uacuteltimas datildeo continuidade ao mito encenado tendo

como objeto a morte de Agamecircmnon Nas Coeacuteforas Electra e Orestes vingam a morte do pai

52

matando a proacutepria matildee e Egisto No primeiro episoacutedio Electra diante do tuacutemulo do pai lamenta a

sua morte

ἢ σῖγ ἀτίμως ὥσπερ οὖν ἀπώλετοπατήρ τάδ ἐκχέασα γάποτον χύσινστείχω καθάρμαθ ὥς τις ἐκπέμψας πάλινδικοῦσα τεῦχος ἀστρόφοισιν ὄμμασιν (Es Coe v94-97)

Ou em silecircncio sem honra como pereceuo pai verter esta vertente poccedilatildeo da terrae retornar como quem despediu imundiacuteciesao lanccedilar a urna sem voltar os olhos82

Mais adiante Orestes ao conversar com Electra tambeacutem lembra a morte do pai

αἰετοῦ πατρόςθανόντος ἐν πλεκταῖσι καὶ σπειράμασινδεινῆς ἐχίδνης (Es Coe v247-249)

quando o paimorreu nos enlances e nas espiraisde medonha viacutebora

E nos uacuteltimos versos da trageacutedia o Coro lembra a morte do rei como mais um dos crimes

ocorridos no palaacutecio dos Atridas como se verifica nos versos abaixo

δεύτερον ἀνδρὸς βασίλεια πάθηλουτροδάικτος δ ὤλετ Ἀχαιῶνπολέμαρχος ἀνήρ (Es Coe v1070-1072)

Depois a morte do marido trucidado no banho pereceuo rei guerreiro dos aqueus

Nas Eumecircnides Orestes eacute julgado por ter matado a proacutepria matildee para vingar a morte de

Agamecircmnon Orestes lembra como aconteceu o assassinato do rei no terceiro episoacutedio

Ἀγαμέμνον ἀνδρῶν ναυβατῶν ἁρμόστοραξὺν ᾧ σὺ Τροίαν ἄπολιν Ἰλίου πόλινἔθηκας ἔφθιθ οὗτος οὐ καλῶς μολὼνεἰς οἶκον ἀλλά νιν κελαινόφρων ἐμὴμήτηρ κατέκτα ποικίλοις ἀγρεύμασικρύψασ ἃ λουτρῶν ἐξεμαρτύρει φόνον (Es Eu v456-461)

Agamecircmnon o comandante da esquadra82 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Coeacuteforas de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia

bibliograacutefica EacuteSQUILO Coeacuteforas Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

53

com que fizeste sem forte o forte de IacutelionEle sucumbiu sem nobreza ao chegarem casa minha matildee de coraccedilatildeo negromatou-o envolto em astuto veacuteutestemunho do massacre no banho83

No proacuteximo episoacutedio Apolo tambeacutem lembra como foi a morte de Agamecircmnon ao tentar

defender Orestes da acusaccedilatildeo de matriciacutedio

οὐ γάρ τι ταὐτὸν ἄνδρα γενναῖον θανεῖνδιοσδότοις σκήπτροισι τιμαλφούμενονκαὶ ταῦτα πρὸς γυναικός οὔ τι θουρίοιςτόξοις ἑκηβόλοισιν ὥστ Ἀμαζόνοςἀλλ ὡς ἀκούσῃ Παλλάς οἵ τ ἐφήμενοιψήφῳ διαιρεῖν τοῦδε πράγματος πέριἀπὸ στρατείας γάρ νιν ἠμποληκότατὰ πλεῖστ ἄμεινον εὔφροσιν δεδεγμένη                                   δροίτῃ περῶντι λουτρὰ κἀπὶ τέρματιφᾶρος περεσκήνωσεν ἐν δ ἀτέρμονικόπτει πεδήσασ ἄνδρα δαιδάλῳ πέπλῳἀνδρὸς μὲν ὑμῖν οὗτος εἴρηται μόροςτοῦ παντοσέμνου τοῦ στρατηλάτου νεῶν (Es Eu v 625-637)

Natildeo eacute o mesmo o varatildeo nobre ser mortohonrado com cetro outorgado por Zeuse morto por mulher natildeo como furioso arco longemitente como de Amazonamas como ouviraacutes Palas e voacutes ao ladoque no voto decidireis esta questatildeoNa guerra o mais das vezes prosperoue na volta ela o recebeu com beneacutevolas palavras ofereceu banhos quentesem banheira de prata e ao terminarrecobriu-o com manto e no inteacuterminoaacuterduo manto prende e golpeia o varatildeoEsta morte vos eacute contada do varatildeovenerado por todos chefe da armada

Assim nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides a parte do mito de Agamecircmnon mencionada eacute a

morte contada por vaacuterios personagens das duas trageacutedias e principalmente pelos filhos do rei As

duas trageacutedias mostram os mesmos detalhes referentes agrave morte do rei apresentados em Agamecircmnon

como o banho mortal o uso do manto para imobilizar a viacutetima e o assassiacutenio cometido por

Clitemnestra Essa unidade acerca da morte de Agamecircmnon eacute mantida nas trecircs trageacutedias da

Oresteia demonstrando a uniformidade e coerecircncia do tragedioacutegrafo E ao apresentar as duas

trageacutedias Coeacuteforas e Eumecircnides buscou-se mostrar com mais evidecircncia como Eacutesquilo construiu a

83 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto das Eumecircnides de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Eumecircnides Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

54

morte de Agamecircmnon

34 A recepccedilatildeo no Agamecircmnon de Eacutesquilo

Diante das referecircncias sobre o mito de Agamecircmnon pretende-se mostrar como Eacutesquilo

construiu a sua personagem Natildeo seratildeo utilizados os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro

pois esses natildeo contecircm informaccedilotildees significativas para essa pesquisa Assim esse capiacutetulo se deteraacute

no mito de Agamecircmnon presente nos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia nos versos dos Cantos

Ciacuteprios e dos Retornos na trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo e se necessaacuterio nas Coeacuteforas e nas

Eumecircnides

Embora natildeo se vaacute utilizar os fragmentos do poema Oresteia de Estesiacutecoro o proacuteprio tiacutetulo

do poema jaacute sugere uma ideia diferente do mito de Agamecircmnon da ideia anteriormente apresentada

por Homero E como jaacute foi mencionado antes de Estesiacutecoro jaacute havia uma versatildeo da Oresteia

composta por Xanto pela qual se mostra a importacircncia do mito naquela eacutepoca e a sua recriaccedilatildeo

Assim como Estesiacutecoro e Xanto Eacutesquilo compocircs uma Oresteia soacute que se utilizou do gecircnero

dramaacutetico e esse nome foi dado ao tiacutetulo de uma trilogia como jaacute foi citado anteriormente e natildeo a

um uacutenico poema Como base nas poucas informaccedilotildees acerca do poema de Estesiacutecoro pode-se supor

que a ideia de criar um poema que contemple a morte de Agamecircmnon seria uma influecircncia dos

poemas liacutericos na trageacutedia de Eacutesquilo mesmo que natildeo se saiba ateacute que ponto o tragedioacutegrafo foi

influenciado Poreacutem se sabe que o fragmento do poema Oresteia de Estesiacutecoro sobre o sonho de

Clitemnestra jaacute mencionado anteriormente foi reconstituiacutedo a partir das Coeacuteforas de Eacutesquilo Essa

cena soacute aparece na versatildeo esquiliana da encenaccedilatildeo do assassiacutenio de Clitemnestra natildeo estando

presente nem na Electra de Soacutefocles nem na Electra de Euriacutepides que abordam a mesma parte do

mito o matriciacutedio perpretado por Electra e Orestes Contudo esse fato pode anunciar uma

aproximaccedilatildeo entre o poema liacuterico de Estesiacutecoro e a poesia traacutegica de Eacutesquilo pois esta eacute a uacutenica a

manter o sonho no enredo

Os textos a serem analisados pertencem a princiacutepio a gecircneros distintos dois satildeo poemas

eacutepicos Iliacuteada e Odisseia e um eacute trageacutedia Agamecircmnon A diferenciaccedilatildeo de gecircnero jaacute permite uma

visatildeo diferente da personagem estudada embora sejam ambas imitaccedilatildeo de homens superiores como

se vecirc na Poeacutetica84 (1449b 9-10) de Aristoacuteteles A poesia eacutepica grega possui um caraacuteter coletivo

moral poliacutetico e histoacuterico (HAVELOCK 1996 p276) Diante disso o Agamecircmnon homeacuterico seraacute

construiacutedo principalmente com essas caracteriacutesticas Na Iliacuteada Agamecircmnon eacute o chefe das tropas 84 ἡ μὲν οὖν ἐποποιία τῇ τραγῳδίᾳ μέχρι μὲν τοῦ μετὰ μέτρου λόγῳ μίμησις εἶναι σπουδαίων

ἠκολούθησενmiddot (A Epopeia e a Trageacutedia concordam somente em serem ambas imitaccedilatildeo de homens superiores em verso)

55

gregas e o chefe dos homens Ele aparece como um ser supremo e mais valoroso do que os outros

guerreiros Por meio dos epiacutetetos percebe-se o valor do rei de Argos como jaacute foi mostrado

anteriormente Jaacute na Odisseia Agamecircmnon aparece na lembranccedila das personagens poreacutem natildeo mais

como um heroacutei mas sim como um homem de morte vergonhosa Ele surge duas vezes no poema

como uma alma do Hades que lamenta ter tido uma morte sem gloacuteria Embora as duas epopeias

homeacutericas tenham a mesma proposta diante da sociedade grega a personagem Agamecircmnon eacute

mostrada de maneira distinta na Iliacuteada um chefe glorioso e na Odisseia um homem desditoso

Com isso pode-se dizer que a trageacutedia de Eacutesquilo quer mostrar essa passagem do rei Agamecircmnon

de chefe glorioso a um homem desditoso ou seja do triunfo presente na Iliacuteada agrave derrocada presente

na Odisseia Essa mudanccedila eacute proacutepria da trageacutedia como afirma Aristoacuteteles na Poeacutetica (1451a 13-

16)

ὡς δὲ ἁπλῶς διορίσαντας εἰπεῖν ἐν ὅσῳ μεγέθει κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον ἐφεξῆς γιγνομένων συμβαίνει εἰς εὐτυχίαν ἐκ δυστυχίας ἢ ἐξ εὐτυχίας εἰς δυστυχίαν μεταβάλλειν ἱκανὸς ὅρος ἐστὶν τοῦ μεγέθους

Dando uma definiccedilatildeo mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma Trageacutedia eacute o que permite que nas accedilotildees uma apoacutes outra sucedidas conformemente agrave verossimilhanccedila e agrave necessidade se decirc o transe da infelicidade agrave felicidade ou da felicidade agrave infelicidade

Entatildeo essa mudanccedila na trageacutedia Agamecircmnon pode ser concebida como uma junccedilatildeo das duas

personagens Agamecircmnon da poesia homeacuterica que na Iliacuteada eacute glorioso e na Odisseia desditoso Eacute

essa mudanccedila do heroacutei ao homem comum que alimenta a trageacutedia Esse fato liga a audiecircncia agrave

personagem pois a humanizaccedilatildeo do heroacutei o aproxima da realidade local

Eacutesquilo assim como os outros tragedioacutegrafos do seacutec V vai compor suas trageacutedias com base

nos mitos e ao escolher o mito de Agamecircmnon utilizou-se provavelmente das fontes homeacutericas

como afirma Serrano (2003 p119) ldquoEsquilo ha conseguido perfiacutelar la grandeza de un

personaje directamente heredado de la eacutepica homeacutericardquo85 Para Havelock (1996 p275) o drama

aacutetico eacute como se fosse uma extensatildeo dos poemas eacutepicos ele conserva o caraacuteter didaacutetico mas tem

uma identidade particular Dentro dessa identidade particular a personagem Agamecircmnon de

Eacutesquilo diferencia-se das personagens homocircnimas da poesia homeacuterica mas tambeacutem se assemelha

em algumas caracteriacutesticas

No Agamecircmnon de Eacutesquilo encontram-se nuanccedilas da personagem homocircnima da Iliacuteada de

Homero em alguns versos como quando o Coro no paacuterodo anapeacutestico menciona quem eram os

chefes gregos

85 Eacutesquilo conseguiu perfilar a grandeza de um personagem diretamente herdado da eacutepica homeacuterica

56

Μενέλαος ἄναξ ἠδ Ἀγαμέμνωνδιθρόνου Διόθεν καὶ δισκήπτρουτιμῆς ὀχυρὸν ζεῦγος Ἀτρειδᾶν (Es Ag v42-44)

o rei Menelau e Agamecircmnonestrecircnuo par de Atridas honradopor Zeus com dois tronos e dois cetros

Ainda no paacuterodo liacuterico o Coro mais uma vez lembra a dupla de Atridas e seu poder

κεδνὸς δὲ στρατόμαντις ἰδὼν δύο λήμασι δισσοὺς                  Ἀτρεΐδας μαχίμους ἐδάη λαγοδαίταςπομπούς τ ἀρχάς (Es Ag v123-125)

dois Atridasde dupla iacutendole belicosos vorazes de lebrecondutores do impeacuterio

A mesma referecircncia de Eacutesquilo mostrada nos exemplos acima a Agamecircmnon como Atrida

junto com o seu irmatildeo Menelau aparece algumas vezes na Iliacuteada de Homero como nos versos

Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ Μενελάῳ86 (Il VII v374) δ Ἀτρεΐδῃς Ἀγαμέμνονι καὶ

Μενελάῳ87 (Il VII v470) pois na Iliacuteada eacute mais frequente a presenccedila de Agamecircmnon Atrida

dissociada da presenccedila do irmatildeo o epiacuteteto Atrida eacute utilizado para os dois reis quer estejam soacutes ou

em par Isso pode mostrar que no poema eacutepico Agamecircmnon ao aparecer inuacutemeras vezes sozinho

eacute mais forte e valoroso do que a personagem homocircnima da trageacutedia que aparece em par com o

irmatildeo

No primeiro exemplo de Eacutesquilo Agamecircmnon e Menelau aparecem como honrados por

Zeus (Διόθεν) o mesmo viacutenculo divino estaacute presente na Iliacuteada como nos versos seguintes

Ἀγαμέμνονα δῖον88 (Il IV v223) e Ἀγαμέμνονι δίῳ89(Il XVIII v257) Mais uma vez o

adjetivo atribuiacutedo ao rei na poesia eacutepica eacute compartilhado com o irmatildeo na poesia traacutegica designando

um menor valor da personagem da peccedila

Na trageacutedia quando o Arauto chega ao palaacutecio dos Atridas ele anuncia a chegada de

Agamecircmnon e o chama de rei (monarca) ndash βασιλέα (Ag v521) e de rei (chefe) ndash ἄναξ (Ag

v523 e 530) Os dois adjetivos tambeacutem qualificam Agamecircmnon na Iliacuteada como rei (monarca)

86 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)87 Os Atridas Agamecircmnon e Menelau (traduccedilatildeo nossa)88 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)89 O divino Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

57

αἰδομένω βασιλῆα90 (Il I v331) e τοῦ βασιλῆος ἀπηνέος91 (Il I v340) e como rei (chefe)

ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων92 (Il III v267) e ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγαμέμνων93 (Il XI v254)

Mais adiante na trageacutedia esquiliana o Coro no iniacutecio do terceiro episoacutedio tambeacutem chama

Agamecircmnon de βασιλεῦ assim como o Arauto mencionou nos versos anteriores E por fim

Agamecircmnon soacute seraacute novamente lembrado como rei (monarca) no canto de lamentaccedilatildeo do Coro

apoacutes a morte dele no verso ἰὼ ἰὼ βασιλεῦ βασιλεῦ94 (Ag v1489 e 1513) Na Iliacuteada tambeacutem

encontra-se outro adjetivo para qualificar o rei como chefe poderoso em κρείων Ἀγαμέμνων95

(IV v204 e 311) esse adjetivo natildeo foi encontrado na trageacutedia de Eacutesquilo talvez porque a

indumentaacuteria do ator eou a sua performance jaacute indicassem a audiecircncia o poder e a forccedila de

Agamecircmnon como se pode verificar na qualificaccedilatildeo do rei a partir das palavras de Clitemnestra

λέγοιμ ἂν ἄνδρα τόνδε τῶν σταθμῶν κύνασωτῆρα ναὸς πρότονον ὑψηλῆς στέγηςστῦλον ποδήρη μονογενὲς τέκνον πατρίκαὶ γῆν φανεῖσαν ναυτίλοις παρ ἐλπίδακάλλιστον ἦμαρ εἰσιδεῖν ἐκ χείματοςὁδοιπόρῳ διψῶντι πηγαῖον ῥέοςτερπνὸν δὲ τἀναγκαῖον ἐκφυγεῖν ἅπαν (Ag v896-902)

eu diria este homem catildeo do estaacutebulo salvador cabo do navio coluna firmado alto teto filho uacutenico para o pai terra agrave vista para marujos inesperadasereno dia a contemplar apoacutes tormentaaacutegua da fonte para o sedento viajor prazeroso escapar a toda coerccedilatildeo

Agamecircmnon natildeo aparece na trageacutedia soacute como rei mas tambeacutem como um homem religioso e

temente aos deuses Ele mesmo tenta passar essa imagem

πρῶτον μὲν Ἄργος καὶ θεοὺς ἐγχωρίουςδίκη προσειπεῖν τοὺς ἐμοὶ μεταιτίους (Ag v810-811)

Primeiro Argos e os Deuses regionaiseacute justo saudar

τούτων θεοῖσι χρὴ πολύμνηστον χάριντίνειν ἐπείπερ χἀρπαγὰς ὑπερκόπους (Ag v821-822)

90 Mostrando respeito ao rei (traduccedilatildeo nossa)91 O hodiendo rei (traduccedilatildeo nossa)92 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nosso)93 Chefe dos homens Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)94 Ioacute ioacute rei rei (traduccedilatildeo nossa)95 O poderoso Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

58

Por isto eacute preciso dar mecircmores graccedilasaos Deuses muitas

νῦν δ ἐς μέλαθρα καὶ δόμους ἐφεστίουςἐλθὼν θεοῖσι πρῶτα δεξιώσομαιοἵπερ πρόσω πέμψαντες ἤγαγον πάλιν (Ag v851-853)

Agora ao palaacutecio e morada de Heacutestia irei e saudarei primeiro os Deusesque me enviaram e reconduziram

Jaacute na Iliacuteada Agamecircmnon aparece exercendo o papel religioso na funccedilatildeo de chefe das tropas

gregas como quando Zeus lhe envia um sonho enganador para que os gregos voltassem ao

combate entatildeo diante disso Agamecircmnon faz uma oferenda a Zeus no canto II (v402-403) e ao

presidir os funerais de Paacutetroclo no canto XXIII (v49-53) Mas tambeacutem Agamecircmnon como chefe

das tropas gregas escuta a previsatildeo de Calcante sobre a peste que assola o acampamento grego e

segue o conselho do adivinho no canto I (v68-120) E no Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem se

encontra uma previsatildeo de Calcante acerca do destino dos Atridas na guerra de Troia no paacuterodo

liacuterico (v114-159) nessa peccedila natildeo fica claro a recepccedilatildeo do prenuncio

Aleacutem disso o Agamecircmnon traacutegico tem medo de comparar-se aos deuses e ser punido por

isso mas mesmo assim Clitemnestra o conduz para essa desmedida quando manda estender um

tapete puacuterpuro para o rei entrar no palaacutecio Ele aceita a opulecircncia oferecida pela esposa

ἀλλ εἰ δοκεῖ σοι ταῦθ ὑπαί τις ἀρβύλαςλύοι τάχος πρόδουλον ἔμβασιν ποδόςκαὶ τοῖσδέ μ ἐμβαίνονθ ἁλουργέσιν θεῶνμή τις πρόσωθεν ὄμματος βάλοι φθόνοςπολλὴ γὰρ αἰδὼς δωματοφθορεῖν ποσὶνφύροντα πλοῦτον ἀργυρωνήτους θ ὑφάς

Se isto te agrada descalce-me logoos sapatos servis anteparos dos peacutes e ao pisar nestas puacuterpuras dos Deusesnatildeo me atinja de longe a inveja do olhoGrande eacute o pudor de arruinar o palaacuteciopisando opulecircncia e tecidos preciosos (Ag v944-949)

A trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo tambeacutem vai se influenciar pela Odisseia de Homero E a

primeira influecircncia jaacute aparece no proacutelogo recitado por um Vigia um servo que mandado por

Clitemnestra aguarda os sinais do retorno do rei

καὶ νῦν φυλάσσω λαμπάδος τὸ σύμβολοναὐγὴν πυρὸς φέρουσαν ἐκ Τροίας φάτινἁλώσιμόν τε βάξιν ὧδε γὰρ κρατεῖ

59

γυναικὸς ἀνδρόβουλον ἐλπίζον κέαρ (Es Ag v8-11)

Agora aguardo o sinal do lampejoa luz do fogo a trazer voz de Troiae notiacutecia da captura tal eacute o poderdo viril coraccedilatildeo expectante da mulher

A mesma personagem tambeacutem aparece na Odisseia no canto IV (v526-527) quando

Menelau conta a Telecircmaco como foi a recepccedilatildeo de Agamecircmnon em seu palaacutecio Mas o Vigia de

Homero eacute mandado por Egisto e natildeo por Clitemnestra como ocorre na trageacutedia

O principal tema abordado em relaccedilatildeo agraves duas obras eacute a morte de Agamecircmnon Na trageacutedia

grega a morte do rei eacute relatada duas vezes a primeira por meio da previsatildeo de Cassandra e a

segunda quando Clitemnestra conta como matou o marido Jaacute no poema homeacuterico a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada pelas personagens e pelo proacuteprio rei depois de morto no Hades que se

recorda da sua morte ingloriosa E a parte referente agrave previsatildeo da morte do rei feita por Cassandra

na trageacutedia natildeo aparece na Odisseia Nesse poema eacutepico Cassandra aparece quando Agamecircmnon

ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra matou a consorte perto de seu corpo (XI

v422-423) A referecircncia agrave morte de Cassandra tambeacutem surge na Piacutetica XI de Piacutendaro ao mencionar

que Cassandra vai para o Hades com Agamecircmnon (v30-31) e na peccedila de Eacutesquilo quando

Clitemnestra anuncia que matou a profetisa (Ag v1440-1441) Assim como a morte do rei

Cassandra tambeacutem prevecirc a sua morte (Ag v1258-1260) Na trageacutedia a previsatildeo de Cassandra

acerca da morte do rei tem o papel dramaacutetico de descrever mais minunciosamente como tudo

aconteceraacute como se pode observar nos versos jaacute citados anteriormente e preparar a audiecircncia para

o que estaacute por vir A Cassandra como personagem traacutegica representa um momento de transiccedilatildeo A

profetisa aparece em cena para mostrar a mudanccedila traacutegica a passagem do heroacutei da felicidade para a

infelicidade por isso logo apoacutes a sua previsatildeo se daacute a morte do rei Essa caracteriacutestica eacute proacutepria do

estado transitoacuterio vivido por Cassandra que oscila entre o humano (natureza proacutepria) e o divino

(natureza profeacutetica)96

No quinto episoacutedio da trageacutedia Clitemnestra narra como matou o seu marido explica que

usou uma rede para imobilizaacute-lo e o atingiu com trecircs golpes certeiros Essa descriccedilatildeo do assassiacutenio

soacute aparece na trageacutedia natildeo estando presente no poema eacutepico Os detalhes relatados da morte do rei

satildeo essenciais para o teatro porque Agamecircmnon vai morrer por traacutes das ldquocortinasrdquo As mortes na

trageacutedia grega do seacutec V normalmente natildeo eram encenadas mas sim contadas por uma personagem

No momento em que Clitemnestra descreve como matou o rei tem-se o cliacutemax da trageacutedia ao

96 Mais informaccedilotildees acerca de Cassandra em IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80 Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

60

contraacuterio do que acontece na eacutepica na qual natildeo haacute um uacutenico momento importante e sim muitos

Assim a Clitemnestra traacutegica conta como matou o rei

ἕστηκα δ ἔνθ ἔπαισ ἐπ ἐξειργασμένοιςοὕτω δ ἔπραξα - καὶ τάδ οὐκ ἀρνήσομαι -ὡς μήτε φεύγειν μήτ ἀμύνεσθαι μόρονἄπειρον ἀμφίβληστρον ὥσπερ ἰχθύωνπεριστιχίζω πλοῦτον εἵματος κακόνπαίω δέ νιν δίς κἀν δυοῖν οἰμωγμάτοινμεθῆκεν αὐτοῦ κῶλα καὶ πεπτωκότιτρίτην ἐπενδίδωμι τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάρινοὕτω τὸν αὑτοῦ θυμὸν ὁρμαίνει πεσώνκἀκφυσιῶν ὀξεῖαν αἵματος σφαγὴν (Ag v1379-1389)

Fiquei onde bati com fatos consumados Fiz de tal modo (e isto natildeo negarei) a natildeo escapar nem a evitar a morte Inextrincaacutevel rede tal qual a de peixes lanccedilo-lhe ao redor rica veste maligna Firo-o duas vezes e com dois gemidos afrouxou os membros ali mesmo e prostado dou-lhe o terceiro golpe oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos Assim caiacutedo expele o seu espiacuterito e ao jorrar agudo jacto de sangue οὗτός ἐστιν Ἀγαμέμνων ἐμὸςπόσις νεκρὸς δὲ τῆσδε δεξιᾶς χερόςἔργον δικαίας τέκτονος (Ag v1404-1406)

eis aiacute Agamecircmnon meu esposo e morto faccedilanha desta matildeo destra justo artiacutefice

A morte de Agamecircmnon na peccedila de Eacutesquilo tem um uacutenico assassino a sua esposa

Clitemnestra como se verifica nos versos acima isso tambeacutem acontece na Piacutetica XI de Piacutendaro na

qual Clitemnestra aleacutem de ser apontada como assassina do marido e de Cassandra tambeacutem aparece

demonstrando os seus questionamentos sobre o assassiacutenio Nesse poema Clitemnestra e os seus

questionamentos tomam a maioria dos versos destinados ao mito do Atrida e a respeito disso afirma

Fialho (2012 p 49) ldquoO fulcro do crime eacute Clitemnestra jaacute longe da tradiccedilatildeo do ciclo eacutepico troiano

e nem sequer a rainha eacute posta a par de Egisto no seu gesto mortiacuteferordquo A forccedila da Clitemnestra

traacutegica a torna capaz de matar sozinha o marido e a coloca no foco do assassiacutenio assim como

ocorre na Clitemnestra de Piacutendaro Aliaacutes a rainha aparece como protagonista da morte do rei a partir

da poesia liacuterica pois nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos do ciclo troiano ela compartilha

essa culpa com o amante Egisto como assim propotildee Serrano (2003 p106)

61

A partir de la eacutepica se comienza a producir una paulatina inversioacuten de la responsabilidad criminal Estesiacutecoro presenta una heroiacutena maacutes decidida hasta que finalmente en Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra cobra un gran protagonismo se convierte en la ejecutora del crimen (17-22) frente a Egisto que comienza a perder su papel principal en la historia97

Na Odisseia o rei aparece como assassinado pela esposa e pelo amante dela Egisto como

jaacute foi mostrado nas palavras de Atena no canto III (v234-235) e nas palavras do espectro de

Agamecircmnon nos cantos XI (v408-412) e XXIV (v96-97) E no poema Retornos os dois tambeacutem

aparecem como executores dos crimes nos versos jaacute mencionados acima Com isso pode se

deduzir que Eacutesquilo ao escolher o assassino de Agamecircmnon foi influenciado pelo poema liacuterico de

Piacutendaro ao inveacutes dos poemas eacutepicos

Mas mesmo que os assassinos na trageacutedia e no poema eacutepico natildeo sejam os mesmos o autor

do plano de morte do rei foi Egisto e nisso os dois poemas concordam Na trageacutedia assim fala

Egisto

καὶ τοῦδε τἀνδρὸς ἡψάμην θυραῖος ὤνπᾶσαν ξυνάψας μηχανὴν δυσβουλίας (Ag v1608-1609)

e estando fora pus a matildeo neste homemao tramar todo o ardil do conluio

Na Odisseia a descriccedilatildeo do plano de Egisto eacute mais detalhada do que na trageacutedia como se

observa na fala de Menelau mostrando que o poema eacutepico concede um maior destaque ao plano de

vinganccedila e seus executores do que ao rei Agamecircmnon e agrave sua morte pois esse teve uma morte sem

gloacuteria

χύντο χαμαὶ χολάδες τὸν δὲ σκότος ὄσσε κάλυψεΤὸν δὲ Θόας Αἰτωλὸς ἀπεσσύμενον βάλε δουρὶστέρνον ὑπὲρ μαζοῖο πάγη δ ἐν πνεύμονι χαλκόςἀγχίμολον δέ οἱ ἦλθε Θόας ἐκ δ ὄβριμον ἔγχοςἐσπάσατο στέρνοιο ἐρύσσατο δὲ ξίφος ὀξύτῷ ὅ γε γαστέρα τύψε μέσην ἐκ δ αἴνυτο θυμόντεύχεα δ οὐκ ἀπέδυσε περίστησαν γὰρ ἑταῖροιΘρήϊκες ἀκρόκομοι δολίχ ἔγχεα χερσὶν ἔχοντεςοἵ ἑ μέγαν περ ἐόντα καὶ ἴφθιμον καὶ ἀγαυὸνὦσαν ἀπὸ σφείων ὃ δὲ χασσάμενος πελεμίχθη (Hom Od IV v526-535)

De guarda o ano todo ficara

97 A partir da eacutepica se comeccedila a produzir uma paulatina inversatildeo da responsabilidade criminal Estesiacutecoro apresenta uma heroiacutena mais decidida ateacute que finalmente em Piacutendaro (Piacutetica XI) Clitemnestra desempenha um grande protagonismo torna-se a executora do crime (17-22) frente a Egisto que comeccedila a perder o seu papel principal na histoacuteria

62

natildeo lhe escapasse a chegada lembrando da forccedila ineptuosa Ei-lo que o vai revelar no palaacutecio ao pastor de guerreiros Quando isso soube forjou logo Egisto maleacutevolo plano vinte indiviacuteduos escolhe no povo dos mais audaciosos e os deixa ocultos mandando aprontar noutra parte um banquete Por sua vez com cavalos e carros maldosos projetos a ruminar convidou Agameacutemnone rei poderoso que sem saber do fim proacuteximo leva e trucida tal como na manjedoura uma recircs eacute abatida durante um banquete

Por outro lado essa descriccedilatildeo presente na Odisseia em alguns aspectos se difere da

descriccedilatildeo feita por Clitemnestra em Eacutesquilo como menciona Serrano (2003 p 53)

Ofrece Homero en este pasaje la segunda versioacuten de la muerte del Atrida distinta de la que recogeraacute Esquilo en la Orestiacutea Invitaacutendolo a un banquete Egisto mata a Agamenoacuten y a sus hombres cayendo tambieacuten en la lucha los hombres de Egisto no se nombra a Clitemnestra en niguacuten momento98

As partes referentes ao banquete preparado a Agamecircmnon por Egisto e a morte dos

guerreiros do rei juntamente com ele natildeo aparecem na trageacutedia esquiliana Aleacutem da ausecircncia de

Clitemnestra tatildeo presente na peccedila

Tambeacutem atraveacutes desses versos homeacutericos pode-se perceber que aleacutem de preparar o plano

de vinganccedila Egisto eacute a personagem mais ativa na execuccedilatildeo da morte do rei como afirma Serrano

(2003 p105-106)

En la eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de una importante responsabilidad como artiacutefice del crimen de Agamenoacuten y Clitemnestra aparece en un segundo plano desde el principio habiendo sido seducida y engantildeada por el hijo de Tiestes99

E outro toacutepico relevante eacute a comparaccedilatildeo da morte do rei a um sacrifiacutecio de animais como

foi mencionado nos versos homeacutericos acima que tambeacutem estaacute presente na trageacutedia de Eacutesquilo nas

palavras de Clitemnestra

τοῦ κατὰ χθονόςἍιδου νεκρῶν σωτῆρος εὐκταίαν χάριν (Es Ag v1386-1387)

oferenda votiva a Zeus subterracircneo salvador dos mortos

98 Nesta passagem Homero oferece uma segunda versatildeo da morte do Atrida distinta da que fora retirada da Oresteia de Eacutesquilo Convidando-o para um banquete Egisto mata Agamecircmnon e seus homens caindo tambeacutem na luta os homens de Egisto natildeo se nomeia Clitemnestra em nenhum momento

99 Na eacutepica homeacuterica Egisto estaacute dotado de uma grande responsabilidade como artiacutefice do crime de Agamecircmnon e Clitemnestra aparece em segundo plano desde o iniacutecio tendo sido seduzida e enganada pelo filho de Tiestes

63

Jaacute com relaccedilatildeo agrave morte vergonhosa mencionada na Odisseia ateacute pelo espectro de

Agamecircmnon ela eacute julgada diferentemente pela Clitemnestra de Eacutesquilo

[οὔτ ἀνελεύθερον οἶμαι θάνατοντῷδε γενέσθαι] (Es Ag v1521)

Natildeo creio que teve indigna mortenatildeo eacute injusto ter dolorosa morte

Clitemnestra justifica que a morte de Agamecircmnon natildeo eacute indigna porque ele estaacute pagando

pelos males que fez e assim o considera digno do Hades pois o rei cometeu muitos erros no

passado e por isso deve morrer Somente a Clitemnestra traacutegica julga que a morte do rei eacute digna

dele Na Odisseia natildeo soacute nas palavras do espectro de Agamecircmnon mas tambeacutem na fala das outras

personagens que mencionam a morte do rei encontra-se referecircncia agrave morte vergonhosa de

Agamecircmnon como quando no canto XXIV no Hades Agamecircmnon conversa com Aquiles e esse

lembra os feitos do rei em Troia mas lamenta a morte sem gloacuteria

νῦν δ ἄρα σ οἰκτίστῳ θανάτῳ εἵμαρτο ἁλῶναι (Hom Od XXIV v34)

Mas o destino te havia guardado a mais triste das Mortes

E a mesma ideia de morte vergonhosa tambeacutem estaacute presente nas Coeacuteforas e nas Eumecircnides

de Eacutesquilo Na primeira trageacutedia Orestes em diaacutelogo com Electra e o Coro lamenta por seu pai

natildeo ter morrido na guerra de Troia e por natildeo ter deixado uma gloacuteria para os filhos

εἰ γὰρ ὑπ Ἰλίῳ                 πρός τινος Λυκίων πάτερδορίτμητος κατηναρίσθηςλιπὼν ἂν εὔκλειαν ἐν δόμοισιντέκνων τ ἐν κελεύθοιςἐπιστρεπτὸν αἰῶκτίσσας πολύχωστον ἂν εἶχεςτάφον διαποντίου γᾶςδώμασιν εὐφόρητον (Es Coe v345-353)

Ah se no sopeacute de Iacuteliongolpeado por lanccedila de um liacutecio tivesses perecido oacute paiLegada bela gloacuteria no palaacutecio e nos caminhos dos filhos criadavida a que se voltam os olharesterias tuacutemulo magniacuteficoem terra ultramarinasuportaacutevel ao palaacutecio

64

Na segunda peccedila Orestes tambeacutem afirma que o pai teve uma morte indigna como jaacute foi

citado anteriormente (Es Eu v 448-449) Assim a morte de Agamecircmnon eacute tida como desonrosa

na Odisseia e nas duas trageacutedias apresentadas acima mostrando que Eacutesquilo embora em

Agamecircmnon tenha atraveacutes de Clitemnestra julgado a morte do rei como digna compartilhou da

imagem negativa da morte do rei ao qualificaacute-la como indigna nas outras duas trageacutedias da Oresteia

e em ambas por meio da fala de Orestes

Embora muitas partes referentes agrave morte do Agamecircmnon de Eacutesquilo sejam parecidas com as

partes presentes na Odisseia de Homero a abordagem sobre a morte eacute diferente Na Odisseia morre

o rei de Argos e chefe vitorioso da guerra de Troia a morte do rei eacute indigna ingloriosa e

vergonhosa pois para um heroi guerreiro eacute preferiacutevel morrer na guerra e ter uma gloacuteria eterna do

que morrer velho ou pelas matildeos de uma mulher como acontece em Eacutesquilo Pode-se observar essa

morte gloriosa quando no canto XXIV o espectro de Agamecircmnon ao conversar com o espectro de

Aquiles no Hades conta para o uacuteltimo como foram as suas honras fuacutenebres e lembra a fama de

Aquiles por ter morrido em combate

ὣς σὺ μὲν οὐδὲ θανὼν ὄνομ ὤλεσας ἀλλά τοι αἰεὶπάντας ἐπ ἀνθρώπους κλέος ἔσσεται ἐσθλόν Ἀχιλλεῦ (Hom Od XXIV v93-94)

Natildeo se apagou com tua Morte o teu nome poreacutem para sempreentre os mortais haacutes de fruir grande Aquiles renome glorioso

Jaacute na trageacutedia Agamecircmnon quem morre eacute o marido de Clitemnestra e o pai de Ifigecircnia Os

laccedilos de sangue causam a morte do rei que eacute provocada pelo retorno dele ao lar Assim o rei

glorioso vencedor de Troia perde a sua honra ao morrer sendo viacutetima de um crime familiar

produto de uma maldiccedilatildeo Essa maldiccedilatildeo natildeo eacute mencionada nos poemas homeacutericos Nesse

momento observa-se o caraacuteter particular da trageacutedia pois Agamecircmnon eacute assassinado por causa da

vinganccedila de sua esposa um motivo particular contrapondo-se ao caraacuteter coletivo da poesia eacutepica

por isso em Homero a morte de Agamecircmnon eacute vergonhosa e sem gloacuteria pois eacute produto de uma

causa particular

As justificativas do assassiacutenio de Agamecircmnon feitas por Clitemnestra ndash sacriacuteficio de

Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas (Criseida) e levar uma amante ateacute o palaacutecio (Cassandra) ndash na

trageacutedia Agamecircmnon satildeo apresentadas pela esposa apoacutes a execuccedilatildeo do marido

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ

65

[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόπος καὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e v 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulherquem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa

Esses argumentos demonstram uma aproximaccedilatildeo entre a trageacutedia e o poema de Piacutendaro pois

quando Clitemnestra se questiona a respeito da execuccedilatildeo do crime ela suscita as justificativas da

personagem traacutegica (Pin Pit XI v22-27) A rainha liacuterica lembra do sacrifiacutecio de Ifigecircnia e das

amantes de Agamecircmnon (Criseida e Cassandra) Como nos poemas homeacutericos e nos poemas eacutepicos

do ciclo troiano natildeo se encontra menccedilatildeo a respeito das justificativas apresentadas por Clitemnestra

para cometer o assassiacutenio pode-se concluir que dentre as obras que sobreviveram a Piacutetica XI de

Piacutendaro influenciou Eacutesquilo na criaccedilatildeo desses argumentos da rainha

Aleacutem disso nos versos citados acima observa-se que em Agamecircmnon Clitemnestra mata o

marido e tambeacutem mata Cassandra consumando a profecia Esse momento do mito estaacute presente na

Odisseia de Homero quando Agamecircmnon ao encontrar Odisseu no Hades diz-lhe que Clitemnestra

matou a consorte perto de seu corpo (XI v422-423) Na Piacutetica XI (v30-31) Cassandra eacute enviada

com Agamecircmnon para o reino dos mortos E na trageacutedia de Eacutesquilo Clitemnestra afirma que a

adivinha jaz do mesmo modo que o rei

No entanto pode-se dizer que Eacutesquilo natildeo soacute usou os poemas homeacutericos para construir a sua

trageacutedia Agamecircmnon mas tambeacutem sofreu influecircncias dos poemas liacutericos de Estesiacutecoro e Piacutendaro

conforme foi apresentado anteriormente Mas num primeiro momento percebe-se mais claramente

a presenccedila da Iliacuteada na peccedila atraveacutes do caraacuteter guerreiro e real de Agamecircmnon E num segundo

momento aparece a Odisseia ao tratar da morte do rei Os dois poemas liacutericos mudam o foco do

assassinato do rei para Clitemnestra E assim imerso em todas essas influecircncias poeacuteticas pode-se

dizer que Eacutesquilo construiu o seu Agamecircmnon Contudo a trageacutedia esquiliana tambeacutem se

contaminou dos aspectos sociais da sua eacutepoca poreacutem esse assunto natildeo se pretende abordar nesta

pesquisa

66

4 CAPIacuteTULO 3 Agamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e recepccedilatildeo

O presente capiacutetulo pretende apresentar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega apoacutes a Oresteia de

Eacutesquilo e a romana recontam o mito de Agamecircmnon o chefe dos gregos na guerra de Troia Seratildeo

discutidas as seguintes obras na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Aacutejax e Electra de Soacutefocles Androcircmaca

Heacutecuba Troianas Electra Ifigecircnia em Taacuteuris Orestes e Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Biblioteca

Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana

Egisto de Liacutevio Andronico Clitemnestra de Aacutecio Eneida de Virgiacutelio A arte de amar e

Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e nas trageacutedias Agamecircmnon Troianas e Tiestes de

Secircneca E atraveacutes das obras apresentadas tentar-se-aacute mostrar como Secircneca recepcionou essa

tradiccedilatildeo em sua trageacutedia Agamecircmnon

41 A tradiccedilatildeo miacutetica grega

A trageacutedia Aacutejax de Soacutefocles datada de 450 aC apresenta a morte do guerreiro Aacutejax Nessa

trageacutedia Agamecircmnon surge depois da morte do protagonista para impedir que seja concedida a

honra fuacutenebre ao morto (Sof Aj v1226-1263) Mas depois o rei eacute convencido por Odisseu a

autorizar o enterro de Aacutejax (Sof Aj v1318-1373) Nesses versos Agamecircmnon aparece como o

chefe das tropas gregas a autoridade maacutexima que soacute cede ao enterro quando Odisseu lembra que o

ato de negar honras fuacutenebres eacute um ato impiedoso

Jaacute na Electra de Soacutefocles peccedila de data incerta de entre 420-410 aC Agamecircmnon jaacute estaacute

morto e Electra sua filha espera a chegada do irmatildeo Orestes para vingar o assassiacutenio do pai No

primeiro episoacutedio em diaacutelogo com o Coro ela lembra o assassinato do pai

ὅσα τὸν δύστηνον ἐμὸν θρηνῶπατέρ ὃν κατὰ μὲν βάρβαρον αἶανφοίνιος Ἄρης οὐκ ἐξένισενμήτηρ δ ἡμὴ χὠ κοινολεχὴςΑἴγισθος ὅπως δρῦν ὑλοτόμοισχίζουσι κάρα φονίῳ πελέκεικοὐδεὶς τούτων οἶκτος ἀπ ἄλληςἢ μοῦ φέρεται σοῦ πάτερ οὕτωςἀδίκως οἰκτρῶς τε θανόντος (Sof El v94-102)

Ela (Clitemnestra) sabe as laacutegrimas que chorei pelo meu desditoso pai que em terras baacuterbaras o sanguinolento Ares natildeo colheu e a quem a matildee e o amante Egisto fenderam a cabeccedila com homicida acha como os lenhadores fendem um carvalho100

100 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Soacutefocles satildeo do Pe E Dias Palmeira conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SOacuteFOCLES Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os Rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

67

Mais adiante Electra lamentando a sua vida por ser prisioneira na proacutepria casa continua

Ὦ πασᾶν κείνα πλέον ἁμέραἐλθοῦσ ἐχθίστα δή μοιὦ νύξ ὦ δείπνων ἀρρήτωνἔκπαγλ ἄχθητοὺς ἐμὸς ἴδε πατὴρθανάτους αἰκεῖς διδύμαιν χειροῖν (Sof El v201-206)

Oacute dia mais execraacutevel de quantos vivi Oacute noite oacute dor horriacutevel daquele banquete nefando em que meu pai recebeu uma morte infame de um duplo braccedilo

Apreensiva com a vida reclusa no palaacutecio dos Atridas e insatisfeita com a indiferenccedila da

irmatilde Crisoacutetemis em relaccedilatildeo a morte do pai Electra enfrenta a matildee Clitemnestra e esta afirma

Πατὴρ γάρ οὐδὲν ἄλλο σοὶ πρόσχημ ἀεὶὡς ἐξ ἐμοῦ τέθνηκεν ἐξ ἐμοῦ καλῶςἔξοιδα τῶνδ ἄρνησις οὐκ ἔνεστί μοι (Sof El v525-527)

O teu pai ndash e nenhuma outra coisa te serve de pretexto ndash afirmas que morreu agraves minhas matildeos Sim agraves minhas matildeos bem sei nem me eacute possiacutevel negaacute-lo

Clitemnestra justifica o assassiacutenio com o crime cometido por Agamecircmnon pois ele

sacrificou a proacutepria filha Ifigecircnia em honra da deusa Aacutertemis para que os ventos fossem

favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo agrave Troia Nessa trageacutedia Soacutefocles deteacutem-se na morte de Agamecircmnon

motivo pelo qual a sua filha Electra acompanhada de Orestes deseja matar a proacutepria matildee para

vingar o assassiacutenio do pai E Agamecircmnon natildeo aparece como personagem nessa peccedila somente haacute

menccedilatildeo agrave morte dele

Do mesmo modo a Electra de Euriacutepides datada de 413 aC101 apresenta poucas referecircncias

agrave morte do rei No proacutelogo em que haacute um diaacutelogo entre Electra e seu marido ele menciona a morte

do chefe dos gregos

ἐν δὲ δώμασινθνήισκει γυναικὸς πρὸς Κλυταιμήστρας δόλωικαὶ τοῦ Θυέστου παιδὸς Αἰγίσθου χερί (Eu El v8-10)

Em casa poreacutem eacute morto por ardil da mulher Clitemnestra e pelas matildeos do filho de Tiestes Egisto102

101 Dataccedilatildeo mais consensual entre os pesquisadores pois haacute muita polecircmica acerca desse assunto Para mais informaccedilotildees SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado p 18-19

102 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Electra de Euriacutepides satildeo de Karen Amaral Sacconi conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo

68

A morte de Agamecircmnon tambeacutem eacute mencionada nessa peccedila por Orestes (Eu El v 85-86)

Electra mais uma vez lamenta o assassinato do pai (Eu El v 122-124 e v163-166) E por fim

antes do relato da morte de Clitemnestra o Coro lembra a morte do rei

παλίρρους δὲ τάνδ ὑπάγεται δίκαδιαδρόμου λέχους μέλεον ἃ πόσινχρόνιον ἱκόμενον εἰς οἴκουςΚυκλώπειά τ οὐράνια τείχε ὀ-ξυθήκτωι βέλους ἔκανενdaggerαὐτόχειρπέλεκυν ἐν χεροῖν λαβοῦσ (Eu El v 1155-1160)

A justiccedila reflui e acusa esta mulherpor seu leito errante Pois ela quando o esposo desventuradovoltou depois de muito para casa para as muralhas cicloacutepicas e celestesela matou com o gume afiado da espada na proacutepria matildeona matildeo tinha um machado

Assim como a Electra de Soacutefocles a peccedila homocircnima de Euriacutepides lembra apenas a morte de

Agamecircmnon atraveacutes das falas das personagens A morte do rei eacute o principal argumento para que

Electra e Orestes matem a proacutepria matildee e Egisto

E anteriormente agrave Electra de Euriacutepides foram encenadas trecircs trageacutedias do mesmo

tragedioacutegrafo que trazem o mito de Agamecircmnon Androcircmaca Heacutecuba e Troianas Na Androcircmaca

datada de 429-425 aC Androcircmaca eacute ameaccedilada de morte por Hermiacuteone mas com a ajuda de Peleu

ela consegue escapar Como a trageacutedia pertence ao ciclo troiano haacute menccedilatildeo agrave morte do chefe dos

gregos como se observa no quarto estaacutesimo

βέβακε δ Ἀτρείδας ἀλόχου παλάμαιςαὐτά τ ἐναλλάξασα φόνον θανάτουπρὸς τέκνων ἐπηῦρεν (Eu And v 1028-1030)

Haacute perecido o Atrida agraves matildeos da esposae ela pagou o crime com a morterecebeu de seus filhos o castigo do deus103

As outras referecircncias a Agamecircmnon presentes nessa peccedila estatildeo ligadas agrave paternidade de

Orestes que aparece na peccedila para ajudar Hermiacuteone a fugir da puniccedilatildeo de tentar matar Androcircmaca

Na Heacutecuba datada de 425-424 aC Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila

Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado 103 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Androcircmaca de Euriacutepides satildeo de Joseacute Ribeiro Ferreira

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

69

quando apoacutes o sacrifiacutecio de Poliacutexena ele encontra Heacutecuba junto a um cadaacutever o do seu filho

Polidoro Heacutecuba pede ao rei que a ajude a vingar a morte de seu filho Logo Agamecircmnon encontra

Polimestor o assassino de Polidoro com os olhos feridos pelas matildeos das mulheres troianas

chefiadas por Heacutecuba mas o rei argivo nega hospitalidade ao assassino e este antes de ir embora

amaldiccediloa o chefe grego como se vecirc no diaacutelogo com Heacutecuba

Πο καὶ σήν γ ἀνάγκη παῖδα Κασσάνδραν θανεῖνΕκ ἀπέπτυσ αὐτῶι ταῦτα σοὶ δίδωμ ἔχεινΠο κτενεῖ νιν ἡ τοῦδ ἄλοχος οἰκουρὸς πικράΕκ μήπω μανείη Τυνδαρὶς τοσόνδε παῖςΠο καὐτόν γε τοῦτον πέλεκυν ἐξάρασ ἄνω (Eu Hec v1275-1279)

Pol E eacute necessaacuterio que morra tua filha CassandraHeacutec Cuspo fora que o mesmo valha para tiPol A esposa desse aiacute acre guardiatilde da casa mataacute-la-aacuteHec Que a Tindarida nunca enlouqueccedila desse modoPol E tambeacutem mataraacute esse aiacute erguendo uma machada104

Nos versos acima pode-se observar que haacute uma referecircncia agrave morte de Agamecircmnon na peccedila

Apesar das palavras maleacuteficas de Polimestor Agamecircmnon aparece como um homem virtuoso ao

negar ajuda a Polimestor que matou Polidoro o seu hoacutespede

Nas Troianas datada de 415 aC Heacutecuba preocupa-se com o destino de sua prole apoacutes a

queda de Troia Em conversa com a sua filha Cassandra a jovem revela agrave matildee uma profecia de

Apolo

εἰ γὰρ ἔστι ΛοξίαςἙλένης γαμεῖ με δυσχερέστερον γάμονὁ τῶν Ἀχαιῶν κλεινὸς Ἀγαμέμνων ἄναξκτενῶ γὰρ αὐτὸν κἀντιπορθήσω δόμουςποινὰς ἀδελφῶν καὶ πατρὸς λαβοῦσ ἐμοῦἀλλ αὔτ ἐάσω πέλεκυν οὐχ ὑμνήσομενὃς ἐς τράχηλον τὸν ἐμὸν εἶσι χἀτέρωνμητροκτόνους τ ἀγῶνας οὓς οὑμοὶ γάμοιθήσουσιν οἴκων τ Ἀτρέως ἀνάστασιν (Eu Tr v356-364)

se Loacutexias existedesposar-me-aacute em bodas mais difiacuteceis que as de Helenao senhor do aqueus o glorioso AgamecircmnonMataacute-lo-ei e agora eu saquearei casas buscando vingar meus irmatildeos e meu paiMas deixa estar natildeo cantaremos a machadaque na nuca minha e de outros penetraraacuteas lutas matricidas que minhas bodas

104 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Heacutecuba de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

70

causaratildeo e a derrocada da casa de Atreu105

O trecho acima mostra a uniatildeo de Cassandra com Agamecircmnon e as consequecircncias dessas

nuacutepcias a morte dos dois Nessa peccedila Agamecircmnon tem a sua imagem vinculada agrave de Cassandra

portanto mostra-se como aquele que escolheu a mecircnade como presa de guerra mas tambeacutem eacute

lembrado como o chefe dos gregos por Taltiacutebio (v413-414)

Na Ifigecircnia em Taacuteuris datada de 414-411 aC Ifigecircnia estaacute em Taacuteuris e natildeo foi sacrificada

em Aacuteulis pelo proacuteprio pai Orestes aparece nessa cidade e os irmatildeos se encontram A jovem

pergunta ao estrangeiro ao saber que era grego notiacutecias sobre o final da guerra de Troia e questiona

Orestes sobre o destino de Agamecircmnon

Ιφ Ἀτρέως ἐλέγετο δή τις Ἀγαμέμνων ἄναξΟρ οὐκ οἶδ ἄπελθε τοῦ λόγου τούτου γύναιΙφ μὴ πρὸς θεῶν ἀλλ εἴφ ἵν εὐφρανθῶ μένεΟρ τέθνηχ ὁ τλήμων πρὸς δ ἀπώλεσέν τιναΙφ τέθνηκε ποίαι συμφορᾶι τάλαιν ἐγώΟρ τί δ ἐστέναξας τοῦτο μῶν προσῆκέ σοιΙφ τὸν ὄλβον αὐτοῦ τὸν πάροιθ ἀναστένωΟρ δεινῶς γὰρ ἐκ γυναικὸς οἴχεται σφαγείς (Eu If Tau v545-552)

If Eacute chamado de Agamecircmnon o soberano filho de AtreuOr Natildeo sei Deixe desse falatoacuterio mulherIf Natildeo pelos deuses Diga-me oacute estrangeiro para que eu me consoleOr Estaacute morto o infeliz e com ele pereceu algueacutem If Morto De que forma Ah como sou infelizOr Por que este lamento Acaso isso lhe interessaIf Lamento pela riqueza de outroraOr Pereceu de forma terriacutevel assassinado por mulher106

Como se pode observar a morte de Agamecircmnon eacute lembrada nessa peccedila quando Ifigecircnia

questiona o estrangeiro sobre os seus familiares Tambeacutem nessa trageacutedia Agamecircmnon aparece

como o pai de Orestes e de Ifigecircnia

No Orestes datado de 408 aC apoacutes o assassiacutenio de Clitemnestra e Egisto Orestes adoece e

eacute condenado agrave morte pelos argivos incitados por Tiacutendaro Mas perturbado pelo perigo iminente

Orestes com ajuda de Electra e Piacutelades parece matar Helena e tambeacutem ameaccedila a vida de

Hermiacuteone No uacuteltimo episoacutedio o deus Apolo surge e apazigua o conflito Nessa peccedila a morte de

Agamecircmnon eacute lembrada em alguns momentos jaacute no proacutelogo Electra menciona a sua origem e a

105 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Euriacutepides satildeo de Christian Werner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

106 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Taacuteuris de Euriacutepides satildeo de Marcelo Bourschied conforme consta na referecircncia bibliograacutefica BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

71

morte do pai

ὁ δὲ Κλυταιμήστρας λέχοςἐπίσημον εἰς Ἕλληνας Ἀγαμέμνων ἄναξὧι παρθένοι μὲν τρεῖς ἔφυμεν ἐκ μιᾶςΧρυσόθεμις Ἰφιγένειά τ Ἠλέκτρα τ ἐγώἄρσην δ Ὀρέστης μητρὸς ἀνοσιωτάτηςἣ πόσιν ἀπείρωι περιβαλοῦσ ὑφάσματιἔκτεινεν ὧν δ ἕκατι παρθένωι λέγεινοὐ καλόν (Eu Or v 20-27)

E o outro o priacutencipe Agamecircmnon ficou com o leito de Clitemnestra famigerada entre os gregos Trecircs donzelas nasceram a este de uma soacute mulher ndash Crisoacutetemis Ifigecircnia e eu Eletra bem como o varatildeo Orestes ndash nascidas da matildee iacutempia da que matou o marido depois de o lanccedilar numa teia inextrincaacutevel107

No segundo episoacutedio Menelau chega ao palaacutecio dos Atridas e conta como soube da morte

de seu irmatildeo

Ἀγαμέμνονος μὲν γὰρ τύχας ἠπιστάμην[καὶ θάνατον οἵωι πρὸς δάμαρτος ὤλετο]Μαλέαι προσίσχων πρῶιραν ἐκ δὲ κυμάτωνὁ ναυτίλοισι μάντις ἐξήγγειλέ μοιΝηρέως προφήτης Γλαῦκος ἀψευδὴς θεόςὅς μοι τόδ εἶπεν ἐμφανῶς κατασταθείςΜενέλαε κεῖται σὸς κασίγνητος θανώνλουτροῖσιν ἀλόχου περιπεσὼν πανυστάτοις (Eu Or v360-367)

Sim de Agamecircmnon conheci o destino e a morte que o vitimou agraves matildeos da esposa quando em Maacutelea acostou o meu navio pois anunciou-me de entre as ondas o adivinho dos homens do mar o inteacuterprete de Nereu Glauco deus que natildeo enganam Tornando-se visiacutevel eis o que ele me disse ldquoMenelau teu irmatildeo jaz morto abatido agraves matildeos da esposa no banho derradeirordquo

E ainda nesse episoacutedio Tiacutendaro lembra a faccedilanha da filha Clitemnestra embora natildeo aprove

a sua atitude

ἐπεὶ γὰρ ἐξέπνευσεν Ἀγαμέμνων βίονκάρα θυγατρὸς τῆς ἐμῆς πληγεὶς ὕποαἴσχιστον ἔργον (οὐ γὰρ αἰνέσω ποτέ) (Eu Or v496-498)

Pois quando Agamecircmnon expirou ferido pela minha filha na cabeccedila a mais vergonhosa das accedilotildees ndash pois jamais a aprovarei

Desse modo por meio da morte do rei eacute apresentado o mito de Agamecircmnon na trageacutedia

107 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Orestes de Euriacutepides satildeo de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

72

Orestes de Euriacutepides Nas citaccedilotildees mostradas verifica-se a visatildeo de trecircs personagens ndash Electra

Menelau e Tiacutendaro ndash acerca da morte do rei e se encontra uma unidade nas falas ao atribuiacuterem a

Clitemnestra o assassiacutenio do chefe dos gregos

Na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides peccedila datada de 405 aC Agamecircmnon participa como

personagem do iniacutecio ao fim da trageacutedia Ele inicia a trageacutedia arrependido por ter mandado Odisseu

ir buscar Ifigecircnia em Argos para que a jovem fosse sacrificada em honra agrave deusa Aacutertemis

Κάλχας δ ὁ μάντις ἀπορίαι κεχρημένοιςἀνεῖλεν Ἰφιγένειαν ἣν ἔσπειρ ἐγὼἈρτέμιδι θῦσαι τῆι τόδ οἰκούσηι πέδονκαὶ πλοῦν τ ἔσεσθαι καὶ κατασκαφὰς Φρυγῶνθύσασι μὴ θύσασι δ οὐκ εἶναι τάδεκλυὼν δ ἐγὼ ταῦτ ὀρθίωι κηρύγματιΤαλθύβιον εἶπον πάντ ἀφιέναι στρατόνὡς οὔποτ ἂν τλὰς θυγατέρα κτανεῖν ἐμήν (Eu If Aul v 89-96)

Entatildeo Calcas o adivinho vendo o nosso embaraccedilo pronunciou um oraacuteculo Ifigecircnia que eu gerei devia ser imolada a Aacutertemis que esta regiatildeo habita a expediccedilatildeo e a ruiacutena dos Friacutegios soacute com o sacrifiacutecio sem o sacrifiacutecio nada disto seria possiacutevel Ouvindo eu estas coisas mandei Taltiacutebio em clara proclamaccedilatildeo desmobilizar todo o exeacutercito pois jamais ousaria matar a minha filha108

Menelau por causa disso discute com o irmatildeo e por fim encoraja-o a imolar a proacutepria

filha Nesse contexto temos um duelo entre o dever do chefe das tropas gregas que deve sacrificar

Ifigecircnia para que os ventos sejam favoraacuteveis agrave navegaccedilatildeo rumo a Troia e o dever de pai que natildeo

deve matar a filha O rei por toda a trageacutedia titubeia na sua decisatildeo mas pressionado pelos gregos

acaba decidindo por imolar Ifigecircnia Nas palavras do guerreiro observamos o seu sentimento

paternal e por vezes ainda chora por ter que sacrificar a sua filha

A Biblioteca Mitoloacutegica texto de dataccedilatildeo incerta eacute uma coletacircnea de mitologia grega e

embora incompleta estaacute dividida em trecircs livros e um Epiacutetome nesta uacuteltima parte encontramos

trechos sobre o mito de Agamecircmnon Apolodoro narra o mito do rei de Argos a partir de seu

casamento com Clitemnestra e dessa uniatildeo nasceram Orestes Crisoacutetemis Electra e Ifigecircnia (Ap

Bibl Mit Ep 2 16) Em seguida tem-se Agamecircmnon como chefe dos gregos que para continuar

a viagem para Troia deve sacrificar a filha Ifigecircnia

Κάλχας δὲ ἔφη οὐκ ἄλλως δύνασθαι πλεῖν αὐτούς εἰ μὴ τῶν Ἀγαμέμνονος

108 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides satildeo de Carlos Alberto Pais de Almeida conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EURIacutePIDES Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

73

θυγατέρων ἡ κρατιστεύουσα κάλλει σφάγιον Ἀρτέμιδι παραστῇ διὰ τὸ μηνίειν τὴν θεὸν τῷ Ἀγαμέμνονι (Ap Bibl Mit Ep 3 21)

Calcante aseguroacute que no podriacutean navegar a non ser que de las hijas de Agamenoacuten se presentase la maacutes pujante en belleza como ofrenda agrave Aacutertemis pues la diosa se habiacutea irritado contra Agamenoacuten debido a que una vez que alanceoacute a un ciervo109

Depois o rei soacute aparece no final da guerra de Troia Agamecircmnon recebe Cassandra como

espoacutelio de guerra (Ap Bibl Mit Ep 5 23) e antes de iniciar a viagem de volta para casa faz

oferendas agrave deusa Atena Finalmente ao chegar a sua paacutetria eacute assassinado por Clitemnestra e

Egisto

Ἀγαμέμνων δὲ καταντήσας εἰς Μυκήνας μετὰ Κασάνδρας ἀναιρεῖται ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυταιμνήστραςmiddot δίδωσι γὰρ αὐτῷ χιτῶνα ἄχειρα καὶ ἀτράχηλον καὶ τοῦτον ἐνδυόμενος φονεύεται καὶ βασιλεύει Μυκηνῶν Αἴγισθοςmiddot κτείνουσι δὲ καὶ Κασάνδραν (Ap Bibl Mit Ep 6 23)

Agamenoacuten a su vuelta a Micenas acompantildeado de Cassandra es asesinado por Egisto y Clitemnestra eacutesta le da una tuacutenica sin orificio ni para los brazos ni para la cabeza y mientras se la pone es sacrificado Egisto se proclama rey de Micenas tambieacuten dan muerte a Cassandra

Na Biblioteca Mitoloacutegica por ser um compecircndio de mitologia grega a vida de Agamecircmnon

o chefe dos gregos encontra-se com mais informaccedilotildees do que em outras narrativas Ainda que

Apolodoro as reconte de modo mais resumido o autor nos daacute um panorama dos mitos gregos jaacute

conhecidos pela tradiccedilatildeo dentre eles o de Agamecircmnon

Na Descriccedilatildeo da Greacutecia datada da segunda metade do seacutec II dC Pausacircnias nos apresenta

uma espeacutecie de guia turiacutestico da Greacutecia no qual nos mostra monumentos e cidades importantes

essa obra estaacute dividida em dez livros de acordo com a localidade a ser descrita O autor natildeo soacute

descreve o que vecirc como tambeacutem relata a histoacuteria do monumento ou do lugar visitado Seraacute

estudado o livro II intitulado Corinto e Argoacutelidas Nesse livro Pausacircnias visita o tuacutemulo de

Agamecircmnon como assim narra

τάφος δὲ ἔστι μὲν Ἀτρέως εἰσὶ δὲ καὶ ὅσους σὺν Ἀγαμέμνονι ἐπανήκοντας ἐξ Ἰλίου δειπνίσας κατεφόνευσεν Αἴγισθος τοῦ μὲν δὴ Κασσάνδρας μνήματος ἀμφισβητοῦσι Λακεδαιμονίων οἱ περὶ Ἀμύκλας οἰκοῦντεςmiddot ἕτερον δέ ἐστιν Ἀγαμέμνονος τὸ δὲ Εὐρυμέδοντος τοῦ ἡνιόχου καὶ Τελεδάμου τὸ αὐτὸ καὶ Πέλοπος (Pau Des Gre II 16 6)

Hay una tumba de Atreo y estaacuten las tumbas de todos a los que cuando regresaron de Ilioacuten dio muerte Egisto despueacutes de ofrecerles un banquete Los lacedemonios que

109 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro satildeo de Julia Garciacutea Moreno conforme consta na referecircncia bibliograacutefica APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

74

viven en Amiclas se disputan la sepultura de Cassandra Hay otra de Agamenoacuten otra de Erimedonte el auriga una uacutenica de Teledamo y de Peacutelope110

Em seguida fala dos tuacutemulos de Clitemnestra e Egisto que foram sepultados em tuacutemulos

mais distantes fora das muralhas da cidade

Κλυταιμνήστρα δὲ ἐτάφη καὶ Αἴγισθος ὀλίγον ἀπωτέρω τοῦ τείχουςmiddot ἐντὸς δὲ ἀπηξιώθησαν ἔνθα Ἀγαμέμνων τε αὐτὸς ἔκειτο καὶ οἱ σὺν ἐκείνῳ φονευθέντες (Pau Des Gre II 16 7)

Clitemnestra y Egisto recibieron sepultura un poco maacutes lejos de la muralla fueron considerados indignos de ser enterrados dentro donde yaciacutea el proacuteprio Agamenoacuten y los que fueron asesinados con eacutel

A descriccedilatildeo feita por Pausacircnias das tumbas da famiacutelia Atrida pouco revela sobre

Agamecircmnon embora natildeo mencione a traiccedilatildeo ao rei de Argos apresenta Clitemnestra e Egisto como

traidores pois natildeo tiveram direito agrave mesma sepultura que seus familiares

A tradiccedilatildeo miacutetica grega acerca do mito de Agamecircmnon apoacutes as peccedilas de Eacutesquilo pode ser

dividida em trageacutedias e narrativas Nas trageacutedias a morte de Agamecircmnon aparece em quase todas

as peccedilas exceto no Aacutejax de Eacutesquilo e na Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides Em relaccedilatildeo agrave morte do rei

os assassinos foram Clitemnestra e Egisto na Electra de Sofoacutecles e na peccedila homocircnima de Euriacutepides

E Clitemnestra aparece como a uacutenica culpada pelo assassiacutenio de Agamecircmnon na Androcircmaca na

Heacutecuba na Ifigecircnia em Taacuteuris e no Orestes de Euriacutepides Os artifiacutecios usados para matar o rei estatildeo

presentes em algumas peccedilas como o banquete para recepcionar o chefe dos gregos na Electra de

Soacutefocles o machado usado como arma na Electra na Heacutecuba e nas Troianas de Euriacutepides o banho

mortiacutefero e a rede (teia) para imobilizar a viacutetima no Orestes de Euriacutepides E somente na trageacutedia

Heacutecuba de Euriacutepides a morte de Cassandra estaacute ligada agrave morte do rei Como se pode observar as

trageacutedias preservam em sua maioria a morte de Agamecircmnon divergindo em relaccedilatildeo ao(s)

autor(es) do assassiacutenio e lembrando as artimanhas usadas para a execuccedilatildeo da morte

As duas narrativas abordam em comum a morte de Agamecircmnon Ambas concordam em

relaccedilatildeo aos assassinos do rei Clitemnestra e Egisto Jaacute em relaccedilatildeo aos artifiacutecios usados pelos

assassinos na Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro tem-se o uso do manto para imobilizar a viacutetima

e na Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias tem-se a menccedilatildeo ao banquete oferecido em honra ao rei E

a morte de Cassandra vinculada agrave morte de Agamecircmnon soacute eacute mencionada na obra de Apolodoro Na

Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias o relato sobre a morte do chefe dos gregos mostra uma

110 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Descriccedilatildeo da Greacutecia de Pausacircnias satildeo de Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

75

proximidade com o mesmo relato apresentado na Odisseia (IV v526-535) de Homero ambos

mostram que os guerreiros de Agamecircmnon foram mortos junto com ele ao retornarem para a paacutetria

e tambeacutem lembram do banquete servido ao rei e aos seus homens

Contudo a tradiccedilatildeo grega apresentada anteriormente em relaccedilatildeo a morte de Agamecircmnon

prefere a hipoacutetese de Clitemnestra e Egisto terem assassinado o rei

42 A tradiccedilatildeo miacutetica romana

O mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo miacutetica romana eacute recontado nas trageacutedias Egisto de

Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio na epopeia Eneida (I aC) de Virgiacutelio nos poemas A

arte de amar (I aC ndash I dC) e Metamorfoses (I aC ndash I dC) de Oviacutedio na narrativa Faacutebulas de

Higino nas trageacutedias Troianas Tiestes e Agamecircmnon (I dC) de Secircneca Observar-se-aacute como cada

um desses textos apresenta o mito do rei argivo

A trageacutedia Aegisthus de Liacutevio Andronico datada de III aC narra o assassinato de

Agamecircmnon O primeiro poeta de Roma reescreveu muitas trageacutedias gregas que sobreviveram

apenas fragmentos delas como em Aegisthus da qual soacute restaram oito fragmentos ldquoThe greatest

number of surviving fragments come from the Aegishtus Eight fragments from this play exist yet is

unclear whether Livius used Aeschylus Agamemnon or Sophocles Aegisthus as a modelrdquo111

(ERASMO 2004 p11-12) Nos fragmentos 4 e 5 segundo Erasmo (2004 p 12) tem-se o retorno

de Agamecircmnon para a paacutetria acompanhado de Cassandra

(4) nemo haece uostrorum ruminetur mulieri(Andr Aegh frag4)

Let no one of you rehash this to the woman112

(5) sollemnitusque adeo ditali laudem lubens(Andr Aegh frag5)

Solemnly and freely (he offered) praise to god

E os fragmentos 6 e 7 conforme afirma Erasmo (2004 p13) mostram informaccedilotildees acerca

da morte de Agamecircmnon

(6) hellip in sedes conlocat se regias

111 O maior nuacutemero de fragmentos sobreviventes vem de Egisto Existem oito fragmentos dessa peccedila ainda natildeo estaacute claro se Liacutevio usou o Agamecircmnon de Eacutesquilo ou o Egisto de Soacutefocles como modelo

112 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Egisto de Liacutevio Andronico satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

76

Clytemnestra iuxtim tertias natae occupant (Andr Aegh frag6)

He seats himself upon royal thronesClytemnestra is next to him their daughters occupy the thirds

(7) ipsus se in terram saucius fligit cadens (Andr Aegh frag7)

Falling he dashed his wounded self onto the ground

Por meio dos fragmentos apresentados pode-se verificar que a peccedila Egisto de Liacutevio

Andronico retrata a chegada de Agamecircmnon ao palaacutecio e a morte dele No entanto a peccedila ao se

intitular Egisto apresenta uma focalizaccedilatildeo na personagem homocircnima contrapondo agrave tradiccedilatildeo

traacutegica grega na qual Agamecircmnon era o foco principal

Jaacute acerca da trageacutedia Clitemnestra de Aacutecio que foi encenada na inauguraccedilatildeo do teatro de

Pompeu em 55 aC restaram apenas dez fragmentos e assim como da trageacutedia de Liacutevio pouco se

sabe Desses fragmentos um apresenta Cassandra profetizando o dia de sua morte

(7) scibam hanc mihi supremam lucem et seruiti finem dari (Ac Cl frag7)

I knew that this day would be my last and an end to my slavery113

Em um outro fragmento haacute uma alusatildeo ao destino de Agamecircmnon e Cassandra

(8)hellip seras potiuntur plagas (Ac Cl frag 9)

hellip they receive their late blows

E segundo Tarrant (2004 p14) a Clitemnestra de Aacutecio completaria o Egisto de Liacutevio

Andronico sugerindo que ambas vieram da mesma fonte grega

The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus it has been suggested that both plays depend on the same Greek source 114 (TARRANT 2004 p14)

A Eneida de Virgiacutelio poema eacutepico datado de I aC dividido em doze cantos que narram a

busca de Eneias por uma terra na qual ele possa fundar uma nova Troia tambeacutem narra partes do

113 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Clitemnestra de Aacutecio satildeo de Maacuterio Erasmo conforme consta na referecircncia bibliograacutefica ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

114 Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio isto foi sugerido que ambas as peccedilas dependem da mesma fonte grega

77

mito de Agamecircmnon No Canto I quando Eneias chega ao templo de Juno e contempla as pinturas

nas paredes do monumento ele vecirc num dos quadros a representaccedilatildeo pictoacuterica dos filhos de Atreu

(Virg En v 460-462) Jaacute no Canto II Eneias ao narrar os acontecimentos de Troia aos feniacutecios

lembra o sacrifiacutecio de Ifigecircnia

Sanguine placastis ventos et virgine caesacum primum Iliacas Danai venistis ad oras (Virg En II v 116-117)

Quando pela primeira vez oacute gregos viestes para o litoral troiano aplacastes os ventos com o sangue e a morte de uma virgem115

E no Canto XI haacute uma treacutegua na guerra para enterrar os mortos Durante uma assembleia

para se decidir sobre a continuidade da guerra Diomedes lembra os destinos dos gregos apoacutes o fim

da guerra de Troia

Ipse Mycenaeus magnorum ductor Achivomconiugis infandae prima intra limina dextraoppetiit devictam Asiam subsedit adulter (Virg En XI v 266-268)

O proacuteprio rei de Micenas o chefe dos grandes aqueus tombou agrave entrada do seu palaacutecio ferido pela destra da sua abominaacutevel consorte um aduacuteltero agrave traiccedilatildeo derruba o vencedor da Aacutesia

Como se verifica por meio desses versos a morte desafortunada de Agamecircmnon eacute tambeacutem

mencionada na Eneida de Virgiacutelio O heroacutei grego natildeo eacute muito lembrado nesse poema pois este se

dedica agrave gloacuteria romana

Nos poemas de Oviacutedio Agamecircmnon tambeacutem aparece A arte de amar poema datado de I

aC ndash I dC dividido em trecircs livros cita Agamecircmnon em alguns versos No livro I Agamecircmnon eacute

lembrado por causa de sua morte

Qui Martem terra Neptunum effugit undisconiugis Atrides victima dira fuit (Ov Art Am I v333-334)

Apoacutes ter escapado de Marte na terra de Netuno sobre as ondas o filho de Atreu foi funesta viacutetima de sua mulher116

No livro II Oviacutedio reconta a justificativa que Clitemnestra teve para trair e matar 115 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo da Eneida de Virgiacutelio satildeo de Tassilo Orpheu Spalding

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

116 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo de A arte de amar de Oviacutedio satildeo de Duacutenia Marinho da Silva conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

78

Agamecircmnon pois enquanto ele lhe foi fiel ela natildeo o traiu

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viri Audierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virum (Ov Art Am II v399-408)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Lirnessiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de esposo

Assim Oviacutedio no poema A arte de amar menciona Agamecircmnon ao rememorar a sua morte

e a traiccedilatildeo ao casamento com Clitemnestra que culminou no assassiacutenio dele

Jaacute no poema Metamorfoses datado de I aC ndash I dC uma coletacircnea de mitos que mostra a

transformaccedilatildeo de homens em animais aacutervores rios e pedras reconta a narrativa da Guerra de Troia

e nesse momento lembra do rei Agamecircmnon No canto XII o primeiro momento do mito eacute

contado o sacrifiacutecio de Ifigecircnia quer nas palavras profeacuteticas de Calcante (Ov Met XII v 29-31) e

quer nas palavras de Odisseu ao disputar com Aacutejax as armas de Aquiles (Ov Met XIII v 183-

187) E nesse poema encontra-se uma parte do mito natildeo muito citada pelo mitoacutegrafo Agamecircmnon

rouba as filhas de Acircnio que tinham o poder de transformar todas as coisas em milho vinho e

azeitonas verdes para alimentar as tropas gregas

hoc ubi cognovit Troiae populator Atridesne non ex aliqua vestram sensisse procellamnos quoque parte putes armorum viribus ususabstrahit invitas gremio genitoris alantqueimperat Argolicam caelesti munere classem (Ov Met XIII 654-658)

Mal soube disto o filho de Atreu o saqueador de Troia(natildeo julgueis que noacutes de algum modo natildeo sentimostambeacutem a vossa tormenta) recorrendo agrave forccedila das armasarrebata-as agrave sua revelia dos braccedilos do pai e ordena-lhesque abasteccedilam a frota da Argoacutelide com o seu dom celeste117

117 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Metamorfoses de Oviacutedio satildeo de Paulo Farmhouse Alberto conforme consta na referecircncia bibliograacutefica OVIacuteDIO Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

79

Desse modo Oviacutedio apresenta Agamecircmnon nas Metamorfoses principalmente como chefe

das tropas gregas ao contraacuterio do que acontece no poema A arte de amar na qual a imagem de

Agamecircmnon estaacute vinculada agrave famiacutelia quer ele como traidor da esposa quer como o morto pela

consorte

Na narrativa Faacutebulas de Higino datada do seacutec I aC118 apresenta Agamecircmnon desde a

participaccedilatildeo na busca por Tiestes (Fab 88 8) para que este fosse conduzido ao palaacutecio dos

Atridas ateacute a morte do rei Nesse iacutenterim Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas

rumo agrave guerra de Troia no episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

in Aulide tempestas eos ira Dianae retinebat (hellip) Is cum haruspices convocasset et Calchas se respondisset aliter expiare non posse nisi Iphigeniam filiam Agamemnonis immolasset (hellip) Quam cum in Aulidem adduxisset et parens eam immolare vellet Diana virginem miserata est et caliginem eis obiecit cervamque pro ea supposuit Iphigeniamque (Hig Fab 98 1-4)

Pero una tempestad desatada por la coacutelera de Diana los reteniacutea em Aacuteulide (hellip)Traacutes convocar a los aruacutespices Calcante respondioacute que la uacutenica manera de aplacar a la diosa era sacrificar a Ifigenia la hija de Agamenoacuten (hellip) Cuando la condujo a Aacuteulide y su padre estaba a punto de sacrificarla Diana se apiadoacute de la doncella los envolvioacute em una oscuridad y puso una cierva em su lugar119

E o mitema sobre a briga de Agamecircmnon com Aquiles pela escrava Briseida na guerra de

Troia tambeacutem eacute mencionado por Higino

Agamemnon Briseidam Brisae sacerdotis filiam ex Moesia captivam propter formae dignitatem quam Achilles ceperat ab Achille abduxit eo tempore quo Chryseida Chrysi sacerdoti Apollinis Zminthei reddidit (hellip) Achilles cum Agamemnone redit in gratiam Briseidamque ei reddidit (Hig Fab 106 1 e 3)

Agamenoacuten separoacute a Aquiles de su esclava Briseida hija del sacerdote Brises de Misia a causa de su espleacutendida belleza por la misma eacutepoca em que devolvioacute a Criseida hija de Crises sacerdote de Apolo Esminteo (hellip) Aquiles se reconcilioacute com Agamenoacuten y eacuteste le devolvioacute a Briseida

118 Essa narrativa sofre com problemas de autoria e de tiacutetulo e como afirma Saacutenchez (2009 p8) ldquoLa cuestioacuten se remonta a la edicioacuten priacutencipe realizada por Jacobus Micyllus em Basilea em 1535 Este filoacutelogo llevoacute a la imprenta un coacutedice que hasta entonces se habiacutea conservado em la Bibioteca del Monasterio de Freising y lo editoacute com el siguiente tiacutetulo Libro de Faacutebulas de Cayo Julio Higino liberto de Augusto Lamentablemente el manuscrito el uacutenico ejemplar conservadordquo (A questatildeo remonta a primeira ediccedilatildeo feita por Jacobus Micyllus na Basileia em 1535 Este filoacutelogo levou agrave impressatildeo um coacutedice que ateacute entatildeo tinha se conservado na Biblioteca do Mosteiro de Freising e o editou com o seguinte tiacutetulo Livro de Faacutebulas de Caio Juacutelio Higino liberto de Augusto Lamentavelmente o manuscrito eacute o uacutenico exemplar conservado)

119 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Faacutebulas de Higino satildeo de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez conforme consta na referecircncia bibliograacutefica HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

80

Por fim o narrador das Faacutebulas conta como foi a morte de Agamecircmnon

Tunc Clytaemnestra cum Aegistho filio Thyestis cepit consilium ut Agamemnonem et Cassandram interficeret quem sacrificantem securi cum Cassandra interfecerunt (Hig Fab 117 1)

Entonces Clitemnestra em compantildeiacutea de Egisto hijo de Tiestes concibioacute el plan de asesinar a Agamenoacuten y a Casandra Lo asesinaron com un hacha mientras realizaba un sacrificio com Casandra

O mito de Agamecircmnon apareceraacute com maior relevacircncia na tradiccedilatildeo literaacuteria romana por

meio das trageacutedias de Secircneca Agamecircmnon As troianas e Tiestes Natildeo se sabe exatamente em que

data Secircneca escreveu as trageacutedias poreacutem alguns estudiosos afirmam que as trageacutedias senequianas

foram escritas entre os anos 40-65 dC120 De acordo com essa dataccedilatildeo Lohner (2009 p15)

apresenta uma divisatildeo das peccedilas em trecircs grupos

Diante dos resultados obtidos as peccedilas foram distribuiacutedas em trecircs grupos do primeiro fazem parte o Agamecircmnon seguido das peccedilas Fedra e Eacutedipo ndash seriam estas por conseguinte as primeiras composiccedilotildees dramaacuteticas de Secircneca ndash no segundo grupo figuram nesta ordem Medeia Troianas e Heacutercules louco e por fim no terceiro Tiestes e Feniacutecias (FITCH apud LOHNER 2009 p15)

A trageacutedia Tiestes mostra a vinganccedila de Atreu em relaccedilatildeo a seu irmatildeo Tiestes ao matar os

sobrinhos e os servir ao pai em um banquete Nessa peccedila Agamecircmnon ainda eacute muito jovem mas

seu pai Atreu diz que tornaraacute os filhos cientes da vinganccedila por ele planejada

Consili Agamemnon meisciens minister fiat et fratri sciensMenelaus adsit (Sen Ties v325-327)

Agamecircmnon seraacute auxiliar ciente do meu plano e Menelau de tudo informado ajudaraacute seu pai121

Apenas nesse trecho Agamecircmnon eacute mencionado na peccedila Tiestes Na trageacutedia Troianas

Agamecircmnon aparece como personagem da peccedila No segundo episoacutedio Pirro filho de Aquiles

reclama ao chefe dos gregos uma recompensa agrave gloacuteria de seu pai o sacrifiacutecio de Poliacutexena filha de

Priacuteamo e Heacutecuba Mas Agamecircmnon se mostra um rei cauteloso e natildeo aceita o sacrifiacutecio da jovem

120 LOHNER 2009 p15121 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Tiestes de Secircneca satildeo de J A Segurado Campos

conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEacuteNECA Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

81

Regia ut virgo occidattumuloque donum detur et cineres rigetet facinus atrox caedis ut thalamos vocentnon patiar In me culpa cunctorum reditqui non vetat peccare cum possit iubet (Sen Troi v288-292)

Natildeo permitirei que uma virgem real morra e seja oferecida como precircmio a um tuacutemulo e regue com sangue as cinzas e que chamem de casamento ao crime atroz de um assassiacutenio A culpa de todos voltar-se-aacute contra mim Quem natildeo impede um crime quando pode o ordena122

Mesmo assim Pirro insiste e o rei manda chamar Calcante para resolver o impasse O

adivinho orienta os gregos a sacrificarem Poliacutexena em honra de Aquiles E se mostrando piedoso

Agamecircmnon natildeo tem como impedir a morte da jovem Assim aparece Agamecircmnon na trageacutedia

Troianas de Secircneca como o chefe das tropas gregas e temente aos deuses

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca se inicia com um proacutelogo recitado pelo espectro de

Tiestes Ele lembra a maldiccedilatildeo familiar e os vaacuterios crimes que aconteceram naquele palaacutecio O

espectro apresenta o rei Agamecircmnon

rex ille regum ductor Agamemnon ducumcuius secutae mille vexillum ratesIliaca velis maria texerunt suispost decima Phoebi lustra devicto Ilioadest daturus coniugi iugulum suae (Sen Ag v39-43)

rei dos reis Agamecircmnon chefe dentre os chefes a cujo pavilhatildeo seguiram mil navioscobrindo com suas velas os mares troianos de Febo apoacutes dois lustros dominada Troia aqui estaacute para dar agrave sua esposa o pescoccedilo123

O espectro de Tiestes jaacute no proacutelogo da trageacutedia anuncia a chegada do rei Agamecircmnon e a

sua morte executada pela esposa No segundo ato Clitemnestra em diaacutelogo com a Ama titubeia na

vinganccedila de matar o rei A Ama aconselha a rainha a desistir do crime pois Clitemnestra ousa uma

vinganccedila contra um homem poderoso

hunc fraude nunc conaris et furto aggrediQuem non Achilles ense violavit feroquamuis procacem torvus armasset manum

122 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo das Troianas de Secircneca satildeo de Zeacutelia de Almeida Cardoso conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Luacutecio Aneu As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

123 Todas as traduccedilotildees dos trechos presentes nesse capiacutetulo do Agamecircmnon de Secircneca satildeo de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner conforme consta na referecircncia bibliograacutefica SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

82

non melior Aiax morte decreta furensnon sola Danais Hector et bello moranon tela Paridis certa non Memnon nigernon Xanthus armis corpora immixta aggerensfluctusque Simois caede purpureos agensnon nivea proles Cycnus aequorei deinon bellicoso Thressa cum Rheso phalanxnon picta pharetras et securigera manupeltata Amazon hunc domi reducem parasmactare et aras caede maculare impia (Sen Ag v206-219)

Ora te empenhas em atacar com ardil e enganoquem com feroz espada Aquiles natildeo feriuembora em fuacuteria a matildeo tenha armado insolentenem Aacutejax o mais bravo louco a impor-lhe a morte nem aos dacircnaos e agrave guerra o soacute entrave Heitornem de Paacuteris o dardo certo e o negro Mecircmnonnem o Xanto que corpos e armas amontoae o Simoente de aacuteguas rubras de matanccedilanem Cicno raccedila niacutevea do equoacutereo deusnem a falange traacutecia com Reso beliacutegeronem armada de pelta e machado a Amazonacom a aljava pintada a ele que retornavais imolar manchando o altar com iacutempia morte

Apoacutes os argumentos da Ama Egisto aparece e incita a amante a persistir na vinganccedila Mas

Clitemnestra sai de cena mostrando estar em duacutevidas em relaccedilatildeo agrave vinganccedila

No terceiro ato Clitemnestra recebe o mensageiro Euriacutebates que avisa sobre a chegada do

rei e conta como foi o retorno dos gregos apoacutes o fim da guerra de Troia E nesse relato o

mensageiro lembra a gloacuteria de morrer em batalha

Quid fata possunt Invidet Pyrrhus patriAiaci Ulixes Hectori Atrides minorAgamemno Priamo quisquis ad Troiam iacetfelix vocatur cadere qui mervit graduquem fama servat victa quem tellus tegit (Sen Ag v512-516)

Quanto eacute o poder dos fados Pirro inveja o pai Ulisses a Agravejax o mais jovem Atrida a Heitora Priacuteamo Agamecircmnon ao que jaz em Troiafeliz o chamam quem morrer logrou em lutaquem a fama eterniza e o chatildeo vencido cobre

Logo depois Cassandra surge acompanhada do coro de mulheres troianas A profetisa de

Apolo aparece em cena lamentando a morte dos troianos Em seguida Cassandra entra em estado

de transe Nesse momento a profetisa prevecirc a morte de Agamecircmnon

83

Timete reges moneo furtivum genusagrestis iste alumnus evertet domumQuid ista vecors tela feminea manudestricta praefert Quem petit dextra virumLacaena cultu ferrum Amazonium gerensQuae versat oculos alia nunc facies meosvictor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Agv 732-740)

Temei oacute reis advirto-vos espuacuteria raccedila vai rasar um palaacutecio essa cria dos bosques Por que essa insana ostenta na matildeo de mulher a espada nua A que homem busca com a destra trajada qual lacocircnia e com arma de Amazona Que outra visatildeo atrai agora os olhos meus De feras vencedor colo altaneiro jaz sujeito a infames presas o leatildeo marmaacuterico sofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Apoacutes o estado de transe de Cassandra Agamecircmnon entra no palaacutecio e eacute bem recepcionado

por sua esposa Ele dialoga com a profetisa que tenta lhe alertar sobre o perigo iminente mas ele

natildeo entende as suas palavras (Sen Ag v792-798) No quinto ato Cassandra ao presenciar o

assassinato do rei relata-nos como tudo aconteceu

Epulae regia instructae domoquales fuerunt ultimae Phrygibus dapescelebrantur ostro lectus Iliaco nitetmerumque in auro veteris Assaraci trahuntEt ipse picta veste sublimis iacetPriami superbas corpore exuvias gerensDetrahere cultus uxor hostiles iubetinduere potius coniugis fidae manutextos amictus - horreo atque animo tremoregemne perimet exul et adulter virumVenere fata Sanguinem extremae dapesdomini videbunt et cruor Baccho incidetMortifera vinctum perfidae tradit neciinduta vestis exitum manibus negantcaputque laxi et invii cludunt sinusHaurit trementi semivir dextra latusnec penitus egit vulnere in medio stupetAt ille ut altis hispidus silvis apercum casse vinctus temptat egressus tamenartatque motu vincla et in cassum furitcupit fluentes undique et caecos sinusdissicere et hostem quaerit implicitus suumArmat bipenni Tyndaris dextram furensqualisque ad aras colla taurorum priusdesignat oculis antequam ferro petatsic huc et illuc impiam librat manum

84

Habet peractum est Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacentNondum recedunt ille iam exanimem petitlaceratque corpus illa fodientem adivvat (Sen Ag v875-905)

No reacutegio paccedilo lautas eacutepulasqual foi o uacuteltimo banquete para os friacutegios celebram-se De Iacutelio luz no leito o ostro e tomam vinho no ouro do vetusto Assaacuteraco e ele deitado e altivo em traje matizado de Priacuteamo em seu corpo leva o rico espoacutelio Ordena-lhe a mulher a tirar a veste imiga e envolver-se no manto pela matildeo tecido de fiel esposa Sinto nalma horror e tremo ecircxul e aduacuteltero o algoz de um rei e esposoVeio o destino as eacutepulas finais veratildeo do soberano o sangue em Baco ver vertido Mortiacutefera amarrado entrega-o a uma morte peacuterfida a veste que o cobriu prendem-lhe as matildeos e atam a cabeccedila as dobras frouxas e sem fenda Seu flanco o falso homem rasga com matildeo trecircmula natildeo cravou fundo em pleno golpe ele vacila Mas como um hirto javali na mata funda preso na rede tenta no entanto escapar e inquieto aperta o laccedilo em fuacuteria contra a rede aquele as dobras cegas que vazam dos lados quer romper e procura enlaccedilado o inimigo Bipene em punho irosa de Tiacutendaro a filha qual popa que no altar as cernelhas dos touros aponta com o olhar antes que vibre o ferro ela a matildeo iacutempia assim balanccedila aqui e ali Eis Consumado estaacute De estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorra do tronco a face com um frecircmito desaba E ainda natildeo recuam atacam ele o corpo sem vida e o lacera ela ajuda o algoz

Apoacutes a descriccedilatildeo do assassiacutenio Electra aparece em cena e pede a Estroacutefio que cuide de

Orestes e o leve para bem longe dali Depois Clitemnestra anuncia que mataraacute Cassandra e ela

tambeacutem promete castigar a filha por ter escondido o irmatildeo Orestes Assim Secircneca nos conta a

morte do rei de Argos (Micenas) o grande vencedor da guerra de Troia

A tradiccedilatildeo miacutetica romana acerca do mito de Agamecircmnon apresenta principalmente os

episoacutedios da morte do rei e do sacrifiacutecio de Ifigecircnia A morte do rei aparece no Egisto de Liacutevio

Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino e no

Agamecircmnon de Secircneca Na Eneida e na A arte de amar Clitemnestra aparece como a uacutenica

responsaacutevel pela morte do chefe dos gregos jaacute na trageacutedia e na narrativa de Higino Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto E as obras citadas anteriormente trazem como motivo para a

85

execuccedilatildeo do crime a traiccedilatildeo do rei em relaccedilatildeo agrave sua esposa Nos outros poemas ndash Metamorfoses de

Oviacutedio e Troianas de Secircneca ndash Agamecircmnon aparece como o chefe das tropas gregas como tambeacutem

nas Faacutebulas de Higino

43 A recepccedilatildeo de Secircneca em Agamecircmnon

Apoacutes os relatos acerca do mito de Agamecircmnon na tradiccedilatildeo literaacuteria grega apresentados

anteriormente incluindo os textos do capiacutetulo anterior e na tradiccedilatildeo literaacuteria romana pode-se

observar que Secircneca se utilizou de alguns desses textos para criar a sua peccedila mas tambeacutem natildeo

sobreviveram todos os textos que serviram de fonte para o tragedioacutegrafo como afirma Lohner

(2009 p111) ldquoPor outro em vista da perda quase total da poesia traacutegica latina anterior agrave de

Secircneca muito pouco se pode averiguar sobre o viacutenculo desta obra com modelos nacionaisrdquo E

mesmo que Herrmann (1924 p 312) afirme que havia trageacutedias de antecessores nas quais Egisto

era o foco da peccedila

Il est difficile de savoir si ce changement dorientation vient de Livius Andronicus ou dAccius dont les trageacutedies avaient Egisthe pour centre124

Com base nas duas citaccedilotildees observa-se que fica difiacutecil resgatar essa influecircncia das trageacutedias

latinas nos dramas senequianos mas mesmo assim alguns estudiosos afirmam que haacute alguma

correspondecircncia entre as trageacutedias Egisto de Liacutevio Andronico e a Clitemnestra de Aacutecio com o

Agamecircmnon de Secircneca

While most of the specific connections alleged between Seneca and the Republican dramatists will not bear inspection there are clear similarities of plot between Agamemnon and Livius Andronicus Aegisthus and Accius Clytemnestra Livius play (whose Greek is not known) coincides with Senecas in several deviations from Aeschylus (hellip) The fragments of Accius Clytemnestra supplement the outline of Livius play to a remarkable degree and no fragment of Accius is incompatible with what can be known about Livius Aegisthus 125 (TARRANT 2004 p13-14)

Na tradiccedilatildeo literaacuteria grega Agamecircmnon eacute apresentado basicamente como o chefe das tropas

124 Eacute difiacutecil saber se a mudanccedila de orientaccedilatildeo vem de Liacutevio Andronico ou de Aacutecio dos quais as trageacutedias tem Egisto como centro

125 Enquanto a maioria das conexotildees especiacuteficas alegadas entre Secircneca e os dramaturgos republicanos natildeo vai suportar uma inspeccedilatildeo haacute claras semelhanccedilas de enredo entre Agamemnon e Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio A peccedila de Liacutevio (cuja grega natildeo eacute conhecida) coincide com a de Secircneca nas vaacuterias divergecircncias de Eacutesquilo (hellip) Os fragmentos da Clitemnestra de Aacutecio complementa o perfil da peccedila de Liacutevio a um grau notaacutevel e o fragmento de Aacutecio eacute compatiacutevel com o que se conhece sobre o Egisto de Liacutevio

86

gregas e como o rei assassinado por sua esposa esses satildeo os mitemas126 mais mencionados pela

tradiccedilatildeo Dentre os mitemas que narram Agamecircmnon como o chefe dos gregos o mais comum eacute o

do sacrifiacutecio de Ifigecircnia Entatildeo pode-se afirmar que esse episoacutedio eacute mais frequente na tradiccedilatildeo

porque liga o papel de liacuteder dos gregos ao de morto pela esposa sendo o sacrifiacutecio da filha a

principal justificativa do crime Portanto os mitemas que seratildeo analisados satildeo esses dois jaacute

mencionados

Nas trageacutedias gregas do seacutec V Agamecircmnon aparece como chefe dos gregos em

Agamecircmnon de Eacutesquilo Aacutejax de Soacutefocles Heacutecuba Troianas Ifigecircnia em Aacuteulis de Euriacutepides e

como morto por Clitemnestra em Agamecircmnon Coeacuteforas e Eumecircnides de Eacutesquilo Electra de

Soacutefocles Androcircmaca Electra Troianas Ifigecircnia em Taacuteuris e Orestes de Euriacutepides Em Aacutejax de

Soacutefocles Agamecircmnon quer negar honras fuacutenebres ao Aacutejax mas acaba sedendo aos argumentos de

Odisseu Na Heacutecuba de Euriacutepides o rei ajuda Heacutecuba a vingar a morte do filho Polidoro viacutetima de

traiccedilatildeo e ele tambeacutem nega hospitalidade ao assassino do filho de Priacuteamo Nas Troianas

Agamecircmnon eacute lembrado por Taltiacutebio como o chefe dos gregos E na Ifigecircnia em Aacuteulis o rei como

liacuteder das tropas gregas exclui o seu direito de pai e sacrifica a filha Ifigecircnia em honra da deusa

Aacutertemis por ventos favoraacuteveis para a navegaccedilatildeo rumo a Troia

Nas trageacutedias que trazem Agamecircmnon como chefe dos gregos eacute mais frequente o adjetivo

ἄναξ (chefe rei) vinculado agrave imagem do rei como se observa nos seguintes versos Ἀγαμέμνων

ἄναξ (Es Ag v523) Ἀγαμέμνων τ ἄναξ (Eu Hec v553) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Tr

v249) Ἀγαμέμνων ἄναξ (Eu Or v21) Ἀγάμεμνον ἄναξ (Eu If Aul v3)127 Os exemplos

demonstram o quanto estaacute presente nas peccedilas o papel de Agamecircmnon como rei (chefe) dos gregos

na guerra de Troia

Jaacute nas trageacutedias que trazem a morte de Agamecircmnon haacute um consenso de que Clitemnestra e

Egisto participaram do assassiacutenio mas o autor da execuccedilatildeo pode variar de acordo com a peccedila Na

trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo fica evidente que a autora do crime eacute Clitemnestra embora ela

tenha contado com a ajuda de Egisto para mobilizar a viacutetima (Es Ag v1384-1387) Poreacutem em

outras peccedilas Clitemnestra aparece como protagonista do crime embora natildeo fique evidente se ela

sozinha teria matado o marido ou se ela e Egisto executaram o assassiacutenio como em Androcircmaca

(v1028-1029) Heacutecuba (v1287-1289) e Ifigecircnia em Taacuteuris (v552) de Euriacutepides E nas outras

trageacutedias verifica-se como assassinos do rei Clitemnestra e Egisto como na Electra de Soacutefocles

126 Leacutevi-Strauss llama mitemas a los segmentos miacutenimos de una narracioacuten miacutetica de la misma forma que los fonemas existen en foneacutetica o los morfemas en morfologiacutea como unidad miacutenima significativa del relato miacutetico (Leacutevi-Strauss apud GUAL p 4) (Leacutevi-Strauss chama de mitemas os segmentos miacutenimos de uma narraccedilatildeo miacutetica da mesma forma que os fonemas existem na foneacutetica ou os morfemas na morfologia como unidade miacutenima significativa do relato miacutetico)

127 A traduccedilatildeo dos termos desse periacuteodo citados em grego eacute o rei (chefe) Agamecircmnon (traduccedilatildeo nossa)

87

(v97-99) e na Electra de Euriacutepides (v8-10) Contrapondo-se agraves peccedilas apresentadas de Euriacutepides

em Orestes soacute haacute menccedilatildeo agrave Clitemnestra como executora do crime enfocando no crime cometido

pela rainha Com isso parece que os tragedioacutegrafos gregos colocam Clitemnestra como a principal

causadora da morte de Agamecircmnon em quase todas as peccedilas que trazem esse mitema exceto nas

peccedilas Electra de Sofoacutecles e na de Euriacutepides nas quais a culpa tambeacutem recai sobre Egisto para

justificar o assassinato dele nas duas trageacutedias

Nas duas narrativas mostradas Biblioteca Mitoloacutegica de Apolodoro e Descriccedilatildeo da Greacutecia

de Pausacircnias as referecircncias ao mito de Agamecircmnon tambeacutem retomam a participaccedilatildeo dele na guerra

de Troia e a sua morte A Biblioteca Mitoloacutegica por ter um caraacuteter enciclopeacutedico tenta contar com

mais detalhes dos mitos enfocando nos principais episoacutedios como o sacrifiacutecio de Ifigecircnia e a morte

do rei Jaacute na obra de Pausacircnias soacute haacute menccedilatildeo agrave morte do rei Nas duas narrativas Agamecircmnon eacute

assassinado por Clitemnestra e Egisto conforme jaacute foi visto anteriormente

Com isso pode-se concluir que na tradiccedilatildeo literaacuteria grega acerca do mito da morte de

Agamecircmnon paira uma variaccedilatildeo sobre o executor do assassiacutenio nas trageacutedias do seacutec V

Clitemnestra eacute tida como a principal executora do crime jaacute nas narrativas posteriores a culpa pela

morte do rei eacute dividida entre Clitemnestra e Egisto

E na tradiccedilatildeo literaacuteria romana Agamecircmnon natildeo soacute eacute lembrado como chefe dos gregos

como tambeacutem pela sua morte Como liacuteder grego ele aparece no Egisto de Liacutevio Andronico na

Eneida de Virgiacutelio nas Metamorfoses de Oviacutedio nas Faacutebulas de Higino nas Troianas e no

Agamecircmnon de Secircneca nos quais eacute lembrado principalmente pelo episoacutedio do sacrifiacutecio de Ifigecircnia

exceto na primeira obra na qual Agamecircmnon aparece conduzindo a presa de guerra Cassandra Jaacute a

sua morte eacute mencionada no Egisto de Liacutevio Andronico na Eneida de Virgiacutelio na A arte de amar de

Oviacutedio e nas Faacutebulas de Higino no Agamecircmnon de Secircneca nos quais o rei eacute assassinado pela

proacutepria esposa

Secircneca antes de escrever a trageacutedia Agamecircmnon teve contato se natildeo com todas essas obras

citadas mas com a maioria delas principalmente as trageacutedias gregas Segundo Herrmann (1924

p312) Secircneca teria se utilizado das seguintes fontes para construir a sua peccedila

On peut conclure en ce qui concerne les sources agrave une influence nette dEschyle des deux Egisthes128 latins auxquels sadjoignent Sophocle et Euriacutepide et pour le

128 Segundo Tarrant (2004 p13 nota 7) ldquoAccius Aegisthus has also been compared but this play was probably about the return of Orestesrdquo (O Egisto de Aacutecio tambeacutem tem sido comparado mas esta peccedila foi provavelmente sobre o retorno de Orestes) Jaacute Hall (2005 p30 nota 26) atribue uma identificaccedilatildeo entre Clitemnestra e Egisto de Aacutecio ldquoIt is possible that the play is to be identified with Acciusrsquo Aegisthus which included a speech in which a character spoke about the lsquomight of governmentrsquo vis imperi breaking menrsquos fierce spirits (frr 8-9) a remark that women are more easily hardened (callent) than men (frr 10-11) and a reference to a man presumably Orestes whose lsquohand is fouled and spattered by his motherrsquos bloodrsquo (fr 12) Accius also wrote an Agamemnonrsquos Children

88

troisieacuteme eacutepisode des sources multiples sans compter les emprunts habituels agrave Horace ou agrave Ovide dans les parties lyriques129

Contrapondo-se agrave afirmaccedilatildeo de Herrmann Tarrant (2004 p10) afirma que apesar da

mesma delimitaccedilatildeo do mito a trageacutedia Agamecircmnon de Eacutesquilo natildeo teria servido de modelo para

Secircneca na composiccedilatildeo da sua peccedila homocircnima

It seems incredibile that the Agamemnon of Aeschylus could ever have been thought Senecas source The basic outline of the plot is similar but this Seneca need not have derived from Aeschylus on the other hand characterisation structure and themes are all quite unrelated The only parts of Aeschylus play which find a parallel in Seneca are the arrival of a herald with the news of the storms and a scene in which Cassandra foresees the murder of Agamemnon and herself even here the similarity of situation is heavily outweighed by diversity of content and treatment Nothing in Senecas play requires direct knowledge of Aeschylus130

Considerar-se-aacute portanto a grande dificuldade de indicar quais seriam as fontes usadas por

Secircneca e por isso natildeo se pretende esgotar o tema ao direcionar as influecircncias sofridas por ele E agrave

medida que parecer necessaacuterio para justificar a recepccedilatildeo da peccedila retomar-se-aacute alguns dos textos da

tradiccedilatildeo literaacuteria apresentados

O proacutelogo da trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca eacute recitado pelo espectro de Tiestes que lembra

os crimes jaacute vivenciados pela famiacutelia Tantaacutelida Um proacutelogo distinto do proacutelogo de Eacutesquilo que eacute

recitado pelo Vigia do palaacutecio Mas a trageacutedia grega do seacutec V costumava trazer para a cena

fantasmas como a apariccedilatildeo do fantasma de Dario em Os persas de Eacutesquilo (v681-844) a apariccedilatildeo

do fantasma de Clitemnestra nas Eumecircnides de Eacutesquilo (v94-139) e a apariccedilatildeo do fantasma de

Polidoro na Heacutecuba de Euriacutepides (v1-58)131 Dentre os exemplos mostrados somente duas

apariccedilotildees acontecem no proacutelogo das suas respectivas trageacutedias a primeira eacute a do fantasma de

Clitemnestra que aparece no proacutelogo em diaacutelogo com o Coro reclamando a sua morte a segunda eacute

(Agamemnonidae) (Eacute possiacutevel que a peccedila eacute para ser identificada com Egisto de Aacutecio que incluiu um discurso no qual um personagem falou sobre o ldquopoder do governordquo vis imperi quebrando os espiacuteritos ferozes dos homens frr (8-9) uma observaccedilatildeo que as mulheres satildeo mais facilmente endurecidas (callent) do que os homens (frr 10-11) e uma referecircncia a um homem presumivelmente Orestes cuja matildeo eacute suja e salpicada pelo sangue da sua matildee (fr 12) Aacutecio tambeacutem escreveu um Filhos de Agamecircmnon (Agamemnonidae))

129 Pode-se perceber no que diz respeito agraves fontes uma clara influecircncia de Eacutesquilo dos dois Egistos latinos aos quais se juntam Soacutefocles e Euriacutepides e para o terceiro episoacutedio as fontes satildeo vaacuterias sem contar os empreacutestimos habituais de Horaacutecio ou de Oviacutedio nas partes liacutericas

130 Parece inacreditaacutevel que o Agamenon de Eacutesquilo jamais poderia ter sido pensado como fonte de Secircneca O esquema baacutesico da trama eacute semelhante mas este Secircneca natildeo precisa ter derivado de Eacutesquilo por outro lado a estrutura caracterizaccedilatildeo e os temas satildeo bastante independentes As uacutenicas partes da peccedila de Eacutesquilo que encontra paralelo em Secircneca satildeo a chegada de um arauto com a notiacutecia das tempestades e uma cena em que Cassandra prevecirc o assassinato de Agamecircmnon e de si mesma mesmo aqui a similaridade de situaccedilatildeo eacute fortemente compensada pela diversidade de conteuacutedo e de tratamento Nada na peccedila de Secircneca requer conhecimento direto de Eacutesquilo

131 Mais informaccedilotildees acerca da apariccedilatildeo de mortos na literatura grega e na romana consultar BRUNO Pauliane T S As apariccedilotildees dos mortos nas trageacutedias de Secircneca Fortaleza UFC 2006 Monografia de Especializaccedilatildeo

89

a do fantasma de Polidoro que recita o proacutelogo sozinho requerendo as suas honras fuacutenebres Haacute

algumas semelhanccedilas estruturais entre o proacutelogo da trageacutedia Heacutecuba de Euriacutepides e o da trageacutedia

Agamecircmnon de Secircneca ambas se iniciam com os personagens-fantasmas contando de onde vecircm

como se pode observar respectivamente nos versos abaixo

Ἥκω νεκρῶν κευθμῶνα καὶ σκότου πύλαςλιπών ἵν Ἅιδης χωρὶς ὤικισται θεῶν (Eu Hec v1-2)

Vim o antro dos mortos e as portas da escuridatildeotendo deixado onde mora Hades separado dos deuses

Opaca linquens Ditis inferni locaadsum profundo Tartari emissus specu (Sen Ag v1-2)

Deixando a estacircncia escura do deus infernaleis-me da funda gruta do Taacutertaro enviado

Apoacutes mostrar de onde vem o espectro de Tiestes apresenta o espaccedilo no qual ele estaacute

naquele momento o palaacutecio dos Atridas e fala da anguacutestia de retornar agravequele lugar Em seguida ele

se apresenta O mesmo natildeo ocorre com o espectro de Polidoro que logo depois de anunciar de onde

vem se apresenta agrave audiecircncia

uincam Thyestes sceleribus cunctos meis (Sen Ag v 25)

a todos eu Tiestes venccedilo com crimes

Πολύδωρος Ἑκάβης παῖς γεγὼς τῆς ΚισσέωςΠριάμου τε πατρός (Eu Hec v3-4)

Sou Polidoro nascido de Heacutecuba filha de Quisseu e de Priacuteamo meu pai

Depois da apresentaccedilatildeo dos espectros ambos contam as suas histoacuterias e indicam o que iraacute

acontecer no decorrer da peccedila Nesse momento o espectro de Tiestes tambeacutem descreve em detalhes

o espaccedilo cecircnico e a sua organizaccedilatildeo

video paternos immo fraternos laresHoc est vetustum Pelopiae limen domushinc auspicari regium capiti decusmos est Pelasgis hoc sedent alti toroquibus superba sceptra gestantur manulocus hic habendae curiae - hic epulis locus (Sen Ag v 6-11)

vejo o paterno ou antes o fraterno lar Eacute esta a antiga entrada da casa de Peacutelope

90

Aqui os pelasgos usam inaugurar na frontea reacutegia insiacutegnia Neste trono altivos sentam-se os que brandem seus cetros sob a matildeo soberbaEste o local da cuacuteria ali o dos banquetes

Essa descriccedilatildeo parece caracterizar as peccedilas de Secircneca pois segundo Herrmann (1924

p343) os proacutelogos de trecircs trageacutedias de Secircneca apresentam um caraacuteter descritivo

Les premieres [Hercule Furieux Agamemnon et Thyestes] plus proche de ceux dEuripide motiveraient en quelque sorte laction en caracteacuterisant sommairement les protagonistes en indiquant le lieu le moment et la situation apparente de deacutebut de lintrigue132

Nesses versos o fantasma de Tiestes utiliza o verbo uideo no presente do indicativo para

mostrar uma proximidade com a audiecircncia que assim como ele podia ldquovivenciarrdquo o que estava

sendo descrito Atraveacutes dessas evidecircncias estruturais mostradas entre os proacutelogos mencionados

pode-se observar uma influecircncia da poesia traacutegica de Euriacutepides na trageacutedia de Secircneca

No segundo ato Clitemnestra dialoga com a Ama e ela titubeia na decisatildeo de se vingar do

marido Esse episoacutedio eacute tipicamente senequiano a figura da Ama nessa peccedila aparece como o alter

ego de Clitemnestra mostrando as suas incertezas suas duacutevidas e seus medos como afirma Serrano

(2003 p 116) ldquoPor primera vez el autor latino se detiene a describir minunciosamente la situacioacuten

espiritual de Clitemnestrardquo133 Ao titubear entre cometer ou natildeo o assassiacutenio a rainha expotildee as

atrocidades cometidas pelo esposo justificando assim a sua vinganccedila Ela utiliza-se de muitos

versos mostrando uma maior relevacircncia natildeo soacute a um crime mas a todos

O scelera semper sceleribus vincens domuscruore ventos emimus bellum neceSed vela pariter mille fecerunt ratesNon est soluta prospero classis deoeiecit Aulis impias portu ratesSic auspicatus bella non melius geritamore captae captus immotus preceSminthea tenuit spolia Phoebei senisardore sacrae virginis iam tum furens (Sen Ag v169-177)

Oacute casa que com crimes sempre vence crimes ventos pagos com sangue a guerra com assassiacutenioMas mil navios deram agrave vela ao mesmo tempo A esquadra natildeo largou sob um deus favoraacutevel Aacuteulis as iacutempias nas repeliu de seu porto

132 As primeiras [Heacutercules Furioso Agamecircmnon e Tiestes] as mais proacuteximas das de Euriacutepides motivaram de certa forma a accedilatildeo caracterizando brevemente os protagonistas incluindo o local o momento e a situaccedilatildeo aparente do iniacutecio da trama

133 Pela primeira vez o autor latino deteacutem-se em descrever minunciosamente a situaccedilatildeo espiritual de Clitemnestra

91

Sob tais auspiacutecios natildeo se faz a melhor guerra No amor da prisioneira preso imune a rogos obteve o espoacutelio esmiacutenteo do anciatildeo de Febo jaacute louco entatildeo de ardor pela sagrada virgem

neve desertus foreta paelice umquam barbara caelebs torusablatam Achilli diligit Lyrnesidanec rapere puduit e sinu avulsam viriEn Paridis hostem Nunc novum vulnus gerensamore Phrygiae vatis incensus furitet post tropaea Troica ac versum Iliumcaptae maritus remeat et Priami gener (Sen Ag v184-191)

Para nunca o leito solitaacuterio privar de concubina baacuterbara a de Lirnesso elege tomada de Aquiles roubou-a sem pudor dos braccedilos do varatildeo O inimigo de Paacuteris Leva agora nova ferida e na paixatildeo ferve da vate friacutegia e apoacutes trofeacuteus troianos e arrasada Iacutelio unido a uma cativa genro vem de Priacuteamo

Os versos apresentados (v162ss) segundo Tarrant (1978 p 262) mostram que ldquoSenecas

Clytemestra in Agamemnon for example is clearly based in part on a passage in the Ars

Amatoriardquo134 como se pode observar nos versos de Oviacutedio

dum fuit Atrides una contentus et illacasta fuit vitio est improba facta viriAudierat laurumque manu vittasque ferentempro nata Chrysen non valvisse suaaudierat Lyrnesi tuos abducta doloresbellaque per turpis longius isse morasHaec tamen audierat Priameida viderat ipsavictor erat praedae praeda pudenda suaeInde Thyestiaden animo thalamoque recepitet male peccantem Tyndaris ulta virumQuae bene celaris si qua tamen acta patebuntilla licet pateant tu tamen usque nega (Ov Ar Am v399-410)

Enquanto o filho de Atreu se contentou com uma soacute mulher ela tambeacutem foi casta a falta de seu marido a tornou culpada Crises tendo nas matildeos o louro e as faixas natildeo pocircde recuperar sua filha Linerssiana ela ficou sabendo do rapto que causou sua dor e prolongou vergonhosamente a guerra Tudo isto ela ouviu falar mas a filha de Priacuteamo ela tinha visto com os seus olhos pois o vencedor para sua humilhaccedilatildeo estava cativo de sua cativa Tambeacutem a filha de Tiacutendaro deu ao filho de Tiestes um lugar em seu coraccedilatildeo e em seu leito punindo cruelmente a falta de seu esposo

134 A Clitemnestra de Secircneca em Agamemnon por exemplo eacute claramente baseada em parte em uma passagem na Ars Amatoria

92

A Clitemnestra senequiana apresenta trecircs motivos para se vingar do marido o sacrifiacutecio da

sua filha Ifigecircnia a traiccedilatildeo com as concubinas Criseida e Cassandra com quem o rei casou e a

levou consigo ao palaacutecio Os mesmos motivos satildeo descritos pela Clitemnestra esquiliana que tenta

justificar o assassiacutenio apoacutes ter dado morte ao rei

καὶ τήνδ ἀκούεις ὁρκίων ἐμῶν θέμινμὰ τὴν τέλειον τῆς ἐμῆς παιδὸς ΔίκηνἌτην Ἐρινύν θ αἷσι τόνδ ἔσφαξ ἐγώ[hellip] κεῖται γυναικὸς τῆσδε λυμαντήριοςΧρυσηίδων μείλιγμα τῶν ὑπ Ἰλίῳἥ τ αἰχμάλωτος ἥδε καὶ τερασκόποςκαὶ κοινόλεκτρος τοῦδε θεσφατηλόγος (Es Ag v1431-33 e 1438-41)

Ouves ainda esta lei de meus juramentos pela perfectiva Justiccedila de minha filhaErronia e Eriacutenis a quem eu o imolei[hellip] Jaz quem ultrajou esta mulher quem deleitava as Criseidas em Iacutelionjaz esta prisioneira e adivinhasua concubina e profetisa135

Em Secircneca Clitemnestra lembra os motivos de vinganccedila para tentar se convencer de que

deve matar o marido por isso as justificativas aparecem antes do assassiacutenio isso natildeo ocorre em

Eacutesquilo pois a sua Clitemnestra apresenta os motivos apoacutes a morte do rei ao tentar formular a

proacutepria defesa para uma puniccedilatildeo futura

Na trageacutedia romana depois de expor os motivos para a vinganccedila Clitemnestra conversa

com Egisto no final desse ato A apariccedilatildeo de Egisto nesse momento da peccedila eacute uma inovaccedilatildeo de

Secircneca como afirma Serrano (2003 p75) ldquoTambieacuten original es la aparicioacuten de Egisto antes del

retorno de Agamenoacuten que antildeade una serie de nuevos momentos a la historia de la parejardquo136 Ele

aparece para convencer a rainha de que ela deve matar o marido As falas presentes nesse ato natildeo

encontram associaccedilatildeo com nenhum outro texto que sobreviveu da tradiccedilatildeo literaacuteria grega e romana

apresentada Jaacute as referecircncias agraves justificativas de vinganccedila aparecem apoacutes a morte do rei como foi

mencionado

A presenccedila de Egisto e a caracterizaccedilatildeo dele como personagem tatildeo forte na peccedila de Secircneca

talvez seja uma influecircncia das peccedilas intituladas Egisto de Liacutevio Andronico e de Aacutecio (jaacute

mencionadas anteriormente) nas quais Egisto era a personagem principal ou entatildeo uma influecircncia

135 Todas as traduccedilotildees presentes nesse texto do Agamecircmnon de Eacutesquilo eacute de Jaa Torrano conforme consta na referecircncia bibliograacutefica EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

136 Tambeacutem eacute original a apariccedilatildeo de Egisto antes do retorno de Agamecircmnon que adiciona uma seacuterie de novos momentos na histoacuteria do casal

93

(todavia mais difiacutecil de ser explicada) oriunda da Odisseia na qual Egisto aparece como o assassino

de Agamecircmnon Sobre isso afirma Serrano (2003 p 55) ldquoEn la eacutepica Egisto es el definitivo

responsable de los actos contra Agamenoacuten y de la seduccioacuten de Clitemnestrardquo137

No terceiro ato o mensageiro Euriacutebates chega ao palaacutecio e anuncia o retorno do rei

Clitemnestra conversa com Euriacutebates e este conta sobre o retorno dos gregos Pode-se dividir o

discurso de Euriacutebates em trecircs episoacutedios como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas narrative

comprises three distinct episodes the storm which overtook the Greeks on the return voyage from

Troy the death of Ajax Oileus at the hands of Athena and Poseidon and the deceit of Naupliusrdquo138

Os trecircs episoacutedios teriam sido narrados no poema Retornos Nos dois primeiros episoacutedios tem-se os

fragmentos recuperados a partir do sumaacuterio de Proclus139 (Proc Chres completado por Apolod

Epit 61-30 apud WEST 2003 p154)

Άγαμέμνων δε θνσας ανάγεται και Ύενέδωι προσίσχει- Νεοπτόλεμον δε πείθει Θετις άφικομένη έπιμεϊναι δύο ημέρας και θνσιάσαι και επιμένει οι δέ ανάγονται και περί Τήνον χειμάζονται- Αθηνά γάρ έδεήθη Διός τοις Ελλησι χειμώνα έπιπέμψαι- και πολλαί νήες βνθίζονται Αρgt εΐθ ό περί τάς Καφηρίδας πέτρας δηλονται χειμων και ή Αΐαντος φθορά τοϋ Αοκρον ltκαί έκβρασθέντα θάπτει Θετις έν Μνκόνωι A frota liderada por Agamecircmnon deixa Tecircnedos perto de Tenos eacute surpreendida por uma tempestade enviada por Zeus atendendo a um pedido de Atena Em meio a essa intempeacuterie muitos barcos afundam Mais tarde a frota defronta outra tormenta junto agraves rochas cafeacuteridas durante a qual o Aacutejax loacutecrio encontra a morte Teacutetis prepara o seu corpo e lhe rende honras fuacutenebres na ilha de Miconos140

E do uacuteltimo episoacutedio haacute apenas uma inferecircncia como mostra SOUSA (2008 p55)

Naacuteuplio e seus filhos Palamedes Eacuteax e Nausimedonte deveriam participar dos Retornos nos episoacutedios da morte de Agamecircmnon como insinua Apolodoro (II 1 5151) depois no Epiacutetome (6 7-11) conta-se que Naacuteuplio assim que sabe da morte de Palamedes vai ao encontro dos gregos por mar para exigir uma indenizaccedilatildeo Sem sucesso resolve vingar-se para tanto navega para as terras gregas e se empenha a favorecer alguns adulteacuterios o de Clitemnestra com Egisto o de Egiacuteale esposa de Diomedes com Cometes filho de Estecircnelo o de Meda esposa de Idomeneu com Leuco Natildeo satisfeito faz uma fogueira sobre o monte Cafareu na costa do Eubeia para sinalizar aos barcos gregos vindos de Troia a existecircncia de um porto ali enganados satildeo atraiacutedos para o escolho e afundam

Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo encontra-se apenas um dos episoacutedios mencionados o da

137 Na eacutepica Egisto eacute o responsaacutevel definitivo pelos atos contra Agamecircmnon e pela seduccedilatildeo de Clitemnestra138 A narrativa de Secircneca eacute composta por trecircs episoacutedios distintos a tempestade que assolou os gregos na viagem de

volta de Troia a morte de Aacutejax Oileu pelas matildeos de Atena e Poseidon e o engano de Naacuteuplio 139 Para mais informaccedilotildees sobre os poemas eacutepicos do ciclo troiano ver em SOUSA Francisco Edi de Oliveira As

pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado140 Traduccedilatildeo de Francisco Edi de Oliveira SOUSA (2008 p53-54)

94

tempestade E essa tempestade narrada pelo Arauto grego natildeo influenciou o relato de Euriacutebates

como afirma Tarrant (2004 p19) ldquoSenecas account of the storm owes nothing to Aeschylusrdquo141

Mas apesar dessa informaccedilatildeo na mesma cena observa-se pouquiacutessimas semelhanccedilas como a

indagaccedilatildeo de Clitemnestra ao mensageiro sobre o destino de Menelau que estaacute presente nas duas

peccedilas

σὺ δ εἰπέ κῆρυξ Μενέλεων δὲ πεύθομαιεἰ νόστιμός τε καὶ σεσῳμένος πάλιν (Es Ag v617-618)

Diz tu oacute arauto e indago de Menelause ele tendo regressado salvo outra vez

Tu pande vivat coniugis frater meiet pande teneat quas soror sedes mea (Sen Ag v404-405)

Tu revela se vive o irmatildeo de meu esposoe revela o local que minha irmatilde habita

E tambeacutem o questionamento do Coro (Eacutesquilo) e de Clitemnestra (Secircneca) sobre os reveses

que assolaram as naus gregas presente em ambas as trageacutedias

πῶς γὰρ λέγεις χειμῶνα ναυτικῷ στρατῷἐλθεῖν τελευτῆσαί τε δαιμόνων κότῳ (Es Ag v634-635)

Como dizes Procela veio agrave esquadrae deu-lhe fim pelo rancor dos Numes

Quis fare nostras hauserit casus ratesaut quae maris fortuna dispulerit duces(Sen Ag v414-415)

Fala-me que infortuacutenio essas naus engoliu que capricho do mar dispersou nossos chefes

Com isso dentre a tradiccedilatildeo literaacuteria apresentada pode-se dizer que o discurso de Euriacutebates

talvez tenha sofrido influecircncia do poema eacutepico Retornos essa proximidade com o texto grego

talvez natildeo tenha chegado ateacute Secircneca diretamente mas atraveacutes de fontes romanas anteriores

Contudo Lohner (2009 p182-183) afirma que as fontes de Secircneca para compor esse relato seriam

de trageacutedias latinas

A narrativa da tempestade ocorrida durante o retorno dos gregos fazia parte de uma peccedila posterior a Eacutesquilo adaptada por Liacutevio Andronico na trageacutedia Aegisthus e tambeacutem por Aacutecio na trageacutedia Clytemnestra Secircneca imita os versos de Andronico no iniacutecio de sua narrativa

141 O relato de Secircneca sobre a tempestade natildeo deve nada a Eacutesquilo

95

Embora a cena da tempestade fosse bastante comum nos seacuteculos quinto e quarto142 a junccedilatildeo

dos trecircs episoacutedios ndash a tempestade a morte de Aacutejax e o engano de Naacuteuplio ndash na narrativa de

Euriacutebates parece ser uma influecircncia teatral do seacuteculo quarto

One or more lost tragic messenger-speeches may have combined for the first time the storm the death of Ajax and the treachery of Nauplius the loose sense of dramatic relevance presupposed by such a sprawling narrative may point to a fourth-century play143 (TARRANT 2004 p21)

No Ato IV Cassandra em diaacutelogo com o Coro de mulheres troianas prevecirc a morte de

Agamecircmnon e dela mesma A menccedilatildeo agraves visotildees profeacuteticas de Cassandra satildeo mostradas na trageacutedia

Agamemnon de Eacutesquilo e na Arte de Amar de Oviacutedio (como jaacute foi citado anteriormente) Poreacutem em

relaccedilatildeo com a primeira obra haacute uma inversatildeo da ordem dos acontecimentos entre as trageacutedias na

grega Agamecircmnon chega ao palaacutecio antes de Cassandra jaacute na romana Cassandra aparece em cena

antes de Agamecircmnon contrapondo-se a ordem normal na qual o rei chega antes dos prisioneiros

Alguns momentos do transe profeacutetico estatildeo presentes nas duas trageacutedias como a referecircncia

agrave possessatildeo apoliacutenica da jovem

παπαῖ οἷον τὸ πῦρ ἐπέρχεται δέ μοιὀτοτοῖ Λύκει Ἄπολλον οἲ ἐγὼ ἐγώ (Es Ag v1256-1257)

Papaicirc Que fogo este E invade-meOtotoicirc Lupino Apolo Ai de mim

Quid me furoris incitam stimulis noviquid mentis inopem sacra Parnasi iugarapitis Recede Phoebe iam non sum tua (Sen Ag v 720-722)

Por que me incitas o impulso de um novo furorPor que sagrados cumes do Parnaso insaname rendeis Para traacutes Febo jaacute natildeo sou tua

Tambeacutem se encontra nas duas peccedilas a metaacutefora dos animais felinos em relaccedilatildeo ao rei (leatildeo)

e agrave Clitemnestra (leoa) como se pode ver nos versos abaixo

αὕτη δίπους λέαινα συγκοιμωμένηλύκῳ λέοντος εὐγενοῦς ἀπουσίᾳκτενεῖ με τὴν τάλαιναν (Es Ag v1258-1260)

142 TARRANT 2004 p20143 Um ou mais discursos traacutegicos perdidos de mensageiro podem ter combinado pela primeira vez a tempestade a

morte de Ajax e a traiccedilatildeo de Nauplius o sentido amplo de relevacircncia dramaacutetica pressuposta por uma narrativa tatildeo extensa pode apontar para uma peccedila do seacuteculo IV

96

Essa leoa biacutepene junto com o lobodeitada na ausecircncia do nobre leatildeomatar-me-aacute miacutesera

victor ferarum colla sublimis iacetignobili sub dente Marmaricus leomorsus cruentos passus audacis leae (Sen Ag v738-740)

De feras vencedor colo altaneiro jazsujeito a infames presas o leatildeo marmaacutericosofreu de audaz leoa mordidas cruentas

Ainda nesse ato Agamecircmnon chega ao palaacutecio e conversa com Cassandra A profetisa

compara o rei grego a Priacuteamo na tentativa de lhe advertir sobre o perigo iminente Embora esse seja

o uacutenico momento em que Agamecircmnon aparece na trageacutedia o rei estaacute presente tambeacutem atraveacutes das

outras personagens como bem afirma Serrano (2003 p124)

la corta aparicioacuten de Agamenoacuten no lo priva de ser el protagonista de toda la obra como en cierta medida ocurriacutea en los traacutegicos griegos Agamenoacuten es la causa de las dudas de Clitemnestra del odio de Egisto y del amor de Electra Cuando aparece en escena recupera la grandeza del heacuteroe eacutepico soberbio y orgulloso de sus actos144

E no Ato V Cassandra por meio do transe profeacutetico narra simultaneamente de fora do

palaacutecio como Clitemnestra matou o seu marido A morte de Agamecircmnon eacute lembrada na maioria das

obras que trazem o mito do rei A descriccedilatildeo da morte inicia-se com trecircs verbos no presente do

indicativo uideo et intersum et fruor (v872) para Lohner (2009 p217) esse versos representam

eco no texto latino dos versos 46-47 do proacutelogo tendo o efeito de evocar a figura de Tiestes Laacute o verbo uideo assinalava a visatildeo prospectiva de Tiestes agora assinala a visatildeo ldquoem tempo realrdquo de Cassandra

Depois Cassandra descreve a imagem de Agamecircmnon vestido de Priacuteamo no banquete feito

para ele O banquete senequiano segundo Serrano (2003 p75) seria uma influecircncia da Odisseia de

Homero ldquofinalmente cae vencido por su mujer y su primo en un banquete de tradicioacuten homeacuterica en

el que le apresan entre engantildeosas vestidurasrdquo145 A referecircncia ao banquete homeacuterico encontra-se nos

versos 526-535 do canto IV uma comemoraccedilatildeo oferecida por Egisto

144 A curta apariccedilatildeo de Agamecircmnon natildeo o priva de ser protagonista de toda a obra como de certo modo acontecia nos traacutegicos gregos Agamecircmnon eacute a causa das duacutevidas de Clitemnestra do oacutedio de Egisto e do amor de Electra Quando aparece em cena recupera a grandeza do heroacutei eacutepico soberbo e orgulhoso de seus atos

145 Finalmente cai vencido por sua esposa e seu primo num banquete de tradiccedilatildeo homeacuterica no qual o prendem em roupas enganosas

97

Clitemnestra induz o marido a trocar as vestimentas e o envolve num manto que o

mobilizaraacute Depois disso Egisto daacute o primeiro golpe e Clitemnestra o ajuda na execuccedilatildeo do rei A

imagem do morto (v901-903) segundo Lohner (2009 p218) seria a mesma imagem da morte de

Priacuteamo descrita na Eneida de Virgiacutelio ldquoesses versos latinos imitam os de Virgiacutelio na (Eneida 2

557-558) referentes agrave decapitaccedilatildeo de Priacuteamordquo como se pode observar nos versos abaixo

Iacet ingens litore truncusauolsumque umeris caput et sine nomine corpus (Vir En v557-558)

Sobra a margem jaz um tronco gigantescouma cabeccedila separada das espaacuteduas um corpo sem nome

Pendet exigua malecaput amputatum parte et hinc trunco cruorexundat illinc ora cum fremitu iacent (Sen Ag v901-903)

Da estreita parte pende mal amputada sua cabeccedila e o sangue jorrado tronco a face com frecircmito desaba

Assim Agamecircmnon volta a ser comparado a Priacuteamo atraveacutes das semelhanccedilas mostradas

entre os versos dos poemas A trageacutedia de Secircneca retoma os termos caput trunco e iacent da poesia

virgiliana (caput truncus e iacet)146 O verbo iaceo usado no presente demonstra a disposiccedilatildeo do

corpo morto e a separaccedilatildeo deste em duas partes caput (cabeccedila) e truncustrunco (tronco)

representa a decapitaccedilatildeo do corpo presente em ambos os poemas A imagem da separaccedilatildeo entre a

cabeccedila e o corpo fica mais evidente em Secircneca com o particiacutepio passado amputatum (amputada) e

em Virgiacutelio com o termo auolsum umeris (separada das espaacuteduas)

Agamecircmnon morreu e os assassinos dilaceram o seu corpo Na versatildeo de Secircneca os

responsaacuteveis pela morte do rei satildeo Clitemnestra e Egisto isso representa para a tradiccedilatildeo da poesia

traacutegica um enfraquecimento da personagem Clitemnestra No Agamecircmnon de Eacutesquilo Clitemnestra

mata sozinha o marido e assim Serrano (2003 p107-108) a caracteriza

Se muestra entonces como una figura terriblemente grandiosa en el umbral del palacio salpicada con la sangre que compara con gotas de rociacuteo no se arrepiente ni se derrumba al contemplar sus manos manchadas por el crimen asume su responsabilidad e intenta hacer partiacutecipe de su actuacioacuten al daimon de la casa de Atreo y enlazar asiacute el resto de sus razones (Ifigenia Casandra) con la herencia geneacutetica de la culpa147

146 LOHNER 2009 p218147 Mostra-se entatildeo como uma figura terrivelmente grandiosa no umbral do palaacutecio salpicada com o sangue que

compara com gotas de orvalho natildeo se arrepende nem se abala ao contemplar suas matildeos manchadas pelo crime assume sua responsabilidade e tenta envolver a sua accedilatildeo no daimon da casa de Atreu e enlaccedilar assim o resto de suas razotildees (Ifigecircnia Cassandra) com a heranccedila geneacutetica da culpa

98

Clitemnestra jaacute perde parte da sua forccedila nas Coeacuteforas de Eacutesquilo quando aparece com medo

por causa da vinganccedila dos filhos Na Electra de Soacutefocles Clitemnestra aparece como incapacitada

de lutar diante da decisatildeo dos filhos de vingar a morte do pai E na Electra de Euriacutepides a rainha se

mostra mais humana e por isso Egisto se torna o principal foco da vinganccedila de Electra e Orestes

como afirma Serrano (2003 p115)

Frente a la configuracioacuten de la heroiacutena marcada por la tradicioacuten la figura de Euriacutepides sufre una humanizacioacuten se ve descargada de la dureza que hasta ahora la habiacutea caracterizado y por lo tanto de parte de su culpabilidad al reconocer sus errores y confesar su arrepentimiento pese al desprecio y los reproches de Electra148

E em Secircneca Clitemnestra a princiacutepio mostra-se em duacutevida quanto ao plano de vinganccedila

mas com a ajuda de Egisto ela participa ativamente da morte do rei como jaacute foi mencionado Com

isso conclui Serrano (2203 p116)

La decidida Clitemnestra esquilea ha perdido su entereza paulatinamente y ahora necesita maacutes que en ninguna otra ocasioacuten el apoyo de Egisto que desde el comienzo se ha mantenido inamovible duro y fuerte149

Apoacutes a cena descrita da morte Electra aparece e entrega Orestes a Estroacutefio a mesma

referecircncia a essa entrega aparece tambeacutem em Higino (Fab 117 2)

At Electra Agamemnonis filia Orestem fratrem infantem sustulit quem demandavit in Phocide Strophio cui fuit Astyochea Agamemnonis soror nupta

Electra hija de Agamenoacuten se llevoacute a su hermano pequentildeo Orestes yy lo confioacute a Estrofio em la Foacutecide que estaba casado com Astiacuteoque hermana de Agamenoacuten

Logo a jovem encontra a matildee e reclama a morte do pai Clitemnestra chama Egisto e pede

que ele castigue a filha e mate Cassandra Essa cena final segundo Tarrant (2004 p17-18) revela

uma proximidade com a trageacutedia republicana

The last act of Agamemnon contains the clearest parallel to republican drama a scene after the murder involving at least Electra and her mother (and perhaps Aegisthus and

148 Diante da configuraccedilatildeo da heroiacutena marcada pela tradiccedilatildeo a figura de Euriacutepides sofre uma humanizaccedilatildeo mostra-se desvinculada da dureza que ateacute agora a tinha caracterizado e portanto por parte da sua culpa ao reconhecer os erros e confessar seu arrependimento apesar do desprezo e das injuacuterias de Electra

149 A decidida Clitemnestra esquiliana perdeu sua totalidade paulatinamente e agora necessita mais do que alguma outra ocasiatildeo do apoio de Egisto que desde o comeccedilo se manteve imoacutevel duro e forte

99

Cassandra as well) is certainly attested for Livius and Accius150

A trageacutedia Agamecircmnon de Secircneca teria sofrido muitas outras influecircncias literaacuterias e como jaacute

foi dito algumas dessas natildeo se podem recuperar Contudo atribui-se como as principais fontes de

Secircneca foram as trageacutedias republicanas de Egisto de Liacutevio Andronico e Clitemnestra de Aacutecio e

algumas trageacutedias da eacutepoca de Augusto como afirma Tarrant (2004 p14)

Many aspects of Senecan dramatic procedure probably derive from Augustan precedent and inspiration and the Augustans may have been responsible for the synthesis of classical myth Hellenistic canons of form elements of archaic diction and great stylistic refinement which we associate with Senecan drama151

Essa pesquisa natildeo congrega todas as fontes utilizadas por Secircneca ao compor a sua trageacutedia

mas pretendeu-se mostrar atraveacutes das fontes que restaram que eacute possiacutevel verificar uma retomada

dessas feitas pelo tragedioacutegrafo

150 O uacuteltimo ato do Agamenon conteacutem um clariacutessimo paralelo com o drama republicano uma cena apoacutes o assassinato envolvendo pelo menos Electra e sua matildee (e talvez Egisto e Cassandra tambeacutem) eacute certamente atestada por Liacutevio e Aacutecio

151 Muitos aspectos do processo dramaacutetico Secircneca derivam provavelmente precedente de Augusto e da inspiraccedilatildeo e os Augustanos podem ter sido responsaacuteveis pela siacutentese do mito claacutessico cacircnones helecircnicos de forma elementos da dicccedilatildeo arcaica e de grande refinamento estiliacutestico que noacutes associamos com Secircneca drama

100

5 CONCLUSAtildeO

Este trabalho teve o intuito de mostrar como a tradiccedilatildeo literaacuteria grega e a romana apresentou

o mito de Agamecircmnon desde os poemas homeacutericos ateacute a trageacutedia de Secircneca focalizando a recepccedilatildeo

do mito feita por Eacutesquilo na trageacutedia Agamecircmnon e por Secircneca na trageacutedia homocircnima

No primeiro capiacutetulo intitulado ldquoDo mito ao teatro oralidade e recepccedilatildeordquo desenvolveu-se

um panorama do processo criativo da poesia grega desde Homero ateacute o drama aacutetico Na Greacutecia esse

processo contou com uma forte influecircncia da oralidade que com o passar dos seacuteculos vai se

enfraquecendo por causa da revoluccedilatildeo da escrita Nas trageacutedias gregas do seacutec V ainda se encontra

resquiacutecios de oralidade Jaacute em Roma o processo criativo da poesia mostra um viacutenculo direto com a

escrita As representaccedilotildees traacutegicas do periacuteodo arcaico romano tinham uma referecircncia textual desta

restaram apenas fragmentos Por isso o mito de Agamecircmnon foi recriado nos diversos textos

apresentados da tradiccedilatildeo grega e da romana de maneira particular pois esses vatildeo recepcionar o mito

de acordo com o acesso agrave tradiccedilatildeo miacuteticaliteraacuteria

No segundo capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e recepccedilatildeordquo ao apresentar a

tradiccedilatildeo literaacuteria desde Homero ateacute Eacutesquilo pode-se considerar que Eacutesquilo colheu muito dessa

tradiccedilatildeo para compor o seu Agamecircmnon A trageacutedia esquiliana tem traccedilos homeacutericos e traccedilos liacutericos

O rei Agamecircmnon traacutegico eacute glorioso como o rei homocircnimo de Homero presente na Iliacuteada A

Clitemnestra traacutegica eacute produto de uma tradiccedilatildeo liacuterica da Piacutetica XI de Pigravendaro na qual era o

principal foco Atraveacutes da anaacutelise mostrada nesse capiacutetulo a recepccedilatildeo de Eacutesquilo para compor

Agamecircmnon deveu-se principalmente aos poemas homeacutericos Iliacuteada e Odisseia e ao poema liacuterico

Piacutetica XI de Piacutendaro

No terceiro capiacutetulo intitulado ldquoAgamecircmnon tradiccedilatildeo grega e romana e a recepccedilatildeordquo

apresentou-se a tradiccedilatildeo literaacuteria desde Soacutefocles ateacute Secircneca Essa tradiccedilatildeo contou com uma grande

distacircncia temporal desde o seacutec V aC ateacute o seacutec I dC e com a presenccedila de duas culturas

diferentes a grega e a romana mas mesmo assim foi possiacutevel indicar algumas influecircncias sofridas

por Secircneca ao compor a sua peccedila Considerou-se a perceptiacutevel a influecircncia das obras romanas

como a Eneida de Virgiacutelio as trageacutedias latinas Egisto e Clitemnestra a Arte de Amar de Oviacutedio as

Faacutebulas de Higino e outros modelos latinos que natildeo sobreviveram Assim pode-se dizer que

Secircneca reescreveu o mito de Agamecircmnon no que diz respeito ao enredo apoiando-se

principalmente na tradiccedilatildeo literaacuteria romana mas sem desconsiderar algumas influecircncias dos textos

gregos

Contudo o presente trabalho pretendeu mostrar que os tragedioacutegrafos estudados Eacutesquilo e

Secircneca se apropriam da tradiccedilatildeo literaacuteria anterior a eles para construir as suas peccedilas Com base

101

nessa tradiccedilatildeo eles reescrevem os mitos jaacute conhecidos e os transmitem com uma nova versatildeo

perpetrando a cada reescritura um novo paradigma do mito de Agamecircmnon

102

REFEREcircNCIAS

ALMEIDA Guilherme de amp VIEIRA Trajano Trecircs trageacutedias gregas Antiacutegone Prometeu prisioneiro Aacutejax Satildeo Paulo Perspectiva 1997

APOLODORO Biblioteca mitoloacutegica Trad de Julia Garciacutea Moreno Madrid Alianza Editorial 2010

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Trad de Eudoro de Souza Satildeo Paulo Ars Poetica 1992

BEACHAM Richard ldquoPlaying places the temporary and the permanentrdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p202-226 BOURSCHEID Marcelo Ifigecircnia entre os Tauros de Euriacutepides ndash introduccedilatildeo traduccedilatildeo e notas Curitiba UFPR 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

BOYLE A JTragic Seneca an essay in the theatrical tradition New York Routledge 2009

CALAME Claude Choruses of young women in Ancient Greece Trad de Derek Collins and Janice Orion Lanham Rowman amp Little Publishers 1997

_______ ldquoDe la poeacutesie chorale au stasimon tragiquerdquo In Megravetis Anthropologie des mondes grecs anciens Volume 12 1997 pp 181-203

CAMPBELL David A Greek Lyric ndash III ndash Stesichorus Ibycus and Simonides Loeb Classical Library Cambridge Harvard University Press 2001

CARDOSO Zeacutelia de Almeida A literatura latina Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

CASTIAJO Isabel O teatro grego em contexto de representaccedilatildeo Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2012

DEBNAR Paula ldquoFifth-Century Athenian History and Tragedyrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

DUPONT Florence LActeur Roi ndash Le theacuteacirctre dans la Rome Antique Paris Les Belles Lettres 2003

_______ Linvention de la litteacuterature de ivresse grecque au texte latin Paris la Deacutecouverte 1998

ERASMO Maacuterio Roman Tragedy theatre to theatricality Austin University of Texas Press 2004

EacuteSQUILO Agamecircmnon Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Coeacuteforas Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Eumecircnides Trad Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2004

______ Os persas Trad de Maacuterio da Gama Kury Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1992

103

EURIacutePIDES Alceste Androcircmaca Igraveon As Bacantes Trad de Maria Helena da Rocha Pereira Manuel de Oliveira Pulqueacuterio Joseacute Ribeiro Ferreira Maria Alice Nogueira Malccedila Maria Manuela da Silva Aacutelvares e Maria de Faacutetima Morais Machado Lisboa Verbo 1973

______ Duas trageacutedias gregas Heacutecuba e Troianas Trad e introd de Christian Werner Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

______ Ifigecircnia em Aacuteulide Intr e trad de Carlos Alberto Pais de Almeida Coimbra Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1998 2ordfed

______ Orestes Introd trad e notas de Augusta Fernanda de Oliveira e Silva Brasiacutelia Editora UNB 1999

______ Teatro de Euriacutepides ndash Ifigecircnia em Aacuteulis As Bacantes Electra Trad Nataacutelia Correia Porto Civilizaccedilatildeo 1969

FANTHAM Elaine ldquoRoman Tragedyrdquo In HARRISON Stephen (ed) A companion to Latin literature Malden Oxford e Victoria Blackwell 2005

FIALHO Maria do Ceacuteu ldquoDo Oikos agrave Poacutelis de Agameacutemnon sob o signo da distorccedilatildeordquo In Aacutegora Estudos Claacutessicos em Debate nordm 14 2012 p47-61 Acessado pelo site httprevistasuaptindexphpagoraarticleview13011188 em 28 de janeiro de 2013

GAILLARD Jacques Introduccedilatildeo agrave literatura latina ndash das origens a Apuleio Trad de Maria Cristina Pimentel Mem Martins Inqueacuterito 1994

GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

GUAL Carlos Garciacutea Introduccioacuten a la mitologiacutea griega Madrid Alianza Editorial 2006

______ Mitologiacutea y literatura en el mundo griego In httpwwwucmesinfoamalteadocumentosseminario2Seminario2_Grecia_GarciaGualpdf acessado em 29 de maio de 2011

HALL Edith Aeschylusrsquo Clytemnestra versus her Senecan Tradition 2005 p 1-34 Arquivo In httpwwwrhulacukcrgrdocumentspdfpapersagamemnonpdf acessado em 05 de maio de 2013HAVELOCK Erick A A revoluccedilatildeo da escrita na Greacutecia e suas consequecircncias culturais Trad de Ordep Joseacute Serra Satildeo Paulo Editora da UNESP Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

HERRMANN Leacuteon Le theacuteatre de Seacutenegraveque Paris Les Belles Lettres 1924

HESIacuteODO Teogonia Estudo e trad de Jaa Torrano Satildeo Paulo Iluminuras 2007

HIGINO Faacutebulas Mitoloacutegicas Trad intod e notas de Francisco Miguel del Rincoacuten Saacutenchez Madrid Alianza 2009

HOMERO Iliacuteada Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

______ Odisseia Trad de Carlos Alberto Nunes Rio de Janeiro Ediouro 2009

IRIARTE Ana ldquoCassandra traacutegicardquo In Quarderns de filosofiacutea Enrahonar nordm 26 1996 p65-80

104

Acessado pelo site httpddduabcatpubenrahonar0211402Xn26p65pdf em 28 de janeiro de 2013

ISIDRO Pereira S J Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Livraria AI 1998 8ordf ed

JEBB Sir Richard C Sophocles The Plays and Fragments with critical notes commentary and translation in English prose Part VI The Electra Cambridge Cambridge University Press 1894 In httpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=Perseus3Atext3A19990400253Atext3Dintro acessado em 08 de janeiro de 2013

LOHNER Joseacute Eduardo dos Santos ldquoIntroduccedilatildeo Posfaacutecio e Notasrdquo In SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

LORD Albert B The singer of tales New York Atheneum 1971

MILLER NP ldquoThe Origins of Greek Drama A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Dramardquo In Greece amp Rome 2nd Ser Vol 8 No 2 (Oct 1961) pp 126-137

MOTA Marcus ldquoNos passos de Homero performance como argumento da Antiguidaderdquo In VIS Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte Brasiacutelia Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Arte 2010

NAGY Gregory Homeric Questions Austin University of Texas Press 1996

OVIacuteDIO A arte de amar Trad de Duacutenia Marinho da Silva Porto Alegre LampPM 2009

______ Metamorfoses Trad de Paulo Farmhouse Alberto Lisboa Cotovia 2007

PAUSANIAS Descripcioacuten de Grecia (libros I-II) Trad De Mariacutea Cruz Herrero Ingelmo Madrid Gredos 2002

PIacuteNDARO Odes Trad pref e notas de Antoacutenio de Castro Caeiro Lisboa Quetzal 2010

REHM Rush ldquoFestivals and audiences in Athens and Romerdquo In McDONALD Marianne amp WALTON J Michael The Cambridge companion to Greek and Roman theatre Cambridge Cambridge University 2007 p184-201

RIBEIRO Tatiana Oliveira Apoacutedexis herodotiana um modo de dizer o passado Rio de Janeiro UFRJFaculdade de Letras 2010 Tese de doutorado

SACCONI Karen Amaral Electra de Euriacutepides estudo e traduccedilatildeo Satildeo Paulo FFLCH-USP 2012 Dissertaccedilatildeo de Mestrado

SCODEL Ruth An introduction to greek tragedy New York Cambridge University Press 2011

SCULLION Scott ldquoTragedy and religion the problem of originsrdquo In GREGORY Justina A companion to Greek tragedy Malden Blackwell 2005

SEcircNECA Agamecircmnon Introd trad e notas de Joseacute Eduardo dos Santos Lohner Satildeo Paulo Globo 2009

105

_______ Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004

_______ As troianas Introd trad e notas de Zeacutelia de Almeida Cardoso Satildeo Paulo Hucitec 1997

_______ Tiestes Trad de J A Segurado Campos Satildeo Paulo Verbo 1996

SERRANO Diana de Paco ldquoCaracterizacioacuten de Clitemnestra y Agamenoacuten de Esquilo a Seacutenecardquo In Myrtia Revista Filologiacutea Claacutessica 2003 nordm18 p105-127 Acessado em 08 de outubro de 2011 pelo site httpdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=934677

_______ ldquoEl drama de Agamenoacuten de Homero a nuestros diacuteasrdquo In La tragedia de Agamenoacuten en el teatro Espantildeol del siglo XX Murcia Universidad de Murcia 2003 p50-84 SOacuteFOCLES As Traquiacutenias Trad de Flaacutevio Ribeiro de Oliveira Campinas Editora UNICAMP 2009

_______ Trageacutedias do ciclo troiano ndash Aacutejax Electra Filoctetes e Os rastejadores Trad do Pe E Dias Palmeira Lisboa Livraria Saacute da Costa 1973

SOUSA Francisco Edi de Oliveira As pinturas do templo de Juno e o ciclo troiano Satildeo Paulo USP 2008 Tese de Doutorado

TARRANT J R ldquoIntroductionrdquo in SENECA Agamemnon Edited with introduction and commentary by J R Tarrant Cambridge Cambridge University Press 2004 paacutegs 3-96

_______ Senecas drama and its antecedents Havard Studies in Classical Philology (HSCP) nordm82 pp 213-263 1978

THOMAS Rosalind Letramento e oralidade na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Odysseus 2005

VIRGIacuteLIO Eneida Trad de Tassilo Orpheu Spalding Satildeo Paulo Cultrix 2007

WEST Martin L Greek epic fragments Cambridge Harvard University Press 2003

ZUMTHOR Paul Performance recepccedilatildeo leitura Trad de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich Satildeo Paulo Cosac Naify 2007