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Cultura e Sociedade 1º Semestre – 2013/2014 1. Indivíduo, sociedade e relações sociais 1.1 Indivíduo e sociedade: interiorização, exteriorização e objetivação das relações sociais A sociedade humana pode ser encarada de um ponto de vista objetivo, na medida em que se trata de uma realidade resultante da institucionalização (tipificação) das ações dos indivíduos. As instituições constituem-se, assim, enquanto práticas cristalizadas e sistematicamente repetidas ao longo do tempo, que acabam por se constituir como normas para os indivíduos. À medida que se vão consolidando (nomeadamente por via da sua transmissão de geração em geração), estas instituições são experimentadas como existindo de forma exterior aos indivíduos (como se possuíssem uma realidade própria, realidade com a qual eles se defrontam na condição de fato exterior e coercivo). Esta perspetiva é analisada pela macrossociologia, que explica os fenómenos sociais tendo em conta as estruturas sociais, os complexos institucionais, as regularidades sociais e os sistemas que determinam os indivíduos e os coagem. É também tendo em conta a realidade objetiva da sociedade que se pode falar em atores sociais, enquanto agentes que desempenham um ou vários papéis na mesma. A dimensão subjetiva da realidade social prende-se nomeadamente com a socialização. Esta constitui-se como um processo dinâmico através do qual os indivíduos (depende de pessoa para pessoa) aprendem e interiorizam os valores, as regras e as práticas próprias da sociedade e dos grupos a que pertencem, tendo como objetivo a sua integração nos mesmos. Esta perspetiva representa a dimensão construída dos fenómenos sociais, na medida em que analisa a interação humana em contextos localizados, com agentes autodeterminados, singulares, dotados de vontade própria. Deste modo, conclui-se que a sociedade tem inerente um processo dialético de interiorização, objetivação e exteriorização. A interiorização relaciona-se com a dimensão subjetiva da sociedade e consiste na incorporação (nomeadamente por via da socialização) das normas e dos atributos associados ao papel social desempenhado, os quais se refletem objetivamente (mecanismos que condicionam fortemente a ação dos indivíduos) na exteriorização. Esta última traduz-se na institucionalização e na organização colectiva das práticas (dimensão objetiva da realidade), as quais passam a ser percecionadas enquanto exteriores aos indivíduos (quando, na verdade, são eles próprios que as constituem).

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Cultura e Sociedade 1º Semestre – 2013/2014

1. Indivíduo, sociedade e relações sociais1.1 Indivíduo e sociedade: interiorização, exteriorização e objetivação das relações sociais A sociedade humana pode ser encarada de um ponto de vista objetivo, na medida

em que se trata de uma realidade resultante da institucionalização (tipificação) das ações dos indivíduos. As instituições constituem-se, assim, enquanto práticas cristalizadas e sistematicamente repetidas ao longo do tempo, que acabam por se constituir como normas para os indivíduos. À medida que se vão consolidando (nomeadamente por via da sua transmissão de geração em geração), estas instituições são experimentadas como existindo de forma exterior aos indivíduos (como se possuíssem uma realidade própria, realidade com a qual eles se defrontam na condição de fato exterior e coercivo). Esta perspetiva é analisada pela macrossociologia, que explica os fenómenos sociais tendo em conta as estruturas sociais, os complexos institucionais, as regularidades sociais e os sistemas que determinam os indivíduos e os coagem. É também tendo em conta a realidade objetiva da sociedade que se pode falar em atores sociais, enquanto agentes que desempenham um ou vários papéis na mesma.

A dimensão subjetiva da realidade social prende-se nomeadamente com a socialização. Esta constitui-se como um processo dinâmico através do qual os indivíduos (depende de pessoa para pessoa) aprendem e interiorizam os valores, as regras e as práticas próprias da sociedade e dos grupos a que pertencem, tendo como objetivo a sua integração nos mesmos. Esta perspetiva representa a dimensão construída dos fenómenos sociais, na medida em que analisa a interação humana em contextos localizados, com agentes autodeterminados, singulares, dotados de vontade própria.

Deste modo, conclui-se que a sociedade tem inerente um processo dialético de interiorização, objetivação e exteriorização. A interiorização relaciona-se com a dimensão subjetiva da sociedade e consiste na incorporação (nomeadamente por via da socialização) das normas e dos atributos associados ao papel social desempenhado, os quais se refletem objetivamente (mecanismos que condicionam fortemente a ação dos indivíduos) na exteriorização. Esta última traduz-se na institucionalização e na organização colectiva das práticas (dimensão objetiva da realidade), as quais passam a ser percecionadas enquanto exteriores aos indivíduos (quando, na verdade, são eles próprios que as constituem).

Conclusão: É ainda de salientar que estes três processos são indissociáveis e encontram-se em constante interação entre si. Assim, no decorrer das relações da vida quotidiana, os indivíduos produzem esquemas de classificações uns dos outros e de si próprios, ajustando-se mutuamente a eles (processos de tipificação, permitidos pela reflexividade). Estas tipificações acabam por se cristalizar progressivamente (através de mecanismos de objetivação) em instituições (mundo social), adquirindo um caráter normativo e recursivo. Cada indivíduo interioriza este mundo social, acolhendo mentalmente a sua realidade e adaptando-a. Este processo de interiorização do mundo social, das suas categorias de pensamento e dos seus valores, chama-se socialização

∟ o homem (produtor) e o mundo social (produto) atuam um sobre o outro.

1.2 Indivíduo enquanto actor e agente: sistemas de interacção e sistemas de interdependência

O conceito de habitus esclarece a relação entre ator e agente. Trata-se de um conjunto de disposições psíquicas, duráveis e transponíveis, que foram estruturadas socialmente e funcionam como princípios de estruturação das práticas e das representações (estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes). Para compreender uma atividade, é preciso compreender o porquê de o indivíduo agir e o porquê

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de agir dessa forma específica. Portanto, torna-se necessário saber quais são as suas ideias, expetativas, gostos, etc., isto é, as suas disposições específicas. Isso significa que, para entender uma atividade ou uma prática, há que analisar o habitus, o sistema de disposições psíquicas em que ela se baseia e, para o conhecer, é preciso analisar as condições sociais em que ele foi construído. O habitus é, assim, um sistema de disposições mediador entre as condições de vida materiais de existência e práticas sociais, constituindo-se como princípio gerador e unificador de práticas.

Neste contexto surge o conceito de sistema, enquanto conjunto articulado de relações cujos componentes possuem formas de comunicação entre si, gerando e gerindo a sua própria energia. O indivíduo enquanto ator integra sistemas funcionais, onde é central o desempenho de um papel, havendo uma divisão do trabalho estabelecida, uma luta pela posse (acumulação) de capitais de diferentes tipos e uma função social específica. São sistemas que determinam os indivíduos e os coagem (estrutura estruturante). Porém, face ao caráter complexo dos papéis, os atores tendem a maximizar a sua margem de manobra, dentro dos limites dessa coerção. Os indivíduos enquanto agentes constituem sistemas de interdependência, onde as ações individuais podem ser analisadas sem referência à noção de papel. As suas ações influenciam-se mutuamente, mas sem que isso aconteça de forma anteriormente prescrita (estrutura estruturada), podendo gerar fenómenos coletivos. Nestes sistemas a interação é localizada em contextos específicos e é tida em conta a autodeterminação dos agentes. Porém, estes tendem a controlar as zonas de incerteza, sendo que um sistema de interdependência pode transformar-se num sistema funcional. Os sistemas de interação constituem as propriedades duráveis das relações entre agentes.

Conclusão: Os “agentes” realizam as suas práticas no interior de um campo, onde adquirem interesses, constroem estratégias e fazem escolhas delineadas pelo habitus interiorizado ao longo da vida. Neste sentido, a ação dos indivíduos ocorre, mas permanece presa à estrutura.

1.3 Indivíduo e relações de interdependências: configurações sociais A interdependência é a caraterística de um sistema social cujas componentes

dependem umas das outras, estabelecendo tensões, conflitos, estratégias, disposições mutáveis, etc., que se vão compensando e, assim, geram equilíbrios de poder entre si.

O conceito de configuração designa qualquer relação de interdependência, constituindo-se como padrão mutável criado pelos atores sociais nela envolvidos e que apresentam caraterísticas específicas, não só na sua consciência individual, como nas teias de interação que os envolvem num todo. Permite, assim, analisar a sociedade humana do ponto de vista das relações entre os indivíduos que a constituem, não privilegiando o indivíduo enquanto ser individual (visão atómica), mas sim enquanto pertencente a uma teia de interdependência. Nas configurações mais complexas (o conceito tanto se aplica a grupos pequenos como a sociedades com milhares de indivíduos interdependentes) a abordagem terá de ser indireta e elas terão de ser compreendidas através da análise dos elos de interdependência.

O conceito de configuração serve de simples instrumento conceptual que tem em vista afrouxar o constrangimento social de falarmos e pensarmos como se o indivíduo e a sociedade fossem antagónicos e diferentes. O social é irredutível do indivíduo: ambos designam processos distintos, mas sem dúvida indissociáveis.

2. Interação, cultura e sociedade2.1 Interação e socialização: formas e contextos A socialização é o processo dinâmico através do qual os indivíduos aprendem e

interiorizam os valores, as regras e as práticas próprias da sociedade e dos grupos a que pertencem, tendo como objetivo a sua integração nos mesmos. A socialização primária corresponde à aprendizagem dos valores fundamentais e das condutas básicas feita nos primeiros anos de vida e que permite aos indivíduos comunicarem com os outros agentes

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sociais, ao mesmo tempo que adquirem os primeiros conhecimentos do mundo que os rodeia. No entanto, após este percurso inicial, os indivíduos continuam a aprender e a interiorizar comportamentos e a adaptar-se a normas sociais. Na maturidade, eles têm de fazer face a novas situações, próprias da idade adulta, como arranjar um emprego ou constituir família. A socialização secundária designa, então, as adaptações e aprendizagens necessárias ao desempenho destas novas funções que lhes permitam integrar-se num mundo social específico (é a interiorização de ”submundos” institucionais ou baseados em instituições determinadas pela complexidade da divisão do trabalho e a concomitante distribuição social do saber).

A interação é a capacidade de se reconhecer as situações e descodificar comportamentos, a qual se adquire por via da socialização (a interação é impossível sem socialização). Neste sentido, na interação social – situação de frente a frente – existe um intercâmbio contínuo entre as expressividades dos indivíduos que se cruzam (gestos e sinais), as quais podem ser bem ou mal interpretadas, mas que acabam sempre por influenciar o sentido da ação um do outro. A interacção depende, assim, de rituais e envolve a emissão e leitura de sinais e gestos, permitindo o ajuste de respostas adequadas.

A interacção humana é diferente da dos outros animais, sendo que os sinais que os homens enviam, leem, recebem e respondem são simbólicos, pois eles representam o mesmo para quem envia e para quem recebe (são culturais). A interacção simbólica é o meio pelo qual no ligamos dentro da cultura, valores, crenças e normas.

2.2 Papéis e normas sociais As normas sociais são as regras que regem as condutas individuais e coletivas,

aprendidas e partilhadas pelo grupo a que se aplicam, legitimadas pelos valores (ideias que definem o que é útil, importante ou desejável) e cujo desvio às mesmas implica sanções.

Um papel social é um conjunto de expectativas de comportamento padronizado em relação a cada uma das funções existentes na sociedade, ou seja, o comportamento esperado dos indivíduos no desempenho de determinadas funções, independentemente das suas opiniões pessoais. Deste modo, a vida social obriga os indivíduos a “representarem” em todos os momentos do seu dia-a-dia mediante o desempenho de papéis, os quais são essenciais na articulação entre o sistema cultural, o sistema social e o sistema de personalidade. A aprendizagem dos papéis é feita pela interiorização de normas culturais consoante a posição ocupada e engloba dois aspectos: aprender a desempenhar os deveres inerentes ao papel e reivindicar os privilégios e recompensas.

Genericamente, podem identificar-se dois tipos de abordagem à teoria dos papéis sociais. Numa vertente, a do interacionismo simbólico, o conceito reporta-se ao resultado de um processo de interação que é criativo. A assunção de papéis é a forma característica de interação e tem como resultado a própria criação de papéis. Numa outra vertente, devedora do funcionalismo, os papéis sociais são prescritos e correspondem a expectativas estáticas de comportamento. Vendo a cultura da sociedade como um sistema unificado, o funcionalismo encara os papéis sociais como prescrições culturais expressas em normas sociais (a um papel estão associadas determinadas normas).

Existem quatro características relacionadas com os papéis sociais: variabilidade dos papéis (não podem ser definidos de forma estrita, isto é, tem de haver atitude interpretativa dos papéis); ambivalência das normas (as normas associadas aos papéis podem ser contraditórias); carácter composto (nenhum actor desempenha um único papel); e interferência entre papéis (pode haver uma gestão incompatível gerada pelo desempenho de múltiplos papéis e o aparecimento de expectativas contraditórias).

2.3 Valores, crenças e representações sociais A socialização não é apenas uma transmissão de valores e comportamentos, mas

também a apreensão de uma certa representação do mundo, de algumas das suas dimensões

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(social, política, profissional, etc.). Deste modo, a vivência social leva os indivíduos a terem uma ideia de si próprios e da sociedade em que estão inseridos, a que podemos chamar representações sociais. Estas são assim todo o tipo de avaliações cognitivas que os indivíduos e grupos fazem sobre qualquer aspeto das suas condições de existência.

Os valores são preferências orientadas por determinados sistemas ou dispositivos comportamentais (estratégias de adaptação, modelos ou pautas generalizados de conduta), sendo que os seus sistemas são definidos por expectativas socialmente compartilhadas. As normas compreendem regras que asseguram a regularidade da vida social. As atitudes são opiniões que expressam sentimentos, emoções ou reações. As normas, valores e atitudes acabam por se manifestar como sistemas de representações sociais.

Assim, as representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, com um objetivo prático, que contribui para a construção de uma realidade comum a um grupo social. Essa construção constitui-se num processo lento em que os indivíduos reinterpretam as representações existentes de acordo com as suas experiências e aspirações. São, pois, os indivíduos que selecionam e descontextualizam as informações para depois construírem as suas representações sociais, que lhes permitem atribuir um sentido ao real (código de leitura) e ao mesmo tempo integrar o espaço desconhecido no seu sistema cognitivo.

2.4 Classificação, etiquetagem e estereótipos As classificações sociais são padrões de cultura socialmente partilhados (são

intrínsecas à sociedade), constituindo-se como resultado de um “saber prático” e como instrumentos da ação social, e funcionam como um modo de perceber o mundo. Estas classificações não se encontram apenas nos sistemas culturais mais eruditos ou elaborados, sendo que muitas vezes elas não chegam a ser faladas, mas comandam os nossos comportamentos e avaliações, conduzindo a práticas de afastamento ou de intimidade (construção de estereótipos).

Os estereótipos são, assim, produto das classificações, constituindo-se como generalizações excessivas e indevidas de um comportamento, uma atitude ou uma qualidade relativa a um determinado grupo étnico, que tanto pode resultar numa avaliação positiva como numa avaliação negativa da questão em causa.

A problemática das classificações sociais enquadra-se segundo três conceitos: comunicação (elas são partilhadas pelos indivíduos do grupo ou sociedade em questão sob a forma de um código de linguagem comum); cultura (diz respeito à teia de significados e interpretações dos aspectos da realidade); e sociedade (interações entre os indivíduos no interior das estruturas que se reproduzem através das suas ações).

Assim, pode concluir-se que as classificações são padrões de cultura socialmente partilhados, ajudam na compreensão do mundo social, são instrumentos para a eficácia da ação social e para a transmissão na vida social do ser humano.

2.5 Identidades pessoais, sociais e culturais A identidade é a imagem que vamos formando de nós próprios na sequência dos

diversos contextos sociais em que nos vamos movendo e forma-se sempre em função da imagem que os outros nos devolvem. O facto de estarmos envolvidos em interações com os outros, desde que nascemos até morrermos, condiciona certamente as nossas personalidades, os nossos valores e comportamentos. No entanto, a socialização está também na origem da nossa própria liberdade e individualidade. Cada um de nós, no decurso da socialização, desenvolve um sentido de identidade e a capacidade para pensar e agir de forma independente.

Por identidade social entendem-se as características que os outros atribuem a um indivíduo. Estas podem ser vistas como marcadores que indicam, de um modo geral, quem essa pessoa é, ao mesmo tempo que a posicionam em relação a outros indivíduos com quem partilha os mesmos atributos. O facto de se ter muitas identidades sociais reflete as muitas dimensões da vida de uma pessoa e pode constituir uma fonte potencial de conflitos, embora

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a maioria das pessoas organize o sentido e a experiência das suas vidas à volta de uma identidade principal que é relativamente contínua no tempo e no espaço. As identidades sociais implicam, então, uma dimensão colectiva, estabelecendo as formas pelas quais os indivíduos se assemelham uns aos outros.

Se as identidades sociais estabelecem as formas pelas quais os indivíduos são semelhantes a outros, a identidade pessoal distingue-os enquanto indivíduos. Diz respeito ao processo de desenvolvimento pessoal através do qual formulamos uma noção intrínseca de nós próprios e do relacionamento com o mundo à nossa volta. O processo de interacção entre o eu e a sociedade contribui para ligar o mundo pessoal e o mundo público. Embora o contexto cultural e social seja um fator que dá forma à identidade pessoal, a agência e a escolha individual são de importância central.

A identidade cultural prende-se com o reconhecimento que fazemos de nós próprios através de valores e símbolos que partilhamos com a nossa comunidade.

3. Construção da estrutura social3.1 Grupos, organizações e instituições sociais O estudo da estrutura social é o estudo da relação entre grupos, na medida em que é

o sistema de interação entre coletivos (nomeadamente entre instituições) que dá forma à sociedade (“a instituição é um conjunto estruturado de papeis e a estrutura social é o conjunto estruturado das instituições”). De facto, as práticas institucionalizadas entram em interação umas com as outras (ex: empresa/sindicato), passando-se a ter em conta não apenas a interação entre indivíduos, mas também as interações que se estabelecem entre essas interações.

Um grupo social é, deste modo, um conjunto de relações que associam um conjunto de pessoas com base em formas de organização pelo menos rudimentares, isto é, que pressupõem a existência de consciência de grupo e de interesses, objetivos e símbolos comuns (nos quase grupos não existe estrutura nem organização e os seus membros podem ter pouca ou nenhuma consciência de pertença). No entanto, podem ser tidos em conta outros critérios, como a dimensão do grupo, o tipo de relação entre os membros, a abertura/fechamento, etc.

Uma organização social designa também um conjunto de relações entre indivíduos, mas distingue-se pelas relações de hierarquia e poder existentes entre eles. É difícil determinar-lhes um prazo, sendo que têm sempre um determinado objetivo que, mesmo depois de atingido, pode constituir-se simplesmente na conservação da própria organização em questão.

As instituições sociais são as formas de organização colectiva mais estáveis e estruturadas, constituindo-se como práticas sistematicamente repetidas ao longo do tempo que acabam por se constituir como “normas” para os indivíduos, e cujas relações também envolvem relações de hierarquia e poder. Com a reprodução constante de comportamentos que obedecem a essas normas, a origem das instituições muitas vezes acaba por ser esquecida. Assim, pode dizer-se que as instituições são simultaneamente produtoras (como foi referido atrás, elas passam a surgir às pessoas como herança e acabam por adquirir uma natureza recursiva) e produtos (não existem fora das práticas dos agentes). Para promover o conformismo relativamente às regras instituídas, as instituições podem acionar um conjunto de mecanismos – punições e recompensas.

3.2 Processos sociais de hierarquização: influência, autoridade e poder Todas as sociedades, mesmo as mais modernas, têm inerente uma hierarquização de

papéis e posições, ordenados de forma diferenciada e segundo determinados critérios, os quais vão conferir aos indivíduos maior ou menor capacidade de influência, autoridade e poder perante os restantes.

A autoridade é o direito de decidir e dirigir a atividade de outros. Os indivíduos ou grupos que tentam exercer essa autoridade são percebidos como tendo o direito de fazê-lo dentro de limites reconhecidos, um direito que decorre de sua posição formal numa

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organização. Porém, não basta autoridade para fazer com que os indivíduos ajam da forma pretendida. É necessário, também, poder e influência.

O poder é a capacidade de influenciar outras pessoas (para que façam algo que, noutras circunstâncias não fariam). É um produto das relações sociais que se estabelecem entre os indivíduos, implicando trocas recíprocas.

A influência é, assim, evidenciada pela mudança de comportamento de uma pessoa como consequência das ações de outra, com autoridade e/ou poder para isso.

Estes três conceitos constituem-se, então como fatores de hierarquização social que determinam a posição do indivíduo na estrutura hierárquica da sociedade.

3.3 Controlo, regulação e ordem social Antes de se falar em ordem social, temos de falar em controlo e regulação social, pois

é devido a estes mecanismos que o social mantém o seu carácter óbvio. Deste modo, a manutenção de formas estáveis de interação social implica que a sociedade exerça um certo controlo sobre os indivíduos, de modo a garantir que os valores, as normas e os comportamentos sejam aceites e interiorizados. Para isso, recorre a mecanismos próprios como o processo de socialização e as sanções (recompensas e punições).

A autonomia, a liberdade e o livre arbítrio são atributos dos indivíduos. Porém, é o próprio agente que aciona mecanismos de controlo da ordem e das regras, mobilizando o poder e organizando os contextos das relações que se constituem como padrões de acesso a recursos (ex: códigos e regras linguísticas). Isto porque ele tem necessidade de prever as consequências dos seus atos, dado que eles só são eficazes se produzirem os efeitos desejados nos outros. Assim, a independência e o livre arbítrio são compatíveis com a previsibilidade.

Porém, existem sempre comportamentos que se afastam das normas estabelecidas (comportamentos desviantes – podem transgredir a lei ou não) e que podem mesmo chegar a transformar várias áreas da sociedade.

A ordem constitui-se, assim, em padrões de relações sociais observáveis em muitos domínios e a muitos níveis e emerge dos processos relacionais de interação (combina atos), agrupamento (sustenta a coordenação e estabilização de atos interactivamente combinados) e interdependência sistémica (combina propriedades de diferentes relações sociais). Estas relações podem dar-se entre indivíduos (uso de recursos e regras de comunicação), sendo dotadas de subjetividade, ou entre relações de formas de organização coletivas (distribuição de recursos e constituição de regras), sendo estas dotadas de objetividade e mais complexas.

Pode ainda concluir-se, por um lado, que a previsibilidade é uma das características, variáveis, da ordem social, e por outro, que a ordem é uma condição de eficácia da ação. Estas são duas propriedades fundamentais da vida social. Acrescente-se ainda que a reflexividade dos agentes humanos não se opõe lógica ou empiricamente à constituição da ordem social (antes constitui um elemento desta) nem limita, embora condicione, os enunciados explicativos que sobre ela podem ser construídos.

A ordem social enraíza-se nas instituições, falando-se assim de ordem institucional.