bagattolli dias dagnino
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Primer Congreso Argentino de Estudios Sociales de la Ciencia y la Tecnologia
Universidad Nacional de Quilmes
5 y 6 de Julio de 2007
Análise da política brasileira de financiamento à inovação: tendências e mecanismos
Eje temático 1
Políticas de ciencia y tecnología: análisis de políticas publicas de ciencia, tecnología e innovación
BAGATTOLLI, Carolina
Departamento de Política Científica e Tecnológica - UNICAMP, Campinas – Brasil bagattolli@ige.unicamp.br
DIAS, Rafael de Brito
Departamento de Política Científica e Tecnológica - UNICAMP, Campinas – Brasil rafaeldias@ige.unicamp.br
DAGNINO, Renato Peixoto
Departamento de Política Científica e Tecnológica - UNICAMP, Campinas – Brasil rdagnino@ige.unicamp.br
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar a política brasileira de financiamento à inovação no
período recente, particularmente após a elaboração da Política Industrial, Tecnológica e de
Comércio Exterior [PITCE] em 2003. Procura identificar as principais tendências e mecanismos de
fomento à inovação, conferindo particular atenção à descrição e análise dos Fundos Setoriais. Para
lograr atingir o objetivo proposto, realizou-se uma coleta de dados junto a fontes secundárias e sua
posterior análise tendo como marco analítico conceitual a Análise de Políticas. O que se observa é
um forte direcionamento da política de fomento à inovação às chamadas “tecnologias de futuro”,
por demais custosas para o desenvolvimento em países periféricos como o Brasil considerando as
atuais circunstâncias. Isso reflete uma prática bastante comum na Política Científica e Tecnológica,
que é a determinação das prioridades da política com base na consideração do que está na
vanguarda internacional, e não partindo de uma análise mais apurada da realidade brasileira.
Palavras chave: Inovação, Financiamento, Brasil.
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Introdução
A política brasileira de financiamento à inovação segue as prioridades e premissas expressas na
Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior [PITCE], que faz parte de um conjunto de
ações componentes da estratégia de desenvolvimento apresentada no documento Orientação
Estratégica de Governo: Crescimento Sustentável, Emprego e Inclusão Social1.
Foram definidas como quatro as áreas prioritárias: a) semicondutores; b) software; c) fármacos e
medicamentos e; d) bens de capital. A principal justificativa para a consideração destes setores
como sendo os prioritários está na baixa contribuição dos mesmos na pauta de exportações
brasileira, ao mesmo tempo em que esses setores são os que mais pressionam a balança comercial,
em termos de custos associados à importação.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior [MDIC] o objetivo
da PITCE é “o aumento da eficiência econômica e do desenvolvimento e difusão de tecnologias
com maior potencial de indução do nível de atividade e de competição no comércio internacional.
Ela estará focada no aumento da eficiência da estrutura produtiva, aumento da capacidade de
inovação das empresas brasileiras e expansão das exportações. Esta é a base para uma maior
inserção do país no comércio internacional, estimulando os setores onde o Brasil tem maior
capacidade ou necessidade de desenvolver vantagens competitivas, abrindo caminhos para inserção
nos setores mais dinâmicos dos fluxos de troca internacionais” (MDIC, 2003, p. 2-3).
O objetivo deste trabalho é analisar a política de brasileira de financiamento da inovação do período
recente, particularmente após a elaboração da PITCE em 2003, identificando seus principais
mecanismos de fomento e tendências. O artigo divide-se em seis seções, além da presente
introdução. No primeiro item faz-se uma descrição da Política Industrial, Tecnológica e de
Comércio Exterior [PITCE], de suas áreas prioritárias, tecnologias de futuro e instrumentos de
política. A segunda seção apresenta detalhadamente os mecanismos de fomento à inovação
existentes no Brasil: incentivos fiscais, financiamento e o uso de poder de compra do Estado. A
seção que se segue apresenta uma análise dos resultados e implicações da PITCE para as áreas
estratégias e as “tecnologias portadoras de futuro”. A quarta seção está dedicada aos Fundos
Setoriais, enquanto a quinta traz algumas reflexões a respeito das políticas. A sexta e última secção
apresenta as considerações finais do trabalho.
1 O documento na íntegra está disponível em www.sigplan.gov.br /arquivos/portalppa/15_(PlanoBrasildeTodos).pdf
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1 A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior [PITCE]
A inserção externa da indústria é considerada pelo governo federal como o fator decisivo para o seu
desenvolvimento. O interesse de ampliar a participação da indústria nacional no comércio
internacional por meio do aumento das exportações é reiterado constantemente ao longo do
documento (MDIC, 2003). Existe um forte direcionamento das políticas de forma a promover o
aumento das exportações, principalmente de produtos com maior valor agregado e maior conteúdo
tecnológico.
A PITCE prevê apoio a programas de investimentos a empresas com vistas à construção e ou
reforço de infra-estrutura de P,D&E [Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia], objetivando
também facilitar o relacionamento entre os centros de pesquisa e as empresas. De acordo com suas
diretrizes o seu intuito é “Promover a capacidade inovadora das empresas via concepção, projeto e
desenvolvimento de produtos e processos. Estimular o incremento de atividades portadoras de
futuro, como biotecnologia, software, eletrônica e optoeletrônica, novos materiais, nanotecnologias,
energia renovável, biocombustíveis (álcool, biodiesel) e atividades derivadas do Protocolo de
Kyoto” (MDIC, 2003, p. 10).
De acordo com o MDIC “A multiplicidade de situações e as especificidades empresariais
confirmam a necessidade de que a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior seja
discutida e negociada com o setor privado, responsável que é pelos investimentos produtivos e pela
produção industrial” (MDIC, 2003, p. 10). Todavia, membros do setor produtivo ocupam uma
pequena parte dos assentos dos conselhos gestores dos fundos setoriais (única brecha para
participação empresarial nas diretrizes da política de financiamento à inovação). Essa questão será
retomada no quarto item deste trabalho, específico sobre os Fundos Setoriais.
1.1 As áreas prioritárias e as tecnologias de futuro
A PITCE definiu como sendo quatro as áreas prioritárias: a) semicondutores; b) software; c)
fármacos e medicamentos e; d) bens de capital. A principal justificativa para a consideração destes
setores como sendo os prioritários está na baixa contribuição dos mesmos na pauta de exportações
brasileira, sendo os que mais contribuem para a elevada concentração de déficits comerciais
(MDIC, 2003). O argumento é de que nesses setores os déficits tendem a se ampliar
significativamente à medida que se acelera a atividade econômica, implicando em um aumento da
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restrição externa do país. Mas este não é apresentado como o fator decisivo. O fator mais
importante é o fato destes setores estarem fortemente vinculados ao que se convencionou
caracterizar como economia do conhecimento, onde os fatores inovação e qualificação de pessoal
são críticos.
“Para o equilíbrio externo de médio e longo prazo, é fundamental que um país como o Brasil não se
distancie das áreas mais dinâmicas do conhecimento” (MDIC, 2003, p. 5-6). Daí entende-se porque
a consideração dessas quatro áreas como sendo prioritárias para o desenvolvimento científico e
tecnológico do país, orientando as prioridades de financiamento às atividades inovativas.
A PITCE considerou ainda como tecnologias portadoras de futuro: a) biotecnologia; b)
nanotecnologia e; c) biomassa – todas inseridas nas áreas consideradas prioritárias. Assim, os
projetos financiados com recursos públicos (principalmente pela FINEP) obedecem à essa ordem de
prioridades.
1.2 Os instrumentos de política
Para lograr alcançar seus objetivos a PITCE faz uso de um conjunto de instrumentos que estão sob a
responsabilidade de diferentes agências do setor público, trabalhando com cinco linhas de ação: 1)
Inovação e desenvolvimento tecnológico; 2) Inserção externa; 3) Modernização industrial; 4)
Capacidade e escala produtiva; 5) Opções estratégicas. Algumas questões colocadas no referido
documento merecem destaque.
Inovação e Desenvolvimento Tecnológico
O objetivo deste instrumento é promover a articulação dos agentes envolvidos no processo de
inovação do setor produtivo, em especial: empresas, centros de pesquisa públicos e privados,
instituições de fomento e financiamento ao desenvolvimento tecnológico, instituições de apoio à
metrologia, propriedade intelectual, gestão tecnológica e gestão do conhecimento, instituições de
apoio à difusão tecnológica. Considera de grande importância o estímulo a projetos cooperativos
entre universidades e empresas, afirmando que os projetos de pesquisa devem ter relevância para a
sociedade em termos de geração de patentes e de melhoria da estrutura produtiva do país.
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Opções estratégicas
A PITCE considera necessário concentrar esforços em algumas áreas intensivas em conhecimento,
opções estratégicas envolvendo atividades que:
a) Apresentam dinamismo crescente e sustentável.
b) São responsáveis por parcelas expressivas dos investimentos internacionais em P&D (grifo
nosso).
c) Abrem novas oportunidades de negócios.
d) Relacionam-se diretamente com a inovação de processos, produtos e formas de uso.
e) Promovem o adensamento do tecido produtivo.
f) São importantes para o futuro do país e apresentam potencial para o desenvolvimento de
vantagens comparativas dinâmicas.
De acordo com esta política, os setores que se enquadram nesses requisitos são: semicondutores,
software, fármacos e medicamentos e bens de capital.
1.3 A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
Com o objetivo de promover e executar as ações previstas na PITCE foi criada a Agência Brasileira
de Desenvolvimento Industrial (www.abdi.com.br). A ABDI trabalha com dois eixos estratégicos
de ação, e para cada um deles possui um macroprograma mobilizador:
Eixo estratégico de ação Macroprograma
mobilizador
Objetivo
Aumento da capacidade inovadora
das empresas
Inova Brasil Aumentar a capacidade de inovação da
indústria brasileira
Fortalecimento e expansão da base
industrial brasileira
Indústria Forte Mudar o patamar competitivo da indústria
brasileira
Entre os projetos realizados pela ABDI estão: a) Planos de Desenvolvimento Setoriais; b) Encontros
Nacionais de Inovação; c) Guia Eletrônico da Inovação; d) Iniciativa Nacional de Biotecnologia e
Fármacos; e) Linhas de Financiamento para Temas Estratégicos e Portadores de Futuro; f)
Acompanhamento da Execução da PITCE.
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2 Os mecanismos de fomento à inovação
Os mecanismos de fomento à inovação, forma pela qual o governo tenta induzir o setor produtivo a
seguir um curso de ação desejado, classificam-se em dois tipos: mecanismos técnicos ou não-
financeiros e mecanismos financeiros.
Infra-estrutura de P&D
Laboratórios de análises de caracterização
Laboratórios de calibração e aferição
Sistema de metrologia, normalização e qualidade
Veículos de difusão tecnológica (bibliotecas, publicações)
Sistema de propriedade intelectual
Sistema de importação de tecnologia
Mecanismos técnicos
Mecanismos de política de comércio exterior
Isenções fiscais Incentivos fiscais
Reduções tributárias
Empréstimos em condições favoráveis
Financiamento com participação nos resultados (risco)
Capital semente
Projetos cooperativos com ICTs
Financiamento
Subvenção
Mecanismos
financeiros
Uso do poder de compra do Estado
Fonte: Weisz (2006, p. 17).
Sem desconsiderar a importância dos mecanismos técnicos, mas ressaltando que este artigo tem
como questão central analisar a política de financiamento à inovação, abordaremos com mais
detalhe apenas os mecanismos financeiros.
2.1 Incentivos fiscais
Atualmente, os incentivos fiscais são basicamente os previstos na Lei nº. 11.196/2005, conhecida
como “Lei do Bem”. O capítulo 3, artigos de 17 a 26, dispõe sobre os meios pelos quais são
concedidos os incentivos às empresas que investem em inovação tecnológica. Dentre os benefícios
aprovados destacam-se:
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• Isenção de PIS/Pasep e Cofins para compra de máquinas e equipamentos por empresas que
exportam 80% de sua produção.
• Duplicação dos valores mínimos de receitas anuais auferidas pelas micro e pequenas
empresas para ingresso no Simples, que passam para R$ 240 mil (microempresas) e R$ 2,4
milhões (pequenas).
• Isenção do PIS/Pasep e Cofins para os fabricantes de computadores com valores de até R$ 4
mil, fazendo com que o preço final dos PC’s tenha uma redução de cerca de 10%.
• Regularização de prestadores de serviços que exercem suas atividades, constituindo pessoas
jurídicas, para recolher menos tributos e encargos sociais.
• Regime especial de tributação com abatimento em dobro das despesas com pesquisa e
desenvolvimento de novas tecnologias.
O decreto 3000/1999 art. 349, que repete a Lei nº. 4506/1964 art. 53 já possibilitava deduzir todos
os custos e despesas operacionais incorridos na execução do projeto de P&D no exercício em que
tiverem sido incorridos. Mas a Lei nº. 11.196/2005 permite também uma dedução adicional de 60%
dos gastos correntes, como mão-de-obra, matérias-primas, entre outros ocorridos durante o projeto,
na apuração do lucro tributável.
As empresas que adotam o regime de contabilidade do lucro real (opcional para empresas com
faturamento de até R$ 23 milhões e obrigatório para empresas com faturamento superior a este
montante) são mais beneficiadas. Estas têm o cálculo do seu CSLL (contribuição social sobre o
lucro líquido) realizado com base no lucro já deduzido dos gastos incorridos no projeto de P&D
(Weisz, 2006).
Com a Lei nº. 11.196/2005 foi extinta a Lei nº. 8.661/1993, que regulamentava os incentivos fiscais
ao PDTI [Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial] e ao PDTA [Programa de
Desenvolvimento Tecnológico Agropecuário]. Os projetos que gozavam de tais benefícios podem
migrar para o regime previsto na nova lei. Já os incentivos fiscais previstos na Lei nº. 10.637 de 30
de dezembro de 2002, artigos 39, 40, 42 e 43, foram parcialmente cobertos pela lei 11.196/2005,
que revogou os quatro artigos da primeira.
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2.2 Financiamento
A atual estrutura brasileira de financiamento a inovação pode ser analisada a partir das seguintes
entidades/programas:
• FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos.
• Redução de custos para projetos cooperativos.
• Bolsas RHAE - Recursos Humanos para o Desenvolvimento Tecnológico.
• PROGEX – Programa de Apoio Tecnológico à Exportação.
• Rede Brasil de Tecnologia – RBT.
• Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.
• Subvenção Econômica.
o A Lei de Inovação
• As Fundações Estaduais de Amparo a Pesquisa – FAPs.
Considerando os limites deste trabalho abordaremos com mais detalhe a atuação da FINEP, do
BNDES e os mecanismos de Subvenção Econômica, principalmente os previstos na Lei de
Inovação.
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos
As ações da FINEP são pautadas pelas prioridades da PITCE, fazendo com que os projetos
financiados obedeçam a essa ordem de prioridades. As modalidades de financiamento oferecidas
pela FINEP são:
• Financiamento reembolsável padrão, onde são financiáveis todos os gastos das empresas,
sejam investimentos, despesas ou custos, incorridos em função da execução de um projeto de
P&D.
• Financiamento reembolsável com equalização da taxa de juros. Trata-se de um mecanismo
previsto na Lei de nº. 10.332/2001, art. 3, II que possibilita a subvenção para cobrir uma
parte dos encargos financeiros do financiamento - um dos mecanismos pelos quais a FINEP
opera o Programa Pró-Inovação.
• Financiamento reembolsável com participação nos resultados. Modalidade de financiamento
com risco, onde a FINEP assume uma parcela do risco tecnológico envolvido no projeto de
P&D.
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Dentre os programas desta instituição destacam-se:
PRÓ-INOVAÇÃO - Programa de Incentivo à Inovação nas Empresas Brasileiras.
Trata-se do programa que fundamenta o financiamento reembolsável padrão. Os principais itens
financiáveis são: a) equipe própria; b) contratação de pesquisadores e especialistas; c) aquisição de
insumos e material de consumo; d) investimento em máquinas e equipamentos; e) outros custos e
despesas envolvidos em atividades de P, D&I.
Programa Juro Zero.
Criado com o intuito de estimular o desenvolvimento científico e tecnológico das micro e pequenas
empresas. São passíveis de financiamento todos os itens referentes aos novos investimentos
constantes do Projeto/ Plano de Negócios da empresa, desde que estejam vinculados direta ou
indiretamente às atividades de inovação tecnológica.
MODERNIT – Programa Nacional de Qualificação e Modernização dos Institutos de Pesquisa
Tecnológica.
Tem como objetivo reestruturar os institutos de pesquisa tecnológica, recuperar sua infra-estrutura
de pesquisa, equipamentos e quadro técnico, reorientando suas atividades para que atendam às
demandas do setor produtivo.
PNI – Programa Nacional de Incubadoras e Parques Tecnológicos.
Objetiva apoiar o planejamento, criação e consolidação de incubadoras de empresas de base
tecnológica, bem como de parques tecnológicos, tanto mistos quanto tradicionais. Em novembro de
2005 foram aprovados 13 projetos para a Linha 1 (Projetos de redes de incubadoras estaduais ou
regionais); 11 projetos para a Linha 2 (Projetos em incubadoras ligados ao setor de energia); seis
projetos para a Linha 3 (Projetos em incubadoras em geral); e três projetos para a Linha 4 –
(Projetos oriundos de fundações de amparo à pesquisa estaduais). A chamada pública lançada em
junho de 2005 aportou R$ 11,2 milhões para incentivar o fortalecimento dos sistemas locais de
inovação com ênfase em estruturação de redes de incubadoras locais e regionais, prospecção de
projetos nas ICT’s com potencial empresarial, pré-incubação, incubação e graduação de empresas
ligadas ao setor de energia e implantação de sistemas integrados estaduais de desenvolvimento de
empreendedorismo (ABDI, 2005).
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Programa de Apoio a Pesquisas em Empresas – PAPPE
Contou, em 2005, com R$ 75,9 milhões para financiamento de 702 projetos aprovados. Desse total,
foram contratados, até outubro de 2005, 572 projetos em 19 Estados (531 empresas envolvidas: 327
micro, 114 pequenas, 74 médias e 16 grandes) (ABDI, 2005).
Projeto Inovar
Lançado pela FINEP em 2000, tem por objetivo promover o desenvolvimento das pequenas e
médias empresas brasileiras de base tecnológica meio de seis frentes:
1. Fórum Brasileiro de Capital de Risco. Trata-se da promoção do encontro de empreendedores
em busca de capital de risco e potenciais investidores.
2. Incubadora de Fundos Inovar. Objetiva estimular a criação de novos fundos de capital de
risco para empresas nascentes e emergentes de base tecnológica.
3. Fórum Brasileiro de Inovação. Destinado a tecnologias ou empreendimentos que ainda não
se encontram em condições de conseguir investidores de risco, tem por objetivo transformar
o conhecimento científico e tecnológico originado nas Instituições Científicas e
Tecnológicas [ICTs] em negócios. Usa, para tal, recursos dos fundos setoriais
correspondentes à tecnologia objeto da ação. Para lograr tal objetivo prevê ações de pré-
incubação, incubação e transferência de tecnologia.
4. Capacitação em capital de risco. Programa de capacitação para diversos tipos de
profissionais envolvidos na indústria de capital de risco.
5. Rede Inovar de Prospecção e Desenvolvimento de Negócios. Esforço conjunto entre FINEP,
SEBRAE, ANPROTEC, Sociedade Softex, CNPq, IEL2, Federações de Indústria e Redes de
Tecnologia com o intuito de identificar e apoiar novas oportunidades de investimento.
Atuam no sentido de: a) Prospectar oportunidades de negócio; b) Apoiar a elaboração de
propostas de financiamento e de planos de negócio; c) Acompanhar projetos apoiados por
mecanismos de financiamento não-reembolsável; d) Prestar aos gestores dos fundos serviços
de acompanhamento dos projetos apoiados com capital de risco; e) Apoiar as empresas em
questões relacionadas à sua constituição jurídica, proteção à propriedade intelectual,
capacitação gerencial, entre outros.
2 SEBRAE [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], ANPROTEC [Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores], CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], IEL [Instituto Euvaldo Lodi].
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6. Inovar Semente. Previstos para empreendimentos que ainda não têm maturidade suficiente a
ponto de interessar os investidores de risco. Tratam-se, em geral, de inovações que ainda
não se caracterizam como negócios.
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
O BNDES tem como diretriz financiar todas as etapas envolvidas no processo de inovação, desde o
desenvolvimento de protótipos, até a fabricação de novos produtos e sua comercialização. A divisão
dos recursos de suas linhas de crédito é de 50% para financiamento de P&D e 50% para a
construção de estrutura física para a produção e comercialização dos produtos fruto da inovação –
ambos com juro fixo e spread zero. Os respectivos programas são:
• Programa de Desenvolvimento de Inovação [PDI]. As condições de financiamento do PDI
são: juro fixo de 6% ao ano, spread zero e prazo de até 12 anos para pagar e participação do
banco superior a 80%, podendo chegar a até 100%.
• Programa de Inovação da Produção [IP]. Tem seu custo corrigido pela TJLP, spread zero,
prazos e participação do banco semelhante aos do PDI.
Subvenção Econômica
Regulamentada pelo Decreto nº. 5.563, de 11 de outubro de 2005 e Atos complementares, a
subvenção econômica à inovação é a concessão de recursos financeiros de natureza não
reembolsável para empresas públicas ou privadas que desenvolvam projetos de inovação
considerados estratégicos para o País de acordo com a política governamental (PITCE). Esta
modalidade de apoio no teve início no Brasil com a aprovação e regulamentação da Lei da Inovação
(Lei nº. 10.903/2004) e da Lei do Bem (Lei nº.11.196/2005). A subvenção poderá ser aplicada no
custeio de atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação em empresas nacionais.
Trata-se de um instrumento de estímulo à inovação tecnológica nas empresas mediante o qual a
União, por intermédio das agências de fomento de C&T, incentiva a implementação de atividades
de pesquisa e desenvolvimento tecnológico com a concessão de recursos financeiros. Os recursos
destinados à subvenção econômica instituída pela referida Lei serão aplicados no custeio das
atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico de produtos e processos inovadores nas
empresas nacionais, com vistas a atender aos objetivos e às prioridades da Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior - PITCE.
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A subvenção econômica prevista na Lei da Inovação se destina à cobertura das despesas de custeio
das atividades de inovação, incluindo pessoal, matérias primas, serviços de terceiros, patentes, e
ainda despesas de conservação e adaptação de bens imóveis com destinação específica para
inovação A Lei da Inovação também estabelece os dispositivos legais para a incubação de empresas
no espaço público e a possibilidade de compartilhamento de infra-estrutura (equipamentos e
recursos humanos), públicos e privados, para o desenvolvimento tecnológico e a geração de
produtos e processos inovadores (IBDE, 2005). Já a subvenção prevista na Lei do Bem é destinada
ao ressarcimento de parte do valor da remuneração de pesquisadores titulados como Mestres ou
Doutores que venham a ser contratados pelas empresas (de até 60%, para as pessoas jurídicas
sediadas nas áreas de atuação das extintas SUDENE e SUDAM, e de até 40% para pessoas jurídicas
sediadas nas demais regiões do País). Em qualquer dos dois casos a propriedade intelectual é da
empresa.
2.3 Uso do poder de compra do Estado
O uso do poder de compra do Estado sempre foi um mecanismo amplamente utilizado no Brasil,
mas sem um foco na inovação tecnológica. A Lei de Inovação (Lei nº. 10.973/2004, art. 20) abre
uma possibilidade nesse sentido, possibilitando “o uso do poder de compra do Estado quando
permite a possibilidade de órgãos e entidades da administração pública, em matéria de interesse
público, poderem contratar empresa, consórcio de empresas visando à realização de atividades de
pesquisa e desenvolvimento, que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico-
específico ou obtenção de produto ou processo inovador” (Weisz, 2006, p 97). O que é comumente
conhecido por “encomenda de desenvolvimento tecnológico”, modalidade muito utilizada pelos
Fundos Setoriais.
3 Resultados e implicações para as áreas estratégias e as tecnologias portadoras de
futuro
Semicondutores
A regulamentação dos programas específicos ainda está pendente. O resultado positivo, de acordo
com a ABDI, diz respeito ao registro de 181 instituições de ensino e pesquisa credenciadas, 267
empresas produtoras de bens e serviços de informática investindo em atividades de P&D
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envolvendo nessas atividades cerca de 4.500 pesquisadores. 3 No balanço da PITCE feito pela
ABDI em 2005 esperava-se que os incentivos fiscais concedidos às empresas dessa área deveriam
reverter o déficit comercial da ordem de US$ 2 bilhões para um superávit de US$ 70 milhões.
Ainda de acordo com este relatório, os investimentos em P&D acumulados entre 2003 e 2005 foram
da ordem de R$ 1,3 milhões, representando cerca de 4% do faturamento das empresas do setor.
Software
Com o objetivo de estimular o setor foi criado pelo BNDES o Programa para o Desenvolvimento da
Indústria Nacional de Software e Serviços Correlatos – PROSOFT. O objetivos são:
o Contribuir para o desenvolvimento da indústria nacional de software e serviços correlatos.
o Ampliar a participação das empresas nacionais no mercado interno e promover o
crescimento de suas exportações.
o Fortalecer o processo de P&D e inovação no setor de software.
o Promover o crescimento e a internacionalização das empresas nacionais de software e
serviços correlatos.
o Difundir e promover a crescente utilização de software nacional por todas as empresas
sediadas no País e no exterior.
o Fomentar a melhoria da qualidade e a certificação de produtos e processos associados ao
software (ABDI, 2005).
O PROSOFT financia investimentos e planos de negócios de empresas sediadas no Brasil, bem
como a comercialização no mercado interno e as exportações de softwares e serviços correlatos. Até
dezembro de 2005, existiam 69 operações em carteira que reuniam um montante de financiamento
de R$ 289 milhões.
Bens de capital
A principal política adotada para o setor foi a política de desoneração do IPI para máquinas e
equipamentos, a partir do decreto de nº. 5.468/2005, reduzindo para zero as alíquotas do IPI para
bens de capital.
3 Considerando os pesquisadores envolvidos nas empresas e nas instituições de ensino e pesquisa.
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4 Os Fundos Setoriais
A criação dos Fundos Setoriais [FSs] partiu de três questões básicas: 1) ampliar e dar estabilidade
de recursos ao sistemas de C,T&I; 2) eleger o setor produtivo como o agente central das ações dos
fundos; 3) requerer das agências de fomento envolvidas (FINEP e CNPq) o compartilhamento da
gestão da nova política (Pereira, 2005).
A concepção dos fundos, a partir de 1999, criou grandes expectativas com relação a um aumento
dos recursos alocados pelo governo em atividades de C,T&I - principalmente pelo fato das receitas
serem vinculadas. Outra expectativa era a possibilidade da manutenção do seu fluxo. Além da
vinculação dos recursos, outros fatores estruturais contribuíram para a criação dos fundos. Entre
estes se destaca as privatizações de segmentos industriais ligados à infra-estrutura, já que havia a
preocupação de que os setores privatizados não tivessem descontinuidade dos investimentos em
P&D. Mas mesmo a setorialidade dos fundos “pautou-se mais na oportunidade de vincular recursos
ao setor de ciência e tecnologia do que propriamente para alcançar maior nível de aproveitamento
na aplicação dos recursos disponíveis como preconiza a literatura” (Pereira, 2005, p. 9).
A capacidade de investimento difere consideravelmente entre os fundos, mas apesar da importância
dos investimentos realizados estes ficaram muito aquém das expectativas anunciadas. A diferença
entre os valores arrecadados e os aplicados se explica pela restrição fiscal imposta pelo governo
federal a partir de 2000, que até 2003 contingenciou R$ 1,67 bilhão de recursos alocados aos FSs
(valor superior ao montante investido no período, de R$ 1,53 bilhão), fazendo com que o impacto
dos fundos fosse bem menor do que o esperado.
Em 2003 o modelo de gestão dos fundos foi reestruturado, concentrando poderes na Concessão de
Coordenação dos Fundos Setoriais [CCFS]. Foi instituída também a modalidade de apoio
transversal, desvinculando os recursos do seu setor de aplicação - comprometendo as vantagens da
concepção setorial.
O volume de investimentos não sofreu um acréscimo real com a criação dos fundos, que acabaram
apenas por possibilitar que os investimentos em C,T&I retomassem em 2003 os patamares de 1996
(R$ 1, 92 bilhão). Com a perda da capacidade de investimento por parte do MCT os recursos dos
fundos acabaram servindo para compensar essa perda, e não para aumentar os recursos financeiros
disponíveis. Ou seja, frustra-se a expectativa expressa na primeira questão básica: aumentar o
volume de recursos investidos.
Os fundos elegeram o setor produtivo como o ator central (segunda questão de fundo) e os arranjos
cooperativos Universidade-Empresa (U-E) como a maneira de se promover o financiamento e a
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execução da pesquisa científica e tecnológica pela empresa. Mas apesar dos recursos dos fundos
serem provenientes e dirigidos prioritariamente às empresas, apenas 18% dos assentos dos comitês
gestores são ocupados pela classe empresarial, uma participação minoritária.
A participação de projetos envolvendo empresas correspondeu a menos da metade do volume total
de recursos executados. Dos R$ 1,53 bilhões aplicados pelos fundos até 2003 as empresas se
envolveram apenas com cerca de R$ 573 milhões (37,4% dos recursos). A explicação dessa
realidade é algo que demanda uma análise mais complexa, mas acreditar que a empresa no Brasil
tem baixo interesse em promover investimento científico e tecnológico para plausível.
Com relação aos projetos aprovados verifica-se que quase sua totalidade se encaixa nos temas
apontados como prioritários nos documentos constitutivos dos fundos. Dentre os recursos
disponibilizados para os FSs em 2005, R$ 343,3 milhões representam recursos não-reembolsáveis
destinados especificamente para as ações da PITCE. A concessão de crédito para projetos de
inovação em empresas totalizou, em 2005, R$ 650 milhões em recursos reembolsáveis, dos quais
80% também se destinam a projetos prioritários da PITCE. O setor que mais se beneficiou foi o de
bens de capital, destino de 41% dos recursos.
As encomendas tecnológicas corresponderam, em média, a mais da metade dos recursos
executados, mas esse percentual é muito maior em alguns fundos. O CT Mineral e o CT Agro
executaram, respectivamente, 98% e 100% dos seus recursos por meio de encomendas tecnológicas.
Mesmo com alguma variação percentual, a modalidade de encomenda tecnológica é a predominante
em todos os fundos (VELHO, et. al 2005).
Com relação à terceira premissa da criação dos Fundos Setoriais, observa-se que a requerida gestão
compartilhada entre as agências (FINEP e CNPq) não foi alcançada, principalmente por assimetrias
no controle e na operacionalização dos recursos e das diferentes concepções de fomento (Pereira,
2005).
5 Algumas reflexões a respeito das políticas
Nos itens anteriores, descrevemos alguns aspectos principais da política brasileira de inovação.
Nossas reflexões a partir deste ponto serão orientadas pela exposição apresentada até aqui, mas irão
abranger o conjunto maior da política científica e tecnológica. Essa última, por sua vez, está
intimamente ligada a uma série de outras políticas. Erber (2006) classifica a política científica e
tecnológica como a “gêmea xifópaga” da política industrial. Sua relação estreita pode, ainda, ser
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verificada em relação a outras políticas como, por exemplo, a política agrícola e, com intensidade
muito menor, com as políticas de educação e de saúde.
Dois aspectos implícitos nas políticas de inovação descritas anteriormente, e que podem ser
generalizados para a política científica e tecnológica, merecem ser destacados. O primeiro deles diz
respeito à prática da transferência acrítica de modelos para o contexto brasileiro, e passa também
pela ênfase excessiva que é colocada no papel da empresa privada como vetor do desenvolvimento
sócio-econômico. A segunda é referente ao foco, a nosso ver também excessivo, dedicado à “alta
tecnologia”. Vejamos esses aspectos em detalhe.
A transferência indiscriminada de modelos de países desenvolvidos para um contexto distinto
daquele no qual foi gerado implica uma série de complicações. A despeito disso, a política
científica e tecnológica no Brasil (e também no restante da América Latina) tem sido fortemente
apoiada em ações dessa natureza. Vejamos, pois, alguns dos principais problemas relacionados à
emulação acrítica de modelos “importados” dos países desenvolvidos para o contexto brasileiro.
O referencial teórico-analítico que subsidia a política científica e tecnológica no Brasil reflete o que
Dagnino e Thomas (2001) chamam de “enfoque gerencial”, que pode ser definido como um meio
de estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico centrado na empresa privada e mediante a
difusão de métodos gerenciais.
A postura dos gestores de políticas de ciência e tecnologia, marcada pelo enfoque gerencial, está
fundamentada em uma hipótese central, ligada à idéia de que, para que os benefícios da geração de
conhecimento cheguem à sociedade, estes devam, necessariamente, passar pelas empresas. Dentro
dessa concepção, o papel da inovação tecnológica (entendida como a forma principal de
transferência desses benefícios para a sociedade) ganha enorme importância. Assim, como as
empresas passam a ser vistas como os agentes centrais do desenvolvimento técnico-científico (o que
é questionável no caso latino-americano), a difusão de métodos gerenciais passa, naturalmente, a ser
um dos principais instrumentos da condução da política científica e tecnológica nos países da
América Latina (Rodríguez, 1997).
A idéia de que o enfoque gerencial permeia a política científica e tecnológica no Brasil parece ser
bastante conveniente para a presente análise, uma vez que, devido à adoção dessa postura por parte
dos policy makers, os problemas fundamentais ligados ao desenvolvimento econômico – aqueles de
caráter estrutural – passam a ser ignorados, e o incremento da competitividade das empresas passa a
ser o objetivo principal das políticas da área de ciência e tecnologia, como ocorre em grande parte
dos países desenvolvidos. Entretanto, nesses países, a superação de obstáculos estruturais não se
coloca como um problema, de modo que as políticas elaboradas nesse contexto visam atuar sobre
problemas de outra natureza.
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De acordo com Dagnino e Thomas (2001), dois problemas centrais estariam atrelados a essa prática.
O primeiro deles diz respeito ao anacronismo resultante da transferência atrasada dos modelos para
os países latino-americanos. O segundo problema está relacionado à dificuldade da realização de
reflexões teóricas, gerada pela extrapolação inadequada de experiências específicas para contextos
distintos. A problemática da apropriação indiscriminada dos modelos surge, portanto, da
incompatibilidade entre a realidade para a qual foram criados e aquela que se pretende modificar.
Na esfera da política científica e tecnológica brasileira, a emulação de experiências realizadas em
países desenvolvidos gera alguns problemas em relação ao uso de conceitos para a compreensão do
panorama da C&T no Brasil. Em primeiro lugar, os modelos pressupõem que o locus privilegiado
da inovação é a empresa (Dagnino e Thomas, 2001). Entretanto, esse claramente não é o caso do
Brasil. Segundo Brito Cruz (2002), a grande maioria dos cientistas e engenheiros envolvidos em
atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) está concentrada em universidades e institutos de
pesquisa (aproximadamente 89% do total), enquanto os 11% restantes estão nas empresas. Esse
quadro é completamente distinto daquele que se verifica nos países desenvolvidos. No caso dos
EUA, por exemplo, cerca de 70% dos cientistas e engenheiros envolvidos em atividades de P&D
estão alocados nas empresas.
Em segundo lugar, afirmam DAGNINO e THOMAS (2001), os conceitos de inovação e de difusão
tecnológica devem ser aplicados com extrema cautela na representação da realidade brasileira. De
fato, o conceito de inovação tecnológica no Brasil é tomado com excessiva flexibilidade. Em geral,
para que uma empresa possa ser considerada inovadora, basta que seja responsável pela introdução
de uma novidade para a empresa, mesmo que não represente uma novidade para o mercado como
um todo. Confundem-se, portanto, os conceitos de inovação e difusão tecnológica.
O terceiro problema para o qual atentam Dagnino e Thomas (2001) está ligado ao pressuposto
admitido pelos modelos sobre os quais está apoiada a condução da política científica e tecnológica
no Brasil: a concepção de que a fronteira tecnológica a ser explorada é, necessariamente, a da alta
tecnologia. Com isso, os setores industriais tradicionais e as demandas da parcela mais carente da
população permanecem à margem das políticas de ciência e tecnologia.
Mesmo no plano das idéias, a tentativa de reprodução de conceitos criados em países desenvolvidos
para o contexto brasileiro se mostra altamente problemático. Isso é ilustrado, por exemplo, pelo
freqüente uso do conceito de Sistema Nacional de Inovação, utilizado como justificativa ao
estímulo a modelos particulares de arranjos institucionais, como os parques e pólos tecnológicos.
Quando as idéias se convertem em políticas, na prática, os problemas tornam-se ainda mais graves.
Poder-se-ia argumentar que o fracasso das políticas de ciência e tecnologia reproduzidas no Brasil a
partir de outro contexto deve-se não à emulação acrítica e excessiva dessas experiências, mas à sua
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incompletude. Entretanto, deve-se atentar para a existência de obstáculos estruturais nos países
subdesenvolvidos, que não podem ser facilmente removidos, de modo que se torna impossível para
um país como o Brasil reproduzir as experiências realizadas no âmbito dos países centrais. Em
outras palavras, como o contexto geral é distinto, as tentativas de reprodução de fatores específicos
(que dependem do contexto geral) não são viáveis. Não se pode reproduzir uma parte de forma
exata sem que isso seja acompanhado também pela emulação dos elementos do contorno. Portanto,
como existem elementos determinantes irreprodutíveis, toda tentativa de emulação de modelos e
práticas é inadequada.
Como foi mencionado anteriormente, outro aspecto importante relacionado à condução recente da
política científica e tecnológica no Brasil inspirada em experiências de países desenvolvidos diz
respeito ao predomínio de políticas voltadas exclusivamente para setores de alta tecnologia,
decorrente da percepção comum de que seria essa a única “janela de oportunidade” para os países
de industrialização tardia.
A real importância dos setores de alta tecnologia gerou um extenso debate que divide os autores que
tratam do tema. De um lado, estão autores como Freeman e Perez (1988) e Castells (1997), que
acreditam que as novas tecnologias, em especial as TICs [Tecnologias da Informação e da
Comunicação], estão no centro de um novo ciclo expansivo de longo prazo do capitalismo. Do
outro, estão os céticos, como Chesnais (1996), que contestam essa idéia. Há, ainda, aqueles que
observam nessas tecnologias tanto riscos quanto oportunidades. Aqui se encaixam autores como
Herrera (1994).
Contudo, se não existe consenso quanto às reais potencialidades das novas tecnologias como
promotoras de um novo ciclo expansivo de longo prazo do capitalismo, algumas observações
empíricas sugerem que as novas tecnologias de fato não estão na base desse ciclo.
Segundo Hirsch-Kreinsen (2003), as novas tecnologias respondem por uma parcela muito pouco
significante do produto da Europa (portanto, é razoável esperar que, no Brasil, a participação desses
setores seja ainda muito mais modesta). Com base em dados da OCDE (1999), os autores afirmam
que cerca de 97% da produção européia está baseada em setores industriais de baixa e média
tecnologia.
A identificação dos setores industriais de alta tecnologia não é uma tarefa trivial. A classificação
adotada pela OCDE propõe a divisão dos setores da indústria em quatro categorias distintas, de
acordo com a relação entre os investimentos setoriais em P&D e a receita total do setor. São
considerados setores de alta tecnologia aqueles em que a média da relação P&D/receita é superior a
5%;de média-alta tecnologia aqueles em que essa relação fica entre 3% e 5%; de média-baixa
19
tecnologia aqueles em que essa relação fica entre 1% e 3%; e de baixa tecnologia os setores em que
a relação P&D/Receita é inferior a 1%.
Nenhum setor industrial brasileiro poderia ser considerado de alta tecnologia ou mesmo de média-
alta tecnologia pelos critérios da OCDE. Apenas seis setores podem ser considerados de média-
baixa tecnologia (máquinas e equipamentos; equipamentos de informática; máquinas, aparelhos e
materiais elétricos; equipamentos de comunicações; equipamentos de precisão; outros
equipamentos de transporte). Todos os demais setores industriais se enquadram na classificação de
setores de baixa tecnologia, pelos critérios da OCDE. Dentre eles, estão setores de grande
importância econômica para o Brasil, em termos de geração de empregos, de geração de produto e
de sua participação na pauta de exportações. Como exemplos, temos os setores de indústria de
transformação, alimentos e bebidas, têxteis, vestuário, couro e calçados (Dias, 2005).
Assim, observa-se, em geral, um baixo volume de atividades ligadas à pesquisa, ao
desenvolvimento e à inovação no Brasil. Contudo, os discursos teóricos e as políticas públicas da
área de ciência e tecnologia não deixam transparecer esse fato. Um exemplo disso são as
prioridades setoriais estabelecidas pelo MDIC.
O setor de bens de capital, uma das prioridades, engloba um conjunto de atividades diversas e
bastante heterogêneas. Os outros três setores eleitos como prioritários, contudo, encaixam-se no
grupo de novas tecnologias que estariam, segundo a maior parte dos autores da Economia da
Inovação, na base de um novo ciclo expansivo de longo prazo do capitalismo. É claro, portanto, o
reflexo dessa percepção na condução da política científica e tecnológica no Brasil.
Por trás desse “fetichismo” exercido pela alta tecnologia está a percepção gerada pelas visões da
neutralidade (ciência livre de valores) e do determinismo (tecnologia é autônoma e condiciona as
mudanças sociais) (Cerezo, 2004). Essa concepção justifica o foco das políticas na alta tecnologia –
associado ao mito da “fronteira sem limites” – e também a falta de planejamento de médio e longo
prazo na esfera da ciência e da tecnologia.
A literatura recente que trata da inserção dos países de industrialização tardia no contexto de
acirramento da competitividade no plano global destaca a importância do estímulo a setores de alta
tecnologia como mecanismo que viabilizaria o desenvolvimento econômico no longo prazo.
Entretanto, alguns autores assumem uma postura mais crítica quanto a essa análise.
De acordo com Chesnais (1996), os países de industrialização tardia estariam ganhando importância
cada vez maior na produção de bens manufaturados. Esse processo pode ser verificado em alguns
países da América Latina (com destaque para o México), do Sudeste Asiático e do Leste Europeu, e
seria uma conseqüência da internacionalização das atividades de produção de grandes empresas
20
multinacionais, que estariam buscando a redução dos custos de produção através da migração para
áreas onde a mão-de-obra tem um custo mais baixo. Apesar disso, outras atividades como P&D e
marketing ainda permanecem bastante concentradas nos países da Europa, no Japão e nos EUA.
A participação dos países de industrialização tardia na produção de bens manufaturados realmente
apresentou um aumento importante nos anos mais recentes. Além disso, o conteúdo tecnológico das
exportações desses países também cresceu. Contudo, o aumento da participação desses países nas
exportações de manufaturados não ocorreu de forma homogênea. Mani (2000) destaca o fato de
que, dentre os países periféricos exportadores de manufaturados (portanto, um grupo já restrito
dentro desse grupo), as exportações são muito concentradas. Os países do Sudeste Asiático
respondem pela maior parte das exportações de manufaturados entre os países de industrialização
tardia. O Brasil é o sétimo país desse grupo que mais exporta produtos manufaturados em geral,
atrás de China, Coréia do Sul, Singapura, México, Malásia e Tailândia. A participação brasileira nas
exportações de produtos intensivos em tecnologia é ainda mais modesta.
A estratégia industrial com foco em setores de alta tecnologia talvez seja mais interessante para
países como a Coréia do Sul ou Taiwan, que desenvolveram uma série de competências específicas
e um quadro socioeconômico e institucional favorável, que lhes permitiram uma inserção
competitiva internacional com relativo sucesso. São, ainda, países que conseguiram desenvolver
sistemas de aprendizado ativo, segundo a definição de Viotti (1997). Entretanto, para países como o
Brasil, onde a dinâmica de aprendizado é passiva, a inserção internacional em segmentos industriais
de alta tecnologia torna-se muito mais difícil. Também é razoável supor que a indústria brasileira
não responde a estímulos de políticas da mesma forma com que isso ocorre nesses países, dados os
constrangimentos estruturais existentes no País.
Como foi argumentado ao longo deste artigo, o foco quase que exclusivo da política industrial,
científica e tecnológica brasileira em setores de alta tecnologia mostra-se inadequado à realidade do
País. A mesma observação pode ser feita em relação à emulação acrítica de modelos e práticas que
buscam inspiração nas experiências dos países desenvolvidos.
Para que os policy makers possam conceber políticas de C&T mais adequadas ao contexto
brasileiro, portanto, é necessário incorporar às análises normativas a preocupação em relação aos
determinantes histórico-estruturais do subdesenvolvimento. Com isso, a política científica e
tecnológica brasileira poderá efetivamente assumir um caráter mais adequado em relação à
realidade sobre a qual ela se propõe a atuar.
21
Considerações finais
Inserida na PITCE, a política de financiamento à inovação objetiva estimular setores relacionados
com as “tecnologias de futuro”. Na realidade, tais “tecnologias de futuro” tratam-se de setores com
alto coeficiente de capital, com baixa demanda de mão-de-obra. Alocados em países centrais, estes
setores parecem custosos por demais para o desenvolvimento em países periféricos como o Brasil,
considerando as atuais circunstâncias. Não se trata de argumentar a favor do estímulo ao
desenvolvimento científico e tecnológico apenas de setores tradicionais, mas sim defender a
existência de uma análise mais apurada da realidade brasileira na determinação dos setores
prioritários, e não uma simples consideração do que é a “tendência mundial”.
Com relação aos fundos setoriais pode-se dizer que estes se tornaram, de fato, um importante
instrumento de política e financiamento das ações do MCT, mas tiveram seus impactos reduzidos
pelo grande contingenciamento de recursos, perdendo um dos seus atributos de criação, que era
proporcionar aumento e estabilidade de recursos. Outro fator negativo é o fato dos recursos dos
fundos servirem para compensar a defasagem dos recursos alocados pelo MCT, e não para
aumentar o montante investido. Seus recursos são prioritariamente dirigidos às empresas, a projetos
que tenham participação direta de empresas. Mas mesmo com essa ênfase, a participação de
projetos com esse perfil correspondeu a menos da metade do volume total de recursos aplicados.
Considerando a orientação dos fundos ser dirigida à empresa esse percentual deveria ser maior, o
que indica a necessidade de um replanejamento da política.
As fontes de financiamento citadas ao longo deste trabalho não divulgam os valores disponíveis e
alocados por rubrica (desenvolvimento de P&D, aquisição de maquinário, etc.). Todavia, conclui-se
que a PITCE não logrou provocar um aumento na propensão a inovar por parte do empresário
brasileiro, tampouco uma mudança na principal forma de inovar: aquisição de máquinas e
equipamentos. Essa situação está bem ilustrada na Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica
[PINTEC]. Logo, se o governo fomenta mais o avanço tecnológico via aquisição de máquinas e
equipamentos do que pela realização de atividades de P&D é porque valoriza mais o avanço
tecnológico do que o desenvolvimento científico e tecnológico endógeno. A crítica a esse
direcionamento da política, que pode parecer utopia é, na realidade, preocupação com o
desenvolvimento de capacidade local na atualidade e no futuro.
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Referências
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