a técnica e a ética.ppt
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19571980
1ª.19397ª.2013
20002006
1995
2006
1983
Revolução do Neolítico ~ 10.000
AC: agricultura, domesticação de
animais.
Revolução Tecnológica (2ª
Revolução Industrial) ~ 1.900 :
taylorismo, fordismo,
produção/consumo em massa.
Grandes Revoluções Culturais
A técnica e a ética
O pensamento de Umberto Galimberti
“psique e techne: o homem na idade da técnica”
Tópicos
1. O homem e a técnica
2. A técnica é o nosso mundo
3. A técnica é a essência do homem
4. A gênese "instrumental" da técnica
5. A transformação da técnica de "meio" em "fim“
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
7. A técnica e a supressão de todos os fins no universo dos meios
8. Da alienação tecnológica à identificação tecnológica
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
1. O homem e a técnica
Não há dúvida: vivemos na idade da técnica.
A facilidade com que utilizamos os instrumentos e
serviços que encurtam o espaço e o tempo, e amenizam
a dor, concomitantemente tornam ineficazes as normas
sobre as quais se assentam todas as morais.
Essa facilidade leva-nos ao risco de não nos
questionarmos se o nosso modo de “ser homens” não é
por demais antigo para viver na idade da técnica.
1. O homem e a técnica
Nessa inserção rápida e inevitável, carregamos ainda dentro de nós os traços do homem pré-tecnológico, que agia em vista de objetivos inscritos num horizonte de sentido, com um estoque de idéias próprias e um conjunto de sentimentos nos quais nos reconhecíamos.
A idade da técnica aboliu esse cenário "humanista", e as demandas de sentido continuam desatendidas, não porque a técnica não esteja ainda bastante aperfeiçoada, mas porque não se enquadra em seu programa encontrar respostas para semelhantes demandas.
1. O homem e a técnica
A técnica não tende a um objetivo, não promove um
sentido, não abre cenários de salvação, não redime,
não desvenda a verdade: a técnica funciona, e
como o seu funcionamento se toma planetário, é
necessário rever os conceitos de individuo,
identidade, liberdade, salvação, verdade,
sentido, objetivo e também os de natureza,
ética, política, religião, história, dos quais se
nutria a idade pré-tecnológica e que hoje, na era da
técnica, precisam ser reconsiderados, deixados de
lado ou reconstituídos a partir de suas raízes.
2. A técnica é o nosso mundo
Resta ainda muito a pensar. Mas, antes de tudo, resta pensar se as categorias que herdamos da idade pré-tecnológica, e que até hoje empregamos para descrever o homem, são ainda aptas para esse evento absolutamente novo em que a humanidade, tal como historicamente a conhecemos, faz a experiência da sua própria ultrapassagem.
Para nos orientar, precisamos antes de tudo acabar com as falsas inocências.
2. A técnica é o nosso mundo
A fábula da técnica neutra, que só oferece
os meios, cabendo depois aos homens
empregá-Ios para o bem ou para o mal.
A técnica não é neutra, porque cria um
mundo com determinadas características
com as quais não podemos deixar de
conviver e, vivendo com elas, contrair
hábitos que obrigatoriamente nos
transformam.
2. A técnica é o nosso mundo
Não somos seres imaculados e estranhos que as
vezes se servem da técnica e as vezes dela
prescindem.
Pelo fato de habitarmos um mundo em que
todas as suas partes estão tecnicamente
organizadas, a técnica não é mais objeto de
uma escolha nossa, pois é o nosso ambiente,
onde fins e meios, escopos e idealizações,
condutas, ações e paixões, inclusive sonhos e
desejos, estão tecnicamente articulados e
precisam da técnica para se expressar.
2. A técnica é o nosso mundo
Vivemos a técnica irremediavelmente, sem possibilidade de escolha.
Esse é o nosso destino como ocidentais avançados, e aqueles que, embora vivendo-o, acham que podem encontrar uma essência do homem além do condicionamento técnico, como as vezes ouvimos, são simplesmente pessoas inconscientes, que vivem a mitologia do homem livre para todas as escolhas, o que só existe nos delírios de onipotência dos que continuam a ver o homem fora das condições reais e concretas da sua existência.
3. A técnica é a essência do homem.
Com o termo "técnica" entende-se tanto o universo dos meios (as tecnologias), que em seu conjunto compõem o aparato técnico, quanto à racionalidade que preside o seu emprego, em termos de funcionalidade e eficiência.
Com essas características, a técnica não nasceu como expressão do "espírito" humano, mas como "remédio" à sua insuficiência biológica.
3. A técnica é a essência do homem.
Diferente do animal, que vive no mundo estabilizado
pelo instinto, o homem, pela carência da sua
dotação instintiva, só pode viver graças à sua ação,
que logo se encaminha para aqueles procedimentos
técnicos que recortam um mundo para o homem.
A antecipação, a idealização, a projeção, a liberdade
de movimento e de ação, em suma, a história como
sucessão de auto-criações tem na carência biológica
a sua raiz e no agir técnico a sua expressão.
3. A técnica é a essência do homem.
Nesse sentido, é possível dizer que a técnica é a
essência do homem, não só porque, em razão da sua
insuficiente dotação instintiva, o homem sem a técnica não
teria sobrevivido, mas também porque, explorando essa
plasticidade de adaptação que deriva da generalidade e
não-rigidez dos seus instintos, pôde alcançar
"culturalmente", por meio de procedimentos técnicos de
seleção e estabilização, aquela seletividade e estabilidade
que o animal possui "por natureza".
4. A gênese "instrumental" da técnica
Se aceitarmos a tese de que a técnica é a
essência do homem, então o primeiro
critério de legibilidade que deve ser
modificado na idade da técnica é aquele
tradicional que vê o homem como sujeito e
a técnica como instrumento à sua
disposição.
4. A gênese "instrumental" da técnica
Isso podia ser verdadeiro no mundo antigo, onde a
técnica era exercida dentro dos muros da cidade,
era um encrave dentro da natureza, cuja lei
inquestionável regulava por inteiro a vida do
homem.
Por isso, Prometeu, o inventor das técnicas, podia
dizer: "a técnica é muito mais fraca do que a
necessidade".
4. A gênese "instrumental" da técnica
Hoje a cidade estendeu-se até os confins da Terra, e a
natureza que se reduziu ao encrave, a um retalho
circundado pelos muros da cidade.
Assim a técnica, de instrumento nas mãos do homem
para dominar a natureza, torna-se o ambiente do
homem, aquilo que o rodeia e o constitui, segundo as
regras da racionalidade que, seguindo os critérios da
funcionalidade e da eficiência, não hesita em
subordinar as demandas do homem às exigências do
aparato técnico.
4. A gênese "instrumental" da técnica
A técnica está inscrita por inteiro na constelação do
domínio, de onde nasceu e em cujo seio só pôde se
desenvolver por meio de rigorosos procedimentos de
controle, que para tanto, tinha que ser planetário.
Essa rápida seqüência já fora claramente entrevista
e anunciada pela ciência moderna em seu alvorecer,
quando, sem demora e com clara antevidência, F.
Bacon proclamou: “Scientia est potentia".
5. A transformação da técnica de "meio" em "fim"
Na época de Bacon os meios técnicos eram ainda
insuficientes, e o homem podia reivindicar para si a
subjetividade e o seu domínio sobre a
instrumentação técnica.
Hoje, em vez disso, o "meio" técnico se agigantou
de tal forma, em termos de força e extensão, que
determinou aquela inversão da quantidade em
qualidade, o que faz a diferença entre a natureza
da técnica antiga e o estado moderno da técnica.
5. A transformação da técnica de "meio" em "fim"
Enquanto a instrumentação técnica disponível era
apenas suficiente para aqueles fins nos quais se
expressava a satisfação das necessidades humanas, a
técnica era um simples meio, cujo significado era
inteiramente absorvido pelo fim; mas quando a técnica
aumenta quantitativamente, a ponto de se tornar
disponível para a realização de todo e qualquer fim,
então muda qualitativamente o cenário, porque não é
mais o fim que condiciona a representação, a pesquisa, a
aquisição dos meios técnicos, mas será a disponibilidade
ampliada dos meios técnicos que desvela o leque dos
fins que, por meio deles, podem ser alcançados.
5. A transformação da técnica de "meio" em "fim"
Assim, a técnica se transforma de meio em fim, não porque a técnica se proponha algo, mas porque todos os objetivos e fins que os homens se propõem não podem ser atingidos, a não ser pela mediação técnica.
Marx havia descrito essa transformação dos meios em fins a propósito do dinheiro; se como meio serve para produzir bens e satisfazer necessidades, quando bens e necessidades passam a ser mediados inteiramente pelo dinheiro, então este se toma o fim, e, para atingí-Io, se necessário, sacrifica-se até a produção dos bens e a satisfação das necessidades.
5. A transformação da técnica de "meio" em "fim"
Se o meio técnico é a condição necessária
para realizar todo e qualquer fim, que não
pode ser alcançado prescindindo-se do meio
técnico, a obtenção do meio se torna o
verdadeiro fim a que tudo se subordina.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
Se a técnica se torna esse horizonte último a partir do
qual se desvelam todos os campos da experiência, se
não é mais a experiência que, reiterada, comanda o
procedimento técnico, mas é a técnica que se coloca
como condição a decidir o modo de se fazer
experiência, então assistimos a uma reviravolta pela
qual o sujeito da história não é mais o homem, e sim a
técnica, que emancipando-se da condição de mero
"instrumento", dispõe da natureza como um fundo e do
homem como um funcionário seu.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
Essa constatação comporta uma
revisão radical dos tradicionais
modos de entender a razão, a
verdade, a ideologia, a
política, a ética, a natureza, a
religião e a própria história.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
A razão não é mais a ordem imutável do
cosmo que se refletia na mitologia, depois na
filosofia e por fim na ciência, criando as
respectivas "cosmologias", mas se torna
procedimento instrumental que garante o
cálculo mais econômico entre os meios à
disposição e os objetivos que se pretendem
alcançar.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
A verdade não é mais a conformidade com a
ordem do cosmo ou com Deus; se não existe
mais um horizonte capaz de garantir o
quadro eterno da ordem imutável, se a
ordem do mundo não está mais no seu ser,
mas depende do "fazer técnico", a eficácia
se toma explicitamente o único critério de
verdade.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
As ideologias, cuja força repousava na imutabilidade do seu corpo doutrinário, na idade da técnica não resistem mais à dura redução de todas as idéias a simples - hipóteses de trabalho.
Diferentemente das ideologias, - que morrem no
momento em que o seu núcleo teórico "não fazem
mais o mundo" e muito menos o "explica" - a técnica
pensa as próprias hipóteses como superáveis "em
princípio", e por isso não se extingue quando o seu
núcleo teórico se revela ineficaz; não tendo ligado a
sua verdade a esse núcleo, pode mudar e corrigir-se
sem se desacreditar. Seus erros não a destroem, mas
se convertem imediatamente em ocasiões de
autocorreção.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
A política, que Platão havia definido como a "tecnica regia", porque atribuía a todas as técnicas às suas respectivas finalidades, hoje a política só decide condicionada pelo aparato econômico, que por sua vez, se subordina às disponibilidades garantidas pelo aparato técnico.
Desse modo, a política encontra-se numa situação de adaptação passiva, condicionada como está pelo desenvolvimento técnico que ela não pode controlar, e menos ainda orientar, mas só garantir. Reduzindo-se cada vez mais à mera administração técnica, a política mantém papel ativo e, portanto decisivo, apenas onde a técnica ainda não é hegemônica, ou onde, em sua hegemonia, apresenta ainda lacunas ou insuficiências em vista do vínculo com sua racionalidade instrumental.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
A ética, como forma de agir em vista de fins, sente a sua impotência no mundo da técnica, regulado pelo fazer como pura produção de resultados, em que os efeitos se adicionam de tal modo que os resultados finais não se remetem mais às intenções dos agentes iniciais.
Isso significa que não é mais a ética que escolhe os fins e encarrega a técnica de encontrar os meios, mas é a técnica que, assumindo como fins os resultados dos seus procedimentos, condiciona a ética, obrigando-a a tomar posição sobre uma realidade já posta, não mais natural e sim artificial, que a técnica não cessa de construir e tornar possível qualquer que seja a posição assumida pela ética.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
Uma vez que o "agir" está subordinado ao "fazer", como é possível impedir, a quem é capaz de fazer, de não fazer o que pode?
Não com a moral da intenção, inaugurada pelo cristianismo e reproposta por Kant nos termos da "mera razão“. Porque esta, fundando-se no princípio subjetivo da autodeterminação e não no da responsabilidade objetiva, não leva em consideração as conseqüências objetivas das ações e, justamente porque se limita a salvaguardar a "boa intenção", não pode estar à altura do fazer técnico.
Também não com a ética da responsabilidade, que M. Weber introduziu, porque se limita a exigir, que "se responda pelas conseqüências previsíveis das próprias ações", mas é próprio da técnica descerrar o cenário da imprevisibilidade, devido não à falta de conhecimento, como na antiga técnica, e sim a um excesso do nosso poder de fazer, enormemente maior do que o nosso poder de prever.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
A natureza. A relação homem-natureza foi regulada, por nós ocidentais, por duas visões de mundo: a grega, que concebe a natureza como morada dos homens e dos deuses, e a judaico-cristã, depois retomada pela ciência moderna, que a concebe como o campo de domínio do homem.
Por diferentes que sejam, essas duas concepções convergem ao excluir a natureza da esfera de competência da ética, cujo âmbito até agora se limitou à regulação das relações entre os homens, sem extensão aos entes da natureza. Hoje, no entanto, quando a natureza mostra toda a sua vulnerabilidade por efeito da técnica, abre-se um cenário diante do qual as éticas tradicionais emudecem, porque não têm instrumentos para acolher a natureza para o âmbito da responsabilidade humana.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
A religião tem como pressuposto uma dimensão do
tempo em que no final (éschaton) se realiza aquilo que no
inicio fora anunciado. Só nessa dimensão "escatológica",
que inscreve o tempo dentro de um projeto, é que
adquirem sentido os eventos que acontecem no tempo.
A técnica, no entanto, substituindo a dimensão
escatológica do tempo pela projetual, subtrai da
religião, por efeito dessa contração do tempo, a
possibilidade de ver no tempo um projeto, um
sentido, um fim último, àquele que se pode fazer
referência para pronunciar palavras de salvação e
verdade.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
A história constitui-se no ato da sua narração, que ordena a sucessão dos acontecimentos segundo uma trama de sentido.
Encontrar um sentido transforma o tempo em
história; assim como perder o sentido dissolve a
história no fluir insignificante do tempo.
O caráter "a-finalista" da técnica, que não se
move em vista de fins, mas só de resultados que
nascem dos seus procedimentos, abole qualquer
horizonte de sentido, determinando assim o fim
da história como tempo dotado de sentido.
6. A técnica e a revisão dos cenários históricos
Em relação à memória histórica, a memória da
técnica, sendo só procedimental, reduz o passado à
insignificância do "superado" [ultra-passado] e
concede ao futuro o mero significado de
"aperfeiçoamento" dos procedimentos técnicos.
O homem, a esta altura, em sua total dependência do
aparato técnico, se toma "a-histórico", porque não
dispõe de outra memória, a não ser aquela mediada
pela técnica, pela qual não existe mais aquilo que
remonta ao ontem.
8. A técnica e a supressão de todos os fins no universo dos
meiosEntre as categorias que costumamos usar para nos
orientarmos no mundo, a única que nos põe à altura do
cenário aberto pela técnica é a categoria de absoluto.
Essa prerrogativa, que o homem atribuiu
primeiramente à natureza, e depois a Deus, agora não
a reserva para si mesmo, mas ao mundo das suas
máquinas, em relação a cuja força, ainda mais inscrita
no automatismo que as potencializa, o homem se toma
decisivamente inferior, além de inconsciente da própria
inferioridade.
8. A técnica e a supressão de todos os fins no universo dos
meiosPor efeito dessa inconsciência, quem aciona o aparato
técnico ou quem simplesmente está inserido nele, já
sem poder distinguir se é ativo ou se é acionado por
ele, não pergunta mais se o objetivo, pelo qual o
aparato técnico é posto em movimento, é justificável ou
mesmo se tem um sentido, porque isso significaria
duvidar da técnica, sem a qual nenhum sentido e
nenhum objetivo seriam alcançáveis; então, a
"responsabilidade" é confiada ao "responso" técnico,
onde está subentendido o imperativo: "deve-se”
fazer tudo que "se pode" fazer.
8. A técnica e a supressão de todos os fins no universo dos
meiosMas, quando o positivo está inscrito por inteiro no
exercício da força técnica e o negativo está circunscrito
ao erro técnico, ao defeito tecnicamente reparável, a
técnica ganha aquele nível de auto-referencialidade que,
subtraindo-a de qualquer condicionamento, coloca-a como
um absoluto.
Um absoluto que se apresenta como um universo de
meios, pelo qual, como não tem em vista verdadeiros
fins, mas só efeitos, traduz os presumidos fins em
ulteriores meios para o incremento infinito da sua
funcionalidade e eficiência.
8. A técnica e a supressão de todos os fins no universo dos
meiosNessa "malvada infinidade", como a chamaria Hegel, alguma coisa só tem valor "se for boa para alguma outra coisa", e por isso os objetivos finais, os escopos, que na idade pré tecnológica regulavam as ações dos homens e a elas conferiam "sentido", na idade da técnica parecem absolutamente "insensatos".
Se o encontro de sentido favorece a existência; se, como escreve Nietzsche, representa para a condição humana uma vantagem biológica, lá onde o sentido não existe é preciso inventá-lo, e então o "sentido" se justifica porque, como meio para viver, é capaz de assumir, por sua vez, a condição de "meio".
8. Da alienação tecnológica à identificação tecnológica
O que será do homem num universo de meios que não têm
em vista outra coisa senão o aperfeiçoamento e a
potencialização da sua própria instrumentação?
Responder significa entender que hoje o mundo da vida é
todo gerado e tornado possível pelo aparato técnico, e o
homem se torna um funcionário desse aparato e a sua
identidade se resolve inteiramente na sua funcionalidade.
Por isso é possível dizer que, na idade da técnica, o homem
está perto-de-si apenas enquanto é funcional a esse outro-
de-si que é a técnica.
8. Da alienação tecnológica à identificação tecnológica
A técnica não é o homem, mas nascida como condição da existência humana e, portanto, como expressão da sua essência, hoje pelas dimensões alcançadas e pela autonomia adquirida, a técnica expressa a abstração e a combinação das idealizações e das ações humanas num nível de artificialidade tal que nenhum homem ou nenhum grupo humano, é capaz de controlá-la em sua totalidade.
Nesse contexto, ser reduzido a funcionário da técnica significa, para o homem, ser transferido "para outro lugar", em relação ao “habitat” que historicamente conheceu; significa estar longe de si.
8. Da alienação tecnológica à identificação tecnológica
Marx chamou essa condição de "alienação" e, coerentemente com as condições do seu tempo, circunscreveu a alienação ao modo de produção capitalista. Mas, tanto o capitalismo (por causa da alienação) quanto o comunismo (que Marx projetava como remédio à alienação) ainda são figuras inscritas no humanismo, ou seja, naquele horizonte de sentido típico da idade pré-tecnológica, em que o homem é visto como sujeito, e a técnica como instrumento.
Na idade da técnica, que começa quando o universo dos meios não tem em vista nenhuma finalidade (nem mesmo o lucro), a relação se inverte, no sentido de que o homem não é mais um sujeito que a produção capitalista aliena e reifica, mas um produto da alienação tecnológica, a qual se organiza como sujeito e faz do homem um predicado [funcionário] seu.
8. Da alienação tecnológica à identificação tecnológica
Portanto, a instrumentação teórica colocada à disposição
por Marx, que também foi um dos primeiros a prever os
cenários da idade da técnica, por ele chamada de
"civilização das máquinas", não é mais de todo idônea
para se ler à época da técnica, não porque historicamente
o capitalismo derrotou o comunismo, mas porque Marx
moveu-se ainda num horizonte humanista, referindo-se ao
homem pré-tecnológico, em que, como quer a lição de
Hegel, o servo tem como antagonista o senhor e vice-
versa, enquanto, na idade da técnica, não há mais nem
senhores nem servos, mas só as exigências dessa rígida
racionalidade à qual todos devem se subordinar.
8. Da alienação tecnológica à identificação tecnológica
Nessa altura, o próprio conceito marxista de "alienação"
parece insuficiente, porque só pode-se falar de alienação
quando, num cenário humanista, há uma antropologia que
quer se recuperar da sua estranheza na produção, num
contexto caracterizado pelo conflito de duas vontades, de
dois sujeitos que ainda se consideram titulares das próprias
ações; não quando há um único sujeito - o aparato técnico -
em relação ao qual todos os indivíduos são simplesmente
predicados.
8. Da alienação tecnológica à identificação tecnológica
Existindo exclusivamente como predicado do aparelho técnico, que se coloca como absoluto, o homem não é mais capaz de se perceber como "alienado", porque a alienação prevê, pelo menos em perspectiva, um cenário alternativo que o absoluto técnico não concede.
O homem traduz a sua alienação no aparato, identificando-se com o aparato. Em razão dessa identificação, o sujeito individual não encontra em si outra identidade fora daquela que lhe foi conferida pelo aparato técnico e, quando se dá a identificação dos indivíduos com a função atribuída pelo aparato, a funcionalidade, que se tornou autônoma, reabsorve em si todo o senso residual de identidade.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Como o homem, enquanto funcionário do aparato
técnico, não é mais legível segundo as estruturas de
categorias elaboradas e maturadas na idade pré-
tecnológica, ocorre uma radical revisão dessas
categorias humanistas, a partir das noções de
individuo, identidade, liberdade, comunicação, que
levam ao conceito de alma, cujo obsoletismo psíquico
ainda não permite, ao homem moderno, uma adequada
compreensão da idade da técnica.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
O individuo. Essa noção tipicamente ocidental, que teve na noção platônica de "alma", revisitada pelo cristianismo, o seu ato de nascimento, tem na idade da técnica o seu previsível momento de morte. Claro que não morre essa entidade indivisível (do latim: in-dividuum), que no campo natural faz parte da espécie e, no campo cultural, de uma sociedade da qual repete o tipo geral, mas morre aquele sujeito que, a partir da consciência da própria individualidade, pensa-se autônomo, independente, livre, até os limites da liberdade alheia e, por efeito desse reconhecimento, igual aos demais.
Em outras palavras, não morre o individuo empírico, o átomo social, mas o sistema de valores que, a partir dessa singularidade, decidiu a nossa história.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
A identidade. Esta noção que, como a de individuo, nasce no bojo da antropologia ocidental - porque antes do Ocidente o indivíduo não reconhece a sua identidade, mas só o pertencer ao grupo com o qual se identifica - depende, do reconhecimento, como nos recorda Hegel,.
Enquanto na idade pré-tecnológica era possível reconhecer a identidade de um individuo pelas suas ações, porque estas eram lidas como manifestações da sua alma, entendida como sujeito que decide, hoje as ações do individuo não são mais lidas como expressões da sua identidade, mas como possibilidades calculadas pelo aparato técnico, que não só as prevê, mas até mesmo prescreve a forma da sua execução. Executando-as, o sujeito não revela a sua identidade, mas a do aparato, no seio do qual a sua identidade pessoal se resolve como pura e simples funcionalidade.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
A Iiberdade. Se com essa palavra entendemos o exercício da livre escolha a partir das condições existentes, devemos dizer que a sociedade tecnologicamente avançada oferece um espaço de liberdade decisivamente superior àquele concedido nas sociedades pouco diferenciadas, em que a qualidade pessoal e não objetiva dos vínculos, bem como a homogeneidade social, reduz a margem de liberdade ao ato elementar da obediência ou da desobediência.
A técnica, tendo como seu imperativo a promoção de tudo o que é possível promover, cria um sistema aberto que continuamente gera um leque cada vez mais amplo de opções, que se tornam, aos poucos, praticáveis em vista dos níveis de competência que os indivíduos vão adquirindo.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Mas, a liberdade como competência, tendo como espaço
expressivo aquele impessoal das relações profissionais, cria
uma cisão radical entre "público" e "privado", que embora seja
por muitos aclamada como o eixo da liberdade, comporta uma
condução esquizofrênica da vida individual (esquizofrenia
funcional), que se manifesta toda vez que a função - que cabe
ao individuo como membro impessoal da organização técnica
- entra em colisão com aquilo a que o individuo aspira ser
como sujeito global.
Determina-se pela primeira vez na história a possibilidade, para o individuo, de entrar em relação com os outros indivíduos e, portanto, de "fazer sociedade", contudo sem que isso comporte qualquer vinculo de natureza pessoal.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Então, privados de uma experiência de ação
comum, que é cada vez mais prerrogativa
exclusiva da técnica, os indivíduos reagem ao
senso de impotência que experimentam dobrando-
se sobre si mesmos e, na impossibilidade de
reconhecerem-se comunitariamente, terminam por
considerar a própria sociedade em termos
puramente instrumentais.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
A cultura de massa. A desarticulação entre "público" e
"privado", entre "social" e "individual", operada pela
racionalidade técnica, modifica também o conceito
tradicional de "massa", introduzindo uma variante que é a
sua atomização e desarticulação em singularidades
individuais que, modeladas por produtos de massa,
consumos de massa, informações de massa, torna
obsoleto o conceito de massa como concentração de
muitos, substituindo-o pelo de massificação como
qualidade de milhões de indivíduos, onde cada um dos
quais produz, consome e recebe as mesmas coisas que
todos, mas de modo solitário.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Assim, é atribuída a cada um a própria massificação, mas
com a ilusão da privacidade e o aparente
reconhecimento da própria individualidade, de modo que
ninguém esteja mais em condição de perceber um
"externo" em relação a um "interno", porque o que cada
um encontra em público é exatamente igual àquilo de
que dispõe privadamente. Nascem dai os processos de
desindividualização e desprivatização que estão na
base das condutas de massa típicas das sociedades
ratificadoras e conformistas.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Os meios de comunicação. Para a ratificação
social contribuem de modo exponencial os meios de
comunicação, que a técnica potencializou
modificando o nosso modo de fazer experiência:
não mais em contato com o mundo, mas com a
representação midiática do mundo, que torna
próximo o longínquo, presente o ausente, disponível
aquilo que, de outra forma, estaria indisponível.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Libertando-nos da experiência direta e colocando-nos em
relação, não com os eventos, mas com a sua
representação, os meios de comunicação não precisam
falsificar ou esconder a realidade, porque justamente a
própria informação codifica, e o efeito de código torna-se
não só critério interpretativo da realidade, mas também
modelo indutor dos nossos juízos, que por sua vez,
geram comportamentos, no mundo real, conformes ao
que foi apreendido a partir do modelo indutor.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Nessa comunicação tautológica, em que o ouvinte ouve as mesmas coisas que ele próprio poderia tranqüilamente dizer, e quem fala diz as mesmas coisas que poderia ouvir de qualquer um, nesse monólogo coletivo a experiência da comunicação desmorona, porque é abolida a diferença especifica entre as experiências pessoais do mundo que estão na base de qualquer necessidade comunicativa.
Com essa recorrência, as milhões de vozes e as mil imagens que envolvem a atmosfera abolem progressivamente as diferenças que ainda existem entre os homens e, aperfeiçoando a sua homologação, tornam supérfluo, se não impossível, falar "na primeira pessoa“.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Neste ponto, os meios de comunicação não parecem
mais serem simples "meios" à disposição do
homem, porque, ao intervir sobre a modalidade de
fazer experiência, modificam o homem
independentemente do uso que este faz deles e dos
objetivos que se propõe quando os emprega.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
A psique. Quando, na época pré-tecnológica, o mundo não estava disponível em sua totalidade, cada alma construía a si mesma como ressonância do mundo que experimentava. Essa ressonância era, para cada homem, a sua interioridade.
Hoje, dispensada da experiência pessoal do mundo, a alma de cada um se torna co-extensiva ao mundo. Desse modo, são suprimidas:
1) a diferença entre interioridade e exterioridade,
porque o conteúdo da vida psíquica de cada um
termina por coincidir com a comum representação do
mundo, ou pelo menos, com aquilo que os meios de
comunicação Ihe apresentam como "mundo“;
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
2) a diferença entre profundidade e superfície, porque a profundidade termina sendo nada mais que o reflexo individual das regras do jogo, comum a todos, revelado na superfície;
3) a diferença entre atividade e passividade, porque se a tendência da sociedade tecnológica é aquela de funcionar num regime de máxima racionalidade, portanto leibnizianamente como um sistema harmônico preestabelecido, não se dá nenhuma "atividade" que não seja, por isso mesmo, "adaptação" aos procedimentos técnicos que, sozinhos, a tornam possível.
9. A técnica e a revisão das categorias humanistas
Desse modo, a alma é progressivamente
despsicologizada e se toma incapaz de compreender o
que verdadeiramente significa viver na idade da técnica,
em que o que se pede é uma potencialização das
faculdades intelectuais sobre as emotivas, para poder
estar à altura da cultura objetivada nas coisas que a
técnica exige, em detrimento e à custa daquela subjetiva
dos indivíduos.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
A "despsicologização" da alma mantém as discussões
sobre a idade da técnica naquele nível não essencial que
é a exaltação incondicional ou a demonização acrítica.
Hoje o horizonte da compreensão não é mais a
natureza, em sua estabilidade e inviolabilidade, nem a
história, que vivemos e narramos como progressivo
domínio do homem sobre a natureza, mas a técnica,
que desvela um espaço interpretativo que
definitivamente se despediu tanto do horizonte da
natureza quanto daquele da história.
Esta é a virada histórica que a humanidade se
encontra: a história que vivemos conheceu a
técnica como o fazer manipulativo, que não
estando em condição de incidir sobre os grandes
ciclos da natureza e da espécie, estava
circunscrito a um horizonte que permanecia
estável e inviolável.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Modernamente, até esse horizonte enquadra-se dentro
das possibilidades da manipulação técnica, cujo poder de
experimentação não tem limites porque, diferentemente
do que acontecia no inicio da idade moderna - quando a
experimentação científica acontecia "em laboratório",
portanto num mundo artificial, distinto do natural -
hoje o laboratório tornou-se co extensivo ao mundo, e é
difícil continuar a chamar de "experimentação" algo que
modifica de modo irreversível a nossa realidade
geográfica e, em conseqüência, a história.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Quando as condições colocadas "por hipótese" deixam
efeitos irreversíveis, não é mais possível continuar a
inscrever a técnica no juízo hipotético-conjectural
que tem como suas características a
problematicidade, a revisionabilidade, a
provisoriedade, a perfectibilidade, a falsificabilidade;
em vez disso, é preciso inscrevê-la no juízo histórico
epocal, que é o mais severo dos juízos, porque aquilo
que acontece uma vez toma-se irrevogável, é para
sempre.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Se o homem não existe prescindindo-se daquilo que
faz, aí vem a pergunta: O que o homem se torna
dentro do horizonte da experimentação ilimitada e
da manipulação infinita desvelada pela técnica?
Para responder é necessário superar a certeza
ingênua, segundo a qual a natureza humana é algo
estável, que não se contamina e permanece intacto,
não importando o que o homem faça.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
De fato, se o homem, como quer a expressão de
Nietzsche, é aquele "animal ainda não
estabilizado", que desde a origem não pode
deixar de agir tecnicamente, então a sua
natureza se modifica a partir das modalidades
desse "fazer", que por isso, se torna o horizonte
da sua autocompreensão.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Portanto, não o homem que pode usar a técnica
como algo neutro em relação à sua natureza, mas o
homem cuja natureza se modifica a partir das
modalidades com as quais se envolve tecnicamente.
Hoje a técnica prepara o homem para um mundo que
se apresenta como algo de ilimitada
manipulabilidade, e por isso a natureza humana não
pode ser pensada como aquela que se relacionava
com um mundo que a história nos descreveu, em seus
limites, como inviolável e fundamentalmente
imodificável.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
No entanto, mesmo hoje a humanidade não esta à altura
do evento técnico por ela mesma produzido e, quem
sabe pela primeira vez na história, a sua sensação, a sua
percepção, a sua imaginação, o seu sentimento se
revelam inadequados ao que está ocorrendo.
A capacidade de produção, que é ilimitada, superou a
capacidade de imaginação; que é limitada, de modo a
não nos permitir mais compreender e, no limite,
considerar como "nossos" os efeitos que o irreversível
desenvolvimento técnico é capaz de produzir.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Quanto mais se complica o aparato técnico, quanto mais
cerrada se torna a conexão entre os sub-aparatos,
quanto mais se agigantam os seus efeitos, tanto mais se
reduz a nossa capacidade de percepção, em vista dos
processos, dos resultados, das conclusões, para não
dizer dos objetivos dos quais somos parte e condição.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Como, diante daquilo que não se consegue nem perceber nem imaginar, o nosso sentimento se toma incapaz de reagir, soma-se ao "niilismo ativo" da técnica, estabelecida em seu "fazer sem objetivo", o "niilismo passivo" denunciado por Nietzsche, que nos deixa "frios", porque o nosso sentimento de reação fica paralisado na soleira.
Assim, como "analfabetos emotivos", assistimos à
irracionalidade que nasce da perfeita racionalidade
(instrumental) da organização técnica, que cresce por si
mesma, fora de qualquer horizonte de sentido.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Diferentemente do niilismo descrito pela filosofia, que se pergunta sobre o sentido do ser e do não ser, o niilismo da técnica põe em jogo não só o sentido do ser e, portanto, do homem, mas o ser próprio do homem e do mundo, em sua totalidade.
Se o niilismo descrito pela filosofia era antecipador, profético, mas impotente, porque não era capaz de determinar o niilismo que prefigurava, o niilismo subjacente ao caráter afinalista da técnica não só tem o poder da aniquilação, mas mantida a qualidade dos imperativos técnicos e a moral dos instrumentos que dai deriva, é capaz de exercer esse poder.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
O fato da filosofia - e com ela, também a literatura e
a arte - ainda se deter sobre o problema do sentido
do ser e, portanto, do homem, sem se preocupar
com o problema da possibilidade do homem e o
mundo continuarem a ser, contribuem para esse
"niilismo passivo“, que Nietzsche denunciava como
niilismo da resignação.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Nascida sob o signo da antecipação, da qual
Prometeu, "aquele que pensa antes", a técnica
termina por subtrair do homem qualquer
possibilidade antecipadora e com ela a
responsabilidade e o domínio que derivam da
capacidade de prever. Nessa incapacidade, que
agora se tornou inadequação psíquica, se
esconde o maior perigo para o homem, assim
como na ampliação da sua capacidade de
compreensão está a sua frágil esperança.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
A experiência nazista, [o programa japonês de
armas biológicas durante a invasão da Manchúria e o
projeto técnico-científico Manhattan], não pela sua
crueldade e magnitude, mas justamente pela
irracionalidade que nasce da perfeita racionalidade de
uma organização; para a qual "exterminar" tinha o mero
significado de "executar um trabalho", pode[m] ser
assumida[os] como o[s] evento[s] que marca[m] o ato
de nascimento da idade contemporânea da técnica.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
Não foi [foram] como hoje pode parecer, evento[s] errante[s] ou atípico[s] para a nossa época e para o nosso modo de sentir; antes, foi [foram] evento[s] paradigmático[s], capaz[es] ainda hoje de assinalar que, se não formos capazes de nos colocar à altura do agir técnico generalizado, com dimensão global e sem lacunas, cada um de nós cairá nas malhas dessa irresponsabilidade individual que permitirá ao totalitarismo da técnica continuar avançando irreversivelmente, agora até sem a necessidade do apoio de superadas ideologias.
10. A idade da técnica e a inadequação da compreensão humana
A ampliação psíquica, que essas reflexões se
propõem a promover, se não é suficiente para
dominar a técnica, pelo menos evita que a técnica
conte com a inconsciência do homem e que, de
condição essencial para a existência humana,
se transforme em causa da insignificância do
seu existir.
Já que a técnica é condição essencial para a existência humana, é
importante reconhecer que houve uma mudança drástica e profunda na
relação do homem com a técnica, pois o "meio" técnico se agigantou de
tal forma, em termos de força e extensão, que determinou a inversão
da quantidade em qualidade, o que faz a diferença entre a natureza
da técnica antiga e o estado moderno da técnica. (Galimberti, 2006)
Assim, como resultado dessa mudança, onde a técnica é um fim nela mesma, a
experiência nazista e os programas de armas de destruição em massa são
eventos emblemáticos, que marcam o nascimento da idade contemporânea da
técnica.
Portanto, é importante conhecer e analisar as características e circunstâncias
históricas, políticas, culturais e sociais nos quais esses eventos germinaram e se
desenvolveram, e sobretudo avaliar as respostas que foram e estão sendo dadas
para os desafios impostos pela idade contemporânea da técnica, principalmente no
que diz respeito ao novo padrão de relação que surgiu entre o homem e o mundo
que habita e conscientizar as novas gerações, principalmente de jovens
universitários, sobre o totalitarismo técnico trans-ideológico, dissimulado e
embutido no funcionamento do mundo atual.
Joseph Stalin, 1924
“[A] Eficiência americana é aquela força indomável que não conhece e nem reconhece os obstáculos; que continua em uma tarefa uma vez iniciada, até que esteja terminada, mesmo que seja uma tarefa menor, e sem a qual o trabalho construtivo sério é inconcebível ....
A combinação da “varredura” revolucionária russa com a eficiência americana é a essência do leninismo ".
Totalitarismo técnico trans-ideológico
Imediatamente Antes
1760 -1840 Primeira revolução industrial: máquina operatriz, máquinas a vapor, carvão.
1880 Taylorismo ou administração científica do fluxo de trabalho para melhorar a eficiência
econômica e a produtividade do trabalho (F.W. Taylor).
1860 Segunda Revolução Industrial ou Revolução Tecnológica: aço, eletrificação, produção em massa e linhas de produção, ligas metálicas, motor de combustão, tecnologias de comunicação, indústria química.
1908 Fordismo: método de produção em massa combinado com aumento de salário, o que possibilita o consumo e alimenta a produção.
1884 a 1918 Namíbia torna-se uma colônia do Império alemão de Otto
von Bismarck. As etnias Herero e Namaqua são submetidas a
campos de extermínio, trabalho forçado, segregação e
deportação.
1914 a 1918 Primeira Guerra Mundial
1915 Na Batalha de Ypres (Bélgica), na frente ocidental da
Primeira Guerra Mundial, a Alemanha usou gás tóxico, pela primeira
vez em grande escala.
1933 a 1945 Programa japonês de Armas Biológicas - Uso na Manchúria.
1939 a 1945 Segunda Guerra Mundial
1941 a 1945 Campos de extermínio nazistas.
1942 a 1945 Projeto Manhattan, culmina em 1945 com o bombardeiro
americano B-29 que lança a primeira bomba atômica,
"Little Boy", em Hiroshima . A explosão mata cerca de 140.000
pessoas.
Imediatamente Antes
Imediatamente Depois... 1949 a 1964 USSR, Reino Unido, França, China detonam suas primeiras
bombas atômicas. 1974 A Índia realiza sua primeira explosão nuclear, que a qualifica
como sendo uma "explosão nuclear pacífica - Smiling Buddha".
1983 Uso de gás mostarda, sarin, tabum no Conflito Irã-Iraque. 1986 O jornal londrino “Sunday Times”, publica um extenso dossiê
detalhando o programa nuclear israelense, contendo as revelações do técnico Mordechai Vanunu, que trabalhou no reator nuclear em Dimona, no deserto de Negev.
1988 O Presidente da República Islâmica do Irã, Akbar H. Rafsaniani, declara que as armas químicas e biológicas são a “bomba atômica dos pobres”.
1995 Ataque terrorista no metro de Tóquio, utilizando sarin, perpetrado pela seita religiosa Aun Shinrikyo. Oito mortos e 5.510 pessoas hospitalizadas.
1998 Paquistão realiza seis testes nucleares. 2001 Cartas contaminadas com antraz nos EUA [e atentado às
Torres Gêmeas do WTC]. 5 mortos, 22 infectados, edifícios e serviços interditados.
2006 Coréia do Norte realiza seu primeiro teste de armas nucleares.
2013 Uso de armas químicas no conflito da Síria.
Depoimento de Franz Stangl*, a Gitta Sereny, diretor-geral dos campos de extermínio de
Sobibór e Treblinka, co-responsável pela morte de 900.000 pessoas.
"Quantos prisioneiros chegavam em cada comboio?", perguntei a Stang!."Em geral uns cinco mil. Às vezes, mais."
"Nunca falou com alguma das pessoas que chegavam?""Se falei? Não. [...] Geralmente, eu trabalhava no meu escritório até as onze horas - havia muito trabalho administrativo a despachar. Depois eu fazia outra inspeçao partindo do Totenlager. Àquela hora, ali já estavam bastante adiantados com o trabalho". Queria dizer que, àquela hora, as cinco ou seis mil pessoas que haviam chegado pela manhã ja estavam mortas: o "trabalho" era a acomodação dos corpos, que exigia quase todo o dia e que freqüentemente continuava durante a noite . [...] Àquela hora da manhã, tudo estava quase terminado no campo de baixo. Normalmente, um comboio nos mantinha ocupados por duas ou três horas. Ao meio-dia, eu almoçava. Depois, outra inspeção e mais trabalho no escritório. [...] 0 "trabalho" de matar com gas e queimar cinco mil seres humanos, e em alguns campos, de cinco a vinte mil pessoas em vinte e quatro horas, exigia o máximo de eficiência. Nenhum gesto inutil, nenhum atrito, nada de complicações, nada de acúmulo: Chegavam e no prazo de duas horas já estavam mortos", dizia Stang!. [...] .
"Mas senhor nao podia mudar nada disso tudo?", perguntei."Na sua posição, o senhor não podia impedir que as pessoas fossem despidas, açoitadas,
submetidas aos horrores daqueles recintos desumanos?""Não não, não! Aquele era o sistema. Wirth o havia criado. Funcionava. E se funcionava, era irreversível" .
*Preso em 1967 em São Paulo, Brasil, onde trabalhava na Volkswagen, foi deportado e condenado à prisão perpétua na Alemanha.
(Galimberti, 2006)
28 laureados com o Prêmio Nobel
envolveram-se em programas de armas
de destruição em massa.
Destes, 21 em física, 6 em química e
1 em medicina.
Armas de Destruição em Massa e o Prêmio Nobel
"Prezado Professor,
Sou sobrevivente de um campo de concentração.
Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver.
Câmaras de gás construídas por engenheiros formados.
Crianças envenenadas por médicos diplomados.
Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas.
Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de
colégios e universidades.
Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educação.
Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos.
Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou
psicopatas hábeis.
Ler, escrever e aritmética só são importantes para fazer nossas
crianças mais humanas."
Terminada a última guerra mundial foi encontrada,
num campo de concentração nazista, a seguinte
mensagem dirigida aos professores: