a literatura marginal (periférica) no contexto-pb

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1 A LITERATURA MARGINAL (PERIFÉRICA) NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO FRANCIELE QUEIROZ DA SILVA 1 LUCIENE ALMEIDA DE AZEVEDO (ORIENTADORA) 2 RESUMO: Identificando a Literatura Marginal (periférica) como um gênero presente e perturbador na literatura contemporânea, interessa-nos como fonte de investigação o boom das produções literárias escritas por jovens autores, moradores de periferia e os reflexos provocados por essas publicações nos estudos literários. O pressuposto é que as obras contemporâneas sob a denominação "marginal" contrariam o cânone literário e questionam os limites da definição da literatura. O objetivo principal do presente texto estará em problematizar fatores que rondam este 'movimento', tais como a própria nomenclatura "marginal", a questão da violência como um elemento de forte incidência nas narrativas marginais periféricas contemporâneas e o embate que há algum tempo está em curso entre duas vertentes distintas que disputam lugar na teorização sobre o literário: Estudos Culturais e a própria Teoria Literária. PALAVRAS-CHAVES: literatura, contemporaneidade, marginal, cânone, estudos culturais RÉSUMÉ: En prouvant la Littérature Marginale (périphérique) comme un genre présent et perturbateur dans la littérature contemporaine, ce que nous intéresse comme source de recherche c'est le boom des productions littéraires réalisées par des jeunes auteurs, des habitants à la banlieue et des réflexes causés dans les études littéraires. La présupposition est que les oeuvres contemporaines sous la dénomination "marginal" contrarient le canon littéraire et interrogent les limites de la définition de la littérature. Le bus principal de cette production sera discuter des facteurs qui accompagnent ce "mouvement", ainsi que la nomenclature "marginale" elle-même, la question de la violence comme un élément de forte incidence dans les récits marginaux périphériques contemporains et l'affrontement qu'il y a depuis quelque temps en cours entre deux sources distinctes qui disputent place dans la théorisation sur le littéraire: Études Culturelles et la Théorie Littéraire elle-même. MOTS- CLÉ : littérature; contemporanéité, marginal, canon, études culturelles. 1 Instituto de Letras e Lingüística/Universidade Federal de Uberlândia; Endereço: Avenida João Naves de Ávila, 2121, Uberlândia, CEP. 38400-902. E-mail: [email protected]. 2 Instituto de Letras e Lingüística/ Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Avenida João Naves de Ávila, 2121, Uberlândia, CEP. 38400-902. E-mail: [email protected].

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Livro de poemas de um dos livros mais importantes de Baudelaire e sua multiplicidade de estilos.

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  • 1

    A LITERATURA MARGINAL (PERIFRICA) NO CONTEXTO CONTEMPORNEO

    FRANCIELE QUEIROZ DA SILVA1 LUCIENE ALMEIDA DE AZEVEDO (ORIENTADORA) 2 RESUMO: Identificando a Literatura Marginal (perifrica) como um gnero presente e perturbador na literatura contempornea, interessa-nos como fonte de investigao o boom das produes literrias escritas por jovens autores, moradores de periferia e os reflexos provocados por essas publicaes nos estudos literrios. O pressuposto que as obras contemporneas sob a denominao "marginal" contrariam o cnone literrio e questionam os limites da definio da literatura. O objetivo principal do presente texto estar em problematizar fatores que rondam este 'movimento', tais como a prpria nomenclatura "marginal", a questo da violncia como um elemento de forte incidncia nas narrativas marginais perifricas contemporneas e o embate que h algum tempo est em curso entre duas vertentes distintas que disputam lugar na teorizao sobre o literrio: Estudos Culturais e a prpria Teoria Literria. PALAVRAS-CHAVES: literatura, contemporaneidade, marginal, cnone, estudos culturais RSUM: En prouvant la Littrature Marginale (priphrique) comme un genre prsent et perturbateur dans la littrature contemporaine, ce que nous intresse comme source de recherche c'est le boom des productions littraires ralises par des jeunes auteurs, des habitants la banlieue et des rflexes causs dans les tudes littraires. La prsupposition est que les oeuvres contemporaines sous la dnomination "marginal" contrarient le canon littraire et interrogent les limites de la dfinition de la littrature. Le bus principal de cette production sera discuter des facteurs qui accompagnent ce "mouvement", ainsi que la nomenclature "marginale" elle-mme, la question de la violence comme un lment de forte incidence dans les rcits marginaux priphriques contemporains et l'affrontement qu'il y a depuis quelque temps en cours entre deux sources distinctes qui disputent place dans la thorisation sur le littraire: tudes Culturelles et la Thorie Littraire elle-mme. MOTS- CL : littrature; contemporanit, marginal, canon, tudes culturelles.

    1 Instituto de Letras e Lingstica/Universidade Federal de Uberlndia; Endereo: Avenida Joo Naves de vila, 2121, Uberlndia, CEP. 38400-902. E-mail: [email protected]. 2 Instituto de Letras e Lingstica/ Universidade Federal de Uberlndia. Endereo: Avenida Joo Naves de vila, 2121, Uberlndia, CEP. 38400-902. E-mail: [email protected].

  • 2

    I- INTRODUO

    ENFRENTANDO O PRESENTE:

    UMA PERSPECTIVA MARGINAL O presente texto abordar

    questes que rondam uma das diversas

    facetas da cena literria atual, pois

    acreditamos que necessrio destacar

    do panorama mltiplo da

    contemporaneidade, a vertente sobre a

    qual nos debruaremos. Tendo em vista

    a "pluralidade de nomes e

    caractersticas" (AZEVEDO, 2004, p.6)

    na literatura contempornea, que s faz

    crescer mais a cada dia motivada pelas

    mudanas sociais e pela facilidade da

    publicao na Internet, o projeto

    promoveu um recorte sobre o vasto

    nmero de publicaes e props

    empreender uma pesquisa direcionada a

    um determinado grupo de escritores que

    se autodenominam "marginais".

    Segundo o estudioso Stuart Hall,

    "O sujeito assume identidades diferentes

    em diferentes momentos, identidades

    que no so unificadas ao redor do "eu"

    coerente." (1997, p.13). Entendendo que

    a emergncia do sujeito e sua

    importncia, cada vez maior a partir do

    Romantismo, est estritamente

    relacionada a isso que chamamos

    modernamente literatura, acreditamos

    que a literatura contempornea os

    autores que se lanam hoje como autores

    de literatura exige uma conscincia

    crtica a fim de estimular a reflexo

    sobre as mudanas que o surgimento de

    outras vozes e novos sujeitos impem

    como desafio ao pesquisador dessa rea.

    Nosso pressuposto de pesquisa

    considera que a Literatura Marginal

    (perifrica) um gnero perturbador na

    literatura contempornea. Acreditamos

    que essa pressuposio se justifique,

    principalmente, por estas produes

    colocarem em xeque as noes de valor,

    de cnone, questionando o que seja o

    "literrio" hoje. Dessa forma tentamos

    perceber algumas estratgias textuais e

    extratextuais que justificassem tal

    pressuposto. Nossas perguntas iniciais

    procuraram entender a nomenclatura

    deste 'movimento' que vem se

    fortalecendo na contemporaneidade: O

    que ser "marginal"? Marginal a qu?

    H diferena entre o marginal dos anos

    70 e o marginal contemporneo? Quais

    so as caractersticas deste "marginal"?

    Em seguida, investigamos o

    lugar reservado Literatura Marginal no

    embate entre Estudos Culturais e Teoria

    Literria alm de problematizar sua

    insero numa tradio literria

    especfica. E, depois disto, buscamos

    refletir sobre a extrema violncia como

    uma caracterstica dos textos ficcionais

    da Literatura Marginal Contempornea.

  • 3

    Acreditamos que importante

    confrontar-se com o presente na

    tentativa de traar panoramas, a fim de

    buscar conhecer essa nova literatura

    para propor hipteses, arriscando-se s

    produes 'marginais' na literatura.

    Alm disso, a relevncia desta pesquisa

    est em promover um estudo

    contemplando um ngulo da literatura

    muitas vezes no observado, no

    inserida nos padres cannicos e ainda

    muito questionada no que diz respeito

    sua "qualidade" literria.

    A escolha do referido tema deu-

    se pelo interesse investigativo em

    acreditar que a teoria " aquela que

    aceita se questionar a si prpria e

    colocar em causa o seu prprio discurso"

    (COMPAGNON apud SOUZA, 2002,

    p.282). Sendo assim, esta pesquisa se

    props a investigar caractersticas que

    nos apontem se a obra considerada

    'marginal' deve ser encarada sob novos

    parmetros.

    II - MATERIAL E MTODOS O CAMINHO... Nossa investigao est

    fundamentada na pesquisa de material

    bibliogrfico sobre o tema e na

    submisso desse material aos

    procedimentos comparativos e

    descritivos. A primeira etapa diz

    respeito ao mapeamento de escritores,

    crticos, pesquisadores ligados

    literatura contempornea, j que um dos

    interesses da proposta de pesquisa

    colocar o pesquisador em confronto com

    o que j se produziu e registrou a

    respeito da literatura marginal.

    O procedimento comparativo se

    justifica porque buscamos traar um

    histrico de incidncia do termo

    'marginal' na literatura brasileira a fim

    de identificarmos convergncias e/ou

    divergncias em relao ao momento

    contemporneo. J o aspecto descritivo

    diz respeito ao fato de que tentamos

    investir na descrio de caractersticas,

    propriedades ou relaes existentes entre

    os diferentes textos-alvo da pesquisa.

    O surgimento de diversos

    escritores no mercado editorial veio em

    conseqncia da expanso do espao

    virtual graas popularizao dos

    computadores e do acesso Internet. O

    poder de divulgao e circulao de um

    escritor nos dias atuais

    indescritivelmente facilitado em relao

    h alguns anos atrs quando ainda no

    se falava no ciberespao ou em blogs. E

    o aparecimento desses suportes fez com

    que mais ferramentas fossem

    incorporadas a esta pesquisa. Sendo

    assim, alm de nos dedicarmos aos

    livros, tericos e ficcionais, nos

    ativemos tambm observao dos

  • 4

    blogs, pginas na web dos escritores

    bem como a entrevistas concedidas

    pelos estes e por crticos a sites e blogs

    na Internet.

    Para a pesquisa, nos baseamos

    em autores que discutiram ou discutem

    questes que tiveram relevncia para o

    seu desenvolvimento. O livro de Carlos

    Alberto Messeder Retrato de poca:

    Poesia Marginal3 nos anos 70 foi uma

    referncia fundamental para obtermos

    informaes sobre a poesia marginal dos

    anos 70, sua representatividade para a

    sociedade da poca, para a

    caracterizao de um movimento que

    acreditamos contrapor-se cena literria

    atual. Nesse sentido, tambm foram de

    fundamental importncia os textos de

    Helosa Buarque de Hollada em suas

    antologias 26 Poetas de Hoje (1975) e

    Esses Poetas Uma Antologia dos Anos

    90 (1998).

    Buscamos conhecer movimentos

    que pudessem sugerir alguma ligao

    com a Literatura Marginal

    Contempornea, especificamente em

    relao ao engajamento, como o Grupo 3A aproximao da nomenclatura 'marginal' foi o primeiro impulso para que nos interessssemos pelo movimento dos anos 70 Poesia Marginal . No entanto, a partir dessa relao semntica observamos e estabelecemos convergncias e divergncias entre o movimento dos anos 70 e a produo contempornea Literatura Marginal que contriburam para melhor entender e caracterizar o panorama atual, sobretudo no que se refere incidncia do termo marginal na prosa, sendo este um dos interesses do projeto.

    Violo de Rua. Alm disso, para

    entendermos um pouco mais sobre o que

    significa o adjetivo marginal, lemos a

    obra O que poesia Marginal do poeta e

    crtico Glauco Mattoso. Atentamos

    tambm para publicaes recentes

    relacionadas ao tema, como as

    dissertaes de rica Peanha intitulada

    "Literatura Marginal": os escritores da

    periferia entram em cena (2006) e de

    Ana Cristina Tanns denominada Em

    busca do discurso potico de Aristide

    Klafke: Marginalia e contracultura

    (2007).

    As leituras de obras ficcionais se

    basearam nos autores Ferrz (Reginaldo

    Ferreira da Silva) e Sacolinha (Ademiro

    Alves). Alm disso, contamos com o

    livro Literatura Marginal: Talentos da

    escrita perifrica, bem com os textos

    publicados na revista Caros Amigos atos

    I, II e III, ambos organizados pelo

    escritor Ferrz, em que constam diversos

    nomes da Literatura Marginal.

    Para entendermos melhor os

    desdobramentos referentes vertente

    terica dos Estudos Culturais e seus

    embates com a Teoria da Literatura nos

    baseamos no texto da professora Maria

    Eneida de Souza, "Teoria em Crise" e na

    obra de referncia que julgamos ser o

    livro de Terry Eagleton: Depois da

    Teoria: um olhar sobre os estudos

    Culturais e o ps-modernismo, bem

  • 5

    como na leitura atenta dos captulos do

    livro Dez Lies sobre os Estudos

    Culturais de Maria Elisa Cevasco.

    Analisamos o que constatamos

    ser uma das caractersticas marcantes da

    produo dos ditos 'marginais': a

    violncia. Embora essa marca tambm

    seja encontrada nos textos de escritores

    dos anos 70, como ocorre com Rubem

    Fonseca, por exemplo, gostaramos de

    efetuar uma comparao de estilos

    "marginais" anos 70 e anos 90/00 e

    discutir, por meio dos textos literrios de

    Rubem Fonseca, "O cobrador", e do

    escritor Ferrz, "Abismo atrai abismo", a

    questo da violncia na produo

    literria contempornea.

    III - RESULTADO E DISCUSSO O "MARGINAL" ONTEM E HOJE De acordo com o dicionrio

    Houaiss o termo "Marginal" pode ter

    entre outras significaes: 1. relativo

    margem 2. Que vive margem do meio

    social em que deveria estar integrado,

    desconsiderando os costumes, valores,

    leis e normas predominantes nesse meio;

    delinqente, vagabundo; mendigo 3.

    Situado no extremo, no limite, na

    periferia 4. Diz-se de pessoa que vive

    entre duas culturas em conflito 5.

    Indivduo marginal; delinqente, fora-

    da-lei. Como podemos observar muitas

    das definies que escolhemos e

    expusemos dizem respeito posio do

    individuo que vai contra a cultura

    vigente.

    A denominao "Marginal" no

    um termo novo para designar um

    movimento ou um aspecto da literatura

    de uma determinada poca. Nos anos 70,

    o termo "marginal" foi designado para

    caracterizar um movimento denominado

    "Poesia Marginal". O conhecido rtulo,

    "Poesia Marginal", despontou com

    maior fora na cidade do Rio de Janeiro.

    Tratava-se de um grupo de poetas quase

    todos pertencentes s classes mdia e

    mdia alta, como afirma PEREIRA

    (1981, p.36): "[...] so,

    fundamentalmente, representantes das

    camadas mdias; alguns de camadas

    mdias altas com slido backgroud

    familiar tanto em termos financeiros

    quanto intelectuais [...]". O rtulo

    'marginal' dizia respeito reproduo de

    suas obras (quase sempre poemas) de

    forma 'artesanal'. A tambm conhecida

    "gerao mimegrafo" valia-se desse

    mecanismo para fazer circular as poesias

    produzidas.

    As caractersticas principais

    dessa produo eram o tom irnico, a

    escolha pelo uso de uma linguagem

    coloquial, drogas e sexo como temticas

    principais e a tematizao do cotidiano

    carioca predominantemente de classe

  • 6

    mdia. Segundo Carlos Alberto

    Messeder Pereira essa produo estaria

    prxima a "algo que talvez pudesse ser

    definido como 'politizao do

    cotidiano'[...]." (1981, p.32)

    A "marginalidade" desse grupo

    de escritores tambm conhecidos como

    gerao mimegrafo diz respeito, ento,

    como pudemos observar, sua relao

    com o mercado editorial, j que as obras

    eram confeccionadas pelos prprios

    poetas que tambm eram os grandes

    distribuidores do seu produto: venda de

    mo em mo, propaganda boca a boca,

    mantendo um contato presencial com

    seu potencial leitor em teatros, shows,

    cinemas e bares. O poeta dos anos 70 j

    no mais o mesmo preso a 'torres de

    marfim', diferente de todo aquele

    distanciamento proposto, daquela

    atemporalidade pretendida em diferentes

    pocas literrias, este 'poeta marginal'

    entra em contato direto com seu pblico

    leitor, comeando a (des)construir uma

    noo de escritor.

    O termo "marginal", de acordo

    com Helosa Buarque de Hollanda,

    merece ento ressalvas, pois a avaliao

    de seu valor literrio dirigida por

    fatores extralingsticos, principalmente

    de produo:

    "A classificao marginal adotada por anlises e assim mesmo com certo teor e hesitao. Fala-se mais freqentemente 'ditos

    marginais', 'chamados marginais' evitando-se uma postura afirmativa do termo. Geralmente ele vem justificado pela condio alternativa, margem da produo e veiculao do mercado, mas no se afirma a partir dos textos propriamente ditos, isto , de seus aspectos propriamente literrios" (HOLLANDA, 1981 p.98-99).

    Uma das intenes primordiais

    dos poetas observados no perodo era de

    transformar os padres de qualidade da

    poca. Distanciando-se propositalmente

    das obras "intelectualizadas" ou

    "populistas", declarando assim, sua

    posio underground em relao ao

    sistema.

    A atitude 'gauche' dos poetas, diz

    respeito no apenas alternativa ao

    mercado editorial, mas tambm

    inquietao quanto aos padres morais

    da famlia burguesa. Essa postura tem

    semelhanas como o movimento hippie,

    surgido nos anos 60, que marcou uma

    atitude contra cultural. Originado, nos

    EUA esse grupo estava em desacordo

    com os valores tradicionais

    estabelecidos pela cultura norte

    americana. Os hippies tm como

    caracterstica a transgresso de valores

    pr-moldados pela sociedade, utilizam

    cabelos e barbas compridos como forma

    de infringir as 'normas'. VIOLO DE RUA E

    ENGAJAMENTO

  • 7

    Durante as dcadas de 60 e 70, o

    Brasil vivia um contexto scio-poltico

    de autoritarismo e de censura cujo alvo

    principal era as artes: msica, cinema,

    literatura, enfim, quaisquer

    manifestaes culturais que

    contrariassem, naquele momento, os

    ideais polticos impostos pelo regime de

    exceo. A Literatura foi um campo de

    resistncia. Embora no pretendamos

    afirmar o determinismo do regime

    poltico sobre aspectos culturais da

    dcada, no podemos negar que fortes

    influncias desse perodo conturbado

    marcam a produo dos escritores.

    Vrios movimentos literrios

    aliaram a literatura postura engajada,

    participativa, de luta contra a represso e

    o autoritarismo, como o "Violo de

    Rua".

    O Grupo "Violo de Rua"

    (patrocinado pela UNE) reunia nomes

    como os de Ferreira Gullar, Paulo

    Mendes Campos, Affonso Romano de

    Sant'anna, Moacyr Felix, Vincius de

    Moraes, Jos Carlos Capinam, entre

    outros, e tinha como intuito maior

    promover a literatura como canal de

    reivindicaes, lutas e utopias. A

    temtica das produes concentrava-se

    na descrio da pobreza, da

    desigualdade e da explorao do povo

    tanto no campo quanto na cidade.

    Talvez, ento, valha pena

    pensarmos numa proximidade muito

    maior do movimento da literatura

    marginal contempornea com os poetas

    do grupo "Violo de Rua" do que

    propriamente com a poesia marginal da

    dcada de 70.

    Na literatura contempornea o

    termo "marginal" continua sendo

    utilizado para demarcar um grupo de

    escritores. No entanto, agora no

    escrevem apenas poesia, mas participam

    de uma conjuntura cultural mais ampla,

    que envolve a prosa, a msica (por meio

    dos rapps e Mc's) e produes

    cinematogrficas.

    Outra significao da palavra

    "marginal" proposta pelo poeta e

    ensasta Glauco Mattoso em seu livro O

    que Poesia Marginal. De acordo com

    o autor, o termo marginal foi

    emprestado das cincias sociais e traz

    como significado "o indivduo que vive

    entre duas culturas em conflito, ou que,

    tendo-se libertado de uma cultura, no

    se integrou de todo em outra, ficando

    margem das duas". (MATTOSO, 1981,

    p.7)

    Se considerarmos a sugesto de

    Mattoso, o conceito de marginalidade no

    contemporneo, por ser mais abrangente

    e inclusivo, pode abarcar inmeros

    sujeitos: homossexuais (pela escolha

    sexual) indgenas (pela diferena

  • 8

    cultural), negros (pela raa). Enfim,

    identidades que no correspondem a

    uma cultura dominante. Nesse sentido, a

    noo de contracultura diz respeito

    margem, periferia.

    Portanto, nos dias atuais a

    ambivalncia do termo ainda prevalece.

    Assim como pode se referir

    juridicamente a delinqente, fora-da-lei,

    infrator e perigoso, estando ligado ao

    mundo do crime, tambm remete

    concepo sociolgica, ou seja,

    indivduos que de alguma forma so

    vitimados pela excluso social, 'pobres'

    ou membros de minorias tnicas e

    raciais, margem da sociedade.

    Na dcada de 90, o termo

    "marginal" assume outra roupagem para

    o cenrio contemporneo. Os marginais

    dessa dcada podem ser caracterizados

    por seu perfil sociolgico, ou seja,

    moradores ou ex-moradores das

    periferias urbanas brasileiras. E mesmo

    presidirios, que no crcere utilizam-se

    da literatura como libertao,

    repassando suas experincias a leitores

    por meio de suas obras literrias como

    o caso do ex-presidirio Josemir Jos

    Fernandes Prado, conhecido como

    Jocenir, em sua obra, Dirio de um

    detento.

    So, em sua maioria, autores da

    cidade de So Paulo que comearam a

    despontar no cenrio editorial a partir da

    publicao do livro Cidade de Deus no

    ano de 1998. O sucesso do livro, que foi

    roteirizado no ano de 2002, fez eclodir

    na sociedade brasileira um envolvimento

    com uma realidade que andava ausente

    da literatura. O cotidiano da favela

    torna-se mais prximo e explcito para

    todos, estranhamento que rendeu uma

    boa repercusso tanto para a bilheteria

    do filme de Fernando Meirelles, quanto

    para a obra de Lins.

    A revista Caros Amigos tambm

    abriu espao para divulgao de uma

    produo que no encontrava

    repercusso no meio editorial at ento.

    A srie Literatura Marginal em trs

    atos: Ato I (2001), Ato II(2002) e Ato

    III(2004) trouxe cena vrios autores

    desconhecidos. A seleo dos textos

    para publicao era feita pelo escritor

    Ferrz que contribua com a revista

    desde o ano de 2000.

    Os temas destas obras permeiam,

    sobretudo, o cotidiano dos moradores da

    favela, e suas adversidades na sociedade

    brasileira como: violncia, sexo, drogas,

    estupros e assaltos. A linguagem

    utilizada nas obras tambm uma

    caracterstica marcante dessa vertente da

    produo literria contempornea. Os

    'ditos marginais' se utilizam de uma

    linguagem em sua maioria aproximada

    da oralidade, saindo dos padres

  • 9

    convencionais de escrita e no

    utilizando a chamada linguagem 'culta':

    " E a truta! Firmeza? S, eu t na boa, choque, e voc? Na moral, t l trampando com o Matcherros na firminha dele. Ah! T ligado, o Amaral me contou que ele t indo pela rdi l com o esquema. , o bagulho virou bem, se p nis vamo contrat at o Panetone, isso , se o bagulho dele com o futebol num vir. Firmeza, o esquema esse; afinal, como diz o crente, "Se Deus por nis, quem ser contra nis". Choque, a parada sempre foi nesse naipe, e a parada cada vez vai ser pior, as correrias esto ficando mais forte e a parada vai ficar mais louca, firma!"(FERRZ, 2005, p.145)

    Os escritores da "literatura

    marginal" contempornea possuem

    caractersticas prprias como levantar

    questes gerais importantes para a

    comunidade da qual fazem parte. Neste

    sentido nos questionamos: ser que

    poderamos arriscar uma aproximao

    com o contexto comentado por

    Benjamin em seu texto sobre o narrador

    segundo a anlise das obras do escritor

    russo Leskov no qual o terico alemo

    identificava, a partir da afirmao do

    romance como gnero, uma

    incapacidade de compartilhar

    experincias?

    "O romancista segrega-se. A origem do romance o individuo isolado, que no pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupaes mais importantes e que no recebe conselhos e que no

    sabe d-los." (BENJAMIN, 1987, p.201.)

    Diferentemente do que Benjamin

    afirma a literatura marginal

    contempornea objetiva oferecer um

    espao em que "a voz da comunidade"

    aparea, e no s a do autor, produtor da

    obra. Os autores procuram se basear em

    uma idia coletiva sobre o que narram,

    ou seja, o espao social da periferia.

    Algumas vezes nota-se o intuito

    de "provocar" a capacidade crtica do

    pblico por meio de textos com fundo

    denunciador e moralizante. Como no

    conto + 1 AKIM do escritor Rato, que

    se encontra na obra Capo Pecado de

    Ferrz:

    "No me deixo levar, a Rede Globo at, mas no vai me enganar. No to a fim de ver a merda da Sandy e o bosta do jnior o dia inteiro na tv cantando suas msicas sem contedo e ganhando dinheiro com a misria do meu povo." (RATO, 2000, p.42)

    Nos anos 70, segundo Ana

    Cristina Tanns Alves (dissertao de

    mestrado "Em busca do discurso potico

    Aristides Klafke: Marginalia e

    Contracultura") prevaleciam os sentidos

    de deboche, de riso, do efeito cmico

    em si, provenientes das experincias

    dirias, aliadas atitude de desbunde do

    poeta.

    Na "Literatura Marginal" dos

    anos 90/00 assim como no movimento

  • 10

    "Poesia Marginal" dos anos 70 h uma

    opo de abordagem 'literria' por

    elementos do cotidiano. Porm, o

    tratamento dado a esse tema o

    cotidiano na contemporaneidade

    completamente diverso da postura de

    'deboche' dos anos 70, considerando-se a

    seriedade e o compromisso social

    investidos pelos autores em suas obras.

    No que diz respeito utilizao

    da linguagem, podemos notar que o

    "marginal" dos anos 70, utilizava a

    linguagem coloquial. A literatura

    marginal de nossos dias exacerba ao

    mximo esse recurso, e ainda acrescenta

    um estilo prprio de falar, na tentativa

    de reproduzir uma maneira de falar da

    cultura perifrica como: "m", "truta",

    "pode cr", "t ligado", entre outros.

    Apesar de todas as diferenas,

    contextuais e de produo, a "Poesia

    Marginal" tambm pretendia

    desestabilizar o cnone, a tradio

    literria brasileira. Os marginais dos

    anos 90 no apenas citam os grandes

    nomes da literatura, como os apontam

    como inspirao para suas produes

    literrias. Notamos essa busca pelo

    clssico como uma caracterstica deste

    'novo marginal', e comprovamos tanto

    por entrevistas concedidas a sites da

    Internet como na prpria produo

    literria.

    "Eu li, li muito. Quando escrevi Capo pecado, tive mais trampo, menos tempo. Comprei vrios livros, outros me foram trazidos por amigos. Li Dostoievski, Tchekov, Gorki, Flaubert, Pessoa. Eu gosto muito da literatura beatnik, tambm." (FERRZ, em entrevista ao site Portal Literal, originalmente publicada em 2003)

    Nesta entrevista o autor Ferrz

    explicita a sua preparao e as suas

    inspiraes criativas para escrever seu

    segundo Romance, a obra Manual

    Prtico de dio, lanada no ano de

    2003. Evidenciamos tambm essa

    caracterstica nos textos literrios destes

    autores como o caso do escritor

    Sacolinha que em muitos de seus contos,

    faz referncia a filsofos e autores

    consagrados da literatura: "Nessa poca eu lia Karl Marx, Aristteles, Descartes, Kant, Rousseau, Maquiavel, Plato e Vygotsky. Eu no tinha com quem conversar [...] e quando encontrava algum do meu nvel intelectual, esse dizia que eu falava demais. (Sacolinha, 2006 p.31) Eu estava dando uma risada do comentrio de um crtico de literatura sobre a literatura de Edgar Allan Poe [...]" (SACOLINHA, 2006, p.17)

    Conclumos, assim, que houve

    uma verdadeira "metamorfose" de

    valores atribudos ao termo "marginal".

    O marginal contemporneo o morador

    da favela que de alguma forma se sente

    menosprezado pela sociedade da qual

    faz parte e tenta por meio das artes como

  • 11

    a literatura demonstrar o valor cultural

    que possui. ESTUDOS CULTURAIS E TEORIA

    DA LITERATURA

    Podemos dizer que a denominada

    "Literatura Marginal ou Perifrica"

    torna-se para ns um bom expoente para

    a averiguao do embate, h algum

    tempo recorrente, entre Estudos

    Culturais e a prpria Teoria da

    Literatura.

    Estes autores reivindicam seu

    espao no mercado editorial e agem para

    que isso acontea. A comunidade

    tambm um dos alvos desse

    contemporneo "marginal" agora com o

    intuito de promover outros autores da

    prpria comunidade.

    Na maioria dos casos, os autores

    contemporneos como Ferrz,

    Sacolinha, Srgio Vaz e outros, lutam

    por uma comunidade mais justa,

    promovem aes e divulgam em seus

    blogs, projetos, festas literrias, saraus,

    bibliotecas comunitrias, recitais, onde

    todos possam ter acesso s obras

    literrias. Configura-se uma noo de

    autor 'colaborativo', engajado e

    participativo na comunidade, prximo

    ao leitor e que tenta ao mximo elevar as

    caractersticas prprias da cultura

    perifrica.

    Esses autores sofrem crticas

    pelo forte apelo ao real intrnseco a suas

    obras literrias. Essa talvez seja a marca

    que mais sustente as dvidas a respeito

    da condio literria da produo 'dita

    marginal'. Porm a discusso sobre o

    que literatura atravessa sculos e se

    mantm na contemporaneidade.

    A indefinio do termo literatura

    tema do captulo introdutrio de Terry

    Eagleton em seu livro Teoria da

    literatura: Uma Introduo. Desde os

    textos de Plato e Aristteles a discusso

    se arrasta, porm ao longo de sculos

    muitos foram os parmetros criados para

    sustentar alguma especificidade desse

    objeto de estudo: a bela escrita (belles

    lettres) da retrica, a escrita imaginativa

    romntica, o estranhamento formalista.

    Variando conforme as pocas e os

    olhares de seu pblico em relao ao

    objeto literrio.

    Sendo assim, quais os critrios

    que definem a literatura 'dita marginal'

    como literatura? Quais os traos

    literrios contidos nessa literatura? Ou

    ser que devemos reformular estes

    parmetros de leitura para as obras

    contemporneas?

    A Professora Eneida Maria de

    Sousa dedicou-se em um de seus textos,

    "A teoria em Crise", a tratar de uma

    possvel turbulncia sofrida pela "teoria

    pura" e de seus reflexos na literatura.

  • 12

    Segundo a estudiosa Eneida "a crise por

    que passa a disciplina causada pelas

    transformaes culturais e polticas das

    ltimas dcadas" (SOUZA, 2002, p.68),

    sendo assim, a tranqilidade de uma

    rea tida como consolidada abalada

    por mudanas sociais. H ento a

    necessidade de um campo que aceite

    outras perspectivas, que no considere

    apenas a aplicao e compreenso de

    termos como "belo potico", "qualidade

    esttica", "literariedade" e etc.

    A produo literria deve ser

    encarada agora com outros olhares, no

    mais valorizando apenas o

    "esteticamente concebido" e os "critrios

    de literariedade". Deve-se considerar

    uma capacidade antes no aludida que

    a de "suscitar questes de ordem terica

    ou de problematizar temas de interesse

    atual, sem se restringir a um pblico

    especfico" (SOUZA, 2002, p.68).

    De acordo com a pesquisadora o

    conceito moderno da Teoria Literria

    objetivou apenas a produo cientfica

    do objeto de estudo e acabou por no

    considerar fatores psicolgicos,

    histricos e biogrficos do literrio,

    prendendo-se apenas ao nvel da

    literariedade como valor.

    Sendo assim, observamos o

    surgimento de uma corrente de estudos,

    na dcada de 50 que se interessa pelo

    vis de teoria social crtica, sendo

    denominada de Estudos Culturais. Esta

    vertente estaria pautada na tentativa de

    incluso do que um estudo

    multidisciplinar, que investe nos saberes

    produzidos pelas cincias humanas se

    encontra margem da noo de cultura

    vigente. Provocando assim, uma

    desestabilidade na ordem pr-

    estabelecida pelo poder dominante

    (cultura dominante).

    Os Estudos Culturais campo que

    contemporaneamente tambm "teoriza"

    sobre o objeto literrio passa a ser

    responsvel ento, pela desconstruo

    da noo de cultura vigente,

    reivindicando assim, espao para a

    valorizao do que anteriormente no

    foi/ entendido como produo cultural.

    O que provoca uma ampliao da noo

    do objeto de estudo da Teoria da

    Literatura, com a insero de obras antes

    no encaradas como literrias,

    provocando uma desestabilizao da

    noo de 'cnone literrio'.

    Um sentido imprescindvel para

    a corrente dos Estudos Culturais

    defendida por Raymond Williams, um

    dos pioneiros na rea, era a de transpor a

    noo de 'cultura exclusiva' para uma

    'cultura comum'. De acordo com a

    estudiosa Maria Elisa Cevasco em sua

    obra Dez Lies sobre os Estudos

    Culturais, a importncia do

  • 13

    materialismo cultural do ponto de vista

    de Raymond Williams est em:

    "[...] demonstrar que a oposio costumeira entre literatura e realidade, cultura e sociedade mascara profunda interconexo: no se pode analisar uma sem a outra, e nem mesmo sem conceber uma literatura sem a realidade que ela produz e reproduz, ou, pela mesma via, uma sociedade sem a cultura que define seu modo de vida."(CEVASCO, p.150, 2003)

    Apesar de possuir propsitos

    interessantes, a teoria proposta pelos

    estudos culturais muito criticada no

    meio acadmico, j que alguns dos

    intelectuais da academia afirmam que os

    Estudos Culturais "estariam ameaando

    os estudos literrios, corrompendo o

    objeto de anlise e distorcendo a teoria

    da literatura." (SOUZA, 2002, p.68)

    Temos ento, duas vertentes

    distintas, com preocupaes tambm

    dspares. Interessa-nos pensar que a

    Teoria da Literatura de alguma forma se

    'modifica' com a tenso estabelecida

    pela emergncia dos Estudos Culturais,

    que acreditam ter tambm a

    competncia de teorizar sobre o objeto

    literrio.

    Eneida Maria de Sousa reclama

    em seu texto uma mudana evidente no

    papel do intelectual. Para a estudiosa

    no cabe mais ao acadmico o

    "comodismo" de expor suas opinies

    apenas em salas de aula.

    Contemporaneamente outros meios

    requisitam o trabalho intelectual, indo

    alm das anlises de defesas de teses e

    de publicaes em revistas

    especializadas. Muitas vezes este crtico,

    estudioso, pesquisador e/ou professor

    convidado a demonstrar suas opinies

    pelos meios de comunicao em massa.

    O que pode ter favorecido essa

    postura de dilogo, de abertura e de

    troca foi o embate terico existente entre

    as duas correntes j expostas, ou seja,

    Teoria Literria e Estudos Culturais.

    A crise poderia estar ento no

    surgimento de uma concepo

    culturalista que tambm tem como

    intuito o "teorizar" as produes

    literrias, tarefa antes exclusiva da

    Teoria Literria, provocando assim,

    diretamente uma turbulncia em um

    campo "consolidado", que, no entanto,

    permeado por questes imprecisas como

    "definio de literrio", "cnone",

    "valor", "esttica" e etc.

    Temos como grandes expoentes

    da corrente dos estudos culturais: os

    estudiosos Stuart Hall, Terry Eagleton,

    Jonathan Culler e no Brasil vemos

    enveredar para essa postura alguns

    crticos como Silviano Santiago, Maria

    Elisa Cevaso e a prpria Eneida Maria

    de Souza.

    Nesta conjuntura de 'teorias'

    como pensar a Literatura Marginal

  • 14

    (perifrica)? Nossa proposta que a

    literatura denominada "marginal"

    distancia-se radicalmente do "belo

    potico" e das ditas palavras bonitas.

    Fato este observado no 'estilo literrio'

    prprio de escritores marginais

    perifricos em que a aproximao com o

    real ntida e no se cogita uma

    definio do literrio como escrever

    difcil e 'bonito'.

    A chamada Literatura Perifrica

    demonstra um interesse vido pelo real.

    Essa tendncia est presente nas obras

    dos escritores contemporneos, porm

    ela poderia ser avaliada na literatura

    marginal (perifrica) como mais do que

    uma relao indissocivel entre o real e

    o imaginativo, mas como um meio pelo

    qual esses escritores contestam sua

    realidade. Neste caso seria vlido avaliar

    a literatura marginal (perifrica) como

    uma postura de resistncia. Para Bosi a

    resistncia " um conceito originalmente

    tico, e no esttico" e quando h esse

    hibridismo de intenes entre "os

    conceitos prprios da arte e da tica e da

    poltica" surgem s expresses como

    poesia de resistncia e narrativa de

    resistncia.

    Neste sentido entra a grande

    questo o que seria este esttico? A

    literariedade o que realmente legitima

    um texto literrio como produo

    cultural? Nossos julgamentos no esto

    sempre pautados por valores?

    AFINAL, O QUE A TAL

    LITERARIEDADE?

    Literariedade segundo o

    dicionrio literrio4 quer dizer a

    possibilidade de "constatar uma

    propriedade, presente nas obras

    literrias, que as caracterizaria como

    pertencentes literatura. Para denominar

    esta propriedade, criaram o termo

    literaturnost, que foi traduzido para a

    lngua portuguesa como literariedade."

    (JOBIM, E-Dicionrio de Termos

    Literrios) No entanto, a existncia

    desta possibilidade questionvel, pois

    que propriedade seria esta? E como esta

    propriedade estaria presente em todos os

    textos ditos literrios, j que a literatura

    fruto de uma cultura, varivel,

    portanto, historicamente?

    Mrcia Abreu discute essa

    questo em sua obra Cultura Letrada,

    afirmando que a "literariedade no est

    apenas no texto os mais radicais diro:

    no est nunca no texto e sim na

    maneira com que ele lido." (ABREU,

    2006, p.29) Neste sentido dialogamos

    com uma concepo extremamente

    abstrata que ser entendida a partir de 4 Disponvel em: , acesso em: 15 de jan. de 2009.

  • 15

    olhares diferentes e segundo valores

    tambm distintos.

    "Dois textos podem fazer um uso

    semelhante da linguagem, podem contar

    histrias parecidas e, mesmo assim, um

    pode ser considerado literrio e o outro

    no. Entra em cena a difcil questo do

    valor, que tem pouco a ver com os

    textos e muito a ver com posies

    polticas e sociais." (ABREU, 2006,

    p.39) o que sugere Mrcia Abreu.

    Observarmos, neste sentido, que

    o valor est ligado a questes sociais,

    fatores que se transformam

    cotidianamente. A autora instiga ainda

    mais a discusso afirmando que uma

    obra s ser declarada literria quando

    referendada por "instncias de

    legitimao." Estas instncias seriam

    representadas pelas "universidades, os

    suplementos culturais dos grandes

    jornais, as revistas especializadas, os

    livros didticos, as histrias literrias

    etc." (ABREU, 2006, p.40)

    Neste momento que

    percebemos que no basta apenas a

    criao pela criao e que realmente

    existem interesses, vises polticas e

    ideolgicas que determinam toda uma

    tradio. Por isso somos levados a

    concordar mais uma vez com a posio

    de Mrcia Abreu, pois o consenso em

    torno da Grande Literatura ser sempre

    difcil, j que parece baseado no cultivo

    de uma instncia evanescente, o

    chamado "gosto literrio". Basta citar as

    eternas listas de leituras imperdveis

    para constatarmos que alterando-se o

    jri, modificam-se tambm os eleitos.

    Os motivos para referendar uma

    obra como sendo ou no literria,

    possuidora ou no da dita literariedade

    podem ser os mais arbitrrios.

    Suscitando assim, indagaes

    interessantes para uma investigao

    como esta: o que esse estranho objeto

    denominado literatura? O que

    caracteriza a qualidade de uma obra

    literria? Se consideramos que parte da

    crtica rejeita a produo da literatura

    marginal alegando o carter meramente

    documental das obras, mero reflexo e/ou

    registro da violncia cotidiana das

    periferias, caracterizando tais produes

    como mera denncia e, portanto,

    negando-lhes "qualidade literria", a

    questo fundamental parece ser a

    seguinte: as obras apelando s questes

    da realidade mais brutal conseguem

    extrapolar o mero registro,

    transformando esse real em um processo

    de constituio para as narrativas?

    Se considerarmos os

    apontamentos de Terry Eagleton, em sua

    obra Depois da teoria, a respeito de

    fico no temos problemas em admitir

    que os textos produzidos pelos escritores

    perifricos, assim como Ferrz, so

  • 16

    produes ficcionais. Nossa afirmao

    se embasa nas colocaes do autor:

    "[...] a fico incapaz de contar a verdade. Se uma autora parte para nos garantir que o que est afirmando agora realmente verdade que, literalmente, de fato aconteceu tomaramos isso como uma declarao ficcional. Romancistas e contistas so como o menino que brincava de gritar por socorro: esto condenados a ser perpetuamente desacreditados. Voc poderia pr a declarao numa nota de rodap e assin-la com suas iniciais e a data, mas isso no o faria passar da fico para o fato. O subttulo "Um romance" suficiente para garantir isso. "(Eagleton, 2005, p.130)

    Sendo assim, as obras as quais

    nos referimos e que so o corpus de

    nossa anlise, no podem deixar de ser

    caracterizadas como ficcionais, mesmo

    que muitas das vezes sejam vistas como

    mero reflexo do real. Pois a partir do

    que nos expe Eagleton o leitor no ver

    a obra como simples descrio do

    cotidiano destes autores mesmo que

    assim seja o leitor dessa obra passa a

    ter uma funo de extrapolar o narrado,

    transformando esse cotidiano em um

    processo de constituio para as

    narrativas.

    talo Moriconi em seu texto

    "Circuitos Contemporneos do

    Literrio" colabora para pensarmos a

    questo da literatura e afirma em seu

    texto que "Enquanto fenmeno

    histrico, "literatura" define-se

    nuclearmente como arte verbal escrita,

    da narrativa ficcional ou da lrica, posta

    a circular no mercado na forma-suporte

    do livro." (MORICONI)

    No entanto, vale ressaltar que

    Moriconi expe nesse texto trs

    circuitos, que para o autor, se

    caracterizam como fundamentais para

    entender o literrio contemporneo o

    circuito miditico, o circuito crtico e o

    circuito da vida literria alm de um

    quarto circuito que o ensasta se diz

    obrigado a mencionar- o circuito

    alternativo que de acordo com o autor,

    compreende o que nesta abordagem nos

    interessa "[...] o campo dos relatos

    prisionais, dos relatos brutos da periferia

    urbana brasileira (o novo serto) e

    demais escritas e assinaturas de no

    profissionais. "(MORICONI).

    De acordo com o pesquisador

    "nesse circuito [se refere ao alternativo],

    j no lidamos com literatura, se

    consideramos que o conceito de

    literatura implica a circulao num

    mercado de livro e a condio

    profissional de produo deste livro, do

    lado do autor ou autora, atores principais

    do sistema." (MORICONI)

    Entretanto, apostamos que no

    bem assim que ocorre com a literatura

    marginal (perifrica) contempornea j

    que essa literatura pelo que entendemos

    eclodiu de forma inesperada e conseguiu

  • 17

    espao no mercado de livros. O escritor

    Ferrz exemplo do que afirmamos j

    que possui quatro livros lanados pela

    editora Objetiva e j foi traduzido em

    outras lnguas para vendas fora do pas

    pela editora El Alefh (Espanha) e pela

    editora Palavra (Portugal) construindo

    assim a nosso ver um sistema com

    condies profissionais de produo, o

    que nos leva a questionar os limites do

    circuito alternativo referendado por

    Moriconi e encarar essas produes

    ficcionais como literrias.

    No entanto, em vista das

    dimenses desta discusso no achamos

    pertinente encerr-la com nenhum

    veredicto, acreditamos que ainda h

    vrios pontos a serem discutidos, mas

    tambm que o enfrentamento com estas

    polmicas se faz necessrio para que se

    forjem suposies que resultem em

    embates tericos acerca destas questes.

    Para Ferrz, organizador da

    antologia Literatura Marginal o

    enfrentamento aberto dos textos

    publicados com as classes dominantes

    encaradas como instncias de

    legitimao , indicia a vontade de

    assumir uma voz prpria, evitando-se

    atravessadores:

    "A capoeira no vem mais, agora reagimos com a palavra, por que pouca coisa mudou, principalmente para ns. No somos movimento, no somos novos, no somos nada, nem pobres

    porque pobre, segundo o poeta da rua, quem no tem as coisas. Cala a boca, negro e pobre aqui no tem vez! Cala a boca! Cala a boca uma porra, agora a gente fala, agora a gente canta, e na moral agora a gente escreve. Quem inventou o barato no separou entre literatura boa /feita com caneta de ouro e literatura ruim/escrita com carvo, a regra s uma, mostrar as caras. No somos o retrato, pelo contrrio, mudamos o foco e tiramos ns mesmos a nossa foto. "(FERRZ, p.9, 2005)

    O prprio autor questiona a

    suposta separao entre literatura

    boa/ruim; relacionando assim com a

    predominncia de classes (rico

    simbolizado pelo ouro/ pobre

    simbolizado pelo carvo); este pequeno

    excerto retirado do texto denominado

    "Terrorismo Literrio" tem a inteno

    maior de colocar em xeque a existncia

    de uma produo muitas vezes

    desconsiderada ou deixada margem,

    mas que por meio dos textos literrios,

    ou seja, da produo cultural quer ser

    "ouvida".

    De certa forma, essa vontade de

    adquirir um "espao de direito" faz com

    que surja o interesse de diversos

    pesquisadores e leitores. Alm de um

    espao relevante no campo da crtica

    cultural e literria, que no poupa

    esforos para tentar analisar esse

    movimento atual.

  • 18

    OLHARES SOBRE A VIOLNCIA

    Nota-se nas narrativas

    contemporneas um grande apelo s

    questes cotidianas. Gostaramos de

    privilegiar a violncia como temtica

    importante no contexto da literatura

    marginal dos anos 90, claro que no

    podemos generalizar as produes e

    seus temas, no entanto, a violncia um

    elemento muito recorrente nas prosas

    dos 'ditos marginais' contemporneos.

    Neste sentido apreciamos a

    violncia como elemento temtico das

    narrativas de dois autores: Rubem

    Fonseca (anos 70) e de Ferrz (anos

    90/00). Tentando observar de que forma

    essa violncia apresentada aos leitores,

    selecionamos dois contos e buscamos

    observar a "maneira" como os autores

    apresentaram essa violncia ao leitor.

    Quando falamos em violncia,

    somos remetidos facilmente a mais

    notria das violncias, ou seja, a fsica,

    mas no podemos deixar de enfatizar a

    existncia de outras formas de violncia

    tais como violncia de gnero, familiar,

    domstica, moral, psicolgica e sexual.

    Quando dizemos "Literatura

    Marginal" inegavelmente poderiam

    surgir no mnimo duas abordagens

    interpretativas. A primeira, a qual o

    trabalho tenta abordar enfaticamente, a

    produo literria produzida pelos

    chamados marginais" ou excludos

    sociais, moradores de favela, e que

    produzem textos literrios. Aqui,

    tomaremos como exemplo o escritor

    Ferrz.

    Outro tipo de "literatura

    marginal" poderia ser representado pelo

    autor Rubem Fonseca, seria uma

    literatura sobre marginais, no

    produzida por eles e nem para eles e que

    reavivaria o velho dilema do narrador de

    A Hora da Estrela de Clarice Lispector

    que representa o intelectual consciente

    das mazelas de seu pas e que sofre

    porque nunca ser lido por aqueles de

    quem sua literatura fala. Embora Rubem

    Fonseca nunca tenha pretendido

    escrever uma literatura engajada,

    inegvel que em muitos de seus contos

    proliferam os marginais excludos da

    sociedade.

    J Ferrz representa escritores

    que esto na periferia e fala de fatos

    sobre os quais mostra conhecimento

    pela convivncia diria com a violncia.

    Enquanto Rubem Fonseca fala a partir

    de um olhar externo. Importante

    analisarmos que so vivncias,

    experincias e olhares totalmente

    distintos, e que discorreram em suas

    narrativas sobre uma mesma vertente, a

    da violncia. Portanto discutiremos a

    questo da violncia nas narrativas

    contemporneas, analisando tambm a

  • 19

    busca da representao do outro, da

    alteridade.

    "O COBRADOR" E "ABISMO

    ATRAI ABISMO"

    O cobrador" faz parte de uma

    coletnea de contos lanados em 1979,

    pelo escritor Rubem Fonseca. O conto

    retrata os pensamentos e os atos

    violentos de um narrador-personagem

    que tem o intuito constante de cobrar da

    sociedade. como se o "outro" lhe

    devesse quase tudo de que necessita para

    viver. E promove essa cobrana por uma

    srie de assassinatos, estupros e pela

    violncia fsica.

    O narrador representa uma classe

    distinta de boa parte das demais

    personagens do conto, e evidenciamos

    este tipo de postura por alguns

    comentrios emitidos pelo narrador-

    personagem, como nos fragmentos: "Na

    praia somos todos iguais, ns os fodidos

    e eles." (FONSECA, 1979, p.175) ou em

    um poema de autoria do narrador-

    personagem recitado para uma mulher

    mais velha com a qual teve um breve

    envolvimento "Os ricos gostam de

    dormir tarde/ apenas porque sabem que

    a corja/ tem que dormir cedo para

    trabalhar de manh/ Essa mais uma

    chance que eles/ tm de ser diferentes:/"

    (FONSECA, 1979, p. 169).

    A voz narrativa firma-se como

    uma voz excluda da sociedade. O tema

    central do conto a busca pela "justia"

    entre classes. Desse modo, a matria

    com que Rubem Fonseca trabalha, est

    na sociedade e nas ruas, buscando por

    meios no convencionais e

    "politicamente incorretos" a igualdade

    entre as classes.

    O ttulo bem ilustrado pela fala

    incisiva do narrador: "Eu no pago mais

    nada, cansei de pagar!, gritei para ele,

    agora eu s cobro!" (FONSECA, 1979,

    p.166). O narrador-personagem que no

    nomeado em momento nenhum do

    conto, assim como a maioria de suas

    vtimas, "o cobrador" e est disposto a

    mostrar sociedade por meio da

    violncia, que merece seu espao, e que

    merece tudo que a classe qual no

    pertence sempre teve acesso.

    O que fortalece esse aspecto de

    cobrana so as vrias necessidades que

    ele afirma ter, o que pode ser observado

    neste excerto: "Esto me devendo

    comida, buceta, cobertor, sapato, casa,

    automvel, relgio, dentes, esto me

    devendo." (FONSECA, 1979, p.166)

    Em certos momentos a sua raiva toma

    propores maiores, e isso acontece

    quando a personagem assiste a

    programas televisivos nos quais a

    classe-mdia a personagem dominante.

  • 20

    O conto um misto de violncia

    fsica, violncia sexual, crtica social e

    anti-herosmo, tudo isso com uma

    exacerbao de detalhes. Pode-se dizer

    que a narrativa consegue promover uma

    seqncia de flashes. A composio da

    narrativa minuciosamente descritiva,

    em alguns momentos conseguimos

    facilmente imaginar a cena, pela

    sensibilidade de composio que o

    escritor demonstra ter.

    "Curva a cabea, mandei. Ele curvou. Levantei alto o faco, segura nas duas mos, vi as estrelas no cu, a noite imensa, o firmamento infinito e desci o faco, estrela de ao, com toda a minha fora, bem no meio do pescoo dele. A cabea no caiu e ele tentou levantar-se, se debatendo como se fosse uma galinha tonta nas mos de uma cozinheira incompetente. Dei-lhe outro golpe e mais outro e outro e a cabea no rolava. Ele tinha desmaiado ou morrido com a porra da cabea presa no pescoo. Botei o corpo sobre o pra-lama do carro. O pescoo ficou numa boa posio. Concentrei-me como um atleta que vai dar um salto mortal. Dessa vez, enquanto o faco fazia seu curto percurso mutilante zunindo fendendo o ar, eu sabia que ia conseguir o que queria. Brock! a cabea saiu rolando pela areia. Ergui alto o alfanje e recitei: Salve o Cobrador!"(FONSECA, 1979, p. 173)

    A narrativa uma seqncia de

    fatos violentos. Em seus momentos de

    "cobrana", o personagem acaba por

    destruir o consultrio de um dentista,

    chutar a lata de um cego que pede

    esmolas na rua e atirar em um homem

    que andava em sua Mercedes. Alm

    disso, mata um muambeiro a tiros,

    depois atira em um casal de jovens,

    estando a mulher grvida, e estupra

    outra de classe nobre.

    Apenas em casos excepcionais, o

    "cobrador" no mata suas vtimas e

    nessas ocasies considera-se um

    indivduo "justo". A respeito de um caso

    fortuito com uma mulher mais velha,

    afirma: "Essa fodida no me deve nada,

    pensei, mora com sacrifcio num quarto

    e sala, os olhos dela j esto

    empapuados de beber porcarias e ler a

    vida das gr-finas na revista Vogue."

    (FONSECA, 1979, p.170).

    No sabemos nada da vida deste

    narrador, apenas sua busca

    incondicional por 'justia'. No

    reconhecemos na personagem um

    indivduo que aceita a ordem social

    estabelecida. Rubem Fonseca nos

    interessa ao trazer j nos anos 70 uma

    postura inquietante.

    O que na contemporaneidade,

    para autores como Ferrz tratar da

    questo da violncia?

    Em 1934, Walter Benjamin

    promoveu uma conferncia que resultou

    em um texto denominado "O autor como

    produtor" em que a tenso central de sua

    anlise baseou-se justamente na dialtica

    entre 'tendncia politicamente correta' e

    'qualidade literria'.

  • 21

    O contexto em que Benjamin

    escreve era marcado por uma forte

    presso do partido comunista pelo

    alinhamento poltico dos intelectuais e

    artistas, exigindo-lhes um engajamento

    comprometido com as diretrizes

    partidrias. A "tendncia" politicamente

    correta significava o apadrinhamento

    dos mais pobres e necessitados pelos

    intelectuais do partido. Dessa forma, a

    qualidade literria era uma caracterstica

    secundria em relao tendncia

    poltica da esquerda revolucionria.

    Segundo as diretrizes partidrias, a obra

    literria seria considerada de

    "qualidade" se o artista se

    comprometesse com as causas e anseios

    da classe operria. S assim, a

    'qualidade' da obra de arte estaria

    assegurada. Para Benjamin qualidade e

    tendncia no so caractersticas

    opostas. Na condio de produtor, o

    autor deveria zelar pela produo de sua

    obra, preocupando-se com sua escrita,

    com a experimentao formal,

    comprometendo-se com a pesquisa da

    inovao esttica e nessa condio de

    autor-produtor assumiria uma tendncia

    poltica progressista.

    Como Rubem Fonseca e Ferrz

    lidam com a questo da violncia na

    encruzilhada entre 'tendncia poltica' e

    'qualidade literria'? A grande questo

    que nos interessou a partir da leitura do

    texto de Benjamin "O autor como

    produtor" foi pensar como a literatura

    marginal (perifrica) contempornea

    lida com as duas faces de uma mesma

    moeda, segundo o pensador alemo.

    O autor procura explicitar que

    estes aspectos qualidade literria e

    tendncia politicamente correta no

    precisam competir: "Pretendo mostrar-

    vos que a tendncia de uma obra

    literria s pode ser correta do ponto de

    vista poltico quando for tambm correta

    do ponto de vista literrio. Isso significa

    que a tendncia politicamente correta

    inclui uma tendncia literria"

    (BENJAMIN, 1987, p.121),

    acrescentando que a "tendncia literria"

    de que trata o que determina a

    "qualidade da obra".

    Parece-nos que Benjamin

    defende a existncia de um labor

    necessrio para a produo da obra

    literria, uma necessria transformao

    do material "real" em ficcional. A

    questo que gostaramos de colocar em

    debate est intrinsecamente relacionada

    a vrias discusses que permeiam o

    texto de Benjamin e incisivamente

    relacionada s inmeras crticas

    lanadas s produes da dita literatura

    marginal (perifrica). Ser que estes

    jovens autores "marginais" conseguem

    promover esse processo de transposio

    do real ao ficcional? As obras destes

  • 22

    jovens autores possuem "qualidade

    literria", entendendo-a aqui como

    aquela operao de transformao do

    material de que tratam (a realidade? A

    violncia?)?

    As obras analisadas parecem de

    certa forma ir contra o pressuposto de

    Benjamin literalizao das condies

    de vida se dermos ouvidos s fortes

    crticas lanadas s produes literrias

    marginais contemporneas pelo

    explcito apelo que fazem ao real. No

    entanto, como definir se estas produes

    apenas refletem as caractersticas de

    uma comunidade e/ou de um grupo

    social? At que ponto essas narrativas

    so apenas "informativas? Ou se

    podemos consider-las literrias? Ser

    que existem critrios que conseguem

    estabelecer estes limites to nebulosos?

    Ou ser que para os escritores

    contemporneos "marginais" a dualidade

    exposta por Benjamin no faz nenhum

    sentido j que consideram que seguir a

    tendncia poltica, repudiar o sistema j

    o 'motivo', a causa que faz valer a pena

    escrever, justificando, portanto a

    insero no sistema literrio?

    Uma citao de Ferrz contida

    no texto Terrorismo Literrio diz muito

    do comportamento adotado pelos

    escritores "marginais" em relao ao

    mercado: "Somos o contra sua opinio,

    no viveremos ou morreremos se no

    tivermos o selo da aceitao, na verdade

    tudo vai continuar, muitos querendo ou

    no." (FERRZ, 2005 , p. 9).

    Nessa breve citao podemos

    observar que a postura de Ferrz de

    uma possvel ruptura com os moldes

    aceitos pela sociedade, ou como escritor

    diz pelo "sistema". E fica claro que no

    se importar com o julgamento que

    recair sobre sua atitude, j que tudo vai

    continuar da mesma forma tendo ou no,

    a aprovao geral do sistema. Se

    aproximando tambm, do personagem

    principal de "O Cobrador", conto de

    Rubem Fonseca, que no quer saber

    quais leis regem a ordem social, quer o

    que 'dele', esteja com quem estiver.

    Joo Cezar de Castro Rocha em

    seu ensaio "Dialtica da marginalidade

    caracterizao da cultura brasileira

    contempornea" 5 insere o imaginrio

    literrio da marginalidade no dilogo

    com a malandragem valendo-se do

    famoso ensaio de Antnio Candido,

    "Dialtica da Malandragem". Castro

    Rocha identifica, no contexto

    contemporneo, uma transfigurao do

    conceito de malandragem, observando

    as mudanas de valores da sociedade.

    5Disponvel em: < http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/03/275292.shtml>, acesso em: 30 de mar. de 2008.

  • 23

    De acordo com a anlise de

    Candido, incorporamos facilmente ao

    imaginrio social a figura do malandro

    como tipo idealizado. O 'malandro'

    caracterizado como um smbolo de

    inteligncia e provocador de uma

    afetividade popular, aspecto sobre o qual

    reflete Castro Rocha: "Passamos

    dcadas idealizando o malandro. Mas

    no existe nenhuma possibilidade de

    idealizao da figura do marginal"

    (ROCHA). De acordo com a proposta de

    Castro Rocha, a figura do "malandro"

    nunca elaborada como sendo m, pois

    este sempre aparece caracterizado de

    forma simptica e um tanto rebelde. J

    a representao simblica do marginal

    no raro aponta para as franjas da

    sociedade, quando no para o indivduo

    criminoso capaz de ameaar a

    sociedade.

    Segundo as reflexes de Castro

    Rocha, o malandro passa, na literatura

    contempornea a marginal. No h mais

    espao para a dialtica, pois a 'inocncia'

    e esperteza do malandro, capazes de

    garantir-lhe um lugar com jeitinho na

    sociedade que insiste em negar-lhe um

    lugar de direito no fazem mais parte da

    postura ativa do marginal, que quer

    assumir um papel que sempre lhe foi

    negado, como explicita Ferrz: "No

    somos o retrato, pelo contrrio,

    mudamos o foco e tiramos ns mesmos

    a nossa foto." (FERRZ, 2005, p. 9). O

    que parece estar em pauta para os

    escritores marginais que esse outro

    pertencente classe mdia e mdia alta,

    que nunca deu importncia para a sua

    existncia como excludo social, leia e

    considere sua voz perturbadora na

    sociedade contempornea.

    Voltando anlise das obras

    literrias, podemos afirmar que em

    Rubem Fonseca, a violncia est

    presente tanto nos atos do narrador,

    assim como em certos momentos na

    linguagem utilizada. Rubem Fonseca

    trabalha com o misto de popular e

    erudito, aterrorizante e lrico e o cmico

    e trgico.

    Os dilemas enfrentados pelo

    narrador ficam ntidos quando

    observamos atitudes totalmente

    contrrias aos atos violentos que comete

    como podemos observar no seguinte

    trecho: "Conversamos na rua. Voc est fugindo de mim? ela pergunta. Mais ou menos digo. Vou com ela pro sobrado. Dona Clotilde, estou com uma moa aqui, posso levar pro quarto? Meu filho, a casa sua, faa o que quiser, s quero ver a moa."(FONSECA, 1979 , p. 179)

    Ora o narrador demonstra ter

    uma autoconfiana exacerbada,

    chegando s vezes a se mostrar

    prepotente "Onde eu passo o asfalto

    derrete." (FONSECA, 1979, p.173) ,

    ora totalmente frgil. A ambigidade se

  • 24

    mostra mais presente se analisarmos a

    personagem. Ela capaz de provocar em

    seus leitores uma 'classificao' um tanto

    contraditria, como se carregasse em

    si a capacidade de se mostrar heri/anti-

    heri. Para os excludos sociais um

    verdadeiro smbolo de herosmo, j que

    busca uma igualdade entre classes.

    Entretanto, os meios de que se utiliza, o

    colocam na condio de anti-heri pela

    extrema brutalidade com a qual

    promove suas cobranas no decorrer da

    narrativa.

    Em certos momentos toda esta

    crueldade parece doentia, at mesmo

    para o personagem: "A rua est cheia de

    gente. Digo, dentro da minha cabea, e

    s vezes para fora, est todo mundo me

    devendo!" (FONSECA, 1979, p.166).

    Outro acontecimento que tem

    bastante relevncia no conto o

    aparecimento de Ana. Uma moa rica,

    dona de uma beleza singular, o que faria

    a moa uma perfeita "vtima" do

    cobrador. Porm isso no ocorre. Desde

    o incio o narrador-personagem parece

    ter se encantado com ela. Ana

    representante da classe alta, mas no

    alvo da violncia do "cobrador". O que

    Ana teria de diferente? Uma

    caracterstica incomum de Ana em

    relao s outras personagens do conto

    que ela no teme "o cobrador".

    Aps conhecer Ana e ouvir dela

    a confisso de que no tinha medo dele,

    o cobrador muda seus planos e modifica

    seu modo de 'cobrar'. Esta personagem

    de suma importncia no conto, tendo em

    vista que Ana ensina ao cobrador outras

    formas de efetuar sua vingana.

    Como podemos observar na

    anlise comparativa dos contos, a

    temtica aborda a mesma, talvez a

    brutalidade e a intensidade de tal

    violncia seja at maior na obra de

    Rubem Fonseca em comparao a

    produo de Ferrz. No entanto, vale

    ressaltar que o modo com que essa

    violncia exposta ao leitor

    substancialmente diferente, alm de sua

    posio como sujeito-autor no sistema

    literrio brasileiro tambm constar de

    origens distintas. Prova disto pode ser a

    escolha das vozes atribudas aos

    personagens pelos escritores em

    questo.

    O foco narrativo do conto de

    Rubem Fonseca o de um narrador-

    personagem. Pode ser uma estratgia do

    autor em consolidar um pacto e uma

    aproximao com o leitor. Como se

    fosse necessrio tornar explcita a

    participao e a vivncia dos fatos

    expostos no decorrer da narrativa.

    Aparentemente, o intuito de uma

    possvel 'comprovao' da vivncia do

    narrador-personagem o que poderia

  • 25

    gerar uma maior credibilidade ao

    narrador executor de todas aquelas

    agresses brutais. Como vemos no

    trecho: "Dei um tiro no joelho dele.

    Devia ter matado aquele filho da puta"

    (FONSECA, 1979, p.166).

    J a obra contempornea do

    escritor Ferrz, intitulada Manual

    Prtico do dio, escrita em terceira

    pessoa do singular por um narrador

    observador, ou seja, o narrador no se

    inclui na narrativa, apenas tem o papel

    de 'contar' o que presenciou para seus

    leitores. Se observarmos o foco do

    captulo aqui destacado, observaremos

    que o autor ao escolher o narrador em

    terceira pessoa parece no estar

    preocupado em 'convencer' o leitor do

    que conta. Como vemos no trecho a

    seguir: "Armandinho mirava a pistola na

    cabea de rika e no deixava de achar

    muito engraado ver a dona daquele

    apartamento extremamente luxuoso,

    com aquela cara, ele notava que assim

    ela no parecia to alta..." (FERRZ,

    2003, p. 191).

    Esse paralelo foi realizado para

    refletirmos sobre o posicionamento dos

    autores diante de suas narrativas. Ser

    que pelo fato de Ferrz ser do gueto e

    falar de acontecimentos que

    possivelmente fazem parte de seu

    cotidiano, faz com que sua narrativa

    funcione como uma espcie de

    testemunho cuja posio de observao

    garante o pacto com o leitor? Em

    contrapartida a utilizao de um

    narrador-personagem na obra de Rubem

    Fonseca um artifcio de aproximao

    representao do marginal?

    E interessante pensar na sucesso

    de "conflitos" importantes para a

    discusso no mbito dos estudos

    literrios que o boom da literatura

    marginal provoca.

    "Tratando de espaos no valorizados socialmente, como a periferia dos grandes centros urbanos, ou os enclaves murados em seu interior, como as prises, os textos citados como alguns outros vem conseguindo uma visibilidade na mdia, xito perante parte importante da crtica e reconhecimento dentro do campo literrio e cultural, provocando debates sobre sua legitimidade, enquanto expresso de um sujeito social at ento sem voz, ou mesmo sobre a possibilidade de uma nova vertente temtica e estilstica, correspondente matria que traduzem." (Pellegrini, 2008, p. 41)

    Seria interessante considerarmos

    a citao de Tnia Pelegrini para

    refletirmos sobre essa "nova vertente

    temtica e estilstica". A violncia e o

    engajamento social, contidos na maioria

    das obras marginais contemporneas so

    caractersticas de uma vertente

    temtica.

    O romance Manual Prtico do

    dio de Ferrz conta a histria de um

    grupo que planeja um assalto a um

  • 26

    banco. O captulo "Abismo atrai

    abismo" foi escolhido para comparaes

    com a obra de Rubem Fonseca e inicia-

    se relatando a extorso de um delegado

    a um dos integrantes da quadrilha do

    roubo. O autor promove neste primeiro

    momento uma crtica polcia, pela

    corrupo. O delegado chega a dizer a

    Rgis, que o que lhe interessava, ou seja,

    o dinheiro, tambm era interesse de

    todos ali. E que o melhor a fazer era

    ouvir e concordar.

    Durante a narrativa de Ferrz h

    uma constante mudana no foco de

    observao. Avaliamos tal postura

    tambm como artifcio de construo

    narrativa, em que para delimitar

    diferentes ngulos o escritor opta por

    marc-los graficamente por meio de

    espaos em branco no decorrer de toda a

    obra.

    Aps uma dessas mudanas de

    foco narrativo, narrado um assalto a

    um apartamento de luxo. Violncia

    direta a uma famlia de classe mdia

    alta. Como observamos na citao:

    "Celso estranhou quando Alfredo que estava indo com a cadeira na sua frente soltou um grito e desmaiou. Ao chegar entrada da sala, rapidamente Celso passou pela cadeira de roda e tomou outro susto quando viu a cena, Armandinho havia desferido vrios golpes com o cabo da pistola no rosto de rika e ela estava com o rosto todos ensangentado e cada no cho." (FERRZ, 2003, p.194)

    Esse trecho resultado da revolta

    de Armandinho, um dos assaltantes,

    com a administradora de empresas que

    est sendo vtima do assalto, pois ela

    supe que o assalto tenha sido uma

    "fita" que a empregada passou. Ou seja,

    que tenha sido a empregada que

    forneceu os dados para que o assalto se

    consumasse. A revolta de Armandinho

    estava em defender a funcionria de

    rika.

    Poderamos falar da alteridade

    nas obras literrias marginais

    contemporneas, em que uma nica voz,

    tem o intuito de representar toda uma

    comunidade, dar voz a uma comunidade

    antes negligenciada. o que pode

    simbolizar parte deste assalto, em que

    observamos a defesa de uma classe

    excluda. Nestes momentos de violncia

    e crueldade, as classes se igualam: "

    Agora fudeu, dona, todo mundo igual,

    naum tem patro, num tem empregada, e

    se vacil, vai ta tudo cheio de sangue em

    menos de segundos, o primeiro a morrer,

    se tentar algo, o pivete a." (FERRZ,

    2003, p. 192).

    Ferrz, morador da favela,

    empresta sua voz comunidade

    excluda, j Rubem Fonseca um

    elemento estranho a essa excluso, e

    tenta, a fim de garantir a confiabilidade

  • 27

    de sua representao, promover um

    pacto com seus leitores.

    A questo da violncia est

    inegavelmente presente na estrutura

    narrativa dos dois textos brevemente

    analisados. E como se a violncia

    estruturasse o 'fazer' literrio de Ferrz e

    de Rubem Fonseca. Entretanto,

    interessante pensarmos em que nvel

    essa estrutura narrativa fortalecida ou

    enfraquecida com a utilizao

    indiscriminada da violncia.

    Atravs da breve anlise que

    empreendemos na tentativa de realar as

    diferenas e semelhanas entre os dois

    textos literrios destacados, podemos

    concluir que relevante o modo como

    os escritores lidam com a representao

    da marginalidade. Rubem Fonseca fala

    em primeira pessoa, tenta avivar uma

    situao marginalizada, tenta falar de

    uma esfera a qual no pertence, de um

    outro que no definitivamente seu

    'mano', seu irmo, e para isso cria uma

    "persona", na tentativa de criar seu

    'efeito de real'. A posio de Ferrz

    totalmente diversa: o autor reivindica o

    conhecimento da causa, ele prprio,

    autor marginal, convive com os

    marginais e o resultado ficcional disso

    a exposio dos fatos pelo narrador

    como testemunha, como observador da

    violncia real. Respaldando por sua

    condio margem, o pacto de

    verossimilhana pode ser perfeitamente

    reforado por um narrador em terceira

    pessoa, meninos, eu vi.

    IV CONCLUSO

    LITERATURA DO INCMODO Retomando nossas discusses

    acerca do tema podemos detectar com

    clareza que nossa premissa maior se

    confirma. Apostamos, pelos inmeros

    impasses explorados ao longo de nosso

    texto, que a literatura marginal

    (perifrica) um 'movimento' presente e

    perturbador na cena literria

    contempornea.

    Talvez a maior evidncia disso

    seja o fato de que a maior polmica

    provocada pelo surgimento de tais textos

    gire em torno da pergunta sobre se a

    produo chamada de literatura marginal

    se caracteriza como "literria". No

    entanto, entendemos que a confirmao

    ou a refutao a este questionamento

    pode no ser algo to simples de

    delimitar. Richard Freadman e Seumas

    Miller na obra Re-pensando a Teoria

    afirmam que:

    "[...] preciso deixar claro que embora exista, em nvel conceitual, uma distino a ser traada [...] as fronteiras entre o literrio e o no-literrio no so ntidas. A maioria dos textos possui uma dimenso literria e uma no-literria, e na prtica muito difcil caracterizar cada texto como

  • 28

    (predominantemente) literrio ou no-literrio, ou isolar todos os elementos literrios dos no-literrios dentro de qualquer texto especfico." (FREADMAN e MILLER 1994, p.254)

    Neste sentido, observamos que

    um mesmo texto tem a possibilidade do

    "hbrido", da mistura, de elementos

    considerados literrios ou no. Ento,

    talvez por isso possamos afirmar que o

    surgimento da literatura marginal cause

    tanto rebulio no mbito da teoria

    literria: por apostar no hibridismo, no

    deslizamento, no alargamento das

    fronteiras do que h pouco tempo era

    certamente apontado como literatura.

    Observar a transio da "figura

    marginal" no contexto literrio brasileiro

    e promover paralelos entre estes

    perodos analisados (70 e 90) foi de

    suma importncia para confirmar a

    premissa do 'incmodo' que essa

    literatura provoca. Muitas diferenas

    foram detectadas, tanto nos meios de

    produo, quanto na sociedade e nos

    prprios produtores desta literatura

    "marginalizada". Como j explicitamos,

    a inteno do "Marginal"

    contemporneo tematizar seu cotidiano

    violento, colocar em questo a cultura

    perifrica e acima de tudo inscrever na

    histria um grupo antes silenciado,

    dando-lhe voz prpria.

    importante notar que um

    grande nmero de escritores envolvidos

    com a produo ficcional atual so

    autores nascidos na periferia que

    enfrentam adversidades, e que

    despontam em um momento mpar, fase

    de deslocamentos, de transio, de

    reestruturao de valores, forando a ns

    que pertencemos ao campo literrio, a

    re-pensar a crtica e a teoria.

    Estes autores encontram na

    literatura uma forma de "incluso" e

    tomam este espao como seu. Parecem

    pressupor que esta 'incluso' pode ser

    apenas simblica por isso reforam de

    maneira quase "impositiva" seus ideais.

    Como podemos observar no seguinte

    excerto:

    "[...] o ideal mudar a fita, quebrar o ciclo da mentira dos "direitos iguais", da farsa do "todos so livres", a gente sabe que no assim [...] Sabe duma coisa, o mais louco que no precisamos de sua legitimao, porque no batemos na porta para algum abrir, ns arrombamos a porta e entramos." (FERRZ, 2005, p.10)

    No entanto, estar disposto e/ou

    saber lidar com estas "novas posturas"

    tambm no uma tarefa to simples.

    Re-definir conceitos, padres de

    qualidade e valores contemporneos

    necessrio, principalmente para a crtica.

    Afinal, como bem colocou Eagleton

    "Nesse mundo, o que centro pode

    deixar de s-lo da noite para o dia: nada

    nem ningum permanentemente

  • 29

    indispensvel". (EAGLETON, 2005,

    p.36).

    neste sentido que

    acreditamos a teoria "envolve relaes

    complexas de tipo sistemtico entre

    inmeros fatores; e no facilmente

    confirmada ou refutada" (CULLER,

    1999, p.12) como nos prope Culler em

    seu texto "O que teoria?". Sendo

    assim, nesse perodo de transio e

    efervescncia em que nos encontramos

    que a teoria justifica sua tarefa de

    problematizar seu objeto de anlise

    evitando estabiliz-lo como algo

    atemporal.

    V- AGRADECIMENTOS

    Profa. Dra. Luciene Almeida

    de Azevedo meu franco reconhecimento

    pela maneira com que me apoiou nesta

    investigao: uma orientao criteriosa,

    sria, crtica e acima de tudo sincera, da

    qual s me fez ter vontade de dar

    continuidade prtica investigativa e a

    minha vida acadmica; Agradeo

    tambm por ter sido a precursora nos

    estudos em Literatura Contempornea

    da Universidade Federal de Uberlndia;

    Ao Prof. Dr. Antnio Marcos

    Pereira da Universidade Federal da

    Bahia que a convite da Professora

    Azevedo gentilmente exps suas crticas

    e sugestes ao plano de trabalho;

    Ao programa de Apoio

    Iniciao Cientfica (PIAIC-UFU) pela

    concesso do registro do projeto, por

    meio do nmero H-017/2008, ao

    Instituto de Letras e Lingstica e suas

    dependncias;

    Ao Grupo de Estudos em

    Literatura Contempornea da

    Universidade Federal de Uberlndia que

    possibilitou vrias discusses e

    indagaes que foram proveitosas ao

    trabalho;

    E aos colegas graduandos e

    estudiosos de Literatura Contempornea

    Carla rica Oliveira Ferreira, Fernanda

    de Paula Vasconcelos, Jordnia A. da S.

    Oliveira e Tiago Henrique Cardoso por

    acompanharem o projeto, pelas

    apresentaes conjuntas, pelas

    discusses realizadas alm da presena

    sempre efetiva.

    VIREFERNCIAS

    BIBLIOGRAFICAS ABREU, MRCIA. Cultura Letrada: literatura e leitura. So Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 2006. ALVES, Ana Cristina Tanns. Em busca do discurso potico de Aristide Klafke: Marginalia e contracultura. 118p. 2007. Dissertao de Mestrado. AZEVEDO, L. Estratgias para enfrentar o presente: a performance, o segredo e a memria (literatura contempornea no Brasil e na Argentina- dos anos 90 aos dias de

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