a arte de contar historias otilia chaves
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Biblioteca de Educa~ao ReIigiosa
III
A ARTE DE
CONTAR
HISTORIAS
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PREITO DE SAUDADES
A memoria de minha estremecida
mae, que [oi, em tudo, exem-plo, linda hist6ria viv ida..
Em homenagem a meu saudoso pai,
cuja vida de sacrijicios e tra-
balhos joi sempre motivo de
orgulho santo para mim.
DEDICAT6RIAS
Ao meu amado eeposo, que me inspiroue ajudou na [eitura cMstelivre, devol-
vo 0mer ito daquiZo que conquistei par
causa de seu espiriio cooperador e
compreensivo.
Aos meus jilhos, muito anuuios, oje7e<;o
este s·ubsidio para que 0 aproveitem,
contando histories a seus filhos.
Aos meus prezados irmiios e irmiis, a
quem muito estimo, minha sincera
homenagem.
A AUTORA
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Com a publicacao, em maio de 1941, deste
3.0 volume da Biblioteca de Etiucacdo Religiosa,
concretizou-se antigo desejo do Conselho de Edu-ca<;ao Religiosa, qual seja 0 de entregar aos 0-
breiros da Escola Dominical urn compendio que
fccalizasse os principios sabre a arte de contar
tustorias:
Passados dez anos, 0 Conselho de EducacaoReligiosa apresentou a sua 2.a edic;ao, revista e
ampliada pela pr6pria Autora.
Mais de dez anos se passaram e a 2.a edic;ao
de ha multo se esgotou.Crescem os reclamos por esta obra que tan-
to bern tern trazido aos pais e educadores da ge-rar;ao presente. As proressoras de Jardim de In-
fancia e Escola Prtmaria especialrnente, encontra-
trarao neste compendio urn roteiro segura para
sua orlentacao na Arte de Contar Historias, em
que elas, por dever de oficio, devem ser peritas.
Dai a razao desta 3.a edicao, tambem revista
e ampliada pela propria autora.o nome de D. Otilia de Oliveira Chaves e
bastante conhecido nos meios evangelicos e edu-
cativos do Pais, pois vern ela dedicando a sua
vida a obra de ediflcacao moral e espiritual da
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intancia e da adole!c~ncia. E, portanto. D. otf-Ila, autoridade na materia que estuda neste com-
pendio. e 0 faz de modo sugestivo, claro e com-preensivo.
Na certeza de que este volume vira concor-
rer para a realizaeao de trabalho mais eficiente
junto da infancia - para a qual a hist6ria e 0
sermao por excelencia, quando contada com arte
e propriedade - apresentamo-Io aos obreiros de
educacao reIigiosa e aos educadores em geral.
Rio de Janeiro, fevereiro de 1963.
~
INDICE
PAG.
Introducao 9
CAPiTULO I
Definindo a Historia · 17
CAPiTULO II
o Valor da Historia 21
Setor de Educar;tio ReUgiosa da
Canfedera<;iio Evangelica do Brasil
CAPITULO III
Analise da Histor ia . . . . . . . 35
CAPITULO IVCaracteristicas de uma boa Historia · 43
CAPiTULO V
Passes Formais lIO Preparo de urna Hist6ria · 49
CAPITULO VI
Artificios cia Arte de Contar Hist6rias · 55
CAPiTULO VII
Metodo Audio- Visual · 61
CAPIrULO VIII
Dramatizacao · 69
CAPiTULO IX
o Perigo de Apontar a Moral da Hist6ria . • 7 5
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CAPiTULO X
Historias Imaginarias 83
CAPiTULO X[
Historias Reais . . . 89
CAPiTuLO XII
Urn Pouco de Psicologia . . . . . . 9 3 INTRODU9AO
BIBLIOGRAFIA 15 7
"Mamiie, conta-me uma hisioria", e 0 pedido
mais constante e insistente da crianca que malcomega a achar-se na vida. E sem duvida, signi-
ticaiioo 0 anseio da crianca pela hist6ria; e que
a tustona supre um imperativo da natureza hu-mana: a tinsia de aprender pelo exemplo.
N O O e ram ver-se uma crianca mudar de ati-
tudes, de gestos e mesmo de comportamento, pe-la influencia silenciosa, mas segura, de uma his-
t6ria educativa.
Contar historias, porem, e grande arte, em-
bora, pelo seu uso too antigo e tiio vulgar, tuio 0
pareca. No decorrer Mste estudo, queremos mos-
trar como tui muito de arte no coniar de uma
hist6ria e como uma historia, para set eiicienie,
precis a conter certos elementos, obedecer a cer-
tos principios e ter certas caracteristicas.
Cada vez mais, os lideres no terreno etiuca-
tiro estiio chegando a convicc;a.o de que 0 pro-
cesso natural e informal de aprendizagem e 0
mais ejicienie para se conseguir a educaciio de
APENDlCE - Algumas Historias
o Cestinho que a Princesa achou
Merenda Abencoada
Davi
o Amor Vence
10 9
11 3
11 7
12 5
- Algumas Dramatizacoes
A Vida de Jose
Rute, a Moabita
13 5
14 5
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uma crianqa. E, a medida que os processos naiu-rais ou metodos intuitivos sao postos em pratica,
os pais, os professUres e os educadores, em ge-
rat, reconhecem, mais e mats, 0 valor educativo
da historia. Ela e 0 metoda intuitivo po r exceten-cia, 0 mais simples, 0 mais antigo e a mais efi~
ciente na transmissao de verdades eternas de umagerat}ao a outra gerar;iio.
A historia e a maie antiga forma liteniria
consciente. Muito antes de ter 0 homem. inventado
a arte de escreter, ou sinais graficos de qualquer
natureza, para gravar com eles em pedra, em bar-
TO au em madeira os seus pensamenios, ja a lin-
guagem jalada lhe permitia passar aos posteros as
suas ideias, as suas crencas, as suas tradigoes, a re-
tato dos seus [eitos, conseruatuio, assim, 0 patrimo.nio cultural da raca, e t iespertatuio, nas novas ge-
ra,coes,0 desejo de imitar os bons exemplos dos an-
tepassados e eoitar os seus mos. Ainda hoje, exis-
te entre algumas trioos selvagens, 0 costume de,
antes de um combate, convocar a tribo, coniar-lhe
o paje os ieitos tieroicos dos seus bravos e terminar
com uma exortago.o que significa, mais ou menos,
o seguinte: "Morra iodo aquae que, nesta tuta,
n a o tizer tanto, ou mate do que /izeram os nossosnerois",
racierisiica da natureza humana, e a sua depen-
dencia de lideran(}a, levam-nos a um estado de cu-
riosidade constante e a urn proiusuio interesse na
tmnsmissdo de incidentes da vida real. Qualquer
pormenor da experiencia de um ituiiuuiuo, ou gru-
po de nuiioiduos, airai-nos a aiencdo e desperta--nos a curiosidade e 0 interesse.
A historui e, de si, atraente e agradavel, e, pOT
isso, mui suscetioet de ser prejudicada tanto pew
abuso como pelo menosprezo.
o.jato de a historia ser tao atraente, tem te-
vado pais e protessore« a usa-la somente como en-
tretenimento, sent consideraciio ao seu conietuio e
a sua forma uteraria. Os editores de uoros, por
sua »ez, se aproueitam deste descaso e publicam li-vros e livros de historias que, longe de beneficia-
rem a injlincia e a mocidade, constiiuem. verdadei-
1'0 veneno ministrado as suas mentes em forma-
ciio.
A tustoria desperta simpatia e produz emociio.
tsto explica a fascinafliio que ela exerce sobre os
individuos de todas as idades. A mente social, ca-
A historic agrada e eniretem, mas a sua iun-
go.oreal tuio e entreier e agrada.r; e , principalmen-te, educar.
o prazer niio e 0 unieo alvo da vida nem tiioPOUCQ deve ser seu unico motivo; e , entretanto, in-dice de vida, especialmente na mocuiatie. cabe,
pois, a sabedoria tios pais e dos educadores apro-
veitar este indice de vida das qeraciies novas, para
orienta-los dentro de um ambiente agradavel e
estimutante.
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A historia, que que tao bem supre este impera-
tivo da natureza humana, e responde ci s suas mais
profundas necessidades, tieue ser apraveitada para
conduzir as individuas no caminho da retuido e do
bem.
Para isso, [az-se mister, saber a que e uma his-toria, seu valor, suas principais caracteristicas, as
elementos que a constiiuem e as interesses particu-lares das dijerenies idades. E e isto que pretende-mos mastrar no modesto trabalho que apresenia-
mos aos que, como nos, sao pais e educadores.
A ARTE DE CONTAR HIST()RIAS
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CAPtTULO I
DEFININDO A HIST6RIA
Para a boa compreensao do nosso estudo, pre-
cisamos, de inicio, definir 0 que e uma hist6ria.
A nossa admiravel lingua portuguese, a des-
pelto de sua riqueza de expressao, como t6das as
linguas, nem sempre diz 0 que gostariamos ela dis-
sesse, No caso do vocabulo "histOria" por exemplo,
somos obrigados a usar a mesma palavra para de-signar duas cousas de natureza diferente - His-
t6ria, narracao de fa tos que se deram no desenro-
lar da civilizac;ao, e tustoria, narrativa verdadeira
ou Imaglnaria, encerrando uma ac;ao terminada e
que apela mais para a emocao do que para 0 inte-
lecto.
Muitos falham na apllcaeao da arte de con-
tar historias, porque ignoram 0 que uma hist6ria
realmente e.Descricao e expostcao sao, a s v~zes, con fun-
didas com hist6ria; entretanto, nao s a o hfstcrlas,s a o apenas formas Itterarlas que vlsam a definlr
ou a esclarecer 0 pensamento a respeito de qual-
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18 A Arte de Contar Hist6rias netmmao a Hisioria 19
quer assunto. A descri~ao e a exposi~ao faltam
as caracteristicas da hist6ria.
A hist6ria e baseada em atos que tem urn
fim Imediato - sua enfase e posta na condutados personagens, e apela, especialmente, para a
imaglnacao e para 0 sentimento. Eventos ima-
ginarios nunca podem ser consider ados como fa-
tos historlcos, mas urn fato hist6rico pode sertransformado em historia, desde que seja posto
em forma e modo que apelem para os sentimen-
tos.
o que caracteriza uma hist6ria e 0 fato de
encerrar eia uma sene de eventos que Ievam a
um fim imediato, eventos que se completarri, eque fazem da hist6ria uma experiencia que
comecou, se desenvolveu, chegou ao auge eter-minou. Nao e assim com a Hist6ria (fatos his-
t6ricos) . Esta encerra, tambem, uma serle de
eventos, mas eventos que tern .Importancia em
si mesmos e cuja apreclacao global nao e dadaao homem, pais tern duracao eterna. A expe-
riencta que eies traduzem sobrevive as geracoes:
dela nao se pode determinar 0 climax, nem pre-
cisar a eonelusao , Cada even to historieo pode,
por si mesmo constituir uma hist6ria.
Na hist6ria,encontram-se as formas Iiterarlas
a que ja aludlmos, isto e , a descri~ao e a exposi~8.0e ate 0 elemento hist6rico (fatos reais); estas cou-
sas, porem, aparecem como meto, como forma.
subordinadas, e nao como fim.
Urn mesmo assunto pode ser apresentado
em formas diferentes. 0 Salmo 23 e born exem-plo do que acabamos de afirmar. Na Bfblla,
ele se nos apresenta como paesia descritiva; jaem "A Cancao do Peregrino Sirio", de William
Allen Knight, 0 encontramos na forma expositi-
va e. em "A ovelha perdida", Miss Cragin apre-senta-o na forma de histOria. Semelhantemente,
temos no livrinho de Sante Uberto Barbieri, "Este-vao" e em "0 outro Mago", de Henry Van Dyke,
exemplos de como urn assunto, que, originalmente,
era narrativa, pode ser posto na forma de histo-ria. Barbieri toma 0 incidente biblico que narra amorte do primelro martir do Cristianismo, e 0 ima-
gina 0 menino Estevao, vivendo na Galileia e detal modo influenciado por Jesus, 0Cristo, que, fei-
to homem, vai ate a morte na defesa dos seus en-
sinos; Van Dyke toma 0 incidente dos "tres ma-
gos" e 0 transforma na belissima historia na qual
imagina "outro mago" que, como os tres, desejou
tambem trazer ao Mestre 0 tribute de seus bens.
Nao logrando, porem, alcancar os companheiros,
pos-se a caminhar sozlnho , No contato com as
seus semelhantes, enquanto peregrinava, entre-
gau-se a obra de arnor e de service e nela foi usan-do as ofertas que trazia para 0 Rei. Nunca
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20 A Arte de Contar Hist6rias
o encontrou, pois sempre chegava tarde demais
ao lugar onde ele havia estado. Minai, ja sem
esperaneas de encontra-to, da, nas ruas de Jeru-
salem, a ultima oferta que trazia, em resgate
de uma donzeia escrava. Era a nora das trevasque se seguiram a . crucificaeao , Atingido pelosescombros de uma casa que desabava, em can-
sequencia do terremoto que tambem se seguin
it . tragedia do Calvano, encontra ele a morte. 86
entao ve 0 Rei, que the diz: "Quantas vezes 0 fi-
zeste a um dos meus mats pequeninos, a mim 0
fizeste" .
Poderiamos encontrar Inumeros exemplos des-
ta natureza na literatura brasileira, para nadadizer da literatura universal.
Estas consideracoes sao 0 bastante paracompreendermos 0 que e uma hist6ria. 1; a naT·
rativa de jatos reais au imaqituinos, que tnuiu-zem. uma experitncia a u a~fio complete; a qual
apelando mais para 0 seniimenio do que para a in-
teligencia, tetuie a mover a vontade do ouuinte no
senuao de imitar os atos dos personaqens que a
compijem.
CAPiTULO II
o VALOR DA HI8TORIA
Todo 0 mundo aprecia hist6rias, mas poucagente conhece 0 valor real da hist6ria. Muitos
que a usam paradiferentes fins, como entreter,
despertar atencao au descansar a mente, ignoram
que, mesmo quando usada com estes objetivos
em vista, a hist6ria e elemento poderoso na for-ma~ao do carater daqueles que a ouvem. Bastalembrar a Intluencia deleterla que muitos filmes
de aventuras exercem sobre Os adolescentes. As
cromcas policiais estao cheias de comentarios
sobre aventuras criminosas de criancas que, para
suas proezas, beberam insplraeao no cinema. E,
cantu do, elas vao ao cinema para se diverti-rem! ...
Podemos, pais, afirmar que a valor real da
hist6ria e ser instrurnento educativo.
A bist6ria, do ponto de vista educative, aten-de a s necessldades humanas em todos os seusaspectos.
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22 A Arte de Contar Hist6rias o Valar da. Historia 23
1. Fisico. A hlstoria tern sido usada para
a sansracao de uma necessidade de repouso. No
fim de urn dia de atividades, de exercicios fisi-cos e trabalhos escolares, a crlanca seacalma
ouvindo uma hist6ria. Se a hist6ria que the foicontada agradou-lhe 0 espirito, seu sono e maistranquilo, e seu repouso mais salutar. Muitasvezes, em meio aos labores escolares, quando 0
professor percebe 0 cansaco men tal dos alunos, suadesatencao ou inquietude, lanca mao da histOria
que tern 0 poder magtco de dar-lhes repouso e
prepara-los para reeneetarem as atividades dodia.
muitos conhecimentos que enriquecem a mente
e desenvolvem 0 pensamento. Com 0 usa de his-
t6rias, a linguagem pode ser melhorada, 0 voca-
bulario enriquecido, a expressao facilitada.
t a historia a forma literarla mais expres-
siva, de mais faci! compreensao, tanto para
criancas, como para adultos. A media da inte-
lectualidade human a nao entende discursos nemargumentacoes, porem compreende perfeitamen-
te uma historia. Um dos principios didaticos
mais preconizados em nossos dias e a da apren-dizagem indireta. A hist6ria responde franca-
mente a este apelo didatico. Quem ouve au I e
uma historia, participa, imaginarlamente de umaexperiencia de primeira mao. Nao se imagina umimitador do personagern, mas assume atitude vi-
carla na experiencia, coloca-se no lugar do heroi,
sofre os seus sofrimentos, goza as suas alegrias,
em surna, toma parte nos eventos da historia, co-mo se fora a proprio heroi.
Por outro Iado, a hist6ria e de racn adaptacaoa qualquer materia de ensino. Assim eia pode
ter carater historico, cientifico, etico ou Unguis-tico, sem ser, eontudo, nern hist6ria, nem ciencia,
nem etica, nern gramatica ,
Plutarco, na antiguidade, e Paulo setubat,
nos tempos 'modernos, em suas obras, nos daoexemplo de como a historia pode ser a hlstorla
2. Moral. A historia nao so vale comomeio de descanso fisico e repouso mental, mas,
especialmente, como estimulo dos sentimentos, e,
dai, 0 seu valor moral. 0 narrador empresta ahistOria 0valor de sua personalidade e pode mi-
nistrar li~6es de alta signincacao, Ouvindo uma
hist6ria, as emoefies de uma crianca sao desper-
tadas ao mais alto ~rau e ela distingue entre 0
certo e 0 errado, entre 0 bern e 0 mal, como nao
poderia fazer par qualquer outro metodo dida-
tieo.
3. Inielectual . A hist6ria foi 0 UIllCO
instrumento pedag6gico usado pelo h1>mem pri-
mitivo. 1: . a mats simples e compreensiva forma
literaria e por meio dela e possivel ministrar
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24 A Arte de Contar Hist6rias o Valor da Hist6ria 25
verdadeira de urn povo; Julio Verne, de como a
hist6ria pode conter clencia; Esopo e La Fon-
taine, de como a hist6ria e li~ao de moral; Mon-teiro Lobato, de como a hist6ria pode ser compen-
dio de gramatica ou de antmetica, ou mesmo dequalquer outradisciplina.
4. Social. A hist6ria interpreta a ciencia
da vida humana nas suas relaedes soeiais. Vir-
tudes sociais como a simpatia, 0altrulsmo, a soli-
dariedade e outras, sao, por meio dela, ensinadasde maneira objetiva, eficaz.
o uso da hist6ria atraves dos seculos comoinstrumento pedagogico prova
°seu valor edu-
cativo.
Desde os tempos mais remotos 0 homem, per-
cebendo que cada habilidade que possuia era urnrecurso a sua disposi~ao para conquistar 0 respei-
to e a veneracao dos seus semelhantes, comecou
a cultivar 0 seu talento e a especlalizar-se nas ar-tes. Para entreter aqueles que 0 cercavam e rece-
ber sua aprovacao e admiracao, usava ele, com es-pecialidade, a arte de con tar hist6rias. Pouco a
pouco, 0 contador de historias se tornou o centrode atra~ao popular pelo prazer que as suas hist6-rias proporcionavam.
Passando 0 homem do estado barbara para a
vida organizada, 0 contador de historias, 0 paje,
que tinha, s6 ele, os segredos da arte de dizer,deixou de ser mere instrurnento de diver sao
e encantamento popular, para ser 0 deposttario
das tradicdes de tribo, as quais ele devia trans-
mUir a s novas gera~oes para conservadas e vene-radas atraves dos tempos. Dai, tornar-se ele 0
preceptor, 0sabto, 0 mage que definia os misterlos
da ciencia rudimentar que possuiam, e que Ihes
ministrava os oraculos dos deuses, explicativos dos
renomenos naturais que os embeveciam, tais co-mo 0 movimento dos astros, as alteraeoes atmos-
tericas, as fantasticas mudaneas das nuvens, e ascombinacoes cromaticas no firmamento. Assim
se originaram as primeiras lendas, mitos, folclo-
res, as fabulas e as alegorias, que sao as mais an-
tigas forrnas de historias.
Catherine D. Cather refere-se a urn epis6dio
da hist6ria arabe que relata ter havido, ha mul-
tos seculos, um banquete em Bagdad, oferecido
por urn Califa em regozijo pelo nascimento de seu
filho. Todas as pessoas da alta roda que foram
convidadas compareceram a festa e trouxeram
presentes para 0 infante, menos uma, urn jovemsabio chamado MeheUed Abi. tIe vela de maos
vazias e, ao entrar no palacio, no momento em
que apresentava seus cumprimentos ao Califa.
exclamou:
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26 A Arte de Contar nistortae o Valor da Hist6ria 27
"Finos ornamentos, j6ias e ouro 0 princlpe re-
cebera em profusao , Portanto, de mim, ele rece-bera algo mais precioso que tudo isto. Cada diade sua vida, desde 0 dia em que tiver idade de en-
tender ate que entre na posse de sua maioridade.eu the contarei historias que 0 rarao sable e [usto.
E, quando teus dias se findarem em Bagdad, 6Califa, e ele se assentar no trono para reger 0 seu
povo, ele sera justo e misericordioso, sera rei de
quem toda a Arabia se orgulhara."
Mehelled Abi cumpriu sua promessa. Logo
que a crianca comeeou a falar e entender, aque-
Ie homem de pele bronzeada entrava no palacto e
lhe contava e recontava as histOrias que exalta-yam 0 que havia de melhor na tradi~ao arabe ,
Nao veio apenas por alguns dtas ou meses, nao selimitou a infancia do principe, mas, religiosamen-
t e o 0 visitava todos as dias ate que ~le ficou ho-memo Quando, finalmente, Harounal-Raschid, que
assim se chamava este principe, assumiu as redeasdo governo, como califa, sua fama de born gover-
nante se espalhou por todo 0 Oriente. Naquele
tempo a seu mestre escreveu num pergaminho,
que se encontra ainda hoje na cotecao de manus-
crltos em Lichtental, Budapeste, 0 seguinte: "Foi
por causa da semente lancada pelas histOrias".
Os que tern acompanhado a hist6ria da "Arte
de contar histortas" concordam em que 0 sable
Mehelled Abi estava certo. Atraves dos seculos, 0
canto usado de maneira artistic a, planejada, por
aqueles que poem seu coracao no trabalho e creemno poder da hlstorta, alcanca resultados incalcula-
veis. Esta ainda alcancando estes resultados naera presente nos centres educativos de todo 0
mundo. Tern sido instrumento de construcao de
carater, de manutencao de ideais, nao somenteno periodo de urn seeulo, au nos limites de uma
naeao, mas atraves dos tempos, em todos os luga-res onde os fatos historicos sao registrados.
SOcrates, 0 antigo fil6sofo, quando instruiaSEUS discipulos debaixo dos oleandros da velha Gre-
cia, dava-lhes exemplos concretos dos principiosque desejava transmitir-Ihes. Contava-lhes his to -rias cujos personagens recompensados com a paz
de esp1rito e satisfa~ao na vida por terem seguido
tais principios e posto em pratlca na sua conduta
tais ensinos ou en tao , por sua negligencla, eramprlvados da felicidade que teriam alcancado em
segui-los. 0 dialogo era sua forma Itteraria favo-
rita. mas este permeado de narrativas cuja finalt-
dade era atualizar a teoria.
PIa tao , seu discipulo, continuou a adotar
seu metodo . Na suas obras que foram preservadaspara a posteridade ha numerosas narrativas. al-
gumas bem curtas, mas hlstorias verdadeiras. con-
cisas, nas quais algo acontecia com 0 objetivo de
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28 A Arte de Contar ntstorias o Valor da HistOria 29
despertar 0 interesse e afirmar principios. 1tle in-
troduziu hist6rias nos seus dialogos, como 0 fizera
SOcrates, porque compreendeu que 0 concreto gra-
va e amolda; e pondo suas teorias em a<;aopela
observacao de virtudes e vicios na criatura hurna-
na, ele impressionaria com a verdade as mentes
e coracoes de seus discipulos como de nenhuma
outra forma poderia faze-lo. Por experiencia ele
sabia que a verdade apresentada em forma de
preceitos, muitas vezes nao e compreendida, ou
se compreendida nao apela, pela ausencia da emo-
c o o . "Para se ensinar a uma crianea a verdade e O 'necessario ensinar-lhe a fiq:ao", dizia este grande
ateniense. ~le queria dizer com isto que antes deo ser humano ser empolgado por urn principio
a ponto de adota-lo como guia de sua conduta, ele
tern de observa-lo na pratlca. E preciso que ele
veja 0 sofrimento ou a recompensa que 0 homem
recebe como resultado de sua lealdade a certas re-
gras e preceitos, au menosprezo deles, A historla ea (mica maneira de p6r a vivo, por obra da imagi-
nacao, esta verdade que a experiencia oomprova.
Mesmo antes de Socrates e Platao,0
sabioConnicio, na China lendaria adotou 0 mesmo pro-
cesso, De sua pobreza inlcial, de pastor de gada
do chefe de sua vila natal, ele veio a ser urn dos
maiores mestres e legisladores de todos os tem-
pos. Usava a hlstoria para despertar 0 desejo de
um proceder melhor, porque descobriu que, ouvin-
do contar de alguem que encontrara satisfa<;ao
pelo fata de manter conduta honesta e justa ba-
seada no motivo interior e nao na subserviencia,
os seus discipulos eram mavidos a imitar tais ca-
racteres.
Na Idade Media, 0 contador de historlas era
respeitado e bem-vindo em toda parte.
As cronicas atestam que na Boernia, na Aus-
tria e nas Ilhas Britanicas, os trovadores, os se-
greis, os jograis, os bardos e os menestreis obti-
nham passaportes quando outros individuos nao
podiam obte-los. :tsses eram os que, cantando, re-
citando, declamando, iam de palacio em palacio,de aldeia em aldeia, contando as hist6rias tao do
gosto popular da epoca.
1:stes bardos eram mais que simples propor-
cionadores de entretimenta, eram os historiadores
da sua epoca, que transmitiam aos mocos a sabe-
doria dos velhos. As hist6rias dosgrande homens
e dos grandes feitos que transmrtiam eram acorn-
panhadas de musicas, porque criam que 0 poder
da rmisica sabre as emoeoes, lhes permitia captar
a atencao de seus ouvintes e conserva-los cativos
de seus ensinos. Eram eles verdadeiros mestres,
com mensagem e missao definidas.
E. ate os nossos dias, todos 08 povos, civill-zados au nso, tem usado a hist6ria como veiculo
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30 A Arte de Contar HiBtOrias o Valor da. Hist6Tia 31
de verda des eternas, como meio de conservacao
de suas tradic;oes, ou da dtrusao de ideias novas.
Ninguem ignora a paderosa intluencta que a
hist6ria tern exercido nas reformas socials por que
tern passado os pavos.Na Inglaterra, Charles Dickens preparou 0 am-
biente de que resultou a reforma social da regula-
mentacao do trabalho de menores. "A cabana do
Pai Tomas", de Harriet B. stowe, dizem ter feito
mats para precipitar a guerra civil nos EstadosUnidos da America, do que toda a propaganda anti-
-escravista feita pela imprensa e pela tribuna. E,creio que nao errariamos se dissessemos que, noBrasil, as poesias, verdadeiras hist6rias, de CastroAlves, como par exemplo, "0 Navio Negreiro", fo-
ram urn dos mais poderosos meios de propagandada libertaeao dos escravos.
5 . Religioso. 0 que dizemos a respeito da
tnnuencia da historia nos movimentas sociais ser-
ve, igualmente, ou ainda mais, no ensino religioso.AhistOria do povo hebreu e amostra eloqiiente da
Influencia da histOria na educacao religiosa deurn povo , 0 Antigo Testamento encerra grande
numero de hist6rias, que 0 pavo de Israel contava
de geracao a gerac;ao a fim de conservar 0 seu es-plrito religioso.
As hist6rias biblicas, tao conhecidas em todo
o mundo, plasmaram a mentalidade dos israelitas,
firmaram suas conviccaes religiosas e produzl-ram a tipo de povo, unlco na hist6ria da raca,
que Israel e.
Hist6rias como a de Jose, Samuel, sansao, Da-
vi e outros sao familiares a todos que leem aBiblia. Eram verdadeiros tontcos para a alma dopovo de Deus. Podemos Imaginar como a"hist6ria
de Daniel e seus eompanheiros foi apelo veemente
para a fidelidade dos judeus no tempo do nefando
Antioco Epifanes. A alma do pave, em meio asaflic;6es e vexames que the eram infligidos pela
furia incontida do homem que queria "ser igual
a Deus". vibra va com a narracao das hist6rias
da fidelidade que, em circunstanclas semelhantes,demonstrara Daniel e seus companheiros na corte
do nao menos terrivel Nabucodonosor .Os tempos
eram outros, os personagens haviam mudado, mas
o Deus de Israel era 0mesmo Deus de Daniel. 0
Deus que salvou Daniel da boca dos lefies e os
seus companheiros do fogo ardente, nao deixaria
seu povo a meres de urn rei iniquo. tHe pede tardar t
mas sua [ustica nao falha, e seus inimigos "sem
esfor~o de maos serao derrubados" e "os seus fieisresplandecerao como 0 rulgor do nrmamento".
Atraida por estas hist6rias e sob a lnsplracao que
elas lhe traziam, a alma popular vibrava e se enrt-
jecia e se firmava. Podia sofrer e veneer.
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32 A Arte de Contar Hist6rias o Valor da Histc5ria 33
As hist6rias biblicas, oonservadas atraves de
milenios, chegaram ate nos e tern ainda hoje
o mesmo poder de fir mar a nossa fe, dar-nos a
compreender 0 verdadeiro significado da vida re -
ligiosa, ensinar-nos a orar, revelar-nos a vontadede Deus e inspirar-nos para vencer as tentacoes.A Biblia e 0 maior repositorio de histOrias educa-
tivas que a raca human a possui.
Entretanto, nem urn outre testemunho mais
convincente pode ser invocado em favor do valor
da hist6ria do que 0 usc que dela fez, tao frequen-
temente, nos seus ensinos, 0 bendito Mestre Jesus.:B.:le,0 Mestre dos mestres, a empregou porque,
eertamente, reconheeeu ser a histOria metodo en-ciente de ensino. N ao e de estranhar que as mul-
tidoes avidamente 0 seguissem e, sobretudo, nao
~ de estranhar que as historias que ~le usou fos-
sem lembradas por aqueles que procuraram regis-
trar em livros a sua vida e os seus ensinos.
o rato de encontrarmos 0 registro de seus
ensinos ta o comumente em forma de hist6rias senao prova que este foi 0 metodo que ele mais
usou, parece-nos provar, ao menos, que fqi ~ste
a metodo que mats impressinou os que 0 seguiam,
E, ainda hoje, quase que se nao pode falar em pa-
rabolas sem ter em mente as ensmos de Jesus.E, note-se, nao f01 Jesml quem crlou a parabola;@leapenas a usou como meio eficaz de fazer com-
preender as verdades transcendentais que desejava
ensinar.
Finalmente, se ainda nao fossem bastantes os
argumentos apresentados em favor da histOriacomo metodo eficiente de ensino, creio que nao
seria demais apelar para a experiencla pessoal de
cada urn dos que nos leem. Todos n6s, por cerro,
podemos atestar da atrar;ao fascinante que exerce
sobre nos uma hist6ria ou da insptracao que al-
gumas delas tem sido em a nossa vida.
1 5 facil esquecer urn discurso ou urn sermao,
mas uma Ilustracao dada em forma de histOria.
propriamente escolhida e contada, diflcilmente se
esquece.
A hist6ria grava-se indelevelmente em nOSSR
mente e seus ensinos passam ao patrimonlo moral
da nossa vida. Ao depararmos com situacdes idem-
tieas, somos levados a agir de acordo com a expe-
riencia que, inconscientemente, ja vivemos na his-
t6ria. Por isSO , em nossos dias, pais e proressores
inteligentes empregam a hist6ria como meio en-
caz de corrigir Ialtas, ensinar bons costumes, ins-pirar atitudes nobres e [ustas, enfim, como 0 mais
facil, a rna is racional e 0 mais eficaz processo de
formar caracteres. E a experiencla tern provado,
de sobejo, 0 acerto do caminho seguido.
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CAPITULO III
ANALISE DA HIST6RIA
A analise Iiteraria da hist6ria revela-nos que
ela encerra, de ordlnario, quatro elementos
essenciais :
a) Introducao .
b) Enrecto. agao ou sucesso de eventos.
c) Climax.·
d) Conclusao,
Cada urn destes elementos tern runcao propria
e serve a determtnado fim.
a) Introdu~tio. Toda hist6ria tern seu co-
m~o, 0 qual embora nao se possa dispensar, po-
de-se, facilmente, estragar. Na arte de contar
hist6rias, como numa pista de corridas, urn maucomeco e , ern geral, entrave que nao pode ser su-perado; e preminclo de fraeasso ,
A introducao de uma hist6ria visa a apresen-
tar e caracterlaar os principais personagens efocalizar 0 ambiente em que os fatos se desenro-
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36 A Arte de conta» HistonasAnalise da Hist6ria 37
lam. Tem por objetivo capital despertar 0 in-
teresse dos ouvintes.
A Introdueao de uma historla, especialmente
a oral, nao pode ser longa nem cheia de mlnuclas.o audit6rio espera, ja de Inicio, que alguma cousa
aconteca e, se isto nao se da, sua atencao facil-mente se perde au entra em dlvagacoes, ocupan-do-se de outras cousas. Por isso 0 contador de
hist6rias precisa trazer a cena os seus atOres, semqualquer delonga e deixa-los desde logo desem-
penhar os seus papeis,
It contraproducente conserva-los atras dos
bastldores e comeear a descrever seus olhos, seus
cabelos e seus trajes. It, naturalmente, necessariodar as caraeteristicas essenciais dos personagens
quando elas exercem qiralquer func;iio especial no
papel que viio desempenhar, mas deve ser feito
de tal modo que os ouvintes niio fiquem ansiosos
pelo comeeo, proprlamente dito, da hist6ria. Par
exemplo, se se pretende contar a historia de urnmenino [apones, nao se deve ocultar 0 menino
para primelramente fazer descric;ao do Japiio.
Deve-se, antes apresentar0
personagem e, a me-dida que se apresenta a oportunidade, descrever
o cenario no qual ele vive e age.
A hist6ria esc rita, para graea e encanto lite-
rarios, comporta muito mals descric;ao do ambien-
te e do colorido local; mas a ~t6ria eontada
exige enredo, simplicidade e clareaa, caracterfstl-ticas estas que devem permear toda a hist6ria.desde a introducao a conclusiio.
A forma literaria mais apropriada para a in-
troducdo de uma hist6ria e a descritiva, especial-mente quando se trata de principiantes na arte.
As velhas chapas: "Era uma vez ... ", IIHa
muitos anos ... ", prendem sempre a atencao, mes-mo que 0 narrador nao seja artista.
Born comsco e , em quase tudo na vida, umadas maiores garantias do sucesso , E, por certo,
niio menos na arte de contar historias. Historia.bern comecada, que, desde 0 inicio prenda a aten-
Ciao dos ouvintes, tern tOda a probabilidade de
alcancar 0 seu objetivo; nao assim com a hist6riamal. comeeada, a qual so tern probalidade de re-dun dar em fracasso.
Nao ha formulas estabelecidas e fixas para a
introdueao: 0 bom senso do narrador 0 levara aescolher a que melhor se adapte ao seu audt-torlo,
Berg Esenwein, autor do livro "Writing theShort Story", aconselha tres principios a seremobservados na introducao:
1 1 1 . Nao precipitar acontecimento.
2. Nao mencionar qualquer cousa que naoseja como um fio eletrizado ligado diretamenteao corac;iio da historla.
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38 A Arte de Contar Hisiorias Analise da Historia 39
3. Nao descrever quando e passivel su-gerir",
Se examinarmos algumas das mals perfeitas
e afamadas hist6rias da literatura mundial, veri-
ficaremos que estes principios forarn observados.Contos como os de Perrault, de Grimm, de Ander-
son e outros, obedecem, na in t roducao , aos prln-
cipios acima citados. Senao, vejamos:
A menina do cnapeueinho vermelho: "Erauma vez uma linda menina que morava numa al-
deia com sua mae. Chama-se Chapeuzlnho Ver-
melho porque usava sempre um chapeuzinho des-
ta cor, que sua avo lhe fizera."
Pele de Asno: "Era uma vez urn rei tao born,tao amado p€lo povo e tao respeitado pelos seusvizinhos que se tornou 0mais feliz de todos osmonarcas, "
o lar e fazer uma longa viagem a tra ves do Ocea-
no."
Os irmiios gemeos: "Havia uma vez dois
Irmaos, urn era rico e outro pobre. 0 rico era
ourives e tinha mau coraeao , 0 pobre era fabri-cante de vassouras e era born e honesto."
T6das estas hist6rias e muitas outras, verda-
deiros modelos no genero, comecam na forma de
narrativa, sao curtas, interessantes e nao contem
nem mais nem menos. do que 0 essencial para
apresen tar os personagens principais.
A introducao, em geral, responde as pergun-
tas: Quem? Quando? Onde? Que?
A boa Introducao e uma prova da habilidadedo narrador.
A gata borralheira: "Era uma vez urn ca-valheiro que se casou, em segundas nupcias, com
uma das mulheres mais orgulhosas que ja exis-
tiram. Ela tinha duas filhas, que sairam a ela emtudo, e {Hetinha uma filha que era de uma bonda-
de e docura .sem limites."Robinson Crusoe: "Ha muitos anos, viveu,
na Inglaterra, um rapaz chamado Robinson
Crusoe. Sua maior alegria era ver os navios no
mar. Gostava tanto deles que se decidiu a deixar
b) Enredo, acao ou sucesstio de eventos.
o enredo, ou a sucessao de eventos, como 0 nome
indica, e 0 desenrolar dos fates que comp6em ahist6ria, e a acao dos personagens. Os eventosdevem seguir-se regularmente e cada urn deve ter
signlncacao cada vez mais intensa ate atingir aoclimax da historla ,
Conservar 0 interesse do audit6rio e de grandeImportancia e isto se consegue deixando semprevelado 0 desfecho da hist6ria. Uma atitude de
expectacao, uma situar;ao de probabilidad.es,
aumenta 0 interesse dos ouvmtes. N a o nos inte-
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40 A Arte de Contar Hist6rla8 Analise da Hist6rla 41
ressamos por um.a hist6ria da qual sabemos 0
desfecho a nao ser que tenhamos em vista estu-
da-Ia ou analtsa-la, A crianca aprecia a mesmahist6ria contada muitas vezes ee 0 narrador e ar-tista e sabe guardar 0 Imprevisto, delxar velado 0
desfecho; mas perde 0 interesse quando 0 narra-dor, de infcio, deixa perceber 0 fim. As hist6rias,como as anedotas, para surtirem eteito, devem ter
desfecho inesperado.
Matern-me, disse ele. Mas quando baixou a ca-
beca, esperando humilde 0 ataque das lindas
aves, eis que ve, refletida magua, nao a cabeea
cinzenta de uma ave feia e desprezivel, mas a de
urn lindo cisne branco, que ele era sem 0 saber."
Atingido 0 climax, a historia deve descer ra-
pidamente para a conclusao ,
c) Clfmax. 1: 0ponto culminante da his-
t6ria. 0 climax determina a li~ao moral que se
quer ministrar. Uma hist6ria sem climax naotern efeito sobre os ouvintes. E como 0 corpo sem
alma; falta-Ihe 0 essencial, a vida. Para 0 climaxe que se devem dirigir os eventos que constituem 0-
enredo da hist6ria. Sem climax nao lui realmente
historia. Portanto, tudo que enfraquece 0 climax
ou 0 obscurece concorre para diminuir 0 poder da
hist6ria.
Para ser eficiente, 0 climax deve ter certo
carater de surpresa. E 0 que se verifica nas his to -rias modelos. Note-se 0 imprevisto no climax da
histOria do Patinho Feio:
"E ele nadou em dire~ao aos lindos cisnes
brancos, Logo que estes 0 viram nadaram para
ele, batendo as asas em alvor~o.
d) Canclusiio. Muitas hist6rias terminam
no climax; mas, as vezes, e necessario acrescen-
tar uma ou duas sentences para satisfazer a . curio-sidade da mente dos ouvintes na sua indagaeao
a respeito do que, afinal, aconteceu com 0 her6i.
Boa conclusao sempre mostra a recompensa
do bem eo castigo do mal, mas nao aponta a mo-
ral da hist6ria, nem faz a aplicar;ao da lir;ao que
a mesma encerra, pelas razoes que veremos em
capitulo posterior.
A conclusao deve ser curta e satistatorta. Os
contos de fadas e as histortas da Carochinha, que
sao classicos, terminam, em geral assim: "E eles
se casaram e viveram felizes por muitos anos.'A conclusao nao deve sugerir outra hist6ria, mas
apenas arredondar 0 pensamento, dar satisfa~ao
aDS anseios dos ouvintes sobre 0 que aconteceu aoher6i. E nada mais.
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42 A Arte de Contar Histories
Se ha forma literaria que preclsa termina
exatamente no fim, e a hlstoria , Quando a
hist6ria termina no momento psicclogico em que
o audttorio esta suspenso pelodesfecho que trouxe
o climax, percebe-se no ambiente urn suspiro dealivio. A historia terminou. Os resultados se-
guir-se-ao naturalmente. A consciencta de cada
urn determinara a parte da li~ao que the cabe.
CAPtTULO IV
CARACTERfSTICAS DE UMA BOA
HIST6RIA
A hlstoria, como tudo que vale a pena, tern de
obedecer a certos principios e revestir-se de certascaracteristtcas que a tornem inconfundivel e capaz
de corresponder a s necessidades para que foi cria-da. J a estudamos os elementos componentes de
uma estorta, e os principtos que a regem; estude-
mos agora as caracteristicas que fazem uma his-tOriadigna de ser contada e capaz de ser ouvida
com proveito.
As caracteristicas essenciais de uma boa his-
toria sao tres:
1. Sugestiio Moral. Esta e a caracteristicaessencial a historia que visa a urn fim educative:
rnesmo quando. se usa a hist6ria s o para entreter,
ela deve possuir esta caracteristica ,A sugestao moral e a mensagem da historia:
precisa, pais, ser tao clara que nao passe desper-cebida. A histOria deve falar por si sem precisar
de interpreta~ao.
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44 A Arte de Contar Hist6riasCaracieristicas de uma boa Historia 45
o contador de hist6rias que eonhecs a sua ar-te e sabe 0 que significa a boa hlstorla, de modo
algum acrescenta qualquer Idela ou mensagem
alem daqueia que a histOria em si contem. A mo-
ral acrescentada a uma historia a enfraquece por-que enfraquece a sugestao,
H a dois tipos de sugestao que podem ser apre-
sentados - 0 positvo e 0 negativo.
No primeiro caso, a sugestao e para imitar aher6i da hist6ria, pois eia apresenta a que se espe-
ra que seja rerto , No segundo, a sugestao consiste
em persuadir 0 ouvinte a nao imitar 0 her6i, pais
o que se apresenta e 0 que nao deve ser feita. Estas
historias sao usadas como preventivas; as primel-
ras, como estimulantes.
J a dizla 0 nosso poeta, "viver e lutar." Bendo
8 hlstorla a revelaeao de vida, nao pode prescin-dir de luta, de movimento, de acao.
Aquilo que uma pessoa faz revela 0 que ela
e ; assim tambem a hist6ria eficaz e a que apre-senta os personagens em aCao e deixa aos ouvln-
tes a tarefa de [ulga-los.
Nao s6 as crlancas, mas, tambem, as adultos
sao empolgados muito mais pelos atas do que pe-
las palavras.
Be analisarmos as parabolas de Jesus, verifi-
caremos que elas sao, na sua maioria, formadas de
verbos e os verbos representam a<;ao.
Na histOria do povo hebreu, verificamos aindaa veracidade desta afirmativa. Ji hi muitos se-culos, a Lei ordenava a guarda dos mandamentos
fazendo ao povo as mais gloriosas promessas. Mas
os preceitos legais foram impotentes para salvar
os homens; foi preciso que Jesus viesse taeendo,cumprindo a Lei, para que os homens achassem
a salvaCao. Aquilo que a Lei nao fe z porque era
preceito, letra morta, Jesus fez, vivendo.
E necessarlo vida para influenciar vida, e vidae acao.Alem destas caracterfsticas essenciais, acres-
centaremos outras que, embora nao essenciais,
podem concorrer para melhorar uma hist6ria, a
saber:
2. Unidade. A segunda caracterfstica de
urna boa historia e a unidade. Unidade significa
urn ponta unico, definido, e urn enredo tao logico
e de tal sorte encadeado que s6 possa conduzir adeterminado climax. As parabolas de Jesus sao ti-pas perfeitos de unidade. Quase todas elas encer-
ram urna so liCao moral e nao con tern elementoalgum que lhes seja tirado sem prejudicar 0seu
ensino e nem se lbes pode acrescentar qualquerelemento, sem prejuizo da sua mensagem.
3. A ~ a o . A terceira caracteristica de umaboa historia e a acao, a atividade.
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46 A Arte de Contar HistoriesCaracieristicas de uma boa Historic 47
a) Simplicidade de linguagem. Linguagem
simples, periodos curtos e na ordem direta, au-
xiliam a comprensao e, portanto, prendem 0 ouvin-
te pelo interesse. A gente compreende 0 que esimples e claro, e presta atencao no que interessa.
Palavras familiares e signifieativas, ao aleance
do auditOrio, sao de todo necessartas. Isto nao
signifiea que se deva menosprezar a correeao e a
eleva~ao da linguagem, e sim que se deve conhecer
a linguagem do meio onde se eonta a histOria,
antes de poder conta-la com eficlencia. H a ex-
pressoes e termos que mudam de significa~ao con-
forme a zona onde estamos. Ha termos que con-
forme 0 lugar, a zona ou Estado. tern ate signifi-ca~ao oposta e podem, por iS80,estragar eompleta-
mente uma historia, sendo empregados inad-vertidamente.
Lembro-me de uma experiencia que tive nes-
te sentldo, quando me mudei de Minas para 0
Rio Grande do SuI. Como era natural, desco-
nhecia a terminologia regional do SuI, que e mui-
to caracteristica do povo gaucho. De certa feita.
eonta va eu uma historia que se dera com pessoaque tinha 0 mesmo nome que eu e ao referir-me
a heroina da minha hist6ria, chama va-a , as ve-
zes, minha xard como se diz em Minas. Notei, po-rem, que minhas ouvintes ficavam perplexas, en-
treolhavam-se e sorriam surpresas cada vez que
me referia a "minha xara". Finalmente, nao se
contiveram e, numa explosao de riso franco, me
interromperam, perguntando: "Mas que his tort a e
essa tao complicada que nao podemos compreen-
der? A Sr.a tala de certa moca, mas, de repente.aparece na histOria urn cavalo".
E que 0 termo xarti naquela zona designa ca -
valo de p e w encrespado.
b) Forma concrete e concisa. A hist6ria
pertence ao mundo de existencia real e por issaa sua forma deve ser concreta. Ideias vagas, ex-
plicaedes filos6ficas, abstratas, nao tern cabimen-
to na historla, porque a historla e a~ao e suas pa-lavras e figuras devem ser a expressao da realida-
de - ter existencia objetiva.
Por outro lado, toda explicacao inutll e des-
cri~iio fastidiosa devem ser evitadas. E preeiso con-
ceder, e mesmo nao esquecer, que a historia e con-tada a seres inteligentes que tern certo poder de
Imaginacao que os ajuda a objetivar a histOria sem
que 0 narrador precise descrever minuciosamente
eada cena.
No apendice deste livro, apresentamos algu-
mas historias, nas quais 0 leitor pode verifiear 0
que ate aqui temos dito a respeito da historla, seu
valor, seus elementos e caracteristicas.
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CAPtTULO V
PASSOS FORMAlS NO PREPARO DE
UMA HIST6RIA
Contar htstoria, repetimos, e grande arte. E, naarte de contar histOrias, como em todas as artes
h a os gemos, que nascem feitos, mas tambem h aaqueles que tern apenas tendenclas naturais quepodem ser aperfeicoadas. :Estes preeisam tao-so-
mente tecnica e exercfcio para se tornarem peritosnaquilo para 0 que ja tern [eito especial.
A arte de eontar histcr'as, como as demaisartes, tern a sua tecnica que deve ser observada
para garantir 0 sucesso aos seus seguidores. A
titulo de auxilio para os novices nesta linda arte,
a fim de orientar seus primeiros passos, ate que
se desenvolvam e adotem seus proprios metodos
e adquiram estilo proprio, damos, a seguir, cer-
tas sugestOes que repu tamos necessarias para 0
aperteieoamento das qualidades que, por ventura,
ja possuam, Depois de eerta pratica, eada urn
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50 A Arte de Contar Hist6rias Passosrormais no Preparo de uma Hist6ria 51
desenvolve seus pr6prios habrtos mentais, mas
o principiante, a menos que seja urn genio, nao
deve desprezar estas sugestoes.
Antes de contar uma htstorta, 0 narrador deveprepara-la bern, observando as passos formals que
a tecnica aconselha no preparo de uma hlsteria.
o primeiro passo na preparacao de uma his-
torta e determinar 0 tim a que ela se destina, ou0. seu objetivo especifico.
Definir bern 0 tim especifioo da hfstcria e ter-clare e nitido qual a seu abjetivo e absolutamentenecessario, pois a hist6ria tern mensagem e 0 nar-
rador nao sera ciente se ignorar sua mensa gem .Na mente do contador de historias, deve estar cla-ra, e perfeitamente estabelecida, a virtude que elequer salientar au a erro que deseja corrigir.
A mesma historia pode ser usada cam obje-
tivos diferentes, em aeasi6es diferentes. Tudodepende da capacidade de adatacao do narardor ,
Muitas vezes, ao ten t ar reproduzir uma his-tOria que ouvimos e apreciamos, fracassamos. A
razao e que 0 narrador primitivo tinha objetivoespecinco, tinha mensagem derlnida que nos nao
temos.
Para que uma historta produza realmente os
ereitos desejados, quem a conta precisa sentir-lhe
a mensagem. 0 narrador que nao sente a mensa-
gem de sua historta, em vao ten tara transmiti-laa outros.
Se, portanto, queremos usar uma historia pa-ra fim diferente daquele para 0 qual ela foi usa-da, preeisamos prepara-la de novo, para que elase ajuste ao novo fim em vista.
o segundo passo na preparaeao de uma his-toria e aprende-la bern. Aprender bern uma his-toria, nao signifiea poder reclta-ja, sabe-la de cor,mas ter exata noc;iio de seu conjunto, compreen-sao completa da mesma. E saber aprecia-la no.que ela tern de emotive, e ser senhor dos aconte-ctmentos, ou eventos que ela encerra e em ordemtogtca. E ter dela uma visiio global como uma uni-dade compreensiva.
o terceiro passo e a analise cuuiadosa da his-t6ria. Comeea-se a analise da hist6ria par deter-
mtnar-lhe 0 climax. Isto porque 0 climax e 0.
eoraC;aa da ntstona, e a sua mensagem real, e 0
ponto central para 0 qual todos os eventos devemeonvergir. Tendo 0 elimax bern focalizado, anali-
sam-se os acontecimentos para verifiear se todoseles conduzem ao climax e se estao na melhor or.
demo de modo a fortalece-lo e toma-to mals im-
pressionante. Depois de fazer a analise cuidadosados eventos e caloca-Iosna melhor ordem, for-mula-se a eonclusao.
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52 A Arte de Contar Hist6rUu PassosFormais no Preparo de uma Htst6ria 53
A conciusso, como ja foi dito, em capitulo
anterior, tern por fim satisfazer a curiosidade a
respeito do que sucedeu com os persona gens apos
o climax; visa a acalmar a mente sabre 0 seu des-
tino, e, por isso, deve ser de molde a nao enfra-quecer 0 climax nem sugerir nova hlstorla ,
Finalmente, passe-se a considerar a intro-
du~ao, que visa a despertar 0 interesse e apresen-
tar os personagens com seus principais caracte-
risticos.
mente os pormenores essenciais e uteis e sejaex-purgada dos que sao dtspensaveis e inuteis.
Depois d~stes passos formals, esta 0 narrador
em condlcoes de usar a sua hist6ria para 0 fim
preestabelecido. E e de vantagem usa-la sempreque tlver cportunidade ,
Nao ha perigo de se can tar a mesma hist6-
ria muitas vezes, e, quanta mais se contar, tanto
mais eficiente ela sera, porque na repetlcao, a nar-
radar se torna, cada vez, mais senhor do seu con-
teudo e da sua forma; perde a consclencla do seu
eu, e aperfeicoa a historia pelas reacoes que re-
cebe dos ouvintes e pelas que ele mesmo transmi-
te ao auditorio , A for<;ade repetir, a narrador pas-
sa a contar nao somente a hist6ria que tern na
mente, mas a que tern no eoracao.
Confianca em si mesmo, natural1dade ou es-
pontaneidade, originalidade, habilidade de impro-
visar e poder de impressionar, ou personalidade
atraente, sao qualidades que 0 artista adquire afor<;ade experienclas pessoais.
Qualquer pessoa pode relatar uma sene deeventos em ordem cronologica, ou logtca, pode
recitar uma hit6ria decorada, mas, se alguem de-
seja transmitir mensagem, despertar emocoes,
orientar a conduta ou transformar caracteres,
o quarto passo na preparacao da hlstorla eezperimenui-la, isto e, conta-la a alguem, au es-
creve-fa antes de tentar usa-la definitivamente.
Contando-a a alguem, descobrtmos-lhe os pontos
fracos au as falbas que cometemos ao narra-la,
de sorte a fortalecer aqueles e corrlglr estas.
Experimentada a hist6ria, segue-se 0 quinto
passoque e a criiica rigorosa e imparcia; da mes-
rna do ponto de vista da unidade.
Tudo que houver nela que nao concorra para
aumentar a seu valor, deve ser eliminado. Tam-
bern, para cornpletar a obra da critica, devemser acrescentadas as minucias que sirvam para re-
for~ar a mensagem. Pode ser que, nesta opera-
~ao, a hist6ria fique reduzida ou ampllada. N a oimporta. 0 essencial e que ela, afinal, contenha so-
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54 A Arte de Contar Historiae
preclsa ter experiencia pessoal da hist6ria e ter ar-te na maneira de tnterpreta-ia aos outros.
Por i880, repetimos, a pratica e elemento indis-
pensavel, segredo mesmo do sucesso, quando guia-
da por urn plano bern estudado.
A experiencia nos tern mostrado 0 valor das
afirrnacdes que acabamos de fazer. sabemos, por ex-
periencta propria, que vale a pena preparar, com
consiencia e inteligentemente uma hist6ria e
conta-la, e mesmo repetl-la muitas vezes, sentindoe vivendo a sua mensagem.
CAPITULo VI
ARTIFtCIOS DA ARTE DE CONTAR
mST6RIAS
H a certas subtilezas na arte de dizer que sao,
as vezes, de grande efeito para 0 exito de quem
fala, e outras que the sao entraves quase in-
transponiveis. Neste capitulo, desejamos aprese?-tar alguhs dos recusos de que 0 contador de hIS-
tOrias pode lancar mao, com sucesso, bern como
ehamar-lhe a atencao para outros que devem ser
evitados por serem perigosos.
Urn dos artificios de que 0 narrador de his- .
toria se pode valer e a pausa , Ha pontos psicolo-
gicos da histcria em que vale a pena fazer certa
pausa a fim de provocar atitude de ansiedade pelo
que se segue. Isto e de grande efeito. No livro"Historias mora is e cristas para criancas", leio ao
acaso e encontro na hist6ria "As dividas de Bento",
urn exemplo tipico. No ponto em que 0 narrador
comeca a ler a conta que a Mamae mandou a Ben-
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56 A Arte de Contar Historia« Artif£cios da Arte de Contar Hist6rias 57
to pede, com proveito. uzar a pausa apos eada
cousa mencionada. Sera isto de multo mais eteito
do que se disser, sem pausa, a mesma cousa. 0
leitor que experimente para certlncar-se da rea-
lidade.
Outro meio de prender a atencao dos ouvintes
e a gesticulaf]iio. Para nos latinos, 0 uso de ges-
tos e quase instintivo e, tavez, seja mais necessarioprevenir-nos contra 0 abuso da gesticulacao do que
aconselhar 0 seu uso. Entretanto, convem naoesquecer que ha, na gastlculacao, urn sem numero
de express6es que passariam despercebtdas sem ela.
As maos sao susceptiveis de variedade tao
grande de movimentos expressivos que, sem receio,
podemos dizer que elas competem em poder
de expressao, com a propria lingua gem falada.
Vimos uma vez urn quarteto de surdos-mudos ex-
pressando em publico urn hino sacra executa do
pelo orgao e cuj a letra foi distribuida na assem-
bleia. Parecia-nos cuvir as palavras e era tao co-
movente a expressao dos gestos que DaO sei se a
voz humana teria tido mais ereito ,
Com as maos pedimos, prometemos, chamamos
alguem ou mandamos embora; amaldlcoamos oubendizemos; mostramos descontentamento ou me-
do; signincamos alegrta, tristeza, duvida e reconhe-
clmento; indicamos medidas, quantidade, nume-
ros, tempo; enfim a expressao das maos e indizi-
vel. Parodiando Rousseau, poderiamos dizer: "A
linguagzm das e maos e linguagern universal."
Con vern que Iacamos born uso deste maravi-
lhoso dom e ampliemos nosso poder de expressao
com gestos comedidos, apropriados e oportunos.
Ha outro artificio de grande efeito, especial-
mente para criancas da primeira Infancia: eo em-
prego de sons onomaiopaicos, isto e , a Imitacao
das vozes de animals e de sons em geral. 0 au-au
do cao, 0 miau do gato, 0 tique-taque do rel6gio e
outros sao Imitaeoes que proporcionam aos peque-
nlnos verdadeiro encantarnento ,
Uma palavra de precaucao, aqui, talvez nao se-
[a demais: e que este artiriclo so pode ser usadopor pessoas que tenham dons e aptldao especial
para Isto . Ha muitos que, par mais que se esror-
cern, nao podern irnitar e, tentando faze-lo, tornam-
-se ridiculos e groteseos e, neste easo, 0 resuItado econtraproducente. Tais pessoas nao devem Iancar
mao deste artificio para nao cair em descredito pe-
rante as crlancas, que sao [uizes severos e impar-
dais.
Outro artiffcio de que pode lancar mao 0 nar-rador e estabelecer contato com 0 auditorio por
meiode algo que the provo que a atitude receptiva-
e a slmpatia pessoal, antes de comecar a histo-
ria. Uma palestra informal com perguntas e res-
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58 A Arte de Contar Hist6rias Artiiicios da Arte de Contar Historias 59
postas tendentes a introduzir 0 assunto sao urn
meio de alcancar este contato.
Temos mencionado alguns recursos de que po-
demos lancar mao para melhorar a maneira de di-
zer e interessar os ouvintes; finalizaremos estecapitulo apresentando algumas dificuldades que
devem ser contornadas para evitar fracassos.
H a diversas cousas em reiacao a propria his-
t6ria que devem ser consideradas, como por exem-
plo, 0 perigo de perder-se em detalhes e explar:a-
goes desnecesscirias. A hist6ria que interessa e a
incisiva, clara e concisa. Nao pode ser bern suce-
dido 0 narrador que tern 0 tipo de associacao in-
tegral, 0. qual Be assernelha ao viajante que saissecom destino certo mas que se dirigisse por todos os
trilhos que partem da estrada real para verifiear
onde vao dar. Tal pessoa nunea chegaria ao seu
destine. Sao os tipos que, entabolando uma pales-
tra, a cada momento dizem: "e por falar nisso ...
que era mesmo que ia dizer? .. " e, retomando 0
fio da palestra, logo se desviam outra vez. ~te
perigo cumpre evitar ao contar uma historia.
Outra cousa que, as vezes redunda em fracas-so e tentar conquistar a aiencao, [azendo pergun-
tas as crlaneas, no meio da hist6ria. comecar adescrever certo ambients e perguntar: Qual devoces gostaria de ser como aquele menino? .. "
ou "que acham que 0 menino fez?" Em geral levaas ouvintes a lancar mao da imaginaeao e as res-
postas mais desencontradas podem surgir, Impos-
sibilitando 0 narrador de continuar a historia .
Sendo a hlstcria urn instrumento educativo,ha perigo de 0 narador usar linguagem tieseteqan-
te por falta de facilidade de expressao como seja:
"En tao. .. e foi. .. e depois. .. e disse ... " Estas
express6es repetidas com Irequencia, fazem mal ao
espirito e a mente. E preciso ter graca e saber va-
riar a maneira de dizer para que 0interesse nao
se disperse.
Pela mesrna razao, conhecendo 0 poder suges-
tivo da historia, devemos evitar certas hist6riasque possam induzir a crianca a m a s atitudes como
sejam tiistoru: sarciisticas ou com grande dose de
ironia e hlstoria cheias de sentimentalismo doentio,
pols, se bern que a historia vise a mover os senti-
mentes, reconhecemos que ha distin<;ao a ser feita
entre sentimento e sentimentalismo. 0 primeiro esao, viril, construtivo, ao passo que 0 outro e mor-bido, destruidor.
Tambem, dada a sensibilidade infantil, e preci-so evitar as historias sensacionais, historlas que me-tern medo ou que impressionarn com cenas tragicas
de morts e aciden tes. A crlanca esta no periodo de
pensar em vida, em sucesso, ern vit6ria e nao supor-
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60 A Arte de Contar Hist6r~as
ta as emocoes provocadas pelas hist6rias dramati-
cas. Nao se deve, pols, provocar na crlanca as emo-
c;oesque nao podem ser traduzidas em atos. Con-ta-se que oonructo, ap6s haver assistido a urn fu-
neral, no qual, como e costume no Oriente, houve
grande consternaeao, ofereceu ao chefe dos carpi-
dares 0 seu cavalo. Alguem the perguntou que sig-
nificava aquela oferta e ele respondeu: "l!:u js.
chorei com 0 homem; resta-me agora fazer alga
por ~le".
86 vale a pena despertar os sentimentos de
uma crlanca quando ela pode aproveitar 0 impul-so para ac;ao construtiva.
CAPtTULO VII
METODO AUDIO-VISUAL
Nestes ultlmos tempos, 0 metodo pedagoglcoaudio-visual, isto e, a comblnacao das emocoes des-
pertadas, ao mesmo tempo, pelos dois sentidos:
ouvido e vista, tern tornado tal incremento, que ja
se tern aplicado com muito proveito na arte de
contar hist6rias.
Muitos sao os recursos materiais de que lanca
mao 0 metodo audio-visial, tais como 0 cinema. 0
radio-teatro, as projecoes luminosas, as gravacoes
em discos, ou em fios, ou em fita de materia plasti-
ca, etc. Deixamos de rererir-nos a estes, para
ocupar-nos, neste capitulo, exclusivamente, das
hist6rias ilustradas por meio de figuras, represen-
tando as personagens, as quais sao coladas em fla-
nela de algodao e recortadas para serem colocadassabre urn fundo tambem de flanela. :mstemetodo
esta sendo chamado jtaneloqraio,
Qualquer narrador de historias pode construir
o seu pr6prio aparelhamento que consiste de: UM
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62 A Arte de Contar Historias Metoda Audio-Visual 6 3
QUADRO que pode ser tela de flanela, esticada emum bastidor de madeira, au urn simples cartao quedobre de modo a facilitar 0 transporte e que pode
se fixar par meio de segura dares de papers, ou mes-
mo urn quadro negro portatil; CENARIOS pintadosem flanela, branea au parda, varia dos, para repre-
sentar campo, planicie, montanhas, lagos, rios, es-
tradas, cenas de interior, etc. e FIGURAS, em se-
rie, de acordo com a historia que se quer contar,
as quais podem ser desenhadas em papel e colon-
das a g6sto do artista, ou, em se tra:tando de histo-rias ciassicas ou biblicas, eopiadas das gravuras
existentes nos livros e revistas, ou, ainda, recorta-
das de revistas e publicacoes do genero . 0 essen-
cial e que estas figuras sejam coladas sebre fla-
nelas antes de serem recortadas. As mesmas figu-
ras podem ser usadas na Ilustraeao de histOriasdiferentes.
Munido deste material, 0 narrador imagina
as seus personagens em aC;aoe, a medida que vai
narrando a historia, vai colocando no quadro de
flanela os personagens que entram no eptsodio.
E. asslm, cada episodio da hist6ria e ilustrado.Terminado urn episodlo, as figuras sao reti-
radas para dar lugar a Ilustracao de outro. Por
ex.: suponhamos que 0 professor quer contar a his-t6rla do naseimento de Jesus. tIe prectsara, para
o primeiro epis6dio, urn cetuirio representando a
estrada para Belem, que pode ter ao longe a snnue-ta da cidade; urn cetuirio suptementar, represen-tando a porta de uma casa, onde Jose e Maria ba-
teram; Maria, montada num burrico, camlnhandopara a cidade; Jose que vai puxando 0 burrico pe-las redeas, e figuras representando os donos da
casa que lhes negaram pousada, mas ofereceram a
estrebaria. Para 0 segundo eplsodio, um cenariorepresentando a campo, onde os pastores guarda-yam 0 rebanho: as pastore« em diferentes poses,
de pe , sentados, deitados; a s o oe uia s, algumas iso-
ladas, outras em grupos, deitadas ou em pe; anjos,
sendo um, pelo menos, isolado, Para0
terceiro epi-sodio, deve ter um eetuirio, representando a estre-
baria; os animais que deverao ficar em torno; uma
manjedoura forrada de palha; Maria sentada numbanco rustico; Jose, em pe ao seu lado, e 0 menino
para ser colocado na manjedoura.
Como podera agir? Naturalmente, 0 quadro ba-
sico ja estara no lugar quando 0 narrador chegar.tie, entao, comeca pela introducao, contando do
decreta de Cesar Augusto, dos costumes daqueletempo e depois diz que Jose e Maria vieram de Na-
zare ate Belem, para cumprir a lei, nao obstante
achar-se ela gravida e a esperado nene naquele
tempo. Nesta altura, coloca na estrada Maria, sobreo burrieo, e Jose que 0 puxa pelas redeas. 0 nar-
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64 A Arte de Contar Hist6ria3Metoda Audio-Visual 65
rador, a medida que vai falando, vai tambem, co-
locando as figuras urna a uma. Depots coloca 0
cenario suplementar na frente deles, dizendo que
eles bateram ern muitas estalagens, mas nao en-
contraram mats lugar. Comecaram entao a baternas casas de familia, pois Maria ja estava tao can-sada que nao podia ficar mais em pe , Aqui, Jose
deixa Maria na Estrada e se encaminha para a
porta da casa. Bate, aparecern os donas, primeiro
a senhora depois 0 dono. 0 narrador cria 0 dialo-go que deveria ter seguido e termina, dizendo que
estes Ihe ofereceram a estrebaria, se quisessempassar a noite ali.
Jose aceita e volta para junto de Maria elhe
eomunica 0 fata. Ela concorda em pousar na es-trebaria.
Nesta altura, 0 narrador, conversando diz
que eles foram, limparam 0 local, estenderarn suas
camas (pois os orientals sempre levam seus acol-
choados em viagem) e la passaram a noite. En-
quanto vai dizendo isto, vai retirando, do quadro,
as figuras ate deixar 0 quadro basico ,
Passa ao segundo epis6dio - "Os pastores nocampo", e procede do mesmo modo; primeiro 0
cenario, depots as ovelhas, depois as pastores sen-
tados ou deitados ou em pe, arrumados a von-
tade. Conta de seus costumes, da sua esperanca
messianica e, de repente, surge urn anjo que repe-te 0 versiculo da anunciacao e, em seguida, os
outros que cantam urn cantico de Natal, pela voz
do narrador au por urn grupo previamente con-
vidado a faze-lo, sem qualquer anuncio ,
o narrador continua contando 0 que os pas-
teres resolveram fazer - ir a Belem, e verifiear
o que havia acontecido. E, a medida que fala,
vai retirando do quadro as figuras.
Vern, entao, 0 terceiro epis6dio. Volta a re-
rerlr-se a manjedoura, e diz que, instalados ali,
passaram a noite e, naquela norte , nasceu a me-
nino Jesus. Coloca a estrebaria, a manjedou-
ra vazia, Maria perto da manjedoura, Jose a seulado, os animais em torno e, por ultimo, 0 meni-no na manjedoura. Continua a narrativa da vi-
sita dos pastores que chegam, urn a urn, as quais
vieram para ver 0menino, que, de acordo corn as
Escrituras, seria 0 seu Deus e Salvador.
A hist6ria pode terminar ai e, entao, a nar-
radar deixara 0 quadro armado na presenca do
auditorto a r e a fim da reuniao, au, se qulser, po-
de continuar com a visita dos Magos. Neste ca-
so tera de ter a material para este episodic tam-
bern.
As figuras devem ser proporcionais ao cena-
rio, e a sentido de perspectiva deve ser observado
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66 A Arte de Contar Hist6rias Metodo Audio-Visual 67
na arrumacao da cena. tste metodo e muito atra-tivo, porque alia a narracao ao objetivismo da fi-
gura. 0 metodo audio-visual tiio preconizado hoje
em pedagogia, encontra aqui uma das suas maissingelas expressoes,
Para as historias biblicas, ha muito materialja preparado que, selecionado pelo professor com-
petente, pode ser de grande efeito. Neste, comoem outros casas de material industrializado, 0
mestre deve sernpre estar de atalaia contra as in-
convenientes pedag6gicos. Por ex.: se uma bis-t6ria tern referencias a cenas tragicas, como a
morte de Golias por Davi, ou 0 lobo devorando a
av6 de Chapeusinho Vermelho e outras semelhan-
tes, este quadro deve ser evitado, pais se a simples
narrativa ja e impressionante, muito mais sera sea cena for representada na tela.
o segredo deste metodo de ilustracao e que,sendo 0 fundo e 0 reverso das figuras do mesmo
material, basta colocar estas sobre 0 cenario para
que elas a ele adiram e permanecam como se f08-
sem coladas. 0 cenarlo deve estar sempre firme-
mente esticado e ser colocado urn pouco inclinado
para tras, pais se estiver rnuito vertical as figu-
ras mais pesadas catrao ,
Ha, nos Estados Unidos cursos completes in-
cluindo a tecnica no usa dos mais modernos e
complicados aparelhos para usa do metodo audio--visual, cursos que sao oferecidos em vanas Univer-
sidades do pais; e, no Rio de Janeiro, Sao Paulo e
outras capitais, ha tambem cursos de especializa-
c ; a : o ; oferecidos principalmente a protessoras deEducacao Religiosa, sabre 0 usa do flanel6grafo.
A tecnica e a eficiencia deste metodo se adqui-
rem com a pratica, mas a efeito deste artificio de-
pendent dos dons do narardor.
No capitulo seguinte, trataremos especial-
mente da dramatizacao na arte de contar histo-rias ,
Os outros metodos citados no comeco destecapitulo, ainda que lhes reconhecamos 0 merito ealto valor educative, deles nao cogitamos aqui, parse tratar de metodos que exigem material muito
mais custoso e maiores conhecimentos tecnicos pa-
ra 0 seu usa e aplicaeao, 0 rlanetograro e sim-
ples, de Iacil aquisicao e mais facil manuseio.
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CAPiTULO VIII
DRAMATIZA<;AO
As representaeoes e dramatizacoes sao reeur-
sos do metodo audio-visual, e uma das maneiras
mais sugestivas de apresentar uma historia , As
histOrias classicas, especialmente as historias bi-
blicas, prestam-se admiravelmente para este me-
todo. Na apresentacao das historias biblicas dra-matizadas, 0 lider nao pede esquecer-se de que os
atores devem ser levados a eompenetrar-se do seu
papel e nao deixar-se imbuir do espirito teatral,
tentando fazer exibic;ao espetaeular. Estas histo-
rias devem ser expressao do sentimento religioso e
se nao puderem ser apresentadas neste espirito,
sera melhor nao tentar dramatiza-las. A verdadei-
ra atitude a respeito deste trabalho eneontra ex-
pressao muito vivida na tradieional "Representa-c;ao da Paixao" de Oberarnergau, que comecou ha
cerca de 400 anos, quando uma praga assolou
aquela vila de Bavaria. 0 povo rustico daquelas
montanhas orou a Deus par livrarnento e fez urn
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70 A Arte de Contar Historias Dramatieadio 7 1
vote: "se Deus os abencoasse, fazendo cessar aque-la terrivel praga, eles levariam a cena, de dez emdez anos, toda a historia da Paixao e Morte de
Cristo, em sinal de gratidao a Deus". E, neste espi-
rito, desde esse tempo, com pequenas excecoes de-
vidas a guerras ou condicoes alem do seu controle,aqueles camponeses, transformados em artistas,
vern realizando 0 magnifico espetaculo da Paixao
com tanta reverencia, como as rnais piedosos cren-tes se ajoelham perante os altares. Nunca 0 apre-
sentam para conquistar 0 audit6rio, mas como ato
de cuI to, no qual participam todos os habitantesda vila. Gradativamente, os vizinhos comecararn
a vir assistir, naquela vila, ao Drama da Paixao,
como vao assistir aos oficios divinos nas Igrejas deoutras vilas. Hoje 0 espetaculo atrai pessoas detodo 0 mundo, nao pela propaganda feita pelos
atores, mas pela impressao ca.usada pelo espirito
de reverencia com que 0 apresentam. Para a [u-
ventude daquela vila, 0 Drama da Paixao e , tam-mem, grande estimulo, pois, 56 podern representar
naquele drama as que levam vida irrepreensivel
perante a socledade ,
E com este sentido e conteudo que tdda a his-
t6ria de carater religiosa deve ser contada.
A dramatizaeao de uma historia nao obedece
a r€gras fixas nem a exigencias cenicas especi-
ficas. Vai desde a a<;ao informal, levada a efeito
numa sala de aulas, em que, ap6s a narrativa feita
pelo professor, os alunos representam os persona-
gens da ntstorta e vivem, no presente, as incidentes
da narrativa, ate as mais elaboradas pecas escri-
tas e preparadas para tea tralizacao .Se a hist6ria for apenas dramatizada em clas-
se de estudos, e dispensavel 0. usa de cenario e cos-
tumes caracteristicos, mas se for dada ao publico,
naturalmente, estas cousas serao necessarias.
o lider deve munir-se do material necessario
para organizar 0 guarda-roupa dos personagens,
o mais possivel, de acordo com os dados hist6ricos,
quadros ou fotografias que sirvam de sugestao , E
possivel vestir urn personagem biblico, por exem-plo, com material muito simples, mas sempre sedeve estar apercebido contra 0 ridicule que cer-
tas caracterfzacoes podem trazer , E, geralmente,
aceito que os hebreus se vestiam de tunicas de
linha retas e simples, e levavam uma capa au man-
to de cores vivas e brilhantes sobre a primeira tu-
nica. 0 manto era, as vezes, apanhado em forma
de concha e preso nas costas e outras vezes ape-
nas caido sobre a tunica. 0 manto pode ser en-
rolado na cintura e uma das pontas jogada sabrea ombro esquerdo. 0 turbante e , tambem, tipico
do traje oriental, as sandalias eram os unicos cal-
cados usados por homens, mulheres ou criancas.
Tambem, tanto homens corno mulheres usavam
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72 A Arte de Contar Histories Dramaiizaciio 73
colares, brine os e pulseiras. Os reis usavam coroas
e os soldados capacetes.
Para servir de manto, colchas velhas, corti-
nas e outros materia is usados, as vezes fazem mais
efeitos do que material novo. 0 que vale e 0efeitoe nao a realidade .
Ha uma boa colecao de historias biblicas queestao sendo adaptadas para dramatizacao, mas alider inteligente pode tomar qualquer narrativa
biblica e adapta-la com a concurso de sua classe.
o que redundara, entao, num trabalho coletivo demuito valor intelectual, alem do efeito emotivo
que sobre ela exercera a hist6ria dramatizada ,
No apendice deste livre, publicamos duas dra-
matizacoes para serem representadas em palco e
que pod em tambem ser usadas em classes de es-tudos biblicos.
o que acabamos de dizer sobre as hist6riasbiblicas, aplica-se igualmente as hist6rias em
geral, e, especialmente, as tolclortcas, que s a o mut-to apreciadas.
Existe no radio-teatro, 0 que constitui hojequase 0 vicio do povo brasileiro - as novelas, pelo
radio. Muitas delas sao dignas de ouvidas, berncomo seriam passiveis de adaptacao para dramati-zadas no palco. Infelizmente, 0 abuso e indiscri-
minacao da escolha das novelas irradiadas tern
criado situacdes e desorientado boa parte de nossa
populacao adolescente e ate mesmo a adulta , Estaobra e de educadores; todavia nao raro a vemos en-tregue a pessoas que nem sempre tern outro obje-
tivo senao 0 sensacionalismo, ainda que desastra-
damente a custo da desintegracao moral e espi-ritual da familia.
Ha, igualmente, uma serie de hist6rias dra-
matizadas para criancas e gravadas em discos que
fazem ° encanto da petizada.
Guardando em mente os principios basicos daarte de contar historias e as objetivos pedagogic osque temos em mira, todos estes recursos podem
vir em socorro do narrador de hlstorlas e da edu-
ca~ao popular.
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CAPITULO IX
o PERIGO DE APONTAR A MORAL
DA HIST6RIA
Em tempos que, felizmente, ja se afastam de
nos nao se cogitava da crianca nem da sua manei-
ra de ser e, muito menos, do seu modo de ver ascousas. A orientacao educacional sempre visou
a . mente adulta. A despeito de educadores, comoMontaigne, Comenius, Locke, Rousseau, Pestaloz-
zi e Froebel, preconizarem a reform a dos metodos
tradicionais, so no seculo XX, a crianca comeca a
ser tratada como alguern que merece consideracao e
cujo processo de desenvolvimento requer metodos
e praticas que sao diferentes dos que se usam comos adultos. Infelizmente, ainda em nossos dias per-
manece multo carrancismo. Dai a rasso deste ca-
pitulo, 0 qual visa a esclarecer ao narrador de his-torias pontos que sao do exclusivo interesse da
crianca, embora ainda muito debatidos pelos adep-
t.os do adultismo, ou seja, por aqueles que querem
tratar a crianca como urn adulto em miniatura.
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76 A Arte de Contar Hist6rias o Perigo de Apontar a Moral da Historic 77
Todo educador sabe que 0 que e mais impor-tante no ensino e a aplicacao pratica daquilo quese quer transmitir ao edueando. Na ansia de atin-
gir este alvo, esquecem alguns que as ilaedes de-
vern ser tiradas pela crianea e nao pelo mestre e,impensadamente, vao apontando a moral da his-
torta em vez de apresentar a liC;aode tal maneira
que a moral ressalte por si.
Dizer nao e ensinar; fazer a crianca eonhe-
cedora de fatos nao e educa-la, por isso 0 narrador
que sempre aponta a moral de suas historias in-
corre em erro grave e, por vezes, ate perigoso. Acrianca e muito mais capaz do que geralmente se
pensa. Nao e necessano apontar a moral de uma
htstorla: a crlanca pode tirar inferencias por simesma , E tira-as de acordo com as suas necessi-
dades. E, do ponto de vista pedagogtco, que maisdeseja quem ensina?
o verdadeiro professor e aquele que leva a
crianca a pensar e nao 0 que tira conclusoes porela, 0 cerebro infantil nao deve ser consideradosomente como armazem, mas como instrumento
com 0 qual se pode cavar, cortar, aplainar, cons-
truir .
"A mente deve expandir-ss de dentro para
fora e nao de fora para dentro", dizia Rousseau.
E preciso ter pactencia de esperar que a crian-
ca use seu entendimento e pense por si mesma.
H a cnancas cujos problemas sao sempre resolvidos
por outros, criancas que nao tern direito de que-
brar as nozes que lhes sao dadas porqne sempre
as reeebem quebradas; tais criancas nao podern
crescer intelectualmente e nao serao nunca gigan-tes espirituais.
A crianca esta sempre sedenta pela verdade e,
desde que a historia satisfaca a suas necessidades,
ela lhe dara atencao. A natureza moblllza seus
meios de defesa de maneira maravilhosa. Se a
cnanca recusa dar atencao a moral de uma his-
t6ria, e que a mesma nao se adapta a sua nature-za. Se a histOria e apropriada, nao e preciso apon-tar-lhe a moral, pois a crtanca a achara da me-
lhor maneira. Se a crianca mesma nao e capaz
de aehar a moral de uma histOria, nao pode ha-
ver prova mais certa de que a lic;ao nao foi bern
escolhida ,
Nao e gentiliza fazer para uma crianca 0 que
ela mesma pode fazer. E a natureza que a impele
para agir e a crianca que pode fazer alguma cou-
sa esta contente. Froebel, 0 criador dos Jardins de
Infancia, disse: "Acautelai-vos, sede cuidadosos e
sensatos neste ponto, 6 pais! Podeis destruir, comurn sopro, pelo menos por multo tempo, 0 instinto
de atividade construtiva de vosso filho, se repelis
seu auxilio, alegando criancice, inutilidade, pouco
valor ou mesmo atrapalhacao".
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78 A Arte de Contar Histories o Perigo de Apontar a Moral da Historia 79
Os instintos da crlanea sao a trama da vida.
A trama de urn tecido consiste dos fios que seestendem no sentido do comprimento do tear, e
que sao cruzados por outros, no sentido oposto.Admiraeao, curiosidade, imaginacao memoria, co-
ragem, fidelidade, lealdade, humor, senso de pro-priedade, de [ustica e outros ainda sao as fios que
fazem a trama da vida. A crianca que ouve umahlstorla, passa-a atraves da trama de sua existen-cia tornando-a parte de si mesma. Disse alguem
que pontar a moral e como que colocar urn remen-do no tecido da vida. Os remendos sao desnecessa-rios em tecido novo. Se ha necessidade de remen-dar urn pano novo e porque a fabricacao foi de-
feitosa.o ensino 12,muitas vezes, dogmatico, mas mes-
mo quando a crlanca recebe tal ensino, ela so 0
assimila, quando ja a pas a prova.
Em crianca, muitas vezes tentei por a provaa tabuada. Decorando a tabuada de multlplicar,
parava, as vezes, para escrever, por exemplo, trestraces e outra vez tres traces, e ainda outra vez
tres traces e depois conta-los para certificar-me
de que 3 x 3 sao 9. E que 3 x 3 e cousa abstrata,mas tres traces, tres veaes, fazendo 0 total de 9tracos e cousa concreta, experimentada. A crlan-
ca pensa em termos de cousas concretas. Se ela es-
tiver brincando e outro vier perturba-la, nao dira:
"Nao e direito incomodar os outros", porem dira:"Nao me atrapalhe" ou "saia do meu caminho".
Vira 0 tempo em que ela generalizara, porem nao
deve ser forcada a faze-ln.
Jesus, 0maior narrador de historia que 0mun-
do conheceu, nunca interpretou suas parabolas,
nao acrescentava a moral as suas historias e, quan-
do seus ouvintes the vinham perguntar alga sabre
elas, ele s6 lbes explicava 0 que queriam dizer de-
pois de eles haverem pensado, discutido e, as ve-zes, ate apresentado sua propria interpretacao ,
Muitas vezes respondeu ·a perguntas abstratas que
Ihe foram feitas com hist6ria concreta.
Os ideais concretos contidos na histora sao
absorvidos pela crianca e vagarosamente assimi-Iados por ela. E melhor que ela compreenda, por
esforc;o proprio, so parte da lic;ao que se the quer
ministrar, do que receba maior poreao dela pelas
palavras e compreensao de outrem.
Assim como a crianca precisa de experieneia
propria para a seu desenvolvimento risico, pre-
cisa ela tambem, da expertencla propria para 0 seu
desenvolvimento moral e espiritual.
Rousseau dizia: "A erianea tern seu modo dever, pensar e sentir; nada mais absurdo do que
ten tar substituir seu ponto de vista, pelo nosso",
A curiosidade instintiva da crlanca ajuda-la-a
alcanear a moral da histOria. A crianca tern pra-
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80 A Arte de Contar Historias o Perigo de Apontar a Moral da Historia 81
zer especial em descobrir a verdade por si mes-
rna. Deram a certa crianca urn [ogo de paciencia.Depois de haver a mesma experimentado, por al-
gum tempo, achar a solucao, 0 doador do brinquedo
disse: 'Deixa-me mostrar-te como se faz", ao que
ela replicou: "Nao me ensine, eu mesma quero des-cobrir". E assim, sempre.
o verdadeiro artista da historia, encarnara
seu ensino na vida dos personagens da hist6ria.
E a vida encarnada que inspira ou tras vidas.
o habito de acrescentar a moral a uma his-
t6rio e dos mais prejudiciais a seu efeito, pois a his-
toria boa e bern contada salienta 0principia moral
com muito mais eficiencia, e, alem disso, nao apon-
tando a moral, a lic;aoaproveita a cada um dos ou-vintes de acordo com sua necessidade particular,segundo seu estado de consciencia. A moral aplica-da, por mais oportuna que seja, prejudica a valor
da hist6ria na sua aplicaeao individual.
o notavel escritor Ingles e grande mestre na
arte de contar hist6rias, Van Dyke, assim rogavaa Deus; "Que jamais, Senhor, acrescente eu a
moral ao fim de uma historia e [amais conte uma
hist6ria a qual faIte uma liC;aode moral."
A moral acrescentada a hist6ria a enfraque-
ce porque enfraquece a sugestao, E fato provado
pela psicologia que 0 poder da sugestao varia na
rasao inversa da revelacao clara do fim visado.
As crlaneas reagem desfavoravelmente as his-
torias que lhes sao contadas com aplicacao direta,
mas aceitam, sao influenciadas, tocadas mesmo
por aquelas que encerram a sugestao sem que es-
ta lhes seja aplicada.
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CAPiTULO X
HIST6RIAS IMAGINARIAS
As hist6rias podem ser classificadas em dois
grandes grupos - reais e imagincirias.
Neste capitulo trataremos das imaglnarias.
Chamam-se hist6rias lmaginarias as inventa-
das, ou aquelas que, embora baseadas em fato
real, 0 tratam com certa liberdade de Imaginacao .
Ashistorias imaginarias sao rejeitadas por al-
guns, sob a alegacao de nao serem elas verdadeiras.
Temem seus opositores que, por nao serem reais,
possam prejudicar a infancla, induzindo-a it men-
tira. Estudo, porem, mais intimo e acurado do as-
sunto, mostra-nos a fraqueza de tal objecao. Em
que pesem as opinioes contrarias, elas man tern 0
seu valor se sao conservadas no seu proprio lugar,isto e , se forem usadas como imaginarias sem ne-
nhuma outra pretensao , Em alguns casos e exa-
tamente 0 seu carater fantasista que Ihes da maior
poder educativo. Na infancia, por exemplo, cuja
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84 A Arte de Contar Hist6riasHisiorias lmaqituirias 85
psicologia tanto se satisfaz com as cousas imagi-
narias, a historia deste tipo alcanca plenamente 0
seu objetivo. A crianca Iaz reais as cousas mats
rantasticas e irreais. A sua lmaginaeao viva e fer-
til anima tudo. It nesta idade que a crlanca man-ta urn cabo de vassoura e se imagina cavalgan-
do fogoso corcel; brinca com amigos invisiveis; eela mesma cria as mais interessantes e, complica-
das historias , A historia imaginarta vern, pols,
simplesmente, ao encontro de uma realidade psico-
Iogica , Naturalmente, aos pais e mestres basta in-
teligencia para se utilizarem, para a bern, daqui-.
10 que Deus ja fez assim.
Os principais tipos de historias imaginarias
sao canto de fadas, folclore, mito, tabula, apologo,
parabola, alegoria e lenda.
Conto de [adas . E a histOria que tern acentua-
da caracteristica moral a qual se revela no fato de
ser sempre recompensada a virtude e punido a mal.
tste e urn principia verdadeiro na vida real, mas
sua verlncacao e Impossivel a crlanca, pais deman-da longo periodo de expenencia e uma existencia
ja vivida,0
que e impossivel a crianca.No pais das fadas 0 fator tempo desaperece e
as fatos se dao num abrir e fechar de olhos: 0
castigo segue-se imediatamente ao mal feito e a
recompensa e consequencia imediata do bern pra-
ticado. Dai 0 seu grande valor para a crianca.
pois, prescinde do fator tempo.
Se 0 conto tern uma lic;ao de moral, de ver-
dade ou de bons costumes que se quer incutir nas
eriancas, na: idade da imaginacao rantastlca emente maleavel, pode-se usar sem receio 0 canto
de fadas desde que se nao pretenda fazer crer acrianca que se trata de historia de fatos reais.
Folclore. 0 falclore tern, mais ou menos. as
mesmas caracteristicas do conto de fadas. Sao
as tradic;oes populares postas em forma de his-toria imaginaria, Tern, em geral, origem num
fato que se veste com a roupagem que lhe em-
presta a imaglnaeao popular. Tern maior atracaoe encanto por ser mais intimo, de colorido mais
vivido, porque e a expressao da alma do povo , Co-
mo no conto de fadas seu valor moral esta na re-
cornpensa do bern e castigo do mal.
Mito. 0 mito e , na sua origem, uma ideiaexplicativa de algum fen6meno da natureza, reves-
tida de linguagem poetica e de ficc;ao, conservando
a conteudo moral. It urn tentame da mente pri-mitiva, ainda sem elementos bastantes de racioci-
nio, para explicar cientificamente os fen6menos
observados. Signifiea realmente a busca dos prin-
cipios basicos da conduta human a .
86 A Arte de Contar Hist6rias Hisiorias Imaqituirias 87
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o valor educative do mito e apelar para os
sentimentos elementares comuns a todos os ho-mens, sentimentos que constituem 0 apanagio do
homem primitivo e das criancas em todos os tem-pos.
dades espirituais abstratas, de apncacao imedia-ta ou remota. Nos evangelhos encontram-se os
melhores exemplos deste tipo de hist6rias, usadas
por Jesus nos seus ensinos. Parece-nos desneces-
sarto dizer qualquer cousa a respeitodo valor edu-
cativo da parabola: torna ela verdades abstratastao concretas e reais que sua for<;asalta aos olhos.
Os ensinos de Jesus sao 0 mais eloquente ates-tado do valor da parabola como veiculo
para transmitir a verdade. Nao ha cornpen-dio de teologia que ponteie em linguagem
mais simples e clara as transcendentais doutrinas
do arrependimento, do amor de Deus, do amor aoproximo, do que as parabolas do Mestre bendito
sobre0
Filho Prodigo e0
Born Samaritano.Alegoria. A alegoria e 0 tipo de hist6ria que
encerra uma li<;aovelada; e , em geral, mais com-
plicada na forma e mais sutll do que a parabola.
Sua principal caracteristica e a substituicao de
uma eousa por outra, podendo as virtudes e fra-
quezas human as ser personificadas, como se ve-
rifiea em "0 Peregrino", de Bunyan.
Lenda. E a historia Imaglnarla que emboratenha origem num fato, foi este a tal ponto fan-
tasiado, modificado ou ampliado que, afinal, ja nao
se pode distinguir 0 elemento ficticio da verda-
de original. Em geral, sao hlstorias que pertencem
A objecao que alguns fazem ao uso do mito
e em parte fundada, pois alegam que os mitosapresentam as Imperf'eicoes morais dos deuses e
as concepcdes poltteisticas do povo grego. Real-mente, isto acontece, mas, a maioria dos mitos po-
de ser expurgada dos elementos imorais que encer-
ram e as concepcoes politeisticas nao f'arao danaalgum se houver a precaucao, da parte de quem
conta a historla, de fazer explicaeao previa deste
fato, na sua introducao.Esibula . E a tipo de hist6ria na qual os ani-
mais tomam caracteristicas humanas, raciocinam,falam, choram, cantam, sentem e encarnam as
virtu des oudefeitos da natureza humana. Em
geral, apontam as fraquezas dos homens. Sao de
grande valor como aviso, como advertencia contratais fraquezas.
Ap6logo. E urn genera semelhante a tabula,
mas em que sao as plantas e cousas inanimadasque se apresentam com caracteristicas humanas.
Parabola. E a hist6ria comparativa defatos da vida real, concreta, objetiva, com ver-
88 A Arte de Contar Hisiorias
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as eras primitivas e que, por seculos e seculos, tern
sido transmttidas oralmente, de geracao em gera-
~ao, sofrendo assim na sua transmissao modifiea-
~oes, as mais das vezes, inconscientes.
A Ienda e meio termo entre a historia imagi-naria e a real, tendo urn pouco de cada uma delas.
Como nos demais casos de histortas Imagina-rias, as lendas podem ser usadas como instrumen-
to pedag6gico, desde que se nao ponha enfase no
elemento ficUcio querendo emprestar-lhe carater derealidade, mas, na significagao moral que eia tern.
Quaisquer dos tipos de historia imaginaria aqui
apresentados pode ser usado sem perigo, se forem
guardadas as devidas precaucoes ,
"0 esseneial deste tipo de historia", diz 0 ilus-tre professor de pedagogia de Hartford, no seu Ii-
vro "Stories and Story-Telling", Edward Porter
St. John, "nao e que seja verdadeira mas que,
clara e impressivamente, eneerre uma verdade."
CAPITULO XI
HIST6RIAS REAIS
As historias reais sao as que tern par fim apre-
sentar acontecimentos historicos, biografias, me-
morias, historias verdadeiras de animais au cousas,ou quaisquer outros fatos rea is .
As hsitOrias reais sao de alto valor, pols nfio soapresentam a verdade moral, mas mostram a sua
apllcacao imediata na vida. Sao sempre preferi-
veis, par isso mesmo, as historias imaginarias.
A hist6ria da vida de Jesus e de muito mais
valor do. que as mais lindas e edifieantes para-bolas, mesmo usadas por t'He;as vidas dos martires
e dos grandes homens da histOria patria ou da hu-
manidade sao muito mais Instrutivas e encerrammuito mats inspiracao do que as melhores Iendas
de todos os povos.
A razao de se usarem tao eomumente as his-
torias Imaginartas e que se torna quase impossi-vel conbecer ou aebar, no momento preciso, his-
90 A Arte de Contar Historias Histories Reais 91
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torias reais que encerrem as lic;6es desejadas e ne-cessarias ,
Antes de prosseguirmos e born lembrar que
mesmo a historia real nao prescinde dos elemen-
tos caraeteristieos de uma hist6ria: introducao,
enredo, climax e conclusao ,
A simples narracao de urn fato nao e , neces-sariamente, uma historia. Faz-se mister, para queassuma as foros de historia, que preencha as
requisites da historia, ja estudados no capitulo III.
As historlas reais, como as Imaginarias, tern
as seus percalcos. Se ha perigas, e graves, em pre-
tender fazer passar par verdadeira, au real, uma
hist6ria imaginaria, nao menor pengo e introdu-
zir nas historias reais elemento incrivel ou du-vidoso , 0 que na historia imaginaria constituiponta forte,torna-se, na historia real, sinal de
fraqueza. Sim, porque revestir de misterio, de fie-
c;ao,urn fata, e lancar duvidas na mente dos ouvin-tes. Quando ha, na .historia real, elemento inacre-
ditavel, absurdo, esta perde a seu valor. E necessa-
ria, pois, que a hist6ria que se apresenta comoreal seja crivel e perfeitamente razoavel ,
Talvez, nesta altura, convenha que voltemosa nossa mente para as historias biblicas , Tern
parecido a alguns que, seguindo estes principios,
necessario se lorna desprezar algumas hist6rias
biblicas das mais conhecidas na Igreja.
Entretanto, nao ha, na Biblia, nem uma sohistoria que seja dispensavel , T6das elas tern si-
do usadas e serao usadas com urn fim pedag6gico.Contudo, ha, real mente, na Biblia, como em qual-
quer outra literatura, hist6rias dos dais tipos que
acabarnos de estudar, isto e, reais e lmaginarlas.
A dificuldade que existe com alguns e , sim-plesmente, a habito, mais au menos arraigado, de
pensar que toda historia, par se achar na Biblia, ehistoria real, narrativa de urn fato realmente aeon-tecido. Esquecem os que assim pensam que 0 va-
lor da hist6ria nao e necessariamente a realidade
do fata narrado, mas a en sino moral au a verdade
eterna que procura transmitir. 0 meio de evitar
desapontamento neste sentido e reconhecer 0 pro-fessor as fins e metodos usados pelos que contaramaquelas his tori as. Ninguem nega a valor da histo-
ria do "Filho Pr6digo", au do "Born Samaritano"
e tantas outras; nao obstante sao hist6rias do ti-
po imagmano. Valem pelo que ensinam e naopelo que narram.
o fim da Biblia nao e apresentar ciencia ouHistoria, ou qualquer outro conhecimento huma-
no, mas mostrar a influeneia de Deus na vida deurn povo, 0 povo de Israel. Quiseram as escrito-res sagrados mostrar que Deus governa 0 mundo
que criou, e, portanto, recompensa 0 bern e cas-
tiga a pecado. Ao apresentar esta verdade imuta-
92 A Arie de Coniar Historia«
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vel, eles usaram, a s vezes, hist6rias imaginarias, do
mesmo modo que ainda hoje 0 fazemos e , especial-
mente, 0 fazem os pregadores para ilustrar os seussermoes ,
Urn professor de Eseola Dominical nao preci-
sa abordar na classe problemas de critica biblica,
mas deve estar apereebido de que nem todas ashist6rias da Biblia sao reais. Nem todas preten-
dem, nem jamais pretenderam ser 0 registro de
fatos acontecidos, mas todas elas pretendem en-cerrar, e, de fato encerram, a Verdade Eterna.
Se e possivel despertar emocoes e inspirar sen-timentos elevados e nobres com contos de fadas,
lendas, mitos, etc. , quanta mais com as lindas, ins-
piradas e inspiradoras hist6rias biblicas, sejam elas
reais ou imaginarias. "A letra mata, 0 espirito e
que vivifiea."
Terminando, repetimos: toda hist6ria real tra-
duz urn fato acontecido, e, par isso mesmo, deve
manter, atraves do seu todo, perfeita harmonia,
de modo que nao descambe para nenhum dos peri-
gos ja mencionados. Deve conservar-se dentro do
real, do erivel e do razoavel ,
CAPiTULO XII
UM POUCO DE PSICOLOGIA
Para que a historia seja de real valor, e ne-cessaria que quem a conta tenha algum conheci-
mento da psicologia da tnrancta e, tambem, das
demais idades, pais 0 interesse de cada ida-de e que determina 0 tipo de hist6ria que
lhe e proprio. So quando a hist6ria e apropriadaa idade a que se destina e que cumpre ela 0 seu
objetivo. 0 periodo de desenvolvimento mental
em que a crianea se encontra, exige que as perso-
nagens da hlstoria sejam do tipo que ela gostariade ter por companheiro, e cujos rnovimentos e aedes
eia segue com simpatia, compaixao, contentamen-to ou desaprovacao. Em tais condicoes, os perso-nag ens a quem os livros se referem, nao sao es-
tranhos, mas outros tantos conhecidos seus, decuja experiencia ela participa.
Neste capitulo, mencionaremos alguns dos in-teresses dos dlferentes periodos de desenvolvimen-
to mental. tstes interesses sao 0 guia seguro na
94 A Arte de Con tar Histories Um pouco de Psicologia 95
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I-INFANCIA
exemplo, pai, mae, gato, cachorro, porcos, cavalos,galinhas e crlancas, e, consequentemente, elaaprecia hlstorias que tratem destas cousas.
As historias para esta idade sao, em geral, em
forma de repeticoes como a da "Mulher que com-
prou urn porco", 'Os tres porquinhos", "Os tres
cabritos", "Os tres ursos" e ou tras . A repeticao
agrada porque faz a historia mais dramatica eaviva as cenas na mente infantil, despertando na
crianca a mesma emocao que sentiu ao ouvir a his-toria pela primeira vez,
Tambem sao sobremaneira fascinantes as his-
torias com vozes onomatopaicas, isto e, aquelasem que, quem conta a historia, imita a voz dos
personagens, sejam eles seres humanos ou animalsou cousas. Assim 0 ouvir 0 au-au do cao, a cloque-
-cloque da galinha ou a tique-taque do.relogio des-
perta logo a atencao e prende a crianca pelo inte-resse .
Em geral, ao escolher historias para este pe-riodo de realisma que se estende dos tres aos seis
anos, devem preferir-se as que sao de animaisou
cousas familiares, ou de outras crlancas, e as que
contern multas repeticoes e imitaeoes das vazes deanimais. Contudo, e preciso estar-se apercebido de
que, ainda que 0 interesse desta idade seja em cou-
sassas familiares, as circunstancias de ambtente
sao tao variadas que, talvez, 0que e famlIiar a uma
escolha das hiatorias para eada idade. Ninguem ne-
ga hoje, depois dos estudos da pedagegia moderna,que 0 interesse e elemento essencial no. aprendiza-
do e, providencialmente, aparece na crianca, va-riando de idade para idade, a fim de capacita-Ia a
aprender 0 que necessita no. seu desenvaivimentomental. Embora a interesse varie de idade para
idade, e , no. entanto, comum a todas as criancas
da mesma idade, independentemente da raca ou
das condicoes sociais em que vive. Todas as crian-
~as normais, em qualquer epoca, e em qualquer
pais, sao. caracterizadas por interesses peculiares
a sua idade.
Os Interesses espontaneos sao express6es ins-
tintivas de necessidades da natureza humana e epreciso aproveitar esta disposicao natural para
ministrar a crianca a li~ao de que carece com 0
material proprio, a fim de que ela seja guiada nas
suas expertencias presentes e se prepare para ex-
pertenctas futuras.
1) Periodo ritmico e realista (3-6 anos).Neste primeiro pertodo, encontramos a crianca
interessada em cousas familiares. Ela vive no.
mundo da realidade, do objetive; sua atencao estavoltada para as cousas que eia conhece, come por
96 A Arte de Contar Histortas Um pouco de Psicologia 97
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2) Periodo imaginativo (6-8 anos). Quandoa crianea pass a dos seis anos, entra em outroperiodo de desenvolvimento mental, conhecido co-
mo periodo imaginativo. E 0 mundo do "faz-de-
conta" e os Interesses agora tambem sao outros.Nao the agradam mais as ntstorias que sao comoque 0 recontar de rates que ela conhece, porque ja
viu, mas interessa-lhe 0 "fazer-de-conta" que ealguem que nao seja ela mesma; e fazer cousas
que estao alem dos limites de sua possibilidade e por
isto, penetra no mundo da imaginacao. Par esta
razao agradam-Ihe as historias maravilhosas de fa-das e duendes, criaturas com poderes fantastdcos,
o contador dehistorias encontra fonte Inesgo-
tavel deste material na literatura de todos os po-
vos. Hist6rias de fadas, muitas delas, se encon-
tram em colecoes e ja se tornaram patrimonlo
universal. Grimm, Perrault, Bechstem sao os auto-
res deste genero de histOrias, mais universalmente
conhecidos.
As histOrias de fadas sempre levantam uma
questao na mente dos educadores. Nao havera pe-
rigo de fazer mentirosas as crianeas 0 fato de
se lhes contar tais historias? George Ebers, egip-tologista e novelista, na sua autobiografia - "A
hist6ria de minha vida" diz que as historias de fa-
das que the contava sua mae tiveram lnfluencia
preponderante na sua vida e que deixaram em sua
mente uma impressao muito mais duradoura doque muitos fatos reais de sua existencta. Diz ele
ainda: "Todas as maes sensatas terao cuidado denao fazer crer as criancas que as hist6rias deste
tipo sao verdadeiras. Nao me lembro de, em qual-
quer tempo, ter eu pensado que qualquer cousa
que eu inventara realmente tivesse acontecido,
mas sei que, muitas vezes, ficava em dtivida sobre
as cousas inventadas par outros, se eram verdade
ou ficg1io. Em tais ocasioes, apelava para minhamae e sua resposta logo me acalmava as duvidas,
pais eu sabia que ela nao se enganava, porque
nunca ela nos mentiu."
crianca seja inteiramente estranho a outra que vi-
ve em meio diferente. Ambiente-se, pois, 0 conta-
dor de hist6rias, antes de mais nada, se quiser ser
bern sucedido ,
As palavras de Ebers sao baseadas na psicolo-
gia. A natureza imaginativa deve ser desenvolvi-
da na crlanca, mas nao deve haver duvida na sua
mente de que ha cousas que sao do dominio do
"faz-de-conta" e outras do da realidade. Se hou-
ver duvida em sua mente a respeito da historia, se
e verdadeira au nao, basta dizer-lhes: "Verdade
na~ e , mas houve tempo em que as homens pensa-
yam que era verdade." E urn meio de apresentar-
98 A Arte de Contar Historias Urn pouco de Psicologia 9 9
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-lhes as crencas primitivas e faze-las compreender
as lutas e dificuldades dos antepassados.
Muitas das rnodernas hist6rias de fadas nao
sao pr6prias para criancas , Na escolha de histo-
rias para este periodo, devem-se preferir as velhashist6rias, as que tiveram origem na infancla da
raca e outras, como as de Grimm, Perrault e Bechs-tein. Estas ja tern sido provadas atraves das ida-
des e sao apresentadas em lingua gem elevada,
criam ideais, sao inspiradoras, alimentam e satisfa-
zem. Contudo, as hlstorlas em que a crueldade, a
vinganca e 0 crime aparecem, devem ser elimina-
das inteiramente do repertorio dos que contam his-t6rias as criancas, embora sejam tradicionais. Esta
neste numero a de 'Barba-Azul", por exemplo.
Nao ha, na vida da crlanca, periodo que ofe-
reca mais oportunidade ao contador de hist6riasdo que este para semear sementes que hfio de fruti-ficar na estaeao propria. Infelizmente, pais e pro-
fessores, ignorando este fato, deixam os filhos sem
orientacao e €:les leem novelas que tendem a bru-talizar seus sentimentos e conduzi-los ao mau ca-minho.
II - MENINICE
A tendencia destruidora, que manifestam nes-
te periodo, leva alguns guias, mal-avisados, a con-sidera-Ios seres depravados, degenerados, quando,realmente, tais ac;6es nao sao praticadas por ins-
tinto de maIda de, mas por desejo de atividade, parinstinto de aventura, de ousadia. E urn grito da
natureza que .nao pede ser abafado, mas que podee deve ser dirigido, orientado, subllmado ,
Periodo heroico (9-12 anos). Saindo do perio-
do imaginatlvo, a crlanca entra noutro periodo de
realidade. No seu desenvolvimento mental, ela es-
tit em urn estado de descontentarnento com a sua
Imaginacao, a qual the forneceu as criaturas que
personificavam os sentimentos. Agora, quer lan-
c;ar-se a aventura, ansiosa por conquistar, por afas-
tar 0 que quer que seja que venha obstruir 0 seu
caminho. E por isso que uma curiosidade destruti-
va se manifesta neste periodo ,
Muitos escritores fazem obra de destruicao, pu-blicando, ou por ignorancia ou por rna fe, novelas
de aventuras que estao conduzindo mal as criancasdesta idade. Sabendo do seu g6sto pela aventura,
querem produzir novelas espetaculares, sacrifican-
do embora as rna is altas virtudes, os mais nobresideais e aspiracoes, os rnais sagrados principios da
moral. Especialmen'te, nos dias que correm, taisnovelas sao apresentadas na tela, 0 que as torn a
ainda mais impressionantes e vivas. Como resul-
tado, muitos meninos fogem do convivio do lar,
100 A Arte de Contar Hist6rias Um Pouco de Psicologia 101
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tornando-se aventureiros e nao poucos se embre-
nham mesmo pela estrada larga do crime.
A razao de tais fatos e que, neste periodo, 0
senso critico nao e muito apurado e 0 que 0 me-
nino aprecia nao sao as qualidades morais do he-rot, e sim a sua bravura, a sua forga fisica, a suaousadia. Hercules e sansao sao mais poderosos,
na sua apreciacao, do que Savonarola enfrentandoresoluto a persegtiicao que 0levou a fogueira e
conservando-se fiel a.o seu ideal. E que 0 garotopode compreender a dispendio de energia bruta,forc;a fisica, requerida de Hercules e sansao, masa energia moral que despendeu Savonarola, esta
alem da sua eompreensao.
Ii: inutil ten tar abafar este desejo em a nature-
za infan til; 0que se torna necessarto e proveralimento que Ihe e proprio, sem a veneno mortifero
das novelas baratas.
Os eplcos sao especialmente fascinantes para
esta idade. Cada povo tern seus herois nacionais
que podem ser apresentados em historias que sa-
tisfazem a esta idade. Ha tambem episodios e ti-pas universalmente conhecidos e admirados como
Robin Hood, Rei Artur e seus cavalelros. Hercules,Perseu, Aquiles e outros que podem ser usados com
proveito. Na escolha das historias deste tipo nao
se pode esquecer que 0 que interessa e 0 heroismo
e nao 0 romance. A enrase, pois, deve ser postanao nas cenas de arnor, mas nos atos de bravura.
Em nosso pais, ha muitos epis6dios historicos,
notadamente, os da guerra do Paraguai, dos Far-
rapos, das bandeiras, das lutas pela independenciae pela libertacao dos escravos, que podem ser apre-
sentados em formas de hist6rias apropriadas para
este periodo.
Tambem, no Antigo Testamento, ha muitas
hist6rias que visam a esta idade, como as de San-sao, de Davi, de Daniel e outras. Nao ha, em
qualquer outra literatura, her6i mais autentlco do
que Josue. No livro do txodo, ele aparece como
[ovem guerreiro recem-saido da escravidao do Egi-to, mas com 0 espirtto inquebrantavel, Iutando
pelo Senhor contra Amaleque, Seu carater e taoadmiravel como 0 de Heitor ou Aquiles; simples,
esperancoso, nada duvidando, forte, corajoso, des-
temido, nunea se abateu diante do que outros eha-
mariam impossivel: nao era blasonador nem visio-
nario, mas urn lutador, urn bravo.
Como disse 0 autor da epistola aos Hebreus
(11.32) "faltar-me-la 0 tempo se quisesse contar deGideao, de Baraque, de Sansao, de Jefte, de Davi,
de Samuel e dos profetas", que sao, todos eles. fon-
tes de historias do tipo epico que atendem aos
interesses dos meninos.
102 A Arte de Contar Hisiorias Um pouco de Psicotoqia 103
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Nesta idade, em que 0 espirito de aventura se
manifesta, quando a pugna e desejada mais do
que qualquer outra causa, felizes sao os pais que
encorajam seus filhos a fazerem cavernas no seu
proprio quintal, a serem, nos limites da seu ambi-
ente, urn Robinson Crusoe, urn Robin Hood ouqualquer outro heroi do seu interesse, tendo a ex-
periencia pessoal de ataques simulados e partici-
pando duma guerra de indios que eles mesmos
idealizam e dramatizam.
que se envolva. As novelas da cavalaria sao mui-
to apreciadas. E 0 heroismo de tipo mais elevado,
em que 0 heroi arrisca 0 pelo ou expoe a sua vida
por lealdade aos seus principios, por fidelidade ao
rei ou na defesa de uma linda dama.
No periodo anterior, a admiracao era pelo he-
roi em si, pela sua bravura fisica; a preferencia,
por historias em que nao houvesse implicacoes
arnorosas, das quais as mulheres seriam mesmo
excluidas, mas, neste periodo, 0 romance e indis-
pensavel, a adolescente comeca a sentir, de urn
modo vago e indefinido, que 0 romance permeia a
sua propria vida e suas emocoes e sentimentos
nobres sao despertados pelas historlas que objeti-
yam0
que ha de vago na sua propria natureza.Se, no periodo precedente, torna-se necessario
ter cautela na escolha de material, muito mais nes-
te, pois, as historias, sendo boas, podem despertar
nobres ideais e santas emocoes, sendo mas, podem
criar desejo morbtdo pelas praticas vis e baixas.
Nesta idade romantica aparece, tambem, 0 gos-
to pela poesia e as historias tornam-se mais inte-
ressantes se se introduzem citacdes de poesias co-
nhecidas. Classlcos, como a Iliada, a Odisseia, for-
necem material para esta idade.
Joana D'Arc, contos dos trovadores, bardos e
menestreis, episodios das Cruzadas, tambem, sao
fontes inesgotavels para historias encantadoras.
II - ADOLESC~NCIA
Periodo romtintico (12-18 anos). Ao transpor
os umbrais da meninice heroica e ousada, os instin-
tos brutais comeeam a ceder lugar a sentimentosmais meigos. 0 romance e as afei<;6esse desen-
volvern. 0 individuo comeca a tornar cuidado da
sua aparencia pessoal. Alguns se metamorfoseiam
de urn momento para outro, passando do relaxa-
mento e rebeldia nos cuidados pessoais ao chiquis-
mo doe dandis do ultimo figurino. E que os sexos
se diferenciam e os meninos cornecam a interessar-
-se nas meninas e vice-versa, e, por isto, cada qual
quer fazer-se atrativo ao sexo oposto. Em geral, 0
seu gosto literario muda, como tambem muda a
sua aparencia pessoal. Ainda rem interesse em
heroismo, mas, agora, seu heroi nao e apreciado
pelos atos de bravura em si, mas pelo romance em
104 A Arte de Contar Hisiorias Urn pouco de Psicoloqia 105
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IV - MOCIDADE
As historias que encantam a esta idade sao asque revelam 0 espirito puramente sacrificial. Por
isso e que 0 espirito missionario surge, em geral,
na mocidade.
Se bern que 0 romance ainda interesse a mo-cidade, especialmente aos jovens que ainda nao re-
solveram definitivamente a questao magna da sua
vida - a escolha do companheiro, contudo nao eo lado puramente romantico que interessa, e sim
os atos de abnegacao e sacrificio em beneficio deoutros.
Tern apelo forte para a mocidade a abnegacaodos homens de ciencia que se sacrificam pelo bernna humanidade, de missionaries que tern renuncia-
do a seu conforto material para se embrenharemnos sertoes da Africa ou de qualquer outra partedo mundo, em beneficio do proximo. Apela, igual-
mente, para a mocidade a historia de Jesus, apre-
sentado como aquele que se sacrificou por amor
dos homens.
Historias deste tipo sao faceis de encontrar.
Sao as biografias dos martires da ciencla, da his-toria, da religiao.
Saibamos atentar para os pendores da nature-za e procuremos acudir aos reclamos de cada ida-de, com "0 alimento racional, sem dolo", que ha
de alimentar as almas, conduzir os intelectos e for-
mar os caracteres do mundo do porvir.
Neste caso, como em todos os outros, nao po-
demos mudar a natureza humana e evitar que urn
rapaz de 16 anos seja atraido pela men ina que lhe
agrada aos olhos, mas podemos dar-lhe ideais queIarao dos seus sentimentos cousa elevada e naorebaixamento moral. Da mesma sorte, podemos
por no coracao das meninas, tal poesia e tal idea-
lismo que as conservarao dignas de urn principe.
Hlstorias velhas ou novas, reais ou imagina-
rias, com enredo heroico-romantico sao necessa-
rias a esta idade como 0 pao de .cada dia ao seucorpa, que se desenvolve rapidamente. Niio dei-
xemos nossos filhos e filhas adolescentes it min-gua deste pao espiritual, nem tao pouco permita-
mos que se embriaguem com 0 opio e a cocainada literatura comercializada e dos cinemas impro-
prios. Saibamos, porem, que 0 meio de evitar 0
mal nao e , simplesmente, proibir 0 seu usc, mas
apresentar algo que, tendo 0 mesmo encanto, a
substitua nos reclamos da sua natureza.
Periodo altruista (18 anos em diante). 0 in-
teresse principal da mocidade e 0 service altruista,
Este sentimento e tao forte que 0 sacrificio proprio
se torna urn gozo e nao urn sofrimento.
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APENDICE
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ALGUMAS HIST6RIAS
o CESTINHO QUE A PRINCESA ACHOU
Ha muitos anos, 0 povo hebreu, mais conheci-
do em nossos dias como 0 povo judeu, foi feito es-
cravo de certo rei egipclo, rei muito mau que pro-
curava, por todos os meios, acabar com aquele po-
vo. 1!:lefazia isto porque tinha medo que os he-
breus viessem a dominar 0 seu pais e, afinal, €Hemesmo tivesse que perder 0 seu poder.
Deu ordem aos feit6res de obras que dessem
mais trabalho aos judeus do que aos outros ho-
mens. Recomendou tambem que nao Ihes dessemdescanso e que sua rar;;ao f6sse diminuida. Pen-
sava ele que esta seria a maneira facil de enfra-
quecer a raca e assim ficar livre daquele povo.Mas, cousa interessante, quanto mais 0 rei maltra-
tava os [udeus mais tHes se fortaleciam e maioresse tornavam as suas familias.
Visto isto, 0 rei teve uma ideia muito r n a . Pu-blicou uma lei que obrigava as maes hebreias a
110 A Arte de Contar Historias o Cestinho que a Princesa Achou 111
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jogarem no Rio Nilo, 0 grande rio do Egito, os fi-
Ihinhos que nascessem depois de publicada a lei.
Como as miles viviam tristes naquele tempo! Mui-
tas delas tinham ate desejo de nao ter rna is fi-Ihos.
filhinho; eu sei que tu queres que ele viva, maseu nao posso rna is esconde-lo do rei. Ajuda-me,
pols, a salvar 0 meu filho e cria-lo para te ser-
vir"! Quando ela se levantou da oracao, pareceu-
-lhe ouvir uma voz que lhe dizia: "Faze urn ces-
tinho de vime, betuma-o por fora, poe dentro 0
menino e solta 0 cestinho nos cana via is do Nilo.
Nao ten has medo, Deus cuidara do menino".
Saiu dali cheia de contianca em Deus e pos
maos a obra. . Mandou buscar 0 vime, fez ela mes-
rna 0 cesto, betumou-o par fora, fez urn colchaozi-
nho para deitar nele a crianca e depots de dar-lhe
de mamar, colocou-o no cestinho e soltou nos ca-
naviais do rio.
Foi naquele tempo que certa mulher muitocrente em Deus e que confiava no seu poder, ga-
nhou urn filhinho. Era Iindo bebe, gordinho, es-
perto, de olhos vivos e cabelos negros. A mae olhoupara 0filhinho e disse consigo mesma: "Sera pos-
sivel que eu tenha de [ogar no rio esta crlancatao linda, s6 porque este rei mau mandou? Serapossivel que este rei tenha mais poder do que meu
Deus?" Ela nao podia crer. Resolveu esperar urn
pouco, antes de cumprir a ordem do rei. Escon-deu 0 seu filhinho. Nem as vizinhos souberam queha via crianca naquela casa.
Miria, sua filba mais veIha, que tinha uns dez
anos de idade, prontificou-se a ficar por ali e cui-
dar para ver 0 que havia de suceder ao irmaozinho.
Naquela mesma tarde, uma princesa egipcia,
filha do rei, veio tamar banho rio, acompanhada
de suas criadas. 0 seu ponto de banho era perto
do Iugar onde estava 0 cestinho. No banho, eia
o avistou de longe e mandou uma de suas criadas
puxa-lo com uma vara para ver 0 que esta va den-tro. Quando ela viu a crianea, que chorava, ficou
penalizada. Num momento compreendeu de que
se tratava. Alguma mulher hebreia tinha decerto
feito aquilo para salvar a seu filhinho. Mas, a
Passaram-se tres meses. 0 menino cada vez
estava mais linda e espertinho, mas agora ja tinhamais f6r~a nos pulmoes e chorava multo alto. Ela
eomecou a ficar com medo que seus vizinhos ou-
vissem 0 choro da crianca e f6ssem con tar ao reique ela the desobedecera as ordens. E passou uns
dias multo atribulada. Nesta hora de incertezaresolveu pedir a Deus, em oraeao, que a ajudasse.
Entrou no seu quarto e, ajoelhada ao lade do
berco do menino, orou: "Senhor, tu me deste este
112 A Arte de Contar Hist6rias
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princesa sentiu em seu coracao de mulher umagrande slmpatia pela crianca, e disse as suas cria-
das: "Eu vou criar este menino como meu filho e
educa-lo como urn princtpe egipcio."
MERENDA ABENQOADA
Miria, que estava ali perto, foi-se chegandopara ver a que sucederia a seu irmaozinho e, ven-do que a princesa se interessara no menino, lhe
perguntou: "Queres que eu va chamar uma ama
das hebreias, que erie este menino para ti?" -
"Vai" , dlsse-Ihe a princesa.
Uma vez, no ~empo em que Jesus andava pelo
mundo, chego~, ~le a certa pequena vila, pertodo lago da Galileia, onde morava um menino comgua mae viuva.
Agora ele podia chorar e brincar a vontade,
pois era filho adotivo da princesa.
Logo que correu a noticia da chegada de Je-sus~ todo a povo comecou a movimentar-se porquesabia que Jesus costumava contar hist6rias a bel-ra do Iaga da Gallleia,
_ 0 menino quis ir tambern. Veio contar a sua~a.e .que Jesus estava na vila e que todos ja se
dirlgtam para a beira do laga.
A mae contente arranjou tuda em casa eaprontou 0 filho para que ambos pudessem ir verJesus.
. Ante~ de sa~, :Ia preparou boa merenda parao filho : CInCO paezmhos e dois peixes, e, apressa-da, po-la num cestinho.
Sairam logo depois do almdeo, Andaram an-
daram e andaram ate que chegaram a beira dolago, Ja 1a estava Jesus rodeado de muita genteque, atenta ouvia suas hiswrias,
Ficaram tao entretidos nas lindas historias deJesus que nem se lembraram da merenda. Jesus,
E ela foi e chamou a sua propria mae. Em
poucos minutes estavam de volta, mae e filha, pa-
ra levar para casa 0 menino que Deus acabava de
salvar das aguas, A princesa mesma deu-lhe a no-me de Moises, que quer dizer - salvo das dguas,e entregou a sua mae, dizendo: "Leva este me-
nino e cria-o para mim: eu pagarei 0 teu salario
de ama". •
Quando cresceu e ja nao precisava mamar, foipara 0 palacio do rei! Ali foi educada como princi-
pe, mas nunca se esqueceu de visitar sua boa ama,
a qual sempre the contava lindas historias do seupovo e do seu Deus, que 0tinha salvo das aguas,
114 A Arte de Contar Hist6riasA Merenda Abenqoada
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115
porem, que tinha cuidado das minimas cous~s,
lembrou-se de que era ja tarde e que 0 povo devia
estar com fome. Chamou Filipe, urn dos seus dis-cipulos, e disse-Ihe: "Onde compraremos pao para
lhes dar de comer?" Filipe lhe respondeu: "Du-zentos dinheiros de pao nao chegariam para que
cada urn deles recebesse urn bocadinho."
Ouvindo a palestra de Jesus com Filipe, 0 me-
nino lembrou-se da sua merenda, e sentiu fome.
Aprendera, porem, de sua mae que nao devi~ servir--se sem oferecer as pessoas presentes. Por ISSO ore-
receu primeiro a sua mae, mas esta nao aceitou.~le entao ofereceu a Andre, um m6go que estava
perto dele. Andre era urn dos discipulos de Jesu~.~le tarnbem nao quis aceitar a merenda do meni-
no, mas, a pedido deste, ofereceu-a a Jesu~ dizend~:"Esta aqui urn rapaz que tern cinco paes e dois
peixes, mas que e tsto para tanto povo?"
Jesus, porem, sabia 0 que ele poderia fazer,
por isso disse a Andre: "Fazei sentar 0 povo." E,
tomando a merenda que lhe fora apresen tada pelo
pequeno, deu gracas a Deus e distribuiu-a pelos que
estavam sentados, pnmeiro os paes, depots os pel-xes.
Todos comeram e algumas migalhas ainda cai-ram no chao. Entao, observou Jesus: "Recolhei
os pedacos que sobejaram para que nada se perca",
equal nao foi a surpresa do menino ao ver que
sua merenda, nas maos de Jesus, se multiplicaratanto que todos haviam comido e ainda encheram12 cestinnos, como 0 seu, de pedacos de pao de
cevada!
Aquele dia foi dia feliz para todo 0 povo, mas,
especialmente, para este menino que sao so gozara
com as hlstortas de Jesus e vira 0 rnilagre da mul-tiplica~ao dos paes, como se alegrara em ter toma-
do parte no grande milagre, oferecendo a Jesus asua merenda,
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DAVI
Nas encostas das lindas montanhas da Judeia,
na pitoresca aldeia de Belem, vivia uma familia
feliz. 0 velho patriarca Jesse, chefe da casa, era
descendente da nobre raga judaica, a raga que,
atraves de mil peripecias e privacoes, vinha man-
tendo no meio das nacoes pagas, a fe no Deus ver-
dadeiro, 0 unico Deus, criador de todas as cousas
e de todos os homens.
Sua esposa, ainda que humilde, era santa mu-lher; fiel a seu Deus, conhecedora das Escriturase honesta em sua missao de mae. Procurava, pelo
ensino e pelo exemplo, incutir nos seus filhos as
principios de sua religiao, como se achavam escri-
tos na Lei enos Profetas.
Oito filhos var6es faziam a alegria da casa. Urn
dentre eles, 0 mais moco, era diferente deseus ir-
maos, tanto no fisico como no espirito. Era moco
lauro,0
unico deste tipo na familia, de olhos azuis,porte esbelto e semblante formoso. Seu tempera-
mento artisttco 0 levou a cultivar a musica e apoesia. Nas noltes enluaradas, sua alma se evo-
118 A Arte de Contar Hist6rias Davi 119
lava em cantieos suaves ao 80m da harpa e sua Era conhecido como 0 poeta pastor. Todos os
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lira enchia 0 espaco de harmonias encantadoras
com que ele, em expressoes de louvor adorava aDeus.
seus companheiros 0 admiravam pelos seus dotesespirituais e 0 respeitavam pelos seus feitos he-
r6icos. Nao havia festa literaria e artistica para a
qual nao fasse convidado, com instancia; e nao
havia torneio atletico no qual nao entrasse para
sair vencedor.
Davi era 0 seu nome. A despeito do seu tern-
peramento artistico e pendor para a musica e apoesia, ele nao negligenciava os exercicios fisicos
para 0 desenvolvimento de seu corpo. Exercitava--se, especialmente, em tiro ao alvo com funda pois, "na defesa de suas ovelhas, era a unica arma deque podia Iancar mao.
certa vez, um Ieao atacou 0 seu rebanho e rou-bou-lhe uma ovelha. Valendo-se de sua atiradei-
ra, Davi 0 prostrou por terra e correu a tomar-Ine
a presa. Qual nfio foi 0 seu espanto, porem, quan-do, ao aproximar-sa da fera, notou que ela estava
apenas ferida, e, que, recobrando as for~as, Inves-tia contra ele, ameacadora, Mas ele nao se inti-
midou, e, enfrentando 0 lea~, 0 subjugou com a for-~a de seus musculos,
Sucedeu que, nos dias em que a fama de Davi
se espalhava por toda a terra de Juda, 0 rei ficou
muito atribulado e perturbado com os muitos e
graves problemas do seu governo. Seu estado ner-
voso era tal que ja niio comia nem dormia. Pare-
cia que ia ficar louco, tais as manlfestacoes de co-
lera que ele tinha para com seus servos e sua fa-
milia.
Outra vez, 0 mesmo epis6dio se repetiu, naocom urn leao, mas com urn urso. Ainda outra vezDavi saiu vitorioso.
Os medicos aconselharam-no a que procurasse
dlstratr-se e descansar ao som de musicas suaves
que the acalmassem os nervos.
Foi logo Iembrado 0nome de Davi. Imediata-
mente um mensageiro partiu com uma carta do
rei Saul dirigida a Jesse, na qual ele pedia a pre-
senca de Davi em seu palacio para tomar lugar
entre os seus auxiliares de gabinete e alegra-lo
com sua musica tao afamada.
Davi quase nao podia crer na veracidade de
tal noticia. Imaginem, ele, 0 pobre pastor de Be-
lem, ser chamado por seu rei, para fazer parte de
~stes ataques constantes das feras apuraramsua pericia de atirador, e sua fama correu entre amocidade de sua terra.
120 A Arte de Contar Histories Davi 12 1
seu gabinete! Foi quase fora de si de contente, xar sua familia e 0 conrorto de seu Iar para co-
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que ele arranjou a sua roupa, juntou as suas must-
cas e as suas poesias e preparou sua harpa fazen-
do reluzir os metais areados com capricho. Cedo
de manha, partiu, conduzindo seu precioso fardo
- sua harpa, suas musicas e suas poesias e tam-
bern urn jumento carregado de presentes que seu
pai enviava ao rei.
Chegando ao palaclo, ele logo transformou 0
ambiente de tristezas e apreensoes em ambiente
alegre e festivo. Sempre esta va de born humor e
comunicava a todos 0 seu born humor. Foi urn
santo remedio para 0 rei. 1:ste sentia-se bern sem-
pre que Davi tocava, e seu estado nervoso melho-
rava sensivelmente.
A noitinha, era de ver a alegrla que reinava no
palacio, quando, apos os labores diaries, 0 rei reu-
nia a sua familia no salao do paco e chamava Da-
vi para delicta-los com sua musica encantadora,
Em pouco tempo tinha Davi conquistado as
boas gracas do rei e mais do que isto, tinha con-
quistado tambem 0 coracao de Mical, a linda filha
do rei, e a amizade fraternal de Jonatas, 0 principe
herdeiro do trono de Israel.
Nem sempre, porem, a vida e feliz.
Os filisteus, inimigos dos [udeus, se congrega-ram para oferecer-lhes guerra. Saul teve de dei-
mandar 0 exerclto israelita contra os filisteus. Dis-pensou, portanto, os services de Davi, visto que ele
nao tinha idade de entrar .para 0 exerecito.
Voltou Davi para a casa de seu pai em Belem,
e Saul, a . frente de seus soldados, mar chou paraencontrar os filisteus.
Tres dos filhos mais velhos de Jesse foram
chamados a guerra, incorporando-se ao exercito deSaul.
Ja fazia muitos dias que os dois exercitos se
encontravam em posic;ao de combate, frente a
frente, 0 exercito de Saul em urn monte e os filis-
teus em outro, mas ainda nfio tinha havldo ne-
nhum ataque.
Urn dia saiu do arraial dos filisteus urn gigan-
te de quatro metros e dezoito centimetros de altu-
ra, com urn capacete de bronze na cabeca, coberto
com armadura de guerreiro, trazendo urn escudo
ao ombro, e Ianca e espada na mao. Dirigiu-se
para 0 acampamento dos israelitas e Iancou-lhes
este desafio: "Nao precisais sacrificar os vossossoldados. Eu sou apenas urn dos soldados dos fi-
listeus; escolhei dentre vas 0 valente que quer lu-tar comigo. Se ele veneer, seremos todos vossos
servos, e, se eu 0 veneer, entao sereis nossos ser-vos."
122A Arte de Contar Hist6rias
Davi 12 3
~~o do leao e do urso, ele me livrara da mao deste
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Saul ouviu 0 desafio do gigante e anunciou-o
aos seus soldados. Esta proposta caiu como umabomba no acampamento israeIita. Os soldados fi-
caram atemorizados e nenhum se orereceu paralutar com 0 gigante. Nao havia, pois, muita espe-
ranca para Israel; seus soldados estavam, moral-mente, vencidos.
Chegou naquele dia ao acampamento 0 mo«;oDavi, que a mandado de seu pai, viera trazer algu-rna causa a seus trmaos e saber suas notictas, Sou-
be logo que estavam de prontidao para marchar
contra os filisteus. Davi apressou-se para talar
aos seus irmaos antes que partissem. Chegando afalar com eles, soube que 0 gigan'te os desafiara,
mas nao s6 desafiara; tambem os insultara, dizen-do "que 0 seu Deus.nao as poderia livrar das maosdos filisteus." Era demais para 0 espirito altivo
e forte e a alma crente de Davi.
correu ele a Saul e the disse: "Aqui estou pa-
ra responder ao desafio do gigante Golias. Naosofram os filhos de Israel tal msutto. Eu irei e
pelejarei contra ele."
Saul entao the disse: "Tu es multo m6~0,
meu filho, e €lste homem e traquejado na arte daguerra desde a sua moeidade."
Mas Davi contou-lhe de sua proeza com 0 leao
e a ursa, e acrescentou: "0 sennor me livrou da
rllisteu. "
. Vendo Saul que nao era possivel demover Da-VI de seu prop6sito, mandou que the trouxessemuma armadura de bronze, espada e capacete.
Davi vestiu aquela armadura e experimentouandar de urn lado para outre, mas nao podia an-
d~r porq~e nao estava aeostumado com aquila.DI~se en tao ao rei: "Nao posso andar com istopois nunea 0experimentei." Tirou, pais, toda ~
a:madura e tomando seu cajado de pastor, seu sur-
rao e sua funda foi ao encontro do gigante.
~ Quando €lstea avistou, zombou d€:lepor ser taomo?o e se apresentar para combate-Io sem armas
e disse: "So -'. u par acaso algum cao para vires amim com urn pau?"
Respandeu Davi: "Tu yens a mim com espa-
d.a e com lanca e com escudo; porem eu venho a
ti em nome do Senhor dos Exercitos do Deus deIsrael, a quem tu afrontaste." ,
~ Tir~u, entao: de seu s.urrao urn dos seixos queele_ha VIa recolhido no nbeiro ao passar e comIT_Iaoerteira e firme, mandou-o direito a te~ta do
g!.gante. A pedra, penetrando-lhe no crania, re-rru-o de morte. Estava ganha a batalha estava
salvo 0 exercito israelita e desafrontado 0 nome de
Deus a quem Davi servia desde a infancia.
124 A Arte de Contar Histories
Depois deste feito guerreiro, 0 nome de Davi
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correu de boca em boca, por todo 0 reino, e 0 povoo louvava pelas ruas e the dedicava canticos de vi-
tOria.
Conseguiu ele realizar 0 seu sonho de amor I
casando-se com Mical, e gozou para sempre da ami-zade fraternal de Jonatas, 0 principe herdeiro do
trono de Israel.
Apesar das perseguicoes que, mais tarde, lhe
moveu 0 rei Saul, ele veio a ser seu substituto no
trono e foi sem duvida, 0 maior rei que teve 0
povo israelita.
Seu livro de poesias - Os Salmos - foi co-
locado entre os livros sagrados e e ate hoje livrode tnspiracao para todos os que creem no Deus emquem Davi cria e em quem ele confiava em todas
as circunstancias da vida.
o AMOR VENCE
Desde muito pequenina, Celia aprendeu a tra-
balhar para viver. Aos cinco anos perdeu seu pal
e ficou s6 com sua mae viuva para enfrentarem
juntas uma vida de necessidades.
A mae, nao tendo bens, passou a morar com
a familia de seu pai que era fazendeiro e tinha
muitos filhos e filhas.
Logo de chegada, a mae viuva ficou encar-
regada da direcao da casa e todo seu tempo era
gasto no labutar diario , Celia ajudava-a com 0
que podia nos afazeres domesticos.
Cinco anos elas assim viveram. Mas, a meni-
na ia crescendo e sua mae se inquieta va por
nao poder prover sua educacao, nem, ao menos,dar-lhe conrorto material.
Foi entao que uma tia de Celia, que moravanuma cidade vizinha, mandou convida-la para a
sua companhia e prometeu ensinar-lhe as pri-
meiras letras. Celia tinha entao 10 anos. Ja era
eximla cozinheira, sabia lavar roupa e cuidar da
126 A Arte de Contar Hist6rias o Amor Vence 127
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casa como uma senhora 0 poderia fazer, mas nao
sabia ler nem escrever.
Sua tia foi muito boa para ela, ensinou-lhe
a costurar e a fazer outros trabalhos de agulha
e mandou-a para a escola, onde ela aprendeu emtres anos todo 0 curso primario de seu tempo.
Por este tempo, houve uma festa na fazen-
da. Casava-se a filha mais moca do fazendeiro
com 0 filho de um vizinho.
Para 0 casamento da moca, foram convidados
os parentes vizinhos e Celia veio da cidade tam-
bem .
Entre os convidados achava-se a Sr. Severo,
um fazendeiro que, fazia urn ana, perdera sua es-posa e tinha urn filho de 18 anos. :8:1emuito sim-
patizou com a viuva, mae de Celia e, sabendo desua condleao de vida; resolveu propor-Ihe casa-
mento.
A simpatia foi mutua e dai a poucos mesesoutro casamento se realizava na fazenda. Era ada
mae de Celia com 0 Sr. Severo.
Agora a vida era outra. Celia foi para a ca-
sa de sua mae e 0 padrasto the foi segundo pai.Tambem encontrou ela no filho dele urn irmao emais que urn lrrnao, encontrou aquele a quemela amou e com quem veio afinal a casar-se den-
tro de dois anos ,
:8:1~e~a m~o trabalhador e honrado e, parseu proprio estorco, tinha adquirido urn sitio quelhe dava pequena renda ,
Casado, nao quis viver na roca com sua [o-
vern esposa , Tinha ambicao de melhorar suas eon-di~6es soeiais; queria entrar para a vida comercial
que ele supunha ser mais lucrativa e mats suavepara sua esposa.
Para iniciar, resolveu abrir uma pequena casa
de neg6eio nao muito longs da fazenda, a beira da
estrada que conduzia a vila pr6xima distante tresqunometros, mais ou menos. '
~Era .~m c?me,~o humilde, mas auxiliado pela
esposa, ja afeita as lutas pela vida, esperava eleprosperar e, mais tarde, fundar grande casa.
De fato, a boa espesa 0 ajudava alegrementeem tude que podia. Nao tinha eriada. Ela mes-
~a tinha prazer em atender as obriga~6es domes-ttcas e se redobrava em esforeos para trazer a cast-
nha humilde sempre limpa e atrativa. Nas horasen: que ele prectsava de seu auxilio no balcao, peloacumulo de fregueses, ela alegremente vinha aju-da-le.
Isto se dava geralmente aos sabados, a tarde,quando os colones, deixando 0 trabanio e recebendoo salario da semana, vinham fazer 0 sortimentopara a semana seguinte.
128 A Arte de Contar Hisiorias o Amor Vence 129
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Ia-lhes a vida risonha e feliz quando se mudoupara a vila proxima urn casal a quem eles foram
apresentados numa reuniao social. Era casal matsou menos abastado, mas cuja vida social nao era
muito recomendavel, Homem de negocios, que
era, procurou aquele recem-chegado entrar em re-
la~oes comerciais com a pobre vendeiro da beira daestrada; e, comecando por franquear-lhe dinheiro,
foi pouco a pouco conquistando a sua amizade.
A jovem esposa nao viu com bons olhos tal
amizade e quis dissuadi-Io de alimenta-Ia, mas nao
o conseguiu, pois 0 homem se apresentava comoverdadeiro amigo.
Certo dia, ele a convidou para visitar 0 casalde amigos novos. Ela delicadamente recusou, di-
zendo que preferia nao entrar em relacoes com
aquela senhora sabre cujo carater pairava algumaduvida, ~le, porem, foi visitar 0 amigo.
L a chegando, encontrou outros homens da vi-
zlnhanca que tinham sido convidados para algu-
mas horas de divertimento numa mesa de j6go de
eartas. "Era apenas passa-tempo", diziam os ou-
tros. 0 m~o foi, tambem, para aroda e aprendeupela primeira vez, a manejar as cartas.
As visitas se repetiram, e, cada vez que 130se
reuniam haviam de passar 0 tempo jogando cartas.
Dentro em breve, comecaram a achar gracade marear as partidas ganhas com graos de mi-lho ou feijao, e, no fim de pouco tempo, era-lhes urn
prazer verificar quem contava maior mimero degraos .
Urn dia, uma ideia satanica veio a mente de
urn d~s companheiros: "Podiamos trocar os graos
de ~llho par ~oedas de dez centavos. Nao passa-ra ainda de brmcadeira!" __ dizia ele ,
. Era 0 principia de uma grande desgraca, Eassim que todo mal comecat ...
Ja agora 0 nosso her6i sentia certa atracao poraquela easa que 0 levava Ia quase todas as noites
deixando s6 a jovem esposa que fizera 0 proposito
de nso acompanha-Io.. Horas a ~io, ficava ela s6, naquela casinha a
berra do caminho, pensando no seu negro futuro
easo 0 m.arido nao fasse salvo do perigo para ~qual caminhava. Mas, que podia ela fazer?
Orava, pois, a Deus para que lhe desse pacien-cia e sabedoria para persuadi-Io do erro.
Ganhou a convlccao de que havia de vencs-iopelo amor.
Par isso cada vez mais se esmerava em cuida-dos e carinhos para com eIe. Nunea 0 recebeu de
mau humor, nem mesmo quando tinha de se levan-tar, altas horas da noite, para abrir-Ihe a porta.
130 A Arte de Contar HistOrias
o Amor Vence131
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Uma vez, era um sabado, a vendinha estava
chela de fregueses, colones de toda especie que tl-nham vindo fazer 0 sortimento costumado. Era j a .noitinha e amda hav.a muitos para serem atendi-
dos, quando entrou na loja urn menino com urn bi-
Ihete que dizia 0 seguinte: "Espero-te aqui, semdemora, pois ha um parceiro gabola, oferecendo
uma fortuna para quem 0 ganhar no j6go. Sel
que seras a nossa salvacao , Vem depressa."
:mleleu 0 bilhete e ficou desnorteado. Andava
de um lado para outro, sem saber 0 que estava fa-
zendo. Nao sabia 0 que resolver. Por um lado,
queria urn tame vaidoso, mostrar aquele do qualfalava 0 bilhete, que ele era perlto no j6go e nao
admitia desafios; por outro, pensava no negocio, acasa chela de tregueses, homens de toda catadura
e temia deixar a esposa so com eles e ter que la-mentar algum desrespeito a ela, ela que era tao
pura e melga e que tao bondosamente 0 auxiliava.
Por alguns momentos Ilcou indeciso; mas, sa-
tan a s 0 venceu.
Ela n~ deu a perceber °que se passava antescom a ~alor naturalidade, continuou a at~nder ~
freguesla, u rn a urn, ate que 0 ultimo foi servido.
Depois que todos tinham saido fechou as r~s da loja e dirigiu-se para 0 interi~r da casa ;~
tem» ° jantar, pois tendo ficado s6 nao tinha tidompo de faze-Io antes.
Seu cora~ao sangrava de dar enquanto ela pro-curava temperar 0 prate que ele mais apreciavapara jantarem juntos quando ele chegasse.
.@ - Ansiosa esperou 0 correr do tempo, pensando, 10 de volta a cada momento. Mas nada.
Tenninou 0 [antar .N-. ' arranjou a mesa e esperouao sentiu fome par . - .
flzera. ,lSSo nao tocou no jantar que
Chegou-se a ela e disse-lhe ao ouvido, para que
os fregueses nao percebessem: "Fica despachandoai 0 pessoal, eu YOU atender a urn chamado urgen-
te de F. ", e dentro de uma hora, estarei de volta."
Partiu, saindo pela porta dos fundos.
Era 'a .bate J uma hora da madrugada, quando ~le
u a porta. Eia imediatamente 0 recebeu comurn abra~ e lhe perguntou se js . havia jantado.
"Sim", respondeu ele secamente.
"Po~ eu estou te esperando para jantar" dis-se ela, Vamos comer u rn pouco ao meno •fazer-me companhia." , s para
Dirigiram-se para a mesa El t. . a rouse 0manJar que the havia preparado e sentaram-se. .
132 A Arte de Contar Hist6rias a Amor Vence 133
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Ela serviu os prates e comeeou a comer. Naotinha apatite, mas nao queria deixa-to perceberque estava magoada.
2le, de cabeca baixa, parecia mais um reu na
presenca do jUri do que 0 esposo feliz ao lado daesposa [ovem e amavel. Nao podia comer.
Ela tentou conversar com ele, dando-lhe um
relate dos negocios feitos, mas ele nao podia falar.
Afinal, depois de urn profundo silencio, soltan-
do urn suspiro de dor, ele the disse:
"Celia, eu estou envergonhado do meu ato dehoje. Eu n a o pensei que ficaria tanto tempo fora.
Sinto-me acusado pela minha propria eonsctencia,por te haver deixado so, aqui, com aqueles hom ensrudes e s6 voltar agora. Dize-me, para minha
tranqililidade: Nao fizeram eles alguma desor-
dem?"
tu me venceste. Eu te agradeco POl' me teres tra-tado asslm. Juro-te que nunca mais me sentarei
numa mesa de jogo. Perdoa-me 0 te haver feitasofrer ate noje. Eu quero fazer-te feliz."
Urn momenta de lagrimas, se seguiu: lagrimasde arrependimento dele e de alegria e gratidao de-Ia pela vltorta alcanc;ada.
A felicidade voltou ao lar de Celia.
Nunca ma~ ele voltou a casa de jogo. Conti-nuaram sua vida comercial e a casa prosperou.
Em poucos meses. ~le granjeou 0 suficiente para
com~r~r ~m ncgocio na vila a tres quildmetrosd~ dls~ncla. Dali mudou-se mais tarde para uma
vila maier e com 0 fruto de seu trabalho, Eliescria-ram e educaram seis filhos, quatro rnocas dolrn -. - e ~pazes que sao todos dedicados ao servlco de Deus
e da humanidade.
"Nao. Antes, ao contrario, alguns deles me
ajudaram com as cousas mais dificeis. Mantlve-ram-se em ordem ate 0 fim. Pades ficar tranqiii-10, nao houve nada."
"Celia, continuou ele, eu nao [ogarei mais, Naoe que eu perdesse a partida, ao contrarlo, eu ga-
nhet bastante, aqui tens 0 que eu trouxe de 1a (e,dizendo isto, tirou do bOlso uma tmportancia con-sideravel e coloeou sobre a mesa), mas, disse ele,
NOTA - Esta hist6ria foi contada, confidencialmente asua filha mais velha. na vespera de seu da-
samento, pelo pal, que the disse: "Filha, tu vats
consti:uir 0 teu lar, leva contigo 0 exemplo de
tua mae; fot pelo amor que ela me venceu."
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DRAMATIZAQAO PARA CLASSES DE
MENINOS DE 10 A 14 ANOS
A VIDA DE JOSE
LIQAO - "Da prisdo ao potier"
o TEXTO BfBLICO enoontra-se no livro de Gene-
sis, Cap. 41
LOCAL - Sala do trono
CARACTERES:
FaraD, Rei do Egito
Jose, rn6~o hebreuMagos - (em numero de cinco)
Cortesdos ou pajens
Copeira-Mor
Homens egipcios (pajens)
Eecravos
MATERIAL:
Trono de Fara6Cimbalos e Tamborins
Vestes para Jose
Colar de ouro
136 A Arte de Contar Historias A Vida de Jose 137
CARACTERIZAQAO: OS MAGOS - Nao e isso, Majestade, poderoso :Fa-
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FaraD - traje de rico valor, joias em abundan-
cia. 0 "Geographic Magazine" traz gravu-
ras que podem ajudar
Magos - Barbas e cabeleiras longas e brancas.
TUnicas compridas e faixas colorldas
Egipcios - Ttinicas de cores vivas e multas
j6ias
Escravos - Tunicas simples, marrom averme-
Ihado
Jose - Quando entra, esta com traje de es-
cravo. Depois recebe 0 manto que Farao
lhe da, que 0 cobre inteiramente
ra6! ...
1.° Mago - Estariamos prontos a ajudar-vos, sepudessemos ...
FARA6 - Sois um fracasso!2.° MAGO - Vosso sonho e tao estranho que nao
podemos encontrar sua interpreta.;ao.
F ARAO - Nao e essa a vossa missao, decifrar si-nais e maravilhas? No entanto, recusais di-zer-me 0 que significa 0 sonho que eu acabode revelar-vosl
1.0MAGO - 0 prazer seria nosso de poder dizer--vos 0 significado do sonho, 6 potentissimo Fa-rao, mas nao 0 entendemos de todo.
FARA6 -'- Quer dizer que vas atreveis a declarara vassa inutilidade? (aos escravos) - Tirai
eS'tes homens de diante de meus olhos. Ma-nietai-os e Iancai-os na prisao?
COPEIRO-MOR' - (Adiantando-se) Na prisao?(Fica pensativo).
MAGOS - (Curoando-se perante 0 Rei) - Tem
pied.ade, a rei! Tern piedade de nos! Perdoa--nos I
FARA6 - Fora com eles! Eu sou Farao; ordenei
e serei obedecido. (Os servos oe retiram)
DRAMATIZAQAO:
(Farao no trono. Pajens com olhares ansiosos
olhando 0 Rei. Escravos, cheios de medo, curva-
dos ou agachados humildemente. Os cinco Magos
de pe, perante 0 Rei)
FARAo - (Com indigruu;ao) - De que serve avossa sabedoria se nao podeis valer-me na ho-
ra da afli-;aa? Por tantos anos que vas mante-nho em minha corte, sustentando-vos comolordes e agora que preciso de vas recusais 50-
correr-rne?
138 A Arte de Contar Hist6rias A Vida de Jose 139
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COPEIRO-MOR - (Olha os que se retirem e de·
pOis dirige-se para 0 Rei, curva-se perante ele).
Ouve-me, 0 grande Farao; talvez eu possa indi-
car-te 0 homem que Interpretara 0 teu so-
nho.
FARAo - Fala !
COPEIRO-MOR - Uma vez quando Fara6 se exas-
perou com seus servos, mandou lancar na pri-
sao a mim e ao padeiro-mor. La, uma noite,
ele e eu tivemos sonhos estranhos. Havia ria
prtsao urn m~o hebreu, cujo nome era Jose,
a quem contamos nossos sonhos e (Heno-los
interpretou; e tal como ele disse, assim fatJ ! : possivel, potentissimo Farao, que ~le inter-
prete tambem 0 teu sonho.
FARA6 - (Mostrando ansiedade) - Se ele nao
puder desvendar-me 0 mlsterio deste sonho,
n a o set para quem apelar. Par que havia de
um prisloneiro nebreu ser capaz de interpretar
um sonho, que nem os magos do Egito podem
entender? Quem e ele?
COPEIRO - :tIe e hebreu, chamado Jose. Era
bomem de conttanca do carcerelro-mor, que 0
eolocou como guarda de todos os presos.
FARAO - :tIe deve ser homem muito direito. Tra-
zei-o depressa a minha presenca; estou angus-
tia?O por causa do meu sonho e careeo de al-guem que me possa tirar deste estado. (En-
tram os servos e 0 povo conduzindo JOSe)
JOst - (Encurvando-se) Salve, 0 Faraot Que
deseja de mim 0 Rei?
FARA6 - Sonhei urn sonho que ninguem pode in.
interpretar. 0 copeiro-mor me disse que tens
poderes sobrenaturals para entender as sonhose seu significado.
JOSE - Nao tenho poder algum de mim mesmo,
mas pode ser que Deus me revere qual a sen-tido do sonho do Rei.
FARA6 - Sonhei que estava na barranca de umrio e que dele subiam sete vacas gordas e It-
sas e pastavam no campo. Depois, sete vacas
magras e feias subiram tarnbem apes as ou-
tr~s e estas devoraram as vacas gordas. De-
POl~ sonnet de novo que sete espigas de milhocheias e bem granadas saiam de uma cana.
au tras sete espigas fin as e mirradas sairam
logo apos as primeiras e as primeiras desa-
par~ceram_ Contei este sonho aos magos e
sabiOS do paco e eles nao 0 entenderam. Po-des tu saber 0 que signifiea a meu sonhcj
JOSE - (Permanece um momento de cabega en-
curvada, em autua« de oraoio; e, depois, pau-
140 A Arte de Cantar H~t6riasA Vida de Jose 141
sadamente, tala). 0 sonho do Farao e urn so.em exeesso de todas as bandas, Leste e Oeste,
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As duas partes tern urn mesmo sentido. Deuso esta avlsando de que vai acontecer. As sete
vaeas gordas e as sete espigas granadas gaOse-
te anos de fartura. As sete vacas magras e
as sete espigas mirradas, sao sete anos de fo-
me que se seguirao. Neste tempo nao havera
eolheitas eo que estiver armazenadose esgota-ra e grande sera 0 sofrimento do povo, 0 ca-
so e de tamanha importancia que 0 sonho foi
duple, e isto se dara em breve.
POVO- (Ansioso) Que faremos? Onde encontra-
remos mantimentos?
CORTESAOS - Por que dar ouvidos a este estran-
geiro? Quem podera dizer antes de se passa-rem os sete anos, se ele esta com a verdadeou nao? Nao ha nenhum sinal de seca em par-
te alguma, atualmente!
POVO - Isto mesmo, urn sinaL Mostra-nos urn
sinal de que isto e verdade.
FARA6 - Silencio! Eu nao preciso sinal algum.Eu ereio. (Para Jose) - Dize-me, filho dos he-
breus, que farei para salvar 0 meu pavo?
JOSE - Eseolhe urn homem discreto e sabio e eo-
loca-o sobre os negocios do teu reino. Que
ele ajunte em celeiros todo 0. grao que houver
Norte e SuI, que sejam construidos celeirosgrandes, sufieientes para conter 0 trigo neces-sario para sete ano s de fome ...
FARA6 - 0 plano me parece born. Sera execu-
tado.
POVO - Havera fartura! N a o passaremos feme!
CORTESAOS - (Encurvando-se perante 0 Rei) -
E quem sera 0 escolhido para tao elevado car-go? Necessanamente sera urn homem da con-fianca do. Rei, pols, tera nas maos grandepoder!
FARAo - (Apontando para Jose) Onde encon-
trarei eu homem mais indicado do que este?
~le e homem no qual ha 0 espirito de Deus.
(A Jose) Como teu Deus te revelou 0. signifi-
cado do meu sonho, teras 0. encargo deste tra-balho, seras 0 Governador do .meu reino, e
meu povo te obedecera, somente no. trono se-
rei maior do que tu, na terra do Egito.
JOSE - (CurvandO-se com t6da a r eu er en cia ) -Grande honra concede Farao a seu servo.
FARA6 - Trazei vestldos de fino linho e vesti-o.(Saem os servos) .
POVO - (Batendo cimbalos e tamborins). VivaJose, 0. novo Governador do Egitol
142 A Arte de Contar Hist6riaa A Vida de Jos~ 143
FARA6 - (Tirando um de seus aneu) Recebe 6ste POVO - (Saindo) Viva Jose!
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anel, como sinal de autoridade. (Coloca-o no
dedo de Jose)FARA6 - Muito bern. Os deuses do Egito ...(pausa, sacode a cabeca e continua com convtcedo)
o Deus de Jose seja louvado! ... (Sai)
POVO - Viva Fara6! Viva Farao e Jose, seu ser-vo! (Saem todos).
(CAl 0 PANO)
POVO - Viva Jose, 0 nosso Governador!
(Entram os servos com os vestidos finDs)
FARA6 - Vesti-o de linho puro para que ele seja
Igual a Farao. (Os servos ooedeeem) A esteJose, eu proclamo Governador do Egito. Do-
brai os vossos [oelhos perante ele!
TODOS - (Curvando-se perante Jose) - Viva Jo-
se,o Governador desta terral
FARA6 - (Para Jose) Eu sou Farao, e a ti conce-do 0 poder sabre todo 0 grao do Egito. Esco-
lhe teus auxiliares e da as tuas ordens. 0 que
disseres sera feito para que 0 povo do Egito
nao pereca,
JOSE - (Curvando-se perante 0 Rei) 0 Deus de
meus pais te moveu a olhar tavoravelmente
para mim. Que ~le me de sabedorta e f6r~aspara servir-te com diligemcia.
FARA6 - 0 Deus que te revelou 0 significado do
meu sonho, sem dtivida te ajudara a servir-me
e ao meu povo. Toma posse de teu cargo.
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DRAMATIZAQAO PARA CLASSES DE
ADOLESCENTES
RUTE, A MOABITA
LIQAO - Uma amizade duradoura
TEXTO BtBLICO - (todo 0 livro de Rute)
CARACTERES:
Noemi - Mulher de Elimeleque e sogra de
Rute
Elimeleque - 0 chefe da familia
Maalom - Filho mais velho
Chiliom - Filho mais mocoarfa - A nora que voltou para os seusRute - A nora que acompanhou sua sogra
Boaz - Parente de Noemi, remidor de seu fi-
lho, esposo de Rute
MATERIAL:
l.a cena - Casa de Elimeleque em Belem,Vestes de pastores inclusive cajado para
Elimeleque e os dois mhos. Cesto de cos-
turas de Noemi
146 A Arte de Contar Historias Rute, a Moobita 147
2.a Cena - Na estrada. Noemi, Rute e 6rfa
com trajes tipieos de viiivasNOEMI.- 0 Senhor vas abencoe, meus fUhos! Por
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3.a Cena - Casa de Noemi, em Belem, outra
vez. Vestes de camponesa para Rute.Avental, cevada ou trigo, em palha e graos,
Cesto para receber 0 trigo. Sandalia tipooriental. Rieas roupas para Boaz.
Primeira Cena
cousa?
MAALOM- Mae, bem qulserarnos poupar-te a rna-
goa de saber a realidade, mas ja nao mais po-
deremos ocultar-te 0 que se passa. Nossos re-banhos estao sendo dizimados pela fome!
CHILIOM (Intervindo) - :8 : verdade mae, ainda
hoje encontramos dez cordeiros mortos e gran-de mimero de ovelhas esta prestes a morrer.
NOEMI - Seja tudo pelo amor de Deus! Nao de-sanimemos, meus fllhos, "0 Senhor provera",
Nao vos recordais da palavra do Senhor nocantico do salmista, que diz: "Deus e nosso
refugio e fortaleza, socorro bem presente naangustia. Peloque nao temeremos ainda quea Terra se mude, e ainda que os montes setransportem para 0meio dos mares. Ainda queas aguas rujam e se perturbem, ainda que osmontes se abalem pela sua braveza. 0 Senhoresta conosco, 0 Deus de Jaco eo nosso refugio".
(Pausa)
Mas, mhos, que e feito de vosso pai? P or
que niio veio ele c onvosc o para c asa?
MAALOM - Nil<>te aflijas, mae, ele foi a aldela
pr6xima tomar algumas provtdenclas. Nao
deve tardar. (Pausa)
DRAMATIZAQAO;
DIRIGENTE (Par detrds das bostidores) Ie:A tiramatizactio que vamos apresentar e ba-
seada no velho livr~ de Rute, que conta a his-toria de uma amizade verdadeira criada entre
uma mO~a estrangeira e sua sogra. 0 livro
se encontra no Antigo Testamento e a hist6ria
se passa na epoca em que aquele povo era di-
rigido pOT [uizes, mais de mil anos antes de
Cristo. Era uma familia que morava nos cam-
pos de Belem. de Judd.
NOEMI - (Senituia, costurando) - Como tardam
meu esposo e meus filhos. Algo de anormaldeve ter aconteeido.
(Entram MaalOm e Chiliom)
Boa nolte, mae. 0 Senhor seja contigo!
148 A Arte de Contar HistoriasRute, a Moabita 149
CHILIOM - (Olhando para a porta) - Pareee queouco passos. Ha de ser 0 senhor nosso pal.
terra estranha, em busea de alimento? Nao e
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ELIMELEQUE - (Entrando, cansado ) Paz seja
convoseo!(Benta-se e fica pensativo )
NOEMI - (Soliciia) Estas cansado, meu Benhol'.
Em que te posso servir?
ELIMELEQUE - Mas noticias tenho a vas dar, mi-
nha mulher e meus filhos. Percorri os amigos
e vizinhos, em busea de auxilio, para salvarnosso rebanho, mas nao ha quem empreste.
Todos se queixam do mesmo mal. Grande se-
ea assola 0 nosso pais e nao ha esperanca de
eolheitas. 0 que havia nos celeiros ja foi eon-sumido e a pastagem secou, Nao sei rnais 0
que fazer!
NOEMI - Tern born animo, meu fiel eornpanheiro.
Mais poderoso e Deus que todas as fon;as da
natureza. Dele vern a nossa salvacao. Lou-
vado seja 0 Benhor!
ELIMELEQUE - Tu tens sido uma Inspiracao na
mlnha vida, Noemi. A tua f e mais de uma vez
me tern dado for~as para lutar e veneer. Mas,porven tura, nao sabes que agora so nos restaalbardar os jumentos, juntar 0 pouco que te-
mos e sair de nossa terra, para peregrinar em
esta prova dura demais para ti? Como a su-
portarias?
NOEMI - Meu Senhor, 0nosso Deus, 0 criador do
Ceu'e da Terra, nao est a limitado as fronteirasde Juda, Se ele nos ordena sair da nossa ter-
ra, el l ereio que ele ira na frente, preparandoo caminho por onde havemos de passar, Be
viio conoseo os nossos filhos, nossa alegria e
corea, que mais nos falta?
(Dirigindo-se aos tiuio«)
Ireis, filhos, peregrinar eonosco, ate que ache-
mos descanso?
MAALOME CHILIOM - Sim, mae, se e a vontadedo Senhor!
ELIMELEQUE - (Levantando-se) Bern, por hoje
descansemos. Amanha, antes do romper da
aurora, estaremos de pe para fazer os prepa-
rativos, ajuntar 0 que e nosso e partir. Deci-
di que rumaremos para 0pais de Moabe; ouvi
dizer que ha fartura Ia, nao s6 de trlgo, mas
tambem de rieas pastagens. Pode ser que, ao
menos salvemos urn poueo do nosso rebanho.
Assim, 0 Benhor nos abenc;oe!
150 A Arte de contar Histdrias Rute, a Moobita 151
Segunda Cena te condic;ao de mulheres vnivas, na terra de
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DIRIGENTE: (Oculto) Le:
E 0 Senhor o s ao en coou . EstabeZeceram-se noscampos de Moabe, at viveram muitos anos feU-
zes. Um dia morreu 0 ctiefe da familia e fi-co u Noemi viuva com os dois filhos. £stes re -soloeram, entao, constituir suas proprias fa-
Eo Senhor os aoencoou. EstabeZeceram-se nos
milias. Casaram-se ambos. Assim a ca.sa de
Noemi, que perdera 0maritlo, toi alegrada com
a presenea de suas duas noras . Uma se chama-va orta, a outra Rute.
Dez anos se passaram e morreram tambem. osdois mocos .
(LOCAL - D ez a mos depois. Na estrada, ainda na
terra de Moabe, a camintio de Belem).
NOEMI - Minhas filhas. ouvl dizer que na terra
de Juda, ha, de novo, fartura. A vida nos epor demaispenosa aqui nesta terra, desde que
perdemos nossos maridos. Fo! por isto que re-
solvi voltar para minha terra e para 0 melo
dos meus parentes.
6RFA - Sem duvida, tu tens raaao, querida mae.
A mudanca de ambiente ha de fazr-te bem.
N6s iremos contigo para que te seja menos pe-
nosa a jornada e contigo enfrentaremos a tris-
Juda,
RUTE - Sim, contigo lremos para amparar a tua
velhiee com 0 nosso carinho de filhas e, assim
retribuir0
teu grande amor para conosco, pornos termos unido a teus filhos.
NOEMI - Nao, minhas filhas, voltai antes, cada
uma de v6s, para a easa de vossos pais. Que
o Senhor use convosco da mesma benencen-
cia que usastes com VOESOS raiectdos maridos,
meus saudosos tUhos.
6RFA - Nossa querida mae, nao te preoeupes eo-nosco; antes lembra-te de ti mesma e do bern
que te poderemos fazer se te acompanharmos.Somos jovens ...
NOEMI - Exatamente por isto, minhas fUhas, eque vos aconselho a fiear, pois, sendo [ovens,
cheias de esperancas, por que haveis de sacrt-Iicar-vos par uma pobre velha, a quem talvezrestem apenas poucos anos de vida.
RUTE - Oertamente, voltaremos contlgo para 0
teu povo,
NOEMI - Filhas, ja pensastes que, no men pais,tudo sera estranho para v6s; a povo, as costu-
mes, a religiao, e, alem disso. nao tenho matsfilhos para que pudesseis tomar por maridos.
Nao, filhas, muito mais amargo e a mim, do
152 A Arte de Contar Hist6rias Rute, a Moobita 159
que a vos, pais a mao do Senhor se descarre- Deus, que e 0 teu Deus, 0 Deus que eriou 0
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gou sabre mim. Fieai, pais. Ainda eneontra-
reis maridos entre os filhos desta terra, que ea vossa terra e aqui podereis, ainda, ser muitofelizes. Que Deus vos coneeda esta graea, que
bern a mereeeis.
oRFA E RUTE - (Choram),
oRFA - Ja que insistes, minha mae, seguirei 0 teuconselho; voltarei para os meus; mas ere que
nao te esquecerei, e fiearei rogando ao teu
Deus que te aeompanhe e abeneoe no meiodos 'teus.
(Abrac;a e beija. Noemi, e volta).
NOEMI - (Abrac;ada com Rute). Ve, filha, ja vol-
tou a tua eunhada para 0 seu povo e para os
seus deuses. Volta, pois, tambem tu, como fe ztua cunhada.
RUTE - (Decidida) - Nao me instes para que tedeixe, e me afaste de ti; porque aonde quer quetu fores irei eu, e onde quer que pousares a
noite, ali pousarei eu; 0 teu povo sera 0 meu
povo e 0 teu Deus, a meu Deus. Onde quer
que morreres morrerei eu e serei sepultada. 0
Senhor me raca sofrer em dobro, se outra cau-sa, que nao seja a morte, me separar de tl.
NOEMI - Eu te agradeeo, fllha, a tua dedica~aocomo oferta que fazes de ti mesma ao meu
mundo e tudo 0 que nele M. e quer que t6dasas criaturas a reeonhecam como PaL Podesestar certa, que jamais te arrependeras de se-
guir este Deus.
Quanro a mim, podiam chamar-me Mara -porque s6 amarguras me tocam, Ditosa sai de
minha terra, porque tinha marido e filhos que-
ridos; para eIa voltarei pobre,
RUTE - Nao voltaras de todo s6, mae , pais eu irei
eontigo.
NOEMI _ (Comovida) - Louvado seja Deus, que
nao nos da sofrimentos alem de nossas far~as
e sempre poe em nosso caminho urn anjo debondade que suaviza a nossa dar. Louvado
seja Deus! Bendlto sejal
Terceira Cena
DIRIGENTE - (Por detrds dos bastidores) - Le:Chegadas a Belem. de Judd, esiabeleceram-se
as duas viuvas em casa humilde e iniciaram a
sua vida de dependencia. Era da lei que os
pnrenies mais pr6ximos de uma viuva sem ji-tnos, deviam toma-to por esposa e assim resga-
tar a propriedade deixada pelo morto e perpe-
tuar-lhe 0 nome.
154 A Arte de Contar Hist6rias Rute, a Moabita. 155
Rute sai certa manhii a respigar nos cam- quem ~le foi procurar para saber de sua dispo-
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pos de trigo de um rico [aeetuieiro, que aconte-cia s er p a re nt e de Noemi. 2ste, indo oisitar 0
campo, ve a m6~a esiranha e indaga do teiior
quem era ela. Sabendo que era Rute, nora de
Noemi, manda que a [auorecam. na colheita ese dirige a ela para. se dar a conhecer.
Do encontro que tiueram, resulta grande in-
teresse de Boaz (que a ssim . se chamava eZe)
para com Ruie, a moabita.
Mas a lei dava ao parente mais proximo a
priori dade na escolha, e havia outro homem
que tinha esse direito. Boaz vai procurti-lo eeete, sendo pobre, tuio des,eja-assumir a res-
ponsab~lidade de resgatar a proprieda.de daviuva.
P assa, p ois, a seu direito a Boae.
(LOCAL: - Em Belem, em casa de Noemi e Ruie),
NOEMI (Recebendo Rute com 0avental cheio de ce-vada) Que tal te foste, minha filha?
RUTE - (Excitada, despeja a cevada num saeo
que Noetni lhe traz) - Querida mae, parece
que Deus me vai abeneoar, Encontrei Boazcom a melhor dlsposi~ao de nos ajudar, En-
tretanto, 0 caso nao e ainda Iiqutdo e certo,
porque hA outro remldor mats chegado, a
steao, conforme a lei.
NOEMI - (Sarrindo) Podes estar confiante, filhamlnha, pols bern conheco Boaz, e sei que elenao descansara, enquanto nao resolver, favo-
ravelmente, 0 negocio. 0 outro parente e po-bre, nao podera arcar com a responsabilidadefinanceira da familia. Vejo em tudo Isto, a
Mnc;ao de Deus para td,mlnha filhal
(Sentam-se em silencia)
(Batem Iiporta)
NOEMI - (Levanta-se para atender - entreBoaz) - Bendito sejas do Senhorl Benvindo
sejas a esta casa, que tanto espera de til
BOAZ - Paz seja convoscot Mais bem-aventura-do sou eu em redimir-te, pois assim fazendo,terei tambem por esposa a encantadora crla-
tura que e Rute, tua nora.
RUTE - (Interrompendo) - Sera verdade, meu
senhor, que tudo te correu tao bern, que js .
pedes falar assim?
BOAZ - Sim, minha dace amada: ja agora possoehamar-te minha, pols 0 parente mais chegadode Noemi acaba de declarar, perante os [ui-zes, que transfere a mim qualquer direito de
156 A Arte de Contar Histories
por lei the assiste, e, em sinal de sua desisten-
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cia deu-me ele a sua sandalla, por documento.
Aqui a tens. (Entrega a Rute as sanddlias).
RUTE - Como sou feliz ...
BOAZ - (Diriqituio-se a Noemi) Em virtude do ne-g6cio feito e porque ja conhecia 0 cora gao de
Rute, no mesmo ato, a porta da cidade, pe-
rante 00 ancifios e 0 povo, anunciei que tomo
Rute por minha esposa, a fim de remir a pro-
priedade de seus parentes e para que 0 Senhornos abencoe com filhos, que sejam dignos de
seus antepassados,
Assim, pols, de hoje em dian te , sou 0 chete
desta casa, Rute minha esposa amada, e tu,NQemi, continuaras sendo a nossa mae, e os
nossos filhos levaras ao colo como se fossemteus verdadeiros netos,
(Os tree abraeado« recitam)
"Bem-aventurado aquele que teme ao Se-
nhor e anda nos seus caminhos. 0 Senhor te
abencoara desde Sia~ e tu veras os bens de
Jerusalem todos os dias da tua vida. E veras
os filhos de teus fllhos e a paz sobre Israel.Amem''.
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story Telling - World Book Company" - 1918
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12. Folhetos, artigos, comentarios da E. D., notas de
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Press - New York - Cincinatti - Chicago.