vandalismo na escola

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    CURSO DE MESTRADO

    Mara Longhinotti Felippe

    CONTRIBUIES DO AMBIENTE FSICO E PSICOSSOCIALDA ESCOLA PARA O CUIDADO COM A EDIFICAO

    Dissertao submetida ao Programa dePs-Graduao em Psicologia da Uni-versidade Federal de Santa Catarinapara a obteno do Grau de Mestre emPsicologia.Orientadora: Professora Dr. ArianeKuhnen

    Florianpolis

    2010

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    Catalogao na fonte pela biblioteca daUniversidade Federal de Santa Catarina

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    A Oneide, Nandi e Sidnei, meus amores.

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    AGRADECIMENTOS

    Algumas realizaes s so possveis porque um grupo de pesso-as se empenha em traz-las ao mundo, fazendo das aspiraes de outroas suas prprias aspiraes. Eu sou grata queles que trouxeram aomundo este trabalho:

    Meus pais e meu marido, pelo amor e apoio incondicionais.Professora Ariane Kuhnen, pela confiana sem restries, por ter

    me apresentado a Psicologia Ambiental e concedido a oportunidade derealizar uma etapa profissional por muito tempo almejada.

    Luana dos Santos Raymundo e Allyne Fernandes Oliveira Barros,

    no apenas pelo auxlio inestimvel na tabulao e transcrio dos dadosda pesquisa, mas pela amizade, e por terem sido incansveis todos osmomentos em que lhes pedi ajuda.

    Membros e amigos da equipe do Laboratrio de Psicologia Am-biental Jferson Passig, Ivone Georg e Daniela Xavier Morais e ascolegas de curso Tas Evangelho Zavareze e Ana Maria Justo, pela gratacolaborao em diversos momentos do trabalho.

    Meus professores do Curso de Mestrado em Psicologia, porquereconheo uma parte de cada um deles nas pginas aqui escritas.

    Equipe da Coordenadoria do Programa de Ps-Graduao emPsicologia, Professora Ktia Maheirie, Professora Maria Aparecida Cre-paldi, Helena Del Fiaco e Lia Caetano Lima Leal, pelo suporte impe-cvel realizao do curso.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES, pelo apoio financeiro.

    Professora Gilda Mara Marcondes Penha, Professor VendelinSanto Borguezon e Professora Helosa Helena Reis Cardenuto, que a-

    poiaram e prontamente autorizaram a realizao da pesquisa.Agradeo tambm aos estudantes participantes do estudo, que ca-rinhosamente responderam ao questionrio, e aos profissionais da insti-tuio escolar, que no mediram esforos em me auxiliar no que fossepreciso.

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    FELIPPE, Mara Longhinotti. Contribuies do ambiente fsico e psi-cossocial da escola para o cuidado com a edificao. Florianpolis,2010. 121 f. Dissertao (Mestrado em Psicologia) Programa de Ps-

    Graduao em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina.Orientadora: Ariane KuhnenDefesa: 02/12/2010

    RESUMO

    Inserido no contexto da violncia escolar, o vandalismo rene um con-

    junto de atos de agresso contra o patrimnio construdo que acarretaprejuzos de ordem financeira, scio-cultural e educacional. Desse mo-do, este estudo objetivou identificar caractersticas fsicas e psicossoci-ais do ambiente da escola que se relacionam prtica do cuidado com aedificao. Adotou delineamento de mtodos mistos, empregou estrat-gia de investigao qualitativa-quantitativa e assumiu perfil descritivo.A pesquisa ocorreu em uma escola da rede pblica em Florianpolis,Santa Catarina, ao longo de duas etapas: (a) levantamento do estado deconservao e das caractersticas de projeto das instalaes; (b) adminis-

    trao de questionrio auto-aplicvel em situao coletiva. Quinhentos eoito estudantes da stima srie do Ensino Fundamental terceira sriedo Ensino Mdio responderam ao questionrio. O tratamento de dadosenvolveu anlise estatstica descritiva e relacional, com auxlio do pro-grama Statistical Package for Social Sciences, e anlise de contedo te-mtico-categorial. Alm de um conjunto de cognies positivamente va-lorizadas por estudantes acerca de espaos escolares, foram considera-dos atributos relacionados ao cuidado com a edificao: as condies

    espaciais para a vigilncia; a possibilidade de construo de uma identi-dade de lugar; o tempo de contato com o mesmo ambiente; o estado deconservao das instalaes; a definio de propriedade do espao; ostipos de materiais de revestimentos; alm de caractersticas associadas pessoa e ao ambiente social, como sexo, motivao intrnseca e senti-mentos de raiva ou insatisfao. Seus resultados confirmaram as hipte-ses de que tanto o cuidado ambiental, como a experincia de apego aolugar ocorrem em contextos de caractersticas especficas, e que o apegoao lugar um preditor de cuidado com o ambiente.

    Palavras-chave: Cuidado ambiental; Vandalismo escolar; Apego ao lu-gar.

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    Contributions of physical and psychosocial environment of school tocare for the building

    ABSTRACT

    In the school violence context, vandalism means a set of aggression actsagainst the built heritage which entails educational, financial and cul-tural damages. In this way, this work has aimed the identification ofphysical and psychosocial features of the school environment which arerelated with the care of the built environment. The research used mixed

    methods, qualitative and quantitative research strategy, assuming the de-scriptive profile. It was carried out in a public school of Florianpolis,Santa Catarina, in two steps: (a) evaluation of the conservation state andof the design features of the installations; (b) administration of self-applied survey in collective situation. Five hundred and eight studentssince the seventh grade of the elementary school until the last year of thehigh school have answered the survey questions. The data were ana-lyzed by relational and descriptive statistics, with the use of the Statisti-cal Package for Social Sciences software, and also by the analysis of

    thematic-categorical content. Besides a set of cognitions positively val-ued by students about the school spaces, Were considered as attributesrelated to the care of the building: the spatial conditions for the surveil-lance; the possibility of a place identity development; the contact timewith the same environment; the conservation state of the building; thedefinition of space property; the kind of coating material; well as char-acteristics associated to the individual and the social environment, suchas gender, intrinsic motivation and angry or insatisfaction feelings. The

    results confirmed the hypothesis that both the environmental care andthe experience of place attachment happen in contexts of specific fea-tures and, additionally, that place attachment is a predictor of the care tothe environment.

    Keywords: Environmental care; School vandalism; Place attachment.

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    SUMRIO

    1. INTRODUO ................................................................................. 12. OBJETIVOS ...................................................................................... 52.1. Objetivo Geral ............................................................................. 52.2. Objetivos Especficos .................................................................. 5

    3. REVISO DE LITERATURA......................................................... 73.1. Para Compreender a Relao Humana com o Ambiente............. 7

    3.1.1. Emergncia e Desenvolvimento Histrico da PsicologiaAmbiental............................................................................... 8

    3.1.2. As Dimenses Ambiente e Pessoa na Investigao

    Humano-Ambiental.............................................................. 103.2. O Vandalismo no Contexto da Violncia Escolar ..................... 143.2.1. Circunstncias e Eventos Relacionados ao Vandalismo

    Escolar.................................................................................. 153.2.2. Estratgias de Interveno.................................................. 21

    3.3. O Apego ao Lugar nos Estudos Pessoa-Ambiente..................... 273.3.1. Lugar, Identidade e Apego: Indicadores para o Cuidado

    Ambiental ......................................................................... 283.3.2. A Afetividade nos Estudos Pessoa-Ambiente .................... 31

    3.3.2.1. Da Complexidade do Objeto Estudado....................... 343.3.2.2. Da Multidisciplinaridade ............................................ 353.3.2.3. Das Perspectivas Tericas e os Paradigmas de

    Investigao ............................................................... 363.3.2.4. Da Abordagem Multimetodolgica ............................ 36

    3.4. Cuidado Ambiental.................................................................... 374. MTODO E RESULTADOS ......................................................... 43

    4.1. Delineamento da Pesquisa ......................................................... 43

    4.2. Contexto de Pesquisa................................................................. 434.3. Etapas da Investigao............................................................... 454.3.1. Etapa 1................................................................................ 53

    4.3.1.1. Instrumentos ............................................................... 534.3.1.2. Procedimentos ............................................................ 744.3.1.3. Anlise dos Dados ...................................................... 774.3.1.4. Resultados................................................................... 77

    4.3.2. Etapa 2................................................................................ 984.3.2.1. Participantes................................................................ 98

    4.3.2.2. Instrumento................................................................. 984.3.2.3. Procedimentos .......................................................... 1044.3.2.4. Anlise dos Dados .................................................... 108

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    4.3.2.5. Resultados ................................................................ 1095. DISCUSSO.................................................................................. 145

    5.1. Cuidado Ambiental e Apego ao Lugar: Eventos

    Localizados..........................................................................1455.2. Uma Caracterizao do Cuidado Ambiental e do Apego aoLugar no Contexto Escolar Estudado................................. 146

    5.3. Cuidado Ambiental e Apego ao Lugar: Evidncias deRelao............................................................................... 150

    5.4. Circunstncias e Eventos Relacionados ao CuidadoAmbiental........................................................................... 151

    6. CONSIDERAES FINAIS ....................................................... 1637. REFERNCIAS ............................................................................ 167

    8. LISTA DE FIGURAS ................................................................... 1839. LISTA DE TABELAS .................................................................. 18510. LISTA DE SMBOLOS ESTATSTICOS................................ 18911. APNDICES ............................................................................... 191

    11.1. Apndice A. Planilha de Observao de Vestgios Ambientaisda Ao Humana ................................................................... 191

    11.2. Apndice B. Escores da Avaliao do Estado de ConservaoAmbiental por Setor .............................................................. 192

    11.3. Apndice C. Coeficientes de Assimetria por Atributo Fsico

    Ambiental .............................................................................. 19411.4. Apndice D. Estatsticas Descritivas e Relacionais para Estados

    de Conservao Ambiental e Atributos Fsicos Ambientais noRelacionados ......................................................................... 197

    11.5. Apndice E. Questionrio Auto-aplicvel de Perguntas Abertase Fechadas (Modelo A) ......................................................... 201

    11.6. Apndice F. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido(TCLE) .................................................................................. 208

    11.7. Apndice G. Estatsticas Descritivas e Relacionais para Apegoao Lugar e Tempo de Estudo na Escola ................................ 21011.8. Apndice H. Frequncias de Citao dos Locais nos quais Mais

    e Menos se Gosta de Estar ou Ir ............................................ 21311.9. Apndice I. Elementos da Anlise de Contedo Temtico-

    Categorial para os Lugares em que Mais se Gosta de Estar ouIr........ .................................................................................... 215

    11.10. Apndice J. Elementos da Anlise de Contedo Temtico-Categorial para os Lugares em que Menos se Gosta de Estar ou

    Ir....... ..................................................................................... 223

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    1. INTRODUO

    Mesmo diante das dificuldades que se impem a um clculo pre-ciso do custo do vandalismo no pas, as notcias veiculadas nos meios decomunicao sugerem que, todos os anos, uma parcela significativa dosrecursos da administrao pblica seja utilizada para recuperar da de-predao edificaes e equipamentos urbanos. O vandalismo se insereno mbito dos comportamentos violentos, representando um conjunto deatos de agresso contra o patrimnio construdo, que levam destruioou desfigurao do ambiente fsico. Rene, entre outros, aes comoquebrar, sujar, queimar e marcar elementos da paisagem edificada.

    Em contextos escolares, alm do incontestvel custo monetrio, ovandalismo tambm acarreta prejuzos de ordem social e educacional aoincentivar mais depredao a partir da percepo de vulnerabilidade doambiente, gerar sentimento de insegurana e desordem, e exigir a inter-veno de profissionais em aes voltadas promoo do cuidado am-biental (Goldstein, 1996). O comportamento de depredao tambm responsvel por inviabilizar o uso de espaos ou de equipamentos e des-truir o bem edificado que patrimnio histrico-cultural de uma socie-dade.

    A diversidade de circunstncias e eventos correlatos ao compor-tamento em questo colabora para a concepo de vandalismo como e-vento resultante de relao estabelecida entre pessoas e seus ambientes.Por isso, o fenmeno da depredao constitui-se objeto de estudo daPsicologia Ambiental (PA), subdisciplina da Psicologia empenhada eminvestigar a influncia dos aspectos fsicos e sociais do ambiente sobre ocomportamento e do comportamento sobre o ambiente (Corral-Verdugo,2005). Como em toda relao humano-ambiental, o estudo do vandalis-

    mo envolve a anlise de componentes derivados de qualidades individu-ais e do contexto fsico-social do qual o indivduo faz parte.A PA considera que tais componentes atuam juntos fazendo do

    vandalismo um fenmeno multideterminado, em que caractersticas pes-soais e qualidades ambientais no so estmulos nicos para a ao, mascorroboram de modo integrado para ela. No ambiente escolar, alm deaspectos de gnero, personalidade e motivao pessoal, so considera-dos facilitadores do comportamento de depredao a prpria aparnciadegradada de instalaes, a presena de certas qualidades ambientais

    que dificultam a defesa do local, e a percepo de que o espao no deresponsabilidade de algum. Tambm so citados o sentimento de insa-tisfao generalizado, o distanciamento afetivo dos usurios em relao

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    ao contexto, e a consequente perda do sentido de pertencimento ao lugar(Astor & Meyer, 2001; Astor, Meyer, & Behre, 1999; Goldstein, 1996,2004; Guimares, 1985; Gutierrez & Shoemaker, 2008; Heaven, 1996;

    Laterman, 1999; Lucinda, Nascimento, & Candau, 2001; Ornstein &Martins, 1997; Sposito, 2001; Storvoll & Wichstrom, 2002).De modo geral, as condies indicadas pela literatura como facili-

    tadoras do vandalismo pressupem inexistncia de laos afetivos forma-dos com o ambiente. Definidos como apego ao lugar, esses laos emo-cionais com cenrios fsicos promovem a apropriao ambiental e ins-tauram um sentido de pertencimento ao meio (Giuliani, 2004; Pro-shansky, Fabian, & Kaminoff, 1983; Speller, 2005). Alm disso, so a-companhados pelos sentimentos de satisfao, bemestar e segurana

    derivados de cognies positivas acerca do espao fsico, seja pela fami-liaridade, seja pelo desempenho deste em satisfazer as necessidades doindivduo, ou em razo do contedo do significado assumido pelo lugar(Giuliani, 2003, 2004). Desse modo, foram hipteses do presente estudoque as aes de depredao e a experincia afetiva com lugares so e-ventos localizados, ocorrendo em contextos fsicos e psicossociais decaractersticas especficas, e que as caractersticas ambientais que favo-recem a experincia de apego ao lugar so no s inibidoras do compor-tamento de depredao, mas tambm promotoras do cuidado ambiental.

    De fato, pesquisas apontam uma relao positiva entre apego aolugar e intenes pr-ambientais (Halpenny, 2006; Walker & Ryan,2008). Da mesma forma, indicam que pouca vinculao afetiva com olugar um importante preditor de crimes (B. B. Brown, Perkins, &Brown, 2004). A partir desses estudos, possvel compreender que oapego a cenrios fsicos favorece o cuidado ambiental por duas razes:em primeiro lugar porque, nessas condies, h um desejo de se garantira manuteno das qualidades ambientais que satisfazem as necessidades

    biolgicas e psicossociais do indivduo; e, em segundo lugar, esta ten-dncia de se cuidar mais do lugar evita atrair as aes de depredao queocorrem pela percepo de fragilidade do espao. Por essas considera-es, a teoria sobre laos afetivos com lugares apresenta-se pertinente aoestudo do cuidado com o ambiente.

    A proteo ambiental tem sido estudada pela PA na forma decompetncias e comportamentos pr-ambientais, especialmente a partirda metade dos anos 1980, com o se dar conta de um desequilbrio eco-lgico de propores no imaginadas. At mesmo em razo do agrava-

    mento da crise ambiental, mais ateno foi dada ao cuidado com o am-biente natural do que com o ambiente construdo. Teorias psicolgicassobre o tema tendem a tratar de questes relacionadas conservao de

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    recursos naturais, preservao do meio ambiente e promoo do de-senvolvimento sustentvel. A pesquisa de artigos utilizando os termoscuidado ambiental (environmental care), ambiente construdo (built en-

    vironment) e psicologia (psychology) encontrou apenas quatro resulta-dos na base de dados Science Direct, e nenhum em PsycINFOe PeP-SIC

    1. Em razo de tais consideraes, ainda que diferenas na compara-o possam existir, a compreenso do cuidado para com ambientesconstrudos ter, nesta investigao, o suporte da literatura voltada aomeio ambiente natural.

    Tambm nesses estudos, aspectos como a sensao de pertenci-mento ao meio, a apropriao, a percepo de que o espao de respon-sabilidade de todos, e a proximidade afetiva dos usurios em relao ao

    contexto so relacionados promoo de cuidado ambiental (Chawla,1998, 2002; Hart, 1997; McKoy & Vincent, 2007; Netherwood, Bucha-nan, Stocker, & Palmer, 2006; Ross, Munn, & Brown, 2007; Shallcross,Robinson, Pace, & Tamoutseli, 2007). Em sntese, parece haver um con-senso na literatura em relao a estes pontos. Mas, fisicamente, como um lugar que favorea essas experincias? Que caractersticas fsicas deum ambiente poderiam corroborar para elas? As respostas a estes ques-tionamentos constituem o ponto de apoio do planejamento espacial, so-bre o qual repousam preocupaes fundamentais de arquitetos e pensa-

    dores do espao.Conhecer as implicaes de seus desgnios, como eles afetam as

    pessoas e como so afetados por elas, parte da responsabilidade dosplanejadores do espao e possibilita a estes conduzir seus projetos demodo a promoverem certas experincias ambientais desejadas. A au-sncia deste entendimento tem contribudo para a produo de ambien-tes que, em geral, no reconhecem intenes especficas de projeto e,desprovidos de um propsito, deixam de estabelecer efeitos e relaes

    que lhe so prprios. Os prejuzos so claros se compreendemos que oplanejamento do espao s se faz como tal no momento em que supera asimples justaposio de espaos fsicos para integrar o conjunto de rela-es e atividades que neles estabelecemos.

    A presente investigao legitima-se, portanto, no s pela insufi-cincia de registros acerca das caractersticas fsicas do espao que cola-boram para certas condies psicossociais mas, especificamente, pelacarncia de teorias psicolgicas direcionadas ao cuidado para com oambiente construdo e pelos custos monetrio, scio-cultural e educa-

    cional do ato de depredar. O vandalismo especialmente preocupante

    1Pesquisa realizada em 04/11/2010.

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    nas escolas que, em geral, como ambientes de ensino e aprendizagemque so, percebem-se impotentes diante de tal comportamento transgres-sor. A construo de uma cultura do cuidado ambiental em instituies

    escolares, como reconhecidos espaos formativos, pode ser a base para aconstruo de modelos de cuidado ambiental para com os demais luga-res.

    Face a essas consideraes e ciente de que, como discutiu Speller(2005), o conhecimento ambiental depende da identificao dos aspec-tos fsicos e dos comportamentos associados a um espao, bem como dapercepo destes comportamentos por parte de seus usurios, esta inves-tigao preocupou-se em compreender: Que caractersticas fsicas epsicossociais do ambiente da escola relacionam-se ao cuidado com a

    edificao escolar?

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    2. OBJETIVOS

    2.1. Objetivo Geral

    Identificar caractersticas fsicas e psicossociais do ambiente daescola que se relacionam ao cuidado com a edificao escolar.

    2.2. Objetivos Especficos

    Diagnosticar o estado de conservao dos espaos de um esta-belecimento escolar.

    Descrever as caractersticas de projeto fsico da escola em dife-rentes estados de conservao.

    Descrever caractersticas psicossociais de setores da escola. Conhecer a identidade de lugar de estudantes para o ambiente

    escolar. Avaliar a vinculao afetiva de estudantes a setores da escola. Examinar atributos relacionados pessoa e ao ambiente fsico-

    social que facilitam e dificultam o comportamento de depredao. Descrever a prtica auto-reportada por estudantes do cuidado

    com o ambiente escolar.

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    3. REVISO DE LITERATURA

    O presente captulo apresenta a reviso de literatura que deu su-porte pergunta de pesquisa. Divide-se em quatro sees, dedicadas investigao dos pressupostos tericos que nortearam o trabalho, bemcomo do vandalismo escolar, dos laos afetivos com lugares e do cuida-do ambiental. Os temas propostos objetivaram o exame da problemticada depredao de escolas, apontando as contribuies da teoria psicol-gica acerca das relaes humano-ambientais compreenso do cuidadocom o edifcio escolar.

    3.1. Para Compreender a Relao Humana com o Ambiente

    Para estudar o ser humano em sua subjetividade, a Psicologiaempenha-se em compreender as construes de significados, sentimen-tos, atitudes e valores por ele elaboradas em sua relao com o meio f-sico e social, e as manifestaes de comportamento da derivadas. Como possvel perceber, o fator ambiente e o processo de interao pessoa-

    ambiente so partes integrantes da cincia psicolgica. Para Tassara eRabinovich (2003), no entanto, uma possvel reduo de interesse daPsicologia em geral acerca das questes ambientais esteve em favor dosurgimento de uma subdisciplina especfica que se dedicasse compre-enso de tal aspecto. A Psicologia Ambiental (PA), desse modo, resga-tou o ambiente dos estudos de Psicologia, a partir da percepo de suaimportncia para as experincias humanas, e elevou categoria de obje-to de pesquisa o comportamento humano sob a ao do ambiente e o

    ambiente sob a ao do comportamento humano.Assim, por definio, a Psicologia Ambiental objetiva compreen-der os processos psicossociais decorrentes das interrelaes entre as pes-soas e os seus entornos scio-fsicos (Valera, 1996). Candidata a ocuparum espao comum s reas de estudo interessadas nas relaes pessoa-ambiente como a Arquitetura e o Urbanismo, a Geografia e a Biolo-gia a PA oferece um meio para a comunicao interdisciplinar, con-solidando-se como locusextremamente privilegiado para a interao ea gerao de conhecimento (Elali, 1997, p. 351). A colaborao entre

    reas disciplinares aparentemente distantes tem se mostrado importante compreenso das relaes pessoa-ambiente em toda a sua complexida-de (Ornstein, 2005).

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    3.1.1. Emergncia e Desenvolvimento Histrico da Psicologia Ambien-

    tal

    De acordo com Pinheiro (2003), a Psicologia Ambiental surgiucomo disciplina com a percepo de que o comportamento humano eraresponsvel por mudanas ambientais e que tais mudanas interferiamno modo de vida das pessoas. O contexto histrico que situa essa maiorconscincia em relao problemtica ambiental tem como marco a in-tensificao dos processos industriais e os novos cenrios decorrentes dacrescente migrao campo-cidade, especialmente caracterizados peladegradao do ambiente natural e pela perda da qualidade em ambientes

    construdos cada vez mais inadequados quanto s dimenses, s con-dies de iluminao, ventilao e saneamento bsico (Ittelson, Pro-shansky, Rivlin, & Winkel, 2005/1974).

    Esse conjunto de questes relacionadas aos ambientes constru-dos e naturais norteou, no sculo XX, toda a produo de conhecimentoem Psicologia Ambiental2que, como defendeu Corral-Verdugo (2005),ora privilegiou o estudo dos efeitos ambientais sobre o comportamentohumano, ora se preocupou em entender os modos pelos quais o compor-tamento humano afeta o ambiente. Estes dois movimentos so clara-

    mente percebidos ao longo do tempo e no deixam de ser reflexos doscenrios histricos que contextualizaram a pesquisa na rea.

    Ainda que importantes registros da investigao humano-ambiental datem do primeiro tero do sculo passado e venham do con-tinente europeu haja vista a contribuio dos alemes Von Uexkll eHellpach para, respectivamente, a definio do conceito de umwelte adefesa da necessidade de se fundar uma psicologia do ambiente3 aformao da Psicologia Ambiental como campo disciplinar s se deu ao

    final dos anos 1950, nos Estados Unidos, com o movimento das trans-formaes caractersticas do perodo ps-guerra (Pol, 1993; Valera,1996).

    2 A produo de conhecimento na Psicologia Ambiental ilustrada pela relao apresentadapor Pinheiro (2003) dos principais temas pesquisados na rea, a saber: comportamento scio-espacial humano, conhecimento ambiental, ambientes especficos, populaes especficas, a-daptao humana s variveis ambientais, avaliao e planejamento ambiental, comportamentoecologicamente responsvel, percepo social de riscos ambientais, gesto ambiental na em-presa e na administrao pblica, teorias e abordagens em Psicologia Ambiental.3

    Como informam Valera (1996) e Kruse (2005), o conceito de umwelt, cunhado em 1909 pelobilogo Von Uexkll, faz referncia a um espao subjetivamente significativo, conceito quetambm comparece na obra de Hellpach, fsico e psiclogo responsvel pela primeira refern-cia clara Psicologia Ambiental, atravs da obra Psychologie der Umwelt, em 1924.

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    A forte concentrao urbana e a reconstruo das cidades atingi-das pela guerra criaram o cenrio ideal para o surgimento de uma Psico-logia Ambiental especialmente preocupada com o ambiente construdo e

    os efeitos deste sobre o comportamento das pessoas: foi o primeiro mo-vimento da PA. Segundo Valera (1996), esta fase, tambm chamada dePsicologia Arquitetural (Pol, 1993), teve uma forte tendncia molecular,estando quase sempre baseada em modelos individualistas, ou seja, cen-trados nas experincias individuais.

    Na segunda metade da dcada de 1980, o desenvolvimento urba-no acirrado trouxe preocupaes, no novas, mas sobretudo necessriasa uma mudana de enfoque da Psicologia Ambiental. A poluio, odesmatamento e o desequilbrio ecolgico irrestrito contriburam para

    um amadurecimento da disciplina, agora tambm disposta a investigarquestes relacionadas conservao dos recursos naturais, preserva-o do meio ambiente e promoo do desenvolvimento sustentvel.Esse foi o segundo movimento da PA, tambm chamado de PsicologiaAmbiental Verde (Pol, 1993), notadamente preocupado em compreenderas razes pelas quais o comportamento humano afeta o ambiente. Semdeixar de investigar o espao construdo, esta fase tem seguido at hojea tendncia molar, estudando as relaes humano-ambientais com basenos fenmenos de grupo (Valera, 1996).

    No que diz respeito ao cenrio nacional, segundo Pinheiro(2003), a PA comeou a ser estudada apenas nos anos 1970, com a tra-duo de livros norte-americanos e a promoo de cursos sobre o tema.Trabalhos acadmicos e artigos em peridicos foram produzidos especi-almente na dcada de 1980, ainda que no fosse possvel perceber algu-ma interao entre grupos de pesquisa nacionais. Como indicou o autor,entretanto, os anos 1990 foram marcados pelas publicaes de livros eprodues acadmicas coletivas, como resultado de uma maior integra-

    o entre pesquisadores.Nos ltimos anos, o fortalecimento e a consolidao da PA no pa-s estiveram retratados nas realizaes dos grupos de trabalho de Psico-logia Ambiental nos simpsios da ANPEPP (Associao Nacional dePesquisa e Ps-Graduao em Psicologia). Desde o ano 2000, essas pro-dues tm contribudo para uma transformao do quadro institucionalda PA no Brasil, conforme comunicado em anais do XIII Simpsio("GT 40: Psicologia ambiental," 2010): como resultado da integrao deprofessores e pesquisadores da rea no primeiro grupo de trabalho (VIII

    Simpsio), foi criada em 2001 a Rede de Psicologia Ambiental Latino-Americana (REPALA); em 2003, a partir dos trabalhos produzidos porocasio do IX Simpsio da ANPEPP, foi publicado um nmero especial

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    dedicado PA na Revista Estudos de Psicologia (Natal); o terceiro gru-po de trabalho (X Simpsio), por sua vez, engendrou a primeira publica-o no pas de um manual de mtodos de pesquisa nos estudos pessoa-

    ambiente (Pinheiro & Gnther, 2008); em 2006, contando com maiornmero de alunos de ps-graduao participantes, o quarto grupo de tra-balho deu origem ao projeto de publicar um dicionrio de termos e con-ceitos da PA, produo esta que tem sido coordenada pelos grupos quese sucederam (XII e XIII Simpsios).

    3.1.2. As Dimenses Ambiente e Pessoa na Investigao Humano-

    Ambiental

    Ao se tratar da concepo ambiental, os dois movimentos da PAtraduzem dois modos distintos de entender a realidade. Embora ambostrabalhem sob a tica de uma ontologia materialista, concreta e objetiva,a Psicologia Ambiental recente marca uma diferena ao considerar que arealidade objetiva existe, mas modelada pelas representaes que ossujeitos dela constroem. Como assinalou Pol (1993), a mudana da ten-dncia molecular para a molar, em Psicologia Ambiental, traduziu a di-

    ferena entre considerar o espao concreto como nico estmulo e anali-sar a experincia deste mesmo lugar como um elemento a mais do con-texto no qual est inserido. O sexto pressuposto da experincia ambien-tal humana, cunhado por Ittelson et al. (2005/1974), ilustra com precisoo sentido dessa nova concepo de realidade, ao considerar que o ambi-ente observado no necessariamente corresponde ao ambiente real e ob-

    jetivo:

    . . . todos ns em algum momento olhamos para oambiente atravs das lentes deformadoras de rai-va, incmodo, ou frustrao e esse fato pode sermais importante na modificao de nossas aesdo que as propriedades fsicas daquele ambiente. .. . aos mundos real e percebido que responde-mos (p. 8)4.

    4Dois outros pressupostos da psicologia ambiental corroboram para essa concepo: o que adi-

    ciona dimenso fsica do ambiente as dimenses social, cultural, econmica, poltica e tecno-lgica; e o que compreende o ambiente como campo unitrio, uma vez que a totalidade de es-tmulos do meio e no apenas aspectos isolados que exerce influncia sobre o modo comorespondemos a ele (Ittelson et al., 2005/1974; Rivlin, 2003).

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    Na mesma direo, Tassara e Rabinovich (2003, p. 340) defende-ram que a percepo ambiental um fenmeno psicossocial e que,portanto, no h leitura da objetividade que no seja ou no tenha sido

    compartilhada; o sujeito sempre interpreta culturalmente. Para a Psico-logia Ambiental recente, o ambiente no pode ser compreendido fora deum contexto scio-cultural determinado.

    Os dois momentos que se desenvolvem ao longo da construo daPsicologia Ambiental tambm so diferentes no que diz respeito com-preenso do elemento humano. Se, na primeira fase, deu-se nfase pesquisa voltada s reaes das pessoas a estmulos, especialmente aosestmulos do ambiente construdo, em um segundo movimento, passou-se a compreender o indivduo como figura ativa que, como argumentou

    Ittelson et al. (2005/1974), intervm sobre o meio deliberada e auto-conscientemente para atender s suas necessidades.De acordo com Bonnes e Bonaiuto (2002), quando a presena do

    ambiente fsico construdo nos estudos de Psicologia Ambiental foi pre-dominante, houve a tendncia de se considerar o comportamento huma-no resultado de estmulos ambientais. Nota-se a condio de passividadedo indivduo no contexto de sua relao com o meio. Por outro lado,quando as temticas envolvendo o ambiente natural ganharam nfasenos anos 1980, o comportamento, que antes era tratado essencialmente

    como efeito, passou a ser considerado causa das mudanas ambientaisem curso. De acordo com Kruse (2004), atribuiu-se ao indivduo nosomente a condio de vtima, mas a de agende causador de transforma-es.

    Tal mudana parece ter sido indispensvel ao amadurecimento daprpria definio de objeto5da PA, haja visto o esforo em se evidenciara natureza bidirecional da relao pessoa-ambiente, como bem demons-trou Moser (1998, p. 121): A Psicologia Ambiental estuda a pessoa em

    seu contexto, tendo como tema central as interrelaes e no somenteas relaes entre a pessoa e o meio ambiente fsico e social. Destaforma, homem e meio modificam-se e definem-se mutuamente.

    Duas perspectivas tericas distintas traduzem esse movimento daPsicologia Ambiental ao longo dos anos. A mudana representa a passa-

    5A multiplicidade de enfoques terico-metodolgicos assumidos ao longo do tempo pela dis-ciplina seria, para Valera (1996), uma das causas da indefinio de objeto da PA. Outras poss-veis causas: a localizao fronteiria da Psicologia Ambiental em relao a outras disciplinas;sua histria relativamente recente que, aparentemente, no lhe rendeu tempo adequado de re-flexo sobre o objeto de estudo; e seu carter aplicado, voltado resoluo de problemas prti-cos do cotidiano, o que poderia no ter priorizado um maior aperfeioamento terico.

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    gem de um modelo tipicamente interacionista para um modelo sistmi-co, transacionalista. Como explicou Valera (1996), o interacionismo naPA considera os aspectos ambiente e pessoa em uma relao de causa e

    efeito, onde o comportamento, ainda que mediado por caractersticas doindivduo, funo do contexto ambiental. O movimento da relao oda unidirecionalidade. J no transacionalismo, pessoa e ambiente intera-gem dinamicamente: admite-se que no s o meio exerce influncia so-bre os indivduos, mas os indivduos, reciprocamente, exercem influn-cia sobre o meio. o movimento da bidirecionalidade.

    A Psicologia Ambiental passou ento de uma antropologia tradi-cionalmente reativa (reao a estmulos) a uma antropologia de tendn-cia ativa e, acima de tudo, transacional. No entanto, a ausncia de refe-

    rncias claras bidirecionalidade em trabalhos atuais no necessaria-mente descarta uma postura transacional por parte dos pesquisadores.Como lembrou Corral-Verdugo (2005), ainda que se reconhea a natu-reza dinmica da relao pessoa-ambiente, os estudos tendero a privi-legiar apenas alguns aspectos desta relao.

    As abordagens interacionista e transacionalista trazem uma marcano que diz respeito ao distanciamento do indivduo em relao ao meiocom o qual ele interage. Na primeira perspectiva, pessoa e ambientetendem a formar unidades de anlise distintas e, embora tenham o mes-

    mo peso para a investigao (ambas so base para a explicao dos fe-nmenos psicolgicos), comparecem como entidades separadas, umaexercendo influncia sobre a outra. No transacionalismo, entretanto,pessoa e ambiente so partes constituintes de um sistema integrado decorrelaes, cuja compreenso torna-se necessria para o entendimentode quaisquer aspectos da relao humano-ambiental. Aqui, a componen-te pessoa investigada, no parte, mas inserida em seu contexto(Valera, 1996).

    Diferentes em seus modos de considerar a pessoa e o entorno, asduas perspectivas se desdobram em epistemologias tambm distintas:realista, no primeiro caso, onde o pesquisador distancia-se do fenmenopara que a realidade produza o conhecimento; e interacionista construti-vista, no segundo, onde o conhecimento parcialmente definido por cer-tas qualidades do observador, tomado como partedo evento. Nessa li-nha de pensamento, Ittelson (2005/1974) e Pinheiro (2003) defenderamque o percebedor sempre estar imerso no ambiente, o que em princpiopoder significar: influenciar e ser influenciado pelo contexto da inves-

    tigao.No que diz respeito aos cenrios fsicos pesquisados, nota-se naPsicologia Ambiental uma predominncia de investigaes em ambien-

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    tes reais, sejam naturais ou construdos. Quando do seu nascimento, aofinal dos anos 1950, havia nos meios acadmicos muita discusso acercada relevncia dos resultados obtidos em laboratrios (Valera, 1996). Pa-

    ra a PA, a artificializao de contextos ambientais impossibilitaria umacompreenso adequada do conjunto de variveis atuantes na relaopessoa-ambiente em toda a sua complexidade. Como defenderam Ittel-son et al. (2005/1974),

    o psiclogo tradicional estuda o ser humano iso-lando-o de seu ambiente dirio a fim de obter des-cries de sub-comportamentos discretos e quanti-ficveis. . . . Reconhecendo que tais mtodos tmum lugar vlido na investigao de certos atribu-tos comportamentais, a Psicologia Ambiental, noobstante, prefere estudar os seres humanos emseus contextos dirios, intactos . . . olha para ocomportamento tal como ele , com o ambienteexercendo papel integral no processo (p. 3).

    Outro aspecto caracterizador da investigao em PA a utiliza-o da abordagem multimetodolgica, ou seja, da abordagem que articu-la tcnicas de pesquisa pertencentes a delineamentos metodolgicos di-

    ferentes, o que possibilitaria uma averiguao mais precisa da multipli-cidade de dimenses e aspectos envolvidos na situao-problema, e evi-taria as lacunas e os vieses caractersticos das investigaes que anali-sam apenas dimenses parciais do fenmeno. Como atestaram Gnther,Elali e Pinheiro (2008), cada mtodo utilizado isoladamente, em razodas limitaes prprias que o definem, permite apenas uma reproduoincompleta da realidade, demasiadamente complexa para ser abordadapor uma ou outra perspectiva metodolgica.

    Uma ltima anlise em relao a pressupostos da pesquisa pes-soa-ambiente ainda merece ser feita: a Psicologia Ambiental recente temevitado paradigmas de investigao mais individualistas para assumircada vez mais um perfil social (Valera, 1996). Isso significa passar deuma abordagem que privilegia uma anlise individual com vistas ge-neralizao e busca de princpios universais de comportamento, parauma abordagem social, que entende a pessoa como parte de uma comu-nidade definida e modulada por um contexto histrico-cultural. Os doisparadigmas no so excludentes, mas se desenvolvem dentro de uma

    tendncia geral da PA, que vai do molecular ao molar e do interacionis-mo ao transacionalismo.Tendo em vista a sua natureza aplicada e a disposio em forne-

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    cer interpretaes a fenmenos derivados da relao humano-ambiental,a PA constitui-se campo propcio compreenso de temas como o van-dalismo escolar. A produo do conhecimento sobre o assunto parece

    indicar que as aes de depredao ou a falta de cuidado para com o es-pao fsico das escolas so, na realidade, disfunes da relao pessoa-ambiente, como se argumentar na seo seguinte. Alm disso, o vanda-lismo traduz a perspectiva bidirecional caracterstica dos estudos da PA,em que ambiente e pessoa afetam-se mutuamente.

    3.2. O Vandalismo no Contexto da Violncia Escolar

    Os atos de violncia na escola circunscrevem-se a um conjunto decomportamentos de agresso, imprudentes ou propositais, contra indiv-duos e o patrimnio construdo (Astor & Meyer, 2001; Laterman, 1999).Incluem aes que se refletem em danos fsicos e/ou psicolgicos a pes-soas como intimidaes, porte de arma, assassinato, agresso sexual,corporal e verbal e danos propriedade, como resultado de depreda-o. Embora as agresses que coloquem em risco a vida das pessoas re-cebam ateno especial, so as formas mais brandas de danos que inte-

    gram em maior parte o conjunto de aes violentas no meio escolar(Astor & Meyer, 2001), suscitando preocupaes em razo da frequn-cia com que ocorrem e a abrangncia com que atingem os contextosmais diversos.

    Para Debarbieux (2002), no meio escolar, a violncia se manifes-ta sob a forma de incivilidades. Elas no so necessariamente os crimese delitos do modo como se conhece em cenrios mais gerais, mas umconjunto de transgresses a uma ordem previamente estabelecida que

    acarreta, alm dos danos oriundos diretamente do ato infrator, o senti-mento de insegurana, desordem e instaurao do caos. De acordo como autor, so incivilidades, entre outros, as indelicadezas, os desacatos, aimpolidez, as agresses ao bem estar do outro e da convivncia comume o vandalismo, descrito por Goldstein (1996, 2004) como um compor-tamento intencional que leva destruio ou desfigurao de um am-biente fsico de propriedade alheia. No contexto da escola, citam-se co-mo exemplos de vandalismo as pichaes em paredes e portas, a destru-io de vidros em janelas e de equipamentos e acessrios anexos edifi-

    cao, como carteiras, extintores e mangueiras de combate a incndios,luminrias e lixeiras. Ao longo deste trabalho, os termos vandalismoedepredaosero utilizados para descrever o mesmo fenmeno.

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    Como observou Sposito (2001), o interesse pela pesquisa acad-mica sobre a violncia escolar no Brasil pareceu incipiente, ao menosnas duas dcadas que se seguiram emergncia do tema, no incio dos

    anos 1980. Segundo a autora, o assunto da violncia nos ambientes es-colares veio tona com o processo de democratizao do pas e a consti-tuio de um novo cenrio, em que se observou: maior abertura a ques-tes que afetam a qualidade de vida das pessoas; o despertar para a ne-cessidade de democratizao de instituies de segurana e de estabele-cimentos de educao; maior disseminao e diversificao da violnciacrescente nos meios urbanos; bem como o crescimento de sua divulga-o pelos meios de comunicao. No cenrio mundial, percebeu-se umaumento expressivo da pesquisa sobre a violncia nas escolas nos anos

    1990, especialmente com a ocorrncia de homicdios em massa pratica-dos dentro de estabelecimentos educacionais (Astor & Meyer, 2001).No que se refere s questes metodolgicas de pesquisa sobre o

    tema, observa-se o uso das tcnicas de questionrio (Gutierrez & Shoe-maker, 2008; Heaven, 1996; Laterman, 1999; Storvoll & Wichstrom,2002); entrevista, seja estruturada ou semi-estruturada, de aplicao in-dividual ou em grupos focais (Astor & Meyer, 2001; Astor et al., 1999;Laterman, 1999); observao participante (Laterman, 1999); e a adoode mapas para a localizao de cenrios de violncia percebidos pelos

    estudantes (Astor & Meyer, 2001; Astor et al., 1999). Nota-se igualmen-te o uso conjugado de diferentes tcnicas, com o objetivo de confronta-o e complementao dos resultados. Cita-se como exemplo as pesqui-sas que envolvem avaliao ps-ocupao (APO), com o objetivo de es-tabelecer relaes entre a qualidade do projeto arquitetnico e seu de-sempenho no decorrer do uso, o que implica a adoo de observaes,pesquisas documentais, anlises de projeto, entrevistas e questionrios(Ornstein & Martins, 1997).

    3.2.1. Circunstncias e Eventos Relacionados ao Vandalismo Escolar

    Em geral, as pesquisas sobre o vandalismo e a violncia nas esco-las assumem trs origens para as circunstncias preditoras do compor-tamento de agresso. H modelos que compreendem a origem e o de-senvolvimento da ao como intrnsecas ao indivduo agressor, que age

    em funo de motivaes, predisposies e qualidades pessoais; mode-los que, em outra direo, atribuem s caractersticas do ambiente fsicoe/ou social a causa do comportamento; e, por fim, aqueles que compre-

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    endem o ato de agresso como evento resultante da relao pessoa-ambiente, sobre o qual incidem motivaes derivadas tanto de qualida-des intrapessoais, como de aspectos caracterizadores do contexto no

    qual o indivduo est inserido.O modelo que admite a multicausalidade do comportamento a-gressor, centrada em aspectos da pessoa e do ambiente, tende a uma pos-tura no determinista em relao ao fenmeno. Isso significa considerarque nem as qualidades individuais, nem as caractersticas ambientais de-terminam por si s a ao, uma vez que para esta concorrem mltiplascondies de naturezas diferentes. Tal perspectiva entende que circuns-tncias preditoras de vandalismo e violncia so, na verdade, facilitado-ras do comportamento. Ao considerar que mais fatores estaro continu-

    amente influenciando a ao, assume que nem sempre circunstncias es-pecficas resultaro verdadeiramente no efeito esperado.Dentre os aspectos relacionados ao vandalismo escolar que dizem

    respeito ao ambiente fsico, citam-se o estado de conservao das insta-laes (Laterman, 1999; Lucinda et al., 2001; Ornstein & Martins,1997); a (in)definio de propriedade do espao (Astor & Meyer, 2001;Astor et al., 1999); e suas condies de defensabilidade (Astor et al.,1999; Goldstein, 1996; Laterman, 1999; Sposito, 2001). Como visto, sepor vezes esses aspectos foram tomados como determinantes do com-

    portamento de agresso, sob outras perspectivas, constituram mais umelemento da relao pessoa-ambiente a ser considerado para a compre-enso do problema.

    Tratando-se do estado de conservao das instalaes, as pesqui-sas tm indicado que ambientes e equipamentos desfigurados, desgasta-dos ou destrudos, seja por ao natural do tempo ou em funo do pr-prio vandalismo, encorajam novas aes de depredao porque fazemsupor um certo estado de vulnerabilidade da edificao. Para Brown,

    Perkins e Brown (2004), espaos degradados transmitem a imagem deque a comunidade no protege ou no pode proteger o lugar, criandooportunidades ao agressor. Na mesma direo, sobre contextos escola-res, Cardia (1997, p. 56) argumentou que o descuido com prdios suge-re uma terra de ningum, uma terra sem dono que pode ser ocupada poraquele que tem fora e coragem para faz-lo. O estado de precariedadedas instalaes aliado prtica de abandono colocaria em questo a legi-timidade da propriedade do espao, incentivando a transgresso de umaordem estabelecida.

    A indefinio de propriedade dos lugares , pois, um aspecto as-sociado ao vandalismo e violncia escolar em geral ao favorecer a per-cepo de que um determinado espao no de responsabilidade de al-

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    gum. A pesquisa indica que atos violentos so mais frequentemente re-lacionados a locais onde a propriedade e a definio de responsabilidadepara com o espao so ambguas (Newman, 1996). Ao examinar as rela-

    es entre violncia e caractersticas scio-fsicas do ambiente escolar,Astor et al. (1999) encontraram que eventos violentos ocorrem em locaise horas previsveis, e que estas reas so consideradas pelos usurioscomo espaos indefinidos do ponto de vista da responsabilidade, exter-nos ao papel dos professores e com pouca ou nenhuma superviso. Ain-da segundo os autores da pesquisa, professores tendem a se concentrarem sua especialidade e, ao ignorarem a discusso e a vivncia de valoresscio-ambientais na escola, contribuem para a percepo de indefiniode propriedade dos locais que extrapolam os limites da sala de aula, seu

    territrio por excelncia.A territorialidade, por sua vez, uma das condies de defensabi-lidadedo espao, noo igualmente associada ao problema da violnciae depredao escolar. O conceito de espao defensvel, desenvolvidopelo arquiteto e planejador urbano Oscar Newman (1996), discute a e-xistncia de certas qualidades ambientais que possibilitariam a defesa deum lugar. A territorialidade uma dimenso deste conceito e expressaum padro de conduta baseado no controle percebido, real ou intencio-nal de um espao fsico, atravs de defesa, ocupao, sinalizao ou per-

    sonalizao (Valera & Vidal, 2000). Outro aspecto do espao defensvelso as condies de vigilncia possibilitadas pelo ambiente, relativas capacidade de se poder ver e controlar os frequentadores de um dadoterritrio.

    Ao aplicar esses conceitos, Newman contribuiu para o processode humanizao da habitao pblica nos Estados Unidos, que incluiu aimploso de edificaes construdas em grande escala, fragilizadas peloproblema da criminalidade e do vandalismo (Sommer, 2002). Ele verifi-

    cou que eventos violentos eram cinco vezes mais frequentes em grandesconjuntos habitacionais verticalizados que em edificaes mais baixas emenores, em funo de que nestas ltimas as curtas distncias de acessovisual e o menor nmero de frequentadores facilitavam tanto a vigiln-cia quanto a definio da territorialidade. Esses dados vo ao encontroda pesquisa em contextos escolares, que associa cenrios de amplas di-menses e maior nmero de alunos ocorrncia de eventos violentos(Laterman, 1999; UnB, 1999). Para Laterman (1999), estas condiesambientais so igualmente favorveis manuteno deficiente das insta-

    laes, resultando em uma aparncia mais degradada dos espaos, o que,como visto, incentivaria novas aes de depredao.As consideraes aqui propostas sugerem que existe uma clara

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    relao entre as caractersticas fsicas dos lugares e a violncia. Acredi-tando nesta relao, o criminologista norte-americano C. Ray Jeffery(1999) cunhou o nome Preveno Criminal atravs do Desenho Ambi-

    ental(CPTED)

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    , no incio dos anos 1970, para um conjunto de medidasde variao de fatores ambientais com o objetivo de reduzir as oportuni-dades para o crime influenciadas pelo desenvolvimento fsico e social doambiente. Baseados em estudos realizados a partir de meados do sculoXX, a pesquisa de Jeffery (1999) e de Newman (Newman, 1996; Rey-nald & Elffers, 2009) constituram um importante modelo de interven-o ambiental orientado para a reduo da criminalidade e do medo docrime, e para o aumento da percepo de segurana das condies ambi-entais (Carter & Carter, 2001; Cozens, Saville, & Hillier, 2005; Taylor,

    2002).A CPTED entende que a violncia no se distribui aleatoriamenteno espao, mas em contextos fsicos com caractersticas especficas. Se-guindo os conceitos de Newman, Moffatt (1983) props seis princpiospara a CPTED: alm da territorialidade, da vigilncia (informal, pormeio de usurios, e formal, por meio de profissionais de vigilncia emecanismos tecnolgicos), e da manuteno, j comentados anterior-mente, h ainda o controle de acesso, o apoio atividadee o endureci-mento ao alvo. O controle de acesso consiste em negar acessibilidade a

    potenciais alvos, reduzindo as oportunidades para o crime. O apoio a-tividade envolve a utilizao do designe da sinalizao para incentivarpadres de uso do espao que favoream a vigilncia e o controle de a-cesso informais, alm do sentido de territorialidade. Por fim, o endure-cimento ao alvo consiste em aumentar os esforos que indivduos teriamde utilizar para a consecuo de um ato infrator.

    Alm das caractersticas do ambiente fsico, h uma srie de as-pectos concernentes ao ambiente social que as pesquisas relacionam a

    vandalismo e violncia escolar, entre eles: superlotao dos espaos(Astor et al., 1999; Goldstein, 1996; UnB, 1999; Zaluar, 1996); ausnciado sentido de pertencimento ao lugar (Astor et al., 1999; Goldstein,2004); falta de oportunidade para os alunos atuarem participativamentenas decises que lhe afetam direta ou indiretamente (Goldstein, 2004;Guimares, 1985; UnB, 1999); falta de democratizao do uso do espa-o fsico (Pinto, 1992); uso catico dos ambientes (Fukui, 1992; Guima-res, 1985); pobre clima social (Astor et al., 1999; Guimares, 1985);insatisfao dos alunos em relao aos professores ou escola

    (Laterman, 1999); ausncia de suporte dos pais s polticas disciplinares

    6Traduo da expresso inglesa Crime Prevention through Environmental Design(CPTED).

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    (Goldstein, 2004); quadro de professores instvel (Zaluar, 1996); gestoinstitucional inconsistente, impessoal e no responsiva (Goldstein,2004), bem como arbitrria, autoritria e opressiva (Goldstein, 2004;

    Guimares, 1985); falta de preocupao da instituio com o rendimentoescolar e em se fazer da escola um local agradvel (Guimares, 1985);agentes de segurana mau-preparados (Fukui, 1992); instabilidade fami-liar, falhas na guia parental, relaes agressivas ou distantes no ambientefamiliar (Gutierrez & Shoemaker, 2008).

    Para dar sentido a esse amplo conjunto de dados, Guimares(1985) ofereceu uma indicao que parece resumir o sentimento neces-srio conquista de um ambiente escolar sem depredaes. Ao pesqui-sar as caractersticas scio-ambientais de escolas no vandalizadas, a au-

    tora encontrou que aspectos positivos, em relao escola, curiosa-mente s foram apontados nesses estabelecimentos. Parece haver umarelao entre a no depredao e o fato dos alunos sentirem a escola, pe-lo menos em parte, como um lugar agradvel (p. 130). Pode-se inferirque contextos que fomentam, de algum modo, o desinteresse e a insatis-fao para com o lugar tornam-se facilitadores do comportamento de a-gresso.

    Os resultados das pesquisas sugerem que privar a comunidade es-colar da participao nas decises e aes concernentes escola e do di-

    logo entre os diversos segmentos, prescindindo de ateno e respeitoaos diferentes pontos de vista, contribui para o distanciamento afetivodos usurios em relao ao contexto e a consequente perda do sentido depertencimento ao lugar. Da mesma forma, o desinteresse de professorese funcionrios em relao vida escolar em geral alimenta o sentimentode desobrigao para com o ambiente (Astor et al., 1999; Goldstein,2004; Guimares, 1985). A indefinio de propriedade e responsabilida-de para com o local pode estar associada ao vandalismo e violncia es-

    colar tambm porque, alm de favorecer a percepo de vulnerabilidadedo espao, conforme discutido anteriormente, no incentiva o cuidadoambiental (B. B. Brown et al., 2004).

    Segundo defendeu Guimares (1985), tanto instituies coerciti-vas que impedem qualquer forma de participao dos alunos e, por outrolado, estabelecimentos constitudos de uma desorganizao generalizadarenem caractersticas que favorecem a depredao escolar:

    No primeiro caso, o aluno depreda, pois percebe-

    se excludo de qualquer vnculo que o ligue afeti-vamente escola. No segundo caso, ocorre amesma coisa, pois a desorganizao uma forma

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    de manter o aluno margem da prpria escola esabendo disso, ele depreda o prdio como ummeio de chamar a ateno dos diretores e profes-sores (p. 131).

    Ao contrrio do que se poderia supor, a presena de grades e por-tes, sistemas rgidos de segurana interna, controle e punio no tmsido relacionados reduo do vandalismo no ambiente escolar. A lite-ratura indica que a depredao ocorre tanto em escolas com normas ri-gorosas como naquelas em que h ausncia quase total de regras(Guimares, 1985). Aponta-se, inclusive, que a existncia de maioresproblemas de vandalismo coincide exatamente com a presena de segu-rana severa (UnB, 1999). Para Guimares (1985), o vandalismo umaexpresso de rebeldia contra o autoritarismo que prega o controle e apunio ostensivos.

    Em se tratando de caractersticas centradas no agressor, estudosinvestigaram a relao entre o comportamento de violncia na escola e aclasse social (Gutierrez & Shoemaker, 2008; UnB, 1999); o gnero(Gutierrez & Shoemaker, 2008; Heaven, 1996; Storvoll & Wichstrom,2002); a personalidade (Heaven, 1996); e a motivao (Goldstein,1996). As pesquisas indicam que, aparentemente, no h correlao en-

    tre nvel de desenvolvimento scio-econmico e ndice de depredao(Gutierrez & Shoemaker, 2008; UnB, 1999).No que diz respeito ao gnero, Gutierrez e Shoemaker (2008) en-

    contraram que a delinquncia auto-reportada feminina significativa-mente menor, do ponto de vista estatstico, que a masculina, sendo queesta diferena especialmente pronunciada para o comportamento devandalismo. Heaven (1996) encontrou resultados similares para a auto-reportao de vandalismo e violncia interpessoal. Da mesma forma,Storvoll e Wichstrom (2002), que examinaram diferenas entre gnero

    nas associaes entre problemas de comportamento em adolescentes efatores de risco tais como condies familiares, influncia de amiza-des, atividades de lazer, variveis relacionadas escola e ao desenvol-vimento da puberdade perceberam que a fora da relao entre fato-res de risco e vandalismo significativamente maior para meninos doque para meninas.

    A personalidade, por sua vez, tambm comparece em estudos so-bre violncia, em especial, quando a perspectiva adotada compreende a

    origem e o desenvolvimento do comportamento como intrnsecas ao in-divduo agressor. Heaven (1996), ao relacionar a delinquncia auto-reportada a dimenses da personalidade, encontrou uma associao ne-

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    gativa, estatisticamente significativa, entre conscincia e vandalismo,em ambos os sexos, e entre afabilidade e vandalismo, entre homens.Houve associao positiva, estatisticamente significativa, entre neuroti-

    cismo (estabilidade emocional) e vandalismo, entre os homens. ParaGoldstein (2004), indivduos propensos ao vandalismo parecem possuiruma pobre compreenso do impacto de seu comportamento sobre o am-biente. Segundo o autor, para estes, a propriedade pblica pertencentea ningum, enquanto que para indivduos menos propensos ao vanda-lismo, a propriedade pblica pertence a todos.

    Por fim, h autores que relacionam o comportamento de vanda-lismo s chamadas tipologias motivacionais (Goldstein, 1996). Estas socategorias que renem possveis razes ou causas para o comportamento

    de depredao, baseadas na motivao do sujeito agressor e, portanto,centradas na pessoa. So exemplos de tipologias motivacionais, as ela-boradas por Cohen (1971), que compreendem seis modalidades: vanda-lismo aquisitivo, praticado com o objetivo de se obter propriedade oudinheiro; vandalismo ttico, praticado como forma de se atingir outrosobjetivos; vandalismo ideolgico, orientado em direo a uma causa so-cial ou poltica; vandalismo vingativo, cometido por vingana; vanda-lismo por jogo, em que a ao de depredar faz parte de uma competioonde h vencedores e perdedores; e, por fim, vandalismo malicioso, u-

    sado para expressar raiva ou frustrao.

    3.2.2. Estratgias de Interveno

    Como discutido anteriormente, o fenmeno do vandalismo esco-lar investigado segundo preditores centrados no ambiente fsico, no

    ambiente social e no indivduo praticante da ao. De forma similar, asestratgias de interveno voltam-se a cada uma destas trs dimenses.Para Goldstein (2004), todo ato de agresso um evento pessoa-ambiente e, por isso, envolve mltiplas causas, em que atuam variveisrelacionadas pessoa e ao ambiente scio-fsico. Como fenmeno mul-tideterminado, o vandalismo exigiria, portanto, estratgias de interven-o complexas, definidas por aes em direo pessoa e ao ambiente,de forma combinada. A Tabela 1 sintetiza, com base nas caractersticasambientais e pessoais relacionadas ao vandalismo escolar, os principais

    modos de interveno apontados pela literatura, centrados no ambientefsico, no ambiente social e no indivduo.

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    TABELA 1Circunstncias e Eventos Preditores do Vandalismo e Estratgias de Inter-venoFoco da in-terveno

    Circunstncias e eventosrelacionados ao vandalis-mo

    Estratgias de interveno

    Ambiente f-sico

    Comprometimento do es-tado de conservao dasinstalaes (Laterman,1999; Lucinda et al., 2001;Ornstein & Martins, 1997);

    Indefinio de proprieda-

    de do espao (Astor & Me-yer, 2001; Astor et al.,1999);

    Comprometimento dascondies de defensabilida-dedo espao (Astor et al.,1999; Goldstein, 1996; La-terman, 1999; Sposito,2001).

    Realizar manuteno pre-ventiva e corretiva da edifica-o (Goldstein, 2004; Later-man, 1999; Ornstein & Mar-tins, 1997); remoo de pos-sveis alvos de vandalismo(Goldstein, 2004);

    Propiciar defesa, ocupao,sinalizao e personalizaodo espao (Valera & Vidal,2000);

    Promover condies de vi-gilncia por meio de organi-zao espacial que possibilitever e controlar os frequenta-

    dores (Newman, 1996).

    Ambientesocial

    Ausncia do sentido depertencimento ao lugar(Astor et al., 1999; Goldste-in, 2004);

    Gesto institucional in-consistente, impessoal e noresponsiva (Goldstein,

    2004), bem como arbitrria,autoritria e opressiva(Goldstein, 2004; Guima-res, 1985);

    Falta de preocupao dainstituio em fazer da es-cola um local agradvel(Guimares, 1985); insatis-fao dos alunos em relao

    aos professores ou escola(Laterman, 1999); pobreclima social (Astor et al.,

    Promover o sentido de pro-priedade e de responsabilida-de pessoal para com o lugar(Astor et al., 1999);

    Fomentar o clima de orga-nizao e disciplina na escola,aplicando regras justas e im-

    parciais (Guimares, 1985);explicitar regras (Goldstein,2004);

    Instaurar o sentido de co-munidade (Adams, 2002),combater a indiferena e a a-patia na convivncia entre a-lunos, professores, diretores efuncionrios, organizar ativi-

    dades extra-classes(Guimares, 1985);

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    1999; Guimares, 1985);agentes de segurana malpreparados (Fukui, 1992);

    Falta de oportunidade pa-ra os alunos atuarem parti-

    cipativamente de decisesna escola (Goldstein, 2004;Guimares, 1985; UnB,1999); falta de democrati-zao do uso do espao f-sico (Pinto, 1992);

    Falta de preocupao da

    instituio com o rendimen-to escolar (Guimares,1985); quadro de professo-res instvel (Zaluar, 1996);ausncia de suporte dos paiss polticas disciplinares(Goldstein, 2004); uso ca-tico dos ambientes (Fukui,1992; Guimares, 1985);

    Superlotao dos espaos(Astor et al., 1999; Goldste-in, 1996; UnB, 1999; Zalu-ar, 1996);

    Instabilidade familiar, fa-lhas na guia parental, rela-es agressivas ou distantesno ambiente familiar(Gutierrez & Shoemaker,

    2008).

    Envolver a comunidade(pais, professores, funcion-rios e alunos) em atividadesda escola, bem como em dis-cusses e decises acerca dosassuntos que lhe so concer-nentes (Guimares, 1985; La-terman, 1999);

    Democratizar o uso do es-pao fsico da escola, inclusi-ve para a comunidade externa,especialmente se o lugar onico na regio com espaos

    para o lazer (Pinto, 1992);

    Resgatar a credibilidade dainstituio e do professor(Laterman, 1999; Lucinda etal., 2001), e promover a valo-rizao do trabalho dos fun-cionrios, como forma de me-lhorar a prestao dos servi-os (Lucinda et al., 2001; Pin-

    to, 1992);

    Controlar o nmero de alu-nos por sala (Laterman,1999).

    Indivduo gnero (Gutierrez & Sho-emaker, 2008; Heaven,1996; Storvoll & Wichs-trom, 2002);

    personalidade (Heaven,1996);

    motivao pessoal(Goldstein, 1996).

    Atendimento psicolgico(Laterman, 1999);

    Implementao de polticasde educao ambiental e pu-nio (Goldstein, 2004).

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    Embora se aponte, como estratgia possvel de combate e preven-o ao vandalismo na escola, a promoo da defesa do lugar por meio dainstalao de barreiras fsicas (como muros, grades e portes), equipa-

    mentos de segurana, controle de acesso, vigilncia formal, remoo depossveis alvos de vandalismo e punio (Goldstein, 2004), as pesquisassobre o tema sugerem que tais medidas no so efetivas, ao menos, iso-ladamente (Guimares, 1985; UnB, 1999). Pode-se hipotetizar que exis-tam tantas outras variveis influenciando o comportamento de depreda-o (por vezes, at mais operantes) que, dificilmente tais estratgias de-sempenhariam um papel determinante no combate ao. Assume-se,ento, que so opes possveis, mas no nicas, e que devem ser estu-dadas como parte de um plano geral de interveno que atenda s dife-

    rentes dimenses do problema (ambiente fsico, ambiente social e indi-vduo), em diferentes nveis, da escola comunidade externa, passandopela famlia.

    Estratgias de interveno que atinjam comunidade como umtodo mostram-se necessrias em razo de uma parcela dos agentes deagresso serem de fora da escola, muitas vezes incluindo ex-alunos(Fukui, 1992; Pinto, 1992; UnB, 1999). Pinto (1992) observou que oprincipal motivo das depredaes em uma dada escola era o fato de ainstituio proibir, por meio de muros altos e portes, o uso de seu espa-

    o fsico, nico na regio com quadras para o lazer. Ento, jovens dacomunidade invadiam o lugar e, como forma de manifestar sua desapro-vao, o depredavam. O pesquisador verificou que medidas de democra-tizao do uso do espao fsico foram eficientes.

    Resultados semelhantes so indicados por Adams (2002) em umprojeto de revitalizao do espao fsico de uma escola, que possua aentrada principal voltada a uma rodovia de alto trfego, oculta aos mo-radores do bairro. Para o autor, a vizinhana excluda do contato com

    a escola e, por isso, descontente praticava atos de vandalismo e ou-tros delitos. Assim, a criao de uma nova entrada, voltada para a co-munidade, foi uma das propostas para a revitalizao do lugar, junto aoutras como, por exemplo, a flexibilizao do uso de certos espaos, quepassariam a abrigar diferentes atividades conforme a necessidade dosalunos e da escola. Pode-se supor que tais medidas contriburam para osentido de pertencimento ao lugar e de responsabilidade para com o seucuidado e preservao.

    Como visto, a indefinio de propriedade e responsabilidade so-

    bre um lugar um fator associado s prticas de depredao. Grandeparte das intervenes dirigidas tanto ao ambiente fsico e social comoao indivduo objetiva, ainda que indiretamente, promover tal apropria-

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    o do espao: melhorar o clima social, implementar o sentido de co-munidade, estimular a participao de todos nos processos de discussoe deciso, combater a indiferena e a apatia nas relaes humanas e nas

    prticas pedaggicas, incluindo as de educao ambiental. A personali-zao do espao, como medida de interveno dirigida ao ambiente fsi-co, tambm se constitui um importante mecanismo de apropriao econtrole efetivo do meio edificado (Felippe, 2009; Kuhnen, Felippe,Luft, & Faria, in press).

    Wells, Thelen e Ruark (2007), com base em publicaes de R.Sommer e de E. Sundstrom, apresentam a personalizao como uma a-o deliberada de modificar as caractersticas de um ambiente, para me-lhor adequ-las s necessidades de um grupo ou de um indivduo e refle-

    tir sua identidade. um mecanismo de controle ambiental, em que semanifesta o poder de interveno e influncia dos usurios sobre o meio.Atravs desse mecanismo, as pessoas organizam o espao ao seu redorpara atender s suas necessidades bsicas, como descansar, proteger-se,divertir-se, e favorecer aspiraes e relaes de afetividade que lhe soprprias.

    Atravs da personalizao, possvel expressar personalidade, o-riginalidade e individualidade. Ao projetar caractersticas particulares noespao, indivduos definem um territrio, regulam as interaes sociais e

    fortalecem o sentido de pertencimento a um lugar (Wells, 2000). Aspesquisas indicam que indivduos mais territoriais usam mais marcas depersonalizao e so mais apegados ao seu territrio (Kaya & Weber,2003; Ruback & Kohli, 2005). Da mesma forma, apontam que propor-cionar maior controle ambiental s pessoas, por meio da personalizao,melhora os nveis de satisfao, bem-estar, favorece avaliaes ambien-tais positivas (Huang, Robertson, & Chang, 2004; Imamoglu, 2007;Wells, 2000; Wells et al., 2007), eleva a auto-estima (Maxwell & Chmi-

    elewski, 2008) e auxilia no controle do estresse, por favorecer a adapta-o do espao s caractersticas do indivduo (Huang et al., 2004; Wells,2000; Wells et al., 2007; Yan & England, 2001).

    Ao comentar projetos do qual participou junto a Henry Sanoff, oarquiteto Graham Adams (2002) apontou o importante papel da persona-lizao dos espaos em escolas, como parte de um mtodo de trabalhoem estudos pessoa-ambiente que envolve a interdisciplinaridade e a par-ticipao do usurio. Os arquitetos reuniram professores, pais e alunospara produzir ladrilhos de barro que seriam incorporados fachada da

    escola e instalaes de arte ao redor das edificaes. Estudos comparati-vos entre essas escolas e outras com a mesma grade curricular, omesmo oramento, a mesma rea construda e condies scio-

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    econmicas semelhantes verificaram que a participao dos alunos ea sensao de estarem colaborando no projeto da escola fez aumentar oseu sentimento de propriedade e esse sentimento se refletiu no desem-

    penho escolar. Para os profissionais envolvidos, a medida importantepara que a comunidade se sinta valorizada ao vivenciar o processo deconstruo de seus futuros espaos.

    Possibilitar a personalizao de um ambiente , portanto, umaforma de permitir a participao do usurio na elaborao do espao queocupa. As consideraes observadas at aqui sugerem que dar s pesso-as a oportunidade de compartilhar importantes decises sobre seus futu-ros ambientes, entendendo-as como parte da equipe de planejamento,promove a ratificao da identidade pessoal e de grupo, a satisfao de

    necessidades psicofisiolgicas, o sentido de comunidade e de pertenci-mento ao lugar e, assim, a motivao para o cuidado ambiental. Combase nessas consideraes, Henry Sanoff e Graham Adams (Adams,2002) propuseram uma metodologia de trabalho em arquitetura, fomen-tando um modelo geral de planejamento que envolve:

    1. O reconhecimento do ambiente de estudo, por meio das tcni-cas de questionrios, entrevistas, caminhadas pelo local (walk-through ou walk-around-the-block), mapeamentos comporta-

    mentais e anlise de vestgios;2. O planejamento participativo, pela formao de grupos de usu-

    rios imbudos da tarefa de planejar com o auxlio de dese-nhos, layouts com fotografias e maquetes e experienciar osmodelos propostos pelos profissionais;

    3. A categorizao de conceitos ordenadores do espao, pela pro-posio dos esquemas gerais de organizao possveis, basea-dos no resultado das etapas anteriores;

    4. A definio do esquema espacial mais adequado, junto aosgrupos de usurios envolvidos, e a posterior finalizao e exe-cuo da proposta;

    5. A reavaliao do projeto, depois de executado, por meio deuma avaliao ps-ocupao (APO), com vistas retroalimen-tar o ciclo projetual e oferecer informaes importantes a no-vos projetos, baseadas na experincia anterior.

    O planejamento participativo d ao planejador a possibilidade de

    captar informaes que somente o usurio poderia dar. Conforme defen-deu Elali (1997, p. 353), o contato direto e cotidiano de um usuriocom um objeto transforma esse indivduo em um crtico severo e abali-

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    zado daquele produto. . . . Assim, embora nenhum desses usurios possaser considerado especialista. . . a funo usoos habilita a realizar talanlise.

    Tal como promover a participao da comunidade no planeja-mento e nas rotinas escolares, conclui-se com base nos estudos aqui a-presentados que medidas em direo satisfao e ao interesse dos usu-rios para com a escola, por meio da criao de um ambiente fsico e so-cial agradvel so importantes estratgias de interveno contra o van-dalismo a serem consideradas. Tais caractersticas ambientais comparti-lham aspectos comuns experincia de apego ao lugar, razo pela qual ateoria sobre laos afetivos com lugares apresenta-se til ao estudo decontextos que favoream o cuidado com o ambiente.

    3.3. O Apego ao Lugar nos Estudos Pessoa-Ambiente

    O interesse pela pesquisa sistemtica dos laos afetivos que aspessoas estabelecem com lugares decorre da percepo do papel que es-ses laos contribuem para a definio e a qualificao da identidade pes-soal, para instaurar o sentido de pertencimento a um lugar e promover a

    apropriao e o cuidado ambientais (Giuliani, 2004; Proshansky et al.,1983; Speller, 2005). A pesquisa dedicada ao tema tem ampliado signi-ficativamente seu mbito de investigao e encontrado variados camposde aplicaes. Vnculos emocionais com lugares tm sido relacionados acomprometimento e comportamento pr-ambientais (Bonaiuto, Carrus,Martorella, & Bonnes, 2002; G. G. Brown, Reed, & Harris, 2002; Buijs,2009; Jorgensen & Stedman, 2006; Ryan, 2005; Walker & Ryan, 2008);cuidados com o local de moradia e vigilncia para a manuteno da or-

    dem em comunidades (B. B. Brown, Perkins, & Brown, 2003; B. B.Brown et al., 2004; G. Brown, Brown, & Perkins, 2004); mobilizaopara o planejamento ambiental comunitrio, engajamento e controle so-cial (B. B. Brown et al., 2003; G. Brown et al., 2004; Kelly & Hosking,2008; Lewicka, 2005; Manzo & Perkins, 2006; Wakefield, Elliott, Cole,& Eyles, 2001; Walker & Ryan, 2008), lealdade para com destinos turs-ticos (Gross & Brown, 2006, 2008; Hailu, Boxall, & McFarlane, 2005;Hwang, Lee, & Chen, 2005; Yuksel, Yuksel, & Bilim, 2010) e estabele-cimentos comerciais (Allard, Babin, & Chebat, 2009; Rosenbaum,

    Ward, Walker, & Ostrom, 2007).A afetividade envolvendo lugares comparece, com maior ou me-nor destaque, em estudos de diferentes grupos temticos da Psicologia

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    Ambiental, notadamente nas pesquisas sobre comportamento scio-espacial humano; conhecimento ambiental; ambientes e populaes es-pecficas como bem representam os estudos sobre as interaes de

    idosos com seu ambiente fsico e social imediato (Joseph & Chalmers,1995; Leith, 2006; Shenk, Kuwahara, & Zablotsky, 2004; Wiles et al.,2009); avaliao e planejamento ambiental; comportamento ecologica-mente responsvel; percepo social de riscos ambientais e gesto ambi-ental, segundo classificao apresentada por Pinheiro (2003), ao caracte-rizar a pesquisa nos estudos pessoa-ambiente.

    3.3.1. Lugar, Identidade e Apego: Indicadores para o Cuidado Ambien-

    tal

    Apego ao lugarpode ser definido como o vnculo emocional fir-mado com cenrios fsicos, envolvendo sentimentos derivados da expe-rincia espacial real ou esperada (B. B. Brown & Perkins, 1992; Giulia-ni, 2004; Shumaker & Taylor, 1983). Ao discutir sobre o conjunto decognies de valncia positiva e negativa elaboradas pelos sujeitos acer-ca do espao fsico, a que chamaram identidade de lugar7, Proshansky,

    Fabian e Kaminoff (1983) postularam que o apego ao lugar indubita-velmente ocorre naqueles indivduos cuja identidade de lugar envolvecognies positivamente valorizadas de uma ou alguma combinaodesses contextos, que de longe pesam mais que o nmero de cogniesnegativamente valorizadas8(p. 76). O conceito de apego ao lugar pres-supe que no h relao de afetividade humana que no esteja de al-guma forma relacionada a aspectos de lugar. De modo semelhante aoque a teoria do apego considerou para a relao interpessoal, tal noo

    pressupes a existncia de vnculos emocionais envolvendo a dimensofsica do ambiente.Para Giuliani (2004), embora haja analogias evidentes entre a teo-

    7Proshansky, Fabian e Kaminoff (1983) afirmaram que a identidade de lugar uma subestrutu-ra ou um aspecto da identidade pessoal que se relaciona a contextos fsicos. Conforme Speller(2005) entretanto, essa concepo merece ser ampliada ao se considerar que todo aspecto daidentidade pessoal e no somente uma parte est, em maior ou menor grau, relacionado aum aspecto do lugar.8Place-belongingness undoubtedly occurs in those individuals whose place-identity involves

    positively valenced cognitions o fone or some combination of these settings which far outweighthe number of negatively valenced cognitions(Proshansky et al., 1983, p. 76).Proshansky, Fa-bian e Kaminoff utilizaram a expressopertena ao lugar(place-belongingness) para se referi-rem ao apego ao lugar(Speller, 2005).

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    ria do apego e a noo de apego ao lugar, este ltimo de natureza es-pecfica e distingue-se, portanto, de outras formas de afeto. Caracteriza-se, semelhana dos laos afetivos entre pessoas (Ainsworth, 1989), pe-

    lo vnculo relativamente duradouro entre a pessoa e o ambiente, pelaconstituio de importncia deste ltimo em razo de sua singularidade,pelo desejo de proximidade ao lugar, pelo sentimento de segurana econforto atravs do contato e sofrimento em funo da separao(Giuliani, 2004). Entretanto, preciso observar que, embora a compara-o com laos entre pessoas parea ser til, diferenas podem existir noque diz respeito funo psicolgica de cada tipo de lao, s caracters-ticas do objeto de apego, ao comportamento manifesto, ao modo como olao se forma, desaparece ou se transforma e suas consequncias psico-

    lgicas (Giuliani, 2003). Enquanto a teoria do apego procura as regula-ridades do comportamento de vinculao, a noo de apego ao lugarsublinha a diversidade dos laos entre indivduos de diferentes grupos eculturas, em diferentes estgios do ciclo de vida (Speller, 2005).

    No que se refere formao de laos afetivos com lugares, Giuli-ani (2004) identificou na literatura trs processos constituintes, no mu-tuamente exclusivos: o que deriva em apego funcional, em apego simb-lico e em apego atravs do tempo. Segundo a autora, o apego funcional resultado de uma relao pessoa-ambiente que possibilita um julga-

    mento positivo do local frente s necessidades do indivduo. O apego aolugar se d em razo da quantidade e da importncia das necessidadessatisfeitas, sendo de caracterstica mais cognitiva que emocional. Nessecaso, o tempo de vinculao uma consequncia da satisfao de neces-sidades da pessoa pelo lugar e a estabilidade do lao afetivo varia comas alternativas ambientais disponveis. J o apego simblico deriva dosignificado assumido pelo lugar para a pessoa, ainda que este lugar norepresente maior importncia sua vida cotidiana. O tempo de vincula-

    o, nesse caso, no relevante e a estabilidade do lao afetivo dependeda correspondncia entre o significado atribudo ao lugar e os elementossignificativos para a identidade do indivduo no momento da vinculao.Por fim, o apego atravs do tempo deriva de um longo processo de pro-ximidade, que gera satisfao, segurana e bem-estar em razo da fami-liaridade com o lugar. Ao contrrio do apego funcional, essa forma devnculo no se deve propriamente s qualidades do local, mas ao tempode vinculao. Sua caracterstica, por isso, mais emocional que cogni-tiva, implicando no sofrimento pela separao e na dificuldade de subs-

    tituio de um lao afetivo por outro (Giuliani, 2004).A primeira referncia clara aos laos afetivos com lugares foi fei-ta por Fried, em 1963, com a publicao de estudo sobre a deslocao

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    forada da moradia (Giuliani, 2004). Fried percebeu que o afastamentodo lugar produzia reaes semelhantes perda de um ente prximo e a-tribuiu esse sentimento a uma interrupo do sentido de continuidade

    dos moradores, pela fragmentao da identidade espacial e comunitria.Nessa mesma poca, o debate acerca das diferenas entre as noes deespao e lugar intensificou-se, em razo das massificaes de realoja-mentos caractersticos das reestruturaes urbanas do ps-guerra, quecolocaram em questo a qualidade dos espaos produzidos (Speller,2005). A oposio espao versus lugar ps-se em cena, desta forma,com o contexto de surgimento e desenvolvimento da prpria PsicologiaAmbiental. Enquanto a noo de espao representava apenas um con-

    junto de positivaes acerca do ambiente fsico, o lugar constitua-se

    como o espao imbudo do significado elaborado pelos seus utilizado-res.O conceito de identidade de lugar alimenta-se dessas considera-

    es para revelar um estado de reconhecimento por parte de um indiv-duo de um cenrio especfico, com o qual ele relaciona valores, signifi-cados e sentimentos (Felippe, 2009). A intensidade com que o referidoambiente possibilita o estabelecimento de certas funes e valores sim-blicos desencadeia, potencialmente, vnculos emocionais com o lugar.O apego ao lugar, ento, promove a apropriao do espao, que pode ser

    entendida como a atitude sobre o meio motivada pela sensao de per-tencimento. quando o indivduo passa a dirigir ateno ao lugar nosentido de garantir a manuteno das qualidades ambientais que satisfa-zem suas necessidades biolgicas, psicolgicas, sociais e culturais e rati-ficam sua identidade pessoal.

    Nessa direo, estudos tm relacionado a existncia de apego aolugar s prticas de cuidado e preservao ambientais (B. B. Brown etal., 2004; Halpenny, 2006; Walker & Ryan, 2008). Halpenny (2006), ao

    examinar a relao entre apego ao lugar e intenes pr-ambientais, en-controu que o apego ao lugar foi positivamente relacionado a formas deinteno pr-ambiental em geral e em direo a locais especficos. Ob-tendo resultados semelhantes, Walker e Ryan (2008) exploraram a influ-ncia do apego ao lugar de moradores de uma rea rural sobre a vontadeem participar de estratgias de conservao e planejamento de seu terri-trio. Os resultados indicaram forte correlao positiva entre o apoio deresidentes s atividades de proteo e planejamento ambientais e o nvelde apego ao lugar.

    Em outro estudo, B. Brown et al. (2004), que investigaram as re-laes entre incivilidades, atos criminais e apego ao lugar em vizinhan-as, observaram que incivilidades e pouca vinculao afetiva com o lu-

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    gar so importantes preditores de crime. Acreditaram que o apego de-sempenharia um papel no sentido de nutrir comportamentos e atitudesque protegem contra a violncia, desencorajam a incivilidade e fortale-

    cem laos sociais. Indivduos mais apegados ao lugar seriam melhoresguardies de territrio, exibindo maior vigilncia e protetividade. Almdisso, tenderiam a cuidar mais do lugar, evitando atrair a violncia quese d em funo da percepo de incivilidades que, como visto, favore-cem atos criminais por transmitirem a imagem de que no se pode pro-teger o local.

    3.3.2. A Afetividade nos Estudos Pessoa-Ambiente

    A anlise da produo de artigos cientficos relacionados ao temapossibilita avaliar a pesquisa do apego ao lugar quanto ao modo como serelaciona s caractersticas dos estudos de Psicologia Ambiental. A Ta-bela 2 apresenta alguns resultados da pesquisa por publicaes na rea9,no que diz respeito ao grupo temtico a que pertence o estudo, aos mbi-tos de investigao relacionados ao conceito de apego ao lugar, ao de-partamento de origem dos pesquisadores e aos peridicos de publicao.

    Os artigos cientficos esto disponibilizados nas bases de dados ScienceDirecte Sage, que renem, entre outros, peridicos voltados s reas decincias sociais e humanas, incluindo duas importantes publicaes daPsicologia Ambiental: Journal ofEnvironmental Psychology e Envi-ronment & Behavior.

    9Foram selecionados quarenta e seis artigos de peridicos, que incluam a expressoplace at-tachmentem suas palavras-chaves, publicados at fevereiro de 2010.

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    TABELA 2

    Resultados da Pesquisa por Publicaes com Interesse nas Relaes de Apego ao Lugar, nas Be SageGrupo temtico mbitos de investigao Departamentos de origem Peridicoscomportamento

    scio-espacial

    humano

    apropriao

    controle e coeso social

    cuidado ambiental

    dupla-residncia

    ecologia de comunidades

    impacto do turismo

    laos sociais

    movimentos sociais

    territorialidade

    transio universidade

    Administrao

    Agricultura

    Ambiente e Comportamento

    Ambiente e Sade

    Aprendizagem

    Comportamento Organizacional

    Estudos Urbanos

    Geografia

    Geologia

    Psicologia Ambiental

    Psicologia SocialSistemas Sustentveis

    Environmen

    Health & Pl

    Journal of E

    Journal of P

    Tourism Ma

    conhecimento

    ambiental

    estabilidade do apego Cincia Florestal

    Psicologia

    Journal of E

    ambientes espe-

    cficos

    reas pblicas urbanas

    contextos recreacionais

    escolas

    espaos comerciais

    festivais religiosos

    parques naturais

    shoppings

    Administrao

    Arquitetura

    Cincia Florestal

    Design

    Economia Rural

    Engenharia Civil

    Hotelaria e Turismo

    Marketing

    Psicologia do Desenvolvimento

    Environmen

    European R

    Habitat Inte

    Journal of B

    Journal of E

    Journal of E

    Journal of R

    Journal of S

    Tourism Ma

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    Recursos Naturais

    Sociologia

    Turismo e Recreao

    Urbanismo

    populaes es-

    pecficas

    idosos

    nativos e no nativos

    Antropologia

    Cincias da Sade

    Cincias do Comportamento

    Geografia

    Psicobiologia

    Psicologia Cognitiva

    Psicologia Social

    Sociologia

    Health & Pl

    Journal of A

    Journal of E

    Social Scien

    avaliao e pla-

    nejamento am-

    biental

    realocao da moradia

    significado ambiental

    Arquitetura

    Psicologia

    Recursos Naturais

    Applied Ge

    Journal of E

    comportamento

    ecologicamente

    responsvel

    atividades recreacionais pre-

    servao de paisagens

    Arquitetura da Paisagem

    Cincias Cognitivas

    Planejamento Regional

    Psicologia Social

    Recreao e Turismo

    Recursos Naturais

    Sociologia Rural

    Applied Ge

    Journal of E

    Journal of E

    Journal of E

    Landscape a

    percepo social

    de riscos ambi-entais

    desastres naturais

    regies de conflitos

    Arquitetura

    Cincias da SadeSociologia

    Environmen

    Health & PlOrganizatio

    gesto ambiental recuperao de mananciais Urbanismo Journal of E

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    A produo do conhecimento sobre apego ao lugar permite avali-ar sua investigao quanto s dimenses caractersticas dos estudos emPsicologia Ambiental, a saber, a complexidade do objeto estudado, a

    multidisciplinaridade, as perspectivas tericas e os paradigmas de inves-tigao, e a abordagem multimetodolgica. Observam-se similaridadesquanto aos trs primeiros aspectos e diferenas com relao ao ltimo,pois o estudo do apego ao lugar parece ainda evitar a triangulao meto-dolgica. Os resultados da anlise demonstram a dificuldade impostapela c