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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Departamento de Geografia Programa de Pós- Graduação em Ordenamento Territorial e Ambiental DO TERRITÓRIO DA GOVERNANÇA AO TERRITÓRIO DO CAMPESINATO: LIMITES E POSSIBILIDADES DOS ASSENTAMENTOS EM NIOAQUE-MS IVAN DE SOUSA SOARES Niterói 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEDepartamento de Geografia

Programa de Pós- Graduação em Ordenamento Territorial e Ambiental

DO TERRITÓRIO DA GOVERNANÇA AO TERRITÓRIO DO CAMPESINATO:LIMITES E POSSIBILIDADES DOS ASSENTAMENTOS EM NIOAQUE-MS

IVAN DE SOUSA SOARES

Niterói2012

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IVAN DE SOUSA SOARES

DO TERRITÓRIO DA GOVERNANÇA AO TERRITÓRIO DO CAMPESINATO:LIMITES E POSSIBILIDADES DOS ASSENTAMENTOS EM NIOAQUE-MS

Dissertação apresentada ao Programa dePós-Graduação em Geografia daUniversidade Federal Fluminense, comorequisito parcial para obtenção do Grau deMestre em Geografia, Área de Concentração:Ordenamento Territorial.

.

Orientador: Profº Dr. Jacob Binsztok

Niterói2012

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Ivan de Sousa Soares

DO TERRITÓRIO DA GOVERNANÇA AO TERRITÓRIO DO CAMPESINATO:LIMITES E POSSIBILIDADES DOS ASSENTAMENTOS EM NIOAQUE-MS

Dissertação apresentada ao Programa dePós-Graduação em Geografia daUniversidade Federal Fluminense, comorequisito parcial para obtenção do Graude Mestre em Geografia, Área deConcentração: Ordenamento Territorial.

Aprovada em 14 de maio de 2012.

Niterói2012

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Este trabalho é dedicado a minha família, companheirade estradar e amigos, os quais tiveram (ainda têm)grande importância para a minha formação como pessoanos vários meandros da vida, nesse rumo, me servindocomo alicerce para enfrentar as pelejas cotidianas. Nãohaveria de ser diferente, é dedicado, apesar de seurecorde/delimitação “espacial” de análise, a todos oscamponeses, que lutam cotidianamente em uma inclusãoprecarizada na sociedade, para assim preservarem suasdistintas formas de ser e existir no grafar cotidiano daterra.

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AGRADECIMENTOS

Ao orientador Jacó pela sua perspicácia plural de leitura da sociedade, bemcomo pela sua receptividade e flexibilidade de aceitação acerca das novas idéias naconfecção do trabalho.

Aos professores da Universidade Federal Fluminense, mormente osprofessores Carlos Walter e Mônica Cox pelas provocações acerca das propostas,processo o qual nos faz sentir mudado em relação aos pressupostos pensadosoutrora. Professor Rogério Haesbaert com suas valiosas contribuições para além do“Homo territorium”.

Professora Maria Verónica Secreto de Ferreras do curso de história da UFF,pelas importantes contribuições no momento da qualificação do referido trabalho.

Ao Carlos Alberto por suas relevantes ponderações, bem como por suareceptividade comigo ao chegar em Niterói.

Aos professores do curso de graduação em geografia da UniversidadeFederal de Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas, os quais muitocontribuíram nos primeiros passos acadêmicos, me mostrando os “vários sabores dageografia”, mesmo que em muitos momentos, alguns desses sabores, preparos eessências me remetessem ao fel.

Em especial a professora Rosemeire Aparecida de Almeida, por meapresentar o “sabor agradável” de uma geografia comprometida com os gruposhistoricamente subalternizados, buscando assim estabelecer o diálogo do fazercientífico com a plenitude das lutas travadas no interior do modo capitalista deprodução.

Ao professor Vicente Eudes, pelos primeiros sabores da geografia, ainda naépoca de minha condição dúplice de operário e estudante.

Aos camponeses entrevistados, por entendermos que a prática dapesquisa em ciências humanas/sociais, tem-se muito mais a entender com essessujeitos do fazer cotidiano, ao invés de ensinar. Desta forma, procurandoestabelecer uma relação mais simétrica por meio do fazer científico, emborasaibamos que tal missão de descolonização da mente seja um grande obstáculoainda presente na academia.

Portanto, agradeço a cada homem, mulher e filhos dos assentamentospesquisados.

A Rosana (Preta), e Altair do assentamento Andalucia desde o primeirocontato em 2007, por contribuírem para o bom andamento da pesquisa de campo,bem como por traduzir em suas falas, o sentimento de pertencimento o qual permeiaa configuração de um legítimo cerrado habitat.

Ao Sr. Amaro e Cissa por me acolherem como um membro da família,demonstrando toda a fartura e o papel sociológico/simbólico que o alimento nomundo camponês possui, assim me fazendo adquirir algumas gramas, ao passo desempre querer voltar ao assentamento Boa Esperança.

Ao Sr. Severino e sua esposa, por tornarem a pesquisa menos fria, por meiodos relatos de suas histórias de luta e as pelejas ainda enfrentadas na atualidadecom os problemas estruturais do assentamento Areia.

Aos meus pais, uma vez que sem eles nada faria sentido. O velho “ChicoMaranhão” e Dona Helena por me darem condições de adentrar o espaço daUniversidade, mesmo que intuitivamente sabendo que historicamente essa não fora

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criada em sua raiz, para atender os anseios da classe trabalhadora e dos grupossubalternizados.

Aos Irmãos em grande número, Eva, Flávio, Fernanda e Elizângela.Aos amigos conquistados ao longo das vivencias, das várias espacialidades

vividas (São Paulo- Três Lagoas- Rio de Janeiro). Da época da graduação, PatríciaMilani e Willian Ribeiro. Aos membros do Grupo de Estudos Terra- Território- GETT,Mie grande entusiasta do papel da luta camponesa em busca da justiça social.“Tayrone, com sua inquietudade por vezes indomável”. “Irmão mais novo” adquiridono estradar acadêmico em Três Lagoas. No Rio de Janeiro, já no programa de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense- UFF. Saulo Costa, grande parceiro(e encorajador) de vários momentos na vivência no Rio de Janeiro. Edarme, Vera(verinha!), Lívia, Nataly (uma cerradeira perdida na praia), Daniel (trancinha),Amanda, Alanda, Pedro, Jean (goiano, grande geógrafo e contador de piadas),Philipe Braga e Glauco pelos agradáveis momentos no espaço da Universidade,bem como nos espaços extra- UFF.

À Laila pelo bom período de convivência desde o primeiro momento de nossachegada em Niterói e pelos longos diálogos “campesinos” em plena noite de sexta-feira.

À família Forster por me acolherem em seu núcleo de convívio, bem como emestadia em Duque de Caxias.

Ottílie Carolina Forster pelo amor confortante, pelo companheirismo semprepresente, mormente nos meus vários momentos de ausências.

Ao Daniel da secretaria, sempre prestativo no bom andamento de questõesligadas à pós-graduação.

À Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES,a qual por meio da bolsa de mestrado propiciou minha permanência em solofluminense no primeiro ano do mestrado. Da mesma forma, agradeço a Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro- FAPERJ pela concessão de bolsa deauxílio, por meio da qual foi possível prosseguir com o trabalho.

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SERRA DE MARACAJÚ

Lembro de um velho índio contando históriasDe glórias e tragédias que não viviQuando das estrelas vieram deuses

E seus sinais estão por aíDepois de um certo tempo eles foram embora

Deixando para trás um povo felizMas os portugueses e os espanhóisInvadiram a terra dos GuaranisEntão vieram os bandeirantesE os retirantes lá das Gerais.

Por muito tempo não houve pazSofreu demais quem te ama

Bela Serra de MaracajúSeus mistérios quero traduzirDescobrir as lendas e memóriasDe cada légua que te percorri

Eu cheguei aqui com os meus próprios pés e hoje tenho minha raizDos antigos lados dos Xaraés

Toco chamamés que eu mesmo fizDe hoje em diante somos iguais

Quem de nossa terra te chamaBela Serra de Maracajú ( Almir Sater)

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DO TERRITÓRIO DA GOVERNANÇA AO TERRITÓRIO DO CAMPESINATO:LIMITES E POSSIBILIDADES DOS ASSENTAMENTOS EM NIOAQUE-MS

Resumo: A construção da referida dissertação de mestrado, suscita a partirsobretudo do contato primário do sujeito pesquisador, por vezes conflituoso, com arealidade empírica dos assentamentos do chamado território da Reforma, no qual omunicípio de Nioaque, possui o segundo maior número de assentamentos com 9projetos, dessa forma sendo inferior apenas ao município de Sidrolândia.

Com o referido caminho, buscou-se apreender os limites e perspectivas dosassentamentos situados em Nioaque-MS, à medida que o contingente populacionaldesses assentamentos, representam próximo a 70% da população municipal.

Embora haja no campo das práticas/ discursos das políticas públicas, um forteideário do desenvolvimento criado a partir a implementação dos territórios rurais dacidadania,, ou até mesmo por meio de política de aquisição de alimentos da “agricultura familiar”, se pode afirmar, que esses mecanismos não têm garantidomelhor qualidade de reprodução desses camponeses, como prega o discurso doEstado em suas diversas esferas. Ao enveredar na pesquisa por meio daconfluência do debate conceitual e o próprio o recorte empírico, buscou-seapreender os conflitos que se estabelecem a partir das diferentes matrizes deracionalidades no moldar territorial, bem como os desdobramentos dessa relaçãopara o cotidiano dos camponeses nessa região singular.

Palavras-chaves: Territórios rurais; campesinato; cerrado; desenvolvimento local.

DE LO TERRITORIO DE LA GOBIERNACIA AL TERRITORIO DELCAMPESINADO: LIMITES Y POSIBILIDADES DE LOS ASENTAMIENTOS EN

NIOAQUE-MS

Resumen: La construcción del trabajo de tesis de maestria, plantea desde lo primercontacto del sujeto investigador, por la veces em conflicto com la realidad empíricode los asentamientos ubicados em el territorio de la Reforma, en cual la ciudad deNioaque, tiene el segundo mayor numero de los asentamientos com 9 proyectos, emconsecuencia siendo solamente abajo a ciudad de Sidrolândia.Con el mencionado trabajo, hemos tratado de aprehender los limites y lasperspectivas de los asentamientos ubicados em Nioaque-MS, teniendo em cuentaque la populación de estos proyectos, represetan próximo al 70% de la populacióngeneral de la ciudad.Aunque hay en campos de las prácticas/ discursos de las politica del gobierno, unafuerte ideologia sobre el desarrollo logrado desde la creación de los “ territorios deRurales de la ciudadanía, o via la politica de adquisicíon de los alimentos de la “agricultura familiar”, se puede afirmar, que los mecanismos no tiene logrado mejorcalidad de vida de eses campesinos, como dice el discurso del Estado en su múltipleesferas. Al entrar em la investigación intermedio de la confluencia del debateconceptual que establece desde las dieferentes matrices de la racionalidad en laconfiguración territorial, bien como los resultados de esta relación para el cotidianodo lo campesinos en la singular región senãlada.

Palabras- clave: Territórios rurales; campesinato; cerrado; desarrollo local.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01-Territórios da Cidadania do MDA em Mato Grosso do Sul.................. 20Figura 02- Mato Grosso do Sul- Município de Nioaque................................... 25Figura 03- Plantio consorciado no assentamento Andalúcia............................ 72Figura 04- Faixa de Campanha dos Ruralistas da Soja em Dourados-MS........ 79Figura 05- Mapa República da Soja (SYNGENTA).......................................... 106Figura 06- Mato Grosso do Sul- Geografia das ocupações de terra- 1988-2007 134Figura 07- Mato Grosso do Sul- Geografia dos assentamentos-1988-2007........ 134Figura 08- Sequência de processamento do Cumbarú (Dipteryx alata).............. 146Figura 09- Exposição de mudas nativas do grupo de mulheres-NINA/MST....... 149Figura 10- Mosaico de atividades exercidas no assentamento Palmeira ........... 152Figura 11- Infraestrutura do assentamento Areia-Nioaque............................... 154Figura 12- Resfriador de leite no assentamento Andalúcia.................................. 167Figura 13- Mosaico dos Agroecossistemas complexos em Nioaque................. 172Figura 14- Processos erosivos no assentamento Boa Esperança...................... 180

Gráfico 01- Estabelecimentos em Mato Grosso do Sul divididos por grupo deárea (hectares)...................................................................................................... 17Gráfico 02- Filhos moradores em assentamentos........................................... 47Gráfico 03- Naturalidade dos assentados entrevistados Nioaque...................... 123Gráfico 04- Mato Grosso do Sul- Número de Ocupações- 1988-2007............... 127Gráfico 05- Mato Grosso do Sul- Número de assentamentos-1984-2010........... 128Gráfico 06- Organização de Luta pela terra dos Assentados em Nioaque ........ 131

Gráfico 07- Luta camponesa no território da Reforma dividida por município..... 135

Gráfico 08- Comparativo da área plantada de milho entre Nioaque e TrêsLagoas-MS-1990-2010........................................................................................ 139Gráfico 09- Produção de feijão e mandioca (ha)-1990-2010............................... 155Gráfico 10- Plantio de mandioca nos assentamentos de Nioaque- (safra-2010-2011)................................................................................................................... 157Gráfico 11- Plantio de feijão nos assentamentos de Nioaque- (safra-2010-2011)............................................................................................................ 158Gráfico 12- Plantio de milho nos assentamentos de Nioaque- (safra-2010-2011).............................................................................................................. 160Gráfico-13- Plantel de Mato Grosso do Sul- 1975-2006................................... 162Gráfico 14- Produção de Leite nos assentamentos de Nioaque-2011............... 165Gráfico 15- Geração de renda externa nos assentamentos de Nioaque-2011.... 168Gráfico 16-Informação obtida sobre sistema agroecológico............................ 178Gráfico 17- Atual situação ambiental dos assentamentos pesquisados............ 181

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01- Assentamentos pesquisados..................................................... 24Quadro 02- Características da Agricultura camponesa e moderna.............. 73Quadro 03- Lâmina de água necessária durante o ciclo das culturas........ 75Quadro 04-Número de títulos e Concessão de terras expedidas peloEstado............................................................................................................

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LISTA DE SIGLAS

APL- Arranjos Produtivos LocaisCAND- Colônia Nacional de Dourados.CEPPEC- Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do CerradoCPT- Comissão Pastoral da TerraFAF- Federação da Agricultura FamiliarFETRAGRI- Federação dos Trabalhadores na AgriculturaFHC- Fernando Henrique CardosoFMI- Fundo Monetário InternacionalFUNAI- Fundação Nacional do ÍndioIBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaIIRSA- Integración de la Infraestructura Regional Sur- americanaMDA- Ministério do Desenvolvimento AgrárioMST- Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra.MTE- Ministério do Trabalho e EmpregoNERA- Núcleo de Estudos da Reforma AgráriaP.A- Projeto de assentamentoPAA- Programa de Aquisição de AlimentosPAM- Produção Agrícola MunicipalPDA- Plano de Desenvolvimento do AssentamentoPNPSB- Plano nacional de Promoção das Cadeias de Produtos daSociobiodiversidade.PRONAF- Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura FamiliarPT- Partido dos TrabalhadoresSOMECO- Sociedade Melhoramentos de ColonizaçãoUFMS- Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................... 13CAPÍTULO 1- O LUGAR DO CAMPESINATO NAS DIFERENTES ESPAÇO-TEMPORALIDADES: O (RE)VISITAR CONCEITUAL...................................... 261.1-A inquietude da classe camponesa nos clássicos da questão agrária........ 281.2- O lugar do campesinato no marxismo ortodoxo agrário......................... 331.3- A especificidade da unidade familiar camponesa: o entendimento daeconomia doméstica a partir do legado chaynoviano...................................... 431.4- O problema da renda da terra no capitalismo............................................. 501.5- O caráter multifacetado da constituição do campesinato brasileiro............ 571.6. Outras leituras possíveis desde a relação sociedade-natureza................... 66CAPÍTULO 2- DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E A UNIFORMIDADE DOMUNDO........................................................................................................ 772.1- As múltiplas fragmentações do mundo desde o ocidente......................... 802.2- Desenvolvimento e Revolução Verde: Continuidade do sistema-mundo-moderno-colonial............................................................................................ 852.3- Desenvolvimento Rural e a plasticidade do capital..................................... 94CAPÍTULO 3- A CENTRALIDADE ANALÍTICA DO TERRITÓRIO NAQUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA............................................................... 1003.1- As tipologias que erguem acerca do território........................................... 1003.2- Terra e território na Questão agrária brasileira............................................ 1083.2.1- A lei de terras de 1850 como elemento da centralidade da terra comopoder............................................................................................................ 1123.2.2- Novos horizontes da longa marcha do campesinato brasileiro................ 115

3.3- Terra e território em Mato Grosso do Sul.................................................... 1173.3.1- Espacialização e territorialização camponesa em Mato Grosso doSul.................................................................................................................. 121CAPÍTULO 4- NIOAQUE E OS ASSENTAMENTOS RURAIS: OTERRITÓRIO CAMPONÊS POSTO EM QUESTÃO........................................ 1384.1- Campesinato e Território: A marcha ao estabelecimento da terra detrabalho em Nioaque......................................................................................

140

4.2- Os assentamentos pesquisados como expressão de territórioscamponeses................................................................................................... 1434.2.1- Formas de uso da terra e trabalho nos Assentamentos de Nioaque........ 1544.2.2- A específicidade camponesa na apropriação da natureza ..................... 171CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 183REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 186APÊNDICE 01- Planta do Assentamento Andalucia- Nioaque-MS....................... 195APÊNDICE 02- Planta do Assentamento Boa Esperança- Nioaque..................... 196APÊNDICE 03- Planta do Assentamento Palmeira- Nioaque-MS........................ 197APÊNDICE 04- Planta do Assentamento Areia- Nioaque-MS.............................. 198APÊNDICE 05- Modelo de Questionário da Pesquisa...................................... 199

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INTRODUÇÃO

No Brasil de um modo geral, a propriedade/ posse da terra historicamente, abriu

importantes precedentes para o açambarcamento do poder político, bem como a

possibilidade de acumulação/ manutenção desse importante equivalente de capital.

A partir desse quadro, pode-se apreender com maior expressão a posição de Mato

Grosso do Sul diante do processo de fusão da relação terra-poder, o que coloca o

descrito Estado na atualidade como um dos mais concentrados do País.

Cabe destacar como lembra Almeida acerca dessa concentração fundiária

característica em Mato Grosso do Sul, que não tal situação pode ser atribuída como

um processo estritamente resultante da modernização do campo experimentada

pelo espaço agrário brasileiro a partir dos pressupostos da expansão do

agronegócio e/ou da Revolução Verde, uma vez que somente uma parte do país se

modernizou.

A relação discursiva que se estabelece a partir dessa presumida

modernização do campo, apenas serve para invisibilizar o re-inventar do latifúndio

moderno, os quais em grande parte se constituem como legítimas reservas de valor,

portanto meio pelo qual seus detentores absorvem a mais-valia social de toda

sociedade, seja por meio da renda territorial ou em alguns casos, com os Impostos

Territoriais Rurais impagáveis. Esse indicativo apontado por Almeida evidencia-se

por meio dos dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária- INCRA

(2003), trabalhados por Oliveira ( 2008), uma vez que segundo esse autor, cerca de

8.545.942,20 hectares, os quais representam um percentual de 23% das terras

cadastradas são consideradas improdutivas em Mato Grosso do Sul.

Outro dado de suma importância para o entendimento do papel da terra em Mato

Grosso do Sul, diz respeito às terras devolutas, portanto terras públicas, pois do total

de áreas cadastradas, 15% se constituem de terras devolutas, as quais por força da

Lei deveriam ser convertidas para Reforma Agrária. Acerca das terras devolutas

apontadas por Oliveira (2008), por meio dos dados do INCRA, cabe elencar que o

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município de Japorã1 no estremo sul do estado, se constitui com o maior número de

terras de Mato Grosso do Sul nessa condição, com um percentual de 56% da área

municipal total.

Na hipótese de que a reforma agrária gestada no Brasil, abarcasse somente

as terras públicas como manda a lei, ao subtrair-se as áreas devolutas de Japorã (

25.723,53 ha), pelo total das áreas oriundas da política de implantação de

assentamentos (11.918,22ha), ainda sim, tem-se uma área de 13.805,31 hectares,

dos quais são passível de apropriação indevida pelos setores do agronegócio.

No mesmo rumo, municípios como Porto Murtinho (40%), Novo Horizonte do Sul

(54%) e Chapadão do Sul (38%), possuem parcelas de áreas, as quais estão na

condição de terras devolutas.

Dentro da idéia desenvolvida da função social, a qual as terras devolutas

deveriam exercer, que ao se realizar o mesmo cálculo relativo às áreas

caracterizadas como terras devolutas, subtraindo pelas áreas contidas nos

assentamentos rurais de Novo Horizonte do Sul, chega-se ao valor de 13.805,31

hectares, dos quais estão sendo apropriados de forma indevida em contraste com o

que se propõe a Lei, nesse caso, conforme apontam os dados do IBGE (2006), o

pequeno percentual de produção de soja no município, com uma área plantada de

762 hectares, pressupõe um processo de formação de reserva de valor, à medida

que segundo dados do INCRA (2003), explorados por Oliveira (2003), 13846,5

hectares das grandes estabelecimentos do município em questão, são classificados

como improdutivos.

Nesse sentido dos dados apresentados, que o discurso da modernidade da

agricultura capitalista, personificada pelo agronegócio, tem se constituído como um

poderoso mecanismo de mascaramento do verdadeiro papel desse modelo, bem

como o uso de terras públicas empregadas na produção de commodities, ou até

mesmo em maior escala, para nela nada produzir com intuito de auferir renda de

toda a sociedade.

Essa ambivalência entre barbárie – modernidade como vem salientando

Oliveira (2003) se fundamenta como um dos principais alicerces desse modelo em

1 Um dado importante sobre o descrito, que a sua grande área de terras devolutas, se destaca pelasua posição fronteiriça, embora tal situação não configura como barreira para a apropriação indevidade terras do Estado.

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Mato Grosso do Sul. Um indicativo dessa referida complementaridade entre

barbárie- modernidade na manutenção do latifúndio moderno (PORTO-

GONÇALVES, 2006), está presente por meio dos dados de violência contra as

populações indígenas.

Embora Mato Grosso do Sul se encontre apenas com a quarta maior

população auto-declarada indígena do país, com um total de 53.900 pessoas (7% do

total), segundo dados do Censo Populacional do IBGE (2000), por outro lado, o

Estado ocupa o primeiro lugar no estabelecimento da violência contra indígenas,

tendo uma participação de 53% nos casos configurados como “homicídio culposo” e

as tentativas de assassinato, as quais possuem uma representação percentual de

59% dos casos registrados em todo o país, segundo dados do Conselho Indigenista

Missionário- CIMI (2010).

Importante apreender, que justamente a maior parte das ocorrências de

variadas formas de violência, está localizada em áreas de alto empreendimento da

agricultura capitalista, como vem ocorrendo na região de Dourados-MS, município o

qual possui a segunda maior produção de soja do Estado com 9%, apenas sendo

superado pelo município de Maracajú com 10% do total de área colhida no Estado,

segundo dados do SIDRA-IBGE (2006). No mesmo passo, segundo dados do IBGE

(2006), apontam que a microrregião de Dourados, emerge com uma participação de

61% de todas as áreas colhidas de soja produzida em Mato Grosso do Sul.

Outra forma comum de violência encontrada em Mato Grosso do Sul, a qual

mantém uma relação intima com a posse e propriedade da terra como mecanismo

de manutenção de poder, diz respeito às atividades análogas ao trabalho escravo,

situação comum no Estado.

Nesse sentido, somente na atualidade da referida “modernização do campo”,

segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego- MTE, no período

compreendido entre o período de 2008 a 2010, foram libertados 266 trabalhadores

em apenas 20 estabelecimentos fiscalizados pelo órgão federal.

Dentro dessa heterogeneidade da questão agrária de Mato Grosso do Sul, com a

terra ocupando papel central de manutenção do poder e inúmeros mecanismos de

expropriação, que Nioaque (figura-02) emerge como suas singularidades no

processo de (re)criação camponesa.

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Embora se configure como fundamental espaço de (re)criação camponesa,

portanto de democratização do acesso à terra, por outro lado o município foco da

pesquisa não está livre dos descaminhos da função social da terra. Nesse sentido,

que segundo dados do INCRA (2003) explorados por Oliveira (2008), demonstravam

que no período, possuía dentre as grandes propriedades, 78204,1 hectares de áreas

consideradas improdutivas, as quais representam um percentual de 20% do total de

áreas das cadastradas dos grandes imóveis.

A divergência entre o discurso do agronegócio, a partir da idéia de

modernização do campo/ produtividade e a real função social da terra, pode ser

evidenciada por meio dos dados do produto interno bruto- PIB de Nioaque,

disponibilizados no IBGE (2007), no qual se verifica que a Agropecuária, setor

alavancado pela pecuária extensiva de corte, atividade comum desde a formação do

Estado, apenas detém o segundo lugar com uma participação percentual de 36%.

Acima se encontram as atividades ligadas ao setor de serviços, com uma

participação de 51% na produção do PIB e o setor industrial representa apenas

13%.

O entrecruzamento dos dados de grandes estabelecimentos considerados

improdutivos explorados por Oliveira (2008), com os dados de participação no PIB

divididos por setor, contribuem para o entendimento do caráter da terra no Brasil e

em Mato Grosso do Sul, assim como o seu caráter rentista como posteriormente se

discutirá, uma vez que aponta para uma prática muito comum no Estado, da

utilização do “boi para esconder terra”.

Outro quadro preocupante e mais nítido da territorialização capitalista em

Mato Grosso do Sul, pode ser apontado pela intensificação da concentração

fundiária, bem como pela degradação ambiental promovidos pela recente expansão

da indústria de papel e celulose na microrregião de Três Lagoas. Nesse sentido,

cabe destacar que segundo dados da Associação Brasileira de Produtores de

Florestas Plantadas- ABRAF de 2010, o Estado de Mato Grosso do Sul possuía uma

área total plantada de 392.042 hectares, dos quais segundo Kudlavicz (2011), a

FIBRIA2 possui 240 mil hectares na referida região.

2 Fusão de grandes empresas do setor, como Aracruz Celulose e Votorantim Papel e Celulose.

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Cabe elencar, que ainda está em processo a construção de outra planta

industrial de produção de papel e celulose na microrregião de Três Lagoas, a

Eldorado, resultado da associação do grupo JBS- Friboi e MCL Empreendimentos.

Diante de tal problemática de expansão massiva do plantio de eucalipto para

a indústria de papel e celulose, que a região enfrenta sérios problemas para a re-

criação camponesa, haja vista que até mesmo a diminuta “reforma agrária” gestada

pelo Estado neoliberal, enfrenta empecilhos diante das altas das terras.

Diante desse quadro de constante monopólio da terra no Estado, portanto de

territorialização do capital, que o campesinato em Mato Grosso do Sul

historicamente, busca por meio de uma peleja cotidiana a sua reprodução nas

bordas desse latifúndio modernizado na constituição de territórios- habitat (

MAZZETO- SILVA, 2006).

Desses camponeses, invisibilizados inclusive pelo discurso de uma “não mais

necessária de reforma agrária”, disseminado por muitos intelectuais e/ou grandes

“latifúndios” da informação no país, que versa a descrita proposta de dissertação.

Gráfico 01- Estabelecimentos em Mato Grosso do Sul divididos por grupo deárea (hectares).

Fonte: Censo agropecuário/IBGE-2006.

Os dados do censo agropecuário (2006), se apresentam como fundamentais

para a leitura da estrutura fundiária do estado de Mato Grosso do Sul, bem com

apreender a especificidade do município de Nioaque em termos comparativos, na

lógica reinante da aliança terra-capital.

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Do total de 1903 estabelecimento pesquisado no município em questão, 84%

se encontravam na categoria de “até 100 hectares”, o que aponta a singularidade da

região no estabelecimento do uso da terra pela posse predominantemente

camponesa. Por outro lado, apenas 11% dos estabelecimento levantados, se

enquadravam no grupo “ de 100 a menos de 100”, entedidos como expressão dos

médios estabelecimentos. No outro extremo, somente 5% se enquadravam no grupo

“ de 1000 a mais de 2500, assim sinalizando um importante processo de

desconcentração da terra no município.

Em Dourados, assim como no municipio foco da pesquisa, há a

predominancia percentual de estabelecimento do grupo de área de “ até mesnos 100

hectares”. De forma intermediária, um percentual de 23%, se encontravam no grupo

de 100 a menos 1000”, nesse caso havendo uma maior concentração númeríca

mais próxima de 1000 hectares. Em menor número, no último grupo, em Nioaque

encontrou-se apenas 3%.

Em Maracajú com um total de 659 estabelecimento levantados, 47% desses,

se econtravam no grupo de “ até 100 hectares”. Em posição intermediária, com um

percentual de 36%, apareceu o grupo de “ 100 a menos 1000”. No último grupo de

“1000 a mais de 2500”, ocorreu um percentual de 17% dos estabelecimento

levantados. Cabe elencar, que o município Maracajú mantém o primeiro lugar no

rancking estadual de produção de soja, bem como segundo os dados do CANASAT-

INPE, mantém um plantio na safra de 2011-2012 de 36.760 hectares.

Como constituinte sede da microrregião mais concentrada do estado de Mato

Grosso do Sul, em Três Lagoas encontrou-se um percentual de 33% de

estabelecimento enquadrados no grupo de “ até 100 hectares”. Em posição

intermediária, porém não menos ligadas à lógica do capital, sobretudo nas terras

próximas a 1000 hectares, encontrou-se um percentual de 48% contidos no grupo

de “100 a menos 1000 hectares”. Embora em menor número , nos grupos “ de 1000

a mais de 2500, encontrou-se o maior número de todos os municípios comparados

no gráfico-01, com 17%. Tal número, pode ser evidenciado por meio da expansão

massiva da silvicultura na região.

Embora o grande número de estabelecimentos como no caso de Nioaque e

Dourados evidencia-se um processo de desconcentração de terras, por outro lado

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os dados em geral, contribuem para a máxima estrruturante da questão agrária

brasileira, onde “ poucos tem muito e muitos têm pouco”.

Na contramão dessa hegemonia do latifúndio moderno, cabe elencar que Mato

Grosso do Sul possuía até o ano de 2010 um total de 186 assentamentos rurais, os

quais beneficiaram 30.585 de famílias em um total de área de 686.261,7127

hectares. Embora o número total da área destinada à reforma agrária em Mato

Grosso do Sul pareça alto, por outro lado o descrito número representa um

percentual de apenas de 0,8% dos 8.545.942,20 hectares considerados

improdutivos, ou seja, aqueles que a constituição federal teria que destinar para a

reforma agrária

Diante dessa pequena possibilidade de constituição de uma moderna “brecha

camponesa”, que ganha destaque o chamado Território da Reforma, delimitação

instituída via políticas públicas de ordenamento territorial do Ministério do

Desenvolvimento Agrário- MDA.

Cabe elencar que esse território, legitimado por meio da constante luta camponesa

em Mato Grosso do Sul, têm uma participação de 34% sobre o total de

assentamentos do Estado. Do outro lado, os territórios da grande Dourados e Cone-

Sul (figura -01), se destacam com 13% cada. Com um menor percentual de

participação, aparece o Território do vale do Ivinhema com 11%. Com maior número,

29% dos assentamentos presentes no Estado, dos municípios não abrangidos pelas

políticas dos territórios da cidadania.

Como demonstram os próprios Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural

Sustentável de cada território da cidadania, essa política pública de cunho disciplinar

de uso do espaço, além de abarcar os camponeses dos assentamentos rurais,

também sugere uma operacionalização da diversidade, à medida que abrange os

territórios indígenas e outra gama de formas na lida cotidiana na terra.

Conforme vem chamando atenção vários debatedores da questão agrária, essa

política gestada sob o indicativo do modelo neoliberal da década de 1990 vem se

consolidando, muito mais como um instrumento de controle, ao invés de mecanismo

de reconhecimento de uma gama de territórios em suas singularidades.

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Ao realizar tamanha generalização das demandas de sua “clientela”, essa

política envereda pelo caminho da simplificação de toda uma diversidade de lutas

gestadas no interior desse capitalismo rentista presente em Mato Grosso do Sul.

Assim como todas as contradições da política “pronafiana”, as políticas de

implantação dos Terrítórios rurais/cidadania guardam em seus campos de práticas/

discursos, a ressignificação das coisas, à medida que nesse “novo mundo rural”, o

esvaziamento político de conceitos e categoria, até então ligadas às leituras das

lutas de classes e/ou processos de contra-hegemonias, são deixados de lado a favor

de um aparente ambiente social de calmaria, mas que no caso do território,

negligencia o controle social por meio do controle territorial.

Figura 01- Territórios da Cidadania do MDA em Mato Grosso do Sul.

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Acerca desse esvaziamento/ operacionalização dos sentidos das noções, que

seguindo a máxima a qual vem sendo construída por meio do vocabulário das

grandes instituições internacionais, que os conceitos de conflito e poder inexistem

como elementos de uma disputa inerente à sociedade capitalista. Nesse sentido, os

territórios rurais, bem como o conceito de agricultor familiar, se deslocam muito mais

no sentido de esvaziar todo um leque pluri-epistêmico/ político de condições já

existentes da luta por meio de um reducionismo homogeneizante, ao invés de

legitimação e reconhecimento de outras matrizes e vivências do caráter total do

território, bem como a possibilidade do devir dessas populações.

Nesse rumo, a questão central municiada de vários problemas, se constrói a

partir dessa intersecção conflituosa dos anseios dos camponeses como sujeitos

constituintes de formas específicas de experimentar a relação com terra, portanto

instituídos de uma determinada condição relacional com o território, em contraste

aos aspectos burocráticos- técnicos das políticas públicas dos territórios da

cidadania, nesse caso o território da Reforma em Mato Grosso do Sul.

Como se entende que todo olhar acerca da pesquisa científica, sobretudo em

ciências humanas, se constrói a partir da componente relacional do pesquisador

com o objeto empírico, o que em última instância resulta na emergência de

perguntas/ problemas a serem respondidas, as questões/ problemas aqui

exploradas nascem dessa “crise produtiva do olhar”.

Em consonância com o dito, que a nossa relação com o objeto empírico, bem

como nossas tortuosas vias de apreensão dele, suscita a partir de 2007 por meio de

visita ao assentamento Andalucia, o qual naquele momento oferecia ( e ainda

oferece) uma perspectiva bastante interessante acerca de outros possíveis

caminhos para o cerrado, por meio do empreendimento das atividades do Centro de

Produção, Pesquisa e Capacitação de Cerrado- CEPPEC, uma vez que esse

oferecia um parâmetro diferenciado daquele vivenciado nos trabalhos de campo em

assentamentos rurais do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio da idéia de uma

“cerrado em pé”.

Adiante buscando apreender as contradições inerentes a esse recorte

empírico, que foi possível sugerir uma provocação acerca dos territórios da

governança por meio do profícuo debate proporcionado por Gómez (2006). Por

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intermédio dessa primeira entrada de leitura crítica dos territórios da governança,

possibilitou-se o entrecruzamento da realidade local dos assentamentos de Nioaque,

com postulados que emergiam por meio das bibliografias experimentadas.

O olhar acerca do descrito recorte empírico, se estabelece também por meio

dos números da luta camponesa na região, tendo em vista que o número de

camponeses nos assentamentos de Nioaque representa acima de 47% da

população total do município, assim acompanhando a tendência demográfica na

divisão de populações rurais e urbanas, as quais apresentam o número de 7.334 e

7.057 habitantes respectivamente.

Frente a tais informações acerca da luta camponesa na descrita região, que

emerge a inquietação de estudar esse recorte empírico, à medida que Nioaque

assume o papel como um território legítimo do campesinato, portanto aparecendo

com grande destaque em Mato Grosso do Sul como o “eldorado” da reforma agrária.

A inquietação nasce exatamente pelo choque entre esses campos das

práticas/ discursos do desenvolvimento local por meio das políticas dos territórios da

cidadania e os limites e perspectivas do campesinato encontradas na região, em

uma relação divergente de matrizes de racionalidades.

Para a descrita empreitada, tendo em vista a importância dos clássicos da

questão agrária, muito mais pela possibilidade estabelecer um ponto de contato com

a realidade social contemporânea, bem como com o nosso recorte empírico, para

além de seu rótulo, buscou-se com o primeiro capítulo transitar pelas idéias de

autores Lênin (1995), Kaustky (1968) e Chayanov(1974), a fim de problematizar

acerca do papel do campesinato em suas várias espaços-temporalidades.

No mesmo sentido, procurou-se problematizar acerca do papel da renda da terra no

processo de exploração desse modo de vida/ classe social. Buscando entender a

especificidade da constituição do campesinato brasileiro, se problematizou a partir

das contribuições de Cardoso (2004), Guimarães (1968), Martins (1981a) e

Woortmann (2009).

Diante da problemática ambiental se que apresenta na contemporaneidade

buscou-se propiciar um debate que abarcasse a situação relacional do campesinato

frente aos recursos naturais, bem como sua especificidade de apropriação social da

natureza e os processos metabólicos com essa. Para tanto, autores inseridos na

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temática sociedade- natureza como Alier (2011) e Leff (2009), bem como os

relacionados ao debate da agricultura praticada pelos camponeses frente aos

recursos naturais, como Toledo (2008), Mazzeto- Silva (2006) e Woortman (2009),

foram de suma importância para esse debate estruturante da ciência geográfica.

Na intenção de adentrar nesses conflitos de matrizes, buscou problematiza

acerca das várias teias escalares de desenvolvimento da Revolução Verde, como

importante revolução das relações de poder nas agriculturas mundiais. O foco

principal do segundo capítulo notabiliza pela análise da mudança das agriculturas

mundiais, bem como das narrativas e dos lugares que ecoam para imposição de

sentidos e noções para o mundo. Autores como Mignolo (2005), Quijano

(2005), Porto-Gonçalves (2006), se apresentaram com relevância importância nesse

debate de cunho epistêmico, bem como na leitura desses conflitos de matrizes de

racionalidades e os seus rebatimentos sobre as formas de produção dos saberes e

sua hierarquização. Adentrando no debate pós- colonial, torna-se possível um

entrecruzamento com o recorte empírico, à medida que esse nos mostra a condição

conflituosa de suas matrizes distintas de racionalidade na constituição do território.

Autores como Dagnino (2004) e Gómez (2006), esse último na leitura da

questão agrária, são de fundamental importância na desconstrução do

desenvolvimento, haja vista que chamam atenção para as mudanças de sentidos

dos conceitos/ noções, até então cruciais para a leitura social, inclusive fazendo

Dagnino (2004) admitir uma confluência perversa dos discursos orientados pelas

grandes instituições internacionais, no sentido de um deslocamento/ esvaziamento

político. O território enquanto um conceito constelação do espaço (HAESBAERT,

2010), o qual possui como condição sine qua non, o poder como núcleo epistêmico,

também se faz constituinte desse desvirtuamento dos sentidos nas várias escalas.

Seguindo a perspectiva apontada, prossegui-se o terceiro capítulo buscando

problematizar acerca do território e a sua fundamental importância para a leitura da

espacialidade do social. Nesse sentido, o descrito capítulo busca enveredar pela

relevância do território na questão agrária brasileira, bem como transitar pelas

tipologias que se erguem nas distintas propostas de desenvolvimento rural local. Ao

realizar um link com o sub-capítulo I.5, buscou-se analisar os principais processos

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de edificação da questão agrária brasileira em direção da especificidade de Mato

Grosso do Sul.

Embora durante os capítulos anteriores optou-se pelo diálogo entre as leituras

teóricas e a realidade empírica local, no quarto capítulo emerge um esforço de

entendimento das situações que compõem o cotidiano dos assentamentos

participantes da pesquisa no município, portanto com maior peso de informações

coletadas em campo, assim buscando agregar obviamente os conflitos/ contradições

inerentes ao próprio processo de (re)criação camponesa na região, ao passo de

uma desconstrução que permeia o debate acerca dos Territórios da governança,

nesse caso o território da Reforma do MDA.

Para a descrita empreitada, foram escolhidos 4 assentamentos como foco da

pesquisa a saber; Andalucia, Areia, Boa Esperança e Palmeira, nos quais primou-se

pela apreensão da heterogeneidade tempo-espacial na implantação dos projetos, a

fim de se aproximar de uma leitura mais ampla das condicionantes em Nioaque-MS.

Diante da escolha de 4 do total de 9 assentamentos do município, foram realizadas

saídas de campos, com finalidade de apreender como se daria no cotidiano, as

contradições e problemáticas nos assentamentos pesquisados, haja vista a

singularidade local no processo de (re)criação camponesa. Nesse sentido, com a

utilização de questionários estruturados e semi-estruturados, foi possível verificar

questões fundamentais, bem com sua relação com uma escala maior de análise por

meio de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE.

Com grande riqueza para o processo de construção da pesquisa, se fez presente a

utilização de fontes orais, no sentido de permitir “o ecoar” das falas dos sujeitos da

luta, embora sabendo que esse se trata de um processo seletivo no qual o

pesquisador se pega como um “detentor do poder” em seu ato de direcionar a

pesquisa.

Quanto ao conteúdo amostral, optou-se pelo percentual de 30% do total de

lotes nos assentamentos (Quadro-01), no qual a seleção das famílias entrevistadas

se estabeleceu de forma aleatória.

assentamentos Total de famílias Famíliasentrevistadas

Área do assentamento (ha)

Andalúcia 166 50 4.815,1088Areias 63 19 1.601, 3085Boa Esperança 126 38 3.945,5065

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Palmeira 112 34 4.172,7154Quadro 01- assentamentos pesquisadosFonte: INCRA, 2011.

A partir dos descritos procedimentos operacionais, a pesquisa caminhou no

sentido de apreender a luta cotidiana dos camponeses de Nioaque, portanto a

singularidade dessa região ligada à luta pela terra, como ensina o cancioneiro

popular Almir Sater ao descrever a região em “Serra de Maracajú”.

Acerca da caracterização da área, segundo dados da Empresa Brasileira de

Pesquisa de Solos- EMBRAPA (2007), o município estudado é caracterizado pelo

clima tropical seco e megatérmico (Aw), no qual se apresenta uma estação seca

definida segundo a classificação de Koppen. Nesse sentido, o município possui uma

precipitação média anual de 1.126mm. Com relação à sua formação litológica,

predomina as formações Botucatu e formação Aquidauana, os quais contribuem

para a formação de solos de textura arenosa (Neossolos).

Figura 02- Mato Grosso do Sul- Município de Nioaque

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1- O LUGAR DO CAMPESINATO NAS DIFERENTES ESPAÇO-TEMPORALIDADES: O (RE)VISITAR CONCEITUAL

Na cultura grega, o camponês era um homem livre que praticavaa agricultura de forma orgulhosa e independente. O γεωργοϚ(gheorgos) grego representava o sublime. Em oposição, natradição romana o camponês era subordinado, uma condição quetem reflexo na atual palavra para os camponeses, contadini, quesignifica literalmente “os homens do senhor” – subordinados,maus, feios e incapazes de controlar o seu próprio destino. (Vander Ploeg, 2008).

Mas o camponês é, a um só tempo, um agente econômico e ocabeça de uma família. Sua propriedade tanto é uma unidadeeconômica como um lar. (Wolf, 1970).

Nas ciências humanas e sociais, despenderam muitos esforços, no sentido de

compreender a coreografia do campesinato e a lógica de funcionamento da unidade

econômica camponesa. Tudo isso, na mesma proporção das inquietudes e

polêmicas que cercam o referido conceito.

Nesse sentido, respeitando o binômio temporalidade/espacialidade das

sociedades, nas quais estão inseridas essas unidades analisadas por diversas áreas

da produção do conhecimento (como estrutura social, como uma economia, ou com

enfoque cultural), cada uma com os respectivos métodos e "lentes de aumento",

todavia que em alguns momentos se aproximam, pela necessidade de uma análise

integral que procure a compreensão da forma-conteúdo do sujeito camponês, por

vários caminhos de leituras, acerca das práticas desse modo de vida e/ou classe

incômoda, que tais estudos emergem complexos como bem retratou Shanin (1983).

Ao passo da densidade de estudos camponeses, também há abordagens, ora

fomentadas pela teoria neoclássica da economia, ora contribuições oriundas de

orientação marxista, que de fato transportaram os conceitos e categorias por vezes

de forma equivocada para a interpretação dessa organização econômica familiar,

nesse rumo enveredando pela via economicista, ou pela última concepção, que

tendia a não considerar essa classe como constituinte da estrutura social e/ou até

mesmo, enxergá-la como residual/efêmera, assim decretando sua validade histórica,

mormente no decorrer do desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo.

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Nesse caminho, cabe alguns esclarecimentos acerca do papel dos conceitos

e teorias, como lembra Porto-Gonçalves (2009)3. Ele indica que a questão central

que se coloca, diz respeito à relação da teoria com a realidade empírica, ou segundo

as palavras do autor de "quando a teoria não esquece o mundo". Tal reflexão curta,

porém evasiva, chama atenção para as implicações das teorias e

conceitos/categorias para a sociedade, uma vez que esses buscam legitimidade

para "dizer o que é o mundo", conforme os estatutos edificados historicamente pela

ciência moderna. Logo, institui-se como uma luta constante para a primazia dessa

leitura, as quais não estão livres (teorias e conceitos) das imbricações políticas.

Deste modo, não se trata apenas, dos pressupostos científicos e de todos os

roteiros e postulados, mas, sobretudo dos projetos vigentes, ou aqueles que se

procura instrumentalizar com os processos de ruptura com o modelo de sociedade

vigorante, como foi com a Revolução Russa e tantos outros processos nos

movimentos complexos e antagônicos das sociedades.

Acerca do papel dos conceitos, Haesbaert (2009) traz uma reflexão

elucidativa, a qual vale ser mencionada.

Ainda que não confundamos proposição conceitual, “razão epistemológica”,e objetivos políticos, “razão política”, consideramos fundamental apreocupação com as implicações políticas de nossos conceitos, numapráxis capaz de refletir constantemente sobre os conceitos a partir dasproblemáticas efetivas a que eles respondem também do próprio uso quedeles fazemos – ou que deles podemos fazer. (p.96).

Tal reflexão se apresenta com grande riqueza para o debate, uma vez que as

teorias/conceitos não são meras ferramentas de leitura do real e/ou representação

do mesmo. No entanto, ocupam posição de destaque com relação às implicações

políticas dos seus usos. Ainda nessa perspectiva, Haesbaert (2009), lembra que os

conceitos nunca são estanques, pois eles classificam e dividem claramente um

universo, advindo da empiria e/ou de cunho estritamente teórico. Com tais

indicativos, os conceitos estão sujeitos aos processos de ressignificação, assim se

metamorfoseando conforme o movimento do exercício do pensar e da sociedade.

Nesse direcionamento que o campesinato enquanto conceito elucidativo da

3 Idéia retirada do prefácio da edição brasileira do livro Ecologia, Capital e Cultura de Enrique Leff.

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realidade empírica, mas nunca como “retrato fiel”, também está sujeito ao referido

processo.

1.1- A inquietude da classe camponesa nos clássicos da questão agrária

Realizadas as primeiras advertências acerca das tramas involucradas nas

teorias/conceitos, doravante cabe problematizar a partir das contribuições de

importantes teóricos da questão agrária. Nesse sentido, autores como Lênin (1982),

Kautsky (1968) e Chayanov (1974), se apresentam como essenciais para o debate,

nesse caso em consonância com o movimento da sociedade, não se configurando

como obras divorciadas dos tencionamentos da sociedade. Ora denunciando o

desaparecimento do campesinato, ora realizando estudos que procuraram apontar a

especificidade de reprodução da unidade econômica camponesa.

Apesar do indicativo já realizado a partir daquilo que Sevilla Guzmán & Molina

(2005), prefere classificar como marxismo ortodoxo agrário com as obras de Lênin

(1982) e Kautsky (1968) e do outro lado, com o singular legado chayanoviano4, vale

ressaltar as não menos importantes abordagens da classe camponesas orientadas

pelas correntes anarquistas e narodnista.

Ambas as maneiras de pensar os processos sócio-espaciais no campo,

denunciam no campesinato o caráter embrionário para a mudança social da Rússia

do século XIX, sobretudo por entenderem que a nação em questão, não

necessariamente haveria de passar pelo estágio do capitalismo, para então em

derradeiro chegar ao socialismo, ou como lembram Guzmán & Molina (2005), que

não haveria a necessidade de “descer ao inferno, para subir ao céu”.

O que tais correntes têm em comum, é o fato de enxergarem um potencial do

devir revolucionário no sistema organizativo da classe camponesa, haja vista que

essa se constituía como a maior parcela da população Russa do século XIX e inicio

do XX.

Com o narodnismo russo, procurava-se eleger outros caminhos possíveis

para a revolução, de uma forma que se preservasse as estruturas das comunidades

4 Apesar das várias acusações dos marxistas ortodoxos, os quais destacavam Chayanov como umpopulista, cabe destacá-lo de forma separada dessa corrente, à medida que este em seu prefácioprocura já realiza algumas advertências em relação ao equivoco de encaixá-lo neste viés.

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camponesas, assim evitando o processo danoso da proletarização diante do modo

de produção capitalista. Nesse sentido, acreditava-se na possibilidade de mudança

societária, longe das premissas estabelecidas pela ortodoxia reinante na leitura dos

marxistas, os quais se impuseram por vezes ao estabelecer como algo universal os

escritos de Marx, ou mais exatamente a equivoca leitura de seu legado.

Destarte, que Sevilla Guzmán & Molina (2005) elucidam a partir de alguns

pontos estruturantes que parecem cruciais, para o entendimento da ortodoxia no

pensamento marxista. Tais pontos aludidos pelos autores supracitados, dizem

respeito à construção e/ou concepção de uma evolução unilinear da história,

sobretudo aquela vinculada ao desenvolvimento capitalista na Europa ocidental,

denotando assim, que as transformações operadas na agricultura, respondem

impreterivelmente às mudanças que se produzem na sociedade global,

conseguintemente:

Essas mudanças estão determinadas pelo crescimento das forçasprodutivas e a configuração do progresso como resultado, gerando formasde polarização social nas quais se produz um processo acumulativo deformas de exploração social. Assim, “a escravidão é a primeira forma deexploração, a forma própria do mundo antigo; é sucedida pela servidão, naIdade Média, e pelo trabalho assalariado nos tempos modernos. (p.50).

De certa forma, estes autores chamam a atenção para uma presumida

universalidade nos modos que sucedem cada tipo de sociedade, nos escritos de

Marx, os quais foram situados a partir de condições espaço – temporais específicas,

constructo da pujante expansão do capitalismo industrial e da consequente

espoliação da mão de obra da população urbana.

Nesse sentido, os narodnistas admitiam haver uma particularidade na

formação econômico-social da sociedade russa, uma vez que segundo indica

Abramovay (1998), o país prestes a viver uma revolução, possuía 82% de sua

população vivendo no campo, totalizando uma quantia de 17 milhões de

estabelecimentos rurais. Um exemplo da discrepância numérica dessa relação

campo-cidade gira em torno dos dados apresentados pelo autor, pois segundo este,

a população de Petrogrado passa de 2,3 milhões de habitantes em 1917 a 740 mil

em 1920, ao passo que a importante cidade de Moscou passa pela mesma

tendência demográfica.

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Tais características se apresentam como fundamentais para o pensamento

narodnista, assim denotando o grande potencial revolucionário desde uma

perspectiva do campesinato, segundo essa corrente de pensamento. Deste modo, o

campo russo como arena política era potencialmente:

o lugar da preservação das tradições, da família, das raízes nacionais, daforça comunitária espontânea – em cujo poder transformador acredita amaioria dos revolucionários russos (mas não os bolcheviques,evidentemente) – daquilo que pode constituir a especificidade russa contraos ataques do pretenso universalismo ocidental. (ABRAMOVAY, 1998,p.71).

Adverte Sevilla-Gúzmán (2006), numa perspectiva plurilinear de história, que

não está demonstrado que os processos históricos de desenvolvimento econômico

necessitam passar de forma sequencial e taxonomicamente pelas mesmas etapas.

Logo, o campesinato enquanto uma forma econômica com suas especificidades

possui a própria contradição no seu existir no cenário do desenvolvimento das forças

produtivas, uma vez que alguns autores vão entendê-lo como uma forma não-

capitalista, ou numa perspectiva heterodoxa do marxismo, numa base não

tipicamente capitalista.

Conforme as premissas contidas no pensamento de Luxemburgo (1985) em

sua obra A Acumulação do capital, o capital seria responsável por gerar, a partir da

contradição, essas formas já elucidadas. Nesse sentido, se alude o papel das

unidades não- capitalistas no processo universal de acumulação capitalista.

Historicamente, a acumulação de capital é o processo de troca deelementos que se realiza entre os modos de produção capitalista e os não-capitalistas. Sem esses modos, a acumulação de capital não pode efetuar-se. [...] O que Marx adotou como hipótese de seu esquema deacumulação, corresponde, portanto, somente à tendência histórica eobjetiva do movimento acumulativo e ao respectivo resultado teórico final.O processo de acumulação tende sempre a substituir, onde quer que seja,a economia natural pela economia mercantil simples, e esta pelaeconomia capitalista, levando a produção capitalista – como único eexclusivo de produção – ao domínio absoluto em todos os países e ramosprodutivo. (1985, p.285).

No rumo do debate estabelecido por Luxemburgo (1985), acerca da

interpretação da fisiologia do capital, apreende-se a contradição inerente ao modo

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de produção capitalista, uma vez que esse é capaz de reproduzir-se também a partir

de formas não tipicamente capitalistas.

Como lembra Fabrini & Marcos (2010), o sucesso e garantia da acumulação

primitiva e a (re) criação da burguesia, torna-se possível a partir da coexistência com

relações não-capitalistas de produção, o que de forma elementar, explicaria a

permanência do campesinato nos interstícios do capitalismo, atualmente

globalizado.

Acrescentaria exemplificar o fato da atual acumulação flexível5, a qual com

divisão territorial do trabalho se realiza por intermédio da exploração de unidades

familiares. Destarte, apesar da tendência massiva de substituição das formas não-

capitalistas, ainda assim, estas se tornam fundamentais para a retroalimentação do

capital nas suas múltiplas vias de acumulação.

Cabe relatar, que segundo Sevilla-Guzmán & Molina (2005), mesmo Karl

Marx, admitira a possibilidade de articulação entre os “modos de produção”, dentro

de uma mesma formação econômica.

E isso, sobretudo, se, como se depreende do prefácio da Contribuição àcrítica da Economia Política, Marx já se havia proposto, com anterioridade,não somente construir uma teoria geral do processo histórico [...], mastambém a possibilidade de existência “em todas as formas de sociedade” deuma determinada produção que indique a todas as outras suacorrespondente classe e influência”. Ou em outras palavras, a possibilidadede articulação entre vários modos de produção dentro de uma mesmaformação socioeconômica. (p.42).

Não se trata em conceber o campesinato de maneira maniqueísta, ou seja,

dentro de uma proposta socialista de sociedade, ou como portadora de um gene do

capitalismo e/ou como “um pequeno burguês”, mas sim apreendê-lo na sua inserção

contraditória no modo de produção vigente, que nesse momento que precedia o

processo revolucionário russo, tal classe poderia ser como elucidam as principais

ideias narodnistas, protagonista de uma proposta “revolucionária camponesa”, assim

transcorrendo um caminho diferente daquele debatido no esquema teórico do

5 Um grande exemplo atualmente dessa “fusão de formas”, reside a partir da análise da exploraçãodo trabalho familiar pelas grandes empresas de calçados nos países mais pobres da Ásia, onde paraa reprodução do capital, há a necessidade de formas não capitalistas para o sucesso dessareprodução a partir da acumulação flexível.

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marxismo ortodoxo agrário, acerca do movimento da história (SEVILLA- GUZMÁN &

MOLINA, 2005),

Outra possível abordagem acerca do papel político do campesinato na

transformação social, figura a partir do enfoque anarquista, onde essa classe se

destacara pelo grande potencial de organização de outra estrutura social, capaz de

emergir a partir da preservação dos laços comunitários. Nesse sentido, a partir da

interpretação legítimos6 do preceito de igualdade, que segundo Fabrini & Marcos

(2010), se poderia gestar uma sociedade mais igualitária naquele período de alta

oxigenação do desenvolvimento das forças produtivas.

Tal pensamento parte da ideia de que se torna necessário eliminar qualquer

traço organizativo, que se baseassem nas hierarquias e/ou autoridade reguladora

externa centralizadora. Por conseguinte, o pensamento contido nessa corrente, era

de modo geral, de que os homens seriam regidos pela consciência, assim sendo

“capazes de desenvolverem suas humanidades”, o que em linhas gerais, indicaria

para a não necessidade dos códigos e normas, desenvolvidos na roupagem romana

e iluminista.

Com relação ao conteúdo da proposta anarquista, cabe destacar que

segundo aclaram Fabrini & Marcos (2010), apesar de existir uma confusão com

relação à interpretação dessa corrente, havia duas propostas distintas, as quais se

diferenciavam nos caminhos a serem percorridos para atingir as formas de produção

na agricultura, quais sejam as propostas; de produção coletiva e produção

comunitária.

A primeira corrente teria o objetivo da revolução na ótica anarquista, a qual

seria atingida por intermédio da organização espontânea do trabalho e da

propriedade coletiva das associações produtoras livremente organizadas e

federadas nas comunas e por meio da federação, também espontânea dessas

comunas (BAKUNIN apud FABRINI & MARCOS, 2010). Nesse sentido, o mote que

vai elencar o pensamento expresso por Bakunin “de cada um de acordo com as

suas possibilidades e cada um de acordo com o seu trabalho”, mostra que é pela

capacidade laboral, que se moldaria a construção de outra proposta de sociedade e

o seu devir histórico.

6 Aqui se procurou dar tal enfoque, a fim de diferenciar a ideia ilustradas dos preceitos do iluminismo,estruturados na revolução burguesa da França.

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A diferença básica acerca das duas correntes denota-se pelo fato de que no

coletivismo de Bakunin, o trabalho era o fio condutor dessa organização, ou seja,

como elucidam Fabrini & Marcos (2010): “A terra pertencesse somente àqueles que

nela trabalhassem com os próprios braços”, enquanto a linha de pensamento

oriunda do comunismo anarquista de Kropotkin se fundava a partir das

“necessidades humanas” como principal norteador dessa corrente, não fazendo,

nesse sentido, distinção na quantidade de horas trabalhadas pelos camponeses

envolvidos nesse projeto de sociedade.

Outro ponto fundamental da proposta reside na análise da dimensão laboral

dessa, uma vez que o mote Kropotkiano propunha a quebra da distinção daquilo que

se entende entre trabalho distinto (intelectual) e trabalho simples (manual), dessa

forma agregando o acesso ao conhecimento e à ciência dos trabalhadores em sua

diversidade hierárquica. De uma forma geral, apesar das distinções e pontos de

contato das duas formas de pensar o anarquismo agrarista, de fato se fez a práxis

em alguns países do leste europeu com relativo sucesso em suas respectivas

experiências (FABRINI & MARCOS, 2010).

Destarte, em alguma medida, formas diferenciadas de organização agrícola

pipocaram pelo mundo, as quais em algum grau se aproximam das ideias

desenvolvidas pelos importantes intelectuais supracitados do anarquismo agrário.

Em termos comparativos, segundo Sevilla-Guzmán & Molina (2005), os

principais teóricos do populismo russo enxergavam no atraso econômico o motivo

que poderia permitir à Rússia tirar proveito dos progressos técnicos e econômicos

dos países centrais, assim diminuindo as etapas transitórias entre capitalismo e

socialismo. Do outro lado, Bakunin apreendeu o atraso desta sociedade, expresso

em miséria e dominação social como fator fundamental para o desencadeamento de

uma revolução social, a qual só seria plena com a destituição do Estado, portanto de

qualquer forma opressora de controle das comunidades.

1.2- O lugar do campesinato no marxismo ortodoxo agrário

Como já explanado sobre o papel das teorias e conceitos, cabe salientar,

mesmo que de forma simplificada, porém não menos importante, o papel

fundamental desses no binômio espaço-tempo. Nesse sentido, que o marxismo

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enquanto corrente teórico-filosófica, se insere em múltiplas teias, muitas vezes de

caráter mutante, na qual busca apreender sobre os homens de carne, osso e as

lutas de classes no interior da sociedade capitalista.

Apesar das diferenças entre os vários entendimentos/correlações do

pensamento marxista, aqui entendido entre os pensamentos ortodoxo e heterodoxo,

ainda assim se compreende como fundamental ponto central, a relação capital-

trabalho. Entendendo a relação metabólica do capital na contemporaneidade, pode-

se apontar para uma perspectiva de pensar o sistema capitalista como um sistema

munido de plasticidade, capaz de agregar outras formas conforme problematizado

com Luxemburgo (1985).

Nesse momento, o que mais interessa não é traçar uma “genealogia” do

pensamento marxista, uma vez que tal tarefa, além de pretensiosa, não seria

contemplada com êxito. Entretanto, pensar em quais momentos e em quais posições

a classe camponesa é proposta em diferentes períodos na constituição da

sociedade capitalista.

Antes mesmo de pensar nos debates fomentados pelos dois principais

teóricos, Kautsky e Lênin, reconhecidos por muitos como precursores do

pensamento marxista-ortodoxo-agrário (MOLINA & SEVILLA-GUZMÁN, 2005), cabe

ressaltar a importância do próprio Marx nos seus vários momentos, mesmo que esse

não tenha dado tanta visibilidade ao campesinato em suas obras. Fato esse que se

explica por sua vivência numa Europa em plena dinâmica urbano-industrial do

desenvolvimento das forças produtivas, cuja população já não era entendida a partir

das relações com o campo. Todavia, caracterizada pela exploração da força de

trabalho na pujança fabril nas grandes cidades europeias do século XIX.

Portanto, constituindo sua construção teórica numa relação tempo-espaço e

epistemológica muito específica, nesse caso nas cidades industrializadas da

Inglaterra. Assim produzindo um discurso muito bem localizado no seu tempo-

espaço, o que não se deve negligenciar.

Realizadas as pequenas considerações, apesar da afirmação do não

protagonismo camponês nos escritos de Marx, vale salientar que o teórico ao

discutir seu escrito intitulado “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, no qual ele elenca

sobre a formação da sociedade francesa, sobretudo pós-processo revolucionário

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burguês, realiza-o num recorte temporal específico, à medida que faz sua análise

diante de um campesinato enfraquecido, o que não significa uma lei geral para esta

classe. Nesse sentido, Marx traz no interior desse debate, a sucumbência do

campesinato francês enquanto classe:

A grande massa da nação francesa, é assim formada pela simples adiçãode grandezas homólogas, da mesma maneira que batatas em um sacoconstituem um saco de batatas. Na medida em que milhões de famíliascamponesas vivem em condições econômicas que as separam umas dasoutras, e opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aosdas outras classes da sociedade, estes milhões constituem uma classe.Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas umaligação local e em que a similitude de seus interesses não cria entre elescomunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política,nessa exata medida não constituem uma classe. [...] Não podemrepresentar-se, têm que ser representados. Seu representante tem, aomesmo tempo, que aparecer como seu senhor, como autoridade sobre eles,como um poder governamental ilimitado que os protegem das demaisclasses e que alto lhes manda o sol ou a chuva. (p.54, 1984)

Como se verifica, o campesinato enquanto classe, pouco aparece, e/ou

quando o faz, essa é apresentada como portadora de uma inércia política, como se

não fosse capaz de definir sua própria (re) criação, conforme os escritos já expostos

de Marx (1984).

Outra característica basilar do pensamento marxista, diz respeito ao caráter

transitório atribuído a essa classe, ora como elucida Hegedüs (1984), se

ressignificando desde a formação econômico-social já desaparecida no Ocidente

com o feudalismo, mas que persiste no sistema capitalista, ou por outro lado num

caráter mutável, prestes a se constituir em uma das duas classes fundamentais do

capitalismo, quais sejam; operários e burgueses.

Outra fundamental característica com relação ao chamado campesinato “saco

de batatas” na França, analisado por Marx (1984[1858]), diz respeito à sua

contraditória aliança estabelecida com a burguesia revolucionária. De todo modo,

torna-se crucial estabelecer os pontos divergentes entre esse campesinato da

Europa ocidental e aquele originário da Rússia e de outras formações sociais . Tal

chave de leitura contribui no avanço do debate, uma vez que tende a escapar do

sistema eurocêntrico em que muitas vezes se operou/opera os vários vetores da

teoria marxista, por meio de suas inúmeras roupagens.

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O século XX surge como uma seminal resposta àqueles que renegaram o

campesinato como sujeito do devir da história, dando-lhe uma característica

efêmera/inerte no desenvolvimento cada vez mais voraz das forças produtivas do

sistema capitalista. Nesse sentido, como destaca Wolf (1984), os camponeses se

apresentam como importantes protagonistas das grandes insurreições/guerras, entre

as quais vale mencionar no México de 1912 a 1920, da Rússia de 1917 a 1920, da

China de 1939 a 1949, de Cuba de 1956 a 1958, Argélia de 1954 a 1962 e do Vietnã

em 1969, sendo essa última a insurreição que mais chamou a atenção de Wolf, uma

vez que era um “conflito entre desiguais”, tamanho era a distância tecnológica que

mantinha esses e as tropas estadunidenses.

Cabe salientar, que segundo Almeida (2004), o centro das preocupações de

Wolf eram, na verdade, aqueles movimentos de insurreição, os quais culminaram

nas grandes mudanças do século XX, como Revolução Russa, Chinesa e o grande

afrontamento aos Estados Unidos no Vietnã.

Nesse caminho, para o renomado antropólogo, as pequenas insurreições não

vitoriosas, não teriam um conteúdo expressivo na configuração do campesinato

como sujeito político e responsável pelo devir da história. Ao contrário da

problematização de Wolf, acredita-se, como fundamentais as varias estratégias de

resistência, haja vista que essas aparecem como componentes importantes dos

vários movimentos de questionamentos das hegemonias. Logo movimentos, como o

Contestado e Canudos, com as suas especificidades, figuram também como formas

políticas de luta pelo direito de ser e existir, conforme os anseios desses grupos

historicamente subalternizados.

Importante dizer, nesse rumo que as lutas se dão também, no direito de se

constituir outros significados para o mundo. Logo, apesar das diferentes instâncias,

a mística e as ocupações de terras hoje fazem parte da mesma luta travada no

interior da sociedade capitalista, portanto denotando a inseparabilidade da

materialidade e imaterialidade do mundo.

Poder-se-ia elencar também, as formas cotidianas de resistência desses

grupos, conforme elucida Scott (2000), pois como essas se colocam por muitas

vezes como um discurso oculto, invisibilizadas pela história dos vencedores, assim

perde-se a dimensão desses meandros sutis da resistência. Destarte, autores como

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Scott (2000) e Thompsom (1971), trazem à luz da reflexão, a contradição existencial

das economias morais, inseridas em um cenário cada vez mais ligado à realização

da mercadoria e da acumulação capitalista.

Tais autores, nas suas respectivas formas diferenciadas de pensar, trazem à

tona elementos e chaves de leituras fundamentais para o entendimento do

campesinato como sujeito histórico-político, ao mesmo passo que concebem a

história como uma construção plurinear, ou melhor, em uma forma espiralada,

antagônica à renegada posição linear da história, atribuída a esses sujeitos pelos

ortodoxos e/ou mesmo pelos economistas neoclássicos.

O breve destaque elencado partindo da fundamental contribuição de Marx, se

faz necessária à medida que seus ulteriores vão protagonizar grandes debates,

sobretudo procurando problematizar a partir da leitura do desenvolvimento das

forças produtivas e consequente desenvolvimento do capitalismo no campo.

Outra fundamental advertência se faz necessária acerca da visão de Marx

sobre a classe camponesa; pois se deve pensar em linhas gerais, de qual Marx, em

determinada relação espaço-tempo, se está falando? Tal perspectiva contribui no

sentido de não negligenciar acerca da “sensibilidade sociológica”, a qual fizera Marx

já no final de sua vida, enxergar as potencialidades emancipatórias do Mir Russo,

fato que se deu a partir de trocas de cartas com alguns “populistas”.

Nesse mesmo viés, que Molina & Sevilla - Guzmán (2005) alegam que há

algumas lacunas, ainda não contempladas na obra marxiana, sobretudo no último

volume de O Capital, visto que no ápice do desafio de leitura de outros fenômenos

sociais como a Rússia, lhe ocorreu a morte.

Feitas as ressalvas relativas ao papel do marxismo e propriamente de Marx

na sua relação tempo-espaço no que concerne ao desenvolvimento do capitalismo

no campo, sucessivamente o papel do campesinato enquanto classe social,

importante se faz nesse momento explanar no sentido de buscar apreender quais

eram as preocupações, sobretudo daqueles autores, os quais comumente nos

estudos agrários, aqui denominados de Marxistas Ortodoxos Agrários (MOLINA &

SEVILLA-GUZMÁN, 2005). Nesse sentido, autores como Lênin (1982) e Kautsky

(1968), são de suma necessidade para a apreensão dos fenômenos sociais, com

epicentro nas lutas de classes no campo.

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Importante se faz mencionar o fato de que os conceitos/ teorias (des)

construídos por esses importantes intelectuais, assim como supra discutidos, vão

configurar como fundamental mola propulsora para o debate político no inicio do

século XX nos países de origem dos autores. Destarte, por mais que o conceito não

seja uma representação fiel dos “nós e tramas” do mundo, está sobrecarregado de

intencionalidades e perspectivas políticas, as quais em algum grau refletem os

conflitos inerentes ao devir societário.

A partir dessa correlação já estabelecida do papel dos conceitos, vale

salientar a importância dos grandes clássicos da questão agrária, sobretudo aqueles

orientados pela corrente ortodoxa do marxismo, os quais historicamente renegaram

o campesinato enquanto classe portadora do devir histórico revolucionário.

Emblemática se apresenta a obra “O desenvolvimento do Capitalismo na

Rússia” de Vladimir Llitch Lenin. pois segundo a ideia central do grande teórico da

revolução Russa, era de que, para a transformação social, a sociedade Russa

haveria de passar pelo estágio do capitalismo a caminho do acirramento das

contradições, para depois promover a revolução. Nesse bojo, que o campesinato,

enquanto elemento conceitual e sujeito(s) foi renegado ao desaparecimento por

meio da teoria de diferenciação social, sendo classificado como “residual” e efêmero

para o projeto de sociedade ansiado naquele momento pelo movimento bolchevique.

Para tanto, sobretudo com o enfoque no desenvolvimento do mercado

interno, Lênin parte basicamente da ideia de que, no decorrer do desenvolvimento

das forças produtivas na Rússia, haveria uma diferenciação social entre os

camponeses, mormente entre aqueles ricos (burguesia camponesa) e os pobres,

assim culminando como um movimento inexorável em direção às duas classes

fundamentais do capitalismo – burguesia e proletariado.

Tal afirmação a respeito dessa inevitável desintegração do campesinato russo

foi fomentada por meio de um minucioso estudo dos dados estatísticos dos

zemstvos, com os quais Lênin se depara em algumas províncias, com

arrendamentos de terras dos camponeses pobres para os ricos. Outros dados

marcadamente importantes para as fundamentações do autor se referem ao número

expressivo de camponeses trabalhando em terras de outrem, uma vez que segundo

a concepção deste, tal medida denota a incapacidade de permanência do

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campesinato, o qual por meio do trabalho acessório se configuraria como um

“proletariado rural” a caminho da ruína.

Na tentativa de introdução de conceitos e categorias próprias do marxismo

europeu, que Lênin inicia sua obra de forma áspera, ao procurar desconstruir os

estudos dos chamados economistas populistas. Nesse sentido, discorre sobre a

teoria populista da impossibilidade da realização da mais-valia.

Em certa medida, Lênin (1982), ao analisar os processos de arredamentos de

terras pelos camponeses considerados mais estruturados, assim culminando numa

diferenciação social, o autor tinha relativa razão ao teorizar a partir desse processo

de desintegração. Entretanto, o colocou como uma lei inexorável do

desenvolvimento do capitalismo no campo, não admitindo a contradição como

condição processual para a permanência desta classe social.

Destarte se apreende nesse exemplo emblemático, especialmente acerca da

teoria marxista-leninista, que não há como fazer uma dissociação entre os conceitos

e o real-concreto-político. Nesse caso em específico, a construção conceitual e de

categorias da prática, tiveram papel crucial no tratamento da classe camponesa na

sociedade russa, seja por meio do “encurralamento” dos camponeses pelas

formações das granjas estatais e/ou a verdadeira violência empreendida contra

outros movimentos intelectuais, que procuraram pensar a especificidade da unidade

familiar camponesa, mormente com o Estado Stalinista.

Outra seminal contribuição para os estudos agrários, visando apreender os

mecanismos de desenvolvimento do capitalismo na agricultura, foi o legado

desenvolvido por Karl Kautsky (1968), sobretudo com a obra “A Questão Agrária”, a

qual foi pensada a partir dos debates da social-democracia alemã. Nesse sentido,

verifica-se que Kaustky, diferentemente à postura de Lênin, procura entender a

condição camponesa inserida no desenvolvimento capitalista no campo, ao passo

que chama a atenção no prefácio à edição alemã, para os limites do marxismo

realizado a partir de referenciais eurocêntrico.

Engels, e sobretudo Marx, disseram com efeito coisas muito importantessobre fatos de ordem agrária, mas em regra geral só o fizeram emobservações acidentais ou em curtos artigos. Abrimos uma exceção para aparte da Renda territorial no terceiro volume de O Capital, mas ela não foiinteiramente concluída. Marx morreu sem ter terminado, nela nãoencontraríamos todos os esclarecimentos que buscamos hoje em dia. Sim,de acordo com o seu plano de trabalho, ele apenas trata da agricultura

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capitalista. Ora, o que mais nos ocupa atualmente, é o papel das formaspré-capitalistas e não capitalistas da agricultura no interior da sociedadecapitalista. (p.17, grifos nossos)

Desta maneira, mesmo que não seja de forma aprofundada, há na obra de

Kautsky uma preocupação referente à questão camponesa no desenvolvimento das

forças produtivas do capitalismo no campo. Nesse sentido, a condição dúplice de

detentor dos meios de produção e da mão de obra do campesinato, que desafia o

exercício intelectual desse importante pensador de meados do século XIX, logo se

configurando como importante resposta àqueles críticos de vertente socialista7.

Um dos aspectos que mais provocou intelectualmente Kautsky reside na

incógnita do caráter enigmático dos camponeses enquanto classe social e o seu

papel na construção do socialismo, uma vez que ora esses tinham os interesses

políticos em consonância com a burguesia, ora com o proletariado, assim criando

uma incerteza no que tange às lutas políticas pretendidas (ALMEIDA & PAULINO,

2000). Desta forma, em um processo contraditório, a permanência do campesinato

se consolidava no decorrer da história. Do outro lado, aquilo que se convencionou

como marxismo ortodoxo, o ponto de contato entre as obras de Lenin e Kaustky

reside na formação/transição em direção às duas classes fundamentais do

capitalismo, quais sejam, burguesia e proletariado.

A leitura depreciativa acerca da classe camponesa contida na obra deste

último, se daria por intermédio do avanço da indústria para as atividades do campo,

portanto no domínio industrial da agricultura. Fundamental se faz salientar, que

como um teórico localizado em uma relação espaço-tempo muito específico,

Kaustsky vivia uma realidade diferente de Lênin. Como elucidam Goodman &

Wilkinson (2008), a agricultura alemã, ponto de leitura de Kaustky, passava por um

processo intenso de modernização, o que durou parte de um século, a qual teve

suas estruturas modificadas por conta da crise provocada pela consolidação de um

mercado mundial agrícola, assim sujeita à concorrência de produtos com preços

mais acessíveis do “novo mundo”.

7 Mesmo nesta corrente, a qual estamos classificando como ortodoxa, havia muitas contradiçõesquanto ao caminho de mudança da sociedade. Tais situações ficam evidenciadas sobretudo emreuniões da Segunda internacional e nos escritos de Lênin intitulado “A revolução proletária e orenegado Kautsky de Novembro de 1918.

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Em linhas gerais, apesar do reconhecimento de outras classes sociais em

curso, para esse esquema teórico admitido por Kautsky, segundo este haveria

apenas dois caminhos possíveis para a formação das classes, o qual indicaria para

as classes fundamentais do capitalismo rumo ao socialismo como já explanado. Tal

fato em grande medida se constituiria a partir de referenciais de análise dos

processos de desestruturação da indústria doméstica no período pré-revolução

industrial.

Segundo Almeida & Paulino (2000), um dos elementos que levou Kautsky a

supor a inexorável proletarização dos camponeses, diz respeito à quebra da

complementaridade entre essa indústria doméstica e a agricultura stritus sensus,

processo desencadeado pelo desenvolvimento da grande indústria, assim havendo

maior inserção do campesinato no mercado de consumo e de trabalho urbano-

industrial, para o último designado como trabalho acessório. Como frisa Sevilla-

Guzmán (1990):

Kautsky realiza su análisis en base a resaltar el enfretamiento que genera eldesarrollo del capitalismo entre el campo y ciudad; a quiebra de la industriarural tras la generación de <<necesidades>> mediante el nuevo sistemacomunicacional, que logra << subordinar en este proceso a toda lapoblación campesina>> haciendo imprescindible el uso de dinero para suseconomias. (p.212)

Segundo Molina & Sevilla-Guzmán (2005), outro ponto marcante do

pensamento ortodoxo, especialmente na problematização de Kautsky, é aquele que

parte da ideia acerca da centralização/concentração como processos binários

necessários ao capitalismo industrial, os quais tendem a desagregar e eliminar o

campesinato da agricultura, haja vista que esse seria incapaz de respostas diante

aos progressos técnicos, portanto de incorporá-los em seu cotidiano laboral.

Essa superioridade técnica dos grandes estabelecimentos rurais incorporados

ao processo industrial, constituiria como principio mister para a Revolução Socialista,

já que a transformação inexorável dos camponeses em proletariados, o que

segundo a concepção da ortodoxia marxista, tal fato contribuiria para a formação de

uma consciência de classe, destarte com protagonismo do operariado.

Operários [...], além de inteligentes, eis a condição indispensável para umagrande exploração racional. [...] O movimento operário, elevando o nível

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moral e econômico do proletariado agrícola, combatendo a barbáriecamponesa, criará – e é esta a sua tarefa – a condição básica para agrande empresa agrícola racional. Ao mesmo tempo, fará desaparecer umdos últimos pilares da pequena exploração” (Kautsky, 1980, p.135).

A visão altamente depreciativa de Kautsky, naquele momento, não o fez

perceber até por conta dos indicativos da relação metabólica do sistema capitalista

de sua época, o quão o campesinato foi capaz de resistir às crises inerentes ao

sistema e se adaptar, numa espécie de “flexibilidade histórica”. Nesse rumo, que o

autor não envereda pela possibilidade de se pensar em espaços vazios do “capital”,

como forma de articulação/coexistência de várias formas, conforme elucidam Molina

& Sevilla-Guzmán (2005) a partir do pensamento heterodoxo de Rosa Luxemburgo.

Na atualidade, a relação do campesinato com o capital tem sido no limite

permeado pelas contradições, as quais se estabelecem pela própria incapacidade

do controle total do capital nos processos de produção na agricultura, o que em

última instância, se coloca como um binômio entre subordinação-resistência por

parte do campesinato em sua relação com os grandes impérios, conforme vem

pontuando Ploeg (2008), Oliveira (2007) e Martins (1981), sendo esses últimos, de

suma importância para o debate a partir da subordinação da renda camponesa ao

capital.

Ao fazermos as críticas aos escritos de Kautsky, mormente ao que se refere

ao processo de deterioração social do campesinato, por meio do advento da

expansão industrial e seus domínios técnicos na agricultura, por outro lado, poder-

se-ia admitir a fundamental importância de sua obra na atualidade, principalmente

quando foca-se nas mudanças nas relações/subordinação de sujeição da renda, por

intermédio da Revolução Verde, e recentemente pelos domínios das biotecnologias

pelas grandes empresas mundializadas de insumos e transgenia.

O que está em jogo com essa agricultura de alta aplicação de capital na

verdade, é o poderio de controle dos processos produtivos na agricultura, aos

aproximá-los à precisão industrial no domínio da natureza.

Como já aclarado, apesar da questão teorizada, a qual se denominou outrora

como “espaços vazios” do capital, a provocação intelectual de Kautsky ainda se faz

válida em algumas esferas da agricultura, uma vez que constantemente os ditos

impérios (PLOEG, 2008), buscam um maior controle dessas atividades, seja por

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meio do controle das sementes cada vez mais manipuladas pela transgenia e/ou até

mesmo pelos pacotes técnicos ou ainda no controle de várias instâncias da

produção.

Contudo, não se pode negligenciar acerca da atualidade do pensamento

deste importante intelectual da social-democracia alemã do século XIX sobre o

poderio cada vez maior das indústrias, as quais cada vez mais operam hoje em uma

perspectiva multiescalar e multiterritorial.

1.3- A especificidade da unidade familiar camponesa: o entendimento daeconomia doméstica a partir do legado chaynoviano

Conforme o já relatado sobre as obras edificadas de Lênin (1982) e Kautsky

(1968), ambas com suas primeiras versões publicadas em 1989, a obra de

Alexander Chayanov se configura como um trabalho que marca uma efervescência

intelectual, sobretudo caracterizado pela predominância dos camponeses em uma

sociedade que ainda não vivia a pujança de aspectos urbanos- industriais. Nesse

direcionamento, a obra de Chayanov procura apreender como se gesta essa

economia estranha aos pressupostos de leitura do marxismo e da economia

clássica.

Ao fazê-lo, o autor no seu enveredar metodológico, desconstrói algumas

categorias de análises muito próprias do marxismo ocidental, uma vez que enfatiza

uma racionalidade econômica específica que rege a lógica da unidade familiar

camponesa, na qual se torna inviável a interpretação, por meio de categorias até

então amplamente disseminadas pelas matrizes de pensamentos já apontadas.

Destarte, entende-se que há uma forma-conteúdo, a qual permeia o

comportamento econômico do campesinato, que escapa à tradicional analítica da

economia. Tais preceitos logram, desde o pensamento de que essas unidades

familiares camponesas se configuram como economias não tipicamente capitalistas,

haja vista que estas não possuem como norteador o lucro ou a mais-valia como

elementos mediadores na sua constituição como modo de vida/classe social.

A condição dúplice do campesinato como portador dos meios de produção –

com a posse da terra e como dono da força de trabalho com a autoexploração do

trabalho familiar –, tem historicamente incomodado a intelectualidade, sobretudo

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aquela ligada aos pressupostos marxistas, chegando a admitir em certa medida, que

na economia camponesa haveria uma tendência “pequeno burguesa”, tendo em

vista que esses possuem os meios de produção, portanto a potencialidade de

reprodução do capital e possível potencialidade de exploração do trabalho de

outrem.

A esses intelectuais, fica o ranço conflituoso no que rege as categorias

contábeis supracitadas, uma vez que transcende a incompreensão acerca do caráter

da exploração camponesa. Haja vista que apesar dessa deter a terra como meio de

produção, sua relação com essa se configura pela expressa fórmula M D M, ou seja,

pela produção de mercadorias e posterior venda para a aquisição de itens para o

seu uso, os quais não são produzidos na unidade familiar camponesa.

Diferentemente do burguês, o qual empreende seu dinheiro na fabricação de

mercadoria, para depois por meio da exploração de trabalho excedente de outrem

via mais-valia, auferir lucro no processo final de circulação, processo o qual se

caracteriza pela lógica contábil; D M D.

No outro extremo, tendo em vista o processo de realização da mais-valia

como ponto cume do conflito capital x trabalho, por conseguinte como momento da

exploração da mão de obra de outrem, o eixo fundamental do debate reside nas

formas, as quais se desenham na exploração do campesinato pelo capital, uma vez

que os esquemas teóricos predominantes já mencionados, por meio da categoria

contábil da mais-valia atribuída ao operariado, não têm dado respostas coesas

acerca da relação do campesinato com o capital.

. Dentro dessa dúplice condição do campesinato – cuja estrutura interna se

desenvolve como preocupação central analítica – Chayanov procura apreender por

intermédio da teoria do balanço consumo-trabalho como se dariam as vias de uma

possível crise da economia de âmbito familiar, conforme expõe Archetti (1974) ao

apresentar a obra desse importante intelectual russo em edição na língua

espanhola.Su teoría del balance entre trabajo y consumo depende, además de losaspectos específicamente demográficos, de otros numerosos factores.Especialmente porque el punto de partida es el de uma economiacampesina basicamente mercantil. Em la tradición del pensamento marxistala influencia del sistema econômico global aparece como más relevantepara explicar las fuerzas que se oponen a la reproducción de toda economiamercantil simples. ( p.19)

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De modo geral, Chayanov buscou apreender por quais caminhos, o

campesinato poderia se constituir como uma forma social diferenciada, diante das

suas classes fundamentais do capitalismo. Cabe salientar, que as análises

propostas por esse estudioso, se consolidam a partir da sua ampla experiência por

meio de visitas a campo, assim acompanhando os processos de mudanças do Mir,

ao lado do campesinato.

Ao contrário da teoria diferenciação social propalada por Lênin ao analisar os

processos de assalariamento dos camponeses pobres, em Chayanov a

possibilidade de crise adviria pela diferenciação demográfica, ou seja, a relação de

equilíbrio entre “bocas e braços”(balanço trabalho-consumo), uma vez que havendo

um consumo maior que a disponibilidade daqueles que possuem a força de trabalho,

pode-se erigir uma importante via para uma desestruturação da unidade familiar

camponesa. Com relação à desestruturação, cabe relatar na atualidade, que tal

desequilíbrio pode ser encontrado na realidade empírica do campesinato, sobretudo

naqueles casos, onde camponeses já adquiriam uma idade elevada para a

realização dos trabalhos no sítio, ou naqueles onde o progenitor se configura como a

única força de trabalho disponível, por conseguinte, na mirada chayanoviana, os

filhos pequenos e em parte a esposa se constituiriam como elementos desse

desequilíbrio, mediado pela penosidade do trabalho.

Outro elemento, o qual denota esse caráter do desequilíbrio, diz respeito às

dimensões espaciais do lote e sua relação com a quantidade de pessoas, haja vista

que tais elementos podem se constituir como um obstáculo na unidade camponesa.

Em alguns casos na atualidade, por lado esse desequilíbrio tem contribuído

para o avanço da luta pela terra, mormente em áreas, as quais já possuem

importantes processos historicamente deflagrados de luta pela terra . Deste modo, a

própria situação na qual usualmente, se denotaria uma crise do campesinato, via

análise da diferenciação demográfica, tem culminado numa relação contraditória de

fortalecimento político do campesinato em direção às novas terras para a ampliação

da família e consequentemente para a sua recriação, conforme nos ensinam as falas

desse dos camponeses alocados na microrregião de Maracaju.

De vicentina, a gente veio pra cá, ficamos na Vila São Pedro [Dourados]acampados, eu nem lembro quanto tempo que foi, daí a gente veio para aPadroeira que era uma gleba provisória do governo, provisória que o povo

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tá até hoje [risos] e de lá pra cá, a gente veio pra cá, pro acampamento, aíficamos 6 anos [...] moramos 25 anos no Padroeira, a gente imaginava queia pegar uma terra maior, só que lá só era 5 hectares né, aí viemos pracá [...] (M.A, assentada no assentamento Areias Nioaque-MS)8.

Nós viemos pra cá [Nioaque], no primeiro assentamento, acampemos aqui etivemos um ano e meio de luta, acampados na BRs aí. Aí essa luta foi muitodifícil pra nós. Lá na Padroeira primeiramente, o lote era muito“pequeninho”, era 4 hectares lá e nossa família era grande. Eram em cinco,cinco homens dentro de casa e aí nós fomos desmembrando. Foi três (sic)para o acampamento, os outros foram para a cidade e fiquemos nessa lutae de ano 2000 pra cá, fiquemos aqui e ganhamos essa luta aqui. [...] 4, 5hectares não dá, aqui é um pouco maior e já tamo constituindo outra família.(C.R, assentado do assentamento Boa Esperança-Nioaque-MS)9.

Minha história começou desde os meus pais, nos peguemos o lote lá naGuilhermina [assentamento], assentados, há 13 anos atrás, [...]. Lá no meupai, ficou pequeno, aí nos era em 10 [irmãos], só que aí foi casando e cadaum tomando seu rumo, agora tá lá só minha mãe com 21 hectares de terra.Ainda tenho um irmão que mora lá no Guilhermina mesmo, só que mora nolote do sogro. (O.B.O, assentada no assentamento Areias-Nioaque-MS)10.

A riqueza epistêmica das fontes orais, como forma de colocar em relevo os

discursos ocultos dos grupos historicamente subalternizados, se faz vital à medida

que aponta para condição indissociável dos conceitos/teoria com a dimensão dos

homens imersos na complexidade do mundo.

Nesse sentido, depreende-se a partir desse ponto de contato com

contemporaneidade, que há uma particularidade, a qual permeia a estrutura e a

lógica organizacional da unidade doméstica camponesa. Nesse rumo que os

atributos demográficos se revelam como basilares na composição e desestruturação

dessa unidade.

Ao fazer determinada assertiva, não se nega a possibilidade de que a crise da

unidade familiar camponesa possa ser efetivada pelos fatores externos, oriundos da

problemática social totalizante, como reflexo do desenvolvimento das forças

produtivas, como teorizaram os marxistas. Ao passo que não se pode negligenciar o

fato de que em alguns casos, como encontrado nas entrevistas supracitadas, esse

descompasso entre o número de habitantes e sua relação com o tamanho do lote,

8 Entrevista realizada em 25/07/20119 Entrevista realizada em 21/07/2011.10 Entrevista realizada em 27/07/2011.

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não tem necessariamente significado o fim do campesinato ou/e sua proletarização,

todavia tem contribuído para a formação de um legitimo território do campesinato na

região estudada. Esse efeito contrário à desestruturação do sítio camponês, na

busca por novas terras pelas novas gerações de camponeses, portanto continuidade

da luta pode ser verificada por meio do gráfico- 02.

Gráfico 02- Filhos moradores em assentamentos.Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Em consonância com as fontes orais, segundo dados coletados em campo,

um percentual de 39% dos entrevistados no assentamento Andalucia, revelaram

possuir filhos morando em assentamentos na condição de titulares dos lotes. No

assentamento Palmeira, 25% dos entrevistados, declararam ter algum filho morando

em assentamentos na descrita condição. Com um menor percentual, o que pode ser

explicado pela faixa etária dos entrevistados, no assentamento Boa Esperança,

destes camponeses, 17% apenas declarou ter algum filho como titular de lotes da

reforma agrária. Embora esses números mencionados, se apresentem em menor

intensidade, não deixam de ter um importante significado para a continuidade da luta

pela/na terra na região, fazendo dessa fração do espaço capitalista, um legítimo

território camponês, dado pelas suas singularidades como terra de trabalho.

Cumpre salientar, que para um capitalista, não há um limite para a produção,

uma vez que esse terá a tendência de sempre produzir, para a posteriori na

circulação, concretizar o lucro, assim se notabilizando pela maximização da

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produção. A esse, apenas o mercado edificado pela relação de “oferta de consumo

com a oferta de produção”, será o fio condutor do controle e domínio da produção.

Do outro lado, Chayanov (1974) elucida que a racionalidade camponesa

opera a partir de outras bases, haja vista que esse tende a diminuir o ritmo do

trabalho, ao atingir como alude o autor, os ótimos de produção. Prontamente, o

norteador da produção camponesa, a otimização se apresenta como crucial para

que não haja uma superprodução e mão de obra ociosa.

Diante de tal questão, Shanin (1988) comenta acerca do pensamento

Chayanoviano, diante da lógica operativa do campesinato, ilustrando que:

Las explotaciones campesinas funcionan a menudo a tipos nominales debenefício negativos y sin embargo sobreviven, algo imposible para aexplotación agrária capitalista. La estrategia de producción y empleo queguía en muchos casos a numerosas explotaciones familiares es lamaximización de la renta y no la del beneficio o el producto marginal.(p.145).

Objetivando elencar sobre a diferenciação que se erige nas duas formas

distintas de exploração, Shanin (1988) chama atenção para o fato de que o

campesinato – como já salientado – se constituir a partir de uma racionalidade

específica, dessa maneira havendo uma tendência menor de dependência das

flutuações do mercado, ao reverso daquilo que ocorre com a exploração capitalista.

Diante do exposto, se daria uma espécie de “flexilidade histórica” do

campesinato nos processos de recriação camponesa por meio dos seus

mecanismos de reinvenção social no decorrer da história, conforme explanado.

Outro ponto relevante na obra de Chayanov, diz respeito ao trabalho externo

ao lote, pois enquanto para os intelectuais de orientação marxista (ortodoxos) esse

mecanismo poderia evidenciar um processo de desestruturação do campesinato por

intermédio da proletarização, para esse autor a referida questão se situaria em uma

lógica estratégica do campesinato para continuar se reproduzindo.

La familia campesina trata de cubrir sus necessidades de la manera másfácil y, por lo tanto, pondera los medios efectivos de produción y cualquierotro objeto al cual puede aplicarse su fuerza de trabajo, y la distribuye demanera tal que puedem aprovecharse todas las oportunidades que brindanuna remuneracion elevada. De esta manera, es frecuente que, al buscar laretribuición más alta por unidad domestica de trabajo, la familia campesinadeje sin utilizar la tierra y los medios de producción de que dispone si otras

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formas de trabajo le proporcionan condiciones mas ventajosas.(Chayanov,1974, p.120).

Nesse sentido, o denominado trabalho acessório se configura como um

processo estratégico, pois visa complementar a renda camponesa, justamente para

que este possa dar continuidade ao seu modo de vida/classe social. Por

conseguinte, autores como Garcia Jr. (1979) e Martins (1986) irão problematizar

sobre os processos migratórios camponeses e sua relação com o trabalho externo

ao lote, e em muitos casos, com o trabalho na agricultura capitalista.

Mormente, Garcia Jr. (1979) em seu trabalho de pesquisa realizada no Estado

de Pernambuco, o camponês em alguns períodos do ano, precisa migrar de seu lote

para trabalhar nas usinas, havendo neste caso, uma relação de complementaridade

entre estes dois regimes distintos de propriedade, pois mesmo com essa

possibilidade de conversão do trabalho interno em trabalho acessório, o camponês

não fica privado da autoexploração em seu sítio, visto que o plantio dos gêneros

alimentícios de seu lote se daria no período de “entressafras” das grandes lavouras

de cana-de-açúcar.

Na obra de Chayanov, outro ponto crucial a ser destacado, notadamente em

relação ao campesinato, é sua inserção em uma proposta de desenvolvimento

nacional, como aclara Abramovay (1998). Apesar da teoria desse importante

intelectual ter sido elaborada de “baixo”, em uma mirada espacial acerca dos

interstícios da organização da unidade familiar camponesa, não se pode afirmar que

o autor tenha negligenciado o papel do campesinato em sua participação na

sociedade geral, pois nos últimos capítulos de sua obra, este procura pensar uma

alternativa de inserção da exploração familiar na economia nacional.

Nesse sentido, que se problematizava com base em uma proposta de

cooperativismo/integração vertical, na qual se diferenciava da proposta soviética

pela forma de implantação que justamente almejava-se preservar as formas de

organização já vivenciadas pelos camponeses. Tanto se destacou com consistência

as ideias de Chayanov sobre as formas de organização, que anos mais tarde, com o

ápice do Estado Stalinista, se instaurou uma verdadeira violência com a

coletivização forçada, por meio da integração horizontal da agricultura soviética,

assim comprovando os apontamentos de Chayanov.

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De fato, a contribuição desse importante estudioso da escola para a análise

da organização e produção camponesa, ou da agronomia social como muitos

denominam, se apresenta de forma seminal, pois buscou romper com outras

orientações, que profetizavam os vários fatores de sucumbência do campesinato

pelos mais diversos caminhos constituídos pelo desenvolvimento das forças

produtivas do capitalismo.

Segundo Abramovay (1998), qualquer tentativa de enquadrá-lo em qualquer

corrente teórica, incorre-se em um equivoco, pois esse experimentou de muitas

leituras acerca dos fenômenos sociais efetivados no campo. Por conseguinte, poder-

se-ia dizer que a economia política constituída por Chayanov, se colocava em uma

negação à história universal, a qual por muito tempo esteve contida tanto no

pensamento neoclássico da economia, quanto no marxismo de cunho europeu, o

que torna esse pensador singular em sua forma de entendimento da forma-

conteúdo do campesinato.

1.4- O problema da renda terra no capitalismo

Ao se admitir que o processo de proletarização dos camponeses não se

constitui como uma regra inexorável ou ainda como processo hegemônico na

exploração capitalista sobre esses trabalhadores, como ocorre nos esquemas

teóricos marxistas (ortodoxos), estruturados na relação direta, via única do conflito

capital-trabalho, os quais se baseiam na exploração do trabalho excedente,

materializado na mais-valia, a categoria renda toma forma como uma fundamental

chave de leitura conceitual, na medida em que o domínio do solo, portanto o seu

monopólio oferece a possibilidade de seus possuidores de auferi-la de acordo com

as variáveis de disposição desse substrato tão importante para a reprodução social

das sociedades.

Nesse viés de investigação, segundo clarificam Amin & Vergopoulos (1977), o

fato das análises acerca do modo capitalista, majoritariamente se pautarem a partir

dos conflitos figurados pelas duas classes fundamentais do capitalismo, na

exploração do sobretrabalho e a realização do lucro, não permitiu o devido olhar

mais compromissado ao papel da renda da terra como elemento fundamental das

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sociedades capitalistas, o que se incorre de forma equivocada, ao transpor

categorias típicas da analítica urbano-industrial para o capitalismo agrário.

Por outro lado, a renda enquanto categoria explicativa vem tomando

destaque até mesmo naqueles ambientes, onde a mais-valia se figura como

categoria indissociável dos processos de exploração, como no ambiente urbano-

industrial. Nesse sentido, que a possibilidade do capitalista de auferir renda,

sobretudo na contemporaneidade com o advento de grandes reestruturações do

espaço urbano de cidades mundiais, vem chamando a atenção de importantes

intelectuais que discorrem sobre a temática, como Harvey (2006) e na geografia

brasileira com Carlos (2011).

Cabe destacar que originalmente a renda não se estabelece estritamente na

emergência do modo capitalista de produção, mas que se insere em condições

históricas pré-capitalistas, assim propiciando a transição para o modus operandis

dominante. Logo, como conceito concreto e histórico, a renda adquire grande

importância nas sociedades capitalistas, haja vista que a terra é metamorfoseada

para a condição de mercadoria. Por conseguinte, esse processo pode ser descrito

conforme Smith apud Moreira (1995), como um:

Processo social e político que envolve a ruptura da estrutura hierárquica eremontada de deveres, obrigações, honra e lealdade, circunscrita àpropriedade feudal. As trajetórias constitutivas dos Estados absolutistasevidenciam, histórica e assincronicamente, a centralização do poder do rei ea desvinculação da propriedade de seus traços feudais, abrindo-lhe apossibilidade de adquirir forma mercantil, livre de quaisquer outros atributosque não os da condição de mercadoria (p.93).

A renda da terra ou fundiária no capitalismo adquire importante destaque,

diferente da renda pré-capitalista com o seu caráter de tributo pessoal, à medida que

o controle de parcelas do território permite a exploração não somente daqueles

camponeses que mantinham sua relação com o senhor feudal. Entretanto, esse

domínio torna-se possível também como um ônus para toda a sociedade como um

tributo social, regulado pelos proprietários monopolistas de terras.

Talvez, a renda da terra possa ser entendida como componente fundamental

da espinha dorsal da questão agrária brasileira, mesmo no “latifúndio moderno”

personificado pela agricultura capitalista moderna, onde por meio da renda, se

concretiza também uma das vias de exploração deste modelo. Por conseguinte, se

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daria a continuidade do modelo colonial, o qual em um primeiro momento não fica

claro, devido à blindagem ideológica da produtividade do agronegócio, tão

disseminada na história presente.

Tamanha se configura a importância da renda da terra na

contemporaneidade, que essa categoria enquanto realidade empírica tem

influenciado até mesmo na reforma agrária (conceito questionável) de mercado

fomentado pelo Estado brasileiro, prostrada diante da elevação de preços das terras,

sobretudo em áreas de grande expansão do agro(hidro)negócio. Nesse sentido,

cabe ressaltar como exemplo dessa premissa capitalista, a microrregião de Três

Lagoas-MS, apenas em período de 5 anos, o solo obteve uma elevação em 298%

em seu preço, produto do crescente açambarcamento das terras na região.

Outro fator, o qual Amim & Vergopoulos (1977) apontam como preponderante

na exploração da renda da terra emerge por meio do mecanismo de aliança de

classes, uma vez que principalmente nos países da periferia do sistema capitalista,

esse processo se deu no sentido de açambarcar terras, principalmente unindo

capitalistas urbano-industriais e agraristas numa só imagem, conforme clarifica

Martins (1981).

Por outro lado, diferentemente da tipologia apresentada nos países da

periferia do sistema capitalista, com suas especificidades no que concerne a aliança

de classes, nos Estados Unidos poder-se-ia afirmar que a alta da renda na terra,

mormente nos estados do sul escravista, se configurou como um dos pilares do

processo que levou à Guerra Civil de 1861, haja vista que mesmo com o grande

poderio econômico dos grupos industriais, ainda assim a alta concentração de renda

fundiária dos agraristas escravistas se constituía como um grande empecilho para o

desenvolvimento das forças produtivas do capital industrial para essas áreas, além

da conquista de um mercado consumidor como já clarificado pela historiografia

corrente.

Embora a categoria renda não seja uma preocupação exclusivamente da

teoria marxista, assim sendo discutida desde os fisiocratas à Ricardo segundo

Moreira (1995), apesar de algumas confluências dos descritos autores, de que esta

existe antes mesmo do protagonismo do modo de produção capitalista. Com Marx

esta assume um caráter capitalista, à medida que esse pensador admite a luta de

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classes nessa trama estabelecida a partir da possibilidade de alguns poucos terem o

direito de explorar a renda, por meio do monopólio da terra, a qual constituía nessa

nova mirada como equivalente de capital, ou seja, não somente como um meio de

produção fornecido pela natureza, mas também como mercadoria.

Apesar da asserção de que a terra no modo de produção capitalista se

configura como um meio de produção, não seria prudente afirmar que a ela seja

considerada como capital, haja vista que o capital como vislumbra Martins (1981), se

configura como o trabalho acumulado pelo capitalista, por intermédio de meios de

produção, os quais por sua vez, são produzidos pelo trabalho e não pelo capital. Do

outro lado, a terra se apresenta dotada de um caráter de bem natural, finito, a qual

não é passível de fabricação, como ocorrem com as mercadorias, produtos do

sobretrabalho da mais-valia. Acerca da questão, Martins (1981) enfatiza:

Não posso dizer a mesma coisa em relação à propriedade da terra. Aapropriação da terra não se dá num processo de trabalho, de exploração dotrabalho pelo capital. Portanto, nem a terra tem valor, no sentido de que nãoé materialização de trabalho humano, nem pode ter a sua apropriaçãolegitimada por um processo igual ao da produção capitalista. [...] Quandoalguém trabalha na terra, não é para produzir a terra, mas para produzir ofruto da terra. O fruto da terra pode ser produto do trabalho, mas a própriaterra não o é. (p.159-160).

Dentro das contradições do sistema capitalista, a renda se apresenta como

uma grande incógnita para o capital, uma vez que esse não é capaz de produzi-la,

enquanto um instrumento ou/e meio de produção. Nesse sentido, Martins (1981)

aponta para a existência de certa irracionalidade do capital em sua relação com a

renda, uma vez que o capitalista é forçado a pagar esse tributo a quem pertença

esse bem. Tal questão, logicamente em alguns casos, na América Latina e

especialmente no Brasil, a aliança de classes tratou logo de suprimir esse empecilho

exprimido pela renda territorial, via unificação entre as classes dos capitalistas e dos

proprietários de terras.

A terra enquanto ativo econômico, mesmo que o seu detentor não a coloque

no circuito da produção, esse proprietário estará apto a se apropriar de uma parte da

riqueza, ou dessa mais-valia social. A irracionalidade está no fato de que mesmo a

terra em alguns casos possuindo um caráter improdutivo, terá sua valorização no

mercado de terras, motivo pelo qual alguns proprietários dizem que suas terras

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estão valorizando por intermédio da especulação. O mesmo não ocorre na indústria,

onde a valorização se realiza pelos processos de exploração do sobretrabalho, com

a realização do lucro no momento da circulação. “De outra forma, não há

valorização, senão pelo mecanismo, D M D”.

Outro ponto importante, até mesmo pelas características históricas de

concentração fundiária no Brasil, pode ser verificado pelo fato de que poder-se

afirmar que a concentração da propriedade da terra não se realiza como na

concentração do capital, situação a qual na indústria se daria pela maximização da

produção. Quando a terra é concentrada, ela não aumenta em nada a capacidade

de produção do trabalhador, assim ficando claro, o quanto se torna inócuo a

extração de mais-valia, ao passo que aumenta na realidade a potencialidade dos

proprietários de extração da mais-valia social. Isso explica de forma significativa, o

monopólio estabelecido historicamente no domínio territorial de terras no Brasil, na

imagem do “velho” latifúndio.

No mesmo passo, deve-se discorrer que a renda como categoria especial da

economia política, pode se manifestar de maneiras distintas conforme os atributos

da terra. Nesse sentido, Oliveira (2008) elucida a existência de 4 tipos de rendas, a

saber: renda pré-capitalista, renda de monopólio, renda absoluta e renda diferencial,

sendo essa última subdivida em duas categorias, diferencial I e diferencial II.

A renda pré-capitalista da terra, pode se realizar pelo excedente de produto,

ou seja, pela renda em trabalho, renda em produto e renda em dinheiro. Apesar de

sua funcionalidade estar ligada diretamente a sociedades ditas feudais/pré-

capitalistas, como uma contradição no sistema capitalista, nada impede que essa se

realize na contemporaneidade.

Por outro lado, a renda por monopólio se estabelece a partir das

particularidades da terra, na apropriação e monopolização de determinada

mercadoria produzida em algum lugar do globo dotado de qualidades únicas e

especiais, como na fabricação de vinho do Porto (OLIVEIRA, 2007).

Com relação às rendas diferenciais I e II, cabe salientar que respectivamente

se apresentam pela sua especificidade, sobretudo se configurando por meio da

fertilidade natural o solo, assim propiciando maior produtividade por área. Nesse

poder-se-ia dizer, que se trata mesmo de uma renda da natureza, uma vez que

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outros recursos naturais, como a grande oferta de recursos hídricos característica,

podem apontar também para a renda diferencial I. Tal indicativo, sobretudo, pode-se

evidenciar ao observa-se a expansão cada vez mais crescente dos

agro(hidro)negócios em direção às principais bacias hidrográficas do Brasil. Na

renda diferencial II, ao contrário da primeira, torna-se possível por intermédio de

aplicação de capitais para melhorias no solo, só que por meios artificiais, assim

agregando maiores possibilidades do proprietário de auferir renda.

Já a renda absoluta de uma forma geral, segundo Oliveira (2007), resulta do

monopólio da terra em quaisquer situações, onde há a posse privada do solo, ao

passo da existência de um antagonismo de interesses entre os proprietários de

terras e com os da sociedade de um modo geral.

Nesse sentido, que esses grandes proprietários utilizam como equivalente de

capital, assim esperando pelas atividades mais viáveis economicamente, ou até

mesmo sem nada a fazer nesta terra. Nas duas situações indicadas, abre-se a

possibilidade deste capitalista de transferir esse importante ônus para a sociedade.

Tal fato, tem inclusive influenciado no mercado de alimentos em lugares com alta

renda, provinda das atividades da agricultura capitalista.

Realizadas algumas considerações do papel da renda territorial, nas suas

diferentes ocorrências, cabe problematizar acerca da permanência do campesinato

no modo de produção capitalista, haja vista como já elucidado, importante se faz

apreender as formas pelas quais se realiza o processo de exploração desta classe

na configuração atual do capitalismo, contudo como um processo

subordinação/sujeição da renda camponesa pelo capital.

Ploeg (2008) avança em sua obra acerca do campesinato e suas relações

com o capital mundializado, à medida que busca notabilizar a problemática, a partir

do entendimento da permanência do campesinato enquanto sujeito da história,

portanto como portador de resiliência na contemporaneidade. Por conseguinte, o

mesmo contribui para o debate acerca da penetração do capital no campo e suas

formas de subordinação da agricultura camponesa.

Tal questão em torno do campesinato nos escritos de Ploeg (2008) sugere um

insight acerca da sujeição da renda camponesa ao capital. Embora não contemple

uma perspectiva marxista de análise, ou até mesmo como elucida Paulino (2010),

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sendo até mesmo refratário a essa, o estudioso holandês traz à tona um debate que

privilegia com certa proximidade de Martins (1996) e Oliveira (2007), a possibilidade

de coetaneidade de formas econômicas, o que à primeira vista se configura como

uma contradição do modo de produção capitalista. Nesta perspectiva, estaria o

camponês marcado pela ambivalência subordinação-resistência no seu enveredar

na história.

Segundo Martins (1981 a), a participação do campesinato se materializa pelas

vias de sujeição de sua renda, onde a forma mais emblemática hoje, da realização

dessa subordinação, se realizaria pelo processo de integração, na qual grandes

empresas por meio de estruturação das instalações nos lotes transferem a

penosidade de determinados tipos de produção, para a responsabilidade dos

camponeses, assim constituindo como ocorre na atualidade, com a produção da

sericicultura, as cadeiras do frango, do leite e tantas outras formas de sujeição da

renda da terra camponesa.

Ainda segundo Martins (1981a), ocorrem diferenças importantes nas formas

de sujeição da renda fundiária, haja vista que, em lugares onde a renda da terra se

encontra com alta concentração, o capital tende a contrair essas terras como forma

de extração/transferência de ônus para a sociedade. Do outro lado, em lugares onde

a renda da terra é baixa, como em locais de produção de gêneros alimentícios, o

capital não necessariamente compra as terras, mas procura estender seus

tentáculos/domínios propriamente no processo de compra dos produtos, assim se

instaurando processos correlatos à integração, conforme sobredito.

Outra chave de leitura de suma importância, a qual guarda similitudes com a

obra de Martins (1981a), é o debate fomentado por Oliveira (2007), pois este

situando o debate em uma perspectiva geográfica, evidencia os dois processos

descritos acima, desde os conceitos de monopolização do território pelo capital e

territorialização do capital respectivamente. Nesse sentido, ao empreender a leitura

a partir das espacialidades do capital, Oliveira (2007) permite desvendar acerca das

vias da exploração capitalista da renda camponesa, o que em última instancia,

chama atenção para o fato das grandes corporações do leite como a Nestlé e

Parmalat, conforme apontado no estudo de Ploeg (2008), não necessariamente

possuírem terras, ou em suma o que seriam os “meios de produção”, o gado leiteiro

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para que se possa gesta o processo de lucro ou nesse caso, a subordinação da

renda de outrem.

Na descrita exemplificação se configura na perspectiva de Oliveira (2007),

como uma monopolização do território, uma vez que mesmo não havendo uma

territorialização de forma absoluta do capital, ainda este pode manter suas relações

de domínio, sem que haja uma expansão materializada no espaço.

No reverso, a territorialização do capital, se daria em lugares como já

clarificado por Martins (1981), com alta renda, os quais se caracterizam atualmente

no Brasil, comumente pelos empreendimentos capitalistas da soja, monocultivo do

eucalipto e da agroindústria da cana-de-açúcar. A referida territorialização do capital,

inclusive tem sido danosa para toda a sociedade, e até mesmo para alguns setores

do Estado, à medida que dificulta a aquisição de terras, por este último para destinar

à reforma agrária, pois mesmo terras que ainda não se encontram produzindo

próximas dessas áreas, também estarão sujeitas aos desmandos do monopólio

rentista na região.

A renda territorial, sobretudo na configuração elencada a partir da

subordinação camponesa na perspectiva contraditória do capital, oferece essa

leitura de continuidade do campesinato, inserido-o em uma trama de condição

ambivalente caracterizada pela subordinação-resistência, o que nos leva admitir o já

corroborado com Luxemburgo (1970) e Molina & Sevilla-Guzmán (2005), a

existência desses “espaços vazios” do capital, como forma de coexistência entre

diferentes.

Ao afirmarmos tais pressupostos, não se afirma ao mesmo passo, que essa

relação entre o campesinato e capital, não se dá sem conflitos, pois a história de

apropriação/expropriação da terra no Brasil tem mostrado o contrário por meio da

barbárie e violência, empreendidas contra os grupos historicamente subalternizados.

1.5. O caráter multifacetado da constituição do campesinato brasileiro

Em consonância com a condição de classe incompreendida e/ou incômoda

conforme alerta Shanin (1983) com a qual foi historicamente renegado o

campesinato, sobretudo nos períodos mais recentes do auge do desenvolvimento

das forças produtivas, no Brasil guardadas as singularidades locais, essa

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classe/modo de vida também carrega esse ranço de incompreensão sociológica,

formatado pelos vários vetores da produção do conhecimento e da política. Dessa

forma, cerceando qualquer possibilidade de um devir “campesino”, questão a qual

historicamente tem sido contrariada, por meio das ações dos chamados novos

movimentos sociais na América Latina, com maior relevo, os de luta pela terra que

se erguem, nos “varadouros” do Brasil.

Mormente a referida polêmica acerca do debate, se dá em certa medida, pela

dificuldade de apreender uma mirada, que possa ofertar uma leitura para além do

estrito conflito capital-trabalho, outrora que tomou o mundo do pensar acadêmico e

político, tanto daqueles herdeiros do pensamento marxista, quanto no outro extremo

com o pensamento da economia neoclássica, conforme elencado na guisa

introdutória.

Outro fato, que em certa medida ajuda a apreender esse relativo

esquecimento do campesinato na formação sócio-espacial brasileira, reside a partir

do pensamento hegemônico acerca do papel da escravidão, como única forma

possível, ou suprema da relação de exploração nesse capitalismo, o qual já

começava a se destacar numa perspectiva multi-escalar.

Cardoso (2002), logra ao realizar sua leitura acerca das relações sociais

diferenciadas que se estabelecem na América, nesse sentido o importante

historiador oferta um interessante caminho e/ou até mesmo uma compreensão

desse campesinato, o qual em grande medida, se diferencia daquele campesinato

europeu ocidental, até pelas teias diferenciadas estabelecida em torno economia

açucareira.

Outro fato, o qual denota a riqueza historiográfica da obra de Cardoso (2002),

reside na possibilidade de um enveredar histórico, permeado pelo devir e na

tentativa de uma construção não linear do entendimento acerca das formas

econômicas contidas a partir do período do Brasil- Colônia. Destarte, o autor procura

romper com dicotomias e simplismos das leituras correntes acerca do sistema

escravocrata, bem como a relação capital-trabalho11, inserida nesse contexto.

11 Vale ressaltar, conforme discutido no debate sobre renda da terra, que essa sem si não se constitui comocapital, haja vista a impossibilidade de fabricação pelos homens, como o fazem com máquina. Por outro lado,essa oferta para os seus detentores a possibilidade de auferir renda por meio desta, bem como por meio destaproduzir. Nesse sentido, a terra configura como um equivalente de capital.

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Nesse mesmo rumo, que o ponto central de sua importante obra, reside sob a

compreensão a partir da existência de uma espécie de “hibridismo social”, no qual

ora se pode definir como escravo, ora esses sujeitos partilhavam de características

camponesas, levando o autor em sua análise sugerir a existência de um

protocampesinato.

Negando qualquer leitura que se apóie na polarização das posições da

relação grande detentores de terras das plantation x escravos, Cardoso (2002)

admite haver uma complexidade embutida na formação do campesinato brasileiro,

assim como o teor heterogêneo desta classe-modo vida como na atualidade. Acerca

da definição do protocampesinato, Cardoso assinala;

Este último- e o termo protocampesinato se refere às atividades agrícolasrealizadas por escravos nas parcelas e no tempo para trabalhá-las,concedidos no interior das fazendas, e à eventual comercialização dosexcedentes obtidos- é o único aspecto das atividades camponesas sob oescravismo que nos vai ocupar. (CARDOSO, 2004, p.54-55).

Com a obra elencada, Cardoso (2004) traz uma importante contribuição

historiográfica acerca da formação brasileira, à medida que chama atenção a

necessidade de um olhar refinado acerca da heterogeneidade desses grupos

sociais, bem como a possibilidade desse hibridismo social. Portanto, contribui para a

desconstrução e desmistificação da colonização do novo mundo, destituindo a

relação escravidão- plantations, como únicos vetores/modelos das relações sociais

que se estabeleciam na colônia.

De modo geral, ao realizar um requintado levantamento acerca dos sistemas

escravistas da América, guardadas as especificidades dadas em distintas

localidades das Américas, Cardoso (2004), enfatiza a condição mister de escravo-

camponês, a qual se estabeleceu no interior do latifúndio, que era em certa medida

fundamental para a sobrevivência do latifúndio, numa relação de

complementaridade, embora assimétrica entre os grandes detentores de terras e

escravos por meio da produção alimentos, bem como no fomento de uma

microeconomia interna, muitas vezes negligenciada pelo hipnotismo da relação

mercantil entre Metrópole- Colônia que comumente acomete o debate.

A partir desse hibridismo de posições sociais, bem como pelo

estabelecimento daquilo que Cardoso designa como protocampesinato, que por

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diferentes formas, se abre espaços para a chamada brecha camponesa. Poder-se-ia

afirmar a confluência de diversas leituras, quais defendem a formação do

campesinato brasileiro, como uma classe gestada no interior do latifúndio, portanto

na terra de outrem. Por outro lado, deve-se relativizar essa presumida liberdade,

quando se assevera a existência desse mosaico escravo-camponês, à medida que

tal fato se deve muito mais pela omissão dos detentores de terras com os custos

com a alimentação dos escravos, bem como roupas e outros utensílios necessários,

em detrimento a processos mais efetivos de resistência.

Embora nesse momento, não se constitua de fato um campesinato definido

pelo anseio político de entrada na terra, como expressão política de luta de classes,

por outro lado pode-se ao menos afirmar que se gestou a partir dessa brecha, a

possibilidade de uma classe questionadora, como o foi com as Ligas Camponesas e

os novos movimentos sociais em suas multiplicidades de condições/condicionantes.

Acerca dessa referida “marginalidade” das atividades ligadas à produção

alimentos no interior dos latifúndios, buscando apreender a importância na economia

interna dos sujeitos desse hibridismo social descrito, bem como por meio do

campesinato formado por outros sujeitos, prefere-se inserir a hipótese de uma

“inclusão precarizada” como vem ocorrendo hoje, embora em outros moldes distintos

daqueles de outrora.

O campesinato, enquanto categoria/conceito sociológico e político, como o

que ocorre na atualidade debate acerca dos paradigmas do campesinato x

agricultura familiar, emerge também na década de 1960, como importante vetor para

o debate político, bem como para a disputa de propostas ideológicas. Esse vigoroso

movimento de redescoberta do campesinato se deu em uma época muito peculiar, à

medida que a emergência do pensamento marxista tomava uma proporção jamais

conhecida no pensamento da esquerda brasileira. Destarte, o campesinato enquanto

parte dos pobres explorados do campo, emerge como importante alvo de diferentes

disputas políticas de vários setores da sociedade (vide capítulo 3).

Por outro lado, registra-se como emblemático o tratamento dado à questão

camponesa em especial, haja vista que a orientação política brasileira de esquerda,

herdou os mecanismos universalistas e dogmáticos do marxismo (aqui entendido

como ortodoxos), por meio da compreensão da condição polar das classes sociais

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no modo de produção capitalista, fato polêmico nas diferentes correntes dentro do

partido comunista.

O campesinato, uma categoria esquecida, espúria, em processo dediferenciação social, em direção a uma das duas classes polares docapitalismo, era o sinônimo do atraso, da fragilidade política e dadependência; acrescia-se a essas fragilidades a noção da ineficiênciaeconômica, técnica, resultante do seu tradicionalismo e aversão ao risco.(WELCH et al, 2009, p.23).

Acerca do campesinato, houve tanto dissenso descrever essa classe/modo de

vida, quanto o número de falas que tentaram falar por essa. Nesse sentido, cabe

destacar que as posições colocadas ainda no pensamento europeu marxista acerca

do campesinato no estado elevado do desenvolvimento das forças produtivas, em

grande medida influenciaram com relativa competência os intelectuais brasileiros,

ocupados com a leitura da formação social brasileira, assim como a inserção do

campesinato nessa, em um período caracterizado pela urbanização tardia e

crescimento populacional nos grandes centros urbanos por meio das migrações

campo-cidade.

Com os antagonismos de posições acerca do campesinato nas bordas do

conflito capital x trabalho das classes fundamentais do capitalismo, que intelectuais

como Caio Prado Júnior (1979) e Alberto Passos Guimarães (1968), ambos

membros do Partido Comunista Brasileiro- PCB, estabelecem seus “territórios” na

produção conhecimento, mas para além dessa produção, emerge de fato, os

conceitos como componentes de ressignificação do mundo, não “desencarnados”

das questões políticas que permeavam as várias escalas de análise.

Embora não negligenciasse o campesinato como parcela fundamental da

formação da formação social brasileira, por outro lado Guimarães (1968) levantava

um posicionamento polêmico acerca do sistema escravocrata, à medida que

sustentava a ideia de um semi- feudalismo nas relações que se estabeleceram com

o regime das sesmarias, destarte notadamente a partir da mirada acerca da

constituição do latifúndio brasileiro por meio de uma matriz feudal. Outro plano de

fundo, o qual pode contribuir para o enveredar empreendido por Guimarães (1968),

evidencia-se a partir das relações sociais internas que se estabeleciam nas grandes

fazendas.

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Logo, as condições ligadas à formação do campesinato brasileiro, como o

chamado morador e/ou agregado e sua ligação com os grandes proprietários, em

alguns momentos quase como em uma relação de complementaridade, em certa

medida, podem ter influenciado os escritos de Guimarães (1968) ao observar mais

intimamente, as dinâmicas sociais internas do latifúndio. Embora não tenha

despendido tanta atenção a essas dinâmicas internas, na relação assimétrica entre

relativa autonomia- dependência, desse campesinato em gestação, torna-se

possível em Guimarães (2009), apreender os caminhos pelos quais, se

desenvolveram a brecha camponesa fomentada por Cardoso (2002), embora o

primeiro não arrisque entrar no hibridismo social do protocampesinato.

Quando aqui e ali o fizeram, longe do núcleo principal das plantações e aseu derredor, eram, mais cedo ou mais tarde, expulsas com a dilatação doscultivos ou das criações dos grandes senhores. E se lhes concediampequenos tratos de terra para a agricultura necessária ao seu sustento, eracom a finalidade de mantê-las subjugadas, como mão-de-obra de reserva,dentro ou às proximidades dos latifúndios. (GUIMARÃES, 2009, p.45).

Conforme, já apontado por meio do rico debate fomentado por Cardoso

(2002), essa lógica interna oferecia uma grande dinamicidade das relações sociais

para além do binômio latifúndio- escravidão, se constituindo o próprio meio pelo

qual, o senhor de engenho se isentaria do ônus do pagamento e manutenção do

regime de trabalho escravocrata.

Por outro lado, Prado Júnior (1979) a partir de uma mirada mais ampla de

análise da formação do espaço agrário brasileiro, focando nas escalas de ampliação

das forças produtivas do capital, o autor consegue vislumbrar o caráter das

plantations bem como seu papel na trama econômica mundial. Portanto, ao contrário

daquilo que Guimarães (1968) aludia acerca da problemática da miséria e sua

relação com esses resquícios feudais, para Prado Júnior (1979), esse cenário era

ele mesmo, o próprio resultado do desenvolvimento pleno de um capitalismo sem

fronteiras.

Embora tenha logrado acerca da leitura sobre a questão agrária brasileira, por

outro lado ao perceber o aprofundamento das relações capitalistas como principal

plano de fundo da problemática no campo, herdando assim uma leitura ortodoxa do

marxismo, em Prado Júnior (1979), a figura do campesinato aparece como um setor

a mercê de qualquer possibilidade política de luta, nesse sentido figurando na leitura

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do referido autor, um debate vinculado às duas classes fundamentais do capitalismo,

quais sejam; burguesia e proletariado. Tal situação ajuda apreender inclusive, o

papel do campesinato nessa redescoberta do conceito na década de 1960/70, à

medida que este estava sujeito aos várias disputas políticas, como se na condição

de sujeito, fosse incapaz da construção da possibilidade do devir, conforme

problematizado adiante.

Embora, no cenário das décadas de 1960/70, o campesinato brasileiro

emergisse como um importante sujeito político, vide exemplo por meio das ligas

camponesas, bem como tantas outras emergências populares pelo país, ainda sim,

o descrito levante não refletia uma solidez política capaz de romper com os

“oportunismos”, oriundos de todas as partes, na disputa política pelo camponesa, em

uma relação de cerceamento da condição de sujeito dessas populações, no

processo político da luta de classes.

Ao inverso de outras formações sociais, sobretudo nos casos dos campos

Russos e da porção ocidental europeia, ao campesinato brasileiro em sua

heterogeneidade, seu processo de reprodução social fundamentalmente foi possível

por meio de uma “espécie de maleabilidade social”, sob a qual no interior das

plantations (especialmente no Nordeste), bem como por meio da consolidação dos

“intrusos” na abertura das matas, para a formação das fazendas de gado na região

Centro-Oeste, foi possível um processo de gestação dessa classe esquecida

(QUEIROZ, 1963).

Ainda que essa classe/ modo de vida, se notabilize no Brasil pela sua

heterogeneidade, o plano de fundo que conflui suas condições sociais, reside na sua

emergência pelos flancos desse capitalismo rentista altamente ligado à terra, no qual

de forma contraditória, permitiu a reprodução, mesmo que de forma precarizada

desses sujeitos.

Como problematizado por Martins (1981a) e em certa medida em Cardoso

(2002), nesse processo de redescoberta do campesinato enquanto categoria

analítica e política, essa classe/ modo de vida, pode ser descrita pela sua relação

intima com terra, onde em contraste à empresa capitalista, prioriza-se pela

reprodução social da família, portanto sintetizados na tríade terra-trabalho-família.

Ao realizar a referida afirmação, não está negligenciando o fato de que os

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camponeses estejam isolados dos sistemas micro e macroeconômicos, fato já

problematizado por Cardoso (2002) ao analisar a estrutura interna de funcionamento

do “protocampesinato” nas Plantation do Brasil Colônia, bem como também

envereda Ploeg (2008) na atualidade, por meio do debate sobre o campesinato e

sua relação com os grandes impérios alimentares.

Outro fato inclusive problematizado pela corrente agrária ortodoxa do

pensamento marxista, diz respeito ao mercado de terras, embora a “unidade

econômica camponesa” se caracterize pela fórmula M- C- M, em uma lógica de

reprodução social familiar, sem que o lucro se configure como ponto central, por

outro lado ao possuir a terra, essa está sujeita aos aparatos do capitalismo no

processo de obtenção da renda da terra. Longe de um abrupto antagonismo de

classes no modo de produção, poder-se-ia afirmar que o campesinato ocupa um

lugar (muitas vezes o não-lugar), entre a resistência- subordinação, no qual muitas

vezes para resistir, torna-se necessária a subordinação. Em muitos momentos, afim

contornar situações adversas, esse campesinato se subordina ao capital para

resistir.

Embora, a dimensão econômica esteja ligada em muitos momentos na

“coreografia” desse campesinato, até mesmo como mecanismo de reprodução

dessa classe/modo de vida conforme salientado, Segundo Woortmann (1990), por

outro lado, ao realizar o enfoque acerca desse grupo, torna-se fundamental uma

mirada mais apurada sobre o plano subjetivo que constitui a labuta cotidiana desses

sujeitos.

Com o entendimento proposto a partir dos elementos como economia moral e

reciprocidade por Woortmann (1990), não se trata de realizar uma oposição aguda

entre Homo economicus e Homo moralis na estrutura da família camponesa,

entretanto buscar apreender que em muitos momentos, uma esfera não está

divorciada da outra, inclusive se configurando como condição sine quo non para a

manutenção de sua condição camponesa.

Nesse sentido, Woortmann (1990) procurando enveredar para além das

leituras de cunho economicistas, as quais procuraram narrar sobre o campesinato

brasileiro, que o autor alerta que aspecto objetivo de integração ao mercado, não

deve ser utilizado como definidor das chamadas “campesidades”.

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Prefiro então falar não de camponeses, mas de campesinidade, entendidacomo uma qualidade presente em maior ou menor grau em distintos gruposespecíficos. Se há uma relação entre formas históricas de produção e essaqualidade, tal relação não é, contudo, mecânica. O que tenho em vista éuma configuração modelar, mas é preciso não esquecer, sob risco dereificação, que pequenos produtores não são tipos, mas sujeitos históricos eque as situações empíricas observadas, por serem históricas, sãoambíguas. De fato, pode-se perceber a história como uma contínuaprodução e resolução de ambiguidades. Modelos nunca são “ iguais àrealidade”, se por essa última se entende a concretude histórica que é,essencialmente, movimento. (WOORTMANN, 1990.p.13).

Essas campesinidades, portanto são definidas pela ligação com terra, bem

como pela perspectiva de cunho moral das relações estabelecidas no interior do lote

camponês.

Em Martins (1981a), ao definir a tríade terra-trabalho-família como condição

fundamental de reprodução da lógica camponesa, em Woortmann (1990), esses

elementos se destacam em uma leitura de cunho subjetivo, onde o trabalho, a festa

e o rito como elenca Brandão (2009), se apresenta de forma diferenciada daquele

caracterizado pela exploração da mais-valia; a terra, se destacar como fundamental

recurso natural para o plantio do roçado, entretanto emerge como a “terra sagrada”

conforme destacado (subcapitulo I.6) por Woortmann (2009), o que em última

instância faz emergir, a ligação intrínseca das dimensões material-imaterial do

território, conforme será elencado posteriormente.

Com relação à família, deve-se levar em consideração o formato diferenciado

da estrutura camponesa, uma vez que a chamada família extensa se destaca como

fator estrutural da unidade camponesa, nesse sentido a figura do agregado, bem

como de parentes distantes, se somam nessa lógica demográfica interna. Embora

não predominante, por meio da observação empírica dos sujeitos da referida

pesquisa, foi possível encontrar entre os lotes entrevistados, 42% e 32% desses,

possuíam algum “parente” da família extensa, nos assentamentos Andalucia e

Areias, respectivamente. Em menor número, com 29% e 26%, foi possível verificar

tal configuração familiar nos assentamentos Boa Esperança e Palmeira.

A aparente condição “incômoda” do campesinato em seu caminhar histórico

nos escritos de Shanin (1983), pode também ser aproximado à leitura de

Woortmann (1990), à medida que essa constituição histórica ambígua atribuída ao

campesinato, que lhe deu a condição de recriação nos interstícios do modo de

produção capitalista, classe a qual perdura até hoje em sua multiplicidade de

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formas- conteúdos. Desse caráter, muitas vezes ambíguo desse modo de

vida/classe, longe dos maniqueísmos, sobretudo no caso brasileiro, que se ainda se

faz relevante problematizar.

1.6. Outras leituras possíveis desde a relação sociedade-natureza

Outro grau de análise bastante interessante é a forma de apropriação da

natureza de determinados grupos, o qual pode ser contemplado a partir dos

protagonismos na questão ambiental contemporânea, pois nunca em nenhum

momento da história, se teve um debate tão amplo, tamanha a variedade de

matrizes discursivas sobre a temática.

Nesse sentido, algumas considerações precisam ser fomentadas a partir da

desconstrução do pensamento, sobretudo aquele assentado nos pilares das

atomizações do pensamento ocidental, mormente orientadas no antagonismo

homem x natureza. Entretanto, entendendo que essa última se caracteriza como

produto de outras dissociações socialmente construídas a partir do olhar

eurocêntrico, se convencionando os tantos reducionismos/esvaziamento do mundo.

Nesse enveredar, cabe notar que mesmo aqueles campos de conhecimentos,

caracterizados pelo pensamento crítico, sobretudo nas ciências humanas/sociais, há

uma premente tendência de negação da dimensão dos processos naturais ligados

aos ecossistemas, o que em última instancia, negligencia acerca das formas de “ser,

existir e pertencer” de certos grupos humanos em determinada relação tempo-

espaço com/na natureza. No outro extremo, com as ciências naturais, quando não

se nega essas relações, reduza-se o homem ao antrópico, noção muito cara à

história presente, uma vez que se negligencia a dimensão do conflito das lutas de

classes e/ou relações de poder assimétricas, condições indissociáveis do modo de

produção capitalista.

Com a instituição das ciências modernas, com os seus vários compartimentos

e fronteiras epistemológicas, segundo Toledo (1992), que se instituem também

formas unidirecionais de pensar o mundo e concebê-lo, nesse sentido com esta a

serviço do capital, operando em uma legitima uniformização do conhecimento, assim

negando uma vasta ecologia de saberes.

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Segundo Toledo (1992), apesar de importantes estudiosos da questão

camponesa, avançarem ao redescobrirem as contribuições seminais de Chayanov,

centrando-se na racionalidade econômica dessa unidade, por outro lado, o fizeram

de forma incipiente ao negligenciar a relação intrínseca com recursos físicos, tão

fundamentais no estabelecimento dessa classe com o espaço, no transformar

cotidiano de sua natureza externa.

La manera cómo los campesinos producen bienes es um tema deconsiderable interes para los economitas y otros científicos sociales,particularmente después del redescubrimiento de los trabajos seminales deChayanov. Estos estúdios, sin embargo, examinan los fenômenos aisladosde su contexto médio ambiental. En esta estrecha visión los factoresnaturales son simplemente eliminados de los análisis o son tomados comocontantes, usualmente llamados matérias primas, de tal manera que laproducción campesina se convierte en un proceso realizado em um vacioecológico, uma consecuencia obvia de la división em compartimentosestancos de la moderna ciencia. (TOLEDO, 1992. p.200).

Um momento emblemático dessa confluência de questões “sócio-ambientais”,

o qual se conforma como grande marco que catalisou o debate entre vários

intelectuais, sem dúvidas foi o processo de luta empreendida pelo movimento dos

seringueiros, com maior magnitude na década de 1980, pois o enveredar desses

sujeitos da história, apontou para a necessidade epistêmica de maior ênfase na

mirada acerca da inerência das esferas social-natural.

Por conseguinte, mais que uma luta pelos direitos enquanto explorados pelo

capital, se configura como uma luta epistêmica pelo ato re-existir com as suas

cosmovisões e matrizes de racionalidade (PORTO-GONÇALVES, 2006)

Na agricultura, essa imbricação entre a problemática social e ambiental,

advém com maior relevo a partir daquilo que se classifica como Revolução Verde,

pois essa mudança na base da agricultura não só significou de modo geral o

acirramento conflituoso da questão agrária brasileira, senão contigo trouxe a

problemática da degradação ambiental nos espaços agrários mundiais e como

elucida Porto- Gonçalves (2006), também mudanças nas relações de poder, porque

mais que um “saber” sequer universal e deslocalizado, a técnica e conhecimento,

atualizados pela ciência moderna, carregam todas as premissas de uma narrativa

originada dos países centrais, destarte oriundas de localizações epistêmicas e

retóricas específicas.

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Uma abordagem altamente inovadora, a qual chama a atenção para a

importância do encontro das distintas racionalidades para o que hoje se designa

como agroecologia, é fomentada pelos teóricos de Andaluzia, na Espanha,

sobretudo tendo o teórico Eduardo Sevilla Guzmán como grande expoente dessa

corrente da sociologia do campesinato. Nesse sentido, o debate proposto pelo

referido autor, pode ser muito profícuo para geografia, uma vez que ele põe em

evidência as distintas formas de apropriação da natureza por partes dos

camponeses, portanto como esclarece Porto-Gonçalves (2006), diferentes maneiras

de GEO-grafar a terra e/ou de constituição de territórios, distintos daquelas

características da agricultura capitalista, seja pelas relações materiais nas formas de

apropriação e uso da terra ou mesmo, ou ainda por meio de construção de sistemas

de signos antagônicos ao modo convencional da lógica capitalista do fazer

agricultura.

Para tal empreitada, Sevilla Guzmán (1990), procura revisitar alguns

elementos dos clássicos da questão agrária, entre os quais se poderia destacar com

maior importância em sua obra, os escritos de Alexander Chayanov, principalmente,

quando analisa a chamada agrônoma social.

[...] para Chayanov, la introducción extensiva de la racionalidad en losprocesos espontâneos constituye la esencia de la obra de la agronomiasocial. De lo que se trata es de conseguir superar a ruptura que se haproducido entre pueblo e intelligentcia, ruptura que procede de ladisociación entre forma costumbrista de la acción social y forma delprocedimiento científico. Chayanov no niega la ciencia y la técnica, susdescubrimientos y innovaciones, pero reconece El saber campesino eintenta articular éste com aquélla. (Sevilla Guzmán, 1990, p.231).

Verifica-se que o pensamento de Chayanov é muito rico e atual para o debate

do entrecruzamento de conhecimentos/saberes, uma vez que entre o final do século

XIX e começo do século XX, o descrito autor já chamava a atenção para o quão era

importante reconhecer outras bases sócio-eco-culturais e suas formas de

metabolismo sociais empreendidos no grafar cotidiano da terra, admitindo assim, a

existência de outras cosmovisões camponesas na Rússia. Grande exemplo desse

reconhecimento era a utilização de um calendário agrícola próprio de cada região,

respeitando as especificidades de cada local da Rússia, caracterizada pela grande

extensão territorial e diversidade étnico-cultural.

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Outro estudo com preocupação na leitura dessa forma-conteúdo do

campesinato em sua relação, bem como a natureza foi realizado Wootmann (2009).

No referido constructo, a autora procura relacionar a lógica simbólica da lavoura

camponesa, com questão posta das formas e sistemas próprios de cultivo. Nesse

sentido, pontua que a lógica expressa por meio das cosmovisões dos camponeses

entrevistados12, estão baseadas na tríade Deus, homem e terra, dessa forma

elucidando para o fato da existência de uma percepção moral da relação terra-

homem por parte dos camponeses.

A terra agradecida retribui o trabalho do homem com uma colheitaabundante. Quando ela “recebe a vitamina dada pelo homem e chuva deDeus, ela fica alegre e agradece, dando muito alimento e trazendo fartura.Mas, se a terra trabalha, tal como o homem, ela fica “cansada”, e é precisorespeitar seu tempo de “descanso” (pousio), para que possa renovar suasforças. (Woortmann, 2009, p.120).

A exposição de Woortmann (2009) se apresenta muito reveladora, pois

denota uma lógica muito própria de formas de apropriação dos recursos naturais

pelos camponeses. Longe de uma visão essencialista, Woortmann (2009) esclarece

no descrito trabalho, que os camponeses não estão fechados à adoção de

mecanismos externos como sementes, dessa forma configurando o sítio um

autêntico laboratório para a experiência do fazer humano.

Outra relação vital exposta por Woortmann (2009), diz respeito à

indissociação dos vários elementos do mundo, pois diferentemente da tradição

ocidental, as cosmovisões descritas relacionam o material-simbólico, Deus (divino)-

homem, homem-natureza numa concepção segundo a autora etno-ecológica-holista.

Outra relação que vale destaque é fato desses camponeses entenderem o

agroecossistema como um “corpo”, o que demonstra uma valorização da natureza

externa como extensão de suas próprias vidas e condição material para sua própria

recriação enquanto membros daquele espaço.

Outra substancial contribuição, a qual sugere um interessante insight, pode

ser encontrada no debate fomentado por Mazzeto Silva (2008), quando procura

entender as tensões de territorialidades no cerrado brasileiro. O autor faz a distinção

entre lugar-habitat e lugar- mercadoria, ou ainda especificamente no planalto central

12 Pesquisa realizadas com sitiantes Sergipanos.

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do Brasil, com os conceitos de cerrado-habitat em contraponto ao cerrado-

mercadoria. Partindo do pensamento de Leff, Mazzeto Mazzeto Silva (2008) avança

no sentido de pensar o habitat para além do suporte físico e trama ecológica, nos

quais se constitui referência de simbolizações e significações que configuram

identidades culturais e estilos étnicos plurais.

Podemos acrescentar que o habitat é o lugar de criar hábitos, demanifestação permanente das territorialidades que conferem uso e sentidoao território – a experiência total do espaço. O habitat pressupõe a ideia delugar de viver, vínculo e pertencimento territorial, se opondo e seconfrontando ao sentido do território-mercadoria. O habitat pressupõeconexão com o ecossistema, ao contrário da separação moderna entrehumano/natureza. (MAZZETO SILVA, 2008, p. 98-99).

A partir da exposição de Mazzeto Silva, notoriamente o debate chama a

atenção para a incumbência da geografia enquanto ciência, de problematizar o

debate no sentido pensar não só numa questão13 agrária, todavia agregar o agrícola

(ambiental) como binômio inseparável para o caso brasileiro. Tais pressupostos

ficam evidenciados nas entrelinhas dos escritos de Prado Júnior (1979). Nesse

sentido, quando Prado Júnior (1979) descreve o movimento das plantations para

novas terras e o abandono das antigas áreas já degradadas, que contraditoriamente

se constituíam como uma das poucas brechas camponesa, desta forma

evidenciando o caráter de uso da grande propriedade no Brasil, tanto seu caráter

concentrador (agrário) como degradante (agrícola-ambiental), portanto a forma de

uso e manejo do solo nas grandes propriedades se apresenta como sintomáticas

desde o processo de colonização.

Nesse sentido, acredita-se que o binômio agrário-ambiental da questão

brasileira pode ser fundamental para o debate geográfico contemporâneo, sobretudo

na leitura das tensões de territorialidades do cerrado. Por conseguinte, a chamada

Revolução Verde de meados do século XX, vem legitimar e fortalecer o binômio

estruturante e característico da questão agrária brasileira. Destarte, muda-se a

forma, entretanto a estrutura (Santos, 1996) continua no espaço agrário como

principal característica da questão agrário-agrícola brasileira.

13 Aqui estamos entendendo por questão como aquilo que está acima do problema, portanto partindode pressupostos de que a Questão é sempre maior que o problema, o qual pode ser respondido,enquanto a Questão terá uma dimensão de maior complexidade.

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Ainda em Mazzeto Silva (2008), torna-se possível pensar o território numa

condição integradora (Haesbaert, 2006), uma vez que o lugar-habitat ou cerrado-

habitat possibilita uma leitura multidimensional do processo, a qual vai desde o

território recurso (Raffestin, 1993) ao território na perspectiva imaterial dos signos,

representações e de questões identitárias, em uma relação nunca divorciada entre o

material-imaterial.

Pensando no território no viés de uma condição integradora, Porto-Gonçalves

(2006) dialoga por meio de suas GEO-grafias a importância da diferenciação dos

distintos regimes de uso da natureza e a multidimensionalidade estruturante do

território. O autor salienta que se torna necessário um enfrentamento no sentido

daquilo que procura diferenciar entre agri-CULTURA e agroNEGÓCIO, pois mais

que uma análise da etimologia das palavras, essa problematização, pode fortalecer

o debate no rumo de pensar como a natureza vem sendo externalizada do homem,

mormente por intermédio do discurso científico. As etimologias podem trazer à tona,

no caso da agri-CULTURA, a inseparabilidade do binômio cultura-natureza como

esclarece Leff (2009) sob a luz de uma ecologia política.

Em outro trabalho, Mazzeto Silva (2007), com propósito mais específico de

ressignificar o conceito de campesinato, traz a reflexão no sentido de problematizar

sob um aspecto mais amplo da forma-conteúdo desse modo de vida – classe social.

Para tanto, por meio do diálogo com o conceito de terra de trabalho de Martins

(1991), procura avançar no sentido de esclarecer, que mais que local do trabalho, se

configura como o local de viver, de criar habitus e relações de pertenciamento.

O autor supracitado não nega todas outras leituras já realizadas acerca do

campesinato; entretanto, diante do paradigma dominante da modernização do

campo e da problemática ambiental contemporânea, julga como fundamental a

ressignificação do conceito-síntese colocado, elucidando seu papel político diante da

atual crise ecológica.

Tal debate, acerca do campesinato e sua relação com os processos de

apropriação social da natureza, deste modo de sua ambiência, indubitavelmente

está ligada ao debate corrente na contemporaneidade sobre segurança alimentar e

soberania alimentar, haja vista conforme indicativos do censo agropecuário

2005/2006, as unidades agrícolas do tipo familiar se constituem como as que mais

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produzem alimentos. Este indicativo aponta para aquilo que Altieri (2005) procura

denominar como agroecossistemas simples e complexos. Para o primeiro, este autor

alerta para a tendência cada vez maior da agricultura capitalista de simplificação

ecológica em áreas de expansão dos monocultivos, assim reduzindo os níveis inter-

relações das espécies e modificando as cadeias tróficas locais.

No outro extremo, os agroecossistemas complexos, na medida do possível,

se configuram na agricultura camponesa, pois nesta evidencia-se a diversidade de

espécies e maior interação destas, conforme exposto na figura 01. Ainda com

relação aos dados do IBGE, não está em jogo apenas a eficiência do volume da

produção, oriunda da terra camponesa, entretanto poder-se-ia fazer alusão para sua

eficiência na conservação da diversidade de espécies alimentares e nativas.

Figura 03- Plantio consorciado no assentamento AndalúciaFonte: Soares, 2011

Nesse sentido, a relação forma-conteúdo do lote camponês, bem como de

suas formas de manejo pode apontar para um debate que gira em torno de uma

racionalidade ecológica do campesinato, uma vez que essa suscita por meio de

outras construções epistêmicas, assim se constituindo sob outros signos e matrizes

de racionalidades (PORTO-GONÇALVES, 2006).

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Acerca da mencionada racionalidade, Toledo (2008) e Castillo (2008)

sugerem seminais contribuições, à medida que o primeiro aponta haver um campo

relacional do campesinato com a sociedade maior e com o seu substrato de

reprodução material, portanto de movimento de fluxos de energia, que dão ao

campesinato essa diferenciação no processo de gestão de seu capital ecológico

(PLOEG, 2008). Para tanto, Toledo (2008) recupera um conceito pouco explorado

do debate marxista de metabolismo social, o qual com algumas mudanças procura

instrumentalizar para a analítica proposta.

Segundo Toledo (2008), metabolismo rural, pode ser definido como um

conjunto de ações e/ou atos por meio dos quais, a sociedade se apropria de bens e

serviços da natureza. Originalmente, em Marx, o conceito de metabolismo foi

empregado para denominar o processo de trabalho como “um processo entre o

homem e a natureza, um processo pelo qual o homem, através de suas próprias

ações, medeia e controla o metabolismo entre ele mesmo e natureza, conforme

esclarece Foster (2010). Nesse sentido, que a quebra desse metabolismo se deu,

sobretudo com a emergência do capitalismo industrial e em consequência da

dissociação campo-cidade.

Em consonância com a questão elencada, Toledo (1995) oferece um quadro

interessante, o qual mostra a especificidade camponesa naquilo que Ploeg (2008)

denomina de modo camponês14 de fazer agricultura.

Quadro 02- Característica da Agricultura camponesa e moderna.Atributos Campesina Moderna

Energia: tipo usada naprodução

Interna: uso exclusivo deenergia solar, natural(Lenha)

Externa: predomina o usode energia fóssil

Escala da atividadeprodutiva

Pequenas parcelas aéreasde produção

Medianas e grandes áreasde produção

Objetivo: grau da unidadeprodutiva rural

Alta autosuficiência,cumpre necessidadescoletivas. Pouco uso deinsumos externos.

Cumpre interessesindividuais, sob baixa ounula auto-suficiência. Altouso de insumos externos.

Força de trabalho: nívelorganizado

Familiar, comuninal Assalariada, peão

Diversidade:ecogeográfica, produtiva,biológica, genética

Policultivo, com altadiversidade ecogeográfica,genética e produtiva

Monocultivo com porpouca diversidade porespecialização e

14 Aqui não confundido o conceito de modo de produção de Karl Marx, mas sim como um conjunto de práticascomuns na agricultura camponesa, a qual mantém uma relação direta com a natureza.

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produção.Produtividade: ecológicaou energética

Regular no tempo. Altaprodutividad ecológico-energética; baixaprodutividade no trabalho.

Irregular no tempo, comalta produtividade laboral;baixa produtividadeecológica e energética.

Desechos: alta ou baixaprodução

Produção sob uso deinsumos orgânicospróprios.

Alta produção cominsumos externos:agroquímicos

Conhecimento: tipoempregado durante aapropriação/ produção

Local, tradicional, ágrafo,holístico, baseado emfatos e crenças detransmissão limitada emuito flexíveis

Especializado a partir daciência convencionalbaseada em objetivos,transmitidos por meio daescrita, de ampla difusãodiscursiva.

Cosmovisão: visão demundo (natural e social)que prevalece comocausa invisível ou ocultada racionalidade

Ecocêntrica: a natureza éuma entidade viva esacral. O natural seencarna em deidade comdeve dialogar durante aapropriação

Caráter mercadológico: Anatureza e um sistemaseparado da sociedade,cujas riquezas devem serexploradas através daciência e técnica.

Fonte: Toledo, 1995.

Destarte, conforme elucida Toledo (1995) por meio do quadro 01, o

campesinato se insere numa perspectiva diferenciada de racionalidade ambiental,

pois esta se caracteriza como construto de um sistema cognitivo no uso e

apropriação social da natureza, o que indica em última instancia conforme a

sistematização realizada pelo autor, diferentes formas metabólicas que estão

imbricadas as duas formas distintas de uso da terra.

Caberia expor diante da problemática , que a reforma agrária, enquanto

componente de justiça social, também simboliza outra proposta de apropriação da

natureza, à medida que se caracteriza como uma brecha para a (re)criação

camponesa, portanto abre a possibilidade do uso da terra por outras bases de

racionalidade, distintas da agricultura camponesa.

Outro ponto fundamental para leitura do agrário-ambiental contemporâneo,

torna-se possível a partir da mirada acerca do agronegócio, bem como nos grandes

projetos de construção hidrelétrica em suas lógicas de territorialização, uma vez que

sobretudo na agricultura capitalista em sua lógica agroindustrial, segundo Thomaz

Júnior (2008), há uma tendência maior de expansão em áreas com ricas reservas de

recursos hídricos, como vem o ocorrendo no cerrado, principal nascedouros de

importantes rios do país.

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Nesse sentido, em consonância com Mendonça (2007), Thomaz Júnior (2008)

esclarece acerca do agro(hidro)negócio15;

As frações do território em disputa (intra e inter-capital)- com a participaçãocrescente de grupos estrangeiros- expressam não somente uma novageografia do espaço agrário, no Brasil, mas consolidam o poder de classedo capital sobre as melhores terras agricultáveis do país e da maiorincidência de disponibilização de água de subsolo da América Latina. Ocapital nada mais tem à disposição do que o Aqüífero Guarani, o que lheassegura o controle territorial das melhores terras e de mananciais deáguas de subsolos para a irrigação, nada comparável em nenhuma outraparte do planeta, para destinação e uso comercial. ( THOMAZ JR,2008.p.08)

Segundo Thomaz Jr., parte de Mato do Grosso do Sul, Oeste do estado de

São Paulo, Triângulo Mineiro, Norte do Paraná e Sudoeste Goiano, são áreas que

estão compreendidas no que o autor chama de “polígono do agrohidronegócio”.

Nesse sentido, a construção de usinas hidrelétricas, monocultivo da soja,

eucalipto,pinus e da cana, vão ter sua racionalidade de expansão focada em áreas

de abundância na oferta dos recursos hídricos disponíveis nessa porção do território

Brasileiro.

Outro dado o qual contribui para o debate sobre o agro(hidro)negócio,

sobretudo para as atividades altamente capitalizadas, como o setor

sucroalcooleiro,emerge a partir dos dados trabalhados por Thame (2008), acerca do

consumo de água para os vários tipos de cultivos, o que em última instância

contribui para o entendimento da lógica expansionista da agricultura capitalista em

determinadas áreas.

Quadro 03- Lâmina de água necessária durante o ciclo das culturasCulturas Consumo

cana-de-açúcar 1000 a 2000 mm

banana 900 a 1800 mm

arroz 600 a 1200 mm

café 800 a 1200 mm

uva 500 a 1000 mm

algodão 550 a 950 mm

15 Vale sublinhar que o Estado de Mato Grosso do Sul, possui a maior porção do aqüífero Guarani das terras emterritório brasileiro.

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milho 400 a 800 mm

tomate 300 a 600 mm

feijão 300 a 600 mm

Verduras em geral 250 a 500 mm

Fonte: Thame, 2008,p.198.

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2- DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E A UNIFORMIDADE DO MUNDO

A história universal não é o lugar da felicidade.(Frederic Engels)

A história da América Latina é uma longa história daperda, da usurpação, do roubo dos recursos naturais (Eduardo Galeano)16

Para desenvolver a Inglaterra foi necessário o planeta inteiro.O que será necessário para desenvolver a Índia?

(Mahatma Ghandi)

Na mesma proporção que o seu uso, quantifica-se o quão a noção de

desenvolvimento vem sendo utilizada pelos inúmeros setores do tecido social. Isso

ocorre porque, na maioria das vezes, sua abordagem é feita baseada em preceitos

simplistas ou sob o olhar economicista, o que em última instância, contribui para

escamotear os campos discursivos e das práticas do Estado capitalista e grandes

instituições internacionais, ao legitimar uma colonialidade que ainda resiste na

história presente, por meio do apontamento de uma universalidade histórica a ser

inexoravelmente percorrida pelas várias formações sócio-econômicas e culturais por

meio dessa concepção de desenvolvimento pré-moldada pelos grupos

hegemônicos.

Poder-se-ia mencionar, que o discurso de cunho evolucionista e/ou unilinear

do curso da história, pode até mesmo estar entrelaçado naqueles setores mais

progressistas de esquerda, os quais historicamente, quase que de forma automática,

herdaram os signos de um mundo uniforme, branco e europeu, como se o aspecto

econômico fosse o único ponto fundamental para a construção do desenvolvimento,

bem como a promoção de qualidade de vida.

Na guisa introdutória da temática sugerida, cabe situar o debate a partir de

alguns apontamentos, daquilo que se ergue como campo relacional entre o modo de

produção capitalista e a própria noção de desenvolvimento, haja vista a

complexidade imersa nesta segunda. Na mesma proporção de sua abrangência e

usos como uma fórmula mágica e legitimadora do enveredar capitalista, se configura

16 Fala retirada do documentário intitulado “O veneno está na mesa’’, de autoria de Silvio Tendler,2011.

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também como importante mecanismo de produção de máscaras sociais, que mais

maquiam a realidade, que desvenda as reais intenções dos discursos dos

hegemônicos nesta grande narrativa universalista mundializada.

Contudo, vale salientar que o modo de produção capitalista enquanto

materialidade do antagonismo de classes, não se caracteriza apenas pela via desta

descrita materialidade, haja vista seus atributos simbólicos17 na instituição de seu

poderio. Prontamente, este se cristalizou de forma mundializada também, por

intermédio dos discursos de reinvenção do outro, estabelecendo assim um

verdadeiro esquema de um presumido universalismo europeu, onde falar e

reconhecer outras ontologias torna-se um ato de blasfemar contra a tradição dos

civilizados da economia industrial.

O campo das subjetividades, portanto, mostra-se como elementar, devido a

sua magnitude nas lutas epistêmicas embutidas sob os pilares econômicos- sociais.

Nesse sentido, que Escobar (1995) faz algumas elucidações acerca do papel

da modernidade, enquanto escopo do capitalismo e grande narrativa construída a

partir da Europa.A economia ocidental é geralmente pensada como um sistema deprodução. Da perspectiva da antropologia da modernidade, entretanto, aeconomia ocidental deve ser vista como uma instituição composta desistemas de produção, poder e significação. Os três sistemas uniram-se nofinal do século XVIII e estão inseparavelmente ligados ao desenvolvimentodo capitalismo e da modernidade. (p.44).

Cabe elencar que a conexão entre estes componentes dos sistemas

descritos, hoje se encontram extremamente arraigadas nos discursos e práticas dos

grupos hegemônicos, assim não havendo um isolamento destes itens com a

economia política que se consolida na atualidade. Tal fato pode ser evidenciado com

as várias justificativas dos representantes do agronegócio brasileiro, mormente no

município de Dourados-MS (figura-04), já que ao procurar legitimar o

desenvolvimento econômico da agricultura capitalista, por outro lado se almeja

deslegitimar qualquer outra tentativa de territorialidade/temporalidade avessa aos

seus interesses, por meio de discursos de fortalecimento de alguns estigmas

historicamente construídos acerca dos povos indígenas18.

17 Talvez o fetiche da mercadoria, o qual Marx descreveu, poderia apontar para este caminho dosimbolismo do capital.

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Figura 04- Faixa de Campanha dos Ruralistas da Soja em Dourados-MSFonte: Mota, 2009.

Discursos constituídos historicamente são usados por estes grupos

hegemônicos para deslegitimar outras formas de ser e existir sob uma perspectiva

local, porém não menos colonial, subjugando outras matrizes de racionalidade,

como dos povos Kadiwéus. É desta forma que, na história presente e com o objetivo

de destacar essa presumida superioridade “produtiva’’ visando a manutenção do

status quo, que estes grupos procuram se utilizar destes mecanismos já destacados.

No bojo destes, ganha destaque a “indolência indígena”, pois por meio desta quase

convenção instituída a partir do ideário da aversão do índio ao trabalho, que se

procura justificar a expansão da produção da agricultura capitalista em terras destas

populações originárias.

Se esta terra tão utilizada pelos agronegociantes como meio produção produz

commodities agrícolas de forma crescente, também produz injustiça social e

concentração de poder, baseadas historicamente na violência física e simbólica

contra essas populações.

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Por conta destas e outras diversas manifestações das assimetrias nas

relações de poder, que poder-se--ia afirmar uma colonialidade inerente ao próprio

modo de produção capitalista, o qual como já aclarado necessita deste campo de

significações para se legitimar diante da sociedade por meio da naturalização das

relações sociais de um modo geral.

Deste modo, o que interessa ao analisar o caráter vigoroso do modo de

produção capitalista na contemporaneidade, reside em uma mirada não só em

direção aos processos coloniais inaugurados nos séculos XV e XVII. Entretanto, sob

uma perspectiva que considere uma continuidade na condição

colonial/colonialidade, que ainda teima em comparecer nos discursos e práticas no

cotidiano conforme supramencionado, o que culmina em um universalismo de mão

única, amplamente disseminado conforme a história dos vencedores.

2.1- As múltiplas fragmentações do mundo desde o ocidente

Ao debate do desenvolvimento, enquanto um fenômeno social de

unilateralidade histórica, baseada nos preceitos do eurocentrismo como ponto de

partida de construção de narrativas, torna-se fundamental elencar algumas notas

acerca das várias dissociações que se operaram com eficiência pelo pensamento

metropolitano. Nesse sentido, as ditas separações operadas nesses epicentros de

poder, podem em certa medida, contribuir para o enveredar da questão posta na

contemporaneidade, na relação homem-natureza, bem como os homens inseridos

na problemática ambiental.

Faz-se ainda necessário problematizar sobre a ideia de modernidade, haja

vista que esta tem sido utilizada no campo conceitual para fazer a diferenciação

entre “nós e os outros”, muito mais negar outras pluralidades epistêmicas. Nesse,

sentido o que tem se gestado na história de fato, é a tendência cada vez maior de se

dizer a partir de uma determinada localização epistêmica (MIGNOLO, 2005), como

se o mundo tivesse os seus sentidos limitados ao olhar de apenas um ponto de

visão, nesse caso, na instituição de um sistema-mundo-moderno-colonial

(QUIJANO, 2005), portanto a partir de uma modernidade europeia.

Buscando operar um projeto civilizatório que as hegemonias, mormente a

partir da Europa e países centrais do norte, mantêm um projeto ainda em curso, o

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qual denota a presumida colonialidade na história presente por meio das

fragmentações da religião, ciência, conhecimento, natureza entre outros, desta

forma negligenciando toda a riqueza das experiências humanas em sua

heterogeneidade.

Um interessante exemplo desse debate o qual contribui para apreender as

mudanças nas relações de poder por meio da produção do conhecimento, foi

fomentado por Lander (2005), pois este realiza alguns apontamentos de elementos

fragmentários/pares dicotômicos, ligados essencialmente às características

estruturantes do pensamento moderno-colonial. Por conseguinte, o autor pontua que

no debate sobre a colonialidade, o quão foram fundamentais as múltiplas

separações do ocidente, operadas a partir de uma localização epistêmica advinda

da Europa.

Um momentum propiciado para tais separações pode ser exemplificado pela

tradição judaico-cristã, uma vez que ela carrega nas suas relações dogmáticas as

dicotomizações corpo-espirito, Deus (o sagrado) - Homem (o humano). Essas

mudanças promovidas pela separação judaico-cristã, segundo Berting apud Lander,

foram seminais para legitimação enquanto discurso da igreja para se gestar uma

outra relação com a natureza.

Deus criou o mundo, de maneira que o mundo mesmo não é Deus, enão se considera sagrado. Isto está associado à ideia de que Deuscriou o homem à sua própria imagem e elevou-o acima de todas asoutras criaturas da terra, dando-lhe o direito [...] a intervir no cursodos acontecimentos na terra. Diferentemente da maior parte dossistemas religiosos, as crenças judaico-cristãs não estabelece limitesao controle de natureza pelo homem. (2005, p. 24)

Logo, aquilo que se designa como antropocentrismo, não teve grandes

rupturas com sentido teocêntrico no que rege as descritas separações, pois essas

serão acentuadas e transportadas para a relação do homem com o ente natureza,

por intermédio do projeto liberal do iluminismo e a edificação do estatuto das

ciências nos séculos XVIII-XIX. Tal construção propiciou uma ruptura ontológica

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entre a razão19 e o mundo, no limite o esvaziamento das múltiplas significações do

mundo, assim negando outras narrativas e/ou modernidades “alternativas” possíveis.

Outro legado forte de todos os agenciamentos do projeto da modernidade

formulado pelos filósofos do iluminismo do século XVIII, torna-se evidenciado por

uma imposição de uma universalidade excludente (Lander, 2005), uma vez que ela

instrumentaliza uma única razão e caracterização ontológica do mundo. Excludente,

pelo fato de como aclara Clavero apud Lander (2005), negar os direitos20 do “outro”

que está do outro lado, diferente do pensamento liberal.

Torna-se vital problematizar e realizar um apanhado de como a Europa e

países centrais trataram de enunciar suas narrativas, negando as

multitemporalidades e pluralidades epistêmicas, sejam elas por meio das

navegações do século XVI e/ou por intermédio da ciência com suas intermináveis

fragmentações do mundo-natureza, para ele poder dominar, seja aquele entre os

homens pela luta de classes e negação de múltiplas formas de ser e existir, seja da

natureza como território recurso (Raffestin, 1993) enquanto matéria-prima para o

desenvolvimento das forças produtivas.

Tal empreitada, a qual alude-se a partir do poder institucional e criador de

subjetividade da igreja, torna-se mister, pois sua dorsal, embora com algumas

alterações, permanece no período pós-guerra, entretanto agora metamorfoseado

com o discurso do desenvolvimento do países do terceiro mundo.

Nessa direção, Escobar (1998) esclarece que para tal, foi primordial a

construção de inúmeros discursos, capazes de justificar e legitimar essa história de

mão única do mundo, imputada pelos países “centrais”. Nesse sentido, o que existe

de comum entre as múltiplas separações operacionalizadas pela igreja como

instrumento de poder, a ciência e as ações dos grupos hegemônicos, é a crescente

naturalização destas relações de poder que se instituíram historicamente. Logo, é

natural ser moderno, entretanto quando se fala a partir de outra mirada, fora do

19Como elucida Porto-Gonçalves, quando se insere no discurso atual sobre a questão ambiental, anoção de “uso racional dos recursos”, quase sempre tal noção não remonta ao uso mediado pelatécnica e ciência do mundo moderno em detrimento do saber subalterno-autóctone das populações.Nesse sentido do enfretamento epistêmico, que estudando os seringais que Porto-Gonçalves propõefalar em outras matrizes de racionalidades.20 Tal legado fica evidenciado inclusive nos marcos legais do direito atual, uma vez que processoscompensatórios como demarcação de terras indígenas e Quilombolas são assentados nasconcepções do estado-modernos. Um exemplo desse conflito epistêmico reside na análise dasdistintas concepções de território entre Estado e essas populações subalternizadas historicamente.

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fundamentalismo epistemológico da ciência moderna, ou seja, de um saber ágrafo,

se constrói o imaginário do “outro”, do atrasado e bárbaro21.

A ciência moderna, desenvolvida a partir do século XVIII, enquanto forma de

linguagem legitimadora dos discursos hegemônicos, se constituiu como importante

ferramental para esta modernidade unilateral, uma vez que acabou por intensificar a

cisão ontológica do mundo, por meio das premissas já estruturais do pensamento

eurocêntrico no que rege tais fragmentações. Entretanto, neste caso se instaura um

antagonismo maior entre cultura-natureza, por meio do disciplinamento cada vez

maior da ciência, assim como deste fundamentalismo epistemológico, que se

acirram as dicotomias tão características do pensamento dito moderno. Deste modo,

com a ciência moderna, o mundo se perde em um reducionismo, quiçá

comprometendo uma possível visão de totalidade deste.

Ao mesmo passo deste reducionismo elencado, a produção de conhecimento

enquanto construção/produto do social se desenvolve como indispensável

instrumento de poder, à medida que subjuga todas as experiências humanas e

ecologias de saberes, desenvolvido há séculos, assim cerceando o direito destas de

dizer sobre o mundo, conforme suas cosmovisões. Tal enveredar da ciência

moderna contribuiu para esta dita uniformização do mundo, como todo aparato

prático-discursivo desde as hegemonias, no sentido de negar a possibilidade da

ideia simultaneidade de pluralidades espaço-temporais. No que tange ao domínio da

natureza, Latour (1994), elencando acerca de uma proposta de Antropologia

simétrica, problematiza:

Por que se vê o Ocidente a si mesmo desta forma? Por que deveria ser oOcidente só o Ocidente não uma cultura? Para compreender a grandedivisão entre nós e eles. Devemos regressar a outra grande divisão, aquelaque se dá entre humanos e não-humanos. De fato, a primeira é aexportação da segunda. Nós ocidentais não podemos ser uma cultura maisentre as outras, já que nós também dominamos a natureza. Nós nãodominamos uma imagem, ou uma representação simbólica da natureza,como fazem outras sociedades, mas a Natureza, tal como ela é, ou pelomenos tal como ela é conhecida pelas ciências- que permanecem no

21 Bárbaros eram todos aqueles que não pertenciam ao império Grego, termo o qual tomou umsentido pejorativo, assim culminando com suas variáveis como “barbárie e barbaridade”. Naatualidade, por mais paradoxal que seja, os meios caracterizados pela chamada civilidade eracionalidade moderna como o Estado e o agronegócio, têm se constituído como legítimos pilares dabarbárie, logo aquilo que Oliveira (2007) bem elenca como “ Barbárie e Modernidade”: astransformações no campo e o agronegócio no Brasil.

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fundo, não estudadas, não estudáveis milagrosamente identificadas com anatureza mesma. (p.97)

Além da questão elencada por Latour (1994), ao esclarecer acerca do fato da

cultura ocidental não se situar historicamente como constituinte de uma pluralidade,

mas em si como ponto de comparação/padronização para outras culturas, este

problematiza um ponto que parece fundamental nessa proposta de modernidade,

haja vista o papel da relação que se estabelece com a natureza, onde as sociedades

ditas modernas trataram logo de dominar não apenas estas imagens e

representações, mas sim de se apropriar da natureza tal como ela se conforma em

sua materialidade, cabendo à ciência moderna no modo de produção capitalista, o

papel deste acirramento de dissociação das coisas e dos signos, diferentemente de

outras matrizes de racionalidades (PORTO-GONÇALVES, 2005).

Nesse mesmo viés de análise, que Mignolo (2005) esclarece que o projeto de

modernidade gestado pelos países da Europa ocidental, sobretudo desde a

expansão das navegações do século XVI até a atualidade, se configura na condição

dialética entre modernidade-colonialidade. Tal fato que aponta Mignolo (2005)

contribui de maneira exponencial, à medida que ajuda na desconstrução dos

discursos tecidos a partir de uma narrativa localizada espaço-epistemologicamente

dos países centrais, seja por intermédio dos debates de invenção do outro –conforme bem problematiza Castro-Gómez (2005) ou mesmo com o corolário das

políticas liberais econômicas na atualidade nos ideários das construções dos países

de terceiro mundo.

Outra questão posta, sobre a qual Mignolo (2005) procura desconstruir, se

situa no debate da pós-modernidade, pois segundo o referido autor, diferente do

debate pós-colonial, este primeiro não logra, visto que não concebe as relações de

poder impostas historicamente por meio de uma geopolítica do conhecimento, assim

havendo um ponto obscuro no que rege a ideia de simultaneidade e momentos,

como se houvesse uma temporalidade-espaço universal, permeados pela fluidez, a

qual atingisse de forma igual, toda uma multiplicidade de espaços. Nesse sentido, ao

fazê-lo desta forma, se por um lado o debate pós-moderno avança em relação ao

fomentado pela modernidade, por outro negligencia a possibilidade da emergência

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de outras formas do pensar no debate, assim conservando a dureza da ciência,

constituída no projeto de modernidade ecoado pelo pensamento burguês.

Apesar de entender o legado marxista, sobretudo do antagonismo capital-

trabalho problematizado por Marx, configurado como seminal contribuição do século

XIX, o pensamento de orientação pós-colonial logra por apreender o modo de

produção para além deste antagonismo, à medida que em um primeiro momento

procura problematizar para além das escalas eurocêntricas, desta forma desvelando

toda a trama do desenvolvimento do capitalismo nas periferias e suas distintas

formas de universalização, as quais em grande parte, podem ser caracterizadas por

aquilo que Wallestein chamou de sistema-mundo-moderno e juntamente com

Quijano, se complementou como sistema mundo-moderno-colonial. Este último item

adicionado, como lembra Mignono (2005), se apresenta como peça fundamental,

pois alude para a permanência uma colonialidade que ainda persiste em existir, a

qual por vezes, não fica tão clara à primeira análise.

Esta colonialidade pode ser desmascarada por meio da ciência, como

discurso legitimador conforme já exemplificado no ideário do agronegócio na figura -

04, ou até mesmo naquilo que Marx em sua seminal contribuição, classificou de

fetiche da mercadoria, uma vez que cotidianamente por intermédio de uma

colonização da mente, se opera uma imposição a partir do capital, de formas de “ser

e estar”.Nesse enveredar, que os países centrais constroem o discurso do

desenvolvimento como um movimento inexorável para os países ditos de terceiro

mundo, o que direciona o debate para o paradigma da colonialidade, fazendo alguns

intelectuais como Eduardo Galeano e outros latino-americanos, admitirem que não

houve uma ruptura nas formas de pensar o mundo e de apropriação da natureza

como já aclarado por Latour (1994). Contudo, tais pressupostos se convertem numa

verdadeira “catequização” mascarada pelas políticas econômicas liberais de ajustes.

2.2- Desenvolvimento e Revolução Verde: Continuidade do sistema-mundo-moderno-colonial

O mundo, mormente caracterizado no período pós-segunda guerra,experimentou uma mudança abrupta nos significados e/ou até mesmo seu

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esvaziamento, haja vista a emergência dos novos discursos sob a égide de uma

economia do desenvolvimento. Neste campo discursivo, que países centrais como

Estados Unidos e países europeus, na representação da “cristandade do capital”,

buscaram dizer o que é o mundo e significá-lo, como se fossem os únicos

portadores de tal direito civilizador. Nesse sentido, essa nova forma de controle

social logrou a partir dos pressupostos de que:

El desarrollo alimento una manera de concebir la vida social como problematécnico, como objeto de manejo racional que debía confiarse a um grupo depersonas, los profesionales del desarrollo, cuyo conocimiento especializadodebía capacitarlos para la tarea. (ESCOBAR, 1998,p.108.).

Segundo os preceitos do desenvolvimento, como uma nova ordem geopolítica

vigente para o mundo, o fenômeno da técnica se coloca como peça fundamental,

senão a única para a “emergência” dos países de capitalismo tardio, até então

periféricos no sistema capitalista. Nesse sentido, essa intervenção estrangeira

nestes países, mascarada pela técnica como solução para a redução das

desigualdades, ajuda a esconder a verdadeira estrutura trans-escalar de poder,

tecida no pós-guerra.

Para tanto, como aclara Escobar (1998), se estabeleceu um poderoso aparato

discursivo de “infantilização” dos países ditos subdesenvolvidos, como se estes não

fossem capazes de constituírem seus próprios devires históricos, assim negando a

possibilidade de simultaneidade de tempos-espaços, bem como outros

entendimentos do que possa ser/significar o desenvolvimento na ótica de outras

construções sócio-espaciais.

Al igual que la imagem de Currie de la “salvación”, la representación delTercer Mundo como niño necesitado de direccion adulta no era umametáfora desconocida, yse prestaba perfectamente parael discurso deldesarrollo.a infantilización del Tercer Mundo há sido parte integral deldesarrollo como “ teoria secular de salvación (ESCOBAR, 1998, p.67.).

Tal pressuposto elencado por Escobar (1998) contribui ao debate acerca das

novas tramas do projeto “globalitarista”, como diria o geógrafo Milton santos, à

medida que permite apreender acerca do sistema de poder enraizado no projeto de

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modernidade unilinear da Europa, com maior ênfase, reestruturado no período do

pós-guerra com os Estados Unidos.

A mudança/deslocamento no pós-guerra se apresenta abrupto de tal forma,

que segundo uma visão estritamente economicista dessa modernidade advinda dos

países centrais, de variáveis bem localizadas epistemologicamente, que Escobar

(1998), esclarece que segundo essa visão primeiro-mundista, como se em um toque

de mágica, dois terços da população da terra se transformaram em pobres e

miseráveis a partir desse novo olhar para o mundo, advindo de uma concepção

restrita do desenvolvimento.

Cabe salientar como alertam vários estudiosos do desenvolvimento, que este

era um termo pouco utilizado antes do pós-guerra, assim sinalizando ao lado do

liberalismo econômico, a dimensão incrustada do imperialismo operacionalizado a

partir dos países centrais.

Essa mudança no universo de significações do mundo foi estruturada por

meio do discurso do desenvolvimento como uma missão civilizatória, haja vista sua

tendência cada vez maior de interpretar o mundo, sobretudo aqueles exógenos aos

países centrais, como grandes portadores de “patologias” em suas estruturas

sociais.

Nesse caminho, como esclarecem Escobar (1998) e Gómez (2006), que se

apresentam, como em nenhum momento da história, a profissionalização e

institucionalização da pobreza22, fome-nutrição, saúde e da “ajuda” humanitária de

forma geral, como maneira de potencializar as formas modernas de controle social,

quiçá compreendida no conceito de biopoder/biopolítica da analítica foulcaltiana. É

como se o modo de produção capitalista elencasse uma “preocupação” atípica em

seus receituários, a fim de constituir um verdadeiro invólucro nas reais intenções em

tempos de ameaça comunista na luta por hegemonia.

Acerca do discurso, este funciona como fundamental instrumento de poder,

pois se fundamenta a partir da reinvenção do “outro”, seja por meio da ciência e/ou

das “missões” econômicas empreendidas pelos especialistas do Banco Mundial e

Fundo Monetário Internacional. Destarte, ponto relevante a ser elencado, diz

22 Majid Rahnema descreve de forma magistral as várias percepções acerca da pobreza nos váriosespaços-temporalidades, ao passo que pontua a mudança de sentido quando essa é ecoada numaperspectiva global, a partir do ideário do desenvolvimento no pós-guerra.

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respeito à emergência cada vez maior de especialistas ligados às várias áreas de

interesse das instituições promotoras do desenvolvimento.

Embora muito discutida como uma paradoxal modernização conservadora se

acredita conforme elucida Porto-Gonçalves (2005), que a Revolução Verde

enquanto fenômeno sócio-espacial se coloca não somente como um mecanismo de

mudança nos paradigmas técnico-científicos, mas se constituiu como importante

mecanismo de acirramento e instituição assimétrica das relações de poder em uma

escala mundializada. Nesse sentido, sob o discurso do desenvolvimento, que se

redesenha uma verdade cartografia do capital por meio desta mudança nos espaços

agrários mundiais pela técnica.

O que se elenca sobre o fenômeno social da Revolução Verde, que esta é

corolário de um processo do modo de produção capitalista, no qual o liberalismo

para além da leitura economicista se apresenta como expressão máxima de uma

“catequização” em escala mundial. Assim como o pensamento moderno que se

estabeleceu a partir da colonização dos séculos XV e XVI, o liberalismo cunhou a

partir do pretexto do desenvolvimento dos países ditos de terceiro mundo, uma

verdade geopolítica do conhecimento, à medida que subjugou toda uma gama de

experiências humanas no grafar da terra, com suas especificidades de apropriação

social da natureza.

Nesse viés, poder-se-ia argumentar que o fenômeno da Revolução Verde se

constrói em bases do pensamento moderno-colonial, haja vista sua tendência cada

vez maior de homogeneização do mundo, seja na materialidade deste, ou na

construção de signos, conforme aponta Shiva (2003), naquilo que a autora designa

de “monoculturas da mentes”.

Torna-se crucial pensar o movimento da Revolução Verde para além dos

”pacotes”, pois ela guarda especificidades próprias das geopolíticas empreendidas

em dada configuração sistema-mundo. Nesse sentido, se denota como incipiente

qualquer análise que não considere os agenciamentos políticos e a gama de redes

transescalares que se estabeleceram, a partir da adequação local às perspectivas

do novo paradigma de produção agrícola.

Sob a égide discursiva de um “neomathusianismo”, com a Revolução Verde,

procurava-se mascarar as ideologias de sua origem técnico-política no sentido de

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buscar concomitante ao cenário geopolítico da época, a imposição da hegemonia

sob o véu da grande produtividade e do combate à fome. Todavia, como elucida

Porto- Gonçalves (2006), “em um jogo interessante de palavras”, a “Revolução era

verde”, porque não poderia ser vermelha”, sobretudo naqueles países “recém-

descolonizados” como a Índia em 1947. Outro fator de relativa importância que deve

ser elencado, é o fato de que o desenvolvimento em suas várias vertentes, possuía

certa resistência dos Estados nacionalistas, sobretudo na América Latina, os quais

se perfaziam como fundamentais oposições ao modelo imperialista.

Cabe salientar que nesse momento começa se desenhar a concepção de

“desenvolvimento”, sobretudo com Norman Borlaug na agricultura, ganhador do

Nobel da Paz em 1970, principal teórico defensor dessas mudanças técnicas.

Nesse novo desenho geopolítico, com a Índia “descolonizada” em 1947, país

que ocupa posição geográfica peculiar devido à grande extensão de seu território e

a relativa proximidade para a URSS, se apresentava como área de grande interesse

para a expansão e adesão ao socialismo real.

A agronomia que se introduz na Índia, mantém uma função imperialista, haja

vista que não havia um divórcio entre a expansão dita “técnica” e seu teor

geopolítico. Para tanto, por meio do novo paradigma da Revolução Verde, busca

tecer um discurso a partir da fome, como evidencia em suas palavras Borlaug em

carta resposta à revista The Ecologic v.26, n.6, dezembro de 1996.

Em meados dos anos 60, a população da Índia atingiu 465 milhões, fomeslocalizadas já estavam ocorrendo e fome generalizada e má-nutrição eramiminentes. Os apocalípticos da hora previam uma fome de proporções semprecedentes na Ásia Meridional. As variedades de trigo e arroz daRevolução Verde, que foram introduzidas em meados dos anos 60, nãoapenas afastaram este cenário Malthusiano desesperador, como tambémpossibilitaram que a Índia formasse reservas de 20-30 milhões de toneladasde grãos. De fato, atualmente eles têm mantido estas reservas apesar doclima inclemente e de outros desastres por mais de uma década, mesmoem face de uma quase duplicação de sua população (para cerca de 940milhões atualmente)! Novamente, digam-me como não houve nenhumimpacto da Revolução Verde na Índia. (p.01)

Verifica-se, que sob o discurso da técnica, Borlaug procura promover os

benefícios da revolução para o combate à fome. Entretanto, negligencia que a fome

é socialmente erigida, nesse caso propiciada pela exploração por mais 200 anos da

metrópole inglesa como ressaltara Marx:

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A Inglaterra tem de cumprir na Índia uma dupla missão: destruidora, por umpor um lado, e regeneradora, por outro. Tem que destruir a velha sociedadeasiática e assentar as bases da sociedade asiática e assentar as bases dasociedade ocidental na Ásia. (p.292, 1978).

Guardadas as especificidades de cada momento histórico, há na verdade a

preservação de alguns elementos fundamentais, os quais apontam não somente

para uma imposição técnica, porém uma clara tentativa de construção e

hegemonização da narrativa europeia nos contextos locais, nesse sentido negando

outras formas de construção do saber. Advogando dessa ideia, que Vandana Shiva,

importante intelectual e militante feminista indiana, busca desconstruir os ideários da

Revolução Verde e o que se entende sobre desenvolvimento23, noção tão cara à

historia dos vencidos, vitimados pela violência simbólica, como bem problematiza e

Souza Santos.

Como elucida Shiva (1996), a Revolução Verde, se propôs a partir do

discurso da fome-escassez estabelecer novas relações de poder (Porto-Gonçalves,

2006) na nova configuração sistema-mundo-modeno-colonial. Nesse viés, a

intelectual indiana desconstrói a ideia da superprodutividade estruturante do

discurso hegemônico, uma vez que alerta para grande perda das espécies nativas

com grande valor nutricional.

De fato, as expansões dessas novas relações de poder, materializadas nas

novas técnicas na produção de variedades de arroz e trigo, trouxeram não somente

a supressão das espécies nativas. Todavia, foram fundamentais para os impactos

sobre os recursos hídricos, haja vista que culturas com as novas variedades

introduzidas, como arroz de duas safras, exigiam maior oferta hídrica nos períodos

das monções de inverno com grande período de estiagem, por meio da irrigação e

todos os mecanismos de represamento.

Outro interessante questionamento realizado por Shiva (1996) no que

concerne às “benesses” da Revolução Verde, diz respeito à tradição na agricultura

da população indiana. Por conseguinte, a autora questiona para o fato de uma

população, como a indiana, conviver com o “déficit alimentar”, como alega Borlaug,

23 Porto-Gonçalves compartilhando ideia de Escobar, elucida que quase sempre a noção dedesenvolvimento significou o des-envolvimento, ou seja o não envolvimento das populações locais,sempre numa relação assimétrica e verticalizada com os países centrais no comando. Nesse sentido,que não rompeu com o pensamento colonial, com eurocentrismo do saber-poder.

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se na sua formação sócio-espacial se destaca como uma civilização altamente

ligada à agricultura por milhões de anos? Se houve realmente períodos de fome, tal

situação está ligada aos anos de pilhagem e espoliação, promovidos pela Inglaterra,

por intermédio da expansão europeia no oriente como Lembra Marx e Mahatma

Ghandi24.

Evidencia-se então com a Revolução Verde, outra revolução paralela, aquela

das relações de poder, uma vez que o conhecimento técnico/eurocêntrico busca

desqualificar as falas dos grupos subalternizados, por meio da legitimação do

discurso cientifico. O que há embutido no discurso da fome e do desenvolvimento na

verdade, é a supremacia de dizer sobre o mundo.

Sousa Santos (2008) traz no mínimo um debate esclarecedor sobre a ciência,

que em boa medida pode contribuir para desmistificar a primazia do discurso

científico elaborado por Borlaug em relação ao combate da fome na Índia.

Prontamente, Sousa-Santos aclara que “todo o conhecimento científico-natural é

científico-social”, ou especificamente, o conhecimento como construção social em

determinado espaço, guardadas as suas intencionalidades, como lembra o geógrafo

Milton Santos ao ser traduzido no fenômeno da técnica.

A partir da relação entre espaços geográficos e localizações epistemológicas,

problematizada a partir da obra de Mignolo (2005), pode-se apontar que Borlaug ao

introduzir as variedades na Índia, institui também relações de poder legitimadas pela

ciência, em detrimento do saber camponês estruturado pelo binômio cultura-

natureza na apropriação social da natureza e seus mecanismos específicos de

manejo da terra.

Como mensurado outrora em relação aos vários protagonistas na

institucionalização da Revolução Verde, vale ressaltar as importantes relações

políticas de planejamento/ordenamento do espaço agrário indiano, ou até mesmo a

participação das fundações Ford e Rockefeller, as quais tiveram grande papel por

meio dos “onguismo” inaugurados em solo indiano. Esses personagens se

caracterizavam como principais agentes do projeto “colonial” da Revolução Verde,

atuando até mesmo na área da saúde com ideia do controle da natalidade, ou até

24 Para desenvolver a Inglaterra foi necessário o planeta inteiro.O que será necessário paradesenvolver a Índia?

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mesmo promovendo a “colonização das subjetividades” por meio da concessão de

bolsas de estudos/pesquisas nos Estados Unidos e Europa para pesquisadores

locais.

No Brasil, como em outros países da “periferia” do sistema-mundo-moderno-

colonial (Porto-Gonçalves, 2006), a Revolução Verde envereda por inúmeras teias

de agenciamentos, logo não há como percorrer por meio de uma análise única,

acerca desse fenômeno de transformação das relações de poder na agricultura.

Genericamente, os agenciamentos locais dependiam do ordenamento do espaço

agrário e suas combinações com créditos vultosos.

O momento histórico brasileiro, sobretudo no governo militar, demandava

mudanças substanciais no uso da terra, uma vez que havia a predominância do

latifúndio, tão questionado pela esquerda brasileira da década de 1960. Outro fator

que figura esse momento impar, reside nas lutas cada vez mais sólidas promovidas

pelos movimentos camponeses25.

Para tanto, criasse o estatuto da terra de 1964, o qual visava delegar sobre o

desenvolvimento agrícola e a política de reforma agrária, sendo a última antagônica

a que se prestou de fato esse marco legal. Deturpar-se a noção de função social

para função econômica da terra. Logo, institucionalizaram-se elementos estratégicos

para a “blindagem” do “latifúndio produtivo”, por intermédio da participação cada vez

mais massiva do Brasil no mercado mundial de commodities agrícolas.

No campo dos agenciamentos políticos, com resultantes na estrutura sócios-

espaciais do espaço agrário do Brasil central, articula-se e cria-se marcos legais

como a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste – SUDECO – por

meio da lei nº 5.365 de 1967 e o Programa de Desenvolvimento do Cerrado –

POLOCENTRO, criado em 1975, os quais tiveram papéis fundamentais, para o

estabelecimento de uma nova dinâmica para o Brasil central, conforme exemplifica

Diniz (2006), dessa maneira se tornando basilar para aliança terra-capital tão

presente nestas áreas de expansão da agricultura capitalista.

Baseado na concepção de polos de crescimento, o programa selecionou 12 áreasde cerrado com alguma infraestrutura e bom potencial agrícola. Essas áreasreceberam recursos para investimentos e melhoria da infraestrutura, enquantofazendeiros dispostos a cultivar ali puderam participar de um programa

25 Há nesse momento, uma grande efervescência política, sobretudo com as ligas camponesas.

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extremamente generoso de crédito subsidiado. Tratava-se de uma linha de créditofundiário, de investimento e de custeio a taxas de juros fixadas em níveis muitoreduzidos e sem correção monetária. Com a alta taxa inflacionária, e com oslongos períodos de carência e prazos de pagamento, o crédito do POLOCENTROtornou-se uma virtual doação aos seus mutuários. (DINIZ, 2006, p.115-116).

Para justificar tal avanço do capital em áreas do cerrado, o Estado e a

iniciativa privada se apóiam no discurso científico e das “chamadas vocações

econômicas”, os quais buscaram estruturar as ações sob o prisma do progresso e

do desenvolvimento, em detrimento das condições sócio-ecológicas do cerrado.

Esse discurso se constituiu como importante estratégia para legitimar a expansão do

agro(hidro)negócio sobre as terras das populações pré-existentes do cerrado e da

sua fauna e flora.

Por conseguinte, mudam-se as dinâmicas e formas de uso das chapadas e

veredas, conforme elucida Porto-Gonçalves (2006). Esses locais esses que eram

ocupados por populações camponesas, as quais desenvolviam sua agriCULTURA

tradicional em lugares com grande oferta hídrica (brejos, pântanos e varjões). Essa

agricultura local era combinada com a criação de gado e extrativismo de frutos do

cerrado como pequi, fava d’ anta, baru e outros elementos típicos do cotidiano do

homem cerradeiro.

As regiões mais pobres em recursos hídricos, as chapadas, onde a água se

encontra em uma camada mais profunda do solo, com o emprego de novas

tecnologias para a captação desse recurso, essas áreas começam a ter uma nova

importância para a expansão da agricultura capitalista, com forte subsídio técnico da

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMPRAPA, divisão criada no

Centro-Oeste na década de 1970.

Outro importante agenciamento estruturante para o sucesso da Revolução

Verde nas áreas de cerrado, deu-se com a implementação na década de 1970 do

Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado –

PRODECER, o qual visava sanar parte do problema de abastecimento do Japão,

atingido diretamente com as medidas de embargo provisório das exportações dos

Estados Unidos realizadas por Richard Nixon em 1973, sobretudo para a garantia do

abastecimento interno americano.

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Tal empreendimento se caracteriza com maior complexidade, uma vez que

denota a grande capacidade de alguns atores transitarem em nível global, numa

condição transescalar do capital26. Nesse sentido, os recursos alocados foram

oriundos desde fontes institucionais como o governo japonês e iniciativa privada

como Long Term Credit Bank, além dos órgãos Japan Internacional Cooperation

Agency – JICA (financiamento de projetos-pilotos) e Overseas Economic

Cooperation Found – OECF (financiamento de projetos de expansão).

Portanto, as mudanças das relações de poder, por intermédio da

“disseminação” da Revolução Verde, devem ser miradas a partir do desenho de uma

geografia política de ordenamento territorial.

Enquanto fenômeno da técnica, cabe destacar atualmente aquilo que muitos

destacam como “paradigma” tecnológico das biotecnologias. Apesar de procurar

versar a partir de uma narrativa “diferenciada” daquela oriunda da Revolução Verde,

ou de uma mudança no paradigma técnico diferenciado daquele desenvolvido a

partir da década de 1940, ambos simbolizam o controle sobre a vida, por meio das

sementes, privando assim os camponeses das sementes crioulas, cada vez mais

escassas com competição entre as espécies de cultivares.

2.3- O desenvolvimento rural e a plasticidade do capital

Embora a noção de desenvolvimento empreendida no pós-guerra se

configure como seminal aparato da expansão do capital em um movimento cada vez

mais trans-escalar, segundo autores como Escobar (1992) e Gómez (2006), mesmo

não operando uma mudança do status quo, mas sim realizando sua manutenção, a

partir da década de 1980, esta noção tão cara aos sistemas locais de saberes e

signos, sofreu alguns deslocamentos discursivos, à medida que procura abranger

uma nova “clientela”, até então negligenciada pelos párocos do desenvolvimento e

da Revolução Verde.

Mesmo diante de tal mudança, não se pode afirmar como prega o ideário do

desenvolvimento, que essa “nova clientela”, aqui colocados como principais

26 Tal inclusive pode ser entendida como embrião/indicativo do fenômeno da atualidade da aquisição terrasbrasileira por estrangeiros.

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exemplos os camponeses, meio ambiente e mulheres, experimentaram da

possibilidade da construção de projetos emancipatórios, muito pelo contrário, se

enquadraram numa tentativa cada vez maior de controle social.

Ao lado dessa mudança nas direções do desenvolvimento, que se deslocam e

operam alguns conceitos e categorias, haja vista a participação de grandes

instituições como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional nos fóruns

decisórios mundiais para restruturação das políticas nacionais, bem como resultado

o controle social das populações terceiro-mundistas.

Cabe salientar, como elenca Escobar (1998), que os discursos não estão

divorciados das práticas, portanto se localizando como importante aparato na

construção de signos. Ao analisar este deslocamento de sentidos/esvaziamentos

políticos, que Dagnino (2004) se debruça na problematização acerca da confluência

perversa dos discursos que se opera na contemporaneidade, à medida que essas

grandes instituições financeiras concentradoras de poder procuram esvaziar os

sentidos de conceitos e categorias, até então utilizadas para operacionalizar a

análise do movimento do tecido social e dos grupos historicamente subalternizados.

Logo, noções como cidadania27 e participação, são tomadas para si por estas

instituições supracitadas, entretanto com os sentidos deturpados em relação aos

propósitos emancipatórios iniciais, cada vez mais distante da ideia de uma cidadania

plena, bem como a participação enquanto construto de uma democracia sólida.

No enveredar teórico-conceitual-político da desconstrução do

desenvolvimento, enquanto noção com grande impacto na realidade torna-se

fundamental apreender o sentido que tais mudanças introduzem na sociedade e

quais os seus resultantes na academia e nos protagonistas das lutas sociais.

Constituído daquilo que Quijano (2005) apreende como sistema mundo-

moderno-colonial, a abordagem a partir das concepções do Banco Mundial, Fundo

Monetário Internacional e Instituições de Desenvolvimento Regional, se constituíram

27 O que a contemporaneidade mostra na realidade, que mais importa ser consumidor em potencial,assim com a possibilidade de “consumir” o Espaço urbano caracterizado pelo Shopping Center,portanto a cidadania como possibilidade participação plena capitalista, ao invés de uma cidadaniafomentada pelos movimentos sociais e grupos subalternizados. Tal perspectiva adquire umsignificado interessante, à medida que contradiz a ideia de “marginalidade”, uma vez que não erige amargem, o que se opera com o capital, se caracteriza pela inserção/participação precarizada,conforme fomenta o sociólogo José de Souza Martins.

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como verdadeiros vetores do eurocentrismo, uma vez que sob uma construção

discursiva altamente etnocêntrica, operaram uma legítima violência simbólica, quiçá

epistêmica, ao realizarem a leitura acerca das populações dos países

subdesenvolvidos sob os enfoques homogeneizantes.

A correlação estabelecida permite dizer que esta nova “preocupação” advinda

da lógica do capital, sobretudo acerca do campesinato, que ao esvaziar todos os

sentidos do mundo camponês, também se estabelece uma trama social perversa, já

que induz reduzi-lo ao mundo do econômico do capitalismo agrário, como agente

fundamental, o qual como qualquer outro empreendimento capitalista, deve

respostas produtivas ao capitalismo cada vez mais globalizado.

A referida mudança na ordem dos discursos foi de extrema eficiência para as

instituições internacionais, grande corporações e as alianças com as classes

burguesas locais, haja vista que procurou minar todo foco de resistência e de

emancipação. Nesse sentido, esta capacidade de incursão dos discursos, exerceu

fundamental função nas políticas nacionais de desenvolvimento, nesse caso do

desenvolvimento rural. Este processo talvez tenha sido mais doloso na América

Latina, haja vista a sua experiência com as lutas das populações camponesas, vide

exemplos: Chiapas, Balaiada, lutas empreendidas pelos campesíndios no México

como bem classifica Bartra e camponeses brasileiros em suas múltiplas estratégias

e facetas pelo direito de uma história construída pela própria condição de sujeitos no

enveredar histórico.

O que transparece de fato nessa inversão dos sentidos dos discursos que

reproduzem a perspectiva etnocêntrica de construção do outro, reside em uma

tentativa factível de esvaziamento conceitual dos conceitos, os quais, em grande

medida têm grandes impactos no cotidiano das lutas dos sujeitos, assim minando

todo um histórico de luta e resistência destes grupos.

No Brasil, este enfoque de certa forma acabou por influenciar alguns meios, à

medida que a partir da década de 1990, intelectuais como Abramovay e Lamarche,

se destacaram como principais defensores de uma nova lógica operacional de uma

economia política dos pequenos agricultores no interior da sociedade capitalista.

Embora estes creditem a possibilidade de coexistência da pequena produção em um

capitalismo mundializado, em suas análises, estes autores acabam por transitar em

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direção a um reducionismo, à medida que conceituam esses camponeses como

agricultores familiares numa perspectiva altamente economicista, como se não

nunca houvesse uma luta histórica do campesinato pelo seu lugar na sociedade,

assim esse “pequeno produtor”, sendo classificado quase como numa relação de

“geração espontânea”, por meio das políticas públicas de “reforma agrária”.

Esta mudança dos conceitos e categorias, no caso brasileiro, como já

explanado, traz à tona outras perspectivas, sobretudo na aplicabilidade das políticas

de Estado, em que o conceito de território, mesmo ressignificado, aparece numa

perspectiva zonal e estritamente normativa do espaço, assim indissociado da noção

de desenvolvimento.

Os territórios rurais e/ou territórios da cidadania incrementados nos governo

de FHC e Lula respectivamente, demonstram a necessidade cada vez mais

preponderante por parte do Estado capitalista, de exercer os controles dos

processos sociais, por meio do controle e normatização do território. Destarte, mais

que simples conflitos semânticos, estes processos de ressignificação dos

conceitos/categorias, enunciados a partir das grandes instituições internacionais,

possuem grande poder de direcionar os signos do devir societário, por meio do

empreendimento de poderosos discursos quanto à inclusão das minorias e das

diferenças.

Cabe destacar, que à geografia, o que mais chama atenção para a

necessidade para a desconstrução dos discursos, práticas e representações, nesse

caso, é o território, uma vez que este tem sido, conforme o debate relacionado por

Dagnino (2004), esvaziado e deteriorado enquanto conceito pelos principais agentes

de promoção do desenvolvimento, desta forma se destacando como parte

inquietante do debate da ciência geográfica. Nesse sentido alguns questionamentos

se mostram fundamentais no papel de desconstrução desses conceitos empregados

na leitura do “real”. Será que esses territórios de orientação dos grandes organismos

internacionais, com fundamental pela na orientação das políticas públicas nacionais,

corresponde o território camponês, constituído historicamente, por meio do conflito?

Ainda em Escobar (1998), cabe destacar, mesmo que de forma periférica, a

interessante chave de leitura ofertada por este autor concernente à construção da

noção de natureza, uma vez que esta, por meio destes novos olhares sobre os

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países subdesenvolvidos, será reinventada pelos preceitos do desenvolvimento,

fomentados pelas grandes instituições internacionais. Embora se mantenha a velha

lógica do capitalismo, da natureza como recurso, entra em jogo com as recorrentes

conferências internacionais sobre o meio ambiente, uma nova geopolítica ambiental,

à medida que se operacionaliza uma forma diferenciada de acumulação capitalista

com a preservação dos recursos naturais e da biodiversidade explorados, sobretudo,

pelos laboratórios das grandes corporações farmacêuticas e da área da cosmética

como vêm ocorrendo com o capitalismo verde (O’CONNOR, 2002).

Embora haja essa “preocupação” com a natureza, agora transformada em

meio ambiente, estes processos se edifica a partir dos preceitos de um sistema-

mundo-moderno-colonial (Quijano, 2005). Por meio da objetividade reducionista da

ciência, que se estabeleceu toda uma teia de discursos, os quais sempre trataram

de uma racionalidade28, sequer a única, capaz de apreender e de se apropriar dessa

natureza mercadoria. Nesse sentido, com a emergência dessas observações para o

mundo atual, a partir do capital em seu novo catecismo econômico, que se destitui o

mundo de suas subjetividades que emanam das populações locais. O Signo e a

coisa já não se completam como pares dialéticos.

Outra questão que vale sublinhar, sobretudo sob o aspecto epistemológico,

diz respeito à posição da natureza na perspectiva do desenvolvimento, pois poder-

se-ia elucidar que esta, operacionalizada a partir deste reducionismo, não mais

carrega sua complexa relação na mediação pela cultura, mas sim, como

componente fundamental da economia.

De fato a economia, enquanto recurso analítico se estruturou como

importante ferramental desta invenção do mundo no pós-guerra, assim esvaziando-o

das múltiplas possibilidades de significações das várias relações espaço-temporais.

Assim, agriculturas autóctones, formas plurais de apropriação da natureza e outras

matrizes de racionalidades, são operacionalizadas a serviço do capital, numa

constante dialética entre sujeição-resistência.

28 Porto-Gonçalves (2007), desenvolve um debate interessante, pois ao analisar o discurso de criaçãodas reservas extrativista no Acre, por parte do Estado se constituiu o discurso do “uso e manejoracional da floresta, neste sentido, o racional não era o caboclo, o índio ou seringueiro, mas simproduto de uma racionalidade branca, europeia exógena. Logo, o autor em um insight interessante,chama a atenção para pensarmos em uma outra matriz de racionalidade, como provocaçãoepistêmica para as práticas acadêmicas, científicas e políticas.

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Nesse sentido, acredita-se como já assinalado, que o ideário da agricultura

capitalista na contemporaneidade realiza, com muita propriedade, uma construção

de discursos a partir desta constituição do sistema-mundo-moderno colonial

(QUIJANO, 2005), assim instituindo uma dicotomia entre o moderno e barbárie,

embora oculta-se a grande relação destas duas categorias em suas práticas como

bem provoca Oliveira (2004). Essa agricultura se realiza pelas grandes produções

mecanizadas, ditas modernas. Por outro lado, se faz também à custa da produção

de grande violência e expropriação, destarte da barbárie, como vem ocorrendo

sistematicamente no Brasil, em particular análise, em Mato Grosso do Sul, assim

apontando em direção de uma legítima ambivalência do velho e do novo.

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3- A CENTRALIDADE ANALÍTICA DO TERRITÓRIO NA QUESTÃO AGRÁRIABRASILEIRA

“O território envolve sempre, ao mesmo tempo (...), uma dimensãosimbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuídapelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre oespaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma deapropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma dedomínio e disciplinarização dos indivíduos.”(Haesbaert, 1997:42).

O território enquanto conceito operacional de leitura da inscrição das relações

de poder no espaço, bem como produto real das disputas dos sujeitos sociais, com a

questão agrária na América Latina, especificamente nesse caso no Brasil, vem

adquirindo grande importância analítica, à medida que o movimento da sociedade

aponta para uma constante disputa de poder, assim não negligenciando que a

existência do território, se dará com o poder enquanto núcleo epistêmico desse

importante conceito da geografia, o qual vem sendo abordado por inúmeras áreas

da produção do conhecimento na tentativa de leitura da realidade.

Outro fato a ser explicitado no redescobrimento desse conceito, reside nas

“novas formas” de controle social, uma vez que segundo Haesbaert (2008), haveria

um processo de controle social que está indubitavelmente ligado ao controle do

território, seja por intermédio daquilo que o autor sugere como contenção territorial,

seja no caráter normativo do espaço, empreendido com maior relevo, com a criação

das reservas ambientais ou até mesmo com o planejamento focado no território e/ou

o estabelecimento de uma tipologia de território, orientados pela governança.

3.1- As tipologias que se erguem acerca do território

O território, na mesma proporção de seu uso como conceito explicativo da

realidade empírica, vem também assumindo diversas facetas ao tentar-se enquadrá-

lo em sistemas teóricos conceituais infinitamente diversos. Esse fato, que provoca a

formulação múltipla desse conceito, se deve em parte aos novos rumos metabólicos

do capital com a sua fluidez e mobilidade cada vez maiores inseridos numa

perspectiva trans-escalar, multiterritorializada (HAESBAERT, 2006). Entretanto, por

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outro lado, não se deve negar nessa ancoragem apoiada no território, a importância

do levante de outras falas dos grupos historicamente sulbalternizados, ou aquilo que

Porto Gonçalves (2006), denota como uma geograficidade do social, reivindicando

assim, outros significados para o ser e estar cotidiano, ou outras territorialidades.

Nesse sentido, que o apelo espacial do existir destes grupos ganha força, à medida

que o território conquista novo enfoque.

Por outro lado, como esclarecem Fernandes (2009) e Gómez (2006), a

abordagem territorial recebe grande importância também, no campo das categorias

da prática, à medida que por meio do empreendimento das políticas liberais, ela

começa ser instrumentalizada como espaço da governança, sobretudo a partir dos

enfoques das grandes agências internacionais de planejamento e integração, como

Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo projeto da Integração da

Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) seja no espaço nacional, vide

exemplos a criação dos Territórios Rurais da Cidadania, ou com os planos

estratégicos de desenvolvimentos regionais, que transcendem a partir da mobilidade

e poderio trans-escalar de alguns atores hegemônicos, conforme já problematizado

anteriormente com os esvaziamento político dos conceitos e categorias.

Tal leque de possibilidades de leitura a partir do território, tem se notabilizado

incessantemente também pelos interesses de outras áreas do conhecimento, assim

permitindo à geografia, um autoexame de seu legado produzido até o momento.

Nesse sentido, áreas das ciências humanas como a antropologia, sobretudo aquela

comprometida com a apreensão de outras formas de vivencia territorial e

cartografias29, têm trazido importantes contribuições para o debate desse conceito,

mormente com a empiria, o que em última instância, logra para o não engessamento

da realidade empírica nos aparatos teóricos- conceituais.

Segundo Haesbaert (2006), esta redescoberta do território pelas ciências

humanas/sociais, se faz de forma paradoxal, pois essa preocupação de leitura,

renasce muito mais para determinar o seu fim com os processos de mobilidade do

capital antes entendido pela “desterritorialização” no globalismo pós-moderno

(HAESBAERT, 2010) e a erosão do território estatal de caráter zonal, por meio de

29 O trabalho realizado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, por meio das chamadascartografias sociais, representa essas novas representações do espaço, assim como uma perspectivadiferenciada do vivido territorial.

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um desencaixe espaço-tempo, do que necessariamente numa nova mirada acerca

do território na era dos fluxos, assim entendidos na dicotomia com a rede, que se

por um lado é fluido ou fixo, por outro jamais em uma relação dialética.

Embora se assevere a emergência de uma teia de enfoques a partir da

mobilidade do capital no neoliberalismo e o consequente levante dos sujeitos, cabe

salientar as não menos importantes abordagens de caráter econômico, à medida

que estas tiveram papel fundamental neste debate de cunho espacial.

Mister se faz a contribuição Calabi & Indovina (1973), visto que a partir das

influências do pensamento marxista, estes teóricos do urbanismo concebem o

território como:

O território (na sua totalidade) não é “outro” com relação ao “processocapitalista”, mas, ao contrário, ele é usado e se transforma em funçãodaquele processo geral. Isto significa: a) que o processo dedesenvolvimento econômico tende a abarcar com as suas relações, todasas esferas da produção de mercadorias e por consequência, todo oterritório; b) que na base deste processo está a tendência à concentraçãodo capital, portanto o “uso capitalista” total do território deve ser analisado eestudado em relação ao processo de concentração do capital, com aconcentração tão acentuada das massas de homens e de capitais emdeterminados pontos, progride a concentração destas massas de capitaisem poucas mãos. Contemporaneamente ocorre, de novo, uma transferênciae um deslocamento em consequência da situação relativa dos lucros deprodução e de mercado, que mudou com a transformação dos meios decomunicação. (p.1-2).

No que tange ao debate fomentado por Calabi & Indovida (1973), cabe

salientar que algumas questões parecem fundamentais, sobretudo para a geografia

e outros campos afins que tratam da temática espacial em suas incursões

epistemológicas. Nesse sentido, vale fundamentalmente citar algumas pistas no que

rege o território como conceito síntese dos conflitos entre os homens em suas lutas

societárias.

Tal como estes autores operacionalizam o conceito, sobretudo a partir da

ideia de totalidade, estes mais se aproximam da abordagem do espaço, com sua

linguagem arraigada nas superestruturas e infraestruturas, portanto com certa

proximidade naquilo que Santos (1995) coloca como condição interacional

indissociável entre sistemas de objetos e sistemas de ações, com território usado

conforme o geógrafo brasileiro ou então com o entendimento síntese do espaço

como ação e produto em Fani (2011), do que necessariamente como uma

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possibilidade de sobreposição conceitual, ou uma constelação de conceitos entre

espaço e território (HAESBAERT, 2010).

Embora esta abordagem tenha avançado em muitos aspectos, sobretudo

aqueles relacionados ao pensamento marxista, assim qualificando-o com uma

abordagem espacial inserindo nessa lógica os fenômenos da exploração de mais-

valia, acumulação capitalista, a renda e a circulação do capital como elementares

nos pressupostos espaciais, por outro lado, negligencia para a possibilidade da

emergência de outras territorialidades, que não sejam orientadas necessariamente

pelos desígnios do capital, bem como territorialidades que se mostrem com foco nos

aspectos culturais.

Na tentativa de estabelecer um enveredar analítico no tocante ao território,

Haesbaert (2006), formula esse em duas perspectivas distintas, denotadas pelas

condições; materialismo e o idealismo. Embora o autor opte por realizar a descrição

destas perspectivas de forma dissociada, este o faz na intenção didática do debate

sobre o conceito em questão. Nesse sentido, o teórico alerta para o equívoco de se

realizar tais separações, à medida que se incorre de um reducionismo e/ou

empobrecimento do caráter multidimensional inerente ao território, portanto das

disputas dos sujeitos na “arena” espaço.

Na geografia, os enfoques relativos ao território, assumem majoritariamente

um caráter materialista, uma vez que por meio da influência do materialismo

histórico – como já salientado – e a própria noção de território ligada ao Estado

moderno-jurídico, têm se notabilizado como pontos cruciais na leitura elementar da

inscrição do homem na natureza. Pode-se afirmar também, que mesmo entre

geógrafos, sobretudo aqueles preocupados com o enfoque cultural, o conceito de

paisagem e lugar tem comparecido como importantes ferramentais analíticos.

Por conseguinte, ao analisar o território na perspectiva materialista, Haesbaert

(2006), com uma intenção altamente didática, traz três importantes concepções, a

saber: a concepção de cunho naturalista, de base econômica e de tradição jurídico-

política. Sendo essa última, quiçá a mais privilegiada nos interstícios

epistemológicos da geografia.

Embora se configure como algo inacabado o debate que envolve o território,

não cabe aqui redesenhar uma genealogia do conceito em questão, mas sim

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enveredar pelos pontos de confluência, nos quais estas concepções, ora se

aproximam, ora se distanciam, uma vez que transitar por estes referenciais, permite-

nos o entrecruzamento conceitual com o objeto empírico em questão, nesse caso a

territorialização camponesa em Nioaque-MS e sua correlação e distanciamento de

propostas/concepções com o território da governança, denotado pelo território da

reforma.

Há de fato que se aludir para o fato da incompletude e condição multifacetada

do território, pois mesmo em casos nos quais a priori haveria algumas características

político-administrativas, estas não estão inseridas sozinhas como componentes do

território, muito pelo contrário, se nota uma justaposição ou até a necessidade

complementar de outros atributos para a legitimação de seu teor político-

administrativo.

Ao reivindicar para a sociedade o direito “natural” a um espaço ou mesmo àpropriedade privada da terra, tornando um direito quase dever, na medidaem que correspondência ao “espaço vital” sem o qual não se daria o“progresso” social, alguns estudiosos desenvolveram a associação que fezdo território político – principalmente o território do Estado –, em maior oumenor grau, uma extensão da dinâmica que ocorria no âmbito do mundobiológico, mais especificamente no mundo animal. (Haesbaert, p.64, 2006).

Embora haja a prevalência da leitura a partir dos aparatos político-

administrativos, não se pode negligenciar para o fato desta constituição estar

relacionada aos outros enfoques de cunho naturalista e econômico. No demais, vale

salientar, conforme alerta Haesbaert (2006), que embora seja um equívoco reduzir o

legado de Ratzel ao caráter naturalista na perspectiva do território recurso como se

tem realizado na geografia com o conceito de espaço vital, assim credenciando-o

como um “determinista”, por outro lado, não se deve obscurecer esta posição

biologizante inserida em seu constructo teórico acerca do espaço e território.

Na atualidade, a exemplo desta multidimensionalidade do vivido territorial, o

processo de fechamento das reservas ambientais aparece como exemplo

emblemático desta condição, pois se inicialmente o discurso da proteção da

biodiversidade, portanto de fundamento naturalista se destaca como principal

motivador de uma contenção territorial, não só deste enfoque se caracteriza essa

porção espacial, visto que esta se tornar cada vez mais entrelaçada com as

dimensões político- administrativas e econômicas. Nesse sentido, o controle dos

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fluxos não é realizado pelas “forças” naturais, ou territorialidades de cunho

naturalista, mas sim pela contenção territorial instrumentalizada pelo Estado. Do

mesmo modo, o enfoque econômico ganha notoriedade, ao passo da emergência de

um processo de valoração cada vez maior da natureza, por intermédio de um

capitalismo verde (O’Connor, 2002). De fato, as questões elencadas, trazem à tona,

o poder como componente fundamental do território, assim como núcleo epistêmico

deste conceito geográfico.

Por outro lado, alguns autores, em sua grande maioria, ligados ao debate de

uma geografia de cunho culturalista, em momentos quando procuram contemplar o

território em suas análises, acabam entendendo-o como um território imaterial.

Embora concordemos com a importância dos signos e a imaterialidade de um modo

geral contidos no movimento da sociedade. Contudo, compreende-se que o território

deve conter em sua constituição a condição material-imaterial, como binômios

indissociáveis. Ainda que o debate da imaterialidade do território avance na leitura

cunho subjetivo, este o faz com certas fissuras epistemológicas, pois negligencia

que toda apropriação material é, antes de tudo, também imaterial. Grande exemplo

desta exemplificação pode ser notabilizada pela terra na agricultura, aqui não

entendida como sinônimo de território.

Para o capitalista, antes mesmo de sua territorialização, portanto de sua

efetiva expansão, a terra é construída sob os signos da reprodução do capital por

meio da mais-valia e exploração da renda. Esta lógica dos signos dos capitalistas,

pode ser exemplificada pelo mapa da Syngenta (figura 05). Embora apenas seja

uma representação do espaço ainda do poderio desta grande corporação ligada à

agricultura capitalista, o campo simbólico adquire, nesse caso, relevante

importância, embora não esteja separado da materialidade na constituição de

verdadeiros territórios-redes edificados por estas empresas.

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Figura 05- Mapa República da Soja (SYNGENTA)Fonte: EVIA (2006).

Por outro lado, em populações camponesas e toda uma diversidade de

povos, os signos são constituídos a partir da reprodução da vida, o que indica a

condição indissociável das “coisas e suas representações”; nesse sentido,

fundamental condição para a leitura focada no binômio material-imaterial do

movimento destas populações. Tal fato pode ser elucidado a partir da gama

epistêmica que se levanta. Nesse sentido, mais que simples elementos geográficos

objetivos, os rios, as matas, o cerrado e tantos outros espaços, adquirem

subjetividade por parte destas populações, que vai além do simples ato de

apropriação material em direção do “experimentar a completude” do vivido territorial.

Outra abordagem concernente à perspectiva teórica de um território imaterial,

embora nesse caso, não se possa enquadrar o autor na perspectiva culturalista, foi

fomentada por Fernandes (2009), na qual esse entende essa tipologia de território,da seguinte maneira;

O território imaterial está presente em todas as ordens de territórios. Oterritório imaterial está relacionado com controle, o domínio sobre oprocesso de construção do conhecimento e suas interpretações. Portanto,inclui teoria, conceito, método, metodologia, ideologia, etc. O processo deconstrução do conhecimento é, também, uma disputa territorial queacontece no desenvolvimento dos paradigmas ou correntes teóricas.(p.210).

Ainda que o autor entenda o território imaterial numa perspectiva relacional

com a materialidade do social/real, entende-se que não seria prudente compactuar

com esta distinção entre territórios, pois parte-se do entendimento que tal

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direcionamento contribui para o esvaziamento do debate, assim perdendo a riqueza

que a concretude do território pode ofertar para a mirada do pesquisador.

Embora concordemos que a produção de conhecimento e a disputa contida

neste campo, possa se configurar como fundamental instrumento de poder, como o

foi na edificação da ciência moderna, por outro lado, não se pode concordar que

esses aparatos, como aponta Fernandes (2009), possa se constituir como um

território, a não ser de uma forma metafórica ao designar as disputas em curso na

sociedade capitalista, sob a qual se luta por meio da produção do conhecimento pela

primazia de dizer o que é o mundo.

Outro fato necessário de elucidação, diz respeito ao par material-imaterial da

produção de ideias e de conhecimento, uma vez que se acredita que estas não são

constituídas em um vazio/inércia em relação ao real-concreto-empírico. Muito pelo

contrário, o pressuposto da não neutralidade exprime a condição indissociável

material-imaterial, a qual está fadada toda a sociedade com as suas diferentes lutas.

Nesse caso, com o descrito papel das ideias e da produção do conhecimento, pode-

se acrescentar que há uma estreita vinculação com as relações de poder.

Entretanto, apreendem-se nesse caso, conceitos sociológicos como ideologias,

visão de mundo e o discurso no campo da linguística, como mais apropriados para a

descrita discussão fomentada pelo autor.

Na questão posta, poder-se-ia problematizar no sentido de pensar estes

últimos conceitos mencionados, como componentes formatadores dos territórios.

Porém, não como um vetor unidimensional como a tipologia apresentada do território

imaterial. Embora se constitua uma verdadeira disputa, vide exemplo as várias

direções da produção do conhecimento técnico ligado diretamente à reprodução do

capital em suas múltiplas vertentes, ou ainda no diálogo das ciências humanas com

os saberes subalternizados historicamente. Tais fatos apontam na verdade, que não

seria prudente segmentar como um território, uma vez que esse processo em algum

momento terá rebatimentos na materialidade, no real-empírico.

A respeito do papel do pensamento e de suas variáveis como conceito, categorias e

teoria, que Saquet (2010) a partir do pensamento do grande intelectual búlgaro,

György Lukács, elucida que “a processualidade do pensamento é consequência da

processualidade de toda realidade (Lukács apud Saquet, 2010, p.157).

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Unindo aos esboços sobre a temática do território, a condição integradora, segundo

Haesbaert (2006), embora em certa medida se aproxime do conceito de região com

algumas similitudes, se configura como uma mirada interessante, já que admite uma

abordagem que privilegia vários elementos da trama geográfica. Nesse sentido,

como já esboçado sobre as outras abordagens, não se negligencia para o fato de

que o território só se faz na completude, em função de sua condição integradora,

onde o binômio material-imaterial aparece como condição sine qua non no

enveredar analítico da geografia, bem como condição das disputas dos sujeitos

sociais.

Com essa valorização da condição integradora do território, por outro lado

não se deve negar, que em algum momento (ou escala), uma das condições

contidas nessa perspectiva (material-imaterial), pode se manifestar com maior peso,

ou relevância para a leitura.

O real-empírico contemporâneo tem mostrado cada vez mais a necessidade

de uma leitura de cunho integrador do território, haja vista o levante de várias formas

de questionamentos do status quo. Nesse sentido, especialmente na questão

agrária, a terra enquanto princípio de reprodução da vida, também tem trazido

consigo outros fronts de questionamentos pelos diversos sujeitos sociais, seja por

meio de conflitos por controle da água, da floresta ou ainda empreendimentos das

grandes obras de hidrelétrica, como vem ocorrendo sistematicamente no cerrado

brasileiro, com aquilo que Mendonça (2007), vem designando como um verdadeiro

Agro(hidro)negócio.

Por conseguinte, o conflito desse capital em sua mais fina estratégia de

ordenamento espacial, com camponeses, indígenas, quilombolas e todos os grupos

subalternizados historicamente, apontam esta necessidade de completude analítica

do território.

3.2- Terra e território na questão agrária brasileira

Embora Martins (1989) admita que o campesinato se caracteriza pela tríade

“terra-trabalho-família”, cabe relatar que o campesinato brasileiro é marcado pela

mobilidade, mesmo essa sendo precarizada. Nesse sentido, ousa-se salientar que

embora as condições objetivas de expansão da agricultura capitalista e todas outras

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formas de exploração indiquem o contrário, acredita-se que esse campesinato ainda

esteja em plena formação. Tal afirmativa, logicamente, não quer dizer que os

movimentos sociais de luta pela terra em suas diferentes estratégias, gozem de um

cenário político favorável; muito pelo contrário, a conjuntura política tem provocado

esses grupos e intelectuais, a pensarem limites e perspectivas das lutas no interior

da sociedade capitalista na contemporaneidade.

O cerne de formação deste campesinato despossuído da terra, pode ser

certamente explicado com inúmeras características do desenvolvimento do

capitalismo no Brasil e a formação da classe burguesa nacional. Assim,

diferentemente de outros países do mundo, conforme já exemplificado com a

formação sócio-espacial dos Estados Unidos, no Brasil as figuras do grande

proprietário de terra e da classe burguesa se fundem em uma só pessoa por meio

de uma aliança, ligeiramente alicerçada no país.

Por conseguinte, diferente das clássicas interpretações acerca do

desenvolvimento do capitalismo, muitas caracterizadas pelo antagonismo de classes

entre proprietários de terra e a burguesia, no caso brasileiro contrariando esta

interpretação, possibilitou uma condição indissociável do sujeito que explora pelo

mecanismo da mais-valia, se tornar um explorador da renda territorial30.

Outra questão que cabe destacar como muitos intelectuais da realidade

brasileira levantam, é que o monopólio da terra no país também possibilitou uma

verdadeira trama, ou seja, os grandes proprietários de terras aqui entendidos na

fusão de classes com a burguesia, de conquistarem o poder político em várias

esferas, em uma verdadeira rotação de poderes políticos divididos entre poucas

oligarquias.

Nesse sentido, para uma apreensão mais cuidadosa sobre a questão agrária

brasileira, fundamental se faz elucidar que a terra enquanto recurso de poder, no

Brasil está relacionada a um pacto político no período colonial como nunca visto em

outro canto do planeta.

Tão importante como entender o mecanismo de concentração de poder, que

Martins (1981a) classifica como pacto político, é apreender os sujeitos originários

30 Algo presente até hoje com o envolvimento do setor financeiro com a terra, relação a qual nãofaltam exemplos como o Banco Bradesco.

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dessa trama, a qual tem como principal resultante a alta concentração fundiária

reinante na atualidade brasileira.

Desta forma, o processo de formação desse campesinato no Brasil, se dará

por vários eixos, os quais vale realizar algumas consideração acerca desses sujeitos

que basicamente se originam nas terras de outrem, portanto constituindo numa

condição de exclusão ou ainda de inclusão precarizada na economia colonial.

Este pacto político descrito por Martins (1981a), contava com importante

legitimação jurídica, considerando que tanto o mecanismo das sesmarias, como

tantos outros arraigados no marco jurídico, se utilizaram de todas as estratégias

para a concentração da terra. Fica claro que, ao lado dos mestiços, muitos filhos do

branco com índio que comumente na atualidade se conhece como caipiras e filhos

bastardos do branco com negro, ao lado desses, se destacavam também aqueles

filhos dos grandes fazendeiros, que por meio do morgadio, perdiam o direito da

terra, uma vez que essa ficava sob o poderio do filho primogênito. Esses outros

filhos constituíam a parcela de agregados da fazenda, embora ao contrário dos

mestiços e brancos podres, poderiam em alguma medida, reivindicarem seus

direitos em outras terras.

Segundo Martins (1981a), embora o mecanismo jurídico do morgadio seja

extinto pelo império em 1835, os grandes detentores de terras trataram logo de

instrumentalizar outras formas de vetar a dispersão e fragmentação do domínio da

terra. Nesse sentido, os matrimônios intrafamiliares, se caracterizavam como

importante mecanismo de concentração e manutenção da posse da terra, assim

como do poder político.

Esse campesinato tradicional, por conseguinte, historicamente foi moldado

pela relação mediada pela condição de agregado dos grandes fazendeiros. Relação

a qual se estabelece principalmente pela medição de favores, em que sua

permanência e até mesmo proteção contra outros grupos, dependia

necessariamente dessa “devoção” e defesa dos interessantes dos grandes

proprietários de terras. Cabe salientar que a escravidão negreira como uma

atividade altamente capitalizada para o período colonial, de certa forma também

direcionava a função desse agregado nas grandes terras, à medida que a este eram

renegadas atividades complementares ao trabalho dos negros.

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As atividades mais comuns ligadas aos agregados eram os serviços de abertura de

floresta, como importante estratégia a qual procurava evitar fuga dos escravos.

Como já explanado, todas as estratégias de manutenção do latifúndio, sejam

elas de cunho jurídico ou advindas dos grandes proprietários por meio do seu

relacionamento com os agregados, vide exemplo com o compadrio, foram bastante

competentes, haja vista seu papel de imobilização política desse campesinato em

gestação. Para tanto, diante da escravidão negreira, foi inviabilizada qualquer

tentativa de construção de uma economia paralela, pois esta poderia permitir o

empoderamento desses camponeses, assim indo na contramão desse pacto político

descrito por Martins (1981a). Ao se afirmar tal questão, não se pode afirmar que

havia uma inércia completa com relação às insurgências, mas sim que havia uma

forte tendência à essa imobilização com as relações estabelecidas no interior das

plantations.

Essa formatação descrita do campesinato, com sua relação quase de um

parentesco de “segunda classe” com os grandes proprietários, permite apreender o

quão difusa se constituiu o papel dessa classe em formação, uma vez que, se por

um lado essa não poderia na maioria das vezes usufruir da terra conforme seus

anseios, por outro este também não era um escravo. Por conseguinte, a

estruturação da terra no Brasil, sobretudo antes da implantação da lei de terras de

1850, e a lei de abolição da escravatura de 1988, fizeram com que alguns

intelectuais do caso brasileiro, admitissem uma condição de semi-feudalidade na

lógica dos latifúndios, como afirma Guimarães (1968).

Dentro dessa lógica desencadeada pela troca de favores entre o dono das

grandes terras e o agregado (em uma relação assimétrica), a esse último, em alguns

casos era permitido o consórcio do plantio comercial como cana-de-açúcar no

Nordeste e o café no Sudeste, com o cultivo de gêneros alimentícios, o que permitia

essa complementaridade entre a casa grande e esse campesinato caracterizado

pelo agregado.

Cabe relatar, que esse campesinato nascente na história brasileira, não se

deu apenas nos interstícios do latifúndio, pois segundo Martins (1981) uma

considerável parcela desta classe, foi erigida a partir de sitiantes e posseiros que

ocupavam terras das Sesmarias, embora essas terras ainda não despertassem

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interesse para a efetiva ocupação dos nobres. Como lembra Prado Júnior (1979), o

abandono de terras já exauridas pelo movimento das plantations, se constituía como

uma das formas desses grupos, como posseiros e sitiantes, de se instalarem na

terra, mesmo que de forma precarizada.

3.2.1- A Lei de Terras de 1850 como elemento da centralidade da terra como poder

Assim como assinalado sobre o período colonial referente ao papel da Sesmaria nas

tramas de poder que envolviam os senhores de terras e camponeses, o marco

político/jurídico, assim como tantas outras formas eficazes de manutenção da

grande propriedade, teve também grande destaque nesse novo momento, que

talvez se apresente como o mais emblemático da história agrária brasileira, assim

como se destaca como um definidor de posições, visto que evidencia os

antagonismos de classes, portanto notabilizando o conflito como ponto central da

relação de posse da terra.

Diante da temática, embora a terra sempre possuísse importância, segundo Martins

(1981a), a concentração desta era justificada pelo alto capital representado pelo

comércio de escravos, embora como no caso do setor canavieiro no Nordeste, se

notabiliza como atividade altamente rentável na época. Talvez, o ponto central desta

inversão na lógica de valoração da terra, onde a mesma por si só, justifica por seu

caráter concentrador, reside na possibilidade destes latifundiários de auferir renda

capitalizada de toda sociedade nesse novo momento.

Diante disso, não se procura afirmar que a prática de sujeição da renda se

apresenta como um fenômeno novo que somente se inicia com o caráter

mercadológico da terra no Brasil. Pelo contrário, como já salientado a partir das

contribuições de Martins (1981) e Moreira (1995), a renda da terra existe antes

mesmo da concretização do modo de produção capitalista. Nesse caso, a condição

dos moradores (Nordeste) e agregados (Sudeste) denunciam a concretização da

sujeição da renda aos latifundiários, seja por intermédio do sistema31 de “parceria”,

seja na destinação de determinada quantia de alimentos em troca de morar e

produzir em terras de outrem.

Não se pode negligenciar para o fato de que a terra após todas as tramas

político-jurídicas, edificadas pela lei de terras de 1850 e com a abolição da

31 Não por acaso, algumas empresas na atualidade utilizam de discurso parecido no sistema deintegração.

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escravatura de 1888 ganhou novo designíos econômicos, aonde se insere cada vez

mais o caráter rentista até os dias atuais. Assim fazendo daqueles que detém o

domínio territorial, sujeitos capazes do usufruto de muitas benesses na sociedade,

em que a concentração de terras e concentração de poder se constituem como

condição sui generis na historiografia brasileira.

Nesse sentido, conforme Duarte (1939), a ordem privada e a ordem política

se entrecruzam, como o foi com o coronelismo no Nordeste e tantos outros casos

nos varadouros do Brasil com a fusão de classes muito bem operacionalizada. Outra

contribuição seminal para a apreensão da relação terra-poder reside nas análises de

Silva (2008), pois a autora aponta que a questão da terra no Brasil se encontra em

uma linha tênue com o poder, onde há um aparato estatal consolidado em função da

consolidação da grande propriedade privada concentrada em poucas mãos.

Baseado na observação da autora, pode-se afirmar que:

Por volta de 1850, a classe dos proprietários de terra já havia conseguidoestruturar um aparelho de Estado que exercia o poder sobre todo o país,embora de forma desigual nas diferentes regiões. (SILVA, 2008, p.17).

Embora Martins (1981b) oferte uma interessante e panorâmica chave de

leitura no que concerne ao caráter que adquire a terra após a implantação da lei de

terra de 1850 e sua correlação com proclamação da abolição da escravatura de

1888, do rumo mercadológico que esta adquire, para além da máxima – “Terra livre-

negro cativo, terra cativa-negro livre, tão bem desenvolvida por este importante

intelectual da questão agrária brasileira acerca deste aparato jurídico –, Silva (2008)

mostra que sua maior eficiência foi garantir a esse pacto de classes conforme elenca

Martins (1981a), a possibilidade cada vez maior de açambarcar terras públicas por

meio de inúmeras medidas fraudulentas como os processos de grilagem da terra

como nos casos Governador Valadares durante da década de 1940 e Trombas e

Formoso na década de 1960. Por conseguinte, esse avanço no debate proposto por

Silva (2008), que faz Oliveira (2008) a partir dos dados do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária-INCRA (2003), afirmar que do total de terras da

União, portanto de terras devolutas no Brasil, 180 milhões de hectares do solo

nacional estão cercados de forma indevida, o que correspondem a 21% do território

nacional.

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Nesse quadro, que sob a possibilidade de manutenção da grande propriedade

privada no Brasil, as elites trataram de cercar aquilo que não lhe pertence de fato,

configurando um embaraço numérico nos dados do INCRA, uma vez que em muitos

casos, a soma das áreas cadastradas de determinados municípios, é maior que a

própria área do município.

Assim como o foi historicamente já problematizado a partir dos clássicos da

questão agrária, a classe camponesa no Brasil também se encontra inserida em

propostas distintas de inserção na sociedade. Nesse sentido, conforme elucida

Martins (1981a), essa classe recorrentemente aparece constituída a partir do olhar

do outro. Assim há, na verdade, uma disputa política pela classe camponesa, que

devido sua condição de não assalariado, não obteve o benefício do estatuto do

trabalhador, o que justifica em certa medida essa disputa política, como há em

vários setores.

Poder-se-ia salientar pelo menos quatro vetores de propostas para o campesinato

brasileiro, a saber; o pensamento ecoado pelo Partido Comunista Brasileiro-PCB, a

partir da igreja, pelos planos reformistas de Gourlart e as próprias ideias das Ligas

Camponesas.

Embora houvesse ligação na “tutela política” do campesinato, o partido

comunista brasileiro estava imerso na contradição, pois sob o discurso de um anti-

imperialismo, esse se aliou aos setores da elite brasileira, a fim de promover muito

mais uma perspectiva de desenvolvimento da economia interna, do que

necessariamente uma mudança na estrutura agrária e de poder do país. O discurso

anti-imperialista fez com que essa esquerda perdesse de vista o pacto/ fusão de

classes estabelecido há tempos no Brasil, assim como o caráter a – nacional do

capitalismo, nesse momento cada vez mais trans-escalar.Por outro lado, nesse momento a igreja se coloca com uma postura altamente conservadora, ao

passo que sua aposta no processo de Reforma Agrária se dá de forma pontual, na intenção de

acalmar a grande efervescência política dos camponeses em determinadas regiões do país, como no

caso do Nordeste. Tal fato revela que o temor da proletarização dos camponeses e sucessivamente

seu engajamento com sindicatos urbanos e com o partido comunista, eram os pontos centrais de

combate da igreja com as suas curiosas alianças, ora com os latifundiários, ora com a

burguesia, em detrimento de um projeto emancipatório gestado do campesinato

enquanto sujeito do devir histórico.

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Em Gourlard, com as múltiplas reformas de bases pensadas na sociedade, no meio

rural, estas apenas refletem muito mais a tentativa de amenizar os conflitos no

campo, ao invés de uma mudança na estrutura fundiária, o que mais tarde, já no

governo militar, acabou se acirrando com o advento do estatuto da terra de 1964.

Com relação às ligas camponesas32, embora tivessem problemas organizativos em

seus primeiros levantes, pensavam a partir de uma proposta autônoma, uma vez

que sofriam o fardo da espoliação a qual estavam submetidos, seja por meio do

pagamento foro, arrendamentos ou pela expulsão da terra e violência física.

Segundo Martins (1981a), ainda que não de forma imediata e com tanta clareza, as

Ligas camponesas conseguiram apreender a função central do latifundiário no

Brasil. Nesse caso, os senhores de engenho e grandes comerciantes da região,

como um só sujeito, portanto conseguiram nessa perspectiva mirar para a aliança de

classes constituintes das raízes da formação econômica brasileira, que ali

permaneciam intactas.

3.2.2- Novos horizontes da longa marcha do campesinato brasileiro

Diante das problemáticas enfrentadas historicamente pelo campesinato

brasileiro em sua permanente luta para entrar na terra, com uma assimetria cada vez

maior na luta de classes, agora acentuada em meados do século XX pelo paradigma

da Revolução Verde, se gesta uma nova forma de organização de luta pela terra.

Essa mudança se deu, sobretudo, com os aprendizados das más sucedidas

relações políticas do campesinato, com outros setores da sociedade conforme

indicado por Martins (1981a).

Nesse sentido, esse novo pipocar dos vários sujeitos em suas

distintas e plurais lutas, denota outra forma mais autônoma quando comparado com

as lutas da década de 1950/60, de pensar e agir acerca da problemática social posta

32 Embora foquemos nas ligas camponesas, não negligencia-se para o fato a existência da umamultiplicidade de lutas empreendidas no interior da sociedade capitalista. Nesse sentido, Trombas eFormoso, Porecatu, Canudos e contestado, cada uma destas em suas respectivas épocas, mostramo protagonismo desse campesinato em formação que ainda hoje luta por terra e autonomia. Por outrolado, a luta camponesa como demonstra Welch (2010), possui inúmeras raízes, conforme estudoacerca dos sindicatos camponeses de 1924-1964, portanto não se restringindo aos acontecimentosmais conhecidos como o fenômeno social das ligas camponesas.

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por intermédio da concentração de poder e da reafirmação do primado da grande

propriedade privada e do “latifúndio produtivo” no Brasil.

O enveredar desses novos movimentos sociais, marca notadamente a

emergência de uma geograficidade do social, portanto, da tensão de

territorialidades.

Embora se configure como novas formas de lutas, esse nascente movimento de luta

pela terra, com maior expressão o movimento dos sem-terras-MST, suscita da

constante luta do campesinato brasileiro, embora assuma estratégias que em

grande medida se mostrarão mais eficazes e diferenciadas na luta/conquista da terra

no Brasil.

Segundo Fernandes (1999), a gênese do MST possui uma estreita relação

com os grupos oprimidos em maio de 1978:Foi quando os índios Kaigang da reserva Indígena de Nonoai, que vinhamlutando desde 1974 com o apoio do Conselho Indígena Missionário-CIMI,iniciaram as ações para recuperar seu território e resolveram expulsar as1800 famílias de colonos-rendeiros que viviam naquelas terras. A reservaindígena de Nonoai foi criada em 1847 e a entrada na área das primeirasfamílias sem-terra começou na década de 1940, sendo que em 1962 jáexistiam 400 famílias que arrendavam lotes de ate 20 ha. Em 1963, e, tornode 5.000 famílias do MASTER que estavam acampadas na FazendaSarandi, e em outros acampamentos da região, foram despejadas. (p.40).

A ocorrência do conflito de Nonoai, encruzilhada Natalino e tantas outras

experimentações da luta pela terra, trouxeram à tona a prática do acampamento,

como forma de pressionar o Estado e toda a sociedade para a necessidade da

democratização do acesso à terra. Destarte, segundo Fernandes (1999), acampar é

determinar um lugar e um momento transitório para transformar a realidade, pois

esse processo se converte em um aprendizado multidimensional. Nesse momento, a

Comissão Pastoral da Terra emerge como importante agente no apoio aos

camponeses despossuídos da terra.

A prática do acampamento elevada pelo Movimento dos Trabalhadores

Sem-Terra-MST se estabelece como uma legítima luta sócio-espacial, uma vez que

buscava por meio desse contra-espaço (Moreira, 2001), desafiar todo marco legal

estabelecido a partir da máxima da propriedade privada. Nesse sentido, que

Fernandes (1999), atento a essas práticas, vai trabalhar em sua teorização com os

processos de espacialização e territorialização. O primeiro processo se daria com o

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processo de ocupação de terras, por meio dos acampamentos, assim conforme já

elucidado, se caracterizando como um processo de transição em direção à

conquista da terra designada pelo autor como territorialização.

3.3- Terra e território em Mato Grosso do SulPara uma discussão consistente do projeto em questão, torna-se essencial o

desvendamento das raízes do latifúndio no Brasil e em Mato Grosso do Sul. Nesse

sentido, é preciso entender o processo que permite aos latifundiários deter cerca de

5 milhões de hectares de terras devolutas33 em Mato Grosso do Sul (que

representam 38% sobre as terras devolutas da região Centro-Oeste) e os

alarmantes 8,5 milhões de hectares de terras improdutivas, conforme aponta Oliveira

(2008).

A apropriação e o monopólio da terra sul-mato-grossense foram legitimados

antes mesmo da criação do Estado, como aponta Fabrini (2008). Para este autor, o

Mato Grosso do Sul foi criado para as oligarquias locais. Logo, se destaca nessa

monopolização do território a Cia. Mate Laranjeira como um dos principais agentes

dessa raiz concentradora de terras.

Neste processo, destaca-se o monopólio da exploração de erva mate pelaCia. Mate Laranjeira no sul do Estado. A atuação da Cia. Mate Laranjeiranão permitiu o desenvolvimento de pequenas propriedades, nem mesmopara que os pequenos proprietários servissem como mão de obra na coletade erva-mate. (FABRINI,p.55, 2008).

Para uma pequena abordagem histórica dos elementos que contribuíram para

moldar a fisionomia do latifúndio em Mato Grosso do Sul, opta-se por privilegiar os

momentos mais cruciais da história do Estado, porém sem perder de vista a

dimensão de que a realidade é processual.

O histórico de ocupação do Estado tem como marco preponderante nas

primeiras penetrações do gado em fins do século XVIII. Segundo Sodré apud Bittar

(1997), Minas Gerais sempre teve relações com a história sul-mato-grossense,

havendo uma predominância de marchas do rebanho mineiro para o Oeste34, a fim

33 Lembrando que terras devolutas devem obedecer o que reza o Art.188 da Constituição Brasileiraque diz o seguinte: “A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com políticaagrícola e com o plano nacional de reforma agrária”.34 Sodré elucida que essas áreas de expansão da fronteira da pecuária reuniam característicasgeográficas ideais para a criação bovina. Tal fato pode ser evidenciado quando analisa os fatoresgeoecológicos do cerrado, pois sua vegetação arbustiva e seu pouco gradiente de declividades sãofatores positivos para a pecuária extensiva. (Ab’ Saber, 2007)

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de se estabelecer nas fartas pastagens do Centro-Oeste, sobretudo em solo mato-

grossense. Com a entrada pastoril, começa se projetar uma nova fisiologia

econômica e social no espaço agrário do Estado.

Os chamados “chapadões de vacarias” na primeira metade do século XIX se

transformaram em um núcleo polarizador e concentrador de rebanhos. Nesse

processo de estabelecimento da boiada, é que surgiram as primeiras fazendas e os

focos iniciais para a expansão do uso da terra nos campos que outrora foram

percorridos pelos bandeirantes no ciclo das penetrações paulistas, conforme aclara

Bittar (1997). Este processo já esboça a representação da terra monopolizada tão

cara às populações35 já existentes no cerrado e aos pobres da terra atualmente.

Para Almeida (2006), o processo de povoamento do estado de Mato Grosso

do Sul (antigo Mato Grosso) possui uma dimensão paradoxal representada pela

Guerra do Paraguai, uma vez que no início ela foi a principal motivadora da

estagnação do povoamento, passando a ser fonte de expansão a partir de 1856 com

o sistema comercial da província de Mato Grosso articulado a partir da navegação

do Rio Paraguai até Corumbá, única via de comunicação entre as cidades platinas e

a capital da província, que redesenhou novos contornos sócio-econômicos para a

região.

Cabe salientar que após o decreto da lei de terras de 1850, a terra no Brasil e

em Mato Grosso do Sul perde o seu caráter de posse, para se tornar uma

mercadoria. Portanto, o que despontava como um monopólio territorial se intensifica

com a possibilidade de compra das grandes terras e de açambarcamento de terras

públicas e também do poder na esfera regional.

A Companhia Mate-Laranjeira contava com forte monopólio de terras no sul

de Mato Grosso. Após a lei de terras, sua territorialização se deu por meio de

arrendamentos, e estes dependiam diretamente de alianças políticas locais. Logo, a

participação da família Murtinho nos negócios do mate, veio consolidar a relação

“terra e poder”, pois essa relação caracteriza o encontro das oligarquias locais com o

poder político, a fim de impor seus interesses pessoais. Esse processo de

monopolização territorial impedia qualquer brecha para a consolidação da pequena

35 Lembrando, conforme elucida Brand et al., as concessões feitas à Cia. Matte Laranjeira atingiramem cheio o território dos Kaiowá e Guarani conforme palavras do autor.

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propriedade na região, que naquele momento sofrera investida dos migrantes do sul

do país.

Outra questão fundamental a ser abordada no ordenamento espacial de Mato

Grosso do Sul reside na construção da Ferrovia Noroeste Paulista, uma vez que

essa trouxe novas perspectivas para o sul de Mato Grosso, pois essa obra, tornou

possível às oligarquias, a valorização de suas terras por meio da absorção de renda

diferencial36, capitalizando-as conforme afirma Fabrini (2008):

A construção da Ferrovia Noroeste do Brasil contribuía para consolidar a“vocação” pecuária de Mato Grosso do Sul, principalmente nas áreaspróximas aos trilhos da ferrovia. A ferrovia também provocou mudanças nospreços da terra; as cidades por onde passavam os trilhos ganharam novoimpulso, como foi o caso de Campo Grande, Miranda eAquidauana.(FABRINI, 2008 p.64).

A correlação de forças que permeava o projeto de separação da federação,

segundo Bittar (1997), não permitia um consenso em relação às ideias

emancipatórias, ou seja, no que tange à separação e à criação do Estado de Mato

Grosso do Sul.

Havia apenas alianças fixadas entre Cuiabá e as Oligarquias do Sul, que

eram alicerçadas na defesa de interesses políticos e na manutenção do latifúndio.

Nesse viés, torna-se interessante destacar que os membros da oligarquia (sul) mato-

grossense estavam em conflito, ora para defender seus interesses regionais, ora

para defender os interesses dos membros do governo em Cuiabá, numa relação de

compadrio político. Um exemplo citado por Bittar (1997), e que pode trazer a

dimensão paradoxal desses interesses, reside na análise do conflito armado entre

Mascarelhas e Muzzi37, pois objetivando defender os interesses de Ponce38,

Mascarelhas vence Muzzi e destrói suas propriedades.

Posteriormente, em 1932, criasse a liga Sul-Mato-Grossense, marcada pela

não ruptura com as conhecidas oligarquias locais, na qual a combinação terra/poder

se perpetuaria como uma constante política econômica no sul de Mato Grosso.

36 Nesse caso, como elucida Oliveira (2007), a renda pode ser classificada por “renda diferencial ”,como aquela que está ligada à localidade das terras conforme já elucidado.37 Segundo BITTAR, João Caetano Teixeira Muzzi possuía grande quantidade de terras em Nioaque,local da referida pesquisa.38 Importante família oligárquica de Cuiabá.

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Torna-se interessante notar que o movimento emancipatório não reúne elementos

para uma insurreição que possa promover ao menos equidade de poder. Dessa

forma, segundo Bittar, a luta estava pautada na defesa e manutenção do poder

local.Nunca houve esse “ódio” entre os habitantes do sul, do centro e do norte.Tanto é verdade, que durante quase um século em que a causa separatistafecundou, a história não registrou qualquer tipo de confronto físico entregrupos, a não ser entre chefes políticos. Porém, mesmo neste caso, a razãoprincipal dos choques não era a divisão do Estado. Nenhuma forma deextermínio físico, discriminação ou constrangimento, como as que severificam historicamente em episódios separatistas ou naqueles queenvolvem ódio racial, ocorreu entre “cuiabanos” e sulistas. “O alegado ‘ódio’era um recurso de retórica e para usar os termos do próprio manifesto, maisficção” do que realidade. (BITTAR 1997, p.182).

Como se observa nas palavras de Bittar (1997), a preocupação em criar o

Estado de Mato Grosso do Sul reside mais nos conflitos entre oligarquias locais, do

que necessariamente na ideia de “liberdade” e autonomia disseminada no período.

Portanto, como já posto em questão, apenas a sustentação da hegemonia regional

por meio da combinação “terra e poder”, vai norteiar as intenções emancipatórias

das descritas oligarquias.

Para as oligarquias do sul (de Mato Grosso), não adiantava somente exercer

o poder político em Cuiabá, haja vista que as divisas econômicas oriundas do sul,

continuariam a suprir o governo central do norte. Portanto, a fim de impedir essa

transferência de riqueza, a ruptura se apresenta como imprescindível e inevitável

para aquele momento político, social e econômico do Estado. O que acabou

acontecendo posteriormente em 1977, por meio da Lei complementar Nº 31 de 11

de outubro de 1977. Cabe aludir, que o processo de emancipação foi realizado nos

bastidores e no silêncio do poder, portanto, sem a participação da população.

Essa divisão do Estado de Mato Grosso, além de atender os interesses das

oligarquias locais, contribuiu para a fundamentação de um projeto geopolítico do governo

militar de ocupar os “espaços vazios”, e consequentemente, submeter o território brasileiro a

um controle mais ostensivo.

Nesse novo momento de divisão do Estado, o latifúndio continua muito vivo,

pois os elementos estruturantes como a lógica patrimonialista da monopolização da

terra e da concentração do poder político, permitem afirmar que o Estado foi

construído para as oligarquias locais, havendo no poder político um tipo de

revezamento entre essas oligarquias, conforme elucida Almeida (2006).

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A classe dos proprietários de terra tratou de açambarcar o poder político noEstado recém-criado e estabeleceu um tipo de revezamento no poder quedurou até 1998; inicialmente, em 1979, com a nomeação de MarceloMiranda e, depois, Pedro Pedrossian (1980-1983). A partir das primeiraseleições, em 1983, assume Wilson Barbosa Martins. Novamente, em 1987,temos Marcelo Miranda; em 1991, volta Pedro Pedrossian. O ciclo fecha,em 1995, com o retorno de Wilson Barbosa Martins. (ALMEIDA, 2006b,p.117).

3.3.1- Espacialização e territorialização camponesa em Mato Grosso doSul

Ao campesinato sul-mato-grossense, poucas possibilidades lhe restou em

termos de políticas públicas que permitissem sua recriação (Almeida, 2006). Ou

seja, desde o primeiro momento, não houve uma brecha que possibilitasse sua

entrada na terra. A monopolização das terras pela da Cia. Matte Laranjeira desponta

como exemplo dessa política de priorização da grande propriedade, em detrimento

da democratização do acesso à terra.

Isso se deve também, de maneira indissociável, às manobras do Estado, no

sentido de permitir a venda e arrendamento de terras públicas. Nesse quadro,

apresentam-se as empresas de colonização, que gozam no período de grande

privilégio na compra de terras públicas, que mais tarde eram revendidas. O grupo

SOMECO (Sociedade Melhoramentos de Colonização) e a Colonizadora Vera-Cruz-

Mato Grosso, dentre outros, se destacaram na comercialização de terras em Mato

Grosso do Sul.

Para a pequena propriedade, foi efetivada a colonização estatal por

intermédio da CAND (Colônia Agrícola Nacional de Dourados) em 1943, política

territorial que depois não obteve sucesso por falta de recursos financeiros aliados ao

isolamento.

No quadro 01, Alves apud Fabrini (2008), apresenta números interessantes

para a análise da questão da apropriação privada de terras em Mato Grosso do Sul.

Quadro 04-Número de títulos e Concessão de terras expedidas pelo EstadoDiscriminação 1908 1914 1921 1926 1929

Tit. ProvisóriosÁrea. abrangidas (ha)Área média

49101.973

2.081

126318.398

2.527

183402.362

2.199

89200.002

2.247

107223.395

2.088

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Tit. DefinitivosÁrea abrangida (ha)Área média

25121.002

8.840

17 50386.732

7.735

76340.200

4.476

61427.179

7.003

Conc. GratuitasÁreas. Abrangidas (há)Área média

4700

512.950

58

Fonte: ALVES apud FABRINI, 2008.

O quadro-01 apresenta com muita propriedade a situação do campesinato no

começo do Sec. XX em Mato Grosso do Sul, pois se pode observar que foram

concedidos, por meio da compra em 1914, 140 títulos entre provisórios e definitivos.

Por outro lado, neste mesmo período tivemos apenas quatro títulos concedidos

gratuitamente para áreas consideradas pequenas em relação às demais. Já em

1921, foram concedidos 233 títulos provisórios e permanentes, abrangendo uma

área total de 789.094 ha. Tais números mostram a dimensão trágica referente ao

não-lugar do campesinato sul-mato-grossense, e é nesse sentido que se acirram as

contradições e o latifúndio permanece, porém, não sem questionamento.

A figura do camponês sul-mato-grossense é personificada principalmente pelo

trabalhador despossuído da terra. Tal situação, segundo Fabrini (2008), decorre de

vários fatores. Entretanto, o principal elemento que configura essa situação de

fechamento das terras para essa classe, reside no processo de ocupação do

Estado, e sucessivamente, na grande concentração fundiária. Posteriormente, o que

se denomina de modernização conservadora, será outro elemento complementar de

expropriação contra aqueles poucos camponeses que, lutando contra as condições

objetivas, conseguiram o seu pequeno sítio.

O camponês sul-mato-grossense é caracterizado como aquele, ou aquela

pessoa desprovida de terras, de caráter migratório, cuja relação de pertença com a

terra foi construída precariamente, seja na condição de empregado temporário,

posseiro ou arrendatário.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Departamento de … · Aunque hay en campos de las prácticas/ discursos de las politica del gobierno, una ... Gráfico 08-Comparativo da área

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Gráfico 03- Naturalidade dos assentados entrevistados Nioaque.Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Embora os entrevistados dos assentamentos pesquisados, em sua grande

maioria sejam de origem sul-mato-grossense com 44%, não menos importante são

os números de pessoas oriundas de outros estados, uma vez que denota uma das

características peculiares do campesinato brasileiro em sua multiplicidade,

mormente caracterizado por grande mobilidade pelo país, atrás da possibilidade de

conquista de novas terras para sua recriação.

De modo geral, na região centro-oeste, esta mobilidade como ponto de

confluência dos movimentos migratórios, se deu com maior frequência, haja vista

que esses acompanharam as medidas políticas de incentivos para a ocupação de

novas áreas de expansão da fronteira agrícola, o que por outro lado, não significou

uma real distribuição da terra para todos que se propusessem nela produzir.

Em seguida, um percentual expressivo de 21% dos entrevistados, declarou

ser naturais do estado do Paraná. Sobre este Estado, cabe relatar que esse

processo migratório pode ter uma relação direta com modernização conservadora, a

qual teve grande papel na expropriação dos pobres da terra no Paraná, e que viram

a possibilidade de possuir sua terra em Mato Grosso do Sul e no Paraguai, para

retornar posteriormente, por meio do movimento conhecido como Brasiguaios39 na

década de 1980.

39 Trabalhadores sem-terra brasileiros, que trabalhavam em fazendas paraguaias, ou possuíampequenas glebas no país vizinho.

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Em relação ao movimento migratório dos brasiguaios, cabe destacar que essa

população vivia com grande fragilidade/vulnerabilidade, o que corrobora com a

afirmação de Martins (1986), de que com a condição de migrante, se “vivi dois

lugares, sem efetivamente pertencer a nenhum”. No limite se vivia uma

territorialidade precarizada, promovida à custa de todo tipo de violência do outro lado

da fronteira, que vai desde o confisco da produção, destruição da roça e violência

física, empreendida contra esses trabalhadores, conforme esclarece em depoimento

o assentado S.P.D:

Nós passemos por assentados, meus irmãos ficaram acampados, meuscunhados ficaram acampados e agente viveu na roça... Meu pai tinha umasterras na grande Dourados, dos meus avós que meu pai tocava, financiavao café, plantava café e deu uma geada “ preta” e queimou e perdeu tudo.Perdeu a terra para o banco, naquela época perdia mesmo! Através disso,aí que surgiu falar que tinha uma colônia de brasiguaios, que ia entrar numacolônia no Paraguai há 100 quilômetros de Ponta-Porã, ficamos uns 20anos dentro do Paraguai. Isso foi no finalzinho de 1980, então aí muitosbrasileiros ainda estão lá, outros viemos para cá e quebraram a cara.Outros viemos e assentaram pelo Itamaraty [assentamento], o caraacostumado em cima de 50 hectares, chega aqui e assentar em cima de 4hectares e é isso aí! Estamos aqui agora. Meu pai criou a família dentro doParaguai, mas sempre a lei mudava, mudava muito a lei! Nós vamos prosem-terra! (S.P.D, assentado no assentamento Andalucia-Nioaque-MS)40

O mesmo processo de expulsão-migração se aplica para São Paulo com

13%, Minas Gerais 2% e Rio Grande do Sul 3%. Como já aclarado, no Estado41

houve grande migração de mineiros no período da expansão das pastagens e na

implantação de maciços florestais. Embora esses movimentos estejam mais ligados

ao leste do Estado, não deixam de contribuir para o crescimento da grande massa

de camponeses desprovidos do acesso à terra com a crise e estagnação da

exploração de madeira dos maciços para o setor carvoeiro.

Embora pouco comum no Estado,15% dos entrevistados possuem como

origem os estados do Nordeste, sendo que 4% declararam serem oriundos do

estado de Pernambuco, 4% do estado da Bahia, 3% do estado do Ceará, 2%

Alagoas e Piauí com 1%. Por conseguinte, grande parte desses migrantes, estão

ligados à condição de posseiros e agregados, uma vez que a grande maioria estava

40 Entrevista realizada em 15/04/2011.41 Embora a maioria dos entrevistados tenha declarado a naturalidade em Mato Grosso do Sul,origem grande parte destes, são filhos de mineiros ou gaúchos.

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relacionada ao trabalho de abertura da mata para formação da pastagem das

grandes fazendas.

O acirramento em Mato Grosso do Sul dessa condição de desprovido da

terra, se dá a partir do momento em que os trabalhadores não são donos da terra,

mas trabalham na condição de arrendatários na abertura e derrubada das matas e

formação das pastagens para os fazendeiros de São Paulo e Minas Gerais. Nesse

sentido, as palavras de Fabrini elucidam o começo do acirramento em relação ao

uso e posse da terra em Mato Grosso do Sul. Com destaque, nesse processo de

luta, para a imagem dos arrendatários que expulsos das fazendas, ocupam áreas

próximas às propriedades Bulle e Baunilha em Itaquiraí, no Sudeste do Estado42.

O anúncio desse projeto foi feito com grande propaganda por parte dogoverno. Nesta mesma época, os camponeses despossuídos da terra devários municípios da região ocuparam a área intermediária entre asfazendas Bule e Baunilha, em Itaquiraí. Uma das estratégias doscamponeses foi utilizar o nome e o símbolo do projeto (enxada encabada),construindo uma grande placa, instalada próximo ao acampamento.(FABRINI, 2008, p.72).

Após três dias de ocupação nas fazendas em Itaquiraí, por meio de um

ostensivo aparato policial do Estado, as famílias foram retiradas da área. Desta

forma, tem-se que o mais importante dessa experiência de luta pela terra, assim

como outras experiências em outros lugares do país gestadas em meados da

década de 1970, se empreende uma nova lógica de reivindicação pelo direito de

acesso e democratização da terra, portanto imprimindo a esses movimentos, uma

lógica sócio-espacial, em que o processo de espacialização da luta pela terra, ganha

relevante destaque, segundo Fernandes (1996), para quem:Espacializar é registrar no espaço social um processo de luta. É omultidimensionamento do espaço de socialização política. É “escrever” noespaço por intermédio de ações concretas como manifestações, ocupaçõese reocupações de terras, etc. É na espacialização da luta pela terra que ostrabalhadores organizados no MST conquistam a fração do território e,dessa forma, desenvolvem o processo de territorialização do MST(FERNANDES, 1996, p.136).

Outro processo de espacialização camponesa importante foi aquele realizado

por arrendatários do município de Naviraí, em 1980. Seguindo a mesma lógica de

42 Segundo FABRINI (2008), o Projeto Guatambu foi lançado logo depois da nomeação de PedroPedrossian pelo governo no inicio da década de 1980. O projeto tinha objetivo de melhorar arentabilidade e a organização da produção agrícola, com assistência técnica, mecanização,fornecimento de insumos.

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expropriação, como já elucidada, esse processo também ocorreu em vista da

expulsão destes sujeitos pelo fazendeiro, após a derrubada da mata. No seio dessa

injustiça, nasce a luta contra os donos das fazendas Água Doce, Jequitibá e Entre

Rios, devido às irregularidades no contrato de arrendamento. No mesmo ano, a

Justiça deu ganho de causa aos arrendatários da fazenda Jequitibá43, deixando os

camponeses permanecer durante mais um ano.

Vale sublinhar, que uma passagem de grande importância para a história de

lutas em Mato Grosso do Sul, foi a ocupação da gleba Santa Idalina, de propriedade

da SOMECO em 1984, já que esse processo traz à tona a necessidade de

democratização de acesso à terra, que estava abafada no período militar. Portanto,

essa espacialização desponta como fato fundante da contínua luta pela terra em

Mato Grosso do Sul, conforme aponta o gráfico 02.

A partir da ocupação da fazenda Santa Idalina, a luta ganha outros horizontes

em Mato Grosso do Sul, pois até aquele momento, os movimentos dos arrendatários

em suas estratégias priorizavam os limites institucionais, com negociação e batalha

jurídica pela desapropriação e permanência na terra.

Gráfico 04- Mato Grosso do Sul- Número de Ocupações- 1988-2007

43 Após as reivindicações de desapropriação da Fazenda Jequitibá, a situação se acirra com adestruição da roça camponesa e com a morte do advogado dos arrendatários. Nesse momento, ficanítido o recrudescimento da violência.

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Com a ocupação do latifúndio, um novo horizonte de luta pela reprodução da

vida ganha espaço, pois nesse novo momento, os trabalhadores sem-terras

organizados pela CPT e MST, com a sua essência “rebelde”, ultrapassam as

barreiras legais da institucionalidade. Nesse sentido, destaca-se junto com a

ocupação o acampamento, ganha grande importância para edificação da

consciência de classes dos camponeses.

Por conseguinte, com o passar do tempo, a luta ganha força e se dissemina

pelo Estado, pois as chamadas “barreiras legais” de defesa da propriedade privada,já não representavam empecilho para o questionamento do latifúndio no Brasil e em

Mato Grosso do Sul.

As ocupações, conforme mostra o gráfico -04, aumentam ao longo dos anos,

porém em um movimento não linear. Vamos ter inicialmente 4 ocupações em 1988;em seguida, em 1989, um aumento para 6 ocupações. Já em 1990, houve

diminuição. No último período mencionado, década de 1990, o Brasil e os

movimentos sociais passam por uma grande expectativa política, pois além de

simbolizar a “redemocratização” do país, essa descrita expectativa cresce a partir da

possibilidade da tomada de poder pelo então candidato operário Lula, o que não

aconteceu de fato.

A tímida evolução no quadro da questão agrária sul-mato-grossense fica

explícita quando se analisa o gráfico 05, pois no período de 1985 a 1990, foram

implantados 19 projetos de assentamentos que representam apenas 11% do total.

Estes projetos beneficiaram 4280 famílias, ou seja, uma média de 225 famílias

assentadas por ano no governo Sarney. Cabe relatar que o governo estadual não

implantou nenhum projeto de assentamento nesse período.

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Gráfico 05- Mato Grosso do Sul- Número de assentamentos-1984-2010Fonte: SIPRA-INCRA/MS.

O período de 1990 ao final de 1994 é marcado pela diminuição brusca da

territorialização camponesa. Ressalte-se que foi implementado um total de 3

assentamentos, ou seja, apenas 2% do total apresentado pelo gráfico-05,

beneficiando apenas 410 famílias. Tal número negativo reflete o período conturbado

vivido na época (Governos Collor e Itamar Franco), caracterizado como um período

muito difícil para os movimentos de luta pela terra.

De 1995 ao final de 2002, há uma evolução no quadro agrário sul-mato-

grossense, pois nesse período foram implementados 94 projetos de assentamentos,

que favoreceram 12.677 famílias, portanto, com uma média de 1568 famílias

assentadas por ano.

Torna-se mister aclarar que o processo de implementação dos projetos de

reforma agrária, não pode ser interpretado somente como um mérito da instituição

Estado brasileiro, mas sim, como uma série de processos, resultantes da luta

cotidiana dos pobres da terra para a (re)criação camponesa, por intermédio da

espacialização da luta e posterior territorialização na terra de trabalho44, como nos

44 Aqui estamos trabalhando com os conceitos de Martins (1991), o qual aponta que a terra detrabalho aparece como basilar para a reprodução e manutenção da família camponesa, pois quandoo trabalhador se apossa da terra, esta se transforma em terra de trabalho. No outro extremo, écompreendida como terra de negócio a fração espacial apropriada pelo capital, a qual se caracterizapela exploração do trabalho alheio, portanto assentadas nos pilares da mais-valia. Nesse sentido,distinguindo como regimes distintos de propriedade.

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alerta Fernandes (1996). Tanto faz sentido essa afirmativa, que a partir de 2001, os

números de ocupações (Gráfico 04) e de implementação de assentamentos rurais

em Mato Grosso do Sul (Gráfico 05) mantêm uma relação próxima e explicam que

para existir reforma agrária no país, tem que existir luta pela terra.

É interessante destacar que este decréscimo nas espacializações neste

período e, consequentemente, nas territorializações, se deve principalmente à

medida provisória nº. 2027, a qual em seu Art.4º, parágrafo sexto e sétimo informam

que:O imóvel rural objeto de esbulho possessório ou invasão motivada porconflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não será vistoriado nos doisanos seguintes à desocupação do imóvel.

E ainda no parágrafo 7º, em texto complementar;

Na hipótese de reincidência da invasão, computar-se-á em dobro o prazo aque se refere o parágrafo anterior.

A medida provisória nº. 2027, como observado nos gráfico - 04 e 05, foi de

grande impacto para os movimentos sociais de luta pela terra, pois essa manobra do

governo FHC veio com a função de “criminalizar” os movimentos sociais, sobretudo

aqueles com o histórico de ações mais efetivas contra o latifúndio, por exemplo o

MST. Cabe relatar, que essa MP exibe sua face contraditória, a partir do momento

que livra o latifúndio de fiscalização, legitimando a contrarreforma agrária.

No período citado de 1995 a 2007, o governo estadual instalou somente 8

assentamentos, favorecendo apenas 694 famílias. Cabe ressaltar que mesmo tendo

quebrado o ciclo de governo das famílias ligadas às oligarquias com a eleição do

Zeca do PT em 1999, na Câmara dos Deputados persiste um forte lobby político

relacionado à aliança terra e poder. Nesse sentido, continuou predominando a

essência da ideologia burguesa local, dando continuidade às raízes e essência do

latifúndio, ou a perpetuação do “poder do atraso” como elucida José de Souza

Martins.

No período de 2003 ao final de 2010, nos mandatos do governo Lula, a

territorialização camponesa teve uma leve queda de 2002 para 2003. Contudo,

retoma um crescimento até 2005 com 24 projetos de assentamentos

implementados, tendo uma queda em 2006 com 6 projetos e retomando novamente

o crescimento em 2007, com 24 assentamentos. Do começo do ano de 2008 ao final

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de 2010, se caracteriza como um período de grande decréscimo no número de

assentamentos, uma vez que apenas 15 projetos de reforma agrária foram de fato

concretizados, assim fazendo alguns pensadores da questão agrária brasileira,

admitirem uma verdadeira contrarreforma agrária contida no governo lula (gráfico

05).

Conforme ilustrado no gráfico 06 acerca dos quatro assentamentos

pesquisados, no assentamento Andalucia, 46% declararam participarem do

Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra-MST. Por outro lado, 16% declararam

participar da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso do Sul-

FETAGRI, e 28% dos entrevistados se encontram na condição de comprador do

lote45.

Por outro lado, no assentamento Areias, o mais recente diante de todos os

participantes da pesquisa, 74% dos entrevistados declararam participar da

Federação da Agricultura Familiar-FAF. Já 26% declarararam participar da

Comissão Pastoral da Terra-CPT. Nesse sentido, até o momento, essa instituição

vem desenvolvendo importante papel de consultoria para esses camponeses.

No assentamento Boa Esperança, uma quantidade majoritária – 76% dos

assentados – declarou fazer parte do MST, ao passo que 24% se encontram na

condição de compradores do lote.

No Palmeira, 29% dos entrevistados declararam ter participado do MST na

luta pela terra, 24% participaram pela luta empreendida pela FETAGRI, e 47% dos

entrevistados se caracterizam pela condição de comprador de lotes. Cabe salientar,

que esse assentamento se localiza fora do núcleo de assentamentos estabelecidos

aos arredores da BR-419 nos municípios de Nioaque e Anastácio.

Vale ressaltar que o MST teve grande presença na territorialização da luta

camponesa46, mormente no Sul e Oeste do estado de Mato Grosso do Sul. Embora

haja essa supremacia do MST na empreitada da luta pela terra na região, outras

45 Se configuram como pessoas que entraram depois do processo de luta e conquista. Por outrolado, pode-se observar que a grande maioria destes sujeitos já passaram pelo processo deacampamento, portanto de uma legítima luta pela terra.46 Logicamente, que não cabe aqui um julgamento em relação às formas de luta pela terra, pois háuma distinção dessas formas. Porém, o mais importante é a distinção feita a partir do sujeito da lutaconforme elucida Almeida (2006). O número aludido não visa apresentar uma presumidasuperioridade do MST, mas sim exprime um número do universo de entrevistados, os quais foramouvidos de forma aleatória independente da origem de organização de luta pela terra, conforme jáaclarado na metodologia.

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organizações de luta pela terra protagonizam no enveredar da democratização do

acesso à terra, como a FAF.

FETAGRI MST FAF CPT C. deComprador

16%

46%

28%

74%

26%

76%

24%24%29%

47%

Andalucia Areias Boa Esperança Palmeiras

Gráfico-06- Organização de Luta pela terra dos Assentados em NioaqueFonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Embora não se configure como ponto central do debate proposto, cabe

elucidar que os dados exibidos no gráfico-04 acerca das ocupações de terras, têm

como base também, não somente as lutas travadas pelos camponeses por terra,

sobretudo na luta das populações indígenas do estado de Mato Grosso do Sul, o

que em última instância, tem trazido à tona para a sociedade brasileira, a grande

violência empreendida nos varadouros e lugares invisibilizados pela ideologia do

agro (hidro)negócio. Por conseguinte, segundo dados do Conselho Indigenista

Missionário-CIMI, somente no ano de 2010 em Mato Grosso do Sul, foram

assassinados 34 indígenas, o que em números relativos, representa 57% de todos

os assassinatos cometidos contra essa população em todo o país.

Nesse mesmo rumo alarmante sobre a centralidade da terra no

empreendimento da violência contra essas populações, que segundo os dados do

CIMI, agora divididos por municípios em Mato Grosso do Sul, Dourados, este, não

por acaso, é o maior produtor de soja do Estado e décimo do país, segundo os

dados do IBGE (2003), também se destaca como o município com maior ocorrência

contra as populações indígenas com participação em 29% dos casos registrados no

Estado. Tais números contribuem cada vez mais para o entendimento de uma

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dialética da barbárie-modernidade gritante na atualidade, como lembra Oliveira

(2005), ou até mesmo no estabelecimento de um legítimo estado de exceção no

campo brasileiro.

No mesmo passo que a constante luta dos indígenas pela reconstituição de

seus territórios, a violência empreendida contra os camponeses sem-terra – assim

como no país inteiro de uma forma geral, embora tenha havido um decréscimo – não

tem deixado de existir, sobretudo naqueles estados ligados à modernidade do

agro(hidro)negócio na região Centro-Oeste.

Nesse sentido, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra- CPT, do ano

de 2002 a 2010, houve 36 assassinatos envolvendo camponeses na luta por terra na

região Centro-Oeste nesse período, dos quais 19% possuem ocorrência no estado

de Mato Grosso do Sul. Embora tenha havido uma diminuição no número de

assassinatos – quando comparado com períodos anteriores como do ano de 1977

ao ano de 1983, com o total de 9 assassinatos motivados por disputa por terras –

outras medidas coercitivas têm se destacado como fundamental mecanismo de

intimidação da luta pela terra. Como exemplos emblemáticos dessas medidas,

podem ser citados: agressão, tentativas de assassinatos, ameaças, prisões, assim

como o emprego do trabalho escravo, pois conforme dados do Ministério do

Trabalho e Emprego-MTE, no período de 2008 a 2010 foram libertados 266

trabalhadores47 em apenas 20 estabelecimentos fiscalizados do Estado.

Por conseguinte, a terra em Mato Grosso do Sul, assim como no restante do

país, ganha centralidade na constituição das assimetrias do poder, à medida que

para além de um ativo econômico sujeito ao mecanismo da renda territorial, ela

também se figura como seminal meio de exploração da mão de obra de outrem;

nesse caso, sob condições análogas ao trabalho escravo. Como já exemplificada

por Martins (1981), Silva (2008) e tantos outros pensadores da formação brasileira

em suas múltiplas formas de entendimento, essa relação com a terra permitiu

historicamente açambarcamento do poder, assim tecendo muitos entrecruzamentos

entre expropriação, violência, poder, política e o território.

47 Embora os dados do Ministério do Trabalho versem sobre várias situações onde o trabalho se configuracomo análogo ao trabalho escravo, portanto tanto no campo, quanto na cidade, em Mato Grosso do Sul essaprática ganha maior destaque, mormente no trabalho realizado em carvoarias e no setor modernosucroalcooleiro.

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Diante do exposto, cabe salientar que a luta pela terra empreendida pelo

camponês sul-mato-grossense, com a conquista da terra de trabalho (Martins,

1989), para além das ações das políticas públicas, se caracteriza como resultado

legítimo das lutas travadas no interior da sociedade capitalista.

Nesse sentido, os ditos movimentos sócio-territoriais, têm logrado à medida

que por meio das ocupações de terras, tem se territorializado em locais onde têm

sido diretamente travados esses conflitos. Diante de tal afirmativa, cabe destacar

que dados CPT/NERA, do total de 132 ocupações de terras realizadas no período

de 1988 a 2007, que Nioaque dentre os 11 municípios componentes do “Território da

Reforma”, se destaca com 18% das ocupações de terras, somente ficando abaixo do

município de Sidrolândia, com 21%, no período destacado conforme demonstrado

na figura 06.

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Por intermédio do método areolar proporcional (Martinelli, 1991), torna-

se possível representar a geograficidade dos camponeses em movimento no

estado de Mato Grosso do Sul. Nesse sentido, ao realizar-se uma

sobreposição, portanto uma correção entre os mapas de ocupação (mapa-01)

e assentamentos no Estado (mapa-02), os números apresentados de

ocupações possuem uma relação direta com a conquista da terra, haja vista

que segundo dados do INCRA (2010), atualmente o município de Sidrolândia

possui 36% dos assentamentos “inseridos” no Território da Reforma. Nioaque,

assim como apontado no número de ocupações, detêm 19% dos

assentamentos rurais.

Outro dado interessante, acerca da expressividade dos camponeses na

região, diz respeito à participação demográfica dessa parcela, pois os

assentamentos da região, segundo dados do INCRA (2010), possuem no total

1678 famílias. Nesse sentido, se multiplicarmos essa quantidade de famílias

por 448, denota-se que esses camponeses representam 47% da população do

município de Nioaque.

Gráfico 07- Luta camponesa no território da Reforma dividida pormunicípio.

Fonte: NERA, 2008.

48 O número apresentado tem como base a média estabelecida pelo IBGE sobre a estrutura dafamília brasileira na atualidade. Nesse sentido, se tratando de uma projeção para o município,assim podendo haver variação e um percentual maior da participação demográfica dessescamponeses.

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Em consonância com os dados trabalhados nos mapas de

ocupações e número de assentamentos no estado de Mato Grosso do Sul, que

o gráfico 07 contribui para a leitura geográfica da questão agrária na região.

Nesse sentido, no município de Nioaque se mantém o protagonismo na luta

pela terra a partir do ano de 1993, embora se registre há tempos a

problemática da terra nesse recorte de análise. Do período de 1992 a 1995,

houve 11 ocupações, das quais resultou em apenas 1 assentamento com 166.

Do período de 1997 a 2006 houve um total de 4 ocupações, as quais

resultaram em 4 assentamentos com 474 famílias beneficiárias. Por outro lado,

as ocupações de terras em Sidrolândia só ganha maior impulso a partir de

1997 com 2 ocupações e com maior força em 1999 com 10 ocupações.

Diante da pressão dos movimentos sociais, que do período de 1997 a

2001, foram conquistados 8 assentamentos, dos quais 1.208 famílias foram

beneficiárias.

Do período compreendido entre 2000 a 2006 foram registradas por meio

dos dados do NERA/CPT um total de 12 ocupações. No mesmo, que 2001 a

2010, foram implantados 8, com 2546 famílias beneficiária.

Cabe destacar que a queda abrupta registrada de 1999 para 2001,

emerge como reflexo da medida provisória nº. 2027 criada em 2000, no sentido

de criminalizar as ações dos movimentos sociais de luta pela terra.

Tais números expressos chamam a atenção para a importância da luta

camponesa, pois o que tem se gestado de fato na região, é o território

camponês constructo da permanente luta pela/na terra, ao contrário do

discurso que se impõe das políticas públicas, o qual acaba por invisibilizar os

constantes conflitos. Nesse sentido, se esse território é da reforma na sua

fundamentação a partir da governança, ele se institui muito antes como um

território camponês. Esse enveredar teórico de questionamentos sobre o

esvaziamento político de alguns conceitos e categorias, torna o sujeito-

pesquisador menos vulnerável a mudanças, esvaziamentos e confluências dos

discursos, sobretudo aqueles orientados sob a tutela dos grandes agentes de

promoção da lógica do capital. O território e os seus adjetivos se enquadram

nessa lógica perversa de esvaziamento político, em que parece não haver a

dimensão do conflito e a centralidade do poder como condição epistêmica.

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Espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo,caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, aeconomia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e umapopulação, com grupos sociais relativamente distintos, que serelacionam interna e externamente por meio de processosespecíficos, onde se pode distinguir um ou mais elementos queindicam identidade e coesão social, cultural e territorial. (MDA apudGómez, 2006,p.80)

Como bem esclarece Gómez (2006), o território posto sob a ótica da

governança, se caracteriza muito mais pela pseudo-ausência do conflito, a qual

assume uma condição de controle dos processos sociais, por meio do território

(HAESBAERT, 2008), ao invés de reconhecer outras construções de territórios

de autonomia. Ao mesmo passo estabelecido do conflituoso debate

estabelecido a partir da década de 1990 entre agricultura familiar x campesino,

aqui o território da governança, edificado na sua forma mais fina por intermédio

dos territórios da cidadania do Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA, se

contrapõe à legitimidade do território do campesinato na sua

multidimensionalidade.

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4- NIOAQUE E OS ASSENTAMENTOS RURAIS: O TERRITÓRIO CAMPONÊSPOSTO EM QUESTÃO.

Lembro de um velho índio contando históriasDe glórias e tragédias que não viviQuando das estrelas vieram deuses

E seus sinais estão por aíDepois de um certo tempo eles foram embora

Deixando para trás um povo felizMas os portugueses e os espanhóis

Invadiram a terra dos GuaranisEntão vieram os bandeirantesE os retirantes lá das Gerais.

Por muito tempo não houve paz(Serra de Maracajú, Almir Sater)

Como bem esclarece o cancioneiro-violeiro popular por intermédio de

suas estrofes musicais, por meio dessas pode-se apreender acerca dos

conflitos de territorialidades inerentes à formação do espaço agrário sul-mato-

grossense, em especial na região estudada da Serra de Maracajú. Nesse

sentido, a questão da terra na região se edifica a partir da centralidade do

conflito. A esses conflitos, poder-se-ia traçar uma análise que vai desde o

Tratado de Tordesilhas de 1494, com a constante iminência de invasão dos

espanhóis, por conseguinte com a instabilidade da fronteira com a Guerra do

Paraguai de 1864 a 1870, uma vez que o município estudado se encontra

numa condição geográfica privilegiada em relação ao aparato geopolítico na

época da Guerra. Nesse sentido, cabe destacar que Nioaque possui uma

distância de 143 km para a fronteira sudoeste no município de Bela Vista-MS e

252 Km para a fronteira do município de Porto Murtinho.

Segundo dados do censo agropecuário-IBGE (1996), Nioaque possuía

um total de 1543 estabelecimentos rurais49, dos quais 1270 (82%) se

encontram no grupo de menos de 10 ha a menos de 200 ha. Até esse

momento, haviam sido implantados somente 2 (re)assentamentos, os quais

contribuíam com 459 estabelecimentos rurais. O ponto central da análise, que

ao subtrair o total de estabelecimentos apontados pelo IBGE (1996), pelo

49 Aqui não confundido com a propriedade da terra, logo se configurado um campesinatogestado na grande propriedade. Tanto faz sentido essa afirmativa, que um grande número deentrevistados declararam ter trabalhado em numerosas fazendas de gado da região.

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número de estabelecimentos oriundos dos projetos de reforma agrária50, tem-

se um total de 811 considerados pequenos estabelecimentos que não são

resultados diretos da “reforma Agrária”, os quais são superiores à categoria dos

estabelecimentos rurais de 200 a menos de 500 ha aos 2000 ha e mais, com

um número 273 estabelecimentos (18%).

E ainda dentro daqueles grupos que compõem a microrregião de

Bodoquena, a categoria dos grupos de estabelecimento de menos de 10 ha à

menos de 200 ha, o município de Nioaque representava 41% desses

estabelecimentos (IBGE, 1996).

Destarte os dados quantificados pelo IBGE (1996), apontam muito mais

que uma simples dimensão métrica do uso da terra no município estudado,

uma vez que em seus interstícios aponta a predominância de um uso

camponês da terra. Nesse sentido, os dados do IBGE (2010), acerca da

produção de milho no município, aponta a importância do campesinato, o qual

historicamente no Brasil, está ligado à segurança alimentar, mesmo essa

atividade sendo realizada na terra de outrem. (gráfico-08).

Gráfico 08- Comparativo da área plantada de milho entre Nioaque e TrêsLagoas-MS-1990-2010

Fonte: PAM , 2011.

50 Embora não se encontre informações explicitadas na historiografia de Mato Grosso do Sulacerca da formação desse campesinato na região por meio dos pequenos estabelecimentos,parti-se da hipótese de que essa se estabeleceram também como importante estratégia dedefesa contra invasões na região no período da Guerra do Paraguai, além do fato da grandeimportância da produção de alimentos no descrito período.

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Segundo dados do PAM-IBGE (2010), no ano de 1990, o município de

Nioaque teve uma produção de milho, a qual ocupou cerca de 1500 hectares.

Por outro, apenas como parâmetro de comparação de regiões distintas

historicamente em seus regimes de uso da terra, Três Lagoas-MS, município

historicamente com alta concentração fundiária, destinou apenas 841 hectares

para o cultivo do milho. Cabe frisar, que do período de 1990 a 1996, o

município de Nioaque passa por importantes mobilizações dos movimentos

sociais, o que culminou nesse período com a conquista do assentamento

Andalucia. Ao lado assentamento Colônia Nova, implementado em 1987, tais

acontecimentos podem em certa medida ajudar a apreender acerca do

aumento do cultivo do feijão na região, haja vista que segundo dados do PAM,

do período de 1990 à 1992, o município quase dobrou a destinação de terras

para essa leguminosa com 2700 hectares. No mesmo período, o município de

Três Lagoas teve uma diminuição brusca na destinação das terras para o

plantio do milho, resultado da constante expansão de terras para criação de

gado, bem como da territorialização de atividade altamente capitalizadas.

Tais características apresentadas a partir da lógica de produção que se

estabelece historicamente em Nioaque-MS, apontam para o histórico da

organização da unidade camponesa na região. Nesse sentido, emergindo a

configuração do território camponês nesse recorte espacial.

4.1- Campesinato e território: a marcha ao estabelecimento da terrade trabalho em Nioaque.

Para apreender a constituição desse território do campesinato na região,

torna-se fundamental a priori, problematizar a partir da mobilidade precarizada,

a qual na maior parte da formação do espaço agrário brasileiro, sempre esteve

ligada a essa classe/modo de vida conforme já se elencou. Nesse sentido,

essa predominância demográfica apontada acerca da população camponesa

no município, se configura como produto de muitas dificuldades destas

populações em suas trajetórias de vidas para o estabelecimento da terra de

trabalho em seus lugares de origem.

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Contudo, não se pode negligenciar para os pontos fundamentais, que

possibilitaram a formação desse grupo nessa região, com maior densidade em

Nioaque-MS.

Nessa lógica, cabe destacar a implantação do reassentamento

Conceição, à medida que esse, ao lado Padroeira do Brasil e de outros

assentamentos de municípios vizinhos na atualidade, se constituem

importantes pólos irradiadores/concentradores da luta camponesa na região.

Os dois assentamentos, Conceição e Padroeira do Brasil, segundo indicação

de muitos entrevistados, sobretudo de assentados acerca rodovia BR- 419 se

caracterizam nas palavras desses camponeses como os “pai e mãe” das lutas

pela terra na região.

De fato, Padroeira do Brasil, se constituiu como importante estratégia de

continuidade das lutas, à medida que os camponeses que ali conquistaram a

terra, por intermédio de suas experiências anteriores de ocupação da fazenda

Santa Idalina51 no município de Ivinhema, contribuíram para a continuidade da

luta, entretanto com um importante enriquecimento político no que rege o

debate sobre a terra e a inserção do campesinato nessa questão.

Acerca da formação do assentamento Padroeira do Brasil, Kudlavicz et

al (1990), com dados minuciosamente levantados a partir da participação da

Comissão Pastoral da Terra esclarecem;

Em torno de 1000 a 1500 famílias (não dá para precisar o númeroexato de famílias), no dia 29.04.84, ocuparam uma área de 8.762 ha.,de terras, supostamente de propriedade da empresa SOMECO S/A,chamada Gleba Santa Idalina, no município de Ivinhema. Quase nasua totalidade são ex-arrendatários e bóias- fria vindos de MundoNovo, Eldorado, Itaquiraí, Naviraí, Caarapó, Fátima do Sul, Glória deDourados, Bataiporã, Taquarussú, Nova Andradina e Dourados, comexceção de um grupo menor de brasiguaios e ilhéus. (p.92).

Esse tencionamento relatado a partir de documentos e entrevistas

efetuadas por importantes agentes da Comissão Pastoral da Terra- MS

mostram com propriedade a importância dessas novas formas de resistências,

inauguradas pelos processos de ocupação, contribuindo cada vez mais para a

constituição de legítimas ramificações políticas da luta pela terra. Nesse

51 Essa configura como uma das mais expressivas lutas já registradas em Mato Grosso do Sul.

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sentido, após uma robusta labuta em Ivinhema, foi criada em 1984 pelo extinto

TERRASUL, a colônia Padroeira do Brasil no município de Nioaque52.

Assim como relatado acerca da Colônia Padroeira do Brasil, a criação da

colônia Conceição no mesmo município não está livre da centralidade do

conflito de territorialidades. Em suma, sua criação está ligada ao conflito

estabelecido em Bodoquena entre posseiros e índios Kadiwéus na região de

morraria.

Posseiros que viviam há mais de 10 anos na região, em 1983

protagonizam um dos momentos mais emblemáticos dos conflitos de terras

registrados em Mato Grosso do Sul, visto que diante desses conflitos, foi

assassinado um jovem de apenas 15 anos. Cabe destacar, que segundo

relatos colhidos por agentes da CPT-MS, os camponeses já haviam

encaminhado um abaixo assinado ao Estado, entretanto em nada adiantou

esse fato para a redução e/ou até mesmo término desses conflitos.

Vale salientar, que o fator central desencadeador desses conflitos,

reside na relação paradoxal entre fazendeiros da região e a Fundação Nacional

do Indio- FUNAI, pois essa última exercia importante papel de arrendamento de

terras para esses grandes proprietários, o que logo depois, por meio de tal

relação, ficou comprovada a ampla grilagem de terras na região (Kudlavicz et al

,1990).

A debilidade do Estado em resolver os sérios problemas acerca desses

conflitos por terras, levou os camponeses a uma inversão política da luta pela

terra, assim se destacando organizações de luta pela terra como MST,

FETAGRI E CPT.

Após intensa pressão dessas organizações, no final de 1985, o governo

transferiu 373 famílias de posseiros para o assentamento Nioaque, mais

conhecido como colônia Conceição, antiga fazenda pertencente à Ferroviária

S/A, adquirida pelo INCRA.

Embora seja breve a descrição estabelecida da luta pela terra na região,

sobretudo elencando o papel desses dois assentamentos, cabe destacar que

esses, assim como outros assentamentos dos municípios vizinhos, possuem

52 Antes de essas famílias conquistarem essas terras, passaram um período na Vila São Pedroem Dourados-MS durante uma negociação com o governador Wilson Barbosa Martins.

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grande importância como pólos irradiadores da luta, portanto abrindo a “brecha

camponesa” para a entrada na terra.

4.2- Os Assentamentos Pesquisados como expressão de TerritóriosCamponeses.

Realizadas algumas considerações acerca do papel político, assim como

a abertura de um campo de possibilidades promovida por esses dois

assentamentos na região, cabe destacar as não menos importantes

conquistas, as quais culminaram na criação dos assentamentos, a saber;

Andalucia, Areias, Boa Esperança e Palmeira.

Assim como já problematizado acerca do conceito de campesinato a

partir da obra de Chayanov (1974), o que poderia se constituir como um dos

pilares da decadência dessa classe social, por meio da diferenciação

demográfica e com desequilíbrio do balanço trabalho-consumo, o crescimento

familiar nos lotes destes assentamentos primários, têm obrigado essas novas

gerações de filhos de camponeses, a rumarem à luta pelas terras nos

arredores desses projetos. Tal fato a partir dos dados do INCRA (2011), bem

como por meio dos dados coletados por intermédio de pesquisa de campo, se

constituem como importantes fontes no sentido de apreender essa dinâmica

estabelecida na região por esses laços parentais.

Por conseguinte, ao se realizar qualquer análise acerca dos

assentamentos contemplados na pesquisa, opta-se por não perder de vista

essa dinâmica territorial estabelecida por esses laços, conforme já relatado por

meio das fontes orais no inicio do debate (capítulo I).

O assentamento Andalucia (Apêndice-01), talvez se destaque como

maior expressão dessa lógica dos camponeses, estabelecida na região, uma

vez que na época da ocupação, havia uma relação de ajuda dos camponeses

já assentados na colônia Conceição, com camponeses que ocuparam a área

da Fazenda Andalucia53, de propriedade do Conde espanhol Rafael Garrely

Gutierrez. Segundo fontes de pesquisa de campo e da CPT, a primeira

ocupação foi realizada 28 de maio de 1993, com a participação de 602

53 Embora se relate sobre essa data, a área em questão já era considerada improdutiva desde1979, inclusive com um histórico de plantação de maconha.

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famílias, das quais em boa parte, faziam parte de outras Glebas da região,

motivadas pela possibilidade de adquirirem terras maiores, bem como pela

possibilidade de adquirir terras com melhores condições de fertilidade, haja

vista como no caso do Padroeira do Brasil, o qual tinha lotes de 5 hectares em

média.

Segundo dados da CPT/NERA acerca das ocupações de terras no

estado de Mato Grosso do Sul no período 1988-2007, somente na área que

compreendia as fazendas Andalúcia e Madalena, houve cerca de 6 ocupações

do período de meados de 1993 ao final de 1995.

Após anos de luta camponesa na região, no final do ano de 1996 foi

implantado o assentamento Andalucia, com um total de 166 famílias

beneficiárias em uma área de 4.815.1088 hectares.

Embora admitamos algumas características, as quais permeiam a

unidade econômica camponesa como pontos genéricos da relação dessas com

a sociedade em geral, há de se admitir ao mesmo passo, que o campesinato

também se faz a partir da idéia de adaptabilidade social, haja vista que essa se

constitui pela heterogeneidade de estratégias e do “reinventar social”. Nesse

sentido, ao focar os assentamentos como legítimos contra – espaços em

relação à lógica do capital, não se pode negligência a existência dessa descrita

diversidade como ponto fundamental da análise.

Poder-se-ia destacar que o assentamento Andalucia, se encontra nessa

teia heterogênea de estratégias, aqui não cabendo estabelecer o um pré-

julgamento com relação aos anseios emancipatórios contidos em cada

proposta, porém apreendê-los na condição contraditória que se impõe a partir

do movimento da sociedade, em uma lógica entre limites e perspectivas.

Apreendendo essa diversidade, que cabe destacar o importante papel

do Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado- CEPPEC, o qual

suscita a partir da ligação com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-

UFMS e a ONG ECOA, sediada em Campo Grande.

A iniciativa de criar um projeto centrado na biodiversidade do cerrado

como meio de geração de renda centrado no extrativismo, surge de forma

embrionária em 1997, resultado da relação entre a Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul – UFMS e assentados do projeto Andalúcia. Atualmente

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são 9 famílias que fazem parte da associação conhecida como CEPPEC, cujo

o principal vetor da geração de renda tem sido a tecelagem de algodão, lã com

tingimento natural e fibras vegetais na produção de bolsas, pastas, mantas,

cachecol e aproveitamento de sobras das atividades agrícolas (fibra de

bananeira, capim de arroz, palha de milho) para ornamentação de peças.

Praticam ainda a comercialização a castanha do cumbaru (Dipteryx alata),

conhecido no cerrado como Barú, a farinha de jatobá, o pequi (Caryocar

brasiliense) e a bocaiúva (Acrocomia aculeata). Outro ponto fundamental, que

o CEPPEC se constitui como pólo promotor de oficinas de culinária local e

artesanato, o qual busca atender diversos grupos em Mato Grosso do Sul,

portanto em uma constante perspectiva de troca de saberes, bem como uma

proposta diferenciada de desenvolvimento local, por meio das redes de

economia solidária.

No campo da troca de conhecimento e saberes, o CEPPEC tem

valorizado essa parceria com universidade (UFMS), pois, conforme informação

coletada em campo em entrevista com a diretoria do CEPPEC, essa relação

tem possibilitado um aprendizado mútuo, principalmente pela possibilidade que

o meio acadêmico oferece de pesquisa e divulgação dos projetos.

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Figura-08- Sequência de processamento do Cumbarú (Dipteryx alata)

Essa nova preocupação trazida a partir das formas de apropriação da

natureza, nesse caso o cerrado, teve um papel importante, pois ao lado do

papel político das lutas camponesas, se erguem novas perspectivas no sentido

de pensar o debate ambiental como componente dessa emergência da luta dos

camponeses.

Nesse sentido, a valorização dos saberes locais, emergem como

elemento de uma agricultura, antagônica ao projeto do agro(hidro)negócio, à

medida que se estabelece uma relação diferenciada com a natureza, conforme

problematizado com Toledo (1992).

Acerca da diferenciação dos distintos regimes de uso da terra e

sucessivamente apropriação da natureza, Porto-Gonçalves (2007), esclarece;

Essas populações camponesas, ao contrário dos monocultivos, vivemda sua criatividade cultural e da produtividade biológica primária quea natureza oferece – biomassa – fazendo uma agriculturadiversificada, ainda que, muitas vezes, sobrevivendo em condiçõespiores do que poderiam caso houvesse um conjunto de políticas que

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pusesse em diálogo a ciência convencional com essa ciência datradição, como chamam alguns pesquisadores. As áreas onde hojeestão as maiores disponibilidade de bens genéticos (germoplasma),ou seja, as áreas de maior diversidade biológica são áreas ocupadaspor populações camponesas e/ou por populações cultural eetnicamente diferenciadas, como os quilombolas e povos originários.Insistimos que a ideologia e o imaginário conformados em torno deuma presumida superioridade epistêmica, cultural e religiosa européiatende a deslegitimar essas populações tratando-as como inferiores ecomo estorvo ao seu progresso e ao seu desenvolvimento, assimcomo tratam a natureza como algo a ser dominado. (PORTO-GONÇALVES, 2007, p. 02).

Tal como elucida Porto-Gonçalves (2007), há todo um sistema cognitivo

constituído a partir dos processos cotidianos de apropriação social da natureza,

que permite dizer que há uma ligação direta na preservação dos recursos

naturais com esses saberes construídos por essas populações. Nesse sentido,

que o CEPPEC dentro dos limites e contradições que permeiam a própria

genealogia que se insere as ONGS no Brasil, sobretudo no período neoliberal,

vêm tornando possível pensar em um “outro cerrado”, para além dos grandes

celeiros de produtividade do agro(hidro)negócio.

Como elucidado, embora poder-se-ia apreender as contradições

embutidas na plasticidade do capital de agregar as diferenças, sobretudo no

período neoliberal, conforme discutido com as valiosas contribuições de

Escobar (1992), o CEPPEC se apresenta como um projeto estratégico de

desenvolvimento local, na medida que possibilita a manutenção da economia

doméstica camponesa com a conciliação de atividades de lavoura de auto-

consumo e de gado leiteiro, com extrativismo, turismo rural e o artesanato.

Outro ponto central, o qual tem chamado atenção nos assentamentos

rurais, diz respeito à permanência dos jovens nos assentamentos, pois por

inúmeros motivos, essa questão tem se colocado como um verdadeiro desafio

dos movimentos sociais, ou até mesmo para as políticas públicas. Por outro,

esse fronte tem se erguido como fundamental ponto de preocupação do

CEPPEC, conforme Sampaio (2007).O CEPPEC também foi implementado no assentamento Andalucia

como proposta para solucionar um dos problemas que é a evasão dajuventude do campo, porque na maioria dos assentamentos naregião estão ficando só os velhos nos assentamentos. A juventudenormalmente se sente envergonhada por dizer que são jovens rurais,jovens assentados. A falta de política de desenvolvimento, deintercâmbio de cultura pros assentamentos leva os jovens a sonhacom o mundo lá fora, com o que a mídia apresenta. E isto épreocupante, porque nós estamos pretendendo trabalhar na terra,

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nós conquistamos esta terra pra que ela amparasse nossos filhos enossos netos. Não no sentido deles terem que ficar a vida inteiracomo nós, trabalhando no cabo da enxada, assim como a Claricedisse que é a lógica passada pra os agricultores. Mas que elesestudem, que eles valorizem o espaço onde vivem, que reconheçamque esse espaço tem valor e que eles desenvolvam ali atividadesque possam acomodá-los e que possa trazer um sentimento de bemestar no lugar onde eles vivem. São cursos de capacitação peloCEPPEC que o assentamento trouxe para os condutores devisitantes no assentamento [turismo rural] visando despertar, então,a atenção da juventude para as belezas que existe na fauna, nafauna, e isso teve um resultado positivo, fez com que vários jovenshoje tenham prazer, tenham satisfação, tenham orgulho de dizer queeles são assentados. (SAMPAIO apud ALMEIDA, 2008a, p.306-307).

A fala da presidente do CEPPEC não parte de um “ecologismo

simplista”, mas sim, de uma relação de pertencimento do/ao bioma cerrado, o

qual é inerente à própria (re)criação cotidiana e agregadora que a luta na terra

camponesa exige. Nesse sentido, que esse ecologismo fomentado pelos

pobres da terra, como expressa Alier (2011), se torna parte de uma

problemática social maior, à medida que o ambiental em si, não se explica sem

as contradições e mazelas inerentes à sociedade enquanto totalidade histórico-

espacial. O agrário, não se constitui mais somente uno, mas sim pelo binômio

agrário-ambiental, haja vista na atualidade, a cada vez maior disputa pelos

recursos naturais54. Nesse rumo, que o território em sua multidimensionalidade

se destaca, apontando a possibilidade de uma leitura contemplativa acerca de

dois regimes distintos de apropriação da natureza.

Acerca dos territórios enquanto conceito central explicativo, que Mazzeto

Silva (2006), realiza a distinção entre cerrado-habitat e cerrado-mercadoria,

como formas distintas entre a agricultura camponesa que se reproduz nos

varadouros do Brasil central e dessa agricultura capitalista, instituída nesse

importante bioma brasileiro a partir da década de 1960.

Diante da heterogeneidade de estratégias, que cabe salientar outra

interessante iniciativa no assentamento Andalúcia, na qual ganha destaque o

papel da mulher no processo de resistência cotidiana de luta na terra. Nesse

sentido, o grupo formado por mulheres do MST, intitulado NINA emerge com

uma proposta de se pensar outras vias para o desenvolvimento em áreas do

54 Em uma gama considerável de entrevistas abertas, foi possível verificar nas falas o carátersócio-ambiental dessas terras na época de fazenda, uma vez que segundo as fontes, serealizava um desmatamento em grande escala em função da atividade de formação de pastos.

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cerrado, a partir das práticas de extrativismo de frutos do cerrado, bem como o

processamento destes, assim garantindo agregação de valor a esses produtos

como na fabricação de licores, além da produção de mudas nativas da região

para comercialização.

Figura 09- Exposição de mudas nativas do grupo de mulheres-NINA/MSTFonte: Soares, 2011.

Outro ponto, talvez que diferencie o grupo NINA-MST na relação

produtiva, diz respeito à preocupação da inserção da mulher na família e o seu

papel político, assim como na luta pela terra, uma vez que questões mais

amplas ligadas à questão de gênero e relações de poder na configuração

familiar se apresentam como fundamentais pautas políticas fomentadas por

esse grupo de mulheres camponesas do MST.

Essa mudança das relações de poder ligadas à questão de gênero,

assim como uma maior simetria desta, pode ser exemplificada na fala de V.L.

Uma das coisas mais importantes que eu percebo aqui, é a questãoda... de levar o conhecimento , a segurança para as mulheres quenós não precisamos depender de ficar só dentro de casa, lavandoroupa, cozinhando e muitas indo só pra roça né... Nós temosespaços, nós podemos continuar nossos estudos, eh... além da genteter isso é lógico, todas as mulheres que fazem parte da organização,tem que se valorizar, não se valorizar nessa questão de “ sou macho”não! Não é isso! Continuamos sendo fêmeas né, sendo mulher,

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sendo mãe, sendo trabalhadora rural, mas com qualidade, nãoquerendo dizer que nós não tínhamos qualidade ... ela está maisvisível, mais transparente e também essa questão de nós sermosrespeitadas, porque nós não tínhamos , várias mulheres não têmessa clareza assim, por fazer isto elas vão ser tratadas como “ umaqualquer”, nós melhoramos nosso tratamento, relacionado àvalorização da mulher dentro do MST. Nós não buscamos mulheressó do MST, buscamos mulheres do assentamento Andalúcia, porqueassim...a opressão aqui, são submissas e agente tá trabalhandonessa questão da violência e agente ta melhorando..avançar .. eh.. asmulheres tão perdendo o medo, porque elas tinham medo dedenunciar, pois através de nossa discussão elas conseguem perderesse medo.(Assentada no assentamento Andalúcia).

Embora haja uma preocupação de cunho econômico na fala transcrita,

por outro lado o ponto marcante dessa proposta, reside também no

empoderamento das mulheres diante da face opressora do capital, assim como

das relações hierárquicas instituídas no âmbito familiar.

O assentamento Boa Esperança (Apêndice-02), também nasce dessa

pujança da luta camponesa na região, pois como relatado por meio de fontes

orais, os assentamentos primários, como no casos da colônia Conceição e o

assentamento Padroeira do Brasil e até mesmo o assentamento Andalúcia, têm

se destacado como importantes pólos irradiadores da luta, o que credencia o

P.A Boa Esperança como resultado concreto dessas lutas na região estudada.

O mesmo se caracteriza com grande presença de filhos de camponeses

já assentados em glebas mais antigas como no Monjolinho e São Manoel,

ambos no município de Anastácio-MS, assim como nos outros dois

assentamentos mais antigos de Nioaque, nos quais a luta se fez na região

como uma estratégia de pressão sobre o Estado, com forte apoio dos

assentamentos vizinhos.

Segundo dados do INCRA (2010), a implantação do P.A Boa Esperança

em dezembro de 1998, por meio da desapropriação das fazendas Santa Marta,

Santa Mônica e Boa Esperança, passou a beneficiar 126 famílias, em uma área

de 3.945,5065 hectares.

Na atualidade, por meio da formação de associações, a atividade mais

exercida nesse assentamento é a pecuária leiteira, se destacando como ponto

central na aquisição de renda no lote. Embora não encontrado entre os

entrevistados, nenhuma outra atividade especial como o extrativismo, em

alguns casos, os assentados mantêm uma relação com o CEPPEC, por

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intermédio da venda do barú para essa associação, o que por outro lado não

se estabelece com regularidade durante os anos, assim ocorrendo apenas em

alguns períodos.

Como já dito, embora não se estabeleça com regularidade essa relação,

não se pode negligenciar que tal fato, adquire grande importância na gama de

estratégias de reprodução camponesa, à medida que se avança na construção

de uma rede local a partir das atividades do CEPPEC no assentamento vizinho,

Andalúcia.

Como resultado da pressão dos movimentos sociais de luta pela terra na

região, que no ano de 1998, foi implantado o P.A Palmeiras pelo INCRA.

Dentro da pesquisa, o assentamento em questão possui uma característica

peculiar quando comparado aos outros três assentamentos, pois sua

localização se encontra aos arredores da rodovia MS-060, se configurando o

único assentamento dessa área. Embora haja essa distância dessa

concentração de assentamentos da região entre Anastácio (MS-419), não se

pode negar as ramificações da luta pela terra contida no assentamento em

questão, pois com a realização das saídas à campo, foi possível verificar a

existência entre os entrevistados, aqueles que já haviam participado de lutas

anteriores, como no processo de ocupação das Fazendas Andalúcia e

Madalena, atual assentamento Andalucia.

Cabe salientar, que segundo dados da CPT/NERA, do período de

13/12/1994 a 04/11/1995, houve a ocorrência de 5 ocupações na antiga

fazenda Palmeira, das quais 350 famílias tiveram participação.

Como resultados da territorialização da luta camponesa, na região foram

assentadas 112 famílias em uma área de 4.172,7154 hectares.

Com relação às atividades exercidas nos lotes, foi possível verificar que

na grande maioria desses, a pecuária leiteira se destaca como principal

atividade geradora de renda, bem como o plantio para o auto-consumo,

embora em um número menor encontrou-se a produção de hortaliças para

comercialização nas cidades de Nioaque, Jardim e Bonito, bem como uma

nova proposta de aproveitamento de fibras da folha de bananeira para a

confecção de artigos de artesanato como chapéus, bolsas e peças artesanais,

o que se denota como importante estratégia de recriação camponesa, à

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medida que permite a agregação de valor na produção. Ao mesmo passo da

perspectiva da agregação de valor, foi possível encontrar também, a fabricação

caseira de doces, conservas e compotas.

Figura 10- Mosaico de atividades exercidas no assentamento Palmeira.Fonte: Soares, 2011.

Buscando apreender a diversidade espaço-temporal dos assentamentos

pesquisados, que o assentamento Areias se destaca como importante campo

de pesquisa, devido à sua recente implantação em Nioaque no ano de 2007.

Com um processo de luta parecido com os assentamentos Andalúcia e

Boa Esperança, encontra-se famílias, as quais em sua grande parte já havia

participado de ocupações na região conforme já explicitado (capítulo 01) ou até

mesmo como forma de recriação camponesa, devido ao desequilíbrio do

balanço trabalho-consumo, conforme problematiza Chayanov (1976), a partir

do crescimento familiar, as novas gerações de camponeses foram obrigadas a

lutar por novas terras na região. Destarte, em entrevistas de campo, torna-se

possível apreender que um expressivo número de assentados, tem suas

origens nos assentamentos vizinhos no município de Nioaque, ou até mesmo

em municípios nos arredores.

Acerca do processo de luta pela terra no assentamento Areias, a

camponesa55 esclarece;

55 Entrevista realizada em 26/07/2011.

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Eu sou de Anastácio e vim para o acampamento aqui, era diamantina, viemos de Anastácio, lutamos, lutamos pra ver se conseguia terrané e isso é até onde nós chegamos, ficamos 12 anos acampados,entrei nesse e nesse fiquei até o final, ai agora saiu que nós somosassentados. Hoje valeu a pena, lutando com dificuldade, mas vamosindo (I.G, assentada do P.A Areias- Nioaque-MS).

Além de I.G enfatizar o árduo período de luta pela terra por 12 anos no

acampamento Diamantino, por outro lado demonstra que essa luta não cessa

com a conquista do lote uma vez que, embora os dados do INCRA (2010)

atestem a implantação do assentamento em 2007, não se pode considerar no

mesmo passo, que o mesmo possui as infraestruturas necessárias para

alocação das atividades dos camponeses. Nesse sentido, em muitos casos foi

possível constatar por intermédio das visitas ao lote, que as casas ainda não

possuem instalações de rede elétrica, além de condições precárias de moradia.

Ainda segundo relatos dos entrevistados, somente até o momento da

pesquisa, foi concedido por parte do Estado, apenas um fundo inicial para a

construção do sistema hidráulico do assentamento, o qual possui valor

aproximado de R$2700,00 para cada lote.

Cabe destacar ainda, que devido ao não termino da construção do

Programa de Desenvolvimento de Assentamentos- PDA, as famílias ficaram

impossibilitadas até o momento de acessarem fomentos oriundos de políticas

públicas como Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-

PRONAF, bem como empréstimos para melhoria dos lotes como custeio do

Banco do Brasil para melhora do plantel de gado bovino, ou para qualquer

outra atividade desenvolvida no assentamento.

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Figura 11 Infraestrutura do assentamento Areia-NioaqueFonte: Soares, 2011.

Essa descrita morosidade da atuação das políticas públicas mesmo em

áreas “priorizadas” pela criação de territórios rurais como forma de

ordenamento sócio-espacial, em grande medida está relacionada aos

processos de estagnação que atualmente passa o INCRA, haja vista que

desde agosto de 2010 a superintendência regional do órgão em Mato Grosso

do Sul se encontra sob intervenção federal, por conta de denúncias de

corrupção.

4.2.1- Formas de Uso da terra e trabalho nos Assentamentos de Nioaque

Embora o assentamento Areias, ainda se encontre com problemas

estruturais, resultado da descrita morosidade por parte do Estado, por

intermédio da CPT com o estabelecimento de um convênio com a

PETROBRÁS, formaram-se grupos de camponeses, os quais podem variar de

3 a 5 famílias. Nesse sentido, em um sistema rotacional de lotes, se pretende

cultivar para cada grupo uma área de 3000m² de cana-de-açúcar, na

perspectiva de formação de uma indústria doméstica para a fabricação de

derivados da cana, como; rapaduras, melaços e doces.

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155

Pensando no debate recente acerca da soberania alimentar fomentado

pelos vários setores da sociedade, cabe destacar a relevância da produção de

alimentos no município pesquisado conforme indica o gráfico-09.

Gráfico 09- Produção de feijão e mandioca (ha)-1990-2010.Fonte: Censo Agropecuário-IBGE-2011.

Mesmo quando apenas possuia 3 assentamentos até o ano de 1992, no

município de Nioaque, se destinava uma área total de 1000 hectares para o

cultivo do feijão, com uma média de 1,4 hectares por família nos

assentamentos implementados até o momento descrito. Em 1994 com os

mesmos 3 assentamentos no município se manteve a média de áreas

destinadas ao cultivo do feijão com um total de 1000 hectares.

Segundo apontam os dados do censo agropecuário do IBGE, em 2000 o

município de Nioaque dobrou sua produção com destinação de 2000 hectares

para o cultivo dessa importante leguminosa. Diante de tal evidenciamento,

cabe destacar que até esse ano, o munícipio ao mesmo passo da multiplicação

de terras destinadas para este tipo de cultivo, o número de assentamentos

dobrou com 6 projetos implementados até o final de 2000 com uma média de

1,7 hectares por lote/família para o feijão.

Outro número que chama a atenção, diz respeito à queda da quantidade

de terras destinadas para o plantio de feijão do ano de 2000 a 2002, uma vez

que o número de assentamentos aumentou. Nesse sentido, no descrito

período, o munícipio teve uma queda de 80% na quantidade de terras

destinadas ao feijão, situação que pode ser explicada por impactos de cunho

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climático, como chuvas e períodos de estiagem, bem como a falta de políticas

de isentivos e de garantia de preço mínimo para a produção de alimentos,

assim desestimulando uma produção que possa se converter como fonte de

renda mononetária para estes camponeses. Nesse rumo, vale relatar que

nesse período, o município destinou uma média de 0,4 hectares por lote para

esse cultivo.

No período de 2002 a 2004, houve um aumento de 900 hectares

destinados para o cultivo do feijão, com a permanência de 6 assentamentos e

uma média de 0,8 hectares por lote/família.

No período de 2004 a 2008, segundo dados do IBGE, no município

houve uma queda para 400 hectares na somatória de terras destinadas para o

feijão, com uma média de 0,3 hectares destinados, o que configura como o

período de menor produtividade desde 1990, mesmo com o aumento no

número de assentamentos. Por outro lado, no período dos últimos dois anos, o

número de terras para o feijão dobrou para 850 hectares, o que pode denotar

como resultado das políticas públicas de aquisição de alimentos da “ agricultura

familiar”, embora nada comparado ao período de 1998 a 2000.

Nesse rumo friza-se, que a média de área família/lote destinada para

esse cultivo foi de 0,6 hectares no município do referido estudo.

No caso da mandioca, conforme indica os dados do IBGE por meio do

gráfico 09, mantém uma linha contínua, com leves alterações entre 90 e 200

hectares no período de 1990 a 2010. Cabe destacar, semelhante ao cultivo do

feijão, a mandioca na lógica unidade econômica camponesa se destaca tanto

como produto para o autoconsumo, ou até mesmo para a constituição da renda

monetária, embora diferentemente do feijão, conforme apresenta o gráfico 09,

seu cultivo independe das flutuações do mercado.

Nesse sentido, segundo dados coletados por meio de entrevistas em

campo, atestam que nos 4 assentamentos pesquisados, a mandioca assume

importante papel na alimentação dos camponeses. No assentamento

Andalúcia, na safra compreendida entre 2010-2011, 86% dos entrevistados

declararam ter cultivado a mandioca, contra 14% que não plantaram nesse

período. Dentre esses que declararam o cultivo dessa espécie, se apresenta

uma média de área de 0,6 hectares destinados por lote/família.

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Embora haja problemas estruturais no assentamento Areia conforme já

descrito, 95% dos entrevistados declararam ter produzido mandioca nesse ano

agrícola, ao passo que apenas 5% não produziram. A média encontrada de

área destinada para este cultivo foi de 0,5 hectares.

Gráfico 10-Plantio de mandioca nos assentamentos de Nioaque- (safra-2010-2011)

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

No Boa Esperança se mantém essa supramacia, pois segundo dados

coletados em campo, 82% dos assentados apontaram ter produzido, contra

18% dos quais não produziram. Dos que produziram, se estabeleceu uma

média de 0,5 hectares por lote.

No assentamento Palmeira como em outros projetos do município de

Nioaque, a maior parte dos entrevistados com 91% declararam ter realizado o

plantio de mandioca. Por outro lado, um número menor de 9% declararam não

ter realizado o plantio no último ano agrícola. Com relação à áreas destinadas

ao plantio da mandioca, o assentamento Palmeira se destaca com uma média

de 0,8 hectares.

A mandioca, conforme lembra Garcia Jr.(1975), se configura como um

alimento que possui alternatividade, ou seja, tanto serve para alimentação da

família, quanto para a alimentação dos animais, autoconsumo e venda. O

mesmo acontece na transformação dos produtos, pois se pode com ela fazer

farinha e polvilho, portanto, agregar valor. Ou então, pode-se deixar na terra

por um considerável tempo, sem que isso prejudique a qualidade do vegetal.

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Cabe ressaltar que em tempos de transgenia, e conseqüente monopólio de

sementes por parte das grandes empresas, a mandioca guarda uma

característica interessante para a reprodução camponesa, pois para planta-lá

só se necessita da rama.

Gráfico 11- Plantio de feijão nos assentamentos de Nioaque- (safra-2010-2011)

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Conforme já indicado por meio dos dados do Censo agropecuário-IBGE,

o feijão se destaca tanto como um produto destinado ao autoconsumo, o qual

por outro lado oferece a possibilidade de venda para geração de renda

monetária, destarte se destacando como um produto de elevada importância

no roçado camponês.

Nesse sentido, com exceção do assentamento Boa Esperança, em

todos os demais, essa importante leguminosa do regime alimentar brasileiro se

apresenta de forma majoritária na região.

Segundo dados de campo, dentre os entrevistados do assentamento

Andalucia, 76% desses declararam ter realizado o plantio de feijão, por outro

lado, 24% declararam não ter realizado esse plantio no ano agrícola 2010-

2011. Com relação à média de área plantada de feijão, o assentamento

Andalúcia se destaca pela superioridade numérica quando comparado aos

outros assentamentos, uma vez que a média de terras destinadas para essa

cultura foi de 2,3 hectares.

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Apesar das limitações estruturais do assentamento Areia, dentre os

entrevistados, um expressivo percentual de 84% desses declararam ter

realizado o plantio de feijão. Do outro lado, 16% dos entrevistados declararam

não ter plantado. Cabe relatar, que até o momento muitos lotes do

assentamento Areia, se encontram ainda em fase inicial de limpeza do terreno,

logo tais informações podem ajudar a explicar o percentual dos entrevistados,

os quais não produziram o feijão no último ano agrícola 2010-2011. Dos lotes

que produziram, a média encontrada foi de 1,1 hectares por família/lote.

Com relação ao papel da produção de alimentos no roçado camponês,

bem como o debate sobre soberania alimentar, o assentamento Boa

Esperança foi o projeto pesquisado que mais se mostrou preocupante, à

medida que 50% dos entrevistados declararam ter plantado o feijão na última

safra, contra 50% dos que na plantaram. Embora haja equilíbrio entre os dois

grupos, a expressividade percentual daqueles que não plantaram, se mostra

preocupante, haja vista que motivos como; trabalho em usinas de álcool no

município de Maracajú, falta de incentivos de políticas públicas para

plantio/produção de alimentos, bem como a insuficiência de garantia preços

mínimos, podem apontar os descaminhos, os quais enfrentam esses

camponeses. No grupo daqueles que plantaram, foi possível apreender acerca

de uma área média de 1,5 hectares por família/lote.

Assim como maior parte dos projetos entrevistados, no assentamento

Palmeira, majoritariamente 68% dos entrevistados declararam ter plantado

feijão na última safra. Por outro lado, 32% do total de entrevistados, declararam

não ter realizado o plantio dessa leguminosa. Embora, o número daqueles, os

quais declararam ter realizado o plantio, vale ressaltar que os 32% no outro

extremo, denota uma situação preocupante, sobretudo no que diz respeito à

segurança alimentar desses grupos. Nesse assentamento, foi possível verificar

uma média de terras destinadas para esse plantio de 0,8 hectares por

família/lote, o que mostra uma confluência com os dados na escala municipal

apresentados por intermédio do gráfico-09.

De um modo geral, poder-se-ia apontar que os arrendamentos de

pastos, bem como problemas climáticos na região ocorridos nos últimos anos,

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têm contribuído em certa medida para essa queda na produção de feijão dos

assentamentos.

Com relação ao cultivo de milho, importante grão tanto para a nutrição

humana como na dieta animal, ao contrário dos outros tipos de culturas como a

mandioca e o feijão, em alguns assentamentos têm se apresentado em pleno

declínio, conforme já apontado por meio do gráfico -08. Nesse sentido, dados

específicos no que diz respeito aos projetos pesquisados em campo, denotam

essa tendência, conforme o gráfico-12.

Gráfico 12- Plantio de milho nos assentamentos de Nioaque- (safra-2010-2011)

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

No assentamento Andalúcia, do total de entrevistados, 62% declarou ter

realizado o plantio do milho. Por outro lado, 38% dos entrevistados declararam

não ter realizado o plantio. Embora haja a supremacia numérica daqueles que

plantaram na última safra, ainda sim o percentual dos camponeses que não

plantaram, se apresenta com relativa expressividade, haja vista o papel do

milho nos diversos processos da produção camponesa. Com relação à área

plantada, foi possível apreender uma média de 1,5 hectares por família/lote.

No P.A Areia, 84% dos entrevistados declararam ter realizado o plantio

do milho no ano agrícola 2010-2011, do outro lado em menor número, 16% dos

entrevistados declararam não ter realizado o plantio no descrito período.

Embora se configure como um assentamento implantado recentemente, o

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Areia se destaca pelo maior número dentre os assentamentos pesquisados, de

camponeses, os quais destinaram terras para plantio do milho. Nesse sentido,

vale salientar que foi destinada uma média de 2,1 hectares por família/lote.

Portanto, além do percentual daqueles que destinaram terras para o plantio, a

média se destaca quando comparadas com os outros assentamentos da

pesquisa.

Com características próximas do assentamento Andalúcia, no Boa

Esperança, entre os entrevistados, 66% declarou ter realizado o cultivo o milho,

bem como um percentual de 34% destes declararam não ter realizado o cultivo

desse grão. Embora a maior parte dos entrevistados declarar positivamente

acerca do plantio na última safra, os 34% dos quais não plantaram, assim

como no assentamento Andalúcia, aponta para uma problemática que

acompanha a queda da produção descrita no gráfico-08 por meio dos dados do

IBGE. A média de terras destinada a esse cultivo foi de 1,4 hectares.

Com um equilíbrio maior quando comparado aos outros assentamentos,

no Palmeira, do total de camponeses entrevistados, 56% declarou ter efetivado

o plantio do milho no descrito ano agrícola. Por outro lado, 44% destes,

declararam não ter realizado o plantio. Entre aqueles que realizaram o plantio

do grão, foi possível verificar uma média de 0,7 hectares por família/lote.

Conformidade.

Segundo dados do IBGE (2010), o município de Nioaque possui uma

média de área plantada de milho de 1,1 hectares lote/família. Nesse sentido, os

dados apresentados, sobretudo no assentamento Palmeira, em conformidade

com os dados gerais do município apresentados no gráfico-08, denotam uma

contínua queda na destinação das terras para o cultivo desse importante grão

na produção camponesa.

Numa perspectiva complementar aos dados numéricos, por meio de

relatos e fontes orais, foi possível verificar que os principais limites indicados

pelos camponeses, vão desde os altos preços das sementes, ou até mesmo

como ocorre em outras regiões de Mato Grosso do Sul, com os ataques de

pássaros no roçado, resultado da constante expansão da silvicultura em áreas

do cerrado na região.

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162

Com relação ao plantel encontrado em Mato Grosso do Sul, cabe

destaca os dados do IBGE (2010) no gráfico-13, pois por meio destes, torna-se

possível apreender os impactos do processo de (re) criação camponesa

conforme esclarece Almeida (2006), bem como a função social imprimida por

essa classe/modo de vida no grafar cotidiano da terra no estado de Mato

Grosso do Sul.

Nesse sentido, a opção de enveredar a análise por meio destes dados,

oferta a possibilidade de apreensão do papel da terra no Brasil e sua função

social nos distintos modos de uso.

Gráfico-13- Plantel de Mato Grosso do Sul- 1975-2006.Fonte: Censo Agropecuário-IBGE-2011.

Embora haja ocilações no que diz respeito ao plantel de Mato Grosso do

Sul, de modo geral houve crescimento no número de animais em distintas

espécies. Entretanto, o que mais chama atenção em consonancia com esse

crescimento apontado, é a criação de aves, importante componente da dieta

alimentar, fato relevante, uma vez que aponta para a importancia do

campesinato na produção de alimentos. Cabe salientar, que a criação de

animais de pequeno porte, como aves e suínos, está ligada diretamente com o

acesso do campesinato à terra, assim estando relacionada à lógica da unidade

econômica camponesa.

No caso das aves, no período de 1975-90 houve crescimento apenas de

9% em relação ao ano base de 1975. Na mesma proporção, no período de

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1980-85, houve um aumento de apenas 7% desse tipo de animal. Por lado, a

partir do ano 1985, começou haver um aumento exponencial na criação de

aves, logo no período de 1985-95, o crescimento foi de 291%, acompanhando

o crescimento na quantidade de assentamentos implementados até o momento

no Estado. Da mesma forma, esse tipo de criação, no período posterior de

1995-2006 obteve um crescimento de 256%.

Quando se analisa os dados sem distribuição de intervalos,

considerando apenas os valores iniciais do censo agropecuário de 1975 e

últimos valores de 2006, pode-se afirmar que o crescimento da criação desse

tipo de plantel foi de 1258% em Mato Grosso do Sul.

Cabe destacar, que embora afirmemos que esse tipo de criação esteja

ligada à lógica da pequena produção camponesa, por outro lado não se pode

afirma que a mesma esteja fora do circuito do capital. Nesse sentido, por meio

da chamada integração com mercado, que o campesinato passa a ter sua

renda subordinada ao capital, por meio daquilo que Oliveira (2007) classifica

como monopolização do território, onde não há a necessidade de uma

territorialização plena do capital para que haja a exploração da renda e/ou de

mais-valia alheia conforme já explanado.

Nos assentamentos pesquisados, encontrou-se uma média geral de 32

cabeças de aves por família/lote.

Outro tipo de criação que se destaca com o aumento conforme

demonstra os dados do IBGE, é a do suíno, pois esse tipo de plantel, teve um

aumento geral do período de 1975 a 2006 de 82%. Vale salientar, que a

criação de porcos na unidade economica camponesa possui fundamental

importancia, à medida que deste animal torna-se possível a extração de vários

subprodutos como a carne e banha, sendo essa última passível de

transformação, conforme ocorre na fabricação do sabão caseiro.

No período compreendido de 1975-80, a criação do suíno teve uma

diminuição de 16%, por outro lado no período posterior de 1980-85, essa forma

de pecuária teve um singelo aumento de 1%. No período compreendido entre

1985-95, assim como na criação de aves, teve um considerável aumento de

27% de cabeças de suínos. No último período de 1995-2006, no Estado houve

um aumento de 41% das cabeças de suínos. Assim como no caso das aves, o

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aumento das cabeças de suínos, sobretudo aquele compreendido a partir de

1985, possui uma ligação direta com os processos de territorialização

camponesa no campo-sul-matogrossense. Destaca-se ainda que foi possível

encontrar uma média de 5 animais suínos por família/lote nos assentamentos

pesquisados, assim demonstrando a importancia dessa criação para a unidade

camponesa familiar.

No caso dos bovinos, torna-se fundamental destacar o papel desse tipo

de atividade, haja vista que essa por vezes exerceu o papel muito mais

direcionado para esconder/justificar os altos indices de concentração de terra

no Estado, do que necessariamente o cumprimento do papel social da terra.

Portanto, o gado bovino em Mato Grosso do Sul, se destaca muito mais como

mecanismo de sujeição da renda e possibilidade de pilhagem da mais-valia

social e todas benesses que gozam os agronegociantes do setor da pecuária

de corte.

Nessa mirada, que para a apreensão desse tipo de atividade, torna-se

necessário compreender o movimento de usos da terra em Mato Grosso do Sul

que se opera até o presente momento. Por outro lado, embora a pecuária

esteja ligada historicamente ao estabelecimento da grande propriedade no

estado, cabe salientar, que sobretudo o aumento nesse plantel no período de

1995 a 2006, se deve também à consolidação da propriedade camponesa

operada nas duas últimas décadas.

Outra questão fundamental, a qual não se pode negligenciar, está

acerca das formas de pecuária exercida, uma vez que na lógica camponesa, se

destaca a pecuária leiteira, na qual se torna possível a extração e fabricação de

subprodutos do leite e posterior agregação de valor.

No período compreendido entre 1975-80, esse tipo de criação teve um

aumento relativo de 34%, como resultado de incentivos e políticas públicas

operados na época com a formações dos “bolsões” de pecuária. Na mesma

tendência, no período de 1980-85 houve um aumento de 26% no número de

animais. No período de 1985-95, se opera um maior crescimento que o período

anterior, de 31%. Somente no período de 1995-06, ocorreu uma situação

atípica, pois esse tipo de atividade sofreu um descréscimo de 12%.

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165

O descréscimo na criação de gado bovino em Mato Grosso do Sul,

Estado considerado um dos maiores criadores de gado bovino do país, pode

ser explicado pela lógica operadas sobretudo em áreas de expansão da soja e

com maior impacto, com a expansão do plantio de eucalipto na região leste do

estado. Nesse sentido, terras que outrora eram utilizadas para a pecuária

extensiva, atualmente estão perdendo espaço para atividades altamente

capitalizadas conforme descrito.

Com relação ao período de 1975-2006, quando se analisa sem

considerar as oscilações ocorridas nos períodos intermediários, pode-se

verificar que o estado de Mato Grosso do Sul teve um acréscimo de 96% de

cabeças de gado bovino. Embora a pecuária do estado seja rigorosamente

uma atividade capitalizada, o processo de (re) criação camponesa no estado

tem permitido também o aumento no plantel, o qual pode ser sinalizado pelo

aumento da produção leiteira, atividade inerente aos pequenos proprietários de

terras conforme demonstram os dados coletados em campo do gráfico-14.

Gráfico 14- Produção de Leite nos assentamentos de Nioaque-2011Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Diante de tal afirmação do papel da pecuária leitera no trabalho

camponês, vale salientar que segundo dados do IBGE (2006), no descrito ano,

do total de 794 estabelecimentos caracterizados pela atividade leiteira no

município de Nioaque, 79% se encontravam dentro da classificação de grupo

de área até menos 100 hectares, caracterizados notadamente pela posse

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camponesa. No outro extremo, somente 21% dos estabelecimentos eram

caracterizados pelo grupo de área de 100 a mais de 500 hectares.

A pecuária leiteira em Nioaque-MS, bem como em outros municípios

com presença de assentamentos do Estado, possui grande importância para

geração de renda monetária para os camponeses. Em grande parte destes, o

leite é entregue à laticínios da região, dessa forma se configurando a forma

mais comum de sujeição/subordinação da renda camponesa. Por outro lado,

em alguns caso foi possível encontrar famílias que possuem a prática de

fabricação de queijos, doces e compotas para a agregação de valor, ao passo

que defende a renda do lote.

No assentamento Andalúcia, com expressiva participação, 66% dos

entrevistados declararam produzir leite em seu lote, por outo lado um número

menor, porém não menos expressivo de 44% declarou não produzir leite no

seu lote. Esse último número pode ser explicado em parte pela alta faixa etaria

dos camponeses, questão ligada à penosidade do trabalho, bem como pela

opção de realização de outras atividades ou arrendamento de pastos. Dentre

aqueles que declararam produzir o leite, no assentamento Andalúcia foi

possível encontrar uma média de produção de 21 litros/dia e um plantel médio

de 35 cabeças por família/lote.

Assim como o assentamento vizinho, no Boa Esperança, do total de

entrevistados, 74% declarou produzir leite no lote, contra 26% daqueles que

declararam não produzir.

Dentre aqueles que declararam produzir o leite, encontrou-se uma média

de 24 litro/dia e o plantel bovino de 24 cabeças.

Como atividade principal, a criação de bovinos ganha destaque no

assentamento Palmeira, uma vez que dentre o total de entrevistados, um

número majoritário de 97% declarou produzir leite no lote. Por outro lado,

apenas 3% declarou produzir o leite.

Com uma média próxima dos outros assentamentos participantes da

pesquisa, no P.A Palmeira foi possível encontrar uma média de produção de 26

litros/dia, com um plantel bovino de 22 cabeças por família/lote.

Ao contrário dos outros assentamentos, no projeto Areia devido aos

problemas estruturais conforme já elencado, apenas 5% dos entrevistados

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declararam produzir leite, contra 95% daqueles que não produziram. Dentre

aqueles que têm a produção de leite no lote, encontrou-se uma média

11litros/dia, com um plantel bovino de 8 cabeças por família/lote.

Figura 12- Resfriador de leite no assentamento Andalúcia.Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Vale salientar, que a maior parte da produção de leite, segundo

depoimentos dos camponeses entrevistados, é destinada para laticínios da

região. Por outro lado, devido aos problemas de limitação dos canais de

comercialização, bem como condições estruturais do assentamento, emergem

como fatores negativos, face à possibilidade de agregação de valor, por meio

da fabricação de queijos e/ou outros subprodutos. Contudo foi possível verificar

em poucos casos esporádicos, a prática de agregação de valor, bem como a

concretização da venda direta desses produtos como forma complementar da

renda do lote.

Em alguns casos, como no assentamento Andalucia, a proposta do

CEPPEC, tem demonstrado a viabilidade social-econômica dessa prática, à

medida que por intermédio da prática do extrativismo de recursos do cerrado,

bem como sua transformação, tem trazido considerável melhoria na qualidade

de vida para as famílias participantes do projeto. Por outro lado, assim como

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ocorre nas inúmeras propostas de desenvolvimento rural local, as vias de

comercialização desses produtos, se apresentam ainda incipientes.

O exemplo de que esse campesinato está pautado no processo de

adaptabilidade social, portanto não preso estritamente nas atividades ligadas

ao lote, pode ser verificado por meio do gráfico 15.

Gráfico 15- Geração de renda externa nos assentamentos de Nioaque-2011.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

A contento do debate estabelecido a partir dessa ambiguidade do

campesinato, como condição fundamental para sua reprodução como tal

(Woortman, 1990), grande parcela dos entrevistados dos assentamentos de

Nioaque, declararm receber algum tipo de renda externa ao lote.

No assentamento Andalucia, um dos mais antigos do grupo pesquisado,

92% dos entrevistados declararam possuir renda externa ao lote. Por outro

lado, apenas 8% do total de entrevistados, declararam não alferir nenhum tipo

de renda externa ao lote. Cabe destacar, que com relação ao assentamento

Andalucia, esse elevado número expresso na renda externa, caracteriza-se

sobretudo, por camponeses aposentados, portanto de beneficiários da

previdencia social, o que pode ser apontado por meio das faixas etárias dos

entrevistados, dentre os quais, um percentual considerável de 38%, se

encontram na categoria de 54 anos até acima de 72 anos. Por outro lado, em

maior grau, 62% dos entrevistados se encontram na faixa etária de 18 a 53

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anos, entendido aqui como o periodo de maior desenvolvimento do potencial

produtivo do trabalho.

Por outro lado, a renda obtida por meio de programas assistenciais do

Estado, como programa bolsa família do governo federal, se apresenta em

parcela significativa no assentamento em questão, fato que pode ser

evidenciado pela quantidade jovens em idade escolar, sobre os quais, 51% dos

entrevistados, declararam ter filho na faixa etária até 17 anos. Em menor

proporção foi possível encontrar entre os entrevistados, aqueles que obtêm

renda externa por intermédio do trabalho por diária e/ou a chamada empreitada

em fazendas de gado nos arredores. Outra informação coletada por meio de

informações dos assentados, que cada vez mais, um número considerável de

camponeses, buscam trabalho em usina sucroalcooleira, no município de

Maracajú, como forma de obtenção de renda para sustenção do lote.

No Areia, um percentual considerável de 89% dos entrevistados

declararam possuir renda externa ao lote. Por outro lado, apenas 11% destes,

declararam viver exclusivamente de renda proveniente do lote. Entre os tipos

de rendas encontrados, pode-se sublinhar a importante presença do trabalho

acessório em fazendas vizinhas como mecanismo de estruturação dos lotes do

assentamento recém conquistado, bem como a forte presença dos programas

de assistenciais, ligados à criança e adolescentes, como o bolsa familias entre

outros programas na esfera do governo estadual, o que pode ser expressado

pelo expressivo percentual de 56% de filhos localizados na faixa etária até 17

anos.

Com relação às idades dos titulares, cabe alertar sobre uma situação

preocupante, acerca do “cambaleante” processo de reforma agrária que vem

sendo gestado, uma vez que, a relação da faixa etária, com a recente

implantação do assentamento, tem denunciado a grande morosidade, com a

qual tem sido tratada a partilha da terra, por meio da qual tem se deparado

essas populações, fato que pode ser refletido por meio dos 53% dos

entrevistados, que se encontram na categoria daqueles que possuem de 45 a

mais de 72 anos.

Dentre os assentamentos abrangidos pela pesquisa, o assentamento

Palmeira aparece com o menor percentual de entrevistados, os quais possuiem

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renda externa, com um número de 65%. Entretanto, um número menor, porém

não menos importante de 35% declarou obter renda externa ao lote. Dentre

esse grupo do menor percentual que obtém renda externa, vale salientar que

essa pode ser explicada pela presença de pessoas com faixa etária elevada,

onde 44% dos entrevistados, se encontram na faixa de 54 a 72 anos ou mais,

portanto se destacando a figura dos aposentados beneficiários da previdência

social. Por outro lado, foi possível encontrar em menor número, aqueles que

obtêm renda por meio do trabalho acessório em fazendas da região, como nos

casos descritos no assentamento Andalucia.

Não menos importante que nos outros casos apresentados, o peso de

renda externa obtida por intermédio de programas assistenciais do Estado

presente no assentamento Palmeira, pode ser indicado pelo elevado número

de filhos de camponeses, os quais se encontram nos grupos de até 17 anos de

idade, com uma participação de 51% dos entrevistados.

Se por um lado, o número elevado de pessoas constituinte das maiores

faixa etárias, camada formada sobretudo, por antigos moradores, se coloca

como uma caracteristica deste assentamento, no outro extremo, a presença de

titulares nas menores faixas etárias nos assentamentos pesquisados de um

modo geral, vem crescendo como reflexo do crescimento da condição de

comprador de lote, sob a qual, foi possível verificar que 47% dos entrevistados,

se encontravam nessa condição de usufruto da terra conforme apontado no

gráfico-06 (CAPÍTULO 3).

A contento das mudanças ocorridas no espaço agrário sul-

matogrossense por intermédio do avanço da luta camponesa no referido

município, vale salientar que segundo os dados do Censo Agropecuário-IBGE

(2006), do total contabilizado de 5154 pessoas ocupadas nos estabelecimentos

rurais, uma parcela 70% é constituída por camponeses beneficiários da

Reforma Agrária. Quando soma-se esse número àqueles dos pequenos lotes já

existentes no município, esse percentual se eleva. Para efeito comparativo, em

Três Lagoas-MS, município o qual possui umas das maiores concentrações

fundiárias do Estado, a participação da “ agricultura familiar” no número de

pessoas ocupadas é de 20% apenas, dessa forma refletindo o entedimento da

função social da terra pelas distintas propostas de uso.

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4.2.2- A específicidade camponesa na apropriação da natureza

Como algo recorrente, cabe elucidar que a relação agricultura x natureza

não é algo novo, portanto se colocando desde os primórdios das agriculturas

pelo mundo. A especificidade dessa imbricação, no entanto, reside pela pouca

importância dada a essa relação nos estudos agrários, sobretudo direcionados

a partir da leitura do desenvolvimento das relações capitalistas no campo.

Por outro lado, esse problema não pode apenas ser atribuído apenas à

leitura de cunho antropocêntrico das diversas vertentes do conhecimento e/ou

ao reducionismo economicista que pairou diante de todos outros campos,

todavia, deve-se apreender como reflexo das fronteiras instituídas pela própria

ciência, conforme elencado em outra oportunidade. (subcapítulo I.6).

A própria tendência gestada nas últimas décadas, com uma sociedade

majoritariamente industrializada, pode se constituir como ponto centralizador do

debate da questão ambiental, em detrimento de uma mirada acerca das

relações que se estabelecem no campo e suas resultantes agrário-ambientais.

Ao sublinhar que a história da América Latina está ligada

indubitavelmente, à pilhagem dos recursos natural, Eduardo Galeano aponta

para as várias facetas que adquire a relação desigual de usufruto dos recursos,

desde o estabelecimento do latifúndio colonial.

Nesse mesmo caminho de uma ecologia política, Pádua (2010) descreve

de forma minuciosa, o esboço de um modelo homogeneizante de agricultura, o

qual se expressa hoje pela agricultura capitalista do agronegócio e/ou pelo

latifúndio moderno.

A partir do enfoque proposto por Mazzeto Silva (2006), pode-se retomar

o debate teorizado anteriormente (Capítulo II) e sua relação intrínseca com a

empiria, uma vez que se depreendem formas distintas de apropriação da

natureza e conseqüente proposta de desenvolvimento rural. Nesse rumo, para

além das lutas de classes circunscritas no interior do modo capitalista de

produção, está em questão, a disputa constante para dizer sobre o mundo, por

meio de diferentes matrizes de racionalidades (PORTO-GONÇALVES, 2006).

Nas diferentes formas do grafar da terra, se faz pela apropriação da

natureza, a qual se realiza por meio de um conjunto de formas de saberes/

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conhecimentos gerados na lida cotidiana da relação com a terra. Destarte, o

que se mostra como uma “aparente desorganização” quando observada a

“espacialização” do cultivo do roçado, ou aquilo que Altieri (2005) classifica

como agroecossistemas complexos (figura 13), para o camponês essa relação

forma-conteúdo, está intrínseca à própria funcionalidade do lote, em uma

relação material com território, além da dimensão cognitiva impressa, conforme

elencado por meio dos escritos de Toledo (1995).

Figura13- Mosaico dos Agroecossistemas complexos em Nioaque.Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Como uma ramificação do debate estabelecido anteriormente (Capítulo

II), acerca dos vários esvaziamentos políticos e banalizações das categorias,

empreendidos pelas hegemonias por meio dos discursos conforme bem

esclarece Dagnino (2004), a agroecologia56 como campo transdisciplinar de

leitura acerca de distintas formas de agricultura, também emerge como

importante noção-conceito dessa confluência perversa desses discursos, assim

se resumindo em alguns casos, muito mais como resultado de um “ecofetiche”

da mercadoria, por meio da emergência de uma “preocupação” ambiental

mundial, ou um olhar “ecocrata”, do que outra forma possível de inscrição de

formas/ territorialidades na agricultura. Acerca dessas armadilhas de relações

contraditórias, deve-se ao menos tornar a crítica visível, no mesmo passo que

56 Poderia até dizer em alguns casos, como um conceito obstáculo, o qual não se colocar comoum projeto uma leitura da possibilidade de um projeto emancipatório.

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se apreende esse mecanismo de plasticidade do capital em seus tentáculos

“humanizados”.

Não se pode negligenciar, o fato de que esse discurso se sustenta como

elemento de um capitalismo verde, na emergência dos impérios alimentares.

Os chamados alimentos orgânicos e o seu domínio pelas grandes redes

de supermercados, podem se constituírem como relevantes indicadores dessa

trama do capital.

Com o intuito de evitar confusões teóricas acerca da agroecologia, bem

como sua descaracterização/ esvaziamento político, acredita-se constituir com

maior importância, a leitura acerca de uma racionalidade camponesa de uso

dos recursos, ao invés de um debate puramente agroecológico, desta forma

buscando apreender essa territorialidade para além do circulo vicioso do

discurso estritamente ecológico.

Torna-se fundamental elencar, que historicamente as várias agriculturas

praticadas por uma gama de populações, se fundamentam na diversidade

agro-alimentar, nesse sentido se estabelecendo formas plurais, diversas e

diretas de relação com a natureza. Outro traço fundamental para a leitura

desses grupos denota-se a partir do binômio material-imaterial do território,

pois no referido trabalho, para além do cerrado como grande celeiro da

produção de comodities, para esses camponeses, o seu(s) cerrado(s) são

constituídos pela terra que produz o alimento, pelo sentimento de

pertencimento ao cerrado e pela festa.

Dentro desse aspecto cognitivo da apropriação social da natureza pelos

camponeses, pode-se apreender que embora a grande parte destes

desconheça o termo “agroecologia” e/ou o que seriam as práticas

agroecológicas conforme demonstrado no gráfico-16, por outro lado, vale

sublinhar que em seus cotidianos, se utilizam de práticas próximas às tantas

noções existentes sobre agroecologia.

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Gráfico 16-Informação obtida sobre sistema agroecológico.Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

As práticas descritas no cotidiano podem ser exemplificadas pela

utilização de urina de vaca, rica em uréia- (NH2)2 CO, dissolvida em água para

combate às pragas, sobretudo em hortaliças. Outra prática comum encontrada

foi a utilização de calda de fumo com a mesma função da urina nas hortas dos

lotes.

A utilização das palhas das bananeiras é utilizada com frequência, como

mecanismo de manutenção orgânica do solo, bem como da umidade nas

camadas superficiais do solo, conforme apontado na figura-03 (vide

Subcapítulo I-6).

Embora haja essa singularidade, a qual se caracterizou como uma

racionalidade camponesa na apropriação da natureza, por outro lado, ao

contrário dos maniqueísmos tão comuns de algumas correntes da

agroecologia, não se pode negligenciar para o fato de que esses sujeitos

sociais, não estão livres da utilização em alguns períodos dos insumos

industriais.

Na descrita situação contraditória, Woortmann (2009), assinala que os

camponeses não estão livres do uso de sementes e/ou insumos industriais,

embora tal situação se dê por meio de verdadeiro mosaico de sementes, os

quais tornam o roçado um verdadeiro laboratório de experiência no cruzamento

de espécies industriais, com as chamadas sementes crioulas para obter os

melhores resultados, que vai desde os melhores grãos no caso do milho, aos

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melhores rendimentos na densidade da palha para o uso na dieta animal, bem

como forma de enriquecimento orgânico do solo.

Nesse sentido, negligenciar abruptamente essas contradições contidas

no usufruto dos recursos naturais pela lógica camponesa em uma perspectiva

beirando quase uma espécie de essencialismo nas relações sociais desses

sujeitos, por meio de uma “agroecologia em estado puro” se torna altamente

depreciativa para a análise dessa matriz de racionalidade.

Outra relação que não deve ser negligenciada é o fato, de que essa

racionalidade camponesa na apropriação social da natureza, não está

divorciada do aspecto econômico, uma vez que para se defender das

flutuações do mercado, essencialmente da subordinação de sua renda para as

grandes empresas de insumos, as medidas de conservação/ manutenção das

chamadas sementes crioulas, pode se constituir como um mecanismo de

preservação da agro(eco) diversidade, entretanto como um importante

elemento político de resistência cotidiana desses camponeses.

Por meio desse ecologismo dos pobres na melhor expressão de Alier

(2011), permiti-se historicamente a reprodução camponesa em toda sua

heterogeneidade, bem como uma rica agro-bio-diversidade.

No mesmo tocante, segundo dados coletados por meio de entrevista,

grande parte dos camponeses participantes da pesquisa, declarou não ter

recebido informações sobre o sistema de agrofloresta. Como no aspecto

relacionado às práticas agroecológicas, cabe salientar que embora grande

percentual dos camponeses não tenha recebido orientações acerca desse

consórcio entre espécies nativas e exóticas, ao se mirar para forma-conteúdo

do lote camponês, torna-se possível apreender uma grande diversidade de

espécies, nesse caso o cumbaru (Dipteryx alata), pequi ( Caryocar brasiliense)

entre outros nativas, com consórcio de espécies exóticas típicas da dieta

alimentar.

Essa configuração agroflorestal permite consorciar culturas temporárias

como milho, feijão e mandioca, com espécies nativas do cerrado como o barú

(Dipteryx alata), cajuzinho do cerrado (Anacardium humile) e o pequi (Caryocar

brasiliense). A dita complementaridade se dará na relação planta-solo, pois

cada planta é responsável por suplementar por meio da liberação de variados

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nutrientes, assim contribuindo para a manutenção da fertilidade natural do solo.

Ao contrário do modelo largamente disseminado com maior densidade a

partir da Revolução Verde, o qual necessita de um uso excessivo de

fertilizantes e outros agroquímicos, para adequar o cerrado às condições

ecológicas dos monocultivos da agricultura capitalista, como vem ocorrendo

nas últimas décadas.

Portanto, para além da sistematização imposta historicamente pelas

relações fragmentárias das ciências, essa matriz de racionalidade se expressa

pelo saber-fazer cotidiano, ou um saber-total, o qual não está pautado somente

em pressupostos de um ecologismo simplista, mas sim em uma relação de uso

do solo, o qual procura otimizar as funções do lote, dessa forma se

apresentando a descrita configuração agroflorestal, como condição inerente ao

processo cotidiano de produção do lote.

Cabe relatar por outro lado, que esses regimes de uso da terra, como

resultado da descrita racionalidade na apropriação da natureza, se estabelece

como contraponto às ciências agronômicas modernas, as quais em grande

medida conservam as bases de uma agricultura ligada ao alto empreendimento

de capitais. O conflito dessas duas propostas distintas de apropriação da

natureza pode ser visualizado por meio de uma mirada acerca dos sistemas

técnico-burocráticos, os quais edificaram historicamente as propostas de

desenvolvimento rural no Brasil, bem como por meio das exigências técnicas

dos sistemas de créditos para a produção agrícola e modelos de extensão rural

existente, com grande apelo tecnocrata.

Com relações de poder desenvolvidas nos processos de extensão

rurais, que se estabelece uma sobreposição de racionalidades por meio de

uma imposição verticalizada, a qual reflete o próprio poderio das grandes

empresas no controle das sementes, assim como em alguns casos, se

edificando propostas localistas de desenvolvimento, sem a preservação da

condição de sujeitos dos camponeses. A proposta de política pública cabe mais

em alguns casos, para assegurar a complementaridade à agricultura

capitalista, por meio de uma visão “empreendedora” acerca do campesinato,

com atividade de alto custo para o agronegócio, ao invés de procurar

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apreender as demandas dessa classe que convive em mundos sociais distintos

em sua relação com a sociedade de um modo geral.

Outro indicativo da constituição de legítimo território camponês, ou

aquilo que Mazzeto Silva (2006), classifica como território habitat ou cerrado

habitat, que 90% dos entrevistados do assentamento Andalucia, declarou

utilizar espécies nativas e/ou exóticas como plantas medicinais. No mesmo

patamar percentual, 94% dos entrevistados do assentamento Areia declararam

utilizarem a descrita prática. Nos assentamentos Boa Esperança e Palmeira,

92% e 94% respectivamente, declararam realizar a utilização das plantas

medicinais.

Dentre as plantas utilizadas com o objetivo curativo, pode-se mencionar

como a mais comum, a espécie Stryphnodendron polyphyllum (Barbatimão), o

qual foi apontado pelos entrevistados, como indicado para cura de processos

inflamatórios, bem como para cicatrização de ferimentos. Por outro lado, um

número de considerável de camponeses declarou utilizar a didaleira/didal57

(Lafoensia pacari St. HIL), sobretudo com propriedades anti-flamatórias e

analgésicas. Outra variedade comum utilizada pelos camponeses é a casca do

cumbaru (Dipteryx alata), a qual segundo os entrevistados possui propriedade

medicinal para a cura de problemas estomacais, além da amêndoa possuir

grande valor nutricional.

O olhar a partir dessas especificidades na apropriação social da

natureza, que Mazzeto Silva (2007), elucida para o fato de que a abordagem

do campesinato sob esse prisma tem ganhado destaque, sobretudo pelo

questionamento acerca da agricultura capitalista por meio dos debates

fomentados pela via campesina, bem como os malefícios ambientais causados

por esse modelo de agricultura, com alto emprego de insumos sintéticos

industriais.

A esses antagonismos de formas de uso do solo, bem como outros

atributos, os quais distinguem essas singularidades, atribuem-se as diferentes

57 Um grande exemplo dessa apropriação a partir do saber científico em detrimento de outrossaberes pode ser observado em noticia vinculada no dia 28/01/2009 no site da universidade deSão Paulo, onde pontuava que a faculdade de ciências farmacêuticas de Ribeirão Preto“demonstrou que o extrato bruto etanólico e o principio ativo isolado da casca do caule dapopular dedaleira, planta típica do cerrado, tem ação anti-inflamatória na asma. Omiti-se, porexemplo, que as populações tradicionais/camponesas conhecem e já fazem uso dos benefíciosdessas plantas de longa data.

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tipologias de territorialidades, as quais podem ser apreendidas por meio de

Toledo (2008) nas abordagens etno-ecológicas.

Acredita-se haver nas várias escalas de análises, um núcleo conflitante

nas distintas matrizes de racionalidades, à medida que tal situação é refletida

pela lógica imposta das políticas territoriais, com maior destaque por meio da

criação dos territórios rurais/cidadania.

As próprias noções/ conceitos utilizados por meio das políticas de

Estado, por outro lado contribuem na construção de uma narrativa sem

sujeitos, nas quais ganham destaque a noção de agricultura familiar e um

território isento de poder em seu núcleo epistêmico, conforme lembra Gómez

(2006). Nesse mesmo rumo de esvaziamentos de noções com forte proposição

política (DAGNINO, 2001), que se gesta um projeto maior de

complementaridade ao agro(hidro)negócio), uma vez que esses camponeses

são sujeitados aos sistemas técnicos ligados às grandes empresas, dessa

forma se realizando a manutenção do status quo, por meio do

controle/normatização cada vez maior do espaço.

As políticas públicas com enfoque no território, mesmo que em uma

visão altamente equivocada em termos conceituais, assume importante papel

para o controle social, por intermédio do controle de cunho espacial.

Por outro lado, esse “novo rural” brasileiro direcionado pelas políticas

das grandes instituições internacionais, não cessam as contradições inerentes

à problemática da terra no Brasil, uma vez que promulgam o mascaramento

das ditas contradições no interior do modelo agrário-agrícola brasileiro.

De fronte à inoperância das políticas de desenvolvimento territorial, os

camponeses do município de Nioaque, buscam por inúmeras estratégias,

lograr a partir de suas vivências no grafar cotidiano da terra, a terra de trabalho

como ensina Martins (ano), ou a constituição do cerrado-habitat como bem

ressalta Mazzeto Silva (2006), na perspectiva de uma reprodução continuada

do campesinato.

O número considerável de compradores de lotes nos assentados

pesquisados, mormente naqueles com maior tempo de implantação, se

configura como um importante indicativo dos (des)caminhos da “reforma

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agrária” que vem sendo promovida no Brasil, fundamentada na precariedade

como apontou-se acerca do assentamento Areia.

Para além dos aparatos burocráticos do Estado, apreende-se com

considerável nitidez, uma imposição de um “território”, nesse caso o chamado

Território da Reforma do MDA, o qual por sua vez, não remete o caráter

identitário plural dessas populações. Nesse sentido, evidenciam-se as

divergências entre as propostas do MDA com os reais anseios dos

camponeses, assim se configurando o caráter conflituoso das propostas de

desenvolvimento local.

Nesse processo moldado por uma espécie de pedagogia da escassez,

que os camponeses procuram re-existir frente às contradições do capitalismo,

em uma relação diferenciada de uso dos recursos naturais na manutenção de

suas agriCULTURAS. Destarte, se molda o legítimo território habitat

(MAZETTO-SILVA, 2006), por meio da produção de saberes endógenos de

outra matriz de racionalidade cabocla, em oposição ao Território do

ORDEnamento das políticas públicas, com todos seus aparatos técnico-

burocráticos. Esses aspectos que emergem do “pipocar” das lutas camponesas

na região, que denotam a singularidade de Nioaque na questão da terra em

Mato Grosso do Sul.

Acerca das condições atuais condição ambiental dos assentamentos

pesquisados cabe destacar a percepção dos camponeses sobre esse

componente de fundamental importância de reprodução material desses

sujeitos. Nesse sentido, buscando focar as diferentes formas e regimes de uso

do cerrado.

Torna-se fundamental tais enfoques, à medida que processos erosivos

podem comprometer a atividade agrícola, como ocorre em muitos locais em

Mato Grosso do Sul, mormente em áreas direcionadas para a reforma agrária.

Tal situação se deve pela combinação de solos poucos coesos, como areias

quartzosas e a atividade de formação de pastos. Nesse sentido, embora

Nioaque possua uma relativa densidade de cerrado em suas várias

configurações, quando comparados a outros municípios do Estado, segundo

dados da EMBRAPA, o município possuía até 2007, um percentual 22% da

floresta natural.

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Em grande parte dos assentamentos entrevistados, por meio de fontes

orais, foi possível apreender que mesmo antes da implantação dos projetos,

em grande parte das antigas fazendas, já haviam processos deflagrados de

desmatamento, bem como ravinas e voçorocas (figura-14).

Figura14- processos erosivos no assentamento Boa Esperança.Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Embora grande parte do compartimento geomorlógico de Nioaque, seja

caraterizado em grande parte por gradiente de declividade de 0-3% segundo

dados da EMBRAPA, os processos erosivos intensificados pela abertura de

pastos, bem como a condicionantes dos solos, tal fato se apresenta com

frequencia nos assentamentos pesquisados, o que alguns casos, como em

lotes do assentamento Boa Esperança, têm ocupado áreas relativamente

extensas de fundos de lotes.

Com relação aos procedimentos e medidas para ameniza esses

movimentos de sedimentos, bem como o surgimento de novas ravinas/

voçorocas, cabe salientar que no assentamento Andalucia, apenas 6% dos

entrevistados, declararam ter realizado a construção de curvas de níveis e/ou

outros mecanismos para neutralizar a competência do escoamento superficial

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das águas. Dos outros assentamentos participantes do trabalho, apenas no

assentamento Palmeira, 56% dos camponeses declararam ter realizado essa

obra de estruturação no lote, contra 44% daqueles que não realizaram.

Cabe ressaltar, que esses procedimentos descritos, foram financiados

por meio do Programa de Aperfeiçoamento da Consolidação de

Assentamentos- PAC, via financiamento do Banco Interamericano do

Desenvolvimento- BIB, o qual visava a estruturação dos assentamentos por

meio da construção de sistema de esgotamento sanitário, cisternas, bem como

outras bem- feitorias para a estruturação dos lotes.

No assentamento Andalucia, embora se configure como um dos

beneficiários desse recurso no Estado, devido a problemas de irregularidade no

cumprimento dos acordos estabelecidos, não foi possível a construção de

obras para melhorias para o assentamento, conforme o PAC. Nesse sentido,

embora seja um assentamento estabelecido há mais de 15 anos, ainda sim se

torna possível, sobretudo em áreas mais distantes do núcleo do assentamento,

encontrar famílias que utilizam água do açude para o consumo doméstico, ao

passo que em 2004, o assentamento contava com a liberação de R$ 1,8

milhão58.

Gráfico 17- Atual situação ambiental dos assentamentos pesquisadosFonte: Pesquisa de Campo, 2011.

58 Nesse contexto, elenca-se que antes dos problemas de irregularidade, já sido liberado umvalor de R$ 480 mil. Após esse acontecimento, o INCRA assumiu diretamente assumiudiretamente a gestão do programa.

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Com relação à percepção dos assentados, que no assentamento

Andalucia, bem como Areias e Palmeira, segundo os entrevistados a situação

atual de igualdade, se deve por meio do argumento de que justamente por

meio da agro(bio)diversidade da agricultura camponesa, como forma de

reconstituição da biomassa, torna-se possível a manutenção do cerrado. Por

outro lado, os percentuais significativos daqueles que alertaram sobre a piora,

alegam justamente para os problemas de assoreamento dos corpos d’ água,

como resultado de processos ligados ao passado dos grandes pastos das

antigas fazendas, bem como a falta de medidas conservacionistas, conforme

elencado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme trabalhado por meio das informações coletadas em campo e

teorizadas por meio da contribuição de autores que tratam acerca da questão

agrária, bem do devolvimento, o território enquanto ferramenta de discursos e

prática, sobretudo como conceito ressignificado pelas políticas públicas, têm

servido muito mais como um mecanismo de des-envolvimento como trata

Porto-Gonçalves (2006), no sentido de produzir constrangimentos deste com o

território legitimamente constituído pelo campesinato, ao passo que se

constroem mecanismo de controle social, por intermédio do controle do

território.

Os processos para desenvolvimento rural, como o Programa de

Aquisição de Alimentos- PAA, bem mecanismos de financiamentos de cunho

“pronafianos”, não têm logrado em permite maior autonomia ao campesinato.

No caso do primeiro, apenas em casos esporádicos, como no grupo do

CEPPEC, foi possível a inserção por meio dos Arranjos Produtivos Locais-

APLs do cerrado, no estabelecimento do Plano Nacional de Promoção das

Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade- PNPSB.

Com relação aos financiamentos, conforme discutido grande parte dos

entrevistados, ainda não conseguiram financiamento para investir no sítio. Tal

situação se deve à falta de segurança no pagamento dessas dívidas, bem

como de sistemas mais flexíveis que permitam atividades apara além dos

pacotes técnicos/ burocráticos contidos nesse modelo de extensão de um

modo geral.

Embora afirmemos no tocante do território camponês, cabe salientar

também que a problemática do desenvolvimento local emerge também dos

problemas de ordem organizacional dos movimentos sociais, no sentido de

reivindicar melhorias no período após a implantação dos assentamentos.

O território da governança emerge como o território do conflito entre

racionalidades distintas, à medida que esse “modelo” de território está

submetido à lógica de produção técnica- burocrática em contraste aos saberes

endógenos. Mais que uma contraposição de matrizes de racionalidades, se

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estabelece por esse modelo, todo um aparato de controle social de inclusão

precarizada, na qual se acirram as assimetrias de poder.

A formação dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Territorial-

CMDR tem buscado apreender essas demandas locais, embora tais medidas

com tímida participação coletiva e em alguns casos de disputas, não têm

trazido melhor qualidade de vida para os camponeses na região, como ocorre

especialmente dentre os assentamentos pesquisados, no P.A Areias.

Embora região se apresente como o “eldorado“ da reforma agrária no

Estado, fatos como o descrito acerca da suspeita de corrupção em órgãos de

elevada envergadura como o INCRA-MS, bem como problemas locais na

gestão de investimento em melhorias dos assentamentos, tem tornado o

afamado Território da Reforma do MDA, incipiente diante das demandas dos

camponeses, como ocorre em regiões mais precárias do Estado, assim

reproduzindo o caráter inconclusivo da cambaleante reforma agrária de

mercado gestada pelo Estado brasileiro.

Por outro lado, nas novas configurações organizacionais internas dos

assentamentos pesquisados, sobretudo os com maior tempo de implantação,

tem apontado para diversas formas de organização, que não necessariamente

aquelas pensadas estritamente pelos movimentos sociais, mas a partir de

novas configurações de uso do território. Ao afirmarem-se essas diferentes

formas organizacionais, bem como essas novas configurações internas do

assentamento, não se nega a importância dos movimentos sociais no processo

maior da luta, entretanto vale ressaltar que em alguns casos o poder de

atuação dos movimentos sociais no processo de pós-luta pela terra não tem se

mostrado de forma consolidada.

Outro fato de suma importância para o debate contemporâneo da

“reforma agrária”, sobretudo com relação ao recorte empírico da pesquisa, diz

respeito a essas novas configurações dos assentamentos, naquilo que se

apontou como “compradores de lotes”, uma vez que, se por um lado, mormente

na perspectiva jurídica esses camponeses estão na contramão das normas do

Estado por meio do ato da “compra” de lotes, por outro lado com o

engessamento da cambaleante Reforma Agrária, tal fato se constitui como

fundamental estratégia na região para o processo reprodução do campesinato,

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uma vez que grande parte desses “compradores” entrevistados tem algum

vinculo de parentesco com alguém do assentamento, denotando a necessidade

daquilo que Chayanov (ano) aponta como equilíbrio no balanço trabalho-

consumo com a aquisição de novas terras, essas adotadas na lógica M D M,

diferente do capitalista especulador, ou então têm se notabilizado por

camponeses que já lutaram em outros momentos na perspectiva da conquista

da terra. Tal situação deve ser elencada, à medida que ao olhar esse

campesinato por dentro imbricado nessa nova dinâmica interna dos

assentamentos na região, nos faz menos reféns dos números do Estado, bem

como contribui para o entendimento acerca dos novos desafios desse

campesinato, face à problemática jurídica posta.

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Apêndice 05- Modelo de Questionário da Pesquisa.

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE- PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA- ICG

QUESTIONÁRIO

PARTE I - SOBRE O UNIVERSO FAMILIAR.

1) IDENTIDADE DO ASSENTADO:

Nome:Idade:lote:Área do Lotenaturalidade:escolaridade:

2) Tipo de atividade exercida no lote (forma de uso)

a) Pecuária b) agropecuária c) atividade não agrícola eagropecuária.

3) Antes de conquistar o lote, o Sr. (a) fazia parte de qual organizaçãode luta pela terra?

a) Fetagri b) MST c) CUT d) condição de comprador

4) O Sr.(a) está no assentamento desde quando?Ano:

5) Um ano antes de vir para o assentamento o Srº(a) estavatrabalhando?

a) Sim b) Não

6)- O que o Sr.(a) fazia?

a) Assalariado urbano b) assalariado rural c)trabalhador autônomo d) outros (explicitar a função)

7) Número total de filhos?

R: (criar categorias depois)

8) Filhos divididos entre os que moram no lote e foraa) Moram no lote:________/ b)moram fora:_______

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9) Faixa etária dos filhos que residem no lote (a)?R: _________

10) Este filho que mora fora está estabelecido onde?a) cidade b) no campo c) acampamento

11) Tem algum filho (a) morando em assentamento?a) Sim b) Não

12) total de filhos, quanto são homens e quantos são mulheres?

Homens________/ Mulheres___________

Escolaridade dos filhos.

13) Além da família nuclear ( pai, mãe e filhos) existem alguém dafamília extensa (netos (a), sobrinho (a) ou agregados morando no lote?

a) sim b) não

se sim quais? _______

14) Possui alguma renda que não seja proveniente do lote?(aposentadoria, bolsa família, trabalho fora do lote)

a) Sim b) não Se sim, Qual?_________________

15) O Sr. (a) conseguiu algum tipo de crédito e/ou financiamento nosúltimos 3 anos?

a) Sim b) Não

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II-SOBRE O USO E MANEJO DO SOLO.16) Antes da conquista da terra, o Sr.(a) já recebeu alguma orientação

sobre as formas de conservação do solo? ( palestra, cursos de formação etc.)

a)Sim b)Não

17) Depois da conquista da terra já recebeu alguma orientação ouassistência sobre o manejo e uso sustentável do solo ( uso de esterco e outrasmaneiras alternativas para o plantio)?

a) Sim b) Não se sim, quais?__________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

____18) O Sr(a) plantou milho na última safra (2010/2011)?

a) Sim b) Nãose sim, qual foi a área plantada?_________________

19) O Sr(a) plantou feijão na última safra (2010/2011)?

a) Sim b) Nãose sim, qual foi a área plantada?_________________

20) O Sr(a) plantou mandioca na última safra (2010/2011)?

a) Sim b) nãob) Não se sim, qual foi a área plantada?_________________

19) No lote do senhor, produz leite?Se sim, qual a quantidade ( dia, mês ou ano)?

21) Relação do Plantel

AvesCaprinos

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EquinosSuinosBovinosOutros ( especificar)

22) Outros produtos agrícolas produzidos no lote ( com foco nadiversidade do pomar):

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23) Utilizou adubos e corretivos ( industriais) na última safra?

(a) Sim (b) Não

24) Usa defensivos agrícolas químicos (veneno)?a) Sim b) Não

25) Conhece alguma forma alternativa de uso para a agricultura ( uso decalda de fumo, chá de angico, Nim “amargosa” , etc)

a) Simb) Não

26) O Sr.(a) se utiliza e medidas conservacionista para o uso do solo (Curva de nível, terraceamento, etc)?

a) Sim b) Não

27) Costuma fazer queimadas para a limpeza da área agricultável?a) Simb) Não25) Já obteve informações sobre o sistema agroecológico?a) Sim b) Não

28) Já obteve informações sobre o sistema agroflorestal?

a) Simb) Não

29) o Sr(a) possui alguma planta medicinal no lote?(a) Sim (b) NãoSe sim quais?

Nome Para que serve?

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30) Das atividades realizadas junto ao CEPPEC, qual a renda obtida (Mensal,diária)?______________

31) Utiliza algum fruto ( Barú, Jatobá, Pequi...) nativo do cerrado (nolote) para

geração de renda junto ao CEPPEC?

(a) Sim (b)Não__________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

32) Se sim, qual a renda obtida com essa atividade? ( Dia, ano, Mês)___________________________________________

33) Na opinião do Sr.(a) a situação de conservação do solo, das águas,da mata hoje no assentamento em relação ao período de entrada,está:

a) ( ) igual b) melhor c) ( ) pior

III- PERGUNTAS ABERTAS PARA GRAVAÇÃO

34) o que o Sr. Entende por questão ambiental?33) Na sua opinião, qual a importância da questão ambiental no seu dia

a dia na produção?

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35) Para o senhor (a), qual a diferença no meio ambiente quandocompara o CEPPEC com as área de plantação de cana, eucalipto (monocultivo no geral) ?

36) O significam a terra, as águas e as arvores nativas para o Sr.(a),qual a importância desses elementos