quin taylor evans - legado de merlin 01 - filha da bruma

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(CHE 232) Quinn Taylor Evans    Filha da Bruma Primeiro livro da série Legado de Merlin Escócia, 1066 Apenas um amor incondicional poderá libertá-la! Refém de um misterioso legado de magia e paixão, Brianna está aprisionada entre dois mundos, o real e o do encantamento, fadada a vagar por florestas e mares, luzes e trevas, para sempre... a menos que algum homem a liberte com o poder do amor verdadeiro!

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8/20/2019 Quin Taylor Evans - Legado de Merlin 01 - Filha Da Bruma

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(CHE 232) Quinn Taylor Evans  –  Filha da Bruma

Primeiro livro da série Legado de Merlin

Escócia, 1066Apenas um amor incondicional poderá libertá-la!

Refém de um misterioso legado de magia e paixão, Brianna estáaprisionada entre dois mundos, o real e o do encantamento, fadada avagar por florestas e mares, luzes e trevas, para sempre... a menos que

algum homem a liberte com o poder do amor verdadeiro!

8/20/2019 Quin Taylor Evans - Legado de Merlin 01 - Filha Da Bruma

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(CHE 232) Quinn Taylor Evans  –  Filha da Bruma

Tarek al Sharif está na Escócia para reivindicar as terras que lheforam prometidas. Ao vislumbrar uma delicada criatura observando-o porentre a densa bruma, o intrépido guerreiro acredita estar sonhando, até

descobrir que não se trata de miragem, e sim de uma mulher que lheinflama o coração com um desejo proibido... que o obriga a escolherentre vingar-se do passado ou lutar pelo futuro, à medida que seaventuram numa fantástica jornada para um mundo de mitos, dragões,antigos tesouros... e um amor mais forte que a magia!

Quinn Taylor Evans é o pseudônimo de Carla Simpson quecombina o estilo dos romances de época com personagens comodragões e feiticeiras, transportando o leitor para a antiga Grã-Bretanha

dos druidas, guerreiros e batalhas entre o bem e o mal.

www. romances.com. brISSN: 1516-201X977151620100700232Copyright © 1996 by Carla Simpson Originalmente publicado em

1996 pela Kensington Publishing Corp.PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING

CORP. NY, NY - USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquersemelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.TÍTULO ORIGINAL. Daughter of me MistEDITORA Leonice Pomponio

 ASSISTENTE EDITORIAL Patrícia ChavesEDIÇÃO/TEXTO Tradução: Gabriela Machado Revisão: Levon

Yacubian ARTE Mônica MaldonadoILUSTRAÇÃO Hankins + Tegenborg. Ltd.COMERCIAL/MARKETING Daniella TucciPRODUÇÃO GRÁFICA Sônia SassiPAGINAÇÃO Dany Editora Ltda.

© 2005 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Paes Leme, 524 - 10aandar - CEP 05424-010 - São Paulo - SPwww.novactiltural.com.br

Impressão e acabamento: RR Donnelley Moore Tel.: (55 ) 2148-3500

Disponibilização: Maccayres: Digitalização: Marina: Revisão: Aline

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Prólogo

 A bruma se enrolava pelo ar frio da noite como sedosos fios delinha num tear. Armava uma teia prateada pela lua, enrodilhava-se emtorno das chamas das tochas e cintilava no manto que envolvia a jovemesguia postada nas muralhas.

— Ele virá para você, num tempo que não é um tempo e num lugarque não é um lugar— a Voz murmurou em seu íntimo.

 A luz das tochas a emoldurava. Seus cabelos eram como ourotorcido. A pele, pálida, e as maçãs do rosto, salientes, os lábiosentreabertos. Os olhos verdes eram como as sombras da floresta,ansiosos por paixões desconhecidas.

Não mais parecia mortal, mas alguma criatura do outro mundo,feita de prata e ouro como a bruma da alvorada, quando a Voz se dirigiua ela de novo. Então, ao se inclinar sobre as muralhas, ela viu a criatura.

Veio até ela através da bruma, escura como o céu da noite, suavee poderosa, toda músculo e tendões debaixo da lustrosa pele negra, quecintilava, conforme o ser saltava pelas ameias. A cabeça escuraangulou-se em sua direção. Olhos luziram quando a espreitaram. Nãohavia como escapar.

 A respiração do animal ondulava como pluma na névoa fria.

Músculos elásticos esticavam-se e encolhiam-se debaixo da escurapelagem acetinada com um poder mortal que era ao mesmo tempoterrível e belo. Num átimo, a criatura estava sobre ela, puxando-a parabaixo sob aquela força incrível e beleza fatal.

Poderia matá-la com facilidade. Mas, em vez de dentes afundando-se em sua carne, seu hálito roçou contra a pele dela com um calorsensual. No lugar de garras a dilacerá-la, a energia do animal fechou-se,gentil, em torno dela, e um calor como a carícia de um amante envolveu-a sob o manto.

Ele virá para você.De novo as palavras sussurraram pela neblina conforme o ser

erguia a cabeça e revelava, não um terrível animal, mas as feições rijasde um guerreiro com cabelos tão negros como a noite, olhos da cor docéu de verão e um corpo poderoso que cintilava como ouro, tal como aalvorada.

Como a alvorada, ele veio até ela e como a bruma à alvorada, elase rendeu, até que o guerreiro se apossou dela com uma feroz e gloriosapaixão.

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Capítulo I

Inverness

Brianna acordou com a mão que de repente fechou-se sobre suaboca. A luz tremia pelas paredes do quarto, iluminando as feições dogigante poderoso que se postava sobre ela.

 Arregalou os olhos ao reconhecê-lo, e a mão dele se afastou. Delonge vinham o som de gritos e um barulho distante, poréminconfundível, de batalha, para além da porta de seu aposento.

— O que é?— Brianna perguntou.— O que aconteceu?Sem responder, Thomas puxou-a do leito, pegou o maior dos

mantos grossos de lã e enrolou-o rápido em torno dos ombros dela.Sua boca era uma linha dura no meio da barba áspera. O padrão

de cicatrizes que rendilhava suas faces ficava mais pavoroso com aexpressão sombria na tez avermelhada.

 Além da porta, fechada por dentro, os sons da batalharecrudesciam, mais altos e mais distintos. Horas antes, estavam todosreunidos em torno das canecas de cerveja. Brianna fora se deitar entregritos bem-humorados e os desafios de força física dos mais jovens,enquanto os mais velhos cochilavam ao lado da lareira.

 Agora, eram sons de uma batalha campal que vinham de dentro dafortaleza.

— Tem de me dizer o que aconteceu, Thomas!Mas nenhuma explicação passou pelos pensamentos do gigante

para conectar-se com os dela, daquela maneira especial que os ligava.Em vez disso, Brianna sentiu urgência e uma cega obstinação de

vontade que falava de perigo, palavras que Thomas não poderiapronunciar porque sua língua fora cortada muito tempo antes.

Os próprios pensamentos de Brianna corriam céleres. Os chefes

do Norte tinham se reunido em Inverness para discutir as notícias do Sul,além das fronteiras com a Inglaterra, e a crescente ameaça do invasorviking, Mardigan.

Por mais de vinte anos, Mardigan e seus homens assaltavam osportos da costa e atacavam de surpresa as praias do norte da Escócia.Porém, tornara-se cada vez mais ousado, ao penetrar pelo interior epelas charnecas para saquear vilas e fazendas.

Mardigan queria muito mais que o butim de alimento e animais.Seus homens estupravam as mulheres, matavam os homens e meninos

e queimavam as vilas dos clãs do Norte.

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Não fazia segredo do que ambicionava: Inverness, a fortaleza queprotegia todo o norte da Escócia.

Queria um domínio pelo casamento, uma aliança que não pudesse

ser quebrada, e laços de sangue com os clãs do Norte por intermédio defilhos que nascessem dessa união.

Outro perigo também ameaçava a autonomia dos habitantes dasTerras Altas. Guilherme da Normandia se proclamara rei da Inglaterra eenviava seu exército para o Norte. As Terras Altas eram vistas como oportal que deveria ser bem fortificado contra aqueles que pudessemtentar tomar o trono da Bretanha pelo portão dos fundos.

O pai adotivo de Brianna, Cullum, lorde de Inverness, reunira oschefes dos clãs. Insistira com os chefes sentados à mesa de conselho,

dois dias atrás, numa aliança com a Inglaterra, que poderia bem ser aúnica esperança contra os açougueiros nórdicos que repetidamentesaqueavam e queimavam as vilas.

— Eles estupram nossas mulheres — Cullum dissera, sombrio. — Plantam fundo sua semente e misturam seu sangue ao nosso, de modoque nunca ficaremos livres deles.

Uma vez que isso acontecesse, ele avisara, os bárbaros nórdicosse tornariam ainda mais poderosos, e os clãs não teriam esperança delivrar-se de Mardigan.

Uma aliança com Guilherme da Inglaterra lhes daria a força de quenecessitavam.Então, chegaram notícias de que Mardigan queria permissão para

conversar com os chefes dos clãs sobre os termos de paz.Embora suspeitando deveras de suas intenções, os membros do

conselho concordaram e estabeleceram os termos para a reunião. Osalão da fortaleza estava como um acampamento armado pronto para abatalha quando Mardigan entrou, passados três dias, com quarenta deseus homens.

Falara de uma paz que só poderia ser obtida com uma aliançainquebrantável. Nada mais, nada menos que o casamento com Brianna.

—  Você não recusará, velho —  Mardigan advertiu, os dentesreluzindo nas feições belas e arrogantes. — Uma centena mais de meushomens aguarda meu sinal. Recuse... —  Apontou para os chefes emtorno da mesa. —  ...e todos morrerão. É uma pequena exigência emtroca do fim do banho de sangue.

Embora Cullum tivesse proibido sua presença, Brianna ouvira tudodo corredor que levava à cozinha. Antes que Cullum e os chefespudessem responder, ela saiu das sombras e caminhou, orgulhosa, até

os homens.

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— Ele não recusa! — exclamou, ao atravessar o salão, chamandoa atenção de todos. — Eu recuso!

Mardigan se virou. Baixou a cabeça como um lobo que sente o

cheiro da caça. Seus olhos se estreitaram, de um azul nórdico tão frio eduro como o inverno ártico. Brianna se postou diante dele, armadaapenas com a altivez das Terras Altas e a teimosia desafiadora.

Com as pernas musculosas enfiadas em calças de couro,Mardigan tinha a postura de quem já ganhara o poder em Inverness. Oscabelos de um ouro queimado caíam até seus ombros com uma trançagrossa de cada lado da face. Estava na plenitude de sua virilidade,porém não era um jovem. Nem tolo.

Brianna sentira alguma coisa sombria e demoníaca por baixo da

força poderosa dele, do brilho dos braceletes de ouro e daqueles olhosazuis gelados que a fitavam com luxúria sem disfarces. Então Mardiganergueu um punho fechado, como se tivesse a intenção de esmurrá-la.

Um súbito rebuliço tomou conta do salão quando a mão de cadahomem buscou a arma. Porém, Mardigan não bateu nela. Seus dedos seenrolaram como serpentes pelos cabelos de Brianna, que caíam por seuombro.

Ergueu a massa dourada fechada no punho e em seguida a torceucomo uma corda, a apertar cada vez mais, forçando Brianna a

aproximar-se até que a teve prisioneira, o hálito quente a lhe queimar aorosto.—  Eu juro que a terei, Brianna de Inverness e herdeira de

Lochonnen. E teremos belos filhos vigorosos. — E depois a ameaça: — Ou a terra se tornará vermelha do sangue de seus parentes.

Escondida em sua manga, ela sentiu a frieza reconfortante dalâmina do punhal que sempre carregava. Tirou-o da bainha e enfiou aponta na carne vulnerável sob o queixo de Mardigan.

—  Você nunca verá o feito, pois seu sangue será o primeiro acorrer! —  E Brianna viu, com satisfação, aqueles olhos frios searregalarem de surpresa.

— Não preciso ver, Brianna. A sensação de minha carne dentro devocê será o bastante para saber que está feito. Você gostará. Posso verem seu semblante. Logo estará implorando para ter-me entre suaspernas.

Ela recusou-se a gritar ou deixar escorrer as lágrimas de raiva,humilhação e ódio. Comprimiu mais fundo a lâmina e viu, com alegria, aexpressão do viking mudar quando o sangue escorreu pela adaga.

— O que vê é sua própria morte!

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Rápida e implacável, a mão de Mardigan segurou o pulso dela.Suas unhas se enterraram na carne e nos esguios tendões, procurandotirar-lhe a arma da mão.

 Ao redor dela, as espadas foram empunhadas por highlanders enórdicos. A voz de Cullum ecoou no grande salão ao se adiantar,desarmado:

—  Tem a resposta de minha filha, Mardigan. E a minha. Partaenquanto ainda respira.

 A mão de Mardigan apertava ainda o pulso de Brianna. Sua faceestava muito perto da dela. Ela, então, pôde vislumbrar algo naquelasfeições frias e poderosas que não vira antes: uma perversidade de almaainda mais terrível e cruel do que supusera.

— Isso apenas começou, Brianna. Você será minha. Em seguida,ele e seus homens partiram, desaparecendo pelos portões, pelas colinase florestas que rodeavam Inverness. Sem demora, os portões dafortaleza foram fechados e barrados.

Naquele momento, os sons de batalha vinham de dentro docastelo, um trágico lembrete de que os portões não tinham sidosuficientes para impedir a entrada de Mardigan e seus guerreiros.

Thomas conectou os pensamentos aos dela. Foi até a janela eabriu as venezianas. O céu começava a se iluminar. Abaixo das

muralhas íngremes, os penhascos rochosos.— Você precisa partir antes que seja muito tarde! Eles não devem

encontrá-la aqui.Brianna meneou a cabeça. Não partiria sem Thomas.— Iremos juntos, ou nada feito.— Não posso voar, senhora. Não há tempo! Não discuta! Tem de ir

agora!—  Não sou eu quem está discutindo. Não o deixarei! Socos

ecoaram contra a porta pesada. A madeira não agüentaria por muitotempo.

Thomas puxou-a pelo dormitório até a parede ao fundo. Colocou-lhe uma tocha na mão e depois se esgueirou pelo pesado tartã de lã quecobria a parede. Comprimiu a mão contra a base de uma pedratriangular. A pedra moveu-se e, com um som rascante, uma seção daparede se abriu, revelando a sombria escuridão de uma passagem. Umalufada de ar gelado quase apagou a chama da tocha.

Cullum mandara abrir uma passagem secreta no fundo de cadaquarto para ser usada se houvesse necessidade de fuga. Briannaadentrou na escuridão gelada.

Tateou a parede oposta em busca da alavanca que soltava aseção da parede de pedra que se abria para o quarto do lorde. Mirren

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decerto estaria ali, esperando por eles. Porém, Thomas puxou-a pelasescadas.

—  Não podemos deixá-la! —  Brianna sentia algo estranho.

Thomas jamais deixaria Mirren ou Cullum. Atrás dela, pedras rangeram quando o painel fechou-se no lugar. À

frente, a chama da tocha se refletia nos degraus brilhantes da umidadeque escorria das paredes.

Um presságio doloroso apertou o coração de Brianna.Onde estavam Cullum e seus parentes? Será que Mirren se

encontrava a salvo?Onde se achavam os outros chefes de clã que ainda não tinham

retornado a seus domínios?

O que era feito de Malcolm e o pai dele? Ao chegarem a um nicho no estreito corredor que ligava a cozinhae a copa ao salão, Thomas abriu a porta escondida.

Brianna ouviu o ruído da refrega, o tinir e raspar de aço contra aço,gritos entre os clamores de dor dos feridos e os gemidos dosagonizantes. Entrou no corredor de ligação. A destruição do salãoprincipal a estarreceu.

Viu as longas mesas viradas, travessas e canecas espalhadas pelosolo, bancos arrebentados.

Passou por sobre os corpos de vários de seus próprios parentes, àprocura de Cullum. Foi quando avistou-o caído contra a parede daescada.

Era doloroso pular por sobre os cadáveres. A barra da camisolalogo se encharcou de sangue. Por fim, chegou a Cullum.

Ele fora o último a cair, sua mão ainda agarrando a espada,embora o braço tivesse sido separado do corpo robusto. O segundogolpe o matara de imediato, abrindo uma ferida de seu ombro até opeito, o sangue a bombear-se sobre o xadrez de seu clã.

Mirren jazia contra a parede, atrás dele, segurando um punhal fino,a outra mão sobre o ombro do marido, como se a defendê-lo. Um golpepoderoso esmagara-lhe o crânio. Seus olhos sem vida encaravamBrianna.

Sons ecoaram do alto da escadaria. Os assassinos estavam láagora, saqueando seu quarto e derrubando a porta dos aposentos dolorde.

Brianna teria disparado degraus acima se Thomas não aimpedisse. Ele enlaçou-lhe a cintura e carregou-a para longe dali. Seuspensamentos penetraram nos dela com angústia e sofrimento, como um

golpe físico.

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—  Eles morreram para proteger você! Zombará de suas mortesentregando a esses açougueiros o próprio prêmio que procuram?Precisamos partir agora, ou suas mortes terão sido em vão!

Nesse momento, ecoaram gritos, e, embora Brianna não pudesseentender o que diziam, distinguiu o som de raiva. Mardigan nãoencontrara aquilo que buscava. Tochas surgiram no alto da escadaria.

— Precisamos partir agora, senhora!— Thomas avisou, aflito.Segurou-a pelo braço e fugiram do salão pelo corredor que ligava à

cozinha. O pátio além estava um caos.Thomas a conduziu para trás do pombal, adjacente aos cercados

onde Cullum criava as aves de caça. Penas voaram com a súbitaintrusão. Logo, entretanto, as pombas se acalmaram. Nos cercados, dois

falcões moviam-se inquietos nos poleiros. Thomas fez Brianna agachar-se no piso do cercado e cobriu-a com palha ao ouvir os guerreiros seaproximando.

Ela não necessitava vê-los para saber que Mardigan vinha comeles. Sempre haveria de se recordar de sua voz, cheia de orgulho earrogância, a frieza com que jurara voltar a Inverness depois que elarecusara sua oferta de casamento. Cumprira a promessa.

—  Procurem em cada prédio, cada cercado, cada carroça — Mardigan ordenava a seus homens. —  Lady Brianna tem de ser

encontrada. Antes que este dia acabe, estaremos casados. Antes que anoite passe, ela estará carregando meu primeiro filho.— Muitos dos highlanders fugiram. Milady pode estar entre eles — 

um deles ponderou.Mardigan estreitou os olhos. Glenross ficava ao norte, pelas

charnecas. Brianna poderia ter buscado segurança ali.— Procurem em cada canto!Seus pensamentos já se voltavam para Glenross. Uma moça e um

mudo abobalhado não poderiam viajar depressa. Suas pupilas luziram.Logo Inverness seria sua e ninguém poderia impedir que tomasse a filhado antigo lorde como esposa. A luxúria da batalha transformou-se numaoutra luxúria mais aguda, ao lembrar-se dela. Sim, Brianna lhe dariabelos filhos.

Três guerreiros se espalharam, cada um procurando numa direçãodiferente. Brianna conteve o fôlego quando um deles se aproximou dopombal, sua sombra a surgir pelas frestas do cercado, os passos a seafastar e depois retornar. Ela enfiou a cabeça para fora da palha, masThomas puxou-a para baixo com uma expressão feroz.

Os cercados eram estreitos e pequenos, com poleiros e nichos

para ninhos de ambos os lados. Thomas fora forçado a manter a cabeçaabaixada para caber no espaço.

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De repente, a lâmina de uma espada surgiu por entre as frestas deuma parede. Depois, de novo, em intervalos, pela extensão do cercado.

Os dedos de Thomas enterraram-se nos ombros de Brianna num

aviso mudo. Aves assustadas voavam entre gritos de alarme. Penas,poeira e palha encheram o ar.

 A lâmina foi lançada várias outras vezes mais, e então trouxesangue. O guerreiro sorriu de satisfação. Abriu a porta do cercado.

 A poeira subia dos montes de palha que cobriam o chão. Pássarosvoaram num alto farfalhar. Uma criatura grotesca e deformada levantou-se no canto.

O corpo era torcido e nodoso. Uma corcunda rodeava um ombro. Acriatura o fitou com uma expressão vaga de idiota. Nas mãos, aninhava

um falcão prateado.O guerreiro examinou o feio arremedo de gente. Talvez não fossehumano, afinal, mas um troll, um daqueles animais tolos e feiosos dosubmundo, com fedor de latrina, que traziam infortúnio e desgraça paratodos com quem cruzassem.

Chutou o ser, que saiu dali esparramando-se na poeira do pátio. Ofalcão escapou e alçou vôo, até que desapareceu. O monstro rolou paralonge e se pôs de pé.

De repente, no entanto, pareceu aumentar de tamanho. O corpo

torcido e deformado transformou-se conforme a criatura ergueu-se àplena altura.O guerreiro recuou, ao pensar em tais criaturas que mudavam à

vontade, e nos encantos que lançavam ao transformarem homens empedra e montes de estrume. Quando o ser avançou, ele deu-lhe ascostas e fugiu.

O olhar aguçado de Thomas ergueu-se para o céu. Protegeu avista do sol ao marcar o vôo do falcão. Com um resmungo satisfeito, saiuda fortaleza, rastejando pelo vão escondido na muralha, atrás dos jardinsde lady Mirren.

Encontrou Brianna na praia do lago, onde ela sempre brincavaquando criança. Estava ajoelhada no abrigo da velha sorveira-brava. Otremor de seus ombros denunciava o choro e as lágrimas, e as mãoscerradas revelavam o sofrimento mudo e a ira.

Ela sentiu-lhe a presença e o amor, e a força que sempre aprotegera e guiara.

— Mardigan e seus homens não desistirão da procura. Precisamospartir depressa para um lugar que seja seguro, onde ele não possaencontrá-la.

Brianna o encarou.— Não, Thomas. Não irei. Nem me esconderei.

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— Mas não pode ficar. Não é seguro. Se Mardigan e seus homensencontrarem este lugar, não poderei protegê-la.

—  Não fugirei! Nem irei me oferecer como uma ovelha para o

assassino.— O que fará então, menina?— Contra ele.— Como, senhora?!

 Ao olhar para a água escura e calma do lago Ness, Brianna serecordou da criatura em seu sonho, um guerreiro que tinha a pele escurae carregava a cor do céu nos olhos. Um poderoso soldado que nãotemia nada.

—  Precisamos persuadir os outros chefes a retornar para o

conselho. Juntos encontraremos um jeito de deter Mardigan. Se fugirmospara as colinas e nos escondermos, então ele terá nos vencido.—- E Inverness?Os belos olhos verdes de Brianna escureceram, resolutos.— Eu sou agora o lorde de Inverness.

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apítulo II

Era meio-dia, debaixo de um céu de chumbo, e o exércitonormando parara à beira de uma floresta fechada, não mais que doisdias de distância de Inverness, para descansar os cavalos.

Tarek al Sharif, comandante do exército por ordem do reiGuilherme da Inglaterra, esquadrinhou a mata. Sentia uma inquietaçãoque aumentava a cada dia.

 As sobrancelhas anguladas, negras como a asa de um corvo, juntaram-se numa ruga sobre os olhos muito azuis, o legado de sua mãepersa e do feroz guerreiro nórdico que fizera dele um bastardo.

Meses antes, num lugar chamado Brecon, ao sul de Inverness, elee seus homens tinham defrontado um bando de terríveis assaltantes.Muitos poderiam ter morrido se Tarek não tivesse sido avisado doataque de antemão por uma bela criatura que surgira da bruma, quandoele se afastara da guarnição e parara para dar água ao cavalo, à beirade uma lagoa.

Ela não parecia um ser deste mundo. Seus cabelos eram comoouro torcido, os olhos tão verdes como os campos das Terras Altas.Surgira num raio de sol em meio ao nevoeiro, tomara-lhe a mão e olevara até uma passagem entre as rochas que rodeavam a lagoa. Antes

de levar o aviso aos demais homens, ele olhara para trás para lheperguntar o nome, mas ela se fora. Tudo que restava era a névoa quechegava à beira da lagoa e um gracioso cisne que deslizava pelasuperfície prateada.

Os assaltantes foram derrotados. Os que haviam sobrevividofugiram para as colinas. Logo depois, o exército de Guilherme forachamado de volta a Londres.

Tarek nunca mais tornou a vê-la. A beleza pálida da jovem oassombrava. Queimava em seu sangue como uma lebre e o assaltava

naquela hora entre o sono e a vigília, uma lembrança de sol e bruma quese tornara uma obsessão e que ele não conseguia esquecer.

Quando o rei, logo depois de coroado, lhe perguntou qual arecompensa que ele reclamava por sua lealdade, Tarek citou Inverness,no Norte distante. Guilherme concordou com tão inusitado pedido. Tinhamuito a ganhar em contar com um aliado ao norte, que garantisse aproteção do litoral contra as ambições de usurpadores estrangeiros.

Lady Vivian, saxã por nascimento e agora conselheira de confiançade Guilherme, compreendeu as razões de Tarek, pois era dotada dos

poderes de uma feiticeira. Contudo, temia por ele e o puxou de lado,quando teve oportunidade, para avisá-lo, visto que eram amigos.

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— Antevi seu retorno ao Norte numa visão. Há um grande perigo.Receio por sua vida.

—  Levarei o calor de nossa amizade comigo, e talvez um

encantamento de proteção— ele sugeriu, então.— Você tem a pouca proteção que posso oferecer. Receio que não

seja o suficiente. Tenha cuidado com aqueles em quem confia.Tarek sentiu o peso daquelas palavras durante toda a viagem, com

a impressão de que olhos invisíveis se mantinham em constantevigilância. Agora, aquele lugar parecia fechar-se sobre eles com perigosocultos.

Os cavalos sentiram também. Moviam-se, nervosos, alertas, asorelhas empinadas para trás e para a frente. A égua árabe sacudiu a

cabeça, alarmada.Tarek virou-se depressa e se viu face a face com um bando desoldados que saía da floresta e que os rodeava. Pela aparência, eramhighlanders, os implacáveis guerreiros escoceses cujos clãs sedistinguiam pelas cores do xadrez que usavam e marcavam as famílias.

 Ao lado dele, Stephen de Valois ia desembainhar a espada. Tareko impediu.

—  Você estaria morto antes de empunhá-la —  avisou, numsussurro. Para os demais homens, gritou: —  Parem! Não saquem as

armas.Por vários instantes, ninguém se moveu ou falou. Por fim, um doshighlanders acenou para o soldado mais jovem a seu lado. Avançaramdevagar, mãos nas armas. Talvez fossem pai e filho, pois a semelhançaera grande entre eles.

O guerreiro mais velho dirigiu-se a Tarek:— Quem lidera esses homens? Tarek deu um passo à frente.— Eu.

 Aquele olhar feroz o examinou e depois se fixou na espada persade lâmina curva que ele trazia na sela.

— Está bem longe da fronteira— observou o escocês.—  Fomos enviados pelo rei Guilherme da Inglaterra —  Tarek

informou, cauteloso.— Ultrapassou os limites das terras dos clãs do Norte! - esbravejou

o mais jovem.— Viemos com uma oferta de proteção para os clãs do Norte.— Proteção... —  caçoou o moço. — É essa a palavra normanda

para carnificina e assassinato?— Silêncio, rapaz! — o mais velho ordenou, a fuzilá-lo com o olhar.

Voltou-se para Tarek. — Os clãs do Norte não precisam da proteção do

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duque Guilherme. Protegemos o que é nosso, nossas famílias e nossaterra. Sem interferência de ninguém.

— Vimos muitas vilas queimadas e sepulturas abertas há pouco.

— Há sempre desacordo entre os clãs.— Essas vilas estão em terras de posse do lorde de Inverness — 

Tarek insistiu. — E as armas que encontramos não eram dos habitantesdas Terras Altas. Tinham as marcas dos assaltantes estrangeiros.

— E seu rei pretende oferecer proteção contra esses estrangeirosque nos atacam de surpresa? O Conquistador é benevolente...

—  Cale-se, rapaz! Sem sarcasmo! —  berrou o mais velhohighlander.

Tarek dirigiu-se àquele que falava com autoridade:

—  O rei está preocupado com a ameaça de invasão ao Norte.Manda seu exército para impedir isso. É um assunto que desejo discutircom o lorde de Inverness. É o senhor?

— Falo por ele em tais assuntos. — Seu olhar se desviou para oscavaleiros e soldados normandos. —  Trouxe um exército de bomtamanho com você.

Tarek sorriu.— Talvez possamos trocar palavras em vez de sangue— sugeriu.— Pode ser. Sou Ian. E este rapaz que fala antes de pensar é meu

filho, Malcolm.— Sou Tarek al Sharif. Vim em paz. — E deu início ao difícil jogo

da diplomacia. — Gostaria de me encontrar com o lorde de Inverness— insistiu.

— O conselho dos chefes irá se reunir em três dias. Você levaránão mais que uma dúzia de seus homens.

— Concordo.— Em três dias, então.De maneira tão silenciosa e inesperada como tinham aparecido,

Ian e seus homens desapareceram uma vez mais na floresta.— Irei atrás dele com alguns soldados! — Stephen exclamou, com

veemência, ao se voltar para o cavalo.Tarek o impediu.— Muitos dos nossos morreriam, e esse é um preço que não estou

disposto a pagar. Notou os armamentos que usam?— Não portam armadura, e suas armas são artesanais e rústicas.—  Nenhuma armadura para pesar ou dar pistas na espessa

cobertura da floresta, Stephen. Eles aparecem e desaparecem como osiroco, o vento do deserto. Atacam, matam e somem. Não podemos lutar

contra os escoceses e os invasores. Precisamos dividir e conquistar.Iremos nos reunir com os chefes.

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—  Dirá a eles que veio reclamar Inverness? Não creio que irãoconcordar. Doze homens não serão suficientes para abrir nosso caminhoà força para fora de uma fortaleza bem guarnecida, quando souberem de

nosso verdadeiro propósito.— Não tenho intenção de lutar para sair de lá.— Como irá convencê-los a desistir de Inverness?— Eles têm um ponto fraco. Eu o encontrarei. — Tarek saltou para

a sela e pegou as rédeas. — Porém, não vejo razão para retardar esseencontro por três dias.

No entardecer do dia seguinte, Tarek al Sharif e seus homensrodearam a fortaleza em Inverness.

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apítulo III

Os portões da fortaleza se abriram. Alguns guerreiros escocesessaíram para encontrá-los. Muitos mais podiam ser vistos ali dentro dafortaleza. Suas armas estavam sacadas, as expressões, iradas. Tarekcorreu o olhar pelas ameias.

— Há apenas umas cinco sentinelas nas muralhas. Vejamos comoo lorde de Inverness nos recebe. — E pôs-se a avançar pela fileira deguerreiros que se postava à entrada.

 Alerta a qualquer possível perigo, seu olhar avaliou cada prédio, ossemblantes com que deparava, o reduzido número de pessoas e animaisno castelo. Viu os destroços queimados do cercado de animais, daferraria e do curtume. Sentiu o cheiro pungente de fumaça que aindaexalava das ruínas. Mais de um escocês trazia uma atadura recente.

— Houve problemas aqui — comentou Stephen. — Não faz quatrodias, por meus cálculos.

Tarek concordou com a cabeça e desmontou diante dos degrausque conduziam à parte interna da construção. A porta estava aberta, evários soldados desceram as escadas para encontrá-los. Um deles seadiantou. Era Ian, o escocês que encontraram na floresta, na véspera.

Havia um ar de desaprovação nos olhos do guerreiro.

—  O acordo era de nos reunirmos em três dias, Al Sharif. Alémdisso, trouxe mais que doze homens consigo. —  Ian apontou paraaqueles que estavam fora dos portões. —  Assumiu um grande riscovindo antes da data marcada. Poderia ter sido abatido nos portões.

— Ou seus homens aqui dentro. Quanto aos termos do acordo, eutrouxe dez soldados comigo para dentro das muralhas de Inverness. Noque se refere ao prazo combinado, foram suas palavras, não as minhas.Não vi razão para atraso, sendo que poderíamos alcançar Inverness emum dia. E a floresta me pareceu um lugar adequado para um ataque.

Ian resmungou.—- Você é um homem que escolhe as palavras com cuidado, e

estuda as palavras dos outros com mais cuidado ainda.— Palavras podem ser perigosas como armas. Aprendi a usá-las

com prudência.O escocês assentiu.— Irei me recordar disso da próxima vez, Tarek al Sharif. Um nome

estranho esse... Persa, eu diria. É um lugar quente a Pérsia, ouvi dizer.— Muito mais do que esta sua terra fria.

— A maioria dos que vêm para cá acha a terra inóspita e não fica.

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 Apesar de toda a aparência de bárbaro, Ian era astuto e sagazcomo uma raposa.

— Exceto por Mardigan e seus assaltantes— retrucou Tarek.

Os olhos da velha raposa se estreitaram. Não disse nada, masvoltou-se e fez um gesto para que Tarek e seus homens o seguissem.

O salão era todo de pedra e madeira. Diversas mesas longastinham sido arrumadas no centro para a refeição da noite. Uma delasfora colocada perpendicular às outras. O chão, coberto com palhafresca, exalava um odor pungente.

Criadas apareceram, trazendo travessas cheias de comidasimples. Várias mostravam marcas na face, no queixo ou um olhoinchado. Os escoceses ali reunidos eram de vários clãs, cada um

liderado por um chefe por direito de nascença.Tarek sentiu que alguma coisa estava errada. Entre os guerreiros,notou ferimentos recentes.

— Houve problemas aqui — Stephen disse. Tarek fez que sim.—  O piso está coberto com palha fresca, e as paredes foram

esfregadas com barrela, mesmo no meio de tanto frio. Muitos homensmorreram aqui. O cheiro de morte ainda se agarra ao ar como numcampo de batalha.

Os chefes sentaram-se à mesa de cabeceira. Ian acomodou-se no

meio, com seu filho, Malcolm, à direita. Os demais foram para outrasmesas, bastante desconfiados.— Antes de conversar, comeremos e beberemos.— Agradeço por sua hospitalidade, Ian de Inverness, porém meus

homens caçaram na floresta— desculpou-se Tarek.— Nesse caso, beberá conosco — insistiu Ian. — Seria um insulto

recusar. As canecas de metal foram cheias pelas criadas. Uma delas foi

estendida a Tarek.Ele não gostava das amargas cervejas inglesas, porém aquela

parecia uma bebida diferente. Compreendia o desafio que era feito comtal oferecimento. Um homem prudente poderia se recusar a beber comos highlanders. Um homem sábio, não. Aceitou o oferecimento, levou acaneca aos lábios e virou-a.

O líquido cor de âmbar desceu suave e doce. Em seguida,iransformou-se em fogo. Queimou-lhe a garganta e explodiu num infernoem seu estômago, que lhe roubou o ar e lhe encheu de lágrimas osolhos.

O velho escocês sorriu. Em torno, os outros observavam com

sorrisos de soslaio.— Gostou? Aquece a barriga, não?

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— Aquece... — Tarek, com voz rouca, pronunciou a única palavraque conseguiu.

Se era veneno, tinha um efeito muito diferente de qualquer um que

ele conhecia. O fogo se espalhou com um calor radiante por suas pernase seus braços. Os lábios formigavam, a garganta se apertou, e tudo nosalão pareceu envolto cm suave neblina. Tarek baixou a caneca, cientede que todos os highlanders o observavam.

— É uma ótima bebida. — Olhou para Ian, e viu em seu semblanteuma admiração relutante.

—  Existem poucos que entornam tudo como você fez epermanecem de pé. É um homem confiante e talvez mais tolo do quepensa.

— Não. Apenas dei ordens a meus homens para matar você e seufilho se eu não sobrevivesse.— Por Deus! — Malcolm enfureceu-se. — Não vou suportar isso!

Ele aceita nossa hospitalidade e depois nos insulta!— Nisso estamos empatados! — afirmou Tarek, tentando organizar

os pensamentos confusos.Ian, sem fitar Malcolm, ordenou:— Sente-se e baixe sua arma, rapaz! Ou saia do salão! Malcolm

não saiu, nem se sentou. Postou-se atrás do pai numa atitude

desafiadora, braços cruzados no peito, o olhar pregado em Tarek alSharif.Brianna observava o confronto, das sombras onde se escondera,

no mesmo lugar onde ouvira as exigências de Mardigan. Thomas estavaa seu lado.

 Aquele bárbaro de nome estranho tinha a postura de um guerreiro,porém não se vestia como os cavaleiros normandos, com armadura decota de malhas. Não usava proteção alguma. Sua túnica era de couromacio, presa na cintura com um cinto, e usava uma camisa de linho deum corte incomum, com mangas largas, calções de couro e botas altas.

 A espada que carregava era estreita na base, larga na ponta e curvacomo um terrível sorriso da morte à luz das tochas. Seus cabelos eramnegros e caíam pelos ombros em ondas espessas e sedosas. A barbade vários dias lhe escurecia as faces e o ângulo do queixo forte. Ela nãopodia ver mais do lugar onde estava.

—  Agora, conversaremos sobre o que traz o exército normandosem ser convidado a nosso país — disse Ian, perante o conselho.

— Você não é o lorde de Inverness— relembrou-o Tarek.—  O conselho toma decisões concernentes aos clãs! —  Ian

esbravejou. —  Qualquer coisa que queira dizer ao lorde, tem de falaraqui, e isso será posto sob avaliação pelo conselho inteiro.

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—  As palavras do rei são para o lorde de Inverness. Não aspassarei para nenhum outro.

 A tensão perpassou pelo salão enquanto os dois guerreiros se

confrontavam. Brianna viu a desconfiança e a suspeita se espalharemconforme escoceses e normandos pegavam suas armas. Se ela não osimpedisse, o sangue iria de novo manchar as paredes do castelo.

Thomas tentou contê-la, mas ela saiu de seu esconderijo e seguiuaté o centro do salão, postando-se diante da mesa do conselho.

— Então deve falar comigo— anunciou, numa voz firme e clara.Cada olhar no recinto se dirigiu a ela. Porém, na oscilante luz das

tochas, Brianna só viu um, de um azul estarrecedor, por baixo de negrassobrancelhas juntas numa ruga, quando Tarek ai Sharif se voltou ao

ouvi-la.Brianna sentiu a garganta ressecar-se. O ar ficou retido nospulmões congelados.

Ele era alto, de compleição poderosa, e se movia com a graça ágile o poder de um animal flexível. Como uma criatura da noite, que saltavaas ameias, seu pêlo a luzir na bruma: a criatura de seus sonhos.

E ela o conhecia.Meses atrás, Brianna se aproximara de um homem numa lagoa

distante, ao se esquivar de um bando de invasores. Eles decerto o

teriam matado se ela não o ajudasse a escapar. Agora, aquele homemvoltava, com exigências do rei inglês. Exigências para com o lorde deInverness.

Tarek se aproximou dela.Os olhos da jovem eram escuros como as sombras da floresta no

pálido oval da face, a pele branca de cetim. Tinha as mãos fechadascom firmeza, como se segurasse alguma arma invisível. Usava umvestido de lã de um cinza pálido que chegava até os pés. Seus cabelosestavam presos numa trança de ouro acetinado que lhe caía sobre oombro e chegava até a cintura. Prata e ouro. Como o raio de sol e anévoa. Mais que uma lembrança, mais que um murmúrio, era aquela

 jovem quem assombrava os sonhos de Tarek.Percebeu que ela também se recordava daquele primeiro encontro.—  Você é o lorde de Inverness? —  perguntou, ao se aproximar

tanto que poderia tocá-la.— O lorde está morto. Sou sua filha — Brianna explicou, naquela

entonação macia, o queixo erguido, orgulhoso, as costas eretas. — Euagora tomo as decisões em todas as questões que dizem respeito aInverness. Por que o rei inglês mandou cavaleiros armados e guerreiros

para o Norte?— indagou, com toda a altivez de um chefe.

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—  Têm havido mais ataques dos invasores ao Norte. SuaMajestade está ciente de que os clãs daqui sofreram grandes perdas eoferece sua proteção contra esses inimigos estrangeiros. — Tarek viu a

surpresa no rosto dela, seguida de duvida e desconfiança. — Invernessé distante de Londres, e difícil de defender. O rei oferece proteção poruma aliança.

 __ Uma aliança? —  intrometeu-se Malcolm, incrédulo. Guilhermeda Normandia não faz alianças, toma o que quer. É chamado oConquistador por uma boa razão.

- O rei oferece uma aliança— Tarek repetiu, com toda a calma, porentre os resmungos zangados dos escoceses. De mútuo benefício.

- Que mútuo benefício o rei propõe?— Brianna quis saber.

—  A força do exército normando combinada com a dos clãs doNorte para expulsar os invasores.— Com um exército aqui, o que impediria o Conquistador de tomar

a Escócia inteira?— Malcolm fez um esgar.— Se Guilherme quisesse tomar a Escócia, isso já teria sido feito.

— Tarek meneou a cabeça. — Porém, Sua Majestade não ambiciona aEscócia. Apenas a proteção do li-loral norte contra outros que poderiamameaçar o trono de Inglaterra.

—  Que garantias temos da verdade dessa aliança proposta? — 

questionou Malcolm.— Têm minha palavra e o lacre real nos documentos que trago.— Nada é dado de graça. — lan encarou-o. — O que seu rei pede

em troca da proteção? Aquele que se autodenomina Guilherme, oConquistador, não é alguém de dar alguma coisa em troca de nada. Oque quer?

Uma mal disfarçada hostilidade e tensão encheu o ambiente, comos escoceses no aguardo da resposta.

Tarek voltou-se para Brianna. Seus olhos se estreitaram. Estavaconfiante. Encontrara a fraqueza que procurava na dor que via nosemblante da jovem. Então, com frieza e um ar implacável, disse ostermos:

— Você.O salão irrompeu em violentos protestos. Stephen postou-se diante

de Malcolm quando ele sacou a espada.— Você está louco!— ela murmurou.Tarek sentiu o choque e o ultraje que a perpassavam. Viu a raiva

naquele luzir em suas pupilas. Aproximou-se, como um caçadorencurralando a presa.

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—  O que pede é impossível, Tarek al Sharif. Os chefes jamaisaceitariam o casamento como uma condição para uma aliança. Você eseus homens serão mortos.

— Pode ser. Porém, mais duzentos de meus soldados aguardammeu retorno. Se eu não voltar, Inverness será incendiada.

—  Você não é diferente de Mardigan! —  Os olhos dela seencheram de lágrimas.

— Prefere uma aliança com os invasores, com o sangue de seupai ainda manchando a terra debaixo de seus pés?

Brianna angustiou-se. Se não concordasse com os termos, oschefes e os membros dos clãs e todos os que ficassem dentro deInverness seriam assassinados. Tarek oferecia uma aliança, porém

mantinha seu povo como refém, a menos que ela aceitasse. Sedecidisse se recusar, haveria mais sangue e morte.— Preciso de tempo para pensar.— Terei sua resposta agora.Brianna cerrou as pálpebras, procurando forças e fazendo uma

prece. Mas só via sangue e destruição. Quando as abriu, as imagensterríveis continuaram a assombrá-la. Fez a única escolha que tinha.

Numa voz soturna que lhe ardeu na garganta, disse:— Aceito.—

 Então, chame seu padre, pois estaremos casados amanhã. Oolhar furioso de lan encontrou o dele.—  É impossível! Há muito a ser feito antes que os votos sejam

pronunciados. Imagino que não pretenda desonrar milady desse jeitodiante de seu próprio povo.

— Eu a desposarei, lan de Inverness. Com isso, eu a honro acimade todas as outras. Chamem o padre. O juramento será feito, ou ela irápara minha cama sem eles. —  Então, voltando-se para Brianna,enquanto seus homens se reuniam em torno dele. avisou: — Nem sonheem escapar, pois eu a encontrarei. E depois porei abaixo o que restar deInverness.

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apítulo IV

Brianna adivinhou a presença de Thomas antes que o painel daparede se abrisse e ela sentisse o súbito golpe de ar frio que invadiu oquarto.

Olhou ansiosa para a porta aberta. Fora destruída, despedaçadapelos homens de Mardigan. Uma pesada tapeçaria se achava presa naabertura para lhe dar privacidade. Um guarda normando se postara dooutro lado durante toda noite.

Ninguém tinha permissão de entrar ali, nem ela poderia sair. Erauma prisioneira em sua própria casa.

Thomas fora forçado a usar a passagem secreta, pois todaInverness estava tomada de soldados normandos.

— Você deve tentar escapar! O caminho está livre. Brianna temeuque o guarda pudesse ter ouvido o ranger da pedra. Mas ninguémentrou. Os pensamentos de medo ligaram-se a Thomas.

— O que você fez?— O guarda na passagem não nos incomodará, patroa.— Você o matou?— Ele dorme com uma poção especial que a cozinheira preparou.

— Thomas franziu a testa e deu de ombros. — Ela não tinha o suficiente

para todo o exército normando.Brianna pousou a mão terna no braço forte que a protegera desde

que era criança.— Não posso. Não fugirei da promessa que fiz. Se o fizer, porei em

perigo meu povo.— Esse não é seu destino! Seu pai jamais permitiria tal coisa.—  Ele mesmo falava da necessidade de uma aliança. Thomas,

meu querido amigo e guardião. Inverness cairá sob Mardigan se essaaliança não for feita. E cairá sob os normandos, se eu fugir. — Meneou a

cabeça, desolada.— Não tenho escolha.Brianna sentiu o desespero do amigo diante daquele problema do

qual não podia salvá-la.— Matarei esse a quem chamam Tarek. Os soldados normandos

partirão se seu líder for assassinado.—  E voltarão centuplicados para matar cada homem, mulher e

criança de Inverness, junto com todos os do clã. Não. Não há outro jeito.Sons vieram do outro lado da tapeçaria pendurada sob a abertura

da porta. Vários guardas aproximavam-se. Tinham vindo buscá-la.

Brianna olhou para a janela. Era de manhã. As primeiras luzes.O olhar de Thomas seguiu o dela.

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— Ainda há tempo, milady. Por favor, não ceda à exigência dele!—  Não arriscarei a vida de meu povo, Thomas. Vá agora — 

murmurou, aflita.— Eles não podem encontrá-lo aqui.

Thomas soube que Brianna não poderia ser persuadida econcordou. A pedra voltou ao lugar no exato momento em que Gavin deMarte puxava a tapeçaria e entrava no aposento.

Brianna sentiu-lhe o peso do olhar quando o jovem examinou-lhe ovestido, o mesmo que ela usava na véspera. Havia um vestido mais finodobrado no baú, mas Brianna se recusava a colocá-lo. Não via razão.

 Afinal, seria conduzida como uma prisioneira em seu próprio casamento.Não tinha razão alguma para celebrar.

Sua única concessão foi um manto de lã que pendia de seu ombro,

preso com um ramo de urze seca. Era lindo, em tons de negro, azul everde-floresta, com uma tira branca. As cores de sua família.Poderia ser uma prisioneira, forçada a se casar, porém não

envergonharia seu povo ou os outros chefes parecendo-se com uma.Concordara com a aliança. Tudo suportaria pelo bem e pelo orgulho desua gente.

— Deve usar isto. — Gavin colocou um pacote dobrado de veludopreto sobre a mesa. Ao desdobrá-lo, revelou uma enorme e reluzenteesmeralda numa corrente de ouro.

Brianna ficou estupefata. Era uma pedra notável, exótica ediferente de qualquer coisa que já vira. Que homem era aquele, queforçava uma mulher ao casamento e depois dava-lhe um presente sempreço?

— Pode devolver.— Milorde pede-lhe que use — Gavin explicou. — Tem um grande

significado para ele.— Não tem nenhum para mim. Seu lorde não me tem afeição, nem

eu por ele. Fiz um acordo para garantir a segurança de meu povo. Nadamais. Não aceitarei, portanto.

Gavin franziu a testa e envolveu a esmeralda no veludo.— É hora, milady.Desolada, os dedos entrelaçados, Brianna concordou e seguiu-o

para fora do quarto.Cullum mandara construir uma pequena capela em Inverness.

Brianna fora batizada ali. Agora, estava cheia de soldados armados ecavaleiros normandos que se amontoavam na entrada e se alinhavamna passagem do lado de fora até o salão.

Pai do céu..., ela pensou, a incerteza a se transformar em um

medo tal que lhe apertou a garganta e fechou-se como uma garra geladaem seu coração. Tomara a decisão certa?

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Tudo estava pronto quando ela entrou na capela. Os chefes sepostavam no centro. Atrás deles e alinhados nas paredes, cavaleiros esoldados normandos.

Malcolm, inquieto e teimoso, ficava perto do altar, a mão fechadacom força no cabo de seu machado de guerra, com uma ira assassinano olhar.

Conforme observava a pequena procissão conduzida por Gavin deMarte entrar na capela, Stephen de Valois tentou mais uma vezconvencer Tarek a desistir:

— Isso é loucura! Perdeu a razão? Não é necessário casar-se coma moça. Os escoceses serão obrigados a aceitar o acordo quando vocêreclamar seus direitos sobre Inverness.

Tarek tinha certeza de que todos ali lutariam e morreriam até oúltimo homem se Brianna de Inverness de repente declarasse que nãohonraria a aliança conforme os termos que ele impusera.

Compreendia a confusão de Stephen, porém ele via no pacto osmeios de ter o que queria, e muito mais. Não perdera o senso.

— É justo por esse motivo que me casarei com a lady. Essa gentenão será curvada pela espada. Mas os votos de casamentopronunciados diante de seu Deus cristão não são quebrados comfacilidade. A moça deu seu consentimento. —  Sua boca apertou-se,

numa linha dura.—

 Concordo quando você diz que quero essa jovem.Eu a quero como a nenhuma outra. Brianna é um prêmio a servalorizado e protegido, pois nos votos, existe um laço de promessa e desangue. Não me deitarei com ela para correr o risco de ter um filho queme despreze por fazer dele um bastardo.

 Ambos entendiam bem essa sorte.Tarek viu Brianna, que passava pelas sombras da soleira da

capela, escoltada por Gavin de Marte.Franziu a testa. Ela usava o mesmo vestido da noite anterior e

nenhum adorno. Estava como naquele dia, meses atrás, quando pelaprimeira vez a encontrara, entre a bruma fria e os raios de sol.

Não usava a esmeralda de Anshala, a jóia rara passada porgerações pela família da mãe de Tarek. Isso não o surpreendeu. Emborasuas maneiras fossem calmas, resignadas com a decisão que tomara,ele sentia emoções bem diferentes debaixo da tranqüila fachada deBrianna.

Na véspera, ele tivera um relance dessas emoções no semblantedela: dor pela perda dos pais e tantos parentes, raiva diante da escolhaque ele impunha e que não era de forma alguma uma escolha; porém,

mais do que tudo, coragem e desafio.

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Gavin aproximou-se com Brianna a seu lado. Quando estendeu oveludo dobrado com a esmeralda de Anshala dentro, Brianna encarouTarek.

—  Tragam o padre —  ele disse, com secura. Brianna voltou-sequando a porta ao lado do altar simples se abriu. O padre Cadmonentrou. Era um cisco de homem, de ombros curvados como secarregasse o peso do mundo. Após o ataque, trabalhara sem cessarpara consagrar os túmulos e consolar os vivos. Contudo, naquelemomento, ao adentrar a capela, endireitou os ombros, empertigou-se efitou os cavaleiros e soldados normandos que montavam guarda.

— Como se atreve a trazer homens armados para este lugar deveneração?! Mande que todos saiam!

— Se eu mandá-los sair, os escoceses sairão também — retrucouTarek.— Que assim seja. Não terei armas de guerra neste lugar sagrado.— Assim será. Comece a cerimônia — Tarek pediu. — Não haverá

mais interrupções. A mão de Brianna descansou sobre a de Tarek durante o

pronunciamento dos votos em latim. O padre Cadmon ofereceu suabênção, relutante, as palavras a ecoarem no tenso silêncio que reinava.

— Irá terminar do modo antigo, com a entrega do manto, milady?—

 ele quis saber.Brianna não pensara naquele ritual, um gesto ainda maissignificativo para sua gente que todas aquelas palavras em latim.Simbolizava sua união com aquele homem. Entre os highlanders erauma ligação mais forte do que tudo.

Tornou a olhar para Tarek, parecendo uma rainha, e estendeu aele o manto de lã.

Tarek estava familiarizado com tais costumes, baseados na honrae na tradição. Aquele simbolizava que Brianna se colocava sob seuscuidados e proteção. E, por meio dela, o povo de Inverness.

Ele a forçara a aceitar aquela união. Porém, não a obrigara aoferecer o manto com o simbolismo que carregava. Tarek segurou firmeo manto fino de lã macia.

—  Honrarei meu juramento a você e a seu povo, milady. Agora,seremos ligados de acordo com as leis do Islã. — E tomou-lhe a outramão na sua e, com gentileza, a fez se ajoelhar, ficando os dois de frenteum para o outro.

Quando Tarek tirou um pequeno punhal do cinto, Malcolm e meiadúzia de escoceses se aproximaram, atentos. Thomas postou-se atrás

de Brianna.Ian interpôs-se entre o filho e os soldados normandos.

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— Comece sua cerimônia bárbara e acabemos logo com isso.Quando os ânimos se acalmaram, Tarek começou o ritual. Não

havia nenhum homem santo para dizer as preces do Islã, e portanto ele

mesmo o fez. Pegou a grossa trança dos cabelos de Brianna e, quandoergueu o punhal, viu o medo nublar aqueles olhos verdes, e ela respiroufundo. Encarou-o, cheia de cautela.

Com um rápido gesto do pulso, Tarek correu a lâmina pela trança.Brianna encolheu-se, mas não deixou escapar um único som. A

pulsação em sua garganta parecia a de uma corça assustadaconfrontada com o caçador. Então, ao relancear o olhar, descobriu comsurpresa que não era a trança cortada que Tarek segurava, porém osimples cordão de couro que a prendia.

Livres, seus cabelos espalharam-se sobre seus ombros como umacascata dourada. Ele tomou-lhe a mão direita na dele.O contato a surpreendeu. Era suave, como se ela fosse de vidro

raro, o calor a envolver-lhe os dedos gelados, a deixá-la espantada coma inesperada ternura.

Quando Tarek falou, foi de forma mais íntima, como se apenas osdois estivessem na capela, e não rodeados com centenas de homensarmados.

— Entre o povo de minha mãe, quando um homem e uma mulher

querem se unir, essa união é simbolizada por um cordão de couroenrolado em torno de suas mãos juntas.Ela observou, com cautela e fascinação, seu marido torcer a corda

de couro em torno das mãos unidas num padrão preciso e específico, econtinuou a explicar:

— O cordão é primeiro cruzado nesta direção como um símbolo denossas vidas unidas. —  Puxou-o por trás das costas da mão entre opolegar e o indicador, passando pela dela.

Então, passou a outra ponta sobre a primeira, torcendo-a, entre odedo médio e o anular.

— Isto simboliza nossos corações unidos. A seguir, trouxe ambas as pontas sobre as palmas, enrolou-as,

uma em cada pulso, e as torceu na primeira volta, num padrão sem fim.—  Isso simboliza nossas almas unidas. De todas as maneiras,

Brianna, seremos como um só. Uma vida, um coração, uma alma, portoda a eternidade.

Passou a falar os votos num idioma desconhecido para ela. Eramuito diferente do latim, cheio de sutis nuances e inflexões, como se avoz acariciasse cada palavra. Então seu olhar encontrou o dela por

sobre as mãos unidas, ligadas apenas pelo cordão frouxo de couro.— Eu não entendi o que disse.

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— Com o tempo, eu lhe ensinarei, Brianna. De muitas maneiras, oque falei é parecido com o juramento que acabamos de pronunciar, umaunião em qualquer língua.

Brianna sentiu como se ele pudesse enxergar dentro dela.Tarek abriu a mão, soltando a dela com carinho e ternura.Um burburinho se ergueu, e as portas fechadas abriram-se de

repente. Robert de Mortain, a quem Tarek confiara o comando doexército acampado fora dos portões de Inverness, entrou com passosrápidos. Trazia nos braços um fardo embrulhado num manto. Ao chegarao altar, abriu-o, revelando a face ensangüentada de um rapazinho.

—  Duncan Ross! —  gritou Brianna, ao reconhecer o garoto, oscabelos grudados de um ferimento que sangrava muito, o lado da face

quase irreconhecível por uma brutal contusão que ia do queixo até atêmpora e lhe fechava um olho.— Coloque-o no chão.O cavaleiro a obedeceu.— Tragam água quente e panos limpos — ela ordenou. O jovem

Duncan encolheu-se ao toque das mãos geladas de Brianna em suatesta. Seus olhos estavam vidrados de febre que fazia tremer seu corpomiúdo.

—  Lady Brianna? Preciso falar com o lorde. Atacantes... emGlenross.

Por sobre o corpo febril do menino, Brianna encarou Malcolm,quando ele se ajoelhou ao lado. Malcolm soltou uma praga. Mas foi onovo lorde de Inverness que se ergueu depressa e moveu-se com ar decomando.

— Diga aos homens para ficarem de prontidão— Tarek se dirigiu aStephen de Valois.

— Foi Mardigan! — exclamou Brianna, as palavras a lhe doeremna garganta.

Pensou na irmã de Mirren, em sua prima Gillie e na família, etantos do clã Ross que viviam na vila.

 Aquele era um lugar remoto e pequeno, sem importânciaestratégica. Nem era rico em comércio como outras cidades maispróximas. O povo vivia da terra.

— A que distância fica Glenross?— Tarek quis saber.— Dois dias ao norte, pelas charnecas— Malcolm informou.— A pé?— Sim.— Sendo assim, chegaremos em pouco mais de um dia a cavalo.

—  Tarek voltou-se e deu ordens a Mortain. —  Metade dos homens

devem ficar prontos para rumar para o norte neste instante. A outrametade deve ficar aqui.

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Mortain franziu a testa.— Acha prudente dividir nossas forças?

 A resposta foi para Mortain, porém o olhar de Tarek se cravava em

Brianna.— Penso que seria imprudente deixar desguarnecido o verdadeiro

prêmio que Mardigan procura. —  Então, virou-se para Malcolm, comconfiança e autoridade. —  Meus homens precisarão de comida paracavalgar para o norte.

Por instantes houve apenas silêncio. Então, embora tenso.Malcolm concordou.

— Os meus também. Providenciarei isso.—  A pé vocês irão nos retardar, Malcolm. Se esses atacantes

devem ser pegos, isso deve ser feito logo, antes que desapareçam denovo. Sua força terá melhor uso defendendo Inverness.Era uma lógica que não poderia ser contestada.—  Sendo assim, meus homens ficarão no castelo. Porém, eu e

meia dúzia de meus soldados cavalgaremos a seu lado. Precisará dealguém para mostrar o caminho pelas charnecas ou jamais chegará aGlenross, Tarek al Sharif.

O olhar de Tarek estreitou-se, apreciando aquela iniciativa.— Apronte-se para partir.—

 Irei junto.—

 Brianna ficou de pé.— É muito perigoso. Você ficará em Inverness.— Glenross era terra de minha mãe. O povo da vila contava com

ela para protegê-los. Agora essa responsabilidade recai sobre mim. Nãoficarei sentada, esperando notícias, quando existem aqueles quenecessitam de minha ajuda.

 Acima de tudo, Tarek compreendia a lealdade. E também sabiaque isso se conquistava, não se tomava. Teria de ganhar a dela.

— Você ficará em Inverness. — E enlaçou a mão na dela. Discutirera inútil.

—  Deixem Thomas ir com vocês, então. —  Brianna pousou osdedos no braço de Tarek. —  Ele é um guerreiro forte. O povo deGlenross o conhece e confia nele. Poderá ajudá-lo.

— Thomas será mais útil para mim se ficar aqui, Brianna. Dessamaneira, terei certeza de sua segurança.

—  Estarei bem segura, milorde. O povo de Glenross precisarámuito mais dele.

— Minha decisão é final. Thomas ficará em Inverness. —  Então,voltou-se para Stephen de Valois, que se aproximava.

— Tudo pronto, milorde — Stephen anunciou. Tarek fez um gestode assentimento.

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— Dê a ordem. Partiremos agora mesmo para Glenross.Sob um céu sombrio, Brianna postou-se nas ameias, enquanto a

longa coluna de cavaleiros e guerreiros muito bem armados passava

pelos portões de Inverness.Thomas saíra da vila, montado no cavalo do padre Cadmon. Ele

conhecia as Terras Altas melhor que qualquer homem. Com as bênçãosde Deus e clima bom, e sem uma pesada armadura para cansar ocavalo, Thomas chegaria fácil a Glenross horas antes da coluna, maislenta. O tempo era precioso.

Continuaria pela noite, a pé, puxando o cavalo quando o animalficasse muito cansado para carregá-lo pelo caminho sinistro que tambémo guiara para Inverness tantos anos atrás, com uma criança de faces

rosadas e cabelos dourados, em busca de uma família.E Brianna estaria esperando por ele.

 A névoa se espalhou pelas ameias da muralha. Revolveu-se numaonda prateada e sedosa, enovelou-se aos pés de Brianna e depois, aospoucos, subiu.

Ela experimentou seu hálito frio, e palavras estranhas e antigas, asprimeiras que ouvira quando menina, foram murmuradas dentro dela,emergindo daquele espaço de lembranças e sonhos perdidos.

Seus olhos se fecharam, as frases a se tornar seus própriospensamentos. Ouvia-as na alma e as sentia no sangue. A brumaenvolveu-a num ninho sedoso, fechando-a dentro de si mesma, até quepareceu que ela cessara de existir.

O tempo não existia. Brianna deixou a crisálida de neblina eavançou para um distante ponto de luz.

Viu que algo, devagar, tomava forma: um corpo esguio e prateado,de bico agudo, presas mortais, fulgurantes olhos dourados e asaspoderosas, que estendeu e bateu num poderoso golpe de vento.

Brianna julgou-se arrancada da própria carne, o ar, expulso dospulmões, como se os momentos de sua morte e nascimento se tivessemtornado unos. Sua vida terminara e começava.

 A dor era intensa. Gritou. Então, de repente, estava livre. Imergiuna luz. A bruma recuou das muralhas e o vento soprou.

Transformado, o flexível falcão lançou-se dali. Rumou para o nortesobre os picos das montanhas nevadas, enquanto lá embaixo a colunade cavaleiros normandos e guerreiros escoceses cavalgava paraGlenross.

Uma fumaça espessa espiralava da fogueira onde um leitão era

assado no espeto. Os homens se reuniam ao lado do fogo, a conversapontuada de comentários chulos, discussões e risadas.

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Um único guerreiro sentava-se à parte, os olhos azuis estreitadosde raiva.

—  Que notícias tem? —  perguntou a um de seus liderados que

acabara de chegar. — Lady Brianna foi encontrada entre o pessoal davila?

—  A filha do lorde não estava em Glenross —  disse o recém-chegado, hesitante.

— Informaram que ela estaria lá. Você irá encontrá-la!— Mardiganesbravejou, ao caminhar na direção da fogueira, os passos controlados,os punhos fechados dos lados. — Brianna escapou em Inverness. Nãoescapará de novo. Você a procurará pelos arredores até que sejaencontrada. Não volte sem ela!

Uma expressão cruel torceu-lhe os lábios. As íris, azuis como océu, reluziram com uma fria brutalidade. E inquietação. Não gostavadaquela floresta com as pedras de pé, de forma inusitada, esculpidascom estranhas imagens, e dos rostos fantasmagóricos entalhados nostroncos das árvores, sempre parecendo estar a observá-los. Queria irembora dali, cumprir seus planos para Inverness.

Em breve, decidiu. Logo teria o que queria. Brianna de Invernessnão poderia se esconder para sempre.

Um grito repentino ecoou pelo acampamento. Um dos homens

voltara, e puxava uma mulher atrás de si. Foi arrastada pelo chão até ospés de Mardigan.Tinha os seios cheios e redondos que saltavam acima do decote

de seu corpete, uma cintura fina e quadris largos e curvados. Uma moçade pele clara e bonitas feições. Porém, os cabelos eram da cor domogno escuro, e os olhos que o encaravam não eram de um verdebrilhante, mas castanhos.

Seu captor a forçou a ficar de pé.— Tire suas mãos de mim, seu porco sujo! — berrou, cuspindo no

viking.E foi atingida com um soco no lado da cabeça. Gillie logo se

recuperou e se lançou sobre o captor, as mãos atadas com as unhas emgarra, gritando mais pragas sobre ele.

— Pare!— Mardigan ordenou.O acampamento caiu em silêncio. O olhar furioso de Mardigan

desviou-se da mulher para o guerreiro.— Onde a encontrou?— quis saber.— Não longe daqui.— Deixem-nos a sós!

Em seguida, Mardigan rodeou a cativa.-- Onde está lady Brianna?

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Gillie esfregou a pele machucada do rosto.— Eu falei ao idiota. Ela não está em Glenross!— Mas não foi encontrada em Inverness. A vila faz parte de seu

domínio. Decerto viria para cá.— Não a vi nesses últimos dias desde o ataque a Inverness! Juro!Mardigan encarou-a com uma expressão perigosa. O ouro dos

braceletes de seu pulso luziu perante o fogo quando ele estendeu obraço e agarrou o tecido do corpete de Giilie, abrindo-o.

— Se estiver mentindo...— Não é mentira! O que digo é verdade!

 A mão dura e cheia de calos se apossou do seio nu, apertando emachucando a carne tenra. Gillie foi agarrada e arrastada até uma

daquelas pedras altas, como um sacrifício oferecido aos deuses antigos.Mardigan comprimiu-a contra a pedra. Então, levantou-lhe a barrado vestido. Nas coxas nuas, ela seritiu o súbito e cruel aperto daquelesdedos.

O rubor tingiu-lhe o rosto quando os homens se reuniram em tornopara observar, entre risadas e ditos obscenos.

Gillie esmurrou Mardigan com os punhos amarrados, na cabeça enos ombros, apenas para arrancar mais gargalhadas e berros deencorajamento. Cuspiu nele. Se tivesse um punhal, teria matado

Mardigan. Nesse momento, ele enterrou os dedos dentro dela.Seu corpo teve um espasmo e retesou-se com a súbita invasão. Oar fugiu-lhe dos pulmões. Os ombros de Mardigan comprimiam os dela,conforme ele enfiava os dedos dentro dela de novo, soltando os laços dacalça com a outra mão. Sem demora, penetrou-a de fato, tomando possede Gillie, que cerrou as pálpebras.

Quando ele terminou, demorou-se dentro dela por um momento, ohálito quente a lhe queimar o pescoço. Afastou-se e ajustou a frente dacalça. Gillie abaixou a saia. Sentiu que ele a observava. Um dos homensadiantou-se.

—  Fora! —  Mardigan grunhiu, furioso, para o guerreiro, tomouGillie pelo braço e levou-a consigo.

Gillie ficou aliviada ao perceber que, por enquanto, estava a salvodo resto dos soldados. Mesmo que seu estômago se revirasse com asensação daquela carne dura dentro de si, contar com Mardigan erauma vantagem.

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apítulo V

 A vila de Glenross ficava na fronteira norte dos domínios deCullum, num vale remoto. Envolta pela névoa matinal, parecia muda,nenhum som se ouvia que viesse de lá. Um silêncio tenebroso pairavana atmosfera fria, impregnada com o cheiro da morte. Corvos alinhavam-se nos beirais das residências, aves de rapina circulavam no alto.

O ataque fora à noite. As portas das casas tinham sido destruídas.Os homens, derrubados a machadadas, mulheres e crianças,assassinadas com igual crueldade, inclusive os bebês em seus berços.

 As moças pareciam ter sumido. Sem dúvida foram carregadas ebrutalizadas de formas piores que a morte.

Não restara ninguém vivo? Brianna foi de cabana em cabana eencontrou apenas mais infelicidade.

Então, ao entrar em mais uma, ouviu um choro abafado. Sob astábuas queimadas do chão, a luz da cabana incidia sobre as feiçõesapavoradas de uma jovem.

— Lady Brianna?— Anne Simm disse, incrédula.— Sou eu. Dê-me sua mão.

 Anne saiu do porão e estendeu o filho a Brianna.—  O bebê nasceu cinco dias atrás. Eles chegaram após o

escurecer. De surpresa. Atacaram primeiro o outro lado da vila. John mefez descer com o bebê para o porão. Fechou o painel e cobriu com palhao lugar. — Ergueu o olhar aflito para Brianna. — Eu não tinha escolha.Precisava proteger minha criança.

Brianna envolveu Anne e o filho nos braços.— Vocês não podem ficar aqui.

 Ao deixarem a cabana, foram forçadas a passar sobre o corpo deJohn. Anne ajoelhou-se ao lado do marido.

—  Você deu a vida por nosso filho, John Simm —  disse, com

tristeza, sofrimento e orgulho. — Farei o melhor por ele. Nosso meninocarregará seu nome e o prestigiará.Puxou o pedaço rasgado e queimado do manto felpudo sobre o

peito largo como se a protegê-lo do frio.— Você foi um bom homem, e verei que seja enterrado da maneira

adequada.— Levantou-se.— Podemos ir agora, milady.Em meio às ruínas de outra casa, encontraram outro sobrevivente,

o avô de Duncan, Bruce Ross. Ele fora atingido por um terrível golpe nacabeça e estava sob uma viga do telhado incendiado, incapaz de semover por dois dias. Sorriu em meio à febre quando ela e Annelibertaram-no.

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—  Pode ficar de pé? —  Brianna perguntou, ao apoiá-lo pelacintura.

—  Sim. —  Seus olhos cansados se encheram de lágrimas, e os

ombros se curvaram quando Bruce viu os corpos do filho e da família.Não disse uma palavra. Ficou a olhá-los, em total desalento.

— Duncan está a salvo em Inverness.O velhinho pestanejou ao ouvir Brianna, e seus olhos se

iluminaram por um momento.— Vivo?— Sim, e levou notícias do ataque. É um rapaz corajoso e forte.Bruce assentiu.— Como o pai. — E tornou a fitar o cadáver do filho. — Há outros

vivos, milady?— Alguns podem ter fugido para os bosques. Falta ainda examinar

umas poucas cabanas. — Apontou para o fim da vila, que sofrera danosmenores.

Bruce rodeou os ombros de Anne com o braço.— Vamos, garota. Tomarei conta de você e do bebê. Ao seguirem

para a última residência, que escapara sem danos, por puro milagre,Bruce notou alguma coisa na beira da floresta.

— Alguém está chegando.

Brianna sentiu o coração bater acelerado. Foi quando distinguiuduas mulheres. Ao chegarem mais perto, Brianna as reconheceu. Agarota Nel, cuja família vivia na vila. A outra era sua prima, Gillie.Brianna correu para saudá-las.

 Ao vê-la, Nel gritou e correu também. Agarrou-se a Brianna ecomeçou a soluçar, descontrolada.

— Calma, menina — Brianna murmurou, afagando os cabelos deNel. Fitou a prima.— Graças a Deus está a salvo, Gillie.

— O que está fazendo aqui?Brianna sorriu. Gillie não parecia feliz em vê-la, contudo muito

pouca coisa costumava agradar a prima.— Duncan Ross nos levou notícias do ataque.— Houve sobreviventes?— Muitos estão desaparecidos. Espero que tenham escapado para

os bosques, como vocês duas.—  Eu não escapei —  Nel gaguejou, entre as lágrimas. —  Não

houve tempo.Não foi preciso que a menina falasse mais nada. Tinha o jeito de

um animal ferido. Seu rosto e os braços estavam cobertos de

hematomas. Brianna tinha pouca dúvida sobre o que sofrera a garota.— Como escapou, meu bem? — perguntou, gentil.

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—  Eles me deram algum tempo, perto de um riacho, para melavar... depois que... terminaram comigo. — Estremeceu nos braços deBrianna, e pousou a cabeça contra seu ombro. — Quando se distraíram,

eu corri. Continuei correndo até que não conseguia dar mais um passo.Gillie fugiu também.

Brianna encarou a prima.— Oh, Gillie...Ela olhou pela vila na direção de seu próprio chalé. -- Viu Rabbie?

— indagou, com desinteresse.— Ele está morto.— Ora, era de se esperar. — Gillie deu de ombros. — Não era lá

um homem muito corajoso.

Brianna sentiu uma pontada de raiva diante da falta de compaixãode Gillie pelo marido morto. Rabbie era um bom homem. Enlaçou Nel epuxou-a.

—  Venha, precisamos encontrar abrigo para a noite. Anne estáexausta, e o bebê necessita de calor e comida.

— Não vai para lá, vai? — protestou Gillie, ao ver que se dirigiam auma cabana de taipa e sapé apartada da vila.

— Possui paredes sólidas e um teto — Brianna ponderou. — Nãopodemos pernoitar ao ar livre.

 Mas a bruxa vive ali. É uma feiticeira. Não confio nela.— Está livre para ir aonde quiser, Gillie, mas é bem-vinda se ficar

conosco. As demais cabanas também estavam em ruínas ou cheias de

cadáveres dos aldeões. O céu prenunciava uma tempestade. Mais doque tudo, Gillie detestava o desconforto. Seguiu-os até a cabana davelha Drusilla, a resmungar imprecações.

O avô de Duncan chamou, ao chegar à porta:— Abra, mulher, se estiver aí.

 A princípio, não houve resposta, mas, por fim, a porta se abriunuma fresta e olhos escuros os fitaram.

— Vão embora!— a velha exclamou.— Não podemos —  disse Brianna. — Está frio, e precisamos de

abrigo ou o bebê não sobreviverá.— Bebê?— a porta se abriu mais um pouco.— Sim, o bebê de John Simm e sua mulher.— John Simm arrumou meu telhado no verão passado.— Sua esposa e a criança necessitam de abrigo, e o restante de

nós também.

 A porta se escancarou.

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— Um homem decente aquele John Simm... Entrem. Ao entrarem,Drusilla exclamou, apontando para Brianna:

— Você é a filha do lorde! — Olhou para fora. — Não há ninguém

mais consigo?— Eles chegarão de manhã de Inverness.Drusilla foi preparar alguma coisa para eles comerem.Tomaram um caldo magro. O bebê logo mamava, contente, nos

seios de Anne. A jovem Nel caiu num sono exausto. Ao embalá-la, Brianna

conectou a mente aos pensamentos angustiados da jovem, quepareciam um pesadelo. E em meio àquelas imagens horríveis havia umaface que ela reconhecia e não poderia jamais esquecer: a de Mardigan.

Quando a garota dormiu, Brianna cuidou do ferimento da cabeçade Bruce. Em seguida, foi recolher lenha das cabanas próximas, para ofogo. Pediu a Gillie que trouxesse água fresca do rio.

—  Não se sabe quem poderia estar lá — protestou Gillie. Com apaciência esgotada, Brianna retrucou, seca:

—  Nesta cabana estão uma mulher idosa, um homem fraco etambém idoso, uma moça meio esfaimada com seu bebê e uma criançaapavorada. E nenhuma arma.

Gillie a encarou, furiosa.—

 Agora é a senhora de Inverness e quer me dar ordens. E nemmesmo é filha verdadeira de Cullum! Ele que nem sequer julgouconveniente ajudar a família de minha mãe depois que se casou comsua irmã mais nova!

Brianna estava cansada demais para discutir. Assim, pegou obalde e rumou para o rio.

Na escuridão crescente, tropeçou na carcaça de uma ovelha nabeira d'água. Foi corrente acima para colher água mais limpa. Mergulhouo balde entre as rochas ainda com traços de neve.

Sentiu uma presença perigosa que a fez erguer a cabeça,alarmada. Então, na escuridão que caía, viu o brilho de tochas querumavam para a vila.

O pânico a dominou. Malcolm e os normandos não poderiam teralcançado Glenross. Aquilo só poderia significar uma coisa: Mardigan eseus homens tinham voltado.

Correu depressa para a margem. Subiu o barranco, contornou avila correndo, pensando em Anne e no bebê, em Nel, Gillie e Drusilla,indefesas, com apenas o velho Bruce para protegê-las.

 Apertou o punhal que Cullum lhe dera e pôs-se a correr para o fim

da vila. Sentiu a presença do guerreiro naquele instante breve antes que

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ele a agarrasse. Braços poderosos fecharam-se, comprimindo os delados lados. Foi tirada do chão.

Então aquele abraço forte apertou-lhe os pulmões, até que ela não

conseguiu mais respirar. Ficou imóvel. E logo sentiu o aperto seafrouxar. Lisa como uma enguia, Brianna escorregou e caiu de mãos e

 joelhos no solo. Quando os dedos poderosos se fecharam em seuombro, ela soltou uma cotovelada. Atingiu algum lugar no ventre doatacante. Um gemido alto e doloroso se ouviu, seguido de uma pragagutural.

Brianna teria escapado se ele não a tivesse prendido peloscabelos. Seu captor a segurou debaixo de um braço como um patolevado ao mercado. O guerreiro a carregou pela vila, até o ajuntamento

de tochas.Parou e soltou Brianna de repente. Ela caiu no chão numaconfusão de saias e cabelos desgrenhados.

 A luz das tochas luziu na lâmina fina e mortal em sua mão e noscabelos dourados que lhe caíam pelas costas. Seu peito arfava sob aroupa de lã. O rubor queimava-lhe as faces, e suas íris se tornaram dacor de brilhantes esmeraldas.

Tarek al Sharif encarou com raiva crescente sua bela e corajosaesposa.

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apítulo VI

 __ O que está fazendo aqui? —  Tarek perguntou. Stephen deValois sorriu, mesmo se dobrando de dor do soco que Brianna lheacertara na virilha com surpreendente precisão. Os guerreirosnormandos se reuniram em torno deles. A luz das tochas brincava pelasfeições frias de Tarek al Sharif.

Ele segurou-a pelo pulso, os dedos a comprimir os ossosdelicados. O punhal caiu ao solo. Em torno, os cavaleiros e guerreirosolhavam com surpresa e se faziam a mesma pergunta.

Brianna não tinha dúvidas de que ele poderia com facilidadequebrar seu pulso. Cometera um grave erro de cálculo ao imaginar que omarido poderia ser persuadido com facilidade de que ela tão-só tomaraoutra rota para chegar à vila.

-— Ou talvez uma pergunta melhor seria: como chegou aqui?Todos ficaram calados, em expectativa, aguardando a resposta. As

expressões em suas faces eram ferozes e cheias de suspeita.— Brianna?Ela olhou ao redor, em busca daquela voz familiar.— O que faz aqui?Malcolm abriu caminho entre os guerreiros normandos que a

rodeavam. Ela se sentiu aliviada ao ver uma face amistosa.—  Tinha de ajudar meus parentes —  explicou, apressada, os

pensamentos a se ligarem aos dele num pedido silencioso. — Vim pelocaminho do passo do velho pastor pelas montanhas —  murmurou,rezando para que eie não a denunciasse. — Não tinha certeza de quepoderia encontrá-lo de novo, mas tinha de tentar. Você compreende?

Brianna viu a confusão nos olhos de Malcolm.— Sim— ele afirmou.— Porém, não deveria ter vindo sozinha.— Não vim. — Brianna fitou Tarek, temerosa de que ele pudesse

adivinhar que mentia.— Thomas está aqui também.Então, um grito apavorado ecoou, vindo dos limites da vila. Tarek

al Sharif e seus homens sacaram as armas.— Nel!— Brianna exclamou.— Há outros?— perguntou Tarek. Ela fez que sim.—  Uma meia dúzia sobreviveu. Buscaram refúgio numa cabana

nos limites da vila.—  Fique aqui —  ordenou, ao se voltar para dar ordens a seus

soldados.

— Não!

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 Antes que ele pudesse impedi-la, Brianna abriu caminho entre oshomens e saiu correndo. Ao chegar à cabana, descobriu a portaarrebentada e meia dúzia de guerreiros normandos parados na soleira.

Nel gritava, histérica. Acordado de repente, o bebê chorava sem parar.Brianna empurrou os soldados para entrar.

— Não os machuquem!O velho Bruce confrontava os guerreiros com um machado

empunhado nas mãos frágeis. Anne se postava atrás dele, os braçostrêmulos a erguer uma espada. Drusilla se encolhia num canto,segurando o bebê contra o peito, e Nel se escondia atrás dela como umanimal assustado.

—  Está tudo bem, Bruce! —  Brianna tentava acalmá-lo. —  Eles

são de Inverness, aliados por uma causa comum. — Puxou-lhe o braçopara baixo.— Vieram prestar ajuda e proteção contra Mardigan.Tarek chegou à cabana, e seus homens se postaram de lado

quando ele entrou. Ali estavam os sobreviventes de Glenross.Malcolm entrou logo atrás, procurando por Brianna.Os sobreviventes faziam um grupo patético: o velho desafiador, a

 jovem com círculos negros sob os olhos, uma velha megera trêmula, umbebê, uma garota chorosa e a jovem mulher com olhos calculistas, que oencarou com indisfarçada curiosidade em vez de medo.

 Há outros?—

 Tarek quis saber.— Os que vê são os únicos encontrados vivos — Brianna afirmou,

solene.Por um momento, seus olhares se ligaram, os dele de um azul

espantoso em meio a feições fortes e duras, os dela toldados pelassombras da morte e das atrocidades que encontrara pela frente.

— Por favor, saiam — Brianna implorou. — A garota passou pormaus bocados. Seus homens a assustam.

Tarek fez um gesto, ordenando que os soldados saíssem dali.— Veja que esse povo tenha o que precisa — disse a sir Gavin. — 

E mande a curandeira que trouxemos de Inverness para cá. Ela pode teralgo para acalmar a menina.

Brianna soltou um suspiro de alívio. Porém, ao tentar passar porele para ajudar Drusilla com o bebê, o marido a impediu.

— Você virá comigo, por favor.— São meus parentes. Não os deixarei.— Preciso de você na vila.—  A garota tem necessidade da gentileza de uma mulher para

tranqüilizá-la.

Tarek se dirigiu a Gillie:

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—  Você cuidará dela. Se houver algo de que precise, informemeus homens.

Quando Brianna ia protestar, ele lhe falou, baixinho:

— Existem coisas piores para suportar. A menina está viva e, sepossui a metade da coragem e força que vi em seus outros parentes, iráse recobrar e ficar forte de novo.

—  Você pode entender que ter guerreiros armados ao redorapenas irá assustar Nel.

—  Não quero nenhum deles mais assustado do que já está. — Tarek voltou-se para Malcolm, que se postara, protetor, ao lado deBrianna.— Eles o conhecem e confiam em você. Providencie tudo o quefor necessário e dê as ordens para sua proteção.— Então, virou-se para

Brianna.— Decerto você não fará objeção.Ela o encarou, admirada. Não havia nada que pudesse dizer, eTarek sabia disso. Empertigou-se.

—  Claro que não. Por favor, tome conta deles até que eu volte,Malcolm.

Brianna viu a raiva saltar nos olhos de Malcolm e sentiu o que elequeria dizer. Contudo, fitando Tarek com frieza, ele concordou, relutante:

— Sim, Brianna. Farei o que pede. Mas só porque você pediu.Tarek tocou-lhe o cotovelo e a conduziu para fora.

Uma fogueira fora acesa na frente da casa de Anne Simm. Aschamas brincavam nas feições de Tarek al Sharif.Eram traços marcantes, duros, muito belos, e Brianna viu de

relance a criatura terrificante de seus sonhos no jogo de luz e sombra ena expressão intensa daqueles incríveis olhos azuis.

Como em seus sonhos, ela teve a sensação de ser caçada, e ummedo súbito entrelaçou-se a outras emoções que nunca experimentaraantes.

Sua garganta estava tensa, e a boca, seca. Experimentou asmesmas sensações tão claramente como se estivesse agora nas ameiasde seus sonhos. Fechou o pensamento a outras imagens: a dor penosade um anseio desconhecido e a poderosa junção física com a criatura.

—  O que quer de mim quando tem um exército de cavaleiros eguerreiros a seu dispor? Na certa há pouco que eu possa fazer.

— Há muito que só você pode fazer. — Tarek a soltou, porém, nãoa deixou livre.

Seus dedos escorregaram do braço para o punho, fechando-se emtorno dele com uma energia possessiva, igual a quando estavam diantedo padre e ele a recebera como esposa.

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— Glenross é a vila de seus parentes, Brianna. Por suas própriaspalavras, você a conhece muito bem. Tanto que pôde chegar aqui porum atalho pouco conhecido nas montanhas.

Os olhos azuis luziram, e Brianna teve a crescente suspeita de quenão o enganara com aquela mentira.

— Sim— afirmou, cautelosa.—  Tem um conhecimento considerável da vila e da região ao

redor. Quero ter esse conhecimento, já que devemos proteger a vilacontra outro ataque.

Era uma lógica com a qual Brianna não poderia discutir.— Eu o ajudarei de todas as maneiras que eu puder.Tarek a puxou para mais perto do fogo. Vários dos soldados

vieram juntar-se a eles ao lado da chamas, inclusive Stephen de Valois,que, ao ver Brianna, se afastou vários passos.—  Espero que o senhor não sofra de alguma dor prolongada — 

Brianna murmurou, como se pedindo desculpas, ciente do lugarvulnerável em que o atingira. — É que vocês me surpreenderam. Acheique Mardigan tivesse voltado.

—  Depois que retornar a Londres, mandarei melhorar minhaarmadura para cobrir certas áreas vulneráveis.

Ela enrubesceu, constrangida.

Por toda parte, os guerreiros enxameavam pela vila. Parecia que oexército inteiro de Guilherme, o Conquistador, protegia Glenross.Então, ouviram-se berros, que chamaram a atenção de todos.

Vários guerreiros se aproximaram, arrastando um homem. Ele lutava ese debatia, furioso. Era Thomas.

Não foi necessário Brianna conectar os pensamentos aos delepara saber o que houvera. Thomas chegara de Inverness e vira astochas da floresta. Receara que fosse Mardigan a atacar outra vez.

Brianna viu o luzir de uma lâmina na mão de um guerreiro, ummacete erguido por outro. Concentrou os pensamentos neles, pondo-osem confusão, e correu para Thomas.

Ele ergueu o olhar injetado de sangue para encontrar o dela numacomunicação silenciosa.

—  Parem! —  Tarek ordenou quando reconheceu o homem queeles mantinham prisioneiro. Abriu caminho, empurrando Brianna de lado,com gentileza. — Pode ficar de pé? —  perguntou a Thomas, que foralançado ao chão pelos captores.

Thomas o encarou com ar vago.— Não se faça de bobo. Sei que compreende muito mais do que

deixa perceber. Pode se levantar?Thomas fitou Brianna e depois assentiu.

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— Solte-o— Tarek deu a ordem. — Ele é amigo do antigo lorde deInverness.

Quando Thomas se recompôs, Tarek quis saber:

— Está machucado? Thomas fez que não.— Ótimo. Preciso de todo homem capaz.Quando o gigante mudo olhou para ele com uma mescla de

cautela e suspeita, ele explicou:—  Meus homens necessitarão de sua ajuda para erguer as

defesas da vila.O olhar de Thomas ligou-se ao de Brianna, sua pergunta silenciosa

em sintonia com ela, que concordou.— Faça o que ele diz.

 Assim, Thomas meneou a cabeça e juntou-se a Tarek e ossoldados em torno da fogueira. Com uma vareta, Brianna desenhou avila no chão, representando cada cabana, chalé e marcos maisdistintivos.

— Mardigan e os outros atacaram da floresta — explicou a Tarek oque Anne lhe contara. —  Como a família de Duncan mora do ladooposto, não longe da cabana de Drusilla, o menino conseguiu escaparpelas charnecas em direção a Inverness.

—  Para onde Mardigan e seus homens se dirigiram depois? — 

inquiriu.— Gillie e Nel foram raptadas quando eles fugiram para a mata.

Elas escaparam e voltaram para cá.— Quer dizer que não partiram por um atalho pouco conhecido da

montanha? — Tarek a provocou, com um sorriso malicioso a lhe erguerum canto da boca.

— Não.Brianna concluiu que ele não acreditara nela nem por um segundo.Por fim, Tarek consultou o mapa rústico e o estudou, a seriedade

tomando o lugar daquele breve sorriso. Deu ordens para que seussoldados erguessem fortificações em torno da vila em todas as direções.Embora relutante, Thomas foi com eles.

Quando partiram, Tarek voltou-se para Brianna.— Mardigan poderia ter fugido pelas charnecas?— Não, eles acreditam que as charnecas são assombradas. Não

iriam por ali.Ele a encarou, aquela expressão divertida de volta.— E elas são assombradas?—  Dizem que os espíritos dos guerreiros mortos rondam por ali,

que suas vozes podem ser ouvidas no vento.— Acredita nisso?

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— As Terras Altas podem ser um lugar ameaçador, milorde. Muitosse perderam pelo caminho e contam histórias de vozes que os guiaramem segurança. Só consegue ir e voltar aquele que tenha o sangue de

um highlander.— E mesmo?— Sim. Dizem que cada montanha, rocha, rio e vale é conhecido

por todos os escoceses, mesmo que nunca tenham posto o pé neles.Estão profundamente ligados à terra pelo sangue daqueles que se foramantes. Entende o que digo? É algo que se sente nos ossos. Um instintodas coisas.

— Ah, sei bem o que quer dizer, pois carrego a lembrança de meular em meu sangue também...

Brianna franziu a testa, pois não julgava que um guerreiro quelutara ao lado de Guilherme, o Conquistador, chamasse algum lugar delar, a não ser o campo de batalha.

— Seu lar é muito distante daqui? — perguntou, sem disfarçar acuriosidade, pois ouvira histórias dos impérios do Oriente Médio deparentes distantes de Cullum, que tinham viajado por lá.

—  Muito longe —  Tarek se mostrou saudoso. — É uma terra depálida areia rosada, ventos quentes da noite, templos dourados e umoceano azul e brilhante.

 É difícil imaginar um lugar assim.—

 Brianna puxou o xale maisapertado sobre os ombros, contra o frio que se instalava conforme afogueira se extinguia.

Tarek atiçou as chamas com uma vara, jogando nelas mais achasde lenha. Ergueu-se e caminhou na direção à esposa.

— A pedra nos templos e as muralhas que rodeiam Antioquia sãotão brancas e lisas como mármore polido. Tão brilhantes que causamdor nos olhos se as fitamos por muito tempo.

Ela reprimiu o instinto natural de se afastar quando Tarek a puxoupara mais perto, recusando-se a revelar algum sinal de medo, mesmoque seu coração pulsasse descontrolado.

Ele parecia irradiar calor. Sua voz era baixa e sedosa, com umacalidez que envolvia cada palavra.

— A areia é da cor do céu logo antes que o sol desça abaixo dohorizonte e sua luz banhe as nuvens. — Estendeu a mão e afastou asmechas de cabelos loiros que tinham se soltado da trança eemolduravam a face dela. Seus dedos roçaram de leve o rosto deBrianna.

— E o vento é como a carícia da mão de um amante. Uma vez

sentida, nunca mais se esquece.

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Naquele momento, de algum lugar do acampamento veio o somalto e feroz do grito de um guerreiro:

— Tire as mãos dela, seu bárbaro sanguinário!— Era Malcolm.

Ele e os outros guerreiros tinham voltado da cabana de Drusilla.Sua fúria parecia aumentar conforme ele avançava, com a espadaempunhada.

— Malcolm! Não!— Brianna sentiu-lhe as intenções mortais.Ignorando o perigo para si mesma, correu para ele. Atrás de si,

ouviu o som de outra espada sendo puxada da bainha. O ruído fez comque o sangue se congelasse em suas veias.

Malcolm praguejava ao passar por ela em direção do homem queesperava com calma letal ao lado da fogueira.

—  Puxe sua espada, bárbaro. Vamos resolver isso! Pois nãodeixarei que toque nela outra vez! — Voltou-se para Brianna. —  Eu omatarei se tocar em você!

— Não há nada que possa fazer, Malcolm. Esta é minha escolha.E se você o matar e arriscar-se a trazer a guerra sobre minha gente,então deve me matar primeiro!— Brianna bloqueou-lhe o caminho.

— Não sabe o que diz, moça.— Sei, sim! Sou o lorde de Inverness. Dei minha palavra diante do

conselho dos chefes! E não há nada que você possa fazer, Malcolm de

Drummond, que possa mudar os fatos! Se o matar, Mardigan terá o quequer, e as Terras Altas irão se inundar com o sangue dos escoceses, atéque não reste nenhum. Não vê, homem? Olhe a seu redor! Veja o querestou de Glenross! Viu os corpos quando vinha para cá? Nenhum lordesacrificaria seus parentes por si mesmo! Nem eu o farei! Essa aliançadeve prevalecer!

— Mas você pertence a mim! — sussurrou. — Eu daria minha vidapor você, Brianna. Só tem de pedir.

— Não quero sua vida, Malcolm, mas sua amizade e lealdade.— Você as tem e as terá sempre.— Se é assim, por favor, vá e não fale mais sobre isso. Encontre

Thomas e ajude de qualquer maneira que possa para que a vila fiquebem protegida. Mardigan pode voltar outra vez. Temos de estar unidoscontra ele. É nossa única esperança.

Os ombros de Malcolm caíram como se ele se sentisse derrotado.Porém, seu olhar era duro e frio ao encarar o guerreiro que continuavacom a espada empunhada. Havia sofrimento em seu semblante.

—  Você coloca suas esperanças nesse bárbaro, Brianna? E seestiver enganada?

— Que alternativa tenho?

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Ele a analisou em busca de algum sinal de dúvida. Não viunenhum. Respirou fundo e baixou a ponta da espada para o chão.

— Farei o que me pede, mas não me peça para mudar o que está

em meu coração. Ao olhar para Tarek, ele também baixou a arma. Vários de seus

homens seguravam as espadas, prontos para abater Malcolm, se eleatacasse.

—  Há muita coisa que precisa ser feita esta noite —  Tarekrelembrou a todos. Então, virou-se para Gavin. —  Vá com Malcolm.Nossos homens devem se emparelhar com os escoceses. Deixo aescolha para você, Malcolm de Drummond, visto que conhece melhor otemperamento de seus homens.

Malcolm ficou estupefato.— Depois do que houve, você me pede para partilhar das ordens a

seus próprios soldados?— Sim, bem como da responsabilidade de comando.— Você é um tolo!— Só um tolo procura vincular-se a um aliado pela força. Você é

um guerreiro. Trata-se de seu povo. Não poria em perigo seuscompanheiros pelo próprio orgulho.

Malcolm o encarou com relutante respeito.—

  Farei o que quer, por ora, e por minha gente. No entanto,chegará um dia em que isso deverá ser resolvido entre nós.— Estarei esperando.Brianna voltou-se para a fogueira quando Malcolm se afastou, com

os parentes de um lado e sir Gavin e vários guerreiros normandos dooutro. Tarek parou diante das labaredas com a cimitarra empunhada namão abaixada. Suas feições se ocultavam nas sombras.

— Ele gosta muito de você — disse, enfiando a espada na bainha.— Do jeito como um homem poderia gostar de uma namorada.

—  Nunca fomos namorados, embora por um longo tempo eletivesse guardado a esperança de que pudéssemos nos casar. O laçoque nos une é forte, Tarek, como amigos que se conhecem desde ainfância.

Ele não se convenceu. Observou o lugar onde Malcolm se postavacom seus soldados. O escocês voltou-se por um momento, e seu olharcravou-se em Brianna. Sua expressão era intensa, permeada por umamiríade de emoções que não tentava esconder.

Tarek podia reclamá-la como esposa, mas não havia nenhumabase para confiança ou a mínima afeição entre os dois. Ela aceitara os

termos da união apenas porque não tinha outra escolha. Sob outrascircunstâncias poderiam ser inimigos.

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Tarek, porém, queria mais que palavras pronunciadas diante doconselho dos chefes e santificadas perante um padre, mais que umaaliança de exércitos unidos por uma causa comum.

Queria que Brianna o fitasse do mesmo modo que naquele dia, aolado da lagoa, a forma que assombrara seus sonhos desde então.Queria o som doce e ofegante de sua voz quando o alertara sobre operigo. E o toque frio que sentira na pele quando Brianna lhe tomara amão e o conduzira para a segurança.

Tinha de ir devagar com ela. Era necessário ganhar sua confiança,talvez algum afeto, e depois, sim, descobririam os prazeres quepoderiam encontrar um no outro.

Brianna também analisava o perímetro da vila, mas por uma razão

muito diferente. Contara as formas arredondadas dos guerreirosadormecidos, aqueles que se moviam pela vila e outros que podiam servistos dentro das ruínas das cabanas e choças, junto com aqueles quemontavam guarda. Eram noventa, sem incluir os que permaneciam aguardar a cabana de Drusilla. Quase duas vezes o número que partirade Inverness. Encarou Tarek.

— Aqueles guerreiros não são de verdade!Não tinha certeza do que era mais espantoso: a revelação que

vislumbrou ao encarar o marido ou o belo sorriso que lhe alterou as

feições duras.— Uma trapaça necessária, Brianna. Nunca deixe o inimigo saber

de sua verdadeira força. Se tem uma dúzia de homens, faça queacredite que você tem três vezes esse número.

Brianna tornou a observar a vila, agora o acampamento armado deGlenross, e tornou a fitar Tarek. Por um momento, baixou a guarda, asíris verdes a luzir, com divertimento.

—  Você é um feiticeiro, milorde —  afirmou, com indisfarçadaadmiração.— Drusilla ficaria com inveja.

Diante do olhar interrogativo, ela explicou:— Os aldeões acreditam que a velha seja uma bruxa.— Não sou feiticeiro. Se fosse, conjuraria um exército dez vezes

maior e empurraria Mardigan para o mar antes da próxima alvorada.—  Quisera que fosse, meu senhor, pois então não haveria

necessidade dessa aliança a que me forçou.Tarek se viu enredado nas próprias palavras. Poderia discutir com

Brianna e dizer que Mardigan apenas providenciara a chave para o feito,pois Inverness já era dele antes que partisse de Londres. Não o fez,entretanto. Em vez disso, pediu:

— Conte-me o que sabe de Mardigan.

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Ela estremeceu, pois para falar daquele homem teria de contar aTarek da morte e destruição que o inimigo levara para as Terras Altas. Osorriso se esvaiu de seus lábios e dos olhos, substituído por uma

profunda tristeza.Tarek testemunhou o tremor de seus ombros, a conjuração de

energia mesmo quando a exaustão ameaçava dominá-la, e aqueleindomável orgulho.

— Mardigan aprendeu os modos dos guerreiros das Terras Altasvivendo entre eles. Costuma se esconder nas florestas e nos vales,disfarçando-se. Aí, ataca. Poucos escaparam e viveram para contar.Nenhuma família em todos os domínios de Cullum escapou da mortenas mãos dele. — Brianna estremeceu ao se recordar da carnificina em

Inverness, e sua própria fuga. — Ele é traiçoeiro e astuto, sem um pingode misericórdia para com homem, mulher ou criança.Brianna estava tão perdida no sofrimento daquelas recordações

que não se deu conta de que ele se aproximara, até que sentiu um pesonos ombros. Ergueu o rosto. Tarek a envolveu num manto quente depele. Sua mão roçou-lhe a curva do queixo, conforme ele prendia oslaços de couro no pescoço dela.

Brianna sentiu um súbito prazer naquele toque, que pareceu decerta forma íntimo e possessivo. Fitou-o como uma corça assustada

apanhada de repente na luz da tocha de um caçador, apavorada econtudo atraída pela chama. E incapaz de fugir.Recuou para mais perto do fogo, como se procurasse se aquecer,

quando na verdade já requeimava.— Inverness é de absoluta importância para ele — ela continuou a

explicar, tentando ordenar as idéias. —  Mardigan fará qualquer coisapara reclamá-la, pois é o ponto principal para o poder nas Terras Altas.

— E para reclamar a filha de Inverness como esposa.—- Sim.— Mas Cullum recusou? Brianna empinou o queixo, altiva.— Eu recusei.— Poderia ter aceitado a oferta de casamento e feito uma aliança

com os invasores nórdicos.—  E fazer do rei Guilherme um inimigo? Nem pensar. Melhor

expulsar um invasor para o mar que lutar contra outro pelas fronteirascomuns de terra.

—  Aceitou o menor de dois males, Brianna? Com chocantehonestidade, ela o relembrou:

— Não aceitei nada, milorde. O senhor não me deu escolha.Era fato. O que ela não sabia, entretanto, era que havia mais: uma

trapaça. Tarek ficou pouco satisfeito pelas razões pelas quais Brianna oaceitara, em vez de Mardigan.

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— É tarde— disse Brianna, quando sir Gavin e vários dos homensretornaram. Alguns entraram na cabana, onde estenderam seus catres.Sir Gavin aqueceu as mãos no lado oposto da fogueira. —  Tenho de

voltar à casa de Drusilla.— Estará mais segura aqui.—  Garanto que a cabana tem toda a segurança, com tantos de

seus soldados a guardá-la— retrucou, com raiva.—  Você ficará aqui, Brianna. Não dormirá ao lado da fogueira.

Prefiro deitar-me com algo sólido a minhas costas. Quero saber de quedireção o inimigo virá.

 A ênfase no lugar onde ambos dormiriam transformou a ira empânico.

Tarek pegou um fardo de peles e rumou para a cabana. Briannaempalideceu. Ele se postou ao lado da entrada, para que ela pudesseentrar primeiro.

— Não me importo em dormir ao lado do fogo.— Eu, sim.Ela puxou o manto de pele em torno de si conforme seguia,

devagar, para a casa.—  Você dormirá perto da parede do fundo. —  Ele entrou atrás

dela, pulando sobre vários homens adormecidos. Num canto, fez uma

cama fofa com as peles.Discutir era bobagem. Assim, Brianna se espremeu e enrolou-senas peles como um escudo protetor.

Fitou-o, apreensiva, do ninho quente. Para sua surpresa, Tareksaiu e foi conversar com sir Gavin. Então, além da fogueira, ela viu asombra de um homem robusto. Brianna sorriu ao sentir a presençareconfortante de Thomas. Se precisasse dele, estaria tão perto comoseus pensamentos.

Lutou para se manter acordada, mas era uma batalha que nãopoderia vencer. A exaustão a dominou, o calor fechou-se em torno dela,e sonhou velhos sonhos...

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apítulo VII

Seus sentidos se aclararam quando Brianna tomou consciênciadas imediações: a cabana mergulhada na escuridão; o luzir das estrelasno vão da porta na última hora antes da alvorada; o ressonar dosguerreiros que dormiam espalhados pelo chão; o calor pouco familiar dohomem a seu lado com uma espada sob a mão: seu marido.

O sonho se desvaneceu, cheio de imagens estranhas de pessoase lugares que Brianna não conhecia, mas que pareciam de certa formafamiliares.

Procurou controlar a respiração e as batidas fortes e rápidas docoração. Os sentidos se aguçaram como os de um animal. Tarek al

Sharif dormira com ela, como os demais guerreiros.Brianna se ergueu, sem fazer ruído, e puxou o xale sobre os

ombros. Esgueirou-se para fora das peles quentes. À soleira, parou, aolhar para o cinza da alvorada.

 Avistou o contorno escuro das árvores da floresta, que ficava logoalém da vila, e algo ali chamou sua atenção.

Não era coisa que ouvisse ou visse, mas algo que sentia na viradasutil do vento, uma sensação de algo que a chamava, que a esperavaali.

Hesitou, com uma vaga e instintiva sensação de alerta. Nuncativera medo do escuro antes, mas agora temia diante de alguma coisaque deveria recordar, mas não conseguia. Era como se estivesse ali, nafronteira da memória, espiando, provocando-a de seu lugar escondido,recusando-se a sair. Brianna tinha apenas os instintos para guiá-la eprotegê-la, conforme puxava o xale mais apertado e saía em direção àmata.

Tarek não tinha certeza do que o despertara. Poderia ter sido umruído, embora ao apurar a audição não tivesse escutado nada. Poderia

ter sido um movimento, apesar de nada se mover dentro da escuridãoacinzentada da cabana. Ou quem sabe fosse o frio que se espalhava porsuas costas.

Virou-se rápido. Brianna se fora. Todavia, não fazia muito, pois aspeles ainda guardavam sua quentura.

Saltou do leito, cimitarra em punho. O sono esvaiu-se num instanteao passar por sobre os homens adormecidos. Saiu da cabana.

Não se espantou ao encontrar Thomas a dormir ao lado de umafogueira próxima. Ele era como uma sombra constante de Brianna,sempre a seu lado.

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Tarek franziu a testa ao imaginar que ela se fora e o protetordormia, sem se dar conta disso.

Encontrou rastros na neve recente. Nenhum soldado fizera aquelas

pegadas, mas sim alguém leve de peso, a caminhar com cuidado pelassombras para não ser visto pelos guardas.

Seguiu a trilha pela vila, até a cabana da velha Drusilla. Aspegadas desapareciam no patamar da porta da cabana.

Stephen acordou e se ergueu com o reflexo instintivo de umguerreiro alerta para o perigo.

— O que é?— indagou, segurando a espada.— Onde está ela?O jovem cavaleiro mostrou-se confuso. Então, entendeu que aquilo

era mais grave do que a fuga de uma noiva inexperiente e nervosa.—  Não está aqui. Talvez procurasse privacidade para

necessidades femininas.Tarek meneou a cabeça.— Não seria preciso ir tão longe. Tem certeza de que Brianna não

está ali dentro?—  Pode ver por si mesmo. —  Stephen rumou para a porta da

cabana e abriu-a.Todos lá dentro ainda dormiam. Brianna não se encontrava entre

eles.— Quando a viu pela última vez? — Stephen experimentava uma

crescente agitação.— Na noite de ontem.— Alertarei o guarda.— Não, Stephen. Se fizermos isso, os escoceses também saberão

que ela sumiu. A aliança é muito frágil. Poderia haver problemas se elesacreditassem que Brianna decidiu fugir ou sofreu algum mal. Sobretudocom Malcolm de Drummond.

— E Thomas, o mudo? Ele nunca está longe dela.— Ainda dorme perto da cabana. Brianna saiu sem ele. —  Tarek

tornou-se ainda mais inquieto. —  Não diga nada a ninguém. Eu aencontrarei.

— E se não encontrar? A moça conhece o terreno como nenhumoutro. Há uma centena de lugares em que poderia se esconder e nuncaser achada. Pode até mesmo ter voltado a Inverness.

Tarek meneou a cabeça.—  Ela não deixaria seus parentes. Ontem à noite só pensava

neles. Não, Brianna não voltou a Inverness. É algo mais. E descobrirei

de que se trata. Se eu não a encontrar até a hora que o sol estiver acima

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do horizonte, voltarei ao acampamento e continuarei a busca com umaguarda armada. Até lá, seu próprio povo terá descoberto que se foi.

Stephen assentiu, com relutância.

— Mas apenas até que o astro-rei esteja logo acima do horizonte.Se não voltar ao meio-dia, eu liderarei a busca para encontrá-lo.

Tarek achou as pegadas além da cabana. Seguiam para o bosqueque circundava a vila. Fechou uma carranca a imaginar por que Briannase embrenharia na mata, sozinha e desprotegida.

Os passos de Brianna eram silenciosos, e ela ouvia apenas o baterfrenético de seu próprio coração e a fumaça da respiração a flutuar no argelado.

Estava acostumada à calma de uma floresta naqueles momentos

antes de alvorada, quando os seres da natureza ainda dormiam em suastocas e ninhos.Naquele momento, contudo, não havia nenhum som. Nenhum

rangido, o esticar de uma asa ou o guincho de um rato. Nem mesmo orumor do vento era ouvido ou sentido. Tudo estava em absolutaimobilidade, como naqueles momentos que antecedem uma tempestade.

Era um lugar antigo de velhos carvalhos, amieiros e pinheirosdensos. A floresta parecia assombrada por faces que espiavam comexpressões grotescas no nó de um galho quebrado de árvore, ou no

buraco de um tronco que parecia um O de surpresa da boca de algumduende, emoldurado por retalhos de casca que formavam um narizbulboso e olhos esbugalhados, se alguém olhasse de perto.

Chegou a uma lagoa. Ajoelhou-se e fechou as mãos em conchapara apanhar um gole de água. De repente, recuou. A superfícieondulava como se palpada por mão invisível. Alisou-se e ficou imóvel.

 Ao se inclinar para mais perto, Brianna notou pela primeira vez que haviauma débil luz dourada a luzir no centro, que parecia ficar cada vez maioraté que ela se deu conta de que não era uma luz, afinal, mas um objetodourado.

Então, como se emergisse das profundezas, ela o viu. O Graal, oantigo cálice místico que segundo a lenda não era visto por mais dequinhentos anos. Estava suspenso numa escuridão crescente em tornodele. Depois, do mesmo modo como se revelara a ela, o Graaldesapareceu. A superfície da lagoa tornou-se escura, fosca, sem vida.

Quando Brianna ia se afastar dali, a superfície borbulhou eremexeu-se como se revolvida por alguma força tumultuada. Algosinistro irrompeu diante dela, emergindo das profundezas da lagoa, etentou alcançá-la.

Brianna recuou, rastejando para além de seu alcance conformeaquilo transbordava pela beira da lagoa, espalhava-se pelo chão em

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direção a ela e envolvia os troncos das árvores vizinhas com um podermaligno tão forte que tornava o ar sufocante e a comprimia sem mesmotocá-la.

No alto, os passarinhos se assustaram em seus poleiros e alçaramvôo. Aquelas caras imaginárias esculpidas nos galhos e troncos dasárvores ganharam vida e também gritavam para avisá-la. Brianna ficoude pé e correu.

Conforme corria, a floresta se tornava mais escura, e ela percebeuque o demônio da escuridão a seguia, passando por buracos,esgueirando-se pelas árvores e ao longo de cada trilha, a!cançando-apouco a pouco.

Galhos rasgavam as roupas de Brianna, enroscavam em seus

cabelos e batiam em seu rosto. Ela saltou um riacho e, como um animalassustado, rumou para terreno alto. Os pensamentos de alguémcolidiram com os dela, e Brianna teve certeza de que deveriam ser deThomas, que na certa a seguira.

De repente, viu-se agarrada e comprimida contra a casca rústicade um enorme carvalho. Um braço poderoso enroscou-se nela, e umamão lhe cobriu a boca, impedindo-a de gritar. Suas pernas foramcomprimidas por coxas fortes que se moldaram às dela conforme eradominada por seu captor.

Em meio ao terror que permeava todos seus sentidos, ouviu umaviso ríspido:— Não grite!Havia algo de familiar no sotaque e no tom duro, e Brianna soube

que já o ouvira antes. Parou de se debater e permitiu-se relaxar. A mãosuavizou o aperto em sua boca. Como Brianna não gritou, ele a deixoulivre.

Tarek al Sharif afastou-lhe as mechas de cabelos do rosto.— Não está ferida?

 A ternura rude naquela entonação a espantou, quase tanto como ocalor leve e formigante onde os dedos dele tinham roçado em sua face.

— Há perigo...Ouviu-se o som de algo a se mover pela floresta ali perto, o estalar

e espatifar de galhos. Algo ou alguém se aproximava, como se incertoda direção que Brianna tomara e à procura de alguma indicação nosarbustos e no chão. Em seguida, vozes e o distinto som de aço. Váriosperseguidores abriam caminho pelo mato.

O céu se iluminava, tornando mais fácil ver e ser visto. Tarekpraguejou baixinho. Então, quando as vozes ficaram mais altas, levou

Brianna para trás do enorme carvalho.

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O tronco era larguíssimo, e tinha uma fenda que parecia umaferida. A casca que a rodeava estava enegrecida e queimada onde foraatingida por um raio. Ele fez sinal para que Brianna não dissesse nada

quando a enfiou dentro do vão do tronco tendido.O buraco queimado era escuro e estreito. Ele puxou-lhe as coxas

contra si, suas pernas presas entre as dele. Tirou uma lâmina esguia ede aparência mortal de dentro da bota.

 As vozes se aproximaram, algumas tão claras como se estivessema poucos passos de distância.

O calor da respiração de Tarek queimou o rosto de Brianna quandoele a segurou pelo pescoço, pressionando-lhe a cabeça na curva doombro. Vestia apenas calças de couro, botas e uma camisa de lã que

não oferecia proteção contra uma espada inimiga. Mas uma espantosaenergia emanava de seu corpo, que se comprimia contra o dela doombro ao joelho.

Com os sentidos impregnados com a sensação e o cheiro dele,Brianna se deixou inebriar pelo toque de suor masculino que semisturava ao aroma de pinho da floresta e com o odor de madeira doburaco do carvalho.

Conforme os passos soavam mais perto com o partir de gravetos eo esmagar de folhas sob os pés, o calor da respiração de Tarek

despertava nos sentidos de Brianna estranhos sons, palavrasdesconhecidas que ela entendia com a alma.Brianna cerrou as pálpebras com força. Iriam viver ou morrer? Não

sabia. Porém, algo em seu íntimo lhe falava de uma forma como nuncaexperimentara antes. Respondeu com o bater frenético e errático de seucoração.

De repente, o sol brilhou ofuscante pelas árvores, e Tarek tevecerteza de que não havia esperança de passarem despercebidos. Tudoo que era preciso era que um daqueles homens se aproximasse daárvore, e eles seriam encontrados.

Então, do solo subiu uma névoa que se enrolou pelas árvores,espalhou-se como um lençol pelo chão e envolveu tudo num mantoespesso e vaporoso, tornando impossível ver a um palmo de distância.

 As vozes ao redor tornaram-se frenéticas. Os gritos setransformaram em pragas.

— Não consigo enxergar com essa neblina maldita! Veio do nada.Eu afirmo, esta floresta é assombrada!

-— Ali!— outro berrou.— Está claro ali. Sigam-me!Os demais responderam e o seguiram, alguns passando tão

próximo do esconderijo que Brianna ouviu o raspar da lâmina de aço e

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apítulo VIII

 __ Faz quinze dias desde o ataque a Glenross. Agora, mais quatrovilas foram queimadas, os rebanhos, mortos, famílias inocentes,assassinadas. Devemos proteger as vilas! —  Malcolm exclamou,zangado.— Ou em breve todo o Norte será devastado.

— Só um tolo dividiria sua força — Stephen de Valois argumentou,sem tentar disfarçar seu desprazer, ao ficar de pé.

Eram como dois leões enjaulados, prontos para a luta.—  Talvez! —  Malcolm estava vermelho de raiva. —  Mas pelo

menos ele morre com uma espada na mão, em vez de ferramentas decarpinteiro!

O desdém dos escoceses pelo trabalho que vinhamdesempenhando não era segredo. Reclamavam muito dos grandesreparos e das inovações que Tarek ordenara logo depois de retornarema Inverness.

Embora patrulhas bem armadas de normandos e escocesespercorressem a região vizinha, a maioria dos homens, tambémescoceses e normandos, fora encarregada de reconstruir a fortalezaprincipal, inclusive de erguer uma muralha exterior mais alta, agora depedra e na maneira das fortificações normandas.

Brianna recuou para as sombras, não querendo ser vista. De seuesconderijo, podia observar tudo o que acontecia sem ser notada. Epodia ver Tarek al Sharif.

Ele estava sentado com uma calma forjada, o corpo relaxado nagrande cadeira que Cullum uma vez ocupara, enquanto ao redor oshomens discutiam e reclamavam, sem cessar. A tranqüilidade queprenunciava tempestade.

Os outros esvaziavam as canecas e batiam na mesa por mais. Eleos estudava a todos. Ouvia sua discussão, as feições fortes em

pensativa concentração.— O que me diz você? — Malcolm se inclinou na mesa na direção

de Tarek. —  Quantos escoceses mais devem morrer antes queMardigan seja detido? Ou as palavras normandas só guardam falsaspromessas em vez de feitos?

Tarek contemplou os escoceses reunidos. Era de uma contençãode energia tão intensa e bem controlada que atraía o olhar, e nuncaninguém podia antecipar qual seria seu próximo movimento.

Brianna estremeceu ao se recordar daquele vigor, do contatodaquele corpo flexível contra o dela, no oco da árvore, e dos anseios

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estranhos que nunca experimentara antes, sensações intensas eprazerosas que a confundiam.

Desde então, ela o evitava tanto quanto possível. Não era difícil,

com a fortaleza cheia de parentes, soldados e escoceses desabrigados,depois que as vilas foram queimadas. Como filha do velho lorde, era suaresponsabilidade hospedar e alimentar quantos procurassem refúgiodentro das muralhas.

Com o tempo, Brianna teria de convencer Tarek de que aquele eraum casamento nominal apenas, pelo bem de uma aliança. Assim que eleaceitasse o fato, iria sem dúvida procurar prazer com alguém mais.Talvez com Gillie, pois a prima deixara clara sua disponibilidade desde ocomeço. Podia ser até que isso já tivesse acontecido, pois Brianna

notara que sempre que Tarek estava no salão Gillie se mantinha porperto. Começou ela mesma a servir as refeições. Sempre o rodeava,enchendo sua caneca, tirando suas botas cheias de lama, cuidando dequalquer necessidade que surgisse.

Conforme Gillie tomava para si os deveres que deveriam caber asua esposa, Brianna experimentava uma sensação inexplicável deopressão quando pensava nas outras necessidades que Gillie tambémpoderia atender. Muitas vezes, Brianna a vira no corredor do quarto dolorde, a esperar por ele, com um sorriso e uma expressão que sugeriam

que partilhavam algum segredo. Agora, ela analisava e ouvia as discussões no salão. Malcolm sedeterminara a forçar um confronto. Sua raiva era como uma ferida quedestilava veneno.

—  Vocês discutem entre si como velhas pechinchando nummercado —  Tarek falou aos homens reunidos. —  Estamos perdendotempo. Há outros assuntos de maior relevância.

—  Sim! —  zombou Malcolm. —  A construção de outra fortalezanormanda como um monumento para o rei Guilherme, enquanto maisescoceses morrem. Com que direito você toma decisões sobre osguerreiros e as terras escoceses?!

O olhar de Tarek encontrou o de Malcolm, e mesmo de onde seencontrava, Brianna viu a expressão perigosa e predatória naquelesolhos azuis. Ele parecia um felino, uma pantera mortal, capaz de escalarmuralhas.

— Qualquer homem que se recusa a aprender com o passado estáfadado a repeti-lo, Malcolm de Drummond. Não pretendo passar peloque já aconteceu, inclusive o ataque a Inverness, em virtude das parcasfortificações, que Mardigan conhece bem.

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—  Que tipo de palavrório é esse? Você vem aqui com suaspalavras estranhas que não têm nenhum sentido para nós. Que o diaboo carregue, seu bárbaro ladrão!

O som de aço tiniu pelo ambiente conforme os homens de Tarekpuxavam a espada, diante do insulto. Se houvesse um momento em quetudo poderia estar perdido, Brianna soube que era aquele. E Malcolmseria a causa.

Ela não poderia permitir. Por isso, saiu das sombras e entrou nosalão, na quietude mortal que prometia um banho de sangue.

 A atenção de normandos e escoceses voltou-se para ela. Eracomo se todos esperassem que o lorde falasse e tomasse partido.

Brianna atravessou o recinto, rodeando a mesa à qual Tarek al

Sharif se sentava. Parou ao lado de sua cadeira, a mão descansando noespaldar. Cada olhar permanecia cravado nela.— Os clãs falharam em deter Mardigan antes— afirmou, numa voz

clara e forte. —  O que fracassou no passado deve ser feito de mododiferente, ou não teremos esperança de impedi-lo de continuar a nosatacar.

— O que sabe dessas coisas, Brianna? — Malcolm a encarava. — São assuntos de guerra, não de mulher.

Ela se sentiu agredida. Uma sensação de constrangimento se

espalhou pelo salão. O ar estava impregnado de tensão. Malcolmdesafiara não apenas a aliança, mas a autoridade de Brianna como filhado velho lorde. Se não agisse depressa, o sangue iria correr emInverness.

Tarek inclinou-se para a frente na cadeira, um movimento flexívelque se tornara familiar em seus sonhos. Com um instinto tão naturalcomo o respirar, Brianna pousou a mão em seu ombro. Ele enlaçou osdedos nos dela, e Brianna encarou os parentes e os demais chefes.

— Minha família e muitos parentes estão mortos. Glenross e umadúzia de outras vilas foram destruídas. Sepulturas enchem as colinas eos vales. A terra está vermelha do sangue dos escoceses.

— A reconstrução de Inverness custará mais vidas escocesas pelodesperdício de tempo.

—  Talvez, Malcolm. Mas, quando estiver concluída, muitosescoceses estarão protegidos dentro destas muralhas. Não vêem? — ela perguntou a todos. —  Muitos já morreram porque Inverness nãopôde ser defendida de maneira adequada. Inclusive muitos do clãDrummond!

— Podemos bem estar todos perdidos com essa aliança com o rei

inglês —  Malcolm retrucou, furioso, um sofrimento mais profundo aretorcer as feições tingidas de ódio.

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— É possível, mas só o tempo dirá. No entanto, uma coisa é certa: já estamos perdidos sem ela.

— Silêncio! — Ian, o pai de Malcolm, bateu com a mão calejada no

tampo. —  Não discutiremos mais esse tema! Daremos uma chance àaliança, pois sem ela não temos nada. — Voltou-se, o olhar a examinaras faces de seus companheiros chefes. — Aqueles que estão de acordocom a aliança digam "sim".

Houve um burburinho de aprovação entre os escoceses.— E aqueles que são contra?— ele quis saber. Quietude.Malcolm encarou os mais jovens dos clãs que tinham decidido não

desafiar os mais velhos. Praguejando, jogando uma caneca na lareira,retirou-se da mesa e foi sentar-se nas sombras.

Conforme as armas eram de novo embainhadas, lan berrou paraas criadas:—  Tragam cerveja e mantenham cheias as canecas. Toda essa

discussão me deu uma sede tremenda. — Ao se servir, bebeu um longogole e então bateu a caneca na mesa. — Punhal! Espada! Escudo! Quecomecem os jogos, e veremos quem é o melhor guerreiro,

Gargalhadas ecoavam de todos os cantos. Um enorme quadro demadeira foi trazido e colocado diante dos chefes.

Brianna suspirou de alívio. Tentou livrar a mão da dele, mas Tarek

a impediu.— Não vá. Por favor, fique.— Tenho o que fazer, milorde — protestou, inquieta. Os dedos de

Tarek se fechavam em torno dos dela com um calor agradável e umvigor que parecia de certa forma íntimo, como se fossem namorados, enão apenas parceiros numa aliança estratégica.

—  Uma outra pessoa pode cuidar de seus afazeres. Quero quefique aqui. — Ao sentir-lhe a tensão, Tarek emendou:— Para que possaexplicar os detalhes do jogo para mim.— Apontou para o quadro sobre amesa do lorde.

Era entalhado com um padrão de quadrados: seis de lado a lado eseis para baixo, cada um esculpido com um símbolo de aparênciaestranha, com uma, duas ou três linhas onduladas, algumas marcadascom uma linha reta perpendicular, outros com uma combinação decurvas, pequenos círculos, a figura de um pássaro, peixe, estrela, sol oulua crescente. Nenhum era igual ao outro.

— O que os símbolos representam, Brianna?— O que vê são as antigas runas. Representam os elementos do

mundo conhecido, terra, fogo, água e céu.

— Como é jogado?

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Quatro parentes de Brianna escolheram um lado do quadro paraficar. Tiraram a sorte para ver a ordem em que cada um jogaria,enquanto as canecas eram cheias de cerveja e as apostas feitas.

—  É um jogo de perícia, memória e desafio físico. Para que apartida comece, o marcador escolhe ao acaso três quadrados no quadro.

— E quando os três quadrados forem escolhidos?—  O primeiro jogador deve repeti-los na mesma exata ordem e

adicionar outro quadrado à seqüência. Cada um a seu turnoacrescentará um quadrado também. E deve repeti-la com exatidão. Omarcador toma nota de cada escolha e anota no pergaminho para todosverem. Desse jeito, todos os presentes acompanham o jogo.

— O que acontece quando um jogador erra?

— Perde uma de suas armas: punhal, espada, escudo. Daí o nomedo jogo.— E se perder todas as armas?

 A partida começou, e os primeiros três quadrados foramescolhidos.

—  Deverá enfrentar o homem que perder em seguida em umacompetição física.

— Desarmado e desprotegido — Tarek adivinhou o óbvio. O jogoparecia simples, quase banal a princípio, mas logo se revelava rico em

perícia e estratégia conforme os desenhos intrincados eram escolhidos,tornando a seqüência cada vez mais difícil.—  Sim, até que reste apenas um. Aí, ele enfrentará o campeão

com as armas que tem.— Até a morte?—  Não. Precisamos de nossos guerreiros. Um não pode tirar a

vida do outro. — Brianna torceu a boca adorável. Era evidente que nãogostava de nada daquilo. — Cullum não permitiria que uma competiçãochegasse a tanto.

— E agora você ocupa essa posição de autoridade.—  Todos conhecem meus sentimentos a esse respeito. São os

mesmos de Cullum.— E quanto a Malcolm de Drummond?Tarek se concentrou no jovem escocês, que se sentava a uma

mesa adjacente, com uma caneca na mão. De vez em quando, sevoltava para o lado do lorde, o olhar faminto a se demorar em Brianna.

— Malcolm nunca foi superado, Tarek al Sharif.Conforme o jogo continuava, ela explicava certas estratégias.Malcolm de Drummond sentou-se com seus parentes, a se encher

de cerveja, cada vez mais circunspecto e mal-humorado, até que selevantou de repente, bateu a caneca na mesa e fez um novo desafio:

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— Não jogaremos por armas, mas sim por apostas mais altas. — Virou-se para a mesa do lorde.— Decerto não tem objeções, milady.

-— Não— ela respondeu, cautelosa.

— Então, quem aceitará o desafio?—  Eu jogarei com você. —  As pupilas de McDrury luziam de

ansiedade para derrotar o campeão de Inverness.—  Jogarei também —  anunciou Stephen de Valois. Fez-se um

súbito silêncio. Nenhum normando jogara até então. Todos encararamMalcolm.

—  Aceito. —  Malcolm se mostrou satisfeito. —  Agora, seránecessário mais um para completar o quadro. — Fitou a todos até, porfim, fixar-se em Tarek. — O que me diz, bárbaro? Você e seu homem

contra mim e o meu. Normando contra highlander. E por uma apostaalta.Tarek sentiu a mão de Brianna enrijecer de súbita apreensão.— Qual é a aposta?Malcolm arqueou uma sobrancelha.— Apostaremos Brianna.

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apítulo IX

 __ Não serei objeto de aposta, Malcolm de Drummond! — Briannalevantou-se da cadeira.— Eu tomo as decisões em Inverness, não você.—  Está com medo de que ele possa perder? -—  Malcolm a

desafiou.— Não tenho medo de nada, e você sabe muito bem disso. Tarek

a puxou para a cadeira a seu lado.—  Não permitirei isso —  Brianna sussurrou-lhe, com veemência.

—  Não precisa aceitar o desafio, Tarek, e ninguém dirá nada contravocê. Todos sabem que a raiva rege o coração de Malcolm.

—  Está enganada. Devo aceitar. Que o jogo comece. Tem tãopouca fé, Brianna?

— Não— afirmou, confiante.Porém aquilo era diferente. O jogo não era familiar a Tarek, e

Malcolm nem sempre jogava com espírito esportivo, sobretudo se asapostas fossem altas. — Mas se você perder...

—  Se eu perder e cumprir a palavra, a aliança e o casamentoestarão perdidos. Que perda você iria lamentar mais?

Ficou de pé e pegou o punhal do cinto, colocando-o sobre o tampoem seu lugar, de um lado do quadro.

— Por favor — ela implorou, pousando a mão na dele, embora nãosoubesse o que pedia. — Não aceite o desafio... Por favor, não perca...Por favor, não morra!

Os dedos dela estavam gelados. Brianna fitou-o como naquele diaao lado da lagoa, quando aparecera da bruma para lhe salvar a vida.

— Precisa aprender a confiar em mim, Brianna. — Tarek brindou-acom um sorriso encantador e piscou para ela.

— Não deve subestimar Malcolm. Ele superou todos que desafiou.— Nunca subestimo um oponente. Ainda mais quando a aposta é

tão importante.Ela olhou para os punhais e adagas sobre a mesa, com o símbolo

de cada guerreiro. O de Malcolm trazia o entalhe de seu clã, um cervo. Oemblema do clã McDrury era de espadas cruzadas. O de Stephen deValois era o da casa de seu pai na Normandia, mas nenhum emblemaadornava o punho da lâmina que Tarek al Sharif carregava.

Brianna pegou o punhal, desatou a fita verde da trança, enrolou-aem torno do cabo da lâmina e amarrou-a. Em seguida, recolocou opunhal no lugar. A mão de Tarek fechou-se calorosamente sobre a dela,

no cabo do punhal. Por um momento seus olhares se encontraram.

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—  Malcolm é um jogador astuto, porém existe uma chave parasuas escolhas -— ela murmurou. — Ele escolhe um novo quadrado paraa seqüência numa certa ordem, da esquerda para a direita. Assim,

elimina a possibilidade de esquecer um dos próprios movimentos e temapenas de se concentrar nos dos oponentes.

— Por que me diz isso quando poderia significar a derrota dele?— Pela aliança. Não quero que seja desfeita por causa de raiva e

ciúme.Tarek esboçou um sorriso ligeiro.— Agradeço por me dizer, mas eu não tenho intenção de perder.—  Que o jogo comece! —  um dos escoceses gritou. Stephen

começou a primeira rodada, escolhendo os três primeiros quadrados.

Em seguida foi a vez de McDrury, aumentando a seqüência em umquadrado. Depois, a de Tarek, e por fim, de Malcolm.Brianna a tudo observava com uma crescente ansiedade. Todos os

quatro homens mostravam uma notável capacidade de memória. Enfim,McDrury perdeu a última arma. O salão se aquietou e todos os olharesse fixaram no marcador.

— Excluído— ele anunciou.Outra rodada continuou, de onde tinha parado. Stephen já perdera

a espada simbólica com que jogava. Conforme o jogo se tornou mais

complicado, ele perdeu o escudo. Mais duas rodadas se seguiram.Stephen de Valois escolheu um quadrado errado e foi desclassificado.Era a vez de Tarek. Ele ainda tinha as três armas, assim como

Malcolm.Brianna aproximou-se, atenta. Tarek apontou cada quadrado

sucessivo da seqüência. Eram agora vinte e quatro.— Falta!— o marcador gritou.O olhar aflito de Brianna cravou-se em Tarek. Ela vira o movimento

errado, mas não podia avisá-lo. Ele perdeu a espada. Então, chegou avez de Malcolm.

Como Brianna dissera, ele jogava no mesmo padrão,concentrando-se em lembrar-se dos movimentos do oponente. Porém,conforme a dificuldade da seqüência aumentava, ele se inquietou.

Numa rodada, perdeu o escudo, noutra, a espada. Zangado,atirou-a contra a parede onde estavam as outras.

— A próxima perda será sua, bárbaro! — exclamou, pois cada umagora tinha apenas os punhais restantes.

Outra rodada se completou. Os nervos de Brianna ficavam cadavez mais tensos. Era a vez de Tarek. E se ele perdesse?

 Aquilo não era nenhum jogo para Malcolm. Ele jamais renunciariaao prêmio pelo qual lutara, mesmo que significasse guerra nas Terras

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 Altas. A única esperança de Brianna se concentrava em Ian, como lordedo clã Drummond. Sua vontade prevaleceria sobre o filho, mas a quecusto?

Tarek indicou os símbolos em rápida sucessão, adicionando umquadrado. Seu olhar cravou-se em Malcolm, e um sorriso de desafio lhecurvou a boca. Ele sabia que acertara mesmo antes que o marcadorgritasse para todos ouvirem.

— Seqüência correta. É a vez de Drummond. A atenção de todos voltou-se para Malcolm. Brianna conteve a

respiração. Nenhum jogo chegara assim tão longe. Trinta e oitoquadrados deviam ser escolhidos na ordem exata.

Ele escolheu depressa e confiante os primeiros vinte. Mas ficou

mais cauteloso depois disso. Não conseguia se recordar com precisãoda ordem correta.Todos esperavam, em expectativa. Aí, como se de repente

recordasse, Malcolm apontou os três últimos quadrados e acrescentoumais um. Encarou Tarek, triunfante, aguardando o veredicto domarcador.

— Excluído -— o inspetor anunciou, numa voz clara, porém triste.Malcolm explodiu de raiva:— Seu idiota! Verifique outra vez!—

  Verifiquei duas vezes.—

  O pobre homem ficou assustado,como se esperasse que o salão desabasse sobre si. — Você cometeuuma falta, Malcolm de Drummond. Inverteu o terceiro e o último símbolona seqüência.

Ele enterrou a ponta do punhal na superfície do quadro e olhoufurioso para Tarek al Sharif.

— Se quiser o punhal, pegue-o. — Deu-lhe as costas e deixou orecinto.

Seu pai, lan, aproximou-se da mesa do lorde, enquanto o quadrodo jogo era retirado.

— Você jogou bem. Meu filho fala demais. Ele não aceita bem aperda.

Quando lan foi se juntar aos demais nos brindes de cerveja,Brianna dirigiu-se a Tarek:

— Como fez isso?— Para vencer é preciso saber três coisas.— Quais são?—  Primeiro, deve-se estudar o oponente e antecipar cada

movimento antes que ele o faça. Segundo, esperar por aquele momento

que chega apenas uma vez em todo combate, quando tudo pode serganho ou perdido. É quando se investe firme com tudo o que se possui.

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— E a terceira?Seus olhos azuis encontraram os dela.— É necessário não ter nenhum medo de morrer. Morrer é perder,

e se você teme perder, então perdeu antes de começar.Brianna estremeceu, a despeito do calor do fogo na lareira a suas

costas. Tarek estava preparado para morrer para evitar que Malcolm areclamasse como o prêmio do jogo.

— Está com frio, Brianna.— Não...Durante todo o tempo ela receara que Malcolm pudesse acabar

com Tarek, destruindo, assim, a aliança. Agora percebia como aqueletemor era infundado.

— O que é, então? Lamenta que eu não tenha perdido?— Não!— Seu olhar procurou o dele.— Não é isso. É que...— O que, Brianna?— Tenho de ir. Há muito o que fazer. — Voltou-se e atravessou o

salão em passos rápidos, ansiosa por sair e escapar das sensaçõesestranhas que não conseguia entender.

Tarek a alcançou à soleira e puxou-a para as sombras do corredor.—  Não precisava me contar o sistema de Malcolm para que eu

vencesse o jogo.—

 Eu sei. Tinha de ter certeza de que você ganharia de qualquermodo.— Ela tentou se afastar dele, mas não conseguiu.— Mesmo assim, obrigado, Brianna.O som de sua voz fez com que ela erguesse a cabeça. Era

diferente de antes, baixa, terna, como uma carícia.—- Obrigado— ele murmurou de novo, antes de beijá-la.Não houve tempo para pensar ou reagir. Ou escapar.

 A boca de Tarek era como cetim cálido. Sua respiração misturava-se à dela, o gosto de fogo a lhe encher os sentidos.

O olhar assustado de Brianna encontrou o dele quando mãosfortes lhe escorregaram pelos ombros, os dedos a roçar pela face e a lheafagar os cabelos enquanto ele lhe inclinava a cabeça e a beijava outravez.

— Seja minha mulher. Brianna. — E forçou-a a abrir os lábios, aponta da língua a correr pelo centro do lábio superior, demorando-se embrincar com a carne sensível.

Ela ofegou, experimentando um prazer intenso pelo simplescontato, a própria língua a correr sobre o lugar que ele tocara.

Quando Brianna suspirou. Tarek tornou a beijá-la.

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— De todas as maneiras — ele murmurou, rouco. Aquele beijo foidiferente, poderoso e possessivo. A ternura fora substituída por umapaixão contundente.

Os lábios de Brianna se abriram por vontade própria, desejandoaquela língua que se esgueirava para dentro, numa exigência física queera tão íntima como a união de amantes.

 Afastou-se de repente, interrompendo o beijo. Seus olhos estavamnublados de sombras escuras de muitas emoções. A confusão seestampava em seu semblante.

— Brianna...— Não posso — disse desesperada por fazê-lo entender o que ela

também não compreendia.— Não é possível.

—  É mais do que possível. E juro que acontecerá, mas apenasquando você pedir.De repente, Tarek sentiu que ela ficava tensa e dava um passo

atrás. Foi quando um dos cavaleiros passou pela porta. Era Gavin deMarte.

—  Milorde? Há assuntos de natureza estratégica que aguardamsuas ordens. —  Ao olhar de um para o outro, voltou-se para sair. -— Podem esperar.

— Não! — Brianna exclamou. — Não vá. Devo cuidar de algumas

coisas. Boa noite, sir Gavin.Tarek praguejou quando ela se aproveitou da oportunidade e fugiupelas escadas, sem dúvida para o quarto. Ou talvez para as ameias,aonde sabia que Brianna ia com freqüência.

— O que é tão importante, Gavin? Stephen conhece meus planos.—  Tarek controlou a raiva, ainda com o olhar cravado no alto dasescadas por onde Brianna desaparecera.

—  Sim, e nossos homens não discutem sua autoridade, mas osescoceses relutam em seguir sua orientação.

Dando-se conta de que não havia como fugir ao dever, Tareksoltou uma imprecação.

—  Por que é sempre assim tão frio neste lugar? Será que aprimavera nunca chega a esta terra?

Gavin suprimiu um sorriso e acompanhou-o até a mesa do lorde.Era tarde quando Tarek saiu do salão com a intenção de procurar

aquele aposento no segundo andar para onde Brianna devia ter fugido.Porém, parou ao ver o jovem Duncan, o rapaz que perdera toda a famíliaem Glenross, a não ser o avô.

O menino cochilava encostado na parede do lado de fora do

recinto. Com o instinto de quem vivia sob a constante ameaça da morte,acordou de imediato. A luz das tochas brincava em suas feições infantis

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e pela expressão hesitante. Parecia uma criança desamparada eapavorada ao se pôr de pé e aproximar-se de Tarek.

— O senhor disse que eu deveria procurá-lo, milorde — Duncan o

relembrou.— Para tomar conta da égua.Sorridente, Tarek concluiu que os estábulos ofereciam mais

privacidade do que o salão principal em Inverness. Imaginou se poderiaatrair Brianna para lá, pois parecia o único local onde não encontrariam apopulação inteira do castelo.

Com o ânimo renovado, disse ao jovem Duncan:— Venha, vou apresentá-lo à égua.— Apresentar? Ela fala? Tarek achou graça.— Há vezes em que tenho certeza de que sim. Porém ela não se

comunica por palavras, mas a seu próprio modo. E você terá deaprender sua linguagem para poder ganhar sua confiança, pois ela édesconfiada.

— É um animal belo e raro, milorde. Nunca vi um tão bonito. A voz de Duncan ecoou pelas paredes. Quando as portas foram

abertas e um guarda normando apareceu, uma sombra separou-se dosoutros, como se alguém os observasse sair do salão.

 A luz da tocha clareou a expressão desapontada de Gillie. Elamurmurou uma praga no frio do ar de fim de tarde, quando a

oportunidade lhe escapou mais uma vez. A ira lhe endureceu as feiçõesquando se voltou para dentro, frustrada. Sentiu-se um tanto conformadaao pensar que era apenas uma questão de tempo antes que ele aprocurasse pela própria vontade. Tarek era um homem de sanguequente e não suportaria muito mais aquele casamento sem calor.

Malcolm a agarrou quando Gillie passou. Ela protestou, zangada,mas relaxou quando a luz das tochas mostrou-lhe de quem se tratava.

—  Agora não —  resmungou, ainda brava por seus planos paraTarek al Sharif terem dado errado.

Malcolm, porém, também muito zangado, arrastou-a para assombras sob a escada. Ali, empurrou-a contra a parede, as mãos a sefecharem em seus seios.

— Eu lhe disse que agora não!Mas o protesto de Gillie foi sufocado pela pressão da boca de

Malcolm, que lhe puxava a barra do vestido para cima dos quadris.Comprimiu-a contra a parede, os quadris a se esfregarem nos

dela, soltando os laços da calça.— Eu disse não!Mais uma vez Malcolm a ignorou e lhe afastou as coxas, investindo

para dentro dela. E Gillie suspirou e ofegou de prazer. Em vez de sedebater, agarrou-se a ele, os olhos a luzirem com um novo plano.

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apítulo X

Tarek saiu dos estábulos e subiu as escadas para as ameias.Embora fosse tarde, Brianna deveria estar mais calma, e poderiamconversar. No entanto, não a encontrou.

Resmungando, voltou para a muralha, determinado a encontrá-la.Na luz prateada da lua, um lampejo lhe chamou a atenção.

Era uma pena lustrosa, pálida e brilhante, as plumas de ouro-claroreluzindo ao luar. Acariciou a pena entre o polegar e o indicador. Eramacia como cetim e cálida ao toque, como se ainda conservasse o calorda criatura que a perdera.

Estudou o céu noturno e ouviu o rufar de asas, e recordou-se do

pequeno e bem-treinado falcão que um dia pertencera a lady Vivian de Amesbury. Tarek não vira esses caçadores em Inverness, apenas opombal arruinado no pátio, que vinha sendo reparado. E aquela não eraa pena de uma pomba.

Enfiou-a dentro da túnica. Perguntaria ao jovem Duncan sobre otipo de pássaro a que poderia pertencer.

Passara-se muito tempo desde que ela estivera naquele lugarantigo, e Brianna não tinha certeza de que poderia encontrá-lo. Todavia,

como se algum instinto a guiasse, localizou o lago entre as brumas, àmargem da floresta.O lago reluzia conforme a luz prateada de um quarto de lua incidia

na água, e ela podia ver a própria imagem refletida na superfície.O rosto que a olhou de volta não mais era o de uma criança

esperando ansiosa por um relance de alguma criatura aquáticaimaginária que surgisse das profundezas. O que viu a espantou: feiçõesemolduradas por cabelos de ouro-claro, que caíam além dos ombros emdesalinho, e olhos que a encaravam, assombrados por visões daquilo

que não conseguia entender, além de uma profecia da infância que aatormentava. Não eram seus olhos, mas os olhos de alguém mais.Já os vira antes, em sonhos. Pertenciam a uma bela mulher que a

chamava, dizendo-lhe que era hora de se levantar.— Mamãe?— Brianna murmurou.

 A superfície da água arrepiou-se como se em resposta. Então,mais uma vez ficou lisa como vidro, refletindo a pálida luminosidade dalua e as folhas da sorveira-brava cujos galhos se penduravam sobre abeira do lago.

—  Uma folha, duas folhas, três folhas... —  ela recordou aspalavras antigas, esquecidas até então.

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 Apanhou três folhas da sorveira-brava e comprimiu-as entre aspalmas. Depois, ajoelhou-se e estendeu as mãos, palmas unidas, sobreas águas ainda calmas e brilhantes, ao mesmo tempo que voltava os

pensamentos para dentro, procurando aquele lugar íntimo no fundo daalma.

Conforme a porta do passado se abria, Brianna deixou que umafolha caísse no lago. Quando flutuou, ela repetiu as palavras antigas:

— Flutua, folha, folha de verde vívido, ajuda-me a ver o que estáescondido.

Quando a primeira folha foi para longe, Brianna soltou outra,repetindo a cantiga. Em seguida, liberou a terceira, a murmurar oencantamento.

Cada folha deslizou na mesma direção da anterior, como seguiadas por alguma corrente invisível, fazendo ondular a água emcírculos concêntricos até que um círculo sobrepunha-se ao outro.

Ela olhou, incrédula, para o padrão perfeito, pois reconheceu-o deimediato, embora mal fosse visível na água.

Os dois círculos expandiram-se até que tocaram as margens, ocentro sobreposto como uma abertura no coração dos círculos juntos.Impulsionada por poderes desconhecidos, Brianna estendeu a mão erepetiu:

 Revele-me o que está escondido. A luz partiu-se em raios das profundezas e penetrou o centro doscírculos, a revelar imagens do passado, presente e futuro: um homemgentil, bondoso, belo de feições, com extraordinários olhos azuis esorriso adorável. Depois foi substituída por outra imagem de umguerreiro de cabelos negros que carregava a espada do Islã. Tarek aiSharif. Enfim, outro guerreiro, de cabelos loiros, olhos tão gelados comoa morte, mãos poderosas fechadas em torno de um machado de guerragigante. O sangue ensopava sua túnica.

Ele ergueu a cabeça devagar e a encarou. Mardigan. E, diferentede qualquer sonho, Brianna sentiu que ele estava muito próximo.

Um frio súbito a dominou, envolvendo-lhe o coração. A superfíciedo lago escureceu. A abertura no centro dos círculos sobrepostosfechou-se conforme a visão desaparecia. Porém a certeza daproximidade de Mardigan permanecia, e intensificada.

Brianna ergueu a cabeça tentando captar alguma mudança noodor e no som da floresta circundante. Sentidos aguçados, virou-sequando uma sutil corrente de ar trouxe um cheiro que não estava láantes: era de homem, ardido de suor, de sujeira, dos restos azedos de

comida e o fedor de sangue.

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Os pêlos se eriçaram em seus braços e na nuca. O coraçãodisparou. Os homens de Mardigan se encontravam por perto e bemescondidos, onde não poderiam nunca ser encontrados. Confundiam-se

com o terreno e se mesclavam às redondezas. E se esquivavam dacaptura com mestria.

Brianna seguiu até a borda da mata. Seus sentidos a avisavam doperigo e, contudo, não poderia partir até que soubesse o exato localonde se escondiam Mardigan e seus homens. Por fim, através da densacobertura de árvores, encontrou-os.

 Armaram o acampamento na base de uma rocha que aflorava dosolo, bem protegidos contra qualquer ataque de surpresa. Vinte soldadosse reuniam em torno de uma fogueira, os restos de uma caça ardendo

num espeto. O fedor de corpos sem banho impregnava a noite, o suormasculino a recender da batalha recente, mesclado a um cheiro cru eanimal de sexo.

 As risadas eram estridentes, a linguagem, obscena. Um delesarrastava uma jovem. Uma marca vermelha se espalhava pela face damulher, e parecia aturdida. Tinha o corpete do vestido aberto. Pareciaatordoada e não fez nenhuma tentativa de cobrir os seios. Suas saiasestavam manchadas, e os cabelos, cheios de folhas e gravetos.

— Ei! É minha vez com ela!

Mardigan, sentado, cortava um pedaço de carne do espeto.—  Talvez você quisesse ser o primeiro a prová-la —  alguém

debochou do companheiro, numa caçoada.—  É minha vez! —  reclamou o companheiro, zangado —, e não

ligo para seus restos.Mardigan levantou-se.— Parem! — Com a espada na mão, separou-os e jogou um dos

homens muito perto do fogo. — Não podemos atacar os escoceses sebrigarmos entre nós! O próximo que abrir a boca sentirá o amor deminha espada!

Lançou a arma de lado e agarrou a mulher. Em vez de levá-la paralonge, como os outros tinham feito antes, jogou-a sobre o leito de pelesao lado das labaredas. Quando ela protestou baixinho, ele a esmurrou ea comprimiu no chão, com a intenção de possuí-la na frente de seushomens.

Quando Mardigan puxou as saias da mulher para cima, sobre osquadris, um grito agudo chegou até eles, silenciando as gargalhadas eos comentários boçais dos invasores, em meio a um frenesi de asaspoderosas e presas afiadas

Mardigan se virou, e aquelas garras enterraram-se em sua face,abrindo a carne até o osso. Ele saltou para o lado.

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— Corra! — Os pensamentos de Brianna ligaram-se aos da moça,sobrepujando o sofrimento e o estupor.— Escape enquanto pode!

Lenta para reagir, com o corpo machucado e sentindo muita dor, a

mulher lutou para ficar de pé. Olhou pelo acampamento, à procura dequem falava com ela.

— Corra! Para a floresta. Eu a encontrarei! — Brianna assegurou.— Mas você precisa ir agora.

Com o rosto a escorrer sangue, Mardigan berrou para seushomens:

— Matem essa criatura!Caçador experiente, o falcão passou mais uma vez sobre eles, sua

mira infalível ao retalhar o lado da cabeça de outro soldado, arrancando-

lhe a orelha. O sujeito rolou pelo chão, comprimindo o ferimento.—  A mulher! —  outro gritou. —  Fugiu para a floresta! Pragas e

gemidos acompanharam o falcão, que também fugiu para a mata.Seguiu o ruído da jovem pelos arbustos e galhos pendentes e voou paraperto uma vez, mas ela se assustou e mudou de direção, apavoradacom aquelas garras mortais.

Chegou à colina, o som de seus perseguidores não muito longe,atrás dela. Escorregou pelo pequeno declive rumo a um reluzente lago.

Brianna a viu quando chegou à margem. Agarrou-a pelo braço com

uma das mãos, e com a outra lhe tapou a boca. Ela arregalou os olhosde susto e começou a se debater.— Não grite! — avisou Brianna. — Não vou machucá-la. A moça

ofegou, espantada, quanto Brianna a soltou.— Foi você que eu ouvi... Mas não vi ninguém. Onde se escondia?—  Perto, na floresta. Temos de sair daqui, ou eles nos

encontrarão. — Puxou a desconhecida para trás de uma árvore caída àbeira do lago e cobriu os ombros dela com seu manto.

— Você foi ferida!Brianna limpou o sangue dos dedos.— Não é nada. — E fez um gesto para que a jovem se calasse.

 Agacharam-se juntas atrás da árvore caída, ouvindo aaproximação de Mardigan e seus homens. A neblina começou a subir dasuperfície brilhante do lago, espessou-se e tornou-se mais densa,cobrindo tudo, empanando a visão.

Thomas a esperava nas ameias quando Brianna voltou, nomomento em que a aurora surgiu no horizonte, os pensamentos a seligarem aos dela, com preocupação.

— Você esteve no local antigo.

Ela estava com frio e exausta, e apoiou-se contra o ombro largo doamigo, para lhe contar do acampamento de Mardigan na floresta e da

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mulher que trouxera de volta para Inverness, uma sobrevivente de umataque a uma vila, onde vira a família inteira ser assassinada. Briannademorara a retornar por não querer deixá-la sozinha.

 Agora, a jovem, Enya, esperava do lado de fora do portão, nos jardins.

—  É preciso que todos acreditem que ela me informou dosassaltantes, Thomas. —  Diante da expressão cética do amigo, elaemendou: — Enya é grata por estar viva, e não me trairá revelando quefui eu quem a encontrei no acampamento. Dirá a todos que escapou.

E, na verdade, fugira. Com a pequena ajuda de uma amiga.—  Agora, preciso chegar a meu quarto antes que os outros

acordem. Embora seja minha parente, não confio em Gillie.

Thomas assentiu.— Sim, aquela mulher é ambiciosa. Não hesitaria em desacreditá-

la diante de milorde Al Sharif.Mantiveram-se nas sombras da manhã que nascia ao cruzarem,

rápidos, o pátio para a porta que se abria da cozinha. Assim queentraram, Thomas seguiu para o corredor escuro onde ficava apassagem oculta.

— Tome cuidado, Brianna.E ela entrou pela abertura. Brianna pousou a mão em seu braço,

extraindo força e conforto do amigo.— Obrigada, Thomas.Quando ele quis segui-la, ela o impediu.-— Estarei segura, agora. Você deve procurar Enya e cuidar dela.

Receio por aquela garota se ficar fora das muralhas por mais tempo. Edevemos fazer com que ela traga notícias dos vikings. Traga-a até mim.Deve parecer que eu soube de tudo primeiro. Em seguida, avisareimilorde.

Thomas concordou e fechou o painel de pedra atrás dela.Não houvera tempo de pegar uma tocha do salão, por isso Brianna

seguiu avante na escuridão, pelos degraus de pedra, guiada pelossentidos aguçados. No topo da passagem, encontrou a alavanca queabria o painel. Ao pousar a mão nela, Brianna soube que havia alguémno quarto do outro lado.

Não pressentiu perigo, apenas uma sensação que se espalhoupelas terminações nervosas. Caçoou da própria tolice. Claro que sentia apresença de outros, pois o aposento estava ocupado pelossobreviventes de Glenross. Ao comprimir o mecanismo e quando opainel afastou-se, experimentou a mesma sensação, ainda mais forte.

O chiado do fogo no braseiro foi o único som que ouviu ao sair deonde se achava. A tapeçaria balançou com a corrente de ar gelado que

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a seguiu e depois se acomodou na parede, conforme ela fechava opainel. Confiante de que não perturbara Anne e as outras, Brianna saiude trás da tapeçaria.

O fogo proporcionava a única luz, um brilho suave que deixava oscantos do quarto nas sombras. Ela hesitou, certificando-se de que nãoacordara ninguém, e depois avançou, puxando o capuz do manto.

— Bom dia, Brianna.

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apítulo XI

Brianna virou-se depressa. As chamas do braseiro iluminaram-lheos cabelos dourados e se refletiram no verde assustado de suas íris.—  Bem-vinda de volta, minha esposa. —  Tarek avançou com

passos rápidos, ágeis como os de um felino.Brianna notou o dormitório vazio.— Todos se acomodaram bem em outro lugar. Para onde leva a

passagem?Ela o analisou com cautela. Não conhecia o temperamento

daquele homem, que a fitava como um gato a espreitar sua presa.— Conduz a um corredor perto da cozinha.— Um meio de escapar sem ser vista. Brianna não negou.— Thomas e eu a usamos na noite em que Inverness foi atacada.— E hoje? Deixou a fortaleza?Ela sentiu que ele já sabia a verdade, ou pelo menos saberia, se

lhe mentisse.— Sim.— Por quê?— Para me afastar de você.Fora em busca de respostas no único lugar que sempre lhe

oferecia algumas, as águas misteriosas do antigo lago ao qual se achavaconectada.

Tarek pestanejou, como se agredido fisicamente. Não disse nada.E, no silêncio, Brianna sentiu que o magoara mais com a verdade do queo faria com qualquer mentira que pronunciasse.

 A pesada tapeçaria sobre a porta foi afastada. Stephen de Valoisadentrou, apressado. Parecia tenso.

— Uma mulher pediu para ver lady Brianna. Ela sobreviveu a umataque e trouxe notícias de Mardigan e seus homens. Estão na floresta a

menos de um dia de distância ao sul de Inverness! Os homensaguardam suas ordens, milorde. E os escoceses se reuniram também.

Tarek franziu a testa.— A terça parte dos homens irá conosco. Os demais ficarão para

defender Inverness. —  Quando se voltou para sair, sentiu a mão deBrianna na manga da túnica.

— Eles têm a vantagem de se locomover depressa, sem o peso dearmaduras. As roupas se misturam com a vegetação. Cairão sobrevocês, que não perceberão até que seja tarde demais.

 As sobrancelhas negras se juntaram sobre os intensos olhos azuis.— Como sabe disso?

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— Esqueceu-se de que conheço muito Mardigan, milorde. Aquele olhar mergulhou no dela, como se tentasse ver o que mais

havia além das palavras. Tarek dirigiu-se a Stephen.

— Os soldados usarão apenas calças e túnicas que se confundamcom as cores da mata. E carregarão só armas que possam serescondidas com facilidade. Se os assaltantes se misturam à floresta,faremos o mesmo.

Não seguiu de imediato atrás de Stephen, que saía para cumpriras ordens, mas hesitou como se quisesse dizer mais algo.

— Conversaremos de novo, Brianna.— E então se foi.

Sir Gavin voltara, vestido com túnica e calça que se camuflavam

com a vegetação. O acampamento dos assaltantes fora encontrado.Estava vazio, porém não fazia muitas horas.Malcolm resmungou ao se levantar dos restos ainda quentes da

fogueira. Passou por Tarek al Sharif sem tentar disfarçar o desprezo.Pegou a espada e o machado de guerra e, com um gesto para seushomens, seguiu a pé para a mata.

— Os bastardos farão com que sejamos todos mortos — Stephenresmungou, ao observar os escoceses desaparecerem entre as árvores.

—  Deixe os cavalos, Stephen. A floresta é muito densa para

seguirmos montados; isso só iria nos retardar. Vamos flanquear osescoceses.— E fechar o cerco a qualquer ataque que possa cair sobre eles.— Isso mesmo.Com a certeza de que estavam muito próximos dos invasores,

Malcolm e os escoceses tinham avançado em frente antes do nascer dodia. Tarek mandou avisá-los para que mantivessem a posição e assimcoordenar o ataque. Mas eles não esperaram.

Tarek deu ordens rápidas e dividiu suas forças, mandando metadede seus soldados sob o comando de Stephen para o noroeste e levandoo restante na direção nordeste. Assim, poderiam atacar por dois lados.

Os escoceses, inferiores em número, foram surpreendidos pelosinvasores nórdicos. Galhos e arbustos eram arrebentados em pedaçoscom a luta feroz. Tarek maldisse a densa folhagem e a imprudência dosescoceses conforme se aproximavam do campo de batalha.

O inimigo poderia estar escondido atrás da próxima árvore. Pelaclareira, ele viu os escoceses, numa valente refrega, vacilar e depois sereagrupar, a despeito do número de seus mortos. Tarek abriu caminhorumo aos homens de Malcolm, fechando o ângulo de ataque, enquanto

Stephen o fechava do flanco oeste.

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Quando um invasor caiu sob sua lâmina, ele virou-se e viu outro,com um punhal curto, a enterrá-lo no ombro de Malcolm. O guerreirogritou ao cair de joelhos. O inimigo ergueu a arma para o golpe mortal.

 A reluzente cimitarra persa o pegou de cima para baixo até abarriga, abrindo-o do pescoço ao osso do peito. O punhal parou no arcomo se seguro por mão invisível. Então, o homem caiu ao solo, ao ladode Malcolm. Tarek abaixou-se e puxou-o de pé.

— Largue-me!— Malcolm exclamou, ríspido.—  Pelo Profeta, você vem comigo! —  Tarek afirmou, com igual

veemência, ao arrastá-lo para a beira da clareira. —  Não darei maisrazões para seu povo me odiar, deixando-o para morrer.

 Acomodou Malcolm num lugar seguro, longe da batalha.

—  Seu braço que segura a espada está inutilizado. —  Tomou aoutra mão de Malcolm e comprimiu-a contra o ferimento aberto aoombro, forçando-o a manter a carne junta.— Viu Mardigan?

— Do outro lado da clareira. Vai reconhecê-lo pelo tamanho. Temcabelos loiros e olhos frios como o coração de uma prostituta.

Tarek abriu caminho pela clareira onde Stephen e seus homenslutavam, valorosos. Diante dos reforços, os nórdicos sentiram que abatalha se tornava insustentável.

Ouviu-se um berro feroz. Eles pararam de lutar, viraram-se e

fugiram para a floresta.Tarek e seus homens foram em seu encalço até que se tornouevidente que era inútil. Retornaram à clareira.

Os assaltantes tinham perdido pelo menos duas dúzias dehomens, mas Mardigan não estava entre eles. Os soldados de Tarektinham escapado com vários ferimentos. Porém, os escoceses nãotiveram a mesma sorte. Ansiosos, apressados e indisciplinados, haviamse lançado ao combate sem levar em conta o número maior deoponentes. E pagaram um alto preço. Oito escoceses morreram, comigual número de feridos, entre eles, Malcolm.

— Salvou minha vida, bárbaro.— Sim.— Por quê?Tarek agachou-se perto dele e o examinou. O corte era profundo, e

Malcolm perdera muito sangue, mas viveria, se voltassem a Invernesssem demora.

— Não direi que não considerei a idéia de deixar a faca do vikingcair onde ele pretendia.

Malcolm estreitou os olhos.

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—  Sua honestidade é brutal, bárbaro. —  Sorriu quando Tarekcolocou um pedaço de pano contra o corte e comprimiu-o com firmezapara estancar a hemorragia.

— Sim, porém, na verdade, não vi razão para desperdiçar a vidade um habilidoso guerreiro. Inverness necessita de todos eles.

— Estou em débito com você.— Não peço nada em retorno, a não ser uma coisa.— Qual é seu preço?— O que é meu eu manterei até a morte. Brianna é minha esposa.

O que se passou entre vocês antes nada significa. Juro que setransgredir essa linha, escocês, usarei esta lâmina para terminar o que oinvasor pretendia.

— Creio que deve existir sangue escocês em suas veias, bárbaro,pois você lutou com valentia como um de nossos compatriotas. Estácerto, não transgredirei os votos que foram pronunciados, a menos queBrianna assim escolha.

— Ela não o fará.Enquanto os outros feridos eram atendidos, Tarek voltou pela

clareira até onde se achavam seus homens. Stephen de Valois se juntoua ele.

—  Os vikings fugiram como se nunca tivessem estado aqui.

Deixaram três dos feridos para trás.—  Nós os levaremos de volta a Inverness. Talvez possam ser

persuadidos a nos dar informações. E quanto a Mardigan?— Escapou também.Um objeto de metal captou a luz do sol que se filtrava pela copa

das árvores. Tarek ajoelhou-se no chão ensopado de sangue e pegou oobjeto. Era um medalhão feito de ouro marchetado e estampado emrelevo, com a imagem de uma cabeça de dragão emoldurada numcírculo de chamas. Seus dedos se fecharam sobre o objeto, a borda alhe cortar a mão, quando abriu a túnica e tirou o medalhão que traziapendurado no pescoço.

Usava-o fazia vinte anos, e pelo mesmo tempo procurara pelohomem que o possuíra, antes dele. Aquele que raptara e desgraçara suamãe: seu pai.

Os medalhões eram idênticos. Não havia nenhum corpo perto deonde ele o descobrira. Devia ter caído de um dos guerreiros deMardigan. O homem que procurava estava entre eles.

— Pelo Profeta, juro que o encontrarei! E então o matarei!

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apítulo XII

Brianna sonhou que seguia para o lago. Era impulsionada poraquela sensação inconfundível, como se fosse guiada por algum podermaior.

Encontrou-o, envolto em bruma. No sonho, estendeu a mão sobrea superfície. Como antes, dois círculos entrelaçados surgiram numpadrão infinito, com o poder da luz ainda mais forte onde sesobrepunham.

Suas visões e seus sonhos sempre a levavam para aquele lugar.Estava conectada a ele, por razões que não compreendia. A única coisaque sabia era que as respostas que buscava se encontravam ali.

Concentrou-se na luz, sentindo seu calor a se infiltrar por seucorpo, os raios dourados a luzir em torno de sua mão e depois subir pelaextensão do braço para dentro do corpo, queimando seu sangue einvadindo sua alma.

O céu explodiu com a luz de um bilhão de estrelas que se uniramnum único ponto de luz poderoso que abriu a superfície reluzente doscírculos concêntricos para revelar um portal na água. Por instinto, ela foiatraída para lá. Sentiu que era aquilo que procurava. Além do portal,encontraria as respostas.

 A luz tremeluziu. Então, pareceu fenecer, o portal desaparecendoconforme uma escuridão crescente ia buscando pela luz, afogando-a. Asuperfície do lago também escurecia. Borbulhou e fervilhou, distorcendoos círculos até que também sumiram.

— Não! Espere! Não vá! Eu preciso saber. Quem sou eu? Por quetudo isso está acontecendo?

Era apenas outro sonho. Então, uma voz a chamou em seuspensamentos, querida e familiar, como um guia para o mundo real.

— Fique tranqüila, menina. Está a salvo agora. Nenhum mal irá lhe

acontecer. Eu estou aqui.Brianna acordou e estremeceu. Seu corpo lutava para se livrar deuma fraqueza e letargia que a puxavam como dedos invisíveis,recusando-se a deixá-la retornar ao mundo consciente.

— Thomas?— Sim, menina.— Onde estou?Brianna viu a muralha recortada de ameias e sentiu a pedra fria do

passadiço sob os pés. Na noite anterior, trancara-se no quarto por trásda porta recém-colocada.

— O que está acontecendo comigo? O que significa tudo isso?

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Desacostumado a receber afeição, a não ser de Brianna, ele puxouo braço. E viu a tristeza no semblante de Enya.

—  Sim. Como os outros, você pensa que não sou melhor que

Gillie, depois do que os assaltantes fizeram comigo.Ele sentiu como se uma faca se enterrasse entre suas costelas.

Nada o preparara para o espírito indomável de Enya, para a lealdadeferoz que dedicava a sua patroa ou a gentileza que tinha para com ele.

 Assim, respondeu da única maneira que poderia: afagou-lhe o rosto coma mão calosa.

Os olhos de Enya se iluminaram de surpresa com o gesto doce.Colocou os dedos sobre os dele.

— Você é maravilhoso, Thomas. Tão bom quanto qualquer lorde

ou rei.Ele enrubesceu, pois ninguém nunca dissera algo semelhante aseu respeito. Ou pelo menos daquele jeito.

 Ainda mais confuso, Thomas saiu e parou do lado de fora apenaso tempo suficiente para ter certeza de que Enya colocara a tranca.

— Beba tudo — Enya disse com firmeza ao levar a taça de metalaos lábios de Brianna.

Ela pestanejou e cerrou os dentes. Sua cabeça latejava, a dor apulsar nas têmporas. Cada som, o raspar das cobertas ao serem

puxadas, o chilrear de um pássaro no vão da janela, o chiado do fogo nalareira, era amplificado cem vezes para seus sentidos aguçados. Erasempre assim depois de acordar de um de seus sonos profundos.

 A tisana quente ajudou, acalmando os músculos doloridos,aquecendo-lhe o sangue, aliviando a dor de cabeça, e ela, por fim,conseguiu erguer as pálpebras.

Suas emoções estavam à flor da pele. Ao meio-dia, não fez arefeição com os outros no salão, mas buscou a solidão dos jardins, ondebrotos e folhas das semeaduras que Mirren fizera no meio do invernosurgiam da terra em busca do calor do sol.

 Ao redor, o som da construção da robusta muralha que aos poucosse fechava em torno de Inverness, e que também deixaria para fora seusinimigos.

Entre os operários achavam-se soldados normandos e guerreirosescoceses, que se revezavam nas muralhas para montar guarda. Omedo de ataque estava presente na mente de todos, com um terço doshomens ausentes.

Brianna ouviu o primeiro grito das muralhas. Cavaleiros seaproximavam de Inverness. Uma palavra fez nascer o temor instintivo

com que ela reagiu. Cavaleiros...

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Correu para o quarto para se arrumar. Foi quando o jovem Duncanentrou correndo e anunciou que Tarek e os outros chegavam aosportões. Seus olhos brilhavam, porém mantinha a expressão séria com

as notícias que trazia.— Muitos foram feridos, milady. Brianna agarrou-o pelo braço.— Quem?— Vários de nossos parentes, e os guerreiros normandos também.— Duncan, ache a curandeira e mande-a para mim.O menino se preparava para reclamar de ter de fazer uma jornada

até a vila naquele momento, quando Brianna disse com veemência:— Agora! Os feridos precisarão dela. Duncan obedeceu, embora

resmungando. Brianna encontrou Thomas no salão.

— Coragem, patroa.Ela, porém, não se sentia corajosa. Apavorada, desceu correndoos degraus do salão e cruzou o pátio, onde os escoceses e normandosse reuniam em torno dos recém-chegados.

O povo do castelo também foi para lá, esposas, namoradas ecrianças à procura de seus entes amados, lan, que permanecera emInverness em vez de retomar a seus domínios, sobreviventes de outrasvilas e mulheres que tinham criado laços de afeto entre os cavaleirosnormandos.

Muitos daqueles homens já tinham desmontado e ajudavam osferidos a apear. Brianna viu então um animal de longas pernas e belaossatura. A égua árabe! E os cabelos castanhos do jovem Duncan, quesaudava o cavaleiro a despeito de suas ordens para que fosse buscar acurandeira.

Naquele momento, porém, Brianna não se importou com adesobediência, pois os cabelos do cavaleiro ao lado do garoto eramnegros como as penas de um corvo, longos e amarrados atrás com umatira de couro. E a mão estendida para saudar o menino era bronzeadapelo calor do sol.

— Milorde!Um grito se destacou entre os demais. Uma voz feminina, cheia de

excitação e familiaridade, como de alguém que esperasse o retorno deum amante. Era Gillie.

 A prima de Brianna abriu caminho, empurrou Duncan de lado eficou na ponta dos pés, para enlaçar o pescoço de Tarek. A bocaansiosa encontrou a dele num beijo que era muito mais que umcumprimento.

Uma dor inesperada atingiu o coração de Brianna e, por um

momento, ela não conseguiu nem mesmo respirar. Assim, retornou deimediato para o salão. Encontrou Thomas nos degraus.

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—  Há muitos feridos, patroa. Muitos não retornaram. Brianna sevirou e focalizou cada guerreiro.

— Malcolm! — exclamou, quando não o viu. Brianna o encontrou

entre aqueles que tinham sido tirados dos cavalos e carregados para osalão. Ao ser levado pelos degraus, pelos amigos, com o pai do outrolado, sua mão procurou a dela.

— Ele salvou minha vida.Diante do espanto de Brianna, Malcolm sorriu.— Mas, por um momento, pensei que ele iria me matar.E levaram-no para onde Enya, Anne e a jovem Nel acomodavam

os feridos, de modo que ficassem confortáveis até a curandeira chegar.— Brianna?

 Aquela voz lhe assombrara os sonhos, a lembrança de seustoques lhe excitara os sentidos. Ela acreditou que bastava saber queTarek estava a salvo, ainda mais depois de tê-lo visto com Gillie. Porém,naquele momento, soube que não.

Quis se voltar ao mesmo tempo que quis correr. No entanto, nãohavia como escapar das coisas que ele a fazia sentir.

— Brianna...O som de seu nome, rouco na garganta, a fez estacar. Seu olhar

encontrou o dele, ardente, cheio de incontáveis emoções da batalha

passada e daquela que ainda haveria entre eles.Tarek a puxou. Suas mãos fortes correram pelos cabelos deBrianna, os dedos a se emaranharem nos fios quando ele lhe ergueu acabeça para beijá-la.

Sua boca era do mesmo modo ardente, a forçar a dela para que seabrisse, a língua a escorregar pelos lábios trêmulos para se enterrarentre eles com um calor fervente.

Era isso o que assombrara seus sonhos e cada momentoacordada, o prazer espantoso, doce, sensual da junção física queprometia muito mais.

Brianna tentou se agarrar à imagem de Gillie a beijá-lo, pois a raivaseria uma arma contra Tarek, mas descobriu que não era capaz.

 A ira desapareceu sob o assalto do calor daquela língua a seenroscar na sua, das respirações que se mesclavam, do poderpossessivo daquelas mãos em seus cabelos.

— Brianna...— Milorde, por favor...Tarek soltou-a devagar. Quando ela se voltou para correr para as

escadas, ele a deteve.

—  Você será uma esposa para mim de todas as maneiras,Brianna.

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Ela se recusou a encará-lo.— Por favor, milorde, os feridos precisam de mim.Ele a deixou ir, mas tornou a afirmar, ao vê-la fugir pelas escadas:

— De todas as maneiras.

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apítulo XIII

Brianna atravessou o pátio e entrou no estábulo. Cheirava amadeira fresca desbastada pelo carpinteiro de Inverness, grama novaque mal brotara do solo de inverno, poeira e cavalos.

Sua visão pouco a pouco se ajustou às sombras do ambiente, como sol a se filtrar pelas fendas das tábuas nas paredes. A poeira subia ereluzia num facho de luz.

O burburinho de conversa cessou quando dois soldados saíram dolado oposto. Tudo ao redor ficou de repente silencioso. Brianna virou-separa sair.

— O que você tem aí?Ela se voltou, chocando-se contra a mesa coberta com arreios que

precisavam de reparos. Passou a cesta que trazia no braço direito para oesquerdo, como um escudo, quando Tarek aproximou-se de ondeestivera se lavando.

Gotas d'água luziam nos cabelos negros como a meia-noite, quecaíam até seus ombros e nas pontas dos cílios espessos.

— Comida para a refeição do meio-dia para seus homens. Pareceque estão fora. — Ela fez menção de sair, mas seu marido estendeu amão e segurou a cesta.

— O que a cozinheira preparou?Encurralada entre ele e a mesa, Brianna recuou mais uma vez o

quanto pôde.—  Pão, queijo e ovos. Mas há um belo ensopado no fogão — 

emendou, esperando que Tarek pudesse preferir isso, e ela pudesseescapar.— Uma comida quente cairia melhor.

— O que trouxe me agrada. Partilhará comigo?— Estou sem fome. — Seu estômago roncou em protesto, fazendo

dela uma mentirosa.

Um brilho divertido surgiu naqueles perspicazes olhos azuis, quepareciam ver demais.

—  Não é o que parece. Fique, Brianna. Eu gostaria de ter suaopinião sobre algo em que tenho pensado muito. — Tirou a cesta dela ecolocou-a sobre o tampo.

— De que se trata?— É algo que a afeta também, e eu não gostaria de tomar uma

decisão sem primeiro falar-lhe.— Muito bem, então. Diga.

— Prefiro discuti-lo com o apetite saciado.— Muito bem, então comamos.

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 Almoçaram e, quando Tarek se serviu da sobremesa, um pêssegosuculento, Brianna quis saber:

— Que assunto queria discutir, milorde?

— É sobre o jovem Duncan.Não era o que ela esperava. Tinha certeza de que Tarek apenas

fingia querer falar sobre algo com ela para mantê-la no estábulo.— O que tem ele?—  A situação do menino tem pesado muito sobre mim. Duncan

não tem família...— Muitos perderam os familiares nos ataques.— É verdade. Porém Duncan tem apenas o avô. O velho é muito

frágil e não viverá para ver outro inverno.

Tarek não disse aquilo com grosseria, mas com uma franquezagentil. Brianna sabia que ele tinha razão. O avô de Duncan já falara desuas preocupações para com o menino, pois não havia outro parenteque pudesse ficar com ele.

— O rapaz é bom com cavalos — ele continuou a explicar. — Aégua gosta dele. E são poucos os que ela aceita.

Brianna podia ver o rumo de seus pensamentos. Duncannecessitava ter uma família que gostasse dele.

— Anne poderia ser convencida a adotá-lo — ela sugeriu, embora

 Anne já estivesse muito ocupada com um novo bebê.Um marido em perspectiva poderia ser persuadido a aceitar umacriança de peito; no entanto, um rapazinho que não podia ainda trabalharpara ajudar a sustentar o lar significava mais quatro bocas a alimentar.

— Você poderia ser convencida?— Tarek indagou.O olhar surpreso de Brianna encontrou o dele. A solução parecia

tão simples e ao mesmo tempo muito complicada.— Sei o que é não ter família, Brianna. É um vazio na alma que

nunca pode ser preenchido. Eu gostaria de adotar o garoto. Invernessserá sua casa, não para dormir no pátio, como ele tem feito, mas numlugar só seu. Duncan poderá aprender a cavalgar e manejar umaespada, mas irá estudar também.

O que ele sugeria eram laços que o ligavam a Inverness e aBrianna. Falava de um futuro juntos, como se os votos que pronunciaramos vinculasse a Inverness e um ao outro para sempre.

Era impossível, porém, a única chance que Duncan poderia ter deum futuro diferente. E por mais impossível que fosse, Brianna sentiulágrimas a lhe arderem nos olhos pela gentileza expressada por aquelevalente guerreiro.

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— Eu gostaria muito — deu a única resposta que pôde, que tinhaincontáveis significados. —  Falarei com Bruce sobre isso. Ele ficaráaliviado.

— Não tinha certeza de que você iria aprovar.—  Por que não, Tarek? Gosto muito de Duncan. Ele é um

excelente rapazinho.— Duncan pode ser muito...— Teimoso?— Sim.— Obstinado?O sorriso dele transformou-lhe o semblante pensativo, mostrando

uma beleza de tirar o fôlego, quase pueril.

— Mais acertadamente. Brianna deu de ombros.— Ora, ele é escocês!—  Suponho que terei de aprender como lidar com escoceses

cabeças-duras.—  Creio que já aprendeu, milorde. Você e Malcolm parecem ter

feito uma trégua um com o outro.Tarek se inclinou para espetar outro pêssego. Ofereceu-o a ela,

que aceitou, porque pareceu-lhe mais seguro do que uma recusa.— Isso a agrada, Brianna?—

  Sem dúvida. Malcolm é um bom amigo. Ele fez um gesto dedescaso.—  Também achei que era a coisa certa a fazer. Creio que eu

salvaria a vida dele a despeito dos melhores esforços que Malcolmfizesse para perdê-la.

— Obrigada.Tarek chegou tão perto que Brianna pôde ver cada cílio em torno

daqueles olhos azuis tão incomuns.— Por salvar a vida dele ou pelo pêssego?— Pelos dois...— Olhe para mim, Brianna. Ela o encarou.—  Faz quatro dias desde que voltamos, e cada vez que tento

conversar com você, acaba fugindo de mim. Por quê?— Com tantos feridos...—  Há outras pessoas para cuidar deles. Enya parece bem

adequada para a função. Portanto, esse não é o motivo. —  Tarekafagou-lhe a face com as costas dos dedos.

—  Não faça isso! —  Em um pânico crescente, Brianna evitou ocontato, mesmo ansiando por senti-lo de novo.

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—  Não? —  ele perguntou, a entonação suave. Seus dedosescorregaram para o queixo, forçando-a a fitá-lo. Acariciou a curva dolábio inferior com o polegar.— Seus olhos dizem outra coisa.

— Não— ela insistiu, súplice.— Não posso... É impossível.— Por quê? Empenhei minha espada para seu povo. Nossa gente

derramou seu sangue em combate contra o mesmo inimigo.Pronunciamos os votos perante seu Deus e o meu. Brianna, seja minhamulher. Deite-se comigo. Vamos partilhar nossos corpos um com ooutro, pois eu a amei desde a primeira vez em que a vi, meses atrás. Foivocê quem me trouxe de volta ao Norte.

O olhar de Brianna encheu-se de tormento com o segredo quecarregava. Ele jamais poderia entendê-lo, ou aceitá-lo.

— É impossível.— Tudo é possível.— Não sou o que você pensa, milorde... Tarek segurou-lhe o rosto.—  Você é o sol. —  A boca dele roçou a dela, roubando-lhe o

fôlego, para que Brianna sentisse cada palavra nos lábios. — É a brumana alvorada.

— Não sou como outras...Um suspiro de prazer escapou dela. Com um débil gemido, a boca

de Brianna se abriu.—

 Não posso sentir...Num beijo muito diferente daquele, dias antes, as mãos de Tarekse enterraram nos cabelos dela, acariciaram cada mecha e depois lheinclinaram a cabeça.

 A dor estranha que Brianna experimentara por semanas cresceucomo uma fome. Quando Tarek a beijou e ergueu-a para a mesa, deixouescapar um gemido.

— Pode sentir isto?— Sim...— Maravilhada, Brianna murmurou:— Você tem sabor de

mel.— E isto? — Ele torceu a mão nos cabelos dela como uma corda,

ao puxar-lhe a cabeça para trás para outro beijo, ao comprimir a bocacontra a curva de seu pescoço.

Brianna ofegou e arrepiou-se.Tarek estremeceu, e passou a acariciá-la muito mais intimamente.

 Abriu-lhe o corpete e deparou com seios redondos e firmes, a pele pálidaquase translúcida, os mamilos da cor de areia escura. Tornou a beijá-la,e Brianna arquejou assim que ele se apossou de um mamilo.

— Seja minha esposa de todas as maneiras, Brianna. Foi quando,

além dos estábulos, ouviram vozes muito próximas. Eram os guerreirosnormandos que voltavam do campo de exercícios do lado de fora das

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antes, e não aceitaria recusa dela para que se tornasse sua esposa porcompleto. E se não fosse assim...

O vento varria o pátio quando Tarek o atravessou com longas

passadas. Por instinto, olhou para o portão seguro e para os guardas aolongo da muralha. Com a lua nova logo acima do horizonte leste, avistouas silhuetas em posição contra o céu estriado de nuvens.

Os cavalos se remexiam inquietos nos estábulos, e os pássarosvoavam para seus poleiros no pombal, como se antes de umatempestade.

Tarek subiu os degraus para as ameias e encontrou-a lá, recortadacontra o firmamento noturno, os cabelos da cor do luar. Seu manto seagitou em torno do corpo esguio quando Brianna se inclinou para a

frente, as mãos presas no topo da ameia, o rosto erguido para a brisa.Então, como se tivesse sentido que não estava só, virou-se, e seusolhares se encontraram.

Sua pele era como o mármore persa, os olhos verdes enormes esombrios na face pálida, os cabelos de um ouro esbranquiçado,soprados pelo vento, como um nimbo brilhante de luz que a emoldurava.

Brianna se afastou da muralha e caminhou devagar na direçãodele.

 Ao chegar mais perto, Tarek viu a luz febril que luzia em suas

pupilas como antes, naquela tarde nos estábulos, e pensou em jehara, acriatura mítica e mágica do mundo imortal.Brianna se aconchegou ao marido, as mãos delicadas a lhe

emoldurar as faces, quando ergueu a boca para a dele e respondeu àpergunta silenciosa que havia nos olhos de Tarek com uma ferventepaixão:

— Sim.

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apítulo XIV

Brianna se recostou em Tarek, as dobras do manto a abrigá-los, acarne rija ainda enterrada dentro do ninho firme de seu corpo.Remexeu-se e ergueu a cabeça. Suas íris estavam escuras como

veludo negro, os olhos muito abertos, desprotegidos, sem fantasmas,como se observasse dentro do futuro e do passado.

Era frágil e leve como um pássaro nos braços de Tarek, e contudoquente como o fogo em repouso que só espera para ser reavivado. Suaboca procurou a dele.

— Eu não sabia... — sussurrou ao se aconchegar nos braços delee senti-lo enrijecer mais uma vez em seu interior.

Seu olhar surpreso encontrou o de Tarek, ainda mais toldado. Seufôlego ficou preso na garganta num arquejo assustado de prazer edeslumbramento quando o marido, devagar, balançou seus quadris, eBrianna o sentiu a lhe comprimir o ventre, como antes, só que daquelavez por dentro.

— Agora você sabe— ele disse, com profunda ternura.Brianna deixou escapar um gemido de protesto quando Tarek saiu

de cima dela e arrumou as roupas de ambos. Em seguida, enrolando omanto em torno dela, ergueu-a nos braços e carregou-a das ameias.

Os guardas à entrada do salão eram normandos. Se ficaramsurpresos de vê-lo carregando a filha do antigo lorde nos braços, foramprudentes o bastante para não tecer comentários.

Tarek a levou para os degraus de pedra que conduziam aosquartos do segundo andar. No corredor, seguiu para o quarto do lorde.

Um fogo queimava na lareira, sem dúvida trabalho de Duncan, queassumira por conta própria o posto de escudeiro de Tarek. Tudo ao redorse encontrava arrumado e limpo, cada coisa em seu lugar, com umabandeja de doces e uma tigela dos preciosos pêssegos condimentados

sobre a mesa, para deleite do novo lorde de Inverness.Tarek não a colocou na cama, mas diante da lareira. Tirou-lhe o

manto molhado pela chuva e o deixou sobre uma cadeira próxima parasecar. Então, apoiando-se num dos joelhos, tirou-lhe os sapatos,esfregando cada pé entre as mãos.

— Não estou com frio, milorde.Quando Tarek a fitou, Brianna soltava os laços do corpete. E

quando ele ficou de pé, ela tomou-lhe a mão e a comprimiu contra o seionu. O azul brilhante das íris dele escureceu de desejo. Seu maxilar

retesou-se, a voz soou baixa e grave:— Não, não está.

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Mesmo assim, ela estremeceu quando ele acariciou-lhe o mamilo,rolando-o sob a palma até que estivesse inchado e duro. Inclinou-se, alíngua a correr sobre o bico distendido, e repetiu, rouco:

-— Sem dúvida não está. — Pôs-se a sugá-lo.Brianna gemeu com o estranho prazer que começou em seu seio,

espiralou-se para baixo através de seu ventre, um eco de desejo queaumentava em intensidade a cada sucção daqueles lábios.

Suas mãos escorregaram por aqueles cabelos negros, puxando-ocontra si. Tarek empurrou o outro lado do coipete e apoderou-se dooutro seio suavemente.

— Desnudá-la é como saborear um pêssego — ele murmurou, àmedida que o vestido deslizava pelos quadris redondos, pelas coxas e,

enfim, caiu no chão.—  É difícil? —  ela perguntou, ofegante, quando, com ambas as

mãos, Tarek lhe acariciou a curva dos quadris, e Brianna se recordou decomo ele a segurara antes e depois das delícias que se seguiram.

— Algumas vezes quase impossível, mas vale a pena o esforço. — Tarek a ergueu nos braços, seus cabelos molhados a lhe caírem porsobre os ombros e a meio caminho do piso.

Os dedos de Brianna se moveram para os laços da túnica dele eacariciaram o peito forte e quente e o mamilo, que respondeu a seu

toque.Tarek se afastou apenas para tirar as roupas molhadas. Quandose virou para ela, era todo bronze reluzente, superfícies elásticas efirmes, sombras escuras e atraentes.

Era belo de tirar o fôlego, com músculos que se estiravam e depoisse retraíam, poderosos. Voltou para a cama e se esticou, com um joelhona beirada, e deitou-se sobre ela, comprimindo-a para baixo.

O corpo de Brianna parecia em brasa. Em todo lugar que o maridoa tocava e a provava, a pele ardia como se aquele toque fosse maisprazeroso que o anterior, até que ela se contorceu sob ele, o corpoagitado pela crescente inquietude da urgência.

— Tarek, por favor...E, atendendo ao apelo de sua amada, Tarek a fez sua mais uma

vez.

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apítulo XV

Brianna emergiu aos poucos do torpor do sono pesado. Foradespertada por sons que vinham do outro lado do cortinado da cama.Remexeu-se, hesitante, no casulo quente de peles, tentando

discernir o ruído. Era de água escorrendo, misturado ao murmúrio devozes:

— Há mais alguma coisa que eu possa trazer, milorde? A névoa dalembrança clareou ao ouvir a voz de Tarek:

— Não, isso é tudo. Boa noite, Enya.E quando as recordações brotaram, seu corpo se aqueceu ao

pensar nas horas passadas. Puxou uma pele espessa contra si, e oscortinados foram empurrados para o lado.

— Vá embora! — protestou, ao se enterrar mais fundo nas pelesmacias, presa ao torpor sensual do sono.

— Não foi isso o que me pediu pouco tempo atrás. — Tarek sorriu.Sua mão afundou entre as cobertas, à procura de um tornozelo

delicado que desaparecia sob a borda da pele. Começaram um jogo degato e rato pelas várias camadas dos cobertores, até que ela teve debuscar por ar, quando ele, por fim, a comprimiu entre os braços e osquadris, e a tirou da cama,

— Não! — Brianna reclamou, aconchegando-se contra ele. — Nãopode ter amanhecido ainda...

— Não mesmo. Mal passa da meia-noite. A voz a reverberar no peito sob a face de Brianna provocou suaves

arrepios de prazer ao longo de suas terminações nervosas.— Sendo assim, por que me acordou?— Não o fiz. Você me acordou. Ou, para ser mais preciso, foi seu

estômago. E não posso tolerar uma esposa com um estômagoroncando.

Brianna ergueu a cabeça, os olhos verdes a espiá-lo por trás deum véu de cabelos loiros que se espalhavam pela testa.

Tarek roçou os lábios nos dela. Sem demora, porém, afastou-adele, as peles a deslizar pelo glorioso corpo nu, e a colocou numa largabarrica de madeira que fora trazida da lavanderia. Em vez de camisas,lençóis e sabão de soda, estava cheio de água limpa e fumegante.Todas as exclamações de protesto de Brianna morreram num gemidodeliciado.

— Como convenceu a lavadeira a ceder uma das barricas?

— Eu a roubei— ele afirmou, divertido.

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—  Vai perder a cabeça por isso -—  ponderou Brianna, pois areputação da mulher era bem conhecida. —  E umas poucas outraspartes de sua anatomia também.

— Vale qualquer preço, se consigo agradá-la.— Ah, isso eu posso garantir! — ela exclamou, numa profusão de

bolhas, ao submergir e depois reaparecer, afastando os cabelos dorosto.

Tarek ficou a observá-la a brincar na água, feliz. Parecia uma focaescorregadia que ele vira certa vez.

—  Muitos crêem que se banhar com freqüência faz adoecer emorrer, sabia, milorde?

— Acredita nisso?

— Se acreditasse, iria cheirar como uma cabra.—  Eu lhe asseguro, você está bem longe disso. E não tenho o

hábito de dormir com cabras.—  Mesmo assim julgou que eu precisava de um banho. Eu o

desgostei, milorde?—  Agradou-me muito, isso sim. —  Sua voz soou baixa e rouca

com a lembrança da paixão que partilharam. — Fiquei preocupado quepudesse sofrer de algum desconforto depois. Água quente pode sermuito calmante, se é que me entende.

Brianna arregalou os olhos, como poças verdes de água, deindisfarçada surpresa.—  Sim, pode ser. —  E desviou-se, constrangida à menção das

horas de sexo. —  Estou bem, pode acreditar, não sofri nenhumaperturbação.

Fez uma pausa e emendou:—  Só a princípio. —  Erguendo o olhar, encarou-o com aquela

honestidade e franqueza que Tarek tanto valorizava. — E não foi de fatoum desconforto. Na realidade, milorde, você foi ótimo.

Foi a vez de Tarek sorrir ao olhar para a água e descobrir outroprazer: o de admirar aquele corpo reluzente, a curva dos seios a boiarsob a superfície, os braços delicados em torno dos joelhos, as outraspartes escondidas.

Não lhe ocorreu que pudesse ser diferente, pois sempre fora assimcom todas as mulheres, mesmo a mais exótica criatura do ImpérioBizantino. Porém, descobriu que o agradava mais ouvir Brianna dizerisso, assim como fora bom ouvir os gemidos e gritos dela ao fazeremamor, com seus movimentos ansiosos e inexperientes.

Os dedos de Tarek correram pela água onde as pontas dos

cabelos flutuavam, enroladas nos ombros de Brianna, e se curvavamsobre um seio. Acariciaram aquela curva lustrosa. Ele percebeu a sutil

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mudança na respiração, que falava da excitação de Brianna, agorafamiliar a ele, e do jeito que o círculo plano do mamilo aquecido pelaágua saltava de repente e se endurecia em compasso com a rigidez de

sua própria masculinidade. Ambos já se conheciam com um instintofísico.

Então, ele deslizou os dedos mais para baixo, ao longo da curvainterna da coxa até o ninho macio de pêlos, a acariciá-lo ternamente,enquanto se recordava das horas passadas em que julgara não poderencontrar nenhum prazer maior do que se perder no calor úmido daquelecorpo.

Como se drogada pela suave intoxicação de calor e por aqueletoque, Brianna fechou os olhos e sua cabeça apoiou-se na beira da

barrica. Suas pernas se afastaram conforme se abria para ele e ficou aesperar, tensa de antecipação.Porém a sensação que sentiu a seguir foi do doce calor úmido da

boca de Tarek a roçar a sua. E ela deixou escapar um som quecombinava surpresa, prazer e desapontamento.

—  É muito cedo, Brianna —  ele disse a ela com a firmeza dapreocupação, pois na verdade ansiava por possuí-la de novo. — Vamosesperar e depois descobrir outras delícias um com o outro.

—  Por quanto tempo? —  ela insistiu, sentando-se com uma

impaciência que fez a água transbordar pela borda.Tarek achou graça, pois ela parecia uma criança geniosa a quemtinham dito que não teria mais bolos.

— Até que eu diga que foi suficiente.— Estendeu-lhe a mão.— Por que é que você tomará essa decisão, quando se trata de

meu corpo?—  Porque sou muitíssimo mais experiente em tais assuntos.

 Agora, deixe-me banhá-la.Ela arregalou os olhos.— É assim entre homens e mulheres no Império Bizantino?—  Não. Em geral é a mulher quem banha o homem. E se lava

depois, mas nunca na mesma água.— Por que não?— Porque seria impuro.— Então, por que vai me lavar?— Porque... — Ele se afastou, para depois voltar com uma barra

de sabonete na mão e se ajoelhar ao lado da barrica.— ...me agrada.— Não creio que haja espaço suficiente para dois aqui— Pode ficar bastante apertado.

—  Duvido que você mantenha sua decisão sobre a próxima vezem que faremos amor, se formos partilhar este banho.

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— É provável que tenha razão. Agora, vire-se.O sabonete tinha um cheiro suave de especiarias, exótico e

familiar, pois ela o sentira antes, nele.

Tarek ensaboou-lhe os ombros, as costas e os cabelos. A seguir, opescoço e o colo, e ambos descobriram o prazer da espuma em outroslugares.

Brianna sentiu que os dedos dele demoravam-se em seu ombro.—  É uma marca muito incomum —  ele comentou, os dedos

quentes a correrem pela marca na pele, que não era maior que umamoeda pequena.

Tinha uma cor rosada e a aparência de dois pequenos círculos, umsobreposto ao outro. Havia outras marcas muito menores do lado de fora

dos círculos.— Nasci com isso — ela explicou, e sentiu um aperto no peito por

ele não dizer nada. Virou-se para fitá-lo. —  Existem aqueles queacreditam que tais marcas são um sinal do mal.

Será que Tarek acreditava naquelas coisas? O fato era que elapouco sabia sobre aquele guerreiro moreno que agora era seu marido elorde de Inverness.

Ele percebeu-lhe a hesitação na voz, viu a incerteza em seusolhos, ao mesmo tempo que os ombros se endireitavam e a cabeça se

erguia, altiva, como se Brianna o desafiasse.Tarek sorriu com ternura.— Há também aqueles nos impérios orientais distantes que fazem

de propósito essas marcas nos corpos como adorno, como prova de seustatus ou cultura. Vi tais enfeites cobrindo o corpo inteiro. Grandesdesenhos elaborados... —  Apontou para o padrão do cortinado. — ...muito parecidos com uma tapeçaria. E há culturas que reverenciamaqueles que nascem com tais marcas, pois são os escolhidos.

— Escolhidos?— São assim marcados, é o que se crê, porque foram escolhidos

pelos deuses para serem líderes ou governadores espirituais acima dosoutros.

— Julga a marca ofensiva?Havia quase um desafio na voz de Brianna, como se ela o

confrontasse. Tarek reprimiu um sorriso. Sua mulher era linda,orgulhosa, e tinha uma inteligência aguda que não se dobrava a nenhumhomem. "Pelo Profeta!" Ela lhe instigava o sangue como nenhuma outra.Uma criatura etérea que era tão forte como a mais fina lâmina de aço.

—  Talvez eu julgasse ofensivo se fosse a marca de um porco

selvagem.

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— Porco selvagem? — Brianna fungou de desgosto. — Não creioque eu gostaria disso também.

—  Nem eu. —  O sorriso dele se alargou. —  Eu iria me distrair

olhando para um porco selvagem em seu ombro ao fazer amor comofizemos.

 As faces de Brianna se coloriram de rubor e ficaram quentes,assim como outras partes, quando ela se lembrou da maneira comotinham se unido, os ombros de Tarek comprimidos contra os dela, suamão a lhe descer pelo ventre para abri-la e penetrá-la de modosinesperados e deliciosos.

Mesmo naquele momento, seu ventre estremecia e se contraíacom a recordação daquela junção, e Brianna ficou a imaginar quanto

tempo era "muito cedo". Não sentia nenhuma dor, a não ser nosmúsculos usados de maneiras a que não estavam acostumados. Nãoera desagradável, mas uma gostosa fadiga que a fazia se espreguiçar eantecipar a próxima vez com uma ansiedade sensual. Ele só poderiaestar brincando. Porco selvagem, ora essa!

Esborrifou água em Tarek, que lhe escorreu pela túnica, pelacintura e reluziu nos cabelos negros que caíam até os ombros. Briannagostou da brincadeira, pois desviava sua mente de outros assuntos.

 Agora sabia pelo menos que era capaz de sentir o que uma mulher

sente quando se une a um homem.Seu banho esfriou. Tarek a fez ficar de pé e a ergueu da barrica. Aágua produziu poças no chão.

Tarek a enrolou numa grande toalha de linho e mordiscou-lhe oombro nu. Brianna arquejou e o encarou. Seu olhar não era de ultraje oudor, porém de um desejo selvagem e poderoso. Parecia que mesmo ogesto mais travesso tinha um efeito devastador em seus sentidos.

Ele virou-a para o fogo do braseiro, ordenando:— Sente-se e se aqueça antes que morra de frio. Juro que nunca

conheci uma terra tão gelada. Não posso entender como alguémsobrevive aqui.

—  Sobrevivemos muito bem, milorde. O frio fortalece o corpo. Éque seu sangue é muito fino.

— Não há nada de errado com meu sangue —  assegurou-lhe, esentiu as veias queimarem ao vê-la se enxugar.

Depois aproximou-se e lhe abanou os cabelos perto do fogo,secando-os entre os dedos, a exótica fragrância do sabonete em cadamecha dourada.

 Apanharam a comida que Enya trouxera da cozinha e comeram

diante do fogo.

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— Fale-me de seu lar. — Brianna mordeu uma fatia de pão commel.

—  Não tenho lar. —  Tarek jogou mais lenha no braseiro, e as

achas se acenderam.—  Todos têm. Embora Cullum e Mirren não fossem meus pais

verdadeiros, encontrei um lar aqui com eles, tão bom quanto qualquerum que eu pudesse esperar. —  Sua memória se desviou para algumoutro lugar vislumbrado em visões e sonhos, e outros rostos gentis eamorosos. Então, sumiram depressa.

Tarek franziu a testa e remexeu os carvões.—  Um lar é um lugar cheio de amor, com uma família, com

pessoas que se importam umas com as outras. Posso ver isso entre

seus parentes, Brianna. São todos ligados por uma lealdade forte, e umprofundo amor por esta terra e pelos laços de sangue. Nuncaexperimentei tal coisa.

Ela estremeceu, a despeito do calor no quarto, ao pensar que elenunca tivera aqueles laços profundos que significam amor, segurança efelicidade.

— Mas você teve mãe e pai, lógico.Tarek apertou o atiçador como se fosse uma espada.— Sim — sua voz saiu baixa e tensa da garganta. — Todos têm

mãe e pai.O jeito como ele pronunciou a última palavra deixou claro que nãosentia nenhum amor por aquele que o gerara.

Então, Tarek contou a Brianna sobre Asmari, a filha favorita de umrico e poderoso emir, e a caravana nupcial que a levava, aos quinzeanos, acompanhada pela velha tia, para Antioquia, ao encontro do jovemcom quem se casaria. Falou do ataque à cidade pelos invasoresnórdicos, que saquearam e devastaram a região ao redor, levando a filhado emir cativa.

— O emir pagou o resgate, pois amava Asmari, mais do que seuprimogênito. Porém ela fora desonrada.

Brianna ficou calada. Não havia nada a dizer.— O nórdico que a raptou a violentou. Embora tivesse retornado

para a família, o casamento planejado para ela não era mais possível.— Tarek voltou-se, as belas feições tensas com a frieza do ódio que serefletia em seus incomuns olhos azuis, a marca do pai que o gerara.

 A dor da vergonha de Asmari era ele mesmo. Brianna estendeu amão, seus dedos a se entrelaçarem nos dele.

— Não foi culpa dela. Asmari era inocente. Tarek.

—  Jamais a culpei, Brianna. Houve outros, contudo, que aculparam.

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— Como poderiam?!—  Alguém da família disse que ela deveria ter resistido. Mesmo

que significasse tirar a própria vida para impedir a vergonha que trouxe

para todos eles.Brianna se arrepiou. Não era tola. Muitas vezes aquele era o

resultado da guerra. Muitas escocesas sofreram coisa semelhante nasmãos de Mardigan e seus homens.

Pensou em Enya, que enfrentava com coragem os soldados emInverness. A princípio, eles não a tratavam melhor do que a Gillie, que seentregava sem pudor a qualquer guerreiro que a quisesse.Diferentemente dela, Enya conquistou respeito com seus modos gentis esuas habilidades de cura, mantendo-se à parte e deixando claro tanto

em palavras como em atos que não seria tratada como uma prostituta.O coração de Brianna condoeu-se por Asmari e por seusofrimento. Doía até mesmo pela criança que Asmari gerara, que era amais inocente vítima de tudo.

 A voz de Tarek soou baixa e cheia de sofrimento ao continuar afalar da mãe.

Brianna gostaria de impedi-lo, de lhe dizer que não era precisosaber de tudo, porém sentiu a necessidade maior de Tarek emdesabafar o fluxo amargo de palavras que não podiam ser contidas.

  Não muito tempo depois de seu retorno à família, Asmaripercebeu que iria ter um filho. Um bastardo, que traria mais vergonhasobre sua família.

 Aquilo foi dito com tal frieza e auto-recriminação que Brianna sentiuvontade de chorar.

—  Asmari foi mandada para as colinas para viver com outraspessoas até que seu filho tivesse nascido. Quando voltou para casa, nãoteve permissão de trazer a criança, pois isso seria um lembreteconstante de sua desgraça. O bebê foi dado a um mercador em

 Antioquia para que sua esposa o criasse, pois o homem tinha um débitode honra para com o emir. Eles não tinham filhos, e assim poderiamaceitar a criança como deles próprios. — Tarek fez um esgar. — O cãomais sarnento das ruas receberia mais gentileza de um estranho que omenino recebeu deles.

Brianna condoeu-se por ele falar do "menino" como se fossealguém que conhecera, em vez dele próprio.

—  A criança foi bem educada pelo emir, qué fez disso umacondição ao entregá-la para eles. Contudo, havia coisas que a riqueza eo poder do emir não poderiam comprar: o amor de família e aceitação.

— E quanto a Asmari? Imagino que ela devia querer manter o filho.Tarek assentiu, a expressão mais suave.

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—  Disseram-me que queria, sim. Não lhe foi dada uma escolha,entretanto. Asmari foi ver o mercador numa visita a Antioquia, com opretexto de comprar seda. Eu a vi uma vez. Lembro-me de que era muito

 jovem, com cabelos negros reluzentes, e que chorou ao me entregar umpacotinho embrulhado que continha dois presentes. Pediu-me que osguardasse sempre, pois eram de grande importância. Não me lembro denada mais sobre ela.— Sua voz soou cheia de sofrimento e saudade.

— O que era o presente?— Um era a pedra que dei a você no dia em que nos casamos.

Fora dada a Asmari por seu pai, e passada de geração a geração. Oemir nunca soube que ela a entregara a mim.

— Sua mãe deve tê-lo amado muito— Brianna murmurou, com um

aperto na garganta.—  Talvez, embora nunca falasse disso. Creio que era muito

doloroso para ela, pois, embora eu fosse filho de seu ventre, também erao filho de sua vergonha. — Virou-se e fitou o fogo na lareira. — Quandoeu tinha sete anos, Asmari se matou, incapaz de continuar vivendo emdesgraça.

Brianna ficou tão espantada por um momento que não conseguiupronunciar uma sílaba sequer. Então, por fim, indagou:

— Qual era o outro presente que sua mãe lhe deu? Tarek tirou um

medalhão de dentro da túnica. A peça luziu na palma de sua mão,esculpida com a cabeça de uma criatura estranha.—  Um filho bastardo, uma vergonha com a qual ela não podia

viver, e este medalhão. Isso foi tudo o que ele deixou com minha mãe. A amargura do ódio mais uma vez toldou-lhe a voz, e Brianna

compreendeu que ele se referia ao homem que o gerara.Tarek tirou um segundo medalhão, idêntico.— Encontrei este na clareira onde lutamos contra Mardigan e seus

homens.—- É igual.— Sim, é o mesmo.— Acredita que pertencia a um dos invasores?—  É provável, ou a alguém que conhece meu pai. Uma marca

assim é como as cores do xadrez usadas por membros de um mesmoclã.

—- E se o encontrar?—  Quando encontrair aquele patife, eu o matarei. Brianna não

pôde suportar a dor do ódio que ouviu em sua voz. Era fria eassustadora, e tornava Tarek um estranho para ela depois da paixão que

tinham partilhado. Pôs-se de joelhos, a toalha enrolada em torno do

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peito, e com toda a gentileza tomou as faces de seu marido entre asmãos, sem saber se ele iria empurrá-la.

Tarek não o fez, mas a encarou sem emoção alguma. Naquele

instante, parecia ter se tornado incapaz de sentir o que quer que fosse.Brianna não podia lhe dizer que aquilo que ele sentia era errado,

pois compreendia bem. De muitas maneiras eles tinham semelhanças,pois os escoceses eram também orgulhosos, e muitos tinham matadopara vingar a desonra de seus entes amados.

—  Minha mãe adotiva, Mirren, perdeu quatro bebês ainda pornascer. Um quinto filho viveu apenas por um ano e depois faleceu, vítimade febre. Certa vez, Mirren me disse que havia coisas na vida quepodem ser suportadas pela alma e outras que não podem. Ela não

suportava a perda de seus filhos, e assim, quando vim para eles, ajudeia aliviar essa perda. Portanto, lhe digo que Asmari não fez o que fez pornão conseguir viver com sua vergonha. Se fosse assim, teria se matadobem antes. Ela não podia suportar viver sem seu filho.

Tarek a olhou com uma intensidade de sofrimento tão profunda eíntima que Brianna teve, de novo, vontade de chorar. Porém, com a dor,também luziu um relance de esperança diante de uma possibilidade queele não considerara.

— São apenas palavras...—

 Ou talvez a verdade?— É como você vê, Brianna.—  É como eu sei. Existem situações que devem ser suportadas

porque assim precisa ser. Contudo, creio que a perda de um filho nãopoderia.

Um tumulto de sentimentos perpassou o semblante de Tarek.—  Você me faz ver as coisas com humildade. Ela sorriu com

doçura.— Não, milorde. Você não conhece a humildade. Tarek tomou-lhe

as mãos entre as suas e beijou-lhe as palmas abertas.— Creio que talvez deva ensinar isso a mim, minha mulher, porque

tem o poder em sua mão delicada de me tornar o mais obediente dosservos.

— É mesmo? — Fitou-o com malícia, com um sorriso de soslaio.— Obediente... em tudo?

—  Em tudo o que estiver em meu poder lhe dar. —  Sua línguacorreu pela pele suave, arrepiando-a.

—  Nesse caso, ordeno que faça amor comigo de novo, milorde,pois já se passou tempo bastante. E sem dúvida isso está em seu poder.

Ela puxou a toalha que escorregou até seus joelhos, e então, derepente, estava gloriosamente nua. Com uma repentina impetuosidade

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que falava da tristeza e solidão do menino, bem como do poder doadulto, Tarek ergueu-a nos braços e sem demora a deitou na cama. Ali,com uma força ardente mal controlada que vivia a conflitar com a

necessidade mais racional de ser gentil com Brianna, uniram-se como océu da meia-noite e o sol do meio-dia, o escuro sobre o ouro pálido,quando ela o acolheu entre os braços e no calor incandescente de seuinterior.

—  Eu tinha razão. —  Brianna suspirou conforme ele se moviasobre ela, como bronze reluzente, a carne máscula a investir ereta epotente entre os corpos entrelaçados. — Não há nada de humilde emvocê.

E deixou escapar um murmúrio rouco de paixão ao lhe envolver a

cintura estreita com as pernas, abrindo-se para ele, e, enfim, deixandoescapar uma violenta exclamação de lascívia quando Tarek investiumais fundo dentro dela.

— Sim, milorde — Brianna sussurrou, arquejante, enlouquecida devolúpia—, de fato estava em seu poder.

Brianna não tinha certeza do que a acordara. O quarto estavaquieto, a não ser pelo fogo no braseiro, que estalava, os restos de umaacha de lenha no estrado de carvões. Enrolou-se numa pele e foi até a

lareira, para abastecê-lo com mais lenha.Logo as labaredas aumentaram, consumindo a lenha de pinhorecém-cortada.

Não havia nenhum movimento na cama, apenas o som darespiração profunda de Tarek, que lhe despertava uma sensação deprofundo deslumbramento e ternura diante das lembranças das horasque desfrutaram. Descobrira nos braços dele que era possível ser umamulher de todas as maneiras. Tarek dormia, sua respiração muito calmapara um guerreiro treinado para estar alerta com a virada do vento.

Conforme ela se voltou para o leito, a luz do fogo no braseiro queprojetava desenhos dourados nas paredes pareceu de repente vacilar.

 As sombras cresceram, e a luminosidade se tornou cada vez maisdébil. Brianna tornou a se virar para a lareira, onde as chamas ummomento antes queimavam firmes e brilhantes, e agora pareciam seextinguir.

O presságio de alguma força malévola moveu-se por seussentidos, como se a escuridão penetrasse seus pensamentos e seesgueirasse por baixo de sua pele. E Brianna soube que não estavamsozinhos. Alguma coisa ou alguém se encontrava ali, naquele aposento.

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Sentiu, à maneira das criaturas da floresta, com um profundoinstinto, que havia ali algo mau e perigoso, que se abateu sobre ela,sufocante, frio e fétido.

— Brianna? — A voz era abafada e distante, como se viesse demuito longe.

E depois soou mais perto, conforme ela se concentrava no somque a empurrava de volta para o mundo de luz, calor e amor.

Estremeceu ao respirar fundo, aspirando o doce e pungente aromade pinho da lenha para os pulmões sufocados. Quando se moveu,experimentou uma letargia nas pernas que desapareceu de repente. Eracomo se tivesse estado morta, e naquele instante, retornasse à vida.

— O que é?— Tarek perguntou, saindo de entre as cobertas.

Então seus braços a envolveram, quentes. Brianna, ao contráriodele, estava enregelada, a despeito da pele em que se enrolara.— Algo errado? Pelo Profeta, você está fria como gelo!—  O fogo se apagou —  Brianna murmurou entre os lábios

endurecidos, ao se aconchegar à quentura de Tarek.Ele puxou-a de volta para a cama, onde a cobriu com as peles

quentes.—  Cuidarei para que não se apague de novo —  disse Tarek,

quando ela se aninhou em seu peito e começou a se aquecer.—

 Não se afaste—

 implorou.— Apenas para pôr mais lenha no fogo, prometo. Depois, voltarei.Ele atravessou o dormitório até o braseiro, que mais uma vez

queimava com força. Ajoelhando-se diante dele, Tarek colocou maisduas achas, para ter certeza de que queimariam até o alvorecer. Narealidade, o quarto não estava frio demais, como Brianna dissera. E eleestava nu.

Voltou para a cama. Encontrou-a debaixo de um monte de peles epuxou-a para mais perto, com um medo sombrio no coração de quepudesse tê-la machucado de alguma forma.

— Por favor, Tarek, só me abrace. Vai passar.

Londres

Vivian acordou de repente, o aviso como um sopro gélido em suapele. Afastou a coberta, levantou-se, atravessou o quarto e foi até o fogodo braseiro.

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Os carvões a luzir como olhos alaranjados, atentos, encaravam-na.Com uma crescente sensação de urgência, tomou um punhado de folhassecas de uma cesta e jogou-as nas chamas.

Espirais de fumaça pungente circularam pelo ar e se expandiram,tornando-se mais espessas. Então o fogo ganhou vida. Ela alimentou-ocom gravetos, aos poucos adicionando pedaços maiores até o fogocrescer. Em seguida, pôs uma acha, e mais outra.

Quando as chamas dançavam mais uma vez, Vivian estendeu amão para elas.

Pareceu-lhe tornar-se una com as brasas, as feições tensas deconcentração, as delicadas sobrancelhas castanhas juntas sobre olhosdo azul mais brilhante encontrado no coração de uma labareda, os

cabelos ruivos a tombar sobre os ombros numa cascata de brilhanteescarlate, ouro e vinho como o próprio fogo. Vivian cerrou as pálpebras euniu-se às chamas, tirando seu poder delas enquanto proferia palavrasantigas que abriam o portal de luz:

— Elemento do fogo, espírito luminoso, essência de vida, acordema noite. Fogo da alma, chama da vida, como a luz revela a verdade, ardanum dourado brilhante.

 As chamas se tornaram mais vivas, numa mescla de laranja,vermelho e amarelo, traçando desenhos no ar.

Vivian repetiu a invocação e gradualmente uma visão emergiu comclareza de todo o resto: uma bela jovem de pele dourada rodeada poruma crescente escuridão.

Sua mão se fechou como se de repente ardesse, e lágrimasameaçaram rolar em suas faces. Rezou aos Anciãos para que elapudesse estar em segurança.

Quando tentou ver mais, nada apareceu. Experimentou umapoderosa resistência a bloqueá-la, tornando impossível enxergar algumacoisa mais.

Por fim, exausta da intensa concentração de poder necessáriopara penetrar os limites entre o mundo mortal e o imortal, lady Vivianrecostou-se contra o marido.

—  Senti um tumulto no outro mundo e um terrível perigo. Asfeições do cavaleiro ficaram tensas, sua mão se curvou num punho duro,ansioso para segurar o cabo de uma espada, ao puxá-la para maisperto, o abraço gentil, protetor, a abrigá-la e à criança que crescia emseu ventre.

—  Perigo para quem? —  ele perguntou, e ela notou seu instintoprotetor, que retesava cada músculo.

Vivian estremeceu diante do presságio de que mesmo aquela forçapoderia não ser o bastante.

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— Alguém que não via fazia um longo tempo.— O perigo está próximo?Ela estremeceu quando o frio retornou, um augúrio de um futuro

desconhecido.— Muito mais do que ela sabe, e bem mais perigoso.O cavaleiro a trouxe para dentro dos braços, envolvendo mulher e

bebê, como se pudesse, com esse gesto, matar qualquer mal que viesseameaçá-los.

Vivian se voltou e agarrou-se ao marido, desejando de todo ocoração que o amor e o vigor de seu valente guerreiro fossemsuficientes para banir o frio de terror que agora lhe enchia a alma.

—  Torna-se mais poderoso a cada momento que passa, meu

querido — murmurou, com a certeza do dom com que nascera, o poderonisciente dos Anciãos.— Pode ser impedido?— Não sei. Porém, existe um que saberá.— Merlin? Ela aquiesceu.— Preciso ir até ele. Merlin saberá o que deve ser feito.

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apítulo XVI

 As semanas seguintes foram frustrantes para escoceses enormandos. Mardigan parecia ter desaparecido das Terras Altas, ou, seestivesse ainda ali, esperto como uma raposa, escondera-se numa furnaem algum canto secreto onde ninguém poderia encontrá-lo. Não houveranenhum ataque recente às vilas ou fazendas.

Os escoceses estavam inquietos, pois com a primavera vinha anecessidade de retornar a seus próprios domínios e famílias. Hortas ecampos necessitavam ser plantados. As crias já nasciam nos rebanhosde ovelhas. Alguns homens tinham filhos que não haviam visto ainda.

Talvez, os chefes argumentaram, Mardigan tivesse partido dasTerras Altas e se retirado pelo mar. Mas Brianna discordou, poisconhecia-o bem.

—  Várias centenas de homens não somem na bruma —  ela lhesdisse. —  Saquearam o bastante nos ataques para durar pelo verão emais ainda. Mardigan jurou ter a Escócia. Se vocês depuserem as armaspara pegar a enxada, selarão sua sorte, a de seus filhos e de cadaparente.

Eles a ouviram porque respeitavam Cullum e sabiam que Briannapossuía a mesma força e sabedoria. Contudo, estavam divididos entre

aquilo que sabiam que Mardigan era capaz, e entre as famílias queprecisavam ser alimentadas.

Tarek ouviu todas as discussões e então fez uma proposta comoforma de solução:

—  Há força em números —  começou, circunspecto, sempreconsciente do campo político em que pisava e a escolher cada palavracom cuidado. — Todo homem que alguma vez travou uma batalha sabedisso. Vocês encontraram essa força no elo com os parentes. Proponhoo seguinte: deixem aqueles que vivem distantes retornarem a suas

famílias e fazendas. O prêmio que Mardigan procura é Inverness, pois éo coração simbólico do país do Norte. Organizem as famílias emcomunidades, plantem grandes hortas e campos de cultivo comunitários.Dois de cada três homens ficarão aqui no castelo de prontidão, enquantosua família é provida pela comunidade. Depois, a cada dois meses, umaporção igual entre os homens aqui terá permissão para retornar ao lar,enquanto outros da comunidade assumem seu lugar. Essascomunidades devem ser erguidas dentro da distância de meio dia de

 jornada uma da outra, para que as notícias possam ser passadas com

rapidez, caso haja um ataque. Aqueles cujos parentes vivem mais pertode Inverness formarão patrulhas cujo território será também dentro da

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mesma distância de meio dia de jornada um do outro, e devem circularconstantemente pela área de maneira que seus movimentos não sejamduas vezes o mesmo, e conhecidos apenas por mim. Desse modo, ainda

seremos fortes, suas famílias serão providas e também poderemos atraira cobra de sua toca.

Brianna ouviu a tudo cheia de admiração e orgulho, pois Tarekcompreendia a necessidade de seus parentes e dos outros chefes deproteger e suprir os familiares, ao mesmo tempo que não diminuía defato a proteção a Inverness. E aquilo poderia ser compensado com aousada estratégia de dividir as patrulhas. Contudo, também compreendiaque dividir a força mesmo que o mínimo os deixava vulneráveis. EMardigan também perceberia, se viesse a saber.

Os chefes concordaram e foi elaborado um plano pelo qualpequenos grupos de homens deixariam o castelo, muito poucos paraatrair a atenção e sob a cobertura da escuridão, para que não fossemvistos. Juraram retornar do mesmo modo. Contariam com a ilusão comoaliada.

O ânimo dos guerreiros se acendeu. Tarek, contudo, continuavasorumbático. Brianna o via diante do fogo, toda noite, remoendo ospensamentos, com os medalhões na mão a luzir sob a luz das chamas.

Certa ocasião, Brianna ficara no salão a tomar conta dos inúmeros

detalhes que agora caíam sobre ela como filha do antigo lorde e esposado novo senhor de Inverness. Ao se aproximar do quarto, viu a porta aberta, e Gillie apareceu de

relance sob a luz que se filtrava pela abertura. Seu rosto estavaruborizado, os laços do corpete, soltos, e os lados abertos como se elaacabasse de estar com um amante. Brianna encolheu-se.

Corriam boatos. Mesmo Thomas a avisara de que Gillie pareciamuito atenta para o novo lorde de Inverness. Brianna, no entanto, nãopodia acreditar que Tarek pudesse deixar sua cama para procurar aprostituta, embora isso não fosse incomum. Mesmo assim, Gillie vinhase mostrando muito presunçosa, embora fosse óbvio para todos queTarek al Sha-rif e a filha do antigo lorde agora partilhavam umcasamento em todos os sentidos.

Quando Brianna se aproximou, Gillie a viu. Sua expressão foi desurpresa e depois ela corou com aparente constrangimento, como seflagrada em alguma atitude errada.

— Boa noite, Brianna. Milorde pediu-me para trazer seu jantar. — E fez um gesto muito óbvio de juntar as duas partes do corpete com umadas mãos, enquanto passava depressa pela prima.

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Brianna empurrou a porta do quarto e entrou, hesitante. Muitossentimentos eram novos para ela. Ali estava mais uma emoção quecomeçava a reconhecer como ciúme.

O cômodo estava escuro, a não ser pelo fogo no braseiro e umavela comprida colocada num castiçal de ferro sobre a mesa. Havia umatravessa com galinha fria, queijo, fruta e pão.

 Avistou Tarek sentado diante da lareira, a exaustão a lhe moldar ocorpo na cadeira, as longas pernas esticadas. Suas botas tinham sidoretiradas, mas ele ainda usava as calças manchadas de lama e a túnicasobre uma camisa de lã, também suja de barro.

Não houvera um momento de privacidade entre os dois desde queele e seus homens retornaram da patrulha.

— Você não comeu — ela murmurou. — Mandarei trazer comidaquente.— Não.— Então talvez uma caneca de vinho — ela sugeriu, pois parecia

que isso Gillie não providenciara. Enquanto o ciúme despontava e elaimaginava o que mais Gillie poderia ter feito, Tarek ergueu a mão paraimpedi-la, quando ela pegou o jarro.

— Não ligo para vinho.Brianna tentou sentir-lhe os pensamentos, porém descobriu que

não conseguia, além das emoções que eram fáceis de adivinhar pelaatitude e expressão de Tarek. Só na cama as coisas permaneciamimutáveis entre os dois.

Fitou os medalhões que pendiam de seus dedos.— O fato de Mardigan e seus homens não terem sido encontrados

o oprime demais, milorde.— Ele será encontrado.— E se não for? O que você fará?Tarek olhou para ela, ali parada diante do braseiro, emoldurada

pela luz dourada. A expressão dele era inescrutável na luminosidadebruxuleante, assim como seu íntimo. Contudo, ele parecia conhecer odela. Estendeu a mão, puxando-a para a pilha de peles que cobriam ochão de pedra, a seus pés. Com a outra, acariciou-lhe a face.

—  Fiz promessas. —  Tarek se inclinou na cadeira para que seurosto ficasse bem próximo do dela.— Eu as considero sagradas.

Promessas para o povo de Brianna. Porém, e os votos decasamento que tinham pronunciado? Cansara-se deles? A dúvida aperpassou, a despeito de tudo.

— Não somos sua gente, milorde. Esta não é sua terra. Sei como

detesta a Escócia e o quanto quer retornar a Antioquia.

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Tarek afagou os cabelos de Brianna até a curva do pescoço, e elea estreitou mais.

—  Tornou-se minha terra pelos votos que fiz. Mas se não

houvesse terra, eu ainda ficaria.— Por causa do medalhão.— Sim — respondeu com franqueza, pois não mentiria para ela. — 

E por muito mais.Ele viu no olhar de Brianna a dor que sua honestidade causava, e

procurou aliviá-la.— Você me trouxe para o país do Norte.— Porém, o medalhão que você encontrou...— Eu não sabia de sua existência. Mas sim de uma bela criatura

dourada que me salvou a vida. — Seus lábios se curvaram num sorriso,e ele beijou-a de leve. — E achei um remédio para o frio. Agora sei porque Malcolm não sofre com a friagem.

Seu braço a enlaçou pela cintura e trouxe-a contra si, e esfregou onariz na curva suave do pescoço de Brianna. Sua voz saiu rouca eabafada quando a beijou ali.

— Malcolm?— Sim, e o remédio tem nome.— Nome?—

 Gillie.— Gillie?— Ela o aquece bem. —- Mas eu pensei...Tarek ergueu a cabeça, os olhos azuis a fitá-la com intensidade.— O que pensou, Brianna?Ela lutou para fechar a frente do corpete, que ele já abrira, mas

suas mãos estavam lentas e atrapalhadas. Aqueles sentimentos tambémeram-lhe novos.

— Eu a vi lá fora do quarto, hoje e outras vezes... Há boatos...Tarek pareceu divertido.— Achou que levei a mulher para a cama.— Ela não fez nenhum segredo das intenções.— Não, não fez.—  Então, por que você não... —  Brianna desviou-se dele. Uma

ruga juntou-lhe as sobrancelhas. Os dedos de Tarek eram quentes emsua pele ao segurá-la pelo queixo para que o encarasse.

— Porque ela não é o que quero.— Mas Gillie se oferece tão livremente...— Sim, e mesmo hoje teria ansiado por aquecer meu leito.

— Ela é bonita.Os dedos dele passaram a tatear os seios dela.

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— Sim.Com uma frustração crescente. Brianna comentou:—  Ouvi os homens falando dela. Dizem que tem seios muito

grandes...— Sim.— Dizem...Porém qualquer coisa mais que pudesse dizer foi abafada pela

exclamação de prazer quando a boca de Tarek fechou-se em seumamilo.

— O que mais eles falam? — Ele soprou o mamilo de leve, o botãorosado a se encolher e ficar teso sob seus lábios.

— Que Gillie se oferece para qualquer homem...

— Sim. A boca dele era quente e provocante, gentil e amorosa, e Briannalogo se viu molhada de beijos e muito excitada com a resposta que eleparecia lhe despertar no corpo.

Brianna se arqueou contra o calor faminto da boca de Tarek,oferecendo o outro seio, enquanto ele provocava uma fome crescentedentro dela. Sentiu os pensamentos se dispersarem.

— Milorde, não podemos. E se Enya ou Nel nos virem?— Enya ficaria com inveja — ele sussurrou, com um gemido rouco,

ao sugá-la.—  Mas Nel... —  quis protestar, mas sua respiração entrecortada

não permitiu.Brianna soltou a faixa que prendia a túnica de Tarek, suas mãos

ávidas à procura da carne bronzeada e quente, dura de músculos,enquanto fugidias imagens de Gillie lhe passavam pela mente.

—  Deixe a garota aprender o verdadeiro prazer que pode serencontrado entre um homem e uma mulher. — Tarek ergueu-a no colo.

Pelas camadas do vestido, Brianna sentiu a ponta firme da carneereta que lhe estufava a frente das calças, seu próprio corpo a respondercom uma intensidade que a espantou e transformou em mentira oprotesto que fizera.

— Milorde, isso não é decente...—  Não. —  Ele ergueu-lhe a barra do vestido com dedos

impacientes.— Não é.E, gargalhando, entregaram-se à paixão.Na manhã seguinte, Brianna, ao acordar, descobriu que Tarek se

fora.Os moradores de Inverness ainda dormiam quando ela saiu do

salão paia os estábulos, certa de que o encontraria ali. Quando algum

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assunto o aborrecia, Tarek ia para o pátio com Stephen ou cuidar daégua.

— Ela precisa cavalgar — disse Tarek, ao vê-la. — Fica inquieta e

indomável quando não se exercita.Brianna acariciou a cabeça elegante.—  Posso entender sua impaciência, pois eu a senti também. — 

Seus olhares se encontraram por sobre o lombo da égua. — As Terras Altas são mais bonitas ainda durante a alvorada. Decerto não há perigo,tão perto de Inverness.

—  Está sugerindo que eu escape das responsabilidades decomando?

— Sim, isso é muito necessário de vez em quando.

— E para onde você escapa quando deixa Inverness? Brianna ofitou. Estaria se referindo à manhã em que a encontrara nas ameias?Não tinham falado sobre isso desde então.

—  Para as colinas da fronteira oeste dos domínios de Cullum.Suas terras agora, milorde. Há um lago ali. Sempre me sinto atraída paraele.

Tarek a encarou de um jeito estranho.— Não pensei nelas como meu lar.— Barganhou por isso, milorde.—

  Sim, porém lar é um lugar que você guarda no coração.Barganhei por você.— Por instrução de seu rei.— Fui eu que insisti em Inverness, não o rei Guilherme. Quando a

égua recuou para o lado, nervosa, ele olhou para Brianna.—  Creio que seria prudente cavalgá-la antes que ela derrube o

estábulo a coices. Mas apenas se você for comigo.— Não estou acostumada.— Cavalgaremos juntos.O sol começava a aparecer no horizonte quando deixaram o

castelo montados na égua. Embora não houvesse sinal dos invasorespor semanas, Tarek mesmo assim levava a cimitarra persa e a adagacurta no cinto.

Brianna sentava-se na sela diante dele, as mãos de Tarek a firmá-la, o peito sólido e quente em suas costas. Era bom escapar daspreocupações e dos medos, e de suas próprias incertezas quanto aofuturo que se descortinava adiante deles.

Perto do meio da manhã, chegaram ao lago chamado Lochonnen,na região a oeste de Inverness.

O lago era uma fita escura de prata, imóvel e silencioso, suasuperfície reluzente como um espelho sob um céu repleto de nuvens.

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Brianna escorregou para o chão, sentindo uma dor muscular emlugares incomuns em razão da longa cavalgada a que não estavaacostumada.

 A sorveira-brava começara a se cobrir de folhas, delicados botõesa se formarem entre os galhos. Brianna apanhou três, recitando aspalavras antigas que conhecia desde a infância:

— Uma folha, duas folhas, três...Tarek amarrou a égua e foi se postar ao lado dela, a olhar as

estranhas águas calmas. Havia uma quietude e uma paz incomuns ali.— Venho a este lugar desde que eu era menina. Foi Thomas quem

primeiro me trouxe aqui —  ela explicou, como sempre atraída eincomodada com a capacidade do lago de perturbá-la.

— Parece que tem uma conexão especial com Thomas, Brianna.Ele sempre foi tão protetor com você?— Sim.Não falou da ligação especial de pensamentos que

compartilhavam, pois duvidava que Tarek pudesse entender. Ela mesmanão entendia aquela dádiva. Era como tantas outras questões nãorespondidas e sonhos desconcertantes.

— Foi Thomas quem me trouxe para o país do Norte quando bebê— ela prosseguiu. — Ele precisava de uma família para cuidar de mim.

Foi uma sorte enorme Cullum e Mirren não terem filhos.— Então ele não é seu parente?— Não, é mais como meu guardião.—  E quanto a seus pais verdadeiros? —  Tarek quis saber,

conhecedor que era da dor de ter vivido sem ambos.Brianna meneou a cabeça, e seu olhar foi mais uma vez atraído

para a extensão de água reluzente com suas profundas sombrasmisteriosas, como as sombras dentro de sua memória.

—  Tenho apenas vagas recordações de minha própria mãe — Tarek disse, ao ficar bem perto dela. — Seus cabelos eram como cetimnegro, e seus olhos, castanhos. Era muito bela, porém também muitotriste. Mesmo seus sorrisos eram melancólicos.

Fitou o lago, mas Brianna sentiu que ele não o via. Tomou-lhe amão e comprimiu-a contra a face, tentando afastar algo da dor física naconexão entre seus pensamentos e suas emoções.

Como poderia Tarek sorrir com tanta tristeza por dentro? Roçou oslábios nas costas da mão dele. Seu marido abriu os dedos e tomou-lheas faces.

— Você é meus sonhos e minha esperança, Brianna. Agora, é toda

a família que tenho.

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Ela nada disse ao se aconchegar em seus braços. Descobrira queera capaz daquela emoção muito humana: o amor. Todavia, a quecusto?

O que aconteceria quando Tarek soubesse de seu segredo? Quefuturo poderiam ter?

Voltou-se nos braços dele e recostou-se contra a fortaleza sólidade seu tórax. Sentiu-se abrigada e protegida como jamais estivera navida, quase como se a força dele pudesse afastar o porvir incerto. E issoaqueceu seu coração.

— Vê?— perguntou, ao fitar a água. Tarek seguiu-lhe o olhar, masnada disse.

—  De acordo com a lenda, há uma ilha no meio do lago —  ela

continuou a explicar. —  Dizem que só pode ser vista nos momentosentre a noite e a alvorada, e depois de novo, quando o sol se põe. Échamada de ilha do Graal. Também dizem que o Graal está lá na bruma,esperando por aquele que pode reclamá-lo. Porém, é guardado por umenorme dragão que vive nas profundezas das águas. Alguns pescadores

 juram que viram a criatura.— Outro mito das Terras Altas?Tarek ouvira algumas histórias incríveis demais para se acreditar,

embora muitas outras tivessem uma admirável semelhança com as

lendas entre seu próprio povo.Brianna deu de ombros, o olhar ainda cravado na água.—  Há momentos em que eu quase penso que poderia vê-lo. No

entanto, quando torno a olhar, já se foi. Seria uma coisa maravilhosaencontrá-lo, pois dizem que aquele que possuir o Graal governará oreino. Dizem que Mardigan procura por ele.

— O cálice sagrado, que fala da verdade das eras.— Você sabe disso?—  O Graal é conhecido por toda a cristandade. Guerras foram

travadas por ele. Reinos caíram em sua busca. Comenta-se entre meupovo que o Graal é muito mais antigo que o cristianismo e que possui asabedoria da criação. Desapareceu do Império Médio cerca de mil anosatrás. Ou assim diz a lenda

— Quer dizer que você não crê na lenda.—  Aprendi a acreditar em possibilidades. —  Ele a tomou nos

braços e puxou-a para muito perto.— Todas as coisas são possíveis.Quando roçou os lábios nos dela, a chuva começou a cair.Tarek a levou para a colina, até o pinheiro onde amarrara a égua.

 A chuva desabou, pesada, ao procurarem abrigo sob os galhos

perfumados. Golpeava a superfície do lago, e a água revolveu-se em

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padrões ondulados que se expandiram até a margem. Como se algumacriatura inquieta se espreguiçasse em suas profundezas.

— Mas talvez a chuva de suas Terras Altas tenha suas vantagens.

—  A expressão de Tarek mudou bastante ao estreitá-la no abrigo daárvore.

Sua boca fechou-se sobre a dela quando se sentaram na base dotronco. Ele sorveu a chuva dos lábios de Brianna e depois a sugou doqueixo, das faces, dos cílios.

O frio da água desapareceu e foi substituído por uma febre dedesejo. Tarek passou a afagar-lhe as coxas, e Brianna soltou-lhe ascalças. Em seguida, desceram pela curva das nádegas conforme ela seaninhava contra ele com um brilho provocante nos olhos verdes.

— Sente frio, milorde? — Com uma sobrancelha erguida, lambeu-lhe o lábio inferior.Tarek a acomodou em seu colo. Brianna ficou sem fôlego com o

fogo abrasador da carne dele a penetrá-la. O rosto dele parecia aomesmo tempo perigoso, feroz e cheio de paixão.

—  Não mais —  ele resmungou, com lascívia, e Brianna foisacudida por ondas de risadas que apenas aumentaram o deleite, atéque, colada contra ele, entregou-se sem pudores.

Haviam se passado quatro dias da data em que Robert de Mortain

e seus homens deveriam retornar a Inverness. A tensão aumentara até oponto máximo.Todos sabiam que um dos motivos para atraso de uma patrulha

podia ser um ataque sofrido. Então, por fim, o alerta veio das ameias.Cavaleiros se aproximavam. E ostentavam o estandarte de Robert deMortain!

Os portões do castelo foram abertos, e eles entraram. Briannaobservou-os das ameias sob o sol do meio-dia. Ao primeiro alerta, Tarekdeixara as muralhas para saudar o amigo.

Os cavaleiros vinham empoeirados, as túnicas que usavam sobrea cota de malhas, manchadas de sujeira, as expressões, tensas e cheiasde fadiga. Contudo, todos retornaram. Tarek se mostrava por vezesaliviado e depois sério, ao conversar com Mortain.

Brianna tentou sentir-lhe os pensamentos e soube que o reduto deMardigan fora encontrado. Afastou-se da muralha, para dar as instruçõesadicionais a Enya, com tantas bocas a mais para alimentar no almoço. Oque significava também abundantes porções de cerveja para saciar asede na reunião do conselho que se seguiria.

—  Onde é o esconderijo? —  Tarek se inclinou para a frente na

cadeira ao encontrar-se, naquela noite, com seus cavaleiros e os chefes.

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— A quatro dias de jornada para o norte —  informou Mortain. — Demoramos a encontrá-lo, e não o teríamos achado se não fosse por umvelho pastor que deu com ele durante uma tempestade. Tomou abrigo ali

com seu rebanho, saindo antes das primeiras luzes da manhã. Ele nosfalou de Mardigan.

Tarek franziu a testa.— O local não era guardado?— Pelo visto, todos tinham se juntado no último ataque. O velho

encontrou o saque das incursões no fundo da caverna: comida, armas,qualquer coisa de valor que pudesse ser usada ou comerciada. Havia osuficiente para manter um exército de assaltantes por vários meses.

Nenhum dos outros que estiveram com Robert falou, a despeito de

não terem papas na língua diante da mesa do conselho, sobretudo osescoceses. Brianna deduziu que estavam muito cansados após aquelalonga jornada, pois ninguém se incomodara em tirar um tempo para selavar, preferindo ir logo com pressa para a mesa e para a reunião doconselho com os chefes.

— Precisamos atacar depressa — Mortain insistiu com Tarek pelaterceira vez. — Antes que percebam que descobrimos o local. Devemoslevar todo o exército para lá de imediato.

No entanto, mesmo Malcolm, sempre ansioso por uma batalha, foi

cauteloso:—  Seria imprudente levar todos os homens. E se Mardigan não

estiver lá?— Estará, eu asseguro. O velho foi muito específico quanto a isso.

Observou as movimentações por vários dias. Disse que voltam a cadatrês.

— O pastor se arriscou muito. Teve sorte de não ser descoberto.— Ele conhece bem a região, Tarek. Ficou escondido.—  Qual é o nome do homem? —  Malcolm quis saber. —  Será

recompensado por isso.— Ele disse se chamar Davidson— respondeu Mortain.— Tem certeza? — Malcolm tinha uma ruga na testa. Por sobre a

mesa, seu olhar encontrou o de Brianna.— Absoluta.— E você diz que ele é pastor nas montanhas do norte faz anos?Mortain fez que sim.— A vida inteira. Conhece cada pico e esconderijo.Sir Robert continuou a insistir para que partissem de imediato,

enquanto Enya e duas moças enchiam as canecas de todos.

—  Atacar enquanto o ferro está quente, Tarek. Não estarãoesperando por isso. De uma vez por todas Mardigan será detido.

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— Partiremos com as primeiras luzes— Tarek decidiu.—  Mas cada hora que demorarmos é outra hora para Mardigan

escapar! — Mortain berrou, o que fez todos olharem-no com estranheza,

pois sempre fora a voz da prudência.Tarek também estranhou o rompante inesperado.—  Você e seus homens estão cansados. Os cavalos têm de

descansar também, se forem carregá-los de volta ao país do Norte.— Alguém pode permanecer para guardar a fortaleza — Mortain

sugeriu. — Meus homens e eu poderíamos ficar, enquanto você seguepara pegar Mardigan. Sua retaguarda estaria bem protegida.

— Sei que gostaria de cavalgar a meu lado como sempre, Robert,agora que a vitória está perto. Iremos juntos pela manhã.

—  Mas decerto você não quer se retardar —  Mortain aindapressionou.Tarek demonstrava uma paciência invejável.— Você está cansado, meu amigo. Mardigan ainda estará lá, e nós

o pegaremos. Porém, quanto a seus soldados, tem razão.Encontraremos um cavalo descansado para você. Os outros ficarão paratrás, pois não temos animais para todos.

Fez um sinal a Enya para não trazer mais cerveja e vinho. Queriaseus homens sóbrios pela manhã.

 Uma palavra de precaução—

 Malcolm disse, ao interceptá-loquando ia atender a seus próprios homens.Diante do olhar surpreso de Tarek, ele emendou:— Eu lhe devo minha vida, milorde.— Continue.— Conheço a maioria dos homens nestas terras. Qualquer pastor,

pois cada um representa a carne e a lã com as quais nosso povosobrevive.

— O que está dizendo?—  Nunca ouvi falar de alguém com o nome Davidson. Não é o

nome de ninguém nos domínios de Cullum.— Está dizendo que Mortain mentiu?— Afirmo apenas o que já falei. Pode entender como quiser.Brianna não foi capaz de ouvir o que diziam, mas quando Malcolm

afastou-se e saiu, ela notou algo a que não prestara atenção antes. Ascanecas tinham sido cheias ao redor. Apenas a de Robert de Mortaincontinuava assim, do mesmo modo que as de todos os seus homens.Seus pratos permaneciam intocados. A inacreditável falta de interessedos escoceses pela bebida e comida fez Brianna acautelar-se.

 Após a refeição do meio-dia, os homens de Mortain voltaram paraa armaria, enquanto os escoceses deixavam o salão. Brianna não

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conseguiu falar com Tarek pelo resto da tarde, pois deviam ser feitos ospreparativos para a longa jornada rumo ao norte.

Quando os últimos dos feridos restantes estavam deitados em

seus catres, ela seguiu para o quarto que compartilhava com Tarek.— Brianna?Ela se voltou ao ouvir Malcolm. Vira-o poucas vezes desde que se

recuperara. Aquela noite no conselho fora a primeira, em dias.—  Não tem havido nenhuma chance de conversarmos em

particular— ele começou, hesitante. — Você está bem?— Sim, muito bem.Malcolm se remexeu como se lutasse para encontrar as palavras

certas.

— O que é, Malcolm? Imagino que podemos ainda conversar comfacilidade um com o outro.—  É que... —  Enfiou os dedos nos cabelos, com um ar de

frustração, e depois exclamou:— Dizem que você partilha a cama dele!Brianna não queria responder, mas sabia que precisava.— Tarek é meu marido.— Você o ama?— Eu...Na verdade, Brianna não sabia o que sentia. Tudo era ainda muito

novo entre eles. Desejo? Sim. Luxúria? Sim, isso também, pois haviamomentos, os mais inesperados, em que sentia aquela dor da paixãocomeçar fundo dentro de si, uma dor que apenas ele poderia aliviar. Masisso seria amor?

— Não sei — afirmou, com franqueza.— E quando Mardigan, enfim, for expulso das Terras Altas? Como

será, Brianna? A mesma pergunta a assombrava a cada momento acordada,

sobretudo naquele momento, quando o reduto de Mardigan foraencontrado.

De novo, ela respondeu:— Não sei.

 Ao se voltar e correr pelas escadas, Brianna pensou tervislumbrado uma saia nas sóUbras e ficou a imaginar se Gillie esperavapor Malcolm.

Contudo, a solidão do quarto não ofereceu escapatória para aquelaquestão obsessiva. A presença de Tarek estava em toda parte. Nogrosso manto felpudo dobrado sobre o baú, na túnica de cetim azul-escuro que parecia lhe escurecer a cor dos olhos e no leve aroma

masculino que ela sentia na própria pele depois que faziam amor, e que

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parecia perdurar no ar dentro do cômodo. Como se ele estivesse ali,naquele momento.

 Amava-o? Não sabia se o que sentia era amor. Era amor esperar

na expectativa de que os guerreiros retornassem do pátio de exercíciosou de suas patrulhas?

Era amor que queimava por sua pele ao sentir o simples contatoda mão de Tarek?

Era amor aquilo que se contorcia dentro dela só em pensar nashoras partilhadas ali?

Ele parecia sentir-se assim também, porque desde a primeira vez juntos procurava por ela no meio das manhãs, nas tardes, quando o solestava no alto do céu, e em horas inesperadas à noite, quando Brianna

imaginava que o marido ainda estivesse com seus soldados.Não havia necessidade de palavras entre os dois. Tudo o que erapreciso era um toque, a mão de Tarek em seu rosto, em seus cabelos,em seu braço, para provocar uma fome que urgia ser saciada.

Fazia dias desde que tinham feito amor pela última vez. Viera-lhe ofluxo menstrual. E ela não conseguira disfarçar um profundodesapontamento por não ter ainda concebido um filho.

Seria aquela paixão que fazia palpitar sua alma o mesmo queamor? Fazia parte, sem dúvida. Porém, haveria algo mais, como entre

Cullum e Mirren? Um sentimento tão profundo que um morreria pelooutro?Brianna dormiu inquieta naquela noite. Tarek já se levantara

quando ela acordou antes das primeiras luzes do dia. Ele estava nopátio, a dar instruções a seus homens, sob a luz de dúzias de tochas.

— Vai partir tão cedo? — Ela segurou as pontas da manta de pelesobre os ombros ao ficar de pés descalços ao lado do marido.

—  Os homens e os cavalos estão descansados. —  Ele apontoupara Mortain, que seguiria de um lado dele, com Stephen de Valois dooutro e vários normandos e escoceses que tinham voltado das terras donorte, onde acharam o covil de Mardigan.

Os demais ficariam com alguns soldados para guardar o castelo.— Por quanto tempo, Tarek?— O quanto for necessário.— Onde está Duncan? — Brianna olhou pelo grupo à procura do

garoto.— Ele queria ver os homens partir.— Está zangado comigo porque não permiti que viesse conosco.—  Compreendo sua zanga —  ela murmurou, com uma rudeza

repentina que não fez questão de esconder.

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apítulo XVII

 __ Parece que você viu um fantasma...— Enya comentou, quandoBrianna retornou ao saião. Ela estendeu as mãos diante do fogo dalareira. Nenhuma sombra se projetou. Escondeu-as nas dobras domanto.

— Na verdade, não sei o que acabei de ver, Enya.Era incapaz de livrar-se da certeza de que os olhos que vira não

eram vivos, nem eram mortais. E o escocês não tinha sombra, um fatoperturbador que Brianna descobrira a respeito de si própria, longo tempoatrás, e que aprendera a aceitar. Por que aquele homem também nãotinha sombra?

— Onde está Thomas?— Foi à vila antes que os portões fossem trancados.—  Gostaria de vê-lo quando ele chegar. —  E Brianna se voltou

para as escadas. Lá, estacou para perguntar: — Quantos daqueles quevoltaram ontem ficaram para trás?

Ciente de tudo o que se passava em Inverness, Enya afirmou, comconvicção:

— Vinte e dois.— Onde estão agora?

— Quatro, dentro do salão, mas a maioria ficou com os guardasnas ameias. Pobres homens... Deveriam descansar.

—  Sim. —  Brianna, experimentando uma sensação estranha, foipara o quarto.

Quase duas horas depois, Thomas a procurou ali.—  Será possível resistir a um cerco se formos atacados? —  ela

perguntou, caminhando de um lado para outro.— A fortaleza está bem fortificada, mais forte do que antes, com

novas muralhas de pedra. Irá proteger aqueles aqui dentro. — Thomas

não compreendia aquela preocupação.— E se aqueles aqui dentro fossem quem devemos temer?— O que é, menina? O que aconteceu?— Vi algo que me perturbou, que não posso explicar. — Contou-

lhe do encontro com o escocês.Thomas procurou acalmá-la:— Irei procurar o homem e descobrirei o que puder sobre ele.Os dias se passaram insuportavelmente lentos. Pelas informações

de Robert de Mortain, que algumas vezes voltara ao castelo, Brianna

acompanhava o progresso diário do exército, a inquietude a crescerconforme o imaginava mais perto do local onde Mardigan se escondia.

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curvar para o norte e o sul através da névoa indistinta que pairava sobrea água.

Seu olhar correu pelo novo parapeito e as muralhas de pedra que

escoceses e normandos tinham trabalhado para completar. Em seguida,para os portões robustos, cada ripa de madeira com um palmo deespessura, tão pesados que era preciso a força combinada de seishomens para abri-los. Contudo, apenas um era necessário para girar omecanismo de roda que deixava cair a grade de ferro no lugar.

Então Brianna notou que a grade de ferro não estava no lugar!Fora içada para a posição ao alto, e os guardas tinham sumido.

 Assustada, voltou-se para a muralha que flanqueava os portões.Nenhuma sentinela patrulhava os passadiços. Na verdade, ela não via

guarda algum em nenhum lugar! Ao correr degraus abaixo, lançou seus pensamentos para cadacanto do castelo e sentiu um ligeiro conforto quando Thomas respondeu.No entanto, seu alívio se desvaneceu quando deparou com o corpo deum dos guardas normandos que costumava se postar naquela parte dasmuralhas. Ao lado dele, jazia o corpo de outro guarda. O sangue seempoçava sob seus cadáveres. Ambos estavam mortos.

Brianna saiu correndo para o salão. Ali também os soldadostinham sumido de seus postos. Encontrou Thomas ajoelhado ao lado de

um guerreiro escocês, cuja garganta fora cortada.— Thomas!— Sim, menina. Eu sei. — Seu pesar se ligou ao dela. — Encontrei

outro nos estábulos.—  Há mais. —  O rosto de Enya estava cinzento quando trouxe

mais notícias de morte. — Três guardas na entrada dos fundos tambémforam assassinados. Nel os encontrou. Pobre criança, está louca demedo!

O olhar de Brianna encontrou o de Thomas.— O portão principal está aberto!Suas suspeitas se conectaram às de Thomas: fora exatamente

assim quando os homens de Mardigan atacaram Inverness.Thomas saltou de pé, pegou uma espada de um dos guardas

assassinados e correu para a entrada principal do salão.— Tome isto. — Brianna colocou uma adaga mais curta nas mãos

de Enya.— Sim, patroa. Não sofrerei brutalidades outra vez. Nem deixarei

que machuquem a menina.—  Mande Anne avisar o povo no pátio e encontre guardas

confiáveis. Não confie em nenhum daqueles que voltaram do reduto de

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Mardigan. — Então, com um pensamento repentino, indagou: — Ondeestá Gillie?

Enya deu de ombros.

— Não a vi durante toda manhã.— Não posso me preocupar com ela agora — murmurou Brianna.

Com um gesto para Enya, repetiu: —  Quando sairmos, passe a barranas portas principais.

— Mas e a senhora e Thomas? Como irão voltar?— Estaremos em segurança. — E Brianna rezou para que fosse

mesmo assim.Ian aproximou-se em largas passadas. Ele fora deixado no

comando dos soldados que tinham permanecido atrás, em Inverness.

— Alertei meus homens.— Tenha cuidado. Aqueles que retornaram do reduto de Mardigan

são traidores.— Mas alguns deles são meus próprios homens, milady!— Não são seus homens. — Diante do olhar de incredulidade, ela

implorou: — Não pergunte como sei disso. Por favor, caro amigo, façacomo lhe peço.

Ian concordou, a boca fechada numa linha dura.— E Malcolm e os demais?—

 Receio que estejam em grave perigo. Ela e Thomas saíram dosalão.O caos reinava no pátio conforme as notícias dos guardas

assassinados se espalhavam. Famílias fugiam em busca de abrigo, oshomens a usar o que pudessem encontrar como arma. Soldados subiamos degraus das ameias para proteger a muralha. Brianna não viunenhum dos outros guardas entre eles.

Thomas correu para o mecanismo do portão. Lançou todo seupeso contra a roda. Quando forçava o eixo para colocar as barrascruzadas no lugar, Brianna viu o guerreiro que se aproximava de suascostas com uma espada na mão. Era o mesmo homem que vira diasantes com Gillie.

Gritou um aviso e correu pelo pátio. Jogou-se sobre o guerreiro,agarrando-o pelo braço que empunhava a espada. Queria desviar ogolpe, dando a Thomas a chance de defender-se. No entanto, oguerreiro soltou um berro e cambaleou como se atingido por um socopoderoso. Parecia dominado por alguma pavorosa agonia de dor, a setorcer e se retorcer, tentando livrar-se das mãos de Brianna.

Com crescente incredulidade e horror, ela viu quando as feições

daquele rosto se retorceram, entraram em espasmos e depois setransformaram, revelando a aparência de alguém que ela não conhecia.

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Em seguida, sentiu que os músculos debaixo de seus dedos, sob amanga da túnica, se contraíam e murchavam até que parecia que elanão segurava nada a não ser osso.

Incapaz de compreender o que estava acontecendo, Briannaergueu o rosto e viu com horror quando a carne lentamente se descoloudas faces do desconhecido, expondo tecido, sangue e osso, tudo a secontorcer numa máscara pavorosa de dor excruciante.

Os olhos saltaram das órbitas, a encará-la numa agonia desofrimento tremenda. Depois, sob o olhar aterrorizado de Brianna, ele sedesfez até não ser nada mais que um esqueleto. Uma caveira foi tudo oque sobrou da cabeça, os ossos da mandíbula abertos e torcidos numaexpressão dolorosa.

Brianna gritou quando a caveira escapou da espinha e os ossos dobraço sob os dedos dela se quebraram e explodiram.Caiu de joelhos, a tremer violentamente. Seus pensamentos

congelados lutavam para apreender o que acabara de presenciar. Oguerreiro jazia diante dela. Morto. Ou pelo menos tudo o que restaradele, o esqueleto despido de toda carne e músculo. Então, desfez-se empó que girou em torno dela numa nuvem cegante de morte.

Thomas puxou-a para longe e para dentro de seus braços, comofazia quando ela era criança. Porém, nada do que fizesse poderia afastar

o horror daquilo que ela vira.—  Foi horrível... —  Brianna sussurrou, sem conseguir banir as

imagens da brutal morte do guerreiro.E também incapaz de se livrar da certeza de que vira algo maligno

se materializar.Ouviram gritos terrificados que vinham do salão. Ian abriu as

portas a despeito das ordens de Brianna, um machado de guerra nasmãos, as feições transtornadas.

— Veja!— Enya gritou, ao chegarem ao salão. A jovem Nel berrava histérica. Enya apontou para o pé das

escadas, pálida e tensa.—- Há quatro mais no outro aposento, senhora.Brianna passou por Enya e foi até o homem que jazia caído nas

escadas. Um guarda normando, morto. Porém, não foi a visão de umcorpo que aterrorizou a jovem, mas o horror da agonizantetransformação que tinha lugar mesmo naquele instante, enquantoobservavam. A mesma que Brianna testemunhara.

Tal como o guerreiro no portão, suas feições se alteraram,revelando a aparência de outra pessoa naqueles últimos momentos,

antes que a pele se soltasse dos músculos e do tecido e depois sedissolvesse em pó. Os outros já tinham se transformado, das feições

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familiares de normandos e parentes, para revelar o rosto dedesconhecidos.

Os homens de Ian encheram rápido o recinto e contaram de outras

experiências semelhantes. Era como se todas aquelas mortesestivessem ligadas à do primeiro guerreiro. Com a morte de um, todostinham perecido.

Quem eram eles? O que eram eles?Seu propósito, contudo, estava além de qualquer dúvida: atacar e

matar tantos quantos pudessem dentro da fortaleza.— Leve-a daqui — Brianna disse a Enya, que abraçava a garota,

histérica.— Joguem os restos pelas muralhas! — ordenou lan. — Não quero

essa emanação do mal contaminando o ar.Enquanto ele dava ordens para a defesa de Inverness, ospensamentos de Thomas conectaram-se com os de Brianna,arrancando-a da confusão por tudo o que houvera.

— Sim, Thomas, Tarek e os outros estão sendo conduzidos parauma armadilha por alguém em quem confiam. Devo encontrá-los antesque seja tarde demais.

 Ambos sabiam que não haveria tempo para que um cavaleiro osalcançasse. A região para a qual se dirigiam era remota, difícil para

homens e cavalos. E tinham partido fazia dois dias. Demoraria o mesmopara um cavaleiro alcançá-los.Brianna não fora para as ameias com aquele propósito desde que

se entregara a Tarek e descobrira a plenitude em seus braços. Receavaque seu marido pudesse saber do terrível segredo que escondia dele. E,se ele soubesse, ela não poderia suportar que se afastasse dela depavor e desgosto.

 A cada vez que se uniam, ela se afastava mais e mais daquelaparte de si mesma, rejeitando-a com toda a força, preferindo nãoretornar. Até se atrevia a esperar que nunca mais tivesse de seguir poraquela trilha de novo, negando aquela outra parte de si que Tarekpoderia não compreender ou aceitar. Voltava-se para a parte que eleajudara a descobrir, sua porção mortal, que era de carne e osso, comsentimentos humanos e paixão.

Toda vez que voltava para aquele outro lado, Brianna se sentiaparte daquele outro mundo, um pavoroso lugar desconhecido que aseparava do mundo da matéria. Agora, era o único caminho para salvá-lo e a todos eles.

—  Não há outro jeito —  disse a Thomas, pois apenas ele

compreendia seu tormento.

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Thomas a acompanhou até as ameias. Sua mão cobriu comgentileza a dela, a oferecer conforto.

Brianna olhou pela extensão de tempo e distância que a separava

de Tarek. O vento soprou e lhe enfunou as dobras do manto.Poderia encontrá-los? Chegaria em tempo? Mas a que preço?

Pois, mesmo ali, quando sentia o poderoso instinto se agitar dentro deseu peito, lágrimas lhe marejavam os olhos.

Devagar, ergueu os braços, ao se concentrar no íntimo, naqueleseu outro lado, que ela descobrira quando era ainda criança.

Cerrou as pálpebras e sentiu o poder purificador do vento contra apele, a acariciar cada terminação nervosa enquanto palavras antigas queouvira pela primeira vez em sonhos eram murmuradas a seus ouvidos.

Quando as dobras do manto se ergueram e colheram a brisa,Brianna imaginou um falcão prateado a escapar das muralhas, a subir aocéu rumo ao calor do sol, livrando-se dos liames da terra.

Tarek virou a égua árabe para o lado ao som de um cavaleiro quese aproximava. Suas feições estavam pesadas de fadiga da longa

 jornada pelo terreno traiçoeiro, e a crescente inquietação que caía sobreele quanto mais avançavam para o norte. Sua expressão era tensaquando Stephen de Valois puxou as rédeas do cavalo a seu lado.

 E Mortain?—

 Tarek quis saber.—

 Onde está ele?— Não pudemos encontrá-lo. — Stephen parecia nervoso. — Nem

nenhum de seus homens — emendou, frustrado. — É como se a terrativesse se aberto e engolido todos eles.

Tarek remexeu-se inquieto na sela, o olhar a percorrer asondulações íngremes das colinas que vinham atravessando desdemanhã, a levá-los para dentro do cânion. Estavam enfileirados comocontas num colar, os escoceses a pé a seguir o declive à frente, meioescondidos pela cobertura das árvores.

—  Somos como presas esperando pelos caçadores —  Tarekmurmurou. Censurou-se por levar seus homens para aquele lugarquando cada instinto clamava contra isso.

 A névoa subia dos baixios, envolvendo a encosta. Tornar-se-iamincapazes de distinguir inimigo de aliado, condenados a uma armadilha.Por isso, ele tomou uma decisão:

—  Basta. Sairemos agora e iremos procurar terreno mais altoantes que seja muito tarde.

Já era tarde demais.O grito de guerra ecoou entre seus homens. Os escoceses tinham

sido atacados na trilha abaixo.— Recebemos o ataque, e Mortain não está por perto!

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—  Ele não nos trairia! —  Stephen defendeu com veemência ocavaleiro. —  Cavalgou com o rei em todas as campanhas. Robertmorreria antes de nos trair.

—  No entanto, sumiu! —  Tarek exclamou, ao puxar a espada.Girou a égua e se pôs a gritar ordens. — Leve seus homens para a beirado cânion. Procurem terreno alto.

— E quanto a você?— Meus homens e eu nos juntaremos aos outros. Se os invasores

nos dominarem e chegarem a esta posição, salvem-se e voltem paraInverness.

— Não farei isso. Lutarei a seu lado, como sempre.— Você tem suas ordens, Stephen. — Tarek virou a montaria e,

com ordens a seus soldados, desceu pela encosta para dentro da névoaque amortalhava a batalha.— Protegerei sua retaguarda!— Stephen se juntou a Tarek.— Eu lhe dei ordens, Valois!— E eu as passei para meus homens. Eles seguirão com Gavin.Com um gesto duro, Tarek mandou que metade dos homens

seguisse em frente, enquanto a outra metade, liderada por sir Gavin,deveria se dividir e varrer a colina dos dois lados.

Sir Gavin acatou e mandou metade de seus soldados para cada

flanco. A um sinal, Tarek conduziu o resto dos seus numa investidaimpetuosa pelo declive, em direção aos escoceses em luta. Avançarampara o coração da batalha.

Inferiorizados em número, os escoceses lutavam com espadas,escudos feitos de pele de animal e punhais de lâmina estreita contra osmachados de guerra nórdicos, escudos redondos de aço e macetes.

Os homens de Tarek se infiltraram no combate ao mesmo tempoque sir Gavin e seus soldados fechavam as laterais de ambos os lados.

Tarek e Stephen lutavam flanco a flanco, protegendo as costas umdo outro conforme investiam primeiro de um lado e depois de outro.Cada vez mais, um nome enchia os pensamentos de Tarek: Mardigan.

Stephen gritou um aviso, e Tarek bloqueou um golpe que teriadecepado sua perna e cortado a égua ao ser atacado de ambos oslados.

O inimigo que desfechara a agressão estava coberto de sangue.Conforme ele girava o machado outra vez, Tarek desferiu o golpe,desmontando antes que o oponente se recuperasse para tornar a atacar.

—  Renda-se e viverá! —  berrou, pois queria um vivo para quepudesse dizer quem os traíra.

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O assaltante, todavia, girou o machado de novo. Dessa vez, Tarekinclinou a espada para o alto, preferindo feri-lo a matá-lo. Mas o inimigoviu o movimento, soltou um rosnado feroz e investiu contra a espada.

Tarek deu um passo para o lado e girou a lâmina persa num arcomortal. A cimitarra atingiu o oponente na barriga, enterrou-se e o abriuaté o peito. A lâmina tremeu quando retalhou carne e músculo. Ouviu-seo raspar surdo contra o osso e, por fim, o chiado de ar dos pulmões doguerreiro. Estava morto antes de cair de joelhos e depois rolar paralonge, sob as botas de Tarek.

 Al Sharif se voltou para enfrentar o segundo atacante. Foi quandoviu, de relance, algo que o espantou: um nórdico que investia sobre doisferozes escoceses de uma vez só. Era alto e de compleição poderosa,

os cabelos da cor do linho a escorrer pelos ombros, as feiçõesfuribundas cobertas por uma barba grossa e avermelhada. Empunhava aarma como se pesasse não mais que uma pena, e o olhar mortal quefocalizava em seus oponentes era de uma tonalidade intensa de azul,como as águas de um fiorde nórdico.

— Mardigan...Mesmo ao reconhecê-lo, Tarek percebeu que não havia como

chegar a ele. Se o seguisse, poria em perigo mais de seus próprioshomens, e isso ele não faria. Assim, voltou-se para lutar com mais dois

atacantes.Logo nos encontraremos, jurou em silêncio, ao abater um dosguerreiros e depois dar caça ao segundo, que fugia para as rochas.

Tarek pressentiu o perigo no súbito arrepiar dos pêlos em sua nucaao seguir a trilha que o inimigo deixara. Captou um relancear de luzquando o sol se refletiu numa lâmina de aço. Tarde demais se deu contade que o inimigo voltava e agora atacava das rochas.

Então, a névoa adensou-se e se fechou em torno dele mais umavez. Tarek girou primeiro numa direção e depois na outra, a armamantida adiante e pronta para atacar. Mas a neblina o cegava. Nessemomento, ouviu um grito, um berro de dor excruciante.

 A bruma deslocou-se devagar e retrocedeu para as rochas. Amenos de doze passos à frente, o inimigo que tentara atacá-lo dasrochas jazia esparramado no solo. Seu braço direito estavaensangüentado e quase arrancado do corpo. Seu rosto fora retalhado,as feições irreconhecíveis sob a barba. Uma pantera enorme e esguia seagachava sobre seu cadáver.

Era um animal magnífico, o pêlo de um rico dourado pintalgado deprata manchado apenas pelo sangue que escorria da espádua esquerda.

Fora ferido quando o nórdico tentara se defender.

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(CHE 232) Quinn Taylor Evans  –  Filha da Bruma

 A cabeça dourada do felino inclinou-se para ele, os olhos atentos,dourados, a contemplá-lo. Então a névoa caiu como um manto que aospoucos se fechasse sobre tudo. E através do nevoeiro, a pantera

ergueu-se e se afastou de sua caça.Conforme ela se voltava para ir embora, Tarek viu algo que o

espantou. Os olhos do animal luziam em tons de verde.De novo, ele experimentou aquela percepção sensual correr-lhe

pela espinha. Porém, dessa vez, não era medo. Era a sensação de terestado num lugar muito parecido com aquele antes, com a bruma a sefechar em torno: ao lado de uma lagoa, meses atrás.

Seguiu a trilha por uma fenda nas rochas, e depois para baixo, dooutro lado, ao descer a colina. O caminho era difícil, mas não

intransponível, e a trilha fora percorrida fazia pouco, pois a grama novase achava amassada. Alguém ou alguma coisa passara por aqueletrecho.

Tarek ficou desorientado na neblina, os sons amortecidos demaneira que era impossível dizer de que direção vinha, ou para onde eleseguia. De repente, a névoa começou a se erguer mais uma vez, domesmo modo como se fechara.

 A trilha voltou a se tornar clara diante dele. Tarek a seguiu, atravésde retalhos de névoa que tocavam sua face como dedos cálidos. E viu

algo adiante. Atrás dele, os sons de batalha cessaram. Tarek passou a ouvir oruído de cascos de cavalo, e soube que seus homens o seguiam. Com acimitarra empunhada diante de si, aproximou-se. Era algo que quase semesclava com as rochas circundantes. Quando Tarek chegou maisperto, viu algo amontoado e julgou que fosse a fera que matara oinvasor.

Um alerta silencioso correu ao longo de cada terminação nervosa.Cada músculo ficou tenso quando ele deixou a espada pronta parainvestir, caso o animal se voltasse e atacasse. Porém, conforme foichegando perto, a criatura não fez a menor menção de atacá-lo, nemfugiu. Permaneceu imóvel.

Tarek descobriu que não era uma criatura, mas um guerreirovestido em calças de couro e uma túnica com capuz. Com a ponta daespada, ele cutucou várias vezes as costas do guerreiro.

Seus cutucões cautelosos revelaram não o conjunto forte demúsculos de um guerreiro experiente e maduro, mas a constituiçãoesguia e leve de um jovem que não alcançara ainda a maturidade dosmúsculos.

O sol banhou a pele pálida e as feições delicadas. Sobrancelhasdouradas se arquearam sobre os crescentes de escuros cílios dourados.

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(CHE 232) Quinn Taylor Evans  –  Filha da Bruma

Lábios cheios e sensuais se entreabriram, suaves, a curva da gargantase expôs acima da elevação dos seios sob a túnica, a cabeça pendeupara trás em meio a uma torrente de longos cabelos de um ouro

esbranquiçado que se espalhou livre pela túnica.—  Pai dos céus! — Malcolm exclamou, ao desmontar e também

ver que o guerreiro caído não era nem homem, nem menino.Tarek ajoelhou-se ao lado dela. Ao estender a mão para Brianna, o

astro-rei desapareceu, e a bruma rodopiou em torno dela como ummanto protetor, fazendo-a parecer de repente como uma criatura doreino dos espíritos. E em meio ao som dos outros cavaleiros que seaproximavam e o vento que revolvia a névoa, ele pensou ter ouvido umavoz no sopro do vento.

— Fuja. Deixe este lugar. Há perigo.Parecia vir de nenhum lugar e de toda parte, das rochas, dasárvores. Um aviso suspirado no ar, enquanto o céu escurecia em tornodeles como o cair da noite, embora não fosse ainda meio-dia.

— Ela está viva?— Malcolm quis saber.Tarek comprimiu com afeto os dedos contra a garganta de Brianna

e sentiu o pulso fraco e rápido. Fez um sinal afirmativo.Os longos cílios dourados estremeceram contra suas faces e se

ergueram sobre os olhos verdes. E, por um momento, a ilusão retornou:

uma pantera esguia e dourada a encará-lo pelo véu da neblina, o sanguea minar do pêlo no ombro, enquanto se postava sobre o guerreiro quematara.

— Mortain e seus homens estão todos mortos — ela murmurou.— Há um grande perigo. Você precisa deixar este lugar. —  Então, suacabeça desabou sobre o ombro de Tarek.

Stephen se aproximou. Atrás dele seguiam mais guerreiros ecavaleiros. Sua expressão era dura e depois espantada ao ver Brianna.

— Como foi que ela chegou aqui?— Eu gostaria de saber também. — Tarek suspirou. — E quanto

aos invasores?—  Sumiram —  disse Stephen, tenso. —  Desvaneceram-se, sem

deixar um traço, como se nunca tivessem existido. E há mais. EncontreiMortain e seus homens.

—  Onde estavam? —  Malcolm quis saber. —  Tenho algumasperguntas que gostaria de fazer a eles.

—  Não fará pergunta alguma —  Stephen retrucou, os maxilarestensos de raiva.— Estão todos mortos.

Os olhos de Tarek se estreitaram ao encará-lo.

— O que está dizendo?!

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Não havia um som, nem mesmo um passarinho ou a brisa nasárvores. Pensou no guerreiro que vira pela clareira. O Mardigan que viraseria real?

—  Iremos todos voltar para o castelo —  disse, com uma novaurgência que não aceitava nenhum argumento, pois sentia que aquelelugar estava impregnado por algo maligno.

—  O senhor tem de ajudá-la! —  Vivian implorava. —  Não podeabandoná-la!

—  Não a abandonei, eu a protegi e a mantive a salvo, comodesejei manter você em segurança.

Com a sensação de impotência e de raiva, as mãos

encarquilhadas pela idade e mesmo assim ainda poderosamente fortesapontavam para o ar, enfatizando cada palavra.—  Brianna não mais está a salvo, pai. Encontra-se em grande

perigo. O senhor viu isso também. Ela precisa obter o conhecimento. É aúnica maneira como as Trevas podem ser detidas.

— Você não conseguiu detê-la, Vivian. É muito poderosa.—  No entanto, não o suficiente para reclamar Excalibur. Apenas

um guerreiro que possua grande sabedoria poderia reclamá-la.— E agora, tendo perdido a espada, as Trevas procuram o poder

do Graal.—

  Merlin deixou pender a cabeça quando a antiga profeciaressoou em seus pensamentos atribulados. —  Se eu pudesse trocarminha vida pela dela, eu o faria. Porém, não posso. Tal é a maldição queas Trevas lançaram sobre mim. Este lugar é minha tumba e estouimpotente para sair enquanto as Trevas governarem o mundo mortal.Nem você poderá dar-lhe o conhecimento, filha, pois, mesmo com todosos seus maravilhosos poderes, esse você não possui. Estou de mãosatadas, não posso salvá-la —  disse, desalentado. —  E as Trevasmalditas sabem disso.

Ele enterrou o rosto entre as mãos. O ar no quarto branco com seuteto aberto para o céu estava pesado com a tristeza e o sofrimento deum pai, que não poderia suportar a maior perda de todas: a de uma filhaamada.

— Mas eu posso salvá-la. Ambos se voltaram ao som daquela voz gentil. Uma ruga vincou as

feições de Merlin, pois Nínian não vinha ao aposento de mármore desdeque entrara no mundo entre os mundos, tantos anos atrás.

Quanto tempo decorrera? Mais de cinco séculos?E, no entanto, parecia a mesma, quando, linda de tirar o fôlego, se

postou ao lado dele, as feições delicadas e os olhos verdes irradiando

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— Meu adorado, eu desisti do mundo mortal e permaneci aqui porcausa de meu amor por você. Aceitei sua decisão de que eu deveriaenviar minhas filhas para lá para mantê-las a salvo. Vivi com essa perda,

por mais dolorosa que tenha sido, nutrindo a esperança dos momentosem que poderíamos estar todos juntos.

Seus olhos se encheram de lágrimas de amor e de tristeza.—  Mas não posso continuar aqui sabendo que minha felicidade

com você é ao custo da vida delas. — Com uma paixão repentina quevinha de um coração de mãe, afirmou: — É necessário que eu faça isso,e não deve me impedir, Merlin.

— Você é minha vida...Porém, nos olhos dela viu a determinação e o amor materno que

ele não poderia nunca entender direito, embora amasse todas as filhastanto quanto Nínian. Por fim, concordou, com imensa tristeza.— Sim, você deve ir.Nínian beijou-o. Sem demora, encarou Vivian.— Precisarei de sua ajuda, filha. Logo virá a alvorada, e existem

coisas que devem ser feitas. Serão necessárias minhas poçõescurativas, e você deve me falar de Tarek al Sharif. Quero saber que tipode homem ele é. Depois, reze para que eu chegue a tempo.

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apítulo XVIII

Os guardas das muralhas deram o aviso. Os portões maciços deInverness se abriram. Dezenas de tochas lançavam uma luz bruxuleantepelas armaduras dos cavaleiros que passavam pelos portões, asexpressões sérias, as espadas sujas de sangue a parecerem foscas soba luz das tochas. Suas montarias exaustas espumavam, o calor a subirde seus corpos trêmulos no frio da madrugada.

 Alguns dos guerreiros que tinham ficado para trás saíram correndodos estábulos e da armaria. Mulheres e crianças trouxeram água,mantas e bandagens. Em meio à confusão e urgência de cuidar dosferidos, nenhuma palavra foi dita, nenhuma pergunta feita. Os

semblantes severos daqueles que retornaram eram eloqüentes obastante.

Com imenso cuidado, Tarek estendeu seu pequeno fardo para umde seus homens. Depois de desmontar, tomou Brianna mais uma veznos braços e subiu os degraus para o salão, a gritar ordens.

 As largas portas estavam abertas. Enya esperava, com Nel a seulado. Com um olhar para a jovem esguia nos braços de Tarek al Sharif,ela disse a Nel:

— Encontre a curandeira e mande-a para os aposentos do lorde.

Então, seguiu atrás dele, a tocha que carregava a iluminar ocaminho pelas escadas até o quarto.Onde estava Thomas?, ficou a imaginar. Ele parecia um animal

enjaulado fazia dois dias, desde quando Brianna desapareceu. Em duasocasiões Enya o encontrara nas ameias, o olhar cravado no céu comose procurasse por alguma coisa, ou alguém. Não se afastara mesmoquando escurecera. Nem aceitara comida alguma que ela lhe levara.Enya lhe entregara um manto de pele e o deixara naquela silenciosavigília, certa de que tinha alguma coisa a ver com a patroa desaparecida.

 Ao alvorecer, Enya o encontrou ainda ali, a observar e esperar. Foiquando avistou a coluna de luz que serpenteava a distância e distinguiuos cavaleiros, que portavam tochas naquela escuridão incomum.

O aviso se espalhou, guerreiros e cavaleiros pegaram em armas.Um único cavaleiro aproximou-se dos portões e foi reconhecido: sirStephen, o rosto, uma máscara feroz e rígida sob a luz do fogo, aoordenar que os portões se abrissem.

 A coluna de homens entrou como se todos os cães do infernoestivessem em seus calcanhares.

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Onde estaria Thomas naquele momento? Enya sabia de suadevoção a Brianna e não poderia imaginar algo que o afastasse do ladodela.

Tarek al Sharif entrou nos aposentos e carregou Brianna para acama. Apoiando um joelho na beirada, ele a deitou entre as pelesquentes. O manto se abriu, e Enya viu o sangue que se espalhava sobrea pele de sua patroa e lhe manchava a túnica.

— Onde está a curandeira?!— Tarek esbravejou.— Estou aqui, milorde.Ele ergueu os olhos diante daquela voz nada familiar. Thomas se

postava à soleira. Ao lado dele, uma figura altiva envolta num mantonegro. A luz do fogo no braseiro e das tochas reluziu e faiscou pelo

tecido como se fosse feito de fios de fogo. Ela parecia emoldurada poruma luz sobrenatural no patamar da porta e, ao caminhar na direçãodele, deu-lhe a impressão de trazer a luz para o quarto consigo.

Empurrou o capuz para trás, revelando feições belas e delicadas, ecabelos cor de chamas que reluziam como uma vela brilhante nassombras que permeavam o aposento.

—  Lady Vivian? —  Tarek a encarou, incrédulo. Ela sorriu comdoçura.

— Obrigada, milorde. Tomo isso como um cumprimento. Apenas

quando ela chegou mais perto, ele descobriu que se enganara. Seustraços eram muito mais suaves, a cor dos cabelos, de tonalidade maisviva, e os olhos não eram azuis como o coração de uma chama, porémde um verde sereno.

— Quem é essa mulher?— quis saber.— Sou a curandeira. — Ela se aproximou do leito. Quando pousou

a mão na testa de Brianna, Tarek avançou para protegê-la. Thomas odeteve, a segurá-lo pelo ombro.

 A mão de Tarek fechou-se sobre o cabo do punhal em seu cinto.Os olhos verdes que encontraram os seus eram frios e

avaliadores, a expressão da estranha fazendo com que ele se sentissecomo um intruso.

— Vivian disse que você era um crente — ela disse, a examiná-lo.O que quer que tenha visto a agradou.—Talvez haja esperança.

Suas palavras pesaram sobre todos ali. Tarek voltou a encarar abela mulher, que tinha uma incrível semelhança com lady Vivian de

 Amesbury.O perfil era o mesmo, e também a curva cheia dos lábios, que de

repente tremeram de emoção ao filar Brianna. Porém, o verde lacrimoso

dos olhos marejados de lágrimas e a entonação suave que entoavapalavras de um idioma desconhecido eram de outra pessoa.

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— Quem é você?— ele perguntou de novo.—  Você sabe quem eu sou —  ela retrucou ao sentir-lhe os

pensamentos e saber da comparação que ele fazia.

Nínian tomou o pulso na garganta de Brianna. Então, puxou omanto pesado, passando a palma da mão sob a extensão do corpo dela,por fim retornando à mancha sangrenta no ombro da roupa. Ergueu abeirada da atadura tosca que estancara o sangramento.

— Sou Nínian.Tarek recordou-se do nome e da antiga lenda que Vivian certa vez

lhe contara, sobre a jovem que recuperara a espada Excalibur do lago ea levara para o feiticeiro Merlin.

Olhou-a, cauteloso. Para um guerreiro que enfrentara muitos

inimigos, ele aprendera naquele dia que eles muitas vezes usam a facede amigos.—  Se você é Nínian, como chegou aqui? Ela fez um gesto

impaciente.— Isso não importa. Eu vim, e cheguei em tempo.— Nínian... A dama do lago.—  Ah, então conhece a história! —  Ela sorriu de leve. —  Vivian

sempre gostou dela. Era sua favorita, quando criança.— Você possui o poder de cura de lady Vivian? — Ele queria muito

acreditar que algo poderia salvar Brianna.—  Vivian possui um dom raro. Porém, o que sabe aprendeu

comigo.— Mas você tem o dom dela de cuidar de feridas?— Não é o ferimento que ameaça a vida de Brianna, guerreiro — 

ela sussurrou. Esfregou os braços como se sentisse um frio repentino,apesar do calor do pesado manto que usava.— O tempo é curto.

Nínian olhou ao redor, como se pressentisse algo.— Então, comece a curá-la!— Não é simples assim, guerreiro. Há coisas de que irei precisar.— Diga e as terá.Nínian lhe deu uma lista, e Tarek mandou que Enya

providenciasse tudo, mesmo que isso significasse mandar seus homenspara a vila ou mais longe.

— Quando a mulher voltar, vocês todos deverão sair.—  Eu ficarei —  Tarek afirmou, com determinação. Nínian sentiu

algo nele, um relance de emoções claras e agudas. Aquele mortalamava sua filha. Mas seria o bastante?

Ela poderia ter lhe manipulado os pensamentos e forçado Tarek a

sair, porém não o fez. Se ele amava Brianna, teria de saber de tudo.Pois esse era o verdadeiro teste para o que se interpunha diante deles.

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— Muito bem, guerreiro. Mas você poderá vir a se arrepender.Quando Enya retornou com tudo o que ela pedira, Nínian ordenou

a ela e a Thomas que deixassem o quarto. Thomas obedeceu sem

hesitação, levando Enya, apesar dos protestos.—  Barre a porta —  Nínian disse a Tarek —, para que ninguém

possa entrar.Quando ele colocou a barra no lugar, ela começou a separar o que

Enya trouxera, juntando também as várias coisas que tirara de umabolsa presa na cintura.

— Você terá de fazer exatamente o que eu disser, milorde. E nãoimporta o que veja, não deverá interferir. Compreende?

Nínian sentiu a desconfiança e o momento em que ele cedeu a

seus desejos.— Agora, Brianna precisa ser movida. Coloque-a no catre diante

do braseiro.Tarek hesitou, e ela insistiu:— Faça isso agora, guerreiro, ou saia!Tarek a obedeceu, acomodando Brianna entre as peles macias.

Ela não se mexeu.Nínian foi até a janela, empurrou as cortinas e abriu as venezianas.

Tarek julgou-a maluca. Estava um frio terrível lá fora. Uma tempestade

se avizinhava, o firmamento, escuro de nuvens que se revolviam com ovento fustigante. Quando ele ia impedi-la, ela repetiu o aviso:— Não interfira.Cerrando os punhos numa angústia impotente, Tarek assentiu e se

afastou de lado. O quarto se tornou insuportavelmente gelado.Nínian distribuiu cinco velas brancas. Uma, logo acima da cabeça

de Brianna. As outras quatro, eqüidistantes, formando uma estrela decinco pontas em torno dela. Ao colocar cada vela, repetia palavrasantigas:

—  Brilhantes pontos de luz reluzentes, protejam aquela que seencontra dentro de seu campo envolvente.

O que dizia ecoava pelas paredes do aposento. Então Nínian seajoelhou diante do ponto mais ao norte da estrela, acima da cabeça deBrianna.

Seus braços estavam esticados. Seus olhos, fechados, conformerepetia a frase. Pouco a pouco, abriu as mãos. A luz, na forma de umaestrela de cinco lados, luziu na palma de cada mão estendida.

—  Brilhantes pontos de luz reluzentes, protejam aquela que seencontra dentro de seu campo envolvente.

De repente, as velas se acenderam e as chamas luziram,rodeando Brianna num radiante lago de luz.

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 Além da janela, o céu estava sombrio. O vento fazia balançar umatapeçaria na parede e assoprava as chamas no braseiro e nas tochas.Todavia, as velas queimavam, firmes.

—  Lembre-se, guerreiro —  Nínian avisou. —  Não importa o queveja, não deve interferir.

Tarek esperava mais palavras antigas, um encantamento ou talvezum feitiço. Em vez disso, Nínian tocou a mão de Brianna. Suas palavraseram ternas ao murmurar, cheia de amor:

— Está a salvo, filha. O poder da Luz a protege.Nesse instante, o quarto ficou em absoluto silêncio. Nenhum som

os alcançava, como se estivessem afastados do resto da fortaleza... oudo mundo real.

Em seguida, a névoa infiltrou-se pela janela aberta. Espalhou-sepelo chão, a rodopiar em ondas pela superfície das pedras, enroscando-se em torno das pernas da mesa e das cadeiras, e se estendendo pelocômodo. Os anéis subiram pelas botas de Tarek e depois se moveramcomo se procurassem alcançar Brianna. Como se tivessem vida própria.

Quando Tarek quis se aproximar de Brianna, Nínian o impediu, amão a segurá-lo pelo braço com força incomum.

— Foi sua escolha ficar, Tarek al Sharif. Agora você é parte disso.Se quiser que ela viva, não faça nada.

Embora a lógica lhe gritasse para que fosse até Brianna, ele nãofoi. Era algo acima da razão. Era algo mais. Algo que fazia as chamasdas velas queimarem mais alto, enquanto as chamas das tochas e dobraseiro se extinguiam, algo que ia além do que ele conhecia do mundomortal.

Ouvira falar de criaturas míticas, lendárias, que possuíamextraordinários poderes, para quem acreditasse nelas. Ele fora forçado aacreditar, pois lady Vivian era assim. Feiticeira. Os ingleses a chamavamfilha do lendário Merlin.

Tarek testemunhara seus poderes e sabia que eram reais. E agoraa mulher, Nínian, postava-se sobre Brianna.

 Apenas momentos antes o quarto estava gélido. Naquele instante,tornava-se quente, conforme a bruma subia e lhe envolvia as mãos.Então, sentiu-a na face, gentil como uma carícia.

 A respiração de Brianna tornou-se curta e rápida através dos lábiosentreabertos. Seus olhos estavam fechados, os cílios como crescentesde ouro escuro contra as faces pálidas enquanto a bruma lentamentecontinuava sua jornada e se movia sobre ela como um manto diáfano.

Rodopiou e envolveu-a, serpeando através das mechas de ouro

pálido de seus cabelos, a acariciar-lhe o rosto, as pálpebras e lábios atéque um brilho místico de luz a rodeava. Depois, ele notou uma sutil

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mudança nas feições de Brianna —  na curva da face, no arco esguioonde o pescoço encontrava o ombro. Ela se remexeu, porém nãoacordou.

De repente, seu corpo contorceu-se num espasmo como se elasofresse uma grande dor. Tarek ficou a olhá-la, impotente, travar algumabatalha física. Então, arquejou. Suas costas se arquearam e sua cabeçacaiu para trás, a se debater de um lado para outro. Brianna gritou, umsom doloroso e soluçante que lhe partiu o coração.

— Acabe com isso agora!—  Não posso —  retrucou Nínian. —  Uma vez que começa, não

pode ser detido.Ele tentou livrar-se do aperto das mãos de Nínian, mas não

conseguiu.— Maldita seja! — Seus olhos estavam brilhantes de lágrimas de

raiva e angústia. Ah, guerreiro, ela pensou, sentindo a força do amor de Tarek por

sua filha. Soube que ele teria tomado o lugar dela se pudesse. TalvezVivian estivesse certa, afinal, e houvesse dentro dele a força para fazer oque deveria ser feito.

Os laços invisíveis que o impediam de ir até Briannadesapareceram, liberando-o.

Tarek se aproximou dela e caiu de joelhos a seu lado. Osespasmos pavorosos tinham cessado, o corpo esguio estava imóvel eum tanto curvado. Suas pálpebras se abriram, e ela o encarou com umatristeza assombrosa. Sua mão se ergueu como se tentasse tocá-lo. Seuslábios formaram-lhe o nome.

Perdoe-me. As palavras penetraram-lhe a mente, tão claras como se ela as

tivesse pronunciado. Então, conforme Tarek a observava, seus olhos sefecharam mais uma vez. Nínian puxou-o para longe da filha.

— Ela precisa dormir. Vá, agora. Assim que ele caminhou para a saída, a bruma se reuniu e se

tornou espessa mais uma vez. As velas luziram mais alto em torno dela,banhando-a em luz prata e dourada, tão fulgurante que era doloroso dese olhar.

Quando Tarek se virou da soleira e fitou o catre de peles, Briannatinha sumido. Em seu lugar, onde ela se achava apenas segundos antes,

 jazia uma pantera esguia e dourada.

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apítulo XIX

 __ Malditos sejam seus sortilégios! — Tarek praguejou, furioso, aose voltar para Nínian.— Que brincadeira é essa?!Em seu rosto, ela viu a luta para negar o que enxergava, em

guerra com a lógica racional de um guerreiro.— Você deve ajudá-lo a compreender.—  Sim, sim, filha. Eu sei —  Nínian disse para a voz que falava,

aflita, em sua cabeça.Então outras vozes juntaram-se às delas.— Tudo está em risco. Ele é parte disso agora. Você deve fazê-lo

enxergar, querida. Talvez com o guerreiro haja uma chance paraBrianna.

—  Relembre-o da batalha e da transformação dos guerreiros — Vivian pediu-lhe.

— Querida esposa, ele deve se dar conta do que está em risco!—  Fiquem calmos, ambos —  Nínian pediu, com veemência. — 

Não posso pensar, com ambos a tagarelar.E sorriu com gentileza para Tarek.—  Não há nenhuma brincadeira, nem sortilégio, guerreiro. É um

assunto muito sério. Tudo está em jogo.

O olhar dele se dirigiu à criatura que jazia imóvel diante dobraseiro, e abriu os pensamentos para os dele, para tentar conhecerseus verdadeiros sentimentos.

Percebeu a luta interna, a negação racional para o que via.— Brianna está viva?— Sim, porém há muita coisa a ser feita. O ferimento tem de ser

curado.O olhar de Tarek correu de volta para ela, cauteloso e desconfiado,

como se esperasse que ela também se transformasse em algum animal.

— Calma, guerreiro. Não me transformarei em um enorme monstroque cospe fogo. — Nínian olhou em torno como se avaliando o tamanhodo aposento.— O quarto é pequeno. Ficaria muito apertado.

— Explique isso a mim!Tarek não parecia divertido com o comentário irônico, Nínian

pensou.—  Sossegue. —  Nínian separou os remédios de ervas que

trouxera, ao mesmo tempo que ordenava as idéias para explicar melhoro que ele precisava saber. Gotejou uma mistura sobre um recipiente em

ebulição. — A verdade não é tão difícil de compreender, se você estiverdisposto a aceitá-la.

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— Vivian é o que meu povo chama de jehara.— Ela é o que eu chamo de insuportável! É voluntariosa, teimosa,

obstinada... — Nínian sentiu de repente uma ondulação de tensão em

seus pensamentos e soube que Vivian os sentira. Sorriu ao olhar parabaixo, para a criatura a seu lado, e emendou: — Assim como são todasas filhas que fiz, cada uma a sua maneira.

— Todas as suas filhas? — O olhar de Tarek seguiu o dela para apantera que jazia imóvel ao lado de Nínian.

Um talho profundo lhe rasgava a pelagem pela espádua.Milhares de imagens lhe encheram a cabeça. A bruma a se

separar sobre a clareira em meio às rochas; o inimigo caído na trilhadiante dele; e a criatura bela e selvagem que se postava sobre o homem

com sangue a lhe manchar as garras; meses antes, ao lado de umalagoa, a bela moça que aparecera através da neblina e o conduzira paralonge da morte certa; quando ele se voltara para trás, tudo o que restavaera o cisne a deslizar pelas águas e que depois desaparecera; aangústia de Brianna com relação aos votos que tinham pronunciado:"Não posso ser uma esposa para você. Não posso sentir o que outrassentem"; e, enfim, a paixão feroz que tinham encontrado um com ooutro, quando ele a fez sua mulher.

De dentro da túnica, Tarek apanhou a pena prateada que achara

nas ameias, semanas atrás. Será que sempre soubera, mas preferiranão acreditar?Nínian o analisava, circunspecta. Sentiu o turbilhão interior e a

pergunta silenciosa. A acariciar a pena entre o polegar e o indicador, confrontado com

uma verdade que não conseguia negar, Tarek acabou por murmurar:— Conte-me.—  Levará algum tempo, pois há muito a dizer. E muito que ela

precisa saber também. —  Relanceou o olhar para o felino, que nãoparecia vivo a não ser pela respiração entrecortada. —  Mas primeironecessito curar o ferimento.

— Será doloroso?— Há sempre dor, guerreiro. A cura só pode vir da dor. O que foi

cortado e separado deve ser emendado.Tarek observou o padrão em formato de estrela das velas que luzia

em torno da bela mulher e da pantera.— É um encantamento de proteção. Enquanto as velas queimarem

e ela permanecer dentro, estará a salvo. —  Então, com surpresa eprazer, sentiu-lhe o pensamento seguinte. — Sim, guerreiro, você pode

entrar. O encantamento protege contra aqueles que são maus.

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—  Apenas quando é necessário, asseguro-lhe. Tenho de tercerteza de que você compreendeu. Há muito em risco.

Por vários instantes, estudaram um ao outro, mais como

combatentes a se medir.—  Continue. Conte-me que outros poderes ela tem. Nínian

relanceou o olhar para a criatura dourada que dormia a seu lado nacama de peles, o mais óbvio dos poderes evidenciado.

—  Brianna também é uma encantada, Tarek Al Sharif. Tem opoder de se transformar.

O olhar de Tarek seguiu o dela.— A pantera... Ela assentiu.— Porque possuem grande força e sagacidade.

— Um pássaro?— ele sugeriu.— Eles possuem o dom de viajar para longe e ver o que os outros

não podem ver na terra lá embaixo.— Um cisne prateado?Ela achou graça ao sentir o prazer da lembrança daquele primeiro

encontro com Brianna, um encontro casual que colocara o futuro emmovimento e oferecia esperança.

— Sim.Ele lutou com uma nova possibilidade.—

 Inimigos com as feições de meus homens mais confiáveis?—  Jamais! —  jurou Nínian. —  Aquelas são as forças do mal, o

poder das Trevas.Mesmo enquanto falava, ela olhou pelo quarto além do brilho do

padrão de estrela que os protegia. A luz oscilava, as velas agoraqueimavam baixo. Não havia muito tempo restante. Poderia ela fazê-loentender tudo o que devia saber?

— As Trevas a encontraram, assim como encontraram Vivian.— E quanto à bruma que aparece como fez quando você abriu a

 janela? — ele perguntou, ao rememorar como aparecera outras vezes,vinda do nada.

— Brianna é uma filha da Luz. Os elementos da natureza são donsque aqueles da Luz possuem. Assim como Vivian detém o poder dofogo, Brianna possui os poderes da terra. A bruma é seu elementoespecial. Ela nasceu na bruma e retorna para a bruma.

— E pode convocá-la?— É parte dela.Tarek lutava para aceitar tudo aquilo.— O que as Trevas querem com Brianna?

—  Seu conhecimento. —  Diante do olhar interrogativo, elaexplicou.— Só Brianna sabe onde o Graal pode ser encontrado.

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—  Isso nada mais é do que uma lenda. Você diz tolices. Níniansentiu que a mente de Tarek se fechava para ela, junto com a vontadede ouvir.

— Não viu os círculos gêmeos no ombro dela?Viu a resposta nos olhos estreitados quando aquele olhar azul de

repente se voltou para ela. Arriscara e acertara. Era como suspeitava.Sua filha e aquele guerreiro tinham se unido fisicamente. Brianna eraesposa dele de todas as maneiras, era capaz de um amor mortal.Porém, aquilo trouxe um novo medo, pois o amor a deixava vulnerávelaos poderes destrutivos das Trevas.

—  Círculos gêmeos que se sobrepõem, sem fim, vida eterna: osímbolo do Graal. Com a marca, Brianna recebeu dos Anciãos o

conhecimento do Graal. Mas o pai dela teme as Trevas. MandamosVivian para longe de nosso mundo para que ela ficasse a salvo. QuandoBrianna nasceu com a marca do Graal, Merlin soube que ela tambémdevia ser mandada embora. Porém havia uma coisa mais que ele tinhade fazer. O conhecimento do Graal a punha em perigo. A única maneirade protegê-la era ocultar o conhecimento dela. Todo saber de seu euverdadeiro foi bloqueado de sua memória. Thomas era seu protetor e atrouxe aqui para o país do Norte.

—  Ela não sabe nada disso? —  Ele a encarou, incrédulo. —  E

quanto às transformações?— Brianna sabe que isso é uma parte de si e que não poderia ser

evitada. Mas o conhecimento de sua família, de seu pai, de mim e doGraal são coisas que apenas seu coração sabe, não seu cérebro, poisisso a teria colocado em grande risco. Isso era necessário para elaacreditar que seus pais verdadeiros estavam mortos, para que amasseCullum e Mirren. No entanto, seus poderes são grandes. Muito maisfortes do que o pai percebeu. Ela tem sonhos e visões, muitos dos quaissão pedaços das lembranças de nossos momentos juntos. E suas visõesde você... Brianna sabia que você viria e o temia, Tarek. Pois, em suasvisões, ela sentia coisas que não julgava possíveis.

Quando Nínian o fitou, Tarek olhava para Brianna.— Quanto tempo dura a transformação?— Ela a controla. Termina assim que Brianna quiser que termine.

Porém, isso é diferente. Ela foi ferida enquanto transformada. Por causade seu medo de que você descobrisse a verdade, voltou a setransformar. Foi muito perigoso. Para ficar completamente curada, foinecessário retornar à forma que assumira ao se ferir. Mesmo agora, acura se faz dentro dela. Quando estiver forte de novo, assumirá outra

vez a forma humana.

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Nínian estendeu a mão e a pousou no braço de Tarek, e sentiudúvida e medo dentro dele.

—  Ela será de novo a mulher pela qual você se apaixonou,

guerreiro— assegurou-lhe, pois não podia suportar a idéia de que ele seafastasse de Brianna. Isso sem dúvida a destruiria.

—  E as Trevas ainda esperam além da luz da estrela —  eleretrucou.

Suas palavras afastaram o medo do coração de Nínian. Tarekaceitara tudo aquilo. Talvez Vivian tivesse razão. Se assim fosse, entãoele era um guerreiro de rara coragem.

—  Sim. Espera e se torna mais poderosa a cada momento quepassa.

— É essa a razão pela qual você veio até aqui?— Vim para curar os ferimentos de minha filha.Seu incisivo olhar azul encontrou o dela. Vivian previra a verdade

também, uma verdade que Tarek ainda não sabia.— Creio que veio por outro motivo também, senhora.Ela fez que sim. Seu genro era perspicaz e esperto, e possuía uma

agudeza de raciocínio maior do que a maioria dos mortais.— Brianna precisa saber a verdade sobre si, que ocultamos dela

por todos esses anos. Apenas a verdade poderá salvá-la e ao Graal.

Por quanto tempo ficaram sentados dentro da suave proteçãoluminosa do desenho de estrela? Pareceram horas, e contudo as velasque em geral não teriam durado mais que uma hora ainda queimavam.

Deitada entre eles, protegida pela magia da luz da estrela, apantera dourada se espreguiçou. Embora tivesse presenciado antes,Tarek observou a transformação com fascínio e incredulidade.

Um véu de bruma subiu em meio à luz, envolvendo a criatura comouma mortalha de prata, a reluzir nas pontas dos pêlos como ele viracentenas de vezes nos cabelos de Brianna.

Então as feições do felino se suavizaram e mudaram pouco apouco, para revelar outras feições sob a pelagem bronzeada. Um braço,a curva do pescoço, o semblante delicado sobre os ossos frágeis, acurva sensual da boca que ele beijara dezenas de vezes e que se abriadesejosa e ávida para a dele.

Quanto dela era mortal? Quanto ainda era a criatura?Jehara. Aquela era a palavra antiga entre seu povo que

denominava as criaturas que não pertenciam a nenhum mundo e quecontudo eram parte de ambos.

Nínian o estudava. O que faria ele, agora que conhecia os fatos?

Tarek acreditava em jehara, porém poderia aceitar, como devia, que amulher que amava era uma delas?

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Ou se afastaria com horror e desgosto, como Brianna receara?Tudo dependia dele. Brianna precisaria de sua ajuda naquilo que estavaainda por vir. Mesmo assim, poderia não ser sullciente.

Tarek tocou a mão dela, onde jazia curvada sobre a pele escura damesma maneira como quando dormia a seu lado. E compreendeu quenão poderia ter uma sem a outra. Ela e a criatura eram o mesmo ser.

Poderia ele viver sem Brianna?Traçou a curva de seu rosto com os dedos, como fizera incontáveis

vezes. Sem despertar, ela se voltou sob o toque, o calor de suarespiração a lhe bafejar a pele numa recordação das inumeráveis outrasmaneiras com que ela o tocara. Naquele breve contato e nas violentasemoções que causou, Tarek soube a resposta. Não poderia.

Uma batida na porta rompeu o silêncio reinante. As chamas dasvelas tremeram. Na palma, ele sentiu um tremor passar pelo corpo deBrianna. Olhou para Nínian, mas os olhos dela estavam cravados naporta, a expressão intensa.

Nesse momento, as chamas das velas se firmaram mais uma vez. As sombras pareceram ser mantidas a distância, pelo menos nomomento.

— Leve-a para a cama, Tarek. Então, pode abrir a porta.Ele tomou Brianna no colo e a conduziu ao leito. Na mesma ordem

em que acendera as velas, Nínian levou-as para a cama e colocou-asem torno da filha, mais uma vez, restaurando o poder protetor.Sua expressão era grave.—  Não há lugar a salvo do poder das Trevas, guerreiro. Porém,

enquanto o segredo ficar trancado dentro dela, Brianna não correráimediato perigo.

— O que você fará?— Quando ela estiver forte o bastante, irei libertar as lembranças

dentro de sua mente.— E quando Brianna souber da verdade?—  Deverá procurar o Graal. Ela é a única com o conhecimento

para encontrá-lo. Não há outra maneira de deter as Trevas.— Muito bem. Brianna não irá sozinha.Quando Nínian colocou a última vela no lugar, completando o

desenho da estrela, Tarek foi até a porta e tirou a tranca. Stephen deValois esperava, ansioso, no corredor. Sua expressão era séria, as belasfeições, tensas.

— Que notícias tem, Stephen?—  Os soldados que você deixou para proteger Inverness

terminaram do mesmo jeito que Mortain e seus homens. Não eramhumanos e, quando descobertos, desmoronaram e se transformaram em

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pó, deixando para trás feições grotescas irreconhecíveis para qualquerum no castelo.

— E quanto a Mardigan?

—  Centenas de invasores foram vistos na floresta. Escurecem océu com as plumas negras de seus adornos de cabeça, e suas espadassão da cor da noite. — Então acrescentou, em voz mais baixa: — Gavinde Marte e Malcolm conseguiram chegar perto de um acampamento.Não viram rostos por trás dos elmos e protetores de nariz! Nada, a nãoser a maldita escuridão.

No salão, as chamas derretiam as tochas, deixando todosinquietos. Nas sombras, Tarek teve certeza de ver um movimento, masquando passou por Stephen com uma tocha na mão, não encontrou

nada. Nada, a não ser mais sombras.Voltou-se para Stephen.— É preciso fazer planos.— Depois, dirigiu-se a Nínian:— Barre a

porta quando eu sair. Não deixe ninguém mais entrar.Nínian fez como ele pediu, mas, mesmo ao colocar a travessa no

lugar, ela sabia que era inútil. Quando as Trevas quisessem entrar ali,assim o fariam, e nem mesmo o encantamento da estrela poderiaimpedir isso. A única esperança era o Graal e seus poderes incomuns.

Tornou a voltar-se para a cama e para a jovem que jazia ali, sobre

quem agora repousava a esperança para o futuro de toda a humanidade.Com o coração pesaroso de mãe e uma terrível visão de vidente,sussurrou:

— Acorde, filha. Começou.

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apítulo XX

Gillie esgueirou-se para fora, escapando pelo caminho do jardimde Mirren. Descobrira o pequeno espaço na base da muralha, atrás deuma touceira de alecrim semanas atrás, quando forçada a trabalhar nahorta. Agora andava depressa ao longo da muralha externa, rumo àfloresta densa que beirava o litoral escarpado.

 A escuridão crescente era uma vantagem para ela, decidiu, aoolhar para o topo da muralha. Esperou e, como antecipara, um guardaapareceu. Esquadrinhou o terreno ao longo do perímetro da muralha edeitou-se nas sombras.

Quando ele passou adiante, Gillie começou a contar conforme se

afastava dali, como fizera muitas vezes antes: um, dois, três, quatro,cinco e seis, o espaço de tempo que sabia decorrer antes que o próximoguarda aparecesse. Na contagem de seis, ela saiu correndo e enfiou-seno mato fechado à beira da floresta.

Encolheu-se ali sob os tojos e pinheiros até que sua respiração seacalmou. Nenhum alarme soara das ameias. Quando tornou a olhar paratrás, para Inverness, uma estranha concentração de trevas pareceuenvolver a fortaleza como um palio que aos poucos se fechava sobretudo.

O vento soprava forte e, conforme a escuridão crescia, relâmpagoscortavam o firmamento como dezenas de espadas, e o trovão soavacomo o ruído de batalha. Gillie estremeceu e puxou o xale com maisforça em torno de si.

Correu as mãos sobre o tecido rústico de lã e pensou em Brianna,que a levara para Inverness e depois esperara que ela trabalhasse comoqualquer um pela comida e pelas roupas miseráveis, tão pobres comoqualquer aldeão usaria; nos olhos agudos de Enya, que sempre estavama observá-la, pronta para correr até Brianna com notícias de seu último

malfeito; e no gigante Thomas, que sempre a seguia, aqueles grandesolhos escuros a vigiar, como se soubesse o que ela pretendia. Seu únicopesar era pelo novo lorde de Inverness.

Mesmo naquele momento, ficava excitada ao pensar em Tarek alSharif e como poderia ter sido entre eles, se não fosse por Brianna.Como sua vida inteira teria sido diferente se não fosse pela prima. Elapoderia ser a senhora de Inverness. Tinha certeza de que poderiapersuadir Tarek al Sharif a compartilhar sua cama se tivesse maistempo. E assim que ele estivesse lá, ela, sem dúvida, teria dado vida asua semente, em vez de à criança que agora carregava.

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Estremeceu outra vez ao lembrar-se do filho. Bebês eram comopequenos mendigos indefesos e necessitados. Gillie vira as jovensescocesas com seus bebês, as exigências, o cuidado constante que

exigiam. Porém, havia umas poucas vantagens a serem obtidas emtroca, e Gillie sempre fora esperta. Ainda mais com um homem que tinhaambições por um domínio e por filhos que consolidassem sua posse.

Cortou caminho pela mata, a se orientar pela luz tênue que sefiltrava pelas copas das árvores. Tudo parecia quieto demais. Nem umafolha ou animal se mexia. Mesmo a água no riacho não fazia ruído aoescorrer pelas pedras.

Gillie puxou o xale mais apertado ao seguir o riacho para dentro dafloresta. Então, de repente, um guerreiro postou-se na frente dela, saído

de uma moita.Ela teve um sobressalto, pois o homem tinha a escuridão dodemônio em torno de si, uma sombra gigantesca sem luz nas feições.Gillie quis virar-se e correr, mas não conseguiu. Ele era um invasor.Tinha essa aparência nos trajes com o gibão e as calças de couro, osbraços nus com braceletes marchetados de ouro e o elmo em domo demetal. Porém seus olhos...

Gillie não conseguia vê-los por trás do elmo e isso a inquietou, poisdiziam que aqueles sem olhos eram da prole do demônio.

Para mascarar o medo, Gillie ordenou:— Leve-me até ele.O guerreiro não a reconheceu de imediato, e continuou ali com a

espada numa das mãos e um machado de guerra na outra. Mesmo suasarmas eram negras, como se tingidas com fuligem. E uma lâminacoberta de fuligem podia cortar tão fundo como uma limpa.

Quando Gillie tentou passar por ele na trilha estreita ao lado doriacho, o guerreiro bloqueou-lhe o caminho. De novo ela recuou,inquieta. Até o ar parecia sufocante.

— Eu trouxe notícias— ela o informou.— Se não me levar até ele,pagará por isso.

Por fim, o homem se voltou e seguiu adiante, ao lado do riacho. A floresta parecia se fechar em torno dela. Os galhos se

enrascavam em sua saia e lhe arranhavam o rosto. Por fim,aproximaram-se de uma clareira de rochas enfileiradas e aoacampamento abrigado dentro das ruínas de um antigo círculo depedras.

Gillie hesitou, inquieta num lugar como aquele, pois havia quemacreditasse que os círculos de pedra, tais como aqueles, pertenciam a

templos religiosos dos deuses antigos, cuja representação era esculpidanas pedras e nos troncos retorcidos das árvores.

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Malcolm logo divisou os vestígios de pegadas no terreno macioque cobria o solo da floresta. Manteve uma boa distância entre os dois,seguindo o som dos passos, os dele, silenciosos como os de uma

raposa ao se mover num curso paralelo.Quando Gillie parava, ele parava. E quando ela rumou numa nova

direção ao longo da curva do riacho, ele foi atrás. Ficou tão aturdidoquanto Gillie pela aparição súbita do guerreiro, como se o homemtivesse se materializado da escuridão.

Mas Malcolm sabia de coisas que Gillie não sabia, pois passarapor ali horas mais cedo, com Gavin de Marte. Deixando seus cavalosnum abrigo isolado de pedras, eles continuaram o caminho a pé, ambosvestidos com calças e túnicas de pele de corça, misturando-se, assim,

com as sombras. Rastejaram pela floresta por horas, ouvindo os ruídos,sentindo a estranheza da escuridão que se condensava e descia sobreeles. Estavam prestes a voltar quando Gavin viu um movimento entre assombras. Movendo-se num ângulo e alguma distância à frente, Malcolmquase avançou sobre o acampamento dos invasores.

Como era possível que tivessem chegado ali tão depressa, semnenhuma fogueira, nenhum ranger de arreios, nem conversa abafadaque pudesse denunciá-los?

Estavam vestidos como invasores, as espadas pretas de fuligem

para não refletir luz e trair sua presença. Porém, quando Malcolmpercebeu o alerta assobiado de Gavin e ficou imóvel, testemunhou algoque fez seu sangue congelar nas veias.

Havia apenas escuridão por trás dos protetores de nariz dos elmosrústicos dos guerreiros. Suas feições não estavam sujas de lama. Elenão via feição alguma. Apenas a abertura escura onde deveriam estar asfaces!

Quem eram aqueles guerreiros sem rosto? Como puderam viajaraté tão longe num espaço tão curto de tempo desde as colinas do norteaonde Mortain os levara para o reduto de Mardigan?

De repente, um dos invasores pareceu assumir o comando.Nenhuma palavra foi dita. Ele apenas se levantou, pegou sua armadurade combate e seguiu pela mata. Os demais se juntaram a ele, comoaparições silenciosas que se moviam a algum comando impronunciado.Dentro de segundos, sumiram.

Não faziam nenhum ruído na floresta. Nem marcavam apassagem. Quando Malcolm e Gavin saíram de seus esconderijos etentaram segui-los, não puderam descobrir o rumo que tomaram.Nenhum galho baixo a se mexer, nenhum broto quebrado, nenhuma

impressão no solo macio sob os pés.

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Não podiam adivinhar a direção em que os invasoresdesapareceram ou como tinham sumido. A única escolha era voltar paraInverness. Naquele momento, porém, Malcolm experimentava de novo

aquela inquietude de horas antes, somada a uma raiva tremenda datraição fria de Gillie. Recordou-se, desgostoso, de ter encontrado prazerentre as coxas daquela criatura sórdida.

Quando o guerreiro e Gillie se embrenharam na floresta, ele foiatrás.

— O que aconteceu?! — Tarek exclamou, ao erguer os olhos damesa do conselho e ver o cavaleiro que chegava.

Gavin de Marte entrava no salão. Sua expressão era diferente de

qualquer outra que Tarek já tivesse visto. Não mostrava a dureza de umguerreiro que encara a triste realidade da batalha por vir e apossibilidade de sua própria morte, mas o assombro de alguém quevislumbrara além da morte. Atrás dele, dois de seus homens carregavamum terceiro, ou tudo o que restara dele.

Um jarro partiu-se nas pedras do chão. Nel gritou ao ver aqueleque eles carregavam.

— É o mesmo! — ela berrou, apontando para o morto. — Não temface!

Tarek ajoelhou-se ao lado do guerreiro morto. As feições estavamencolhidas e ressecadas, os ossos do crânio expostos onde a pelesecara e caíra. Exceto pela grotesca máscara da morte, o esqueleto eratudo o que sobrara.

 As mandíbulas estavam abertas num sorriso feroz e mortal, aúltima atitude antes de morrer. Tudo o que tinha ainda era a juba farta decabelos ruivos familiares e o anel que ele usara, muito pequeno para seupróprio anular, porém colocado no dedo mínimo. Um anel de âmbardourado e malaquita, que Malcolm um dia tivera esperanças de colocarno dedo de Brianna. Ian reconheceu o anel também e chorou pelo filhomorto.

— Foi assim também com Mortain e seus homens — Gavin disse,num tom cheio de raiva e horror ao falar baixo para que Ian não ouvisse.—  Ele ainda estava vivo quando o encontramos na beira da floresta,mesmo enquanto a carne despencava dos ossos.

— Disse alguma coisa? Gavin fez que sim.—  A prostituta, Gillie, também está morta. Foi ela quem traiu

Inverness para os invasores na noite do ataque. Gillie abriu-lhes osportões. E há mais: foi encontrá-los esta noite. Estava grávida.

— Achou um amante entre os invasores — Stephen concluiu. — Etraiu seus parentes por suas próprias ambições.

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Gavin assentiu.— Ela foi procurar Mardigan, mas ele não a quis.—  Não tinha mais nenhuma serventia. —  Tarek, muito sério,

recordava-se do aviso profético de lady Nínian. As Trevas encontraram Brianna.

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—  Abrimos mão de você para entregá-la aos cuidados de duaspessoas que a amaram como se fosse sua própria filha e que deramsuas vidas para protegê-la porque nós a amávamos! Então, fui forçada a

aceitar o pouco tempo que tínhamos juntas, construindo uma vida deamor dos momentos roubados, a observar outros receberem seu carinhoe partilhar de sua vida como eu não podia! Nínian começou de novo aexplicar:

—  Você não tem lembranças, mas eu me recordo de cadamomento doloroso e vazio, dos bebês que não pude segurar ou cuidar,dos beijos que nunca ganhei e do vácuo silencioso das risadas infantis.— Lágrimas reluziram nos olhos dela.

—  Lembrei-me de cada momento vazio e desejei não poder

lembrar. Pois aí talvez a dor pudesse ir embora.Por mais que tentasse manter a raiva, Brianna descobriu que nãoconseguia. Deu-se conta de que sua dor não era a única, nem talvez amaior. Estava tão conectada a Nínian, a mulher de seus sonhos, agoraque as lembranças tinham se aberto, que sentiu o padecimento dela.

— Você não compreenderá até que tenha um filho seu — Nínianmurmurou.— Será a maior alegria e o maior tormento que irá conhecer.

— Quer dizer que é possível? —  Brianna perguntou, a ira agoracompletamente extinta, substituída por um anseio de esperança.

 O que é possível, filha?— Ter um filho. Uma criança mortal. Viver uma vida mortal.Naquele momento de vulnerabilidade, com ambas à beira do

pranto, Nínian sentiu a incerteza e o temor de Brianna.— Seu amor por ele é forte. Irá precisar de tal amor para o que

está por vir. Você é mortal, Brianna. Tanto quanto eu e todas as minhasfilhas também. Não gerei um ouriço ou um corvo. Pelo menos não daúltima vez que verifiquei.

Brianna sorriu por entre o choro.— Mas talvez uma mula teimosa? — sugeriu. Nínian achou graça.—  Sim, porém ela ficará bem quando se transformar em seu eu

verdadeiro outra vez.Então o olhar de Brianna tornou-se sombrio.— Está muito perto, não está? — Podia sentir a opressão do mal

de que Nínian falara, que parecia se amontoar nas paredes do quarto,comprimindo-se, sufocando a luz das velas assim como tentava sufocá-las também.

— Sim, muito perto.— E a única esperança é o Graal.

— Ele não deve se tornar um instrumento das Trevas. —  Nínianergueu a mão. — Seja paciente, filha. Você possui o conhecimento do

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Graal como nenhuma outra pessoa. Em tempo, a memória dele iráretornar.

— E como saberei onde pode ser encontrado?

—  Isso também lhe será revelado. Se tudo fosse conhecido deuma vez, as Trevas poderiam roubar o conhecimento de você. Tal é seupoder que nem mesmo eu poderia impedir.

— E quanto a meu marido?Nínian sentiu o poder do amor de Brianna por Tarek, que a fazia ao

mesmo tempo forte e frágii.—  Ele é parte disso agora, e não pode escapar mais, tal como

você. —  Franziu a testa ao olhar para as mãos torcidas de Brianna,tentando encontrar palavras para as outras coisas que ela tinha de

saber, mesmo que lhe causasse uma dor muito própria dos mortais.— O que é?Nínian ergueu o olhar. Brianna sentira suas emoções. Era grande o

poder dentro de sua filha. Ninguém, inclusive Nínian, conhecia averdadeira extensão deles. Cabia a Brianna descobrir. Sua preocupaçãoera que fosse como uma criança mortal a quem é dado pela primeira vezum gosto de liberdade. Essa liberdade tanto poderia ser uma dádivamaravilhosa como uma maldição devastadora, dependendo de comofosse manejada.

 Há algo mais que a senhora não está me dizendo! Algo que jáaconteceu!—  Muita coisa tem acontecido. —  Suspirou, triste. —  As Trevas

vêm ganhando força desde o primeiro encontro com sua irmã. Usammortais para seus próprios fins.

Brianna franziu a testa.— Usa-os? — Então compreendeu do que Nínian falava. — Sim,

os guerreiros que foram transformados naquelas criaturas hediondas,mas com rostos familiares daqueles em quem podíamos confiar.

—  Isso mesmo. É uma transformação comum, bastante usadapelas Trevas, pois é um meio para espalhar de modo insuspeitado seumal entre os mortais, até que seja tarde demais. — Viu o momento emque a filha compreendeu tudo.

— Houve outros que foram transformados — Brianna disse, comrepentina certeza.— Aqui, em Inverness.

— Sim, filha.— Gillie!— Não foi difícil, pois as sementes do mal nasceram dentro dessa

mulher. Gillie estava aqui na noite em que seus pais adotivos morreram.

Brianna suspirou, agoniada.

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— Ela traiu Inverness. Mas por quê? — Seu olhar procurou o deNínian, mas não foi preciso perguntar, pois a resposta chegou a ela coma rapidez de um relâmpago. —  A própria cobiça. Voltou-se para as

Trevas por causa de seu ódio por mim.—  As Trevas habitam as almas de determinados seres desde o

momento em que foram criados. Os Anciãos ensinam que é parte dabalança que deve ser mantida no mundo mortal.

—  Entendo. Gillie apostou em Mardigan. E ela está morta. — Porém seu olhar melancólico vinha imbuído de um novo conhecimento.— Mas não por Mardigan.

Novas lágrimas encheram seus olhos ao dizer uma única palavra:— Malcolm...

E soube que seu amigo também perecera.— Sim, filha. Ele descobriu sua traição e seguiu-a quando foi se

encontrar com Mardigan, nas horas em que você dormia e se curava dosferimentos. Malcolm era um verdadeiro amigo, muito leal.

Brianna sentiu que sua dor pela morte de Malcolm era igual à fúriapela constatação de que ele fora assassinado pelas Trevas. Nunca maisiria compartilhar de risadas com ele. Nunca mais ele a provocaria.

Um novo medo surgiu, forte e poderoso. Ao senti-lo, Nínian meneou a cabeça.—

 Você não pode proteger seu marido disso, filha. Nem impedirque ele seja parte. Pelo que sua irmã me contou, Tarek acredita nosobrenatural, e não permitirá que você vá sozinha na jornada que virá,pois irá precisar de sua força e coragem de guerreiro. As Trevas nãocontavam com isso.

— Não arriscarei a vida de Tarek — Brianna disse com veemência,a teimosia a voltar ao verde de seus olhos.— Eu morreria primeiro.

— O risco é dele, Brianna, e não há nada que possa fazer. Pois, sevocê falhar, tudo estará perdido. Inclusive Tarek al Sharif e o amor queencontraram juntos.

— Mas se um exército de guerreiros não pode enfrentar as Trevas,se meu pai não pôde impedi-la e salvar o reino de Arthur, então como épossível a mim encontrar o Graal?

—  Sagacidade, verdadeira coragem e os mesmos meios que osenhor das Trevas usa tão bem, minha filha. —  As pupilas de Nínianreluziram.— Com ilusão, é claro. A verdadeira arte de uma encantada.

— Diga-me o que eu devo saber, mãe.Nínian chorou ao som daquela palavra que tanto esperara ouvir de

sua bela filha loira, a filha da bruma.

— Terá de iludir seu marido.— A ilusão o porá em perigo?

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— Não. Irá protegê-lo, tal como o conhecimento que ocultamos devocê a protegeu.

— Onde está ela? — Tarek indagou, ao se voltar para Nínian. — Saí do quarto faz duas horas e Brianna jazia quase à beira da mortenaquela cama. Que truque de magia é esse?

—  Um necessário —  Nínian explicou, muito calma, ao pousar amão no braço dele.

Tarek se afastou como se queimado pelo fogo.— Pelo Profeta, não tolerarei seus truques!— Seu deus não pode ajudá-lo nisso, Tarek al Sharif. Você jurou

que ela não iria sozinha.

—  Já começou? —  murmurou, de olhos estreitados. Nínianaquiesceu ao se virar para uma ampulheta num suporte de ferro batidosobre a mesa. Um fio de areia escorria da cápsula superior para baixo.

— O tempo encurta.— Responda, Brianna está a salvo?— Por ora, sim.— Posso vê-la?— Você irá acompanhá-la, pois a jornada deve começar. Então ele

fez a pergunta mais séria de todas:—

 Irei perdê-la?— Só se você se perder.— Maldita seja, mulher! Não fale em charadas!— Falo apenas a verdade. — Nínian olhou mais uma vez para o

medidor de tempo. —  Por mais de quinhentos anos, o Graal esteveoculto em segurança, até o momento em que seu poder pudesse serunido ao de Excalibur. Não houve ninguém que conseguisse isso comMerlin banido para o mundo entre os mundos. Não houve ninguém paradesafiar as Trevas. Até agora. As Trevas usarão todo seu poder paraimpedir que a Luz se junte ao Graal.

Seu olhar cravou-se no dele, com uma sombra de esperança.—  Ela tentará impedi-lo. Porém, você deve ser bem-sucedido.

Brianna terá de juntar seu poder com aquele do Graal. Se falhar no queestará diante de você quando o último grão de areia escorrer, então tudoestará perdido.

Ele não compreendeu o que Nínian disse, mas acreditava nospoderes que vira. E agora Brianna era parte disso, e o único meio desalvá-la era ajudá-la.

— Como me preparo para essa jornada?

— Você enfrentará três desafios para alcançar o Graal. Eles nãopodem ser revelados de antemão, pois o risco de as Trevas discernirem

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e resolvê-los é grande. Terá de ir de encontro a cada desafio. Se falharem algum deles, o Graal será perdido para as Trevas.

—  Como pode ter certeza de que conseguirei cumprir as tarefas

com bom êxito?—  Não posso. Mas Brianna tem certeza. Ela confia em você.

Enfrentará um desafio de sagacidade, um de coração fiel e um decoragem. Deve encontrar os instrumentos dentro de si mesmo para sedefrontar com cada um.

— Posso levar minha espada?— Por todo o bem que ela lhe fará, sem dúvida. Porém, a maior

batalha que irá enfrentar não pode ser travada com uma espada. — Aoacompanhá-lo até a porta do quarto, ela explicou: —  Há outros que

viajarão com você. Esperam no pátio. Sei do medalhão que usa, AlSharif. Brianna me falou dele. Porém, eu lhe darei outro, um talismã paratrazer boa sorte.

—  Boa sorte? —  retrucou com ironia. —  Pensei que umaencantada não teria necessidade de coisas como amuletos de boa sorte.

Nínian deu de ombros e sorriu.— Não deixo nada ao acaso no que diz respeito a minha filha. E

você precisará de toda a sorte que puder encontrar, guerreiro. O cristalcontém o maior poder com que eu poderia presenteá-lo.

Tarek bufou ao aceitar o amuleto. Era muito menor do que omedalhão de ouro marchetado, não maior que a ponta de seu dedomínimo, uma gota límpida de cristal cortada com centenas de facetas esuspensa por uma fita verde de cetim.

 Ao prendê-lo ao cinto, a mão de Nínian fechou-se sobre o braço deTarek num aperto forte.

—  Assim que deixar este lugar, guerreiro, meus poderes nãopoderão ajudá-lo. Nem posso ver o que o destino lhe reserva. Você seráguiado na direção em que precisa ir. Porém, o que encontrar lá, você eseus companheiros devem enfrentar sozinhos. Alguns sobreviverão,outros não. — Então, o aperto acentuou-se.— Se Brianna falhar, se seucoração se voltar do poder da Luz para o poder das Trevas...

—  Ela não fará isso —  Tarek afirmou, recusando-se a crer nocontrário.— O coração de Brianna é fiel e leal.

— O coração que você conhece é fiel e leal, seu coração mortal.Falo de sua alma. —  Seu aperto intensificou-se até que as unhas seenterravam nos músculos do braço de Tarek. — Se minha filha se voltarpara as Trevas, você deverá impedi-la. Brianna não poderá terpermissão para voltar ao mundo mortal.

— Explique isso a mim.

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—  Se as Trevas puderem tomá-la, usarão seus poderes e oconhecimento do Graal. Você deve jurar ante o deus em que acredita e amim que não permitirá que isso aconteça.

Ele foi tomado de raiva ao entender o que ela lhe pedia.— Brianna é minha esposa! Jamais poderia feri-la!— E é minha filha! — Nínian afirmou, com veemência. —  Não a

amo menos. Mas compreendo melhor do que você aquilo que está emrisco. —  Seus olhos se encheram de lágrimas. —  Se as Trevasreclamarem sua alma, Brianna não será mais sua esposa. Será umacriatura das Trevas. Preciso que você jure! Deve jurar, guerreiro! Se serecusar, ela irá sozinha.

— Você não me dá escolha!

— Nenhuma, guerreiro. A expressão nos olhos dele era tão fria como a morte quando, porfim, assentiu:

— Tem meu juramento.— Sendo assim, esteja pronto para partir, guerreiro.— Quanto demorará a jornada?— Apenas a um dia de cavalgada de distância. Num lugar no qual

você já esteve antes, mas em que nenhum outro mortal já esteve. — Estendeu-lhe a cimitarra persa.

 Onde está Brianna?—

 Ele prendeu a arma na cintura.— Como expliquei, ela estará com você. — Então, estendeu a ele

o grande manto de pele da cama, ainda quente com o toque de Brianna.Seus dedos roçaram o medalhão de ouro pendurado no pescoço deTarek. — Você será defrontado com uma escolha muito difícil, guerreiro.

 Aja com sabedoria. Ao chegarem ao pátio, Tarek se voltou.— Onde estão meus homens?— Estão todos aqui — Nínian lhe assegurou, com um gesto que

englobava o pátio e as construções exteriores. —  Devem permanecerpara trás, assim como eu. Pois nenhum de nós pode ir aonde você vai.

 Apenas não pode vê-los neste lugar entre o mundo mortal e imortal. — Sorriu de leve. —  Lembre, guerreiro, você estará deixando o mundomortal para trás quando passar por aqueles portões. E eles não podemsegui-lo.

— Estão a salvo?— Permanecerão assim, a menos que você fracasse. Nas palavras

não pronunciadas, Tarek sentiu o resto da resposta. Se falhasse, elesterminariam como Malcolm, Mortain e os outros. Fez um gesto de

compreensão.— E quanto a Mardigan? Sem dúvida ele irá atacar.

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— Mardigan também é parte disso, guerreiro. Você viu a prova doque digo nos homens que morreram aqui.

— Ele se transformou nas Trevas?

— As Trevas usam muitas armas. Você deve estar preparado paraenfrentar qualquer coisa.

 Aquilo explicava muito, inclusive a razão pela qual Tarek e seushomens nunca conseguiam encontrar Mardigan. Ele era como umfantasma que desaparecia quando queria.

— E quanto aos companheiros de que falou? — Tarek via apenasa égua árabe, selada, a esperar, um odre de água e um embornal decomida amarrados na sela.

Nenhum outro cavalo esperava pelo cavaleiro.

 Ao saltar para o lombo da égua, Nínian assobiou baixinho. O ar aoalto se agitou e, através da escuridão envolvente e sufocante, Tarekouviu o som de asas.

Uma fêmea de falcão apareceu na luz trêmula da tocha que Níniancarregava e pousou no braço esticado de Tarek.

Era esguia e flexível, de penas manchadas de prata e ouro, olhosde um verde dourado, que o contemplavam com uma inteligência sagaz.Tarek encarou Nínian.

 Ao sentir a pergunta, ela assegurou:—

  Ela pode ir aonde você não pode e ver o que você não vê.Garanto que a julgará uma companhia valiosa.— Você falou de três companheiros. Vejo apenas um.—  Está vendo o que quer ver, guerreiro. Terá de aprender a

enxergar o que não pode ser visto com tanta facilidade.Nínian fez um gesto de ultimação. Tarek nada viu. Mas algo se

moveu nas sombras do pátio. Um felino grande e bronzeado caminhoudevagar na direção dele.

— Isso não é nenhum truque de magia, não é?— Nenhum truque meu — Nínian assegurou, para então explicar:

— Guerreiro, você deve olhar além do óbvio. Possui três companheiros.Um rápido e de cadência firme, capaz de suportá-lo em sua jornada; umpoderoso e ágil, com os instintos do caçador; o outro capaz de ver o quevocê não pode enxergar. Esses são seus companheiros. —  Então, aolhe sentir os pensamentos, concordou.— Sim, Brianna estará com você,porém não poderá saber que forma ela tomou.

Nínian tocou-lhe a mão que repousava na sela.—  Não se esqueça de seu juramento, Tarek al Sharif. Se o

coração e a alma de Brianna se voltarem para as Trevas, você não deve

hesitar. Pois há outra filha com a qual pode haver ainda esperança. — Diante de seu olhar de surpresa, ela meneou a cabeça. — Não posso

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dizer mais nada. O tempo urge. Lembre-se disso: a maior força não é ada espada, mas esta. —  Pousou a mão em seu coração. —  E nãoesqueça que as Trevas não podem tomar-lhe aquilo que você não

entregar em rendição. Medo e ódio são as armas que ela usa.Resguarde-se contra elas.

Com um gesto de cabeça, Tarek cutucou a égua árabe com oscalcanhares e incitou-a pelos portões.

 Após ter avançado vários metros, puxou as rédeas e olhou paratrás. No crepúsculo, não viu nem as tochas das ameias, nem os portões.Não havia portões. Nem havia ameias. A fortaleza de Inverness sedesvanecera como se jamais tivesse existido.

— Você passou do mundo mortal para o mundo imortal, guerreiro.

O que conhecia antes cessou de existir. O caminho de volta jaz com oGraal.

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apítulo XXII

O falcão manteve seu curso, a planar adiante, guiando Tarek porum terreno cheio de sombras, uma terra estranha que ele não maisreconhecia, mesmo tendo cavalgado por ela apenas horas antes.

Ou seriam dias? Ou semanas? Quantos grãos de areia teriampassado pela ampulheta desde que partira? Poucos? Todos?

Naquele lugar, as coisas como ele conhecia tinham cessado deexistir. Não havia marcos familiares. Nem luxuriantes florestas verdes,montanhas ou charnecas varridas pelo vento.

Tarek entrara no mundo de jehara, o plano imortal de Treva e Luz,onde os poderes do bem e do mal eram equilibrados precariamente,onde a verdade não mais existia, e a ilusão estava em toda parte.Mesmo entre seus companheiros.

No que Brianna teria se transformado?Seu olhar dirigiu-se para o felino. Parecia o mais lógico, já que ele

vira a transformação anterior. A cor estava lá na pelagem da pantera,assim como nos olhos com lampejos de verde entre o dourado. Quedestino os aguardava?

Enfrentaria qualquer coisa com alegria se pudesse impedir que avida de Brianna fosse posta em risco, porém sabia que não poderia.

Nínian falara de escolhas que deveriam ser feitas. No entanto,poderia ele fazer a escolha certa? Saberia quando fosse confrontadocom uma?

Continuou até que a égua ficasse suada e espumando por causada árdua subida pelas pedras e colinas íngremes. Por fim, seguindo ocurso que o falcão estabelecera, chegaram ao cume da última colina.

O panorama sombrio de uma terra desolada e a linha da margemde um grande e vasto lago se abriam lá embaixo.

O céu escureceu ao chegarem à margem. O lago era isolado e

luzia como uma fita negra que cortasse a terra.— Conheço este lugar —  ele disse em voz alta, mesmo que não

houvesse ninguém para responder.— Lochonnen.Foi aquele o nome que Brianna usara certa ocasião, quando

cavalgaram pelas Terras Altas, embrenhando-se pelo interior até o lagoreluzente em cujas margens crescia a sorveira-brava. E, no meio dolago, protegida pela bruma, via-se a ilha do Graal.

Brianna trazia a marca do Graal no ombro, aqueles círculossobrepostos que simbolizavam a vida eterna.

O destino dela estava ligado ao Graal.

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Tarek encontrou a sorveira-brava, porém num lugar diferente do deantes. Estava do lado oposto da margem. Em vez de verde e luxuriante,seus galhos estavam nus de quaisquer folhas, como um esqueleto.

Olhou pela escuridão sombria da água e, naquele lugar onde águae céu se encontravam, havia o brilho tênue de uma luz difusa quefenecia.

De repente, a escuridão caiu como uma cortina pesada corridapelo firmamento. A luminosidade terminou no horizonte, céu e água semesclaram no escuro denso e opressivo, em uma imobilidade de silêncioque podia quase ser sentida. Não havia um único som. Nem mesmo seouvia a água a bater contra a margem.

Nenhuma lua subiu no zênite, brilhante e clara, a banhar a terra.

Nenhuma estrela piscava ao alto. Era como se cada lampejo de luztivesse se extinguido por alguma mão malévola. Era impossívelcontinuar sem uma tocha para clarear o caminho. Como se sentisseisso, o falcão acomodou-se nos galhos mais altos da sorveira-brava,com um farfalhar de asas, o olhar voltado para a água.

 A pantera também pareceu aceitar que teriam de fazer ali oacampamento para pernoite, se de fato fosse noite, ao se esfregarcontra a perna dele.

Tarek estendeu a mão para o ferimento bem curado e sentiu o

veludo macio do pêlo dourado na ponta dos dedos. A cabeça régia dacriatura estava voltada para a extensão de água diante deles, como seobservasse algo também.

Tarek desencilhou a égua. Ela estava nervosa, as orelhas semprea girar para trás e para a frente como se procurasse por ruídos que nãoestavam ali. Não havia grama para pastar, por isso Tarek lhe deupunhados de grãos de um alforje que carregava, e depois a levou até aágua para beber.

No escuro, ele não conseguia enxergar, mas ouviu algo: na vasta edifusa quietude, o som repentino da água contra a margem a seus pés.

Não era um suave ruído borbulhante, e sim mais parecido com ochiado de uma panela a ferver e se derramar no fogão. De repente,Tarek perdeu o equilíbrio, quando o banco da margem começou adesabar.

Era como se a terra tivesse desaparecido sob seus pés. A águasubiu-lhe pelas botas e a lama as atolou. Ele afundou até os tornozeloscomo se mãos poderosas o puxassem para baixo, arrastando-o para aágua revolta.

Com um relincho, a égua deu um salto para trás, e as rédeas

tensas nas mãos de Tarek tornaram-se sua salvação.

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Tarek precisava desesperadamente da força do animal, pois nuncaexperimentara tal poder como aquele da água, que o puxava para amorte certa.

Torcendo as rédeas apertadas em torno dos pulsos, gritou:— Siroco, para trás!Ouviu o frenético bater de cascos quando ela lutou para encontrar

solo firme, e o estridular do falcão, em gritos agudos de alarme. O bancoda margem desabava debaixo de suas costas e ombros conforme Tarekera sugado ainda mais para dentro das águas. De novo, chamou pelaégua.

 As rédeas se afrouxaram e tornaram a ficar tensas. A dor correupelo braço e ombro de Tarek esticado num ângulo brutal. Ele puxou e

chutou, tentando livrar suas pernas da lama que as sorvia.Por fim, livrou um pé, lutou por firmar-se e tentou subir pelamargem. Por duas vezes a terra cedeu sob ele, como se alguma criaturaestivesse cavando e erodindo o terreno em que pisava.

Então, sua bota encontrou piso sólido. Tarek chamou de novo aégua, e quando ela esticou as rédeas, seu outro pé livrou-se com umruído de sucção.

Conforme Siroco continuava recuando, Tarek foi arrastado para oalto da margem e para longe da beira d'água. Caiu, gelado, molhado e

exausto, o animal postado acima dele, a bafejar a respiração quente emsuas costas.— Muito bem, Siroco— agradeceu, a mão ensangüentada onde as

rédeas tinham cortado a carne, à medida que a égua o puxava para umlugar seguro.

Quando teve força para sentar-se, seu olhar cravou-se na águaescura e turva que quase lhe tirara a vida. Nínian tinha razão. Começara.

Fez um leito debaixo dos galhos da sorveira-brava. A pele queNínian lhe entregara proporcionava calor sob a túnica e as calçasmolhadas. Tarek estava exausto da cavalgada e da provação queenfrentara, mas o sono custou a chegar.

O vento veio, silencioso e brutal. Tarek puxou a pele para seproteger contra uma friagem que parecia se entranhar na manta,ameaçando enregelá-lo. Então a pantera acomodou-se ao lado dele,bloqueando o vento, o calor a penetrar o manto de pele e a aquecê-lo.

Na escuridão, Tarek podia ver o suave brilho daqueles olhos queobservavam atentos as águas.

Tarek estendeu a mão e afagou o pêlo espesso e dourado. Acriatura não se mostrou perturbada pelo contato humano, nem o atacou,

como outros animais selvagens poderiam fazer. Em vez disso,

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aconchegou-se, arqueando o pescoço sob a mão que a acariciava, umsuave ronronado de contentamento a sair da garganta.

— Brianna... — ele murmurou, incerto, ao acariciar com ternura a

criatura macia a seu lado.E, na agonia da saudade, recordou-se das palavras de despedida

de Nínian: "Se o coração e a alma de Brianna se voltarem para asTrevas, você não deve hesitar".

Esposa. Amante. Alegria e risos. Força e coragem. Brianna eratudo isso para ele, e muito mais.

Quando passara a significar tanto? Tarek sabia a resposta. Acontecera tempos atrás, perto de uma lagoa, quando uma bela criaturaaparecera na bruma e arriscara a vida pela dele. Um ser que lhe

assombrara os pensamentos e sonhos e que agora vivia em seucoração.Seus dedos se curvaram no pêlo da pantera ao imaginar a

sensação dos cabelos de Brianna nas mãos. Ele fizera um juramento, eteria de cumpri-lo. Porém, se chegasse a isso, como suportaria matá-la?

— Maldita seja, Nínian, e seu juramento— murmurou, furioso. Massabia que seu ódio estava mal dirigido, ao fitar a turva água escura. — Malditas sejam as Trevas.

O grito suave e assobiado do falcão o despertou.

Tarek não tinha idéia do quanto dormira, pois não havia jeito demedir a passagem do tempo. Naquele lugar onde tantas coisas agoraeram o oposto do que tinham sido antes, ele não confiava em nada, anão ser na espada a seu lado e nas criaturas que o acompanhavam.

O falcão lançou-se da copa da sorveira-brava para o ar, a circularpor perto e a piar mais e mais. O olhar de Tarek correu para a superfíciedo lago. Um vislumbre de luz surgiu à distância, à medida que aescuridão do céu e da água se separava. E lá, na pálida auroraacinzentada, ele julgou ver a silhueta de terra.

Levantou-se depressa e seguiu para a beira d'água, ciente dogrande risco que correra na véspera. A pantera também se ergueu ecaminhou para a margem.

 A fenda estreita de cinza entre céu e água aos poucos se alargou emostrou uma forma escura no lago. Uma ilha. A ilha do Graal, de acordocom a antiga lenda que Brianna lhe contara.

Relâmpagos cruzaram o horizonte bem acima da ilha distante.Então, surgiram mais raios fulgurantes. Seria realidade ou algumailusão? E a ilha? Poderia ser alcançada?

 A água estremecia e se movia de modo estranho, como se alguma

coisa negra e malévola se espreguiçasse em suas profundezas.

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O falcão continuou com seus piados frenéticos, deslizando porsobre a superfície e depois retornando. Ondas se ergueram como sequisessem alcançar o rápido e flexível caçador. O felino também se

mostrava inquieto, o olhar cravado naquela fita estreita de luz nohorizonte.

De acordo com a lenda, o Graal se achava em algum lugarnaquela margem distante. Porém, como chegar lá? Criando asas evoando?

— E agora, Nínian? — Tarek gritou, irado, como se ela pudesseouvi-lo. —  Como isso deve ser feito? Não tenho o poder de cruzar aágua como jehara.

"Você enfrentará três desafios, guerreiro." Era como se as palavras

dela murmurassem em resposta.— Aceito de boa vontade qualquer desafio, mas esse... — Apontou

pela extensão de água. — ...é impossível.— O caminho está lá, guerreiro. Basta que escolha vê-lo — veio o

aviso em pensamento, como se Nínian estivesse logo atrás dele.—  Que eu escolha vê-lo! —  Girou em volta, zangado. —  Se eu

escolher ver!— Tenha cuidado, guerreiro. Você ainda precisa de minha ajuda.— Preciso de um bote, isso sim.—

 Tem de aprender a ver além do óbvio. Lembre, nada é o queaparenta ser. Que necessidade tem de um bote, se pode cavalgar pelaágua?

Tarek olhou para as águas, tentando ver o que mais poderia estarlá. Não conseguiu. Era como fitar a extensão do deserto, onde seusancestrais eram reis. Aquele lago era como um deserto, mutante,cambiante, escondendo seus segredos.

Não tinha idéia do que procurava, apenas as palavras de Nínian oguiavam. Deixou-se esvaziar de todo pensamento, toda emoção, todacautela, abrindo a mente, enquanto olhava pela água em direção àquelailha distante.

No pálido feixe de luz que se estendia do horizonte até a margem,avistou uma estreita faixa de terra, um caminho elevado com apenas unspoucos passos de largura, que aparecia logo abaixo da superfície eligava a ilha à margem. Mas era real ou uma ilusão?

Hesitou. Sua experiência na noite anterior o tornara cauteloso. Eramuito fácil. E ele aprendera, como Nínian avisara, que as coisas nãoeram o que pareciam. Contudo, pela água, podia ver a ilha. O Graalestaria lá? Ou era também uma ilusão das Trevas?

Lá no alto, o falcão circulava, inquieto. Voou sobre o lago nadireção da ilha e depois voltou. Tarek assobiou para chamá-lo. Ele

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mergulhou e pousou, as garras suaves a se fecharem sobre o braçodele.

Rápido e seguro, podia ver o que Tarek não conseguia. E se

lançou para o alto outra vez, de novo voando sobre as águas na direçãoda ilha, seguindo o curso que fizera antes.

Tarek desceu pela margem. Ao contrário da noite anterior, o lagocalmo. Ele pegou várias pedras e jogou-as naquele terreno mais altosubmerso.

 Ao caírem, nenhuma desapareceu, dragada para baixo pela areiasugadora, nem a água se revolveu de repente e borbulhou, como sealguma criatura se remexesse em suas profundezas. Em vez disso,Tarek pôde vê-las no terreno elevado só uns poucos centímetros abaixo

da superfície. A ilusão era a ferramenta das Trevas. E, Tarek sabia bem, eratambém a ferramenta de jehara. Brianna era uma encantada, capaz deassumir diferentes formas. Mais ilusão.

 Avançou com um passo hesitante pelo caminho. O chão era sólidosob seus pés. A água continuava calma. Tarek retornou à margem elivrou a égua da sela e de qualquer fardo desnecessário.

O felino esperava na margem, na expectativa, sua cauda de umloiro tostado a se balançar de um lado para o outro. O falcão estaria

seguro o bastante no ar, mas o felino ficaria tão vulnerável quanto ele,assim que estivessem na trilha sob a superfície. O olhar de Tarek fixou-se naquela margem distante da ilha. Quanto distava? Mil metros? Mais?Era impossível dizer.

Pegou as rédeas e saltou para o lombo da égua, puxando-a para amargem. No alto, o céu de chumbo parecia se fechar uma vez mais. Ailha não era tão clara como fora apenas momentos antes. Ou estavamais longínqua?

— Vamos, Siroco! Agora você precisará ser como o vento!Conduziu-a pela margem e para o caminho elevado sob a

superfície. A pantera seguiu ao lado, as passadas longas e sinuosas ase emparelhar com as da égua, enquanto no alto o falcão voava diretopara aquela margem longínqua.

O vento soprou, revolvendo as nuvens até que elas pareciampairar sobre a água. Raios fulguravam, rasgando o firmamento comolâminas brancas, como se tentassem empurrar para trás a escuridão.

De ambos os lados, a água tornou-se inquieta, em ondas quevarriam a trilha e se revolviam sob as patas da égua.

Tarek deixou o animal guiar-se pelo instinto e deitou-se sobre seu

pescoço. Como na véspera, a água tornou-se escura e turva, como umaforça malévola que lutasse para não lhes permitir passagem.

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Varreu os lados da trilha, sugando as patas da égua, a puxá-lapara baixo. Tarek sentiu o animal começar a se cansar, e a ilha aindaparecia a centenas de metros ao longe, e não mais perto.

 Através da chuva que começara a cair, ele viu o felino não muitolonge, atrás, a saltar conforme a água se aprofundava. Então a éguatropeçou e caiu como se o caminho desmoronasse sob eles. Esforçou-separa encontrar um ponto de apoio e conseguiu se equilibrar.

 A cada passada, a trilha desaparecia sob suas patas, a água arodopiar em torno de seus joelhos, a sugá-la para baixo. Tarek nãoconseguia mais ver a ilha.

Um raio estourou ao alto, de um branco dourado, brilhante como osol, iluminando o céu como uma tocha. A ilha estava apenas a uns

poucos metros de distância. Mas Siroco se mostrava sem energia sobele. A água subia. Siroco seguiu em frente, esforçando-se para

encontrar o próximo ponto de apoio. Com muita luta, deu uma última edesesperada arrancada que lançou Tarek por sobre seu pescoço, sem asela para segurá-lo.

Ele foi atirado na margem. O pedrisco áspero rasgou-lhe a túnica eenterrou-se nas palmas das mãos. Então, foi sendo puxado de volta emdireção à água pelas rédeas enroladas com firmeza em seu pulso. Rolou

e ficou de joelhos, segurando as rédeas com ambas as mãos.O caminho desaparecera por completo sob a água revolta.Ondas estouravam nas pedras. Ligada ao dono pela rédea, a égua

árabe se esforçava por chegar à margem. Porém, não obstante lutassepara encontrar apoio, era puxada para o fundo, sugada por aquelemesmo peso que quase levara seu dono na véspera.

Tarek chamou por ela, gritando para se fazer ouvir acima da forçada tempestade. Mas foi inútil. Quanto mais Siroco lutava, mais eratragada para baixo. E o arrastava junto.

"Alguns sobreviverão, outros não." As palavras proféticas deNínian ecoaram em seu cérebro mesmo quando Tarek lutava para salvaro animal. As rédeas arrancavam-lhe a pele das mãos. Se continuasse asegurá-las, também seria dragado. Com um grito de raiva impotente,abriu as mãos e deixou as rédeas se soltarem de seu aperto.

Esforçou-se para retornar à margem, para longe da avidez mortalda água. Quando olhou para trás, a égua sumira, tragada da superfície.

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Capítulo XXÍII

Tarek maldisse a tempestade, o céu escuro e seus própriossentimentos de impotência. A égua o carregara por muitas batalhas, salvara-lhe a vida

incontáveis vezes, inclusive naquela, e formara um laço com o jovemDuncan como nunca tivera com nenhum outro.

Então, experimentou um novo temor ao se recordar das palavrasde Nínian sobre os três companheiros enviados para acompanhá-lo.Estava tão certo de que Brianna assumira de novo a forma de umfelino... mas e se não o tivesse feito?

O pio estridente do falcão ao alto perpassou por sua raiva e seutemor. A ave mergulhou e pousou numa pedra que aflorava à superfície.

 A cabeça flexível pendeu primeiro numa direção e depois noutra, osolhos dourados a observá-lo atentos. Então, lançou-se ao ar de novo, avoejar para trás e para a frente pela face do penhasco rochoso que seerguia da praia, estendendo a distância do vôo a cada passo, mais umavez mostrando o caminho.

 Ali perto, a pantera sacudiu a água do pêlo farto. Ao fita-lo comaqueles luminosos olhos verde-dourados, saltou sobre a primeirasaliência de rocha onde o falcão se empoleirara. Olhou para trás de novo

e rumou para adiante, subindo a montanha rochosa.Embora lamentasse com tristeza a perda da égua árabe, o receio

maior de Tarek cessara. Tinha certeza de que Brianna ainda estava vivaentre seus companheiros.

 Ao segurar a espada no cinto, seus dedos roçaram o talismã decristal que Nínian lhe dera. Rezou para que trouxesse boa sorte. Iriaprecisar dela.

Parecia que a ilha era toda de rocha. A margem era coberta depedaços de pedra triturada, e os penhascos nus e brilhantes subiam

quase retos.O falcão desaparecera em algum lugar ao alto. Tarek assobiou, e a

ave reapareceu, a voar para baixo de saliência em saliência. A panterasaltou impaciente para adiante.

Tarek não tinha noção de por quanto tempo tinham subido. Poderiater sido uma hora ou várias. Ou até mesmo dias.

Não havia luz do dia, apenas o manto acinzentado que pareciasufocar o sol à medida que as Trevas se agarravam ao pico da ilha.

 Abaixo, a linha da margem desaparecera, a água escura e turva a se

revolver em torno das rochas que eles escalavam, anulando qualqueresperança de retorno.

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Por fim, chegaram a um parapeito. Ali, o falcão cessou seu vôoinquieto para se empoleirar numa rocha perto de uma fenda do lado damontanha.

Tarek se perguntou se aquela era outra ilusão. Uma armadilhatalvez. Porém, não viu nenhum outro caminho.

—  Pelo Profeta... —  resmungou, com a inquietude instintiva deguerreiro por lugares assim. —  Não podia ser no aberto, na praia láembaixo ou no alto da montanha. Não, havemos de viajar por dentro damontanha!

O falcão piscou para ele e arrepiou as penas, impaciente. O felinoo encarou.

Tarek tirou a espada da bainha, a outra mão a se fechar sobre o

talismã no cinto. Nínian o avisara de três desafios que deviam serenfrentados se ele fosse em busca do Graal.—  Que comece! —  E, solene, empunhou a cimitarra à frente,

inclinando a cabeça para entrar na cavidade.E descobriu que não era, afinal, uma caverna, mas a abertura para

uma passagem que conduzia ainda mais fundo para dentro damontanha.

Mal havia espaço suficiente para ficar de pé ereto, não mais queum braço de distância de cada lado, e a escuridão ameaçadora à frente.

Contudo, em torno dele, a passagem era estranhamente iluminada porincontáveis luzes minúsculas espalhadas pela face das pedras, quepermitiam ver adiante.

 A pantera enroscou-se nas pernas de Tarek. Ele sentiu seu calorpelas calças e botas molhadas. Aquelas luzes minúsculas luziam emseus olhos verde-dourados. Tarek sentiu o toque das asas do falcão aovoar para dentro também.

Havia inúmeras curvas e contornos, e então a passagem terminounuma parede. Nenhum caminho adiante e nem em torno. Apenas aescuridão que se fechava, bloqueando toda luminosidade na passagempela qual acabara de seguir.

"Você enfrentará três desafios, guerreiro. Ao chegar mais perto, asTrevas tentarão impedir que você encontre o Graal."

Tarek comprimiu as mãos contra a parede e empurrou-a com todoseu peso. Era sólida, feita de fila sobre fila de pedras cortadas, eirremovíveis. Pelo que podia ver, não era ilusão.

—  O primeiro desafio! —  Bufou, tentando enfiar a espada sob aborda de uma pedra, depois de outra, na parede, na esperança de soltaruma.

Tentou encontrar uma que talvez se movesse, uma pedra-chave,como na passagem do quarto de Brianna em Inverness. Contudo, não

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achou nada, apenas mais pedras recobertas com estranhas linhas emarcações. Como as runas antigas sobre as quais Brianna lhe explicara.

Na débil luz ali dentro, ele viu marcações na face de cada pedra na

parede formando um padrão distinto que se repetia em conjuntos de trêse de lado a lado, de cima a baixo, em cada fila. Tinham certasemelhança com o jogo que jogara contra Malcolm. Punhal, espada,escudo.

— É um jogo de rapidez, agilidade e memória — Brianna explicara.—  Se fizer um movimento em falso, você perde uma arma para seuoponente. Se perder todas as três armas, perderá o jogo, e assim deveráenfrentar seu oponente.

Os Anciãos tinham criado o desafio para qualquer um que pudesse

tentar entrar e procurar o Graal. Mesmo que Tarek fosse bem-sucedidonaquele desafio, que outros haveria adiante? A cada momento que se demorava, tinha consciência daqueles

grãos de areia correndo pela ampulheta. O tempo transcorria.Estudou as marcas antigas, registrando o padrão na memória: a

marca da terra, do fogo e da água. Depois comprimiu a primeira pedrano primeiro padrão na fila de baixo, que recuou um pouco, mas a paredecontinuou firme no lugar.

Comprimiu a segunda pedra no segundo conjunto. Nada. E uma

terceira no último conjunto. Essa moveu-se também. Pressionou umapedra na segunda fila, mudando a seqüência em um. Para sua surpresae frustração, ela não se mexeu.

Estudou o padrão de desenhos mais uma vez. Deveria estar certo.O padrão se repetia numa seqüência definida sem variar nem mesmoum signo. No entanto, nenhuma das três pedras no primeiro padrão dasegunda fila se mexeu. Repassou a seqüência de novo, com os mesmosresultados. E, no processo, mais tempo perdia.

— Como posso saber o que é isto?! Não há nenhuma lógica nopadrão. Nada neste maldito lugar é o mesmo! — Então, recordou-se dopanorama inusitado e da margem do lago.— É tudo diferente!

Sua mente aclarou-se. Tudo era oposto àquilo que fora da primeiravez que Brianna o levara até ali. Como olhar para uma imagem numvidro espelhado que ele vira certa vez no império do Oriente: tudo o quese via no vidro era o reverso do original.

Estudou o padrão na parede. Se ele era inverso, então cada filadevia também estar invertida.

Recomeçou, pressionando as três pedras originais na fila debaixoe depois, na próxima fila, começou na ponta oposta à escolha anterior e

comprimiu a pedra. Ela se moveu.

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Sua próxima escolha foi feita da mesma maneira dentro dopróximo padrão: uma imagem de espelho daquela escolhida na primeirafila. Também se moveu. E aquela do terceiro padrão, idem. Seguiu para

a próxima fila.Devia pensar em opostos completos, criando a imagem na mente e

depois invertê-la como se refletida num espelho. Moveu as pedras paratrás com rapidez crescente, até que empurrou a última.

 Assim que pressionou a última pedra, ouviu um som rascante, e aparede inteira foi para trás, abrindo-se para uma imensa caverna.

Perdera tempo valioso na parede. Assim, entrou depressa nacaverna, com a espada em riste.

 A pantera estava a seu lado. O falcão voou adiante, mas voltou de

imediato, em direção a ele, com súbita urgência. Quando Tarek recuou,sentiu a fria rajada de ar na face. Por instinto, agarrou o colar de pêlosdo pescoço do felino, puxando-o para trás.

Não mais que palmos à frente e no exato lugar onde ele teriacolocado o próximo passo, o chão da caverna desintegrou-se. Como napassagem, a luz reluzia nas paredes. Ao alto, avistou o falcão voandoem pequenos círculos. Se não fosse pela ave, teria afundado para amorte, talvez levando a pantera junto consigo.

 Aquelas paredes também brilhavam com milhares de luzes

minúsculas. Em contraste, a expansão sem fundo se estendia escura eperigosa adiante dele, exceto por uma trilha de rochas, como estrelas,que levavam rumo ao alto do parapeito, do lado oposto. A parede, comsua fila sobre fila de pictogramas antigos, fora o primeiro desafio. Seriaesse então o segundo?

O primeiro degrau estava a uma boa distância do parapeito. Osegundo em igual distância além daquele, e depois outros. Parecia nãohaver nada a apoiar as pedras. Apenas a escuridão que se escancaravaabaixo.

Não existiam outros meios de se chegar ao outro lado. Nempoderiam voltar, pois mesmo naquele instante Tarek sentia as Trevas aoredor. Seria aquele um desafio dos Anciãos? Ou um truque das Trevas?

Por várias vezes o falcão voou pela extensão da caverna para ooutro lado e retornou, indicando que aquele era o rumo a ser seguido.

Tarek era um homem de pouca fé. Por isso. jogou um pedregulhono primeiro degrau, que não desapareceu num vácuo de escuridão eilusão, mas bateu e rolou pela pedra.

Ele não estava muito disposto a saltar para o primeiro degrauapenas para descobrir, quando estivesse lá, que não passava de uma

ilusão, antes de ser arremessado para a morte.

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— Fique!— ordenou ao felino, não querendo pôr em risco o animalaté que soubesse o que enfrentava.

Segurou a espada no cinto, os dedos a roçar o talismã de boa

sorte de Nínian. Então, focalizou toda sua concentração no primeirodegrau, recuou vários passos e saltou na corrida.

 Aterrissou sem dificuldade e focou a atenção na segunda pedra.Tornou a saltar e cobriu a distância. Ao se virar para a terceira pedra, viuque a pantera o seguia, saltando na primeira pedra.

Em torno, conforme ele continuava, podia sentir a rajada fria de ar,um constante lembrete da morte que o aguardava, se ele fizesse umúnico cálculo errado ou desse um passo em falso.

O felino não parecia incomodado com tais preocupações da lógica

humana, mas continuava a seguir com espantosa facilidade. Porém,após terem passado por mais de uma dúzia de degraus, Tarek teve aimpressão de que não se achavam mais próximos do lado oposto dacaverna.

Tarek olhou para onde tinham começado. O caminho pelo qualvieram parecia idêntico àquele que seguia em frente. Não apenas isso,mas havia agora trilhas adicionais de degraus de pedra conduzindo auma dúzia de direções diferentes. Para onde ir?

 A pantera se postou a seu lado. Parecia sentir sua incerteza e

inquietação. Em algum lugar ao alto, o falcão tentou guiá-los.Tarek viu-o em doze lugares, cada um idêntico ao outro, ediscerniu depressa que o que via era a imagem refletida dúzias devezes, assim como as doze diferentes escadas de pedra que orodeavam. Como se uma dúzia de espelhos refletisse as imagens.

Ilusão e ardil. Sentiu as Trevas ao redor deles. Viu-a em dúzias delugares, fechando-se, tentando destruí-lo com um único passo em falsoque o lançaria para a morte.

Qual, porém, era o verdadeiro falcão e qual a ilusão? Qualconjunto de degraus era falso, e qual o real?

Sua mão enterrou-se no pêlo do pescoço da pantera mais umavez, para impedir que desse um passo fatal. Devia haver um jeito dedeterminar o que era de verdade e o que não era, pois não podiam nemir para a frente, nem para trás. Estava impotente, preso numa armadilha.E Brianna também.

Desesperado, tentou pensar num meio de saber o que era apróxima pedra. Trouxera apenas a espada e o pequeno punhal preso nocinto.

Lembrou-se do aviso profético de Nínian, de que as armas em que

costumava confiar seriam de pouca utilidade. A seu lado, o felino ficavamais e mais impaciente.

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Tarek tirou o punhal e amarrou-o na ponta do cinto. Então,segurando pela outra ponta, lançou-o para a pedra mais próxima. Alâmina passou por ela. Era uma ilusão.

Por duas vezes mais, repetiu o gesto. Na quarta tentativa, o punhalretiniu ao se chocar com a pedra verdadeira. Recolhendo o cinto, saltourápido para lá. A pantera o seguiu.

 Assim que a alcançaram, a ilusão mudou, imagens se alterandoem torno deles, forçando Tarek a começar todo o penoso processo denovo.

—  É muito lento! —  resmungou por entre os dentes. —  Nesseritmo passará uma eternidade antes que eu tenha dado cinco passos.

Quantas pedras a mais restavam no caminho verdadeiro? Não

tinha idéia. Ao alto, o falcão também parecia sentir a urgência crescente.Tarek ouvia seus pios frenéticos e via sua imagem numa dúzia delugares.

O vôo tornou-se mais agitado. Rumou para o topo da caverna, adúzia de imagens todas convergindo para um único ponto. Então, todasaquelas imagens afundaram de repente ao mesmo tempo, derrubandoas paredes espelhadas do ambiente numa perigosa velocidade.

"Três companheiros... Alguns sobreviverão, outros não."

Seus companheiros foram escolhidos pela sagacidade, força,velocidade e a capacidade de ver o que ele não podia. Enquantopreciosos momentos decorriam na ampulheta, Tarek só pôde olhar,incapaz de impedir o falcão, que voava direto para a parede.

 As doze imagens diferentes espatifaram-se numa chuva de vidroquebrado. O barulho era ensurdecedor, uma explosão de luz e som àmedida que a ilusão se destroçava numa avalanche de milhões defragmentos que luziam pelos lados das paredes e choviam para o fundoda caverna.

Em questão de segundos estava acabado, o reflexo sumira, e overdadeiro caminho se revelava diante deles. Tarek saltou depressapara a próxima pedra, a subir com firmeza para longe do ardil e da ilusãoem que as Trevas tentaram enredá-lo.

 A pantera o seguiu, a saltar com facilidade de pedra em pedra,atrás dele. Quando Tarek chegou ao parapeito, diante de uma aberturana parede da caverna, o felino saltou a seu lado.

Dessa vez, o falcão não estava esperando para guiá-lo adiante.Sacrificara-se para salvá-lo.

Tarek sentiu o frio temor da dúvida. Tinha tanta certeza de que o

felino era a transformação de Brianna... E se estivesse enganado?'"Três companheiros... Alguns sobreviverão, outros não."

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 Agora, havia apenas um.

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apítulo XXIV

Tarek avançou pelo parapeito e olhou em torno da câmara que seabria diante dele.Era estranhamente iluminada com uma pálida luz azul que reluzia

nas paredes e nas formações espiraladas de rocha que se erguiam dosolo e caíam do teto acima.

Quando olhou para trás, as pedras tinham desaparecido, envoltasnaquela escuridão que parecia lançar-se para o alto conforme o seguia.

 Ao entrar na câmara, não houve nenhuma oportunidade deponderar sobre o próximo desafio da profecia de Nínian. Foi atingido porura golpe brutal que o jogou de joelhos e fez seus dedos soltarem aespada. A arma foi lançada pelo piso de pedra, a retinir. Um segundogolpe o pegou no ombro e o esparramou no solo.

Conforme seu atacante se aproximava, Tarek rolou depressa parafora do rumo do terceiro golpe, ergueu-se com esforço e girou para sedefrontar com o próximo embale. Seu oponente era alto e deconstituição poderosa, o corpo protegido por uma couraça negra demetal e placas de proteção nas pernas, a cabeça enfiada num elmonegro. Segurava um machado de guerra diante dele. Um guerreiroformidável, não confiava nem na agilidade nem na velocidade, mas na

força bruta ao se postar entre Tarek e a espada, que jazia a não mais dedoze passos além, no chão da caverna. Se pelo menos ele pudessealcançá-la...

Tarek atirou-se ao solo. Aterrissou com um gemido de dor e rolouvárias vezes. Ao pegar a cimitarra na última volta, levantou-se depressa,antecipando o próximo golpe. Em vez disso, ouviu um rugido feroz.

 A pantera pulara das sombras onde se agachara direto para acabeça do guerreiro. Garras mortais rasgaram a carne exposta dosbraços poderosos, enquanto enterrava os dentes em seu ombro.

Ele berrou em agonia, o braço ensangüentado, e tentou livrar-sedela. Por fim, conseguiu. O animal rolou, saltou de pé e agachou-se parase lançar de novo. Quando atacou, o guerreiro girou o machado deguerra num arco reluzente.

 A lâmina apanhou o animal no ventre vulnerável, afundando,enquanto as garras da pantera lhe arranhavam o antebraço. O animalrosnou, um som doloroso e agonizante, quando o guerreiro cambaleoupara trás sob o peso do ataque e livrou-se das unhas afiadas.

O felino aterrissou com um baque surdo e não se moveu. Então, o

guerreiro virou-se, a boca curvada num sorriso mortífero sob a proteçãode nariz do elmo.

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—  Agora enfrentaremos um ao outro, guerreiro. —  O machadogotejava de sangue diante dele.— Até a morte.

 Antes que o desafio fosse completado, Tarek desferiu o primeiro

ataque.— Maldito seja você no inferno!Um ardor sanguinário queimava dentro dele, à vista da pantera

caída, o sangue a ensopar o pêlo de pontas prateadas do corpo semvida.

 Atacou outra vez e outra, a investir, a bloquear os contragolpes edepois a dar cutiladas sucessivas. Não sentiu nenhuma das investidasdo oponente, ao se mover numa distância segura, desviando-se de umataque que poderia ser fatal, e então trazendo a espada num giro em

outra cutilada.O guerreiro defrontou-se com ele a cada ataque, porém a falta derapidez e agilidade começou a influir quando, mais e mais, Tarekinvestia, sedento de sangue para aplacar a onda de ódio querequeimava em seu peito.

Brianna, perdida! Morta! Sacrificada para lhe salvar a vida!Tornou a atacar. E de novo, sem mesmo ouvir o tinir de metal

contra metal conforme empurrava o guerreiro para trás, e ainda maislonge com a força da raiva, do ódio e da vingança.

O guerreiro cambaleou sob o golpe seguinte. Começou a vacilar emostrar sinais de fraqueza, enquanto mais e mais força era necessáriapara erguer o machado de guerra e contra-atacar cada nova investida.Fraquejava, cedendo terreno, tentando achar um ponto de vantagemmelhor, sem encontrar nenhum, descobrindo que não havia nada quepudesse fazer a não ser enfrentar cada novo golpe ou ser abatido.

Por fim, tropeçou. Um guerreiro mais ágil poderia ter se recobrado.Todavia, seus movimentos se tornaram toscos, e ele estavasobrecarregado pela armadura de proteção e pelo tamanho.

Caiu, atingido por golpes sucessivos, quase incapaz de evitar serrasgado em pedaços. Ao erguer o machado de guerra para proteger-se,seu elmo caiu para trás, o golpe seguinte a pairar sobre sua cabeça.

Tarek olhou incrédulo para o guerreiro que jazia a seus pés, e que,no momento seguinte, seria morto sob sua espada. As feições morenasque aludiam a ancestrais persas se fecharam, os ossos angulosos dorosto ficaram tensos, a boca severa era um risco rígido, e os espantososolhos azuis, tão claros como um fiorde do norte, luziam de ódio.

Tarek al Sharif olhou para o homem que estava prestes a matar.Ele próprio!

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Hesitou, a espada suspensa para o ataque. Por mais impossívelque fosse de se acreditar, aquele diante dele, com a mão erguida parase proteger, tinha suas próprias feições.

Que ardil era aquele? Uma ilusão fazia parecer como se eleolhasse para um espelho e visse o próprio reflexo?

Porém, aquilo não era reflexo. Embora as feições fossem idênticasàs suas, o traje era diferente, assim como a arma do guerreiro. E apostura, esparramada no chão de pedra da caverna, não era tambémum reflexo.

Ilusão ou ardil? Fosse o que fosse, a surpresa proporcionou umavantagem momentânea ao adversário.

Tarek foi lento ao reagir quando o guerreiro trouxe o machado para

cima e atingiu a ponta de sua espada. Ele saltou para trás, para além dogolpe mortal daquele machado de guerra, e o guerreiro ficou de pé,desferindo um novo ataque.

 Ao contra-atacar, Tarek livrou-se da incerteza de olhar para simesmo.

O guerreiro mantinha-se fora da distância de uma cutilada e giravao machado de guerra para atacar. Suas feições antes escondidas foramreveladas no jogo de sombra e luz da câmara. Lutava com renovadovigor ao empurrar Tarek para trás. E mostraram feições diferentes.

"Mardigan!"Tão grande foi a surpresa de Tarek que ele mal conseguiu seesquivar do golpe seguinte. Então, foi quase lançado de joelhos peloincansável bater daquele machado de guerra. A expressão de Mardiganera feroz e triunfante com a vitória que sentia estar perto.

Tarek desviou-se dos ataques, lutando para ficar de pé, à medidaque se esforçava para entender a transformação. Uma verdadepermanecia, porém. Qualquer que fosse a face que seu adversáriousasse, ele era responsável pela morte de Brianna.

 A raiva e o sofrimento focaram-se na concentração de Tarek e nopoder por trás de cada investida. Empurrou Mardigan para trás.

Lutava incansavelmente, além do ponto de exaustão, até que nadamais sentia, a não ser ira, ódio e a dor por aquilo que fora tirado dele:Brianna.

Mardigan tropeçou, caiu de costas e levantou-se. Porém, foi lentoao se recobrar, e a próxima investida já estava ali, a empurrá-lo paratrás, os golpes a se sucederem na couraça de metal, rompendo asgrossas almofadas de couro dos antebraços, até que o sangue escorreude uma dúzia de diferentes feridas.

Quando ele ergueu o machado de guerra outra vez, Tarek trouxe aespada para baixo, rumo ao ombro, que penetrou pelo couro. A couraça

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pendeu e expôs a carne vulnerável do peito, e um reluzente medalhãodourado.

Tarek girou a espada para a próxima investida fatal, tendo diante

de si a imagem de uma cabeça de dragão gravada em relevo noreluzente metal amarelo, idêntica à do medalhão dado, anos atrás, a umgarotinho. O único legado do homem que o gerara, e depois abandonara

 Asmari para uma vergonha com a qual ela não conseguira viver.Por mais de vinte anos, Tarek usara um medalhão idêntico. Por

incontáveis impérios e incontáveis guerras, procurara um guerreiro vikingde olhos azuis que usasse aquele medalhão como um emblema defamília ou o xadrez de cores de um clã.

Por igual tempo, jurara matá-lo: a seu pai. E agora, numa cruel

reviravolta da sorte, o homem que era responsável pela desgraça emorte de Asmari tornou-se também responsável pela morte de Brianna.Postou-se com a espada suspensa para atacar. Agarrou o punho daarma com tanta força que suas mãos tremiam. O ódio se esparramoupor dentro dele, toidando-lhe a mente, o coração e a alma, enchendo-ode uma raiva insana e de um único pensamento, um único desejo: amorte de Mardigan.

"Medo e ódio são as armas das Trevas." As palavras de Nínianressoaram em seu íntimo como se ela estivesse a seu lado e as

pronunciasse.— Maldita seja! — Tarek murmurou, furioso, como se ela pudesse

ouvir.E como se Nínian tivesse escutado, a resposta veio sussurrada:— A maior batalha que irá enfrentar, guerreiro, não será combatida

com uma espada. Você deve escolher com sabedoria.Com um feroz grito de guerra, Tarek trouxe a espada para baixo

num poderoso arco mortal.

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apítulo XXV

Mardigan gritou quando a lâmina retalhou seu ombro direito, omachado de guerra caindo de seus dedos.— Esse foi por Asmari — Tarek lhe disse. — Um presente do filho

dela! — Então, arrancou o medalhão que usara por mais de vinte anosno pescoço e o arremessou para o guerreiro ferido.

Mardigan estendeu a mão, e seus dedos ensangüentadospegaram a jóia. Sua respiração era entrecortada, a expressão de seusolhos cheia de incredulidade. Quando encarou o adversário, aquele olharcom tonalidade idêntica de azul, encontrou os olhos de Tarek.

— Você é o filho de Asmari? Até aquele momento Tarek nem mesmo sabia se o pai conhecia o

nome da bela cativa persa que raptara em Antioquia e por quem depoispedira resgate ao emir.

O rosto de Mardigan, uma mistura de tristeza, choque eincredulidade, aos poucos deu lugar a uma nova agonia, e trouxe quasetanta satisfação quanto poderia ter sua morte.

— Meu filho? — Mardigan o fitava com uma dor infinita. Então, umlento sorriso forçou caminho pela dor. — Eu tenho um filho! Você temminha marca na cor de seus olhos e em sua força. Eu deveria ter sabido.

Deveria ter visto.— Lutou para ficar de pé.Durante todos aqueles anos, Tarek quisera vingança por sua mãe.

 Aquilo o empurrara para a frente como uma obsessão, para encontrar oguerreiro viking que saqueara Antioquia e desgraçara uma filha desangue real. No entanto, mais do que qualquer coisa, queria ver medono semblante de seu pai. Queria que ele se agachasse a seus pés eimplorasse pela vida.

Percebia agora que jamais teria isso. Não daquele orgulhoso e frioguerreiro. Também se deu conta de como as forças das Trevas tinham

usado Mardigan. Usara-o da mesma forma, em todos aqueles velhossentimentos de amargura e solidão experimentados por um garotinhoque tinha perdido a mãe e nunca conhecera o pai. Usara seu próprioódio contra ele mesmo. E lhe tomara Brianna. Alguma coisa maisimportava?

— As Trevas não podem tomar de você aquilo que não entregarem rendição.

Mais uma vez, as palavras de Nínian pareciam ser sussurradas emseu cérebro. As Trevas não poderiam tomar aquilo que ele se recusasse

a ceder. Seus dedos se fecharam em torno do talismã. Arrancou-o docinto, aninhando-o entre os dedos. As facetas do cristal faiscaram na luz

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cambiante. A raiva acalmou-se em uma dor surda, como se o simplestoque do talismã aliviasse a ira.

— Você não me matará — Mardigan disse com satisfação, seus

olhos luzindo com a certeza disso. —  Não pode tirar a vida de seupróprio pai.

Tarek suspirou.— Tem razão — disse, a amargura e a raiva dando lugar a uma

indiferença que ele não teria julgado possível. Baixou a espada eempurrou o guerreiro ferido para longe de si.— Sua morte não tem maisnenhum significado para mim.

 Apertou mais o cristal. O único sofrimento vinha ao pensar emBrianna.

— Não importa o que aconteça, você deve encontrar o Graal.Tarek não encontrou nenhum conforto nas palavras finais deNínian, apenas uma sensação de finalidade e propósito. Não sabia porque isso importava mais, agora que Brianna estava perdida para ele.Porém, fizera um juramento e iria mantê-lo.

— Não pode me deixar assim! — Mardigan gritou. Como Tarek nãodeu resposta, virando-se para deixar a câmara, ele praguejou comferocidade:

—  Essa não é a maneira de um guerreiro morrer! Não serei

deixado deste jeito! Está me ouvindo? Você é meu filho! Eu o proíbo deme abandonar agachado no chão, com meu sangue a escorrer! Se nãoquer me ajudar, então exijo que me dê os meios para terminar com issodepressa!

Tarek girou para trás, o olhar tão gélido como um iceberg. Suaexpressão era sombria ao encarar o bárbaro que o gerara. Meneou acabeça, devagar.

— Eu o deixo como você deixou minha mãe, Mardigan. Pode viverou morrer, essa é sua escolha. Mas, até o momento de sua morte, queroque se lembre do destino que deu a ela, e que eu lhe poupei a vida paraque pudesse recordar isso. Essa será minha vingança contra você, e asatisfação de lhe negar uma coisa que queria mais do que qualqueroutra: um filho.

E Tarek deu-lhe as costas, saindo dali, ignorando os berros iradose as pragas ferozes que ecoavam atrás de si, ao seguir por outrapassagem que se erguia pelo centro da ilha.

 Acompanhou aquela reluzente e pálida luz azul pelos padrõescambiantes das Trevas, com as pragas de Mardigan a ecoar atrás, otalismã de Nínian fechado com força na mão. Sem aviso, a passagem

terminou numa entrada para uma imensa gruta.

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 Antes que a criatura desferisse outro ataque esmagador, Tarekdeu um impulso forte para cima. Emergindo, arrojou-se para fora daágua ao mesmo tempo que o ataque seguinte o jogava contra o lado do

monólito. As beiradas afiadas da rocha cortaram-lhe as palmas quandolutou para subir pelo lado da pequena ilha até a base do monólito decristal. Quando a criatura irrompeu pela superfície, Tarek sacou aespada e virou-se para enfrentá-la.

Era imensa, e avançava sobre ele, a cabeça larga suportada porum pescoço longo e esguio do tamanho de um tronco de árvore. O corpomaciço mal saíra da água, a longa cauda a se arquear conforme semovia com surpreendente agilidade. Porém, acima da superfície, eralenta de movimentos, forçada a confiar na força brutal, em vez da

rapidez.Era coberta de escamas, com enormes nadadeiras a revolver aságuas, conforme girava aquela cabeça maciça como um aríete dedemolição. Ao virar em sua direção, Tarek saiu da trilha do golpe edepois atacou com a espada.

 A lâmina curva deslizou através das escamas e do tecido espesso.O ser berrou de dor, aquela cabeça enorme a chicotear de um lado aooutro. Quando tornou a atacar, Tarek investiu de novo com a espada,enterrando-a fundo no pescoço do animal. Puxou a lâmina para libertá-la

e saltou para as rochas na base do monólito, e se arrastou paraencontrar um apoio melhor.Quando a criatura deu um bote, ele se esquivou sobre as rochas

escorregadias e abriu um novo ferimento pelo olho feroz do animal,cegando-o. O bicho urrou de dor e sacudiu a cabeça para trás e para afrente, agora com apenas um olho a enxergar. Seus berros dolorososecoavam na gruta, quando mergulhou mais uma vez.

 A água tornou-se calma, a superfície, lisa como um espelho.Nenhum movimento vinha das profundezas.

Tarek esquadrinhou as águas, cauteloso. O golpe não fora fatal. Acriatura continuava viva, ele tinha certeza. Era um truque, e Tarek se pôsa imaginar com o que as Trevas iriam confrontá-lo a seguir. Enquantoisso, estava ciente de que o tempo se esgotava.

No topo do monólito de cristal, o Graal esperava em douradoesplendor. Quando Tarek escalou as rochas, ouviu a água se revolverconforme a criatura retornava. O ataque alcançou-o nas costas e oderrubou nas rochas. O ar foi expulso de seus pulmões. O talismã decristal que Nínian lhe dera se esmagou em sua mão.

Tarek se recusara a crer que aquilo possuía alguma magia. Mesmo

assim, era tudo o que lhe restava. Agora, ele também se fora.

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Rolou e ficou de pé e levou a cimitarra para cima ao se voltar paraenfrentar a criatura mais uma vez.

—  Não tenho medo de você! —  Seu olhar perscrutou a gruta,

correndo pela superfície.— Venha e nós terminaremos isso agora!Girou na direção oposta, a espada erguida à frente. Porém, apenas

sua própria voz ecoou, e ele viu apenas a bruma, que serpeava em tornodo monólito de cristal.

Deu um passo atrás, cauteloso, espada ainda à frente, conforme anévoa se condensava, aumentava e se fechava em torno dele. Roçou-lhe o rosto, cálida como uma carícia.

Tarek girou em torno, procurando enxergar através da mortalha denevoeiro que envolvia tudo, tornando impossível ver a mão diante da

face, e também impedindo que a criatura o visse.Ouviu o animal a se debater na água, a procurar por ele, os sonsamortecidos por aquela nuvem de bruma. A água batia na ilha rochosaconforme o animal passava ali perto, e contudo não conseguia achá-lo.

De novo ele sentiu alguma coisa, quente e terna como um toquede mão, em seu ombro. Virou-se depressa, espada em punho,imaginando que novo jogo as Trevas preparavam.

 A princípio, não viu nada. Então, a bruma aos poucos revolveu-see serpenteou, reunindo-se em longas faixas e gavinhas, como os fios

sedosos de uma crisálida a envolver uma figura esguia que começava atomar forma: cabeça, corpo, braços e pernas, até chegar à formahumana.

 A criatura da névoa ergueu a cabeça, como a de uma borboleta aemergir daquele casulo sedoso, enquanto o resto da névoa se dissipavaaos poucos.

Os cabelos de um loiro claro se espalhavam sobre seus ombrosdelicados e emolduravam belas feições frágeis. Os olhos se abriramdevagar. Eram da cor das sendas das Terras Altas.

De espada na mão, Tarek recuou, exclamando:— Que truque é esse?!Brianna estendeu a mão para ele, mas encontrou o caminho

bloqueado por aquela lâmina mortal.— Não é nenhum truque, meu querido. Estou mesmo viva. — De

novo procurou tocá-lo, mas Tarek não permitiu, nivelando a ponta daespada ao coração dela.

— Isso não é possível. Eu a vi morrer.—  Viu o que era necessário para proteger a verdade. Eu lhe

asseguro, sou muito real. — Mais uma vez estendeu a mão. — Toque-

me e saberá que sou de verdade.— Ou uma criatura das Trevas?— sugeriu, sem se convencer.

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— Jamais! — afirmou, com veemência. — Deve acreditar em mim.Estamos desperdiçando tempo precioso.

— Se não é uma criatura das Trevas, como é possível que você

esteja aqui? Meus companheiros estão todos mortos.Ela assentiu.— Sim, você perdeu três companheiros e acreditou que eu fosse

um deles. Esse foi o ardil. Não poderia ser de outro modo. Pois, se vocêsoubesse a verdade, também as Trevas saberiam, e eu nunca poderiater chegado a este lugar. — Sua voz tornou-se mais terna: — Você metrouxe aqui, no cristal que Nínian lhe deu.

Tarek sentiu os minúsculos cortes na palma da mão do cristalquebrado, enquanto as palavras de Nínian ressoavam em sua cabeça:

"Alguns sobreviverão, outros não..." "O cristal contém o poder maior queeu podia enviar com você..."Brianna. Oculta em segurança dentro do cristal, enquanto ele fora

levado a crer que ela se transformara em uma das criaturas que oacompanhavam.

"As Trevas não podem tirar de você aquilo que não lhes entregarem rendição."

Tarek a segurou pelo pulso com um aperto poderoso. Briannapestanejou como se de dor, porém ele não se convenceu. Aquilo

também poderia ser uma ilusão das Trevas.Rorke FitzWarren certa vez se confrontara com uma criatura tãobela que ele a princípio pensara ser lady Vivian, nas catacumbas sob afortaleza de Londres. No entanto, ela era um ser de ilusão e trevas, semuma alma, mandada para iludi-lo e destruí-lo.

E quanto a Mortain e seus homens? Aqueles que tinham cavalgado com ele eram ilusões das Trevas,

criaturas sem alma com morte nos olhos, que ao serem destruídasmurcharam e foram reduzidas a pó. Nenhum sangue humano corria poraquelas veias, nenhum coração mortal batia dentro daqueles peitos.

Tarek levou a ponta da espada para cima e comprimiu-a contra agarganta da criatura que dizia ser Brianna. Se fosse real, então elesaberia. Porém, se fosse um ser do mal, cumpriria sua promessa aNínian.

Como se lesse seus pensamentos, Brianna o encarou, destemida.Não havia nenhuma escuridão em seu olhar quando encontrou o dele,nenhuma sombra do mal luzindo ali.

Os olhos eram claros, de um verde brilhante, e abertos para a almaquando Brianna colocou a outra mão sobre a dele no punho da espada e

por vontade própria inclinou-se para aquela luzidia lâmina mortal.— De todas as maneiras seremos unos.

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Quando ele tentou puxar a espada para longe, ela comprimiu aponta com mais força. Uma única gota de sangue escorreu pela lâmina,enquanto Brianna repetia os votos de casamento que tinham

pronunciado um para o outro: uma lembrança que ambos partilhavam:— Uma vida — ela murmurou —, um coração, uma alma, por toda

a eternidade.Tarek arrancou a cimitarra e a trouxe contra si. Seus dedos se

enterraram naqueles cabelos. Torceu-os no punho ao inclinar-lhe acabeça para trás e olhar dentro de seus lindos olhos verdes.

— Você é real!— exclamou, emocionado.— Sim, milorde...Qualquer outra palavra foi sufocada sob o beijo de Tarek.

 A boca que se abriu sob a dele era terna e doce, cheia de ânsia epaixão.Quando o beijo terminou, ele riu. Um som que era parte agonia,

parte incredulidade, e não apenas um pouco de raiva.— Um ardil de Nínian! Amuleto de boa sorte! — Fez um esgar. — 

Vou dar-lhe o troco por isso.— Foi meu ardil também, querido, mas não importa pensar nisso.

O tempo fica cada vez mais curto. Temos de nos apressar. Meuspoderes devem se juntar àqueles do Graal, e depois deveremos deixar

este lugar antes que seja tarde.Conforme ela falava, a pequena ilha rochosa moveu-se a seus pés. A água continuava a subir. A entrada da caverna estava quase lacrada.Um vento poderoso surgiu como uma condensação de tempestade. Soba superfície, a criatura retornou, seus movimentos violentos a provocarondas que varriam a ilha.

Tarek virou-se para enfrentar a criatura, procurando solo mais altoconforme a ilha continuava a desaparecer sob a água. Ao redor, a grutaparecia estar se desintegrando. A luz pálida que brilhava nas paredes foisendo engolida pelas sombras negras. Pedaços de rocha caíamenquanto as paredes desabavam.

— Detesto lugares assim. — Tarek ergueu a espada, pronto paraenfrentar o animal.

— Você não pode detê-lo! — Brianna gritou, acima da tempestadecrescente que se formava dentro da gruta, enquanto as Trevas reuniamenergia para impedir que ela chegasse ao Graal.

— Não — ele admitiu, ao se recordar de como a água e a criaturaem suas profundezas tinham se apossado de Siroco. — Todavia, ele nãopode ir atrás de nós dois ao mesmo tempo.

E Tarek empurrou Brianna para trás de si, quando outra ondalavou a ilha, impelida pela força poderosa da criatura.

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— Agora!— ele gritou, quando a criatura irrompeu da água.Tarek a atraiu, enquanto Brianna escalava as rochas, rumo ao

monólito de cristal.

Vento e água rodopiavam em torno da ilha, e a tempestadecrescia. As Trevas desencadeavam todo seu poder.

 A ventania chicoteava Brianna e a puxava para baixo. Uma ondaalcançou-a e arrastou-a para a escuridão revolta das águas.

Brianna sentiu que não fazia sentido lutar. Sua força mortal não erapáreo para a das Trevas. Em vez disso, usou a energia da tempestadeque se criara.

Voltou seus pensamentos para dentro de si, para aquele lugar emseu âmago onde seus poderes recém-descobertos vibravam. Quando a

tempestade vergastou o monólito de cristal, ela se transformou mais umavez. A bruma subiu das rochas enquanto a tempestade explodia sobre

a minúscula ilha. Chicoteou o cristal, tentando engolfar a luz douradaque luzia em torno do Graal. A névoa foi impelida para cima, carregadapelo vento, e se enrolou como uma serpente em volta do cálice sagrado.

Um som ensurdecedor explodiu na gruta, uma violência de raivatão poderosa que afogou o rugir do vento quando o poder do Graal seuniu ao de Brianna.

O animal revolveu-se com violência no lago, provocando ondasque arrebentavam sobre a ilha, e a água continuava a subir. Sob os pés,Tarek sentiu que a rocha se partia. Gritou um aviso para Brianna, masnão houve resposta.

Quando o bicho ergueu-se, ele levantou a cimitarra e o enfrentou.— Venha provar o doce gosto desta lâmina, seu fruto das Trevas!

 A criatura atacou, e ele se desviou daquelas poderosasmandíbulas, afundando a espada bem fundo no pescoço compacto doanimal.

 A besta se retorceu e se contraiu, sacudindo a cabeça ao redor,em agonia. De novo, ele enterrou a espada.

 A bruma começara a se reunir e se fechar em torno da ilha.Ondas varriam as pedras quando Tarek rastejou para o topo. O

monólito de cristal e o Graal tinham desaparecido. O pouco que restavada ilha sumia rápido, conforme afundava sob as ondas. E Briannatambém se fora.

Teria se transformado e escapado de alguma forma? Tarekencontrou conforto naquela possibilidade, ao ouvir o animal a chafurdarna água, muito mais perto agora.

 As paredes da gruta esboroavam. A escuridão fechou-se sobre ele. Ao levantar a espada para se defrontar com o animal pela última vez,

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apegou-se a uma lembrança: Brianna, como a vira ao lado de um lago,tempos atrás. Uma criatura da luz do sol e da bruma, que estendera amão para ele.

Quando o bicho atacou, a ilha explodiu num brilhante relâmpago. ETarek foi tragado pela luz.

O sol irrompera entre as nuvens. A água estava lisa como vidro. Ocalor do sol na superfície da lagoa levantava uma névoa suave, que seespalhou pela superfície e sobre a margem. Tarek conhecia aquelelugar. Estivera ali antes. As Terras Altas perto de Inverness, mesesatrás. Fora ao mesmo tempo uma lembrança e seu último pensamentona gruta.

Ela apareceu do nada, esguia e graciosa como uma corça. Sua

face tinha o formato de coração, com uma pele sem manchas pelasmaçãs altas do rosto. Sua boca era cheia sobre um queixo pequeno efirme, os olhos de um espantoso e claro tom de verde.

O capuz de seu manto caíra para trás, em seus ombros, revelandouma linha de cetim verde tão brilhante como os olhos, e uma espessacascata de cabelos da cor dos raios do sol entre a bruma.

Estendeu a mão quando, devagar, pôs-se a caminhar na direçãodele. E, como fizera naquela manhã, tempos atrás. . Tarek tomou-lhe osdedos.

Ela era pálida, contudo cálida e forte, cheia de vida e do incrívelpoder da Luz da qual extraía seu poder.Brianna sorriu ao se aconchegar nos braços dele.—  Estive esperando por você —  murmurou, quando sua boca

encontrou a dele com uma feroz e doce paixão. —  Bem-vindo ao lar,guerreiro.

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Epílogo

Tarek postou-se no alto das ameias, seu olhar fixo na revolta águaacinzentada do estuário do Moray, ao largo da costa de Inverness. Além,ficava a fria e vasta expansão do mar do Norte.

— Quais as notícias?— perguntou, muito sério.—  Muitos dos homens de Mardigan preferiram fugir para mar

aberto em vez de serem feitos prisioneiros. Muitos pereceram. Seuscorpos foram lançados na praia.

Os pensamentos de Tarek se agitavam, tão sombrios e furiososcomo as ondas do estuário, pois não havia nenhuma menção daqueleguerreiro cujo destino ele mais queria saber.

— E aqueles que não se lançaram ao mar?—  Foram caçados. Não irão mais aborrecer o povo do país do

Norte.Com suas forças destroçadas e fragmentadas, e sem seu líder, os

invasores foram vencidos. Porém, era uma vitória vazia.—  E quanto a Mardigan? —  O nome saiu baixo da garganta de

Tarek, um som doloroso mesclado a um velho ódio.Gavin remexeu-se, desconfortável.—  Nossos homens vigiam o lago. Ninguém foi visto. Duvidamos

que tenha sobrevivido.No entanto, ninguém tinha certeza.Tarek fez um gesto de cabeça quando Gavin afastou-se para se

 juntar aos demais no salão abaixo, na celebração.Tarek não sentia nenhum desejo de celebrar. Não havia satisfação

alguma no resultado, apenas uma persistente sensação de algo deixadoincompleto.

Ergueu a cabeça quando um repentino calor foi trazido do ventofrio, como uma carícia que se movia por seus sentidos. Então, ouviu o

leve remexer de asas no ar.Uma sombra correu pelas ameias. Em seguida, uma calmaabsoluta reinou conforme os dedos da bruma envolviam os penhascosabaixo e se curvavam sobre as muralhas. O sofrimento e a iraaplacaram-se quando Tarek se virou e sorriu para a bela criaturadourada que caminhava em sua direção.

Brianna entregou-se aos braços dele.—  Como sabia que eu tinha voltado? Nem mesmo Thomas está

assim atento, e ele tem muitos anos de prática.

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Tarek puxou-a contra si, envolvendo-a no calor de seu manto. Elea teria puxado para dentro da alma, se pudesse. Talvez desse jeitoconseguisse banir a dor fria que parecia ter se assentado de uma vez ali.

— Sei sempre quando você está por perto. Posso sentir em meusangue.

—  Sim —  ela murmurou, com um arquejo súbito que não tinhanada a ver com a longa jornada que acabara de fazer. Seus olhosverdes faiscaram de desejo.

Ela riu de um jeito sensual, que reteve de repente quando as mãosde Tarek escorregaram por suas costas e Brianna esfregou os quadriscontra os dele. Seus olhos se toldaram e escureceram de paixão.

— Eu sinto também.

Tarek tomou-lhe a cabeça sob o queixo, conforme o frio sedissipava dentro de seu corpo, como a primeira brisa de primavera apósum duro inverno. Começava a acreditar que a primavera poderia surgirmesmo naquela terra gelada.

— Está feito?— Sim.— E o Graal?— A salvo com Merlin. Significou muito para mim vê-lo, agora que

as lembranças voltaram e eu sei quem são meus pais verdadeiros. — 

Lágrimas lhe marejaram os olhos.—

  Nínian pagou um alto preço portrazer-me esse conhecimento, pois não pode voltar, nem meu pai poderápartir para estar com ela, a menos que a maldição seja quebrada. Tudoo que lhes sobrou é o elo de seus pensamentos. Eu não conseguiriasuportar ter apenas seus pensamentos, Tarek, sabendo que talvez

 jamais viesse a tocá-lo de novo.— Não há algum jeito?—  Não enquanto a maldição persistir. Nem mesmo o poder do

Graal foi forte o bastante para quebrá-la. Meu pai estava tãoesperançoso que pudesse... Anseia por ela.

 A boca de Tarek se estreitou.— Então, não está terminado.— Não, não está. — Brianna ergueu a mão que enfiara nas dobras

do manto de Tarek. Nela, segurava um tecido enrolado, ricamentecolorido.

Tarek o reconheceu, pois o vira muitas vezes no tear no quarto deRorke FitzWarren, em Londres. Era a tapeçaria que Vivian vinhatecendo. Quando a desenrolou, a luz do sol infiltrou-se pelas nuvens ebrilhou nas imagens vividas na tapeçaria.

O calor se espalhou pelo tecido pesado como se a tapeçariaestivesse viva. Havia outras imagens também, sombras fugidias não

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tecidas que brincavam pela superfície, esquivas como os sonhos.Naquelas sombras tênues ele pensou ter visto algo familiar: o caos e adestruição de alguma grande batalha. Encarou Brianna.

Ela sentiu-lhe os pensamentos.— Vivian a viu também, Tarek. Essa é a razão pela qual mandou a

tapeçaria comigo.— O que significa?Seus dedos moveram-se sobre as imagens tecidas nos fios. A

batalha de Hastings, incontáveis guerreiros e cavaleiros, a mortepróxima de Guilherme, um valente cavaleiro a quem Tarek reconheceucomo sendo o amigo Rorke FitzWarren e a bela tecelã de cabelos ruivosque se sentava diante de um tear e girava as meadas do futuro. A

própria imagem de Tarek se achava lá também, junto com a de Briannae de um reluzente cálice dourado. O Graal.— Eis o porvir que temos adiante— ela explicou, solene.— Guerra— Tarek concluiu, com um peso no coração.— Sim, mas diferente de qualquer outra que tenha sido travada. A

batalha por toda a humanidade. Mesmo agora, as forças do mal sereúnem. Meu pai falou disso quando coloquei o Graal em suas mãos.

— Será travada nas Terras Altas? Antes, tudo o que Tarek queria era vingança. Agora, queria muito

mais. Mais tempo para estarem um com o outro, tempo para um filhoque prometera a Brianna. Uma criança nascida de pais amorosos quetinham feito juramentos um ao outro; uma criança com um lar e umafamília.

Brianna meneou a cabeça.—  Terminou aqui quando as Trevas perderam o Graal e seus

poderes. Agora, sua única esperança repousa no Oráculo dos Anciãos,através do qual ela pode se apoderar dos poderes da Luz.

— Onde esse Oráculo pode ser encontrado?—  De acordo com a lenda, nas terras do Oeste, onde Merlin

nasceu.Tarek aceitou sem discussão. Depois da batalha contra as forças

das Trevas na ilha do Graal, não mais duvidava do que estava em risco.— Darei ordens para que o exército se apronte. Partiremos para

Londres com as primeiras luzes. Rorke FitzWarren se juntará a nós, poisentende o perigo assim como eu. Precisamos encontrar o Oráculo.

Brianna pousou a mão em seu braço.— Isso não pode ser feito simplesmente, pois não é seudestino que está tecido entre os fios. É o destino de outro, e

apenas ele pode fazer a jornada e procurar o Oráculo.

8/20/2019 Quin Taylor Evans - Legado de Merlin 01 - Filha Da Bruma

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(CHE 232) Quinn Taylor Evans  –  Filha da Bruma

Brianna correu os dedos pela tapeçaria, para as últimas imagensque lady Vivian tecera, um presságio do futuro. Uma era de um guerreiro

 jovem e valente. O fogo e a paixão pela batalha queimavam em seus

olhos cor de âmbar. Usava uma armadura de guerreiro, mas o escudoque carregava não ostentava nenhum emblema. Em vez disso, era deum preto sólido e trazia uma inscrição em latim: Desdicado. Um homemsem honra e sem nome, nascido bastardo. Stephen de Valois.

 A imagem entrelaçada à de Stephen numa explosão de sombra eluz era de uma jovem esguia, com belas feições refinadas, os cabelos dacor do céu da noite e olhos violeta.

— Quem é ela?— Seu nome é Cassandra. E minha irmã.

Nínian falava de outra que poderia manter a esperança de umfuturo, se Tarek fosse incapaz de salvar Brianna dos poderes dasTrevas. Porém, havia dúvida, assim como uma grande tristeza em suavoz quando falara disso. Agora ele sabia a quem ela se referira. Mas acena estava incompleta.

—  E quanto ao resultado? Na certa lady Vivian o viu. Briannameneou a cabeça.

— É impossível a alguém saber com certeza. — Seus olhos verdesestavam cheios de tristeza. — Cassandra escolheu, tempos atrás, não

retornar ao mundo de Merlin. Não posso imaginar que ela não quisessevoltar. Embora eu não tenha conhecido minha verdadeira mãe e meu paipor tanto tempo, ainda assim tinha Cullum e Mirren.

Roçou os lábios de Tarek.— Mas não ter uma família, ninguém a quem se amou e a amou

em retribuição...Tarek compreendia muito bem. Cada um deles sofrera perda

semelhante, mesmo não sendo pela própria escolha. A dor dessa perdafora aliviada pelo amor que encontraram um com o outro.

Ele tomou Brianna nos braços, fechando o manto felpudo em tornodeles. Sentiu que ela estremecia.

—  A tapeçaria ainda não está completamente tecida, minhaadorada. Existe ainda o porvir. Talvez aquilo que foi perdido no passadopossa ser encontrado lá.

Brianna sabia que ele tinha razão, pois ambos haviam perdidomuito e depois encontrado um ao outro num futuro incerto. Ergueu amão do casulo quente que seus corpos faziam, comprimidos juntosdentro do manto, e traçou a curva da boca de Tarek com a ponta dosdedos.

— Sim, milorde— afirmou, rouca.

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Estremeceu de novo, mas por razões bem diferentes, quando asmãos dele correram pela extensão de sua espinha e empalmaram suasnádegas, ao puxá-la ainda mais.

Brianna cerrou as pálpebras e expulsou a escuridão que espreitavapara além das fronteiras de seus pensamentos.

— O porvir...— ela sussurrou, contra a boca de seu amado.

Fim