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Óticas para o Desenho, Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas TEXTOS PARA DISCUSSÃO PARA DEBATE CHAMADA Presidência da República Secretaria de Assuntos Estratégicos

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Óticas para

o Desenho,

Monitoramento

e Avaliação de

Políticas Públicas

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

PARA DEBATECHAMADA

Presidência da RepúblicaSecretaria de Assuntos Estratégicos

Óticas para o Desenho, Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas 2

Óticas para o Desenho, Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas

O desenho, monitoramento e avaliação de políticas públicas podem ser realizados segundo uma variedade de óticas. Provavelmente pressionados pelo grande déficit social do país, ao longo da última década, o desenho, monitoramento e avaliação de grande parte das políti-cas públicas têm centrado atenção apenas nos seus resultados mais imediatos. Assim, polí-ticas de formação profissional (PROEP, PRONATEC)1 ou de educação superior (PROUNI e REUNI)2 são desenhadas e avaliadas com foco apenas no número de vagas geradas e na qualidade dos cursos oferecidos. Políticas de transferência de renda como o Programa Bolsa Família (PBF) são debatidas com foco limitado em quantas famílias estão sendo atendidas e qual o valor que cada família recebe. A difusão de iniciativas de gestão pública por cum-primento de metas de resultados imediatos, a despeito de toda a sua importância para uma gestão mais transparente e eficiente, também contribui para focar a atenção do monitora-mento, com repercussões sobre a avaliação e o desenho, nos resultados mais imediatos e de mais fácil mensuração.

Como resultado do enfoque no alcance de resultados imediatos das políticas públicas, nossa capacidade de vislumbrar o caminho que a sociedade brasileira está trilhando, e onde gosta-ria de chegar com este, torna-se nebulosa. Um “passeio” pelos programas sociais menciona-dos anteriormente pode ajudar a clarificar e dar concretude a esta questão.

Dos resultados últimos - Programa Bolsa Família (PBF)

Num ambiente em que a extrema pobreza declina a taxas acentuadas, caminhando para a sua extinção, torna-se impossível definir o destino de longo prazo do PBF sem uma definição de seus objetivos últimos. Se o objetivo do PBF é a erradicação da pobreza absoluta, então, o número de beneficiários e os recursos alocados deverão declinar à medida que esta diminui. Entretanto, se o objetivo do programa é a redução da pobreza relativa através, por exemplo, do aumento da proporção de renda nacional apropriada pelos 20% mais pobres, então, as dimensões e o futuro do programa não serão determinados pela evolução da pobreza abso-luta, mas sim pelo grau de desigualdade. Por fim, se o PBF for interpretado apenas como um ponto de partida para a garantia de uma renda mínima a toda a população, então, o número de beneficiários e os recursos alocados deverão crescer independentemente da evolução da pobreza absoluta e do grau de desigualdade, justificando-se desta forma a continuidade do programa. Portanto, como este exemplo procura ilustrar, sem uma visão clara dos objetivos úl-timos que se deseja alcançar, na maioria das vezes, torna-se impraticável visualizar o caminho

1 - PROEP -Programa de Expansão da Educação Profissional; PRONATEC - Programa Nacional de Aces-so ao Ensino Técnico e ao Emprego.

2 - PROUNI - Programa Universidade para Todos; REUNI - Reestruturação e Expansão das Universidades.

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que o desenho e as dimensões dos programas sociais existentes devem trilhar, dificultando a tomada de decisões estratégicas por parte do Governo.

Do papel reservado ao Estado, famílias e sociedade civil - PROUNI x REUNI

Enquanto o exemplo do PBF ilustra a dificuldade que o foco exclusivo nos objetivos ime-diatos impõe para a definição do destino das políticas sociais, os exemplos do PROUNI e do REUNI podem ilustrar como este foco exclusivo impossibilita a definição do caminho que se deseja trilhar. Ambos os programas são voltados para a expansão das vagas na educação superior. Em ambos os casos as vagas adicionais são gratuitas e alocadas meritocraticamente. Os dois programas, no entanto, diferem de forma marcante em como promovem essa expan-são das vagas e a sua alocação. O PROUNI é um programa focalizado cuja expansão ocorre no setor privado com gratuidade restrita aos mais pobres. Trata-se de um programa no qual o Estado, via incentivos fiscais, coloca o setor privado a serviço da população mais pobre. No caso do REUNI, a expansão das vagas ocorre no setor público e o atendimento gratuito não é limitado às famílias pobres. Portanto, o caminho que a política de educação superior do país deve trilhar fica indefinido, caso não se explicite qual o papel reservado ao Estado. Se o objetivo é promover uma crescente focalização da gratuidade nos mais pobres e esti-mular a participação do setor privado na oferta destes serviços, a expansão do PROUNI será o principal caminho. Por outro lado, se o objetivo é a gratuidade universal em instituições públicas, o PROUNI torna-se um improviso emergencial, a ser eliminado pela expansão da oferta pública via o REUNI e programas complementares. Sem uma definição explícita do papel do Estado na provisão de serviços públicos (provisão estatal ou privada) e na garantia da gratuidade (gratuidade universal versus focalizada) torna-se impossível determinar qual o caminho a ser trilhado.

Dos princípios e valores - FUNDEB x Mais Educação

Os exemplos apresentados até o momento buscam ilustrar a dificuldade em se definir os des-tinos e os caminhos a serem trilhados pelas políticas públicas sem uma definição explícita dos objetivos últimos dos programas existentes e do papel reservado ao Estado. Entretanto, é também indispensável definir quais os princípios e os valores que os programas públicos buscam promover e quais buscam ao menos não violar. O contraste entre o FUNDEB e o Programa Mais Educação pode ser utilizado para ilustrar esta questão. Tanto o FUNDEB3 como o Mais Educação são importantes programas federais voltados para a melhoria da qualidade do ensino básico e obrigatório. A relação destes programas com a promoção da igualdade de oportunidades é, no entanto, bastante distinta. Enquanto o FUNDEB busca equalizar os gastos com educação por aluno entre municípios de um mesmo estado e, com base em recursos federais, busca também reduzir as disparidades nos gastos por aluno entre estados, o Mais Educação opera de forma a reforçar as desigualdades existentes entre municí-

3 - FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profis-sionais da Educação.

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pios. O Mais Educação é um programa federal de apoio às iniciativas de extensão da jornada diária (promoção da escola em horário integral), que opera fundamentalmente nos gran-des e mais ricos municípios do país como Belo Horizonte4. O programa transfere recursos federais para os municípios brasileiros com maior gasto próprio por aluno, de certa forma operando na contramão do FUNDEB, embora seja verdade que dentro dos municípios ricos beneficiados haja um esforço no sentido de priorizar a ampliação da jornada nas escolas localizadas nas áreas mais pobres. De qualquer forma, parece inquestionável que a visão e a importância dada à igualdade de oportunidades pelo FUNDEB e pelo Mais Educação são bastante distintas. Enquanto o FUNDEB busca eliminar a importância do local de nasci-mento e residência sobre as oportunidades educacionais, através da garantia de um piso para todos, o Mais Educação está mais preocupado em oferecer às crianças em escolas públicas em municípios ricos oportunidades educacionais tão boas quanto as das crianças ricas. Assim, enquanto a lógica do FUNDEB é garantir “um mínimo para todos”, a do Mais Edu-cação é garantir “o ideal (máximo) para alguns (pobres)5”. Pode-se dizer que estes programas são estratégias polares para se alcançar o ideal de igualdade de oportunidades educacionais. Um busca alcançar a igualdade elevando gradualmente o piso, ao passo que o outro, busca alcançar a igualdade expandindo a cobertura do acesso a um programa “ideal”.

Em suma, embora o popular foco nos resultados imediatos seja de grande importância para a promoção da eficiência e da transparência da gestão pública, ele é insuficiente para a defi-nição de aonde queremos chegar e dos caminhos que preferimos trilhar e, portanto, para o monitoramento e avaliação do sucesso que estamos obtendo em trilhar estes caminhos, tanto com relação a quanto avançamos (resultados finais), como com relação a quanto res-peitamos os caminhos traçados (princípios e valores). Para manter em foco a visão de futuro selecionada e o comprometimento com determinados caminhos (processos) é indispensável que o desenho, o monitoramento e a avaliação das políticas públicas sejam feitos de forma permanente, com uma visão bem mais ampla que a propiciada por seus resultados imedia-tos. Faz-se necessário manter sempre incorporadas as óticas: i) dos resultados últimos, ii) do papel reservado ao Estado, famílias e sociedade civil e iii) dos princípios e valores.

Ninguém deveria se opor a uma discussão ampla das políticas públicas envolvendo resulta-dos últimos, papel do Estado e princípios. Assim, se este tipo de discussão não é comumente realizado é porque existem custos e entraves. Por um lado, pode-se argumentar que expli-citar valores e princípios pode colocar em risco determinados consensos. Por exemplo, o próprio consenso em torno do BPF pode resultar da não explicitação de seus objetivos últi-mos. Na medida em que ficam vagos seus objetivos últimos, tanto os que recomendam uma transferência de renda mínima universal quanto os que recomendam políticas públicas para a redução da pobreza absoluta e relativa irão apoiar o programa. No entanto, conforme já

4 - Os critérios para aderir ao Mais Educação são: Em 2009: i) Capitais e Cidade de Regiões Metropolita-nas ou do entorno de Capitais com mais de 100 mil habitantes; ii) Cidades com mais de 50 mil habitan-tes dos estados de pouca densidade populacional para atuarem como polos, e iii) Cidades atendidas pelo PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania). Em 2011 houve a inclusão das escolas aderidas ao PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) com baixo IDEB (Índice de Desenvolvi-mento da Educação Básica) em 2009 e situadas em municípios com mais de 18 mil habitantes.

5 - De fato, o programa prevê que 50% das escolas públicas serão atendidas até 2020.

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ressaltado, estes três grupos divergem quanto à visão de longo prazo para o programa. Assim, a explicitação dos objetivos últimos pode promover a ruptura do suposto apoio unânime ao programa.

O mesmo ocorre no caso do PROUNI. Como o papel do Estado na produção de educação e de garantia universal ou focalizada da educação superior não é explicitado, aqueles que acreditam que a educação deve ser provida de forma estatal e universalmente gratuita veem o PROU-NI como algo temporário, a ser eliminado pela expansão das universidades estatais. Outros também apoiam o PROUNI na medida em que o veem como o início de uma nova política educacional, com gratuidade focalizada nos mais pobres e financiamento público para a sua provisão com bases meritocráticas, que não discrimina entidades estatais e privadas.

No entanto, a escassa discussão sobre os resultados últimos, o papel do Estado e os princípios não se explica apenas pela possibilidade de perdas de consenso. Por vezes, a falta da prática em se explicitar os princípios regentes para o alcance dos resultados finais das políticas pú-blicas dificulta esse expediente sobremaneira.

Argumenta-se que os resultados finais são pouco relevantes para a solução dos complexos problemas de implantação, financiamento e mecanismos para a seleção de beneficiários que acabam dominando as preocupações dos gestores públicos. Argumenta-se que princípios e valores são objetos tão preciosos como abstratos e, portanto, pouco práticos e, assim, consi-derá-los pode reduzir a velocidade com que as sempre urgentíssimas ações e programas so-ciais são implantadas. Por fim, sobre o papel do Estado argumenta-se que as pré-concepções devem ser evitadas e, assim, que várias estratégias alternativas devem ser implantadas com o objetivo de se identificar os melhores caminhos. Contudo, mesmo neste caso é necessário explicitar o papel do Estado em cada uma das estratégias e formular um plano de avaliação das políticas públicas que permita, após alguma experimentação, determinar qual o cami-nho mais efetivo.

Toda esta argumentação e exemplificação busca demonstrar a importância de se buscar um melhor equilíbrio entre as óticas utilizadas para se desenhar, monitorar e avaliar as políti-cas públicas. Assim, seria de grande importância que a SAE, dentre as suas atribuições de promover a formulação de uma visão de futuro para o país e a identificação dos caminhos capazes de levar a este resultado final, desenvolvesse atividades com o objetivo de promover condições para uma análise estratégica de políticas públicas com essas três óticas. Uma das formas de concretizar este objetivo é elaborar um documento que forneça à sociedade uma análise e avaliação do leque completo das políticas públicas federais, com base nestas três óticas, para além do foco nos resultados imediatos.

Um documento desta natureza, além de identificar aonde queremos chegar e quais cami-nhos queremos trilhar, teria as seguintes utilidades:

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Dos resultados últimos:

• Promover um melhor conhecimento e um debate mais qualificado das políticas pú-blicas;

• Demonstrar a viabilidade e praticidade da incorporação sistemática e cotidiana de princípios, resultados finais e papel do estado nas análises de políticas públicas;

• Popularizar os resultados finais (direitos sociais e econômicos universais) que devem ser o objetivo último de toda política pública;

• Demonstrar as consequências das decisões dos tomadores de decisão em políticas públicas focadas em objetivos imediatos em relação aos objetivos últimos (impos-sibilidade de definir horizontes e caminhos a serem trilhados sem uma sistemática incorporação de princípios, resultados finais e papel do estado à análise das políticas públicas).

Do papel reservado ao Estado, famílias e sociedade civil:

• Popularizar o debate sobre os possíveis papéis do Estado (produtor, regulador, pater-nalismo, pró-atividade (busca ativa de beneficiários), gratuidade, focalização e pro-gressividade dos impostos) e suas implicações para o desenho de políticas públicas;

• Demonstrar como e quais princípios e papéis o Estado têm e vêm sendo implicita-mente incorporados às políticas públicas brasileiras;

Dos princípios e valores:

• Popularizar os princípios fundamentais que devem ser levados em consideração no desenho, monitoramento e avaliação das políticas públicas, tais como: igualdade de oportunidade, meritocracia, promoção da diversidade, múltiplas oportunidades, se-gunda chance, solidariedade, autossuficiência, autonomia individual e familiar, prota-gonismo e privacidade;

• Como, em geral, não é possível promover concomitantemente todos os princípios que se gostaria de promover ou alcançar todos os objetivos que se gostaria, este docu-mento também teria a função de ilustrar como o conflito entre princípios e objetivos últimos vêm sendo implicitamente resolvidos nas políticas públicas brasileiras;

Este documento não deve ser entendido nem como uma análise exaustiva das políticas pú-blicas brasileiras nem como uma análise exaustiva dos princípios, resultados finais e papéis do estado relevantes para o desenho de políticas públicas. Ele deve ser entendido como um “passeio” pelas políticas públicas existentes e pelos princípios, resultados finais e papéis do Estado implicitamente já presentes no seu desenho. O objetivo é, por um lado, ressaltar e explicitar as principais opções que o Brasil vem fazendo na definição de seu futuro e, por ou-tro, ilustrar como a ótica dos valores, resultados finais e papel do Estado podem ser facilmen-te incorporados à discussão cotidiana sobre política pública no Brasil.