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VERBO jurídico ® Miguel Diogo da Rocha e Cunha Rodrigues Machado A marca olfactiva

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VERBO jurídico ®

Miguel Diogo da Rocha e Cunha Rodrigues Machado

A marca olfactiva

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 2

A marca olfactiva (*)

Miguel Diogo da Rocha e Cunha Rodrigues Machado Advogado Estagiário Mestrando em Direito

Introdução

De facto, a crescente importância dos direitos de propriedade industrial resulta

efectivamente do desenvolvimento do comércio internacional, levando a que os sinais distintivos

de comércio tradicionais não satisfaçam os interesses das empresas.

Ora, o que a priori poderia não ser distintivo e destituído de qualquer protecção, transforma-

se numa figura passível de ser protegida.

O novo marketing sensorial explora o lado emocional dos cliente, permitindo activar

recordações do ser humano, interagindo intensamente com a memória dos consumidores.

Registadas quase 500.000 marcas no INPI, as empresas que já dispõem de outros registos

convencionais, procuram alargar os limites da protecção, explorando novas fontes para fidelizar

a clientela.

Na verdade, à medida que a Europa evoluía para o Mercado Único, era bastante notória a

necessidade de um regime uniforme que permitisse a identificação e protecção dos produtos em

toda a comunidade. A partir de 1991, através da Primeira Directiva com vista à harmonização

da matéria das Macas, conciliou os regimes nacionais, definindo-se pela primeira vez, um

conceito de marca comum.

Apesar dos esforços, considerando-se que a harmonização não era suficiente, aprovou-se

posteriormente o Regulamento da Marca Comunitária, balizado pelos princípios da coexistência,

unidade e autonomia, conjugando esforços mais tarde com a adesão da Comunidade Europeia

(*) Trabalho realizado para o Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa, na Escola de Direito da Universidade

do Minho.

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 3

ao Protocolo Relativo ao Acordo de Madrid, estabelecendo uma relação estreita entre a marca

comunitária e a marca internacional.

Deste modo, cumpre-nos indagar, essencialmente sobre o seguinte:

Afinal o que é uma marca olfactiva? Esta é utilizada frequentemente? Como é protegida nos

vários países? Qual tem sido a posição das Instituições Europeias? Qual o valor do seu estudo?

Quais são os requisitos para o seu registo?

Estas são questões que nos propomos a responder na presente exposição.

Lista de Abreviaturas

Art. – Artigo

CDADC – Código do Direito de Autor e Direitos Conexos

CPI – Código da Propriedade Industrial

CRP – Constituição da República Portuguesa

IHMI – Instituto de Harmonização do Mercado Interno

INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial

OHMI – Instituto de Harmonização do Mercado Interno

RDI – Revista di Diritto Industriale

RDM – Revista de Derecho Mercantil

RMC – Regulamento da Marca Comunitária (Regulamento (CE) nº 40 do Conselho de 20 de

Dezembro de 1993

TTAB – Trademark Tribunal and Appeal Board (Estados Unidos da América)

TJCE – Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias

TPI – Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias

UE – União Europeia

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 4

A Marca propriamente dita

A título de intróito, reveste-se da maior importância referir que a Constituição da República

Portuguesa consagra a liberdade de iniciativa económica, expressamente no artigo 61.º.

De facto, deste princípio decorre efectivamente a liberdade de concorrência.1

Todavia, o direito à marca, inserido no Direito da Propriedade Industrial, constitui uma

excepção à liberdade concorrencial, atribuindo monopólios que restringem a margem de

liberdade dos empresários e a dose de competição económica existente no mercado.2

Contudo, esta excepção é considerada pela maioria da doutrina como um benefício, na

medida em que estimulam o desenvolvimento económico e o progresso técnico-científico.

Apraz-nos referir que os direitos de Propriedade Industrial não nascem de forma automática,

dependendo de um prévio procedimento administrativo, destinado a averiguar se estão reunidos

os requisitos de que a lei faz depender a protecção.3

O legislador pátrio exige que para se obter um direito exclusivo de marca, é necessário

registá-la junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial.4

No entendimento de FERRER CORREIA5, a marca “trata-se de um sinal destinado a

individualizar produtos ou mercadorias e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma

espécie. A marca é um sinal distintivo de mercadorias ou produtos”.6

Deste modo, as marcas constituem sinais destinados a identificar produtos ou serviços,

distinguindo-se de outros do mesmo género.

1 Este principio tem mais afloramentos, nomeadamente no art. 81º al. f) e no artigo 99º al. a) da Constituição da

República Portuguesa. 2 SILVA, Pedro Sousa – Direito Industrial – Noções Fundamentais – pág. 22 3 Idem – pág. 26. Contudo, isto não sucede no âmbito dos direitos de autor, em que o direito exclusivo é reconhecido

independentemente de registo, depósito, ou qualquer outra formalidade, nos termos do artigo 12º do CDADC. 4 Seguimos o principio de que “sem registo, não há protecção”. Ou seja, o registo é conditio sine qua non para a

respectiva protecção. Na verdade, o Código de Propriedade Industrial consagra várias disposições que demonstram que o direito exclusivo da marca depende do registo. A título meramente exemplificativo, destaque para o artigo 101.º, 144.º. 164, 203º, 224.º todos do CPI, entre outras disposições.

5 CORREIA, Ferrer – Lições de Direito Comercial, pág. 179, Lex 6 Hodiernamente, a marca pode ainda ser utilizada como um sinal distintivo de serviços. Segundo LUÍS COUTO

GONÇALVES, “a função distintiva da marca é, hoje, mais ampla e pode ser assim redefinida: A marca , para além de indicar, em grande parte dos caos, que os produtos ou serviços provêm sempre de uma empresa ou de uma empresa sucessiva que tenha elementos consideráveis de continuidade com a primeira (no caso de transmissão desvinculada) ou ainda que mantenha com ela relações actuais de natureza contratual e económica (nas hipóteses da licença de marca registada usada ou da marca de grupo, respectivamente), também indica, sempre, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso.”- Luís Couto Gonçalves – Direito de Marcas, pág. 17

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 5

O regime jurídico das marcas resulta da conjugação de diversos regimes, nacionais e

internacionais.

Primeiramente, o texto do Código de Propriedade Industrial de 2003 reflecte a transposição

da Directiva nº 89/104/CEE.

A regulamentação das marcas nacionais registadas no INPI coexiste com a das marcas

comunitárias, registadas no IHMI, constante do Regulamento (CE) nº 207/2009, não olvidando

o especial contributo do regime do Registo Internacional de Marcas, previsto no Acordo de

Madrid, de 14 de Abril de 1891.

Segundo o artigo 222.º do Código de Propriedade Industrial, marca é “um sinal ou conjunto

de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de

pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde

que sejam adequadas a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa de outras empresas.”

O n.º 2 do mesmo artigo refere que a marca “pode, igualmente, ser constituída por frases

publicitárias para os produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo,

independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor.”

Na posição diametralmente oposta encontra-se o artigo 223.º que elenca os sinais

insusceptíveis de ser registados como marca, assim como o preceituado no artigo 238.º, que

estabelece os motivos absolutos de recusa do registo.

Da conjugação destes preceitos resulta que os requisitos essenciais para que um sinal possa

constituir uma marca são o carácter distintivo e a susceptibilidade de representação gráfica.7

Com efeito, um sinal reunindo esses dois requisitos, poderá em princípio ser registado como

marca, ainda que não corresponda a um dos sinais elencados no artigo 222º.8

7 SILVA, Pedro Sousa, Idem. O carácter distintivo e a susceptibilidade de representação gráfica. 8 A enumeração do artigo 222º não é taxativa, mas sim exemplificativa, como demonstra o advérbio “nomeadamente”.

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 6

Tipos de marcas

No que concerne aos tipos de sinal que podem ser utilizados como marcas, impõe-se-nos,

como necessidade para a compreensão do problema, determinar os seus antecedentes históricos.

Primo, no CPI de 1940, o elenco das marcas admitidas limitava-se às marcas nominativas,

figurativas, e mistas.9 Não obstante, a doutrina já discutia, por exemplo, a possibilidade de

registo de marcas tridimensionais, maxime, a forma da embalagem.10

Secundo, após a publicação do Código de Propriedade Industrial de 1995, o catálogo foi

alargado, passando a mencionar os sons e a forma do produto ou a respectiva embalagem, numa

descrição idêntica à que hoje consta do CPO de 2003, que não exclui outros tipos de marcas.

Nesta senda, para além das marcas supra referidas, figurativas e nominativas e mistas, que

comummente são designadas por marcas tradicionais, são ainda registáveis marcas não

tradicionais, desde que respeitem os requisitos da capacidade distintiva e da susceptibilidade de

representação gráfica.11

No erudito entendimento de LUÍS COUTO GONÇALVES, os sinais não convencionais

são aqueles que não são independentes fisicamente do produto e que, por via disso, ou são

apenas conceptualmente autónomos (cor, sinal tridimensional), ou são apreensíveis por sentidos

diferentes da visão (som, aromas, sabores, tactilidades).12

Destarte, no exame destes requisitos têm surgido diversas dúvidas e dificuldades que têm

levado a divergências de registos, originando jurisprudência crescente, em torno da

admissibilidade de marcas olfactivas, tácteis, gustativas, dinâmicas e holográficas.13

Brevatis causae, não iremos, de momento, expandir a nossa reflexão sobre sinais visíveis

em si mesmos.

9 Relativamente às marcas nominativas, estas incluíam nomes de pessoas, palavras inventadas, letras, números,

localidades. As figurativas integravam desenhos, emblemas, símbolos, rótulos, fotografias. Por fim, as mistas resultavam da conjugação de elementos nominativos e figurativos.

10 A favor desta admissibilidade, destaque para NOGUEIRA SERENS E PINTO COELHO. No lado oposto, encontrava-se FERRER CORREIA. Vide. Pedro Sousa e Silva – Direito Industrial – Noções Fundamentais – pág. 125

11 Conceitos desmistificados em momento posterior desta dissertação. 12 GONÇALVES, Luís Couto – Sinais protegíveis. Modalidades, pág. 282 – in Direito Industrial, vol. VI 13 Estas e outras apreciações críticas podem ser encontradas em CARVALHO, Maria Miguel, “Novas” marcas e

marcas não tradicionais, in Direito Industrial, vol VI, pág. 217 e seguintes.

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 7

Marcas olfactivas

A este propósito, RUI SOLNADO DA CRUZ, refere que o desenvolvimento do comércio

internacional trouxe uma nova dimensão quanto à configuração que um sinal distintivo do

comércio pode revestir. Assumindo-se a ideia de que tudo o que seja perceptível pelos cincos

sentidos pode caracterizar um produto ou serviço e constituir uma referência para o consumidor

ou utilizador. 14

Segundo o preceituado no artigo 4.º do Regulamento de Marcas Comunitárias, um sinal

para ser registado como marca tem de preencher um requisito formal e um material, ou seja, tem

que ser susceptível de representação gráfica e possuir capacidade distintiva.

Destaque para MARIA LLOBREGAT, afirmando que os requerentes de sinais olfactivos

tentam ultrapassar o requisito da representação gráfica recorrendo à descrição do odor, mas se

esta pareceria uma óptima solução à luz de um primeiro juízo de raciocínio, por outro lado

conclui-se que esta cria outro obstáculo, usando termos genéricos e descritivos, caindo na alçada

das proibições absolutas, maxime na falta de distintividade.15

Contudo, a Autora salienta que esses sinais, ainda que meramente descritivos, se podem

socorrer do mecanismo secondary meaning.16

Deste modo, importa agora desmistificar os conceitos de representação gráfica e de

capacidade distintiva.

Na senda das considerações entretecidas, não nos podemos olvidar que a questão da

representação gráfica assume a liderança dos pontos de crítica quanto ao reconhecimento das

marcas olfactivas.17

Nesta perspectiva, o problema reside no facto de o sinal olfactivo não permitir uma

representação imediata, em si mesmo, mas apenas mediata, dificultada pela inexistência de uma

forma de descrição unanimemente reconhecida.18

14 CRUZ, Rui Solnado – Marca Olfactiva – pág. 61.

Ao mesmo tempo, para o caso em apreço, destaque para Martin Lindstron, referindo que 75% das nossas emoções diárias são influenciadas pelo que cheiramos. – Martin Lindstron, Brandsense- A marca multisensorial, Bookman, 2007.

15 Llobregat, María Luisa – Caracterización jurídica de las marcas olfactivas como problema abierto, RDM pág.64 16 O conceito de secondary meaning será devidamente detalhado nesta dissertação. 17 Quanto a esta problemática, no Direito Comparado, destaque para DUBARRY, Marie – La protection Juridique

d’une fragance, 2000, pág. 43 e seguintes. Na verdade, a doutrina não é unânime quanto à escolha dos meios para efectivar a representação gráfica.

18 De acordo com Rui Solnado da Cruz – A marca olfactiva- pág. 76

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 8

Quanto aos mecanismos para a representação gráfica em apreço, tradicionalmente utiliza-

se a metodologia da avaliação sensorial19, todavia, este procedimento é algo obsoleto, tendo em

conta as crescentes exigências legais para a sua verificação.20

Como refere LLOBREGAT21, existe ainda a possibilidade do requerente, aproveitando o

avanço da tecnologia, se ancorar na cromatografia de gases e na cromatografia líquida de alto

rendimento.

A communis opinio defende que estes meios de representação gráfica são demasiado

onerosos e formais, dificilmente reconhecidos aos olhos do homem médio enquanto

examinador.22

Last but not the least, existe ainda a representação digital, ou seja, a tecnologia da

digitalização de aromas.

Ora, da conjugação destes preceitos, não nos podemos demitir do labor de auscultar a

opinião avalizada de Ilustres juristas que acompanharam esta mudança de paradigma.

LAMBERTO LIUZZO23, assim como PAOLA GELATO e MANSINI, salientam que se

para as fragâncias simples a descrição verbal seria satisfatória, para as complexas seria

imprecisa, sendo necessário fazê-la acompanhar pela representação gráfica obtida pelo

procedimento cromatográfico e, eventualmente, pela fórmula química dos elementos24 que não

possam ser por outro modo identificados.

Parece-nos que qualquer requerente, verificando o excesso de formalismos/riscos

necessários à prossecução deste objectivo, comece, em prima facie, por apresentar uma descrição

verbal, só partindo para os outros meios, a título subsidiário. 25

19 Para maiores desenvolvimentos, destaque para a obra de Debret Lyons – Sounds, Smells and Signs 20 Este procedimento caiu em desuso, fruto da sua subjectividade. Como veremos, de seguida, a jurisprudência tem sido

cada vez mais exigente na representação gráfica da marca. 21 Destes exames resulta um gráfico, denominado como cromotograma que representa, de facto, as quantidades dos

compostos. Através de um cromotograma e de um aromograma, pode-se representar graficamente um odor, sem se revelar a sua composição química, que permanece em segredo profissional. Para uma maior explanação, vide. Rui Solnado da Cruz – A marca olfactiva, pág.78

22 Para além disso, salvo douta opinião em contrário, não nos parece que os agentes económicos desejem revelar a fórmula química dos seus produtos, sob pena de terminarem com o segredo empresarial.

23 LIUZZO, Lamberto – Alla Scoperta Dei Nuovi Machi, RDI, 1997, pág. 123 e seguintes 24 Marcelo Wathelet defendeu que “as marcas olfactivas têm de ser descritas com detalhe, o que pode implicar a

necessidade de o requerente apresentar os componentes quimicos da fragãncia” – Sentença de 17.06.2004, processo 7249/01 – L’Oreal contra Antiall SA

25 Todavia, entendemos que mesmo esta opção poderia ser um risco, na medida em que o nosso sistema não é idêntico ao dos EUA, onde existem dois tipos de registo, o Principal e o Supplemental Register, proletando a protecção da marca para uma data posterior, deixando-a na disponibilidade de um terceiro. O Principal Register utiliza-se para marcas que são inerentemente distintivas, enquanto o Supplemental Register diz respeito a marcas que ainda não estão qualificadas para serem registados no Principal Register mas que já são capazes de distinguir os produtos que assinalam. Ora, se no nosso ordenamento adoptássemos a mesma solução, a marca que ab initio não era distintiva, por ser, a título exemplificativo,

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 9

Ao mesmo tempo, uma cromatografia não elucida qualquer individuo, renovando-se assim,

a ideia de que a representação gráfica seja acompanhada por uma descrição breve, para que o

público em geral possa adquirir conhecimento.

No que concerne à distintividade das marcas olfactivas, ANNE MARIE PECORARO26,

debruça-se sobre marcas olfactivas que se referem a produtos naturalmente odoríferos e

produtos não naturalmente odoríferos.

A título meramente exemplificativo, a Autora advoga que existe uma grande dificuldade

em se reconhecer o registo de uma marca olfactiva aplicada a perfumes, devido ao problema da

distintividade, na medida em que o odor corresponde a um valor substancial do produto, ao

contrário de um produto não naturalmente odorífero.

Como nos ensina PEDRO SOUSA E SILVA, “o odor a usar como marca, para ser dotado

de eficácia distintiva, não poderá consistir no cheiro normal ou típico do produto a assinalar”.27

Os pedidos de registo de aromas quando são funcionais, ou seja, quando se trata, por

exemplo, de perfumes ou ambientadores, têm sido recusados por todo o mundo, o que se

compreende perfeitamente, na medida em que o produto já é o aroma.

Não obstante, o requerente pode auxiliar-se do secondary meaning e da publicidade e para

superar a falta de distintividade dos sinais olfactivos.

Caberá assim, em ultima ratio analisar estes dois conceitos.

Em primeiro lugar, no entendimento de LUIS COUTO GONÇALVES, por secondary

meaning “quer-se aludir ao particular fenómeno de conversão de um sinal originariamente

privado de capacidade distintiva num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como

tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário, por consequência do uso e de

mutações semânticas ou simbólicas”.28

Deste modo, é natural que os empresários sejam tentados a promover em primeiro lugar os

seus produtos através de um sinal meramente tradicional e só mais tarde, depois de conseguirem

o secondary meaning, solicitem o seu registo.

genérica ou meramente descritiva, poderia ainda assim assumir a função de marca, ainda que de forma débil, podendo a partir dos cinco anos seguintes, obter o registo no Principal Register. (Isto se ultrapassar, obviamente, as lacunas que sofria no início do pedido)

26 PECORARO, Anne Marie – De Certains Contraintes Juridiques du Marketing Sensoriel, 2005 27 SILVA, Pedro Sousa – Direito Industrial - pág. 133 . “O ilustre Autor defende ainda que é essencial que os

consumidores reconheçam esse odor como um sinal distintivo do produto ou do serviço e não propriamente com uma característica destes”.

28 GONÇALVES, Luis M. Couto – Direito de Marcas, 2000 pág. 94 – Almedina.

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 10

Na doutrina estrangeira, destaque mais uma vez para LLOBREGAT, defendendo que uma

das formas para ultrapassar esta barreira seria, antes do registo, atribuir a distintividade através

da publicidade persuasiva.29 De forma sucinta, poderemos estar perante um caso de aquisição

do direito proveniente do pré-uso.30

Vantagens das marcas olfactivas

Resumidamente, existe uma íntima imbricação entre o aroma e a memória.

Neste sentido, movidos pela intenção de aproveitar todos os métodos persuasivos para

aumentar o volume de negócios e assegurar a clientela, as empresas necessitam de procurar cada

vez mais novas soluções.31

Será um facto notório que todos nós quando nos recordamos de um aroma, pensamos numa

determinada situação, num determinado local, ou ainda despertando uma sensação vivida

anteriormente.

Assim sendo, a marca olfactiva tem o poder de nos fazer identificar um produto, incitando

o consumidor a adquirir o produto ou a usá-lo com frequência.32

A marca olfactiva no mundo

Porque recordar é viver, aventurámo-nos a procurar as medidas tomadas pela doutrina e

jurisprudência estrangeira ao longo dos últimos anos.

Acresce que, em face das dificuldades inerentes ao período inicial de adaptação a esta

mudança de paradigma, reveste da maior importância a disponibilização de todos os elementos

que possam ser facultados para a compreensão desejável do caso sub judice.

29 In casu, não podemos ficar desatentos às políticas comerciais das marcas. A título meramente indicativo, todos nós,

provavelmente, já nos confrontamos com as acções de Modelling das marcas de perfumantes. Na esfera do leigo, esta consiste na distribuição de moulletes perfumados, de forma a dar a conhecer o produto aos consumidores. Esta actividade tem crescido bastante no nosso país, destacando-se efectivamente a L’Oreal Lux.

30 Expressão de Luigi Mansani . – Marchi Olfattivi 31 Bastante inovador foi o procedimento utilizado pela empresa Bodywise, no Reino Unido, que criou um odor derivado

da androsterona para ser usado em facturas para cobranças difíceis. Os resultados foram satisfatórios, na medida em que 17% dos clientes pagaram-nas de forma imediata. O Banque Populaire Val de France lançou uma campanha de empréstimo tónicos, através de correio publicitário perfumado consoante as estações do ano.

32 No âmbito de uma conferência do Centro de Estudos Judiciários sob o tema “Curso Geral de Propriedade Intelectual” realizada a 18 de Outubro de 2012, Rui Solnado da Cruz, enquanto palestrante convidado, referiu que “um ambiente aromatizado é recordado por 2/3 dos consumidores (...)aumentando em 38% as compras por impulso” e ainda que “uma montra aromatizada aumenta a atracção, em mais de 50%, de novos clientes”.

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 11

Em primeira instância, importa, desde logo, sublinhar que não existe nenhuma obrigação de

prever a possibilidade de registo de marcas olfactivas, deixando assim ao livre labor das

legislações nacionais a sua consagração.

Países como a China, o México, e o Brasil, afastam do registo o sinais não visualmente

perceptíveis.33

Na posição diametralmente oposta, destaque para a Lei de Marcas dos EUA e da Lei de

Marcas australiana.34

Entre estas duas posições expressas, existem países numa posição intermédia, o que é o caso

do nosso país, assim como a maioria dos países europeus, uma vez que o legislador definiu o

conceito de marcas de forma ampla35, não recusando expressamente o seu registo, mas também

não admitindo expressamente o mesmo.

EUA

Comecemos a nossa circum-navegação pelos EUA, em que a primeira marca olfactiva

registada no seu território foi uma “fragância fresca floral que recorda rebentos de plumérias”,

aplicada a fios de costura e bordado.

Contudo, este registo não foi unânime nem de simples aceitação.

Primo, este pedido de registo foi recusado pelo Office, alegando-se que o sinal não era

distintivo, porque o aroma era funcional36 e que a maioria dos produtos tinha um aroma

incorporado somente para os tornar mais agradáveis e não simplesmente para identificar a sua

origem.

Secundo, o examinador do caso em apreço, deixou a questão em aberto, ao referir que se

conseguissem provar a sua distintividade, o sinal poderia ser registado como marca olfactiva.

Tercio, desta recusa, coube recurso para o Trademark Tribunal and Appeal Board,

doravante designado por TTAB, que decidiu a favor do registo da marca.37

33 Art. 8.º da Lei de Marcas da Républica Popular da China, art. 88.º da Lei da Propriedade Industrial Mexicana e art.º

122.º da Lei de Marcas do Brasil. Quanto à disposição brasileira, a doutrina já admite o registo por outras vias, maxime através do registo de sinais plurissensoriais – Vide. CORREA, José António – A Dimensão Plurissensorial das Marcas, 2004

34 Falamos em “destaque” tendo em conta que aí os sinais olfacticos têm sido alvo de uma ampla e acesa discussão. 35 “Sinais susceptiveis de representação gráfica e aptos a distinguir produtos que assinalam dos demais com outra

origem empresarial”. 36 Relativamente a este aspecto, há que ter em conta o que foi supra referido. 37 Para maiores desenvolvimentos, a decisão é conhecida como “Decisão In Re Celia Clarke”, em meados de 1990.

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 12

Esta decisão teve como apoio o facto de a requerente ser a única a comercializar fios de lã

e de algodão perfumados, ter promovido o sinal olfactivo através da publicidade, ter

demonstrado que os distribuidores e clientes reconheciam os produtos como fonte da requerente

e, por último mas não de menor importância, a fragância não ser um atributo natural dos produtos

em causa.38

O aresto em análise reconheceu assim que os odores poderiam ser registados como marcas,

rejeitando apenas os produtos naturalmente odoríferos.

No douto entendimento de MARÍA GONZÁLEZ39, este registo obteve sucesso

principalmente por Celia Clarke ser a única a utilizar um sinal olfactivo para distinguir os fios

de cozer e de bordar. Neste seguimento, acrescenta ainda que a distintividade da marca não

esteve no aroma em si, mas sim no facto de a requerente ser a única operadora no mercado a

fornecer aquele tipo de produtos perfumados.

Qualquer intérprete minimamente atento e conhecedor desta realidade pensará que poderia

ter sido a altura correcta para o TTAB assentar uma doutrina favorável ao registo das marcas

olfactivas.

Na nossa humilde opinião, a formação dos juízes deveria incorporar uma vertente industrial,

para que estes na aplicação da lei e na fundamentação das suas decisões, marcassem um

importante auxílio para os examinadores.40

Ora, neste caso, os juízes demitiram-se de tal objectividade.

Apesar disso, não podemos deixar de referir que foi graças ao TTAB que surgiu, assim, a

primeira marca olfactiva registada no mundo, estando actualmente registados no mesmo

território, o “odor evocativo de vários frutos de pomar” aplicado a um componente destinado à

limpeza de mobiliário, o “odor de morango”, o “de uva” e o “de cereja” aplicados a lubrificantes

e combustíveis para veículos terrestres, e ainda o “odor de pastilha elástica” aplicado ao corte de

metal.

Da interpretação das várias soluções norte-americanas, resulta que as marcas olfactivas aí

registadas se limitam, na sua maioria, a aromas conhecidos por todos através de experiências

pessoais, ou seja, aromas que induzam no público a sensação de outras vivências.

38 Mais uma vez, reiteramos a remissão para o que foi supra explanado. 39 GONZALEZ, Maria Dolores – Los problemas que presentan el el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfactivas,

pág. 1656 e seguintes 40 Ainda nesta (pequena) dissertação, desenvolveremos esta temática.

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 13

A doutrina norte-americana, defende ainda que o registo de uma marca olfactiva pode ainda

partir da figura do Trade Dress.41

Canadá

Desembarcando no Canadá, repara-se que o registo de sinais olfactivos suscita bastante

interesse à respectiva doutrina42, apesar de até ao momento não se ter requerido o registo de

nenhuma marca olfactiva.

Esta ausência de pedidos resulta das exigências da representação gráfica.

Austrália

Percorrendo mais de 150000 km, chegando à Austrália, para os efeitos da sua representação

gráfica, o legislador australiano considerou suficiente a descrição verbal do sinal, o que resulta

do preceituado no ponto 10.º do respectivo formulário de pedido de registo de marca.

Todavia, se o requerente pensa que aqui o pedido de registo será facilmente concedido,

encontra-se equivocado.

Dos inúmeros pedidos de marcas olfactivas constantes do histórico do Office australiano,

destaque para o “aroma de limão aplicado a tabaco” e o “aroma de cerveja aplicado a dardos”,

que não foram registados com sucesso, porque os requerentes apenas se limitaram a descrever

verbalmente o odor em causa.

Até hoje, persiste a dúvida na nossa tripulação se a descrição verbal complementada com

outros procedimentos seria susceptível ou não de satisfazer o requisito formal exigido.

41 Entendendo-se o Trade Dress como a imagem de um produto incluindo características como a forma, a sua cor, ou

combinaçoes de cores, textura, formato das letras, etc. Segundo a jurisprudência norte-americana, para que este instituto goze de protecção terão de se verificar (cumulativamente) a distintividade, a não funcionalidade e provar-se o seu Secondary Meaning. Em última análise, defendem ainda que a marca terá de ser única e ter a capacidade de criar uma imagem invulgar, que o consumidor de forma directa consiga apurar a proveniência comercial. Brevatis causa, não desenvolveremos este conceito.

42 Destaque para Annie Lasalle, Laurent Carrière, Justine Wiebe e Marijo Coates.

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 14

Europa – Comunidade Europeia

A viagem já vai longa, mas como não poderia deixar de ser, procuraremos adiantar como

se encontram (ou não) as marcas olfactivas registadas ao nível da Europa.

Destarte, a este respeito têm especial relevância os casos do Reino Unido e da França.

Reino Unido

Quanto ao Reino Unido, este é o único Estado-membro da União Europeia onde se

encontram registadas marcas olfactivas, entre elas, o “odor de rosas aplicadas aos pneus Dunlop”

e o “odor de cerveja aplicada a dardos”.43

Atentando no Registry Work Manual, resulta a necessidade de que as pessoas que consultem

o registo consigam perceber em que consiste a marca, que seja possível sem a apresentação de

amostras, a determinação em que consiste o sinal que o requerente usa, e por último, que a

representação seja inalterável, independentemente do uso.

O Registry, na prática, tem utilizado critérios bastante semelhantes aos definidos no caso de

Celia Clarke, já enunciados anteriormente.

O requerente terá que mostrar que o odor é usado como marca, demonstrar que o odor não

seja um atributo/característica natural do produto e que o público consegue interpretar o sinal

olfactivo como identificador dos produtos daquele requerente.

França

Com um novo desembarque das tropas44, verifica-se que até à data, no Boletim Oficial da

Propriedade Industrial, foram publicados cinco marcas contendo a menção expressa de se tratar

de marcas olfactivas.

Quanto às suas representações gráficas, encontram-se descrições verbais, uma

cromatografia gasosa, e um cromatograma auxiliado por uma amostra.

Malgrado tudo isto, nenhuma das marcas conheceu o sucesso registal, alegando-se os riscos

de insegurança jurídica, e subjectividade da percepção dos odores.

43 Apraz-nos salientar que a lei interna do Reino Unido define marca como “um sinal susceptível de representação

gráfica e apto à função distintiva”. 44 Referência ao desembarque das tropas na Normandia, sendo, desta vez, de forma pacífica.

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 15

Marcas olfactivas comunitárias

De facto, em meados de Dezembro de 1996, foi solicitado um pedido de marca olfactiva no

Instituto de Harmonização de Mercado Interno, que versava sobre “o odor de erva recentemente

cortada” aplicada a bolas de ténis45.

Este pedido foi apresentado com uma descrição verbal e com a indicação peremptória de

que se trava de uma marca olfactiva.

Numa primeira fase, considerou-se que a descrição verbal não preenchia o requisito da

representação gráfica e que, desse modo, deveria ser recusada, servindo-se do artigo 7.º do RMC,

n.º1 alínea a).

A requerente, sociedade holandesa Vennootschap Onder Firma Senta Aromatic Market,

posteriormente, alegou que o RMC não excluía a protecção das marcas olfactivas e que as marcas

olfactivas deveriam ser aceites desde que fossem susceptíveis de serem graficamente

representáveis. Quanto a este último aspecto, advogou que a marca tinha sido graficamente

representada, respeitando assim o artigo 4.º do RMC, não sendo necessária a representação por

desenho ou forma.

Como se de uma réplica se tratasse, no reexame da marca, o examinador subscreveu a

posição do requerente no facto de que as marcas olfactivas não se encontravam excluídas da

aplicação do RMC, mas naquele caso em concreto, não havia a respectiva representação gráfica

do sinal, considerando que a suposta representação gráfica apresentada pela requerente era

apenas um relatório verbal da marca, desconhecendo assim qual o alcance da protecção que se

pretendia registar.

Inconformada com tal decisão, a requerente interpôs um recurso para as Câmaras de

Recurso do OHMI.

A 2ª Câmara reduziu a matéria à representação gráfica na medida em que a apreciação da

distintividade já que reconhecia ser um aroma conhecido por todos.

Nesta decisão, referiu-se que sendo as marcas olfactivas abrangidas pelo RMC, ao manter-

se esta recusa, excluir-se-ia, no cômputo geral, todas as marcas olfactivas por impossibilidade

de representação gráfica.

Do exposto resulta que a 2ª Câmara considerou que assistia razão à requerente, sendo que a

descrição verbal da forma que tinha sido feita era suficiente para se preencher o requisito de

representação gráfica.

45 Internacionalmente conhecida por “the smell of fresh cut grass”.

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 16

Assim, a marca olfactiva “odor de erva recentemente cortada aplicada a bolas de ténis” foi

registada a 11 de Outubro de 2000.

É agora tempo de tecermos algumas notas sobre a negação da descrição verbal, e por

imagem, para a representação gráfica, destacando-se o pedido de registo de uma marca olfactiva

do “odor a limão” graficamente representado pela seguinte descrição: “a marca consiste no odor

alimonado aplicado aos produtos solicitados”, e a descrição verbal da marca, que foi rejeitada,

e o pedido de registo do “odor de morango maduro” graficamente representado pela imagem de

um morango, conjugado com a descrição verbal “odor de morango maduro” e pela indicação de

que se travava de uma marca olfactiva.

Este último caso, chegou até ao Tribunal de Primeira Instância das Comunidade Europeias,

mas este não se convenceu de que a exigência da representação gráfica se preenchia com a

descrição do odor e com uma imagem de um simples morango. Esta forma não foi considerada

unívoca nem precisa, e a imagem do morango não constitua uma representação gráfica do sinal

olfactivo, tendo em conta que apenas “exala um odor supostamente idêntico ao sinal olfactivo

em causa, e não o odor reivindicado...sendo certo que existem diversos odores de morangos,

consoante a sua variedade”.46

Ao mesmo tempo, pronunciou-se no sentido de que um sinal imperceptível pela visão

poderia ser efectivamente representado graficamente, por linhas, imagens ou ainda por

caracteres desde que existisse uma identificação precisa.47

Apesar do registo do “aroma de erva recentemente cortada”, desde esse momento a recusa

do registo de sinais olfactivos tem sido a tradição no OHMI.

Se um por um lado quanto a esse aroma a indicação da marca como olfactiva e a descrição

naqueles termos satisfazia o seu requisito formal, tornando o seu objecto claro e evidente, quanto

ao caso do “aroma de morango”, decidiu-se pela insuficiência da descrição e da respectiva

imagem, assim como o “odor de limão” por não satisfazer as exigências do artigo 4.º do Registo

de Marcas Comunitárias.

46 SILVA, Pedro Sousa- Direito Industrial – pág. 136 47 Para a compreensão desta decisão, importa informar que foi apresentado no TPI um estudo que revelava que as

diferentes variedades de morangos produzem diferentes aromas, de acordo com o seu estado de maturação, pelo que a descrição de um aroma de “morango maduro”, poderia apenas significar um dos cinco aromas possíveis. A requerente, na sequência da fundamentação do registo do “aroma de erva recentemente cortada” ainda advogou que não seria relevante o odor de um determinado morango, mas sim o odor de um morango maduro em geral, tal como percepcionado pelo consumidor desde a sua infância. Todavia, no caso em apreço, o pedido de registo foi recusado. Vide . – CRUZ, Rui Solando – A marca olfactiva – pág. 115

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 17

A doutrina tem sustentado que existe uma disparidade entre a solução encontrada pelo

Instituto de Harmonização do Mercado Interno e o critério utlizado pelo TJCE, posteriormente,

no célebre caso Sieckmann48.

No nosso país, a lei portuguesa não afastou a possibilidade de registar marcas olfactivas,

mas estas terão, como foi supra explanado, que cumprir os requisitos gerais da susceptibilidade

de representação gráfica e eficácia distintiva.49

Contudo, tal como nas instâncias europeias, existe a necessidade de ultrapassar as barreiras

da dificuldade da representação gráfica.

Em jeito de conclusão, não podemos deixar de apontar o enorme contributo de MARIA

MIGUEL CARVALHO50 e LUIS COUTO GONÇALVES na doutrina nacional, que, desde

cedo, apresentaram meios técnicos inovadores de representação de odores, como a

cromatografia e a cromatografia líquida, já esmiuçadas anteriormente nesta investigação.

E (quase) tudo Sieckmann levou

Uma vitória Pírrica do TJCE?

O aresto em apreço, gerador de um interesse sem precedentes para o Direito Industrial e

responsável por profundas alterações, teve como protagonista Ralf Sieckmann que apresentou

um pedido de registo de uma marca olfactiva do “aroma de substância química para cianato de

metilo” graficamente representada, no DPM.51

O aroma foi representado graficamente pela descrição verbal “aroma balsâmico-frutado

com ligeiras notas de canela”, fazendo-se referência expressa de que se tratava de uma marca

olfactiva. Ao mesmo tempo, acompanhou-se este pedido com a sua fórmula química estrutural

e com o depósito de uma amostra, consentindo ainda, a título subsidiário, numa consulta pública

da marca depositada, de acordo com artigo 62.º n.º1 da Lei alemã.

O odor era, assim, complexo e descrito de forma minuciosa, resultante do conhecimento do

seu requerente, advogado especialista em Propriedade Industrial.52

48 Por toda a sua importância para o caso subjudice, este caso será posteriormente desenvolvido e analisado ao detalhe. 49 SILVA, Pedro Sousa – Direito Industrial, pág.133 50 CARVALHO, Maria Miguel – “Novas” marcas – pág. 234 e 235 51 Leia-se Deutsches Patent und Markenamt. 52 Vide. SOUSA, Pedro Silva – Direito Industrial – pág. 134 e 135

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 18

Apesar de todos os esforços por parte do requerente, o DPM rejeitou o pedido, alegando

que o sinal não poderia constituir uma marca por não ter preenchido os requisitos formais e

materiais.

Inconformado com tal decisão, Sieckmann, recorreu para o Tribunal Federal dos Brevets,

que suscitou a questão ao TJCE, solicitando a informação sobre se um odor poderia ou não ser

registado como marca, e em caso afirmativo, em que termos.53

O Tribunal Federal dos Brevets submeteu duas questões ao TJCE.

A primeira, questionava se o artigo 2.º da Directiva devia ser interpretado no sentido de que

o conceito de sinais susceptíveis de representação gráfica apenas compreende os visualmente

perceptíveis ou, se pelo contrário, podem considerar-se neles incluídos os visualmente

imperceptíveis.

Se se obtivesse uma resposta afirmativa a esta primeira questão, a segunda seria se se

considerava que os requisitos de representação gráfica estão preenchidos desde que o aroma seja

representado por descrição verbal, fórmula química, apresentação de amostras, ou pela

conjugação de todas estes procedimentos de forma cumulativa.

Interpretação feita pelo TJCE

1. Artigo. 2.º da Directiva

Resposta do TJCE:

O TJCE considerou que um sinal visualmente imperceptível pode ser registado como marca

desde que seja graficamente representado.

No entendimento do TJCE, a representação gráfica é bastante importante para uma panóplia

de agentes. Em primeiro lugar, para os próprios titulares da marca, porque determina em concreto

o objecto da sua protecção, em segundo lugar, as autoridades competentes/examinadores ficam

a conhecer com clareza a natureza dos sinais que se propõem a registo, em terceiro lugar é

também importante para os operadores económicos, que devem poder verificar a natureza das

inscrições feitas nos diversos Offices e os pedidos solicitados pelos concorrentes e, por fim, para

os utilizadores do registo em geral, para conseguirem determinar a exactidão da natureza da

marca.

53 Trata-se efectivamente de um caso de reenvio para o TJCE, faculdade permitida pelo artigo 234.º do TC.

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 19

Para que tal seja perceptível por todos, seria necessário que a representação gráfica fosse

completa por si mesma, facilmente acessível e inteligível.54

Resposta do TJCE à primeira questão:

Um sinal visualmente imperceptível pode constituir uma marca, desde que seja objecto de

uma representação gráfica, apresentado por figuras, linhas, ou caracteres, ou seja, identificado

com exactidão.

Segundo este entendimento, esta aceitação só se afigura possível se a representação for:

clara, precisa, completa, facilmente acessível, inteligível, duradoura, inequívoca e objectiva.55

Resposta do TJCE à segunda questão:

Descrição verbal:

Relativamente à descrição verbal, o requerente utilizou a expressão “balsâmico-frutado com

ligeiras notas de canela”, e o TJCE considerou-a bastante subjectiva, impedindo a objectividade

necessária à identificação de uma marca.

O Advogado-Geral sublinhou que a capacidade dos sinais perceptíveis pelo odor preenche

uma função distintiva, o que é indiscutível.

Contudo, referiu que a aptidão dos sinais olfactivos para preencherem uma diferenciação

das marcas é apenas teórica, tratando-se de sinais insusceptíveis de uma representação gráfica

que permita a sua apreensão precisa.

Com efeito, o odor não preenche os requisitos de representação gráfica, e consequentemente

a clareza e precisão exigidos pelo art. 2.º da Directiva para poder constituir uma marca.56

Todavia, o TJCE aceita que a descrição de um odor possa, de facto, preencher o requisito

de representação gráfica, embora seja inegável que a sua aceitação se faça em casos equitativos

e com alguma raridade.

54 Vide. Considerandos do Caso Sieckmann, ou CRUZ, Rui Solnado – pág. 123 – A marca olfactiva 55 Idem.

E ainda, destaque para:

http://www.marcasepatentes.pt/files/collections/pt_PT/1/392/396/Ac%C3%B3rd%C3%A3o%20TJUE%20C-273.00%20de%2012.12.2002%20-%20marca%20olfactiva.pdf. E ainda, SILVA, Pedro Sousa - Direito Industrial - pág. 135

56 Tudo isto resulta das Conclusões do Advogado-Geral.

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VERBO jurídico A marca olfactiva : 20

Fórmula química:

Resposta do TJCE: Debruçando-se sobre esta possibilidade, o TJCE considerou que a

fórmula química em apreço, c6h5-ch= chcooch3 – representava o produto e não o seu odor,

carecendo assim de clareza e precisão, referindo ainda que a maioria das pessoas não

compreenderia a fórmula e que mesmo que o conseguissem fazer, não conseguiriam captar o seu

aroma.

Apresentação de amostras:

Resposta do TJCE: O TCJE não se alheou ao facto de uma amostra sofrer alterações com

o tempo, ou seja, faltando-lhe a durabilidade e a estabilidade.

Contudo, verifica-se que o TJCE não se pronunciou sobre outros meios de representação de

odores, tais como o e-mail aromático, cromatografia líquida de elevado rendimento, sistema de

classificação de odores e cromatografia de gases.

Considerações finais57

De forma sucinta, o TJCE assumiu que tratando-se de um sinal olfactivo, a descrição verbal,

a fórmula química, e as amostras, de per si, ou combinadas, não preenchem as exigência de

representação gráfica, e deste modo, o sinal não reunia os requisitos mínimos para ser registado

de acordo com as regras de harmonização do mercado interno em matéria das marcas.

Facilmente se conclui que, o TJCE afastou esses três meios como forma de representação

gráfica de sinais olfactivos, levando ao seu fracasso no espaço comunitário.

Mais uma vez, renovando o entendimento de PEDRO SOUSA SILVA, “o Tribunal adoptou

uma atitude de tal forma restritiva que muito dificilmente haverá uma descrição por palavras

escritas, da apresentação de uma amostra de um odor ou da conjugação destes elementos”,

termos em que, estabelecendo um paralelismo com o a expressão utilizada em epígrafe... “E

(quase) tudo Sieckmann levou”.

Retratando o cenário preocupante instalado no Direito das Marcas, quanto às marcas

olfactivas, e sem prejuízo de reconhecermos a cada vez maior preponderância da segurança

jurídica que a globalização convoca, não podemos deixar de apelar a que se considerem, com o

devido cuidado, as especificidades e interesses por trás das marcas olfactivas.

57 Apesar da epígrafe “Considerações finais” não nos demitimos de as estabelecer ao longo desta dissertação.

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MIGUEL CUNHA MACHADO A marca olfactiva : 21

Retomando algumas considerações pretéritas, a dúvida quanto às formas de representação

gráfica é unânime.

Na sequência do acórdão Sieckmann, o desafio será encontrar novos meios de representação

gráfica sem se recorrer à descrição, descrição verbal, e apresentação de amostras, o que exigirá

uma grande imaginação para conseguir a proeza de registar uma marca olfactiva.58

Preocupa-nos que exista esta grande falta de rigor, daí a nossa exposição ter versado,

essencialmente, nas posições tomadas em diferentes países, de forma a auxiliar o intérprete na

busca de um tronco comum entre as posições tomadas.

As marcas olfactivas são efectivamente um importantíssimo instrumento de posicionamento

num mercado cada vez mais exigente, considerando-se que o poder olfactivo é uma das maiores

ferramentas de marketing, influenciando o consumidor, enquanto animal multissensorial,59 nas

suas escolhas.

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58 Vide. Referências anteriores ao sistema de classificação de odores, cromatrografia de gases, cromatografia líquida

de elevado rendimento e o e-mail aromático. Este último, pelo seu carácter inovador, importa desmistificá-lo. Deste modo, o e-mail aromático diz respeito a um “software acompanhado de um dispositivo periférico que se liga ao computador do destinatário. Este contém uma série de odores são activados e misturados de acordo com as ordens transmitidas pelo software” – Diapositivos cedidos por Maria Miguel Carvalho, na Unidade Curricular de Introdução ao Direito Privado Europeu, da Escola de Direito da Universidade do Minho.

59 Expressão de Maria Miguel Carvalho, nos diapositivos fornecidos aos Mestrandos na unidade curricular de Introdução ao Direito Privado Europeu, da Escola de Direito da Universidade do Minho.

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MIGUEL CUNHA MACHADO Portal Verbo Jurídico | 01-2014