mia couto, ler, 200910
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cima
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porttilenobolsotrazocaderninhodeapontamentos.Osinstrum
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quevaosurgindoestaosempreporperto.MiaCoutoacreditanasvirtudesdoesquecimento,
comoadianteseve
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osseuslivros,comoomais
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UE A ESCRITATO
MECON
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DEMIM.FICA
ENTREVISTAD
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RLOSVAZMARQUE
S
FOTOGRAFIADEPEDRO
LOUREIRO
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Quevirtudesencontranoesquecimento?O esquecimento como se fosse a pgina onde nsescrevemos.
O lugarembrancodessapginaondeescrevemos o presente cria-do pelo esquecimento. Mas sempreum falsoesquecimento,no
existeum esquecimento verdadeiro. O esquecimento toconstru-
docomo a prpria lembrana. o outrolado queficainacessvel.
Perguntei-lhe isto porquea necessidade de esquecer temsido umaideiarecorrenteemvrioslivrosseus.Sim, eusou alimentadopor aquilo que umprocessodeamnsia
colectivaqueagora atravessa a sociedademoambicana. um es-
quecimentoqueseadoptou como soluoparaescapar deumtem-
po,de umamemria.
Amemriadaguerra?Sim.Se visitaragora Moambique ningumse lembrade nada.No
aconteceunada. Foram 16anos deguerra, talvezdas guerrasmaiscruisque possvel imaginar, morreuum milhodepessoas e no
aconteceunada. Noexisteregistonenhum.Ningumsequerlem-
brar. Haliumenterro daquilo quefoi.
Issocorrespondessituaesdeamnsiaporquepassamaspessoasqueviveramumasituaotraumtica? uma misturade economiade sofrimentocomumprocessode sa-
bedoria. Porquese percebe queas razesdesseconflitoainda no
estocompletamenteresolvidas. Halitenses queno valea pena
despertar. Portanto, vamos deixar os demnios dentroda caixa.
A estratgia essa.
Oseultimolivro,Jesusalm(Caminho),abrecomumaepgrafeondese
faladodesejodeesquecercomoomaisviolentoemaiscegodosdesejoshumanos.DeondequevemessafrasedoHermanHesse?Nosei.Apanheiessafrasej emestadode citao.Pareceu-meque
eraumaboamaneiradeabrirestahistria.
Acreditarealmentequeodesejodeesquecermaisfortequeapul-sodamemria?Nofundosoamesmacoisa.Oprocessoquelevaaescolher,aselec-
cionaraquiloquesobreviveeaquiloquedeveserapagadoomesmo.
umprocessoficcional.Porqueoqueseescolhenuncaexactamen-
teverdade.Ascoisasnuncasepassaramexactamenteassim.
sempreumaelaboraosobreosfactos? uma elaborao. Tal e qualcomoo relatode umsonho sempre
umaelaborao.Ningumse lembraexactamentedo quesonhouporqueissoimplicavafalara lnguadossonhos e ningumfalaa ln-
guadossonhos.Quando fazemosestatraduo temos de colocar
aquilonuma outraordem, numa outralgica.
J no romanceOOutroP daSereiaobarbeirodiziaqueprecisoesquecerparaterpassado.omesmoprocesso?Exactamenteo mesmo processo.Quersejaem termos colectivos
(amemria deumanao), quer setratedamemria individual,ela
feita sempre deste processo de reelaborao ficcional, digamos
assim.Nessesentido,somostodosescritoresquando reescrevemos
o nossopassado. A aco,com o tempo,transformou-senuma coi-
sa cada vezmaisdifcil.Quantomenosnospodemos reverno pre-
sente, mais somos atirados para o passado. O passadosurge comumagrandeurgnciapara termosalgum tempo queseja nosso.
Masdepois percebemos queessepassado umacoisaque ouno
est lou umamentira, umainveno.
Oquemeparececuriosoeinvulgarofactodeproacentotnicono esquecimentoquandonormalmenteos criadores pem o acentotniconamemria.Eu vivieste processode umamaneiraintensa. Esta habilidade de
esquecerfoinotvel.Foi umadas coisasque maisme tocouemtoda
a minhavida. Este consensosilencioso de umasociedade inteira,
semnunca trocaropiniosobreisso, comosefosse umacoisa deci-
dida partida.Parecia-metoinvulgar, tofantstico,quespodia
entenderisso percebendo queeraa reiterao deumprocessoan-
tigo.Quandovou procura,porexemplo, dememriasda escrava-
tura ou deguerras anteriores, percebo queocorreuo mesmo pro-
cesso.Portanto, haquiuma coisaqueestinscritanaquiloque
a cultura delidar com o tempo.
A amnsia.
A amnsia como estratgia desuportaro prprio tempo.Issopodeservistocomoo v,comoalgodesbio,mas tambmse podeargumentarqueguardarosdemniosdentrodeumacaixaalgode muitoperigoso. sempremuitoperigoso.E achoqueestamosa pagaro preodis-
so.Quandoessetempo votadoa este esquecimento, isso nonos
ajudaa construir aquiloquepodemosquererque sejamosnossos
mitos fundadorescomo nao, como gente,como povo. Comesta
ausncia,comeste vazio, estamos semprea comear.Mas tambm
haquiumaconta que sefaz:estamosconvivendocomumpresen-
te cheio de surpresas queno podemosdominar e temos de ter
a habilidadede serqualquercoisa, de seroutros. Quantomenos
trouxermos do passado alguma coisa quenos obriguea sermosquemj fomos, melhor, maisdisponveis estamos.Os moambica-
nos esto disponveis paraser qualquer coisa na modernidade
e abraam isso comuma facilidadeenorme.
32 [outubro 2009] revista LER
[ ]Entrevista
EMMOCAMBIQUEnaoaconteceunada.Foram16anosdeguerra,
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revista LER [outubro 2009] 33
comoumviajantecommaismobilidadeporviajarmenoscarregado.Eleno traz a mochila dopassado.Estnaestrada espera doque
possa acontecerque o convide a ser qualquer outracoisa. essadisponibilidadequeestali presente.
Esteprocessodeamnsiatambmaconteceunoseucasopessoal?Aprendiaperceberqueissoquenosentreguecomoonossoretrato,
oretratodequemj fomos,nopodeserlevadoasrio.Porqueseno
eunoteriatambmessamobilidadedequefalamosnosentidoco-
lectivoequemeapeteceter.Tivedeviajarnumacoisaqueeraaminha
heranaportuguesa,europeia,parapoderabraaroutrasidentidades
enofazeristoscomoumavisitatursticaporoutrasidentidades.
Psdepartemuitacoisadoseuprpriopassado?No.Entendi que tinhade lidarcom issocomocom umlivro: uma
coisaquefoi construda, elaborada.Osmeus paisconstrurampara
mime para os meus irmos umafamliaficcionada. Noexistiamavs queme poderiam marcarfazendoessa descrioemocional
e afectiva.Notnhamosa presena deprimos,de tios, essa presen-
afamiliar quecriao vnculocom o passado.Atcom umcertosen-
timento deeternidade.Os meus pais contavamhistrias. A minha
meumagrandecontadoradehistrias,sempredeummododi-
ferente.OtioAblioerasempreumapessoanovaeaquilotinhamui-
tagraaenspercebamosqueanossafamliaestavasendocons-
truda. Os meus pais eram eles prprios os avs, eram os tios.
O lugaronde eunascitambmera umbocadoficcionado.
NasceunacidadedaBeira.A Beiraera umacidadeafricana,digamosassim.Masquesonhava
ser Europa, ser Portugal, ser uma grande cidade. Vivia quase emestadode fico. Foi construda numterritrioproibido,numpn-
tano.Omarentravatodososdiasporalidentroederepentenosa-
bamossequer se tnhamos cho. Isso ajudou-mea verna fico
umacoisa toreal como as grandes famlias, a ptria,o territrio.
Nofundoanicacoisaquetenhocomorealacasa.Acasa,sim.
Acasadasuainfncia?A casa daminhainfncia,essasim. comosefossea minhaptria.
Aindaexiste,essasuaptrianaBeira?Fui lrever. umacoisamuitocuriosaporquefui lcommedo. Pas-
saram-se20 anos e eusabia quetinhade fazeraquelaexcurso.
Achamada romagemdesaudade.
Sim. Daqual samossempre a perder. Masfui l e quandochegueia casaera umdestroo.Eramsrunas.
Issoafectouasuamemriadela?Tive quefazer alium jogo.Realmenteaquilo foium choque.Fiquei
quase arrependido: porque quevim?Depois tentei saber quem
eraodonodacasa.Elenoestava.Deiavoltaefuiparaoptiotra-
seiro.Estavaml unsmeninosa brincar. Curiosamentebrincavam
a algumas dasbrincadeirasa que eutambm brinqueinaquelep-
tio.Os mesmosjogoscomos mesmosnomes.Aquelemomentosal-
vou-me.Pensei:A casano exactamenteo queest ali. estare-
laocomotempo.Essacasaqueestdentrodemimnuncaficar
emrunas. Salvei-mepor causadessejogo infantil.
Lembra-sedomomentoemquetomouconscinciadequeeramoam-bicanoenoexactamenteumcolonodesegundagerao?Noseisefoiummomento.Houvemomentosemquemeconfron-
teicomestacoisadequemsoueu?
Questes com que, em vrios dos seus livros, inclusive no ltimo,os seus personagensseconfrontamtambm.
Sim, sobrea identidade. Acho quenuncacoloqueiemcausaqueeraparte deMoambique. O facto desermoambicano brancocoloca-
va-mealgumas questesdequanto, porinteiro,eu pertenciaque-
lelugar. Sepodiacasar com umlado mais ntimo, mais sagrado da-
quele territrio. Vrias vezes me confrontei e pensei: H aqui
portasem queno possoentrar.
Aindasemantmesseinterditonalgumasdessasportas?Nalgumas portasnoposso entrar mesmo.No pordecisodas
outras pessoas masporque os meus mortosno esto ali. uma
sociedadequedefineoqueounoprprio.UmlugardosVaz
Marques, vamos chamar-lheassim,porqueos seus antepassados
estol enterrados. Portanto, haliumarelao coma terra,com
o ladodivino, a que eunotenho acesso.Sente faltadessarelao ouintegraissocomoalgodenatural e semdrama?Sintofaltaejsenticomodrama,comtristeza.Masagorano.Sin-
tofaltacomo dequalquer coisa que sei que ummundo que no
posso visitar completamente.
Houvealgumdrama familiarnadecisodese envolvercom a Frelimo?No.Shouvequandodecidi abandonaros estudos dauniversida-
deporcausa dessaopo.
Jestava emMedicina.EstavaemMedicina.QuandoentreiemMedicinaaFrelimocontac-
tou-meepediu-meparaotermousadoera infiltrar osrgosdein-
formao.Portanto,euiriadeixardeestudar.Oupelomenosestudarscomodisfarce. A,foipreciso falarcomosmeuspais. Mas apesar
detudoeles aceitaram.ForamcontactadosporalgumdaFrelimo
quenegociouqueainterrupodocursoerasdeumanoequede-
poiseuretomava. Mas a minhaeducaona infnciaj foi paraque
eu, senofosse daFrelimo,viesse a ser pelo menossimpatizante
dacausadalibertao.
Osseuspaissentiam-se,eles prprios,moambicanos?Osmeuspaissentiam-seafavordalutapelaindependnciamasnose
sentiammoambicanos.Sentiram-sesempreportugueses,comsauda-
desdePortugal,mascomumamorprofundoporaqueleterritrio.Eles
tmagoraoitentaetalanosepensoquevoacabarasuavidal[em
Moambique].Sopessoasqueestorepartidasentredoismundos.Perguntei-lhesehouvedramaporque,apesardetudo,integraraFreli-moimplicavaumaruptura,nemquefossesimblica,comopasdosseuspais.Issonodeveserfcildegerir,emocionalmente.No,porqueem minhacasaouvamos,por exemplo, a rdioda Fre-
limo, por deciso domeupai.Ele prprio nos dizia: que seeu fosse
mais novofugia,ia parao outrolado.OoutroladoeraaTanznia.
Achoque haquiumagenerosidadea queeu nemsequerdouo de-
vidovalor. Elessabiam queestavam a criar trs filhospara serem
de?umoutroterritrio, deumoutromundo.
Estavama oferecer filhos.Estavam a oferecer filhos a um outro pas queeles amavam. Era
a consequncialgica daopoquetomaram.FoiaFrelimoqueodesvioudaMedicina?Foi a Frelimo.Depoisveio o jornalismo. Maso jornalismo porcau-
sadaFrelimo.Aprendia gostar deserjornalistae aprendi a gostar
talvezdasguerrasmaiscruisque possvel imaginar, emorreuummilhaodep
essoas.Naoexister
egistonenhum.Ning
umsequerlembra
r.
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deseroutras coisas, a gostar deescrever, detrabalhar comteatro.
Quandodecidiregressar universidadeeraparaMedicina queia
mastiveque repensar aquilo tudo. Reinscrevi-me em Medicinae mandaram-me refazer as cadeiras de Anatomia,queeram um
pesadelo.Disseram-me queera porcausa da revoluoe eu per-
guntei: Mas coma revoluo o corpohumanomudou?[Risos.]Dis-
seramquenomasqueosmtodostinhammudado.Foiaquede-
cidi irparaBiologia,ajudadotambm pelo factodeestarcasadocom
umamdicaeporsaberquecomamedicinanotinhatantoespa-
opara fazeroutras coisas.
Fezocursol?Sim,em85.
LiqueparapassardesimpatizanteamilitantedaFrelimotevequepas-sarnumaprova.
Haviaumaprova, sim. A chamadanarrao de sofrimento.Quesofrimentoquenarrounessaprovadeadmisso?Eunotinhagrandesofrimento. [Risos.] Aquilosignificavaqueha-
viaumaseleco. Era umpartido quenoqueriasimplesmente re-
crutare angariars paraefeitosdepopularidade. Todoo militante
tinhadepassarporessaprovadupla:noseuempregoenoseulu-
garde residncia.Assisti a vrias. Vigenteque tinha sofrido mis-
ria, tinhasido presa.Eu tinhatido umavida boa, nuncatinhasofri-
dopor aalm.Entodisse:Eusofrode outra maneira, sofroporque
sonhocomumacoisaaquenopossopertencer,estacoisadacau-
sa;sonhoquepodiaandarlacombater(tinhaaimagemidlicado
CheGuevara,umacoisamuitoadolescente);sofroporverosoutros
sofrer, porver casos de racismo, queme explicaram.O retratodo?queeraa sociedadecolonialestava alisemmscaras.
Sofreuquandonooautorizaramaintegraralutaarmada?Sim.Esteprocessoacontecej depoisdo25deAbril.Eutinhaligao
comaFrelimonaclandestinidade,antes.issoquemefazentrarnum
rgode informao.Entreiparao jornalismoantesdo 25deAbril.
Militante,sdepois?Formalmesmo, s depois.
Depoisdaindependnciaouaindaantes?Ainda antes,logoa seguirao 25 deAbril.
Portanto,jestevecomomilitantenoEstdiodaMachava[ nacerim-niadadeclaraodeindependncia].
Sim. Jtinhacartoe tudo. Antes tinha tido colegas meus queti-nhamfugidopara integrar o exrcito de libertaoe tinha notcia
dequeindivduosbrancos e mulatosnopodiampegaremarmas.
Porhaver umadesconfianada Frelimoemrelaoaosbrancose mu-latos?Basicamenteera isso.Haviauma linhamais racistadentroda Fre-
limoquedizia:Ehp,essestiposno!HaviaalinhaabertadoSa-
mora Machelque dizia:Nohraa,todos osmoambicanosme-
recema mesmaconfiana.Masa soluodeequilbrioera assim:
Estestipos merecemconfiana masquandotiveremquedisparar
comumaarmasobreumprimoouumtiooquequevofazer?
Essaquestoalgumdialhepassoupelacabea?
Passou, porqueeurecebiaem minha casa primosqueno conhe-ciae quevinham parar ao exrcito colonialportugus.Passavam
dias emminhacasa. Eusonhava que ia passara fronteira e pegar
emarmase isso atravessou-meo espritocomo umdrama.
Eresolveuessedramanasuacabea?No, porquefelizmente nunca tivequepegar em arma nenhuma.
Seriaum desastre.Essa desconfianaem relao aosbrancos correspondia, no fundo,a umasituaoderacismo oficialdentro daFrelimo.Sim, exactamente. O MPLA, em Angola, nunca o teve toaberta-
mente.Tambmhaviaracistasno MPLA masnuncativerampeso
suficienteparaobrigara fazeruma concesso dessas.
Comoqueconviveucomisso?Deumamaneira muitom.Foiumprimeirochoquequetive. Nun-
ca pensei quehouvesse essaexcluso:nspodermos sermilitan-
tesmasnoporinteiro.
A suanarrao dosofrimentopoderia tertidoissocomomatria.Noevoqueiisso.Faleisobreopassadoqueeradoquesefalava
Aindahmarcasdessamatrizracistanasociedademoambicana.H, mas muitopoucas. Estes 30anos emque a Frelimoestevenopoder e penso que ainda estarpor umtempo produziramum
resultado notvel: a ideia deque Moambique um pas que est
abertoequecompostoporummosaicodegente,porculturasdi-
ferentes. A Frelimodeixouissobem marcado. Erauma coisa que
estavanascanes,nasmensagens,na maneiracomo eramnomea-
dosos quadros.
Aideiadeumanaomultirracial.Sim.Agora,nose resolveu porcompleto. Tambmnoconheo
nenhumpasdomundoqueo tenharesolvido. Nomeuquotidiano
esqueo quetenhoraa. Masde vezem quando, muitoraramente,
tropeo nisso.Algum mefaztropearnela.Algumlho lembra?Sim:Ateno,quetutensraaetensaquelaraaqueadeumpas-
sadoquenosequer.
Issoaconteceaonveldopoderouaumnvelpopular?A nvelpopular, quase nunca. lembrado quando huma portaes-
treitae s pode passarum. Imagine: precisoescolherum repre-
sentante da cultura ou da literatura. Pensa-se duas vezes se no
melhorencontrar umoutro.
Seria possvela instrumentalizaodessasdiferenasraciaisparafinspolticos comotemacontecido noZimbabu vira acontecertam-bmemMoambique?Humatensolatente?
No h. A nossaHistria bem diferente.Htodos osmotivosparapensarqueissoinvivel.Masprecisoestaratento.NoZimbabu,
h 10 anos, tambm sepensaria queisso era completamente im-
provvel.Esta coisa de um dirigenteestara perderpodere recor-
rera algo queera completamente impensvel porquerazopode-
riaacontecercomMoambique?
Derepente,soltaram-seos fantasmas.Podeser a raa,a tribo, a regio. Asmaiores tensesemMoambi-
quenosotantodaraa porqueosbrancosmoambicanosrepre-
sentam0,01porcentoedetmmuitopoucodoquehojeaeconomia.
Oscentrosdaeconomianoestocomeles.Aterranoestcomeles.
AterraaindaestcomoEstado.
A terra doEstadomas deumamaneiraencobertatemproprieda-deprivada.Emboraissoseja ilegal. Sabe-se queh donosdaterra.
A terra compra-se evende-sea umnvel oculto. Mas osgrandespro-
prietrios sooutros. gente, svezes,ligada aopodertambm.
34 [outubro 2009] revista LER
[ ]Entrevista
ESCREVEMOSpararesolverqualquercoisaque umacarenciainterior,sim.muitocomumserofactodeestarmosrfaosdanossa
propriainfancia.Estamosprocuradeumoutrot
empo,que
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Dequemodoaquiloqueescrevefoimarcadopelofactodeserprove-nientedeumaminoriatnicanoseupas?
Foi marcado no sporser minoria.Li qualquercoisa sobreo factodeosescritoresquetmumacertadimensoseremresultadodemi-
graes.Haliumaespcie deferidadeorfandade, digamosassim.
Hqualquercoisaquefazirembuscadaorigem,daminhahistria,
etc.Humaportaqueestaliequeaescrita:aliteratura.
Sentequeessaorfandadefoiummotorparaasuaescrita?Escrevemospararesolver qualquercoisaque umacarnciainte-
rior,sim.muitocomumserofactodeestarmosrfosdanossapr-
priainfncia.Nopropriamentedessadeslocaodeterritrio.Esta-
mosprocuradeumoutrotempo,quevivemoscomoumparaso,
comumaespciedeplenitude.O quenomeucasotambmacontece.
A minha ptria a minha infncia.Tiveumainfnciaplena,feliz,ab-
soluta.Maisdoqueserfilhodeimigrantes,soufilhodessainfncia.Ofactodepertencertalminoriagerouequvocos,algunsatdiver-tidos,comoofactodeoconfundiremmaisdoqueumavezcomumamulher negra.
Sim, aconteceu-me.
Hoje,sendomaisconhecido,imaginoquejnohavertantosepis-
diosdesses.Pareceincrvel masainda acontece.Asediesfrancesasdos meus
livros notmfotografia. UmprofessorcongolsdeLiteraturache-
gou a Maputo, telefonou-mee disse-me: Ainda bemqueo encon-
tro, querofalarconsigo, porqueuso osseus livroscomo um exem-
plode umescritorafricanoquevai buscars suas razesafricanas
a cargadosseus antepassados.Eledisse aquilodetalmaneiraque
notivecoragemdeo contrariar.
Aotelefone.Aotelefone.Mas eledisse: Agora vamosencontrar-nos. E euno
lheconsegui dizer. Perguntei qual era o hotel,como que o senhor
estavavestido, demoreiumbocadinhoe elevoltoua telefonar e dis-
se-me: Entretantofiz umtelefonemae sei que o senhorno exac-tamente dastribosmais representativasde frica. Quandome
encontreicomeleainda noestavaconvencido.Deviahaveralgum
antepassadode que eu no me lembrava. Perguntava-me se eu
vivemoscomoumparaiso,comumaespciedeplenitude.Aminhapatria aminhainfancia.
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sabia a histria dosmeus antepassados todos.Eu disse quenomas que nunca tinhahavido fricanaminhafamlia. E ele:No,
no,halgumedoCongo,porquehaquicoisasquetmaver
comoqueomeuaveomeubisavmecontavam.
Issoengraadoporqueremeteparaofactodeaspessoasquereremmuitasvezesencaixaras coisasnum clich.Issoperturba-o?A mimdiverte-me. Essesequvocosso umaprovado que a mi-
nhaprpriavida.Lembrei-me agora deoutrocaso contado pela
professorabrasileira deLiteratura Laura Padilha.Elaestava com
o pai, negro,muitovelho, acamado,e leu-lhe unscontosmeus.E o
senhordisse:Essehomemumvelhonegrodafrica,muitove-
lho,porqueo meuavcontava-mehistrias queeram parecidas
comestas.Afilhadisse-lhe:No,esteumbrancoenaalturaeramoo.Maseleinsistia: No,eleouviuisso emalgumlado.Estas
coisas,paramim,so como prmios.Nosentidoem que possvel
atravessar e contrariar esses esteretiposde quem quem.
Ahistriamaisdivertidaaqueladosvestidosquelheforamofere-cidospelasautoridadescubanas.Essa assim:euvouparaCuba, como jornalista, e recebemos, todos
ns,caixascomprendas. Estvamos no tempodaguerra, nohavia
nada,e euestava ansioso por abrira caixa. Quando chegueia Mo-
ambiqueabri e eramvestidose brincos.
Aindaguarda isso?Dei minhamulher. Mas jfoihmuito tempo.
Como quereagiu?Com espanto, sentidodehumor, irritao?Diverti-melogo. Rimo-nostodos,l emcasa.Umavez, no Porto, fui
convidado para umaconfernciae ficmosnuma casa dehspedes.
Uma coisa deluxo.Vi que o homem darecepo,quandome viu,fi-
couatrapalhadoe quedavaordensparadesfazer qualquercoisa.Tinham-mepreparadoo quarto cor-de-rosa. [Risos.]
AindaexisteobilogoMiaCouto?Ah,sim. Comcarto-de-visita e tudo.
36 [outubro 2009] revista LER
SOUMUITOmaucientista.Deviaserreprovado.Ocritrio sabersemexecomigo.
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O seucarto-de-visitadiz bilogo?Sim,nodiz escritor. Esseimprodutivoest expulso.
Masoseudia-a-diaconsumidopelotrabalhodebilogo?. Em termos denmero dehoras, sim. Entro demanh, soito
da manh,e saio sseisdatarde,sendos bilogo. noite, ento,
souescritor. Souum escritornocturnoe deinsnias.
Nuncapsahiptesedeserescritoratempointeiro?No.No quero.
Porquegostatanto dabiologiaque noconsegue larg-la ou porquenoquerqueaescritasetorneprofisso?Hvriasrazes.A escrita umapaixo enorme. umavertigem.
Euno quero que ela tomeconta demim.No quero lev-la muito
a srio.Ficavalouco.Gostomuito detrabalharemequipa,com pes-
soas.Gostodeproduzir, deverresultados dascoisasfeitasemequi-
pa.Issoumacoisadequenoqueroabdicar.Oquequefazenquantobilogo?Estudos de impactoambiental. Fazemos alguma pesquisa para
planosde gesto de reservas e parques, reasde conservao em
Moambique.
Oquequeestafazernestemomento?Estou a fazero estudo sobre a barragem de Mpanda Nkwua, no
Zambeze, a 60quilmetros dadeCahoraBassa. Est-se a pensarse
vivelou no. Isto implica falarcompessoas, pensaro reassenta-
mentodessagentequevivenaquiloqueareadeinundao.Im-
plicaveras consequnciasnavegetao,nafauna,etc. umtraba-
lhode quegosto.H alitambm umaoportunidade,comoescritor,
para falarcomgente e recolherhistrias. Essa divisono muitoclara:quando estou a serbilogo, quandosouescritor. H umas
interfernciasque sealimentamreciprocamente.
Essetrabalhopermite-lhe irprocuradasvozesanoitecidas.Dasvozes anoitecidas,sim.Euestou semprel,semprerecebendo
histrias,semprenaszonasrurais,comgente.Voumostrar-lheuma
coisaquesencontroporquefaoistodabiologia.Quandoacabeieste
ltimolivro,Jesusalm, fuifazer umdocumentriosobreparques e
reservas. Eusereio condutordestahistria. [Abreo computadorpor-
ttile comeaa mostrar-me fotografiastiradasduranteasgravaes.]
Haquiumrioeeuencontroestehomemqueestaqui.Chama-se
Nguezi.Veja:usabrincos,colares.Na reservadisseram-me: hum
gajoaqueumcaadortradicionalesemprequeprecisomatarumelefanteou umacoisaassimmaisperigosavai-sechamarestese-
nhorporqueelesonhacomoespritodosanimais.Primeirofazuma
triagemparasaberseaquiloumanimalverdadeiroouno.Depois
eleestblindado:nuncaumanimallhepodefazermal.Eudisselogo
quequeriafalarcomestefulano.Vamoslcomascmarasdetelevi-
soeelediz-me:Eunofaloportugus,noquerodarentrevistane-
nhuma,noseiquem vocsso.Estavasentado numaesteira com
umfaco,umacatana,afazerumacestadevime.umadascoisas
queeuponhooSilvestre[personagemde Jesusalm] a fazer. Portan-
to,eu reencontreiaminhapersonagem.Estetipoviveabsolutamen-
teforadomundo.Temdeseandarhorasparasechegaraostioonde
estafamliadele.Otipodiz-me:Nofao.Eeudespeo-me:Mui-toprazer.Faleiemportugus, embora eledissessequenofalava
portugus.Disse-lhe:Fazmuitobem,eutambmnodavaentrevis-
tas a umtipoque aparecesseassim emminhacasa.Eleolhou para
mimpelaprimeiravez e perguntou aos outrosquemeraeu.Disse-
ram-lhequeeucontavahistrias,queescrevia.A, qualquercoisamu-
dounele.Disseparaeuvoltarnodiaseguinte,quemeiamostrarumstioqueseleconheciachamadoagrutadashienas,ondenascem
ashienas.Fuilbusc-lodecarronodiaseguinteeelenoqueriaen-
trarnocarro.Porqueestesfulanosquetmespritosde animaisno
entramemcarros.Tivedefazertodaumahistria, abrirosvidrosto-
dos.Elefoideolhosfechados,dentrodocarro,comumaarma.Dere-
penteestremeceediz:aqui.Saidocarroecomeaaconduzir-me
pelo mato.Vai mostrandopegadasdeanimais. O mato estavamuito
fechado e eledisse:D-me uma catanae euamanhjtenho isto
prontoparavoslevaraostio.Ohomemjtemumacertaidadeeeu
dissequeelenoiaficaralidenoitecomacatana:Venhajantarcon-
nosco. Eleperguntou:Hvinho portugus? E eudissequesim.
Estehomemnuncafoicidade.Chegouprximoenuncaquisentrarporquedizqueviuquealiquemmandavaeraodinheiro.
o Silvestre Vitalcio [noromanceJesusalmSilvestre isola-se domundocomosfilhos]. o SilvestreVitalcio.Masno s.Quando, noite,lhe perguntei
senodiaseguinteamosverosanimais,respondeu-me: Voc no
percebeu queeu soucego, que quase novejo? Perguntei como
era possvel.Ele tinha-nos mostrado o mato e as pegadas. E ele:
Mas noera eu que estava a ver; quandoestou assimalgum v
pelosmeusolhos.Eleconfiouemmim,pediu-meparaolevarci-
dade mastinhade sereu: Voc umamigo. Ialev-lo aohospital
para queelefosse a umaconsulta porque hmuitotempo atrs ele
dispararae umsoprode plvoraentrara-lhenos olhos. Nofim deJesusalmoMwanito[filhodeSilvestreVitalcio]diz:Eutenhoce-
gueira. E o irmodiz: No, no podeser, como que vocescre-
veutudoissosemver? Era a perguntaqueeu estavaa fazera este
homem. E nolivroele diz: Deixo deser cegoapenasquando escre-
vo. Para este fulano, andar no mato e ver as pegadasera o seu
modo de escrever. Isto marcou-me muito porquej estavatudo
escrito e nofundo vima descobrir que o tipoexiste, no ?
Querdizer,oseulivrotevealgodepremonitrio.Nofoiestahistriaqueviveuqueolevousuahistria.No.Olivrojestavaacabado.ChegueiaMaputoepensei:Istotudo
estna minhahistria.Fui procurarcomo quetinhaescrito.
ComoqueoMiaCouto,bilogo,cientistaconvivecomesteladom-gico,dasuperstio, africano? porque eu soumuitomau cientista. Como cientistadeviaser
chumbado e reprovado. Devia-meser retirada a carteira. O critrio
paramimsabersemexecomigo.Setembeleza,sedesarrumaal-
gumacoisa, houtra verdadequeestali. umadasvrias janelas
quequero abrirpara entrar luz, para vero mundo. Mas no uma
crenatotal.Seeuquiser pegar nomeu ladodecientistadigoque
j estou sensibilizado. Isto aconteceucomo aconteceum leque
de coisas a todaa gente.Fui marcado por estas porqueasescolhi.
Comosefosseumamemriasavessas.Masnoseiseistome
satisfaz.Prefiro deixar emaberto a explicao.
Mashconflitoemsientreessasduasracionalidades?H, de vezem quando. Massei resolver isso dentrode mim. Mas
nemquero assim tanto resolver. Fico feliz comessasvozesml-
tiplas,queno tmde serclassificadas.
revista LER [outubro 2009] 37
janelasquequeroabrirparaentrarluz,paraveromundo.Masnao umacrencatotal.
Setembeleza,sedesarru
maalgumacoisa,houtra
verdadequeestali.umadasvrias
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ApercepoquenaEuropasetemdefricaedessesaspectosafrica-nos parece-lhe umapercepocorrectaou distorcida?
Quase sempredistorcida. Quase semprefolclrica e extica. Qua-sesempre como prova deuma coisamaisou menosprimitiva,de
umpensamentomgicoque jhouve hmilniosna Europamas
que, entretanto, foi um assuntoque jseresolveu aqui.No como
umaideia dequeesse tipode racionalidadeafinalest presenteem
todose sumaquestodegraduao. Oseuropeustmaindaden-
trodeles, residindo,o mesmopensamento mgicoque osfazira F-
tima dejoelhos para resolver problemas.Esse tipo decoisas emre-
lao squais noquero reproduziro mesmo tipo de preconceito
queoseuropeuscometem quandofalamsobreascoisasprimitivas
de frica.
Opodermoambicanolosseuslivros?
Acho queuma partesim. Tenhosinaisde quesim.Sinaisde incomodidade?Hgente dopoder que tem uma atitude simptica e que mecongra-
tula. Mash outrosquepreferema distncia:No aconteceunada,
ningumfeznada.H umareacoquemepareceinteligentedo
pontodevistadaestratgiadopoder:istocirculapouco,sefossetea-
troou seo queeu dissessetivessemais circulao provavelmente
a reaco noseriatoamorfa.Assim:deixapassar. Tambm pre-
ciso dizer queali jexisteuma democracia,umamodernidade, uma
atitudecivilizadaem relaoa estas coisas.Issofoi sendo constru-
donosltimosanos. preciso dizerisso.
Fiz-lheestaperguntaporque,apesardetermoscomeadoporfalarde
esquecimento,hemJesusalmumapassagememquefazquestodelembrarocasodojornalistaCarlosCardoso,assassinadodepoisdeterfeito denncias decorrupo.Foiumaforma,neste caso,deten-tarcombatero esquecimento?Foi, sim. Semdvida. No foiuma coisa queeu tivesse planeado:
Agoravou meter poraqui esse tipode recordao amarga. Mas
nesse confrontoqueesta famliada histria fazcoma cidadehou-
vecoisasqueeuquis quefossemimpossveisdeesquecer, queno
fossem sujeitasaomesmoprocesso de ocultao.
Porisso lhepergunteise lidopela classedirigente,porque imaginoqueistopode eventualmente tocarumou outroresponsvelpoltico.Toca.Mas seolharpara o conjuntoa atitude moderna,civilizada.
Peranteo casoCarlosCardoso, Moambique fez algo queme pare-ce surpreendente: umaparte dosculpados foiencontradae julga-
da.Foi feitoumjulgamentopblico.
Maschegou-seotopodapirmide?No. No sei se sevaichegaralgumavez por Por coisas que no
possodizeraqui.[Risos.]Porquehaliumanegociaode silncios
quepossoat dizerqueentendo comopoliticamentenecessrios.
Outravezatalvirtudedoesquecimento?A virtude doesquecimentoEucontra mimfalo, contra toda a luta
paraquese encontrassemos verdadeirosculpadosdoassassinatodo
CarlosCardoso.Hojecontinuoamilitarporisso,sepreciso,mastam-
bmentendoqueoassuntonotosimplesassim,tofcilassim.
Sente-seumsmbolodeMoambiquenoexterior?Eu noquero. Recusomuito essa ideia de que possa representar
outracoisaquenosejaeuprprio.Mas
Masjrepresenta.
Opontoesse.Comoquemevemamim.Comomeolham.Ano
posso fugir e at o faocomorgulho e com gosto.
Sente-seconfortvelnesse papel?No.Mas h aquiumconflito dentrode mim. Por umladogosto,
porqueachoqueh stiosonde euchegoe onde Moambique no
chegou de umaoutramaneira. Sinto queesse papel pioneiro pela
literaturabonito.Noumacoisapessoal.quequandoalitera-
turaabre portasao que no esperadoquecheguede frica um
futebolista,umdanarino,um msico isso d-mealgumavaidade.
Achoque importanteque,de frica, cheguem sinaisque esto
paraalm desse esteretipo.
AlgumavezpsahiptesedeviverforadeMoambique?No.
Maseulembro-medeumaentrevistasua,hquase10anos,emque,
justamente apropsito daquestodaraa,diziaquehavia uma sinali-zaotopresentedofactode ser brancoqueissonaalturao incomo-davaeondereferiaahiptesedeterdesairdeMoambique.A maneira comoissofoipuxadoparattulofoium equvoco. Foi iso-
ladodocontextodapergunta.O contextoera:separaa comunidade
brancaem Moambique fosse impossvel ficar, porcausado nvel
deagressoque fosse feitocontraela,se nessa hiptese euadmi-
tiria sair dopas.Eudissequesim,evidentementeque sim.
Portanto,ssesesoltassemostaisfantasmas.Sseosdemniossaremcpara forae Moambiquefor invivvel.
Nuncaescreveunada quenotivessea vercomMoambique. Porquenolheinteressaouapenasporquenoaconteceu?
Estedesejodeevaso,esteconfronto como passadomalresolvidopode acontecerem qualquerlado,no umassunto moambicano.
Masocontextomoambicano.Achoqueestoucondenado.[Risos.]
Issopodealterar-seseforpordianteoprojectodeescreverapeadeteatrosobreosltimosdiasdeMugabenopoder,quetemplaneadaameiascomoJosEduardoAgualusa.Podeser.Masachoquensnuncavamosfazerisso.
Nocomearamaindaaescrever?No. Isso foiumaideiae derepente j temosoutras. Vivemosnes-
tacoisameio adolescente dequevamos fazercoisas quesubver-
tam a ideia da escrita individual e de que escrevera duas mos
umaformamenorou umaaventurapouco admitida.
Masahipteseestpostadeparte?Acho quecomemos a pensarnoutrascoisase esquecemos essa
ideia.Euj nemme lembravadisso.
Jque falmos doAgualusa: aceita paraaquilo queescrevea designa-odebarrocotropical?Aceitosim. Aindanoli o livro massei queno est a falarespeci-
ficamentedoromance.
No.Estouafalardoconceito,queatnemdoJosEduardo,dopoetamoambicano Virglio deLemos.O VirgliodeLemos enviou-me vrios textossobre isso.Nosei se
deleouseeleoretomoudeumoutro.Masaceitoquenonossolugar,
nostrpicos,existeestatentaodobarroco,comoqualquercoisaque
umavia demostrarquesomoscapazesdefazerumacoisacomamesmaelaborao,omesmoexcesso.Emboraeurecuseaideiadeque
o tropicalpassesempre porisso. Masvejocomoescrevemcolegas
meus,moambicanos,e estsemprepresenteum certonvelbarroco
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[ ]Entrevista
OSEUROPEUStemaindaomesmopensamentomgicoqueosfazir
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notratamentodalinguagem.Nacabeadelesaindamoraessefantas-
ma:Eles,oseuropeus,tmdesaberoqueeusoucapazdefazer.
Neste seu ltimolivro e jno anterior senti umesforo dasuapar-teparaumaescritamaisdirecta.Sim.Talvezno maisdirecta, porquea elaboraopoticaque est
aqui no diferentedos outros
Refiro-meescritaenotantoelaboraopoticadahistria.Emtermosdaquiloque o tratamentodalinguagem,sim.Euque-
rodesamarrar-medessacoisaquesecrioudequesouumtipoque
inventa umaspalavrase fazumasbrincadeiraslingusticas.
Issoquerdizerquesequerafastardatalmatrizbarroca?Queroafastar-medequalquercategoriaquemeaprisione.Mesmoque
reduzaaexpectativadealgumaspessoasquetinhamessarelaocom
aminhaescrita.Emprimeirolugartenhodeserverdadeirocomigo
prprioeresponderquiloque omeugrandedesejodemesurpreen-der,demequestionar,demudar,defazerumacoisasemprenova.
umatentativaderenegarasuaheranaliterriadeLuandinoeGui-maresRosa?No, porqueeupossoretomarquandoquiser. Quero terprimeiro
umarelaocomigoprprioedepoiscomosoutros.Possoviajarpor
diferentes estilos,possofazera abordagempor viada poesiaou da
nopoesia,porqueoquemeinteressaterestaignornciaprofun-
dade que quandochegoa umlivro eunoseio que vou escrever,
comovou escrever. Esse nosaber que meapaixona.
QuerserumaespciedeSilvestreVitalcio[personagemdoromanceJesusalmquerenunciaaomundo]inventandomundosemcadalivro?
Agoraapanhou-mena esquina. Quero sim,no sentidoem queeletambmqueriaesquecer-se deumacargadepassado, queriareco-
mear. Masquemnoquer?
Porquequesecansoudessarefernciaaosseusneologismos?
Achoquehaviaaliuma tendncia redutora. Haviaumaideia deque
o fulano faz umartifcio, habilidosomasda at ser escritor hum
passoqueno est presente.Sentiaque o diminuamaoapontarem-lhe essaparticularidade?No.Sentia isso tambm comoumprmio.Euera equiparadoao
Luandinoe aoGuimaresou aoManueldeBarros.Maseles fazem
sempremaisdoqueisso.Elesnososgentequebrincacomoidio-
ma.Sogentequediz coisas.Eraisto queeu queriadesarmadilhar.
Mastambmnolhequero darmuitaimportncia. umaquesto
comigomesmo. Noqueroautoplagiar-me, acomodar-menumesti-
lo.Mesmoseeuagorameconsolidarnuma outramaneirade cons-
truodalinguagem,danarrativa, depois partireiparaoutracoisa
e sersempreassimatdeixardeescrever.
Jnoandacomo caderninho para tomar notade novaspalavras?
Ando,ando,est aqui.Masaindatemamesmafuno?Anotoaspalavras, tambm. Depoisquero queelassurjam deuma
maneira menosconstruda.Cheguei a umcertomomento emque
penseiquepior doquedeixardeescrever, eraescreverdemasiada-
menteomesmolivro.
Temaalgumapalavrinhaquelhetenhaocorridorecentemente?Umapalavra sozinhaachoque no. Tenhoideias[folheia o caderno
de capavermelha e l]: O moribundo perguntaquanto falta para
morrerou perguntaquantotempotenhoparaviver?
Depoisnomomentodaescritavaibuscarideiasaocaderninho?Agoraistotemdesepassarparaocomputador.Porexemploesta[vol-
taa lerdocadernoquecontinuoua folhear]:Opaidescobrequeofilhoestaescreverumlivroeficamagoadssimo;ofilhosemprefoicala-
do,porquequeagoraestaescrever?epergunta:issoquevocfaz?
eofilhodiz:eusouumcriador;nofazmaisnada?eofilhoresponde:
criartoabsorventequeDeusnofezmaisnadasenoacriao.
Seiqueestouaprepararumacoisacomosefosseumaostrafazendo
aprolanoquerdizerquetenhaovalordeprolamascomo
sefossesendoconstrudoemcamadas.Umacebola,digamosassim.
Apesarde confessar que passoua ter uma mrelao com a ideia deinventar palavrasno resistiu ideia deinventarumapalavranovaparaottulodoseultimoromance.Sim.
paradoxal. verdade. [Risos.]Eutivedoisttulos paraestelivro.O primeiroera
O Afinador de Silncios edepoisuseium,quefoiafinaloquesaiu
noBrasil,equeAntesde Nascero Mundo.
Porque que o livro saiuno Brasilcomoutro ttulo?Porqueo editorbrasileiro alertou-meque este ttulono Brasilpodia
serapropriado para umacoisaquenoera exactamente o queeu
queria.AsigrejasevanglicasnoBrasiltmumpesoenorme:Jesus
salva e Jesuslava. Podia haveressaleitura.
A minhaquesto era acercadofacto de, maisuma vez,no ter resis-tidoaoneologismo.Noresistimasno exactamenteporessejogosubversivo. Foipor-
quemepareceuquequando,nofinal,quemestaescreverestelivroentrega aoirmoesteconjuntodetextose dizEst aquiJesu-
salm,pareceu-me que isso nomeavanoapenaso territrioque,
em delrio, o velho Silvestre j tinha nomeado mas mostrava
revista LER [outubro 2009] 39
aFtimadejoelhospararesolverproblemas.Masnaoqueroreproduzirotipodep
reconceitoqueeles
cometemquandofalamsobreascoisasp
rimitivasdefrica.
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tambmqueesseterritrionoerasdaordemdageografia.Era
umterritriocriadoem fico,em linguagem.
Jsedeuconta queem vrios artigos daimprensao ttulotemapare-cidotrocado?EmvezdeJesusalmapareceJerusalm.Eujcontava com issoe por isso, por viado ZeferinoCoelho, falei
como GonaloM. Tavares,porqueimaginei queacontecesseo que
acontecessehaveriaessainterferncia. Ele divertiu-se como as-
sunto.Era sobretudocom eleque eutinhaqueter esse respeito.
Foiumpedidodeautorizaoparaottulo?Foi. Seo Gonalo achassemaleu nopublicava.
Como que reage agora aovero seu ttuloassim trocado?Aonvelondeestettulovaiviver,naspessoasquetmalgumarelao
comosmeuslivros,issovaiaolugar.Aquelesvaientrarna calha.
Opontodepartidaparaahistriafoiaquelemundoforadomundo,inicial,oufoiaportuguesaquevaiparafricaprocuradomarido?
ApersonagemqueconduziutodaestahistriafoiDordalma,quenoestpresentea noserde umamaneirafantasmagrica.Elafoiapri-
meiraaexistir.Eexisteporqueeuliumanotciadequenoreinoda
Suazilndia umamulher foivioladaportodos osocupantesde um
autocarro.Claroqueolivronosobreissomasficoucomoumavio-
lnciacoma qual eunosabia conviver. umacoisa,infelizmente,
muitocomum:estaviolnciacontraa mulher, contraa criana.
Issofoiodetonador?Foi.A Dordalma,paramim, era algumexactamentecomoo nome.
O nome tambmme ajuda a construir o personagem.Seriauma
mulherquesexistiriaemalmaeaalmadelasexistiriaenquan-
todor. elaque organizatoda esta histria.
Oleitorentranolivroporaquelasituaodogrupodehomensquecriamum territriofora domundo, parte. Issorecordou-mea situa-odeTerraSonmbula. Ocorreu-lhe o paralelo?No.Vejoagoraquesim,quepodehaverumparalelomasachoquea
situaodiferente.Aquelemeninoeovelhoqueatravessamahist-
riadaTerraSonmbulaestoafugirdaguerraparaprocuraremum
mundodepaz.umaespciedejogodesobrevivncia.Aprocuradas
memrias essencialparaosdois.Aqui umasituaodiferente:
algumqueparteparalugarnenhum,quantomenoslugarforesse
territriomelhorparaeles.Eestoemrupturacomopassado.
Nosdoiscasoshumasituaodeviolnciaquefazcomqueumn-cleo depessoas seafastedomundo.O narradordeJesusalm,Mwa-
nito,atfoneticamentefazlembraroMuidinga,de TerraSonmbula.Podemseromesmomenino?Noso.Estemuitomaiseudoqueooutro.Hcoisasquetmpa-
ralelo,sim, porqueso osdois quepor viadaescrita vodar senti-
do histria,vofechara histria.
engraadoquehpoucotenhaditoqueasuaptriaasuainfnciaecuriosoqueascrianastenhamumpapeltoimportantenalgunsdosseuslivros:issocorrespondeobviamenteaumavisodomundo.Sim,umavisoemqueaquelaquensachamosserumalgicame-
nor, infantilizada, pode tersuficiente fora e beleza. Tambm h
aquiavontadedecontrariaressacoisadequeasabedoriaestcom
osvelhos. Isso muitoforteemfrica. umdosgrandesestere-
tipos:quando morreumvelhoafricano ardeumabiblioteca e etc.umesteretipoquenocorrespondeaumarealidade?Todos os esteretipos traduzem algumarealidade.Escondem
que houtrasverdades.Como, porexemplo, queneste momento
ascrianasquepassarampelaescolatransportamo universo daes-
crita e tmsabedorias queao perderem-sesoperdas tograves
comoasdequemmoranatradio.Estaideiadequefricasse
reencontrana sabedoria tradicional umacoisa gravemente pe-rigosa, porqueparece serum territriocondenadoa s se rever
no passado. Sem direito modernidade que so estes meninos
quetransportama lgicada escrita,queso capazesdedara volta
e dese relembrareme costurarema tradio com o futuro.
Sente-seespecialmenteprximodo mundodainfncia?OMwanito,comoum meninoqueviveucaladoe aquemessesilncio
era elogiadona famlia como qualquercoisaquenoerasimples-
menteumaameaa, haviaalino uma ausnciamas umninhode
qualquercoisaqueestavaa serfabricado, lembramuitoa minhain-
fncia.Eueraummidocaladoeosmeuspaisatmechamavam mor-
co,queumapalavraaquidoNortedePortugal,dazonadoPorto.
OsseuspaissodoNorte?OmeupaidoPortoeaminhamedoAltoDouro.Chamavam-memorcoepenseiqueestapalavrasediziaemtodoolado,masno.
Qualfoiolivromaisimportanteparaasuacarreiracomoescritor?Foio GrandeSerto: Veredas, doGuimares Rosa.
Euestavaaperguntar-lheporumlivroseu.Foi TerraSonmbula,semdvida.
Pelos prmiosque obtevecomele?Notanto.Poraquiloaqueelemeobrigou.Foiumlivrofeitoemdel-
rio,contraumaguerraquenaquelemomentoestavapresente.Pensei:
Euhei-deescreversobreestaguerra.Maspenseiquenoeraposs-
velescreversobrea guerrasemestarempaz.Efoimuitocuriosopor-
quecomeceiaescreveraquele livroe jestavaa recebersinaisde queapazestavaaaconteceralgures,vindoatdeforadeMoambique.
TerraSonmbulafoiescolhidocomoumdos12melhoresromancesafri-canosdosculoXX.Queimportnciatemumadistinodestasparasi?Dessa gosteiparticularmente.Reconheo queesses critrios so
sempremuitofalveis. Maso factodehaverum jri africano,cons-
titudo poracadmicosafricanos, queseleccionouesselivro foiuma
coisaqueme deumuitoorgulho,muitavaidade.
ForammaisimportantesparaasuacarreiradeescritorosprmiosqueobtevecomoTerraSonmbulaouofactodeterconseguidoedi-taroseuprimeirolivrodeficoemPortugal?Foia publicaoemPortugal.Tinhade ser, obviamente,pelanossa
Histria.O escritordeAngola, deMoambique,daGuin,deCaboVerde,etc.,percebe isso.Ningum chega lnguainglesa,francesa
ouespanholasenoforporviadestaplacagiratria.
ComoqueVozesAnoitecidasfoipublicadoemPortugal?Foiumacidente.Olivrinhoeratofeio,tomaleditado.Atipografia
emMoambique naquelaalturaeraumdesastre.
Meadosdosanos80.Sim,saiuem 85,pora.ViajouparaPortugaleestavanumamesacom
maislivros,ondeaMariaLciaLepeckifocouoolharnaquelelivroto
feio.Quehorror, oque esta coisa?Pegou,comeou a ler e depois
publicouumacrticanojornal.OZeferinoCoelholeueassimcomeou
tudo.curiosocomoumacoisacomeaassimpelanegativa,no?
Foiofactodeolivrosertofeioquelhedeuumaoportunidade.Acho quesim. [Risos.]
aleidoscontrriosafuncionar.Exactamente. T
40 [outubro 2009] revista LER
[ ]Entrevista