mentiras piedosas - visionvox · mentiras piedosas título original: white lies linda howard lucas...

166
Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos e de fã para fãs de romances. A comercialização deste produto é estritamente proibida.” Traduzido por : ILNETE

Upload: others

Post on 25-Aug-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Mentiras piedosas Título Original: White Lies

Linda Howard

Lucas Stone e Jay Granger

“Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos e de fã para fãs de romances. A comercialização deste produto é estritamente

proibida.”

Traduzido por : ILNETE

Page 2: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Resumo Nada poderia ter preparado Jay Granger para a visita de dois agentes do

FBI... nem para as notícias que lhe traziam. Steve, seu ex-marido, tinha sofrido um acidente que o tinha deixado gravemente ferido e o FBI necessitava que Jay confirmasse sua identidade.

O homem que Jay encontrou na cama do hospital era virtualmente irreconhecível. Certamente porque estava esgotada e um pouco assustada, Jay confirmou que se tratava do Steve Crossfield. Mas quando despertou do coma não era nada como ela recordava a seu ex-marido. Além disso, não lembrava de nada de sua vida junto a ela. De repente nada lhe resultava familiar, nem seu aspecto, nem sua intensa personalidade, nem o desejo que provocava nela. Quem era esse homem? E... romperia-se a paixão que havia entre eles quando descobrisse sua verdadeira identidade?

Page 3: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Capítulo 1

Se tivesse que estabelecer uma classificação dos piores dias de sua vida, aquele

provavelmente não seria o primeiro, mas, definitivamente, ocuparia um dos três primeiros

postos.

Jay Granger tinha estado dominando sua impaciência durante todo o dia,

controlando-se estritamente, até terminar com a cabeça doendo e um ardor de estômago.

Nem sequer durante o agitado trajeto até sua casa em uma sucessão de ônibus

abarrotados se permitiu derrubar-se. Durante todo aquele longo dia, obrigou-se a

conservar a calma apesar da frustração e a fúria que a embargavam e, naquele momento,

sentia-se como se não pudesse liberar-se de suas próprias restrições mentais. O único

que queria era estar sozinha.

De modo que continuou agüentando, nas pontas dos pés, com as costelas

deslocadas pelas cotoveladas e as narinas dominadas pelo intenso aroma das pessoas.

Começou a chover justo antes de que saísse do último ônibus. Era uma chuva gelada que

quando chegou a seu edifício a tinha impregnado até os ossos. Naturalmente, não levava

guarda-chuva; supunha-se que aquele tinha que ser um dia ensolarado.

Mas por fim tinha chegado em casa, onde estava a salvo dos olhares dos curiosos,

já fossem estas compassivos ou zombadores. Estava sozinha, felizmente sozinha. Um

suspiro de alívio abandonou seus lábios enquanto começava a fechar a porta. Nesse

instante, seu autodomínio se quebrou e fechou a porta com todas as suas forças. Mas

aquele pequeno ato de violência não lhe serviu para liberar a tensão. Possivelmente a

teria ajudado demolir todo seu edifício de escritórios ou estrangular Farrell Wordlaw, mas

ambas as coisas estavam proibidas.

Quando pensava em como tinha trabalhado esses últimos cinco anos, até quatorze e

dezesseis horas diárias, e no trabalho que levou para casa durante os fins de semana,

entravam-lhe vontades de gritar, de quebrar coisas. Sim, definitivamente, queria

estrangular Farrell Wordlaw. Mas essa não era uma conduta apropriada para uma

profissional, uma sofisticada executiva de uma prestigiosa firma de investimentos. Por

outra parte, era um comportamento perfeitamente adequado para alguém que acabava de

passar a fazer parte das listas de desempregados.

Malditos fossem.

Durante cinco anos, dedicou-se por inteiro a seu trabalho, anulando sem piedade

todas aquelas facetas de sua personalidade que não encaixavam com sua imagem

profissional. No princípio, o fazia sobre tudo porque necessitava do trabalho e do dinheiro,

mas Jay era muito apaixonada para fazer algo pela metade. Muito em breve se deixou

Page 4: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

apanhar naquela corrida de ratos pela fome constante de êxito, de novos triunfos, dos

mais altos e melhores lugares. E, durante cinco anos, esse mundo se converteu em sua

vida. Mas acabavam de expulsá-la com um chute.

E não porque não tivesse tido êxito. Tinha-o tido, sim. Muito possivelmente. Havia

pessoas às que não gostavam de tratar com ela porque era mulher. Ao dar-se conta

disso, Jay tinha tentado ser tão direta e agressiva como qualquer homem. Queria que

seus clientes confiassem em que podia atendê-los como qualquer homem. Tinha

terminado por mudar sua forma de falar, de vestir, jamais deixava que uma lágrima

aparecesse em seus olhos... Jamais ria. Tinha aprendido a beber uísque, embora na

realidade nunca tinha chegado a desfrutá-lo.

Tinha pago esse rígido controle sobre seus sentimentos com dores de cabeça e um

ardor de estômago constante, mas mesmo assim, jamais tinha abandonado seu papel

porque, apesar de todas as tensões, desfrutava da provocação que representava. Era um

trabalho excitante, com o estímulo constante de uma ascensão rápida, e durante todo

esse tempo, Jay tinha estado disposta a pagar o preço por isso.

Pois bem, por decreto do Farrell Wordlaw, tudo tinha terminado. Farrell o sentia

muitíssimo, mas o estilo de Jay não era compatível com a imagem que Wordlaw, Wilson &

Trusler queria projetar. Ele apreciava profundamente seus esforços e estava disposto a

lhe dar as melhores referências, assim como duas semanas de prazo para que pudesse

pôr todos seus assuntos em ordem. Mas nada disso ocultava a triste verdade: jogavam-na

para que ocupasse seu posto Duncan Wordlaw, o filho do Farrell, que se tinha

incorporado à firma no ano anterior e sempre andava um passo atrás dela no

desempenho de suas funções. Jay estava pondo em evidencia ao filho de um dos sócios

mais antigos da firma, de modo que tinha que ir-se. Em vez da ascensão que tinha estado

esperando, ganhou-se uma demissão.

Estava furiosa, mais do que podia chegar a expressar. Uma das coisas que maior

satisfação lhe teria dado teria sido deixar Wordlaw com todo seu trabalho pendente, mas

a fria e dura realidade era que necessitava do salário dessas duas semanas. Se não

encontrasse outro trabalho imediatamente, perderia seu apartamento. Desfrutava de um

bom nível de vida, mas unicamente graças a seu salário e logo que não tinha dinheiro

economizado. Certamente, o último que esperava era perder seu trabalho porque Duncan

Wordlaw rendesse menos do que devia.

Cada vez que Steve perdia um posto de trabalho, limitava-se a encolher-se de

ombros, a rir e lhe dizer que não se preocupasse, que já encontraria outro. E sempre o

encontrava. O trabalho não era importante para ele, e tampouco sua segurança. Jay

soltou uma tensa gargalhada enquanto abria um frasco de tabletes contra a acidez

estomacal. Steve! Fazia anos que não pensava nele. De uma coisa estava certa, jamais

Page 5: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

se tomaria com tanto desenvoltura como seu ex-marido o fato de estar desempregada.

Lhe gostava de saber como ia pagar sua próxima refeição. Steve adorava a emoção.

Necessitava a excitação da adrenalina, necessitava-a mais que a ela. E ao final,

isso tinha acabado com seu casamento.

Mas pelo menos ele jamais sofreria aquela tensão nervosa, pensou enquanto

mastigava os tabletes e esperava que lhe aliviassem o ardor do estômago. Steve teria

estalado os dedos diante do Farrell Wordlaw, haver-lhe-ia dito o que podia fazer com

aquelas duas semanas pendentes e teria saído assobiando de seu escritório.

Possivelmente fosse uma atitude irresponsável, mas Steve nunca teria permitido que um

simples trabalho levasse o melhor dele.

Enfim, essa era a personalidade do Steve, mas não a sua. Era um homem divertido,

mas no final, as diferenças tinham pesado mais que a atração que havia entre eles. A sua

tinha sido uma separação amistosa, embora para Jay também tinha sido um tanto

desesperador. Steve nunca cresceria.

Mas por que pensava nele naquele momento? Seria porque o associava ao

desemprego? Jay começou a rir ao ser consciente disso. Sem deixar de rir, serviu-se um

copo de água e lançou um brinde ao vento:

–Pelos bons tempos –disse.

Tinha havido muitos momentos bons. Tinham rido e desfrutado como os dois jovens

saudáveis que eram, mas não tinham sabido fazer durar seu casamento.

Esqueceu-se do Steve e voltou a surgir a preocupação. Tinha que encontrar outro

trabalho imediatamente, um trabalho bem remunerado, mas não confiava em que Farrell

lhe desse umas recomendações especialmente elogiosas. Sim, certamente a poria pelas

nuvens por escrito, mas depois comentaria a todo mundo relacionado com o negócio dos

investimentos de Nova Iorque que não encaixava no perfil de sua firma. Possivelmente

deveria tentar outra coisa; entretanto, só tinha experiência nesse campo e não tinha

dinheiro suficiente para começar em outros terrenos.

Com uma repentina sensação de pânico, foi repentinamente consciente de que tinha

trinta anos e nem a menor idéia do que ia fazer com sua existência. Não queria passar o

resto de sua vida tomando antiácidos e dedicando o tempo livre a recuperar suas

esgotadas forças.

Depois de sua separação, como reação contra a filosofia vital do Steve, capaz de

deixar tudo para o dia seguinte e decidido a desfrutar do presente, foi-se ao outro extremo

e tinha eliminado toda possível diversão de sua vida. Acabava de abrir a porta do

congelador e estava olhando com desagrado suas provisões de mantimentos congelados

quando soou a campainha do porteiro automático.

Page 6: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Decidida a esquecer-se do jantar, algo que ultimamente fazia com excessiva

freqüência, pressionou o interruptor.

–Sim, Dennis? –perguntou ao porteiro.

–O senhor Payne e o senhor McCoy querem vê-la, senhorita Granger –respondeu

Dennis brandamente. –São dois funcionários do FBI.

–O que? –perguntou Jay, sobressaltada e convencida de ter ouvido mau.

Dennis repetiu a mensagem, mas as palavras continuavam sendo as mesmas.

Jay estava totalmente aniquilada.

–Lhes diga que subam –respondeu.

Não sabia que outra coisa dizer. Do FBI? Que demônios...? A menos que dar uma

portada fosse contra lei, do pior que podiam acusá-la era de ter quebrado a etiqueta de

seu travesseiro. Mas, por que não? Aquele era um final horrível para um dia igualmente

horroroso.

Soou a campainha um segundo depois e correu a abrir com a cara convertida em

uma máscara de confusão. Os dois homens que havia do outro lado lhe mostraram suas

identificações.

–Sou Frank Payne –disse o policial de mais idade. –E este é Gilbert McCoy. Se

fosse possível, nós gostaríamos de falar com a senhorita.

Jay os convidou a entrar em seu apartamento com um gesto.

—Estou completamente desconcertada –confessou. –Por favor, sentem-se.

Gostariam de um café?

–Obrigado –respondeu Frank Payne com imensa sinceridade. – Hoje foi um dia

muito longo.

Jay foi à cozinha e conectou a cafeteira. Depois, para prevenir males maiores,

meteu-se na boca outros dois antiácidos. Ao final, tomou ar e voltou para sala, onde os

dois homens estavam comodamente sentados no sofá de cor cinza azulada.

–O que tenho feito? –perguntou Jay meio em brincadeira.

Ambos os homens sorriram.

–Nada –lhe assegurou McCoy com um sorriso. –Só queríamos lhe falar de um antigo

conhecido.

Jay se sentou em uma poltrona estofada a jogo com o sofá e suspirou aliviada. O

ardor de estômago diminuiu ligeiramente.

–De que antigo conhecido? –possivelmente andassem detrás do Farrell Wordlaw. Ao

melhor ainda ficava justiça no mundo.

Frank Payne tirou uma caderneta do bolso interior de sua jaqueta e a abriu para

consultar umas notas.

–É você Janet Jean Granger, ex esposa do Steve Crossfield?

Page 7: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Sim.

De modo que aquilo tinha que ver com o Steve. Deveria haver imaginado. Mesmo

assim, parecia-lhe surpreendente. Era como se, de algum jeito, tivesse conjurado a

aqueles dois homem ao ter pensado minutos antes em seu ex-marido, algo que quase

nunca fazia. Steve estava tão longe de sua vida que mal podia recordar sua cara. Em que

confusões podia haver-se metido com sua louca necessidade de emoção?

–Seu ex-marido tem algum parente?, alguma pessoa próxima?

Jay sacudiu lentamente a cabeça.

–Steve é órfão. Cresceu em uma série de lares de acolhida e, por isso eu sei, não

tinha contato com nenhum de seus pais adotivos. Quanto a amigos íntimos –se encolheu

de ombros, – a verdade é que não tornei a vê-lo nem sei nada dele desde que nos

divorciamos faz cinco anos, assim não tenho a menor idéia dos quais podem ser seus

amigos.

Payne franziu o cenho.

–Poderia recordar o nome do dentista ao que ia quando estava casado com você, ou

possivelmente de algum médico?

Jay negou com a cabeça e o olhou fixamente.

–Não. Steve tinha uma saúde de ferro.

Os dois homens se olharam com o cenho franzido. McCoy disse ferozmente:

–Droga, isto não vai ser fácil. Não acabamos de sair de um beco sem saída quando

já estarmos em outro.

No rosto de Payne se refletia um profundo cansaço, e também algo mais. Voltou a

olhar a Jay com expressão preocupada.

–Acredita que já estará preparado o café, senhorita Granger?

–Deve estar. Volto agora mesmo.

Sem saber por que, Jay estava tremendo quando entrou na cozinha e começou a

colocar as xícaras, o leite e o açúcar na bandeja. O café acabava de filtrar-se, de modo

que pôs a jarra na bandeja. Mas quando esteve tudo pronto, ficou ali quieta, com o olhar

cravado na fumaça que saía da cafeteira. Steve devia ter problemas sérios,

verdadeiramente sérios, e ela lamentava, embora não pudesse fazer nada por ele. De

fato, parecia-lhe quase inevitável. Sempre tinha deslocado detrás da aventura e,

desgraçadamente, as aventuras muitas vezes fugiam da mão dos problemas.

Jay levou a bandeja ao salão e a deixou em uma mesinha, diante do sofá. Franzia o

cenho com expressão preocupada.

–O que tem feito Steve?

–Nada ilegal, ao menos que nós saibamos –respondeu Payne precipitadamente. –É

só que está envolvido em... uma situação delicada.

Page 8: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Olhou a Jay com inquietação.

De repente, ela reparou em quão bonitos eram os olhos do policial: uns olhos claros

e estranhamente compassivos. Olhos amáveis. Não eram absolutamente a classe de

olhos que teria esperado de um agente do FBI.

Frank se esclareceu garganta.

–Muito delicada. De fato, nem sequer sabemos como chegou até aí. Mas precisamos

encontrar alguém que possa identificá-lo com certeza.

Jay empalideceu. As implicações daquela sinistra declaração buliam em sua mente.

Steve estava morto. E embora o amor que em outro tempo tinha sentido por ele tivesse

desaparecido, embargou-a uma dilaceradora tristeza pelo que tinham vivido. Steve era

alegre, sempre estava rindo, seus olhos escuros estavam iluminados por um brilho de

júbilo constante. Saber que sua risada tinha desaparecido para sempre era como perder

uma parte de sua própria infância.

–Está morto –balbuciou com o olhar fixo na xícara de café.

A mão começou a lhe tremer e fez oscilar perigosamente o escuro líquido.

Payne alargou rapidamente a mão para lhe tirar a xícara e deixá-la na bandeja.

–Não sabemos –disse, com o semblante cada vez mais inquieto. – Se produziu uma

explosão e só sobreviveu uma pessoa. Acreditam que é Crossfield, mas também poderia

tratar-se de um de nossos homens. Não estamos seguros, e é fundamental que

saibamos. Não podemos lhe explicar nada mais.

Tinha sido um dia longuíssimo, um dia terrível, e a situação não melhorava. Jay se

levou as mãos às têmporas e pressionou com força, tentando encontrar algum sentido ao

que lhe estavam dizendo.

–Não tinha nada que o identificasse?

–Não –respondeu Payne.

–Então por que acreditam que é Steve?

–Sabemos que estava ali. Encontrou-se parte de sua carteira de motorista.

–E por que não lhes basta os dados com os que contam para saber quem é? –gritou.

– Por que não identificam aos outros e averiguam quem é mediante um processo de

eliminação?

McCoy desviou o olhar. Os amáveis olhos do Payne se obscureceram.

–Não ficou nada que nos permita identificá-lo. Nada.

Jay não queria ouvir nada mais. Não queria saber nenhum detalhe, embora podia

imaginar-se perfeitamente aquele assunto. Ficou repentinamente fria, como se o sangue

tivesse deixado de correr por suas veias.

–Steve? –perguntou com voz débil.

Page 9: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–O homem que sobreviveu se encontra em uma situação crítica, mas os médicos

são moderadamente otimistas. Tem alguma oportunidade. Faz dois dias nem sequer

estavam seguros de que pudesse sobreviver uma noite.

–E por que é tão importante saber agora mesmo quem é? Se sobreviver, poderão

perguntar-lhe E se morrer... –interrompeu-se bruscamente.

Não podia dizê-lo, mas o pensava. Se morresse, já não importaria. Não haveria

sobreviventes e eles poderiam fechar o caso.

–Não podemos lhe dizer nada, exceto que precisamos saber quem é esse homem.

Precisamos saber quem morreu para estar seguros dos passos que devemos dar.

Senhorita Granger, posso lhe dizer que minha agência não está diretamente envolvida

nesta situação. Simplesmente, estamos colaborando com outras porque é um assunto

que concerne à segurança nacional.

De repente, Jay compreendeu o que queriam dela. Estariam satisfeitos se pudesse

ajudá-los a localizar alguma peça dental ou algum relatório médico do Steve, mas esse

não era seu principal objetivo. Queriam que fosse com eles para identificar pessoalmente

a aquele homem ferido.

–E nenhuma das outras agências de segurança pode dizer se a descrição desse

homem encaixa com seus dados? –perguntou com voz apagada. –Certamente terão

medidas, impressões digitais, essa classe de coisas.

Tinha o olhar baixo, de modo que não pôde ver o repentino receio que apareceu no

rosto do Payne. O policial se esclareceu de novo a garganta.

–Seu marido, seu ex-marido, e nosso homem medem... mediam o mesmo. Não é

possível tirar as impressões digitais: as mãos estão queimadas. Mas você sabe muito

mais sobre ele que qualquer outra pessoa que possamos localizar. Tem que haver algo

dele que você possa reconhecer, alguma marca de nascimento ou cicatriz que possa

recordar.

Jay continuava confusa. Não podia compreender por que não eram capazes de

reconhecer a um de seus próprios homens, a não ser que estivesse terrivelmente

desfigurado... Estremecida, não se permitiu completar a imagem que aparecia em sua

mente. O que ocorreria se fosse Steve? Jay não o odiava, jamais o tinha odiado. Era um

uva sem semente, mas nunca tinha sido um homem cruel. Inclusive depois de ter deixado

de amá-lo, tinha continuado lhe guardando carinho de uma maneira quase fraterna.

–Querem que vá com vocês –disse.

–Por favor –rogou Payne com voz fica.

Jay não queria ir, mas Payne o apresentava como se fora uma espécie de dever

patriótico.

–De acordo. Irei procurar meu casaco. Onde está?

Page 10: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Payne voltou a esclarecê-la garganta e Jay se esticou. A essas alturas, tinha

compreendido já que o policial o fazia cada vez que tinha que lhe dizer algo embaraçoso

ou desagradável.

–Está no Hospital Naval da Bethesda. Terá que preparar uma mala. Temos um avião

particular nos esperando no aeroporto Kennedy.

Os acontecimentos estavam indo muito rápido para sua capacidade de assimilação.

Jay se sentia como se o único que pudesse fazer fosse seguir o rumo que lhe marcavam

sem opor a menor resistência. Tinham passado muitas coisas aquele dia. Para começar,

tinham-na despedido, um golpe suficientemente brutal já por si só, e depois aquilo... A

segurança que tanto se esforçou em conseguir se desvaneceu em questão de minutos no

escritório do Farrell Wordlaw, deixando-a vertiginosamente indefesa, incapaz de pisar em

um terreno firme. Sua vida tinha sido absolutamente tranqüila durante os últimos cinco

anos. Como podia ocorrer tão rapidamente tudo aquilo?

Aturdida, colocou dois vestidos na mala e tirou a bolsa de cosméticos do banheiro.

Enquanto guardava tudo o que ia necessitar em uma pequena nécessaire de plástico,

ficou estupefata ao ver seu reflexo no espelho. Estava pálida, tensa, e muito magra.

Enfermizamente magra. Tinha os olhos afundados e os maçãs do rosto excessivamente

proeminentes como resultado das longas horas de trabalho e de alimentar-se a base de

tabletes contra o ardor de estômago. Assim que retornasse à cidade, teria que ficar a

procurar outro trabalho, além de terminar com o seu, e isso significaria pular mais

refeições.

De repente se envergonhou de si mesma. Como podia estar preocupando-se com o

trabalho quando Steve, ou quem quer que fosse, estava na cama de um hospital, lutando

por sua vida? Steve sempre lhe havia dito que se preocupava excessivamente pelo

trabalho, que não podia desfrutar do momento porque sempre estava preocupada com o

que poderia acontecer no dia seguinte. E possivelmente tivesse razão.

Steve! Os olhos lhe encheram de lágrimas enquanto guardava a nécessaire na mala.

Esperava que estivesse bem.

No último momento, lembrou-se da roupa íntima. Estava nervosa, normalmente era

uma pessoa muito mais organizada.

Ao final, fechou a mala e agarrou a bolsa.

–Estou pronta –anunciou nada mais sair do dormitório.

Observou agradecida que um dos policiais tinha levado a bandeja do café à cozinha.

McCoy tomou sua mala e ela foi tirar um casaco do armário. Payne a ajudou a vesti-lo em

silêncio. Jay olhou a seu redor para assegurar-se de que todas as luzes estavam

apagadas: continuando, saíram os três ao vestíbulo e Jay fechou a porta atrás dela,

perguntando-se por que se sentia como se jamais fosse retornar.

Page 11: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Dormiu no avião. Não pretendia fazê-lo, mas quase no mesmo instante no que

levantaram o vôo e se relaxou no cômodo assento de couro, as pálpebras tinham

começado a lhe pesar de tal maneira que não tinha podido manter os olhos abertos.

Quando Payne estendeu uma manta sobre ela, nem sequer o notou.

Este permanecia frente a ela, observando-a pensativo. Não se sentia muito cômodo

com o que estava fazendo, arrastar a uma mulher inocente a todo aquele desastre. Nem

sequer McCoy sabia até que ponto aquilo era um desastre, nem de até que ponto se

complicaram as coisas. Para seu companheiro, a situação era idêntica a que havia

descrito A Jay Granger: um simples problema de identificação. Só umas poucas pessoas

sabiam que havia algo mais. Possivelmente unicamente dois, além dele. Possivelmente

só uma, mas uma com muitíssimo poder. E quando essa pessoa queria que se fizesse

algo, terei que fazê-lo. Payne o conhecia desde fazia anos, mas nunca tinha chegado a

sentir-se cômodo em sua presença.

Jay parecia cansada e estranhamente frágil. Estava muito magra. Devia medir mais

de um metro e setenta e pesava menos de cinqüenta quilos. E havia algo nela que o fazia

pensar que aquela magreza não era normal. Perguntou-se se seria suficientemente forte

para ser utilizada como escudo.

Provavelmente seria uma mulher atrativa quando tivesse descansado e houvesse

um pouco de carne em seus ossos. Tinha um cabelo bonito, de cor mel, e tão espesso e

sedoso como um casaco de pele de lontra. Os olhos eram de cor azul escuro. Mas

naquele momento só parecia cansada. Não tinha sido um dia fácil para ela.

Mesmo assim, tinha-lhe feito algumas pergunta que lhe tinham feito sentir-se

incômodo. Se não tivesse estado tão cansada e nervosa, poderia ter tirado temas dos que

ele não queria falar diante do McCoy. Era essencial para o plano que ninguém o

questionasse. Não podia haver nenhuma dúvida absolutamente.

O vôo de Nova Iorque até a Bethesda foi curto, mas a sesta lhe permitiu recuperar a

sensação de equilíbrio. O único problema era que, quanto mais alerta estava, mais irreal

lhe parecia aquela situação. Olhou o relógio enquanto Payne e McCoy a acompanhavam

pela escadinha do avião particular e a conduziam para um carro oficial que os estava

esperando na pista, e se surpreendeu ao ver que tão somente eram as nove em ponto.

Em umas horas, sua vida se tornou do reverso.

–Por que Bethesda? –murmurou ao Payne enquanto o carro ronronava pelas ruas.

Os flocos de neve dançavam no ar como pétalas de flores empurrados pela brisa.

Jay fixou neles o olhar, perguntando-se com ar ausente se uma tormenta de neve poderia

impedir de retornar a casa.

Page 12: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Por que não está em um hospital civil? –insistiu.

–É uma questão de segurança –Payne falava tão baixo que apenas o ouvia. –Mas

não se preocupe. O trouxemos para os melhores peritos em traumatologia, tão civis como

militares. E estamos fazendo tudo o que podemos por seu marido.

–Meu ex-marido –replicou Jay fracamente.

–Sim, sinto muito.

Enquanto giravam pela avenida Wisconsin, que os levaria até o Hospital Naval, a

neve começou a cair com mais intensidade. Payne se alegrava de que Jay não tivesse

feito nenhuma outra pergunta sobre os motivos pelos que aquele homem estava em um

hospital militar em vez de, por exemplo, no hospital da Universidade do Georgetown. É

obvio, tinha-lhe respondido a verdade. A segurança era a razão pela que tinha ingressado

na Bethesda. Mas não era a única. Payne observou como caía a neve perguntando-se se

haveria alguma forma de reunir todos aqueles cabos soltos.

Quando chegaram ao centro médico, só ele saiu do carro com ela: McCoy inclinou a

cabeça a modo de despedida e se afastou com o carro. Os flocos de neve não

demoraram para branquear suas cabeças, apesar de que Payne a agarrou por cotovelo e

correu com ela ao interior do hospital, onde o calor derreteu aqueles flocos de neve.

Ninguém lhes prestou a menor atenção quando entraram no elevador.

Quando as portas deste se abriram de novo, saíram a um silencioso corredor.

–Esta é o andar da UTI –lhe esclareceu Payne. O quarto fica por aqui.

Voltaram-se para a esquerda, onde dois homens de uniforme custodiavam uma

porta de dupla folha, cada um deles com sua respectiva pistola. Deviam conhecer o

Payne porque nada mais vê-lo, um dos guardas lhe franqueou o passo.

–Adiante –lhe disse educadamente Payne enquanto entravam.

A unidade estava deserta, exceto pelas enfermeiras que controlavam as equipes de

manutenção das constantes vitais e vigiavam continuamente o estado de seus pacientes.

Mesmo assim, Jay percebeu o surdo zumbido que invadia a unidade, era o som das

máquinas que mantinham vivos aos pacientes ou ajudavam a sua recuperação. Pela

primeira vez, lhe ocorreu pensar que Steve devia estar conectado a alguma dessas

máquinas, que estaria completamente imobilizado. Ao pensá-lo, esteve a ponto de

tropeçar. Resultava-lhe difícil de assimilar.

Payne continuava agarrando-a pelo cotovelo, lhe proporcionando discretamente seu

apoio. Deteve-se ante uma porta e se voltou para ela com seus olhos claros

transbordantes de preocupação.

–Quero prepará-la um pouco. Está seriamente ferido. Tem o crânio fraturado e os

ossos do rosto destroçados. Respira através de um tubo conectado à traquéia. Não

espere que se pareça com o homem que você recorda.

Page 13: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Esperou um instante e a olhou com atenção, mas Jay não disse nada e, ao final,

abriu a porta.

Ela entrou no quarto e, durante um décimo de segundo, foi como se tanto seu

coração como seus pulmões deixassem de funcionar. Depois, seu coração começou a

pulsar e Jay respirou profunda e dolorosamente. As lágrimas alagaram seus olhos

enquanto cravava o olhar naquele homem imóvel, convexo sobre a brancura de uma

cama de hospital. Um nome tremeu entre seus lábios. Parecia-lhe impossível que

aquele... que aquele homem pudesse ser Steve. Era quase literalmente uma múmia.

Tinha as duas pernas engessadas e presas por um complexo sistema de correntes e

molas. As ataduras das mãos se estendiam até os cotovelos e a cabeça e o rosto

estavam cobertos de gazes. Só eram visíveis os lábios, o queixo e a mandíbula, e

estavam inchados e descoloridos. Sua respiração assobiava fracamente através de um

tubo conectado à garganta, e havia vários tubos que entravam e saíam de seu corpo. Os

monitores colocados na cabeceira registravam cada uma de suas funções vitais. E estava

quieto. Muito quieto.

A Jay lhe secou de tal maneira a garganta que lhe doía ao falar.

–Como vou poder identificá-lo? –perguntou bruscamente. – Você sabia que não

poderia identificá-lo, sabia o aspecto que tinha!

Payne a olhava com compaixão.

–Sinto muito. Sei que é uma forte impressão. Mas necessitamos que tente. Você

esteve casada com o Steve Crossfield, conhece-o melhor que qualquer outra pessoa.

Possivelmente haja algum detalhe que recorde: uma cicatriz, alguma marca de

nascimento... Algo. Tome o tempo que necessite e observe-o. Eu estarei lá fora.

Saiu e fechou a porta atrás dele, deixando-a só no quarto com aquele corpo imóvel,

os inquietantes assobios dos monitores e o débil assobio de sua respiração. Jay apertou

os punhos e as lágrimas voltaram a nublar seu olhar. Tanto se se tratasse do Steve como

se não, sentia uma pena tão intensa que resultava dolorosa.

Conseguiu aproximar-se até a cama. Evitou cuidadosamente os tubos e os cabos

enquanto avançava sem afastar o olhar de seu rosto... ou daquela parte de seu rosto que

ainda podia ver. Steve?, realmente era Steve?

Sabia o que Payne queria. Não o tinha explicado com detalhe, mas não fazia falta

que o fizesse. Queria que levantasse o lençol e estudasse o corpo daquele homem

indefeso e nu, exceto pelas ataduras que cobriam seu corpo. Pensava que devia

conhecer intimamente aquele corpo, mas cinco anos eram muito tempo. Ainda recordava

o sorriso do Steve e o brilho travesso de seus olhos castanhos, mas outros detalhes se

apagaram muito tempo atrás de sua mente.

Page 14: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

A aquele homem não importaria que lhe tirasse o lençol e o olhasse. Estava

inconsciente; de fato, se não fosse por aquelas milagrosas máquinas conectadas a seu

corpo, poderia inclusive estar morto. Nunca se inteiraria. E pelo que Payne lhe tinha dado

a entender, se pudesse identificar aquele corpo, estaria rendendo um grande serviço ao

país.

Não podia deixar de olhá-lo. Estava tão terrivelmente ferido... Como era possível que

um homem pudesse estar tão ferido gravemente e continuar vivo? Se pudesse recuperar

a consciência, quereria seguir vivendo? Seria capaz de voltar a caminhar?, de utilizar

suas mãos, de ver, de pensar? Ou possivelmente depois de ver suas feridas decidisse

morrer?

Também era possível que tivesse uma enorme vontade de viver. Possivelmente isso

fosse o que o tinha mantido vivo durante todo esse tempo, a determinação podia mover

montanhas.

Vacilante, Jay alongou uma mão e lhe tocou o braço direito, justo por cima das

ataduras que cobriam suas queimaduras. Sentiu sua pele quente e afastou

precipitadamente os dedos. Não sabia por que, mas tinha imaginado que estaria frio.

Aquele intenso calor era outro sinal de que a vida seguia vibrando em seu interior apesar

de sua quietude. Lentamente, voltou a aproximar a mão de seu braço e a posou

ligeiramente sobre a parte interior do cotovelo, com muito cuidado para não tocar a

agulha através da qual administravam soro a suas veias.

Estava quente. Estava vivo.

O coração pulsou com força em seu peito e uma emoção intensa a embargou até tal

ponto que pensou que ia arrebentar, tal era o esforço que estava fazendo por controlá-la.

Destroçava-a pensar o que aquele homem tinha passado, o muito que ainda estava

lutando, desafiando a suas escassas probabilidades de sobreviver com um espírito tão

feroz e orgulhoso que lhe impedia de entregar-se à morte. Se tivesse podido, teria sofrido

aquela dor em seu lugar.

Aquele corpo já estava atrozmente invadido. Como se não tivesse suficiente com

suas feridas, os médicos tinham inserido tubos de drenagem em seu peito, e também

saíam tubos dos lados. Cada dia, pessoas desconhecidas o olhavam e o tratavam como

se não fora nada mais que um pedaço de carne. E tudo para lhe salvar a vida.

Ela não invadiria sua privacidade, não daquela maneira. O pudor podia não significar

nada para o ferido, mas ela ainda podia escolher.

Toda sua atenção estava pendente dele. Naquele momento não existia nada no

mundo mais que esse homem estendido em uma cama de hospital. Seria Steve? Seria

possível que reconhecesse alguma sinal apesar da inflamação e das ataduras que o

cobriam? Tentou recordar.

Page 15: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Steve tinha aqueles músculos? Seus braços eram tão fortes? Podia ter mudado, ter

ganho peso, fazer suficiente exercício para ter alargado ombros e braços.

Tinham-lhe depilado o peito. Baixou o olhar para a sombra de pêlo que o cobria.

Steve tinha cabelo naquela zona, embora não muito.

E a barba? Olhou sua mandíbula, o que podia ver dela, mas tinha a cara tão torcida

que nada lhe resultava familiar.

Algo úmido desceu pela bochecha de Jay e, surpreendida, passou-se a mão pela

cara. Nem sequer era consciente de que estava chorando.

Payne entrou no quarto e lhe ofereceu silenciosamente seu lenço. Quando ela se

secou a bochecha, separou-a da cama, rodeou-lhe a cintura com o braço e deixou que se

recostasse nele.

–Sinto muito. Sei que não é fácil.

Jay sacudiu a cabeça, sentindo-se como uma estúpida por haver-se derrubado

daquela maneira, sobre tudo à luz do que tinha que lhe dizer.

–Não sei. Sinto muito, mas não posso lhe dizer se é ou não Steve. Simplesmente...

não posso.

–E acredita que poderia sê-lo? –insistiu Payne.

Jay se esfregou as têmporas.

–Suponho que sim. Não posso dizer-lhe tem tantas ataduras...

–Compreendo-o. Sei o difícil que é, mas preciso dizer algo a meus superiores. Seu

marido tinha essa altura? Há algo nele que lhe resulte familiar?

Se a compreendia, por que a estava pressionando? A dor de cabeça do Jay piorava

por segundos.

–Não sei! –soluçou. –Suponho que Steve é assim alto, mas me resulta difícil

assegurá-lo estando deitado. Tem o cabelo negro e os olhos castanhos, mas deste

homem nem sequer posso lhe assegurar isso.

Payne baixou o olhar para ela.

–Esses dados aparecem no relatório médico. Cabelo negro e olhos castanhos.

Em um princípio, Jay não compreendeu a importância daquela informação; mas de

repente abriu os olhos como pratos. Não tinha tido a sensação de reconhecer o ferido,

mas ainda estava aturdida pela tormenta de sentimentos que tinha provocado nela.

Compaixão, sim, mas também admiração pelo fato de que continuasse lutando. E um

respeito quase dilacerador pela determinação e o valor que lhe supunha.

Muito fracamente, com o rosto pálido, disse:

–Então deve ser Steve, não é verdade?

Uma expressão de imenso alívio cruzou o rosto do Payne, mas desapareceu quase

imediatamente.

Page 16: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Notificarei a meus superiores que o identificou. Trata-se do Steve Crossfield.

Capítulo 2

Quando Jay despertou à manhã seguinte, ficou muito quieta na cama e percorreu

com o olhar o quarto daquele hotel desconhecido tentando orientar-se. Os

acontecimentos do dia anterior lhe resultavam quase todos imprecisos, exceto a

lembrança, nítida como a água, daquele homem ferido do hospital. Steve. Aquele homem

era Steve.

Deveria havê-lo reconhecido. Embora tivessem passado cinco anos, em outro tempo

o tinha amado. Algo nele deveria lhe haver resultado familiar apesar de suas feridas.

Assaltou-a um estranho sentimento de culpa, embora sabia que era ridículo. Mas era

como se, de algum jeito, tivesse abandonado o Steve ao reduzi-lo ao nível de um pouco

tão insignificante para sua vida que nem sequer recordava seu aspecto.

Com uma careta, levantou-se da cama, mas voltou a tombar-se. Steve lhe dizia

constantemente que se animasse, e utilizava para isso um tom cheio de impaciência.

Esse era outro aspecto de sua personalidade no que eram incompatíveis. Jay era muito

intensa, envolvia-se muito no que a rodeava, enquanto que Steve se deslizava

alegremente pela superfície.

Podia retornar a Nova Iorque essa mesma manhã, mas não queria fazê-lo. Era

sábado, não tinha nenhuma pressa, sempre e quando chegasse a tempo de estar na

segunda-feira no trabalho. Não queria passar-se todo o fim de semana em seu

apartamento compadecendo-se por sua demissão, e queria voltar a ver o Steve. Ao que

parece, também Payne o desejava. Não tinha comentado nada de voltar para Nova

Iorque.

A noite anterior estava tão cansada que, pela primeira vez desde fazia muito tempo,

tinha dormido profundamente e, como conseqüência, as olheiras não estavam tão

marcadas como no dia anterior. Olhou-se no espelho, perguntando-se se sua demissão

era um desastre ou uma bênção. Tinha estado forçando-se até um ponto perigoso para a

saúde. Tinha perdido mais peso do que sua constituição lhe permitia e seu rosto aparecia

gasto, em especial sem maquiagem. Nunca tinha sido uma beleza, mas em outra época

era uma mulher bonita. Seus olhos azuis e seus cabelos cor de mel eram seus traços

mais chamativos, e o resto de seu rosto podia ser descrito como normal.

O que diria Steve se a visse naquele momento?

Mas por que não podia tirá-lo da cabeça? Era natural que estivesse preocupada com

ele, que o compadecesse por causa de suas terríveis feridas, mas o certo era que não

Page 17: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

podia evitar perguntar-se o que pensaria, o que diria Steve sobre ela. Não o Steve de

outra época, a não ser o homem no que se converteu: um homem mais duro, mais forte,

com uma força de vontade que o tinha mantido vivo nas piores circunstâncias. O que

pensaria aquele homem dela? Ainda a desejaria?

Esse pensamento a fez ruborizar-se e se separou do espelho para meter-se na

ducha. Devia estar enlouquecendo! Steve era um inválido. Nem sequer podiam garantir

que fosse sobreviver, apesar de sua natureza lutadora. E inclusive no caso de que o

fizesse, talvez não voltasse a ser o mesmo. A operação podia não ter funcionado, algo

que não saberiam até que lhe tivessem tirado as ataduras dos olhos. Inclusive podia ter

sofrido uma lesão cerebral. Possivelmente não pudesse falar, nem caminhar, nem

alimentar-se por si mesmo.

As lágrimas voltaram a deslizar-se por suas bochechas. Por que não era capaz de

deixar de chorar por ele? Cada vez que pensava no Steve, começava a soluçar. E era

ridículo, tendo em conta que nem sequer tinha sido capaz de reconhecê-lo. Payne lhe

havia dito que iria procurá-la às dez, de modo que obrigou a si mesmo a deixar de chorar

e a preparar-se. Conseguiu fazê-lo com tempo mais que suficiente e então descobriu,

para sua surpresa, que estava faminta. Normalmente não tomava o café da manhã,

sobrevivia com dose intermináveis de café até a hora do almoço, e então, o estômago lhe

ardia de tal maneira que não era capaz de comer muito. Mas a tensão do trabalho

começava a desaparecer, e queria comer.

Pediu um café da manhã ao serviço de quartos que recebeu com urgência. Lançou-

se sobre a bandeja como se estivesse morta de fome e devorou a omelete e a torrada em

um tempo recorde. Tinha terminado de tomar o café da manhã meia hora antes de que

Payne batesse na porta.

Dissimuladamente, este estudou seu rosto e analisou cada detalhe. Tinha estado

chorando. Aquela situação a estava afetando, e embora isso era precisamente o que

queriam, ainda lhe doía que estivesse sofrendo. Mas também era certo que seu aspecto

era muitíssimo melhor aquela manhã. A cor tinha voltado para seu rosto. Seus olhos

pareciam maiores e brilhantes do que recordava, embora em parte era conseqüência das

lágrimas. Esperava que não tivesse que derramar muitas mais.

–Já chamei o hospital para comprovar seu estado –a informou, agarrando-a pelo

braço. –Boas notícias. Seus reflexos vitais estão melhorando. Continua inconsciente, mas

as ondas cerebrais se encontram em crescente atividade e os médicos cada vez são mais

otimistas. Está melhorando muito mais do que ninguém esperava.

Jay não respondeu que, tendo em conta que esperavam que morrera, algo

significava uma melhoria. Não queria pensar no perto que tinha estado Steve de morrer.

Page 18: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Não compreendia, seu ex-marido se converteu em alguém inesperadamente importante

para ela nos poucos minutos que tinha permanecido ao lado de sua cama.

O hospital estava muito mais concorrido pela manhã que a noite anterior. Os dois

guardas que custodiavam as portas da UTI tinham mudado, mas também eles pareceram

reconhecer ao Payne nada mais vê-lo. Jay se perguntou quantas vezes teria ido Payne a

ver o Steve e se realmente precisaria estar de novo ali. Poderia haver-se limitado a

receber informação sobre o ferido por telefone. Fosse qual fora a confusão em que Steve

se colocou, devia ser extremamente importante e Payne parecia desejar estar presente

no momento no que recuperasse a consciência... Se isso chegasse a acontecer.

Payne deixou que Jay entrasse sozinha no quarto com a desculpa de que queria ir

falar com alguém. Ela assentiu com ar ausente e toda sua atenção concentrada no Steve.

Empurrou a porta semi-aberta e entrou, deixando o Payne no corredor, virtualmente com

a palavra na boca. Um sorriso de cansaço apareceu nos lábios do policial enquanto

olhava a porta fechada do quarto; continuando, voltou-se e caminhou com passo enérgico

pelo corredor.

Jay olhou fixamente ao homem convexo na cama. Steve. Ao voltar a vê-lo, resultava-

lhe mais difícil aceitar que aquele fosse seu ex-marido. Ela tinha conhecido a um Steve

vibrante, transbordante de energia; e aquele homem permanecia tão imóvel que esteve a

ponto de fazer perder a Jay seu precário equilíbrio.

Estava na mesma postura que a noite anterior; as máquinas seguiam zumbindo e os

soros continuavam alimentando-o, fluindo até o seu corpo através das agulhas. O forte

aroma de anti-séptico lhe irritou o nariz e, de repente, perguntou-se se, em algum canto

de sua mente, Steve seria consciente daquele aroma. Poderia ouvir embora fora incapaz

de responder?

Aproximou-se da cama e lhe tocou o braço como tinha feito a noite anterior. O calor

de sua pele lhe provocou um comichão nas gemas dos dedos. Sentiria algo Steve? Seria

consciente de suas carícias?

–Steve? –sussurrou com voz trêmula.

Resultava-lhe estranho falar com uma pessoa imóvel, sabendo além que estava em

um coma tão profundo que não era consciente de nada e que, se por alguma sorte de

milagre fosse capaz de ouvi-la, não poderia nunca responder. Mas inclusive sabendo-o,

algo a impulsionou a tentá-lo.

–Sou Jay. Está ferido –lhe explicou, sem deixar de lhe aca-riciar o braço. –Mas ficará

bem. Tem as pernas quebradas e as tem engessadas, por isso não as pode mover. Além

disso lhe inseriram um tubo na garganta para te ajudar a respirar, por isso não pode falar.

Page 19: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

E não pode ver porque tem os olhos estão cobertos pelas ataduras. Mas não se preocupe

com nada, aqui lhe estão cuidando muito bem e está melhorando.

Possivelmente não fosse certo que fora a recuperar-se, mas não sabia o que outra

coisa lhe dizer. Se podia ouvi-la, queria tranqüilizá-lo e não lhe dar novos motivos de

preocupação.

Esclareceu-se garganta e começou a lhe falar dos últimos cinco anos, pelo que tinha

estado fazendo depois de seu divórcio. Contou-lhe inclusive que a tinham despedido e lhe

falou da vontade que tinha de dar ao Farrell Wordlaw um bom murro no nariz.

Era uma voz serena e incrivelmente tenra. Não compreendia as palavras, porque a

inconsciência continuava envolvendo sua mente em capas e capas, de escuridão, mas

ouvia a voz, sentia-a, ao igual a algo quente na pele. E aquele minúsculo e tênue contato

o fazia sentir-se menos sozinho. Algo intenso e vital em seu interior se concentrava

naquele contato e o obrigava a abandonar a escuridão, apesar de que continuava

sentindo a presença dos monstros que estavam esperando para destroçá-lo com suas

temíveis garras e seus dentes brutais. Certamente teria que suportar essa tortura antes

de alcançar aquela voz, e estava muito débil. Possivelmente nunca chegasse até ela. Mas

a voz o atraía como um ímã e o tirava da profunda sensação de isolamento que o

envolvia.

–Lembro-me da boneca que me deram de presente de Natal quando tinha quatro

anos –disse Jay, falando com voz baixa e sonhadora. –Era muito macia, como um bebê

de verdade, tinha o cabelo encaracolado e os olhos castanhos com umas pestanas

enormes. Quando a deitava, fechava os olhos. Chamei-a Chrissy em honra a que era

minha melhor amiga. Arrastava essa boneca por toda parte, até que chegou um momento

em que ficou com o aspecto de uma dama velha e desgastada. Dormia com ela, sentava-

a a meu lado quando comia e lhe fiz percorrer quilômetros e quilômetros sentada em meu

triciclo. Depois, comecei a crescer e perdi o interesse pela Chrissy. Deixei-a na estante,

com o resto de minhas bonecas, e me esqueci dela. Mas a primeira vez que te vi, Steve,

pensei que tinha os olhos da Chrissy. Assim era como de pequena chamava os olhos

castanhos. Sim, Steve, você tem os olhos da Chrissy.

A respiração de Steve parecia haver-se feito mais repousada, mais profunda. Jay

não podia estar segura, mas tinha a sensação de que tinha mudado o ritmo com o que se

elevava e descia seu peito. O som de sua respiração assobiava através do tubo que tinha

conectado à garganta. Ela seguia lhe acariciando delicadamente o braço, apesar da

intensa dor moral que lhe causava aquele contato.

Page 20: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Acredito que inclusive cheguei a te dizer em um par de ocasiões que tinha os olhos

da Chrissy, mas me parece que você não gostava disso –riu, e o som de sua risada

pareceu esquentar aquela habitação presidida pelo impessoal zumbido das máquinas. –

Sempre gostou de proteger sua imagem de homem. E um aventureiro não podia ter os

olhos da Chrissy, não é verdade?

De repente, Steve teve um espasmo no braço. Aquele movimento surpreendeu a Jay

de tal maneira que afastou a mão e empalideceu. Era a primeira vez que se movia,

embora ela sabia que provavelmente tivesse sido um espasmo muscular completamente

involuntário. Seus olhos voaram para o rosto do ferido, mas não viu nada novo nele. As

ataduras cobriam ao menos dois terços de sua cabeça e seus lábios feridos continuavam

imóveis. Lentamente, alongou a mão e voltou a lhe tocar o braço, mas Steve permanecia

completamente quieto ante seu contato e, ao cabo de uns segundos, Jay começou a lhe

falar outra vez, tentando tirar lembranças de sua infância.

Frank Payne abriu sigilosamente a porta do quarto e se deteve o ouvir a voz de Jay.

Esta continuava ao lado da cama; diabos, não se tinha movido nem um milímetro e levava

ali, o policial olhou o relógio, perto de três horas. Se tivesse sido a esposa do tipo o teria

compreendido, mas se supunha que era seu ex-marido, e tinha sido ela a que tinha

decidido pôr fim a seu matrimônio. Mas mesmo assim, seguia ali, com toda sua atenção

centrada nele, como se estivesse animando-o a melhorar.

–Gostaria de um café? –perguntou-lhe Payne brandamente, tentando não assustá-

la.

Mas Jay voltou bruscamente a cabeça para ele, com os olhos abertos como pratos.

Ao vê-lo, sorriu.

–Sim, boa idéia –se separou da cama, deteve-se e se voltou de novo para o Steve

com o cenho franzido. –Odeio deixá-lo sozinho. Se compreender algo, deve ser terrível

estar aí, apanhado e ferido, sem saber por que, acreditando-se completamente sozinho.

–Não é consciente de nada –lhe assegurou Payne, –está em coma e, agora mesmo,

é preferível que permaneça assim.

–Sim –se mostrou de acordo Jay.

Sabia que Payne tinha razão. Em sua situação, se Steve estivesse consciente,

sofreria de maneira terrível.

Aquele trêmulo raio de consciência se desvaneceu; a voz tinha desaparecido e o

tinha deixado sem rumo. Sem aquela guia, voltou a afundar-se na escuridão. Em um

nada.

Page 21: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Frank se deteve um longo momento frente à péssima comida da cafeteria e o café,

surpreendentemente bom. Não era um grande café; na realidade, nem sequer podia

dizer-se que fora bom, mas era muito melhor do que esperava. O seguinte turno poderia

não ser tão bom, de modo que queria desfrutar do café durante tanto tempo como

pudesse. Não estava alargando o café unicamente por isso; não sabia exatamente como

tirar o tema que tinha estado rondando por sua cabeça durante todo o almoço, mas tinha

que fazê-lo. O Homem o tinha deixado muito claro: Jay Granger tinha que ficar. Não

queria que identificasse o paciente e se fosse. Queria que se sentisse emocionalmente

envolvida no que via, ao menos o suficiente para sentir-se obrigada a ficar. E quando o

Homem queria algo, conseguia-o.

Frank suspirou.

–E o que ocorrerá se ela se apaixona por ele? Diabos, já sabe como é. As mulheres

o perseguem, são incapazes de resistir tinha perguntado.

–É possível que sofra –lhe tinha respondido ele, com sua voz acerada. –Mas sua

vida está em perigo e as opções são limitadas. Por alguma razão, Steve Crossfield estava

ali quando ocorreu tudo. Sabemos nós e sabem eles. Não temos uma lista de

possibilidades entre as que escolher. Crossfield é a única opção.

Não precisava dizer nada mais. Se Crossfield era a única opção, sua ex-esposa

também o era, posto que era a única pessoa que podia identificá-lo.

–McCoy engoliu? –tinha-lhe perguntado bruscamente o Homem.

–Completamente –tinha respondido Frank. E tinha endurecido a voz para

acrescentar: –Não acreditará que Gilbert McCoy é...

–Não, sei que não o é. Mas McCoy é um agente muito bom. Se ele engoliu, isso

significa que estamos fazendo um bom trabalho.

–E o que ocorrerá se ela estiver a seu lado quando recuperar a consciência?

–Isso é o de menos. Os médicos dizem que estará muito confuso e desorientado

para encontrar sentido a nada. Avisar-nos-ão assim que começar a sair do coma. Não

poderemos mantê-la fora do quarto sem levantar suspeitas, mas estaremos atentos. Se

começar a recuperar a consciência, a tiraremos dali até que possamos falar com ele.

Embora não há muitas possibilidades de que ocorra.

–Leva uma eternidade removendo esse café –a voz de Jay interrompeu seus

pensamentos.

Frank Payne elevou o olhar para ela e voltou a baixá-la para o café. Levava tanto

tempo removendo-o que se ficou frio. Esboçou uma careta ao dar um gole a aquele café

supostamente não tão mau.

–Estava tentando pensar na forma de lhe pedir algo –admitiu.

Jay o olhou com estranheza.

Page 22: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Só há uma forma de fazê-lo. Peça-me isso.

–De acordo –tomou ar. –Não volte amanhã para Nova Iorque. Fique aqui com o

Steve. Necessita-a, e logo a necessitará muito mais.

Aquelas palavras a golpearam com dureza. Steve nunca a tinha necessitado. Era ela

que o necessitava e esperava muito mais de sua relação do que seu ex-marido podia lhe

dar. Ele sempre tinha querido manter certa distância entre eles, tão mental como

emocionalmente, alegando que Jay o asfixiava. Ela recordou o momento no que lhe tinha

gritado aquelas palavras. E pensou depois no homem que permanecia quieto e imóvel em

uma cama de hospital. Voltou a experimentar aquela inquietante sensação de irrealidade.

Sacudiu a cabeça lentamente.

–Steve é um solitário. Deveria sabê-lo pela informação que tem sobre ele. Não me

necessita agora e não me necessitará quando despertar. Provavelmente, nem sequer

goste da idéia de que alguém tenha que cuidar dele, e muito menos sua ex-esposa.

–Estará muito confuso quando despertar. Você é a única que pode ajudá-lo, é o

único rosto que conhece, alguém em quem pode confiar, que lhe proporcionará certa

segurança. Os médicos dizem que quando despertar estará muito confuso e nervoso, que

possivelmente inclusive delire. Ajudará ter a seu lado a alguém que conhece.

Jay voltou a negar com a cabeça.

–Sinto muito, senhor Payne. Não acredito que Steve queira que fique a seu lado,

mas inclusive nesse caso, não poderia ficar embora quisesse. Ontem me despediram.

Ficam duas semanas no escritório e não posso me permitir o luxo de deixar de trabalhar

durante esse tempo. Além disso, tenho que encontrar outro trabalho.

Payne deixou escapar um assobio.

–Deve ter sido um dia infernal, não é verdade?

Jay não pôde menos que rir apesar da seriedade da situação.

–Sim, essa é uma boa descrição.

Quanto mais conhecia o Frank Payne, mais gostava. Havia algo excepcional nele.

Era um homem de peso e estatura médias, cabelo castanho com alguns fios brancos e

olhos claros. Tinha um rosto agradável, embora não especialmente atrativo. Mesmo

assim, havia nele uma firmeza que inspirava confiança.

Parecia pensativo.

–É possível que possamos fazer algo por você. Me deixe investigá-lo antes de

reservar um vôo de volta. Gostaria de ter a oportunidade de mandar a seu chefe a

passeio?

Jay respondeu com um doce sorriso e naquela ocasião foi Payne o que riu.

Page 23: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Um momento depois, Jay compreendeu que aquela pedido significava que estavam

convencidos de que Steve sobreviveria. Estava de novo no quarto, ao lado da cama, e lhe

pressionou brandamente o braço enquanto experimentava um imenso alívio.

–Vai conseguir –lhe sussurrou.

Estava a ponto de anoitecer e tinha passado todo o dia junto à cama. de vez em

quando, uma enfermeira lhe pedia que saísse, mas à exceção daqueles minutos e os que

tinha passado almoçando com o Frank, tinha estado em todo momento com o Steve.

Tinha-lhe falado até terminar com a garganta seca, até que já não era capaz de pensar

em nada que fazer ou dizer, mas inclusive então, tinha continuado posando a mão em

seu braço. Possivelmente assim ele soubesse que estava ali.

Entrou uma enfermeira e olhou A Jay com curiosidade, mas não lhe pediu que

abandonasse o quarto. Revisou os indicadores dos monitores e tomou notas em uma

caderneta.

–É estranho –murmurou. –Embora provavelmente não. -Os batimentos do seu

coração são mais fortes e a respiração mais pausada quando você está com ele. Quando

saiu para almoçar, seus reflexos vitais pioraram e tornaram a remontar quando retornou.

E comprovei que ocorreu o mesmo cada vez que lhe pedimos que abandonasse o quarto.

Ao coronel Lunning lhe vão interessar muito estes gráficos.

Jay olhou de marco em marco à enfermeira e depois se voltou para o Steve.

–Sabe que estou aqui?

–Não de uma forma consciente –respondeu precipitadamente a enfermeira. –Com a

dose de medicamentos que lhe estamos administrando, não vai despertar de repente

para falar com você. Esteve lhe falando durante todo o dia, não é verdade? Certamente,

parte de sua conversa lhe chega de uma ou outra maneira. E você deve ser muito

importante para ele para que tenha respondido tão positivamente.

A enfermeira saiu do quarto e Jay olhou o Steve completamente atônita. Inclusive no

caso de que houvesse sentido sua presença, por que ia afetá-lo daquela maneira?

Mesmo assim, não podia desprezar a teoria da enfermeira, pois ela mesma tinha notado

que o ritmo de sua respiração tinha mudado. Resultava-lhe virtualmente impossível

acreditar, porque Steve jamais a tinha necessitado. Tinha desfrutado com ela durante um

tempo; entretanto, algo o fazia mantê-la sempre a uma pequena, mas significativa

distância. E como não era capaz de amá-la em profundidade, não se tinha permitido

tampouco aceitar o amor que lhe oferecia. O único que Steve queria era uma relação

superficial, um amor ligeiro ao que pudesse pôr fim sem remorsos. Assim tinha acabado

sua relação e ela mal tinha pensado no Steve depois de sua separação. Por que de

repente ia haver se convertido em alguém tão importante para ele?

Page 24: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Riu com tristeza ao compreendê-lo. Steve não estava respondendo a sua presença,

estava respondendo a uma carícia e a uma voz que se dirigiam expressamente a ele e se

diferenciavam do contato e as vozes distantes dos médicos e enfermeiras que o

rodeavam. Qualquer outra pessoa em sua situação teria melhorado. Se Frank Payne

tivesse permanecido lhe falando ao lado da cama, o resultado teria sido o mesmo.

E assim o disse uma hora depois, enquanto o coronel Lunning estudava os gráficos,

esfregando o queixo e olhando-a de vez em quando com expressão pensativa. Frank

permanecia a seu lado, procurando manter o semblante inexpressivo, mas sem perder um

só detalhe.

O coronel Lunning era um homem que vivia entregue à vida militar e à medicina. Não

estava destinado na Bethesda, mas não tinha questionado as ordens quando o tinham

chamado em metade da noite para levá-lo até ali. A um grupo de médicos entre os que

ele se encontrava, lhes tinha atribuído a tarefa de salvar a vida daquele homem. Em

princípio, nem sequer sabiam como se chamava. Agora figurava um nome em seu

histórico, mas continuavam sem saber por que era tão importante salvar sua vida. Mas

não importava. O coronel Lunning utilizaria todos quão meios que estivessem a seu

alcance para ajudar o seu paciente. E naquele momento um dos meios era aquela mulher

magra de olhos azul escuro e boca apaixonada.

–Não podemos passá-lo por alto, senhorita Granger –disse o coronel com franqueza.

–É a sua voz a que responde, não à minha nem a do senhor Payne nem às das

enfermeiras. O senhor Crossfield não está em um coma profundo. Respira por si mesmo

e ainda tem reflexos. Não é ilógico pensar que pode ouvi-la. É possível que não a

compreenda e, certamente, não pode responder, mas é de todo possível que a ouça.

–Mas tenho entendido que seu coma está induzido pelas drogas –protestou Jay. –

Quando as pessoas estão drogadas, não estão completamente inconsciente?

–Há diferentes níveis de consciência. Me permita lhe explicar suas lesões de uma

forma mais precisa. As pernas as tem unicamente quebradas, não há nada que possa lhe

impedir de caminhar em um futuro. Tem queimaduras de segundo grau nas mãos e nos

braços, mas as piores queimaduras são as das palmas das mãos e as dos dedos. É como

se tivesse agarrado um tubos quente, ou possivelmente utilizou as mãos para proteger o

rosto. Tinha o baço destroçado e tivemos que tirar-lhe. Um dos pulmões foi perfurado,

mas as feridas mais graves são as da cabeça e o rosto. Tinha o crânio fraturado e os

ossos da cara feitos pedacinhos. Operamos-lhe imediatamente e para controlar o inchaço

do cérebro e evitar futuros danos, tivemos que lhe administrar grandes dose de

medicamentos. É isso o que o mantém em coma. Agora, quanto mais profundo é o coma,

menos são as funções cerebrais. Em um coma profundo, o paciente nem sequer é capaz

de respirar por si mesmo. O nível do coma depende em parte da tolerância do paciente às

Page 25: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

drogas, que varia em cada pessoa. A tolerância do senhor Crossfield parece ser superior

à média, de modo que seu coma não é tão profundo como deveria. Não incrementamos a

dose porque não foi necessário. Com o tempo, iremos diminuindo-a gradualmente e

terminaremos com o estado de coma. Ele pode superar a situação com seus próprios

meios, mas, francamente, encontra-se definitivamente melhor quando você está com ele.

Ainda desconhecemos muitas coisas sobre o comportamento da mente e sua influência

sobre o corpo, mas sabemos que existe relação entre ambos.

–Está me dizendo que se recuperará mais rápido se eu ficar?

O coronel sorriu.

–Em poucas palavras, sim.

Jay se sentia cansada e confusa, como se tivesse passado horas em um labirinto de

espelhos, tentando encontrar a saída e encontrando uma e outra vez com um reflexo. E

não era só por todas aquelas pessoas que insistiam em que ficasse; em parte, era

também por ela mesma. Algo tinha ocorrido em seu interior quando havia tocado o Steve,

algo que não compreendia. Estava segura de que nunca havia sentido nada parecido,

nem sequer quando estavam casados. Era como se de repente Steve fora mais do que

tinha sido, como se tivesse mudado de uma forma que ela sentia, mas não podia definir.

Jay desejava não ter que assumir tamanha responsabilidade. Não queria ficar.

Aquele estranho sentimento que experimentava para o Steve a fazia sentir-se ameaçada.

Se fosse embora naquele momento, não lhe daria oportunidade de desenvolver-se. Mas

se ficasse...

Cinco anos atrás, não tinha sofrido por seu divórcio porque o amor entre eles jamais

tinha chegado a ser profundo e ao final, simplesmente, desvaneceu-se. Mas Steve era um

homem diferente; tinha mudado durante esses cinco anos, converteu-se em alguém cuja

força podia sentir-se inclusive através de sua inconsciência. Se voltasse a apaixonar-se

por ele, nunca poderia superá-lo.

Mas se partisse, sentiria-se culpada por não havê-lo ajudado.

Necessitava de outro trabalho. Tinha que voltar para Nova Iorque e fazer algo para

impedir que sua vida se desintegrasse. Além disso, estava cansada daquelas pressões

constantes. Não queria partir, mas lhe dava medo ficar.

Frank advertiu a tensão que refletia seu rosto, sentiu-a vibrar através dela.

–Saiamos à sala de espera –disse, dando um passo adiante para agarrá-la pelo

braço. –Precisa descansar. -Verei-o mais tarde, coronel Lunning.

O coronel assentiu.

–Tente convencê-la. Este homem a necessita.

Uma vez no corredor, Jay murmurou:

Page 26: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Odeio que as pessoas falem de mim como se eu não estivesse. E estou farta de

que me manipulem –ao dizer aquela última frase, estava pensando em seu trabalho, mas

Frank lhe dirigiu um intenso olhar.

–Não quero pô-la em uma situação difícil –respondeu diplomaticamente. –Mas

necessitamos que continue falando com seu marido. Perdão, seu ex-marido, sempre o

esquecimento. Em qualquer caso, estamos desejando fazer tudo o que esteja em nossas

mãos para ajudar na sua recuperação.

Jay afundou as mãos nos bolsos e diminuiu o passo, como se estivesse pensando

em algo.

–Vão prender o Steve?

Frank não vacilou.

–Não –respondeu com absoluta certeza.

Aquele homem ia contar com os melhores médicos e o melhor amparo que o país

pudesse lhe proporcionar. A Frank teria encantado poder dizer a Jay os motivos, mas não

era possível.

–Acreditam que, simplesmente, estava no lugar equivocado no momento

equivocado. Mas tendo em conta seu passado, é possível que tentasse fazer-se

acusação da situação. Inclusive é possível que tentasse ajudar quando tudo lhe estourou

em pleno rosto. E algo que possa recordar, ajudará-nos.

Chegaram à sala de espera e Frank abriu a porta para que Jay o precedesse.

Felizmente, estavam sozinhos. O policial se aproximou da máquina do café e colocou

várias moedas.

–Café?

–Não, obrigada –respondeu Jay cansada enquanto se sentava.

Tinha o estômago inusualmente tranqüilo e não queria chateá-lo com a nociva

beberagem que normalmente saía daquelas máquinas. Não tinha sido consciente de

quão cansada estava, mas nesse momento, a fadiga era tal que inclusive se enjoava.

Frank se sentou frente a ela com uma xícara de café entre as mãos.

–Falei com meu superior e lhe expliquei sua situação –começou a dizer. –Ficaria se

não tivesse que preocupar-se com o trabalho?

Jay fechou os olhos enquanto se esfregava a testa, em um esforço por concentrar-se

no que ele acabava de lhe dizer. Não recordava ter estado nunca tão cansada, era como

se toda sua energia a tivesse abandonado. Tinha a mente intumescida. Ao longo de todo

o dia, tinha estado tão concentrada no Steve que todo o resto parecia haver-se apagado e

quando por fim se permitia relaxar-se, o cansaço a deixava em um estado de lassidão

física e mental.

–Não compreendo –murmurou. –Preciso trabalhar para ganhar dinheiro.

Page 27: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Ficar aqui poderia converter-se em seu trabalho –lhe explicou Frank, desejando

não ter que pressioná-la.

Jay parecia incapaz de fazer nada mais que permanecer sentada. Mas

possivelmente fosse mais fácil convencê-la naquele momento, com a fadiga interpondo-se

em sua capacidade de raciocínio.

–Far-nos-emos acusação do aluguel de seu apartamento e de todos seus gastos.

Para nós é muito importante.

Jay abriu os olhos e o olhou com incredulidade.

–Pagariam-me por ficar aqui?

–Sim.

–Mas eu não quero que me dêem dinheiro para estar com ele! Quero ajudá-lo, não o

compreende?

–Mas não pode por culpa de sua situação econômica –disse Frank, assentindo. –O

que lhe estamos oferecendo é nos fazer acusação de sua situação econômica. Se tivesse

dinheiro suficiente, vacilaria na hora de ficar?

–É obvio que não! Faria algo para ajudá-lo, mas a idéia de aceitar esse dinheiro me

parece repugnante.

–Não vamos pagar lhe para que fique com ele, vamos pagar lhe para que possa ficar

com ele. Entende a diferença?

Jay devia estar voltando-se louca, porque era capaz de ver a diferença. E o olhar de

Frank era tão amável que instintivamente confiava nele, embora tinha a sensação de que

ali estavam ocorrendo muitas coisas que ela não alcançava a compreender.

–Conseguir-lhe-emos um apartamento perto daqui, para que possa passar mais

tempo com ele –continuou Frank em tom amável e razoável. –Também nos faremos

acusação do apartamento de Nova Iorque, para que possa voltar depois para ele. Se me

disser que sim neste momento, poderá se mudar na segunda-feira para o seu

apartamento.

Tinha que haver algum argumento em contra, pensou Jay, mas não lhe ocorria

nenhum. Frank estava suprimindo todos os obstáculos do caminho; far-lhe-ia sentir-se

mesquinha se se negasse a fazer o que lhe propunha quando se tomou tantas moléstias

por ela e eles, quaisquer pessoas que fossem, tinham tanto interesse em que ficasse.

–Terei que voltar para casa –disse, impotente. –Terei que voltar para Nova Iorque a

procurar mais roupa, e terei que me despedir de meu trabalho –de repente, soltou uma

gargalhada, –se é que é possível despedir-se de um trabalho do que já lhe despediram.

–Encarregar-me-ei de lhe organizar a viagem.

–Quanto tempo acredita que estarei aqui?

Frank lhe sustentou o olhar.

Page 28: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Um par de meses pelo menos. Possivelmente mais.

–Meses!

–Steve terá que submeter-se a reabilitação.

–Mas para então já estará consciente. Eu pensava que só queriam que ficasse até

que o pior tivesse passado!

Frank se esclareceu garganta.

–Nós gostaríamos que ficasse até que possa deixar o hospital.

–Mas por que?

–Necessitá-la-á. A recuperação será muito dolorosa. Não o hei dito até agora, mas

terá que voltar para lhe operar os olhos. Provavelmente, às seis semanas da operação

poderemos lhe tirar as ataduras. Quando recuperar a consciência estará muito confuso,

sofrerá dores e, além disso, não poderá ver. Jay –sussurrou, –você vai ser sua tabela de

salvação.

Ela permanecia sentada, como atordoada, olhando o policial de cima abaixo. Era

como se, de repente, fora muito tarde. Steve ia necessitá-la muito mais do que nem ela

nem ele poderiam ter imaginado.

Capítulo 3

Resultava estranho estar de volta em Nova Iorque. Jay tinha chegado no domingo

pela tarde e tinha passado várias horas fazendo a bagagem, guardando a roupa e seus

objetos pessoais, mas se sentia estranha em seu apartamento, como se já não

pertencesse àquele lugar. Fazia as malas como uma autômato, com a mente posta no

hospital da Bethesda. Como estaria Steve? Tinha passado a manhã com ele, lhe falando

constantemente e lhe acariciando o braço, mas a punha nervosa estar tanto tempo

separada de seu lado.

Na segunda-feira pela manhã se vestiu para ir ao escritório pela última vez e foi

consciente de uma profunda sensação de alívio. Até que não a tinham despedido, não se

tinha dado conta da carga que representava aquele trabalho, do competitiva que se

tornou. E a competência era algo bom, mas não a gastos da saúde, embora, em parte,

tinha que culpar daquela atitude a sua próprio paixão. Tinha canalizado todo seu gênio,

desejos e energias naquele trabalho, não se tinha permitido nenhuma outra válvula de

escape. Tinha sorte de não ter terminado com uma úlcera.

Quando chegou ao escritório, situada em um edifício alto que alojava a outras muitas

firmas, esteve procurando entre seus companheiros uma caixa de papelão em que

Page 29: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

guardou todos os objetos pessoais de seu escritório. Não eram muitos: um lápis de lábios,

um par de meias, um pacote de lenços de papel, uma caneta de ouro e um par de

lâminas. Acabava de terminar e estava alargando a mão para o telefone para chamar o

Farrell Wordlaw quando soou o intercomunicador.

–O senhor Clements do EchoSystems na linha três, senhorita Granger.

Jay pressionou o botão.

–Por favor, passe todas as minhas chamadas ao Duncan Wordlaw.

–Sim, senhorita Granger.

Jay tomou ar e marcou o número do escritório do Farrell. Dois minutos depois,

dirigia-se para ali.

Seu chefe a recebeu com um beatífica sorriso, como se não tivesse sido ele quem a

tinha demitido três dias atrás.

–Tem bom aspecto, Jay –disse brandamente. –Já pensou em algum outro trabalho?

–Para falar a verdade, não muito –respondeu. –Queria lhe dizer que não vou poder

trabalhar durante estas duas semanas. Esta manhã vim esvaziar minha escrivaninha e já

deixei dito que passem todas as minhas chamadas ao Duncan.

Produziu-lhe uma boa dose de satisfação vê-lo empalidecer.

–Mas isso é muito pouco profissional! –espetou-lhe, ficando de pé. -Contávamos

com você para atar os últimos cabos soltos.

–E para que ensinasse a Duncan a fazer meu trabalho –o interrompeu com ironia.

–Nestas circunstâncias, não sei como vou poder lhe oferecer as recomendações que

lhe tinha prometido. E sem umas referências favoráveis, não poderá voltar a trabalhar em

nenhuma firma de investimentos –replicou Farrell em tom ameaçador.

–Não penso voltar a trabalhar em nenhuma outra firma de investimentos, obrigada.

Jay observava ao Farrell e virtualmente podia ver o movimento das engrenagens de

seu cérebro enquanto este considerava as possibilidades que ficavam. Sabia que ia

deixá-lo plantado e que a culpa era dele por havê-la tratado injustamente.

–Bom, possivelmente me precipitei um pouco –disse, forçando-se a manter um tom

paternal. –Realmente, suporia um problema para a firma que os assuntos dos que estava

ocupando-se não fossem devidamente atendidos. Possivelmente se acrescentasse duas

semanas mais de salário e um bônus, poderia reconsiderar sua decisão de nos

abandonar tão precipitadamente.

–Obrigada, mas não –declinou a oferta. –Não será possível, vou estar fora da

cidade.

O pânico começava a aparecer no rosto do Farrell. Se os investimentos das que ela

tinha estado ocupando-se fracassavam, a firma deixaria de ganhar milhares de dólares de

benefícios.

Page 30: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Mas não pode nos fazer algo assim! Onde pensa ir?

Jay já podia imaginar as chamadas aterradas do Duncan. Dirigiu ao Farrell um frio

sorriso.

–Ao Hospital Naval da Bethesda, mas não penso me pôr ao telefone.

Farrell parecia completamente estupefato.

–Ao Hospital Naval?

–É uma emergência familiar –respondeu Jay enquanto se voltava para a porta.

Quando esteve fora de novo, com a pequena caixa de papelão sob o braço, soltou

uma gargalhada de puro júbilo. Alegrava-se de haver ficado sem trabalho e de ter sido

capaz de levar aquela expressão de pânico ao rosto do Farrell Wordlaw. Era quase tão

agradável como ter podido estrangulá-lo. E por fim era livre para retornar com o Steve,

para deixar-se arrastar por aquele poderoso impulso que não era capaz nem de

compreender nem de resistir.

Frank foi procurá-la no aeroporto para ajudá-la com a bagagem e Jay não dissimulou

a alegria que lhe produziu encontrá-lo ali.

–Não sabia que vinhas! –exclamou.

Frank não pôde evitar um sorriso. Os olhos de Jay resplandeciam como o mar e as

linhas de tensão tinham abandonado seu rosto. Era como se se alegrasse de ter podido

pôr fim a seu trabalho, e assim o comentou.

–Sim, foi... uma grande satisfação –admitiu com um sorriso. – Como está Steve

hoje?

Frank se encolheu de ombros.

–Não tão bem como quando o deixou.

Era muito estranho, mas era verdade. Seu pulso se debilitou e lhe resultava mais

difícil respirar. Inclusive estando inconsciente, aquele homem a necessitava.

A preocupação escureceu o olhar do Jay. Mordeu-se o lábio. A necessidade de ver o

Steve se fazia mais intensa, era como se umas correntes invisíveis estivessem puxando-a

para ele.

Mas antes tinha que instalar-se no apartamento que Frank lhe tinha conseguido, algo

para o que se requeria tempo e que estava devorando sua paciência. O apartamento era

a metade de que tinha ela em Nova Iorque. Só contava com duas habitações: a sala de

estar e o dormitório. A cozinha era diminuta e estava situada em um canto e havia um

espaço minúsculo que fazia as vezes de sala de jantar. Mas parecia um lugar confortável,

sobre tudo porque Jay pensava passar a maior parte de seu tempo no hospital. Aquele

seria somente um lugar em que dormir e fazer algumas refeições.

–Também te consegui um carro –comentou Frank enquanto colocava a última mala.

Sorriu ao ver a expressão de surpresa do Jay. –Isto não é Nova Iorque. Necessitará

Page 31: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

algum meio de transporte para te mover –tirou umas chaves do bolso e as deixou sobre a

mesa. –Assim poderá ir ao hospital quando gostar. Tem permissão para ver o Steve a

qualquer hora. Eu não estarei sempre por ali, como até agora, mas em minha ausência,

qualquer outro agente se ocupará de tudo.

–Vais vir agora comigo ao hospital?

–Agora? –surpreendeu-se Frank. –Não vais desfazer as malas?

–Já as desfarei esta noite. Preferiria ir ver Steve.

–De acordo –em segredo, pensava que seu plano estava saindo excessivamente

bem. –Por que não me segue em seu carro, para que vá aprendendo o caminho? Você...

sabe conduzir, não é verdade?

Jay assentiu com um sorriso.

–Só levo cinco anos em Nova Iorque. Nos outros lugares nos que vivi, sempre me

tem feito falta um carro. Mas te advirto que levo bastante tempo sem conduzir, assim terá

que me dar algum tempo para me acostumar.

Na realidade, conduzir era como montar em bicicleta: um nunca se esquecia de

como se fazia. Depois de alguns minutos para familiarizar-se com o carro, Jay seguiu ao

Frank sem dificuldade.

Até que não esteve no hospital e se aproximou da cama do Steve, não começou a

desaparecer o nó de tensão que tinha no estômago. Fixou o olhar na cabeça enfaixada

de seu ex-marido e o coração começou a lhe pulsar com força. Com infinito cuidado,

posou os dedos em seu braço e começou a falar.

–Estou aqui. Ontem tive que ir a Nova Iorque para trazer minhas coisas e me

despedir de meu trabalho. Me recorde que te conte algum dia o que passou. Em qualquer

caso, vou ficar a seu lado até que esteja melhor.

A voz retornou. Penetra lentamente entre as capas escuras que envolvem sua mente

formando um pequeno vínculo com sua consciência. Ele ainda não compreende as

palavras, mas não é consciente disso. A voz, simplesmente, aparece, é como uma luz em

um lugar no que antes não havia nada. Às vezes a voz é serena e outras vibra de

diversão. Ele não é consciente dessa diversão, mas percebe a mudança de tom.

E deseja mais. Quer aproximar-se mais a esse som e começar a lutar contra essa

névoa que obscurece sua mente. Mas cada vez que tenta, uma dor ardente penetra em

todo seu corpo obrigando-o a refugiar-se na escuridão que o protege. Então a voz volta a

chamá-lo, até que a dor ataca uma vez mais e tem que retirar-se.

O braço se moveu como o tinha feito na outra ocasião, e ao igual a tinha ocorrido

então, Jay afastou bruscamente a mão. Deixou de falar e ficou olhando-o fixamente.

Page 32: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Depois de uma ligeira pausa, voltou a posar a mão e reatou o que lhe estava dizendo. O

coração lhe pulsava com força. Certamente tinha sido um movimento involuntário

daqueles músculos obrigados a manter a mesma postura durante tanto tempo. Era

impossível que estivesse tentando responder, já que os medicamentos que lhe estavam

administrando anulavam a maioria de suas funções cerebrais. A maioria, mas não todas,

havia dito o coronel Lunning. Se Steve era consciente de sua presença, poderia estar

tentando comunicar-se com ela?

–Está acordado? –perguntou-lhe brandamente. –Pode mover o braço outra vez?

O braço permaneceu imóvel sob seus dedos e, com um suspiro, Jay retomou seu

monólogo. Por um instante, a sensação tinha sido tão forte que, apesar de tudo o que lhe

haviam dito, tinha pensado que Steve estava consciente.

Retornou ao hospital à manhã seguinte, antes de que o sol fora algo mais que uma

tímida claridade para o oeste. Não tinha dormido muito bem, principalmente porque os

ruídos não lhe resultavam familiares, mas tampouco podia jogar toda a culpa ao

apartamento novo. Tinha permanecido acordada na escuridão, tentando analisar e

descartar a absurda convicção de que, por um instante, Steve tinha tentado ficar em

contato com ela da única forma que podia. Apesar de toda sua análise, a lógica não

significava nada quando recordava o que havia sentido.

«Já basta!», arreganhou-se a si mesmo enquanto subia no elevador para a UTI.

Estava-se deixando levar pela imaginação, alimentando sua tendência a entregar-se

totalmente àquilo que lhe interessava. Nunca tinha sido uma pessoa capaz de controlar

suas emoções, embora virtualmente se deixou a saúde tentando sê-lo. Desejava até tal

ponto a recuperação do Steve que estava imaginando respostas onde não as havia.

O quarto estava iluminado apesar da hora, posto que, em seu estado, a luz ou a

escuridão não supunham para ele nenhuma diferença. Jay supunha que as enfermeiras

deixavam as luzes acesas para facilitar o trabalho. Fechou a porta, aproximou-se da cama

e posou a mão em seu braço.

–Estou aqui –disse brandamente.

Steve tomou ar e seu peito se estremeceu.

Aquele gesto sacudiu Jay como uma corda tensa que de repente tivesse escapado a

sua mão. Aquela profunda sensação de comunicação que ia além de toda lógica, além

das palavras, estava de novo aí, e naquela ocasião era muito mais intensa. Steve sabia

que estava ali. De algum jeito, tinha-a reconhecido. E estava lutando para chegar até ela.

–Pode me ouvir? –sussurrou com voz trêmula, fixando o olhar nele. –Sente minha

mão, é isso? Quando te toco o braço pode senti-lo? Deve estar confuso e assustado, não

Page 33: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

sabe o que aconteceu e está tentando compreendê-lo, mas agora é muito difícil. Por-te-á

bem, prometo-lhe isso, embora ainda te levará algum tempo.

A voz. Havia algo nela que o arrastava, apesar da dor que esperava para cravar-se

nele cada vez que abandonava a escuridão. Aterrava-o essa dor, mas era mais intenso o

desejo daquela voz. Queria estar mais perto daquela mulher. Em algum momento, muito

tênue como para que pudesse recordá-lo ou compreendê-lo, deu-se conta de que era

uma mulher. Estava carregada de ternura e representava a única segurança que podia

encontrar no meio do vazio e a escuridão de sua mente e de seu mundo. Não sabia

virtualmente nada, mas conhecia aquela voz. Algum instinto primário a tinha reconhecido,

desejava-a, e nela encontrava a força para lutar contra a escuridão e contra a dor. E

queria que ela soubesse que ele estava ali.

Voltou a mover o braço. O movimento era muito lento para ser um espasmo

muscular involuntário. Naquela ocasião, Jay não retirou a mão. Ao contrário, esfregou

brandamente seu braço enquanto cravava o olhar em seu rosto.

–Steve? Pretendia mover o braço? Poderia tentá-lo outra vez?

Era estranho. Algumas daquelas palavras pareciam ter sentido. Outras não tinham

sentido absolutamente. Mas ela estava ali, mais perto, e a voz era cada vez mais clara.

Ele só podia ver escuridão, era como se o mundo nunca tivesse existido, mas ela estava

muito mais perto. A dor torturava seu corpo com uma intensidade que cobria sua pele de

suor, mas não queria retroceder depois de ter chegado tão longe, não queria retroceder a

aquele escuro vazio.

O braço? Sim. Ela queria que movesse o braço. Não sabia se podia fazê-lo. Doía-lhe

tanto que não sabia se poderia voltar a tentá-lo. Afastaria-se dele se não movesse o

braço? Não poderia suportar ficar novamente sozinho, em um lugar em que tudo era tão

frio, tão escuro e vazio... Não, não poderia suportá-lo depois de ter estado tão perto

daquele calor.

Tentou gritar, mas não pôde. A dor era incrível, rasgava-o como se fora um animal

selvagem que estivesse cravando suas presas e suas garras nele.

Moveu o braço.

O movimento foi apenas perceptível, um tremor que não teria notado se não tivesse

tido a mão sobre seu braço. Steve tinha começado a suar, seu peito e seus ombros

brilhavam baixo as luzes fluorescentes. O coração do Jay pulsava com força enquanto se

inclinava para ele e fixava o olhar em seus lábios.

Page 34: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Steve, pode me ouvir? Sou Jay. Não pode falar porque tem a garganta entubada,

mas estou aqui. E não irei embora.

Ele entreabriu os lábios lentamente, como se estivesse tentando formar com eles

palavras que se negavam a deixar-se apanhar. Jay permanecia inclinada, contendo a

respiração e com uma intensa dor no peito enquanto Steve tentava forçar seus lábios e

sua língua para articular uma palavra. Ela sentia a força de seu desespero e sua

obstinada determinação enquanto, frente a toda lógica, lutava contra a dor e as drogas

para ser capaz de formular uma palavra. Era como se não pudesse renunciar fora qual

fora o preço. Havia algo nele que não lhe permitiria entregar-se.

Voltou a tentá-lo. Seus lábios inchados e faltos de cor se moviam com agônica

determinação. Moveu a língua para sussurrar uma palavra que apenas se ouviu.

–Dor.

Jay tomou ar várias vezes, alheia às lágrimas que começavam a deslizar-se por

suas bochechas. A dor de seu peito se fez mais intenso. Apertou-lhe o braço com muita

delicadeza.

–Agora mesmo volto. Darão-lhe algo para acalmar a dor. Só vou deixar te um

momento. Em seguida volto, prometo-lhe isso.

Jay voou até a porta, abriu-a bruscamente e saiu ao corredor. Devia ter estado no

quarto mais tempo de que pensava porque o terceiro turno tinha voltado para casa e o

primeiro turno do dia tinha começado seu trabalho. Frank e o coronel Lunning estavam na

habitação das enfermeiras, falando em um tom baixo e imperioso; ambos os homens

elevaram o olhar quando correu para eles. Frank a olhou com uma sorte de horrorizada

incredulidade.

–Está acordado! –gritou com voz engasgada. –Há dito que lhe dói. Por favor, têm

que lhe dar algo.

Ambos passaram na frente dela, empurrando-a virtualmente para sair.

–Supunha-se que isto não tinha que acontecer –disse Frank com uma voz tão dura

que Jay apenas a reconheceu como dele.

Mas tinha que sê-lo, embora suas palavras não tivessem nenhum sentido. O que se

supunha que não tinha que acontecer? supunha-se que Steve não tinha que recuperar a

consciência? Tinham-lhe mentido? Esperavam em realidade que Steve morrera? Não,

não podia ser. Nesse caso, Frank não se teria tomado tantas moléstias para que ficasse.

As enfermeiras corriam já para o quarto do Steve, mas quando Jay tentou entrar,

fizeram-na sair ao corredor. Esperou fora, escutando as vozes agitadas do interior,

mordendo o lábio e secando-as lágrimas que se deslizavam por suas bochechas. Ela

deveria estar ali. Steve a necessitava.

Page 35: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

No interior do quarto, Frank observava ao coronel Lunning enquanto este analisava

as constantes vitais e a atividade cerebral do paciente.

–Não há dúvida –lhe confirmou o coronel com ar ausente enquanto trabalhava. –

Está recuperando a consciência.

–Mas se estar cheio de medicamentos, pelo amor de Deus! –protestou Frank. –

Como é possível que recupere a consciência se não lhe diminuíram a dose?

–Está lutando para sair do estado de coma. Tem uma constituição condenadamente

forte e essa mulher que está no corredor teve um forte efeito nele. A adrenalina é um

estimulante muito poderoso. A pressão do sangue aumentou e também seu ritmo

cardíaco. Ambas as coisas são sintoma de uma estimulação adrenalínica.

–Vão aumentar lhe a dose?

–Não. O coma era para tentar evitar que o cérebro se inflamasse e pudesse lhe

causar mais dor. Em qualquer caso, estava a ponto de começar a lhe diminuir a dose. O

único que tem feito ele foi adiantar-se um pouco. Teremos que manter os calmantes para

a dor, mas já não devemos mantê-lo em coma.

–Jay acredita ter lhe ouvido dizer que sofre dores. É possível que sofra apesar das

drogas?

–Se tiver acessado a um nível de consciência que lhe permite comunicar-se, é

possível que também esteja suficientemente consciente para notar a dor.

–Pode ouvir o que dizemos?

–É possível. Eu diria que sim. Mas que nos compreenda é algo completamente

diferente.

–Quanto tempo passará até que possamos interrogá-lo?

O coronel Lunning lhe dirigiu um olhar duro.

–Não poderemos nos comunicar com ele até que o inchaço do rosto e a garganta

tenha remetido o suficiente para poder desentubá-lo. Eu diria que ainda falta uma

semana. E não espere que possa ser uma fonte de informação. É possível que nem

sequer recorde o que lhe ocorreu, e embora assim seja à larga, podem passar meses até

então.

–Existe algum perigo de que revele A Jay alguma informação classificada?

Frank não queria falar muito. O coronel Lunning sabia que Steve era um paciente

muito importante, mas não conhecia mais detalhes.

–Não é provável. Estará muito aturdido e confuso, possívelmente inclusive delire, e,

em qualquer caso, ainda não é capaz de falar. Mas lhe prometo que você será o primeiro

em vê-lo quando lhe tirarmos o tubo.

Frank fixou o olhar no homem que permanecia imóvel na cama. Levava tanto tempo

inconsciente que lhe resultava difícil admitir que pudesse ouvir ou sentir, ou que tentasse

Page 36: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

comunicar-se. Mas sabendo o que sabia dele, Frank compreendeu que deveria haver-se

preparado para algo um pouco parecido. Aquele homem nunca renunciava, jamais

deixava de lutar, nem sequer quando as probabilidades de fracasso eram tantas que

qualquer outro teria abandonado. Essa era a razão pela que tinha sobrevivido em tantas

ocasiões quando outros não o tinham feito, como tinha ocorrido aquela vez.

–É possível que seu cérebro sofra algum dano irreversível? –perguntou

tranqüilamente, recordando que Steve podia ouvi-lo e que não havia forma de saber até

que ponto podia compreendê-lo.

O coronel Lunning suspirou.

–Não sei. Recebeu uns cuidados excelentes e isso é muito importante em um

processo de recuperação. É possível que se produza um dano tão mínimo que nem

sequer possa perceber-se, mas eu agora mesmo não apostaria por nenhuma opção.

Simplesmente, não posso dizê-lo. O fato de que tenha despertado e tenha respondido à

presença da senhorita Granger foi completamente inesperado. Superou de repente vários

estados da recuperação. Jamais em minha vida tinha visto nada parecido. Normalmente,

a primeira etapa é de letargia, nela é necessária uma vigorosa estimulação para terminar

de despertar ao paciente; depois vêm o delírio e a agitação extrema, como se todos os

processos cerebrais tivessem enlouquecido. Continuando, o paciente começa a tranqüili-

zar-se, mas se encontra muito confuso. No seguinte estado, poderia dizer-se que é como

uma espécie de autômato. É capaz de responder a algumas pergunta, mas incapaz de

realizar qualquer tarefa que não seja extremamente simples. As funções cerebrais mais

complexas retornam gradualmente.

–E em que estado se encontra ele neste momento?

–É capaz de comunicar-se, como se estivesse no estado de autômato, mas acredito

que retrocederá. Isto teve que supor um esforço tremendo para ele.

–E se diminuir a dose de medicamentos, aumentará sua capacidade de

comunicação?

–Possivelmente. Também é possível que este incidente não volte a repetir-se, que

retorne às etapas clássicas da recuperação.

–Há algo em que possa estar seguro? –perguntou Frank, exasperado.

O coronel Lunning lhe dirigiu um olhar firme.

–Sim, estou seguro de que sua recuperação depende da senhorita Granger. Façam

que não se afaste dele. Necessitá-la-á.

–E acredita que será seguro para ela permanecer a seu lado quando suspender os

sedativos?

–Insisto nisso. Ajudá-lo-á a conservar a calma. Acredita que ela será capaz de

suportá-lo?

Page 37: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Frank arqueou as sobrancelhas.

–Essa mulher é muito mais forte do que parece.

Jay se tinha entregue com devoção ao Steve, de uma maneira que Frank não

esperava e não alcançava a compreender. Era como se algo a impulsionasse a estar a

seu lado, algo que não tinha nada que ver com o que normalmente se entendia por

atração. Se tivesse sido mais adiante, quando Steve estivesse completamente

consciente... Enfim, os efeitos daquele homem sobre as mulheres sempre tinham

parecido incríveis a seus superiores. Mas naquele momento era pouco mais que uma

múmia, incapaz de utilizar os encantos que o tinham feito tão famoso, de maneira que

tinha que haver algo mais.

Em qualquer caso, tinha que comunicar ao Homem o que tinha acontecido.

De repente, a porta se abriu e Jay entrou. Dirigiu ao Frank um olhar duro e enérgico

com a que parecia estar desafiando-o a tirá-la outra vez.

–Vou ficar –disse com veemência enquanto se colocava ao lado do Steve e posava

a mão em seu braço. Elevou o queixo com gesto de determinação. –Steve me necessita e

penso ficar aqui.

O coronel Lunning afastou o olhar de Jay para olhar ao Steve e a seguir se voltou

para o Frank.

–Sim, é melhor que fique –disse com suavidade, e consultou o histórico que tinha na

mão. –Muito bem, vou começar a diminuir a dose de sedativos neste instante para que

termine de abandonar o coma. Levar-lhe-á de vinte e quatro a trinta e seis horas e não sei

como vai reagir, de modo que quero que permaneça constantemente em observação –

voltou a olhar A Jay. –Senhorita Granger..., posso chamá-la de Jay?

–Claro.

–Até que lhe tenhamos retirado completamente os sedativos, permanecerá uma

enfermeira no quarto durante a maior parte do tempo. A reação do paciente é

imprevisível. Se ocorrer algo, é importante que te afaste imediatamente da cama e não

atrapalhe nenhuma dos trabalhos que tenhamos que fazer, compreende-me?

–Sim.

–Posso confiar em que não desmaiará? Poderá resisti-lo?

–Sim.

–De acordo. Confio em ti –a mediu com seu firme olhar de militar e deve ter se

tranqüilizado com o que viu, porque de repente assentiu com um brusco gesto de

aprovação. –Não será fácil, mas acredito que o suportará.

Jay se voltou para o Steve, concentrou nele toda sua atenção e se esqueceu do

resto das pessoas que havia no quarto, como se tivessem deixado de repente de existir.

Não podia evitá-lo, Steve deslocava todo o resto de sua consciência. Frente a ele, outros

Page 38: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

perdiam toda importância, era como se se transformassem em desenhos animados, em

seres de uma só dimensão. Nada importava exceto ele, e desde seu agônico intento de

falar com ela, aquela sensação era muito mais intensa. Era uma experiência que a

destroçava e a aterrava, porque estava muito além de tudo o que até então tinha vivido,

mas não podia resistir a ela. Era muito estranho; Steve exercia muita mais influência

sobre ela naquela situação da que tinha antes, quando estava em pleno uso de suas

faculdades e de seu transbordante encanto. Continuava completamente imóvel, e durante

a maior parte do tempo inconsciente, mas mesmo assim, algo profundo e primário a

empurrava para ele. Bastava estar no mesmo quarto que Steve para que seu coração

pulsasse a um ritmo mais forte e o sangue corresse com renovada energia por suas

veias.

–Ei querido –sussurrou, lhe acariciando o braço. –Já pode voltar a dormir. Não se

preocupe, não lute contra a dor, te limite a deixá-la fluir. Eu estou a seu lado e não me

partirei. Estarei a seu lado quando voltar a despertar.

Lentamente, o pulso do Steve foi serenando-se, e também o ritmo de sua respiração.

A tensão sangüínea diminuiu. O ar vaiava através do tubo que tinha conectado à

garganta, um som que se teria convertido em um suspiro se não tivesse sido por aquele

artefato. Jay permanecia ao lado da cama, lhe acariciando lentamente o braço enquanto

ele dormia.

«Quem é?» Voltou a despertar e gritou em silêncio enquanto se abria caminho

através do véu de escuridão para um horror inclusive maior. A dor era tal que tinha a

sensação de que o estava devorando vivo, mas podia suportá-lo porque, apesar de sua

intensidade, era preferível à horrorosa sensação de vazio. Deus, o teriam enterrado vivo?

Não podia mover-se, não podia ver, não podia ouvir. Era como se seu corpo tivesse

morrido mas sua mente permanecesse viva. Apavorado, tentou gritar de novo, mas não

pôde.

Onde estava? O que lhe tinha ocorrido?

Não sabia. Que o céu o ajudasse. Não sabia!

–Estou aqui –ronronou a voz brandamente. –Sei que está assustado e não

compreende nada, mas estou aqui. E seguirei contigo.

A voz. Resultava-lhe familiar, tinha-a ouvido em seus sonhos. Não, não só em

sonhos. Era algo mais profundo que isso. Sentia-a em suas vísceras, em seus ossos, em

suas células, em seus genes e em seus cromossomos. Era parte dele e tentou

concentrar-se nela com um intenso e quase doloroso reconhecimento. Mas lhe resultava

imensamente estranho relacionar-se com algo que sua mente consciente pudesse

produzir.

Page 39: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Os médicos dizem que provavelmente estará muito confuso –continuou dizendo a

voz.

Era uma voz serena, tenra e ligeiramente rouca. Como se fora a voz de uma mulher

que tivesse estado chorando. Uma mulher. Sim. Definitivamente era a voz de uma mulher.

E tinha a vaga lembrança daquela voz chamando-o, ajudando-o a sair de uma estranha e

sufocante escuridão.

A voz começou recitar uma lista de lesões e ele a escutou com fera concentração.

Pouco a pouco, foi dando-se conta de que estava falando dele. Era ele o que estava

ferido. Não estava morto, não; não o tinham enterrado vivo.

Percorreu-o uma onda de imenso alívio que o deixou absolutamente exausto.

A voz continuava ali quando voltou a emergir à superfície. Naquela ocasião, o terror

inicial durou menos que a vez anterior. Ao prestar atenção, decidiu que a voz soava mais

rouca que chorosa.

Sempre estava ali. Ele não tinha consciência do tempo, só da dor e da escuridão,

mas tinha ido dando-se conta de que havia duas classes de escuridão. Alguém estava em

sua mente, paralisando seus pensamentos, mas contra aquela podia lutar. Pouco a

pouco, essa escuridão tinha ido diminuindo. Mas depois estava a outra, a ausência de luz,

a incapacidade de ver. Teria tornado a sofrer um ataque de pânico se ela não tivesse

estado ali. Ela, que lhe explicava sua situação uma e outra vez, como se soubesse que só

podia ir compreendendo gradualmente suas palavras. Não estava cego: tinha os olhos

tampados com ataduras, mas não estava cego. Tinha as pernas quebradas, mas poderia

voltar a caminhar. As mãos lhe ardiam, mas voltaria às utilizar. Havia um tubo conectado

a sua garganta para ajudá-lo a respirar; mas muito em breve o tirariam para que pudesse

voltar a falar.

E ele acreditava. Não a conhecia, mas confiava nela.

Tentou pensar, mas as palavras ricocheteavam em sua cabeça, fazendo que lhe

resultasse impossível lhes encontrar sentido. Não sabia... Eram muitas as coisas que não

sabia. Não sabia nada. Mas tampouco era capaz de reter as palavras e ordenar as de

forma adequada, como teria podido fazer se ao menos soubesse o que era o que não

sabia. Nada tinha sentido e estava cansado de lutar.

Ao final despertou e descobriu que seus pensamentos eram mais claros; a confusão

era diferente, porque as palavras de repente cobraram sentido embora todo o resto

continuasse sem o ter. Ela estava ali. Podia sentir uma mão no braço, perceber a ligeira

rouquidão de sua voz. Teria estado a seu lado constantemente? Durante quanto tempo?

Tinha a sensação de que tinha estado a seu lado sempre, e aquilo o inquietava, porque

acreditava que deveria sabê-lo exatamente.

Page 40: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Eram muitas as coisas que queria saber e não podia perguntar. A frustração o

devorava. Flexionou o braço sob a mão que o acariciava. Deus, o que ocorreria se aquela

mulher o deixasse? Ela era o único vínculo que unia o mundo exterior à prisão de seu

corpo, seu único vínculo com a prudência, a única janela em um universo em plena

escuridão. E de repente, a necessidade de saber se materializou em seu interior em um

simples pensamento, em uma só palavra: quem?

Seus lábios formaram aquela palavra, que se traduziu unicamente em silêncio. Sim,

essa era a palavra que queria. Todo o resto ficava resumido nessa única palavra.

Jay posou delicadamente a mão sobre seus lábios.

–Não tente falar –sussurrou. –Eu recitarei o alfabeto. Cada vez que chegue à letra

que está procurando, tenta mover o braço. Eu continuarei repetindo o alfabeto uma e

outra vez até que formemos as palavras que quer dizer. Acha que poderá fazê-lo? Move o

braço uma vez se for sim e dois se for não.

Jay estava esgotada. Tinham passado dois dias desde a primeira vez que Steve

tinha recuperado a consciência e tinha estado a seu lado a maior parte do tempo. Tinha

falado com ele até ficar sem voz, tentando lhe proporcionar com suas palavras a ponte

que o conectasse com a realidade. Sabia quando estava acordado, sentia quando estava

aterrorizado, sentia-o lutar tentando compreender o que lhe estava ocorrendo. Mas

aquela era a primeira vez que seus lábios se moviam, e ela estava tão cansada que não

tinha sido capaz de compreender o que estava tentando lhe dizer. O jogo do alfabeto era

a única maneira que lhe ocorria de tentar comunicar-se com ele, mas não sabia se Steve

seria capaz de concentrá-lo suficiente como para que funcionasse.

Steve moveu o braço. Só uma vez.

Jay tomou ar, obrigando-se a vencer seu cansaço.

–De acordo. Começamos, A, B, C, D...

Começou a renunciar à esperança à medida que ia recitando as letras do alfabeto e

o braço do Steve permanecia imóvel sob sua mão. Tinha pontudo muito longe. O coronel

Lunning lhe tinha advertido que passariam dias até que a mente do Steve estivesse

suficientemente limpa como para que pudesse compreender real-mente o que estava

ocorrendo a seu redor. Mas então chegou à letra Q e sentiu que o braço do Steve se

movia.

Jay se interrompeu.

–Q?

Steve voltou a mover o braço uma vez.

–Muito bem –respondeu Jay, presa do júbilo. –A primeira letra é a Q. Vamos pela

segunda.

Steve voltou a mover o braço quando chegou ao U.

Page 41: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

E uma vez mais quando chegou a E.

E voltou a movê-lo quando pronunciou a M.

Jay estava atônita.

–Quem? Essa é a palavra? Quer saber quem sou?

Steve moveu o braço.

Não sabia; claro que não sabia. Jay não podia recordar se havia tornado a lhe

mencionar quem era ela depois de ter falado com ele a primeira vez. Acreditava acaso

que podia recordar sua voz depois de cinco anos sem falar-se?

–Sou Jay –disse com delicadeza. –Sua ex-esposa.

Capítulo 4

Steve permanecia completamente imóvel. Jay tinha a impressão de que estava

afastando-se dela, embora não fora capaz de mover um só músculo. Uma dor

surpreendentemente aguda floresceu em seu interior e se arreganhou por isso. O que

esperava? Steve não podia levantar-se para abraçá-la, não podia falar e, provavelmente,

estava esgotado. Era consciente de tudo isso, mas mesmo assim, tinha a sensação de

que estava afastando-se dela. Incomodar-lhe-ia ser tão dependente de sua pessoa?

Sempre lhe tinha gostado de guardar as distâncias. Ou possivelmente lhe incomodasse

que fora ela a que estava a seu lado em vez de uma enfermeira com a que não tivesse

nenhuma relação pessoal. Ao fim e ao cabo, quando esse tipo de serviços se prestavam

com motivos profissionais, sempre se mantinha certa distância que permitia conservar ao

paciente um certo grau de independência. Mas quando esse tipo de trabalho se fazia por

motivos pessoais, suportava um preço que não podia pagar-se em dólares e que,

certamente, Steve não estava disposto a pagar.

Jay imprimiu a sua voz uma calma que estava muito longe de sentir.

–Quer fazer alguma outra pergunta?

Dois movimentos do braço. Não.

Havia se sentido separada de seu lado em tantas ocasiões que reconheceu seu

rechaço imediatamente, apesar da sutileza e da falta de palavras. E lhe doeu. Fechou os

olhos e lutou para controlar-se antes de voltar falar. Passaram vários segundos até que

foi capaz de dizer:

–Quer que fique contigo?

Steve permaneceu imóvel durante um longo momento. Depois moveu o braço. E

voltou a movê-lo. Não.

–De acordo, não voltarei a te incomodar.

Page 42: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Seu autodomínio era frágil; sua voz, tênue e tensa. Jay não esperou para ver se

Steve tinha algo que responder, mas sim se voltou e abandonou o quarto. Sentia-se

doente. Inclusive depois de seu rechaço, requeria um grande esforço para ela sair e

deixá-lo sozinho. Queria ficar a seu lado, protegê-lo, lutar por ele. Deus, inclusive teria

estado disposta a compartilhar sua dor se tivesse podido. Mas Steve não a queria. Não a

necessitava. Tinha tido razão ao pensar que não apreciaria seus esforços, mas o vínculo

que tinha sentido entre eles durante esses dias era tão forte que tinha ignorado as

advertências do sentido comum e tinha deixado que Frank a convencesse de que ficasse.

Bom, o melhor que podia fazer era comunicar ao Frank que sua estadia naquela

cidade tinha terminado, que tinha que partir. Seus problemas não tinham mudado: seguia

tendo que encontrar trabalho. Tirou uma moeda da bolsa, procurou um telefone público e

chamou o número que Frank lhe tinha dado. Durante os últimos dois dias, Frank Payne

não tinha passado tanto tempo no hospital como ao princípio; de fato, esse dia em

concreto nem sequer se passou por ali.

Frank respondeu rapidamente e ouvir sua voz acalmada a ajudou a tranqüilizar-se.

–Olá, sou Jay. Queria que soubesse que meu trabalho terminou. Steve não quer que

continue a seu lado.

–O que? –parecia surpreso. –Como sabe?

–Há-me isso dito.

–Como demônios lhe vai dizer isso. -Não pode falar e não é capaz de escrever. E,

em qualquer caso, o coronel Lunning há dito que ao princípio estaria um pouco confuso.

–Esta manhã melhorou muito. E encontramos um sistema para nos comunicar –lhe

explicou cansada. –Fui lhe recitando o alfabeto e ele movia ligeiramente o braço quando

chegava à letra que queria. É capaz de soletrar perguntas e respostas. Um movimento do

braço significa sim e dois, não.

–O contaste ao coronel Lunning? –perguntou-lhe Frank bruscamente.

–Não, não o vi. Só queria que soubesse que Steve já não quer que esteja com ele.

–Pede que chamem o coronel por megafone. Quero falar com ele. Agora.

Para ser um homem tão amável, Frank podia chegar a mostrar-se muito autoritário

quando o propunha, pensou Jay enquanto se dirigia à habitação das enfermeiras para

solicitar que chamassem o coronel Lunning. Cinco minutos depois, apareceu o coronel

com aspecto cansado e vestido com o uniforme verde com o que entrava na sala de

cirurgia. Escutou atentamente A Jay e, continuando, sem dizer uma só palavra,

aproximou-se do telefone e falou tranqüilamente com o Frank. Jay não entendia o que

estava dizendo, mas quando desligou, Lunning chamou uma enfermeira e se dirigiu

diretamente ao quarto do Steve.

Page 43: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Jay esperou no corredor, esforçando-se por controlar seus sentimentos. Embora

conhecia o Steve e podia esperar-se um pouco parecido, continuava lhe doendo. Naquele

momento estava sofrendo muito mais do que tinha sofrido com seu divórcio. Sentia-se

estranhamente... traída, afligida, como se tivesse perdido uma parte de si mesmo, algo

que não havia sentido cinco anos atrás. Enfim, esse era outro clássico exemplo de como

a intensidade com a que vivia-lhe fazia interpretar equivocadamente as coisas.

Aprenderia alguma vez?

O coronel Lunning passou muito tempo no quarto de Steve. Um exército de

enfermeiras entrava e saía constantemente do quarto. Em menos de meia hora chegou

Frank com o rosto tenso e sério. Apertou o braço de Jay em um gesto de consolo quando

chegou a seu lado, mas não se deteve falar com ela. Ele também desapareceu no interior

do quarto do Steve, como se estivesse ocorrendo algo terrivelmente importante em seu

interior.

Jay se dirigiu à sala de espera e permaneceu sentada com as mãos cruzadas no

colo enquanto tentava decidir o que ia fazer a seguir. Voltar para Nova Iorque,

obviamente, e procurar trabalho. Mas a perspectiva de lançar-se de novo ao mundo dos

negócios a deixava fria. Não queria retornar. Não queria deixar ao Steve. Inclusive depois

do ocorrido, não queria separar-se de seu lado.

Quase uma hora depois, Frank entrou na sala de espera. Dirigiu-lhe um olhar intenso

antes de aproximar-se da máquina do café e tirar dois copos. Jay elevou os olhos e

conseguiu lhe dirigir um sorriso quando se aproximou dela.

–De verdade tenho aspecto de necessitá-lo? –perguntou com ironia, assinalando o

café com a cabeça.

Frank lhe estendeu um dos copos de café.

–Já sei que sabe inclusive que é pior do que parece. Mas tome-o de todas formas.

Se não o necessitar agora, necessitá-lo-á dentro de um momento.

Jay tomou a taça, bebeu um sorvo e esboçou uma careta. Era um autêntico mistério

que alguém tivesse sido capaz de obter um sabor tão horrível misturando água e café.

–Por que vou necessitá-lo dentro de um momento? Tudo terminou, não é verdade?

Steve me há dito que vá. É evidente que não quer que fique com ele, de modo que minha

presença só pode incomodá-lo e entorpecer sua recuperação.

–Não, nem tudo terminou –disse Frank, com o olhar cravado em seu próprio café.

A rotundidade de seu tom fez que Jay o olhasse com atenção. Frank estava gasto. O

cansaço se refletia em todas suas feições.

Um calafrio percorreu as costas do Jay. Endireitou-se nervosa em seu assento.

–O que passou? –perguntou. –Sofreu uma recaída?

–Não.

Page 44: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Então o que ocorre?

–Não recorda –disse Frank. –Não recorda nada. Tem amnésia.

Frank tinha razão; necessitava do café. Bebeu o copo de café e, continuando,

levantou-se em busca de outro. A cabeça lhe dava voltas e se sentia como se acabassem

de lhe dar um murro no estômago.

–O que outra coisa podia ir mau? –perguntou. Falava para si mesmo, mas Frank

sabia o que queria dizer.

O policial suspirou. Não contavam com aquilo. Necessitavam que o paciente

despertasse, que fosse capaz de falar, de compreender o que teria que fazer. Aquele

último episódio tinha estragado todo o plano. Nem sequer sabia quem era! Como ia

proteger a si mesmo se nem sequer sabia de quem tinha que defender-se? Não podia

distinguir aos amigos dos inimigos.

–Esteve perguntando por ti –disse Frank, tomando sua mão.

Jay o olhou fixamente e começou a levantar-se, mas Frank lhe segurou a mão,

fazendo que voltasse a sentar-se.

–Estivemos lhe fazendo muitas perguntas –continuou lhe explicando. –Utilizamos

seu sistema, embora seja um pouco lento. Quando lhe disse que era sua ex-esposa o

confundiu, assustou-o. Não se lembrava de ti e não sabia o que fazer. Recorda que ainda

está muito confuso. Para ele é muito difícil concentrar-se, embora esteja avançando muito

rápido.

–Está seguro de que perguntou por mim? –perguntou Jay com o coração palpitante.

Apesar de tudo o que Frank havia dito, seus sentimentos pareciam haver-se

concentrado naquela única frase.

–Sim. Soletrou seu nome uma e outra vez.

As vontades de ir a seu lado eram tão fortes que resultavam quase dolorosas. Jay se

obrigou a permanecer sentada para tentar compreender algo mais.

–Tem amnésia total? Não se lembra de nada?

–Nem sequer sabe como se chama. – Frank voltou a exalar um pesado suspiro. –

Não recorda nada da explosão, não sabe por que estava ali. Tem a mente completamente

em branco, droga –terminou, expressando sua impotência e sua frustração.

–O que opina o coronel Lunning?

–Diz que uma amnésia total é algo extraordinariamente estranho. - O mais freqüente

com amnésias parciais que bloqueiam as lembranças do acidente e todo o ocorrido pouco

antes de que acontecesse. Com o traumatismo craniano sofrido pelo Steve, cabia esperar

algum episódio amnésico, mas isto... –fez um gesto de impotência.

Jay tentou recordar o que tinha lido sobre a amnésia, mas o único que ia a sua

mente era a utilização dramática que dela se fazia nas telenovelas. Invariavelmente, o

Page 45: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

amnésico recuperava a memória durante um momento de especial carga dramática, bem

a tempo para evitar um assassinato ou para impedir que o matassem a ele. Era um bom

elemento para o melodrama, sim, mas não sabia nada mais do tema.

–Recuperará a memória?

–Provavelmente, ou ao menos em parte. Mas não podemos estar seguros. É

possível que a recupere de forma quase imediata ou que dure meses em voltar a recordar

algo. O coronel Lunning diz que irá recuperando a memória pouco a pouco e que

normalmente, os primeiros em reaparecer são as lembranças mais estranhas.

«Poderia». «É possível». «Provavelmente». «Normalmente». Todas elas eram

palavras para dizer que, simplesmente, não sabiam o que ia ocorrer. E enquanto isso,

Steve seguia na cama, incapaz de falar, incapaz de ver, incapaz de mover-se. Quão único

podia fazer era ouvir e pensar. O que sentiria ao estar tão desorientado, tão afastado de

tudo o que podia lhe resultar familiar, tão afastado inclusive de si mesmo? Steve não tinha

nenhum ponto de referência. Pensar no pânico que devia estar sentindo lhe rasgava o

coração.

–Ainda está disposta a ficar ? –perguntou Frank, cravando nela seus olhos cheios de

preocupação. –Até sabendo de que isto poderia durar meses, anos inclusive?

–Anos? –perguntou Jay com um fio de voz. –Mas você só queria que ficasse até que

o tivessem operado os olhos.

–Então não sabíamos que não ia ser capaz de recordar nada. O coronel Lunning diz

que estar perto de coisas e pessoas que lhe resultam familiares pode estimular sua

memória, lhe dar uma sensação de estabilidade.

–Quer que fique até que tenha recuperado a memória –disse Jay.

A idéia a aterrava. Quanto mais ficasse com Steve, mais fortes seriam seus

sentimentos para ele. O que ocorreria se se apaixonasse por Steve mais profundamente

que a primeira vez e logo, quando ele retornasse a uma vida livre e sem compromissos,

perdia-o de novo? De fato, se já temia querê-lo muito para ser capaz de afastar-se dali,

como poderia afastar-se de seu lado sabendo que a necessitava?

–Precisa de você –disse Frank, expressando em voz alta seus pensamentos. –Está

perguntando por ti. Responde tão intensamente a sua presença que está confuso, tal

como predisse o coronel Lunning. E nós também lhe necessitamos, Jay. Necessitamos

que ajude como só você pode fazê-lo, porque necessitamos que nos explique o que sabe.

–Se os sentimentos não me comoverem, terá que provar outra vez com a estratégia

do patriotismo? –perguntou Jay com cansaço e apoiou a cabeça contra o respaldo da

cadeira. –Mas não é necessário. Não o deixarei. Não sei o que vai ocorrer nem como

vamos poder nos relacionar se não recuperar logo a memória, mas não o abandonarei.

Page 46: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Levantou-se e abandonou a sala. Frank permaneceu sentado durante alguns

segundos mais, com o olhar fixo no copo que tinha entre as mãos. Pelo que acabava de

lhe dizer, sabia que Jay tinha a sensação de estar sendo manipulada, mas mesmo assim,

estava disposta a deixar que o fizessem porque Steve era importante para ela. Frank

tinha que comunicar ao Homem o último desenvolvimento dos acontecimentos e se

perguntava o que poderia ocorrer a seguir. Ambos contavam com a voluntariosa

participação do Steve, com a contribuição de seu talento e suas capacidades. Mas iriam

ter que deixá-lo sair à rua tão indefeso como um menino. Ele não era capaz de

reconhecer o perigo e eles tampouco podiam arriscar-se a lhe transmitir informação que

pudesse dificultar sua recuperação. O coronel Lunning tinha sido muito firme ao afirmar

que quão pior podiam fazer era alterá-lo emocionalmente. Necessitava calma e

tranqüilidade, estabilidade emocional; dessa maneira, recuperaria mais rapidamente a

memória. Mas fora qual fora a decisão que seu superior tomasse, o ferido estava

correndo um risco. E se seu agente se encontrava em uma situação de risco, Jay também

corria perigo.

Para Jay era duro voltar a entrar no quarto do Steve depois da sacudida emocional

que acabava de suportar. Necessitava de tempo para recuperar o controle, mas voltava a

sentir aquele vínculo tão especial que os unia. Era tão intenso que só pensava em chegar

ao quarto do Steve e acariciá-lo. Ele a necessitava nesse instante e sua necessidade era

maior que a que Jay tinha de tempo para recuperar-se. Abriu a porta e sentiu que a

atenção de Steve se centrava nela, embora nem sequer se moveu. Foi como se estivesse

contendo a respiração.

–Eu voltei –disse com voz baixa, aproximou-se da cama e posou a mão em seu

braço. –Parece que sou incapaz de permanecer longe daqui.

Steve começou a mover rapidamente o braço e Jay entendeu a mensagem.

–De acordo –disse, e começou a recitar o alfabeto.

«Sinto muito».

O que podia dizer? Negar que a tinha afetado? Steve saberia que não era verdade.

Ele sentia seu vínculo tanto como ela, porque estava no outro extremo da corda invisível

que os unia.

Steve voltou o rosto ligeiramente para ela e entreabriu seus lábios feridos enquanto

esperava uma resposta.

–Não passa nada –respondeu ela. –Não era consciente de que tinha recebido uma

forte impressão.

«Sim».

Page 47: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Era surpreendente a expressividade que Steve podia transmitir com um só

movimento, mas Jay advertiu seu esgotamento e também que ainda estava impactado.

Impactado, mas controlando a situação. De fato, sua capacidade de controle era

surpreendente.

Jay começou a recitar de novo o alfabeto.

«Medo».

Aquela palavra a golpeou com força. Era algo que o antigo Steve jamais teria

admitido, mas o homem no que se converteu era muito mais forte, e sabia que podia

admiti-lo sem perder nem um ápice de sua força.

–Eu sei, mas ficarei contigo durante todo o tempo que quiser –lhe prometeu.

«O que aconteceu?» Steve fez aquela pergunta com um ligeiro movimento de braço.

Em voz baixa, Jay lhe explicou o da explosão, mas não lhe deu mais detalhes. Era

preferível que pensasse que tinha sido um acidente.

«Olhos»

De modo que não tinha compreendido tudo o que lhe havia dito e necessitava que o

tranqüilizasse.

–Terão que voltar a te operar, mas o prognóstico é bom. Voltará a ver outra vez,

prometo-lhe isso.

«Paralítico?»

–Não! Tem quebrado as pernas e estão engessadas, por isso não pode mover.

«Dedos».

–Os dedos? –perguntou Jay com incredulidade. –Os dedos ainda estão ali.

Steve moveu os lábios para esboçar um lento e doloroso sorriso.

«Toca-os», pediu-lhe.

Jay se mordeu o lábio.

–De acordo.

Queria que lhe tocasse os dedos para saber se ainda tinha alguma sensibilidade

neles, para assegurar-se de que não se ficou paralítico. Jay se aproximou dos pés da

cama e posou os braços sobre os dedos de seus pés, deixando que absorvessem o calor

de suas mãos. Quando voltou para seu lado, tocou-lhe o braço.

–Os sentiu?

«Sim». E voltou a lhe dirigir aquele indício de sorriso.

–Algo mais?

«Mãos».

–Estão enfaixadas pelas queimaduras, mas não são queimaduras de terceiro grau.

Ficarão bem.

«Peito. Dói».

Page 48: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Tem uma perfuração pulmonar e um tubo no peito. Procura não atirá-lo.

«Graciosa».

Jay soltou uma gargalhada.

–Não sei como pode ser alguém tão silencioso e tão sarcástico ao mesmo tempo.

«Garganta».

–Tem um tubo conectado à traquéia porque não respira bem.

«Cara quebrada».

Jay suspirou. Steve queria informação, não que o protegessem.

–Sim, alguns ossos de seu rosto estão quebrados. Não tem o rosto desfigurado, mas

sim o suficientemente inchado para que te resulte difícil respirar. Assim que ceda a

inflamação, tirar-lhe-ão o tubo.

«Levanta o lençol e comprova o...»

–Não penso fazer algo assim! –respondeu com indignação, deixando de soletrar

assim que compreendeu para onde se dirigiam suas palavras. Depois não pôde menos

que soltar uma gargalhada, porque Steve parecia realmente impaciente. –Tudo está em

seu lugar, me acredite.

«Funciona?»

–Isso terá que averiguá-lo por ti mesmo.

«Afetada».

–Não, não sou nada afetada, e te comporte se não quiser que venha uma enfermeira

a te tirar a sonda. Então averiguará da forma mais dura o que quer saber.

Assim que teve terminado a frase se ruborizou violentamente e não a ajudou muito

vê-lo sorrir outra vez. Não pretendia que suas palavras soassem daquela maneira.

O esforço que tinha feito terminou por esgotá-lo. Ao cabo de uns minutos, Steve

soletrou a palavra «dormir».

–Não pretendia te cansar –murmurou Jay. –Vamos, dorme.

«Ficará?»

–Sim, claro que ficarei. Não voltarei para meu apartamento sem te avisar.

Sentiu um nó na garganta ante a insegurança do Steve e permaneceu ao lado da

cama, com a mão em seu braço enquanto sentia como sua respiração ia fazendo-se mais

rítmica e sossegada.

Inclusive sabendo-o adormecido lhe custava afastar a mão de seu braço e afastar-se

da cama. Permaneceu a seu lado durante um longo momento. Um sorriso curvava seus

lábios. A personalidade do Steve era tão forte que se manifestava apesar das limitações

que tinha para comunicar-se. Queria saber a verdade sobre sua situação, não se

conformava com vagas promessas nem com a ambígua conversação dos médicos. Podia

ter esquecido seu próprio nome, mas isso não lhe tinha feito mudar. Era um homem forte,

Page 49: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

muito mais forte que cinco anos atrás. E fosse o que fosse o que lhe tivesse passado

durante aquele lustro, parecia havê-lo endurecido. Era mais duro, mais forte, sua força de

vontade era quase feroz, ao igual à energia que emanava de seu corpo. OH, anos atrás

Steve era um uva sem semente encantador, endemoniadamente inquieto e atrevido, com

um brilho no olhar que convidava a voltar-se para qualquer mulher. Mas naquele

momento era... perigoso.

Aquela palavra a surpreendeu em um princípio, mas quando a analisou,

compreendeu que descrevia exatamente ao homem no que seu ex-marido se converteu.

Era perigoso. Jay não se sentia ameaçada por ele, mas o perigo não constituía

necessariamente uma ameaça. Era um homem perigoso por causa de sua férrea e

implacável vontade; quando aquele homem decidia fazer algo, ninguém estava a salvo se

se interpunha em seu caminho. Em algum momento durante os últimos cinco anos, algo o

tinha mudado drasticamente e Jay não estava segura de querer saber o que tinha sido.

Tinha que ter sido um cataclismo, algo terrível para lhe haver forjado aquele caráter. Era

como se Steve tivesse tido que despir-se até enfrentar-se ao mais básico da existência

humana, como se tivesse se visto obrigado a prescindir de todos os traços que não eram

necessários para sobreviver e tivesse tido que adotar outros novos que sim o eram. E o

que tinha ficado era algo forte, puro, inquebrável, que lhe proporcionava uma curiosa

capacidade de recuperação. Era um homem que não admitia a derrota, que não sabia o

que significava essa palavra.

O coração lhe pulsava violentamente no peito enquanto permanecia com o olhar fixo

no Steve, com toda sua atenção concentrada nele de tal maneira que poderiam ter sido

as únicas duas pessoas do planeta. Assustava-a e a atraía com tal intensidade que

afastou a mão de seu braço assim que aquele pensamento cobrou forma em sua mente.

Deus santo! Seria uma estúpida se voltava a deixar-se encerrar naquela armadilha. Mais

inclusive depois de todo o ocorrido, posto que Steve era essencialmente um solitário; sua

personalidade se afiou de tal maneira que devia viver completamente trancado em si

mesmo. Da vez anterior, tinha conseguido sair de sua relação virtualmente ilesa. Mas o

que ocorreria naquela ocasião se permitisse querê-lo muito? Estava assustada, e não só

porque se achasse a beira de um precipício emocional, mas sim porque inclusive se

atrevia a imaginar-se aproximando-se ainda mais do Steve. Aquilo era como estar

contemplando a uma pantera em uma jaula, olhando através das barras e sabendo-se a

salvo, mas sentindo ao mesmo tempo o perigo só que reprimido.

Fazer amor com ele no passado era um jogo divertido e apaixonado. Mas como seria

depois de uma experiência como aquela? Desapareceria toda diversão? Jay assim

imaginava. A experiência devia ser tão intensa e elementar como tirar o chapéu de

repente apanhado em meio de uma tormenta.

Page 50: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Jay começou a dar-se conta de que logo que podia respirar e se obrigou a afastar-se

da cama. Não queria que Steve significasse tanto para ela. E tinha muito, muito medo de

que já fosse assim.

–O que temos que fazer? –perguntou Frank com voz tranqüila e seus olhos claros

fixos em uns olhos negros.

–As decisões já estão tomadas –respondeu o Homem com voz igualmente tranqüila.

–Não tivemos mais remédio. Se agora fizermos algo fora do normal, poderíamos levantar

suspeitas e ele agora não está em condições de reconhecer a seus inimigos.

–Pôde-se localizar o Piggot?

–O perdemos em Beirut, mas sabemos que teve contato com seus antigos

companheiros. Voltará de novo para a superfície. E estaremos esperando-o.

–Quão único temos que conseguir é manter vivo a nosso homem até que possamos

neutralizar o Piggot –disse Frank pesaroso.

–Conseguiremos. De uma ou outra forma, temos que evitar que os assassinos de

Piggot lhe ponham as mãos em cima.

–Quando recuperar a memória, não lhe vai fazer nenhuma graça o que temos feito.

Um sorriso fugaz apareceu nos lábios de seu superior.

–Ficará furioso. Mas não penso correr nenhum risco com sua segurança até que

seja capaz de cuidar de si mesmo. E possivelmente nem sequer então. Já o descobriram

em uma ocasião e poderia acontecer outra vez. Tudo depende de que consigamos

apanhar ao Piggot.

–Não lhe tenta voltar a trabalhar sobre o terreno para poder apanhá-lo você mesmo?

Seu superior se reclinou em seu assento e dobrou os braços por detrás da cabeça.

–Não, acredito que já me domesticaram. Eu gosto de voltar para casa pelas noites

com Rachel e os meninos. Não quereria ter que ir olhando por cima do ombro quando vou

pela rua.

Frank assentiu, recordando a época em que aquele homem era o objetivo de todos

os delinqüentes e terroristas que formavam parte daquele sinistro mundo. Nesse

momento vivia a salvo, fora daquele ambiente. Ou ao menos isso era o que a maioria das

pessoas pensavam. Um reduzido grupo de pessoas sabia que as coisas eram de outra

maneira. Aquele homem oficialmente não existia. Nem sequer alguns agentes que

seguiam suas instruções sabiam que as ordens procediam dele. Vivia enterrado tão

profundamente entre as curvas da burocracia que não havia maneira de relacioná-lo com

o trabalho que realmente fazia. O Presidente sabia algo sobre ele, mas Frank duvidava de

que tivessem conhecimento de sua existência o Vice-presidente ou qualquer outro

membro do departamento de Estado ou da agência que o empregava. E era possível que

Page 51: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

o próximo Presidente do país nem sequer chegasse a inteirar-se de quem era. Aquele

homem decidia por si mesmo em quem podia confiar. Frank era uma dessas pessoas. E

também o era o homem que estava ingressado no Hospital Naval da Bethesda.

Dois dias mais tarde, tiraram do Steve o tubo do pulmão, pois a perfuração já tinha

sanado. Quando deixaram Jay de novo em seu quarto, esta permaneceu ao lado da

cama, lhe acariciando o ombro e o braço até que sua respiração se normalizou e

começou a secar as gotas de suor que cobria seu corpo.

–Já passou tudo, já passou tudo –murmurou.

Steve moveu o braço, indicando que queria soletrar e Jay começou a recitar o

alfabeto.

«Não divertido».

–Não – ela se mostrou de acordo.

«Mais tubos?»

–Tem uma sonda no estômago para te alimentar –Jay o sentiu esticar os músculos,

como se estivesse antecipando o futuro dor.

Steve soletrou um amargo impropério.

Jay moveu a mão sobre seu peito com um gesto carregado de compaixão, sentindo

a aspereza do pêlo que começava a crescer e evitando a ferida que o tubo tinha deixado

em seu corpo.

Steve tomou ar e se obrigou a si mesmo a relaxar-se.

«Levantar cabeça».

Jay demorou vários segundos em averiguar o que queria. Steve devia estar

incrivelmente ulcerado depois de ter estado convexo durante tanto tempo sem poder

mover as pernas ou levantar os braços. Só movia os braços quando lhe trocavam as

ataduras. Jay pressionou o botão que havia na cabeceira da cama e foi levantando-o

centímetro a centímetro, mantendo ao mesmo tempo a mão sobre seu braço para que

pudesse lhe indicar quando queria que se detivera. Steve tomou ar várias vezes enquanto

seu peso se deslocava para os quadris e a parte inferior de seu corpo e depois moveu o

braço para detê-la. Soltou um silencioso juramento enquanto esticava os músculos,

tentando vencer a dor. Ao cabo de uns segundos, acostumou-se à nova postura e

começou a relaxar-se.

Jay o observava atentamente. Seus enormes olhos azuis refletiam a dor que ele

sentia, mas sabia que estava melhorando dia a dia e ser testemunha daquela progressiva

melhoria a enchia de júbilo. O inchaço da cara estava remetendo e os lábios os deixava

virtualmente normais, embora ainda não tivessem desaparecido quão feridas obscureciam

seu queixo e sua garganta.

Page 52: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Jay quase podia sentir sua impaciência. Steve queria falar, queria ver, queria

caminhar, queria ser capaz de mudar de postura quando estava na cama. Sentia-se

prisioneiro de seu corpo e não gostava. Jay pensou que devia ser um autêntico inferno

estar apanhado por aquelas lesões e desconhecer além disso a própria identidade. Mas

Steve não estava renunciando; ele fazia mais pergunta a cada dia, tentava encher o vazio

de lembranças. Possivelmente esperasse que alguma palavra mágica o ajudasse a

retornar a si mesmo. Jay falava com ele inclusive quando não o fazia pergunta, com

intenção de lhe oferecer informação básica sobre sua vida e uma perspectiva da que

olhar-se.

Um movimento do Steve a alertou e começou a recitar de novo o alfabeto.

«Quando casamos?»

Jay conteve a respiração. Era a primeira pergunta pessoal que fazia Steve, era a

primeira vez que queria saber algo sobre o passado de sua relação.

–Estivemos casados durante três anos –conseguiu responder com calma. –E nos

divorciamos faz cinco.

«Por que?»

–Não foi um divórcio traumático –refletiu. –Nem tampouco foi traumático nosso

matrimônio. Suponho que, simplesmente, esperávamos coisas diferentes da vida. Fomos

nos distanciando e ao final o divórcio foi quase mais uma formalidade que algo que

rasgasse nossas vidas.

«O que você queria?»

Era a pergunta do milhão de dólares. O que ela queria? Estava segura do que

esperava da vida até o dia no que a tinham despedido do trabalho e Frank Payne havia

tornado a levar ao Steve a sua vida. Nesse momento não estava segura de nada; em um

curto espaço de tempo tinha suportada mudanças que tinham desviado por completo o

rumo de sua vida. Olhou ao Steve e comprovou que esperava pacientemente uma

resposta.

–Estabilidade, suponho. Queria que assentássemos nossa relação, algo que não

gostava. Divertíamo-nos estando juntos, mas não encaixávamos um com o outro.

«Filhos?»

Aquela idéia a sobressaltou. Curiosamente, enquanto estavam casados, Jay não

tinha tido nenhuma pressa por formar uma família.

–Não, não tivemos filhos –jamais tinha sido capaz de imaginar a si mesmo tendo um

filho com o Steve. Naquele momento... OH, Deus, bastava-lhe pensá-lo para ficar a

tremer.

«Voltou a casar?»

Page 53: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Não, não tornei a me casar. E acredito que você tampouco. Quando Frank me

notificou seu acidente, perguntou-me se tinha algum outro parente ou amigo íntimo, de

modo que suponho que continuava solteiro.

Steve tinha estado escutando-a atentamente, mas de repente seu interesse pareceu

intensificar-se. Jay podia senti-lo como se fora uma carícia contra sua pele.

«Família?»

–Não, seus pais estão mortos e se tiver algum outro parente, eu nunca o conheci.

Evitou lhe dizer que se ficou órfão muito cedo e que tinha crescido em lares de

acolhida. O fato de não ter família parecia inquietá-lo, embora jamais tinha insinuado que

fora algo que o perturbasse quando estavam casados.

Steve permanecia muito quieto e a linha de seus lábios se converteu em uma

lúgubre careta. Jay tinha a sensação de que eram muitas as coisas que queria lhe

perguntar, mas a mera complexidade daquelas questões o frustrava. Para ajudá-lo a

esquecer-se dessas perguntas que ele não era capaz de formular e de respostas que

certamente não gostaria, Jay começou a lhe falar de como se conheceram e, pouco a

pouco, viu que ia relaxando o gesto de seus lábios.

–Como era nosso primeiro encontro, eu estava um pouco nervosa. Bom, mais que

um pouco, se quiser que te seja sincera. Os primeiros encontros são uma tortura, não

acha? Tinha chovido durante todo o dia e a rua estava cheia de atoleiros. Saímos do

carro e, justo nesse momento, passou uma caminhonete por cima de um atoleiro.

Terminamos os dois ensopados da cabeça aos pés, e assim ficamos, rindo um do outro

como se fôssemos dois autênticos estúpidos. Nem sequer me atrevo a pensar o aspecto

que tinha, mas lembro que te gotejava a água pelo nariz.

Steve esticou os lábios como se lhe doesse sorrir, mas não pudesse evitá-lo.

«O que fizemos?»

Jay se pôs-se a rir.

–Com esse aspecto, não eram muitas as coisas que podíamos fazer. Voltamos para

meu apartamento e, enquanto a roupa secava, ficamos conversando e vendo televisão. É

obvio, não chegamos à festa que pretendíamos ir. Continuamos saindo, um encontro

levava a outro e, ao cabo de cinco meses, estávamos casados.

Steve fazia uma pergunta atrás de outra. Era como um menino que escuta um conto

de fadas e queira conhecer até o último detalhe. Consciente de que estava procurando

uma parte de si mesmo que se extraviou na escuridão de sua memória, Jay lhe falava

infatigavelmente de todos os lugares aos que tinham ido, das coisas que tinham feito e

das pessoas que tinham conhecido, tudo isso com a esperança de que algum detalhe

pudesse acender a faísca que necessitava para recuperar suas lembranças. Sua voz

começou a enrouquecer e ao final, Steve conseguiu sacudir ligeiramente a cabeça.

Page 54: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

«Sinto muito».

Jay lhe pressionou o braço.

–Não o sinta –lhe disse brandamente. –Terminará recuperando a memória. Só é

questão de tempo.

Mas os dias passavam e as lembranças continuavam sem voltar. Steve não tinha

uma só lembrança de seu passado. Jay sentia como se concentrava em cada uma de

suas palavras, como se estivesse fazendo um enorme esforço por recordar. Seu

autodomínio continuava sendo algo extraordinário. Jamais se permitia deixar-se levar pela

frustração ou perder a paciência. Continuava tentando-o, mantendo seus sentimentos sob

controle, como se soubesse que qualquer transtorno emocional podia fazê-lo retroceder.

Seu objetivo era a recuperação total e se dirigia para ele com uma determinação que

jamais fraquejava.

Frank estava no hospital no dia que lhe tiraram o tubo da traquéia, esperando com

Jay no corredor. Tomou-lhe a mão. Ela o olhou com expressão interrogante, mas Frank

logo que moveu a cabeça. Minutos depois, um grito rouco procedente do quarto do Steve

a fez voltar-se bruscamente e Frank lhe estreitou a mão com força.

–Não pode entrar –lhe disse brandamente. –Também lhe vão tirar a sonda do

estômago.

O primeiro som que tinha saído dos lábios do Steve tinha sido um grito de dor. Jay

começou a tremer. Seu instinto a chamava a entrar no quarto, mas Frank reteve sua mão

com firmeza. Não voltou a ouvir-se nada mais no interior do quarto. Ao final, a porta se

abriu e saíram os médicos e as enfermeiras. O coronel Lunning foi o último em abandoná-

lo, e se deteve para falar com o Jay.

–Tudo saiu bem –lhe disse. Sorriu ligeiramente, tentando aliviar a tensão que via em

seu rosto. –Respira perfeitamente, e fala. Não lhe direi quais foram suas primeiras

palavras, mas quero lhe advertir que sua voz não será como você a recorda. A laringe

sofreu alguns danos e a partir de agora sua voz conservará para sempre uma ligeira

rouquidão. Melhorará com o tempo, mas nunca será como antes.

–Eu gostaria de falar com ele –disse Frank, baixando o olhar para Jay.

Esta compreendeu que havia coisas que queria lhe dizer ao Steve, embora ele não

recordasse o que tinha passado.

–Boa sorte –disse o coronel Lunning, dirigindo ao Frank um sorriso irônico. –Mas

temo que não tem vontades de ver-te; quer ver Jay, e nisso foi bastante explícito.

Ao Frank não surpreendeu. Era perfeitamente consciente de até que ponto podia

chegar a ser explícito. Mas mesmo assim, tinha que lhe fazer algumas pergunta, e se

aquele era seu dia de sorte, as perguntas poderiam ativar sua memória. Voltou a apertar

a mão de Jay, entrou no quarto e fechou com firmeza a porta atrás dele.

Page 55: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Menos de um minuto depois, abria-a e olhava a Jay com expressão frustrada e

divertida ao mesmo tempo.

–Quer que você entre, e não está disposto a colaborar até que o faça.

–De verdade acreditava que o faria? –ouviu-se uma voz rouca atrás dele. –Jay,

entra.

Ela começou a tremer ao ouvir aquela voz áspera e profunda, muito mais áspera e

profunda do que recordava. Era quase uma voz bronca, mas mesmo assim, resultava

maravilhosa. Tinha a sensação de que seus joelhos eram de borracha enquanto cruzava

a habitação, embora em realidade nem sequer era consciente de estar caminhando.

Simplesmente estava ali, obstinada ao corrimão da cama tentando manter-se em pé.

–Estou aqui –sussurrou.

Steve permaneceu em silêncio durante alguns segundos antes de dizer:

–Quero um copo de água.

Jay esteve a ponto de soltar uma gargalhada. Era um pedido tão normal que poderia

havê-la formulado a qualquer um. Mas então viu a tensão de sua mandíbula e de seus

lábios e compreendeu que, uma vez mais, Steve queria ser consciente de seu estado e

que ela estivesse a seu lado quando o fizesse. Voltou-se para um recipiente cheio de gelo

que normalmente utilizava para lhe umedecer os lábios. O gelo se derreteu o suficiente

para lhe permitir encher meio copo de água que lhe aproximou dos lábios.

Com muito cuidado, ele sorveu o líquido e o reteve um momento em sua boca, como

se queria deixar que umedecesse seu interior. Depois, tragou lentamente e ao cabo de

um minuto, relaxou-se.

–Graças a Deus –murmurou com voz rouca. –Ainda tenho a garganta torcida. Tinha

medo de não poder comer e te asseguro que não queria que voltassem a me pôr esse

maldito tubo.

Situado detrás de Jay, Frank dissimulou uma gargalhada convertendo-a em tosse.

–Algo mais? –perguntou Jay.

–Sim, me beije.

Capítulo 5

Quando à manhã seguinte Jay abriu a porta do quarto do Steve, este voltou a

cabeça no travesseiro e disse:

–Jay.

Sua voz soava rouca, quase gutural, e ela se perguntou se acabara de despertar.

Deteve-se com toda a atenção fixa nas ataduras que cobriam seus olhos.

Page 56: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Como soubeste que era eu? –as enfermeiras estavam fora, não sabia como podia

havê-la reconhecido.

–Não sei –respondeu lentamente. –Possivelmente tenha sido seu aroma, ou a

atmosfera que cria ao entrar no quarto. Ou melhor reconheci pelo ritmo de seus passos.

–Por meu aroma? –perguntou Jay sem compreender. –Não uso perfume, assim, se

me cheiraste dessa distância, é que algo não vai bem.

Steve curvou os lábios em um sorriso.

–É um aroma fresco e ligeiramente doce. Eu gosto. Não vai me dar um beijo de bom

dia?

A Jay deu um tombo o coração, ao igual a tinha ocorrido no dia anterior, quando

Steve lhe tinha pedido que o beijasse. Lhe tinha dado um beijo tenro e fugaz, logo que

tinha roçado seus lábios, enquanto Frank, atrás dela, fingia ser invisível. Mas depois

daquele beijo, Jay tinha demorado pelo menos dez minutos em recuperar o pulso. Nesse

momento, enquanto sua mente lhe gritava que tomasse cuidado, cruzou a e se inclinou

para ele para lhe dar outro beijo fugaz, permitindo-se deter seus lábios sobre os do Steve

durante apenas um segundo. Mas quando começou a afastar-se, ele aumentou a

pressão, acoplou sua boca a dela e o coração de Jay começou a pulsar violentamente.

Uma quebra de onda de excitação percorreu todo seu corpo.

–Tem sabor de café –conseguiu dizer quando por fim se obrigou a endireitar-se para

romper aquele contato.

Steve tinha os lábios ligeiramente entreabertos, com uma perturbadora

sensualidade, mas ao ouvir as palavras de Jay, esboçaram um gesto de suficiência.

–Pretendiam que tomasse um chá ou um suco de maçã –empregava o mesmo tom

que tivesse utilizado para falar da cicuta, –mas os convenci que me dessem um café.

–Ah, sim? –perguntou Jay secamente. –E como? te negando a beber nada mais até

que lhe dessem esse café?

–Funcionou –respondeu Steve sem parecer absolutamente arrependido.

Jay podia imaginar-se perfeitamente o impotentes que se haviam sentido as

enfermeiras ante sua implacável vontade.

Apesar de que já não precisava comunicar-se com ele pelo método do alfabeto, para

Jay se converteu em um hábito manter a mão sobre seu braço. Estava tão acostumada a

aquele contato que apenas o notava.

–Como te encontra? –perguntou-lhe.

Imediatamente foi consciente do trilhado da pergunta, mas ainda estava alterada

como conseqüência do beijo.

–Fatal.

–Ah.

Page 57: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Quanto tempo levo aqui?

Para surpresa dela, Jay teve que parar-se a contar os dias. Tinha chegado a estar

tão pendente do Steve que o tempo tinha deixado de ter importância para ela e lhe

resultava difícil recordar.

–Três semanas.

–Levo três semanas engessado?

–Acredito que sim.

–Muito bem –o disse como se estivesse dando permissão para essas três semanas,

mas não estivesse disposto a conceder nem um dia mais. Levantou o braço esquerdo. –

Hoje tenho um par de agulhas menos. Tiraram-me o soro faz uma hora.

–Nem sequer o tinha notado! –exclamou Jay, sorrindo ao perceber a nota de orgulho

que se refletia em sua voz. Perguntou-se se alguma vez chegaria a acostumar-se a sua

rouquidão.

–E também renunciei aos calmantes. Quero ter a cabeça limpa. Havia muitas

perguntas que queria te fazer, mas para isso necessitava muito tempo e esforço e tinha a

cabeça tão confusa por culpa da medicação que resultava muito problemático. Agora

quero saber tudo o que está passando. Onde estou? ouvi que chamava o médico

«coronel», assim suponho que estou em um hospital militar; a pergunta é por que?

–Está na Bethesda –respondeu Jay.

–No Hospital Naval? –o assombro enrouquecia sua voz ainda mais.

–Frank me disse que haviam lhe trazido para este hospital por questões de

segurança. Há dois guardas apostados na entrada desta asa do hospital.

–O coronel Lunning não pertence à Armada.

–Não.

Era surpreendente que tivesse perdido a maior parte das lembranças mais básicas e

mesmo assim fosse capaz de recordar que Bethesda era um hospital naval e que o de

coronel não era um grau da Armada.

–Isso significa que há alguém com muita influência que quer que fique aqui. Langley,

provavelmente.

–Quem?

–Estamos falando do quartel geral da RECUA. –Jay sentiu um terror glacial ao ouvi-

lo. –Possivelmente tenha intervindo diretamente da Casa Branca, embora eu apostaria a

que isto foi coisa do Langley. E o que me diz do Frank Payne?

–É do FBI; eu confio nele –respondeu Jay com firmeza.

–Droga, isto tem que ser algo sério –murmurou. –Não é normal que se coordenem

tantos departamentos e tantos corpos diferentes do exército. O que está acontecendo

aqui? me fale da explosão.

Page 58: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Frank não te contou nada?

–Tampouco eu lhe pedi nenhuma informação. Não o conhecia.

Sim, isso era próprio do Steve. Sempre tinha sido um homem contido, gostava de

contemplar as situações prudentemente da distância, embora Jay se casou com ele antes

de começar a notar aquele traço de seu caráter. Steve utilizava seus encantos como uma

espécie de couraça, de modo que a maior parte das pessoas o definiriam como um

homem sociável e espontâneo, quando era justo o contrário. Steve mantinha às pessoas

a distância, não confiava em ninguém e não permitia que ninguém se aproximasse dele,

mas era tão bom ator que ninguém o notava. Naquele momento, Jay tinha a sensação de

que a couraça tinha desaparecido. As pessoas podiam aceitá-lo tal e como era ou

abandoná-lo; não lhe importava. Era uma atitude dura, mas Jay descobriu que gostava

muito mais que a anterior. Era real, sem falsidades nem subterfúgios. E, pela primeira

vez, Steve lhe estava permitindo estar perto dele. Necessitava-a, confiava nela.

Possivelmente fora só por aquelas exaustivas circunstâncias, mas o caso era que a

necessitava, e isso a assombrava.

–Jay? –urgiu-a.

–Não sei exatamente o que ocorreu –lhe explicou. –E tampouco sei por que estava

você ali. Eles tampouco sabem.

–Quais são eles?

–Frank, o FBI.

–E para quem quer que esteja trabalhando –acrescentou Steve secamente. –

Continua.

–Frank me disse que não estava fazendo nada ilegal, ao menos que eles

soubessem. Possivelmente fosse só um simples transeunte que passava por ali, mas tem

fama de cheirar o perigo e acreditam que poderia saber algo sobre o que aconteceu

naquela operação. Tinham um golpe preparado, ou como quer chamá-lo, mas alguém

tinha colocado uma bomba no lugar da reunião. -Você é o único sobrevivente.

–Que classe de operação?

–Não sei. O único que me disse Frank é que se tratava de um assunto relacionado

com a segurança nacional.

–E têm medo de que tenham desmascarado a seus homens, mas não sabem porque

os jogadores do outro bando também se desintegraram –disse para si. –Poderia ter

havido um duplo jogo e possivelmente a bomba estivesse destinada aos outros. Droga!

Não me surpreende que queiram que recupere a memória. Mas há algo que não termino

de compreender, por que está envolvida você em tudo isto?

–Trouxeram-me aqui para que te identificasse –respondeu Jay, lhe acariciando o

braço com ar ausente, como tinha feito durante tantas horas.

Page 59: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Para me identificar? Não me reconheciam?

–Não estavam seguros. Encontraram parte de sua carteira de conduzir, mas mesmo

assim não estavam seguros de que fosse você... ou seu agente. Ao que parece, tanto

você como esse agente têm uma altura e um peso similares, e como tem as mãos

queimadas, não podiam tirar a impressões digitais para te identificar.

Interrompeu-se, tentando concentrar-se em um detalhe que não conseguia recordar.

Por um instante, esteve a ponto de aproximar-se, mas a pergunta do Steve interrompeu

sua concentração.

–E por que pediram a ti que o fizesse? Não havia ninguém mais que pudesse me

identificar? Ou é que estávamos muito unidos apesar de divorciados?

–Não, a verdade é que não. Era a primeira vez que te via desde fazia cinco anos.

Você sempre foi um solitário. Não foi o tipo de homem que faz facilmente amigos íntimos.

E tampouco tem família, assim só ficava eu.

Steve se moveu, inquieto, e sua boca se converteu em uma dura linha enquanto

proferia um breve mas contundente impropério.

–Estou tentando encontrar um sentido a tudo isto –disse com amargura. –Mas

sempre me encontro com esse condenado buraco negro. Parte do que diz me resulta

familiar e penso, «sim, esse sou eu». Mas há outra parte que me resulta estranho, é como

se estivesse falando de um desconhecido e me pergunto se eu era realmente assim.

Diabos, como posso sabê-lo? –concluiu com frustração.

Jay deslizou os dedos ao longo de seu braço, lhe oferecendo todo o consolo que

podia. Não queria desperdiçar nem tempo nem saliva tentando reconfortá-lo com tópicos

e lugares comuns porque sabia que quão único conseguiria seria pô-lo mais furioso. Em

qualquer caso, Steve parecia ter esgotado sua pequena reserva de energia com as

perguntas que lhe tinha feito e permaneceu em silêncio durante alguns minutos,

respirando agitadamente. Ao final, quando sua respiração recuperou o ritmo normal,

murmurou:

–Estou cansado.

–Forçaste-te muito. Só leva aqui três semanas.

–Jay.

–O que?

–Fica comigo.

–Ficarei, sabe que ficarei.

–É... curioso. Nem sequer sou capaz de recordar seu rosto, mas parte de mim te

conhece. Possivelmente o conhecimento dos corpos seja mais profundo que a própria

memória.

Page 60: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

A rouquidão de sua voz conferia certa dureza a suas palavras, mas Jay sentiu que

uma descarga elétrica sacudia seu corpo e deixava um agradável comichão em sua pele.

Sua mente se encheu de imagens, mas nenhuma delas pertencia ao âmbito das

lembranças; sua imaginação estava criando outras novas... Imagens daquele homem com

a alma endurecida e a voz destroçada inclinando-se sobre ela, abraçando-a e movendo-

se entre suas pernas até possuí-la com uma plenitude que até então Jay nunca tinha

conhecido. Sua própria respiração pareceu entrecortar-se, seus seios se encheram

ofegantes e o interior de seu corpo pareceu liquidificar-se. Um novo estremecimento a

sobressaltou e a fez sentir-se como se estivesse ao bordo do êxtase... e para todo isso

tinham bastado as palavras do Steve, sua voz. A violência daquela resposta a impactou e

se afastou bruscamente da cama antes de poder dominar-se.

–Jay?

Steve parecia preocupado, e inclusive um pouco alarmado, como se houvesse

sentido seu desejo de distanciar-se dele.

–Dorme –conseguiu dizer Jay com um quase completo controle de sua voz. –

Precisa descansar. Estarei a seu lado quando despertar.

Steve levantou uma mão.

–Dê-me a mão?

–Não posso, faria-te mal.

–Assim se fundiria com o resto da dor –respondeu sonolento. Estava perdendo

rapidamente as forças. –Só me acaricie até que fique adormecido, de acordo?

Esse pedido chegou diretamente até o coração de Jay. O fato de que Steve pudesse

querer algo dela ainda a comovia, mas sua necessidade de acariciá-lo era mais do que

podia suportar. Voltou a aproximar-se da cama e posou a mão em seu braço. Assim que o

acariciou, sentiu que começava a relaxar-se. Dois minutos depois, estava completamente

adormecido.

Jay saiu do quarto. Sentia a necessidade de escapar, embora não sabia exatamente

do que, se do Steve ou de outra coisa, de algo que estava crescendo em seu interior e

era cada vez mais poderoso. Assustava-a. Não queria, mas se sentia incapaz de controlá-

lo. Jamais tinha respondido ao Steve como estava fazendo naqueles momentos. Nem

sequer durante os primeiros apaixonados dias de seu matrimônio. Era por culpa da

situação, dizia a si mesmo tentando encontrar algum consolo naquele pensamento. Era

sua tendência a entregar-se completamente, a concentrar-se em tudo o que lhe ocorria

com intensidade a que a fazia sentir-se assim. Mas o consolo a evitava e o desespero

invadia seu coração, porque não bastava analisando os sentimentos para trocá-los.

Durante a maior parte das três semanas anteriores, Steve tinha sido pouco mais que uma

múmia, incapaz de mover-se, de falar. Mas mesmo assim, havia se sentido arrastada

Page 61: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

para ele, atada a ele; e apaixonar-se pelo Steve naquela situação era muito mais perigoso

que anos atrás. Agora era um homem diferente, mais forte, mais duro. Inclusive quando

estava inconsciente, tinha podido sentir sua força interior. A necessidade que Jay tinha de

saber o que lhe tinha acontecido para mudar até esse ponto era tão forte que quase lhe

doía.

Uma enfermeira, a primeira que tinha notado a melhoria do Steve ante a presença

do Jay, deteve-se seu lado.

–Como ele está? Esta manhã se negou a tomar os calmantes para a dor.

–Agora está dormindo. -Cansa-se muito rapidamente.

A enfermeira assentiu e olhou A Jay com os olhos brilhantes.

–Tem a constituição física mais incrível que vi em minha vida. Continua sofrendo

fortes dores, mas parece desentender-se deles. Normalmente, faria falta pelo menos

outra semana antes de que começássemos a reduzir os analgésicos –sua voz soava

carregada de admiração. –Lhe tem feito mal ao estômago o café?

Jay não pôde menos que tornar a rir.

–Não. E está muito orgulhoso de haver tomado.

–Estava completamente decidido a conseguir esse café. Possivelmente possamos

começar a lhe dar amanhã uma dieta suave para que possa ir recuperando as forças.

–Sabe quando sairá da UTI?

–A verdade é que não. O coronel Lunning é o que tem que tomar essa decisão –a

enfermeira lhe sorriu antes de partir.

Jay se dirigiu à sala de espera em busca de um refresco. Aproveitou que estava

vazia para desfrutar da intimidade que tanto necessitava. Sentia-se vagamente inquieta e

não conseguia compreender a razão. Ou as razões, pensou. Parte de sua inquietação se

devia ao Steve, é obvio, e à descontrolada resposta que sua proximidade despertava

nela. Não queria voltar a apaixonar-se por ele, não sabia como lutar contra aquele

sentimento, mas sabia que tinha que fazê-lo. Não podia voltar a apaixonar-se pelo Steve.

Era muito arriscado. Sabia e se repetia com ferocidade uma e outra vez que não permitiria

que isso ocorresse, embora no fundo temia que pudesse ser muito tarde.

O outro motivo de sua inquietação também estava relacionado com Steve, embora

não estava segura de por que. Aquilo agravava a sensação de estar esquecendo algo

importante, algo que deveria ter visto ou compreendido. A julgar pelas perguntas que lhe

tinha feito, possivelmente também Steve tivesse aquela sensação. Não parecia confiar no

Frank, embora Jay supunha que era de esperar, tendo em conta sua situação. Ela,

entretanto, poria tanto sua vida como a do Steve nas mãos do Frank. Mas então, a que se

devia essa sensação de que deveria saber algo mais do que sabia? Estaria Steve em

perigo por causa do que tinha visto?, estaria realmente envolto em todo aquele assunto?

Page 62: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Jay não era tão ingênua como para não haver-se dado conta de que lhe tinham oculto a

maior parte dos detalhes sobre o ocorrido, mas em nenhum momento tinha esperado que

Frank lhe contasse tudo o que sabia. Não, não era isso. Era outra coisa, algo que deveria

ter visto, algo que era óbvio e lhe tinha passado completamente desapercebido. Era um

detalhe que não terminava de encaixar, e até que não pudesse determinar exatamente o

que era, não poderia desfazer-se desse constante desconforto.

Steve saiu da unidade de cuidados intensivos dois dias depois e foi transferido a um

quarto individual. Os guardas também trocaram de localização. No novo quarto tinha

televisão, algo com o que não tinha podido contar na UTI, e insistia em ver todos os

programas que podia, como se estivesse procurando neles alguma pista que pudesse

ajudá-lo a localizar as peças perdidas que compunham sua personalidade. O problema

era que parecia estar interessado em todas as grandes questões mundiais e falava sobre

os políticos de outras nações com a mesma facilidade com a que opinava dos de seu

país. Aquilo também inquietava Jay. Steve nunca tinha sido um homem particularmente

aficionado à política e a profundidade de seus conhecimentos sobre o tema revelava que

tinha chegado a envolver-se seriamente naquele mundo. Assim era cada vez mais

provável que estivesse envolvido na operação que tinha estado a ponto de matá-lo, e

provavelmente o próprio Frank sabia. Ou possivelmente não soubesse. Frank tinha

mantido uma longa conversa privada com o Steve, mas este último permanecia em

guarda. Só com Jay parecia ter baixado a guarda.

Suas lesões o mantinham preso à cama durante muito mais tempo de que teria

querido, mas não foi capaz de negociar a obtenção de umas muletas por culpa das

queimaduras de suas mãos. A inatividade física o destroçava, erodia sua paciência e

esgotava seu bom humor. Muito em breve decidiu que tipo de programas televisivos

gostava, descartou os esportes e as telenovelas. Mas inclusive aos espaços que gostava

lhes faltava algo, posto que a maior parte da ação transcorria de forma visual. Frustrava-o

não poder vê-los, assim não demorou para renunciar a todos, salvo às notícias. Jay fazia

tudo que estivesse em sua mão para entretê-lo. Ao Steve gostava que lhe lesse o jornal,

mas, durante a maior parte do tempo, preferia que lhe falasse.

–Me diga que aspecto tem –lhe pediu uma manhã.

Aquele pedido a fez ruborizar-se. Resultava-lhe estranhamente embaraçoso ter que

descrever-se a si mesma.

–Bom, tenho o cabelo castanho claro –começou a dizer vacilante.

–Castanho avermelhado, dourado...?

–Castanho dourado, mas bem escuro. É uma cor parecida ao mel escuro.

–Leva-o muito comprido?

Page 63: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Não, à altura dos ombros. E é muito liso.

–De que cor tem os olhos?

–Azuis.

–Vamos, segue – falou Steve depois de um minuto de silêncio. – Qual sua altura?

–Meço um e setenta mais ou menos.

–E eu como sou de alto? Fazíamos um bom casal?

Ao pensar nisso Jay sentiu que lhe fechava a garganta.

–Você mede um metro e oitenta e sim, fazíamos muito bom casal de dança.

Steve voltou sua cabeça enfaixada para ela.

–Não estava falando de dançar, mas que mais há? Assim que me tirem o gesso,

sairemos um dia para dançar. Ao melhor não esqueci como fazê-lo.

Jay não sabia se suportaria voltar a estar nos braços do Steve, tendo em conta as

milhares de reações que se desencadeavam em seu interior cada vez que ouvia sua voz.

Mas Steve estava esperando uma resposta, assim respondeu alegremente:

–Trato feito.

Ele elevou as mãos.

–Amanhã me tiram as ataduras. E na próxima semana me operarão os olhos. Dentro

de duas semanas, poderei me esquecer do gesso. Me dê um mês para recuperar as

forças. Para então, terão me tirado as ataduras dos olhos e poderemos ir à cidade.

–Só te dá um mês para te recuperar? Não te parece um pouco ambicioso?

–Já passei por isso outras vezes –respondeu ele, e ficou muito quieto. Jay conteve a

respiração enquanto o observava, mas depois de um minuto, Steve soltou uma maldição.

– Droga, sei de coisas, mas não posso me lembrar. Sei a comida que eu gosto, da

mesma forma que conheço o nome de todos os chefes de Estado que mencionam nas

notícias, e posso inclusive recordar seu aspecto, mas não recordo meu próprio rosto. Sei

quem ganhou a última liga de beisebol, mas não sei onde eu estava quando se jogava.

Conheço o aroma dos canais de Veneza, mas não posso recordar ter estado ali –se

interrompeu um momento e disse com voz baixa: – Às vezes me entram vontades de

destroçar este lugar com minhas próprias mãos.

–O coronel Lunning disse que teria que esperar –respondeu Jay, ainda comovida

pelo que Steve acabava de dizer. Até que ponto estaria Steve relacionado com aquele

mundo que Frank tinha insinuado? Muito se temia que tinha deixado de ser um

aventureiro para passar a jogar muito seriamente nesse terreno.

–Deixa de te compadecer. O coronel disse que iria recuperando a memória pouco a

pouco.

Um lento sorriso apareceu nos lábios do Steve, aprofundando as rugas que

rodeavam sua boca e arrastando a impotente e fascinado olhar de Jay. Seus lábios

Page 64: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

pareciam mais firmes, mais cheios, como se ainda estivessem ligeiramente inchados. Ou

possivelmente fora devido a seu rosto que estava mais magro.

–Sinto muito –respondeu Steve, – terei que me vigiar.

Seu humor irônico, sobre tudo quando tinha boas razões para compadecer-se a si

mesmo, fez-lhe recordar a Jay a força interior daquele homem. E aquele foi um novo

golpe contra a fortaleza com a que pretendia proteger seu coração. Riu com Steve, da

mesma forma que ria anos atrás com ele, mas havia coisas que tinham mudado. Antes,

Steve utilizava o senso de humor como um muro atrás do que se ocultava; naquele

momento, o muro tinha desaparecido e Jay podia ver o homem real.

Estava com ele à manhã seguinte, quando foram tirar lhe as ataduras que cobriam

suas mãos. Jay também tinha estado presente quando lhe tinham trocado as ataduras e

tinha visto as palmas das mãos e os dedos quando tinham muito pior aspecto que o que

apresentavam naquele momento. As zonas de pele avermelhada eram visíveis até a

altura dos cotovelos, mas as mãos levaram a pior parte. Uma vez superado o perigo de

infecção, a pele se regeneraria mais rapidamente sem as ataduras, embora durante

algum tempo lhe resultaria muito doloroso utilizar as mãos.

Quando Jay comparava o aspecto do Steve com o que tinha a primeira vez que o

tinha visto, conectado a todas aquelas máquinas e monitores e com tantos tubos entrando

e saindo de seu corpo, parecia-lhe que sua recuperação era uma espécie de milagre. Só

tinham passado quatro semanas e um homem que então era virtualmente um vegetal, era

capaz de desdobrar toda a força de sua personalidade sobre qualquer um que entrasse

no quarto, médicos incluídos. Um mês atrás, seu rosto estava inchado e ferido; naquele

momento, o corte da mandíbula e o contorno preciso de seus lábios a fascinavam. Jay

sabia que um cirurgião plástico tinha reconstruído seu rosto e se perguntava pelas

mudanças que teria quando lhe tirassem as ataduras e pudesse vê-lo realmente pela

primeira vez. O queixo se encontrava ligeiramente diferente, mais quadrado, mas

supunha que era lógico tendo em conta o peso que tinha perdido. A barba parecia mais

escura, certamente devido à palidez de seu rosto. Jay estava mais que familiarizada com

aquele queixo e essa barba, posto que tinha que barbeá-lo toda manhã. As enfermeiras

tinha sido as encarregadas de fazê-lo até que Steve tinha recuperado a consciência e

tinha deixado claro que queria que fosse Jay que o barbeasse.

Já não tinha a atadura que antes cobria seu crânio. Em seu lugar, via-se uma

enorme cicatriz que cruzava da parte superior de sua cabeça até um ponto situado justo

em cima de sua orelha direita, e dali até a parte esquerda do crânio, mas o cabelo

começava a crescer e a cobrir a cicatriz. Saía-lhe um cabelo escuro, brilhante. Os olhos

continuavam cobertos pelas ataduras, igual à ponta do nariz e a curva de seus maçãs do

Page 65: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

rosto. Aquelas ataduras eram toda uma tentação para Jay. Estava desejando ver seu

rosto, julgar por si mesmo o trabalho feito pelo cirurgião plástico. Queria aplicar a nova

personalidade do Steve a seu rosto, queria olhá-lo nos olhos e ver neles todas aquelas

coisas que tinha procurado durante seu matrimônio e não tinha sido capaz de encontrar.

–Agora mesmo suas mãos são muito sensíveis –disse o médico que se ocupou das

queimaduras do Steve quando lhe tirou a última atadura. – Tome cuidado com elas até

que se endureceu a pele. Notará-as um pouco rígidas, mas com o exercício irão

recuperando a elasticidade. Não tem nenhum tendão nem nenhum ligamento prejudicado,

de modo que, com o tempo, poderá voltar às utilizar sem problemas.

Steve flexionou os dedos lentamente com uma careta de dor. Esperou a que as

enfermeiras e o médico abandonassem o quarto para dizer:

–Jay?

–Estou aqui.

–Que aspecto têm?

–Estão vermelhas –respondeu Jay com sinceridade.

Steve voltou à abrir e fechar as mãos com muito cuidado, esfregou os dedos da mão

direita com a esquerda. Quando terminou, repetiu a operação trocando de mãos.

–Sinto-as estranhas –disse, sorrindo ligeiramente. – Estão muito mais sensíveis,

como há dito o médico, mas sinto a pele como o traseiro de um bebê. Não fica um só calo

– seu sorriso se desvaneceu de repente para ser substituída por um cenho franzido. –

Tinha as mãos calosas...

Voltou a examinar suas mãos, como se estivesse tentando encontrar algo que lhe

resultasse familiar em seu tato, esfregando uns dedos contra os outros.

Jay riu brandamente.

–Houve um verão no que jogou tanto beisebol na praia que ao final suas mãos

pareciam de couro. Saíram-lhe calos nos calos.

Steve continuou pensativo durante alguns segundos. De repente, mudou de humor e

disse:

–Sente-se comigo na cama.

Jay obedeceu com curiosidade, sem deixar de olhá-lo. Tinha levantado a cabeceira

da cama de maneira que Steve ficasse em posição erguida, assim estavam ao mesmo

nível. De repente, Jay foi consciente do muito que tinha que elevar a vista para olhá-lo

nos olhos. Seus ombros e seu peito nus, apesar do peso que tinha perdido, continuavam

lhe parecendo enormes e voltou a perguntar-se uma vez mais que classe de exercício

teria feito para desenvolver o torso até tal ponto.

Ele alargou a mão com gesto vacilante e acariciou seu cabelo. Ao compreender por

que queria que se sentasse na cama, Jay permaneceu muito quieta enquanto ele

Page 66: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

deslizava a mão por sua cabeça. Steve não dizia nada. Levantou a outra mão e

emoldurou o rosto de Jay; deslizou os dedos brandamente por sua testa, desceu pela

ponta do nariz e seguiu pelos lábios e o queixo antes de acariciar seu pescoço.

Jay deixou de respirar sem dar-se conta disso. Lentamente, Steve lhe rodeou o

pescoço com os dedos, como se estivesse medindo-o, e continuou apalpando os ocos e

os ossos de seus ombros.

–Você também está muito magra –murmurou, posando as mãos em seus ombros. –

Não come o bastante?

–A verdade é que engordei um pouco –sussurrou Jay, que tinha começado a tremer

sob suas carícias.

Com deliberada lentidão, Steve desceu até seus seios e os moldou com ambas as

mãos. Jay tomou ar bruscamente e ele tentou acalmá-la.

–Calma, calma –sussurrou enquanto acariciava aqueles suaves montículos.

–Steve, não.

Mas já tinha fechado os olhos enquanto um quente prazer crescia em seu interior e

sentia palpitar lenta e poderosamente o sangue através de suas veias. Steve lhe acariciou

os mamilos com os polegares e Jay se estremeceu ao mesmo tempo que seus seios

começavam a esticar-se.

–É tão suave... –a voz do Steve era cada vez mais rouca. – Deus, quanto desejei te

tocar. Vem aqui, querida.

Sobrepondo-se à dor das mãos, estreitou-a contra ele e a envolveu com seus braços

como tantas vezes tinha sonhado fazer desde que a voz de Jay o tinha cativado

ajudando-o a abandonar a escuridão. Sentia sua magreza, sua suavidade, seu calor, e o

delicioso contato de seus seios pressionados contra a dureza de seu peito. Steve aspirou

o aroma doce que emanava de sua pele, sentiu o tato sedoso de seu cabelo e com um

amortecido gemido de desejo, procurou sua boca.

Já a conhecia. Não tinha passado um só dia que não lhe tivesse suplicado ou

enrolado para que lhe desse um beijo pelas manhãs e outro antes de ir-se pelas noites.

Sabia que tinha os lábios suaves, cheios. E que tremiam cada vez que a beijava. Naquele

momento, esfregou sua boca contra a dela e pressionou com dureza até lhe fazer

entreabrir os lábios e lhe oferecer a entrada que procurava. Podia senti-la tremer entre os

braços enquanto ele movia a língua no interior de sua boca, saboreando sua extrema

doçura. Droga, como tinha podido ser tão tolo para permanecer afastado daquela mulher

durante cinco anos? Irritava-o não recordar o que era fazer amor com ela, porque queria

saber do que gostava, o que sentia ao estar em seu interior, se realmente eram tão

compatíveis como sua intuição lhe dizia. Aquela mulher tinha que estar com ele; sabia,

sentia-o. Era como se estivessem atados um ao outro. Aprofundou o beijo, para obrigá-la

Page 67: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

a responder como sabia que o faria, como queria que fizesse. Ao final, Jay se

estremeceu convulsivamente, entrelaçou a língua com a dele e fechou os braços ao redor

de seu pescoço.

Steve não deveria ser tão forte, pensou Jay, e menos depois de tudo o que tinha

passado. Mas seus braços eram musculosos e os fechava a seu redor com tanta

intensidade que começavam a lhe doer as costelas. Nunca tinha sido tão agressivo; é

obvio, não tinha sido um homem passivo, mas naquele momento a estava beijando com

uma demanda nua, forçando em sua relação uma intimidade que a assustava. Desejava-

a mais do que a tinha desejado durante seu matrimônio, mas certamente era porque,

naquelas circunstâncias, toda sua atenção estava concentrada nela.

–Não deveríamos fazer isto –conseguiu dizer Jay, voltando a cabeça para liberar sua

boca da faminta pressão da do Steve.

Afastou as mãos e o empurrou brandamente pelos ombros.

–Por que não? –murmurou Steve, e decidiu aproveitar-se da vulnerabilidade do

pescoço do Jay para cobri-lo de beijos.

Acariciou com a língua a parte do pescoço próxima à orelha e Jay esticou as mãos

em seus ombros enquanto uma quebra de onda de prazer esquentava toda sua pele. A

falta de visão não supunha nenhum obstáculo para o Steve. Sabia abrir-se caminho para

o corpo de uma mulher; a intuição era mais profunda que a memória.

A consciência e o sentido da sobrevivência fizeram que Jay voltasse a empurrá-lo

brandamente pelos ombros. E, naquela ocasião, Steve a soltou.

–Não podemos voltar a estar juntos –disse em voz baixa.

–Nós dois estamos solteiros –assinalou Steve.

–Não sabemos. É muito possível que durante estes cinco anos tenha conhecido uma

mulher a que queira de verdade. Uma mulher que talvez está te esperando em casa. Até

que não recupere a memória, não poderá estar seguro de que é solteiro, e... e acredito

que deveríamos ser prudentes e não nos lançar a manter uma relação sem saber algo

mais do que sabemos.

–Não há ninguém me esperando –respondeu Steve com absoluta certeza.

Jay se levantou bruscamente da cama e se aproximou da janela. O céu tinha um tom

plúmbeo e os flocos de neve voavam sem rumo arrastados pelo vento.

–Isso você não pode saber –insistiu, e se voltou para olhá-lo.

Embora não podia vê-la, Steve também havia tornado o rosto para ela. A dura linha

de sua boca indicava que estava zangado. O lençol o cobria até a cintura, deixando ao

descoberto seus ombros e seu peito; tinha desdenhado os pijamas do hospital, embora

ao final tinha mimado em que lhe pusessem umas calças curtas e abertas para poder

deslizados por cima dos gessos. Estava magro, pálido e débil por tudo o que tinha

Page 68: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

passado, mas mesmo assim, a imagem que transmitia era de grande fortaleza. Se servia

de referência a força com a que acabava de abraçá-la, não podia dizer-se que estivesse

especialmente débil, o que indicava que, antes daquele acidente, devia ter uma força

extraordinária. O que tinha ocorrido naqueles cinco anos durante os quais não se viram,

resultava-lhe cada vez mais misterioso.

–Então ficou comigo durante todo este tempo porque tem complexo do Florence

Nightingale –comentou com aspereza.

Era a primeira vez que Jay lhe negava algo e não lhe tinha gostado absolutamente.

Se tivesse podido andar, teria se levantado atrás dela, estivesse débil ou não e, apesar

dos dores que suportava durante a maior parte do tempo. Nada o teria detido e, pela

primeira vez, Jay agradeceu que tivesse as pernas quebradas.

–Nunca te odiei –tentou lhe explicar, sabendo que lhe devia pelo menos aquele

esforço. – Não acredito que estivéssemos profundamente apaixonados ou, pelo menos,

não o suficiente como para que nosso casamento funcionasse. Frank me pediu que

ficasse porque pensava que me necessitaria, tendo em conta seu estado. E o coronel

Lunning dizia que te ajudaria ter perto alguém familiar, a uma pessoa a que tivesse

conhecido antes do acidente. Por isso fiquei.

–Deixa de dizer tolices. Não sou nenhum idiota –se impacientou ele.

Seu intento de explicar o tinha posto inclusive mais furioso. Aquele era um tipo de

aborrecimento que Jay nunca lhe tinha conhecido. Steve permanecia muito quieto, com

todos os sentimentos sob controle, e sua voz gutural era pouco mais que um suspiro. Ela

sentia calafrios ao perceber o fogo e o gelo do aborrecimento com o que arremetia contra

ela sem necessidade de mover-se da cama.

–Acha que porque não posso ver-te não sei quão excitada estava faz um momento?

Não me convenceste, querida.

Jay começava a zangar-se ante o tom exigente que havia na voz de Steve.

–De acordo, se quer saber a verdade, aí vai. Não confio em ti. Sempre foi muito

inquieto para sentar a cabeça e tentar construir uma vida em comum. Andava

constantemente atrás de aventura, procurando algo que eu não podia te dar. Pois bem,

não quero voltar a passar por nada parecido. Não quero voltar a manter uma relação

contigo. Agora me quer, e é possível que inclusive me necessite, mas o que acontecerá

quando estiver bem? Dará-me de novo um tapinha e um beijo na bochecha antes de

voltar a te perder? Obrigada, mas não. Agora tenho mais sentido comum de que tinha

então.

–E essa é a razão pela que treme cada vez que te toco? Quer que voltemos a estar

juntos, Jay, mas tem medo.

Page 69: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Já disse que não confio em você, não disse que te tenha medo. Por que deveria

confiar em ti? Afinal, também estava procurando aventuras quando essa explosão esteve

a ponto de te matar.

De repente, deu-se conta de que estava gritando quando ele não tinha elevado

absolutamente a voz. Voltou-se, saiu do quarto e esteve apoiada contra a parede até que

cessaram tanto os tremores como a força de seu aborrecimento. Sentia-se doente, e não

por culpa da discussão, mas sim porque Steve tinha razão. Tinha medo. Estava

aterrorizada. E já era muito tarde para fazer algo a respeito, porque havia tornado a

apaixonar-se por ele apesar de todas suas advertências, apesar do muito que se

recriminou a si mesmo. Já não conhecia seu ex-marido. Tinha mudado; era mais duro,

mais forte... e muito mais perigoso. Continuava sendo um homem inquieto, e

provavelmente estava muito mais envolvido em todo o relacionado com a explosão do

que Frank queria dar a entender.

Mas nada disso importava. Apaixonou-se por ele anos atrás por cima de toda lógica

e havia tornado a apaixonar-se por ele apesar do sentido comum. Que o céu a ajudasse,

porque estava expondo-se de novo à dor e não podia fazer nada para evitá-lo.

Capítulo 6

Steve permanecia muito quieto, tentando limpar a neblina que a anestesia tinha

deixado em sua mente. Sua quietude era instintiva, como a de um animal na selva que

não queria mover-se até saber o que ia acontecer a seguir. Um homem podia chegar a

perder a vida por mover-se antes de saber onde estavam seus inimigos. Se estes o

acreditavam morto, ganhava a vantagem da surpresa ao permanecer imóvel, lhes

impedindo de saber que continuava vivo até estar suficientemente recuperado para dar o

seguinte passo. Tentou abrir os olhos, mas algo os cobria. Tinha-os enfaixados. Aquilo

não tinha sentido, por que tampar os olhos a uma pessoa que acreditavam morta?

Escutou com atenção, tentando localizar a seus captores. Não se ouvia nenhum dos

habituais sons da selva e, pouco a pouco, começou a dar-se conta de que fazia muito frio

para que estivesse na selva. O aroma também era muito estranho. Um aroma penetrante,

a desinfetante, possivelmente. Aquele lugar parecia um hospital.

Ao compreendê-lo, teve a sensação de que caía um véu e, de repente, deu-se conta

de onde estava e o que tinha passado. Todas as imagens da selva se esfumaram. A

operação da vista tinha terminado e estava na sala de recuperação.

–Jay!

Custou-lhe um esforço considerável chamá-la, e sua voz lhe soava estranha, mais

rouca que o normal. Tão rouca e profunda, de fato, como o grito de um animal.

Page 70: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Jay!

–Tudo saiu bem, senhor Crossfield –o tranqüilizou uma voz sossegada. –Acabam de

operá-lo e está estupendamente. Permaneça convexo sem mover-se. Dentro de uns

minutos o levaremos ao seu quarto.

Não era a voz de Jay. Era uma voz agradável, mas não era a que ele queria escutar.

Tinha a garganta seca. Tragou saliva e fez uma careta de dor ao sentir a garganta em

carne viva. Claro, tinham tido que voltar para entubá-lo para a operação.

–Onde está Jay? –grasnou.

–Jay é sua ex-esposa, senhor Crossfield?

–Sim.

Sua ex-esposa ... queriam atender-se ao termo legal. Jay era sua mulher!

–Provavelmente estará esperando-o em seu quarto.

–Me leve para lá.

–Espere um pouco mais...

–Agora –foi uma só palavra e pronunciada de forma gutural, mas sem perder um

ápice de sua acerada força.

Steve não tentou dissimular sua ordem depois do véu da educação porque eram

poucas as palavras que podia pronunciar. Ainda estava meio sonolento, mas tinha fixado

seus pensamentos em Jay com uma absoluta determinação. Começou a procurar o

corrimão da cama.

–Senhor Crossfield, espere! vai tirar a agulha do soro!

–Melhor –murmurou.

–Tranqüilize-se, vamos levá-lo ao seu quarto. Mas permaneça deitado até que venha

um carregador de maca.

Um minuto depois, Steve notou que a cama começava a mover-se. Era uma

sensação relaxante e começou a ficar sonolento outra vez, mas se obrigou a permanecer

alerta. Não podia permitir o luxo de relaxar-se até que Jay voltasse a estar com ele. Sabia

muito pouco sobre quem era ele exatamente ou sobre o que ia acontecer no futuro, e Jay

era a única constante de sua vida, a única pessoa em que confiava. E tinha estado ali

desde o começo, ou ao menos desde que ele podia recordar.

–Já estamos aqui –lhe disse a enfermeira alegremente. – Não podia esperar para

voltar para o quarto, senhora Crossfield. Estava perguntando por você e armou um

autêntico alvoroço.

–Estou aqui, Steve.

Ele teve a sensação de que parecia nervosa. E advertiu também que não tinha

corrigido à enfermeira quando se dirigiu a ela como se fosse sua esposa, o que lhe

produziu uma feroz satisfação. Na realidade, esse título não significava muito para ele,

Page 71: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

mas era um indicativo do que em outro tempo tinha compartilhado com Jay, dos vínculos

que os tinham unido.

Deixaram ao Steve em sua cama e este pôde sentir às enfermeiras revoando a seus

redor durante alguns minutos. Resultava-lhe muito difícil permanecer acordado.

–Jay!

–Estou aqui.

Steve alargou a mão para a voz e sentiu imediatamente os dedos longos e frios de

Jay.

–Os médicos disseram que tudo foi perfeitamente –disse ela. –Lhe tirarão as

ataduras dentro de umas duas semanas.

–E então irei embora daqui –murmurou Steve.

Esticou a mão ao redor da de Jay e voltou a entregar-se aos efeitos da anestesia.

Quando despertou, tinha desaparecido a confusão inicial, mas continuava sonolento.

A impaciência o obrigou a sair de sua letargia. Estava tão habituado a conviver com a dor

de seu destroçado corpo que nem sequer o notava. Em algum momento de sua vida, do

que não conseguia lembrar-se, tinha aprendido que o corpo humano podia ser forçado até

limites insuspeitados se a mente aprendia a sobrepor-se à dor. E era evidente que tinha

aprendido tão bem aquela lição que se converteu para ele em uma segunda natureza.

Uma vez acordado, não teve necessidade de chamar Jay para saber se estava ou

não no quarto. Ouvia-a respirar, e como passava as páginas de uma revista enquanto

permanecia ao lado da cama. Podia distinguir a doce fragrância de sua pele, uma

essência que a identificava imediatamente, cada vez que entrava no quarto. E havia além

outro tipo de percepções. Como aquela conscientização física que era como uma sorte de

descarga elétrica, uma descarga que lhe provocava um comichão de excitação e prazer

cada vez que Jay se aproximava, ou inclusive cada vez que pensava nela.

Não havia tornado a beijá-la desde que tinham discutido na semana anterior, mas

estava esperando que chegasse o momento de fazê-lo. Jay tinha se zangado e não

queria que isso voltasse a ocorrer, não queria pressioná-la. Possivelmente não se levou

muito bem com ela no passado, mas continuava sentindo algo por ele; caso contrário, não

estaria ali naquele momento. E quando chegasse o momento oportuno, Steve pretendia

capitalizar aqueles sentimentos. Jay era dele, sabia com uma certeza que invalidava todo

o resto.

Desejava-a. A força de seu próprio desejo o surpreendia, tendo em conta o estado

físico em que se encontrava. A tensão que experimentava seu sexo cada vez que Jay o

tocava era a prova evidente de que certos instintos eram mais fortes que a dor. A dor

diminuía dia a dia, e dia a dia aumentava a intensidade de seu desejo. Era algo básico.

Page 72: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Quando duas pessoas se atraíam, a urgência de fundir-se chegava a ser assustadora; era

a forma que tinha a natureza de perpetuar a espécie. O desejo físico servia com muita

freqüência para reforçar os vínculos entre duas pessoas. convertiam-se em casal porque

milhares de anos atrás, durante os primeiros tempos da espécie humana, eram

necessárias ao menos duas pessoas para lhe proporcionar aos recém-nascidos todos os

cuidados que necessitavam. Séculos depois, uma só pessoa podia criar perfeitamente a

uma criança e os adiantamentos da medicina permitiam que uma mulher não ficasse

grávida se não o desejava, mas o instinto continuava presente. Um homem precisava

fazer amor com sua mulher e ter a certeza de que ela seria dele. Steve compreendia os

fundamentos daquela necessidade biológica programada nos genes, mas compreendê-la

não implicava que fosse menos poderosa.

A amnésia era algo curioso. Quando a examinava com despreocupação, era capaz

de interessar-se por suas peculiaridades. Tinha perdido completamente a consciência do

que tinha passado antes de sair do coma, mas era evidente que grande parte das coisas

que sabia não se viram afetadas.

Podia recordar dados sobre a liga de beisebol, e rememorar o aspecto das cataratas

do Niágara. Não era nada importante. Interessante, mas não importante.

Igualmente interessantes, e muito mais importantes, eram as coisas que sabia sobre

os países do terceiro mundo e suas principais autoridades, embora não recordasse de

onde tinha tirado aqueles conhecimentos. Não podia recordar seu próprio rosto, mas, de

algum jeito, isso não impedia que soubesse outras muitas coisas. Conhecia o deserto,

aquele calor seco sob um sol abrasador. Também conhecia a selva, seu mormaço e sua

umidade, e os insetos e répteis, as sanguessugas e o aroma pestilento da vegetação

apodrecendo-se no chão.

Com os escassos dados que podia reconhecer sobre si mesmo, era capaz de

recompor parte do quebra-cabeças. O da selva lhe resultava fácil. Jay lhe havia dito que

tinha trinta e sete anos; a idade justa para ter estado no Vietnam durante os últimos anos

da década dos sessenta. Para o resto só havia uma explicação lógica; estava muito mais

envolto na operação em que tinha terminado ferido do que Jay lhe havia dito.

Perguntou-se se o Penthoal poderia ter algum resultado com os doentes de amnésia

ou se esta continuaria ocultando as lembranças inclusa às drogas mais poderosas. E se o

que possivelmente soubesse fosse suficientemente importante para merecer aqueles

cuidados, dignos de um rei, certamente teriam tentado lhe reativar a memória mediante

esse tipo de medicação. Não o tinham feito e isso indicava algo mais: Frank Payne sabia

que Steve tinha sido treinado para resistir à influência de qualquer produto químico que

penetrasse seu cérebro. Portanto, devia estar de serviço quando tinha acontecido a

explosão.

Page 73: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Jay não sabia. Ela pensava que, simplesmente, estava no lugar errado no momento

inoportuno. Havia-lhe dito que quando estavam casados, ele andava constantemente em

busca de aventura. De modo que, certamente, ele mesmo tinha decidido mantê-la na

ignorância e lhe deixar pensar que era um homem que não suportava os compromissos

para evitar que se preocupasse ao saber até que ponto era perigoso seu trabalho ou as

muitas possibilidades que tinha que não retornasse vivo de algum de suas viagens.

Steve tinha conseguido encaixar algumas peças daquele quebra-cabeças, mas

ainda havia muitas coisas que não tinham sentido para ele. Tinha notado, assim que lhe

tinham tirado as ataduras, que tinha as gemas dos dedos inusualmente suaves. E não era

a suavidade própria de uma cicatriz; tinha as mãos tão sensíveis que podia reconhecer

perfeitamente a diferença entre as zonas queimadas e as gemas de seus dedos. Estava

seguro de que não queimou os dedos; mesmo assim, suas digitais pareciam ter sido

alteradas ou apagadas, provavelmente o último. E tinha a sensação de que aquela

operação tinha sido realizada durante sua estadia no hospital. A pergunta era: por que?

Quem estava tentando ocultar sua identidade? Sabiam quem era, e era evidente que o

apreciavam, em caso contrário não teriam tomado tantas moléstias para tentar salvar-lhe

a vida. Jay também sabia quem era. Haveria alguém perseguindo-o? E se assim era,

correria Jay algum perigo pelo mero feito de estar a seu lado?

Eram muitas perguntas e não tinha resposta para nenhuma delas. Podia lhe

perguntar ao Payne, mas não estava seguro de poder lhe surrupiar nenhuma resposta

sincera. Payne ocultava algo. Steve não sabia o que era, mas percebia o sotaque de

culpa que tingia a voz daquele homem, sobre tudo quando falava com Jay. Por que teriam

envolvido Jay naquele assunto?

Ouviu que a porta do quarto se abria e permaneceu imóvel, tentando identificar a seu

visitante antes de que este soubesse que estava acordado. Descobriu-se tomando aquela

precaução em outras ocasiões; e essa atitude encaixava com tudo o que tinha deduzido

de si mesmo.

–Já está acordado?

Era a voz baixa do Frank Payne; e voltava a aparecer aquela nota, aquele sotaque

de culpa... e também de afeto. Sim, isso era. Payne gostava de Jay e estava preocupado

por ela, mas mesmo assim, continuava utilizando-a. Isso fazia sentir-se ao Steve muito

menos inclinado a colaborar. Enfurecia-o pensar que estavam pondo Jay em perigo.

–Dormiu assim que o deixaram na cama e não despertou depois. Falou com o

médico?

–Não, ainda não. Como foi a operação?

–Maravilhosamente. O médico disse que não haverá nenhum dano irreversível. Tem

que permanecer de repouso vários dias durante todo o tempo que possa, e assim que lhe

Page 74: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

tirem as ataduras, seus olhos voltarão a acostumar-se à luz. Possivelmente nem sequer

necessite de óculos.

–Essa é uma boa notícia. Se tudo sair bem, poderá sair do hospital dentro de duas

semanas.

–Custa me imaginar sem vir aqui diariamente –refletiu Jay. – Não me parecerá

normal. O que ocorrerá quando Steve sair do hospital?

–Terei que falar com ele disso –respondeu Payne. – Mas ainda posso esperar uns

dias, até que esteja mais recuperado.

Steve advertia preocupação na voz de Jay e aquilo o intrigava. Estaria à par de

algo? por que então ia preocupar-se com o que pudesse lhe ocorrer quando saísse do

hospital? Mas tinha notícias para ela: fosse onde fosse, pretendia segui-la e Frank Payne

faria bem em tirar suas estúpidas idéias da cabeça.

Duas semanas mais de espera. Não sabia se poderia suportar. Era duro exercitar a

paciência que necessitava para permitir que seu corpo sanasse, e ainda ficavam várias

semanas de reabilitação até que recuperasse todas as suas forças. Teria que forçar-se

mais do que o forçariam os próprios fisioterapeutas, ele conhecia seus próprios limites e

sabia que eram muito mais elásticos do que os fisioterapeutas podiam pensar. E essa era

outra peça mais de seus quebra-cabeças.

Decidiu despertar e começou a mover-se, inquieto. Sentiu o puxão da agulha do soro

na mão.

–Jay? –chamou-a com voz sonolenta. Esclareceu garganta e voltou a tentar: – Jay?

Nunca se acostumaria a ouvir sua nova voz, dura, tensa e com uma textura

particularmente áspera. Outra pequena curiosidade. Não podia recordar sua voz, mas

sabia que não era aquela.

–Estou aqui –sentiu o tato de uns dedos no braço.

Quantas vezes teria ouvido aquelas duas palavras? E quantas vezes haveriam

consegui-lo lhe devolver a consciência? Pareciam estar gravadas em sua mente como se

fossem uma de suas lembranças. Diabos, provavelmente fossem. Alongou a mão para

procurar a mão livre de Jay.

–Tenho sede.

Ouviu o ruído da água ao cair no copo; depois, sentiu o roçar de um canudo nos

lábios e sugou agradecido o frio líquido que subiu até sua boca ressecada e desceu por

sua garganta. Depois de que tivesse bebido vários goles, Jay lhe tirou o canudo.

–Não beba tanto ao princípio –disse, com aquela voz tão serena–. A anestesia pode

te fazer vomitar.

Steve moveu a mão e sentiu o puxão da agulha.

–Diga à enfermeira que me tire esta maldita coisa.

Page 75: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Necessita de glicose depois da operação –replicou Jay. – E provavelmente lhe

estejam subministrando antibiótico junto ao soro...

–Podem dar isso em cápsulas –respondeu. – Eu não gosto de me sentir limitado.

Já era suficientemente insuportável ter as pernas engessadas; já era bastante tendo

que passar deitado vinte e quatro horas ao dia.

Jay permaneceu em silêncio e Steve sentiu que lhe estava transmitindo sua

compreensão. Às vezes era como se não necessitassem das palavras, como se houvesse

um vínculo entre eles que transcendia a linguagem verbal. Jay sabia exatamente até que

ponto o frustrava ter que estar convexo na cama dia após dia; não só era aborrecido, mas

também ia contra tudo o que lhe ditava o instinto de sobrevivência.

–De acordo –disse por fim, deslizando os dedos por seu braço. – Vou chamar a uma

enfermeira.

Steve a ouviu abandonar o quarto e permaneceu muito quieto na cama, esperando

que Frank se identificasse. Era um jogo sutil, e nem sequer sabia por que estava

jogando. Mas Payne estava lhe ocultando algo e Steve não confiava nele. E faria tudo o

que estivesse em sua mão para colocar-se em uma situação de vantagem, embora fosse

um pouco tão corriqueiro como fingir que dormia quando estava ouvindo tudo o que

ocorria no quarto. Embora até então não lhe tinha servido de nada, salvo para saber que

Payne tinha alguns planos para ele.

–Sente alguma dor? –perguntou Frank.

Steve voltou prudentemente a cabeça.

–Frank?

Outra parte do jogo: fingir que não tinha reconhecido sua voz.

–Sim.

–Não, não me dói muito. Mas tenho sono.

Isso era verdade; a anestesia o tinha deixado débil e sonolento. Mas podia obrigar a

si mesmo a manter-se em estado de alerta, e essa era a parte mais importante. Preferia

suportar a dor a que o drogassem de tal maneira que não pudesse dar-se conta do que

estava ocorrendo a seu redor. O coma induzido pelos medicamentos tinha sido um

pesadelo que não queria voltar a experimentar, nem sequer de uma forma mais atenuada.

Inclusive a amnésia era preferível à falta de consciência total.

–Esta foi a última operação. Já não haverá nem mais operações nem mais tubos

nem mais agulhas. Assim que lhe tirarem o gesso, poderá recuperar a forma.

Frank mantinha a voz baixa e, freqüentemente, Steve percebia nela certo tom de

familiaridade, como se conhecessem muito bem um ao outro.

Page 76: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Essas palavras proporcionaram um novo dado ao Steve; não era um homem de

músculos volumosos, mas sim tinha uma compleição ágil e rápida e um coração de aço

que o mantinha em pé quando outros já se teriam derrubado.

–Jay está em perigo? –perguntou, deixando de lado toda precaução para averiguar o

que naquele momento era mais importante para ele.

–Por algo que você possa ter visto?

–Sim.

–Não prevemos nenhum perigo –respondeu Frank com prudência. – É importante

para nós por que sabe exatamente o que ocorreu e poderia nos proporcionar algumas

respostas.

Steve sorriu com ironia.

–Sim, eu sei. O suficientemente importante para ter merecido toda tipo de cuidados,

para que tenham coordenado três agências diferentes e para que tenham trazido até aqui

médicos de diferentes corpos do exército e inclusive algum ou outro particular. E se supõe

que passava casualmente por ali, não é verdade? É possível que Jay tenha engolido, mas

eu não acredito. Assim deixa de dizer alguma estupidez e me dê um sim ou um não como

resposta. Jay corre algum perigo?

–Não –respondeu Frank com firmeza.

Ao cabo de um segundo, Steve assentiu. Apesar do que Frank lhe estava ocultando,

sabia que apreciava Jay e queria protegê-la. Jay estava a salvo. Do resto já se ocuparia

ele mais adiante. O único naquele momento que lhe importava era Jay.

Depois de estarem envolvidas em gesso durante seis semanas, suas pernas tinham

emagrecido. Passou as mãos sobre elas, tentando acostumar-se a sua peculiar magreza.

Podia movê-las, mas seus movimentos eram bruscos e espasmódicos. Durante os dois

dias anteriores, tinha estado sentado em uma cadeira de rodas, deixando que seu corpo

se acostumasse ao movimento e às diferentes posturas. As mãos estavam

suficientemente recuperadas para poder utilizar umas moletas como suporte durante

vários minutos ao dia. Seu amontoado de conhecimentos ia incrementando-se

continuamente. Entre outras coisas, tinha aprendido que, inclusive quando estava

inclinado para frente com o fim de apoiar-se nas moletas, era vários centímetros mais alto

que Jay. Estava desejando abraçá-la e estreitá-la contra ele para sentir a suavidade de

seu corpo amoldando-se contra o seu e poder inclinar a cabeça para beijá-la. Até então

tinha estado controlando-se, tomando-as coisas com calma, mas estavam a ponto de

chegar ao final.

Jay o observou acariciar as coxas e as panturrilhas. Seus longos dedos amassavam

os músculos com movimentos precisos. Steve tinha uma sessão de fisioterapia essa

mesma tarde, mas não parecia disposto a esperar a que outro fizesse o trabalho por ele.

Page 77: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Era como uma mola a ponto de soltar-se desde que tinha saído da sala de cirurgia depois

da operação dos olhos. Tenso, espectador, mas sempre submetido a um férreo controle.

Tinha passado um mês e meio da explosão e possivelmente muitas outras pessoas em

suas circunstâncias estariam ainda na cama e tomando calmantes contra a dor, mas ele

tinha estado forçando a si mesmo desde o momento em que tinha recuperado a

consciência. Suas mãos deviam estar ainda muito sensíveis, mas as utilizava sem

queixar-se nenhuma só vez. Certamente lhe doíam as costelas e as pernas, mas não

deixava que isso o detivera. Nunca se tinha queixado de sofrer dores de cabeça, embora

o coronel Lunning havia dito a Jay que provavelmente as suportaria durante meses.

Jay olhou o relógio. Steve levava meia hora dando-se massagens nas pernas.

–Acredito que já é suficiente –lhe disse com firmeza. – Não quer voltar para a cama?

Steve se endireitou na cadeira de rodas e lhe dirigiu um sorriso resplandecente.

–Estou tão cansado de estar na cama que para conseguir que voltasse você teria

que te deitar comigo.

Tinha um aspecto tão perversamente masculino que Jay sentiu que se derretia por

dentro, apesar do acautelada que estava contra seus encantos. Nem sequer podia olhá-lo

sem sentir que lhe debilitavam os joelhos e às vezes, o que sentia para ele cobrava a

forma de uma maré de prazer e dor tão intensamente fundidos que devia conter-se para

não gemer.

Steve estava mais forte a cada dia; cada dia conquistava um novo território,

derrubava toda sua vontade, em outro aspecto de sua vida, era admirável e quase

aterrador observá-lo e ser consciente da força de vontade com que enfrentava a sua

situação. Mostrava-se tão ferozmente controlado e decidido que resultava quase

desumano, mas, ao mesmo tempo, permitia a Jay ver quão humano era. Dependia dela

muito mais do que teria acreditado possível, e a vulnerabilidade que mostrava resultava

muito mais devastadora porque era consciente do inabitual que era nele.

–Me aproxime as muletas –lhe ordenou naquele momento, voltando-se para ela

espectador, como se estivesse esperando um protesto.

Jay apertou os lábios, olhou-o, encolheu-se de ombros e colocou as muletas diante

dele. Se sofresse um retrocesso a culpa seria dele por negar-se a aceitar suas limitações.

–De acordo –disse com calma. – Vá em frente, caia, quebre as pernas outra vez, te

parta a cabeça e passa no hospital uns meses mais. Estou segura de que às enfermeiras

fará muita ilusão.

Steve pôs-se a rir ante seu sarcasmo, uma reação que se fazia mais freqüente à

medida que ia recuperando-se. Contemplava-o como uma amostra de sua própria

recuperação; enquanto estava doente e indefeso, ela tinha evitado lhe negar algo. E o

Page 78: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Steve gostava daquele novo aspecto de sua personalidade. As mulheres passivas não o

atraíam. Jay, em troca, atraía-o em todos os momentos e de todas as maneiras.

–Não cairei –assegurou enquanto se erguia.

Teve que apoiar a maior parte de seu peso nos braços, mas seus pés se moveram

quando lhes ordenou que o fizessem. Com estupidez, era verdade, mas obedeciam as

ordens de seu cérebro.

–E aqui chega cambaleante...! –gritou Jay, emulando uma retransmissão esportiva.

Sua irritação era evidente.

Steve soltou uma gargalhada e cambaleou, mas conseguiu manter-se em pé

agarrando-se as muletas.

–Supõe-se que deveria me guiar, não rir de mim.

–Nego-me te ajudar a que te castigue dessa forma. Se cair, a culpa será só tua.

Nos lábios de Steve apareceu um sorriso e o coração de Jay começou a pulsar a

toda velocidade.

–Ah, pequena –tentou enrolá-la, – não estou me castigando, prometo-lhe isso. Sei

até onde posso chegar. Vamos, me leve até o corredor.

–Não.

Dois minutos depois, Jay caminhava lentamente pelo corredor enquanto Steve

manobrava com as muletas. Ao final do corredor estava um dos vigilantes, Ciente de tudo

e de todos os que passavam por ali. Ocorria o mesmo cada vez que Steve saía de seu

quarto, embora até então não tinha sido consciente de que estava sendo vigiado tão de

perto. Jay sentiu um calafrio quando cruzou o olhar com a do vigilante e este assentiu

educadamente. Por mais tranqüilo que parecesse tudo, a presença daqueles guardas lhe

recordava que Steve estava envolvido em algo altamente perigoso. O estaria pondo sua

amnésia em uma situação de perigo maior? Ele nem sequer sabia que estava ameaçado.

Não era de surpreender que fossem necessários os guardas! Isso a aterrorizava. Fazia

parte da grande zona cinza que Frank não lhe tinha explicado.

–Já é suficiente –disse Steve, e se voltou lentamente.

Girou exatamente cento e oitenta graus e deu dois passos antes de deter-se e voltar

a cabeça para ela.

-Sinto muito -aproximou-se rapidamente a seu lado.

Como teria sabido até onde devia girar? Por que não mostrava mais insegurança em

seus movimentos? Caminhava lentamente, apoiando a maior parte de seu peso nos

braços e mãos, mas parecia completamente seguro. As feridas, não a frustração,

diminuíam o ritmo de seus passos. Não se permitiria renunciar; não parecia considerar

suas feridas como algo de que tivesse que recuperar-se, mas sim como algo que devia

Page 79: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

ser conquistado. Estava disposto a dirigir as coisas a sua maneira e a ganhar, não ia se

conformar com menos.

Quando o gesso foi tirado, Jay continuou sendo testemunha de sua determinação

durante os dias que seguiram. Os fisioterapeutas tentavam contê-lo, mas Steve insistia

em seguir seu próprio ritmo. Caminhava durante horas e horas, guiado pela voz de Jay.

No terceiro dia da reabilitação, já tinha prescindido das muletas e as tinha substituído pela

Jay. Sorrindo enquanto lhe rodeava os ombros com o braço, explicou-lhe que pelo menos

ela seria uma superfície branda se caísse.

Tinha ganho peso desde que lhe tinham tirado o tubo da garganta e estava

recuperando forças à mesma velocidade. Jay tinha a sensação de vê-lo melhorar de um

dia para outro. Exceto pelas ataduras que cobriam seus olhos, parecia quase normal, mas

Jay não esquecia as cicatrizes que escondiam os moletons que Frank lhe tinha levado.

Ainda tinha a pele avermelhada das mãos por causa das queimaduras e sua voz não

parecia melhorar. Tampouco sua memória mostrava nenhum sintoma de recuperação.

Não havia chamas de cor nem espionagens de reconhecimento algum. Era como se

tivesse nascido no dia que se abriu caminho através da névoa de sua inconsciência para

responder a sua voz e não existisse um passado antes daquilo.

Às vezes, enquanto o via fazer exercício incansavelmente, tirava o chapéu a si

mesmo desejando que não recuperasse a memória, e então o sentimento de culpa a

devorava. Mas Steve dependia tanto dela naquele momento... E se começasse a

recordar, a intimidade que havia entre eles se desvaneceria. Apesar de que tentava

proteger a si mesmo daquela proximidade, Jay entesourava cada um daqueles momentos

e desejava mais. Estava apanhada em seu próprio dilema e não era capaz de decidir

como devia liberar-se. Podia proteger-se a si mesmo e afastar-se dali, ou podia agarrar-se

a tudo aquilo que pudesse conseguir. Mas não sabia qual das duas opções tomar. O

único que podia fazer era esperar.

O dia que se supunha que tinham que lhe tirar as ataduras dos olhos, Steve

despertou ao amanhecer e esteve percorrendo incansável o quarto. Jay se tinha

apresentado no hospital a primeira hora da manhã e, embora estava tão nervosa como

ele, obrigava-se a permanecer quieta. No final, Steve ligou a televisão e escutou as

notícias da manhã com o cenho franzido.

– Por que demônios não se dá pressa esse maldito médico? –murmurou.

Jay olhou o relógio.

–Ainda é cedo, nem sequer tomaste o café da manhã.

Steve soltou uma maldição e passou a mão pelo cabelo. Ainda o usava muito curto,

mas ao menos cobria a cicatriz que percorria seu crânio. Continuou caminhando, deteve-

se frente à janela e tamborilou com os dedos o batente.

Page 80: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Faz um dia ensolarado, não é verdade?

Jay olhou para o céu azul.

–Sim, e não faz muito frio. Mas o prognóstico do tempo diz que se esperam nevadas

para o fim de semana.

–Que dia é hoje?

–Vinte e nove de janeiro.

Steve continuou tamborilando com os dedos.

–Aonde vamos?

–Como aonde vamos? –repetiu Jay sem compreender.

–Quando me soltarem. Aonde vamos?

Jay se sentiu como se lhe tivessem dado uma bofetada em pleno rosto ao

compreender que, se não tivesse nenhum problema de visão, Steve sairia do hospital ao

cabo de só umas horas. O apartamento que Frank tinha alugado era pequeno, só tinha

um quarto, mas não era isso o que a assustava. O que aconteceria se ao Frank lhe

ocorresse separá-lo dela? Em uma ocasião Frank tinha comentado que deveria ficar com

o Steve até que este tivesse recuperado a memória, mas não havia tornado a mencioná-

lo depois. Continuaria sendo esse seu plano? E se assim fosse, onde pretendia que

vivesse Steve?

–Não sei onde iremos –respondeu fracamente. –Talvez queiram te enviar a alguma

parte...

–Não acredito que lhes convenha.

Steve se separou da janela. Seus movimentos possuíam a elegância e o poder de

um predador. Jay observou sua silhueta recortada contra a luz da janela e sentiu que lhe

secava a garganta. Era muito mais duro que anos atrás, tanto que quase a assustava.

Mas, ao mesmo tempo, achava-o excitante. Amava-o tanto que lhe doía, e a situação

piorava dia a dia.

Entrou uma enfermeira com a bandeja do café da manhã e piscou os olhos um olho

a Jay.

–Vi que tinha chegado cedo, assim trouxe uma bandeja a mais –entrou com outra

bandeja e sorriu a Jay enquanto esta agradecia. – Hoje é o grande dia –acrescentou

alegremente, – então acho que isto pode ser uma espécie de banquete de celebração.

Steve sorriu.

–Estão desejando desfazer-se de mim?

–Digamos que se comportou como um autêntico anjo. Vamos sentir falta de seu

traseiro, mas enfim, as coisas vêm e se vão.

Um suave rubor cobriu as bochechas do Steve e a enfermeira soltou uma

gargalhada enquanto saía do quarto. Jay riu enquanto arrumava as bandejas.

Page 81: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Traga até aqui seu maravilhoso traseiro e sente-se para tomar o café da manhã –

lhe ordenou, sem deixar de rir.

–Se você gostar, pode olhá-lo com prazer –a convidou. Voltou-se e levantou os

braços, lhe oferecendo uma excelente vista de suas costas. – Inclusive pode ser que te

deixe tocá-lo.

–Obrigada, mas prefiro comer. Você não tem fome?

–Estou faminto.

Investiram pouco tempo no café da manhã e, muito em breve, Steve estava de novo

caminhando pelo quarto que seu próprio nervosismo fazia parecer menor. Sua

impaciência era evidente. Tinha passado muitas semanas convexo, cego e

completamente imóvel. Já tinha recuperado a mobilidade e só faltavam uns minutos para

que recuperasse também a vista. Os médicos estavam seguros do êxito da operação,

mas até que não lhe tirassem as ataduras e pudesse ver realmente, ele não acreditaria.

Eram a espera e a insegurança que o devoravam. Queria ver. Queria saber que aspecto

tinha Jay; queria ser capaz de lhe pôr um rosto a sua voz. Embora nunca pudesse voltar a

ver, necessitava ao menos ver seu rosto. Cada uma das células de seu corpo a conhecia,

podia sentir sua presença. E embora Jay havia descrito a si mesmo, precisava ter seu

rosto gravado na mente.

Elevou a cabeça como um animal receoso quando ouviu que a porta se abria. O

próprio cirurgião lhe comentou rindo:

–Quase esperava que tivesse tirado você mesmo as ataduras.

–Não queria lhe roubar esse prazer –respondeu Steve.

Jay estava completamente quieta. A tensão cresceu em seu interior quando viu que

o coronel Lunning, Frank e uma das enfermeiras entravam no quarto. Frank levava uma

bolsa de plástico em que figurava o nome de umas lojas de departamentos. Deixou-a em

cima da cama. Sem necessidade de perguntar, Jay soube que continha roupa para Steve

e lhe agradeceu que tivesse pensado nisso.

–Sente-se aqui, de costas à janela –disse o cirurgião, conduzindo o Steve para uma

cadeira.

Quando este esteve sentado, o cirurgião tomou um par de tesouras e cortou a gaze.

–Incline um pouco a cabeça –lhe pediu.

Jay apertava as mãos com tanta força que as unhas lhe cravavam nas palmas.

Sentia uma forte dor no peito. Estava vendo pela primeira vez o rosto do Steve sem as

gazes que cobriam suas têmporas, suas sobrancelhas, parte de seus maçãs do rosto e a

ponte de seu nariz. Antes era um homem atraente, mas possivelmente já não o fosse.

Seu nariz não era de tudo reto e lhe tinham deixado a ponta ligeiramente mais

Page 82: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

pronunciada que antes da explosão. Suas maçãs do rosto pareciam mais proeminentes.

De fato, todo seu rosto parecia mais anguloso que antes.

O cirurgião foi tirando as gazes lentamente e a seguir limpou os olhos do Steve.

–Fechem as cortinas –pediu suavemente.

A enfermeira se aproximou da janela e correu as cortinas para deixar o quarto às

escuras. Depois acendeu a luz da cabeceira da cama.

–Muito bem, agora já pode abrir os olhos. Lentamente, deixe que vão acostumando-

se à luz. Depois, pestaneje até que seja capaz de fixar o olhar.

Steve abriu os olhos e os fechou com força. Voltou a tentá-lo.

–Droga, que luz forte –disse.

E então, abriu os olhos por completo, pestanejou até esclarecer visão e se voltou

para Jay.

Esta ficou completamente gelada. Era como estar vendo os olhos de uma águia,

encontrando-se com o olhar feroz de um predador. Aqueles eram os olhos do homem que

amava com uma intensidade quase dolorosa. O terror lhe gelava o sangue. Ela recordava

uns olhos castanhos, com um brilho aveludado, mas aqueles eram uns olhos claros que

reluziam como o âmbar. Eram os olhos de uma águia.

Aquele era o homem que amava, mas era um homem que não conhecia.

Aquele homem não era Steve Crossfield.

Capítulo 7

Seu coração deixou de pulsar. Jay. O rosto se adequava perfeitamente a aquele

nome, a sua voz, à delicadeza de suas carícias e a sua fragrância esquiva. A descrição

que Jay tinha feito de si mesma era precisa, mas mesmo assim, estava longe da

realidade. A realidade era que tinha uma espessa cabeleira da cor do mel escuro, os

olhos de um azul profundo como o do mar e uma boca grande, suave e vulnerável. Deus,

que boca, era uma boca de lábios vermelhos e cheios, imensamente sedutora. Era a boca

mais apaixonada que tinha visto em sua vida e lhe bastava pensar em beijá-la ou em que

aqueles lábios acariciassem seu corpo para que lhe doessem as vísceras. Jay

permanecia imóvel, com o rosto completamente branco exceto pelos poços profundos de

seus olhos e sua exótica e maravilhosa boca. Olhava-o como se estivesse fascinada,

como se não pudesse afastar o olhar de seu rosto.

–O que vê? –perguntou-lhe o cirurgião. – Vê halos de luz, lhe esfuma a silhueta dos

objetos?

Sem responder, Steve se levantou com o olhar fixo em Jay. Jamais se cansaria de

olhá-la. Deu quatro passos para ela e Jay abriu os olhos como pratos em meio daquele

Page 83: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

semblante cada vez mais pálido. Steve tentou ser delicado enquanto a tomava pelos

braços, convidando-a a levantar-se, mas a excitação era cada vez mais forte e sabia que

lhe estava cravando os dedos em sua delicada pele. Jay murmurou algo incoerente. Ele

cobriu sua boca. A erótica sensação de acariciar seus lábios cheios lhe fez gemer de

prazer. Queria ficar a sós com ela. Jay tremia entre seus braços e se agarrava a ele como

se tivesse medo de cair.

–Bom, parece que seu sentido da orientação não sofre nenhum problema –

comentou Frank com ironia.

Steve elevou a cabeça sem deixar de estreitar Jay contra ele. Ela continuava

tremendo violentamente.

–É que estão bastante claras suas prioridades –interveio o coronel Lunning.

Sorria e olhava a seu paciente com profunda satisfação. Semanas atrás, tinha sérias

dúvidas sobre a possível recuperação de Steve. E vê-lo ali naquele momento era quase

milagroso. Ainda não estava completamente recuperado, ainda tinha que recuperar todas

as suas forças e não havia nenhum sintoma que indicasse que fosse recuperar a

memória. Mas estava vivo e em caminho de conseguir uma saúde de ferro.

–Vejo tudo estupendamente –respondeu Steve com uma voz mais rouca que o

habitual enquanto percorria com o olhar o quarto que se converteu em seu lar durante

mais dias dos que gostava de recordar.

Mas inclusive gostava do aspecto do quarto. Durante sua convalescença, tinha

exercitado a disciplina de recrear tudo em sua mente para fazer uma idéia das relações

espaciais e poder saber em todo momento o lugar do quarto em que se encontrava. E sua

imagem mental tinha sido incrivelmente correta. Embora as cores o surpreendiam um

pouco; na realidade não tinha imaginada cores, só presencia físicas.

O cirurgião se esclareceu garganta.

–Poderia sentar um momento, senhor Crossfield?

Steve soltou Jay. Esta se sentou, trêmula, agarrando-se aos braços da cadeira com

tanta força que empalideceram seus nódulos. Equivocaram-se! Aquele homem não era

Steve Crossfield! ficou muda da impressão, mas enquanto observava o cirurgião

examinando o Steve, ou como fosse que se chamasse, recuperou o controle e abriu a

boca para explicar o terrível engano que tinham cometido.

Mas então Frank se moveu, e inclinou a cabeça para observar o cirurgião e aquele

movimento apanhou a atenção de Jay. O sangue lhe gelou nas veias enquanto surgia em

sua mente um só pensamento: se lhes dissessem que tinham cometido um engano, que

aquele homem não era seu ex-marido, deixariam de utilizá-la. Afastariam ao que ela

acreditava Steve de seu lado e não voltaria a vê-lo.

Page 84: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Começou a tremer convulsivamente. Ela amava aquele homem. Não sabia quem

era, mas o amava. E não podia renunciar a ele. Precisava pensar nisso, mas não podia

fazê-lo naquele momento. Precisava estar sozinha, longe daqueles olhos vigilantes, para

poder enfrentar-se ao impacto de saber que Steve... Ou, Deus, Steve estava morto! E

aquele homem era um desconhecido.

Levantou-se tão bruscamente que a cadeira se cambaleou. Cinco rostos

surpreendidos se voltaram para ela enquanto Jay se dirigia para a porta como se fosse

uma prisioneira tentando escapar.

–Eu... necessito de um café –conseguiu balbuciar com voz tensa.

Abriu a porta e saiu, sem fazer caso da chamada do Steve.

Não, não era Steve. Não era Steve. Aquele simples fato era devastador.

Correu para a sala de espera e se encolheu em um de seus incômodos assentos.

Sentia-se fria, com o cérebro intumescido e ligeiramente enjoada, como se estivesse a

ponto de vomitar.

Quem era aquele homem? Tomou ar várias vezes e tentou pensar com coerência.

Não era Steve, de modo que tinha que ser o agente pelo que Frank estava tão

preocupado. Isso significava que estava diretamente envolvido na operação, que era o

único homem que sabia exatamente o que tinha acontecido... ou o seria se recuperava a

memória. Correria perigo se alguém, possivelmente a pessoa ou as pessoas que tinham

provocado aquela explosão que tinha estado a ponto de matá-lo, se inteirasse de que

estava vivo? Até que não recuperasse a memória, não poderia reconhecer a seus

inimigos. Seu melhor amparo naquele momento era esconder-se sob a falsa identidade

que lhe tinham atribuído. Jay não podia pô-lo em um perigo maior. E tampouco podia

renunciar a ele.

Não era correto fingir que aquele homem era alguém que não era. Além disso,

guardando seu segredo estaria traindo o Frank, um homem o que apreciava. Mas, sobre

tudo, estaria traindo ao Steve... Droga! Odiava chamá-lo desse modo, mas de que outra

forma podia chamá-lo? Tinha que continuar pensando nele como Steve. Estava traindo-o

ao lhe atribuir uma vida que não era a sua, possivelmente inclusive estivesse impedindo

sua completa recuperação. E, se alguma vez recuperasse a memória, jamais a perdoaria.

Saberia que lhe tinha mentido, que o tinha obrigado a viver uma mentira colocando-o no

lugar de seu ex-marido. Mas não podia pô-lo em uma situação de risco. Simplesmente,

não podia. Amava-o muito. Por mais que lhe custasse, tinha que mentir para protegê-lo.

–Jay.

Era sua voz. Aquela voz grave e descarnada que a perseguia pelas noites em seus

sonhos mais doces. Voltou a cabeça para ele e o olhou. Ainda estava tão impactada que

não era capaz de dissimular sua impressão. Amava-o. E se amar o Steve sabendo que

Page 85: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

não podia entregar-se a ele já tinha sido suficientemente ruim, como poderia amar a um

homem cuja vida consistia em enfrentar-se ao perigo? Tinha estado caminhando o beira

de um precipício emocional e naquele momento estava caindo no vazio sem poder fazer

nada para impedi-lo.

O suposto Steve enchia a porta da sala de espera. Depois de saber que não era seu

ex-marido, Jay percebia claramente suas diferenças. Era um pouco mais alto que Steve,

tinha os ombros mais largos e o peito mais musculoso. Seu queixo era mais quadrado,

seus lábios mais cheios. Deveria haver-se fixado antes em sua boca, que não tinha

estado submetida às mudanças da cirurgia plástica. Uma estranha dor a alagou ao

compreender que nunca saberia o aspecto que tinha antes aquele homem.

–O que aconteceu, querida? –perguntou ele em voz baixa; caminhou até ela e

procurou suas mãos.

Jay tragou saliva. Os tremores continuavam sacudindo seu corpo. Inclusive

agachado, era mais alto que ela. A sensação de poder, de perigo, era assustadora.

Quando tinha os olhos enfaixados, ficava amortecida de algum jeito, mas naquele

momento, com a determinação resplandecendo naqueles olhos de cor âmbar, Jay sentia

toda a força de sua personalidade.

–Estou bem –conseguiu dizer. – É só que... foi tudo muito repentino. Estava tão

preocupada...

Steve lhe soltou as mãos e começou a lhe acariciar os braços.

–Eu desejava tanto poder te ver que não tive tempo de me preocupar –murmurou

Steve. – Me disse que tinha os olhos azuis, mas não me havia dito nada de sua boca.

Tinha o olhar fixo em sua boca. A Jay começaram a tremer os lábios.

–O que tinha que te dizer de minha boca?

–Quão erótica é –sussurrou, e se inclinou sobre ela.

Daquela vez foi um beijo duro, exigente, que a obrigou a ceder ante o arremesso, a

abrir os lábios para permitir o acesso da língua ao interior de sua boca. Apesar de que

começaram a soar os timbres de alarme, Jay se estremeceu de prazer.

Enquanto estava se recuperando e necessitava de seu apoio, Steve tinha se

mostrado suplicante, era ele quem pedia seus beijos e a intimidade de seu contato. Mas

já não lhe estava pedindo nada e Jay era consciente de que se esteve contendo durante

muito tempo. Desejava-a e tinha ido procurá-la com intenção de conseguir o que queria.

Steve se levantou e a segurou para que o imitasse sem perder em nenhum momento

o contato de seus lábios. Beijava-a com a intimidade de um homem que pretendia fazer

amor, afrouxando as rédeas do controle, exigindo mais. Jay se agarrava a seus ombros;

seus sentidos enlouqueciam ante a dura pressão daquele corpo. Steve movia os quadris

procurando os de Jay e gemeu quando seu sexo cheio encontrou a quente vértice que

Page 86: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

escondia o dela. Jay poderia ter gemido também se tivesse sido capaz de respirar. Um

calor selvagem corria por suas veias, tentando-a a esquecer-se de tudo, salvo da

urgência de satisfazer a ofegante excitação do Steve.

Entraram um homem e uma mulher na sala de espera. O homem passou por eles

limitando-se a olhar os de relance, mas a mulher se deteve e se ruborizou violentamente

antes de desviar o olhar e acelerar o passo. Steve elevou a cabeça e afrouxou a pressão

de suas mãos enquanto um sorriso aparecia em sua boca.

–Acredito que deveríamos ir para casa –disse.

O pânico voltou a assaltá-la. Casa? De verdade esperavam que o levasse a esse

diminuto apartamento que tinha estado utilizando durante os últimos dois meses? Ou o

separariam definitivamente dela para que terminasse o processo de recuperação em

qualquer outra parte?

Abandonaram a sala de espera e encontraram o Frank apoiado contra a parede do

quarto, esperando-os pacientemente. E endireitou-se e sorriu, mas olhava a Jay com

expressão compassiva.

–Encontra-se melhor?

Jay tomou ar.

–Não sei. Me diga o que vai acontecer agora e certamente poderei te dizer como me

sinto.

Steve lhe rodeou a cintura com o braço.

–Não se preocupe, querida. Não vão me enviar a nenhuma parte sem você, não é

verdade, Frank? –formulou a pergunta amavelmente, mas suas palavras escondiam uma

determinação de aço e olhava ao Frank com os olhos entrecerrados.

Frank o olhou com ironia.

–Jamais me teria ocorrido fazer algo assim. Voltemos para ao quarto e

conversaremos.

Uma vez no quarto, Frank se aproximou da janela, abriu as cortinas e pestanejou

ligeiramente ante a luz do sol.

–Em primeiro lugar, terá que deixar que o cirurgião termine de examinar a vista –lhe

disse, e olhou ao Steve. – Na semana que vem terão que te fazer uma revisão, mas isso

já o arrumaremos.

Steve fez um gesto de impaciência que Frank interpretou perfeitamente; elevou as

duas mãos.

–Já estou me ocupando disso. Nós gostaríamos de te manter a salvo, mas que, ao

mesmo tempo, pudéssemos acessar facilmente a ti. Se estiver de acordo, pensamos te

transferir a uma casa situada no Colorado.

Page 87: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

A Jay dava voltas a cabeça. Sentou-se bruscamente. Colorado? Durante os dois

últimos meses, sua vida parecia haver se voltado do reverso, de modo que acreditava que

uma mudança tão drástica não a afetaria. Mas a afetava. Como ia viver no Colorado?

Então olhou ao Steve e soube que iria a qualquer parte com tal de poder estar a seu lado.

Era uma ironia. Quando tinha se casado, o mais importante para ela era contar com

algum tipo de estabilidade para poder construir sua relação com o Steve, mas seu

matrimônio não tinha sobrevivido. E naquele momento, quando tinha que fingir que

aquele homem era Steve, estava disposta a afastar-se de todos e tudo o que conhecia

com tal de estar com ele. Uma dolorosa tristeza alagou seu coração porque aquilo

indicava claramente que, embora tivesse querido fazê-lo, não tinha amado de verdade ao

autêntico Steve Crossfield. Steve tinha se afastado dela, tinha continuado solitário seu

caminho e tinha morrido sem que ninguém estivesse realmente perto dele.

–A Denver? –aventurou Steve.

–Não. A população mais próxima está a quarenta quilômetros da rodovia. É um lugar

tranqüilo, solitário, onde ninguém poderá te pressionar.

–São muito amáveis ao tomar tantas moléstias só para que possa lhes contar o que

sei quando recuperar a memória –respondeu Steve, observando ao Frank com um brilho

duro no olhar.

Este soltou uma gargalhada, pensando que algumas coisas nunca mudariam.

Inclusive sem ter recuperado a memória, aquele agente era suficientemente ardiloso para

ter encaixado as peças do difícil quebra-cabeças.

–Por que não vai ao apartamento e começa a fazer as malas? –sugeriu a Jay. – Se

quiser ir, claro.

–Ela virá comigo –respondeu Steve com rapidez, e cruzou os braços. – Se ela não

vier, eu não penso ir também.

Jay assentiu, desesperada como estava para ter uma oportunidade de ficar a sós

para pensar. Saiu do quarto sem olhar a nenhum dos dois homens, temendo que

pudessem ver o terror que refletiam seus olhos.

Steve olhou ao Frank em silêncio durante alguns segundos antes de murmurar mal-

humorado:

–Havia me dito que não estava em perigo. Por que preciso ir a um lugar seguro?

–Pelo que sabemos até agora, não está em uma situação de perigo...

–Deixa de estupidez –o interrompeu Steve. – Era um agente. Sei que tudo isto... –

assinalou o hospital com a mão – não o têm feito porque o governo tenha um grande

coração. Os guardas da porta não fazem parte da decoração, e não gastariam tanto

dinheiro me escondendo a não ser que alguém estivesse me ameaçando e além disso

necessitam desesperadamente da informação que possuo.

Page 88: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Frank o olhou com sincero interesse.

–Como sabia que havia alguém vigiando seu quarto?

–Ouvia-os –respondeu Steve secamente.

O que fazer a seguir? Frank olhou ao homem que tinha sido seu amigo durante uma

década perguntando-se o que podia lhe contar. Não muito, disso estava condenadamente

seguro. Até que o homem não derrotasse ao Piggot, aquela farsa teria que continuar

porque era o melhor amparo frente a qualquer ataque contra sua vida. Steve sabia muito

sobre eles para correr riscos quanto a sua segurança e, para que a farsa fosse completa,

teria que incluir nela a Jay. O Homem não corria nenhum risco nem com seus agentes

nem com seus amigos, e Steve era ambas as coisas.

–Tem razão –disse Frank. – É um agente. Um agente altamente preparado e

pensamos que a informação que conseguiu em sua última missão é crítica.

–Por que uma casa de segurança? –voltou a perguntar Steve sem renunciar a uma

resposta.

–Porque a pessoa que tentou te fazer saltar em pedacinhos desapareceu. E até que

não o encontremos, queremos estar seguros de que está a salvo.

A fúria acendeu os olhos do Steve como um relâmpago de luz.

–E colocou Jay nisto?

Frank o olhou com receio, consciente de quão rápido podia chegar a extrair uma

conclusão.

–Piggot não sabe que houve alguém que sobreviveu à explosão. E não queremos

correr nenhum risco contigo.

Os olhos de Steve voltaram a relampejar quando ouviu mencionar ao Piggot.

–Esse Piggot, como se chama?

–Geoffrey.

Voltou a aparecer aquele brilho em seu olhar e Frank o observou atentamente,

perguntando-se se a menção daquele nome poderia desencadear alguma lembrança.

Mas se assim fosse, Steve o guardou para si.

–Quero ver o relatório que têm sobre ele.

–Verei se posso conseguir uma autorização.

–E agora me diga, Frank, por que têm que colocar Jay nisto? Ela não sabe que sou

um agente, não é verdade?

–Não. A trouxemos aqui para que te identificasse. Assim de simples. E uma vez que

esteve aqui, você respondeu a sua voz de uma forma tão positiva que os médicos

decidiram que poderia te ajudar tê-la perto. Então ela ficou.

Page 89: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Isso era verdade, pelo menos em grande parte. Frank esperava que Steve não

fizesse muitas mais pergunta. Havia-lhe dito tudo o que podia sem contar com a

autorização de seu superior.

Steve se esfregou o queixo enquanto analisava o que Frank acabava de lhe contar.

Se houvesse sentido que sua presença estava pondo Jay em perigo, teria se afastado

dela imediatamente, mas tinha a sensação de que Frank era sincero. Pensava que

estariam seguros naquela casa de segurança. O fator decisivo foi a idéia de viver em um

lugar isolado com Jay, eles dois sozinhos. Dessa forma teria outra oportunidade. Poderia

voltar a aprender o que Jay gostava e o que a fazia se zangar. Seria como começar de

novo. E quando recuperasse todas as suas forças, permaneceriam durante as frias

manhãs de Avermelhado deitados na cama, fazendo amor até que seus corpos

estivessem ensopados de suor e Jay lhe tivesse entregue toda a fera paixão que podia

sentir dentro dela. Jay apresentava ao mundo uma fachada serena e controlada, mas,

possivelmente porque não tinha podido vê-la e tinha tido que confiar em outros sentidos,

Steve tinha chegado a perceber a profundidade dos sentimentos que se escondiam atrás

daquele autodomínio. Possivelmente teria sido suficientemente estúpido para permitir que

escapasse de seu lado em uma ocasião, mas não pensava permitir que voltasse a

afastar-se de novo.

–De acordo –disse, exalando lentamente. – Então iremos a essa casa. Com que

medidas de segurança contamos?

–Vidros a prova de balas e portas blindadas. A cabana está bastante isolada, no alto

de uma pradaria. Não há estradas que cheguem até ali, só se pode acessar em um

veículo quatro por quatro. A cabana conta com um gerador de eletricidade e uma antena

parabólica para a comunicação por rádio e computador.

Steve adotou uma expressão distante e concentrada enquanto considerava aquela

informação.

–Há algum sistema de segurança ativo, ou todos são de caráter preventivo?

–Só conta com medidas de caráter preventivo.

–Por que não há sensores que detectem o movimento ou as mudanças de

temperatura?

–Para começar, essa cabana é tão segura que nem sequer é necessário. E há tanta

vida silvestre naquela zona que estariam saltando constantemente os alarmes.

–Até que ponto é inacessível esse lugar?

–Só há um atalho que leva até a casa, e acredito que inclusive exagero ao chamá-lo

atalho. Sai da cabana, cruzamento a pradaria e desce pela montanha antes de dar a uma

pista. Depois terá que percorrer uns dez quilômetros por essa pista até chegar à primeira

estrada asfaltada.

Page 90: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Nesse caso, a instalação de um laser no caminho poderia nos alertar da chegada

de visitas. E cobrindo só uma parte do caminho, eliminaríamos a possibilidade de que os

animais da zona estivessem ativando constantemente os alarmes.

Frank sorriu.

–Suponho que é consciente de que há muitas possibilidades de que qualquer coelho

atravesse o raio e ative o alarme, não? Mas de acordo, instalaremos um sistema de

alarme por laser. Prefere um alarme visual ou sonoro?

–Sonora, mas que não seja muito escandalosa. E também quero um bip para

quando tiver que abandonar a casa.

–Para alguém que tem amnésia, lembra-te de um montão de coisas –murmurou

Frank enquanto tirava uma caderneta do bolso interior de sua jaqueta e começava a

tomar notas.

–Lembro os nomes de todos os chefes de estado e de quase todos os países do

mundo também –respondeu Steve. – Tive muito tempo para pensar, para ir encaixando

as diferentes peças do quebra-cabeças e ir classificando tudo o que sei. Perdi quase toda

a informação pessoal, mas continuo sabendo muitas coisas relacionadas com meu

trabalho.

–Seu trabalho significava muito para ti. Quando se tem uma relação assim com o

trabalho, este ocupa tanto espaço que a vida pessoal virtualmente desaparece.

–É o que ocorre a você?

–Ocorria-me antes. Agora não.

–Como te viu envolvido em tudo isto? Você é agente do FBI e estou

condenadamente seguro de que esta operação não tem nada que ver com seu

departamento.

–Nisso tem razão. Terá que mover muitos fios, mas são muito poucas as pessoas

que têm o poder para dirigi-los.

–Muito poucas. Então sou um agente da RECUA?

Frank sorriu.

–Não –respondeu com calma. – Não exatamente.

–Que demônios significa isso? Ou sou da RECUA ou não sou da RECUA, não

acredito que haja muitas mais alternativas.

–É membro da Cia. Não posso te dizer nada mais, salvo que tudo o que faz é

completamente legal. Quando recuperar a memória compreenderá por que não posso te

dar mais informação.

–De acordo.

Page 91: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Steve encolheu de ombros, mostrando sua conformidade. Na realidade não

importava, até que não recuperasse a memória, aquela informação não lhe serviria de

nada.

Frank mostrou a bolsa que tinha levado com ele.

–Comprei um pouco de roupa para que possa te trocar, mas antes me deixe que

peça ao cirurgião que volte para terminar de te examinar; depois, acredito que lhe darão

alta.

–Precisarei comprar mais roupa antes de ir ao Colorado. Por certo, onde vivia antes?

–Tinha um apartamento em Maryland. Encarreguei que empacotassem sua roupa e

a levem ao avião, mas não te servirá até que não tenha ganho um pouco de peso. Até

então, terá que comprar roupa nova.

Steve sorriu de orelha a orelha, sentindo-se repentinamente animado.

Jay permanecia sentada na cama do apartamento que tinha estado utilizando

durante os últimos dois meses. O coração lhe pulsava com força e sentia calafrios lhe

percorrendo continuamente as costas. As implicações, as complicações de sua situação a

aterrorizavam.

De repente, tinha compreendido o que estava inquietando-a a dois meses, o que não

tinha sido capaz de precisar até então. Quando a tinham levado até ali e lhe tinham

pedido que identificasse ao homem que jazia na cama, não tinha sido capaz de afirmar

rotundamente que se tratava do Steve Crossfield. Então, Frank lhe havia dito que o ferido

tinha os olhos castanhos e ela tinha se apoiado naquele dado todo o processo de

identificação, porque Steve tinha os olhos castanhos com um brilho aveludado.

Os olhos da Chrissy. Provavelmente, para um homem, uns olhos castanhos eram

simplesmente uns olhos castanhos. Ao Frank nunca lhe teria ocorrido falar de uns olhos

escuros como o chocolate, ou uns olhos castanho claro, ou uns olhos de cor âmbar.

Jay levou as mãos às têmporas e fechou os olhos com força. Provavelmente, Frank

devia saber a cor de olhos de seu próprio agente e certamente também sabia que Steve

tinha os olhos castanhos, de maneira que tinha que ter sido consciente de que Jay não

podia apoiar sua identificação em uma simples cor de olhos. E, entretanto, aquele tinha

sido o dado que lhe tinha proporcionado. Naquele momento, deu-se conta da delicadeza

com que Frank a tinha manipulado para que terminasse declarando que aquele homem

devia ser Steve Crossfield. E ele tinha que saber perfeitamente que havia pelo menos

cinqüenta por cento de probabilidades de que não fosse Steve. Mas por que teria feito

algo assim?

A única resposta que lhe ocorria, e que além de tudo a aterrava, era que Frank tinha

sabido durante todo aquele tempo que o homem que estava hospitalizado era um agente

Page 92: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

do governo, e não Steve. Tinham-lhe atribuído a identidade do Steve e, para dar mais

consistência àquela usurpação de identidade, fizeram com que sua ex esposa a

confirmasse e depois a tinham colocado em uma situação que teria confundido a qualquer

um.

De modo que Steve, o verdadeiro Steve, estava morto, e aquele agente tinha

assumido sua identidade... por uma questão de segurança?

Tudo encaixava. A cirurgia plástica para mudar seu rosto, as ataduras nas mãos

para evitar que tirassem as impressões digitais. Lhe teriam operado também as

impressões digitais? Era uma idéia terrível; teriam prejudicado deliberadamente sua

laringe para que lhe mudasse a voz? Não, certamente não. Não podia acreditar em uma

coisa assim. Todos os médicos tinham lutado duramente para lhe salvar a vida e Frank

estava muito preocupado por ele. Coisa que não lhe surpreendia. Certamente Frank era

amigo daquele homem!

Mas a amnésia era real? Ou era fingida para não ter que recordar nenhum detalhe

de sua suposta vida em comum? Sim, a amnésia podia ser uma desculpa muito

conveniente.

Mas ela tinha que acreditar que aquela amnésia era real se não queria terminar

voltando-se louca. Tinha que acreditar que Steve estava tão à margem de tudo o que

estava ocorrendo como ela, possivelmente inclusive mais. E Frank lhe tinha parecido

sinceramente aborrecido quando o coronel Lunning lhes tinha falado pela primeira vez da

amnésia.

De maneira que estava como no princípio. Se dissesse ao Frank que sabia que

Steve não era o verdadeiro Steve, o jogo terminaria e não poderiam seguir utilizando-a.

Ela era uma tela, a prova irrefutável de que o homem que tinha sobrevivido à explosão

era Steve Crossfield.

Tinha que seguir adiante com aquele engano e continuar fingindo que aquele era

Steve porque o amava. Apaixonou-se por ele inclusive antes de conhecer seu aspecto;

apaixonou-se por sua vontade irredutível, de sua determinação de não entregar-se à dor,

de sua contínua luta. Apaixonou-se por sua capacidade de superar aquele processo de

recuperação sem uma só queixa. Exceto pela frustração que lhe provocava a falta de cor,

jamais tinha se derrubado. Jay tinha se apaixonado por aquele homem em um momento

em que estava mostrando os traços mais irredutíveis de seu caráter, sem nenhuma das

capas que acrescentavam os processos de socialização.

Não podia renunciar a ele; mas tampouco podia considerá-lo algo dele. Estava

apanhada na teia de aranha conformada por aquelas estranhas circunstâncias, igual a

ele. Steve confiava nela, mas ela se via obrigada a lhe mentir sobre um ponto tão básico

Page 93: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

como sua própria identidade. Conhecia aquele homem, sim, mas não sabia nada de sua

vida. Deus santo, e se fosse casado?

Não, não podia estar casado. Fosse qual fosse o jogo que estavam jogando, estava

segura de que não seriam capazes de dizer a uma mulher que tinha enviuvado para

poder lhe atribuir a seu marido uma nova identidade. Simplesmente, Jay não podia

acreditar que Frank fosse capaz de algo assim. Mas podia haver uma mulher na vida do

Steve, uma mulher a que ele amasse e que a sua vez o quisesse embora não estivessem

casados. Haveria alguma mulher esperando-o e sofrendo pelo tempo que estava durando

seu desaparecimento? Temendo possivelmente que não voltasse?

Jay se sentia doente: suas únicas opções eram igual de más, todas significariam

pura tortura.

Podia lhe dizer a verdade e perdê-lo, além de, muito possivelmente, expô-lo a um

grande perigo, ou podia lhe mentir para protegê-lo. Pela primeira vez em sua vida, amava

a alguém com toda a força de seu coração, sem contenção alguma, e seus sentimentos a

impulsionavam para a única opção que podia tomar. Precisamente porque o amava, o

único que podia fazer era protegê-lo, por mais que isso lhe custasse.

Ao final, levantou-se e colocou sua roupa desordenadamente na mala, sem

preocupar-se de que pudesse enrugar-se. Dois meses atrás, encontrava-se em um

labirinto de espelhos, sem saber se os reflexos que via eram uma versão precisa de si

mesmo ou uma ilusão cuidadosamente construída. Pensou em seu moderno apartamento

de Nova Iorque e no muito que tinha sofrido ante a perspectiva de perdê-lo quando ficou

sem trabalho; de repente, era incapaz de recordar por que era tão importante para ela.

Sua vida inteira estava desbaratada, tinha começado a girar ao redor de um novo eixo.

Steve era o centro de sua vida e tinham deixado de sê-lo seu apartamento, o trabalho ou

a certeza de que terei que lutar para ganhar. Depois de anos de duro trabalho, estava

atirando tudo pela amurada pela simples razão de que queria estar com ele, e não havia

arrependimento nem momentos de nostalgia daquela vida. Amava-o. Amava o Steve, que

na realidade não era Steve. Mas a quem quer que fosse, amava-o.

Procurou uma caixa e guardou nela alguns objetos pessoais, como os livros e as

fotografias que levou de Nova Iorque. Levou menos de uma hora em preparar-se para

partir para sempre.

Enquanto guardava as coisas no carro, olhou cuidadosamente a seu redor,

perguntando-se se alguma daquelas pessoas que na realidade pareciam estar pendentes

só de suas coisas estariam na realidade vigiando-a. Possivelmente estivesse voltando-se

paranóica, mas tinham acontecido muitas coisas para dar nada por certo, nem sequer a

aparência de normalidade. Essa mesma manhã, tinha cruzado o olhar com uns olhos

ferozes e dourados e se deu conta de que tudo o que tinha passado durante os dois

Page 94: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

meses anteriores era uma áspera mentira. Tinham-lhe arrancado as ataduras dos olhos e

se converteu em uma mulher receosa.

De repente, sentiu a urgente necessidade de voltar a estar com ele. A insegurança a

fazia desejar desesperadamente sua companhia. Steve já não era um paciente que

necessitava de seus cuidados, a não ser um homem que, apesar de ter perdido a

memória, conhecia muito melhor que ela aquela realidade. A intuição e as reações de

Steve, que tanto a tinham intrigado, explicavam-se de repente por si mesmos, igual à

amplitude de seus conhecimentos sobre o mundo da política. Tinha perdido a memória,

mas continuava tendo a mesma preparação de sempre.

Frank e Steve estavam esperando-a pacientemente no quarto do hospital. Jay

conseguiu saudá-los com um sorriso; seus olhos voaram imediatamente para Steve. Este

se tinha posto uma calça cáqui e uma camisa branca arregaçada até os cotovelos.

Apesar do magro que estava, continuava transmitindo uma impressão de poder. E, uma

vez desaparecidas as ataduras de seus olhos, o último que parecia era uma pessoa

necessitada de cuidados.

Steve a percorreu com o olhar da cabeça aos pés, entrecerrando os olhos com uma

carga de sexualidade tão antiga como o mundo. Jay se sentiu como se estivesse

acariciando todo seu corpo, uma sensação que conseguiu assustá-la e excitá-la ao

mesmo tempo.

Steve se levantou lentamente, aproximou-se de seu lado e deslizou o braço por sua

cintura em um gesto indiscutivelmente possessivo.

–Chegou muito rápido. Não deve ter guardado muitas coisas na mala.

–A verdade é que não se pode dizer que tenha me esforçado muito fazendo as

malas, guardei tudo de qualquer jeito.

–Não tinha por que ter pressa. Não pensava ir a nenhuma parte sem você –

respondeu Steve, arrastando as palavras.

–Em todo caso, os dois terão que ir às compras –acrescentou Frank. – Eu não tinha

pensado nisso, mas Steve comentou que nenhum dos dois têm roupa apropriada para o

inverno do Colorado.

Jay olhou ao Frank, fixou o olhar em seus olhos claros e serenos, em seu amistoso

rosto. Durante aqueles dois meses, tinha sido uma rocha em que apoiar-se. Frank fazia

tudo o que estava em sua mão para que as coisas lhe resultassem mais fáceis, para que

se sentisse cômoda. E durante todo aquele tempo, tinha estado lhe mentindo. Inclusive

sabendo-o, não podia acreditar que tivesse outra razão para isso que tentar proteger o

Steve. E por isso o perdoava por completo. Ela estava disposta a fazer o mesmo, de

modo que o que podia argumentar contra ele?

Page 95: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Não é necessário que vamos às compras aqui – disse Steve. – Nem sequer em

Denver. Se formos à cidade, terminaremos comprando o que qualquer vendedor de uma

loja de departamentos considere que é a moda para este inverno. Será melhor que

paremos em qualquer loja de alguma cidade média, embora procurando uma que não

esteja muito perto da cabana. Possivelmente em alguma cidade situada a uns cinqüenta

quilômetros dali.

Frank assentiu ante sua implacável lógica, e também ante o tom autoritário que

começava a adquirir a voz de Steve. Estava tomando as rédeas da situação apesar de

que ninguém esperava que o fizesse. A amnésia não tinha alterado os principais traços

de seu caráter e Steve era um perito em logística. Sabia perfeitamente o que teria que

conseguir e como teria que fazê-lo.

Jay não mostrou surpresa alguma ante aquele tipo de precauções. Seu olhar

permanecia sereno. Depois de ter tomado uma decisão, estava perfeitamente preparada

para algo que ocorresse.

–Necessitaremos de armas? –perguntou. – Afinal, vamos estar em um lugar muito

solitário.

Jay odiava as armas e a violência, mas ao imaginar-se vivendo em um lugar tão

isolado do mundo via as coisas de maneira diferente.

Steve baixou o olhar para ela e esticou o braço ao redor de sua cintura. Ele já falara

das armas com o Frank.

–Não seria uma má idéia contar com um rifle.

–Terá que me ensinar a atirar. Jamais agarrei uma pistola –comentou Jay.

Frank olhou a hora.

–Farei uma ligação e iremos. Para que quando chegarmos ao aeroporto, o avião já

estará preparado.

–De que aeroporto sairemos?

–Do nacional. Voaremos até o Colorado Springs e faremos o resto do trajeto de

carro.

Satisfeito com o desenvolvimento dos acontecimentos, Frank foi fazer aquela

ligação. Na realidade fez duas ligações. Uma ao aeroporto, e outra ao Homem para pô-lo

à par de todo o ocorrido.

Capítulo 8

Depois de uma série de pequenos atrasos, era já fim de tarde quando o avião

decolou do aeroporto de Washington; o sol começava a ocultar-se no pálido céu invernal.

Era impossível que chegassem à cabana aquela noite, de modo que Frank fazia os

Page 96: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

acertos necessários para que pernoitassem em Colorado Springs. Jay ia sentada ao lado

da janela, com os músculos tensos e o olhar fixo naquele monocromático cenário que na

realidade não via. Tinha a sensação de estar saindo de uma vida para meter-se em outra

sem deixar nenhuma ponte que lhe permitisse voltar para a anterior. Nem sequer havia

dito a sua família aonde ia; embora não eram uma família particularmente unida, sempre

estavam a par de onde se encontrava cada um de seus membros. Jay não tinha visto

nenhum de seus parentes no Natal porque ficou no hospital com o Steve e naquele

momento se sentia como se seus vínculos com ele estivessem muito mais fortes.

Steve permanecia a seu lado, com as pernas estiradas, recostado em seu assento e

folheando uma revista. Ia completamente concentrado, como se estivesse faminto de

palavras escritas. De repente, suspirou e deixou a revista que estava lendo de lado.

–Tinha esquecido quão tendenciosa pode chegar a ser a informação –murmurou e

soltou uma gargalhada. – Igual a todo o resto.

A ironia de seu tom tirou Jay de seus pensamentos e a fez rir. Sorridente, Steve

voltou a cabeça para observá-la e esfregou os olhos para poder fixar a vista nela.

–A não ser que me estabilize a vista, vou ter que usar óculos para ler.

–Doem-lhe os olhos? –perguntou-lhe Jay, preocupada.

Steve tinha posto os óculos de sol ao sair do hospital, mas os tinha tirado quando

tinham subido ao avião.

–Tenho-os cansados e ainda há muita luz. Custa-me fixar o olhar, mas o cirurgião

me disse que isso poderia melhorar com o tempo.

–Poderia?

–Há cinqüenta por cento de probabilidades de que necessite de óculos –tomou a

mão e lhe esfregou a palma com o polegar. – Seguirá me querendo embora tenha que

usar óculos?

Jay conteve a respiração e desviou o olhar. O silêncio se fazia cada vez mais

espesso. Então Steve lhe estreitou a mão e sussurrou com voz rouca:

–De acordo, não te pressionarei. Ainda não. Já teremos tempo mais adiante.

De modo que pensava pressioná-la assim que estivessem sozinhos na cabana. Jay

se perguntava o que quereria exatamente dela: um compromisso sentimental ou só se

aproveitar de seu corpo? Afinal, levava dois meses sem ter relações sexuais. Nesse

momento, perguntou-se com que mulher teria se deitado pela última vez e o ciúmes a

abrasaram, fundindo-se com a dor. Teria significado algo aquela mulher para ele? Estaria

esperando-o, chorando pelas noites porque não telefonava?

Passaram a noite em um hotel de Colorado Springs. Ao chegar ao Colorado, Jay

tinha se surpreendido descobrir que havia só uma fina capa de neve no chão, em vez do

espesso manto que esperava, mas continuava caindo algum ou outro floco, que prometia

Page 97: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

mais neve para a manhã seguinte. O frio penetrava através de seu casaco e teve que

levantar as lapelas para protegê-las orelhas. Estava desejando poder comprar roupa que

a protegesse realmente do frio.

Steve estava cansado, aquele era o primeiro dia que passava fora do hospital, mas

ela também estava esgotada. Tinha sido um dia muito duro para ambos. Jay ficou

descansando em seu quarto enquanto Frank ia comprar uns hambúrgueres para o jantar.

Comeram no quarto do Frank e, assim que terminaram, Jay se desculpou e se retirou a

seu quarto. O único que queria era relaxar e ordenar seus pensamentos. Com essa

finalidade, deu-se uma longa ducha, e deixou que a água aliviasse a tensão de seus

músculos, mas lhe resultava difícil pensar coerentemente. O risco que estava assumindo

a assustava, mesmo assim sabia que não podia retroceder. Não podia e não o faria.

Amarrou com força o cinto do robe abriu a porta do banheiro e ficou completamente

gelada. Steve estava deitado em sua cama, com os braços atrás da cabeça e o olhar fixo

na televisão, de que tinha tirado o volume. Jay o olhou e desviou o olhar para a porta do

quarto, arqueando as sobrancelhas com expressão confusa.

–Acreditava que tinha fechado com chave.

–E o fez. Mas eu a forcei.

Jay não se moveu.

–Recordaste a técnica?

Steve a olhou, girou as pernas na cama e se sentou.

–Não, não recordei; simplesmente, sabia como se fazia.

Deus santo, o que outros talentos teria? Naquele momento, Steve lhe parecia um

homem perigoso, com aquele rosto duro e os olhos resplandecentes. Provavelmente era

capaz de fazer coisas que lhe provocariam pesadelos, mas não lhe tinha medo. Amava-o

muito. Tinha-o amado desde o momento em que tinha posado a mão em seu braço e

havia sentido sua vontade de viver vibrando em seu interior. Os nervos lhe puseram de

ponta quando Steve se levantou e diminuiu com uns poucos passos a distância que os

separava. Estava tão perto dela que tinha que elevar o olhar para poder lhe ver a cara.

Podia sentir o calor que emanava seu corpo e perceber o aroma masculino, o almíscar,

de sua pele.

Steve lhe emoldurou o rosto com as mãos e acariciou com o polegar as sombras que

o cansaço tinha deixado sob seus olhos, e que os fazia parecer de um azul muito mais

profundo. Jay estava pálida e nervosa, seu corpo tremia. Tinha estado cuidando dele

durante meses, passando todo o dia ao lado de sua cama, desejando que vivesse, que

saísse da escuridão. Aquela mulher tinha enchido sua vida de tal maneira que inclusive o

impacto de sofrer amnésia empalidecia frente ao feito de tê-la perto dele. Jay o tinha

tirado do inferno, e naquele momento era ela que estava submetida a uma forte pressão e

Page 98: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

ele era o elemento forte da relação. Podia sentir sua tensão vibrando como uma corda a

ponto de romper-se. Deslizou a mão por sua cintura e a estreitou contra ele. A outra mão

a afundou em seu cabelo e pressionou brandamente, só o suficiente para que apoiasse a

cabeça em seu ombro.

–Não acredito que isto seja uma boa idéia –sussurrou Jay. A camisa do Steve

amortecia o som de suas palavras.

–Me parece que é uma idéia estupenda –murmurou ele em resposta.

Todos seus músculos estavam em tensão e em suas vísceras crescia um ardente

desejo. Deus, desejava-a. Deslizou as mãos ao longo de seu corpo.

–Jay –sussurrou com aspereza, e se inclinou para ela.

A tórrida e ansiosa pressão de sua boca a fez enlouquecer. A carícia de sua língua

contra a dela provocou em seu interior um prazer tão penetrante que era quase

insuportável. Jay elevou as mãos ao longo das costas de Steve e se agarrou a ele com

todas suas forças. Logo que foi consciente do momento quando ele deu meia volta, com

ela ainda nos braços, e a fez voltar-se para trás enquanto deslizava o braço por debaixo

de seus joelhos.

Perdeu a sensação de equilíbrio, mas os braços de Steve a seguraram enquanto

caía para trás e sentia a seguir todo seu peso descendo sobre ela.

Tinha esquecido já o que era sentir a pressão de um homem sobre seu corpo e

inalou profundamente ao notar a rápida resposta que fluía por suas veias. Sentia a

pressão do peito do Steve sobre seus seios e a protuberância de seu sexo contra o

montículo de sua feminilidade. Steve a beijava uma e outra vez, detendo-se apenas para

deixá-la respirar antes de que sua boca voltasse a apoderar-se dela uma vez mais.

Estreitavam-se um contra outro enfebrecidos, desejando muito mais. Steve agarrou o

cinto do robe até afrouxar o nó e deixar que aparecesse o delicado tecido da camisola.

Emitiu um gemido de frustração ao encontrar-se com aquela barreira adicional, mas

nesse momento, estava muito impaciente para enfrentar-se a ela. Fechou a mão sobre

seu seio enquanto lhe acariciava o mamilo com o polegar.

Jay gemeu brandamente em sua boca.

–Não podemos –gritou. O desespero e o desejo a rasgavam.

–É um inferno –replicou Steve, pegando sua mão e aproximando-a da parte de seu

corpo que se esticava contra o tecido da calça.

Jay retrocedeu ante aquele contato. Uma careta de dor cruzou seu pálido rosto e

estendeu a mão involuntariamente, explorando as dimensões de sua excitação. Steve

conteve a respiração.

–Jay, querida, não pare agora.

Page 99: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Jay estava assombrada da rapidez com que a paixão tinha explodido entre eles; um

só beijo e já estavam deitados na cama. Os lábios lhe tremiam enquanto o olhava nos

olhos. Nem sequer sabia como se chamava! Os olhos se encheram de lágrimas e

pestanejou para afastá-las.

Steve gemeu ao ver as lágrimas que empanavam seu olhar e voltou a beijá-la com

tormentosa paixão.

–Não chore. Sei que estamos indo muito rápido, mas tudo vai sair bem. Nos

casaremos assim que possamos e faremos que nosso casamento funcione.

Jay tragou saliva compulsivamente e logo que conseguiu dizer:

–Nos casar? Está falando sério?

–Isto é tão sério como um ataque do coração, encanto –respondeu e esboçou um

sorriso.

As lágrimas voltaram aos olhos de Jay e de novo se obrigou a reprimi-las. Alagava-a

a tristeza. Não havia nada que desejasse mais que casar-se com ele, mas não podia.

Teria que casar-se com ele sob uma falsa identidade, fingindo que era alguém que não

era. Provavelmente, um casamento assim nem sequer seria legal.

–Não podemos –sussurrou, e uma lágrima se deslizou por seu rosto antes de que

pudesse detê-la.

Steve lhe secou a lágrima com o polegar.

–Por que não podemos? –perguntou-lhe com ternura. – Já fizemos em outra

ocasião. E desta vez, depois da experiência anterior, estou certo que saberemos resolver

tudo muito melhor.

–E se tiver tornado a te casar? –Jay se tragou um soluço enquanto procurava

freneticamente alguma desculpa. – Nem sequer sabe se há outra pessoa em sua vida. E

até que não recupere a memória, não poderemos estar seguros.

Steve ficou completamente paralisado e com um suspiro, deu meia volta e se deitou

de costas, com o olhar fixo no teto. Soltou uma maldição.

–De acordo –disse por fim. – Pediremos ao Frank que o averigúe. Diabos, Jay, estou

certo que já o investigaram! De fato, não é essa a razão pela que lhe pediram que você

fosse me identificar?

Jay viu a armadilha que ela mesma se estendeu quando já era muito tarde e

compreendeu também que Steve não ia renunciar. Com sua habitual e avassaladora

determinação, estava derrubando todos os obstáculos que se encontrava em seu

caminho.

–Poderia haver alguém... que te amasse. Alguém que estivesse te esperando.

–Não posso lhe prometer o contrário –respondeu Steve, voltando a cabeça para

olhá-la com aqueles olhos de predador. – Mas não há nenhum obstáculo legal. Não

Page 100: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

deixarei que te separe de mim por culpa de uma mulher desconhecida que pode seguir

me amando em alguma parte.

–Mas até que recupere a memória você tampouco pode saber se esteve apaixonado

por outra mulher.

–Sei –respondeu Steve apoiando-se sobre um cotovelo e inclinando-se para ela. –

Pode utilizar qualquer desculpa, mas a verdadeira razão é que te dou medo, não é

verdade? por que? Droga, sei que está apaixonada por mim, então qual é o problema?

Steve estava tão arrogantemente seguro de sua devoção que Jay sentiu raiva.

Embora só por um instante. Era verdade. O tinha revelado de mil maneiras diferentes.

Admitiu com voz trêmula:

–Sim, amo-te! –Não lhe servia de nada negar e dizendo-o em voz alta atenuava sua

própria dor.

O semblante de Steve se suavizou. Posou a mão em seu seio e o sustentou sob a

palma com delicadeza.

–Então por que não podemos nos casar?

A Jay resultava difícil concentrasse com a mão de Steve fazendo arder seu seio sob

o tecido de algodão. Seu corpo voltou a despertar a essa carícia. Desejava o Steve tanto

como ele a ela e negar-se a fazer o amor com ele era o mais difícil que tinha feito em sua

vida, mas não tinha outra opção. Até que recuperasse a memória, ela estaria em uma

espécie de limbo. Não podia aproveitar-se dele e deixar que se casasse com ela

pensando que era sua ex-mulher.

–E então? –exigiu-lhe Steve com impaciência.

–Amo-te –repetiu Jay com lábios trêmulos. – Volta a me pedir que me case contigo

quando tiver recuperado a memória e te direi que sim. Até então, até que ambos

tenhamos a segurança de que isso é o que quer... eu, simplesmente, não posso.

Steve endureceu seu semblante.

–Droga, Jay. Sei perfeitamente o que quero.

–Foram as circunstâncias que nos obrigaram a estar juntos! Não nos conhecemos

em condições normais. Você não é o mesmo homem com que me casei –e não podia

saber até que ponto era certo! – e eu não sou a mesma mulher. Necessitamos de tempo!

Quando recuperar a memória...

–Não me garantiram que vá recuperá-la - interrompeu, frustrado. – O que ocorrerá

se não a recupero alguma dia? Se o dano cerebral for permanente? Então o que?

Continuará me dizendo que não só ano que vem? Ou dentro de cinco anos?

–Não acredito que tenha uma lesão permanente –respondeu Jay com voz trêmula. –

Recuperaste a fala e as funções motoras muito rapidamente.

–Isso não tem nada que ver com a amnésia!

Page 101: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Estava furioso. Antes de que Jay pudesse mover-se, Steve se colocou sobre ela e

lhe segurou as mãos. Estavam tão perto que Jay podia ver as bolinhas douradas de sua

íris, suas pestanas frisadas e uma cicatriz na sobrancelha esquerda em que até então

não se fixou. Steve tomou ar e o soltou lentamente, deixando que o aborrecimento se

dissolvesse enquanto se movia contra o corpo suave dela, lhe permitindo sentir a dureza

de sua excitação.

–Não penso passar toda a vida esperando –lhe disse brandamente. – Vou fazer

amor contigo; se não for agora, será mais adiante.

Deu meia volta e se levantou, movendo-se com aquela agilidade tão particular que

se feito mais evidente desde que lhe tinham tirado as ataduras dos olhos. Havia indícios

dela quando ainda não via, manifestava-se no absoluto controle que tinha sobre seus

movimentos, mas naquele momento era esmagadora. Steve não só se movia, era como

se fluísse, como se seus músculos tivessem uma sorte de qualidade líquida. Jay

permanecia deitada na cama, com o corpo ardendo de frustração e a lembrança do

contato de seus corpos, com o olhar fixo na porta que Steve acabava de fechar atrás

dele.

Quem era realmente Steve? O medo voltou a apoderar-se dela, mas era medo por

ele. Steve era uma agente, isso era óbvio, mas não qualquer agente. Era evidente que

tinha recebido um treinamento de alto nível. E valia o suficiente como para que o governo

estivesse disposto a gastar uma fortuna em protegê-lo e organizar aquela elaborada

farsa. Se não tivesse sido por seus olhos, Jay nunca teria suspeitado de nada. Mas se

para o governo era tão valioso, por lógica, devia sê-lo também para seus inimigos.

Quantas mais medidas tomassem seus amigos para protegê-lo, mais medidas tentariam

tomar seus inimigos para encontrá-lo e acabar com ele.

E à medida que foram revelando-se novos traços de sua personalidade, ia

compreendendo o muito que estava em jogo.

Sua forma de mover-se, por exemplo, era tão graciosa e controlada como a de um

bailarino. Mas os movimentos de um bailarino eram poéticos, enquanto que os do Steve

eram cautelosos. E sua mente. Não lhe escapava nenhum detalhe. Estava treinado para

fixar-se em tudo. E era evidente o respeito que Frank lhe professava, outro sinal de sua

importância.

E estava em perigo. Possivelmente não fora um perigo iminente, mas sabia que

estava ali, esperando-o.

Às duas da madrugada, soou o telefone da habitação do Frank. Este soltou um

impropério sonolento enquanto alongava a mão com estupidez para o telefone. Não

acendeu a luz, algo que poderia alertar a qualquer um que estivesse vigiando-o. E

tampouco teve que perguntar quem era, porque só uma pessoa sabia onde estavam.

Page 102: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Sim? –respondeu em meio de um bocejo.

–Piggot tornou a aparecer –respondeu o Homem. – Em Berlim. Não pudemos

apanhá-lo a tempo, mas averiguamos que está à par de que há um homem que

sobreviveu à explosão e esteve fazendo averiguações.

–Funcionou nossa coberta?

–Se Piggot esteve fazendo perguntas, é porque deve ter alguma dúvida. Procura te

assegurar de que ninguém lhes segue o rastro. Não quero que ninguém saiba onde

estão. Como vão as coisas?

-Muito melhor do que me teriam ido se fosse meu primeiro dia fora de um hospital

em que tivesse estado ingressado durante dois meses. É muito mais forte do que

imaginava. E outra coisa; jamais o teria acreditado, mas acredito que se apaixonou por

ela. Não é só que dela dependa, acredito que é algo verdadeiramente sério.

–Ah! –respondeu surpreso seu interlocutor. Soltou uma gargalhada. – Enfim, isso

acontece com todos. Tenho o relatório médico definitivo. Se tiver alguma lesão cerebral, é

mínima. O fato de que tenha voltado a caminhar tão rapidamente é quase um milagre.

Com o tempo recuperará a memória, mas fará falta algo que a desencadeie. Poderíamos

levá-lo a ver sua família, ou fazê-lo voltar para casa, mas não podemos nos arriscar até

que tenhamos encontrado o Piggot. Até então, tem que continuar escondido.

–O dia que agarremos ao Piggot o diremos. Mas Jay... O que vai acontecer com ela?

Seu interlocutor suspirou. Parecia cansado.

–Esperemos que tenha recuperado a memória para então. Droga, precisamos saber

o que ocorreu e tudo o que averiguou. Mas, com memória ou sem ela, tem que ficar onde

está até que apanhemos o Piggot. De momento, terá que seguir sendo Steve Crossfield.

Steve despertou cedo e continuou deitado na cama, sentindo a fadiga que

continuava castigando seu corpo, ao igual à frustração sexual que o assolava desde fazia

várias semanas. Tinha-o tentado, mas nem sequer o regime de rigoroso exercício a que

tinha estado submetido tinha conseguido lhe devolver as forças até o ponto que lhe teria

gostado. No dia anterior o tinha deixado esgotado. Esboçou um amargo sorriso,

pensando que provavelmente tinha sido melhor que Jay o rechaçasse, porque havia

muitas possibilidades de que tivesse terminado derrubando-se em cima dela enquanto

faziam amor. Maldita fora.

Não pretendia ceder tão rapidamente ante suas negativas, mas a falta de força era

outra coisa. Tinha que voltar a estar em forma. E não era só porque o desgostassem sua

falta de força e suas limitações físicas; que tinha a sensação de que devia estar em plena

forma no caso de... No caso do que? Não sabia o que podia esperar que acontecesse,

Page 103: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

mas tinha uma sensação incômoda. Sabia que se surgia algo, tinha que estar em forma

para proteger Jay e poder dirigir qualquer situação.

Depois de levantar-se da cama, tomou a pistola que lhe tinham deixado na mesinha

de cabeceira e a colocou no chão, para tê-la à mão. Continuando, tombou-se ele no chão

e começou a fazer flexões de braços, contando em silêncio. Trinta era o limite. Ofegando,

deu meia volta e apoiou os pés na cama, colocou as mãos atrás da cabeça e iniciou uma

série de abdominais. As novas cicatrizes de seu abdômen lhe pulsavam cada vez que se

estirava e o suor empapava sua testa. Quando chegou a número dezessete, teve que

levantar-se. Amaldiçoando, baixou o olhar para seu corpo. Estava em uma forma física

penosa. Antes era capaz de fazer mais de cem flexões e abdominais sem que lhe

alterasse sequer a respiração.

Ficou muito quieto, à espera de que aquela brumosa lembrança se fizesse nítido, de

que se abrisse a porta da memória, mas não ocorreu nada. Por um instante, tinha podido

vislumbrar apenas o que tinha sido sua vida anterior, mas a porta do passado havia

tornado a fechar-se. Os médicos lhe haviam dito que não tentasse forçar a memória, mas

aquela porta fechada era como uma provocação. Havia algo que precisava saber e a

cólera crescia em seu interior porque não podia forçar seu caminho para o passado.

De repente, ouviu passos no exterior da habitação e rodou no chão, tomando a

pistola enquanto o fazia. Estirado no tapete, apontou para a porta. Os passos se

detiveram e uma voz disse:

–June, vamos. Precisamos começar cedo e já perdeste muito tempo.

Steve deixou escapar uma baforada de ar e se levantou. A pistola encaixava em sua

mão como se sempre tivesse estado ali. Era uma Browning automática de alto calibre.

Frank a tinha entregue no hospital, enquanto esperavam que Jay voltasse, e lhe havia

dito que ficasse só por precaução. Quando Steve a tinha tomado, havia-se sentido como

se, de algum jeito, houvesse tornado a ser o que era antes. Não tinha sido consciente do

pouco habitual que era para ele não ir armado até que se viu com aquela pistola entre as

mãos.

Aquelas reações explicavam muito do tipo de vida que fazia até então; para ele,

devia ser algo habitual ter uma pistola à mão inclusive quando fazia exercício, ao igual ao

considerar uns passos que se aproximavam como um possível perigo. Possivelmente Jay

tinha atuado de maneira inteligente ao divorciar-se dele na primeira vez. E possivelmente

não lhe estivesse fazendo nenhum favor ao obrigá-la a voltar para sua vida, tendo em

conta os muitos perigos que implicava.

A pistola que tinha na mão era uma peça obtida, mas aquela sensação não era

comparável a de sentir o corpo de Jay entre seus braços. Se tivesse que escolher entre

Jay e seu trabalho, perderia seu trabalho. A primeira vez tinha sido um maldito estúpido,

Page 104: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

mas não ia deixar escapar uma segunda oportunidade. Seu chefe, quem quer que fosse,

teria que lhe trocar de missão, a não ser que quisesse que os abandonasse para sempre.

Já não queria mais reuniões clandestinas, nem mais assassinos atrás dele. Diabos, já era

hora de que descansasse e deixasse que outros mais jovens tivessem uma oportunidade.

Tinha trinta e sete anos, tinha transbordado com acréscimo a idade em que a maioria dos

homens se casavam com suas mulheres e fundavam uma família.

Compraram botas, meias de lã e roupa íntima isolante em Colorado Springs; jeans e

camisas de flanela em outra cidade, e os gorros e as jaquetas em uma terceira. Jay

comprou também um jaquetão com capuz e duas camisolas longas de flanela. Os dois

veículos que Frank tinha conseguido eram dois jipes com tração nas quatro rodas e

pneus especiais para a neve, de modo que, apesar de que as nevadas foram fazendo-se

mais intensas à medida que avançavam, fizeram o percurso em um tempo aceitável.

Frank conduzia um dos carros, seguido por Steve e Jay. Esta última nunca tinha

conduzido um carro com marchas, então tinha deixado o volante ao Steve. No princípio

estava um pouco preocupada com suas pernas, mas ele não parecia ter nenhuma

dificuldade com os pedais, de maneira que, ao cabo de uns minutos, tinha deixado de

preocupar-se e tinha prestado atenção a magnífica paisagem que atravessavam. O céu,

que no início do dia estava espaçoso, ia adquirindo gradualmente uma cor plúmbea e de

vez em quando deixava cair algum ou outro floco de neve. O tempo não piorou muito

mais e continuaram fazendo uma boa viagem até que saíram da auto-estrada e tomaram

uma estrada secundária com muito menos tráfico e muita mais neve que os obrigou a

diminuir a velocidade. Continuando, Frank tomou uma péssima estrada pela que

atravessaram a montanhas durante o que a Jay pareceram horas e, ao final, voltou a

girar. Ela não era capaz de discernir estrada alguma, nem sequer um atalho.

Simplesmente, estavam conduzindo através das montanhas pela rota que parecia menos

difícil.

–Pergunto-me se saberá aonde vamos –comentou, agarrando-se a seu assento

enquanto o jipe dava um pulo.

–Sabe. Frank é um bom agente –respondeu Steve com ar ausente enquanto trocava

de marcha para subir uma colina.

Quando chegaram ao final, detiveram-se ante uma enorme pradaria que se estendia

vários quilômetros ante eles. Conduziram junto a uma linha de árvores até que a pradaria

se interrompeu bruscamente e dali desceram ao outro lado das montanhas. Depois

subiram uma nova montanha em que o caminho era um atalho apenas suficientemente

largo para que coubesse o jipe. A um lado tinham a fachada rochosa da montanha e do

outro, nada, salvo uma distância cada vez maior até o fundo do precipício. Percorreram

Page 105: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

depois a cúpula de uma montanha e chegaram até outra pradaria. Enquanto o sol ficava

atrás das cúpulas do oeste, Steve olhou com os olhos entrecerrados a linha de árvores

que tinham à esquerda.

–Ali deve estar a cabana.

–Onde? –perguntou Jay, erguendo-se em seu assento, e desejando poder sair do

carro para esticar as pernas.

–Nesse grupo de pinheiros, justo à esquerda.

Jay viu então a cabana e suspirou aliviada. Era uma cabana como outra qualquer,

mas sua visão lhe resultou tão grata como a do mais luxuoso dos hotéis. Estava

escondida sob as árvores e como tinha sido construída de costa, a fachada principal era

mais alta que a traseira; seis degraus de madeira conduziam a um alpendre que rodeava

a casa. Encostado a ela, havia um coberto para deixar os carros e uma pradaria que

conduzia até um abrigo.

Estacionaram os carros e saíram rapidamente, estirando as costas e os músculos

doloridos. O ar era tão frio que quase fazia dano respirar, mas o pôr-do-sol tingia os picos

nevados das montanhas de uma gama de tons vermelhos, dourados e violetas que

deixou Jay absorta na entrada, até que Steve lhe deu uma cotovelada para que ficasse

em movimento.

Tiveram que fazer três viagens para levar tudo ao interior. Depois, Frank conduziu

Steve ao abrigo para lhe ensinar como funcionava o gerador. Evidentemente, alguém o

tinha ligado, porque havia luz na casa e se ouvia seu zumbido ininterrupto. Jay revisou o

conteúdo da despensa e a geladeira, que encontrou cheias de latas e comida congelada.

Decidiu dar uma volta pela casa. Do lado da cozinha, havia um pequeno tanque com

uma máquina de lavar roupa e uma secadora. Não havia sala de jantar, a não ser uma

mesa de madeira redonda com quatro cadeiras colocada em um canto da cozinha. A sala

estava acolhedoramente mobiliada em estilo rústico, com os sofás estofados em veludo

cotelê. Um enorme tapete de tons azuis e marrons cobria o chão de madeira e uma das

paredes estava completamente ocupada por uma chaminé de pedra. Havia dois quartos

de igual tamanho, conectados através do único banheiro da cabana. Jay ficou olhando de

marco em marco um dos quartos. O coração lhe acelerou ao pensar que teria que

compartilhar o banheiro com Steve. Conhecia a intimidade das toalhas úmidas

pendurando lado a lado, dos artigos de penteadeira que terminavam mesclando-se, e

sabia o que significava compartilhar a pasta de dente. Aqueles pequenos detalhes da

convivência podiam ser tão sedutores como a intimidade física e terminariam fundindo

suas vidas em cada momento do dia.

Ouviu que se fechava a porta traseira. Steve a chamou imediatamente.

–Onde está? –por causa do frio, sua voz soava mais rouca do habitual.

Page 106: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Explorando a casa –respondeu, saindo do banheiro e cruzando a porta do quarto. –

Se importa que fique com o quarto que dá à fachada principal? Tem a melhor vista.

A lenha já estava colocada na chaminé. Steve se inclinou, acendeu um fósforo com

o que prendeu um papel que colocou debaixo dos troncos e não respondeu até que se

endireitou.

–Me deixe vê-los primeiro.

Vagamente surpreendida, Jay se afastou para lhe deixar entrar. Steve estudou a

localização das janelas e as fechaduras. Abriu o armário, olhou-o e a seguir se dirigiu ao

banheiro.

–O banheiro conecta os quartos –assinalou Jay.

Steve grunhiu algo e abriu à porta do segundo quarto. As janelas estavam situadas

em uma das paredes laterais, mas devido à inclinação da pradaria, era mais fácil acessar

às janelas do quarto traseiro de fora.

–Muito bem –respondeu depois de revisar as fechaduras. – Mas quero que fique

muito claro que se ouvir algo durante a noite tem que despertar, de acordo?

–Sim –respondeu Jay com um nó na garganta.

Aquela cautela era como uma segunda natureza nele. Steve devia opinar que,

apesar de todas as precauções que Frank tinha tomado, continuavam correndo algum

perigo. Jay queria pensar que naquele lugar estavam a salvo, mas possivelmente não o

estivessem. o melhor que podia fazer era não discutir com ele.

Steve a olhou e suavizou ligeiramente sua expressão dura.

–Sinto muito, suponho que estou exagerando ante uma situação estranha. Não

queria te assustar.

Como a tensão continuava sem desaparecer dos olhos de Jay, aproximou-se dela,

emoldurou seu rosto com as mãos e a beijou. Jay abriu seus suntuosos lábios e Steve

deslizou a língua no interior de sua boca. Ela posou as mãos em seus ombros e desfrutou

ao sentir o corpo de Steve. Na cabana não fazia frio, mas certamente tampouco calor.

Steve a sustentou contra ele durante uns segundos e a soltou com inapetência.

–Vejamos se há algo comestível neste lugar. Se não comer algo logo, vou desmaiar.

Não estava exagerando, compreendeu Jay. Podia sentir o débil tremor de seus

músculos, um sinal da tensão a que tinha submetido seu corpo durante todo o dia.

Jay lhe rodeou a cintura com o braço enquanto se dirigiam a sala.

–Já revisei a despensa. Temos tudo o que possamos desejar, sempre se nos

conformarmos com uma comida simples. Se quiser lagosta ou trufas, má sorte.

–Conformarei-me com uma lata de sopa –disse cansado, e gemeu enquanto se

sentava em uma das cômodas cadeiras da sala. Esticou as pernas e esfregou as coxas.

Page 107: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Podemos comer algo melhor –disse Frank ao ouvir aquele comentário. – Acredito,

reconheço que não sou muito bom cozinheiro –olhou Jay com expressão esperançada e

esta soltou uma gargalhada.

–Verei o que posso fazer. A verdade é que sou um ás com o microondas, mas não vi

que aqui tenhamos um, assim ando um pouco perdida.

Estava muito cansada para tomar-se muitas moléstias, mas não lhe custou nenhum

esforço abrir duas latas de carne guisada e as esquentar, nem tampouco descongelar uns

pãezinhos no forno.

Comeram quase em completo silêncio. Quando terminaram, Frank recolheu a mesa

e esfregou os pratos e tomaram banho por turnos. Às oito, Jay e Steve estavam em seus

respectivos quartos e Frank se envolveu em uma manta no sofá.

Levantaram-se cedo à manhã seguinte e depois de um apetitoso café da manhã,

Frank e Steve foram dar um passeio pela neve. A cozinha e o aquecedor funcionavam

com gás e o depósito estava cheio. Não teriam que voltar a preenchê-lo até a primavera.

O tanque de gasolina do gerador teria que preenchê-lo, mas o único que podia fazer

Steve era chamar Frank e lhes levariam o combustível de helicóptero. Não queriam que

se aproximasse ninguém à cabana e, em qualquer caso, o caminho era muito abrupto

para que pudesse acessar até ali uma caminhonete normal. Era um localização

complicada, mas isso significava também que era um lugar extraordinariamente seguro.

Mesmo assim, e embora contavam com todo o necessário para uma estadia prolongada,

Frank não podia evitar desejar que Steve recuperasse logo a memória para poder pôr fim

a tudo aquilo, ou que Piggot fosse detido o quanto antes.

–A população mais próxima é Black Bull, que está a uns cinqüenta quilômetros –

disse Frank. – Tem que ir pela pista e girar à direita. Ali há uma loja onde poderão

encontrar comida e algumas coisas básicas. Se quiser algo especial, terão que ir algo

mais longe, mas procura não te deixar ver muito. Deixei-lhes dinheiro suficiente para dois

meses, mas se necessitar de algo, faça-me saber.

Steve olhou para a pradaria nevada. O ar era claro e o sol da manhã brilhava com

tanta força em um céu sem nuvens que lhe doíam os olhos. O ar gelado abrasava seus

pulmões. Aquele lugar era tão grande e estava tão vazio que lhe transmitia uma sensação

inquietante, mas, ao mesmo tempo, sentia-se quase satisfeito. Estava impaciente para

que Frank se fosse para poder ficar por fim sozinho, completamente sozinho, com Jay.

–Aqui está a salvo –acrescentou Frank. – O Homem o utiliza de vez em quando –

olhou para a cabana. – Não teria trazido Jay até aqui se não fosse um lugar seguro. Ela é

uma civil, assim cuide dela.

Steve experimentou uma espécie de nova consciência quando Frank mencionou o

Homem. Não era uma sensação de perigo, mas sim mais de emoção. A lembrança estava

Page 108: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

ali, mas os efeitos da explosão continuavam impedindo que fosse consciente dele. E o

Homem era outra peça daquele quebra-cabeças.

Estreitou a mão de Frank e se olharam nos olhos com a camaradagem de dois

homens que tinham deslocado muitos perigos juntos.

–Provavelmente não voltará a ver-me até que tudo isto tenha terminado, mas

estaremos em contato –lhe disse Frank. – Será melhor que vá. Supõe-se que esta tarde

vai voltar a nevar.

Retornaram ao interior da cabana, Frank reuniu suas coisas e se despediu de Jay.

Esta o abraçou com os olhos brilhantes. Frank tinha sido um sólido apoio durante esses

dois meses e sentiria falta dele. E também tinha sido uma espécie de barreira entre ela e

Steve; quando se fosse, ficariam completamente sozinhos.

Olhou o Steve e o descobriu observando-a intensamente. Seus olhos resplandeciam

como os de um predador que acabara de distinguir a sua presa.

Capítulo 9

Jay virtualmente esperava que Steve se equilibrasse sobre ela, mas, para imenso

alívio dele, parecia ter outras coisas em mente. Durante a semana seguinte, passou-se o

dia percorrendo a cabana e o abrigo e explorando a pradaria com a mesma tensão de um

gato em um lugar desconhecido. As horas que passava caminhando pela neve o

esgotavam e era freqüente que se fosse dormir pouco depois de jantar. Jay estava

preocupada, até que compreendeu que aquilo fazia parte do processo de recuperação. A

reabilitação a que tinha estado submetido no hospital tinha sido um começo, mas ainda

faltava um longo caminho até que recuperasse suas forças e aquelas caminhadas

serviam a dois propósitos: ajudavam-no a familiarizar-se com um território novo e a

restabelecer sua capacidade de resistência. No final da semana, Steve começou a

relaxar, mas mesmo assim, saía cada dia para percorrer os arredores da cabana e a

comprovar se tinha chegado algum intruso.

Estavam tão isolados que Jay não podia entender tantas precauções, mas supunha

que era algo muito enraizado nele. E observá-lo a ajudava a conhecer melhor o homem

que era. Parecia saber muito bem o que fazia! Era incrível, ele fazia tudo por instinto, sem

necessidade de recorrer à memória.

Quando esteve mais forte, começou a cortar madeira com o fim de ter um bom

fornecimento de lenha para a chaminé. Utilizavam-na como principal fonte de calor, para

economizar combustível. A cabana estava construída com bons isolantes e bastava

acendendo a chaminé para mantê-la a uma temperatura agradável. No princípio, Steve

terminava com bolhas nas mãos, apesar das luvas, mas pouco a pouco foi endurecendo a

Page 109: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

pele. Ao cabo de um tempo, somou o esporte a suas atividades. Saía para correr todos os

dias, mas não o fazia pela pradaria, mas sim pelo bosque. Subia e descia colinas

escolhendo deliberadamente a parte mais abrupta do caminho e cada dia notava as

pernas mais fortes e a respiração menos alterada, de modo que continuava forçando-se.

Jay adorou aqueles primeiros dias na cabana, em meio daquela vasta e silenciosa

pradaria. Às vezes, o único que se ouvia era o assobio do vento entre as árvores. Tendo

passado a vida inteira imersa no bulício da cidade, aquele espaço e aquele silêncio a

faziam sentir-se como se acabasse de renascer a um novo mundo. Os últimos vestígios

de tensão de sua antiga vida foram desvanecendo-se. Estava sozinha no meio das

montanhas com o homem a quem amava. E estavam a salvo.

Steve começou a lhe ensinar a conduzir um carro com marchas. Para Jay era

divertido ir ricocheteando com o jipe pela pradaria. Para o Steve, era uma medida

precaução, se por acaso lhe ocorria algo e Jay tinha que ver-se obrigada a conduzir.

Chegado o momento, aquilo poderia lhe salvar a vida.

Quando levavam três semanas ali, caiu uma forte nevada. Jay despertou cedo em

um mundo de que parecia ter desaparecido qualquer som. Levantou-se e apareceu à

janela para contemplar o manto pela neve e voltou para a cama, onde ficou

imediatamente adormecida. Quando despertou pela segunda vez, eram quase as dez e

se sentiu maravilhosamente descansada, além de faminta.

Vestiu-se rapidamente e escovou o cabelo, perguntando-se por que estaria tão

silenciosa a cabana. Onde estaria Steve? Foi buscá-lo em seu dormitório, mas o

encontrou vazio. Havia uma cafeteira preparada na cozinha. Jay tomou uma xícara de

café olhando pela janela, procurando entre as árvores alguma sinal do Steve. Mas não viu

nada.

Cada vez mais intrigada, terminou o café e voltou para o quarto para calçar as botas;

depois vestiu a jaqueta e um gorro de lã. Não era normal que Steve saísse sem lhe dizer

aonde ia nem quanto tempo pensava estar fora. Perguntou-se o que estaria fazendo e por

que não a tinha despertado. Teria sofrido algum acidente?

Angustiada, saiu pela porta traseira.

–Steve? –chamou-o baixinho, temendo elevar a voz.

A pradaria continuava em silêncio e, pela primeira vez desde que tinha chegado, a

solidão lhe resultou ameaçadora. Haveria alguém lá fora?

Os rastros de Steve eram visíveis na neve. Era evidente que tinha feito algumas

viagens até o montão de lenha para repor a que faltava na casa, porque depois das

marcas de seus passos se distinguia o rastro deixado pelos troncos; depois tinha subido a

colina para entrar no bosque. Jay tirou as luvas do bolso do casaco e os pôs, e logo

desejou ter posto também um cachecol para proteger o nariz e a boca. Fazia tão frio que

Page 110: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

o ar parecia quebrar-se. Subiu a gola da jaqueta e começou a seguir o rastro do Steve,

procurando posar o pé em seus rastros, porque dessa forma era mais fácil abrir-se

caminho entre a neve.

A neve não era tão profunda entre as árvores, de modo que o mais simples teria sido

caminhar por ali, mas não queria perder os rastros do Steve. Os ramos das árvores se

dobravam sob o peso da neve. Jay logo que podia ouvir sua própria respiração, seu som

sucumbia afogado no ranger de suas botas sobre a neve. Queria voltar a chamar o Steve,

mas não se atrevia. Parecia-lhe um sacrilégio quebrar aquele silêncio.

Se acaso, procurava inclusive ser mais silenciosa, caminhava camuflada entre as

árvores, tentando converter-se em parte do bosque. De repente, perdeu o rastro do

Steve. Ficou quieta sob os ramos de um abeto e olhou a seu redor, mas não havia mais

por onde seguir. Era impossível caminhar pela neve sem deixar rastro! Mas não havia um

só rastro sob as árvores. Olhou para cima, perguntando-se se Steve se teria subido em

uma árvore e estaria burlando-se dela. Mas nada.

O senso comum lhe dizia que aquilo era uma espécie de truque, mas os rastros de

Steve deveriam ter aparecido por alguma parte. Pensou um momento e começou a

caminhar lentamente, ampliando o círculo de seus passos. Em algum momento teria que

cruzar-se com seu caminho.

Quinze minutos depois estava furiosa. Maldito fosse! Estava jogando com ela, e

aquele era um jogo injusto, tendo em conta sua preparação. Estava ficando gelada, e

além disso tinha fome. Deixaria que ele jogasse com Daniel Boone; ela pensava retornar

imediatamente à cabana e preparar o café da manhã... para ela sozinha!

Já só por malícia, retrocedeu com o mesmo sigilo com o que tinha chegado até ali;

possivelmente conseguisse deixá-lo no bosque, escondendo-se em meio da neve

enquanto ela estava já de volta na cabana, cômoda e aquecida e desfrutando de um bom

café da manhã. Estava convencida de que Steve voltaria minutos depois, todo inocência,

e poderia preparar-se condenadamente bem seu próprio café da manhã!

Empreendeu o caminho de volta à cabana, escondida entre os troncos das árvores e

detendo-se de vez em quando para escutar algum som que traísse o Steve antes de

correr até a seguinte árvore e dali olhar em todas as direções. Sua indignação crescia e

começou a pensar em possíveis vinganças, mas quase tudo o que lhe ocorria lhe parecia

infantil e estúpido. O que de verdade gostaria de fazer era lhe bater. Forte. E mais de uma

vez.

Acabava de começar a rodear uma árvore quando lhe puseram os cabelos de ponta

e ficou completamente paralisada. O coração lhe deu um tombo no peito, como se

quisesse lhe advertir do perigo. Não podia ouvir nem ver nada, mas podia sentir algo ou

alguém perto dela. Haveria lobos naquelas montanhas? Ursos? Sem mover nada, exceto

Page 111: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

os olhos, olhou a seu redor procurando algo que pudesse utilizar como arma e ao final

distinguiu o perfil de um tronco enterrado na neve. Agachando-se centímetro a

centímetro, alcançou o pau. Tinha todos os sentidos alerta.

E de repente, algo duro e pesado a golpeou no meio das costas e sentiu um golpe

no braço. Em menos de um segundo, encontrou-se deitada na neve, com os pulmões

lutando para tomar ar e o braço completamente inutilizado. Nem sequer podia gritar.

Estava deitada de costas e viu uma chama de reluzente metal contra seu pescoço.

Atônita, assustada e incapaz de respirar, elevou o olhar para uns olhos

entrecerrados e da mesma cor que os de uma águia.

Os olhos se abriram como pratos ao reconhecê-la e voltaram a fechar-se outra vez.

Steve guardou a faca em sua capa e levantou o joelho do peito de Jay.

–Droga, poderia ter te matado! –rugiu com uma voz metálica. – Que demônios está

fazendo?

Jay ofegava e se contorcia no chão enquanto se perguntava se poderia morrer pela

falta de ar. O peito lhe ardia e não conseguia fixar a vista.

Steve a sentou bruscamente e lhe golpeou com força nas costas. Doía-lhe, mas pelo

menos conseguiu que o ar retornasse a seus pulmões. Esteve a ponto de asfixiar-se

quando seus pulmões voltaram a expandir-se e os olhos lhe encheram de lágrimas.

Ofegou, tossiu e Steve continuou lhe batendo as costas enquanto lhe dizia com dureza:

–Ficará bem. Em todo caso, é menos do que merece. E imensamente menos do que

poderia ter acontecido.

Jay não o tinha planejado. Viu o pau pela extremidade do olho, que pretendia agarrar

quando Steve a tinha golpeado, e o seguinte que soube foi que o tinha na mão. O sangue

lhe nublava a visão enquanto se girava para o Steve com toda a força que lhe dava sua

raiva. Este esquivou o primeiro golpe com uma maldição e retrocedeu para escapar do

segundo. Jay se moveu para a esquerda, tentando encurralá-lo contra uma árvore para

que não pudesse escapar tão facilmente e voltou a girar. Steve tentou lhe tirar o pau, mas

ela o agarrou pela mão e tentou lhe dar um novo golpe. Amaldiçoando outra vez, Steve

escapou e ela o golpeou nas costas com o pau justo no momento em que a investia com

suficiente força para deitá-la outra vez.

–Droga! –gritou, ajoelhando-se a seu lado e segurando-a pelas braços. – Fique

calma. Droga, Jay. Que demônios te passa?

Jay se retorcia sob suas mãos, tentando liberar-se. Steve esticou os joelhos a ambos

os lados de seu corpo enquanto continuava agarrando-a pelos braços. No final, ela deixou

de resistir e, em meio de sua impotência, fulminou-o com o olhar. Seus olhos pareciam de

fogo azul.

–Me solte!

Page 112: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Para que possa me bater com esse pau? Nem em sonho.

Jay tomou ar e tentou dizer com voz relativamente serena:

–Não te baterei.

–É obvio que não –grunhiu Steve.

Soltou-a, agarrou o pau e o lançou a vários metros.

Com a mão livre, Jay se limpou a neve da cara e lentamente, Steve foi diminuindo a

pressão sobre seu peito. Ela se sentou e tirou o gorro para lhe sacudir a neve.

Ajoelhado a seu lado, Steve lhe esfregava as costas.

–Agora me explicará o que se supõe que estava fazendo –lhe espetou.

Com a fúria bulindo ainda em seu interior, Jay se voltou para ele. Steve afastou a

cabeça bem a tempo para escapar de seu punho, mas o gorro empapado que Jay tinha

entre as mãos golpeou seu rosto com força suficiente para que lhe ardesse. E Jay

terminou de novo de costas no chão.

–Se me bater uma vez mais –lhe advertiu Steve entre dentes, – e não poderá te

sentar em todo um mês.

Jay o fulminou com o olhar.

–Tenta! Quando despertei e não te vi, pensei que podia te haver ocorrido algo e vim

te buscar. Depois começaste a te esconder na neve com seus truques de Super Espião,

para que não te encontrasse até que me cansei e decidi retornar à cabana. E depois me

atira ao chão, põe-me uma faca no pescoço e grita comigo! Merecia-te que tentasse te

bater com um pau.

Steve a olhou reparando então em seu cabelo revolto, na fúria de seus olhos azuis e

na determinação que refletiam aqueles suculentos lábios. Soltou uma maldição, afundou

os dedos na espessa juba e procurou sua boca. Foi um beijo entre furioso e faminto.

Apossou-se dele a necessidade selvagem de sentir seus lábios, de deslizar a língua no

interior de sua boca, de saboreá-la. Jay lhe deu uma patada e ele se moveu rapidamente.

Colocou o joelho entre suas pernas e se instalou entre elas, capturando-a contra a neve.

Jay gemeu e Steve deslizou a língua em sua boca.

De repente, Jay se sentiu arder. Sua fúria se transformou em algo diferente, em uma

paixão candente. Afundou as mãos em seu cabelo e lhe segurou pela nuca enquanto lhe

devolvia o beijo com um ardor idêntico ao dele. Steve movia os quadris contra ela com um

ritmo primário, investindo como se dessa forma negasse as capas de tecido que os

separavam, e Jay sentia que seu sangue se acendia como a lava de um vulcão.

Com gestos bruscos, Steve lhe desabotoou a jaqueta e procurou seus seios, mas a

camisa e o sutiã continuavam separando o de sua pele. Aquele contato não era

suficiente. Desabotoou-lhe a camisa com precipitação, fazendo saltar três botões, e

também a abriu. O ar gélido acariciou sua pele e Jay gritou, mas Steve amorteceu seu

Page 113: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

grito com um beijo. O sutiã era de fechamento frontal; Steve o desabotoou com facilidade

e afastou as taças de seus seios cheios. Os mamilos de Jay se endureceram ao contato

com o frio e Steve os sentiu cravar-se contra as palmas de suas mãos quando quis

acariciá-la.

Elevou a cabeça.

–Me deixe entrar em ti –lhe pediu. – Agora.

Posou a boca sobre um dos mamilos e sugou com força ao tempo que o rodeava

com a língua e escutava os sons de prazer que escapavam da garganta de Jay.

Esta acreditou que ia morrer de desejo, apesar do muito que Steve a tinha

assustado; apesar de que a tinha feito se zangar como não recordava que o tivesse feito

nenhum outro ser humano. Mas Steve tinha desatado também uma paixão que tinha

formado sempre parte de sua natureza e que naquele momento estava escapando de seu

controle. As mãos lhe tremiam, o corpo inteiro lhe tremia. E queria mais.

Steve afastou a boca de seu seio e Jay gemeu ao receber o impacto do ar gélido

sobre sua pele nua. Seus olhos se encontraram; os de Jay aturdidos e transbordantes

daquela repentina paixão. Os do Steve entrecerrados e ardentes. E Jay soube o que ele

desejava; sabia que estava lhe pedindo em silencio permissão. E sabia que ao menor

gesto de concordância, Steve faria amor com ela sobre a neve. E todo seu corpo vibrava

lhe pedindo que lhe desse permissão. Jay começou a sussurrar seu nome; e o terror a

banhou como um jarro de água gelada enquanto elevava o olhar para seu duro rosto

enquanto ele esperava uma resposta.

Não sabia como se chamava! Podia chamá-lo Steve, mas sabia que não era Steve.

Seu rosto não era o do Steve. Sabia que o amava, mas era um desconhecido.

Steve encontrou a resposta na repentina rigidez do corpo do Jay. Soltou um

juramento enquanto se levantava e se esfregava o pescoço com a mão, como se assim

pudesse aliviar a tensão. Jay tentava abotoar a camisa, mas lhe faltavam três botões e as

mãos lhe tremiam fazendo que resultasse impossível a tarefa, assim ao final se limitou a

abotoar a jaqueta e se levantou. Minutos antes estava ardendo, mas naquele momento,

sentia-se completamente gelada. Estava coberta de neve. Sacudiu a neve do cabelo, das

calças e da jaqueta o melhor que pôde e voltou a por o gorro de lã, mas estava

empapado, assim era preferível não levar nada na cabeça. Sem dizer uma só palavra e

sentindo-se incapaz de olhá-lo, começou a caminhar para a cabana.

Steve a agarrou com força pelo ombro e a fez dar meia volta.

–Me diga por que, droga!

Jay tragou saliva. Não pretendia detê-lo e na realidade não tinha forma de explicar o

medo com o que vivia cada momento do dia.

Page 114: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Já lhe disse isso em outra ocasião –conseguiu dizer por fim. – Tenho boas razões –

uma solitária lágrima se deslizou por seu rosto. Fazia tão frio que terminou convertida em

neve de sal antes de chegar a seu queixo.

O rosto de Steve mudou. Parte do aborrecimento e a frustração desapareceu

enquanto secava a lágrima de Jay com sua mão enluvada.

–De verdade? Essas boas razões não têm nenhum sentido para mim. É normal que

nos desejemos um ao outro. Durante quanto tempo acha que poderei viver como um

monge? E durante quanto tempo poderá viver como uma monja? Essa não é minha

vocação querida, e droga, afinal, esta não vai ser a primeira vez que faremos amor.

Jay pensou que ia começar a gritar de um momento a outro. Queria chorar e queria

rir, mas nenhuma das duas coisas tinha sentido. Queria lhe dizer a verdade, mas seu

maior medo era perdê-lo. Assim ao final lhe disse a verdade, ou pelo menos parte dela.

–Será a primeira vez –gemeu com a voz estrangulada. – E tenho medo.

Voltou a dar meia volta e Steve a deixou partir.

Quando chegou à cabana, Jay estava tremendo de frio. deu-se uma longa ducha de

água quente e vestiu roupa seca. Da cozinha, chegava até ela o aroma de café recém

feito. Deixando-se guiar pelo olfato, foi até ali e encontrou o Steve fritando bacon e

batendo ovos em uma tigela. Ele também trocou de roupa e Jay se sentiu vacilar pelo

impacto que lhe produziu o encontro e por algo do que de repente era consciente. Steve

era um homem alto e musculoso, ágil como um puma; os ombros e o peitilho da camisa

se esticavam sob seus fortes músculos. Durante as semanas que tinham passado ali,

tinha ganho peso e musculatura. O cabelo tinha crescido. Tinha um aspecto tão

selvagem, perigoso e acusadamente viril que Jay tremeu. Steve já não era um paciente.

Tinha recuperado sua saúde e sua força. Jay o tinha seguido até ali porque estava

preocupada com ele, porque, no fundo, para ela continuava sendo um guerreiro ferido.

Mas já não o era. Seu subconsciente o tinha reconhecido minutos antes, quando tinha

brigado com ele. Algo que não lhe teria ocorrido fazer uns dias antes.

Steve a olhou com expressão calculadora.

–Acabo de fazer café. Tome uma xícara. Ainda está um pouco trêmula. Tanto te

assusta a idéia de fazer amor comigo?

–É você que me assusta –não foi capaz de conter-se. – Quem é, o que é.

Steve ficou paralisado ao dar-se conta do que acabava de sugerir Jay.

–Antes me disse que estava empregando truques do Super Espião.

–Sim –sussurrou Jay, e decidiu que necessitava uma xícara de café.

Se serviu e fixou o olhar no vapor que se elevava do café antes de dar o primeiro

gole. Por que haveria dito isso? Não pretendia fazê-lo. Vivia angustiada, temendo dizer

algo que pudesse ativar sua memória e que Steve a deixasse, e temendo ao mesmo

Page 115: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

tempo que jamais recuperasse a memória. Estava apanhada porque não poderia querer o

Steve até que este recuperasse a memória e realmente a escolhesse. Se é que o faria.

Por que possivelmente decidisse partir para voltar para sua vida real.

–Eu acreditava que não sabia –respondeu Steve rotundamente.

Jay elevou a cabeça bruscamente.

–O que quer dizer?

–Tinha que haver algo mais que a possibilidade de que tivesse visto algo antes da

explosão. O governo não funciona dessa maneira. Me imaginava isso e Frank me

confirmou.

–O que ele te disse? –perguntou-lhe Jay com um fio de voz.

Steve respondeu com um sorriso desumano.

–Esse é o problema. Não pode me dizer nada mais devido às circunstâncias. Como

você imaginou isso?

–Da mesma maneira. Sabia que tinha que haver algo mais em tudo isto.

–Essa é a verdadeira razão para me recusar?

–Não –sussurrou ela.

O desejo e a dor se refletiam em seu olhar enquanto o olhava. Como podia doer

tanto amar a um homem? Mas doía, sobre tudo quando o homem era esse.

Todo o corpo de Steve estava tenso. Sua boca se converteu em uma dura linha.

–Deixa de me olhar assim –lhe disse com voz dura. – Senão não conseguirei

dominar a vontade de te tirar a calça e terminar fazendo amor contigo na mesa, e não

quero que as coisas sejam assim entre nós. Desta vez não. Assim deixa de me olhar

como se fosses derreter no caso de que te tocasse.

Jay desviou o olhar. Tinha-lhe provocado calafrios pensar no ato que Steve acabava

de descrever. Seria um ato nu, apaixonado, puramente sexual. Sabia que bastaria com

que ele a tocasse para que os dois ardessem de desejo.

Steve passou fora a maior parte do dia, mas a tensão que havia entre eles não

cedeu. Permanecia ali, tão espessa como a névoa. Quando a escuridão o obrigou a

retornar ao interior da cabana, os olhos pareciam lhe arder cada vez que a olhava.

Instintos que Jay nem sequer sabia que possuía, impulsionavam-na para ele, apesar de

que a razão se inclinava por não deixar que sua relação progredisse.

Aquela noite estava sozinha, na cama, com tanta vontade de ir buscá-lo e passar

aquela longa e escura noite entre seus braços que lhe doía. Steve tinha razão, o que

importavam suas razões? Já era muito tarde. Para bem ou para mau, apaixonou-se por

ele. Esse era o verdadeiro perigo, e fazia muito tempo que o estava correndo. Manter-se

afastada dele não faria que fosse menos doloroso o momento de perdê-lo.

Page 116: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Mas não podia ir a seu lado. Habitualmente, à luz do dia as coisas se viam de forma

muito distinta de quando se estava sozinha de noite na cama. Entretanto, a prudência não

era a única razão que a retinha. As circunstâncias nas que se encontravam já eram

suficientemente difíceis. Tinha que chamar a aquele homem por um nome que não era o

seu e fingir que era outra pessoa, mas ela queria poder olhá-lo nos olhos quando

fizessem amor. E desejava, mais que nenhuma outra coisa, saber seu verdadeiro nome,

ser capaz de pronunciá-lo de coração.

Durante aquela noite, soprou um vento quente que afastou as nuvens que os havia

cobertos de neve. A Mãe Natureza devia estar rindo de si mesmo porque com aquela

repentina ascensão das temperaturas começou a derreter a neve, oferecendo um avanço

da primavera para a que ainda faltava mais de um mês. A neve fundida gotejava das

árvores e fazia um ruído similar ao da chuva. Ouviam-se rangidos em meio da escuridão

da noite e os ramos deixavam cair sua carga branca ao chão.

Aquela repentina mudança de temperatura aumentou a inquietação de Jay, que

aquele dia se levantou ao amanhecer. Mal podia acreditar no que via quando apareceu à

janela. O vento quente tinha transformado a paisagem invernal em uma úmida pradaria

salpicada por emplastros de neve. A neve derretida continuava gotejando do telhado e o

calor lhe produzia a sensação de que a pele lhe ia explodir. Como podia ter ocorrido tão

rápido?

–Isto é um chinook, uma repentina quebra de onda de ventos quentes –explicou

Steve atrás dela.

Jay se voltou com o coração palpitante. Não lhe tinha ouvido aproximar-se; aquele

homem se movia com o sigilo de um gato. Parecia tão mal-humorado que Jay quase

retrocedeu. Seus olhos eram duros, gélidos, e uma sombra de barba cobria sua

mandíbula. Steve desviou o olhar para a janela.

–Aproveita-o enquanto possa. Será como uma primavera enquanto durem os ventos,

mas assim que se vão, retornará a neve.

Tomaram o café da manhã em silêncio e Steve abandonou a cabana imediatamente

depois. Mais tarde, Jay ouviu o golpe sólido da tocha sobre a lenha e apareceu à janela

da cozinha. Steve tinha tirado a jaqueta e estava trabalhando de camisa, deixando os

antebraços ao descoberto. Por incrível que parecesse, o suor tinha deixado marcas

escuras sob seus braços e nas costas. De verdade fazia tanto calor?

Jay saiu ao alpendre e elevou o rosto para o céu para desfrutar daquele quente e

doce vento. Era incrível! A temperatura parecia ter subido mais de dez graus e o sol

brilhava com força em um céu sem nuvens. De repente, os jeans e a camisa de flanela

lhe pareceram muito calorosos e em sua pele começou a brilhar uma pátina de umidade.

Page 117: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Como uma menina atordoada pela chegada da primavera, correu ao interior de seu

quarto e começou a desfazer-se daquelas roupas tão quentes. Não podia agüentar nem

um minuto mais. Queria sentir o ar nos braços nus; queria sentir-se fresca e livre como o

vento. Que importância tinha que o inverno fosse retornar em muito pouco tempo? Nesse

momento estavam na primavera!

Tirou do armário seu vestido favorito e o colocou pela cabeça. Era de algodão

branco, sem mangas, com o pescoço redondo e muito leve para aquela temperatura que

provavelmente não chegava nem a quinze graus, mas era o vestido que melhor se

adequava a seu humor. Algumas coisas se faziam com o único propósito de celebrar e

essa era uma delas.

Jay estava cantarolando enquanto começava a preparar o almoço; foi então quando

reparou em que Steve já não estava cortando lenha. Se tinha decidido partir justo na hora

de comer, comeria sozinha. Ainda não lhe tinha perdoado o ocorrido do dia anterior.

Ao ouvir ruído na parte dianteira da casa afastou a sopa do fogo e saiu. Steve tinha

aproximado o jipe até ali e o estava lavando. Era uma cena tão doméstica que Jay se

sentiu impulsionada a sair ao alpendre e sentar-se no último degrau para vê-lo trabalhar.

Steve elevou o olhar para ela. Seus olhos resplandeceram ao ver o vestido.

–Um pouco forçado, não acha?

–Estou cômoda –respondeu Jay, e era verdade.

O ar era ao mesmo tempo frio e quente e o sol brilhava com força, lhe provocando

uma sensação deliciosa. Steve também se tinha entregue a aquela agradável mudança

da temperatura desabotoando a camisa e tirando-a da cintura da calça.

Jay o observava enquanto ensaboava e enxaguava o carro alternativamente,

agachando-se em cada ocasião para tomar a mangueira. Ao final, abandonou o degrau e

se aproximou até ele.

–Você ensaboa, eu me encarrego da água.

Steve grunhiu:

–Espera por acaso que cheguemos a um pacto similar para lavar os pratos?

–Seria o mais justo. Afinal, eu estou me encarregando de cozinhar.

–Sim, claro. E eu tenho que comer o que prepara.

Jay o olhou com fingido horror.

–Pobrezinho. Tentarei fazer algo para te tirar essa horrível carga dos ombros.

–Todas as mulheres são iguais. Assim que um ri um pouco de vocês, voltam-lhes

desagradáveis. Há gente que não sabe agüentar uma brincadeira.

Jay apontou com a mangueira para a parte do jipe que Steve acabava de ensaboar.

Ele não teve tempo de retroceder e a água ensopou seu rosto e sua roupa. Retrocedeu

entre maldições.

Page 118: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Droga, Jay, olhe o que faz!

–Há gente que não sabe agüentar uma brincadeira –disse Jay com doçura, e girou a

mangueira para ele.

Steve soltou um grito ao sentir o impacto da água gelada e correu para ela cobrindo

o rosto com as mãos para esquivar o jorro de água. Jay ria e corria ao redor do jipe e

voltou a apanhar o Steve.

Este se jogou o cabelo empapado para trás; seus olhos tinham adquirido um brilho

perigoso.

–Agora verá –disse, começando a sorrir.

De um só salto, subiu no capô do jipe. Jay soltou um grito e começou a correr para a

parte de trás, mas a mangueira ficou presa entre as rodas do carro. E estava atirando

freneticamente dela quando Steve saltou ao chão e soltou uma gargalhada que fez que

Jay gritasse, soltasse a mangueira e saísse correndo em busca de refúgio.

Steve se apoderou da mangueira e rodeou o jipe para tirá-la das rodas. E

virtualmente se chocou com Jay.

–Espera –disse ela, rindo e suplicando ao mesmo tempo enquanto elevava a mão. –

É a hora de comer, vim te dizer que a sopa já está pronta... –um jorro de água empapou

seu rosto.

A água estava insuportavelmente fria. Jay soltou um grito e tentou fugir em busca de

um esconderijo, mas cada vez que se voltava, Steve estava atrás dela. Terminou

ensopada da cabeça aos pés.

Ao final, compreendeu que a melhor defesa era o ataque e saiu correndo atrás dele.

Steve ria como um louco, um som que cessou bruscamente quando Jay conseguiu elevar

a mangueira de maneira que a água caísse diretamente sobre sua boca. Os dois se

retorciam tentando recuperar o controle da mangueira, e os dois riam e gritavam enquanto

a água gelada caía sobre eles.

–Trégua, trégua! –gritou Jay, retrocedendo.

Ela não podia estar mais molhada, mas tampouco Steve.

–Rende-se? –perguntou Steve.

–O que é isso de render-me? –gritou Jay. –Nós dois estamos ensopados.

Steve considerou sua resposta e assentiu. Continuando, aproximou-se da torneira da

água para fechá-la e começou a recolher a mangueira.

–Sabe brigar sujo. É uma qualidade que aprecio nas mulheres.

–Sim, claro, agora tenta me adular para te assegurar de que não deixe de cozinhar

para ti.

–A situação é a que é: aceitarei de você tudo o que possa conseguir.

Page 119: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

De repente, desapareceu toda diversão de seu rosto. Steve deixou cair a mangueira

e se endireitou, olhando-a com expressão dura.

Jay sentiu que ficava sem respiração. Jamais lhe tinha parecido tão atraente como

naquele momento, completamente ensopado, com o cabelo grudado à cabeça e um brilho

intensamente viril no olhar.

Lentamente, ele deslizou o olhar pelo rosto de Jay e foi descendo ao longo de seu

corpo, tomando-se todo o tempo do mundo em desenhar sua silhueta com o olhar.

Então Jay se deu conta de que Steve estava vendo muito mais que sua silhueta. O

vestido de algodão branco parecia quase transparente e se colava a seu corpo como uma

segunda pele. Baixou o olhar. Tinha os mamilos endurecidos e erguidos, plenamente

visíveis sob o tecido de algodão que moldava também sua cintura e suas coxas. Com o

sol brilhando através do tecido, o amparo que lhe proporcionava o vestido era o mesmo

que se tivesse estado nua.

Jay elevou os olhos para ele e ficou gelada ao olhar o Steve no rosto. Este estava

olhando-a com uma expressão tão selvagem que o coração lhe deu um tombo e o sangue

começou a correr a toda velocidade por suas veias. As pernas lhe tremiam enquanto se

sentia cada vez mais úmida e quente. Tomou ar.

Steve elevou bruscamente a cabeça. Permaneceu imóvel um instante. Jay

entreabriu ligeiramente os lábios sem deixar de tremer. Os olhos pareciam lhe pesar.

Seus mamilos se converteram em pequenos círculos plenamente visíveis através do

tecido do vestido. Seus braços caíam flácidos a ambos os lados de seu corpo enquanto

permitia que Steve a olhasse.

Steve se estremeceu. E desapareceu sua capacidade de controle.

Jay não podia mover-se. Steve avançava para ela sem afastar o olhar de seu corpo,

sem ver nem ouvir nenhuma outra coisa, como se fosse um animal no cio.

A respiração do Steve era forte, profunda, suas narinas se abriam. A água gotejava

por seu corpo enquanto ele se movia. Jay esperava, tremendo de medo e de desejo,

porque Steve estava fora de controle e ela sabia. Era um terror excitante o que sentia,

paralisava-a e ao mesmo tempo a enchia de uma sensação de antecipação tão aguda

que resultava quase dolorosa.

Então Steve posou suas mãos sobre ela e Jay gemeu em voz alta, liberando

repentinamente toda a tensão.

Ela esperava que Steve a levantasse nos braços e a levasse a cama, mas ele não

estava para sutilezas. Naquele momento não lhe importava nada, salvo fazer amor nesse

mesmo instante. De modo que a deixou sobre a fria e úmida terra que, apesar dos ventos

quentes, conservava ainda o frio do longo inverno. Jay gritou ao sentir o frio glacial nas

costas. Arqueou-se involuntariamente, tentando evitá-la. Mas Steve pressionou,

Page 120: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

convidando-a de novo a deitar-se enquanto se colocava sobre ela e lhe subia a saia até a

cintura.

—Abre as pernas –lhe pediu.

A excitação se estendia a uma velocidade vertiginosa por todo o corpo de Jay.

–Sim –sussurrou, lhe cravando as mãos nos ombros.

Desejava-o tanto que não lhe importava o lugar em que estivessem nem quão

urgente fosse o desejo de Steve. Mais adiante, já teriam tempo para a sedução. E para

preocupar-se com o ocorrido. Naquele momento, o único que importava era aquela rápida

e primitiva união.

Não houve estimulação erótica, nem carícias, nem beijos. Os quatro meses que

tinham passado negando-se aquela intimidade tinham sido mais que suficientes. E por fim

se derrubaram as barreiras. Steve se desfez da calcinha de Jay pelo simples

procedimento de rasgá-la. Continuando, desabotoou-lhe a calça e a baixou só o

necessário. Insistiu a Jay a separar um pouco mais as pernas e se afundou nela.

Jay soltou um pequeno grito de dor quando Steve tentou penetrá-la sem consegui-lo.

Ele mudou imediatamente de postura e pressionou outra vez; naquela ocasião, afundou-

se plenamente nela. O impacto reverberou no corpo inteiro do Jay, e naquela ocasião,

gemeu.

Ele se apoiava sobre os cotovelos e Jay elevava seu olhar deslumbrado para ele. Os

olhos de Steve brilhavam com ferocidade, seu rosto era duro e intenso.

Jay arqueou as costas para aceitá-lo em seu interior com o coração a ponto de lhe

explodir de amor. Aquilo era o que queria, ver seu rosto, ver aqueles olhos de águia,

gravar aquela imagem em sua mente e em seu coração enquanto Steve imprimia rastro

em seu corpo. Com a terra gelada nas costas e o céu azul sobre suas cabeças, com o sol

resplandecente iluminando seu rosto, eram tão puros e primitivos como a paisagem que

os rodeava. Não importava como se chamasse, nem tampouco o que fizesse: aquele era

seu verdadeiro amor, seu homem.

E ela queria entregar-se a ele. Elevava os quadris para receber a força das

investidas de Steve e sentia como tremiam suas vísceras.

Steve gemeu algo ininteligível e deslizou os braços sob Jay para elevá-la um pouco

mais, como se quisesse que seus corpos se unissem até fundir-se, e se esvaziou nela.

Jay o abraçou com força, com as pernas ao redor de sua cintura e os braços em

seus ombros enquanto Steve se derrubava trêmulo sobre ela.

–Amo-te –lhe disse uma e outra vez.

Mas se limitava a mover os lábios e o único som que os rodeava era o do vento. Jay

fechou os olhos, sentindo o vento quente no rosto e o peso de Steve sobre ela, e soube

Page 121: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

que, passasse o que passasse quando aquele homem recuperasse a memória, com

aquele rápido e apaixonado ato a tinha feito sua de uma forma que nada poderia alterar.

Capítulo 10

Permaneceram juntos, muito quietos. O único que se movia a seu redor era o vento

que removia o ar. O único som era o das folhas das árvores. Jay ainda estava aturdida

pelo que acabava de ocorrer, com os sentidos tão afetados como se acabassem de

suportar uma tormenta. Era completamente incapaz de mover-se.

Steve, apoiando-se sobre suas mãos, incorporou-se e baixou o olhar para ela com

expressão tão feroz que Jay quase se encolheu sem saber muito bem por que. Ele soltou

uma maldição, com voz grave e profunda, enquanto separava seus corpos e se colocava

de joelhos a seu lado. A insegurança a paralisava enquanto quebrava a cabeça tentando

encontrar as razões de seu aborrecimento.

Steve subiu as calças, mas não se incomodou em abotoar, levantou Jay nos braços

e se incorporou com uma agilidade que deixava aparecer suas recuperadas forças. Subiu

os degraus do alpendre e entrou em grandes pernadas na casa sem dizer uma só

palavra. Uma vez ali, dirigiu-se ao banheiro. Depois de deixá-la na porta, inclinou-se para

abrir a torneira de água quente, endireitou-se e se colocou atrás dela.

O vestido estava desabotoado. Com muita delicadeza, o tirou pela cabeça,

deixando-a nua e tremendo tanto pelo frio como pelo ocorrido. Jay permanecia muito

quieta, com os braços caídos de ambos os lados de seu corpo, os olhos abertos como

pratos, aturdida e um pouco assustada enquanto o olhava. O que tinha feito de errado?

Steve a despiu rapidamente, meteu-a na banheira, meteu-se com ela e fechou o

biombo da ducha. Jay retrocedeu desconcertada pela quantidade de espaço que Steve

ocupava, e observou os tensos músculos de suas costas enquanto ajustava a

temperatura da água. A água quente começou a cair sobre suas cabeças, enchendo

aquele pequeno cubículo de vapor. Steve a colocou sob a água e ali a manteve apesar de

seus protestos.

–Tem que entrar em calor –lhe disse com voz dura enquanto lhe esfregava os

braços e os ombros. – Dá a volta e me deixe te lavar o cabelo.

Jay obedeceu, compreendendo que devia estar coberta de barro. Steve lhe

ensaboou e lhe enxaguou o cabelo com delicadeza. A combinação da água quente com

as carícias do Steve foi ajudando a Jay a entrar em calor. Primeiro Steve deslizou as

mãos por seus seios e seu abdômen, depois por suas pernas e seu traseiro e, ao final,

deslizou-a entre suas pernas.

A respiração de Jay se acelerava enquanto bulia em seu interior um intenso calor.

Page 122: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Steve diminuiu o ritmo de suas carícias e de repente, uma espécie de espasmo

esticou seus músculos faciais. Jay conteve a respiração enquanto ele acessava

tentativamente ao interior de seu corpo; apenas a roçava com as gemas dos dedos e

deslizou um só dedo em seu interior. Jay se agarrou a seus ombros, cravando as unhas

na pele úmida e sedosa de Steve. Sentia os seios cheios e ofegantes enquanto o

abraçava com agônica espera, esperando aquela pequena invasão e desejando muito

mais. Sentiu como se endurecia o sexo de Steve contra sua coxa e um repentino

estremecimento de prazer sacudiu seu corpo.

Steve murmurou algo, mas o som foi tão brusco que Jay não foi capaz de

compreendê-lo, de repente, sentiu sua boca devorando a dela. Cedendo completamente

ao desejo, deslizou as mãos por suas costas e seu pescoço.

Seus corpos ensopados se fundiam, o pêlo hirsuto do peito do Steve roçava os

mamilos de Jay; os músculos do estômago se ondulavam contra a suavidade de seu

ventre.

–Sim, sim –gemeu Jay.

–Sinto muito, querida –respondeu Steve com frenética urgência. Deslizou a boca por

seu pescoço, mordiscando aquela sensível pele e lambeu brandamente o canto que se

fazia visível o palpitar de seu pulso. – Não queria ser tão brusco.

Então essa era a razão pela que estava zangado. Na realidade não estava furioso

com ela, a não ser consigo mesmo. Mas nem sequer isso tinha sido suficiente para evitar

que desejasse fazer amor outra vez.

Jay podia sentir o desejo naquele enorme e poderoso corpo. E uma vez mais, aquela

perda de controle a emocionou e excitou de uma maneira quase primitiva. Jay tinha

estado casada, mas Steve nunca tinha perdido certa frieza, como se quisesse manter

sempre uma parte de si mesmo fora de seu alcance. E a faceta mais apaixonada de Jay

se ressentia, porque ela necessitava mais. Entretanto, o desejo parecia ter convertido em

um selvagem o homem que naquele momento tinha entre seus braços, o desejo lhe tinha

feito perder completamente o controle e a ferocidade de sua paixão estava à altura da

natureza apaixonada de Jay. Durante toda sua vida, tinha necessitado reações intensas

para encontrar certo equilíbrio; mas ao não poder contar com elas, tinha tido que refugiar-

se atrás de uma máscara de rígido controle da que só naquele momento estava

começando a liberar-se.

Agarrava-se a Steve como se fosse um marisco, todo seu corpo se ondulava contra

o dele.

–Amo-te –gemeu.

Era o único que podia dizer; a única verdade naquele labirinto de mentiras e

subterfúgios.

Page 123: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Steve afastou a boca de seu pescoço. Seu rosto estava tão perto do de Jay que o

único que podia ver ela era seu ardente olhar.

–Tenho-te feito mal ... –grunhiu.

Jay não podia negá-lo.

–Sim –respondeu, e procurou seus lábios para deslizar a língua no interior de sua

boca.

Steve a abraçou com tanta força que mal podia respirar. Mas nem sequer respirar

importava naquele momento. Quão único importava era beijá-la. Amá-la.

No final, Steve conseguiu resgatar os últimos vestígios de controle que ficavam. Os

suficientes para fechar a água e tirá-la da banheira.

Jay não deixou de agarrar-se a seu pescoço nem um só instante enquanto ele a

levava até a cama. Estavam ensopados, mas não lhe importava. O único que lhe

importava era sentir a boca ardente de Steve sobre seus seios, a carícia dos dedos sobre

sua pele sedosa e, por fim, a poderosa invasão de seu corpo.

E quando Steve se afundou nela, foi tal o impacto para todos seus sentidos que

gritou enquanto, instintivamente fechava as coxas, afundando-o ainda mais com aquele

movimento.

Steve apertava os dentes, tentando obrigar-se a permanecer quieto quando todos

seus instintos o impulsionavam a mover-se. O desejo era tão urgente que apagava todo o

resto. O mundo ficava reduzido à mulher que sustentava entre seus braços, a aquela

mulher que rodeava seu corpo de tal maneira que o estava levando a beira da loucura.

Mas pelo bem de Jay, tentou dominar-se até que estivesse mais cômoda com ele em seu

interior. Apoiando-se sobre os cotovelos para não deixar cair nela todo seu peso, baixou o

olhar para seu rosto e se estremeceu ao descobrir a intensa e arrebatada expressão de

Jay enquanto elevava tentativamente os quadris.

Escapou de seu peito um rouco gemido. Sabia que a vez anterior tinha sido muito

rude e rápido para permitir que ela desfrutasse, mas aquela vez, estava compartilhando

seu prazer.

Entreabria os lábios em um sorriso tão feminino que Steve conteve a respiração.

–O que está esperando? –sussurrou Jay, devorando-o com o olhar.

–A ti –respondeu Steve.

E inclusive enquanto se perdia no arrebatado êxtase de fazer amor com ela, aquela

verdade seguiu ressonando no ar. Tinha-a estado esperando sempre.

Steve era um homem de sono leve. Até tal ponto que, inclusive quando ficou

adormecido depois de fazer amor, notava a umidade dos lençóis, um desconforto em que

até então nenhum deles tinha reparado. Jay permanecia entre seus braços, exausta e

Page 124: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

profundamente adormecida; Steve não queria incomodá-la, mas tampouco queria que

ficassem gelados por culpa da umidade dos lençóis. De modo que se levantou da cama,

agarrou Jay nos braços e a levou ao outro quarto para que pudesse dormir entre lençóis

secos. Ela gemeu enquanto a deixava na cama, mas voltou a relaxar-se assim que Steve

começou a lhe acariciar as costas. Ele se reuniu com ela na cama e Jay se enroscou

entre seu forte e possessivo abraço.

O que Steve sentia por ela era tão intenso que podia resultar quase doloroso.

Inclusive sem ter recuperado a memória, sabia que nenhuma outra mulher lhe tinha feito

perder o controle desse modo. Jamais tinha desejado a uma mulher tão intensamente e

jamais teria esperado tanto tempo como tinha esperado por ela. Jay eclipsava o resto de

suas preocupações. Graças a ela, não se tinha deixado afundar pela perda de cor e os

efeitos da amnésia se reduziram a uma peculiar irritação e a certo interesse e curiosidade

pelo que tinha esquecido. Sua vida passada não lhe importava porque Jay fazia parte de

seu presente. E estavam unidos de uma forma que ia muito além da memória.

Franziu ligeiramente o cenho enquanto a abraçava e deslizava a mão da curva de

sua cintura até o montículo de seu seio.

De todos os conhecimentos que ainda conservava, por que nenhum teria nada que

ver com Jay? Aquelas eram as lembranças que mais lhe doía esquecer. Queria recordar

todos e cada um dos minutos que tinha passado com ela, e queria recordar por que tinha

permitido que escapasse de seu lado. Queria lembrar do dia de seu casamento, da

primeira vez que tinha feito amor com ela. E a carência de toda lembrança relacionada

com Jay o devorava. Ela era o centro de sua vida, por que não havia nada que lhe

resultasse familiar? por que não havia sentido nenhuma classe de familiaridade ao

acariciar a textura sedosa de sua pele ou as curvas arredondadas de seus seios? por que

não tinha experimentado nenhuma sensação de familiaridade ao afundar-se no interior de

seu corpo? Havia se sentido como se tudo fosse completamente novo.

Jay se moveu ligeiramente contra ele e Steve deixou de acariciá-la para limitar-se a

olhá-la. Casariam-se assim que pudesse convencê-la. E depois do que tinham

compartilhado, tinha uma poderosa arma ao seu dispor.

De repente apareceu uma imagem em sua mente. Havia uma noiva rindo e um noivo

que parecia emocionado, orgulhoso, nervoso e impaciente ao mesmo tempo. O noivo

sacudia a cabeça, com um sorriso resplandecente, e a noiva o abraçava com força.

«Tem-no feito!», gritava exultante, «sabia que o faria».

Uma mulher mais velha e um homem da mesma idade o abraçavam com força.

«Me alegro de que tenha retornado, filho», dizia o homem e a mulher deixava cair

algumas lágrimas apesar de seu sorriso, um sorriso cheio de amor.

Page 125: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Depois aparecia outro grupo de gente que lhe estreitava a mão e lhe batiam as

costas e a cena se dissolvia em uma confusão de vozes.

Steve permanecia completamente quieto, apertando a mandíbula pelo esforço que

estava fazendo para não levantar-se imediatamente da cama. De onde diabos tinha saído

aquela lembrança? O homem lhe tinha chamado «filho», mas aquela expressão podia ser

uma amostra de afeto mais que a evidência de um tipo de relação. Ele não tinha família,

de modo que todos aqueles deviam ser amigos íntimos, mas Jay lhe tinha contado que

sempre tinha sido um solitário. Quais seriam aquelas pessoas? Estariam preocupadas

com ele? Saberia Jay algo sobre elas?

Diabos, aquela lembrança formaria parte de algo que realmente tinha passado, ou

seria uma cena procedente de alguma filme?

Um filme. Bastou-lhe pensar naquela palavra para que se desencadeasse uma nova

lembrança. Naquela ocasião com títulos de crédito incluídos. Era um programa especial

sobre o Afeganistão. Depois apreciou outro filme, protagonizada por um aclamado ator.

Era um bom filme. Mas de repente, a cena começava a transcorrer a câmara lenta. Steve

se viu a si mesmo em um telhado, com o mesmo ator, quando este estava manipulando

uma 45 automática e lhe apontando com ela. 45 era um assunto sério. Mas o homem

estava muito perto e muito nervoso. Steve viu a si mesmo equilibrando-se contra seus pés

e fazendo que saísse voando a pistola. O ator retrocedia cambaleando-se, tropeçava e

caía gritando até o chão de um edifício de cinco andares.

Steve fixou o olhar no teto da habitação, sentindo o corpo ensopado em suor. Aquilo

era outro filme? Quão único era capaz de recordar eram séries de televisão ou filmes? E

por que eram tão realistas? Tinha que perguntar ao médico a respeito, mas pelo menos

aquilo era um sinal de que estava recuperando a memória, justo como lhe haviam dito

que com muita probabilidade ocorreria. Em todo caso, precisava fazer uma viagem para

que lhe revisassem a vista. Custava-lhe muito ler e essa dificuldade não estava

diminuindo com o tempo. Necessitava de óculos. Óculos...

Um homem mais velho lhe sorria bondosamente, tirava-se uns óculos e os deixava

sobre uma escrivaninha.

«Felicidades, senhor Stone», dizia-lhe.

Steve dominou um juramento quando aquela cena desapareceu de seu cérebro.

Aquilo sim que era um mistério. Por que aquele homem ia chamá-lo de senhor Stone? A

não ser que estivesse utilizando um nome fictício. Sim, aquilo fazia sentido, a não ser que

fosse a cena de outro filme. Possivelmente fosse algo que tinha presenciado, e não algo

que tivesse ocorrido a ele mesmo.

Jay se estirou entre seus braços e despertou bruscamente. Elevou o olhar para ele e

perguntou alarmada:

Page 126: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–O que aconteceu?

Tinha percebido sua tensão, como a tinha sentido do primeiro momento. Steve

conseguiu esboçar um sorriso e lhe acariciar a face com o dorso da mão. Um tipo de

tensão muito diferente se apoderou de seus músculos.

–Nada –lhe assegurou.

Jay parecia tão sonolenta e sensual... Tinha as pálpebras semi-cerradas e a

sedutora boca cheia pelo contato de seus lábios. Olhou a seu redor.

–Estamos em meu quarto –disse perplexa.

–Mmm. Os lençóis de minha cama estavam úmidos, assim decidi te trazer aqui.

Um intenso rubor tingiu as bochechas de Jay quando pensou no motivo pelo que

estavam molhadas os lençóis, mas esboçou um sorriso de satisfação. Levantou a mão

para acariciar o rosto de Steve da mesma forma que ele tinha acariciado o dela: com

ofegante ternura, examinando cada linha de seu rosto e alimentando o desejo de seu

coração. Ela não era consciente de sua expressão, mas Steve a viu e seu coração se

contraiu. Teria querido lhe dizer que não o amasse daquela maneira, mas não o fez

porque era essencial para ele que Jay o amasse como a amava.

Esclareceu-se garganta.

–Temos que tomar uma decisão.

–Ah, sim? E sobre o que?

–Podemos nos levantar e comer o que preparou... –interrompeu-se para elevar a

cabeça e olhar o relógio – faz três horas, ou podemos tentar revirar também esta cama.

Jay considerou ambas as opções.

–Acredito que será melhor que comamos; senão, não terei energias para te ajudar a

revirar esta cama.

–Boa idéia.

Steve a abraçou, sem vontade de levantar-se apesar de sua própria fome, e deslizou

as mãos pela cintura de Jay. Depois, interrompeu-se um instante e posou as mãos em

seu ventre.

–A menos que queira que nos casemos este fim de semana, deveríamos fazer algo

para evitar uma gravidez.

Jay se sentia como se o coração lhe tivesse crescido de tal maneira que enchia todo

seu peito. Durante umas horas gloriosas, esqueceu-se de até que ponto estava

constrangida sua relação por aquele tortuoso labirinto de mentiras. Nada lhe teria gostado

mais que poder dizer que sim, que queria casar-se com ele, mas não se atrevia. Não

podia fazê-lo até que tanto ele como ela soubessem quem era realmente Steve. De modo

que se limitou a responder à parte referida aos anticoncepcionais.

Page 127: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Não temos que nos preocupar por isso. Estou tomando a pílula. O médico me

receitou faz sete meses porque estava tendo muitos desajustes com a menstruação.

Steve a olhou com os olhos entrecerrados e posou a mão em seu ventre.

–Ocorre-te algo mau?

–Não, era um dos efeitos do estresse que me causava o trabalho. Provavelmente

agora poderia prescindir dela –sorriu e voltou o rosto para ele, – se não fosse pelo

repentino rumo que tomaram os acontecimentos.

–Repentino... é um inferno! –grunhiu Steve. – Tive que esperar dois intermináveis

meses. Mesmo assim, poderíamos nos casar este fim de semana.

Jay se liberou de seu abraço e se levantou. Seu rosto refletia preocupação enquanto

vestia roupa íntima limpa e tirava um pulôver do armário.

Steve a observava da cama.

–Quero uma resposta –lhe pediu.

Jay se meteu o pulôver pela cabeça e afastou precipitadamente o cabelo da cara.

–Steve... –interrompeu-se. Quase lhe doía ver-se obrigada a utilizar aquele nome.

Mais que nunca queria... precisava saber qual era o verdadeiro nome de seu amante. –

Não posso me casar contigo até que tenha recuperado a memória.

Steve afastou os lençóis e se levantou em toda sua magnífica nudez. A Jay lhe

acelerou o pulso ao vê-lo. Todos os quilômetros que tinha percorrido e toda a madeira

que tinha cortado tinham servido para cobrir seu corpo de músculos. Salvo pelas

cicatrizes, Steve não tinha o aspecto de um homem que acabasse de sofrer um grave

acidente. O coração de Jay pulsava a um ritmo lento, pesado. Ela tinha acariciado seu

sexo, tinha desfrutado de sua palpitante invasão e tinha avivado o fogo com seu próprio

fogo. Ao igual a sentia a lassidão de diferentes parte de seu corpo, podia sentir como

crescia seu calor quando o olhava.

–Que importância pode ter que tenha recuperado ou não a memória? –espetou-lhe

Steve.

Jay elevou o olhar bruscamente ao compreender que ele estava zangado.

–Nenhuma outra mulher veio me procurar e sabe disso, assim não volte a utilizar

essa estupidez como desculpa. Por que vamos ter que esperar?

–Quero estar segura –respondeu Jay com voz nervosa.

–Droga, eu estou seguro!

–E como pode estar quando não sabe o que ocorreu? Não quero que te arrependa

de haver casado comigo quando recuperar a memória –tentou sorrir, mas mal que

conseguiu mover os lábios. – Estamos juntos e temos muito tempo pela frente. E por

enquanto, teremos que nos conformar com isso.

Page 128: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Steve se obrigou a conformar-se com isso. E em muitos aspectos, «isso» era muito

mais que suficiente.

Viveram juntos no pleno sentido da palavra, como casal, como amigos e como

amantes. As neves demoraram uma semana para voltar a aparecer e eles aproveitaram

aqueles dias para explorar até o último canto da pradaria. Steve lhe mostrou o sensor que

tinham instalado no caminho e lhe ensinou a utilizar o rádio e o computador. Era um alívio

não ter que lhe ocultar completamente até que ponto estava envolvido no mundo da

espionagem, embora Jay se zangou um pouco com ele porque até então não lhe tinha

falado do computador que havia no abrigo.

Steve gostava de lhe fazer perder a paciência. Era emocionante ver como estreitava

aqueles olhos azuis como se fosse um gato. Aquele era o sinal de que estava disposta a

atacar. O dia que Steve a tinha confundido com um intruso e a tinha atirado ao chão, a

raiva que tinha visto em seus olhos o tinha surpreendido, mas ao mesmo tempo lhe tinha

parecido excitante. A maioria das pessoas que conheciam Jay jamais a acreditariam

capaz dessa classe de aborrecimento, e muito menos de bater em alguém. Aquela reação

lhe havia dito muitas coisas sobre ela. Tinha-lhe revelado um aspecto apaixonado e

imprevisível de sua personalidade. Provavelmente eram muito poucas as pessoas

capazes de fazê-la zangar, mas ele podia fazê-lo porque Jay o amava. E depois de

zangá-la, Steve adorava brigar com ela e terminar fazendo amor.

Fisicamente, aquela mulher o adorava. Continuava estando muito magra, apesar de

que comia bem, mas ao Steve adorava ver seus esbeltos quadris e seu traseiro

embutidos em uns jeans estreitos, de modo que jamais se queixava. Sua pele era suave

como a seda; seus peitos, erguidos; sua boca, cheia e mimosa. Dava-lhe igual como

fosse ou deixasse de ir vestida, porque conhecia o que escondia sob a roupa. E também

sabia que o único que tinha que fazer era lhe estender a mão para que Jay fosse para os

seus braços cálida e disposta. Aquele tipo de resposta ele adorava; havia algo novo nela,

era como se até então não tivesse conhecido nada parecido.

Uma manhã, descobriram ao levantar-se que tinha estado nevando durante a noite.

Continuou nevando com o passar do dia, embora não com força, sim com a suficiente

intensidade como para que os flocos formassem um manto branco que cobria toda a

pradaria. Exceto por algumas viagens para ir procurar mais madeira, Jay e Steve

passaram o dia no interior da cabana, vendo filmes antigos. Essa era outra das vantagens

de contar com uma antena parabólica; sempre podiam encontrar algo interessante que

ver no caso de que gostasse. Algo perfeito para um dia como aquele no que não tinham

nada melhor que fazer que sentar-se a ver a televisão enquanto caía a neve.

Justo antes do anoitecer, Steve saiu para revisar a área como sempre fazia.

Enquanto estava fora, Jay ficou a cozinhar. Cantarolava enquanto o fazia, porque estava

Page 129: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

contente. Aquilo era o paraíso. Sabia que não duraria; quando Steve recuperasse a

memória, inclusive no caso de que continuasse querendo casar-se com ela, suas vidas

mudariam. Partiriam dali, teriam que encontrar outra casa. E ela deveria procurar um

trabalho. E seriam outras as coisas que ocupariam seu tempo. Aquele era um tempo que

estava fora do mundo real, mas Jay pretendia aproveitar de cada minuto. Durante um

instante, assaltou-a uma idéia sombria. Talvez isso fosse tudo o que tivessem. E se assim

fosse, aqueles dias eram ainda mais preciosos.

Steve entrou pela porta traseira, sacudindo-a neve dos ombros e do cabelo antes de

tirar o casaco.

–Não vi nada a não ser rastro de coelho –a olhou pensativo. – Você gosta do

coelho?

Jay se voltou bruscamente para ele, esquecendo do queijo que estava gratinando

para o espaguete.

–Nem pense em disparar em um só coelho... –começou a dizer em tom ameaçador.

–Só era uma pergunta –replicou Steve, agarrou-a para lhe dar um beijo e esfregou

sua fria bochecha contra a dela. – Cheira muito bem. A cebola, alho e molho de tomate.

Na realidade cheirava a ela mesma, a essa fragrância doce, cálida e feminina que

Steve associava com a Jay e com ninguém mais. Enterrou o nariz frio em seu pescoço e

inalou com força. Imediatamente, sentiu uma tensão familiar que crescia em suas

vísceras.

–Não vai ganhar nenhum ponto me dizendo que cheiro a alho e cebola –respondeu

Jay, retornando a suas tarefas, embora Steve continuava retendo-a pela cintura.

–Embora te diga que me deixam louco as cebolas e os alhos?

–Todos os homens são iguais. Quando têm fome são capazes de dizer qualquer

coisa.

Rindo, Steve a soltou, sentou-se à mesa e começou a passar manteiga nos

pãezinhos.

–Você gostaria de fazer uma viagem?

–Eu adoraria ir ao Havaí.

–Estava pensando em algo assim como Colorado Springs. Ou possivelmente

Denver.

–Eu já estive em Colorado Springs –respondeu, e o olhou com curiosidade por cima

do ombro. – Por que temos que ir ao Colorado Springs?

–Estou dando por certo que Frank não quer que retornemos a Washington a curto

prazo e logo terei que ir ao médico para que me revise a vista. Isso significa que,

logicamente, teremos que decidir entre Colorado Springs e Denver, e eu prefiro o

Page 130: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Colorado. E também estou certo que Frank não quer que o médico saiba onde está a

cabana, e isso significa que teremos que nos deslocar .

Jay já sabia que tinham que voltar a lhe revisar a vista, mas falar daquele tema era

como introduzir o mundo real em seu paraíso particular. Resultar-lhe-ia estranho ver

outras pessoas, e ainda mais falar com elas. Mas Steve ainda tinha que forçar muito a

vista para ler e já tinha passado tempo suficiente para dar-se conta de que sua visão não

ia melhorar. Pensou no aspecto que teria Steve com óculos e um agradável calor se

estendeu por seu ventre. Atraente, ficaria muito atraente. Dirigiu-lhe um sorriso.

–Sim, acredito que eu gostaria de fazer uma viagem. Levo muito tempo comendo o

que eu mesmo cozinho.

–Por-me-ei em contato com o Frank depois de jantar.

Poderia havê-lo feito naquele momento, mas encher o estômago era mais

importante. Jay tinha preparado uma massa magnífica e fazer contato com o Frank lhe

levaria tempo. O primeiro era o primeiro.

Depois de jantar e ter lavado os pratos, Steve foi ao abrigo para fazer contato com o

Frank, e Jay se deitou no tapete frente à chaminé. Pela primeira vez, esteve pensando no

pequeno e moderno apartamento de cujos gastos se estava ocupando Frank. Não tinha

nada que ver com aquela rústica cabana, mas Jay preferia muito a cabana. Odiaria ter

que partir. Aquele lugar devia ser maravilhoso no verão, mas se perguntava se até lá

continuariam ali. Certamente Steve já teria recuperado a memória a essas alturas, e

embora não fosse assim, quanto tempo podia passar Frank sem lhe dizer a verdade? Não

podiam permitir que vivesse eternamente a vida de outro homem. Ou sim? Seria esse o

plano? saberiam possivelmente que nenhuma vez recuperaria a memória?

Os espelhos de seu particular labirinto continuavam lhe oferecendo todo tipo de

respostas, diferentes peças para o quebra-cabeças, diferentes soluções. E nenhuma

delas parecia se encaixar.

–Está dormindo? –perguntou Steve brandamente.

Jay se sobressaltou. Deu meia volta no chão com o coração em um punho.

–Não te ouvi entrar. Não fez nenhum ruído.

Steve sempre se movia sigilosamente, como um gato, mas em outras condições, Jay

teria ouvido abrir a porta de trás. Estava tão profundamente absorta em seus

pensamentos que não tinha ouvido nada.

–Para poder me aproximar mais de ti, querida –respondeu Steve com sua melhor

imitação da voz de um lobo feroz.

Reuniu-se com ela no tapete, afundou as mãos em seu cabelo e procurou seus

lábios. Beijou-a lenta, profundamente, tomando-se todo o tempo do mundo e utilizando a

língua para acariciar o interior de sua boca. Jay tinha problemas para respirar e os olhos

Page 131: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

se fechavam. O desejo era como um calor intenso que ia expandindo-se em seu interior

até enchê-la.

Não tinham nenhuma pressa. E era maravilhoso estar ali deitados, ao calor do fogo e

saboreando seus beijos. Mas ao cabo de um tempo, o calor começou a resultar

excessivo. Jay gemia enquanto Steve lhe desabotoava os botões da camisa de flanela e

a abria para pressionar os lábios contra as curvas de seus seios. Colocou-se em cima

dela, controlando com suas pernas as de Jay, enquanto ela as movia inquieta. Queria

mais. Voltou a gemer, com a voz transbordante de desejo, e girou no chão até que seu

mamilo roçou os lábios de Steve. Este deslizou lentamente a língua sobre o mamilo,

cobriu-o com a boca e sugou com força, lhe dando o que necessitava.

A luz do fogo arrancava brilhos dourados do cabelo de Jay e tingia sua pele de um

resplendor rosado enquanto Steve lhe desabotoava as calças para tirá-la. Sua boca

estava vermelha, úmida, brilhante pela umidade dos beijos. De repente, Steve já não foi

capaz de agüentar nem um segundo mais e se despiu rapidamente. Jay ainda tinha a

camisa de flanela pendurando dos ombros, Steve a tirou, ajoelhou-se entre suas pernas e

se inclinou para entrar nela, para fundir seus corpos da mesma maneira que tinham

fundido suas vidas.

Permaneceram juntos muito tempo depois, muito satisfeitos para mover-se. Steve

jogou outra lenha ao fogo, vestiu as calças e cobriu Jay com sua própria camisa para

protegê-la do frio. Ela permaneceu sentada no círculo de seus braços, apoiando a cabeça

em seu ombro e desejando que não ocorresse nunca nada que pudesse alterar sua

felicidade.

Steve fixava o olhar nas chamas enquanto esfregava o queixo uma e outra vez

contra o cabelo de Jay.

–Quer ter filhos? –perguntou-lhe em tom ausente.

Aquela pergunta a sobressaltou o suficiente para afastar a cabeça de seu ombro.

–Eu... acredito que sim –respondeu. – A verdade é que nunca pensei nisso porque

não me parecia uma possibilidade, mas agora... –lhe quebrou a voz.

–Antes não pudemos desfrutar de um verdadeiro casamento. Mas quero que desta

vez seja diferente. Quero chegar em casa cada noite, viver uma vida normal –esticou os

braços a seu redor. – Gostaria de ter uns dois filhos, mas isso tem que ser uma decisão

dos dois. E não sei o que pensa a respeito.

–Eu gosto de crianças –disse Jay brandamente, mas a culpa a assaltava. Eles não

tinham estado casados! Steve estava se sentindo culpado da conduta de outro homem.

–Sim, eu também gosto –sorriu, sem deixar de olhar o fogo. – fico encantado vendo

a Amy...

Jay se afastou bruscamente dele, com os olhos transbordantes de pânico.

Page 132: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Quem é Amy?

O rosto do Steve se endureceu. Sua boca era uma fria careta.

–Não sei –murmurou. – Me sinto como se acabasse de me chocar contra um muro.

Surge uma palavra e depois, plas! Choco-me contra o muro e não encontro nada.

Jay se sentia morrer por dentro, teria se equivocado ao pensar que Frank não teria

sido capaz de fazer algo assim se Steve fosse um homem casado?, seria Steve pai, além

de marido?

Steve a observava com atenção e pareceu adivinhar o rumo que estavam tomando

seus pensamentos.

–Não, não estou casado e não tenho filhos –disse bruscamente, e a fez voltar-se

para ele. – Provavelmente seja a filha de algum amigo –a estreitou de novo contra ele. –

Conhece alguém que tenha uma filha chamada Amy?

Jay negou com a cabeça sem atrever-se a olhá-lo. O medo havia retornado, sentia-o

crescer dentro dela. Estaria Steve recuperando a memória? E quando o fizesse, iria

embora? O paraíso não podia durar para sempre.

Steve ficou acordado muito depois de que foram à cama naquela noite. Jay dormia

entre seus braços como tinha feito cada noite desde que tinham chegado os ventos

quentes. Seu cabelo se estendia sobre o ombro esquerdo de Steve, que sentia também o

calor de seu fôlego no pescoço. Pressionava seu corpo sedoso e nu com o de Steve e

deslizava o braço ao redor do peito deste, que recordou o pânico que por um instante se

refletiu em seus olhos quando ele tinha mencionado a Amy, fosse quem fosse aquela

menina. Abraçou-a com força, tentando mitigar seus medos, embora estivesse

adormecida.

Provavelmente teriam que passar muitos momentos como aquele, nos que uma

palavra casual ativava antigas lembranças. Esperava que não a assustassem muito.

Realmente tinha tanto medo de que não a quisesse quando recuperasse a memória?

Deus, acaso não se dava conta do muito que a amava? Seus sentimentos foram muito

além de sua memória. Estavam gravados em seus ossos, enterrados nas profundidades

de sua existência.

Amy. Amy.

Aquele nome atravessou sua mente como um raio e de repente viu uma menina

pequena, de cabelo escuro e brilhante, rindo enquanto se mordiscava a mão.

O coração lhe pulsou com força. Sua memória acabava de lhe subministrar um rosto

àquele nome. Não sabia quem era aquela menina, mas conhecia seu nome e seu rosto. A

imagem mental desapareceu, mas Steve se concentrou e compreendeu que podia

recuperá-la como se fosse uma lembrança real. Tal como havia dito a Jay, devia ser a

Page 133: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

filha de uma amiga, uma menina a que certamente tinha conhecido depois de seu

divórcio.

Relaxou-se agradado com aquela lembrança que tinha conseguido materializar. A

satisfação do sexo fazia que sentisse o corpo relaxado e sua respiração foi fazendo-se

mais profunda e regular, adaptando-se ao ritmo do sono.

«Tio Luke! Tio Luke!»

Ressonavam em sua mente umas vozes infantis e o filme começou a desenvolver-

se. Dois meninos, cruzando pela grama, saltando e chamando-o tio Luke com toda a

força de seus pulmões. Outra cena. Irlanda do Norte. Belfast. Reconheceu aquele lugar

enquanto um calafrio de terror percorria suas costas. Dois meninos pequenos jogavam na

rua. De repente, levantavam-se vacilantes e punham-se a correr.

Uma imagem. O primeiro dos dois meninos elevava o olhar para ele com lábios

trementes e lágrimas nos olhos e dizia: «por favor, tio Duncan».

Outra imagem. Dan Rather amontoava jornais na redação enquanto passavam os

títulos de crédito.

Uma nova imagem. Um enorme letreiro em uma estação que dizia Preferiria estar na

Disney World.

Mickey Mouse dançando... Um camundongo rebuscando entre os cubos de lixo de

um beco... Uma granada movendo-se lentamente no ar e caindo sobre o cubo de lixo com

um ruído surdo; um ruído maior e o cubo saía disparado... Outra imagem: um navio de

vela branco aproximando-se da borda e um jovem moreno elevando a mão...

As cenas foram abrindo-se caminho em sua consciência, eram como chamas que se

passavam um após o outro, como se alguém estivesse folheando a toda velocidade as

páginas de um livro ante seus olhos.

Estava suando outra vez. Maldição. Aquela livre associação de lembranças era um

inferno. O que significavam aquelas lembranças? Teriam ocorrido de verdade? Não o

inquietariam tanto se pudesse discernir quais eram reais e quais se referiam a coisas que

tinha visto na televisão ou no cinema, ou que possivelmente tinha imaginado a partir da

leitura de um livro. De acordo, algumas eram óbvias, como aquela em que aparecia Dan

Rather com os títulos de crédito no rosto. Mas desde que lhe tinham tirado as ataduras

dos olhos havia visto muitos informativos, de modo que aquele podia ser uma lembrança

recente.

Mas quando se referiam a ele como «tio Luke» ou «tio Dan»... Havia algo nesses

meninos, nesses nomes, que lhe parecia muito real. Da mesma forma que parecia a Amy.

Levantou-se da cama, com muito cuidado para não despertar Jay, e se dirigiu para

o salão, onde permaneceu durante um longo momento frente à chaminé, observando os

rescaldos. Estava a ponto de recuperar plenamente a memória e sabia. Sentia-se como

Page 134: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

se o único que tivesse que fazer fosse dobrar uma esquina para que tudo aparecesse de

novo ante ele. Mas dobrar aquela esquina mental não era tão fácil como parecia. Steve se

tinha convertido em um homem diferente da explosão. Estava tentando conectar a duas

pessoas separadas para as fundir em uma.

Tinha estado esfregando-os dedos com o polegar. Quando o advertiu, ergueu a mão

e a olhou. Tinha recuperado os calos graças aos constantes cortes de lenha, mas as

impressões digitais continuavam apagadas. Quanto de si mesmo teria deixado, ou quanto

de sua identidade teriam apagado da mesma maneira que tinham feito desaparecer suas

digitais? Quando se olhava no espelho, até que ponto seguia sendo Steve Crossfield, em

vez do produto de uma reconstrução facial? Seu rosto tinha mudado, sua voz tinha

mudado e suas impressões digitais tinham desaparecido.

Era um homem novo. Tinha renascido da escuridão, tinha sido devolvido à vida pela

voz de Jay que o chamava para a luz.

Mas pudesse ou não recordar, ainda tinha Jay. Jay era uma parte dele que a cirurgia

não podia mudar.

A habitação foi ficando fria à medida que o fogo se apagava e Steve sentiu por fim o

frio em seu próprio corpo. Voltou para o quarto, deslizou-se sob os lençóis e sentiu o

quente corpo de Jay enroscando-se contra ele. Ela murmurou algo, estreitou-se contra ele

e procurou sua postura habitual.

Imediatamente, atravessou-o um desejo tão intenso como se não tivessem feito o

amor uma hora antes.

–Jay –sussurrou com voz rouca, e a colocou debaixo ele.

Jay despertou, alongou os braços para ele, rodeou-lhe com eles o pescoço e se

amaram um ao outro no meio da escuridão até que Steve não foi capaz de conservar

outras lembranças que os que tinham construído em comum.

Capítulo 11

À manhã seguinte, abandonaram cedo a cabana para poder encontrar-se com o

Frank em Colorado Springs essa mesma tarde. A Jay a rasgava ter que abandonar a

cabana; aquele tinha sido seu mundo durante tanto tempo que, ao afastar-se dele, sentia-

se exposta. Só saber que retornariam no dia seguinte lhe dava a coragem que

necessitava para abandoná-la. Sabia que algum dia teriam que deixá-la para sempre,

mas ainda não estava preparada para enfrentar-se a esse momento. Queria passar mais

tempo com o homem que amava.

Page 135: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Pretendia perguntar ao Frank o nome do agente que supostamente tinha morrido no

dia da explosão. Frank provavelmente não queria dizer-lhe mas tinha que perguntar.

Porque embora não pudesse pronunciá-lo em voz alta, precisava sabê-lo, tinha que pôr

um nome ao homem que amava. Olhou-o enquanto Steve conduzia o jipe com mãos

peritas e sentiu que seu coração se enchia. Era um homem alto, de aspecto rude,

absolutamente atrativo com aquelas feições operadas, mas bastava olhá-lo nos olhos

para embriagar-se de puro prazer. Como podiam ter imaginado que lhes seria possível

fazer passar a aquele homem pelo Steve Crossfield?

Aquele subterfúgio fazia água por toda parte, mas Jay não se deu conta até que

tinha estado muito apaixonada pelo Steve para que pudesse lhe importar. Aproveitaram-

se do impacto da notícia para evitar que Jay fizesse perguntas para as que não tinham

resposta. Perguntas tais como a razão pela que não utilizavam seu tipo sangüíneo ou

alguma marca dental para determinar a identidade de seu paciente. Do primeiro

momento, Jay tinha sabido que Frank estava lhe ocultando algo, mas estava muito

preocupada com o Steve para pensar que era algo mais que os detalhe de uma missão

secreta. A verdade era que se deixou enganar tão facilmente porque no fundo preferia

que a enganassem; depois de ver o Steve convexo na cama no hospital, tão ferido

gravemente e, ao mesmo tempo, lutando com uma determinação tão férrea apesar de sua

inconsciência, não tinha desejado outra coisa que estar a seu lado e ajudá-lo a lutar.

Não podiam alojar-se no mesmo hotel em que ficaram da primeira vez porque Frank

não queria arriscar-se a que o recepcionista os reconhecesse. Inclusive utilizaram nomes

diferente. Quando chegaram, Frank já estava ali e tinha feito as reservas com os nomes

do Michael Carter e Faye Wheeler. Quartos separados. Steve se mostrou abertamente

aborrecido, mas acompanhou Jay ao quarto desta sem fazer nenhum comentário e se

dirigiu depois ao seu. O oftalmologista examinou ao olhos de Steve imediatamente. Logo

o levaram a óptica para que lhe fizesse uns óculos que estariam prontos na manhã

seguinte. Jay permanecia em todo momento em um segundo plano, perguntando-se que

molas teria tido que mover Frank, e quantos braços que retorcer, para que tudo se fizesse

tão rápido.

Retornaram ao hotel pouco depois do anoitecer e Steve se dirigiu imediatamente ao

quarto de Jay.

–Olá, querida –lhe disse.

Entrou no quarto e fechou a porta atrás dele. Antes de que Jay pudesse responder,

estava agarrando-a com força pelos braços e devorando seus lábios.

Estremecida de prazer, Jay se estreitou contra ele e afundou os dedos em seu

cabelo. Steve cheirava a vento e a neve, sua pele estava gelada, mas sua língua era

Page 136: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

cálida e atrevida. No final, elevou a cabeça com um olhar de masculina satisfação

estampada no rosto. Deslizou o polegar pelos lábios de Jay, avermelhados pelo beijo.

–Querida, é possível que me gele o traseiro ao vir ao seu quarto esta noite, mas não

penso dormir sozinho.

–Tenho uma sugestão para te fazer –ronronou Jay.

–Diga.

–Não te dispa até que tenha chegado ao meu quarto.

Steve soltou uma gargalhada e voltou a beijá-la. A boca de Jay o estava voltando

louco; tinha o mais erótico dos efeitos sobre ele. Beijá-la era muito mais excitante que

fazer amor com outras mulheres. E, só durante um instante, antes de que se

desvanecessem por completo, algumas dessas mulheres apareceram em sua mente.

–O médico já está de retorno a Washington. Frank ficará aqui até amanhã, de modo

que estamos os três juntos outra vez. Tem fome? O estômago de Frank continua ajustado

aos horários de Washington.

–A verdade é que estou faminta. E eu não gostaria que nos deitássemos tarde, já

sabe.

Steve olhou para a cama.

–Sim, já sei.

Jay esperava ter alguma oportunidade para perguntar ao Frank pelo nome do

agente. Não queria arriscar-se a perguntar aquilo na presença do Steve porque ouvir seu

próprio nome poderia lhe ativar a memória e ela ainda não podia enfrentar-se a aquela

possibilidade. Queria que Steve recordasse, mas queria que o fizesse quando estivessem

sozinhos na pradaria. Se não surgisse nenhuma oportunidade de falar com o Frank,

chamaria-o quando se retirassem cada um a seus quartos, sempre e quando Steve não

fosse diretamente ao dela. Mas provavelmente, este tomaria banho antes em seu próprio

quarto e trocaria de roupa. Suspirou cansada de ter que antecipar-se a tudo. Ela não

estava preparada para aquele mundo.

Steve advertiu aquele suspiro e também o desespero que refletiam seus olhos. Jay

não havia dito nada, mas essa expressão estava ali desde que tinha tido sua primeira

lembrança no dia anterior. Aquilo o intrigava. Não lhe ocorria nenhuma razão pela que Jay

pudesse lamentar que recuperasse a memória. E precisamente porque não o entendia e

porque não havia nenhuma razão lógica, não podia esquecê-lo. Quando algo lhe

preocupava, pensava nisso até lhe encontrar o sentido. Jamais renunciava, nunca o

deixava passar. Sua irmã muitas vezes lhe dizia que devia ter alma de bulldog...

“Sua irmã”?

Steve ficou muito calado enquanto jantavam os três em um restaurante italiano.

Parte dele estava desfrutando daquela saborosa comida e outra parte estava ativamente

Page 137: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

envolta na conversação, mas uma terceira estava examinando aquela recordação de

todos os ângulos possíveis. Se tinha uma irmã, por que lhe havia dito Jay que não tinha

família? E por que Frank não lhe tinha falado de nenhum parente? Aquilo era do mais

disparatado. Steve podia aceitar que Jay tivesse uma versão diferente de sua vida porque

não sabia em que circunstâncias se separaram, mas era impossível que Frank não

soubesse quem eram seus amigos e familiares. Isso caso as coisas que estava

recordando fossem reais.

Uma irmã. A lógica lhe dizia que era impossível. E suas vísceras lhe diziam que a

lógica podia enganá-lo.

Uma irmã. Amy. «Tio Luke! Tio Luke!». As vozes dos meninos reverberavam em sua

mente enquanto ria por algo que Frank acabava de dizer. «Tio Dan. Tio Luke. Tio, Luke,

Luke, Luke...».

–Você está bem? –perguntou-lhe Jay.

A preocupação escurecia o olhar deste quando ela posou a mão em seu braço.

Podia sentir a tensão que emanava de Steve e a surpreendia que Frank não parecesse

notar que estava passando algo anormal.

No momento em que Steve se voltou para Jay e sorriu, deixou de lhe palpitar a

cabeça. Sabia-se disposto a dar seu passado por perdido sempre e quando pudesse ter a

Jay. O cordão umbilical que os unia era tão sensível como as cordas de um violino.

–Dói-me um pouco a cabeça –respondeu. – Suponho que me cansou a vista ao

conduzir.

Ambas as coisas eram verdades, embora a segunda não era a causa da primeira.

Além disso, não tinha tido que forçar a vista para conduzir. O único problema que tinha

era para ler de perto; sua visão a longa distância continuava sendo tão precisa como

sempre. Nesse aspecto, tinha a vista de um piloto de aviação.

Jay voltou a concentrar-se na conversação, mas era tão consciente de que Steve

começava a relaxar como o tinha sido de sua crescente tensão. Teria ocorrido algo

aquela tarde que não lhe tinha contado? A sensação de medo era quase assustadora e

desejava com todas suas forças que voltassem para a cabana.

Quando retornaram ao hotel, advertiu aliviada que Steve se dirigia a sua própria

habitação em vez de ficar falando com o Frank ou de seguir com ela diretamente à sua.

Assim que esteve em seu quarto, Jay se equilibrou sobre o telefone e marcou o número

do quarto do Frank.

–É Jay –se identificou a si mesmo.

–Ocorre algo? –Frank ficou imediatamente em alerta.

–Não, tudo vai bem. É só que há algo que me inquieta, mas não lhe queria perguntar

isso diante do Steve.

Page 138: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Frank se esticou em sua habitação. Teria cometido alguma sentença?

–É sobre o Steve?

–Bom, não, na realidade não. O agente que morreu... Como se chamava?

Ultimamente penso muito nisso, em que morreu e nem sequer sei seu nome.

–Não tem por que sabê-lo. Nunca o conheceu,

–Eu sei –respondeu brandamente. – Só queria saber algo sobre ele. Steve poderia

ter estado em seu lugar. Além disso, agora que está morto, não há nenhum motivo para

manter oculta sua identidade, não é verdade?

Frank pensou nisso. Podia lhe dar um nome fictício, mas decidiu lhe dizer pelo

menos algo certo. Com o tempo, Jay conheceria aquele nome e poderia ajudar que

acreditasse que na realidade todo tinha sido um simples engano.

–chamava-se Lucas Stone.

–Lucas Stone –Jay repetiu aquele nome com voz suave. – Estava casado? Tinha

família?

–Não, não era casado –respondeu Frank, evitando intencionalmente a segunda

pergunta.

–Obrigado por me dizer isso. Incomodava-me não sabê-lo.

E Frank nunca saberia até que ponto, pensou enquanto pendurava lentamente o

telefone. Lucas Stone. Repetiu o nome uma e outra vez, associando-o ao rosto do Steve

e sentindo que seu coração voltava a pulsar de novo. Lucas Stone. Sim.

Só então se deu conta do engano que acabava de cometer. Se até então lhe tinha

resultado difícil referir-se a ele como Steve, a partir desse momento lhe resultaria quase

impossível. Steve era um nome roubado, mas Jay se acostumou a ele porque não havia

alternativa. O que ocorreria se em algum momento lhe escapava o nome Lucas?

Permaneceu sentada na cama durante um longo momento, debatendo-se em meio

daquele labirinto de espelhos que a apanhavam com seus falsos reflexos. As coisas que

não sabia a paralisavam tanto como as que sabia, até o ponto de que temia confiar em

sua própria intuição. Não era um pessoa feita para a mentira; era uma mulher franca.

Precisamente, essa era uma das razões pelas que não tinha encaixado no mundo dos

bancos.

No final, cansada de aparecer a tantas portas sem saída, meteu-se na ducha e se

preparou para deitar-se. Quando saiu do banho, Lucas... Steve!, recordou-se, frenética,

estava deitado na cama, parcialmente nu.

Jay olhou para a porta.

–Não temos feito isto mesmo em outra ocasião?

Lucas se levantou e a estreitou contra ele.

–Com uma diferença. Uma grande diferença.

Page 139: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Lucas cheirava a sabonete, a loção de barba e ao aroma almiscarado dos homens.

Jay se agarrou a ele, pressionou o rosto contra seu pescoço e inalou aquela fragrância. O

que faria se a deixasse? Seria como viver em um mundo de que tinha desaparecido a cor,

sentiria-se incompleta eternamente. Lentamente, deslizou as mãos por seu peito,

enredando os dedos no pêlo encaracolado e sentindo o calor de sua pele e os músculos

de ferro que escondia. Tinha uns músculos tão forte que mal cediam sob a pressão de

seus dedos. Desconcertada, Jay pressionou experimentalmente o braço esquerdo do

Steve e observou como empalidecia sua própria unha pela pressão, mas ele continuava

sem notar nada.

–O que está fazendo? –perguntou-lhe Lucas com curiosidade.

–Ver o duro que está.

–Querida, esse não é o lugar indicado.

Jay soltou uma gargalhada e elevou rapidamente o olhar para ele.

–Acredito que em outras partes de seu corpo já sei quão duro está.

–Ah, sim? Há partes e partes do corpo. E algumas necessitam muitas mais cuidados

que outras.

Enquanto falava, começou a deslocá-la para a cama. Estava excitado. Jay, sentindo

a pressão de sua excitação contra ela, deslizou a mão para a protuberância de seu jeans.

–Essa é uma das partes de seu corpo que necessita de atenção?

–Muita atenção –lhe assegurou ele enquanto se deitava junto a ela na cama.

Sentiu que Jay movia as pernas e elevava os quadris para amoldar-se a ele e toda a

diversão desapareceu de seu rosto para ceder o passo a uma expressão feroz e intensa.

Era um olhar que fazia estremecer Jay de deliciosa antecipação.

Elevou o olhar para ele. O rosto de Steve também perdeu toda a tensão enquanto

Jay deslizava as mãos delicadamente ao longo de seu corpo.

–Amo-te –lhe disse. E seu coração acrescentou: «Lucas».

A manhã seguinte era diferente. Era como se o mundo tivesse mudado durante a

noite, mas Steve não era capaz de assinalar qual era a diferença. Era uma sensação

estranha, como se estivesse mais a gosto consigo mesmo. Tinha Jay entre os braços, sua

juba sedosa roçava seu ombro. Se estivessem na cabana, teria se levantado para

acender o fogo e teria voltado para a cama disposto a fazer amor com ela. Mas não

estavam na cabana e tinha que retornar a seu quarto para barbear-se e vestir-se. Esse

maldito Frank... Tinha reservado quartos separados sabendo que só necessitavam de um.

Mas Jay não era como as demais mulheres; Jay era especial. E possivelmente aquele

tivesse sido seu tributo a esse ser tão especial.

Page 140: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Outras mulheres. A idéia continuava aguilhoando-o quando deixou Jay e retornou a

seu quarto. Estava recuperando a memória, não de uma forma melodramática, como se

de repente se fizesse a luz, mas sim como se fossem apareceram uma série de peças

desconectadas entre si. Surgiam nomes, rostos. Entretanto, em vez de sentir-se eufórico,

ia experimentando uma crescente sensação de receio. Não havia dito ao Frank que tinha

recuperado a memória, esperaria até que a tivesse recuperado plenamente e tivesse tido

tempo de considerar sua situação. A cautela era quase uma segunda natureza nele, ao

igual à rápida revisão que fez em seu quarto para assegurar-se de que ninguém tinha

entrado em sua ausência.

Tomou banho e se barbeou, mas enquanto tomava banho, tirou o chapéu a si

mesmo olhando-se fixamente no espelho, tentando averiguar seu passado naquele

reflexo. Mas como podia reconhecer a si mesmo quando seu rosto tinha mudado? Que

aspecto teria anteriormente? perguntava-se se Jay teria alguma fotografia dele; se a tinha

conservado, seria uma fotografia antiga. As mulheres tendiam a conservar as lembranças

e seu divórcio não tinha sido muito dilacerador, de modo que possivelmente Jay não

tivesse rasgado nenhuma de suas fotografias. E talvez vê-la podia lhe proporcionar algum

vínculo com o passado.

Diabos, realmente serviria para algo? olhou-se aborrecido. Não tinha reconhecido

nem Jay nem o Frank, por que então ia reconhecer seu velho rosto? O único rosto que

conhecia era o que podia ver naquele momento e, realmente, não era grande coisa. Dava

a sensação de que tinha jogado muitas vezes ao rugby sem casco.

Mesmo assim, continuava experimentando a sensação de estar a beira de algo...

Estava ali, mas além de seu alcance.

Era uma sensação que o assaltava em muitos momentos, como quando se pôs com

extraordinária facilidade o porta pistola no ombro, ou ao perceber a familiaridade com que

tinha agarrado a pistola. Aquela facilidade, aquela familiaridade, tinham estado antes ali,

mas naquele momento eram algo diferente, como se o vínculo entre o passado e o

presente estivesse voltando. Logo. Aconteceria logo.

O dia transcorreu sem incidentes, mas a sensação de antecipação não o

abandonava. Reuniram-se os três durante o café da manhã; Frank e ele se aproximaram

depois à ótica para ir procurar os óculos. Durante o trajeto de volta, Steve perguntou:

–Encontraram já esse tal Piggot?

–Não, ainda não. Soube-se algo dele faz um mês, mas desapareceu de novo antes

de que pudéssemos apanhá-lo.

–É bom?

Frank vacilou um instante.

Page 141: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Condenadamente bom. Um dos melhores. Seu perfil psicológico diz que é um

psicopata, mas muito controlado, muito profissional. Para ele, seus trabalhos são motivo

de orgulho. Essa é a razão pela que quer te apanhar. Você lhe apertou as porcas como

ninguém. Danificaste-lhe vários trabalhos, matou seus homens e conseguiste lhe dar um

golpe tão forte que se viu obrigado a desaparecer do mapa durante uns meses para

recuperar-se.

–É possível que lhe tenha dado duro, mas não o suficiente –disse Steve com ar

ausente. – Tem alguma fotografia dele?

–Aqui não. Só há uma. Tiramos com um objetivo telescópico e está bastante

imprecisa. É um homem loiro, de quarenta e dois anos, falta-lhe o lóbulo da orelha

esquerda, também por tua culpa. Esse foi um duro golpe para sua reputação.

–Sim, bom, há dias nos que não estou de muito bom humor.

Uma resposta própria de Lucas Stone. Frank sentiu o impacto como se fosse uma

bofetada, mas manteve as mãos firmemente obstinadas ao volante.

–Está recuperando a memória?

–Ainda não –mentiu Steve.

Estava vendo já ao Geoffrey Piggot, um rosto magro, maligno e frio. Um novo rosto

associado a um nome.

Steve esteve muito calado durante o caminho de volta à cabana. Jay o olhava de

esguelha, mas os óculos de sol lhe ocultavam os olhos e não podia ver sua expressão.

Ainda sentia a tensão que o embargava, da mesma maneira que a havia sentido a noite

anterior durante o jantar.

–Voltou a ter dor de cabeça? –perguntou-lhe por fim.

–Não –respondeu Steve, e suavizou a brutalidade de sua resposta alongando a mão

para lhe acariciar o queixo. – Me encontro bem.

–Frank te disse algo que tenha te incomodado?

Steve considerou as desvantagens de deixar que alguém chegasse a estar tão unido

a ele que pudesse interpretar perfeitamente suas mudanças de humor, mas depois

compreendeu que no caso de Jay, aquela batalha estava perdida, porque sempre queria

que estivesse mais perto dele. E além disso, não tinha permitido que se aproximasse

dele, simplesmente, tinha ocorrido.

–Não. Só me contou algumas coisas sobre o homem que tentou me converter em

um pedaço de carne assada.

–Aff, que bruto é! –respondeu Jay, lhe apertando a mão.

Steve soltou uma gargalhada.

Page 142: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Ao cabo de uns minutos, Jay se encostou no assento, com a cabeça apoiada no

respaldo.

–Tenho vontades de voltar para casa.

Steve estava completamente de acordo com ela.

Levavam tanto tempo sós que aquela viagem tinha significado virtualmente um

choque cultural. As luzes de néon e o tráfego tinham suposto um autêntico sobressalto

para seus sentidos, acostumados aos abetos chapeados, a neve e um profundo silêncio.

Embora não lhe importaria nada retornar à civilização se fosse para que Jay e ele se

fizessem análise de sangue e conseguissem a licença de casamento.

Análise de sangue.

De repente, sentiu-se alerta, como se havia sentido milhares de vezes quando sua

vida estava pendente de um fio. A adrenalina chispava por suas veias e o coração lhe

pulsava a toda velocidade, embora não ia tão rápido como seu cérebro. Uma análise de

sangue. Maldita fora, aquilo não encaixava. Por que tinha tido Jay que identificá-lo

quando eles tinham todos os meios para fazê-lo? Era seu agente. É obvio, suas

impressões digitais tinham desaparecido, estava inconsciente e sem voz, mas mesmo

assim, teriam seu tipo sangüíneo, poderiam ter feito exame em sua arcada dentária. Para

eles devia ser relativamente simples estabelecer sua identidade. Portanto, não

necessitavam de Jay absolutamente, mas era evidente que tinham querido contar com ela

por alguma razão.

Steve repassou mentalmente o que Jay lhe havia dito. Queriam que o identificasse

porque não tinham nenhum documento e precisavam saber se era seu ex-marido o que

tinha sobrevivido porque ele e um de seus agentes se viram apanhados em uma explosão

e um deles estava morto. Isso significava que devia haver dois agentes no lugar, mas isso

não mudava o fato de que Frank tivesse todos os métodos para identificar a ambos.

Supostamente, ele e o outro agente se pareciam fisicamente, deviam pesar e medir o

mesmo, além de ter a mesma cor de cabelo e de olhos. Mas mesmo assim, isso não teria

que ter suposto nenhum problema para identificá-los, inclusive no caso de que tivessem

coincidido seus tipos sangüíneos. Porque ainda podiam ir à informação das arcadas

dentárias.

Maldito fosse, sentia-se como um estúpido. Por que não se tinha dado conta com

antecedência? Tinham metido Jay naquele assunto por alguma razão, mas certamente,

não era porque teria que identificá-lo. Que demônios estava tramando Frank?

Pensar. Tinha que pensar. Sentia-se como se estivesse tentando recompor um

quebra-cabeças ao que lhe faltavam todas as peças, de modo que, por mais que as

movesse, não terminavam de encaixar. Se ao menos pudesse recordar, maldição!

Page 143: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Por que Frank teria mentido a Jay? por que inventar essa história de que ele e o

outro agente se pareciam extraordinariamente um ao outro? por que tinham insistido em

que necessitavam da Jay?

E por que podiam necessitar da Jay?

As vozes retumbavam em seu interior.

«Felicidades senhor Stone... Me alegro de que tenha tornado, filho... Tio Luke!...

Stone... filho... Tio Luke... Filho... Luke... Stone».

Luke Stone.

Agarrou-se com força ao volante. Sentia-se como se acabassem de lhe dar um golpe

no peito. Luke Stone. Lucas Stone. Que se fosse ao inferno o maldito Frank Payne!

chamava-se Lucas Stone!

Assim que atravessou mentalmente essa soleira, todas as lembranças fluíram de

forma confusa, lhe criando tanto ruído mental que mal podia conduzir. Não se atrevia a

parar. Não se atrevia a deixar que Jay soubesse o que estava sentindo. Sentia... Deus,

não sabia como se sentia. Doía-lhe a cabeça, mas ao mesmo tempo experimentava uma

enorme sensação de alívio. Tinha recuperado sua identidade, a sensação de ser ele

mesmo. Por fim se conhecia.

Era Lucas Stone. Tinha família e amigos, um passado.

Mas não era o ex-marido de Jay. Não era Steve Crossfield. Não era o homem por

quem Jay se apaixonou.

Então esse era o motivo pelo que a tinham envolvido naquele enredo. Havia um só

agente na explosão, e era ele. Steve Crossfield devia estar ali por qualquer outra razão e

tinha morrido. Lucas tentou recordar os momentos anteriores à explosão, mas apareciam

imprecisos, fragmentados. Provavelmente nunca os recordaria. Mas sim recordava ter

visto um homem alto e magro caminhando pela rua; a luz das luzes desenhava sua

silhueta no pavimento ensopado. Esse podia ser Steve Crossfield. Não recordava nada

do que tinha ocorrido depois, embora naquele momento se lembrava de ter feito um

contato para consertar um encontro com o Minyard. E também recordava a si mesmo indo

no lugar da reunião. Tinha elevado o olhar, tinha visto esse homem... e depois nada. Todo

o resto era o vazio, até que a voz de Jay o tinha tirado da escuridão.

Evidentemente, sua coberta tinha falhado. Piggot andava atrás dele; essa era a

razão de toda aquela farsa. Forçar Jay para que acreditasse que ele era seu ex-marido e

fazer que ele assumisse a identidade do Steve Crossfield era a melhor forma que tinha

encontrado o Homem de ocultá-lo até que pudessem neutralizar ao Piggot. O Homem

jamais subestimava a seus inimigos e Piggot era, como o próprio Frank havia dito, muito

bom. E a extensão daquele engano também indicava a Lucas que o Homem suspeitava

que havia alguém infiltrado entre seus homens e não confiava nos canais tradicionais.

Page 144: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Assim tinha decidido enterrá-lo e Lucas tinha despertado convertido em outro

homem, com outro rosto, com outra vida, inclusive com uma mulher.

Não, maldita fora! A fúria o alagava e seus nódulos empalideciam enquanto

esquivava como um autômato a neve gelada da estrada. Possivelmente ele não fosse

Steve Crossfield, mas Jay era dele. Dele. Era a mulher de Lucas Stone.

Em silêncio, xingou o Homem e o Frank com os piores insultos que foram a sua

mente, que aplicou a várias gerações de seus antepassados. Frank foi o pior, mas Lucas

podia ver a fina mão do Homem em tudo aquilo. Ninguém tinha uma mente tão intrincada

como Kell Sabin; esse era o motivo que havia lhe valido o apelido do Homem.

Provavelmente, não, com toda segurança, tinham-lhe salvado a vida se havia alguém

infiltrado que estava passando informação ao Piggot, mas não eram eles os que teriam

que dizer a Jay que não era seu ex-marido. Não eram eles os que teriam que dizer que o

homem a que amava estava morto e ela tinha estado deitando-se com um desconhecido.

O que diria Jay? E mais importante ainda, o que faria?

Não podia perdê-la. Não poderia suportar. Esperava, e provavelmente saberia como

dirigi-lo, surpresa, aborrecimento, medo inclusive, mas não poderia suportar que aqueles

olhos azuis o olhassem com ódio. E não podia permitir que Jay se afastasse dele.

Imediatamente, começou a analisar a situação de todos os ângulos possíveis, procurando

uma solução. Mas inclusive enquanto pensava, sabia que não havia nenhuma. Não podia

casar-se com Jay utilizando o nome de Steve Crossfield porque nesse caso o casamento

não seria legal. Além disso, não estava disposto a permitir que sua mulher levasse o

sobrenome de outro homem.

Teria que dizer-lhe. Provavelmente, sua família acreditava que estava morto, e não

havia maneira de desmenti-lo sem pô-los em perigo. Poria a sua família em situação de

risco se alguma vez Piggot chegava a inteirar-se de que na realidade estava vivo. Em

qualquer caso, tal e como foram as coisas, ia ter que empregar muito tempo em

convencer a sua família de qual era sua identidade; já não tinha nem o aspecto nem a voz

que eles tinham conhecido. Tinha as mãos atadas até que Piggot caísse. Depois,

supunha que Sabin faria os acertos necessários para notificar a sua família que tinham

cometido um engano na identificação e que devido a uma série de circunstâncias pouco

habituais, etc..., etc..., só então tinham podido corrigir o engano. Provavelmente, o

Homem já teria até pensado o telegrama. Sua família assumiria todo o ocorrido; se

alegrariam por voltar a vê-lo, embora tenha mudado sua aparência ou o fato que teve a

voz arruinada.

Jay era a vítima. Tinham-na utilizado como última coberta. Como demônios ia poder

perdoá-lo?

Page 145: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Jay ficou dormindo e não despertou até que Lucas girou para tomar o caminho que

levava a pradaria.

–Já estamos em casa –murmurou ela, jogando o cabelo para trás. Voltou-se e dirigiu

ao Lucas um sorriso. Lucas voltava a estar tenso outra vez, fiscalizava cada detalhe do

caminho. Havia tornado a cair a neve, os rastros que tinham deixado os pneus no dia

anterior, assim como qualquer outro rastro que tivesse podido deixar alguém depois de

que eles se foram, apagaram-se. Estava pondo em jogo todos seus anos de preparação e

Lucas Stone não era um homem que gostasse de correr riscos. Riscos desnecessários, é

obvio. Em mais de uma ocasião, encontrou-se em situações nas que sua vida pendia de

um fio, mas só porque não tinha outra opção. Entretanto, correr riscos com a vida de Jay

era outra coisa.

Como sempre, ela advertiu a tensão de seu rosto e ficou em silêncio, com um cenho

de preocupação escurecendo sua testa.

A neve que rodeava a cabana estava imaculada, mas depois de estacionar o carro,

Lucas posou a mão no braço de Jay para impedir que saísse.

–Fique aqui até que tenha revisado a cabana –lhe disse com voz dura.

Tirou a pistola de debaixo da jaqueta e se afastou sem olhá-la sequer. Seus olhos

não se detinham nem um segundo. Deslizavam-se de janela em janela, examinavam cada

milímetro de terra, procuravam atrás do traiçoeiro movimento de uma cortina.

Jay ficou paralisada. Aquele homem que avançava como um gato sigiloso para a

porta traseira de sua casa era o homem ao que amava, um predador, um caçador. Um

homem inatamente cauteloso, tão ágil como o vento enquanto, pego à parede da casa,

alongava a mão esquerda para o trinco da porta traseira com a pistola preparada na mão

direita. Sem fazer um só ruído, abriu a porta e desapareceu no interior da cabana. Dois

minutos depois, aparecia de novo na porta, muito mais relaxado.

–Venha –lhe disse, e se aproximou até o jipe para procurar as malas.

A Jay a irritou que a tivesse assustado daquela maneira por nada; fez-lhe lembrar-se

da manhã em que tinha estado lhe seguindo o rastro na neve.

–Não me faça isso –lhe espetou.

Abriu a porta do carro e saiu. A neve rangeu sob suas botas.

–Te fazer o que?

–Me assustar dessa maneira.

–Te assustar é imensamente melhor que te colocar em uma emboscada –respondeu

Lucas com veemência.

–Como alguém poderia saber que estamos aqui? E por que deveria lhe importar a

alguém?

Page 146: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Se Frank não pensasse que há alguém a quem lhe importa, e muito, não se teria

tomado tantas moléstias em nos esconder.

Jay subiu os degraus da entrada e sacudiu a neve das botas antes de entrar na

cabana. Fazia frio, mas não muito, porque tinham deixado acesa a calefação. Tirou do

Lucas uma das bolsas, levou-a ao quarto e começou a desfazê-la enquanto ele acendia o

fogo.

Lucas observava as chamas que lambiam os troncos que tinha colocado na chaminé

e foram devorando pouco a pouco a madeira. Não podia dizer-lhe ainda nada. Aquela

poderia ser a última oportunidade que teria para estar com ela, um período de graça

indefinido que terminaria no dia que os homens do Sabin apanhassem Piggot. Ele

utilizaria esse período para unir Jay tão intensamente a ele que, quando descobrisse seu

verdadeiro nome, quando soubesse que Steven Crossfield estava morto, continuaria

querendo-o. Jay lhe havia dito que o amava, mas era ao Steve Crossfield a quem foram

dirigidas aquelas palavras. E, curiosamente, era Steve Crossfield o que as estava

ouvindo. Ele era Lucas Stone, e queria Jay para ele.

Seu desejo era intenso, urgente, como se de repente se acendeu uma fogueira em

seu ventre. Caminhou até o quarto e observou Jay um instante enquanto esta se inclinava

para tirar as botas e as meias. Jay era uma mulher magra, esbelta como um junco, com a

pele suave como a seda.

Lucas se aproximou até ela, rodeou-lhe a cintura com o braço e a deitou na cama.

Jay pôs-se a rir. Tinha desaparecido a irritação de seus olhos.

–Este ano devem estar na moda estas aproximações mais próprias do homem das

cavernas –brincou.

Lucas não pôde lhe devolver o sorriso. Desejava-a terrivelmente e necessitava que

dissesse essas palavras a ele, não a um fantasma. Seus olhos resplandeciam enquanto a

despia e percorria com o olhar sua nudez. Os mamilos de Jay se ergueram ao contato

com o frio da noite, seus seios se mantinham firmes, cheios. Lucas os rodeou com as

duas mãos e elevou os mamilos para sua boca para sugá-los alternadamente.

Jay ofegou e arqueou as costas. Aquela receptividade fazia pedacinhos toda a

capacidade de controle de Lucas, o fazia desejá-la com a mesma impaciência que um

adolescente. Mal suportava afastar as mãos dela durante os segundos que necessitava

para desprender-se de sua própria roupa.

–Diga que me ama –lhe pediu enquanto lhe colocava as pernas ao redor de seus

quadris e começava a afundar-se nela.

Jay se retorcia voluptuosamente, esfregando seus seios contra o pêlo hirsuto de seu

peito.

Page 147: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Amo-te –afundou as mãos em suas costas e sentiu a tensão de seus músculos. –

Te amo.

Lucas empurrou brandamente e ela o aceitou sentindo como crescia o prazer em

seu interior até converter-se em um desejo extremo. Seu corpo estava tão em sintonia

com o dele que quando Lucas começou os rítmicos movimentos do amor, a tensão

sensual de Jay alcançou rapidamente seu ponto máximo. Lucas a abraçou com força até

que deixou de tremer e começou de novo a mover-se.

–Outra vez –sussurrou Jay.

Queria gritar seu nome, mas não podia. Não podia chamá-lo Steve e não se atrevia

a chamá-lo Lucas. Tinha que morder os lábios para não dizer seu nome. Um gemido se

elevava em sua garganta. Lucas a controlava, seus movimentos lentos e estudados a

elevavam somente até determinada altura, negando-se a permitir que chegasse mais alto.

Jay estava acesa, todas suas terminações nervosas pareciam a ponto de explodir de

prazer.

–Diga que me quer –disse Lucas com voz grave.

A tensão se evidenciava em seu rosto enquanto continuava movendo-se com lhe

exasperem lentidão.

–Quero-te.

–Outra vez.

–Quero-te.

Lucas queria ouvir seu nome, mas aquela possibilidade lhe estava negada. E se

prometeu que, alguma vez, no futuro, quando tudo aquilo tivesse terminado, voltaria a

estar com Jay na mesma situação, e ela gritaria seu nome. No momento, tinha que

conformar-se ele com a forma em que Jay cravava o olhar em seus olhos enquanto

sussurrava essas palavras uma e outra vez, até que ele perdeu o controle e uma doce

loucura os arrastou aos dois.

Nunca teria bastante de Jay, e saber que podia perdê-la resultava insuportável. Os

vínculos físicos eram os mais básicos e, instintivamente, estava os utilizando para

fortalecer os laços que os uniam. Estava decidido a converter-se em parte de Jay de tal

maneira que chegaria um momento em que os nomes deixariam de importar.

Duas noites depois, Frank acabava de meter-se na cama quando soou o telefone.

Com um suspiro, alongou a mão até o telefone.

–Payne –respondeu.

–Piggot está no México D.F. –disse o Homem.

Esquecendo-se imediatamente da tranqüila noite de sono que tinha estado

prometendo-se, Frank se sentou em sua cama completamente alerta.

Page 148: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Tem a alguém atrás dele?

–Não, ainda não. Mas a estas alturas já parece claro quem está nos traindo. Eu me

ocuparei desse pequeno detalhe, mas você te encarregue de tirar o Luke dali. Já

averiguaram a localização da cabana.

–O que quer que conte exatamente ao Luke?

–Tudo. Agora já não importa. Por-me-ei em contato contigo ao longo das próximas

vinte e quatro horas. Você te encarregue de pôr o Luke e a Jay a salvo.

Imediatamente depois, Kell Sabin pendurou o telefone perguntando-se se não teria

posto em perigo a um amigo, além da uma mulher inocente.

Capítulo 12

Assim que ouviu o primeiro assobio do bip que toda noite deixava na mesinha, Lucas

se levantou e foi procurar as calças. O tom lhe indicava que era o bip e não o alarme que

ativava o laser, mas o mero feito de que Frank estivesse entrando em contato com ele no

meio da noite já era suficientemente alarmante. Jay se incorporou na cama e alongou a

mão para o abajur, mas Lucas a deteve.

–Nada de luzes.

–O que está acontecendo? –perguntou Jay, ficando muito quieta.

–Vou ao abrigo. Está soando o bip. Frank está tentando entrar em contato conosco.

–Então por que não quer que acenda a luz?

–Frank não entraria em contato conosco na metade da noite a menos que tivesse

surgido uma emergência. Poderia ser muito tarde. E se Piggot andar perto daqui, uma luz

poderia alertá-lo.

–Piggot?

–O homem que tentou me matar, recorda?

–Vou contigo.

Jay se levantou da cama à velocidade do raio e começou a procurar sua roupa no

meio da escuridão. Lucas foi detê-la, não queria que Jay abandonasse a segurança da

cabana, mas se Piggot os tinha encontrado, a cabana tampouco seria um lugar seguro.

Bastariam uma granada e um lança-foguetes nas mãos de um perito, como era Piggot,

para que, em questão de segundos, a cabana se convertesse em um inferno.

Lucas calçou as botas e tirou a pistola que sempre tinha à mão. Enquanto saía da

habitação, desprendeu a jaqueta do cabideiro da porta e a pôs enquanto corria através da

cabana às escuras até chegar à porta de trás. Jay ia atrás dele depois de ter conseguido

vestir os jeans, uma camisa de flanela de Lucas e as botas, sem preocupar-se das meias.

Page 149: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Caminharam por cima da neve até o abrigo, procurando manter-se entre as sombras

todo o tempo possível. Aquele maltratado abrigo era toda uma revelação. Jay tinha ficado

atônita a primeira vez que Lucas lhe tinha mostrado o que se escondia sob seu teto. Este

afastou uma bola de feno para lhe mostrar uma portinha com a largura suficiente para lhe

permitir colocar os ombros. Dali pressionou o botão que abria a fechadura eletrônica. A

porta se abriu lentamente e revelou em seu interior uma escada que descia para um

porão, iluminado unicamente pelas luzes vermelhas colocadas ao lado de cada degrau.

Lucas a mandou se abaixar, seguiu-a, fechou a portinha atrás dele e não acendeu as

luzes até que chegaram à sala de comunicações.

A sala era pequena e estava repleta de aparelhos. Havia um computador com sua

correspondente tela, uma antena para as conexões por via satélite e uma impressora

apoiada em uma das paredes; frente a ela, via-se um complexo sistema de rádio. Mal

ficava espaço na habitação para mover-se, e parte dele estava ocupado por uma cadeira.

Lucas tomou a cadeira e ligou o rádio.

–Estou no ar.

–Façam as malas. Viram Piggot no México capital e nos comunicaram que a

localização da cabana já não é segura.

A voz do Frank ressonava misteriosamente na habitação, sem aqueles pequenos

rangidos que normalmente acompanhavam as transmissões radiofônica, o que dava fé da

qualidade da equipe.

–Quanto tempo temos?

–O Homem estimou que umas quatro horas; menos se Piggot tiver cúmplices pela

área.

–O que faz normalmente é colocar a seus homens na área, mas mantêm os a

distância até que ele chegue. Gosta de orquestrar as coisas por si mesmo –a voz do

Lucas soava distante e sua mente corria a toda velocidade.

Fez-se um silêncio absoluto na sala, até que Frank perguntou tranqüilamente:

–Luke?

–Sim –respondeu Lucas.

Foi consciente do repentino movimento de Jay, ao que seguiu uma imobilidade

quase total. Ele não pretendia dizer daquela maneira, mas as coisas estavam

acontecendo condenadamente depressa. Quatro horas não eram muito tempo e,

ocorresse o que ocorresse, queria que Jay soubesse seu nome. Durante quatro horas ao

menos, saberia de quem era a mulher.

–Quando o soubeste? –perguntou Frank.

–Faz uns dois dias. Há alguma possibilidade de interceptar Piggot antes de que

chegue até aqui? Isso seria o melhor.

Page 150: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–Poucas. O mais provável é que o agarremos ali. Não sabemos onde está, mas sim

para onde se dirige.

–Não gosta de trabalhar por encargo, e isso significa que provavelmente a estas

alturas estará vindo para aqui em um avião de pequeno porte e pretende aterrissar em

qualquer pista privada desta área. Tem um mapa das pistas da área?

–Agora mesmo o estamos tirando o computador. Poremos agentes em todas elas.

–Há algum lugar seguro em que possa deixar a Jay?

Frank respondeu em tom urgente.

–Luke, você não está de serviço. Não fique como isca. Suba no jipe, saia daí com a

Jay e me chame dentro de cinco horas.

– O desastre de Piggot foi minha coisa. Eu o arrumarei – respondeu Lucas em tom

frio e distante. – Se tivesse conseguido apanhá-lo o ano passado, agora não estaríamos

suportando tudo isto.

–E o que me diz de Jay?

–Tirá-la-ei daqui. Mas depois voltarei para pegar Piggot.

Consciente da inutilidade de discutir com ele a quilômetros de distância, Frank

respondeu:

–De acordo. Ponha em contato com o Veasey nesta freqüência, e te ponha em

marcha – recitou os números da freqüência só uma vez.

– Roger –disse Lucas, e apagou o interruptor para cortar a comunicação entre eles.

Continuando, deu meia volta na cadeira, levantou-se e se voltou para Jay.

Esta sentia todo seu corpo intumescido enquanto o olhava. Lucas sabia. Tinha

recuperado a memória. Seu tempo de graça se esgotou, os espelhos tinham quebrado

em pedacinhos: a farsa tinha terminado. A violência que tinha levado o Lucas a sua vida

estava a ponto de arrebatar-lhe outra vez.

Depois de ter recuperado a memória, voltava a ser Lucas Stone. Estava em seus

olhos, no agressivo resplendor que brilhava em seu olhar. Seu rosto se endureceu.

–Não sou Steve Crossfield –disse bruscamente. – Me chamo Lucas Stone. Seu ex-

marido está morto.

Jay se tinha ficado branca e estava completamente gelada.

–Eu sei –sussurrou.

Lucas esperava ouvir todo tipo de coisas, mas jamais se imaginou que aquela seria

a resposta de Jay. Deixou-o atônito, confuso, e irracionalmente furioso. Tinha passado

uma autêntica agonia durante esses dias, pensando no momento de dizer-lhe E ela já

sabia...

– Desde quando sabe? – perguntou secamente.

Jay sentia intumescidos até os lábios.

Page 151: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

– Faz tempo que sei – respondeu.

Lucas a agarrou com força do braço.

– Quanto tempo faz que sabe?

Jay tentou pensar. Levava tanto tempo apanhada naquela teia de mentiras que lhe

resultava difícil recordá-lo.

– Você... ainda estava no hospital.

Pela mente do Lucas passavam toda classe de possibilidades. Tinham-no treinado

para pensar sempre o pior, para não deixar de amassar-se até que as coisas tivessem

sentido. E não gostava de nada as possibilidades que apareciam em sua mente. Do

primeiro momento, ele tinha assumido que Jay era completamente inocente, que ignorava

tudo, e tinha sido utilizada pelo Sabin e pelo Frank Payne para protegê-lo, mas era mais

provável que a tivessem contratado para fazer aquele trabalho. Uma fúria incontrolável

começou a crescer em seu interior e teve que dominar seu gênio.

– Por que não me disse antes?

Deus, por um momento, tinha estado a ponto de voltar-se louco com todas aquelas

lembranças que iam a sua mente sem que nenhum concordasse com as coisas que Jay

lhe tinha contado sobre ele. Teria recuperado a memória muito antes se tivesse tido

algum dado sólido no que apoiar-se, em vez do conto de fadas que Jay tinha inventado

para ele.

Estava-lhe fazendo mal, certamente seus dedos terminariam lhe deixando marcas

nos braços. Jay tentou liberar-se inutilmente e ofegou quando Lucas incrementou a

pressão de sua mão.

– Tinha medo!

– Medo do que?

– Pensava que Frank me diria para que fosse embora se se inteirava de que tinha

descoberto que não era Steve. Lucas, por favor, está me machucando!

Pelo menos podia pronunciar seu nome. Inclusive no meio da dor, gostava de

saborear aquele som.

Lucas diminuiu a pressão, mas a agarrou também pelo outro braço e a sustentou

com firmeza.

– Então Frank te contratou para que dissesse que eu era Steve Crossfield?

– Não, não – gaguejou. – No princípio eu também pensava que era Steve.

– E o que te fez mudar de opinião?

– Seus olhos. Quando vi seus olhos eu soube.

A lembrança daquele momento era claro como o cristal. Quando os médicos lhe

tinham tirado as ataduras dos olhos e tinha olhado Jay pela primeira vez, tinha-a visto tão

Page 152: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

pálida como estava naquele momento. Era estranho, porque sabia que Sabin jamais teria

descuidado um detalhe tão básico como a cor de seus olhos.

– Seu marido não tinha os olhos castanhos?

– Meu ex-marido –sussurrou Jay. – Sim, mas escuros. Os teus são virtualmente

amarelos.

De modo que seus olhos eram diferentes dos de seu ex-marido. Quase caía na

risada de que Sabin, que tão cuidadosamente tinha preparado todo aquele trambique,

tivesse falhado em algo como isso. Mas mesmo assim, Jay não havia dito a ninguém que

se equivocou de homem, o qual teria sido o mais razoável. Nem sequer o havia dito a ele,

nem então nem durante as semanas que tinham compartilhado na cabana. O

aborrecimento e a frustração endureciam sua voz.

– por que não me disse isso? Não te ocorreu pensar que podia estar interessado em

saber quem era?

– Não podia me arriscar. Tinha medo... – começou a dizer, suplicando compreensão.

– Sim, é verdade, tinha medo de que se terminasse a moleza. Frank estava te

pagando para que ficasse comigo, assim não podia renunciar a este trabalho.

– Não! Não é isso...

– Então como é? Tem tanto dinheiro que não precisa trabalhar?

– Lucas, por favor. Não sou uma mulher rica.

– E como pudeste sobreviver durante os meses que estive no hospital?

– Frank tem feita acusação de todos meus gastos –respondeu frustrada. – Mas por

favor, quer me escutar?

– Estou-te escutando, querida. E acaba de me dizer que Frank te pagou para que

ficasse comigo.

– Fez o possível para que ficasse contigo! Acabava de perder meu trabalho... –

quando já era muito tarde, ouviu suas próprias palavras e soube como Lucas receberia

isso.

A raiva transformou os olhos e a boca do Lucas em uma dura linha.

– Então não desperdiçou a possibilidade de conseguir um trabalho especialmente

cômodo. O único que tinha que fazer era te sentar cada dia ao lado de minha cama para

obter tudo o que gostasse, porque Frank estava disposto a pagar todas as suas contas.

Isso explica os motivos pelos que não queria te casar comigo, não é verdade? Estava

encantada de aceitar seu salário, mas te casar com um desconhecido era algo um pouco

mais sério. Para não mencionar o fato de que nosso casamento não teria sido legal. Sim,

economizaste-te muitos problemas tirando a tona todas essas desculpas.

– Não eram desculpas. Tínhamos muito pouca informação sobre ti, podia haver

alguém a quem lhe importasse.

Page 153: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

– E havia! –gritou Lucas. – Minha família! Agora acreditam que estou morto.

Jay tentava não perder o controle e manter a voz firme.

– Não podia me casar contigo até que não tivesse recuperado a memória e tivesse a

certeza de que de verdade queria te casar comigo. Não podia me aproveitar de ti em uma

situação como esta.

– Um escrúpulo muito conveniente. Realmente te enobrece, não é verdade? É uma

pena. Mas se queria conservar esta moleza de trabalho, deveria te haver casado comigo

quando ainda tinha oportunidade de fingir que eu era Crossfield. Depois, quando

recuperasse a memória, poderia te haver feito passar por uma pobre vítima e

possivelmente teria conseguido que ficasse contigo sem me sentir culpado.

Jay se afastou bruscamente dele. De algum jeito, durante os longos meses que tinha

passado a seu lado, tinha chegado a acreditar que Lucas a amava, embora nunca o

houvesse dito com aquelas palavras. Mostrava-se tão possessivo, tão tenro e

apaixonado... Mas Lucas tinha recuperado a memória e não podia ter deixado mais claro

que seu amor tinha terminado. Já não a necessitava e era óbvio que não ia voltar a lhe

pedir em casamento. Tudo tinha terminado e não iriam separar se como amigos. Tinha

passado o pior: Jay lhe tinha mentido, tinha-lhe oculto sua verdadeira identidade e ele

nunca a perdoaria. Lucas pensava que o tinha feito porque o governo estava disposto a

lhe pagar até que tivesse terminado aquela farsa.

Lucas a soltou bruscamente, como se não pudesse suportar que continuasse

tocando-a e Jay se cambaleou. Quando recuperou o equilíbrio, voltou-se para a escada.

– Abre a porta –lhe pediu.

Lucas apertou os punhos. Ainda não estava preparado para pôr fim à discussão.

Não tinha todas as respostas que queria. Mas o gesto de Jay lhe recordou a necessidade

de sair rapidamente dali. Tinham que sair da cabana antes de que Piggot os encontrasse.

O último que queria era que Jay se visse apanhada no meio de um tiroteio.

– Eu irei primeiro –lhe disse, e passou na frente dela.

Assinalou a porta aberta e subiu a escada de pistola em mão. Assim que tirou a

cabeça da portinhola, olhou com receio em todas direções, saiu ao andar de cima e se

ajoelhou para ajudar a Jay a subir.

– Está tudo como deve ser. Vamos.

Jay não o olhou enquanto subia. E tampouco o fez enquanto aceitava a mão que lhe

estendia. Lucas fechou a porta e voltou a colocar a bola de feno sobre ela. Jay começou a

caminhar para a porta do abrigo, mas ele a agarrou e lhe fez retroceder.

– Cuidado! –disse-lhe com um sussurro furioso. – Voltaremos pelo mesmo caminho

pelo que chegamos até aqui. Procura te manter entre as sombras.

Lucas foi abrindo caminho e Jay o seguia sem dizer uma só palavra.

Page 154: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Continuava negando-se a acender a luz da cabana, de modo que Jay teve que ir as

escuras para o seu quarto enquanto procurava um pouco de roupa no meio da escuridão.

Quando estava tirando a camisa de Lucas para vestir sua própria roupa, ele entrou no

quarto. Depois de um momento de certo embaraço, Jay se voltou com estupidez para

vestir o sutiã. Sentia as mãos torpes e na escuridão não conseguia encontrar as alças.

Desesperada, terminou deixando o sutiã sobre a cama e vestindo diretamente o pulôver.

Lucas a observava com atenção. A pele pálida de seus seios resplandecia sob a

tênue luz que entrava pela janela e, apesar de seu aborrecimento, da sensação de traição

e a necessidade de odiá-la, desejou aproximar-se dela e estreitá-la contra ele. Só umas

horas antes tinha tido aqueles seios entre suas mãos, tinha-os acariciado avidamente

com sua boca. Fazia amor com o Jay até a agonia. Jay lhe havia dito que o amava. E,

entretanto, naquele momento se voltava como se quisesse esconder o corpo de seu

olhar.

Aquilo lhe doeu, sacudiu-o por dentro. Doeu-lhe muito mais que o que Jay acabava

de lhe dizer, muito mais que os motivos mercenários que lhe tinha jogado na cara.

Precisava saber por que, mas não tinha tempo. Maldita fosse. Se ao menos Jay não se

mostrasse tão doída e distante. Lucas tinha que lutar contra a urgência de estreitá-la em

seus braços e beijá-la para que mudasse de expressão. Diabos, o que podia lhe importar,

por que o tinha feito? Possivelmente no princípio teria atuado motivada pelo dinheiro,

mas, maldita fosse, tinha a condenada certeza de que naquele momento não era essa a

razão, ou pelo menos não o era de tudo. Mas embora assim tivesse sido, pensou sem

piedade, não permitiria que partisse. Tentaria arrumar as coisas entre eles assim que

tivessem apanhado ao Piggot, mas até então, o mais importante era assegurar-se de que

Jay estivesse a salvo.

–Seja rápida –lhe disse bruscamente.

Jay se sentou no beira da cama, tirou-se as botas, calçou rapidamente umas meias

e voltou a calçar as botas. A toda velocidade, agarrou a bolsa e a jaqueta e disse:

–Já estou pronta.

Lucas não via a necessidade de que se levasse nada mais. Teriam oportunidade de

retornar à cabana quando se feito acusação do Piggot e gostou que Jay não perdesse

nem um segundo mais. Jay era uma boa companheira inclusive quando não estava em

seu melhor momento.

Lucas tinha que encontrar um lugar seguro para deixá-la. Duvidava de que no Black

Bull, a população mais próxima, houvesse um hotel, mas não podiam ir mais longe.

Conduziu o jipe a uma velocidade de vertigem através da pradaria. Era um trajeto

perigoso, especialmente se se tinha em conta que não queria arriscar-se a acender as

luzes do carro. Mas temendo encontrar-se em algum momento naquela tessitura, durante

Page 155: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

sua estadia na cabana, Lucas tinha percorrido a pradaria uma e outra vez, desenhando

mentalmente a rota que tomaria, estimando a máxima velocidade que podia resultar

segura e tomando nota de todas as pedras e buracos do caminho. Conduzia tão perto da

linha das árvores que os ramos roçavam o lateral do jipe.

–Não vejo nada –disse Jay com voz tensa.

–Eu sim.

Não via muito, mas sim o suficiente para conduzir. Tinha boa visão noturna.

Jay se agarrou à porta quando o veículo saltou ao atravessar um montículo de

pedras. Lucas teria que acender as luzes para descer a montanha, pensou; o caminho só

tinha largura suficiente para um veículo e a um dos lados havia uma queda

completamente vertical. Inclusive à luz do dia, Jay apenas se atrevia a respirar até que

tinham superado aquele lance. Mas quando chegaram até ali, Lucas continuou

conduzindo sem luzes. A escuridão que tinham diante deles era absoluta.

Jay fechou os olhos. O coração lhe pulsava com tanta força que não podia ouvir

outra coisa. Não podia fazer nada. Lucas tinha decidido não acender as luzes, arriscar-se

a conduzir na escuridão, e ela não podia fazer nada para fazê-lo mudar de opinião. Sua

arrogante confiança em sua habilidade era tão admirável como aterradora. Jay preferiria

ter descido a montanha com dez metros de neve no caminho que fazê-lo a aquela

velocidade horripilante, mas Lucas tinha decidido que era assim que teria que fazê-lo e

não havia mais que falar.

Era incapaz de calcular o tempo que demoraram para percorrer aquele caminho. Lhe

pareceram horas. Ao final, os nervos não foram capazes de suportar tanta tensão e

terminaram adormecidos. Jay incluso abriu os olhos. Já nada importava. Se terminavam

caindo pelo precipício, morreriam juntos, tanto se tinha os olhos fechados como abertos.

Mas então chegaram à segunda pradaria. De repente, Steve pisou nos freios e

soltou um impropério. Jay viu quão mesmo acabava de ver ele: um feixe de luzes frente a

eles, no outro extremo da pradaria. Felizmente, ainda estavam fora do alcance das luzes,

mas Jay sabia tão bem como Lucas o que significavam. Os homens de Piggot estavam se

aproximando, preparando o terreno para a chegada de seu chefe.

Lucas deu meia volta para retornar por onde tinham chegado, mantendo o carro

sempre perto da linha de árvores. Quando chegaram ao final da pradaria, girou para o

norte e saiu do caminho. As rodas do jipe se afundavam quase por completo na neve.

–Agora vamos atravessar o campo?

–Não, é impossível. A neve é muito espessa –deixou o jipe escondido entre as

árvores e saiu. - Fique aqui –lhe ordenou, e desapareceu.

Page 156: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Jay girou nervosa em seu assento e forçou a vista tentando ver o que Lucas estava

fazendo. Mal distinguia sua silhueta na neve. Um instante depois, Lucas tinha

desaparecido.

Aos dois minutos retornou. Montou-se de novo no jipe, fechou a porta e baixou o

vidro.

–Escuta.

–O que tem feito?

–Apaguei o rastro de nosso carro. Só havia um carro. Se passar por nós, ainda

estamos a tempo de voltar para caminho e alcançar a auto-estrada.

Escutaram com atenção. O som do motor de um carro chegava nitidamente até eles

através do ar da noite. O carro se movia lentamente enquanto se abria caminho naquele

trajeto para ele desconhecido. As luzes penetravam na escuridão da noite e pareciam a

ponto de alcançá-los.

–Não se preocupe –sussurrou Lucas. – Não podem nos ver dali. Se não notarem

nada no lugar no que giramos e continuam avançando, tudo sairá bem.

Duas condições. Jay apertava os punhos com tanta força que as unhas lhe

cravavam nas palmas. As luzes estavam tão perto deles que iluminavam o interior do jipe.

Jay advertiu então que Lucas se pôs a jaqueta, mas não a camisa. Aquele estranho

detalhe a afetou de tal maneira que se perguntou se não estaria a beira da histeria.

–Continua –sussurrava Lucas para si, – continua.

Por um momento, pareceu que o outro carro estava a ponto de deter-se. O feixe de

luz se elevou ligeiramente para eles. Mas o carro de repente girou e ouviram como se ia

afastando o ruído do motor.

Jay soltou o ar que estava contendo. Lucas pôs o motor em marcha, sabendo que

não se ouviria por cima do outro motor e girou, rezando para que estivessem

suficientemente escondidos e as luzes de freio não revelassem sua situação. Pelo menos

levavam a outro carro atrás deles. No caso de que tivessem que fazê-lo, poderiam fugir

pela estrada. E tendo em conta o abrupto do caminho, as possibilidades de que

acertassem a dispará-los em uma perseguição eram poucas.

O jipe se cambaleou entre a neve e voltaram de novo para caminho. Nenhuma outra

luz quebrava a escuridão e, de vez em quando, através das árvores, viam as luzes do

outro carro, que continuava avançando lentamente por aquelas traiçoeiras montanhas.

Jay permanecia em silêncio, e continuou calada quando chegaram à estrada e Lucas

acendeu as luzes. Sentia-se como se a tivessem anestesiado.

Chegaram ao Black Bull às duas da madrugada. Todos os habitantes daquela cidade

de cento e trinta e três habitantes estava na cama. Nem sequer havia uma loja que

Page 157: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

abrisse a noite e, segundo o letreiro que pendurava do posto de gasolina, esta fechava às

dez da noite. O carro do xerife estava estacionado a um lado do posto de gasolina.

Lucas deteve o jipe.

–Acha que pode conduzir suficientemente bem para sair daqui? –perguntou-lhe

bruscamente.

Jay baixou o olhar para a alavanca de marchas, mas não olhou o Lucas.

–Sim.

–Então dirija até a próxima cidade em que possa encontrar um hotel. Dali chama o

Frank. Ele arrumará tudo para que vão te buscar. Tem seu número de telefone?

Assim tinha chegado o momento. Tudo tinha terminado.

–Me dê uma caneta. Escrever-lhe-ei isso.

Jay procurou com estupidez na bolsa e tirou uma caneta, mas não tinha nenhum

pedaço de papel no que apontar o número. Ao final, Lucas lhe agarrou a mão, deu-lhe

meia volta e lhe escreveu o número na palma.

–Aonde vai? –perguntou-lhe Jay com voz tensa.

–Vou abrir esse carro do xerife para chamar o Veasey. Depois irei procurar o Piggot

e terminarei com isto de uma vez por todas.

Jay fixou o olhar no pára-brisa. Apertava a mão com força, como se quisesse evitar

que o número que Lucas lhe tinha escrito na mão se apagasse.

–Tome cuidado –conseguiu dizer.

Era uma frase debulhada, mas a estava dizendo de todo coração. perguntava-se se

Frank alguma vez lhe contaria o ocorrido. Se chegaria a inteirar-se do que lhe tinha

acontecido ao Lucas.

–Já conseguiu me armar uma emboscada em uma ocasião. Não voltará a ocorrer.

Lucas saiu do jipe e se dirigiu a grandes pernadas até o carro do xerife. Estava

fechado, mas isso não foi nenhum impedimento. Abriu a porta em menos de dez

segundos. Olhou para o jipe e ficou observando Jay através do vidro. Tinha o rosto

branco como o de um fantasma. Naquele momento, não havia nada que Lucas desejasse

mais que estreitá-la entre seus braços e beijá-la com tanta força que ambos pudessem

esquecer aquele desastre, mas se a beijasse, não seria capaz de deter-se e o mais

importante era ocupar-se do Piggot. Entretanto, queria-a tão profundamente que teria

estado disposto a utilizar o vínculo do sexo para assegurar-se de que Jay soubesse que

era dele. Uma sensação de vazio ia lhe devorando as vísceras. Não tinham sido capazes

de resolver a difícil situação com a que se encontraram, mas isso teria que esperar.

Possivelmente fosse melhor dessa maneira. Ao cabo de umas poucas horas, já não teria

que voltar a preocupar-se com o Piggot e teria podido controlar sua impaciência. Seria

capaz de pensar com claridade, de deixar de comportar-se como se Jay o tivesse traído.

Page 158: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Ainda não compreendia as razões pelas que ela o tinha enganado, mas, apesar de tudo,

sabia que o amava.

Em vez de passar a ocupar o assento do condutor, Jay abriu a porta, saiu e olhou a

seu redor. Deteve-se diante do jipe. Sua esbelta silhueta se recortava contra as luzes.

–Era a única forma que me ocorria de lhe proteger –lhe disse, depois, voltou-se a

montar-se no jipe e pôs o motor em marcha.

Lucas observou as luzes que se afastavam rumo à auto-estrada. Estava estupefato.

Para protegê-lo?

Ele estava acostumado a tomar sozinho suas decisões, a idéia de que alguém

pudesse protegê-lo sem seu conhecimento lhe resultava completamente estranha. O que

acreditava Jay que podia fazer para protegê-lo?

Dela tinha dependido manter essa farsa. Jay tinha razão; Frank a teria tirado do meio

assim que lhe houvesse dito que tinha cometido um engano, que ele, Lucas, não era seu

ex-marido. Jay não tinha nem as armas nem o treinamento necessário, mas isso não lhe

tinha impedido de assumir, literalmente, o papel de guarda-costas. Toda aquela farsa

dependia dela, de modo que tinha decidido guardar silêncio e continuar protegendo-o com

sua presença.

Porque o amava. Lucas soltou um impropério. Sua respiração pareceu cristalizar-se

no ar gélido da noite. Sua maldita preparação como agente lhe tinha jogado uma má

passada, lhe fazendo ver uma traição aonde não havia nenhuma, lhe fazendo questionar

os motivos da atitude de Jay e assumindo o pior. Bastava olhar-se a si mesmo para

compreender por que Jay não lhe havia dito nada. Acaso não tinha permanecido ele em

silêncio durante os dois dias anteriores porque temia perdê-la no caso de que lhe

dissesse a verdade? Amava-a muito para aceitar sequer a possibilidade de perdê-la, até

que Piggot tinha forçado a situação.

Soltou um novo juramento, meteu-se no carro e o pôs em marcha.

O amanhecer lançava seus primeiros raios rosados sobre a neve, uma imagem da

que Lucas tinha desfrutado de muitas vezes nas montanhas. Mas aquela manhã em

particular, a cena não era tão bucólica. A pradaria estava cheia de homens e veículos. A

antiga neve tinha sido pisoteada. De vez em quando aparecia alguma mancha

avermelhada. À esquerda da cabana havia um helicóptero cujas hélices removiam

lentamente o ar da manhã.

Dez homens armados avançaram para ele quando apareceu de entre as árvores,

mas elevaram suas armas assim que o reconheceram. Lucas caminhou com passo firme

para eles, sustentando sua própria pistola com a mão manchada de sangue. O fedor do

explosivo composto principalmente por pólvora e nitroglicerina, irritava-lhe o nariz e uma

Page 159: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

nuvem de fumaça cinza descansava sobre a pradaria, como se estivesse resistindo os

esforços da brisa por dissipá-la.

Havia um homem alto, de cabelo escuro, perto do helicóptero, fiscalizando a cena

com os olhos entrecerrados.

Lucas se aproximou dele.

–Correste um grande risco ao nos alojar em sua própria cabana –lhe espetou.

Kell Sabin olhou a seu redor.

–Era um risco calculado. Tinha que encontrar o infiltrado. Assim que se soube o

lugar no que estava localizada a cabana, soube quem era, porque o acesso à informação

era muito restringido –se encolheu de ombros. – Já encontrarei outro lugar para passar as

férias.

–Esse infiltrado descobriu minha coberta?

–Sim. Até então, eu não tinha nem idéia de quem era –a voz do Sabin era gélida e

seus olhos pareciam dois tições.

–Então que sentido tinha seguir com a farsa? E por que colocar A Jay em toda esta

confusão?

–Para que Piggot continuasse tentando averiguar se estava vivo. Seu álibi já não nos

servia. Conhecia sua família e podia tentar chegar até eles. Estava tentando ganhar

tempo para manter a todo mundo a salvo até que Piggot saísse de novo à superfície e

pudéssemos apanhá-lo –Sabin olhou para as árvores. – Suponho que não voltará a nos

incomodar.

–Nem a nós nem a ninguém.

–Este foi seu último trabalho. Já está fora...

–Certamente que sim –se mostrou de acordo Lucas. – Tenho coisas melhores que

fazer, como me casar e formar uma família.

De repente Sabin sorriu e a frieza desapareceu de seu olhar. Muito poucas pessoas

tinham visto o Sabin assim, as únicas às que realmente podia chamar amigos.

–Quanto mais grandes som... –burlou-se, mas não terminou a frase. – Já o há dito a

ela?

–Ela já sabia. Averiguou-o quando ainda estava no hospital.

Sabin franziu o cenho.

–O que? Mas não disse nada... Como é possível que soubesse?

–Por meus olhos. Meus olhos não são da mesma cor que os do Crossfield.

–Diabos. Um detalhe tão pequeno... E mesmo assim seguiu adiante?

–Acredito que averiguou que toda esta farsa era para me proteger.

–Mulheres –murmurou Sabin brandamente.

Page 160: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Pensou em sua própria esposa, que tinha lutado como uma tigresa para lhe salvar a

vida quando nem sequer o conhecia. Não lhe surpreendia que Jay Granger se pôs em

perigo para proteger ao Lucas.

Este se esfregou o queixo.

–Nem sequer lhe importa ver-me com esta cara tão feia.

–Os cirurgiões fizeram o que puderam. Tinha a cara destroçada –Sabin voltou a

sorrir. – De todas formas, era muito bonito.

Os dois homens continuaram observando todo o processo de limpeza e seus

semblantes voltaram a escurecer-se ante tantas vidas perdidas. Tinham morrido três

homens, entre eles Piggot, e quatro mais tinham sido detidos.

–Notificarei a sua família que está vivo –disse Sabin por fim. – Sinto que tenham tido

que passar por tudo isto, mas com o Piggot solto, era o mais seguro para ti e para todos

eles, sempre e quando a farsa funcionasse. Agora tudo terminou. Vá procurar a Jay em

qualquer lugar que a tenha escondido e saiam os dois daqui.

Lucas o olhou. A cor abandonou lentamente seu rosto.

–Ainda não chamou ao Frank? –perguntou com voz rouca.

Sabin permaneceu em silêncio durante alguns segundos.

–Não, onde está?

–Supunha-se que tinha que conduzir até a cidade mais próxima, procurar um hotel e

chamar o Frank. Droga!

Deu meia volta e saiu correndo para o abrigo seguido pelo Sabin. de repente, ficou-

se gelado. Era possível que Piggot tivesse localizado Jay antes de chegar até ali, e existia

também a ligeiramente menos terrível possibilidade de que Jay tivesse tido um acidente.

Deus santo, onde estava Jay?

Depois de deixar o Lucas, Jay continuou conduzindo como uma autômato, seguindo

as diferentes indicações da estrada. Ao cabo de vários quilômetros, tomou a auto-estrada

que os tinha levado até Colorado Springs, mas em direção contrária. Não prestava

nenhuma atenção à hora; simplesmente, limitava-se a conduzir. A auto-estrada a

conduziu até o Leadville e, de ali, através de outra estrada, dirigiu-se para Denver.

O sol começava a elevar-se no céu, lhe dificultando a visão, e virtualmente não tinha

muita gasolina. Sairia na seguinte saída da auto-estrada e encheria o depósito.

De momento, isso seria tudo.

Estava esgotada, mas não podia deter-se. Se parasse, teria que pensar, e naquele

momento não podia suportá-lo. Revisou sua carteira, não tinha muito dinheiro, uns

sessenta dólares, mas conservava os cartões de crédito. Com eles poderia retornar a

Nova Iorque, o único lar que ficava, seu único refúgio.

Page 161: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Essa mesma estrada a levou até o aeroporto internacional do Stapleton, em Denver.

Jay estacionou o jipe e depois de anotar mentalmente o lugar no que tinha estacionado

para dizer-lhe ao Frank, entrou no terminal. O primeiro que fez foi comprar o bilhete e teve

a sorte de encontrar lugar em um avião que saía em uma hora. Depois foi procurar um

telefone para chamar o Frank.

Ele respondeu ao primeiro toque.

–Frank, é Jay –se identificou a si mesmo. – Já terminou tudo?

–Onde diabos está? –gritou Frank.

–Em Denver.

–Em Denver! E o que está fazendo ali? supunha-se que tinha que me haver

chamado faz horas. Luke está a ponto de voltar-se louco e temos a toda a polícia de

Colorado te procurando.

Jay sentiu que se tirava um peso enorme do coração.

–Ele está bem, Frank? Não está ferido?

–Sim, está bem. Fez-se um arranhão no braço, mas nada que não possa curar um

curativo. Olhe, onde está exatamente? Irei te buscar...

–Tudo terminou? –insistiu Jay. – De verdade que terminou tudo?

–Refere ao Piggot? Sim, tudo terminou. Luke acabou com ele. me diga onde está e...

–Me alegro –as pernas pareciam incapazes de seguir agüentando seu peso durante

muito mais tempo. – Cuida dele.

–Meu Deus, não desligue! –gritou Frank. – Onde está?

–Não se preocupe –conseguiu dizer Jay. – Posso voltar para casa sozinha.

E, esquecendo-se completamente do jipe, pendurou o telefone. Continuando, dirigiu-

se ao banheiro e lavou a cara com água fria. Enquanto se escovava o cabelo, advertiu a

palidez de suas bochechas e as olheiras que escureciam seus olhos.

–Certamente, esta gente sabe como fazer desfrutar a uma mulher –murmurou a seu

reflexo.

O Yogi Berra havia dito «nada termina até que realmente termina», mas,

definitivamente, aquilo tinha terminado. Apesar de seu esgotamento, Jay não pôde dormir

durante o vôo. Tampouco foi capaz de comer, embora tinha o estômago vazio. Conseguiu

tomar um refresco, mas nada mais.

Depois da solidão da pradaria, o aeroporto de Nova Iorque lhe pareceu um autêntico

manicômio. Entravam-lhe vontades de encolher-se contra uma parede e dizer a toda

aquela gente que se fosse. Mas em vez de gritar, meteu-se em um ônibus e uma hora e

meia mais tarde, entrava em seu apartamento.

Não o tinha pisado desde fazia meses; e tinha deixado de ser para ela um lar.

Tinham-no cuidado em sua ausência, tal e como Frank lhe tinha prometido, mas estava

Page 162: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

tão vazio como ela. Nem sequer tinha ali sua roupa. Riu com tristeza; a roupa era a menor

de suas preocupações. Frank se asseguraria de que a enviassem.

Mas havia lençóis e toalhas no banheiro. De modo que se meteu na ducha e depois

até foi capaz de reunir forças para fazer a cama. O sol da tarde começava a se pôr

enquanto se deitava nua entre os lençóis limpos. Como uma autômato, deu meia volta,

procurando o calor do Lucas, mas ele não estava ali. Tudo tinha terminado e Lucas já não

a queria. As lágrimas afloraram a seus olhos enquanto fechava as pálpebras, mas quase

imediatamente ficou adormecida.

–Janet Jean. Janet Jean, acorda.

A voz abria caminho até sua consciência, tentando arrancá-la do sono. Jay não

queria despertar. Enquanto continuasse dormindo, não teria que enfrentar-se a uma vida

sem Lucas. Mas aquela parecia sua voz. Franziu o cenho.

–Janet Jean, acordada, querida – uma mão forte lhe sacudiu o ombro nu.

Jay abriu os olhos lentamente. Era Lucas que estava sentado a beira da cama,

olhando-a com o cenho franzido. Seus olhos amarelos pareciam quase criminais, embora

seu tom tinha sido tudo quão delicado sua voz rouca lhe permitia. Tinha um aspecto

infernal; necessitava urgentemente se barbear, estava despenteado e uma atadura

ensopada de sangue cobria seu antebraço esquerdo. Mas pelo menos levava uma

camisa, e sua roupa parecia limpa.

–Sei que fechei com chave –o sono ainda lhe impedia de pensar com claridade. Em

Nova Iorque a ninguém lhe ocorria deixar a porta sem fechar.

Lucas se encolheu de ombros.

–Vamos, querida, vá ao banheiro e te lave a cara com água fria. Eu prepararei o

café.

O que estava fazendo ali? A Jay não lhe ocorria nenhuma razão, e embora parte

dela se regozijava ao vê-lo, não importava por que, outra parte sofria ao saber que teria

que voltar a despedir-se dele. Possivelmente naquela ocasião não fora capaz de suportá-

lo.

–Que horas são?

–Quase as nove.

–Impossível, ainda é de dia.

–As nove da manhã –lhe explicou Lucas com paciência. – Vamos, te levante.

Segurou-lhes nas mãos para sentá-la na cama e os lençóis caíram até sua cintura,

expondo seu corpo nu. Jay agarrou rapidamente o lençóis para ocultar seus seios; não se

atrevia a olhá-lo nos olhos enquanto sentia o rubor que cobria suas bochechas.

Page 163: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Com um semblante completamente inexpressivo, Lucas ficou de pé e se desabotoou

a camisa.

–Toma, ponha isto. Trouxe-te sua roupa, mas está toda revirada nas malas.

Jay olhou a camisa e a pôs. Sem dizer uma só palavra, levantou-se, meteu-se no

banheiro e fechou com firmeza a porta atrás dela. Começou a fechar o trinco, mas decidiu

não perder o tempo. Os trincos não serviam de nada com o Lucas.

Cinco minutos depois, estava muito mais acordada depois de ter seguido seu

conselho e haver-se lavado a cara. Depois de ter passado tanto tempo sem beber, estava

também sedenta, e bebeu vários copos de água. Haveria se sentido muito mais segura se

tivesse levado em cima algo mais que essa camisa. O tecido estava impregnado do

aroma de Lucas. A levou até o rosto, inalou profundamente e decidiu retornar à

segurança de seu dormitório.

Lucas estava deitado na cama. Jay ficou paralisada ao vê-lo.

–Acreditava que foste fazer café.

–Não tem café.

Levantou-se, posou as mãos em seus ombros e a sacudiu.

–Droga – disse com voz trêmula. – Passei por um autêntico inferno quando me

inteirei que não tinha chamado ao Frank. Por que fugiu? O que te tem feito voltar aqui?

Jay inclinou a cabeça; o cabelo lhe caía sobre a cara.

–Não tinha onde ir –disse, com a voz baixa.

Ele a estreitou entre seus braços.

–De verdade acreditava que ia deixar que te afastasse de mim tão facilmente?

–O que é o que tenho feito tão mal? – perguntou suplicante. – Não sabia outra

maneira de te proteger! Quando te vi os olhos, soube que tinha que ser o agente que

supostamente tinha morrido, e compreendi também que se tomaram muitíssimas

moléstias para te esconder, o que queria dizer que estava em perigo. Tinha amnésia, nem

sequer sabia quem andava atrás de ti! Pensei que mentir era a única forma que tinha de

te manter a salvo.

Os olhos do Lucas resplandeceram.

–E por que te importava o que pudesse me acontecer?

–Porque estava apaixonada por ti! Ou acha que também isso é mentira?

Lucas a acariciou com delicadeza.

–Não –lhe disse com voz baixa, – acredito que sempre soube que me amava, quase

desde o começo.

As lágrimas apareciam pelos olhos de Jay.

Page 164: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

–A primeira vez que te toquei –sussurrou, – senti o calor de sua pele, e também a

força com a que estava lutando para conservar a vida. Comecei a te amar naquele

momento.

–Então por que partiu?

Mostrava-se implacável, mas aquele era um traço muito próprio dele.

–Porque tudo tinha terminado. Você não me queria. Me aterrorizava o que pudesse

fazer quando recuperasse a memória. Tinha medo de que me afastasse de seu lado,

como o fez. Assim decidi partir.

–Eu só queria te afastar do perigo, droga! Não pretendia que partisse a mais de mil

quilômetros –a levantou em seus braços, deixou-a na cama e se deitou a seu lado. – Esta

vez não quero desculpas. Esta vez vamos nos casar assim que possamos fazê-lo

legalmente.

Jay o olhou tão surpreendida como a primeira vez que Lucas tinha falado de

casamento.

–O que... o que? –balbuciou.

–Disse-me que voltasse a lhe perguntar isso quando tivesse recuperado a memória.

Bom, pois já a recuperei. Já podemos nos casar.

Quão único pôde dizer Jay foi:

–Isso não é uma pergunta, é quase uma ordem. E se acha que me deve...

Lucas, que tinha começado a lhe desabotoar a camisa, elevou bruscamente o olhar

para ela.

–Amo-te tanto que me tem feito perder a cabeça...

Jay estava completamente estupefata.

–Nunca me disse isso. Eu pensava que... Mas logo você me disse que me partisse.

–Acreditava que não podia te deixar mais claro o que sentia –grunhiu Lucas.

–Te faz falta que lhe diga isso? –perguntou-lhe Jay.

–Claro que me faz falta.

–Pois a mim também.

Lucas inclinou a cabeça e a beijou enquanto acariciava seu corpo nu. Aproximou de

Jay suas musculosas pernas e esta sentiu a dureza de seu sexo contra a coxa.

–Amo-te, Lucas Stone.

Pelo menos, já podia pronunciar seu nome com todo seu amor.

Epílogo

–De verdade morreu Piggot?

Page 165: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

Lucas observou o rosto de Jay atentamente através da mesa. Tinha baixado para

comprar o necessário para o café da manhã e ambos estavam comendo como se

estivessem mortos de fome, que era exatamente como estavam. Lucas tampouco tinha

comido algo desde o dia anterior. Encontrar Jay e conseguir que voltasse com ele tinha

sido muito mais importante que a comida.

–Sim. Fui eu o que lhe pôs fim à missão – a verdade era dura, mas Jay tinha direito

de saber o tipo de homem com o que estava a ponto de casar-se.

Jay bebeu um sorvo de café e elevou seus incríveis olhos azuis para ele.

–Me alegro de que esteja morto – disse com ferocidade. – Tentou te matar.

–E esteve a ponto de consegui-lo.

Jay se estremeceu, pensando nos dias em que a vida de Lucas pendia de um fio e

ele alongou a mão para ela.

– Não, querida, tudo terminou. Essa parte de nossas vidas já se acabou. E esta... –

estreitou-lhe a mão – não tem feito mais que começar, se estiver segura de que suportará

ver todos os dias esta cara à hora do café da manhã.

Jay esboçou um sorriso que iluminou seu rosto como a luz do sol.

– Bom não é especialmente bonito, mas te asseguro que é um homem muito sexy.

Lucas grunhiu, puxou-a brandamente e a sentou em seu colo. Jay lhe rodeou o

pescoço com os braços enquanto ele inclinava a cabeça para lhe dar um beijo.

– Por certo, já não sou agente.

Jay o olhou sobressaltada.

– O que?

– Disse que já não sou agente. Estou oficialmente retirado desde ontem. Sabin me

tirou disso. Uma vez descoberta minha identidade, não podia voltar para a agência sem

pôr em perigo a minha família. Na realidade estava fora desde a explosão, mas Sabin não

o tem feito oficial até que acabamos com o Piggot.

– Então suponho que nós dois teremos que procurar trabalho.

Aposentou-se! A Jay entravam vontades de ficar a cantar aleluias. Já não teria que

preocupar-se cada vez que Lucas saísse de casa de não voltar a vê-lo outra vez.

Ele lhe acariciou o lábio com o polegar.

– Já tenho um trabalho, querida. Sou um homem de negócios, sou sócio na firma de

engenheiros de meu irmão. Trabalhei por todo mundo, era uma boa coberta para as

missões que me encarregavam. A estas alturas, Sabin já teria falado com minha família e

lhes terá contado que houve um engano na identificação das vítimas da explosão e que

estou vivo. A impressão vai ser tremenda para todos, especialmente para meus pais. E

tendo em conta como mudou meu rosto e minha voz, custar-lhes-á acostumar-se,

Page 166: Mentiras piedosas - VISIONVOX · Mentiras piedosas Título Original: White Lies Linda Howard Lucas Stone e Jay Granger “Este Livro faz parte de um Projeto individual, sem fins lucrativos

– E além disso vais levar a uma mulher desconhecida a sua família –disse Jay, com

a preocupação obscurecendo seu olhar.

– Ah, isso. Não se preocupe por isso. Minha mãe leva anos me dizendo que tenho

que sentar cabeça. Antes não era sequer uma possibilidade, mas isso mudou – lhe dirigiu

um sorriso travesso. – Em todo caso, já decidi me retirar, assim poderei dedicar todo meu

tempo a te satisfazer.

E certamente o fazia. Jay posou a cabeça em seu ombro, absorvendo seu calor e

sua proximidade. Lucas esticou os braços.

–Amo-te – lhe disse com voz firme.

–Eu também te amo, Lucas Stone – jamais se cansaria de dizê-lo, e ele nunca se

cansaria de ouvi-lo.

Lucas se levantou e a abraçou.

– Vamos fazer uma chamada de telefone. Quero que meus pais saibam que têm

uma nora.

Fez essa chamada de telefone, mas não diretamente. Antes a beijou e quando

elevou a cabeça, a expressão de seus olhos se intensificou. Levou-a ao quarto; ali, o

espelho refletiu a imagem de duas pessoas entrelaçadas enquanto se amavam.

FIM