espiritualidade inaciana e o documento de aparecida, por mario de frança miranda

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  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

    1/13

    "ITAICI - Revista

    de

    Espiritualidade Inaciana" é

    uma publicação

    de

    Edições Loyola, sob a responsabilidade do CEI-ITAICI.

    ISSN 1517-7807

    EQUIPE DO CEI-ITAICI

    (CENTRO DE ESPIRITUALIDADE INACIANA DE ITAICI):

    Pe. Álvaro Barreiro Luafia, SJ

    Pe. Emmanuel da Silva e Araújo, SJ - Diretor

    Pe. José

    Marcos de

    Faria,

    SJ

    Ir.

    Judite

    Delmassa, MM

    Pe. Luís González-Quevedo, SJ - Redator

    Ir.

    Maria Fátima

    Carvalho, ASCJ

    Ir. Maria Fátima Maldaner, SND

    Ir. Maria

    Inez

    de Oliveira, PGap

    Ir. Odette Bechara, FI

    Pe.

    Raniéri de

    Araújo Gonçalves, SJ - Secretário Executivo

    Ir. Teresa

    Cristina

    Patrick,

    ISJ

    EXPEDIENTE e DIAGRAMAÇÃO

    Robson Pranstreter

    CAPA

    Sagrada Família de Michelangello, conhecida como

    Tondo Doni

    "Galleria degli

    Uffizi,

    Florença, Itália".

    PROJETO GRÁFICO

    Maurélio Barbosa

    COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO:

    Edições Loyola

    Rua

    1822

    347

    04216-000 - São Paulo -

    SP

    - Brasil

    Cx. P. 42.335 - 04299-970 São Paulo - SP

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    CENTRO DE ESPIRITUALIDADE INACIANA DE ITAICI:

    Rodovia José Boldrini, 170 • Itaici • CEP 13.341-700 • Indaiatuba • SP • Brasil

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    o Ano 2007

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    • SP • Brasil

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

    2/13

    2007

    ANO 17

    1

    1

    REVISTA

    E

    ESPIRITVALIDADE

    INACIANA

    s

    .

    man

    EDl ruRIAL

    3 ········································································································································

    AHTIGQS

    5 .............................................................. Uma Mística da encarnação: Mística inaciana

    EMMANUEL

    DA

    SILVA E ARAÚJO

    SJ

    17

    ................................................................................. A Contemplação

    da

    Encarnação

    JOÃO BATISTA LIBÃNIO

    SJ

    29 ...................................................................... Descer a Nazaré. A humildade inaciana

    Luís GoNzALEz-QuEvrno, SJ

    43 ........................................... A Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida

    MARIO

    DE FRANÇA MIRANDA SJ

    54 ................................................................................................. Nos umbrais da mística

    J. RAMÓN

    F

    DE LA CiGÕNA SJ

    61 ...................................................................................... A espiritualidade de São João

    Luís INAc10 JoAo STADELMANN SJ

    ITAICI REVISTA

    DE ESPIRITUALIDADE INACIANA

    Dezembro/2007)

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

    3/13

    J_

    Pe

    Mário

    de

    França

    Miranda professor da

    faculdade

    de Teologia

    d PUC-Rio e

    colaborador da nossa

    revista participou da

    V

    Conferência

    Geral

    doCELAM em

    irit li

    MÁRIO

    DE

    FRANÇA

    MIRANDA

    SJ

    INTRODUÇÃO

    Primeiramente uma palavra para justificar o tema. Pois, à

    primeira vista, a visão espiritual de Santo

    Inácio

    não parece

    ter

    relação direta alguma com o texto da V Conferência como, aliás,

    com

    qualquer outro texto do magistério eclesiástico. Vamos

    então

    forçar

    uma aproximação

    carecendo de um real

    fundamento?

    Vamos tentar reduzir o rico e diversificado pronunciamento de

    Aparecida aos limites da visão inaciana? Não estaremos assim

    correndo

    o risco de deformar seu conteúdo?

    Como

    vemos, faz-se

    necessário uma explicação inicial.

    Toda leitura de um texto se dá inevitavelmente a partir da

    perspectiva do leitor.

    Neste

    sentido nunca teremos

    uma

    aborda

    gem universal e perfeitamente objetiva. Entender um texto é,

    no

    fundo, interpretá-lo no interior de meu horizonte de compreensão,

    de

    minha

    bagagem existencial, de minhas inquietações anteriores.

    Naturalmente o texto goza de uma autonomia que resistirá a

    interpretações

    totalmente

    subjetivas e fantasiosas, mas

    não

    poderá

    impedir que percepções e ênfases diversas se manifestem a partir

    das diferentes óticas de leitura.

    Se

    não desvirtuam sua verdade,

    conseguem, entretanto, apresentá-la de um modo particular e espe

    cífico. A abordagem inaciana se assim podemos falar, do

    Documento de Aparecida é, portanto, uma das múltiplas possíveis.

    Através dela poderemos constatar coincidências, enfatizar alguns

    pontos, deixar outros em segundo plano. Feita esta observação

    preliminar, entremos

    na

    temática.

    1. A EXPERIÊNCIA PESSOAL COM DEUS

    Santo Inácio viveu

    em

    um tempo crítico,

    no

    qual a confiança

    nas autoridades e nas instituições da Igreja se encontrava abalada

    ITAICI REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA IDezembro/2007)

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    e perplexa. A reforma de Lutero, seguida por outros líderes cris

    tãos, já

    havia

    provocado a ruptura da unidade eclesial, trazendo

    grande confusão para a

    mente

    dos católicos.

    Se

    realizar a

    vontade

    de Deus significava trilhar o caminho correto para a salvação, a

    questão

    central

    daquela época era como se poderia chegar a co

    nhecer esta vontade. Estando a hierarquia eclesiástica e as media

    ções tradicionais desacreditadas, Inácio, a partir de sua

    experiência

    pessoal

    vai oferecer

    uma

    via de acesso mais existencial a seus

    contemporâneos. De fato, seus conhecidos

    Exercícios Espirituais

    constituem uma

    verdadeira pedagogia para alguém encontrar a

    vontade de Deus.

    Através da leitura das moções surgidas ao longo das suces

    sivas Semanas pode perceber o exercitante, pessoalmente e de

    dentro

    de sua experiência, o desígnio

    divino

    para

    ele,

    devendo

    o

    diretor do retiro abster-se de influenciá-lo nesta experiência,

    apenas fornecendo-lhe orientações para

    melhor

    saber vivê-la e

    interpretá-la (EE 15).

    Fundamental

    aqui é a experiência pessoal.

    Sem

    ela tudo se

    encontra

    questionado (EE 6). Ela consiste na

    ação de Deus em cada indivíduo e na percepção que cada um

    tem desta ação, realidade da qual estava profunda e tranqüila

    mente convicto

    Santo

    Inácio.

    Situação

    de

    certo modo

    semelhante

    a de

    Inácio

    vivemos

    hoje, embora

    provinda

    de causas bem diferentes. A sociedade

    pluralista de nossos dias acaba por relativizar os discursos e en

    fraquecer as palavras pelo enfrentamento com outros discursos e

    palavras diferentes. Além disso, a fragmentação do saber veda

    nos uma visão global da realidade que pudesse nos

    orientar

    neste

    conflito generalizado de interpretações

    (DA

    36)

    1

    Sem falar

    na

    velocidade crescente das transformações,

    alimentada

    por novos

    conhecimentos

    e novas tecnologias, que acarreta enorme difi

    culdade para a transmissão de valores e de padrões comporta

    mentais (DA 39). Este traço cultural de nossa sociedade repercute

    também

    para

    dentro da

    Igreja.

    Pois o católico se vê rodeado por crenças e convicções dife

    rentes

    da

    sua própria fé.

    Apenas

    a

    doutrina

    como

    tal não lhe

    satisfaz. Permanece a perplexidade, a dúvida, a relativização do

    que era inquestionável

    para

    gerações anteriores.

    As

    pessoas

    não

    conseguem uma compreensão

    unitária

    (da realidade) que lhes

    permita exercer sua liberdade com discernimento e responsa

    bilidade (DA 42). A transmissão da

    para os jovens se torna

    ITAICI REVISTA

    DE

    ESPIRITUALIDADE

    INACIANA Dezembro/2007)

    1.

    DA = Documento e

    Aparecida.

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

    5/13

    O E

    =Deus

    Caritas est.

    um problema central. Examinada com mais atenção esta trans

    missão

    não

    consiste tanto em passar doutrinas religiosas e marcos

    éticos, mas, sobretudo,

    em

    fazer

    com

    que gerações mais novas

    possam realizar as experiências salvíficas que marcaram nossas

    vidas e

    fundamentam

    nossa fé. Transmitimos,

    no

    fundo, o Deus

    que

    nos ama

    e

    habita em

    nós.

    Transmitimos alguém que

    se

    entregou a nós e que vive

    em

    nós.

    Aqui o

    Documento

    de Aparecida é profundamente inaciano.

    Não se começa a ser cristão

    por

    uma decisão ética

    ou uma

    grande

    idéia, mas através do encontro

    com

    um acontecimento,

    com

    uma

    Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orien

    tação decisiva

    (DA

    243,

    citando

    DCE 1 2. Este encontro pode

    se

    dar

    diversamente:

    na

    Igreja

    (DA

    246),

    na

    Sagrada Escritura

    (DA 247-249), na Eucaristia (DA 250s), na oração (DA 255),

    na comunidade viva

    (DA

    256), nos Pastores

    (DA

    256), nas teste

    munhas

    pela justiça (DA 256) e nos pobres (DA 257). Impor

    tante

    é que esteja presente.

    Daí se

    compreendem

    as afirmações que

    recomendam

    para

    os afastados da Igreja

    uma

    experiência religiosa profunda e in

    tensa

    (DA

    226)

    ou

    que urgem

    como

    início do processo de ini

    ciação cristã a experiência de

    um

    encontro

    pessoal

    com

    Jesus

    Cristo

    que leve à conversão (DA 289). Esta é a tradição mais antiga da

    Igreja , prévia e concomitante com a celebração dos sacramentos,

    fazendo a pessoa

    participar

    do que os antigos

    chamavam

    de

    catequese mistagógica

    (DA

    290).

    2.

    A CENTRALIDADE

    DE

    JESUS

    CRISTO

    Outro ponto nuclear

    da

    espiritualidade inaciana é o seu

    cristocentrismo. A pessoa de Jesus Cristo é marcante ao longo de

    todas as etapas dos Exercícios Espirituais. Já na Primeira

    Semana

    esta presença surge no conhecido colóquio diante de Jesus cruci

    ficado, que termina com as palavras o que fiz por Cristo, o que

    faço por Cristo e o que devo fazer por Cristo (EE 53). Nas demais

    Semanas é Jesus Cristo, sua pessoa, suas palavras e sua missão a

    temática fundamental das contemplações. Pois sua vida é a reali

    zação histórica de alguém que sempre disse sim a Deus, que sempre

    foi fiel em fazer Sua vontade e corresponder plenamente ao desígnio

    salvífico do Pai. Será, portanto, nesta realização

    histórica

    do que

    chamamos a vontade de Deus , que o exercitante poderá encontrar

    o que Deus quer dele através da leitura correta das moções que o

    ITAlCI REVISTA DE ESPIRITUALIDADE

    INACIANA Dezembro/2007)

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    agitam. A expressão vontade de Deus enquanto prescinde da

    história de Jesus Cristo

    não

    passa de

    uma

    formulação geral e, como

    tal, sem incidência concreta

    na

    vida do cristão.

    A graça a ser pedida e alcançada nos colóquios

    da

    Segunda

    Semana aparece bem sintetizada na expressão: pedir o conhe

    cimento interno

    do

    Senhor

    que

    por mim

    se

    fez

    homem

    para

    mais

    amá-lo e segui-lo (EE

    104),

    recomendada também para as demais

    contemplações (EE 159). Na

    Terceira e

    Quarta Semanas

    Jesus

    Cristo, padecente ou glorioso, continua a ser o que deve ser alcan

    çado pelo exercitante (EE 193; 221). Deste

    modo

    o

    contato

    exis-

    tencial

    com Jesus Cristo deve levar este mesmo exercitante a

    uma

    familiaridade com Deus e com o mundo da fé, que ultrapasse um

    mero

    conhecimento

    da doutrina cristã ou mesmo dos Evangelhos.

    No

    fundo,

    Santo

    Inácio

    espera que desta experiência dos Exercí

    cios o indivíduo seja capaz de desenvolver sua vocação cristã de

    modo pessoal, único, condizente

    com

    sua realidade interior e

    seu

    contexto

    exterior, conformando-se com o que Deus dele quer,

    caminho único e intransferível já que cada pessoa é

    única

    e

    não

    mera

    concretização de uma realidade geral comum a todos.

    Também no Documento de Aparecida a figura de Jesus Cristo

    é central. Fomos chamados a ser seus discípulos, a nos vincularmos

    intimamente à sua pessoa, a participarmos de sua vida divina,

    assumindo seu estilo de vida e suas motivações , bem como sua

    missão

    (DA 131). Há um

    enfoque claramente joanino

    na

    descri

    ção do cristão apresentada

    no

    capítulo IV (DA

    13

    2), ao mencio

    nar

    a parábola

    da

    Videira e dos Ramos (Jo

    15,1-8),

    o fato de que

    não

    somos servos, mas amigos (Jo 15,15) e partilharmos, como

    filhos, da mesma vida

    provinda

    do Pai (Jo 10,10).

    Igualmente aqui,

    como nos

    Exercícios, busca-se

    uma

    confi

    guração com a pessoa de Jesus Cristo através de uma adesão que

    compromete radicalmente a liberdade do discípulo

    (DA

    136),

    ·d ·f· d J · h J d d

    J

    ent1 1can o-o com esus-cam1n o , esus-ver a e e esus-

    vida (DA 137) e levando-o a viver a caridade fraterna como o

    diferencial cristão (DA 138). Embora sem citações neotestamen

    tárias se delineia o estilo de vida do próprio Jesus,

    conteúdo

    das

    contemplações da

    Segunda Semana, como

    seu amor e sua obe

    diência

    filial ao Pai, sua compaixão

    entranhável

    frente

    à

    dor

    hu

    mana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade

    à missão encomendada, seu amor serviçal até a doação de sua

    vida. (DA 139)

    ITAICI REVISTA DE ESPIRITUALIDADE

    INACIANA

    Dezembro/2007)

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

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    Uma característica dos retiros inacianos, a saber, que as su

    cessivas contemplações estão voltadas todas elas à eleição pos

    terior, aparece também

    no

    documento da V Conferência: Hoje,

    contemplamos Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos transmi

    tem

    para conhecermos o que Ele fez e para discernirmos o que

    devemos fazer nas atuais circunstâncias.

    (DA

    139)

    Neste

    mesmo

    contexto vem uma alusão à Terceira

    Semana

    dos Exercícios,

    quando se menciona que o cristão deve viver o destino do Senhor,

    inclusive até à cruz e quando se lembra o

    testemunho

    de tantos

    missionários e mártires na América Latina, que compartilharam

    a cruz de Cristo até à entrega da própria vida.(140)

    3.

    A ECLESIALIDADE DA É CRISTÃ

    Outro

    ponto importante

    no

    qual

    coincidem

    a espiritualidade

    inaciana

    e o

    Documento

    de Aparecida está

    na

    eclesialidade

    da

    De fato, nossa fé, embora teologal em seu objeto (cremos em Deus)

    é eclesial

    em

    sua modalidade (cremos no interior

    da

    Igreja). Pois

    a comunidade eclesial irradia o que crê, o que vive (Dei

    erbum

    8). Daí ser a fé do cristão uma participação na fé da lgrej a. É a

    economia salvífica querida por Deus, a vocação do povo de Israel,

    o sentido do

    Novo

    Povo

    de Deus: mediatizar a todos os povos

    os

    desígnios divinos. A comunidade eclesial é assim o meio através

    do qual nos chega

    Jesus

    Cristo

    vivo, testemunhado

    na fé

    e

    na

    vida desta comunidade.

    Daí

    a tradição ver a Igreja como mãe e

    mestra de nossa fé.

    Santo Inácio era profundamente um homem da Igreja. Numa

    época em que a mesma se encontrava fragilizada, desacreditada

    e mesmo desprezada, ele faz questão de expressar seu amor à Igreja

    através das conhecidas regras para sentir

    com

    a Igreja (EE

    352-

    370). À

    Igreja

    concreta

    e desacreditada de seu

    tempo

    chama

    Inácio de santa Igreja hierárquica, nossa mãe (EE

    353

    ), de

    esposa de Cristo regida pelo Espírito

    Santo

    (EE

    365).

    Seu amor

    à Igreja antecede qualquer crítica, envolve de

    antemão

    qualquer

    questionamento e é sempre pressuposto

    em

    qualquer divergência.

    Pois é o mesmo Espírito que nos governa e nos dirige para a sal

    vação e que igualmente governa e dirige a Igreja (EE

    365).

    Natu

    ralmente

    esta convicção do santo

    caminhava

    junto com

    uma

    profunda liberdade interior. Quando

    lhe

    parecia estar em jogo

    algo que julgava iluminação do Espírito e

    vontade

    de Deus, então

    lutava usando os meios a seu alcance.

    ITAICI

    REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA Dezembro/2007)

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

    8/13

    O

    contexto

    da eclesialidade da fé em nossos dias não é o

    mesmo do século XVI. Vivemos

    numa

    sociedade

    onde

    reina o

    individualismo, a busca egoísta da própria felicidade, a crise do

    bem

    comum, a indiferença com relação aos demais, fatores que

    ocasionam o generalizado

    fenômeno

    da solidão.Vivemos também

    os anos posteriores ao

    Concílio

    Vaticano II,

    onde

    surgiu

    uma

    con

    cepção de Igreja diferente daquela de sociedade perfeita

    em

    contraposição à sociedade civil, e que se inspirou

    fortemente na

    tradicional

    compreensão patr ística de Igreja. A lgrej a aparece

    mais como

    comunhão ,

    cujo fundamento é a

    comunhão

    de cada

    cristão com a Santíssima Trindade

    (DA 155).

    Porque todos

    estamos em comunhão com Deus, também estamos em comunhão

    uns

    com

    os outros.

    Não

    se pode ser cristão de

    modo

    individualista, sem estar

    em

    comunhão com os demais e sem se encontrar numa comunidade

    eclesial. Dela recebemos a

    em Jesus Cristo, por ela nos achamos

    numa mesma família (DA 156). Afirmação importante devido à

    atual cultura narcisista que hoje respiramos e que fomenta vivências

    religiosas desenraizadas de qualquer tradição histórica. Por outro

    lado a Igreja deve se mostrar cada vez mais como uma comunidade

    de amor , capaz de atrair outros a viverem a aventura da fé (DA

    159).

    Aqui

    aparece claramente o anúncio intimamente unido ao

    testemunho

    de vida. A Igreja evangeliza pelo que ela proclama e

    pelo que ela vive. Deste modo,

    a

    comunhão e a missão estão pro

    fundamente unidas entre si. .. A comunhão é missionária e a missão

    é para a

    comunhão (DA

    163 ).

    A dimensão eclesial da fé recebe

    no

    texto de Aparecida muitas

    concretizações. Somos dotados de carismas diversos, mas consti

    tuímos como

    Corpo

    de Cristo

    uma

    unidade orgânica

    (DA

    162).

    O presbítero realiza sua pastoral,

    em

    comunhão

    com

    os demais

    presbíteros e com o bispo (DA 195 . Todos os organismos paroquiais

    devem estar animados por

    uma

    espiritualidade de comunhão

    missionária

    (DA

    203

    .

    Os que se afastaram da Igreja buscavam,

    no

    fundo,

    uma

    vivência comunitária

    (DA

    226). Daí a impor

    tância das Comunidades Eclesiais de Base (DA 178 e 179) e de

    outras pequenas comunidades para a Igreja (DA 180). Infelizmente

    a versão original, aprovada pelos bispos

    em

    Aparecida e supressa

    na

    edição oficial, deixava transparecer

    melhor

    a dimensão eclesial

    das CEBs: Arraigadas

    no

    coração do mundo, são espaços privi

    legiados para a vivência comunitária da fé, mananciais de frater-

    ITAICI REVISTA

    DE

    ESPIRITUALIDADE

    INACIANA Dezembro/2007)

    Cebs

    Testemunho

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

    9/13

    nidade e de solidariedade, alternativa à sociedade atual fundada

    no egoísmo e na concorrência impiedosa .

    4. O MAGIS INACIANO

    Outra

    característica da espiritualidade inaciana, que nos leva

    a

    ver

    no

    santo alguém ligado ao passado medieval, mas

    pressen

    tindo

    o início da época moderna, era sua preocupação pelo maior

    serviço de Deus e pelo maior

    bem

    das almas.

    Nas

    Constituições da

    Ordem,

    bem

    como em suas cartas, aparece claramente a busca de

    uma maior universalidade na missão apostólica da Companhia de

    Jesus.

    Daí

    a acurada formação intelectual de seus membros; daí a

    importância da liberdade espiritual, do religioso adulto e capaz de

    discernir o bem maior;

    daí também

    o trabalho

    com

    aqueles que

    mais podem influir na sociedade, formando-os ou orientando-os;

    daí a convicção de que o

    bem

    mais universal é o mais divino.

    Este traço da espiritualidade inaciana aparece também no Do

    cumento de Aparecida, sobretudo em sua terceira parte, quando

    trata

    da vida de Jesus Cristo para nossos povos . Depois de apre

    sentar

    um

    belo texto referente à opção preferencial pelos pobres e

    excluídos na linha das Conferências anteriores (DA 391-398), o

    Documento de Aparecida reconhece que

    as

    mudanças sociais

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

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    está

    devidamente

    preparado para

    as

    demais contemplações que

    se

    seguem. Pois estas apenas concretizam, através das palavras e

    da

    vida de Jesus, a realidade do

    Reino

    a ser acolhida pelo exer

    citante, até no que ela tem de mais difícil (pobreza, humilhações).

    Sem

    este compromisso prévio que vem expresso

    no

    colóquio desta

    meditação (EE 98), as contemplações posteriores terão pouco

    efeito. A outra mediação-chave

    nesta etapa

    dos Exercícios, a

    saber, a meditação das Duas Bandeiras, apenas enfatiza o

    modo

    como

    se

    deve trabalhar pelo Reino. Seguindo o exemplo de Jesus

    Cristo na pobreza e na humildade (EE 136-148).

    Observe-se, entretanto, que

    Santo

    Inácio jamais desvincula

    a pessoa de Cristo de sua missão. Aderir a Jesus Cristo é pôr-se a

    serviço do Reino. Ele

    havia intuído o que hoje a teologia bíblica

    tanto

    acentua:

    não

    se pode

    entender

    a pessoa de Jesus sem a

    realidade do Reino de Deus,

    não se

    pode separar a cristologia da

    soteriologia, pois o

    ter

    sido enviado pelo Pai para a salvação do

    mundo é constitutivo da pessoa de Jesus Cristo. As falhas obser

    vadas

    no

    passado, responsáveis por profundas especulações cristo

    lógicas, pouca ou nenhuma incidência

    tinham

    na vida dos cristãos

    por silenciarem a dimensão salvífica presente na pessoa do Mestre

    de Nazaré. Santo Inácio

    não

    cai nesta falha.

    Ao

    longo de sua

    vida se mostrará sempre reticente com relação a devoções e espiri

    tualidades que se mostrem intimistas e espiritualistas sem reper

    cussão na vida social e

    no

    serviço ao Reino.

    No

    Documento de Aparecida o íntimo nexo entre a pessoa

    de Jesus e sua missão pelo Reino de Deus já não

    aparece

    tão expres

    sa e incisivamente como nos apresentam os textos neotestamen

    tarios. Há uma predileção pela cristologia do Verbo encarnado e

    do relacionamento de Jesus

    com

    o Pai

    (DA lüls;

    129). A missão

    de Jesus enfatiza mais a vida divina que nos chega, nossa filiação

    adotiva, o fato de sermos seus amigos, o perdão dos pecados

    (DA

    131-134). São afirmações corretas e imprescindíveis, mas que

    deixam de lado o percurso histórico do Messias: suas palavras, suas

    ações, seus conflitos, que constituem a base para

    as

    afirmações

    mais genéricas acima mencionadas. Nos capítulos III e IV do Do

    cumento aparece deficiente a história real de Jesus de Nazaré

    e,

    conseqüentemente,

    os

    traços concretos de sua missão pelo Reino

    bem

    como uma concepção satisfatória deste mesmo Reino.

    Esta lacuna não chega a ser corrigida por algumas afirmações

    esparsas

    nesta

    parte do Documento. Fala-se assim do estilo de

    ITAICI

    REVISTA DE

    ESPIRITUALIDADE

    INACIANA Dezembro/20071

    Cristologia:

    dificuldade do DA,

    não se privilegia

    uma cristologia

    ascendente, mais

    apropriada para o

    processo formativo

    dos discípulos

    capaz de configurar

    suas vidas a de

    Cristo e

    impulsioná-los à

    missão.

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

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    vida

    (DA

    131;139), mas a descrição do mesmo é sempre geral

    (DA 139). Igualmente de sua missão (DA 152).

    Quando

    afirma

    que a evangelização inclui a opção preferencial pelos pobres, a

    promoção humana integral e a autêntica libertação cristã (DA

    146) ou que a santidade não é fuga para o intimismo ou para o

    individualismo religioso , tais asserções aparecem desvinculadas

    da

    seqüência principal do texto, postas para equilibrar, sem con

    segui-lo, certa visão cristológica parcial e unilateral. Esta observa

    ção vai incidir

    no

    capítulo V que trata da comunhão dos discípulos

    missionários na Igreja, limitando a noção de missão aí presente,

    bem como no longo capítulo

    VI

    que aborda a formação dos cató

    licos. Afirmações esparsas sobre o

    testemunho

    de luta pela justiça

    por parte

    de homens e mulheres na América Latina (DA 275)

    ou

    da

    atuação do discípulo para a transformação da sociedade

    (DA 283

    , ou ainda

    de que o

    encontro

    com Jesus Cristo nos (e

    não através dos , mal traduzido no texto) pobres é

    uma

    dimensão

    constitutiva de nossa

    em

    Jesus Cristo , carecem, sem dúvida,

    de uma adequada fundamentação cristológica.

    Esta falha vai receber uma correção na terceira parte do Do

    cumento.

    No

    capítulo VII

    se descreve a missão de Jesus ao

    longo de sua história,

    com

    maior presença dos Evangelhos Sinó

    ticos (DA 353 ). A partir daí é possível

    se

    afirmar que a vida

    nova trazida por Jesus atinge o ser

    humano

    em sua dimensão

    pessoal, familiar, social e cultural (DA 356), que o Reino de

    vida que Cristo veio trazer é incompatível com situações desu

    manas (DA 358), ou que a salvação cristã deve redimir

    também

    as relações sociais entre os seres humanos (359).

    No

    capítulo

    VIII

    deparamos

    com

    uma descrição do

    Reino

    de Deus (DA

    383s) e com uma cristologia implícita que

    fundamenta

    a opção

    preferencial pelos pobres

    (DA

    391-398), bem como a promoção

    humana

    integral como objetivo pastoral

    da

    Igreja

    (DA399-405).

    Uma cristologia que

    melhor

    salvaguardasse o Jesus da história e

    o Cristo da fé ofereceria

    uma

    base mais unitária e consistente a

    todo o Documento.

    6.

    IMPORTÂNCIA

    DO

    LAICATO NA

    IGREJA

    A emergência e a valorização do

    laicato n Igreja

    tão forte

    nos textos do Concílio Vaticano II, também repercutiram no

    interior da Companhia de Jesus. As últimas Congregações Gerais

    trataram explicitamente da colaboração entre jesuítas e leigos/as

    ITAICI REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA Dezembro/2007)

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

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    em vista

    da

    missão. Recomenda-se que estes sejam adequada

    mente

    formados,

    fraternalmente

    acolhidos e

    devidamente

    reco

    nhecidos

    não só em

    suas obras, mas

    ainda

    nas obras empreendidas

    pela ordem. Nestas últimas devem ser considerados como autên

    ticos colaboradores, participantes responsáveis em suas atividades,

    podendo

    mesmo assumir sua coordenação e direção

    N

    armas

    Complementares

    VII Parte,

    Capítulo

    V).

    Também o Documento de Aparecida tem como

    um

    de seus

    principais objetivos a formação do laicato, que constitui todo o

    seu capítulo VI. Igualmente aqui a formação

    acontece em

    vista

    da missão, já que todo discípulo é missionário por participar da

    missão de Jesus, parte integrante da identidade cristã

    DA

    144 .

    Conseqüentemente o processo formativo dos fiéis não pretende

    apenas reforçar a fé dos mesmos, mas também capacitá-los ao

    trabalho

    pelo

    Reino

    na

    atual sociedade. Para

    tal

    deverão os

    pastores promover a co-responsabilidade e participação efetiva

    de todos os fiéis na vida das comunidades cristãs

    DA

    368). Esta

    participação implica abrir-lhes espaços e confiar-lhes ministérios

    e responsabilidades DA 211). Devem participar dos projetos

    pastorais diocesanos DA 311), como parte ativa e criativa

    DA

    213 ). O leigo/a deve,

    portanto, atuar

    na

    sociedade como

    verdadeiro sujeito eclesial e competente interlocutor entre a

    Igreja e a sociedade (497). Naturalmente o âmbito

    da

    ação pas

    toral laical descrita no Documento de Aparecida é bem mais

    amplo do que o da

    Companhia

    de Jesus, embora haja acordo de

    fundo entre ambos.

    7. MÉTODO VER JULGAR AGIR

    É

    interessante ainda observar

    uma

    outra

    característica

    de

    Santo

    Inácio quando se tratava de tomar decisões pastorais. Fazia questão

    de recolher o maior número de dados sobre uma determinada

    situação para

    melhor

    acertar

    em

    sua opção. Aqui se explica a

    intensa correspondência epistolar que tinha

    com

    os jesuítas de seu

    tempo, bem como a consulta constante a pessoas competentes.

    Naturalmente de posse destas importantes informações ele passava

    a uma avaliação das mesmas, seguida de muita oração, antes que a

    decisão fosse tomada. Com isto chamava a atenção sua constância

    nas iniciativas que empreendia.

    A

    semelhança com

    o

    méto o ver julgar agir

    empregado

    pela

    V

    Conferência

    em

    Aparecida

    salta aos olhos. Esta peculiaridade

  • 8/17/2019 Espiritualidade Inaciana e o Documento de Aparecida, por Mario de França Miranda

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    da

    Igreja

    na América Latina

    confirma a necessidade de

    conhe-

    cermos a sociedade

    onde

    está situada a comunidade eclesial para

    que esta possa de modo correto, consciente e eficaz levar a cabo

    sua missão salvífica e seu trabalho de evangelização. Natural-

    mente este

    olhar

    a realidade

    acontece

    sempre a partir da fé, é um

    olhar

    qualificado, é

    um

    olhar

    cristão. O que

    não

    diminui

    ou

    inva

    lida sua objetividade e sua verdade, já que todo conhecer é sempre

    também um interpretar,

    que

    não

    existe um

    conhecimento

    abso

    lutamente

    neutro. Daí se

    encontrarem

    já, no segundo capítulo

    do Documento, leituras da realidade mais condizentes com a

    cristã,

    ou

    mesmo avaliações implícitas (julgar) que serão mais

    desenvolvidas

    na

    II

    parte

    do texto. A avaliação explícita dos

    dados sobre a realidade, a oração subseqüente antes da decisão

    final não aparecem no texto de Aparecida, embora estivesse im

    plícita nos diálogos das comissões temáticas e na atmosfera de

    oração por todos experimentada naqueles dias.