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EDIÇÃO ESPECIAL MARÇO /2016 2016 - 25 a 27 de MARÇO - UFF - NITERÓI, RJ A vida e os direitos das mulheres páginas 2 e 3 Mulheres e o Mundo do Trabalho páginas 4 e 5 Entre a mamadeira e a lapiseira página 9 Assistência estudanl para as mulheres estudantes páginas 6 e 7 Dos vários feminismos que permeiam a luta das mulheres estudantes página 12 O direito de ser mulher : A Luta contra o feminicídio páginas 10 e 11 EDIÇÃO ESPECIAL Jovens Camponesas e a Luta Feminista páginas 8 e 9 #foracunha #naovaitergolpe 7 o ENCONTRO DE MULHERES ESTUDANTES DA UNE

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EDIÇÃO ESPECIAL MARÇO /2016

2016 - 25 a 27 de MARÇO - UFF - NITERÓI, RJ

A vida e os direitos das mulherespáginas 2 e 3

Mulheres e o Mundo do Trabalhopáginas 4 e 5

Entre a mamadeira e a lapiseirapágina 9

Assistência estudantil para as mulheres estudantespáginas 6 e 7

Dos vários feminismos que permeiam a luta das mulheres estudantespágina 12

O direito de ser mulher : A Luta contra o feminicídiopáginas 10 e 11

EDIÇÃO ESPECIAL

Jovens Camponesas e a Luta Feministapáginas 8 e 9

#foracunha #naovaitergolpe

7o ENCONTRO DEMULHERES ESTUDANTESDA UNE

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EXPEDIENTEPágina 13 é um jornal publicado sob responsabilidade da direção nacional da Articulação de Esquerda, tendência interna do Partido dos Trabalhadores. Circulação interna ao PT. Matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição da tendência.Direção Nacional da AE: Adriano Oliveira/RS, Adriele Manjabosco/RS, Adriana Miranda/DF, Ananda Carvalho/RS, André Vieira/PR, Bárbara Hora/ES, Bruno Elias/DF, Da-marci Olivi/MS, Daniela Matos/DF, Eduardo Loureiro/GO, Eleandra Raquel Koch/RS, Eliane Bandeira/RN, Elisa Guaraná/DF, Emílio Font/ES, Fernando Feijão/PI, Giovane Zuanazzi/RS, Gleice Barbosa/MS, Iole Ilíada/SP, Izabel Cristina da Costa/RJ, Ivonete Almeida/SE, Jandyra Uehara Alves/SP, Joel de Almeida/SE, José Gilderlei/RN, Karen Lose/RS, Leirson Silva/PA, Lício Lobo/SP, Múcio Magalhães/PE, Olavo Brandão/RJ, Patrick Araújo/PE, Rafael Tomyama/CE, Rodrigo Cesar/SP, Rosana Ramos/DF, Silvia Vasques/RS, Sônia Fardin/SP, Valteci de Castro/MS, Valter Pomar/SP. Comissão de ética nacional: Ana Affonso/RS, Iriny Lopes/ES, Jonatas Moreth/DF, Júlio Quadros/RSEdição especial: destinada ao 7o Encontro de Mulheres Estudantes da União Nacional dos EstudantesEdição: Pamela Kenne e Elisa Guaraná Secretaria Gráfica e Assinaturas: Edma Walker [email protected] Endereço para correspondência: R. Silveira Martins, 147 conj. 11 - Centro - São Paulo - SP - CEP 01019-000 Acesse: www.pagina13.org.br

Adriele Manjabosco

Companheiras, mulheres, estu-dantes, Lgbt´s, mães, negras...

Nos encontramos no 7º EME da UNE, para discutir sobre o machis-mo nas nossas Universidades, mas também, para falar da luta feminista que construímos de mãos dadas com mulheres operárias, campesinas e dos movimentos populares.

A luta das mulheres do nosso país no último período vem sendo pautada centralmente por dois fenômenos: o primeiro trata-se dos efeitos da polí-tica econômica e do ajuste fiscal ado-tado pelo governo em resposta a crise internacional do capitalismo; o segun-do, da contraofensiva de setores con-servadores e golpistas sobre a vida e os direitos das mulheres.

O ano 2016 promete acentuar os efeitos da crise econômica e do ajuste fiscal. Mais uma vez na nossa histó-ria a classe trabalhadora é obrigada a pagar a conta dos capitalistas. Para as mulheres o preço é ainda maior, sobretudo para as jovens, negras e pobres. As condições de vida e de

A vida e os direitos das mulheres

trabalho tornam-se ainda mais preca-rizadas, sem contar a constante perda de direitos sociais.

São as mulheres as maiores víti-mas do aumento das taxas de desem-prego. Elas também estão em maioria nos postos de trabalho terceirizados, como limpeza e alimentação, com os menores salários e com as piores condições de trabalho. Em nome do lucro, as trabalhadoras são pressiona-das a aumentar o ritmo de trabalho e sofrem ainda mais assédio moral dos patrões para não engravidarem do que antes. São as jovens mulheres também as principais vítimas do aumento da rotatividade do trabalho e da instabi-lidade no emprego.

Nos momentos de crise, nossos direitos são atacados tanto na esfera econômica como na política, cultural e reprodutiva. Estamos enfrentando uma onda extremamente conserva-dora, reacionária e inclusive fascista. Uma contraofensiva sob os direitos conquistados nos últimos anos que tem como um dos alvos principais as mulheres.

No Congresso Nacional, um dos

mais conservadores das últimas déca-das, uma série de projetos de lei atin-gem os poucos direitos reprodutivos garantidos atualmente.

A Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual - Projeto de Lei Projeto 5069, determina que as mulhe-res vítimas de estupro só terão acesso ao atendimento no SUS mediante a realização de boletim de ocorrência e exame de corpo de delito. O mesmo projeto ainda criminaliza a venda e a utilização da pílula do dia seguinte, e prevê pena de seis meses a dois anos de cadeia para quem induzir uma ges-tante ao aborto. No caso de profissio-nais de saúde, a pena aumenta, e pode variar de 1 a 3 anos de prisão. Cabe destaque também a retirada do com-bate à violência de gênero do Plano Nacional de Educação.

Vivemos em tempos de guerra contra as mulheres e a classe trabalha-dora. Mas enganaram-se os que pen-saram que ficaríamos acuadas. Pelo contrário, tomamos as ruas em 2015 e gritamos em alto e bom som que não deixaremos passar um retroces-so como este, que legitima a violên-

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Se os setores conservadores têm radicalizado seu programa cabe a nós radicalizarmos mais ainda. Reavivar nossas bandeiras, fazer o debate ideológico, ocupar as ruas, as redes, as fábricas, as escolas e as universidades. Nossa mobilização não é e nem deve ser apenas para evitar

retrocesso, mas para retomar uma ofensiva de luta política que possibilite ganhar a batalha ideológica e obter mais

avanços.

cia contra as mulheres. Com o lema “Pílula fica, Cunha sai!” as mulheres brasileiras fizeram o enfrentamento necessário ao PL 5069 e ao presidente de Câmara Eduardo Cunha. Também foram elas que ocuparam Brasília para enfrentar os golpistas e defender a democracia na Marcha das Mulheres Negras e na Marcha das Margaridas.

Em 2016, as mobilizações do dia 8 de março foram marcadas por ações e marchas em todo o país, mostrando novamente a força das mulheres e do movimento feminista.

Se os setores conservadores têm radicalizado seu programa cabe a nós radicalizarmos mais ainda. Reavivar nossas bandeiras, fazer o debate ide-ológico, ocupar as ruas, as redes, as fábricas, as escolas e as universidades. Nossa mobilização não é e nem deve ser apenas para evitar retrocesso, mas

para retomar uma ofensiva de luta po-lítica que possibilite ganhar a batalha ideológica e obter mais avanços.

Nesse sentido, um dos temas fun-damentais, que precisamos discutir com a sociedade brasileira é a questão da descriminalização e a legalização do aborto. Com a declaração do Alto Comissariado da ONU, que atenta para a necessidade de países como o Brasil garantir os direitos reproduti-

vos das mulheres, a questão do aborto toma novamente o cenário internacio-nal. Além de ser direito das mulheres sobre os seus corpos é também ques-tão de saúde pública, uma vez que, se-gundo dados do SUS, mais de 200 mil mulheres são internadas por ano com complicações pós-aborto e é a terceira causa de morte materna.

*Adriele Manjabosco é Secretária Estadual da JPT do Rio Grande do Sul

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Mulheres e o Mundo do Trabalho

Ana Lídia Aguiar

A luta das mulheres por igualdade de direitos é marcada por momentos históricos: a conquista do sufrágio fe-minino, a disputa pelo direito aos mes-mos salários que os recebidos pelos homens, pelo direito a autodetermina-ção sobre seu corpo, a divisão do tra-balho de cuidadora da família e igual-dade nas jornadas de trabalho. A luta pela igualdade de gênero é a luta pelo fim da estrutura patriarcal. Tantas lutas históricas que ainda hoje permanecem incompletas.

No mundo do trabalho, apesar do aumento do número de mulheres que ingressam no setor produtivo, a maior parte delas ocupa cargos precarizados e de alta vulnerabilidade, principal-mente as inseridas no setor informal da economia. Tal situação se torna preocupante e demonstra o caráter ma-chista em nossa sociedade, a partir do momento que as mulheres estão em si-tuações de submissão em relação aos homens. Elas precisam aliar as jorna-das de donas de casa e mães ao traba-lho assalariado. Ou seja, a autonomia da mulher em nossa sociedade ainda é contestada e limitada, pois a opressão sobre as mulheres se manifesta tanto no espaço privado, como nos espaços públicos.

O mundo do trabalho assalariado é tradicionalmente dominado pelos ho-mens, no qual as mulheres têm dificul-dades de se manterem ou, muitas, de

conquistarem um emprego. A divisão sexual do trabalho reserva espaços e constrói especificidades para empre-gar as mulheres que são frutos de uma organização social estruturada no pa-triarcado. Isto é, criou-se um estereóti-po do que se considera como “ativida-des femininas” fortemente associadas ao ambiente doméstico, emprego do-méstico, serviços gerais, e até mesmo o telemarketing.

Geralmente, as jornadas de tra-balho são duplas, às vezes triplas. A maioria das mulheres trabalhadoras são mães e responsáveis pelo cuidado da casa. O trabalho doméstico social-mente é construído, ainda nos dias de hoje, como atribuição das mulheres.

Dessa maneira, a flexibilização da mão-de-obra feminina faz com que os postos de trabalho mais propensos à contratação das mulheres priorizem contratos temporários e jornadas de trabalho parciais com baixa remune-ração, e direitos limitados ou quase inexistentes, o que evidencia a desi-gualdade de gênero. Isso porque não possuem as mesmas condições e o mesmo tratamento dados aos homens no mercado de trabalho. Segundo o censo do IBGE de 2010, as mulheres ainda recebem 28% menos que os ho-mens, além de serem alvos de assédios morais e sexuais.

Poucas são as mulheres que go-zam do direito à licença maternidade, isso porque 60% da mão-de-obra fe-

minina está concentrada em setores in-formais da economia ou em trabalhos terceirizados, que passam por cima dos direitos trabalhistas. Muitas vezes, a falta de creche impossibilita a conti-nuidade de estudos – condição para a conquista de melhores postos de traba-lho –, ou mesmo a permanência em um emprego. A luta das mulheres é con-tínua e a sua autonomia é dificultada diante dos constantes direitos violados e ignorados. No Brasil, os direitos das mulheres estão aquém do ideal, pois o país ainda não assinou o acordo 156 da OIT que define igualdade de direitos entre homens e mulheres.

As mulheres são mais da metade da população brasileira e ainda existe pouca presença delas nos espaços de poder, no mercado de trabalho formal e nas organizações sindicais. Quando inseridas nesses espaços, estão vulne-ráveis ao assédio, à discriminação e à opressão, uma vez que as lutas por iguais condições de trabalho e salariais não são consideradas prioritárias em relação às demais pautas corporativis-tas. Nesse sentido, muitas mulheres ainda são excluídas das participações de sindicatos porque nesses locais se reproduzem os mesmos problemas en-frentados pelas mulheres no mundo do trabalho.

Essas dificuldades encontradas pelas mulheres para se dedicarem às lutas sociais estão relacionadas à falta de tempo vinculada às exaustivas jor-

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nadas de trabalho e a baixa estrutura de tais espaços para atender as mulheres que são mães. Assim, constituem-se uma minoria nas tomadas de decisão, consequentemente fi cam submetidas às políticas formuladas por homens, que não refl etem às necessidades da realidade enfrentada pelas mulheres, isso porque são um dos grupos sociais mais atingidos pela violação dos direi-tos trabalhistas.

Entretanto, não nos calamos e há anos lutamos por políticas públicas que fi zeram com que obtivéssemos uma sé-rie de conquistas. Dentre os avanços, nos últimos anos tivemos a aprovação da PEC das Domésticas e a criação da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM). Entretanto, torna-se difícil a efetivação de tais conquistas, assim como elas ainda são insufi cien-tes diante da desigualdade histórica que estamos inseridas. O que fi ca evi-dente quando a SPM perde seu status de ministério e se torna uma secretaria do Ministério das Mulheres, da Igaual-dade Racial, dos Direitos Humanos e da Juventude. E ainda sem a atribuição amparada na sua regulamentação de: responsável pelas políticas de gênero, suprimida recentemente.

Também não podemos deixar de ressaltar o retrocesso que estamos so-frendo diante do avanço da bancada fundamentalista no Congresso Nacio-nal que não apenas impede a consoli-dação de políticas para as mulheres, como também viola a autonomia de decisão da mulher sobre o seu corpo e impede que haja uma educação em saúde reprodutiva e sexualidade nas escolas brasileiras, a fi m de descontruir o caráter sexista da sociedade.

É fundamental reverter esse qua-dro tanto dentro do mundo do trabalho, como também, nos espaços sindicais e de lutas sociais. No atual momento de crise política que vive o nosso país, as mulheres, juntamente com a juventude serão as mais afetadas pela aprovação das MPs 664 e 665 que retiram direi-

tos dos trabalhadores, assim como a aprovação do Projeto de Lei da Tercei-rização, e o atual projeto do Governo de Reforma da previdência. Assim, so-mar-se à construção das lutas da Frente Brasil Popular é imperativo pela defe-sa dos direitos da classe trabalhadora e, sobretudo, das mulheres trabalhadoras.

Para tanto, torna-se imprescindí-vel que as mulheres estudantes, que também são mães e trabalhadoras lu-tem pela defesa das atribuições po-líticas da Secretaria de Políticas das Mulheres (SPM) na nova confi guração ministerial.

Por isso, é também indispensável o avanço das lutas das mulheres no mundo do trabalho o fortalecimento da Secretaria de Mulheres da CUT para que se lute e defenda:

1) Igualdade de salários entre ho-mens e mulheres,

2) Ampliação do acesso às políti-cas públicas para as mulheres,

3) Paridade de gênero nas instân-cias da direção e delegações sindicais,

4) Ampliação dos espaços de par-ticipação das mulheres no mercado de trabalho,

5) Lutar por creches nos sindica-tos e espaços de trabalho

6) Ampliação do debate com os movimentos feministas.

Assim, as pautas de lutas históri-cas feministas precisam se fazer pre-sentes na composição dos espaços de lutas sociais e trabalhistas, inserindo o feminismo em todas as formas de orga-nização e mobilização social, de modo a ampliar a democracia e defender a igualdade de gênero.

* Ana Lídia Aguiar é professora de sociologia e militante da Juventude da tendência Articulação de Esquerda do PT.

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Assistência estudantil para as mulheres estudantes

Rafaella Codeim Dresch

No histórico do ensino universitá-rio no mundo, as mulheres começaram a acessar a universidade, em média, so-mente 70 anos depois dos homens.

As primeiras faculdades brasilei-ras surgiram no final do século XIX, e respondiam a sua demanda de propor-cionar formação acadêmica aos filhos da família real e da burguesia, com essa característica bastante demarca-da: a grande maioria das cadeiras eram ocupadas por homens, e a formação correspondia totalmente a lógica e à moral patriarcal, vigente na época.

Houve, ao longo dos anos, uma mudança gradual e alcançamos em 2005, fruto do fortalecimento das po-líticas de acesso à universidade, o ín-dice de 55% de matrículas nos cursos de graduação feitas por mulheres, nos tornando a maioria ingressante nas universidades.

Se para nós, mulheres, a possibi-lidade de ingressar em cursos de gra-duação é conquista recente, a possibili-dade de permanecer se configura, sem dúvida, como algo mais recente ainda, em processo de construção e com mui-tos desafios pela frente.

Um exemplo disso é o nosso aces-so às moradias estudantis. No histó-rico de diversas Casas de Estudantes Universitários no Brasil, foi somente após décadas de sua inauguração que mulheres puderam morar, em muitos casos após inúmeras reinvindicações, ações e ocupações protagonizadas pe-las mulheres.

E essa não é uma realidade dis-tante, pois em lugares como a Casa do Estudante do Paraná mulheres só pu-deram morar a partir de 2014.

Foi com o avanço das políticas de acesso e permanência das univer-sidades que as mulheres conseguiram transformar o índice de ingressantes nas universidades. Foi após muita luta e participação das mulheres organiza-das do movimento estudantil que pu-demos incidir sobre a formulação das políticas e sobre o uso dos recursos de assistência, criando condições para que possamos estar presentes nas salas de aula, podendo transformar cada vez mais a universidade.

Para isso, é necessário perceber que estamos colocadas em uma con-dição específica que nos diferencia da participação acadêmica masculina. Somos trabalhadoras, somos mães,

somos subjulgadas pela lógica e pelas práticas machistas e patriarcais. Isso exige a análise das condições em que estamos colocadas para a elaboração de políticas específicas, para que pos-samos nos sentir parte real das univer-sidades e para que possamos além de entrar, permanecer e permanecer com condições e oportunidades iguais.

Somos mães, e essa é uma das pautas prioritárias para nós. Como aponta o IBGE, cerca de 90% das mu-lheres jovens mães têm que deixar de estudar para cuidar das/os filhas/os.

Para que isso não ocorra dentro das nossas universidades, precisamos garantir moradia estudantil para as mães e suas/seus filhas/os. Precisamos garantir o acesso à creche em tempo integral e noturno. Precisamos garantir que as crianças possam ingressas nos Restaurantes Universitários juntas de suas mães.

Precisamos garantir auxílios per-manência para que essas mulheres não precisem deixar de participar de gru-pos de pesquisa ou atrasar sua forma-ção para conseguir complementar a renda. Entre tantas outras ações, pre-cisamos entender que essas mulheres têm sim o direito de estudar, e devem

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contar com políticas de permanência específica que garantam integralmente esse direito.

Somos relegadas à áreas espe-cíficas do conhecimento. O índice de estudantes mulheres nas áreas das hu-manas e saúde é muito maior que esse índice nas áreas das exatas e das rurais. O atrelamento ao papel da mulher como cuidadora e o afastamento da mesma do trabalho de desenvolvimento tecnoló-gico se configuram como um discurso que afastam muitas mulheres e as afas-tam de poderem estudar a área com que mais se identificam. Essa visão domina as universidades e nos desestimula a transformar essa lógica. Devemos rom-per com a divisão sexista do conheci-mento!

Somos cotidianamente expos-tas à violência machista dentro das universidades. Desde as constantes e incessantes violências morais por pro-fessores e colegas, universidades que relatam ter casos estupro semanalmen-te, trotes violentos com as mulheres, notas mais baixas ao fim do semestre, disponibilidade pequena de bolsas para mulheres, entre inúmeras outras situa-ções que nos impõem, sem dúvida, di-ficuldades para permanecermos no am-biente acadêmico.

Somos silenciadas pela falta de espaço para transformar essa reali-dade. Precisamos de espaços e serviços específicos para denunciarmos e acabar-mos com a violência nas universidades. Somente com ouvidoria especializada para acolher as denúncias de violência contra as mulheres e com uma rede de atendimento psicossocial também espe-cializada é que vamos conseguir fazer com que casos de machismo não nos in-timide a participar da universidade.

Somos incompreendidas pelos nossos colegas e professores, e não somos levadas em conta na produ-ção do conhecimento. Precisamos que a questão de gênero seja debatida na nossa formação profissional. Se há uma deficiência desse debate nos cursos da

área da saúde, que formam profissio-nais que atenderão uma política especí-fica para as mulheres, o que esperar dos cursos que ainda guardam uma hege-monia masculina e uma lógica machista e patriarcal como abertamente vigente? Todas as pessoas que se tornarão pro-fissionais devem entender sobre o fun-cionamento da sociedade, incluindo nisso a condição em que a mulher está colocada na sociedade. Somente dessa forma poderemos ter, cada vez mais, um conhecimento acadêmico produzi-do para a transformação da sociedade desigual e machista.

Somos cerceadas de participar das pesquisas acadêmicas. A maioria dos estudante que têm bolsas de pes-quisas ou trabalham em projetos de ini-ciação científica são homens. Esse fato reforça ainda mais a divisão sexista do trabalho e o nosso afastamento do tra-balho com a pesquisa e o desenvolvi-mento tecnológico, nos colocando, por vezes, na situação de ter bolsas ou tra-balhos não relacionados com nossa área de formação para podermos nos manter na universidade.

Somos muitas. E precisamos nos articular. É com um movimento estu-dantil forte, e com a nossa participação ativa nele que, ao longo de muitos anos, conseguimos transformar consideravel-mente a universidade. Conquistamos o direito de entrar na universidade, es-tamos conquistando cada vez mais o direito de permanecer nela, e estamos transformando, cotidianamente, a lógi-ca e a formação profissional acadêmica. E é na luta que vamos conquistar a con-dição igual de permanência, a formação não sexista, o fim do machismo e da lógica patriarcal em todos os âmbitos da nossa universidade para que nós es-tudantes mulheres, mães, trabalhadoras, possamos dizer que a universidade tam-bém é nossa, que a universidade é do povo.

* Rafaella Codeim Dresch é diretora de saúde da UEE Livre do Rio Grande do Sul

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Janaína Betto

As mulheres camponesas sempre estiveram presentes nas grandes bata-lhas, lutas, revoltas e movimentos de li-bertação que fazem parte da história do “povo brasileiro”, por mais que a histó-ria negue esse fato. No Brasil, sempre existiu uma diversidade de mulheres, sobretudo na colonização, que se viam em condições subalternas não apenas por questões étnicas e de trabalho, mas essencialmente pela sua condição de mu-lheres, dados os postos que ocupavam quando dominadas e subordinadas como “escravas”/”inferiores”.

Foram estas mulheres que resistiram e buscaram ocupar seu lugar na política. Nas últimas décadas, vimos um tardio reconhecimento da mulher enquanto per-sonagem político e, sobretudo, a emer-gência destas enquanto atrizes coletivas dentro do universo de lutas e movimenta-ções que marcaram a abertura democráti-ca do país na década de 1980. Inclusive, em tempos atuais, podemos falar sobre a organização das mulheres campone-sas em movimentos autônomos como a materialização de um desejo em ter “seu próprio lugar” na política.

Na sociedade capitalista, além da exploração do trabalho, as mulheres tam-bém sofrem com a apropriação de seus corpos. E as mulheres camponesas, além de viverem a subordinação da mulher nessa sociedade patriarcal, tem sua con-dição subalterna ainda mais manifesta, uma vez que, vivem no regime de “tra-balho familiar”. Neste, cada membro da família desempenha um papel necessário para a reprodução do todo. As mulheres atuam em todas as etapas das agricultura familiar e ainda acumulam a jornada das atividades domésticas, mas o trabalho da mulher é praticamente invisível.

Além do mais, com o advento da agricultura “moderna” e o avanço do uso de maquinários, insumos químicos ex-

ternos (do chamado “agronegócio”), é o trabalho das mulheres que perde ain-da mais seu valor na agricultura. Assim, a luta das mulheres camponesas passa pela desconstrução de paradigmas his-toricamente construídos, em que a figura feminina é inferiorizada e o seu trabalho desvalorizado.

Apesar de muitos avanços ocasiona-dos pela luta das mulheres camponesas, estas ainda enfrentam muitos problemas: a violência de gênero, a falta de acesso a diversos direitos, como acesso à terra e à renda própria e a falta de autonomia... E em meio a essa realidade, como ficam as jovens camponesas?

A juventude do campo, sobretudo quando falamos das jovens mulheres, enfrenta problemas diversos. Se, pode-mos afirmar que ser mulher é carregar o peso de uma posição hierárquica subal-terna, ser mulher, jovem e do meio rural representa uma “tripla subalternidade”. Na agricultura, são as jovens campone-sas que mais sofrem as consequências dessa sociedade capitalista e patriarcal e do modelo devastador do agronegócio. Isso porque, além de enfrentarem os pro-blemas relacionados à desvalorização do meio rural e das mulheres, elas tem seus direitos negligenciados também por se-rem jovens.

Nesse sentido, a própria permanên-cia da juventude no campo é prejudicada devido à concepção hegemônica da ca-tegoria em nossa sociedade, onde é en-carada enquanto “futuro” e não presen-te. Dentro da família são as jovens que vivenciam um intenso controle social e o peso da autoridade paterna. São elas as mais excluídas da decisão sobre os processos de produção na agricultura, do acesso à terra e da sucessão familiar. Majoritariamente, o casamento com um homem proveniente do meio rural é a única forma de acesso à terra, visto que são excluídas dos processos de herança. Além do mais, a permanência ainda é

dificultada pela estrutura fundiária brasi-leira que continua altamente concentrada e pelo modelo de produção hegemônico.

Os problemas que as jovens campo-nesas enfrentam são reais e bem concre-tos. Por isso mesmo, afetam diretamente a vida dessas jovens, que acabam vendo na saída do campo uma oportunidade de construir seu desenvolvimento enquan-to sujeito, uma vez que torna-se difícil que as jovens enxerguem perspectivas de constituir sua vida com autonomia ocupando uma posição tão subalterna. E é diante desse contexto de contradições que na última década vemos a emergên-cia da juventude do campo enquanto ca-tegoria política.

Cresce significativamente a parti-cipação política das jovens no interior dos movimentos sociais rurais, como é o caso no MST, MPA, MAB e no Movi-mento de Mulheres Camponesas (MMC/Brasil) e do movimento sindical Contag e Fetraf. Hoje, os próprios movimentos buscam englobar a juventude nas lutas gerais dos movimentos como na luta pela reforma agrária, pelo acesso à saú-de, contra a violência de gênero e pela le-galização do aborto e pela transformação do modelo de produção hegemônico na defesa da agroecologia. Além do mais, aumentam as formações específicas para as jovens, abraçando pautas mais direta-mente relacionadas à juventude, como é o caso da luta por uma educação do/no campo e o acesso ao ensino superior e políticas públicas para a juventude. As jovens camponesas também resistem e estão construindo seu lugar na política!

Sabemos que se existe uma ideolo-gia de gênero hegemônica em nossa so-ciedade ela é a patriarcal. Diante disso, podemos visualizar que os desafios para a permanência das jovens no campo são muitos. Perpassam o acesso aos direitos que foram historicamente negados às mulheres e, sobretudo, às mulheres e jo-vens do campo. Mas, mais do que isso:

Jovens Camponesas e a Luta Feminista

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Entre a mamadeira e a lapiseiraHelena Oliveira

Duas tarefas tão importantes, tão direcionadoras, tão estimuladoras e tão cansativas. Levantar todo dia, algumas vezes aguentar aquelas aulas maçantes, não é coisa fácil, mas saber que até o meio da tarde, tudo terá acabado e terá o resto da mesma para descansar, mais a noite, acalma os corações desgasta-dos com o decorrer de um semestre, do curso... Levantar, dar um leite, vestir, algumas vezes ficar continuamente embalando, porque aquela dorzinha de barriga não quer passar, levar pra brincar ou pra escola, buscar da escola, saber a hora de dizer não, dar banho e colocar pra dormir ou ir até boa parte da madrugada tentando fazer dormir. Agora pense juntar essas duas, acres-cente aí, um temperinho forte, como a militância. Que além de te fazer olhar pras coisas de outra forma, interfere na criação que se vai dar, no que vai acreditar, na forma como vai mostrar as coisas e como vai reagir a elas.

A realidade da vida das mães estu-dantes, por mais que não seja novidade e seja de conhecimento dos que teriam que ser responsáveis, ainda é triste e desrespeitosa. Esquecem que, para que eu possa ir tranquila para aquela minha aula, maçante, lembra? Eu tenho que ter certeza que a minha (meu) filha (o) tá segura (o) e terá pessoas que irão cuidar dela (e) no período que eu não

puder. Esquecem que me fazem come-çar o dia cansativo, já cansada, quando tenho que levá-la (o) para uma escola longe de casa, por não serem garantidas vagas na escola dentro da universida-de, onde moramos. Esquecem que por serem CRIANÇAS, são nossas depen-dentes e onde moramos elas tem que morar, onde comemos, elas tem que comer. E tudo isso não ocorre com a maior naturalidade e, quando cumprem com uma obrigação, se mostram como justiceiros e defensores dos nossos di-reitos, realidade bem longe de ser.

Acrescenta-se ainda, os olhares desconfiados, julgadores, falas como: – Tu és estudante e já fez filho? – como se fôssemos ‘culpadas’ de alguma in-fração. E muitas vezes essa fala vem de mulheres que passaram por situações semelhantes. Mas, devido à realidade diferente, época ou falta de apoio, aca-baram se casando e indo trabalhar ou cuidar da casa, ou ainda, retornando à casa dos pais. E os homens? O proge-nitor é pai, e antes e agora, nem sem-pre se responsabilizam pelos seus atos. Mas vão dizer: ‘eles são homens’!.

Então, driblamos essa má vonta-de, driblamos as noites mal dormidas, driblamos aquele chorinho sentido quando deixamos na escolinha e, va-mos pras aulas, vamos para os labora-tórios, vamos pras reuniões com garra, com objetivo. E, por mais que parecês-

semos acabadas, estamos com carga total, por ter aquele rostinho, aquele carinho nos esperando, pra buscar, pra educar, pra mostrar um mundo mais respeitoso, mais honesto, mais preocu-pado com o coletivo.* Helena Oliveira estuda agronomia na Universidade Federal de Santa Maria e é coordenadora do Diretório Central dos Estudantes

exige uma luta pela transformação da sociedade que abrace a causa feminista.

Por isso, para mudar também a vida das jovens camponesas é necessária uma transformação social que interseccione relações de produção, relações de gênero e o modelo de produção do campo: para que as jovens possam ter em seu leque de

escolhas a permanência no campo para a produção de alimentos saudáveis, com autonomia e livre de violências. Só as-sim estaremos construindo uma cultura feminista em que todas as mulheres, do campo e da cidade, sejam livres!

Que o EME também seja um espaço para discutir uma cultura feminista que

abrace a causa das jovens camponesas e para discutir a produção de conhecimen-to que estamos construindo na nossa uni-versidade no que tange ao meio rural.

* Janaina Betto é mestranda em Exten-são Rural, militante da Associação de Pós-Graduandos e da Juventude do PT

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O direito de ser mulher:A Luta contra o feminicídio

Rayane Andrade

Patrícia Regina Nunes, 37 anos.

Antônia Francisca Bezerra Vicente, 32 anos.

Maria da Conceição Pedrosa, 21 anos.

Maria Daiane Batista, 20 anos.

Cássia Rayane Santiago Silva, 17 anos.

Já ouviu falar nessas mulheres? Como imagina a aparência delas? Onde acha que elas moram? Com o que elas trabalham?

Aos 15 de setembro de 2015, em Itajá, Rio Grande do Norte, dois ho-mens dispararam contra todas elas. Cinco nomes, cinco mulheres, cinco desconhecidas, cinco mortas, em co-mum: o local do fato e o destino.

As mulheres em questão eram ne-gras, jovens de periferia, prostitutas, esquecidas. Segundo o inquérito, que ainda está em andamento, a motiva-ção da chacina seria o relacionamento amoroso da então companheira de um dos suspeitos de autoria do crime com Patrícia, dona da casa onde os fatos ocorreram.

O caso dessas mulheres trás à tona as inúmeras feridas provocadas pelo patriarcado enquanto sistema que or-ganiza a sociedade em que nos inse-rimos. As mulheres aqui relembradas nos mostram muito com suas vidas e com suas mortes o que a lógica hege-mônica nos fala sobre ser mulher.

Os feminicídios de Itajá promo-vem um encontro cara a cara com o que há de mais aterrador no machis-mo: Sua onipresença. Independente de orientação política, as práticas patriar-cais estão em todos os espaços e se re-produzem na velocidade do Capital.

É preciso compreender que essa dominação masculina está intrinseca-mente ligada a construção histórica da sociedade contemporânea, sua ubiqui-dade assim se explica. Em nosso local de fala, sulamericano, não podemos es-quecer que nosso processo de constru-ção foi forjado pela brutalidade, desde sua colonização, mas que delegou um lugar especialmente cruel ao debate de gênero.

O Brasil possui uma taxa de 4,8 homicídios para cada 100 mil mu-lheres, ocupando o quinto lugar no ranking dos países que mais matam, daqueles 83 pesquisados pela Orga-nização Mundial da Saúde (OMS). O perfil recorrente as mulheres vítimas de homicídio é composto por meninas e mulheres negras. As taxas de homicí-dio de brancas caem na década anali-sada (2003 a 2013): de 3,6 para 3,2 por 100 mil, queda de 11,9%; enquanto as taxas entre as mulheres e meninas ne-gras crescem de 4,5 para 5,4 por 100 mil, aumento de 19,5%. Com isso, a vi-timização de negras, que era de 22,9% em 2003, cresce para 66,7% em 2013 (WAISELFISZ, 2015, p.73).

Perdidos e friamente calculados, esses números, pra grande parte da po-pulação, não provocam em nós a cons-ternação que incitam. As violações aos direitos, infelizmente, só ganham re-percussão geral na mídia e provocam estupefação social quando restam irre-mediáveis. Retomando então ao nosso mote, imaginemos, por um segundo, toda a trajetória de vidas dessas jovens, quais seriam os históricos de abusos, negações e estigmatizações que tive-ram de conviver.

Um pensamento médio poderia indicar: E se fosse diferente? E se elas

estivessem na Universidade? Para res-ponder a essa inquietação é importante recapitular o relatório da recente Co-missão Parlamentar de Inquérito, inti-tulada de CPI das Universidades, que trouxe a pauta, entre outros casos, os que vem ocorrendo na Universidade de São Paulo (USP), onde as suspeitas de 112 estupros, ao longo da década, se localizam.

Imaginando que Patrícia, Antô-nia, Conceição, Daiane e Cássia fossem universitárias isso em nada afastaria a realidade de violências e abusos cotidia-nos. Os trotes humilhantes, a precária assistência estudantil, as persistências dos atos de assédio, a falta de apura-ção e investigação dos mesmos, que assolam a maioria das universitárias brasileiras, provavelmente não estaria fora da vivência que elas encontrariam em qualquer Federal outro lugar do Brasil. Não existe lugar “seguro”! Não existe lugar onde a violência e o femi-nicídio foi erradicado. E certamente as universidades não são diferentes. Esse sentimento de insegurança ,fortalecido pela real violência vivida pelas mulhe-res, cerceia suas vidas, define escolhas e presença no espaço público.

O debate que queremos trazer gira em torno de um pressuposto muito simples: O direito de ser. Leitora, quan-tas vezes não fez algo por conta do ma-chismo?

Beauvoir já lecionava:

“Ninguém nasce mulher: torna--se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualifi-cam de feminino”.

UM JORNAL A SERVIÇO DO PT DEMOCRÁTICO, SOCIALISTA E REVOLUCIONÁRIO

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Existir é a primeira grande pauta da Mulher. Reconhecer-se enquanto mulher é, pois, a tarefa mais desafia-dora que temos. O sistema patriarcal, que não é denominado assim aleato-riamente, existe para consolidar uma lógica, para funcionar, para produzir. Faz o medo ser uma constante em nos-sa existência. Faz sermos carcerárias de nossos corpos, nos expõe a uma vio-lência sorrateira e efetiva que determi-na exatamente o que devemos ser.

Esse debate do campo privado in-fluencia totalmente o espaço público. As cidades se mostram ameaçadoras e inóspitas tão logo o sol desça, transfor-mando o simples ato de tomar um ôni-bus um momento de tormenta.

A ascensão do debate feminista no cenário político brasileiro é um fenô-meno que se acentua a partir do pro-cesso de redemocratização do país e nos ajuda a compreender por que o fe-minismo têm sido a tônica nas recentes mobilizações nacionais. O papel mobi-lizador das mulheres vem conquistan-do espaços extremamente estratégico para as pautas feministas.

O estabelecimento de uma secre-taria específica para a temática, em nossos governos, é um dos produtos dessa demanda política. Os avanços legislativos, leis específicas para o com-bate a violência de gênero, serviços específicos de atendimento como o Disque 180, foram importantes demar-cações no campo feminista.

Entretanto há que se perceber como essas conquistas reverberam para a maioria da população nacional, composta por mulheres. As limitações nos acessos às políticas públicas, como as previstas pela própria lei Maria da Penha, dificultam o combate estrutu-rante e em perspectiva da violência de gênero.A perda da autonomia da Se-cretaria de Promoção de Políticas para as Mulheres foi um duro golpe para a militância feminista, que vê nossa pau-ta, que a muito custo ganhou destaque das demais, ser diluídas com as demais temáticas de Direitos Humanos.

Não é que defendamos a não in-terconexão entre os debates, muito pelo contrário. Justamente por reco-nhecer as especificidades d@s sujeit@s, compreendemos que uma secretaria autônoma de mulheres é fundamental para traçar e estabelecer essas estraté-gias.

A conjuntura, marcada por um re-forço nas articulações da direita, impõe as conquistas das mulheres um enorme risco. As tentativas frequentes de im-por o Estatuto do Nascituro, legislações que dificultam o já burocrático proces-so de abortamento legal, bem como o sobrestamento da pauta de Gênero no Plano Nacional de Educação, demons-tram que as conquistas das mulheres incomodaram o Poder.

Os fatos ora levantandos suscitam um debate que não se esgota nessas linhas. O que salta aos olhos, princi-

palmente no último período, é o re-conhecimento das inúmeras formas de vivenciar o “Ser mulher” que vem colocando seus blocos nas ruas. Ainda em 2015, a Marcha das Mulheres Ne-gras, trouxe suas problematizações, o crescimento de coletivos que debatem um feminismo transfeminista, vem ga-nhando cada vez mais força, os debates de empoderamento estético e movi-mentos de mães que lutam por justiça por seus entes queridos, tiveram um grande destaque.

A resposta para conquistarmos as ruas, as universidades, a autonomia para podermos escolher se vamos ou não estar na prostituição, se queremos abortar com segurança e segundo nos-sa autonomia, a nós, resume-se em um único termo: Sororidade. Esse termo que soa tão estranho, mas que facil-mente se explica ao sentirmos alívio de ver que na rua onde caminhamos, as 11h da noite, no retorno da labuta, caminha a seu lado outra mulher.

Parafraseando Cecília Meireles: Sororidade, uma palavra que o sonho feminino alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não en-tenda. Compreender que para que isso aconteça é necessário que reconheça-mos nossas diferenças e especificidades é fundamental para compreender esse sujeito coletivo que são as mulheres.

* Rayane Andrade é Militante da Marcha de Mulheres Negras e da Juventude da Articulação de Esquerda do PT

www.pagina13.org.brwww.facebook.com/jornalpagina13

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Dos vários feminismos que permeiam a luta das mulheres estudantes

cada vez mais, qualquer organização de caráter militante, haja vista a vastidão de interesses, vivências, necessidades, de-mandas, perspectivas e afins que fazem parte da subjetividade dos indivíduos.

Isso se torna visível quando o as-sunto em questão são as intolerâncias presentes no movimento feminista den-tro das universidades, quando nos de-paramos com fatos inquietantes cada vez mais recorrentes dentro dos espaços estudantis e nos indagamos “calma aí, mas esse feminismo é pra quem?”. Es-sas situações são frutos da não-compre-ensão de algumas estudantes quanto a diversidade de desigualdades e atuações políticas contidas sob o colorido termo “movimento de mulheres estudantes”, ocasionada pela invisibilidade que cerca e segrega os grupos oprimidos.

Isto quer dizer que a demanda para uma determinada mulher estudante pode ser completamente diferente de outra, mesmo que estas tenham a mesma lei-tura social da universidade ou o mesmo perfil enquanto estudantes, pois a iden-

tidade mulher, como as tantas outras atualmente, apresenta-se fracionada – é uma mulher, cotista, trabalhadora, de origem ribeirinha, gorda, umbandista, transexual, indígena, cadeirante... As di-versas frações indentitárias de uma pes-soa são da mais infinita multiplicidade, implicando em suas demandas enquanto sujeito político que ocupa a universida-de.

Isso quer dizer que existem diversas formas de feminismo, incontáveis ma-neiras de mulheres se auto-organizarem contra os sistemas opressores que estão encravados em nossa sociedade. Cons-truir uma perspectiva de que “meu fe-minismo precisa disto, mas eu posso ser solidária ao feminismo de uma irmã que faz a mesma luta que eu, porém de um jeito diferente”, implica em um fortale-cimento colossal no combate à opressão de gênero, como também na desconstru-ção das intolerâncias e cegueiras sociais que permeiam as lutas sociais.

Vislumbrar socialmente os sujeitos possibilita a todas nós reconhecermos a necessidade de uma maior sororidade e a heterogeneidade das lutas que se unem todos os dias em uma luta maior e que se pretende unificada para consolidar-se: a luta das mulheres estudantes, uma luta de vários feminismos, cores e formas, onde todas carecem de maior visibilida-de e representatividade política tanto nas instituições de ensino, como em qual-quer espaço público.

*Joice Bianca Foschiera de Lima é acadêmica do curso de Ciências Soci-ais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS/Amambai); femi-nista e militante do Movimento Estudantil pela tese Reconquistar a UNE; militante na Juventude da Articulação de Esquerda – JAE; militante do Coletivo Estudantil de Diversidade e Gênero da UEMS.

Joice Bianca Foschiera de Lima

Diante do alcance que o 7º Encon-tro das Mulheres Estudantes (EME) en-quanto um dos maiores festivais políticos do Brasil - que visa promover a auto--organização das lutas feministas dentro das instituições de ensino como dentro da própria União Nacional dos Estudan-tes (UNE) - é incontestável a relevância destes debates no que se refere ao forta-lecimento da luta contra o machismo e a heteronormatividade, institucionalizada em nossa sociedade, assim como as mais diversas formas de opressão oriundas destes sistemas que normatizam nossa sociedade e velam atos intolerantes nas mais diversas situações, naturalizando a inferiorização das minorias políticas.

Todavia, como qualquer outra arti-culação social, o movimento estudantil é atingido pela crise de representatividade da contemporaneidade, dada a diversida-de que perpassa os sujeitos; assim, cabe considerar o cenário social líquido, que já não apresenta mais instituições sociais fixas e centradas, heterogeneizando,