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Avaliação de Empresas de Cinema e Estúdios Cinematográficos
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Orientador: Prof. Dr. Luis Flávio Autran Monteiro Gomes
Rio de Janeiro, 15 de julho de 2004
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LEONARDO TEIXEIRA MONTEIRO DE BARROS
AVALIAÇÃO DE EMPRESAS DE CINEMA
E ESTÚDIOS CINEMATOGRÁFICOS
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado Profissional em Administração de
Empresas das Faculdades IBMEC/RJ como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Mestre.
Área de Concentração: Administração Geral
Orientador: Prof. Dr. LUIS FLÁVIO AUTRAN MONTEIRO GOMES
Rio de Janeiro, 15 de julho de 2004
LEONARDO TEIXEIRA MONTEIRO DE BARROS
AVALIAÇÃO DE EMPRESAS DE CINEMA
E ESTÚDIOS CINEMATOGRÁFICOS
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado Profissional em Administração de
Empresas das Faculdades IBMEC/RJ como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Mestre.
Área de Concentração: Administração Geral
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA:
PROF. DR LUIS FLÁVIO AUTRAN MONTEIRO GOMES
PROF. DR. ANTONIO DE ARAÚJO FREITAS JR.
PROF. DR. EDUARDO AYROSA
“Comparações podem ser vagamente feitas com outras indústrias: produção engloba pesquisa, desenvolvimento e manufatura; distribuição pode ser comparada a comércio atacadista; e exibição a varejo. Mas aqui a comparação termina porque a demanda do público e o uso público de produtos de entretenimento como filmes são diferentes da demanda e uso de qualquer outro produto. Por exemplo, em nenhuma outra indústria um produto único é totalmente produzido, a um custo de dezenas [hoje, de uma centena] de milhões de dólares, sem nenhuma garantia real de que o público vai adquiri-lo. Em nenhum outro negócio o público ‘usa’ o produto e leva consigo (como Samuel Marx observou em ‘Mayer and Thalberg’) apenas a lembrança deste.”
Jason Squire, 1993
RESUMO
Avaliação de Empresas de Cinema e Estúdios Cinematográficos
Na indústria cinematográfica, e na do entretenimento em geral, o valor das
empresas se origina de um tipo muito particular de ativos intangíveis: os copyrights, frutos
da criação artística humana, que gozam de reconhecimento e proteção legais. As indústrias
do copyright adquirem uma importância econômica cada vez mais relevante nas economias
modernas. Partindo da existência e reconhecimento legal dos copyrights, criou-se uma
indústria de firmas cujos ativos são, em sua quase totalidade, intangíveis. A definição
contábil destes ativos e a sua adequada avaliação requerem atenção especial dos
avaliadores e estrategistas. Os métodos tradicionais de avaliação, sobretudo os baseados
em DCF, podem não ser suficientes para revelar todo o valor das firmas atuantes nesta
indústria. O uso de opções reais pode, em determinadas circunstâncias, ajudar o avaliador.
O trabalho inclui também dados sobre o tamanho e dimensões do mercado mundial de
cinema, as origens de receitas da obra cinematográfica e a participação relativa de cada
modalidade de exploração das obras audiovisuais no conjunto total de receitas. Analisa os
dois principais custos da indústria e enumera 14 características estruturais da indústria
cinematográfica. É apresentado um quadro geral dos principais deals envolvendo a compra
e venda de empresas de cinema no mundo.
Palavras-chave: Ativos intangíveis, Copyrights, Indústria cinematográfica, Indústria do
entretenimento, Avaliação, Cinema.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO PÁGINA
I. A ORIGEM DO VALOR: COPYRIGHTS, PROPRIEDADE INTELECTUAL, ATIVOS INTANGÍVEIS E GOODWILL ......................................... 9
Definições
Os 3 Métodos de Avaliação de Ativos Intangíveis
A Importância Econômica da Indústria do Copyright
Securitização de Copyrights
II. ECONOMIA DO CINEMA E DA OBRA CINEMATOGRÁFICA .............................. 31
Os Mercados, as Receitas e os Custos
As 14 Características Econômicas Estruturais da Indústria Cinematográfica
III. O VALOR DAS EMPRESAS DE CINEMA .......................................................... 57
Custo de Capital e o Quadro Geral de Transações
Avaliando Empresas de Cinema por Opções Reais: O Método de Amram/Martin
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Esta dissertação é sobre a avaliação de uma categoria muito particular de
ativos intangíveis. Especificamente, ativos que se originam da Propriedade Intelectual (PI),
ou seja: ativos intangíveis que desfrutam de proteção legal. E, dentre os diversos tipos de
PIs, interessamo-nos por aquelas conhecidas como copyrights: ativos que são fruto da
criatividade humana, da criação artística de indivíduos mas cuja propriedade ou
titularidade pertence a empresas (copyrights são propriedades intelectuais oriundas da
criatividade e, como tal, se contrapõem às propriedades intelectuais originadas da inovação
tais como as marcas e as patentes).
E nossa análise é sobre um segmento específico - a indústria
cinematográfica - de um grupo de indústrias cujas empresas dedicam-se à criação,
propriedade, controle e exploração comercial de copyrights. Este setor é definido
freqüentemente como indústria do entretenimento. Esta indústria compreende, entre
outras: (i) a indústria cinematográfica, (ii) a indústria fonográfica, (iii) a indústria de
brinquedos e videogames, (iv) a indústria editorial (publicação de livros) e, (v) a indústria
da mídia ou da comunicação (os meios de comunicação de massa tais como a televisão, os
jornais/revistas, o rádio e, agora também, a Internet). Este setor é normalmente referido
pelos analistas financeiros como Mídia e Entretenimento (Media & Entertainment).
2
O que une estas indústrias à primeira vista díspares é que sua característica
principal é a criação, o controle e a exploração comercial de copyrights. Importante,
entretanto, notar que, da mesma maneira que nem toda indústria de entretenimento é
baseada na exploração de copyrights, nem toda industria de copyright é de entretenimento.
A indústria de software por exemplo é tipicamente uma indústria de copyright mas não é,
primordialmente, uma indústria de entretenimento (a não ser no que se refere à parte de
informática e programação de videogames). Por sua vez, existem áreas da indústria do
entretenimento não diretamente ligadas à criação e exploração de copyrights tais como a
indústria de marketing esportivo, de parques temáticos e a indústria dos jogos de azar.
O objeto de análise e estudo deste trabalho é a indústria cinematográfica.
Nesta (e na de entretenimento em geral), intangíveis, ou seja: os copyrights (sejam estes
novos lançamentos ou o catálogo de títulos já lançados) detidos pelas organizações e
empresas nela atuantes são o principal ativo e sua principal fonte de receitas: os filmes
produzidos e distribuídos por estas empresas, cujos direitos de propriedade e de
distribuição/exibição, a titularidade enfim, são por elas controlados.
Criar copyrights, administrar copyrights, explorá-los economicamente a
longo do tempo: é este o negócio das empresas cinematográficas.
O problema central de nosso trabalho é, portanto, encontrar a forma de
precificar (ou seja: avaliar monetariamente) este determinado tipo de ativos intangíveis,
originado da criatividade humana (copyrights).
3
A indústria cinematográfica é provavelmente a mais fascinante indústria do
mundo. Sobre ela muito se fala. E, no entanto, quão pouco se a compreende
adequadamente? Estudos sobre a economia da indústria cinematográfica existem desde os
anos 301. Mas foi somente nos últimos 15 anos, a partir da publicação da primeira edição
de Entertainment Industry Economics - A Guide for Financial Analysis, de Harold Vogel,
hoje na 5ª edição (2001), que o tema da avaliação de empresas cinematográficas e de
entretenimento, do valor dos copyrights e das propriedades intelectuais por estas detida,
passou efetivamente a ser objeto privilegiado de estudos e teorias, particularmente na área
de finanças e avaliação de empresas.
A grande dificuldade do avaliador nesta área é que, na maioria das vezes, o
valor dos ativos intangíveis de uma empresa não está refletido nas suas demonstrações
financeiras e só se torna óbvio quando a empresa é adquirida por outra ou fusionada,
ocasião em que tais ativos são finalmente explicitados sobre a forma de goodwill (ou seja,
a quantia paga pela empresa ou negócio adquirido ou fusionado que ultrapassa o seu valor
contábil (book value) ou seus ativos ditos reais ou tangíveis. Na maioria das vezes, o custo
de criação de tais ativos foi integralmente “lançado a resultado”, ou seja, tratado como
despesa da empresa dentro de um determinado exercício. Desta maneira, tais bens não são
ativados, pois seu custo de desenvolvimento e criação não foi tratado como investimento e,
portanto, lançado no ativo da empresa para ser amortizado ao longo de diversos exercícios.
Este estudo objetiva portanto mencionar particularidades econômicas e
financeiras da indústria cinemtográfica; estudar métodos de avaliação neste setor da
1 Ver, por exemplo, Cassady Jr – Some Economic Aspects of Motion Picture Production and Marketing (The Journal of Business of the University of Chicago, Vol. 6, Abril de 1933).
4
indústria do entretenimento para fornecer orientações especializadas sobre o segmento;
produzir o instrumental necessário para que este valor possa estar adequadamente refletido
nas demonstrações financeiras ou ser corretamente explicitado no momento da avaliação
destas empresas. Objetiva também fornecer a analistas financeiros o instrumental adequado
para formular suas previsões de lucro e recomendações de compra, guarda ou venda de
ações de empresas deste setor.
Assim, cremos, nossa pesquisa será de interesse e utilidade para
administradores e proprietários de empresas ligadas ao setor de entretenimento ou do
copyright, para empreendedores, chief financial officers, controllers e contadores; para
analistas e banqueiros de investimento; para investidores em geral, auditores, advogados e
para autoridades fiscais.
Como medir, afinal, o valor dos estúdios cinematográficos, como monetizar
os copyrights cuja titularidade são por estes controlados? Para responder a estas perguntas,
esta Dissertação está dividida em três Capítulos interdependentes:
No Capítulo I, analisamos o que são copyrights, como estes se categorizam
dentro das propriedades intelectuais e como estas, por sua, vez, se constituem como ativos
intangíveis passíveis de identificação e delimitação, diferenciando-se portanto dos que
costumam integrar a categoria genérica de Goodwill. Com base em textos da Organização
Mundial do Comércio - OMC referentes ao acordo multilateral TRIPS (Trade Related
Aspects of Intellectual Property Rights) de 1995 (do qual o Brasil é signatário); e no Guide
on Surveying the Economic Contribution of the Copyright-Based Industries publicado pela
World Intellectual Property Organization em 2003, mostramos como propriedades
5
intelectuais, por seu particular status legal, são bens, ativos de valor. Prosseguimos
apresentando aspectos econômicos dos ativos intangíveis, suas particularidades e
características, as quais estão muito bem apresentadas por Baruch Lev em Intangibles:
Management, Measurement, and Reporting (2001) e em Valuation for Financial
Reporting: Intangible Assets, Goodwill and Impairment Analysis (2002) de Mard, Hyden,
Hitcher e Zyla, cujas principais conclusões reproduzimos aqui. A importância econômica
da indústria do copyright, seu significado para as economias nacionais, particularmente a
dos Estados Unidos, é relevante para o nosso estudo e os principais dados constantes neste
trabalho a este respeito foram retirados de Copyright Industries in the U.S. Economy: The
2002 Report publicado pela International Intellectual Property Alliance (IIPA).
O assunto da avaliação de ativos intangíveis em geral é o objeto central do
volumoso livro Valuing Intangible Assets de Reilly & Schweihs (1998) cujo capítulo sobre
avaliação de copyrights é de particular interesse para nosso estudo e, por isso, é destacado
neste trabalho. Finalmente, a crescente importância e relevância econômica e financeira
dos ativos intangíveis baseados em propriedades intelectuais está possibilitando a
formação, constituição e expansão de um mercado de securitização de royalties futuros
oriundos da exploração econômica e comercial de tais ativos. No que concerne
especificamente à indústria cinematográfica, a securitização de royalties futuros de filmes é
um tema fascinante do qual apresentamos os pontos essenciais visto que esta é uma das
importantes áreas de atuação de avaliadores. Aqui, seguimos os textos de Agiato (The
Basics of Financing Intellectual Property Royalties) e de Eisbruck (Credit Analysis of
Intellectual Property Securitization: A Rating Agency Perspective), ambos capítulos
integrantes do vasto livro de Berman, From Ideas to Assets: Investing Wisely in
Intellectual Property (2002).
6
O Capítulo II da Dissertação é dedicado à economia da obra e da indústria
cinematográfica, um estudo dos mercados de sua exploração, de suas receitas e custos, bem
como das suas características econômicas estruturais. Aqui utilizaremos fatos e dados
obtidos em obras de referência na indústria como o Worldwide Film Facts da Baskerville
Communications (2000), e o World Film Market Trends 2003 publicado pelo Observtório
Europeu do Audiovisual. Também serão utilizadas as preciosas análises de quatro
importantes observadores da indústria: as de Harold Vogel, contidas em diversos capítulos
de Entertainment Industry Economics – A Guide for Financial Analysis (2001)2, o
“clássico” livro sobre a Indústria do Entretenimento, editado pela primeira vez em 1986 e
já na sua quinta edição, atualizada; as de Martha Amram, que dedica à indústria
cinematográfica o capítulo 10 inteiro de seu livro Value Sweep: Mapping Corporate
Growth Opportunities (2002), capítulo este que, sob a forma de um paper autônomo,
intitulado The Value of Film Studios, foi publicado no mesmo ano no Journal of Applied
Corporate Finance; as da analista de investimentos Laura Martin, expressas em Film
Studio Reel Options, paper editado pelo Credit Suisse First Boston em 2001; e as do Prof.
Dr. Stephen Ryan da Stern School of Business da New York University, titular da cadeira
de Accounting and Valuation in the Entertainment, Media and Technology Industries, as
quais, atualmente em preparação para serem publicadas, foram-nos enviadas pelo mesmo
sob a forma de anotações para aulas intituladas Libraries: Primary and Ancillary Revenues
e Accounting & Valuation Issues in the EMT (Entertainment, Media & Technology)
Industries.
2 Harold Vogel foi eleito por um recorde de 10 anos “Melhor Analista da Indústria do Entretenimento” pela Institutional Investor e foi por 17 anos O Analista-Senior de Entretenimento da Merryl Linch nos EUA.
7
Finalmente, o Capítulo III da Dissertação trata especificamente da
avaliação de empresas de cinema e dos estúdios cinematográficos. Aqui, as análises dos
quatro autores acima mencionados continuam a ser utilizadas e apresentamos o método
criado por Martin e Amram, que questiona o uso de modelos tradicionais de avaliação
como o DCF e utiliza opções reais para demonstrar o pleno e real valor das empresas
cinematográficas.
Este trabalho é complementado por informações obtidas em associações,
instituição e entidades ligadas à indústria como a Motion Picture Association of America
(MPAA) que compreende os principais estúdios de Hollywood (Columbia TriStar, Disney,
20th Century Fox, Warner Bros, Paramount, Universal e MGM); junto à publicações
especializadas na indústria cinematográfica como Variety (EUA) e Filme B (Brasil) e, last
but not least, obtidas através da observação do autor em cerca de 20 anos de experiência
nacional e internacional como executivo de empresas de entretenimento; bem como de
depoimentos de avaliadores profissionais com experiência na avaliação de empresas deste
segmento, colhidos pelo autor desta Dissertação ao longo da realização deste trabalho.
Insere-se este estudo na linha de pesquisa de “Estratégia e Decisão” das
Faculdades IBMEC, com ramificações para as seguintes áreas de pesquisa: Gestão
Estratégica (diversificações, importância dos ativos intangíveis na formação do valor das
empresas, obtenção de vantagens e competências estratégicas); Finanças (avaliação de
empresas e negócios para fins de abertura de capital; busca de venture capital; fusões &
aquisições; falências e concordatas; previsão de lucros de preços de ações); e, finalmente,
Controle Gerencial (melhores práticas financeiro-contábeis).
8
Reveste-se, acreditamos, de feliz atualidade esta Dissertação em nosso país:
a Medida Provisória número 2.228-1 de setembro de 2001, modificada em alguns aspectos
pela em Lei 10.454 de maio de 2002, criou a possibilidade de constitução de fundos de
investimento incentivados (Funcines) para adquirir participações em empresas do setor
cinematográfico e detentoras de diretos sobre obras audiovisuais em geral. À época da
redação final deste trabalho, dois destes fundos encontravam-se em processo final de
registro na Comissão de Valores Mobiliários. Surgirá portanto a necessidade de se avaliar
empresas cinematográficas brasileiras para fins de: (i) Abertura de capital, (ii)
Reorganizações societárias, (iii) Fusões & Aquisições, (iv) Busca de capital de risco e (v)
Falências e concordatas.
Os estudos sobre ativos intangíveis, particularmente os sobre Capital
Intelectual, multiplicam-se com velocidade. Dentro dos estudos da avaliação de
Propriedade Intelectual, são numerosos os trabalhos e os livros sobre a avaliação, valor
econômico e estratégico de patentes e das marcas. Já os estudos sobre o valor econômico e
financeiro dos copyrights, a avaliação das empresas da indústria do copyright, são bem
mais escassos. Daí, cremos, um dos aspectos importantes de nossa Dissertação: trata-se de
um panorama da literatura – significativa, embora dispersa – sobre o tema em nosso país.
Esperamos que esta Dissertação seja uma contribuição concreta aos estudos
sobre o valor econômico e financeiro das propriedades intelectuais e dos ativos intangíveis
em geral e que, sobretudo, abra campo para outros trabalhos e estudos de outras indústrias
ligadas à criação e exploração de copyrights, ou da indústria do entretenimento em nosso
país.
CAPÍTULO I:
A ORIGEM DO VALOR: COPYRIGHTS, PROPRIEDADE
INTELECTUAL, ATIVOS INTANGÍVEIS E GOODWILL
Definições
A hipótese fundamental de nosso trabalho é que os ativos intangíveis
decorrentes do controle de copyrights podem - e devem - ser avaliados financeiramente e
seu valor pode e deve ser adequadamente refletido nas demonstrações financeiras das
empresas de entretenimento. A inclusão deste valor nas demonstrações financeiras tem
impacto real nos resultados de uma empresa (nos seus lucros operacional e líquido), na
tributação da mesma, e são de especial relevância na venda, reorganização societária, fusão
ou falência de empresas deste setor. Como afirma Hadley (1997) “Ativos intangíveis em
geral e a propriedade intelectual em particular têm cada vez mais um papel preponderante
na definição de quanto valem as empresas, grandes ou pequenas. Estes ativos entram em
campo quando uma empresa busca financiamento ou capital, quando uma fusão ou
aquisição está sendo considerada, quando Tio Sam procura uma maneira de coletar mais
tributos; e nos casos de falências e liquidações iminentes ou em processo.”
10
O tema dos ativos intangíveis é vasto e requer cuidadosa definição. É
comum vermos a expressão ativos intangíveis utilizada genericamente como sinônimo de
capital intelectual ou ligada à noção de gestão do conhecimento nas organizações. A
literatura contábil costuma utilizar o termo intangíveis, enquanto que os economistas
preferem o termo ativo intelectual e os livros de administração e a literatura legal
consagraram o termo capital intelectual (Cf. Baruch Lev, 2001, p.5). É comum também a
associação entre a expressão ativos intangíveis e ‘Goodwill’. Sem dúvida, a expressão com
estas denominações se relaciona. E, de fato, Lev (2001) as utiliza de maneira
intercambiável. Mas, embora as expressões estejam relacionadas, o conceito estrito de
ativos intangíveis não se restringe a elas:
Ativos intangíveis são ‘fontes não-físicas de valor geradas pela inovação (descoberta), por desenhos organizacionais únicos ou pelas práticas de recursos humanos. Ativos intangíveis freqüentemente interagem com ativos tangíveis e financeiros para criar valor corporativo e crescimento econômico (...) Quando tais ativos recebem (ou se beneficiam de) proteção legal, como nos casos das patentes, marcas e dos copyrights, são então denominados propriedade intelectual.
(Lev, 2001 p.7).
Mard et allii enumeram outras definições:
A Brookings Task Force on Intangibles definiu intangíveis como sendo fatores não-físicos que contribuem ou são usados na produção de bens ou na prestação de serviços, ou dos quais se espera que gerem benefícios produtivos futuros para os indivíduos ou firmas que controlam o uso destes fatores. O International Valuation Standards Committee foi, talvez, mais preciso em sua definição de intangíveis como sendo ativos que se manifestam por suas propriedades econômicas, eles não possuem substância física, eles asseguram direitos e privilégios e costumam gerar rendimentos para seus proprietários. Ativos intangíveis podem ser categorizados como oriundos de Direitos, Relacionamentos, Intangíveis Agrupados, ou Propriedade Intelectual.
11
(...) provavelmente a definição mais curta foi proposta pelo Financial Accounting Standard Board - FASB: ... ativos (excluindo-se os ativos financeiros) que não possuem essência física. Segundo o FASB, ativos intangíveis distinguem-se de goodwill. O FASB fornece orientação específica para a identificação de ativos intangíveis de tal maneira que qualquer ativo que não seja identificado como tal cairá na categoria genérica de goodwill.
(Mard et allii, 2002, p. 16)
Por sua natureza não-física, e diferentemente dos ativos financeiros que
podem ser diretamente expressos em unidades monetárias, é extremamente difícil avaliar,
monetizar e reportar acuradamente o valor dos ativos intangíveis. Além disso, as
particularidades dos ativos intangíveis os afastam de noções consagradas da análise
financeira tais como o custo de oportunidade:
O atributo de não-rivalidade (ou não-escassez) dos intangíveis - a habilidade de usar tais ativos em aplicações simultâneas e repetitivas sem diminuir sua utilidade - é um forte gerador de valor tanto no nível das organizações quanto nacional. Enquanto ativos reais e financeiros podem ser alavancados de forma limitada através da exploração de economias de escala ou amplitude de produção (uma fábrica pode ser utilizada em apenas três turnos por dia), a alavancagem dos intangíveis para gerar benefícios - a escalabilidade destes ativos - é geralmente limitada apenas pelo tamanho do mercado. A utilidade das idéias, conhecimento e pesquisa que estão compreendidas em uma nova droga ou sistema operacional de computador não é limitada pelos retornos decrescentes de escala típicos dos ativos reais (quando a produção se expande de dois para 3 turnos, o retorno decresce em função do maior custo pago ao terceiro turno e pela fadiga dos empregados). Na realidade, intangíveis são freqüentemente caracterizados por retornos crescentes de escala (grifo meu). O investimento no desenvolvimento de uma nova droga ou um instrumento financeiro (um mecanismo de risk-hedging, por exemplo) é freqüentemente alavancado no desenvolvimento de drogas e instrumentos financeiros posteriores. A informação é cumulativa, diz o ditado.
(Lev, 2001, p.23)
12
Mas talvez a definição mais sucinta, direta e clara de ativos intangíveis é a
de Reilly & Schweihs (1998, pág 5 e seguintes) para quem um ativo para ser considerado
intangível deve apresentar as seguintes caracaterísticas e atributos:
1. Ser sujeito à identificação específica e descrição reconhecível;
2. Ter existência legal e gozar de proteção;
3. Ser sujeito ao direito de propriedade e esta propriedade pode ser transferível;
4. Deve haver alguma evidência ou manifestação tangível da existência dos ativos [nos casos dos ativos baseados em copyrights esta evidência são os contratos com os criadores e as matrizes (masters)];
5. Tem de haver sido criado em um momento identificável ou resultante de um evento identificável;
6. Deve estar sujeito à destruição ou fim de existência num momento de tempo definido.
Importante também, ainda segundo os autores, são os fenômenos
econômicos que indicam valor em ativos intangíveis. Dois deles são particularmente
dignos de nota: a de que o ativo deve gerar algum benefício econômico mensurável para
seu proprietário e a de que ele deve ter o potencial de aumentar o valor de outros ativos
com os quais esteja associado. Esta última catracterística é de enorme importância na
Indústria cinematográfica como veremos na Parte 3 sobre o valor dos catálogos (library)
das empresas cinematográficas. Na indústria cinematográfica (e na de entretenimento em
geral), os ativos intangíveis, expressos no catálogo de copyrights detidos pelas
organizações e empresas nelas atuantes, são o principal ativo e sua principal fonte de valor:
os filmes, as séries, os programas, enfim as obras audiovisuais produzidas por estas
empresas e cujos direitos de propriedade e de distribuição/exibição são por elas
controlados.
13
A FASB distingue 5 categorias distintas de ativos intangíveis:
1. Relacionados a marketing (marcas, acordos de não-concorrência);
2. Relacionados a clientes (listas de clientes, históricos de compras e pedidos);
3. De natureza artística (peças, livros, composições musicais, filmes, programas de TV);
4. Relacionados a contratos (contratos de licenciamentos e royalties, licença e construção, contratos de franchise, concessões de TV, contratos de fornecimento, direitos de exploração mineral); e
5. Relacionados a tecnologia (tecnologia patenteada e não-patenteada, programas de computador, domínios de nomes na Internet, databases).
(Mard et alii, 2002 p.19)
Reilly e Schweihs (op. cit), usam mais categorias: ligados à marketing;
ligados à tecnologia; ligados a obras artísticas; relacionados a processamento de dados;
relacionados à engenharia (design industrial, patentes, planos de fábricas); relacionados a
clientes; relacionados a contratos; relacionados ao capital humano; relacionados a
localizações; e relacionados a goodwill.
É importante notar que algumas categorias de ativos intangíveis podem incluir um tipo especial de destes ativos chamados de Propriedade Intelectual (PI) [...] PI’s manifestam toda a existência econômica e todos os atributos de valor dos outros ativos intangíveis. Entretanto, por causa de sua situação especial, PI’s gozam de reconhecimento legal e proteção especiais. Ativos intangíveis são criados no curso normal dos negócios. Entretanto, PI’s são criadas pela atividade intelectual ou pela inspiração humanas. Esta atividade é específica, consciente e a criatividade envolvida pode ser atribuída a indivíduos específicos, identificáveis. Por causa de seu particular processo de criação, PI’s são geralmente registradas e protegidas por legislações federais e estaduais [e, acrescentamos, mundiais] específicas. [...] Como outros ativos intangíveis, PI’s são geralmente agrupadas em categorias. As PI’s em cada categoria são geralmente similares em natureza, aparência, método
14
de criação e proteção legal. Da mesma maneira, métodos similares de avaliação e abordagens de análise econômica se aplicam às PI’s de cada categoria. As duas mais comuns categorias de PI’s são: (i) as criativas (ou seja: marcas, copyrights, softwares) e, (ii) as inovativas (ou seja: patentes, design industrial, segredos comerciais). [...] É importante salientar que Propriedades Intelectuais não são um tipo de propriedade diferente dos ativos intangíveis. PI’s não são ativos separados ou distintos dos ativos intangíveis. Antes, PI’s são um subgrupo especialmente reconhecido de ativos intangíveis. Em outras palavras, todas PI’s são ativos intangíveis mas nem todos os ativos intangíveis possuem a distinção especial de serem Propriedade Intelectual.
(Reilly & Schweihs, op.cit. p. 20-21)
A WTO/OMC (1999), no tratado TRIPS3 (Trade-Related aspects of
Intellectual Property Rights) que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1995, define
Propriedade Intelectual como “direitos concedidos à pessoas [físicas ou jurídicas, convém
lembrar] sobre as criações originadas de mentes humanas”. Estes direitos geralmente dão
aos seus criadores ou seus titulares o direito exclusivo de uso de suas criações durante um
determinado período de tempo. Ela distingue os dois seguintes tipos principais de
Propriedade Intelectual:
COPYRIGHT E DIREITOS RELACIONADOS A COPYRIGHT: inclui direitos
sobre obras artísticas e literárias, programas de computador e até databases;
e os direitos relacionados (os chamados de direitos conexos) de intérpretes,
produtores de gravações fonográficas e canais de Rádio e TV. O objetivo
social primordial desta proteção é encorajar e recompensar o trabalho
criativo; e
3 Acessável em <http//www.wto.org>
15
PROPRIEDADE INDUSTRIAL: a qual por sua vez se subdivide em dois
grandes grupos: Uma área pode ser caracterizada como proteção de sinais
de distinção,: marcas de produtos ou serviços, localizações geográficas
(incluindo regiões de origem). O objetivo da proteção é estimular e
assegurar concorrência e proteger consumidores permitindo-os fazer
escolhas. A outra é a proteção da inovação, do design e da criação de
tecnologia: invenções (patentes), designs industriais e de circuitos
integrados e segredos industriais. A função social da proteção é proteger os
resultados econômicos do investimento em novas tecnologias e em
pesquisa.
As especificidades das PI’s e dos copyrights em particular possuem
relevância econômico-financeira para as empresas que os produzem, ou titulares de seus
direitos, influenciando diretamente o seu valor como empresa. Ainda segundo Reilly &
Schweiss (1998), os seguintes cinco fatores legais afetam o valor das PI’s: (i) PI’s possuem
uma duração legal de proteção definida e finita (nem todos os ativos intangíveis possuem
uma duração de vida legal específica; (ii) Por causa da proteção e e reconhecimento legais,
os proprietários de Propriedades Intelectuais possuem mais possibilidades externas de
comercialização à sua disposição do que os proprietários de outros tipos de ativos
intangíveis. Estas são opções reais e oportunidades que podem incluir o licenciamento de
uso para fins de exploração das propriedades em novos territórios, em novos produtos ou
novas indústrias. No caso da indústria cinematográfica, isto se traduzirá na oção de utilizar
o copyright originário da obra para fins de sua exploração em novas mídias ou suportes.
(iii) Há mais registros e informação de transações de Propriedades Intelectuais do que de
outros ativos intangíveis. Há mais dados refentes às vendas, licenciamentos e royalties
16
referentes à PI’s. (iv) PI’s gozam de percentuais de royalties e maiores múltiplos de preços
de mercado que outros ativos inangíveis em decorrência do fato de que os compradores e
licenciados de Propriedades Intelectuais aceitam pagar mais por causa das leis de proteção
das PI’s. Esta proteção legal confere frequentemente exclusividade de uso e também
previne outros, não-licenciados, não-proprietários ou não titulares de poderem utilizá-las,
reduzindo os riscos associados a estas transações comerciais. E (v), há mais precedentes
judiciais, há mais jurisprudência sobre as transações comerciais de PI’s, incluindo decisões
referentes à métodos de avaliação. Isto permite que tais ativos sejam definidos com mais
precisão, provê informações sobre o valor e preços destes ativos, e, também, porque como
a infringência de direitos sobre Propriedades Intelectuais pode gerar multas e penalidades
vultuosas, confere um grau de proteção e de segurança ao mercado de comercialização de
PI’s.
Uma análise comparada da legislação sobre copyright e direito autoral, no
Brasil, nos EUA e outros países como a França, Itália, Reino Unido, Alemanha ou Espanha
é completamente fora do escopo deste trabalho. No entanto, com relação específica aos
benefícios econômicos associados ao copyright, que são de relevância para o nosso estudo,
podemos sumariamente destacar os seguintes:
Copyright é um grupo de direitos e não apenas um direito só. No caso das
obras cinematográficas, inclui não só o direito de produzí-la e explorá-la comercialamente
com exclusividade; mas também o direito de realizar obras derivadas (uma série de TV
derivada de um filme, por exemplo) da obra original. Inclui o direito de reproduzir a obra
ou parte dela, inclui o direito de distribuir e/ou licenciar a obra, através do aluguel, venda
ou licenciamento, inclui o direito de exibir ou autorizar a exibição da obra.
17
Na legislação americana, autor pode ser uma pessoa-física ou jurídica. Na
legislação brasileira, a palavra autor só se aplica a pessoas-físicas. As empresas que
adquiriram direitos patrimoniais de autor sobre uma obra são denominadas Titulares destes
direitos. Geralmente os autores detém o copyright original das obras por eles criadas com
três particulares exceções na legislação americana (e que se aplicam, mutatis mutandis, à
legislação brasileira): caso o autor seja empregado de uma empresa e a obra seja criada no
curso da relação empregatícia, a titularidade cabe à empresa. Caso a obra seja criada sob
encomenda de uma empresa ou instituição, caberá a esta a titularidade. Caso o autor venda
(ceda ou licencie) os direitos patrimonais, a titularidade caberá ao comprador.
A legislação de copyrights confere um monopólio dos benefícios da
exploração eonômica ao seu titular. Entretanto, como copyrights possuem também uma
função social na medida em que contribuem para o progresso da ciência, das artes e das
civilizações, este monopólio é limitado no tempo: Nos EUA, a duração da proteção legal
dos copyrights de obras geradas a partir de 1977 é de toda a vida do autor mais 50 anos
após sua morte. Copyright sobre obras criadas por empregados duram por 75 anos da data
da primeira publicação ou 100 anos da data da criação, o que ocorrer primeiro. No Brasil, o
prazo de proteção legal dos diretos autorais, conforme a Lei Federal Nr. 9.610 de 19 de
fevereiro de 1998 (Lei dos Direitos Autorais) é de 70 anos a partir da morte da autor e de
60 ans para obras audiovisuais a partir de seu lançamento. Mais importante, copyrights são
transferíveis, alienáveis, vendáveis, no todo ou em parte, através da cessão ou licença (esta,
a forma mais comum de comercialização de copyrights).
Nas transações comerciais de licença de copyrights, os três aspectos mais
importantes dos licenciamentos dizem respeito à duração da licença (licenciar os direitos
18
por um determinado tempo apenas), à geografia ou língua (circunscrever a licença de
exploração ou exibição da obra a determinados territórios), e à modalidade de utilização
(por exemplo, no caso da obra cinematográfica, licenciar somente determinados formatos –
tais como DVD ou VHS – ou determinadas mídias – tal como TV a cabo).
19
Os Três Métodos de Avaliação de Ativos Intangíveis
Há três formas básicas de se avaliar ativos intangíveis e, por consequência,
Prioriedades Intelectuais e copyrights: o método de custo (cost approach), o método de
mercado (market approach) e o método de rendimentos líquidos (income approach). Dos
três o método de custo, ou de reposição do ativo através de sua re-criação, é o menos
utilizado. A principal razão é que como a legislação de copyright confere monopólio aos
criadores ou ao titular dos direitos, na prática, o ativo original não pode ser substituído ou
re-criado por um outro titular. Assim, caso um produtor cinematográfico desejasse recriar
o filme “Titanic” para possuir um ativo idêntico ao detido pelos Estúdios Fox, seria
impedido pelas legislação de fazê-lo. Por esta razão, o método de custo é pouco utilizado e
costuma apenas fornecer um piso ou mínimo do valor estimado do ativo. A maior
limitação deste método é que ele não fornece uma avaliação dos benefícios da titularidade
do copyright ou de seu valor mas, sim, de qual o seu custo de reposição ou recriação. Os
dois estilos básicos deste método são baseados no custo histório (valores histórios de
criação dos copyrights depreciados a uma determinada taxa) ou custo de reposição ou
recriação (que utiliza preços correntes para definir quanto custaria, mesmo que
hipoteticamente e apenas para fins de referência, recriar a obra). Normalmente as
informações associadas a este método e necessárias para o cálculo do valor do ativo são
obtidas internamente.
Já o método de mercado é um pouco mais comum. Há de fato um mercado
ativo e dinâmico de compra e venda de direitos de copyright. Entretanto, nem sempre o
valor final destas transações é divulgado publicamente e, também , às vezes é difícil criar
unidades de comparação para gerar múltiplos de mercado que permitam precificar tais
20
ativos. O mais comum é a utilização de tabelas de royalties ou licenças semelhantes. É
claro que a questão pode ficar mais complexa no caso daquelas negociações que
deteminam fees anuais mínimos, independentes da quantidade de obras efetivamente
utilizadas. Mas, de uma maneira geral, as precificações são realizadas levando-se em conta
um percentual de royalties (um determinado percentual da receita total é pago ao titular dos
direitos) também conhecido como royalty rate, ou um determinado valor fixo é pago em
função de cada utilização ou exibição da obra, neste caso, chamados de per use formula.
As informações sobre o valor dos ativos, por este método, são geralmente obtidas
externamente.
Finalmente o método dos rendimentos líquidos ou fluxos de caixa, utilizado
muito comumente. Tipicamente, tal método prevê os fluxos de rendimentos líquidos
futuros esperados do ativo em consideração. É o método mais utilizado porque a
informação necessária para se determinar o valor utilizando-se este método é relativamente
acurada e está normalmente disponível. Os parâmetros utilizados incluem os fluxos de
rendimentos líquidos futuros, a duração deste fluxos e os riscos associados com a geração
destes fluxos. Uma questão interessante que surge na utilização deste método, citada por
Reilly & Schweihs (op.cit.), é sobre a reparação de danos relacionadas à violação de
direitos: deve a reparação ser baseada nos rendimentos líquidos que o titular efetivo dos
direitos deixou de receber (isto é: perdeu), ou sobre os rendimentos líquidos que o
infringidor recebeu em função da violação? Segundo os autores há quem defenda que o
titular dos diretos deve ser indenizado duplamente, isto é: tanto pelo que deixou de receber
quanto por quanto o infringidor recebeu: uma dupla reparação. As informações necessárias
para a avaliação e precificação dos ativos, por este método, são obtidas interna e
externamente.
21
O importante aqui é que nem sempre a informação sobre o valor dos ativos
estará explicitada nas demonstrações financeiras da empresa. Como afirma Hadley (1997)
“‘uma empresa que desenvolve sua própria propriedade intelectual geralmente não vai
demonstrar nenhum valor a ela relacionado em seu balanço patrimonial mas mostrará o
dinheiro investido como custos de pesquisa e desenvolvimento’ afirma [Robert] Linn
[sócio da Ernst & Young em Syracuse]. ‘Geralmente o que você descobre é que uma
propriedade intelectual não tem nenhum valor contábil até ser adquirida. E se você adquire
uma empresa de alta tecnologia você pode então alocar um valor para as patentes e os
copyrights que você comprou’.”
22
Importância Econômica das Indústrias do Copyright
Diversos trabalhos têm sido feitos para dimensionar e estabelecer a
importância e impacto das indústrias do copyright em diversos países do mundo. A World
Intellectual Property Organization (WIPO) publicou em 2003 o Guide on Surveying the
Economic Contribution of the Copyright-based Industries, fornecendo aos países membros
da organização (inclusive o Brasil) orientação e linhas-mestras para o dimensionamento e
mensuração destas indústras.
Para tais fins, o Guide distingue as chamadas Core Copyright Industries (no
caso do objeto de estudo desta Dissertação inclui produção, distribuição e exibição de
filmes, locadoras de vídeo, roteiristas, diretores, atores etc.); as Interdependent Copyright
Industries (produção, venda e aluguel de equipamentos cinematográficos, manufatura e
venda de televisores, aparelhos reprodutores de DVD e VHS, fitas ou discos virgens, etc.);
as Partial Copyright Industries (produção de figurinos para filmes, cenários, etc.), e as
Non-Dedicated Copyright Industries (uso de serviços de transportes, de telefonia e de
internet por empresas do setor de cinema, entre outros). O Guide ressalta trabalhos de
mensuração e dimensionamento destas indústrias realizadas pelo Mercosul4, Austrália,
Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos.
O mais completo e acurado estudo, iniciado em 1990 e já na sua nona
edição, é Copyright Industries in the U.S. Economy – The 2002 Report, realizado sob a
direção de Stephen E. Siwek da Economists Incorporated para a International Intellectual
4 “Estúdio sobre la importância econômica de las industrias y actividades protegidas por el Derecho de Autor y Derechos Conexos em los países de Mercosur y Chile” realizado pelo GEOPI do Instituto de Economia da Unicamp, em 2002. Igualmente obtenível em www.wipo.org.
23
Property Alliance (IIPA) dos Estados Unidos. Dentre as principais conclusões desta série
anual de estatísticas do setor, podemos destacar as seguintes:
1. Em 2001, as indústrias do copyright (IC) norte-americanas representaram 5.34% do PIB do país, ou US$ 535.1 bilhões, ultrapassando pela primeira vez a marca de 5% do PIB;
2. Entre 1977 e 2001 a participação no PIB das indústrias de copyright dos EUA cresceu mais do que duas vezes mais rápido que o resto da economia (7% contra 3%);
3. No mesmo período, o emprego nas IC mais do que dobrou, passando a 4,7 milhões de trabalhadores e representando 3,5% do emprego total no país. Este número representa apenas os empregados nas indústrias ditas “core”. O emprego na IC “total” chegou a 8 milhões de trabalhadores, ou 6% de todo os empregos no país:
Emprego nas IC: Ano Core IC Total IC 1977 1,6% 3,3% 2001 3,5% 5,9%;
4. Ainda no mesmo período, o emprego nas IC cresceu mais do que três vezes mais rápido que na economia como um todo (5% contra 1,5%);
5. Em 2001 as IC foram responsáveis por exportações no valor de US$ 88.9 bilhões, liderando todos os demais setores industriais, incluindo indústria química, farmacêutica, automotiva, de aviões e todo o setor agrícola:
Exportações Americanas em 2001 (US Comm. Dept.) US$b Core Copyright Industries ..............................88.9 Indústria Química ..........................................74.7 Veículos Motorizados e partes .......................56.5 Aeronaves e partes.........................................55.3 Setor Agrícola................................................53.0 Componenetes eletrônicos .............................48.3 Computadores e periféricos...........................37.0
Além da posição de liderança em termos absolutos na exportação, também o crecimento das esportação das IC norte-americanas é impressionante, como demonstra o quadro evolutivo abaixo:
24
Figura 1
EUA - Crescimento das Exportações Ind. Copyright 1994 - 2001
6,4%9,9%
13,3%11,1%
3,5%
14,7%
7,6%4,1%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
As Indústrias do Copyright são, portanto, um setor extremamente
importante e dinâmico das economias modernas, seja pela sua importância econômica, seja
pela sua importância como empregadora. Não é à toa que importantes disputas comerciais
multilateriais hoje na OMC se dão em torno da propriedade intelectual e do fluxo de
serviços e comércio neste setor.
É importante, entretanto, fazer a adequada distinção entre Indústrias do
Copyright e Indústrias do Entretenimento. Nem toda indústria de entretenimento é uma
indústria de copyright (a exploração de cassinos por exemplo é uma das indústrias do
entretenimento) e, da mesma maneira, nem toda indústria de copyright (criação de
programas de computador) é uma indústria de entretenimento. Vogel (2201) distingue em
seu clássico livro duas grandes divisões; as Media Dependent Industries (Cinema, TV,
Música, Rádio-Difusão, TV a Cabo, Internet, Editorial, Brinquedos e Jogos); e as Live
Entertainment Industries (Jogos de Azar/Cassinos, Esportes, Parques Temáticos).
25
De uma maneira geral, somente as primeiras são definíveis também como
indústrias de copyright. Para os fins deste trabalho, a Indústria Cinematográfica pode ser
definida como sendo 100% uma Indústria de Copyright da categoria “Core”.
26
Securitização de Copyrights
Um dos aspectos financeiros mais importantes das propriedades intelectuais
é o crescimento das operações de securitização de copyrights, um assunto relativamente
recente nos mercados financeiros mas que tem se expandido em decorrência da crescente
importância da PI’s como ativos de empresas e pela disseminação de conhecimento sobre
elas. A securtitização de PI’s é a prova inconteste do valor destes ativos intangíveis e criou
todo um campo novo na área das finanças corporativas:
A securitização de propriedade intelectual tem tomado uma variedade de formas desde sua criação na metade dos anos 90. Tem incluído royalties musicais, recebíveis futuros de filmes e marcas. Ao analisar a qualidade creditícia destes papéis, a Moody’s adaptou as análises de títulos baseados em ativos (asset-backed securities analysis) às características particulares das diferentes transações de propriedades intelectuais. Uma das características que diferem transações de PI’s de outros tipos de transações de fluxos de caixa futuros (como a securitização dos fluxos de caixa futuros gerados por um oleoduto) é que aquelas são altamente dependentes de gostos populares e mudanças tecnológicas, adicionando um nível maior de complexidade e risco à análise (...) Outra forma de securitização de PI’s que ganhou aceitação nos últimos cinco anos é a securitização de receitas futuras de filmes ainda não lançados. Incluindo as duas transações concluídas em 2000, a Moody’s já avaliou mais de US$ 3.5 bilhões (...) com ratings que vão de “Aaa” ao nível baixíssimo de “Baa3”. Estas transações trouxeram numerosos benefícios para o estúdio emissor, incluindo (i) a transferência de uma parte do risco de performance dos filmes para os detentores dos papéis, (ii) acesso a uma possível forma de financiamento mais baixa, (iii) reembolso antecipado do capital investido na produção dos filmes (...)
(Eisbruck, 2002, p. 452-453)
A estrutura básica de uma securitização de filmes consiste na formação de
um pacote de filmes já produzidos (ou em fase final de produção) e ainda não lançados.
Desta maneira, o trust adquirente do pacote de filmes não corre o risco de produção das
27
obras, este é tomado integralmente pelo estúdio emissor. O trust adquire então o pacote de
filmes (o custo para o trust é a soma dos custos de produção, da taxa de administração do
pacote e uma taxa de juros sobre o valor investido na aquisição) e passa a ter direitos sobre
a geração de receitas do pacote de obras. Em geral, o estúdio é licenciado de volta suas
responsabilidade de marketing e distribuição dos filmes (a vasta experiência e eficiência
dos estúdios no marketing, lançamento e distribuição de filmes é única e deve ser
aproveitada).
A análise da qualidade dos ativos em uma securitização de filmes futuros se concentra em duas áreas: (a) análise fundamental do estúdio e (b) análise da performance de filmes [...] Para estúdios com classificação de risco (ratings), a visão da Moody’s das condições financeiras do estúdio é fácil de determinar. Para estúdios sem ratings, é necessário proceder a uma classificação hipotética para determinar o risco. Os seis maiores estúdios que detêm cerca de 2/3 do mercado nos EUA são divisões de grandes conglomerados e seus ratings são os seguintes:
Estúdio Controlador Rating Columbia.............................Sony Corp.............................Aa3 Warner Brothers .............Aol-Time Warner...................... Baa1 Universal ............................... Vivendi ............................. Baa2 20th Century Fox................. News Corp. .......................... Baa3 Buena Vista ............................ Disney ................................A3 Paramount ............................. Viacom ...............................A3 Os outros estúdios incluem os chamados independentes como Miramax (Buena Vista/Disney) e New Line (Warner Borthers) que são na verdade subsidiárias das majors bem como verdadeiros independentes como Dreamworks, MGM e Artisan. Nenhum dos independentes tem ratings mas acredita-se que, se tivessem, seriam abaixo de investment grade. […] Por causa da variedade de fontes de receitas [salas de cinema, os diversos formatos do home video, as diversas modalidades de televisão e o licenciamento de produtos] tem ficado cada vez menos difícil para os estúdios recuperar os custos de produção dos filmes [...] Este alto grau de cobertura é um fator-chave para a redução do risco de securitização de recebíveis futuros de filmes. Como a transação financia apenas os custos de produção [os custos de lançamento e marketing continuam a ser pagos pelo estúdio e só são recuperados por este após o pagamento da dívida da securitização] a performance média dos filmes já cobriria o serviço da dívida da securitização. A posição subordinada do estúdio em relação
28
aos detentores dos títulos alinha o interesse daquele com estes e dá ao estúdio um forte incentivo para que distribua bem os títulos do pacote securitizado.
(Eisbruck, op. cit., p. 454-456)
É óbvio que a performance individual dos filmes pode apenas ser prevista e
não pré-definida. Assim, para reduzir o risco o pacote inteiro de filmes é cross-
colaterizado, ou seja: os resultados financeiros de todos os filmes do pacote são cruzados e
os sucessos e os fracasso são consolidados e combinados em um caixa único para fins de
pagamento da dívida. Desta maneira, os (sempre) pouco sucessos pagarão os filmes que
eventualmente não recuperarem seus custos, até o valor total da dívida securitizada.
Mas há ainda um aspecto muito importante da securitização de recebíveis
futuros de filmes que tem a ver com a possibilidade de sucessos de um ou mais filmes do
pacote securitizado:
O financiamento de royalties de PI’s permite ao dono da propriedade intelectual reter todo o potencial de sucesso dos ativos securitizados [grifo nosso], caso as receitas destes ultrapassem as projeções que deram base ao empréstimo mais sua taxa de juros [...] A possibilidade de sucesso do emprestador é limitada aos juros da transação. Outras vantagens de dívida sobre equity no caso de propriedades intelectuais são demonstradas a seguir:
Tópico Retém as PI’s Vende as PI’s e seus fluxos de caixa futuros
Securititização das PI’s (Royalty
Financing) Perfil de risco Retém todo o
risco, incluindo concorrência, infringência, invalidade, etc.
Tranfere estes riscos para o comprador.
Tranfere estes riscos para o credor, até o limite do empréstimo.
Potencial de Upside
Retém todo o fluxo de caixa dos royalties.
Vende o fluxo de caixa dos royalties independente da performance. Performance
A obrigação é só de pagar o empréstimo.
29
acima da expectativa beneficia somente o comprador.
Excesso de caixa beneficia o tomador.
Caaracterísticas Econômicas
Recebe caixa ao longo do tempo de acordo com as vendas. Assume todo o risco de performance e perda.
Recebe adiantado pagamentos baseados em expectativas conservadores de performance e um desconto alto correpondente ao prêmio de equity (30+%).
Recebe adiantado receitas baseadas em um cálculo de repagamento do empréstimo. O fluxo de caixa esperado é suficiente para pagar o principal e os juros.
Vantagens Tributárias
Nenhuma. Os royalties são tributados quando recebidos.
Nenhuma. Há ganho tributável na venda do ativo.
Royalties são tributados quando recebidos e os juros são dedutíveis.
O mercado de licenciamento de PI’s cresceu cerca de 700%: de US$ 15 bilhões em 1990 para mais de US$ 100 bilhões in 1998 […] Várias formas de PI’s tem sido usadas como garantias no passado recente incluindo:
Ano Valor (US$m) Garantias 1991 ..................... 400................... Disney Copyrights 1997 ..................... +1b.................... Universal Studios 1997 ..................... 325...............DreamWorks copyrights 1998 ..................... 280............... Cecchi Gori5 copyrights
(Agiato, 2001, p. 424-428)
Assim é que a securitização de copyrights é uma opção cada vez mais
atraente para companhias que possuem catálogos. A expansão e crescimento das diversas
mídias de exploração da obra cinematográfica, consequência das inovações tecnológicas,
cria fontes permanentes de novas receitas para o catálogo de obras existentes, o que gera
caixa para o pagamento das dívidas securitizadas. Importantes combinações e sinergias
econômicas podem ser geradas a partir disso: as receitas da securitização podem ser
5 Empresa italiana de distribuição e produção de cinema.
30
utilizadas pela empresa para financiar novas produções sem que seja necessário esperar
pelo ciclo completo de exploração das obras para receber estas receitas (o ciclo completo
de exploração de um filme em todas as mídias ou janelas de exploração – das salas de
cinema à televisão aberta – dura 7 anos) , para pagamento de dívidas, etc.
E como o empréstimo é garantido apenas pelos royalties futuros, não há
necessidade de disponibilização de outros ativos para esta forma de financimento de
capital. Em suma, a securitização de copyrights provê um fonte de capital de menor custo,
com vantagens tributárias, criando ao mesmo tempo um piso de valor para as propriedades
intelectuais, as quais são avaliadas pelo(s) emprestador(es).
A importância econômica e financeira da combinação do catálogo com as
novas produções (da geração de caixa estável e previsível do catálogo e do consumo de
caixa pelas novas produções) é um dos elementos essenciais de definição do valor das
empresas de cinema, como veremos adiante.
CAPÍTULO II:
ECONOMIA DO CINEMA E DA OBRA
CINEMATOGRÁFICA
Os Mercados, as Receitas e os Custos
Filmes são produtos raros e escassos: menos de 3 mil são produzidos
anualmente no mundo. Destes, cerca de 10% ocupam quase 80% do mercado mundial de
salas: aqueles produzidos e distribuídos pelos estúdios de Hollywood (as companhias
conhecidas como majors):
Figura 2
% de Mercado do Filme Americano (2002)
9485 83
7183
5675
6375
6549
0
20
40
60
80
100
EUA
Reino U
nido
Espan
ha
Russia
%
fonte: European Audiovisual Observatory, 2003
32
Com exceção dos próprios Estados Unidos e dos mercados de Japão,
Coréia, China, Índia e França (nos quais a participação de mercado do filme nacional é
superior a 30%), cinematografias nacionais de mercados importantes como Reino Unido,
Itália, Alemanha, Espanha e Rússia não chegam a ocupar 20% de seu próprio mercado,
com baixíssimas (insignificantes) receitas de exportações.
O principal e primeiro (mas curiosamente, como veremos adiante, não o
maior economicamente) mercado de exploração de filmes são as salas de cinema (também
chamada de theatrical) onde se geram as receitas das bilheterias. Os mercados secundários
incluem todas as outras “janelas de exploração” das obras cinematográficas (ou mídias, no
jargão da indústria) como o Home Video (incluindo todos os suportes físicos desta mídia
como o DVD e o VHS); a Televisão (incluindo a TV por Assinatura - a cabo, satélite, etc.
- e a TV dita “Aberta” que são as redes de sinais livres de rádiodifusão: as networks); e as
conhecidas como non-theatrical como as vendas para linhas aéreas, embarcações, clubes,
etc.
O mercado de salas é fortemente concentrado: 6 países (EUA, Japão, Reino
Unido, França, Alemanha e Itália) representam 72% da bilheteria mundial, sendo que
apenas os Estados Unidos representam 43% da receita mundial:
Tabela 1
Bilheteria Mundial 2000 (US$ Bilhões) PAÍS BILHETERIA % EUA ........................7,7........................... 43% Japão .......................1,9........................... 11%
33
Total 2+...................9,6...........................54% Reino Unido ............0,9.............................5% França......................0,9.............................5% Alemanha ................0,9.............................5% Itália ........................0,6.............................3% Total 6+.................13,0...........................72% Resto do Mundo.......5,1........................... 28% Total Mundo..........18,1......................... 100%
Fonte: Baskerville Comunications, 2000
Dividido por regiões geográficas, temos a seguinte composição de receitas
mundiais de bilheteria:
Figura 3
Cinema: Bilheteria Bruta Anual em 2000 (US$ bilhões)
8,12
5,043,88
0,84 0,2602
46
810
Am. Norte Europa Asia/Pacif Am. Latina Afr/Or. Médio
US
$ b
Bilheteria Bruta
fonte: Baskerville Communications, 2000
Que, expresso em percentuais, resulta em:
34
Figura 4
Bilheteria Mundial - % Receita por Região
Am. Norte (EUA/Can)45%
Europa28%
Asia/Pacif21%
Am. Latina5%
Afr/Or. Médio1%
fonte: Baskerville Communications, 2000
Cerca de 9 bilhões de ingressos são vendidos anualmente no mundo, uma
quantidade que se manteve aproximadamente constante entre 1995 e 2000, mas que foi
compensada com um crescimento da receita total da ordem de 37%, decorrente de um
crescimento do preço médio do ingresso mundial:
Figura 5
1995 - 2000: Ingressos x Bilheteria Mundial
9,12 9,08 9,47 8,83 8,90 8,9913,2 13,9
15,316,6 17,2 18,1
0
4
8
12
16
20
1995 1996 1997 1998 1999 2000
bilh
ões
(uni
d. e
US
$)
Ingressos Bilheteria
Fonte: Baskerville Communications, 2000
35
São pouco mais de 160 mil salas de cinema em todo o mundo, distribuídas
da seguinte maneira pelos principais mercados:
Tabela 2 - Os Maiores Mercados por Número de Salas de Cinemas (2000):
1. China .................................................................. 61.000 2. EUA.................................................................... 36.468 3. India.................................................................... 12.999 4. França ................................................................... 4.885 5. Alemanha.............................................................. 4.669 6. Espanha ................................................................ 3.193 7. Reino Unido.......................................................... 3.045 8. Itália...................................................................... 2.860 9. Mexico.................................................................. 2.698 10. Japão.................................................................... 2.378
fonte: Baskerville Communications, 2000
É interessante notar que o hábito de frequentar cinemas varia muito de país
para país. A dominância dos Estados Unidos explica-se também pela combinação dos
seguintes fatores: um país cuja população (larga, por sinal) é a maior frequentadora per
capita de cinema do mundo (cada americano vai em média 5 vezes por ano ao cinema),
combinado com um mercado doméstico que corresponde a 43% das receitas mundias deste
mercado. Com isto, criam-se formidáveis vantagens competitivas e barreiras de entrada:
36
Figura 6
Cinema: Ingressos per Capita (2000)
5,41
1,33
2,52 2,691,85 1,83
3,02
1,231,71 1,38
0,360123456
EUA
Reino U
nido
Aleman
haInd
iaChin
aMex
Brasil
Ingressos-Ano / População
fonte: Baskerville Communications, 2000
A importância das salas de cinema para o resultado final da exploração dos
filmes precisa ser bem contextualizada: de um lado, é a performance em salas de cinema
que define todo o valor de cada filme ao longo de toda a cadeia de exploração. De outro,
mercados secundários podem ser econômicamente mais importantes que a janela de
exploração original: enquanto a bilheteria mundial atingia US$ 18 bilhões em 2000, as
receitas mundiais das vendas de home video (incluindo VHS e DVD) foi de US$ 40,8
bilhões, ou seja: mais do que o dobro (cf. Worldwide Film Facts 2000).
Como em média apenas metade da bilheteria bruta retorna como receita
para o distribuidor (a outra metade é receita do exibidor, proprietário da sala) e como este
recebe a receita integral das vendas em Home Video, pode-se afirmar que,
economicamente, para as empresas de cinema, o mercado de home video é quatro vezes
maior que o de salas de cinema!
37
Figura 7
Mundo: Bilheteria Salas x Receitas Home Video - 2000
40,8
18,1
0 10 20 30 40 50US$ bilhões
Receitas HV Bilheteria Bruta
fonte: Baskerville Communications, 2000
É importante salientar também que a janela Salas de Cinema é utilizada
apenas para a exploração de novos lançamentos enquanto as demais janelas (sobretudo
home video e televisão) permitem a exploração combinada e complementar dos novos
lançamentos com os títulos de catálogo (títulos “de catálogo” são todos aqueles lançados
há mais de 7 anos e que portanto já cumpriram seu primeiro ciclo de exploração nas
diversas janelas).
Que o audivisual é um negócio globalizado e mundial é bem-sabido. Muito
mais importante, entretanto, que as características geográficas dos mercados (a
participação de cada país no volume total de vendas e receitas da indústria) é a quantidade
de mídias de exploração que chama a atenção dos analistas desta indústria. Em nenhum
outro setor da indústria do entretenimento é a mesma obra original explorada em tantas
“janelas” ou “mídias” como na audiovisual. Ao longo do tempo, os avanços tecnológicos
criaram mídias adicionais de exploração, que se somaram às já existentes, em um contínuo
acúmulo de oportunidades de exploração das obras. Com o tempo, cada uma destas janelas
38
se tranformou em um mercado por si, com seus agentes econômicos e com características
próprias de repartição das receitas entre estes: exibidores, distribuidores e produtores.
É certo que nem tudo é adição e alguma substituição de formatos sempre
haverá: o DVD por exemplo, está substituindo seus dois suportes predecessores: o VHS e
o Laser Disc (também conhecido como LD: um disco digital do tamanho de um LP
antigo que chegou a obter penetração importante em mercados como o Japão e os EUA).
Há também alguma substituição a nível de público: consumidores deixam de consumir a
obra em uma mídia para fruí-la em outra: pessoas que deixam de assistir a um filme nos
cinemas para assisti-lo posteriormente em vídeo ou na televisão.
A grande quantidade de possibilidades de exploração da mesma obra, ao
longo do tempo, em diversas modalidades e a característica não-substitutiva, mas
cumulativa, dos progressos tecnológicos na indústria cinematográfica a distanciam de
uma parente próxima: a indústria fonográfica. Enquanto nesta as tecnologias foram
trazendo novos suportes que substituíram os pré-existentes (o CD substituiu o LP e o
Cassete que, substituiram o 45”, que substituíra o 78”), naquela, as novidades
tecnológicas foram se adicionando: a TV surgiu na década de 40 e logo se tornou um
formidável meio de exploração dos catálogos dos estúdios, exibindo filmes que já
haviam esgotado sua carreira nas salas de cinema. Com o surgimento da TV a cabo
criou-se uma segmentação adicional do mercado de televisão para a exibição de filmes,
os quais são exibidos primeiramente para o público pagante da TV por Assinatura
(exibidos sem cortes ou interrupções publicitárias) e após, gratuitamente na TV Aberta,
geralmente com intervalos para a inserção de comerciais publicitários.
39
Posteriormente, o home video (nos seus diversos formatos: VHS, DVD,
etc.) criou uma possibilidade de permanente exploração das obra, através da venda a
locadoras e a lojas, de suportes físicos (fita ou disco) adequados à reprodução doméstica. Um
bom exemplo que ilustra a importância da modalidade home video para a indústria são as
bilheterias e as vendas globais nas duas janelas (salas e home video) da Metro-Goldwin-
Mayer (MGM):
Figura 8
MGM - Receitas Mundiais - US$ milhões
516 519585
1.050
0
400
800
1.200
Bilheteria Salas Home Video (VHS+DVD)
US
$ m
ilhõe
s
2001 2003
Fonte: Variety, 2004
Por outro lado, as novas mídias permitem que as pessoas revejam obras
assistidas anteriormente e possibilita também que pessoas que não assistiriam a obra nos
cinemas as assistam nas demais janelas.
Mas a taxa de substiuição de formatos não se compara à taxa de
crescimento das janelas de exploração. Assim é que o audiovisual é uma indústria de
crescimento contínuo e esta característica tem particular importância para a avaliação de
empresas do setor: as inovações tecnológicas geram novos mercados de exploração para as
40
obras e proporcionam opções de crescimento reais aos detentores de direitos
(normalmente, os distribuidores).
Importantes inovações tecnológicas que, ao longo do tempo impactaram a
indústria, modificando o valor dos ativos das empresas de cinema (os copyrights) foram:
1. O surgimento da TV
1. O advento do Videocassete
2. O surgimento da TV Por Assinatura (especialmente a TV a Cabo)
3. A TV transmitida por satélite diretamente à residência (DTH)
4. O advento do DVD
5. A Internet
6. A Pirataria Digital
É claro que algumas inovações tecnológicas geram ameaças para a
indústria: a facilidade de copiagem digital e disponibilização de imagens nas mídias
digitais facilitou a expansão da pirataria audiovisual. A pirataria contribui para diminuir o
valor das empresas de cinema, a exemplo do que aconteceu na indústria fonográfica.
Hoje, grosso modo, são as seguintes as janelas de exploração comercial de
um filme de longa-metragem, com uma repartição distinta e específica de receitas entre os
agentes econômicos atuantes em cada uma:
SALAS DE CINEMA (THEATRICAL) É a exploração da obra em salas de
cinema (em inglês: theatres) onde se cobram ingressos e a receita é
divididida entre empresa distribuidora e dono da sala (circuito exibidor)
com base em cada ingresso vendido. Em geral, cerca de 50% da bilheteria é
41
repassada ao distribuidor do filme, permanecendo a outra metade com o
exibidor. É importante notar-se que 100% das receitas da venda de
alimentos e bebidas bem como da publicidade veiculada nas salas antes da
exibição dos filmes pertencem integralmente ao exibidor, proprietário da
sala. A bilheteria bruta é conhecida como Box-office e a parte repassada ao
distribuidor (sua receita bruta nesta janela) é conhecida como Rental, termo
que se origina do “aluguel” da cópia do filme durante um número
determinado de semanas, feito pelo distribuidor ao exibidor, para que o
filme possa ser exibido ao público.
NON-THEATRICAL É a exploração não-doméstica da obra junto à um
público (pagante ou não) na qual a receita do distribuidor é uma quantia fixa
(um fee) pré-determinado, pago pelo exibidor ao distribuidor, independente
da quantidade de pessoas que efetivamente assistem à obra: exibição de
filmes em cabines de aviões, navios de cruzeiro, clubes, associações,
universidades, escolas, plataformas de petróleo, casernas e instalações
militares, e assim por diante.
HOME VIDEO Em todos os seus formatos (fitas VHS ou discos DVD), a
receita se origina da venda de unidades físicas duplicadas a locadoras
(mercado conhecido como Rental) ou a lojas para revenda direta ao
consumidor final (conhecido como mercado de Sell-through). Normalmente
o preço das mercadorias no mercado de Rental é superior ao de sell-
through. A receita do distribuidor é por quantidade de cópias vendidas,
independente da quantidade de pessoas que aluga as fitas (algumas
42
locadoras passaram recentemente a praticar uma forma de
compartilhamento das receitas de locação com os distribuidores em troca da
consignação as mercadorias, dividindo o risco) ou da quantidade de vezes
que a mesma é exibida (e para quantas pessoas) nos domicílios dos
consumdiores. Tornou-se o principal mercado - em termos econômicos - de
exploração de filmes.
TV POR ASSINATURA (PAY TV) É a exploração das obras em canais de
TV codificados (nos quais os espectadores pagam uma taxa mensal – uma
assinatura - para receber o canal e sua programação), transmitidos aos
domicílios através de cabo subterrâneo de fibras óticas, por microondas
(MMDS) ou por satélites que transmitem sinais digitais para pequenas
antenas parabólicas instaladas nas casa dos assinantes (Direct-to-Home ou
DTH). A receita dos distribuidores cinematográficos é uma quantia fixa
(uma licença de exibição) paga pelo canal ao distribuidor, independente da
quantidade de pessoas que efetivamente assistem ao filme. Apenas na
modalidade conhecida como pay-per-view (na qual os consumidores
reservam com antecedência e pagam para assistir ao filme no horário pré-
determinado, através de um sinal codificado adicional) há um
compartilhamento de receitas (revenue-sharing) entre canal exibidor e
empresa distribuidora baseada na quantidade efetiva de pessoas que
adquiriram aquela exibição.
TV ABERTA (FREE TV) É a exploração da obra em canais que podem ser
livremente recebidos pelos espectadores, canais estes geralmente
43
financiados por receitas publicitárias inseridas nos intervalos da obra. A
obra é vendida (através de uma licença de exibição) ao canal que tem o
direito de exibí-la uma determinada quantidade de vezes, ao longo de um
determinado período de tempo e somente em um (ou mais) determinado(s)
território(s) ou língua(s). Também é conhecido como mercado de
Broadcasting e se divide em vendas para Networks (ou redes de televisão de
alcance nacional) e Syndication (venda a canais individuais de alcance
regional ou local).
NOVAS MÍDIAS o advento da internet de banda larga sobretudo está
criando uma nova modalidade de exploração das obras audiovisuais, num
modelo híbrido entre a TV por Assinatura e o Home Video, sobretudo na
modalidade conhecida como Video on Demand no qual os espectadores
elegem o que desejam assistir de um catálogo de títulos e recebem
diretamente a obra em seus terminais (computadores ou TV adaptadas).
Também farão parte desta modalidade as transmissões para telefones
celulares. Ainda não está claro que impacto econômico e financeiro estas
novas modalidades de exploração terão nos mercados e modalidades já
estabelecidos, se substituirão alguma modalidade e a que taxa, ou se, mais
uma vez, criarão uma possibilidade adicional de exploração da mesma obra.
De uma maneira geral, estas novas mídias digitais representam uma opção
real de crescimento para os estúdios (e também uma ameça em decorrência
da pirataria) mas não são ainda uma modalidade existente de exploração,
não gerando ainda receitas.
44
Com tantas janelas secundárias, fica claro porque estas tendem a ser
maiores economicamente do que a janela primária. A evolução da participação de cada
janela de exploração nas recitas totais da indústria tem se modificado ao longo dos anos:
Tabela 3 - Composição das Receitas dos Estúdios de Cinema – US$ milhões
1980 % 2000 % Salas Cinema (EUA/Canadá) 1,183 36% 3,100 17% Salas Cinema (Internacional) 911 28% 2,900 16% Total Salas Cinema 2,094 64% 6,000 33% Home Video 280 8% 7,800 44% TV por Assinatura EUA 240 7% 1,600 9% TV Aberta EUA (Networks) 430 13% 300 2% TV Aberta EUA (Syndication) 150 5% 800 4% TV Internacional 100 3% 1,400 8% TOTAL 3,294 100% 17,900 100% Fonte: Vogel, 2001
Enquanto a mídia principal (salas de cinema) representava 2/3 das receitas
totais da indústria na década de 80, a situação se inverteu passando para 1/3 em 2000 e
com notável crescimento da mídia Home Video (tendência que crescerá ainda mais
velozmente com a expansão do DVD) que caminha para representar sozinho metade das
receitas! A tendência pode ser melhor visualizada no gráfico a seguir:
Figura 9
Participação % das Mídias: O Crescimento do Home Video
6433
844
28 23
0%
50%
100%
1980 2000
Salas Cin. Home Video TV
fonte: Vogel, 2001
45
É digno de nota que Hollywood poucas vezes soube perceber em cada nova
mídia o enorme potencial de exploração adicional de seu catálogo: é notório como no
ínício a indústria temeu que a televisão extinguisse o cinema, que o home video
extinguisse a TV, que a TV por Assinatura extinguisse a TV aberta e assim por diante.
Este aspecto de multiplicidade de exploração, de variedade de mídias
corrobora a tese de Vogel (2001) de que os avanços tecnológicos são a “graça salvadora da
indústria” proporcionando maneiras mais fáceis e baratas de produzir, distribuir e receber
produtos de entretenimento, ao mesmo tempo criando novas mídias nas quais o mesmo
conteúdo pode ser explorado ao longo do tempo, formando novos mercados de massa e até
mesmo criando demanda nova para tais produtos, muitos deles já exibidos e explorados
anteriormente: ao contrário de um sapato de 1937 que dificilmente poderia ser utilizado
por uim consumidor de hoje, a versão em DVD de Branca de Neve da Walt Disney,
produzido naquele ano, encantará hoje crianças e adultos, possivelmente até em
quanitdades bem maiores dos que assistiram ao filme em seu lançamento naquele ano!
As empresas cinematográficas originam suas receitas de dois tipos de
produtos: os novos lançamentos (filmes recém-realizados e lançados nos últimos sete
anos) e o catálogo (títulos lançados há mais de 7 anos que continuam a ser
comercializados em home video, TV, etc., comumente denominados Library) que são
explorados através das diversas janelas (mídias).
O ciclo de sete anos corresponde ao período médio de exploração de cada
novo lançamento, através do sequencing (que será visto adiante), ao longo do tempo de
exibição média em cada janela de exploração:
46
Ano 1: Salas de Cinema e Home Video
Ano 2: Início exploração em TV por Assinatura
Ano 3: Início exploração em TV Aberta
Anos 4-7: Continuação da exploração em TV e HV
Ano 8 em diante: Catálogo (Library)
Mas é a volatilidade dos resultados de bilheteria que constitui o aspecto
mais importante, do ponto de vista das receitas, para o correto entendimento desta
indústria: A cada ano nos Estados Unidos o primeiro filme da lista das maiores bilheterias
gera o dobro de receitas do 10o da lista:
Tabela 4 – Bilheteria: Poucos Sucessos, Muitos Fracassos
Bilheteria EUA (US$m) 2000 1999 1998 250 principais lançamentos $200+ 2 4 2 $150-$200 6 5 2 $100-$149 11 8 11 $50-$99 31 30 26 $0-$49 200 203 209 Lançamentos 51 - 250 $25-$49 42 35 33 $15-$24 27 28 31 $0-$14 131 139 145 fonte: Amram, 2001
Uma vez conhecidas as características e composição das receitas, podemos
empreender uma análise dos custos da indústria.
São conhecidos os altos custos dos filmes de Hollywood. Mas quão altos?
Filmes de longa-metragem possuem dois tipos de custos:
47
CUSTO DE PRODUÇÃO: são todos os custos (serviços técnicos, insumos,
cachês artísticos, direitos, custos administrativos e financeiros) incorridos
para a realização da obra, desde a aquisição dos direitos sobre os roteiros até
a cópia final. No jargão da indústria, este custos são conhecidos como
“Negative Cost” (do custo de criação do negativo original que permite a
reprodução de cópias da obra); e
CUSTO DE LANÇAMENTO ou DE MARKETING: são todos os custos
relacionados à promoção, divulgação, distribuição e exbição do filme,
incluindo as cópias de exibição em 35mm (os prints) e todos os custos de
publicidade e marketing. São conhecidos na indústria como “Custos de
P&A” (de Prints & Advertsising).
E a história de Hollywood não é feliz quando se trata da administração
destes custos: a tendência tem sido de crescimento constante, sobretudo o custo dos
talentos que é parte do Negative Cost.
O custo médio (NG + P&A) de um filme de Hollywood atingiu a fabulosa
quantia de US$ 100 milhões em 2003, conforme dados das próprias empresas e divulgados
pela Motion Picture Association of America (2004):
Tabela 5 - Hollywood: Custos de Produção (Negative Cost) + Custos de Lançamento (P&A)
US$ milhões ANO Negative Cost P&A TOTAL 1995 ...................36 ........................15........................ 51 1997 ...................53 ........................19........................ 72
48
1998 ...................53 ........................22........................ 75 1999 ...................52 ........................21........................ 73 2000 ...................55 ........................27........................ 82 2001 ...................48 ........................31........................ 79 2002 ...................59 ........................31........................ 90 2003 ...................64 ........................39.......................103
fontes: Martin, 2001 / MPAA, 2004 / Variety, 2004
Os dados e a tendência podem ser melhor visualizados abaixo:
Figura 10
Custos de Produção + Custos de Lançamento
3653 55 48 59 64
1519 21 27 31
39
53 52
2231
0
50
100
150
1995 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
US
$ m
ilhõe
s
Neg Cost P&A
fontes: Martin, 2001 / MPAA, 2004 / Variety, 2004
Os mesmos dados, quando expressos em percentual do custo total
(produção + lançamento), mostram que a proporção entre os dois tipos de custos tem se
mantido aproximadamente constante, com uma muito leve tendência de crescimento
proporcional dos custos de P&A. Isto se deve ao fato de que a partir de 2000 os estúdios
diminuíram a quantidade de filme produzidos por ano, investindo proporcionalmente mais
dinheiro no lançamento de cada obra:
49
Figura 11
Custos de Produção (Neg Cost) + Custos de Lçto (P&A)
0%
25%
50%
75%
100%
1995 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Per
cent
ual
Neg Cost P&A
fonte: Variety, 2003
É sabido que filmes são produtos caros. Mas o caso de Hollywood é único
no mundo. Os custos médios de produção (Negative Cost) nos demais países produtores
fica bem abaixo da média dos estúdios de Hollywood:
Figura 12
Custos Médios de Produção de Filmes em 2002 (seleção)
59
94 2
0
20
40
60
80
EUA (majors) UK França Itália
US
$ m
ilhõe
s
fonte: Observatório Audiovisual, 2003
50
As 14 Características Econômicas Estruturais da Indústria
Cinematográfica
Conhecer as características econômicas estruturais da indústria
cinematográfica é essencial para o trabalho do avaliador. Saber em que ela se aproxima e
se distancia de outros setores contribuirá para a definição do valor das companhias, objeto
das avaliações.
A partir das observações de Vogel (2001) Amram (2002), Martin (2001) e
Ryan (2003), nossa pesquisa pôde identificar 14 características econômicas estruturais
essenciais da indústria cinematográfica. Algumas destas características são comuns a toda
a indústria do entretenimento. Outras são específicas da indústria cinematográfica.
Qualquer trabalho de avaliação neste setor deverá levar em conta estas características que
permitem entender como se estrutura a indústria cinematográfica e de que maneira as
firmas se relacionam - estratégica, tática e operacionalmente - com elas. As 14
características essenciais são as seguintes:
1. A alta dispersão, volatilidade e imprevisibilidade dos resultados: o
resultado de bilheteria dos filmes parecem não obedecer a nenhum
comportamento previsível, com números muito díspares para obras
semelhantes e de mesmo gênero (o melhor exemplo parece ser “Deep
Impact” e “Armaggedon”, dois filmes praticamente com a mesma
história e lançados no mesmo ano, 1998, que tiveram bilheterias
mundiais completamente diferentes: US$ 349 milhões e US$ 545
milhões, respectivamente). Alguns autores6 procuraram estabelecer
parâmetros de resultados a partir de certos componentes dos filmes tais
6 Por exemplo, Abraham David, S. “Information, Blockbusters and Stars: A Study of the Film Industry” in The Journal of Business, Vol.. 72, Issue 4, 10/1999, p. 463-492.
51
como a presença de grandes estrelas mas os resultados são questionáveis
e sua aplicabilidade duvidosa: é certo que a presença de estrelas é um
dos elementos de sucesso dos grandes blockbusters mas quais filmes
exatamente serão blockbusters é praticamente impossível de predizer! Já
as receitas finais de um filme imediatamente após seu lançamento em
salas de cinema (ao final do primeiro final de semana) é estimável com
boa dose de acuracidade e, de fato, é sabido que Hollywood monitora
cuidadosamente as receitas de um filme nos primeiros três dias para
prever seu resultado mundial global em todas as mídias de exploração
(salas, home video, TV, linhas aéreas, etc.). A receita do primeiro fim de
semana normalmente define a permanência do filme em cartaz em cada
sala por mais uma semana (filmes são sempre lançados às sextas-feiras e
na segunda-feira exibidores e distribuidores decidem quais filmes
permanecem e quais serão retirados das salas dando lugar a novos
lançamentos).
2. A concentração das receitas em um número muito limitado de
títulos bem-sucedidos e a grande quantidade de fracassos; cerca de
20% apenas dos lançamentos nos EUA geram Rentals (a parte do
ingresso que fica com o distribuidor) superiores a US$ 20 milhões
(corresponde a uma bilheteria bruta superior a US$ 40m)! Em 2003 os
“10+” (os dez filmes de maior bilheteria no mercado americano)
representando 2% do total de filmes lançados7, somaram um bilheteria
bruta de US$ 2,3 bilhões, correspondente a 24%% da bilheteria total.
Esta característica de concentração é tão maior quanto menor for o
mercado: segundo a consultoria especializada Filme B (2004), os “10+”
(os dez filmes, nacionais ou estrangeiros, de maior bilheteria no país),
que correspondem a 4% do total de títulos lançados no Brasil em 2003
(225 títulos) representaram 38% (R$ 244 milhões) da bilheteria total
(R$ 647,6 milhões), mostrando que quanto menor o mercado, maior
ainda a característica de concentração em uns poucos eleitos.
7 Fonte: Variety B.O. Champions 2003 (2004) e MPAA (2004)
52
3. Há grande quantidade de modalidades de exploração da mesma
obra e as novas modalidades de exploração não tornam as
anteriores obsoletas: Os catálogos possuem assim múltiplas
possibilidades de exploração. A mais importante consequência desta
adição de mídias ou janelas é o fenômeno do sequencing: a contínua e
complementar exploração das obras em cada mídia de maneira a obter a
melhor receita em cada uma e maximizar os ganhos totais,
aproveitando-se da discriminação de preços através da exploração
inicial nas mídias de maior ganho marginal. O sequencing é uma
poderosa ferramenta na exploração comercial de filmes:
Figura 13
0 12 24 36 48 60 72 84
Meses
Salas EUA
Salas Int'l
PPV
Home Video
Pay TV
TV Aberta
Synd
Sequencing - Janelas de Exploração circa 2000
fonte: Vogel, 2001
4. Muitos produtos de entretenimento possuem características de bens
públicos: seu consumo por uma pessoa não diminui a quantidade
disponível para o consumo por outra. Isto é particularmente relevante
nas exibições de um filme na TV: cada espectador não diminui em nada
a chance de outro espectadores consumir a obra naquele momento (neste
ponto difere-se da exibição em salas onde o número de assentos a cada
exibição é limitado).
53
5. Os mercados secundários provêm retornos desproporcionalmente
altos: Assim é que o mercado de home video é 4 vezes maior que o
mercado de salas de cinema e a maior parte dos gastos de marketing
para se estabelecer a marca do filme já terá sido gasta quando do
lançamento do filme em salas
6. As despesas de marketing por título são relativamente altas: No caso
particular da indústria cinematográfica, isto decorre do fato de que o
tempo para se estabelecer o sucesso ou fracasso do produto nas salas de
cinema é muito curto, duas semanas no máximo! Assim, os gastos de
marketing podem acrescentar cerca de 50% aos custos totais de
produção da obra cinematográfica em Hollywood (veremos isto em
detalhes mais adiante)!
7. Há prevalência de tendências oligopolísticas; Há características de
alto custo de capital e prevalência de tendências oligopolísticas em toda
a indústria do entretenimento. Na cinematográfica, particularmente o
setor de distribuição e exibição é afetado por isto: número limitado de
salas de cinema, quantidade pequenas de distribuidores grandes
ocupando mais de 75% do mercado, limitação do espectro de
frequências tornando escassas as concessões de TV Aberta. Do ponto de
vista estrutural, esta é uma importante barreira de entrada a novos
agentes na indústria.
8. Há espaço e liberdade para o espírito empreendedor e os produtos
são sempre únicos, não estandardadizados e específicos: Apesar das
características oligopolísticas da distribuição, não há como deixar de
notar que, como os produtos são sempre únicos, não estandardizados e
específicos, há espaço e liberdade para o espírito empreendedor e uma
dificuldade de se obter ganhos de produtividade da produção (há óbvias
possibilidade de ganhos de escala na distribuição) pois a produção é o
produto em si. Assim, argumenta Vogel (op.cit. p.41), o custo de criar
tais produtos de entretenimento tende a crescer em taxas acima da média
54
da economia como um todo: “É interessante observar que a indústria
cinematográfica não se encaixa nos moldes usuais. Indústrias que
demandam significativos gastos de capital evoluem para formas puras
de oligopólios: produção de aço e de automóveis são típicos exemplos.
Mas porque filmes – cada um desenhado, produzido e embalado de
maneira única – não são feitos em linhas de produção de biscoitos, a
estrutura econômica é diferente. Aqui, encontramos a combinação de
grandes oligopólios de produção, distribuição e financiamento
interagindo regularmente e sendo altamente dependentes de uma gama
fragmentada de pequenas e especializadas firmas de serviços e
produções. Ao menos em Hollywood, energéticos peixes pequeninos
nadam com grande agilidade juntamente com baleias gigantes,
tubarões e famintas piranhas”. Martin (2001) acrescenta que “a
barreira de entrada no negócio dos estúdios é muito menos de acesso a
Capital do que de milhares de decisões criativas tomadas por dúzias de
pessoas ao longo de vários anos”.
9. A indústria possui arranjos contratuais complexos: é notória a
complexidade contratual dos negócios de cinema, decorrente, sobretudo,
da importância do input artístico criativo e pessoal.
10. Os produtos são opções reais: filmes apresentam três características
típicas de opções reais: (i) possuem alto pay-off com baixas
probabilidades, (ii) são feitos ao longo do tempo e cada fase traz
informações sobre futuras rentabilidades e (iii) são especializados e
irreversíveis.
11. Filmes de sucesso têm vida longa de prateleira, por muitas décadas:
a sua exploração comercial, particularmente nas mídias ditas
secundárias ou ancilares, pode gerar fortes receitas por várias décadas!
Um bom exemplo é o resultado da exploração de “Goldfinger” pelo
estúdio MGM: realizado em 1962 a um custo de US$ 5 milhões, gerou
32 milhões (em todas as mídias) nos primeiros 17 anos de exploração
55
(um “lucro” de 27 milhões) e mais 34 milhões nos 20 anos subseqüentes
até 2001!
Figura 14
Goldfinger - Cash-Flow desde Lançamento
-5
32 34
-20
0
20
40
Custo 1962 1962-1979 1980-2001US
$ m
ilhõe
s
fFonte: Amram/Martin, 2001
12. Fortes sinergias são obtidas através da combinação do catálogo com
novos lançamentos: Os catálogos aumentam as receitas dos novos
produtos e estes, por sua vez, refrescam o catálogo. Um novo filme de
Tom Hanks pode ser lançado junto com o relançamento de um DVD de
um filme anterior ou, como recentemente no caso de “O Senhor dos
Anéis”, cujo DVD do episódio 1 foi lançado simultaneamente com o
lançamento em salas do segundo episódio da trilogia. Ou o lançamento
em DVD de “Guerra nas Estrelas” III, IV e V que acompanhou
mundialmente o lançamento em cinema do Episódio I (“Guerra nas
Estrelas” foi lançado mundialmente nos cinemas nos anos 70 através do
Episódio IV). Em todos os casos, as campanhas de marketing se somam
adicionando valor e visibilidade ao conjunto das propriedades.
13. Há presença maciça de ativos econômicos intangíveis; não só os
próprios copyrights mas outros tipos de intangíveis como o know-how e
relacionamentos artísticos dos executivos são fundamentais para a
obtenção de bons resultados gerenciais.
56
14. Há prevalência de formas customizadas de financiamento,
existência de regras e práticas contábeis específicas; e presença de
altos custos fixos e conjuntos (joint costs).
Uma vez identificadas e conhecidas as características e particularidades
estruturais mais importantes e essenciais da Indústria, podemos passar ao
estudo do valor das firmas dela integrantes.
CAPÍTULO III:
O VALOR DAS EMPRESAS DE CINEMA
Custo de Capital e o Quadro Geral de Transações
Martin (2001) demonstra que o custo médio de capital (WACC) dos
grandes conglomerados de entretenimento, incluindo seus estúdios cinematográficos, foi
de aproximadamente 10% entre 1993 e 20038, enquanto que o retorno financeiro de seu
segmento de entretenimento filmado (os estúdios) foi de aproximadamente 5%, o que
implicaria que, aparentemente, a atividade de produção e distribuição cinematográfica foi
destruidora de valor nesse período (conforme a figura 15):
8 Segundo Damodaran (2004), o Custo de Capital da Ind. de Entret. nos EUA era de 10,35% em jul/2004.
58
Figura 15
Principais Estúdios: Retornos s/ Ativos (EBITDA/Ativos)
5,5 4,66,3 4,9 5,9 6,7 5,3 6,7
0,0
5,0
10,0
15,0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
%
Retorno Médio Custo Médio de K
fonte: Martin, 2001 (estúdios: WB, Paramount, Fox e Universal)
Com exceção da MGM, os principais estúdios cinematográficos de
Hollywood são partes de conglomerados de entretenimento. Para a avaliação individual
destas unidades de negócios ou segmentos, os analistas de investimento que acompanham
o setor de mídia e entretenimento utilizam como principal medida o retorno sobre ativos ou
retorno sobre capital investido (ROIC) expresso sob a forma de Ebitda/Ativos do setor.
A medida de retorno sobre capital investido é matematicamente equivalente
a uma avaliação baseada no modelo DCF. Os principais estúdios cinematográficos
representam entre 5% e 15% dos conglomerados de entretenimento aos quais pertencem:
Tabela 6 - Valor do Estúdio / Valor do Conglomerado:
US$ Bilhões WB Dis MGM Par Univ Valor Total Estúdio (em 05/01) 20 10 5 5 4 Valor do Conglomerado (em 05/01) 244 67 5 106 39 Estúdio / Conglomerado ( % ) 8% 15% 100% 5% 10% Fonte: Martin, 2001
59
Empresas cinematográficas costumam ser compradas e vendidas com certa
freqüência, sempre com grande repercussão na mídia. Estas transações podem ser privadas
ou públicas. As principais transações (em valor) dos últimos anos envolvendo empresas de
cinema foram:
Tabela 7 – Principais Transações de Compra e Venda de Empresas Cinematográficas
Alvo Comprador Data Valor Total (US$b) Time Warner.......AOL .......................jan 2000 ..............................160 Universal ............NBC .......................set 2003 ................................42 CBS..................Viacom .....................set 1999 ................................41 Seagram........... Vivendi ..................... jul 2000 ................................36 Warner................Time .......................jan 1990 ................................14 PolyGram ........Seagram.................... mai1998 ................................11 Turner.......... Time Warner ................ ago 1995................................11 Paramount.........Viacom .................... fev 1994 ................................10 MCA ............. Matsushita .................. nov 1990..................................7 MGM*...... Sony (Columbia) ............ mai 2004*.................................5 Columbia ............Sony .......................set 1989 ..................................5 MGM..........Kirk Kerkorian................ jul 1996 ...............................1,3 Fonte: Variety, 2003 * Em negociação à época de publicação deste trabalho.
Como bem afirmam Martin (2001) e Amram (2002), historicamente os
valores públicos dos estúdios tem sido significativamente inferiores aos valores das
transações privadas e que as ofertas privadas tem sido bem superiores em termos de valor
às ofertas registradas publicamente. Em média nas transações privadas os catálogos têrm
sido avaliados cerca de 15% acima das transações públicas. Segundo elas, isto se deve a
três razões principais:
Combinações econômicas – as sinergias entre catálogo e novos
lançamentos nem sempre é evidente e se revela somente quando novos projetos são
criados.
60
Ativos de Longa Vida – as ferramentas tradicionais de avaliação tem
dificuldade para operar horizontes de longuíssimo parazo: alguns ativos cinematográficos
podem gerar fluxos de caixa significativos por 50 anos ou mais.
Valor de Opção Real – os catálogos possuem importantes características
de opções de crescimento enquanto que a produção atual apresenta opções adicionais de
abandono, aprendizado e crescimento.
Parte esssencial da formação do valor desta transações é o valor do
catálogo. Enquanto os resultados dos novos lançamentos são imprevisíveis e voláteis, o
catálogo de títulos gera um fluxo permanente de caixa (que pode ser utilizado para
financiar novas produções ou para obter empréstimos sob a forma de securitizações) e que
pode gerar sinergias com lançamentos futuros (o catálogo de filmes de James Bond, da
MGM, se adquirido, daria ao adquirente a possibilidade de realizar novos filmes ou
remakes com o personagem, e assim por diante). Considerando que os estúdios produzem
entre 15-20 títulos por ano cada, e com cada filme custando pouco mais de US$ 60 milhões
para ser produzido pode-se imaginar a raridade, escassez e, em decorrência, a importância
para o valor de um catálogo superior a 1.000 títulos:
61
Figura 16
Tamanho dos Catálogos circa 2004(Qtde. de Longas-Metragens por Estúdio)
6.6005.000
4.2004.100
3.5001.100
888
0 2.000 4.000 6.000 8.000
Warner Bros
Universal
20th Cent. Fox
MGM
Sony (Columbia)
Paramount
Disney
fonte: Variety, 2004
Vogel (2001) informa que, em geral, as transações envolvendo catálogos
cinematográficos tem sido precificadas em US$ 1 milhão por título de longa-metragem.
Não há no Brasil um casos de aquisição ou fusão de empresas cinematográficas cujos
dados econômicos tenham se tornado públicos que nos permitam realizar neste trabalho um
estudo de caso de availação de empresa cinemtográfica no país.
62
Avaliando Empresas de Cinema por Opções Reais: O Método de
Amram e Martin
O valor dos estúdios de cinema e das demais empresas cinematográficas
decorre de duas variáveis: o catálogo (a library) e os novos lançamentos. É claro que
diversos estúdios possuem outros ativos, tangíveis, tais como terrenos, estúdios, etc. Não é
este, entretanto, o objeto de nosso estudo e, além do mais, tais ativos podem facilmente ser
avaliados por métodos tradicionais.
É na combinação de catálogo e novos lançamentos que se gera e cria valor
nas empresas de cinema. Martin (2001) compara a combinação de catálogo e novos títulos
a uma combinação de um Bond com uma Warrant: O catálogo seria um bond, um papel
que gera um fluxo anual de receitas previsíveis e prognosticáveis. Os novos títulos, por sua
vez, seriam warrants (uma opção de compra de açôes de uma empresa) já que cada
lançamento é, na prática, a compra de uma opção de se ter um filme tipo A ou B. Assim, a
combinação Bond/Warrant é mais valiosa do que cada modalidade tomada
individualmente.
Filmes tipo A são os grandes sucessos de bilheteria, os chamados
blockbusters, que fazem rentals superiores a US$ 20 milhões nos EUA (correspondente a
uma bilheteria de US$ 40 milhões). Filmes tipo B geram rentals superiores a US$ 10
milhões (bilheteria de US$ 20 milhões). Filmes tipo C e D geram rentals inferiores a US$
10 milhões e são fonte de prejuízo para os estúdios. 60% dos lançamentos dos estúdios
caem na categoria de C e D enquanto que os filmes A e B correspondem, cada, a 20% dos
lançamentos:
63
1996 1997 1998 1999 2000 Lançamentos MPAA 215 219 221 213 191 Rentals* > $20m 31 39 37 42 49 % > $20m 14% 18% 17% 20% 26% fonte: Martin, 2001 *Bilheteria líquida ou seja: descontando-se a parte que fica com o Exibidor (salas de cinema)
Mas o catálogo também possui características de opções reais, notadamente,
cada vez que uma nova tecnologia é introduzida. Como vimos, a tendência das novas
tecnologias tem sido a de acrescentar janelas de exploração às obras existentes no catálogo
das empresas:
O valor das empresas de mídia e entretenimento é freqüentemente atribuído, na sua essência, aos fluxos de receitas gerados nos mercados primários e secundários9 pelos catálogos de obras que estas firmas criam ou detém. Em princípio, o valor de um catálogo deveria ser a soma dos valores presentes dos vários fluxos de caixa esperados e, portanto, técnicas mais tradicionais poderiam ser aplicadas para avaliar estes catálogos (...) Na verdade, o valor do catálogo depende da habilidade e opções futuras do seu detentor de expandir sua quantidade de fluxos. Neste aspecto, catálogos embutem opções reais. O gerenciamento criativo e diligente destas opções reais é crucial para maximizar o valor destes catálogos.
(Ryan, 2003)
Entre estas opções reais de expansão da quantidade de receitas, estão
aquelas de produzir sequências sobre títulos já existentes (James Bond, Harry Potter, O
Senhor dos Anéis, Guerra nas Estrelas, etc.), fortalecendo a combinação novos
lançamentos/catálogo ou a de explorar o licenciamento de propriedades dos filmes tais
9 Usualmente o mercado primário pé definido como sendo aquele da primeira exploração comercial da obra (salas de cinema no caso de filmes) e os secundários são as mídias de exploração subseqüentes (home video, TV, internet, etc.). Como vimos, mercados secundários podem ser maiores em termos de receitas do que os primários.
64
como a marca, personagens, etc. em produtos de consumo e até mesmo em parques
temáticos.
O avaliador precisa compreender muito bem o escopo destas opções para
não ser iludido por possibilidades de expansão das receitas que na prática são inviáveis: os
detentores de direitos podem, por exemplo, não deter os direitos de produção de sequências
de um grande sucesso, ou de determinados licenciamentos. Além disso, alguns destes
direitos podem, como vimos, ter sido cedidos ou licenciados em operações de securitização
e parte substancial das receitas adicionais estará comprometida com a quitação destes
débitos financeiros.
E as oções reais podem trazer perigos e riscos que diminuem o valor destes
ativos: se por um lado a progressiva e crescente digitalização das mídias abre novas
perspectivas de geração de receitas, por outro, pode significar ameaças como, no caso
específico da indústria do entretenimento, a expansão da pirataria. A chegada da internet
de banda larga (que facilita enormemente a transmissão de conteúdos audiovisuais) traz
estas características duplas de oportunidade e ameaça, sobretudo a de perda de controle
sobre a distribuição do contéudo.
Da mesma maneira, a facilidade de acesso a conteúdos digitais armazenados
em uma central facilmente conectável pode tornar formas atuais de exploração do catálogo
completamente obsoletas: já é possível pensar na subsituição das locadoras por locadoras
virtuais que, possivelmente também, diminuirão o desejo ou a necessidade dos
consumidores de adquirirem suportes físicos (VHS, DVD) contendo as obras para
armazená-los em casa.
65
Mas não há dúvida, como defende Ryan (2003), de que a importância do
advento de novas mídias e janelas de exploração para os catálogos de obras está na origem
da geração de valor de empresas de entretenimento, e também da convergência da
indústrias do entretenimento, da informática e das telecomunicações.
Harold Vogel, adotando uma linha mais conservadora, defende a utilização
do modelo DCF e do foco no EBITDA para empresas de entretenimento em geral:
Considerando que os ativos primordiais das empresas de mídia e entretenimento são freqüentemente intangíveis e corporificados sob a forma de propriedade intelectual, faz sentido basear as avaliações nos prováveis lucros futuros que o controle destes direitos poderá gerar ao longo do tempo. Embora não seja uma medida sem defeitos, o fluxo de caixas estimado (EBITDA) trazido a valor presente freqüentemente refletirá bem este potencial de lucros. Essencialmente, o método do fluxo de caixa descontado demonstra o valor de qualquer ativo como sendo o valor presente (NPV) da soma dos fluxos de caixa esperados, representados pela seguinte fórmula:
NPV = �=
=+
nt
t
tt rCF
1
)1/(
(Vogel, 2001, p. 28)
De fato, analistas financeiros do setor de Media & Entertainemnt costumam
usar a medida de EBITDA/Ativos para avaliar empresas de entretenimento. Ryan (2003),
salienta que em virtude da larga presença de ativos intangíveis, a avaliação baseada na
aplicação pura e simples de múltiplos de índices como preço/lucro e market-to-book
frequentemente não funcionam bem com empresas de entretenimento e que o uso de
múltiplos baserados no EBITDA produz resultados mais acurados. Entretanto, salienta,
“embora compreensível, pode ser perigoso se feito sem disciplina analítica. Como diz
66
Warren Buffet ‘menções a EBITDA nos fazem ter calafrios....só fazem sentido se você
acredita que os gastos de Capital são financiados pela Fada dos dentes’.”
Ryan chama ainda particularmente a atenção para um ponto comum que é a
origem de muitos problemas relacionados com a avaliação de empresas de entretenimento:
os ativos intangíveis estão ativados (e portanto sendo amortizados) ou estão sendo
sistematicamente tratados como despesas? A questão é crucial pois, numa aquisição ou
fusão, os valor dos ativos que execede seu valor contábil prcisa ser definido, ativado e
amortizado ao longo do tempo. Já a empresa que está criando os ativos intangíveis
internamente provavelmente os estará lançando integralmente como despesa10:
De uma maneira geral, as transferências de catálogos envolvem várias questões contábeis referentes ao Balanço Patrimonial, à Demonstração de Resultados e os relatórios de fluxos de caixa [...] Catálogos são ativos intangíveis que estão reconhecidos no BP por seu custo amortizado (ou seja: custo menos amortização acumulada), sujeitos [como determinado com a promulgação pela FASB da SFAS 142 - Goodwill and Other Intangible Assets] à redução de Capital (Capital Impairment). A amortização pode subestimar dramaticamente o valor econômico de um catálogo.
(Ryan, 2003*)
Martha Amram (2002) e Laura Martin (2001) apresentam um método de
avaliação de empresas de cinema, baseados no uso de opções reais. Partem de 3
características básicas da estrutura de custos desta indústria e propõem um método que em
sua opinião reflete melhor o valor dos estúdios.
10 A este respeito, ver o interessante paper de Aswath Damodaran “Research & Development Expenses: Implications for Profitability Measurement and Valuation” sobre os diferentes efeitos do tratamento contábil (ativação ou lançamento a resultado) de despesas de pesquisa & desenvolvimento (que tipicamente criam ativos intangíveis) nos modelos de avaliação baseados nos métodos DCF.
67
As três características são: custos de produção dos filmes (o Negative Cost)
são contabilizados enquanto incorridos (praticamente todos os custos do NC são incorridos
antes do lançamento); as despesas de marketing (P&A) são integralmente lançadas a
resultado; e filmes interrompidos e abandonados são imediatamente lançados como perda.
Enquanto os custos são incorridos na frente, as receitas por outro lado,
ocorrerão ao longo de um período longo de tempo, em ciclos de 7 anos (tempo necessário
para se completar um ciclo do sequencing). Assim, sem um fluxo recente de sucessos, é
muito fácil os custos superarem as receitas. Esta é uma das razões porque é tão difícil fazer
crescer internamente um estúdio de cinema: os custos crescem muito, e muito antes das
receitas! Ocorre que a contabilidade de custos é uma importante base de dados para o
método DCF usado por muitos analistas de investimento. Estes modelos são baseados em
previsões de curto prazo com um múltiplo de P/L utilizado para a perpetuidade.
As autoras apontam que o método DCF tem dificuldade de lidar com as
seguintes variáveis:
A força e sinergia da combinação econômica entre catálogo e novos títulos;
O fato de que os filmes de sucesso (os blockbusters) podem facilmente
gerar receitas por mais de 50 anos (um prazo que o método DCF tem
dificuldade de modelar adequadamente); e
O valor de opção dos novos títulos.
Segundo as autoras, a aplicação direta do método DCF concluiria que o
valor presente dos novos títulos é sempre negativo pois ele assume que o custo médio de
68
produção e lançamento do filme (hoje, superior a US$ 100 milhões) será gasto
integralmente. Esta hipótese é compatível com uma análise do ROIC (Ebitda/Ativos) dos
estúdios entre 1995 e 2000 que, como vimos no início deste Capítulo, demonstraria que a
indústria, de uma maneira geral, tem retornos médios a cada ano abaixo de seu custo de
capital (de aprox. 10%), levando a crer que a atividade de produção e distribuição de
filmes é destruidora de valor:
Além disso, a indústria vive uma fase de compressão de margens devido ao
crescimento desordenado dos custos, sobretudo os de talentos:
Figura 17
CAGR (Taxa de Crescimento Média Composta)
8%9%
4%
7%
0%1990-2000 1995-2000
Per
cent
ual
Cresc. Custos Cresc. Bilheteria EUA
fonte: Martin, 2001
Mas, apontam as autoras, na realidade, o processo de produção de um filme
é uma série de passos que representam a opção (mas não a obrigação) de proceder à
próxima etapa. Assim é que 90% dos scripts iniciados são abandonados antes de
concluídos e 5% dos filmes em produção são interrompidos. O custo médio de um roteiro é
US$ 2 milhões mas este valor só é relevante para os scripts que são efetivamente
69
concluídos. Como diz Martin (2001) “90% dos scripts nunca chegam a custar os US$ 2m
médios que estão incluídos nos $79m de custo agregado de realização de um filme”.
Também em relação aos gastos de lançmento há opções de aprendizado. É
praticamente impossível um estúdio lançar um filme gastando menos de US$ 18 milhões.
Entretanto, o gasto médio de P&A é de US$ 24m, que certamente hiper-estima o risco. Nos
60% de filmes com resultado C ou D, o estúdio opta por não gastar nada mais em
marketing após duas semanas de exibição, retirando rapidamente o filme das salas. O
grosso das despesas, que faz com que a média de gastos de marketing chegue aos US$ 24
milhões, é utilizado com os filmes A ou B. Esta é uma opção real de aprendizado que tem
um valor econômico.
Finalmente, a opção de crescimento, decorrente sobretudo do aparecimento
das inovações e novas tecnologias que trazem opções reais de crescimento à medida em
que aumentam o VPL do catálogo e dos novos lançamentos. O problema é que é difícil
precisar quais tecnologias se estabelecerão, quando chegarão e qual a magnitude do ganho.
Assim, as empresas de cinema e os estúdios cinematográficos dispõem de
opões reais de abandono, de aprendizado e de crescimento.
Para as autoras, o método DCF pode e deve ser utilizado para determinar o
valor das receitas visíveis e esperadas, mas opções reais devem ser utilizadas
complementarmente a este para a determinação do valor das receitas invisíveis. Martin usa
então o método DCF (e CAPM) para avaliar as receitas visíveis e Black-Scholes para
70
determinar o valor das receitas possíveis e não-visíveis. Assim, Black-Scholes deve ser
adicionado ao DCF para fins de determinação do valor final da empresa.
Na prática, o que ocorre é que lançar um filme novo corresponde, para o
estúdio, a comprar uma opção de gerar um filme do tipo A ou B, que tem enorme retorno e
VPL e, também acrescenta valor ao catálogo, da seguinte forma:
Gerando lucros substanciais nos primeiros 7 anos de exploração em todas as
janelas (antes de se tornar catálogo); e
Gerando receitas por décadas, aumentando substancialmente o valor do
catálogo a partir do ano 7 e até o ano 100.
A produção atual é uma opção de criar um filme A. As companhias não devem pagar um preço exagerado por esta opção mas condenar a avaliação dos novos títulos a um quadro que prevê apenas 15-25 anos (incluindo o múltiplo terminal) pode subestimar significativamente a corrente de fluxos de caixas de um filme de sucesso. É concebível que certos filmes A gerem fluxos positivos por 100 anos em um ambiente cada vez mais globalizado.
(Martin, 2001)
Aplicando Black-Sholes e obtendo os valores das três modalidades de
opção, Martin demosntra que o VPL de um novo filme é positivo (em US$ 7.1m) contra
um VPL inicial aparente (puramente modelado em DCF/ROIC) negativo de -US$ 15m:
71
VPL DE UM NOVO LANÇAMENTO US$ milhões Receitas médias do filme nos primeiros 7 anos $64 Custo de Produção $-55 Custo de Lançamento $-24 VPL $-15 Valor com Opções Reais Valor da Opção de Abandono por filme $0.9 Valor da Opção de Aprendizado $3.6 Valor da Opção de Crescimento $17.6 Novo VPL, incluindo as opções reais $7.1
Fonte: Martin, 2001
Assumindo que somente os filmes A e B sobrevivem e permanecem em
cartaz, as autoras definem os valores de um filme no início da semana 3, na data de
lançamento, no início da produção e no início do desenvolvimento do roteiro como sendo:
Valor no início do Script ......................................$1.2m
Valor no início da Produção.................................$3.2m
Valor na Data de Lançamento ............................$58.2m
Valor no Início da 3a Semana após Lçto...........$200.0m
Isto demosntra que filmes A e B são propriedades extremamente valiosas
que podem chegar valer US$ 200 milhões. A árvore de decisões do método está
reproduzida na página a seguir.
72
ARVORE DE DECISÃO DA PRODUÇÃO E LANÇAMENTO DE FILMES - MODELO DE AMRAM E MARTIN
Inicia Desenv. de
Roteiro (US$ 2m, 2 anos)
10% Inicia Produção
(US$55m; 1,5 ano)
95% Lançamento Cinema (US$18m; 2 semanas)
60% Filme C
(sai de cartaz e vai para as outras janelas)
40% Continua em Cartaz (superior a 2 semanas)
50% Filme B
(continua em cartaz e depois segue para as
demais janelas)
50% Filme A
(continua em cartaz e depois segue para as
demais janelas)
90% Stop
5% Stop
HOJE ANO 2 ANO 3 ANO 4
CONCLUSÕES
Um tipo muito particular de ativos intangíveis, os copyrights são fruto da
criação artística humana e se beneficiam de reconhecimento e proteção legais, a partir das
quais diversas e poderosas indústrias econômicas se constituíram. Na indústria
cinematográfica, como na de entretenimento em geral, os copyrights controlados pelas
empresas constituem a base de seu valor. Avaliar financeiramente copyrights é uma
atividade altamente especializada e estamos seguros de haver contribuído com este
trabalho para o desenvolvimento desta atividade no Brasil.
Nesta Dissertação, demonstramos como se formam as receitas na indústria
cinemtográfica, como se constitutem e se classificam seus principais custos e fornecemos
um quadro geral do mercado cinematográfico mundial.
Num trabalho prioneiro em nosso país, indentificamos as 14 características
econômicas estruturais da indústria cinematográfica, cuja conhecimento é essencial para o
trabalho do avaliador.
Apresentamos ainda um quadro geral das principais transações
internacionais de compra e venda de empresas cinematográficas e mostramos o método
74
desenvolvido por Laura Martin e Martha Amram que utiliza opções reais para avaliar
empresas do setor.
Com o crescimento da indústria cinematográfica em nosso país, acreditamos
que em breve veremos atividades de finanças corporativas – fusões, aquisições, abertura de
capital - em empresas deste setor no Brasil. Seja para fins de reorganizações societárias ou
busca de capital em geral, o campo de trabalho para profissionais de avaliação de ativos
intangíveis será amplo neste setor. Esperamos que, neste momento, nosso trabalho seja útil
a estes profissionais.
Esperamos também que esta Dissertação sirva para “abrir os olhos” do
mundo acadêmico brasileiro às particularidades do “negócio mais fascinante do mundo” e
o convidamos a estender estes estudos e observações a outras indústrias do setor de
entretenimento e de copyright - editorial, fonográfica, etc. – buscando encontrar pontos de
contato com as conclusões deste trabalho.
75
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