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O controle judicial das polticas pblicas e o princpio da reserva do
possvel
Letcia Barbosa Drummond *
Resumo
Este trabalho versa sobre o controle judicial das polticas pblicas e o conflito
existente entre a eficcia plena dos direitos fundamentais e a aplicao do
princpio da reserva do possvel. A despeito de a Constituio Federal conferir
igual tratamento a todos os direitos fundamentais, atribuindo aplicao imediata
s suas normas definidoras, os direitos sociais enfrentam diversos obstculos
sua concretizao, vez que demandam, necessariamente, uma atuao positiva
dos poderes pblicos e, assim, a aplicao de recursos escassos. Dessa forma,
nesse estudo so levantadas relevantes questes acerca das dificuldades
enfrentadas na implementao das polticas pblicas no Brasil, bem como feita
a anlise dos diversos posicionamentos acerca dos limites atuao judicial no
controle de tais polticas. O princpio da reserva do possvel estudado como
forma de adequar o problema da escassez de recursos realizao dos direitos
sociais, estabelecendo-se critrios para sua aplicao, tendo em vista o dever
constitucional dos entes pblicos de, sempre que possvel, conferirem plena
eficcia a tais direitos.
Palavras-chave: direitos fundamentais, direitos sociais, eficcia, recursos
escassos, princpio da reserva do possvel, polticas pblicas, controle judicial.
* Acadmica de Direito da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais
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1 INTRODUO
A presente pesquisa cientfica objetiva verificar a possibilidade e a importncia da
atuao do Poder Judicirio no controle das polticas pblicas, como forma de conferir
eficcia e efetividade aos direitos fundamentais, bem como estudar as barreiras por ele
enfrentadas no exerccio dessa misso que lhe atribuda pela Lei Maior.
Trata-se de trabalho dirigido ao estudo dos princpios, objetivos e fundamentos do
Estado Democrtico de Direito na Constituio de 1988, bem como do tratamento jurdico por
ela dado aos direitos fundamentais de cunho social, que pretende demonstrar as dificuldades
enfrentadas na implementao das polticas pblicas no Brasil, dentre elas, a escassez derecursos pblicos e a necessidade de previso oramentria.
Assim, sero expostos, de maneira metdica e separadamente, os diversos
posicionamentos acerca do princpio da separao dos poderes, da tese da discricionariedade e
da legitimidade, como impedimentos interferncia judicial nas polticas pblicas.
Sero tambm, pormenorizadamente, analisados pelo estudo os aspectos relevantes do
princpio da reserva do possvel, delimitando-o de forma a adequ-lo realidade brasileira, e
evidenciando seus aspectos fticos e jurdicos, alm de se buscar delinear as situaes em que
dever ser aplicado.
Destarte, visa este trabalho a verificao de que o controle judicial das polticas
pblicas essencial nos dias de hoje, devendo o princpio da reserva do possvel ser aplicado
com cautela, vez que a obrigao a todos os poderes imposta pela Carta Magna a busca da
plena efetivao dos direitos fundamentais, especialmente dos de cunho social.
Neste sentido o estudo tratar de conferir e analisar os critrios utilizados pelos
legisladores, administradores e juzes, de acordo com a doutrina e a legislao constitucional,
para fundamentar a entrega ou a negativa de uma prestao social positiva, buscando
ainda estabelecer os limites da utilizao de argumentos fundados no princpio da reserva do
possvel.
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2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988
2.1 A Constituio Federal de 1988 e o Estado Democrtico de Direito
A Constituio Federal de 1988 veio estruturar o Estado Democrtico de Direito no
Brasil, que surge com o intuito de enfrentar os problemas sociais, dando-lhes melhores
solues que os demais estgios do constitucionalismo, bem como o de transformar a
realidade social.
A base poltica de toda e qualquer sociedade democrtica constitui o respeito e a
proteo aos direitos fundamentais, o que torna a noo de Estado Democrtico de Direito
indissocivel da concretizao desses direitos.
O Estado Democrtico de Direito se assenta na supremacia da Constituio, na
democracia, na valorizao do jurdico, na proteo aos direitos fundamentais e na aplicao
imediata das normas constitucionais.
Governantes e governados se submetem ao direito posto, com o propsito de garantir
as liberdades fundamentais. O Direito se abre para o povo, que chamado para dizer o que
justo para si e, assim, reformular o ordenamento. Dessa forma, a idia de justia pensada
constantemente.
Conforme nos ensina Lnio Luiz Streck (2002), essa concepo de Estado se liga a
valores substantivos que visam uma mudana do status quo da sociedade.
Nesse sentido, Jean Carlos Dias preceitua que uma vez que a sociedade estrutura-se
sob a forma de um Estado Democrtico de Direito, a linha de conduo poltica a
submisso proteo dos direitos fundamentais (DIAS, 2007, p.154).
A Constituio vigente, ento, estabelece em seu artigo 1 que a Repblica Federativa
do Brasil tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo poltico (BRASIL, 1988).
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Seu artigo 3 enumera os objetivos fundamentais do Estado, quais sejam: construir
uma sociedade livre justa e solidria, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza
e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao
(BRASIL, 1988).
O artigo 4 da Carta Magna preceitua os princpios que regem nossa Repblica
Federativa nas suas relaes internacionais. So eles: a independncia nacional, a prevalncia
dos direitos humanos, a autodeterminao dos povos, a no-interveno, a igualdade entre os
Estados, a defesa da paz, a soluo pacfica dos conflitos, o repdio ao terrorismo e ao
racismo, a cooperao entre os povos para o progresso da humanidade e a concesso de asilo
poltico (BRASIL, 1988).
No Ttulo II, a CF/88 trs um expressivo nmero de direitos fundamentais, dentre os
quais se encontram os direitos sociais.
Nesse contexto, o Estado Brasileiro nada mais do que o instrumento para a
realizao desses princpios, a prossecuo desses objetivos e a defesa dos direitos
fundamentais, com a finalidade ltima de construir uma sociedade livre, justa e solidria,
conforme preleciona Clmerson Merlin Clve.
2.2 Classificao dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais so a positivao dos direitos humanos que, por sua vez,
decorrem do conjunto de valores e interesses universalmente reconhecidos como inerentes
prpria condio humana. Opem-se, simultaneamente, aos indivduos, sociedade e ao
Estado e se estruturam no reconhecimento de um patamar mnimo de dignidade humana. So
universais, indivisveis, interdependentes e transnacionais.
Na viso de Gustavo Amaral:
os direitos fundamentais tm natureza jurdica prpria, inconfundvel com ascategorias moldadas luz do direito privado. No so eles meras regras deestrutura, pois indisfaravelmente h direitos fundamentais voltados a prestaes
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positivas e, por outro lado, os conflitos intersubjetivos baseados em direitosfundamentais obrigam uma interveno estatal nas esferas protegidas por essesdireitos, muitas vezes para limit-los, o que seria impensvel se sua natureza fossede norma de estrutura, hiptese em que faltaria competncia ao Estado. No soeles meros valores jurdicos a orientar a formao do ordenamento ou concessesestatais, mas, ao contrrio, investem o particular em diversas prerrogativas,
legitimando-o a exigir dadas condutas estatais.[...] os direitos fundamentais so a positivao, o reconhecimento dos direitoshumanos, que so direitos naturais [...] (AMARAL, 2001, p.96/97).
Os direitos fundamentais so comumente classificados em direitos de primeira,
segunda, terceira e quarta geraes. Tal classificao leva em conta a evoluo histrica
desses direitos, bem como suas caractersticas originais.
Os direitos de primeira gerao se constituem pelos direitos vida, liberdade,
propriedade e igualdade. Apresentam-se como direitos de resistncia frente ao Estado, tendo
por titular o indivduo. Sua fruio decorre diretamente da Constituio, independente de
regulamentao. Por isso, so sempre exigveis. Tambm so chamados de direitos
negativos por importarem uma absteno do Estado.
Os direitos de segunda gerao consistem nos direitos econmicos, sociais e culturais.
Seu titular o indivduo enquanto parte das relaes econmicas. Diferentemente dos
primeiros, esses direitos dependem de uma ao dos poderes pblicos para se efetivarem,
sendo, por isso, denominados de direitos positivos. Nas palavras de Rosalia Carolina
Kappel Rocha, no se trata mais de liberdade do e perante o Estado, mas de uma liberdadepor intermdio do Estado (ROCHA, 2006, p.04).
As normas constitucionais sobre os direitos de segunda gerao, chamadas por alguns
autores de normas programticas, definem metas e finalidades que precisam ser
concretizadas pelo legislador ordinrio. Assim, tais direitos dependem no s de
regulamentao, mas da implementao de polticas pblicas, as quais, por sua vez, ficam
submetidas existncia de recursos materiais e financeiros.
Os direitos de terceira gerao so tambm chamados de direitos de solidariedade e de
fraternidade. Abrangem os direitos de titularidade coletiva ou difusa, tendo como destinatrio
o ser humano. Visam proteo tanto em relao ao Estado quanto nas relaes
internacionais. Exemplos desses direitos so o direito paz, ao meio ambiente, conservao
e utilizao do patrimnio histrico, ao desenvolvimento e autodeterminao dos povos.
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Pode-se falar ainda na existncia de uma quarta gerao de direitos, resultado da
globalizao dos direitos fundamentais, tendo como exemplo o direito democracia e ao
pluralismo. Sua finalidade a proteo das geraes futuras.
Giovani Bigolin, Jean Carlos Dias e Amrico Bed Freire Jnior so autores queutilizam a referida classificao.
No entanto, hoje, a classificao apresentada se mostra ultrapassada e intil para
explicar a distino existente entre os direitos fundamentais, e assim, possibilitar sua eficcia.
Rosalia Carolina Kappel Rocha, seguindo a viso de Ingo Wolfgang Sarlet, prefere
utilizar o termo dimenso e no gerao de direitos, por entender que mesmo os direitos
de liberdade podem exigir prestaes positivas. Gustavo Amaral compartilha de mesmo
entendimento.
No mesmo sentido, Andras J. Krell explica que no Estado moderno, os direitos
fundamentais clssicos ligados liberdade esto cada vez mais fortemente dependentes da
prestao de determinados servios pblicos, sem os quais o indivduo sofre srias
ameaas. (KRELL, 2000, p.38). E ressalta, ainda, que:
A doutrina moderna d nfase em afirmar que qualquer Direito Fundamentalconstitucional seja ele direito civil e poltico ou econmico, social e cultural contm, ao mesmo tempo, componentes de obrigaes positivas e negativas para o
Estado. Nessa viso, a tradicional diferenciao entre os direitos da primeira eos da segunda gerao meramente gradual, mas no substancial, visto quemuitos dos Direitos Fundamentais tradicionais foram reinterpretados como sociais,perdendo sentido as distines rgidas (KRELL, 2000, p.39).
Para Flvio Dino de Castro e Costa a mera transposio dessa classificao para o
nosso pas j se mostra inadequada, pois, no Brasil, os direitos polticos esto mais
universalizados que os direitos individuais.
Gustavo Amaral, baseando-se na obra de Stephen Holmes e Cass R. Sunstein, afirma
que todos os direitos tm custos porque todos pressupem o custeio de uma estrutura de
fiscalizao para implement-los (AMARAL, 2001, p.73).
O autor defende que a identificao dos direitos sociais como positivos artificial
(AMARAL, 2001, p.81). Segundo ele, h direitos sociais eminentemente negativos, h
direitos cuja eficcia no depende necessariamente de uma atuao estatal, os quais chama
de direitos parcialmente independentes e h direito sociais cuja eficcia depende
intrinsecamente de uma conduta estatal positiva, denominados direitos dependentes,
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mas no h direitos puramente negativos. Por isso, o autor decompe os direitos em
pretenses negativas e positivas. Segundo ele, um mesmo direito gera pretenses de
ambos os tipos (AMARAL, 2001, p.227).
2.3 A eficcia dos direitos fundamentais
O artigo 5 da Constituio Federal, em seu pargrafo primeiro, dispe que as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata (BRASIL,
1988).
No entanto, at bem pouco tempo, acreditava-se que os direitos sociais, embora
presentes na Constituio Federal, no passavam de disposies programticas, sem qualquer
eficcia jurdica. Consistiam, assim, em meras promessas cujo descumprimento no
acarretava nenhuma conseqncia.
Gustavo Amaral reconhece a existncia de trs correntes a respeito do tema: a
primeira, que nega a eficcia dos direitos sociais, que por constiturem direitos positivos e,
assim, dependerem de meios materiais para se concretizarem, vigeriam sob a reserva do
possvel, a segunda, que v os direitos sociais com o mesmo nvel de eficcia dos direitos
individuais, sendo exigveis todos os direitos classificados como fundamentais, e a terceira e
ltima corrente, que acredita haver um ncleo de direitos ligados ao mnimo existencial que
seria sempre exigvel.
Clmerson Merlin Clve defende que, embora exista uma distino evidente no que se
refere estrutura normativa dos direitos de defesa e dos direitos sociais prestacionais, no h
diferena entre seus regimes jurdicos. Giovani Bigolin segue o mesmo entendimento.
Clve, entretanto, divide os direitos sociais em originrios e derivados. Os originrios
seriam aqueles que apresentam uma dimenso subjetiva forte, ou seja, so desde logo
exigveis pelo cidado, independente de regulamentao. Os direitos derivados, por sua vez,
produzem uma dimenso subjetiva fraca, necessitando, por isso, de uma atuao do legislador
infraconstitucional. Segundo o autor, o direito ao ensino fundamental, proteo dos
portadores de necessidades especiais e certa dimenso do direito proteo da sade so
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direitos prestacionais originrios. Independentemente de haver ou no servio pblico ou
previso oramentria podem ser reclamados perante o Poder Judicirio. Os demais direitos,
no entanto, demandam uma realizao progressiva.
Giovani Bigolin, por sua vez, acredita que a ausncia de diferenciao no regimejurdico no soluciona a questo da eficcia dos direitos sociais, mas sim desafia os
operadores do Direito a tornarem esses direitos efetivos no mundo dos fatos, atravs de um
esforo hermenutico inovador. Segundo ele, h uma presuno de aplicabilidade imediata
das normas fundamentais que vige como princpio geral e, havendo eventual recusa na sua
aplicao, em razo da ausncia de ato concretizador, esta dever ser obrigatoriamente
fundamentada.
Por outro lado, Andras J. Krell explica que num sistema pluralista, as normas
constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizaes
consoantes s alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. (KRELL, 2000,
p.29). O autor posiciona-se contrariamente concepo dos direitos sociais como normas
programticas. Segundo ele, tais direitos foram regulamentados atravs da imposio
expressa de deveres ao Estado e, correspondentemente, de direitos subjetivos dos
indivduos. (KRELL, 2000, p.33).
No mesmo sentido, Eduardo Appio conceitua as normas constitucionais programticas
como normas que definem objetivos a serem alcanados pelo Estado, razo pela qual:as normas constitucionais que outorgam direitos subjetivos pblicos de contedosocial no podem ser consideradas normas verdadeiramente programticas, massim, dotadas de aplicabilidade imediata, nos termos do art. 5, 1, da CF/88(APPIO, 2007, p.99).
Segundo o autor (2007), enquanto as normas programticas instituem deveres
genricos ao Estado, conferindo ao Poder Executivo discrio poltica quanto escolha dos
meios de implementao das polticas e do momento de sua execuo, as normas que
outorgam direitos subjetivos pblicos aos indivduos, instituem interesses juridicamente
protegidos, no admitindo margem de discricionariedade por parte do ente pblico na sua
implementao. No segundo caso, o prprio legislador constituinte limitou a escolha dos
meios de implementao das polticas, definiu seu contedo, a forma de execuo, a fonte de
financiamento, bem como o momento de realizao.
Appio ainda conclui:
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3 AS POLTICAS PBLICAS
3.1 Os direitos sociais
Os direitos sociais, segundo Alexandre de Moraes:
so direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeirasliberdades positivas, de observncia obrigatria em um Estado Social de Direito,tendo por finalidade a melhoria de condies de vida aos hipossuficientes, visando concretizao da igualdade social, e so consagrados como fundamentos do
Estado Democrtico, pelo art. 1, IV, da Constituio Federal (MORAES, 2005,p.177).
Tais direitos so expresso de uma luta rdua. Esto presentes na Constituio em
decorrncia de uma demanda social, manifestada por meio de movimentos sociais radicais e
democrticos.
O captulo II da Constituio Federal trs um rol meramente exemplificativo de
direitos sociais.
O artigo 6 estabelece que so direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a
assistncia aos desemparados, na forma desta Constituio (BRASIL, 1988).
O art. 193 dispe que a ordem social tem como objetivo o bem-estar e a justia
sociais (BRASIL, 1988).
O direito sade est previsto no art. 196 da CF/88 como um direito de todos e dever
do Estado,garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco
de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios parasua promoo, proteo e recuperao (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Sobre o direito assistncia social, a Constituio prev o seguinte:
Art. 203. A assistncia social ser prestada a quem dela necessitar,independentemente de contribuio seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice;
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II - o amparo s crianas e adolescentes carentes;
III - a promoo da integrao ao mercado de trabalho;
IV - a habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de deficincia e apromoo de sua integrao vida comunitria;
V - a garantia de um salrio mnimo de benefcio mensal pessoa portadora dedeficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios de prover prpriamanuteno ou de t-la provida por sua famlia, conforme dispuser a lei (BRASIL,1988).
Igualmente ao direito sade, a educao est definida no art. 205 como direito de
todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da
cidadania e sua qualificao para o trabalho (BRASIL, 1988, grifo nosso).
O legislador constituinte, no entanto, foi mais cauteloso ao prever sobre o direito
educao, privilegiando-o em relao ao direito sade, ao estabelecer que:
Art. 208. O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante agarantia de:
[...]
1 - O acesso ao ensino obrigatrio e gratuito direito pblico subjetivo.
2 - O no-oferecimento do ensino obrigatrio pelo Poder Pblico, ou suaoferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente (BRASIL,1988, grifo nosso).
3.2 Conceito
As polticas pblicas so os meios necessrios efetivao dos direitos sociais que,
como visto, por sua essncia, pressupem, sempre, uma atuao dos poderes pblicos.
O Estado, como gestor dos interesses da sociedade, define, atravs dos Poderes
Legislativo e Executivo, os objetivos e os instrumentos de interesse da comunidade. As
polticas pblicas, assim, constituem uma interveno do poder pblico na vida social.
Fbio Comparato citado por Andras J. Krell (2000, p.56) apresenta o conceito de
poltica, consistente no conjunto organizado de normas e atos tendentes realizao de um
objetivo determinado.
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Dworkin entende por polticas:
aquele tipo de padro que estabelece um objetivo a ser alcanado, em geral, umamelhoria em algum aspecto econmico, poltico ou social da comunidade (ainda
que certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estadoatual deva ser protegido contra mudanas adversas). (DWORKIN, 2002, p.37).
Jean Carlos Dias ressalta que o referido conceito se pauta em dois elementos
essenciais, quais sejam, a existncia de uma comunidade poltica, capaz de produzir tais
padres, e a identificao dos objetivos a serem alcanados atravs dos meios fixados.
Os direitos sociais, embora constituam deveres do Estado e direitos subjetivos
pblicos do cidado, so estabelecidos na Constituio de forma genrica, ampla e abstrata, o
que torna necessria a atuao do Poder Pblico, especialmente atravs dos Poderes
Legislativo e Executivo, de forma a estabelecer os meios e o momento de implement-los.
Nesse passo, Amrico Bed Freire Jnior nos d o conceito de polticas pblicas como
sendo: um conjunto ou medida isolada praticada pelo Estado com o desiderato de dar
efetividade aos direitos fundamentais ou ao Estado Democrtico de Direito (FREIRE
JNIOR, 2005, p.47).
As polticas pblicas, assim, constituem uma forma de efetivar o acesso das camadas
menos favorecidas aos direitos fundamentais de cunho social.
Nesse sentido, Eduardo Appio afirma que:
As polticas pblicas implementadas pelo Estado brasileiro podem ser consideradassetoriais, na medida em que atingem determinados segmentos da sociedade, a partirde necessidades especficas. [...] As chamadas polticas de incluso tm porfinalidade assegurar o acesso efetivo de segmentos pouco representados dapopulao aos bens sociais fundamentais, com o que se reduz o impacto de ummodelo puro de democracia representativa (APPIO, 2007, p.115).
Andras J. Krell, por sua vez, leciona que a essncia de qualquer poltica pblica
distinguir e diferenciar, realizando a distribuio dos recursos disponveis na sociedade.
(KRELL, 2000, p.56).
Dessa forma, as polticas pblicas so atividades eminentemente administrativas que
se resumem em programas de atuao do governo tendentes definir as reas sociais que
devem ser cuidadas com prioridade, planejar os objetivos a serem alcanados, analisar os
meios disponveis e o melhor momento de realizao, bem como direcionar os recursos
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pblicos necessrios para que a finalidade seja alcanada, tudo isso levando em considerao
as expectativas e interesses da comunidade.
Conforme explica lvaro Ricardo de Souza Cruz (2007), as polticas pblicas de
incluso social so medidas paliativas, motivo pelo qual trazem consigo a necessidade deterem um planejamento com incio, meio e fim, de tal modo que no se perpetuem, tal como
se v na maioria das aes sociais do governo brasileiro. (CRUZ, 2007, p.328).
3.3 Dificuldades
Primeiramente, lvaro Ricardo de Souza Cruz explica que:
A dificuldade de implementao dos direitos sociais no pas tem sido ainda osurrado discurso liberal de que os mesmos, como tem uma dimenso prestacional,seriam direitos que custariam dinheiro e que, por conseguinte, no poderiam serefetivados com a mesma facilidade dos direitos da primeira gerao. (CRUZ, 2007,p.334).
No entanto, a viso liberal acerca dos direitos fundamentais, como j ressaltamos,
encontra-se superada. Atualmente, impe-se a concepo de que todos os direitosfundamentais possuem as dimenses negativa e positiva e, alm disso, todos eles demandam
recursos pblicos. At mesmo o direito de propriedade e o direito integridade fsica do
indivduo exigem do Estado um aparato policial e judicial que necessitam de previso
oramentria, da mesma forma que o direito de sade, por exemplo.
Ultrapassada a concepo liberal, outra dificuldade enfrentada no que tange
implementao de polticas pblicasconsiste na no estruturao dos servios sociais bsicos
pelo Poder Executivo.
lvaro Ricardo de Souza Cruz esclarece que o Direito deve ser visto como um
subsistema social que se relaciona, constantemente, com os demais sistemas, tais como o
sistema poltico, moral, religioso e, ainda, o econmico. E isso se torna ainda mais
complicado quando se trata de direitos sociais.
Nesse ponto, Gustavo Amaral ressalta:
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Os direitos fundamentais contm uma dimenso positiva, a reclamar prestaesestatais comissivas e no apenas omissivas. Para a satisfao das pretensesoriginadas dessa dimenso positiva necessrio o consumo de recursos escassos,tornando inexorvel a tomada de decises alocativas. Essas decises sodisjuntivas, significando o atendimento de uns e o no atendimento de outros,
mesmo quando o no atendimento possa significar a morte (AMARAL, 2001,p.198/199).
Ao tratar do direito educao, explicita Andras J. Krell:
a qualidade do ensino em todos os nveis depende, acima de tudo, da contrataode professores, do pagamento de um salrio digno, da sua qualificao ereciclagem. Os prdios escolares devem ser mantidos em boas condies, aquisiode material escolar, limpeza, etc. (KRELL, 2000, p.33)
Situao idntica ocorre no que tange ao direito sade. A qualidade dos servios
pblicos de sade depende do fornecimento de remdios, vagas e leitos nos pronto-socorros e
hospitais, da contratao de mdicos especializados, de enfermeiros suficientes, etc.
(KRELL, 2000, p.33).
A CF/88 estabelece qual a parcela do oramento dos entes pblicos ser destinada a
efetivao de cada direito social.
O art. 198, por exemplo, dispe:
Art. 198. As aes e servios pblicos de sade integram uma rederegionalizada e hierarquizada e constituem um sistema nico, organizado de acordocom as seguintes diretrizes:
1. O sistema nico de sade ser financiado, nos termos do art. 195, comrecursos do oramento da seguridade social, da Unio, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municpios, alm de outras fontes.
2 A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios aplicaro,anualmente, em aes e servios pblicos de sade recursos mnimos derivados daaplicao de percentuais calculados sobre:
I - no caso da Unio, na forma definida nos termos da lei complementarprevista no 3;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadao dosimpostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159,inciso I, alnea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aosrespectivos Municpios;
III - no caso dos Municpios e do Distrito Federal, o produto da arrecadaodos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e159, inciso I, alnea b e 3.
3 Lei complementar, que ser reavaliada pelo menos a cada cinco anos,estabelecer:
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I - os percentuais de que trata o 2;
II - os critrios de rateio dos recursos da Unio vinculados sade destinadosaos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios, e dos Estados destinados a seusrespectivos Municpios, objetivando a progressiva reduo das disparidadesregionais;
III - as normas de fiscalizao, avaliao e controle das despesas com sadenas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV - as normas de clculo do montante a ser aplicado pela Unio (BRASIL, 1988).
Ao tratar da assistncia social, o art. 204 estabelece:
Art. 204. As aes governamentais na rea da assistncia social serorealizadas com recursos do oramento da seguridade social, previstos no art. 195,alm de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
[...]Pargrafo nico. facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a
programa de apoio incluso e promoo social at cinco dcimos por cento desua receita tributria lquida, vedada a aplicao desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - servio da dvida;
III - qualquer outra despesa corrente no vinculada diretamente aosinvestimentos ou aes apoiados (BRASIL, 1988).
Sobre o direito educao, reza o art. 212:
Art. 212. A Unio aplicar, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados,o Distrito Federal e os Municpios vinte e cinco por cento, no mnimo, da receitaresultante de impostos, compreendida a proveniente de transferncias, namanuteno e desenvolvimento do ensino.
1 - A parcela da arrecadao de impostos transferida pela Unio aosEstados, ao Distrito Federal e aos Municpios, ou pelos Estados aos respectivosMunicpios, no considerada, para efeito do clculo previsto neste artigo, receitado governo que a transferir.
2 - Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, seroconsiderados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursosaplicados na forma do art. 213.
3 - A distribuio dos recursos pblicos assegurar prioridade aoatendimento das necessidades do ensino obrigatrio, nos termos do plano nacionalde educao.
4 - Os programas suplementares de alimentao e assistncia sadeprevistos no art. 208, VII, sero financiados com recursos provenientes decontribuies sociais e outros recursos oramentrios (BRASIL, 1988).
Ocorre que, muitas vezes, tais normas so ignoradas pelo Poder Pblico, que deixa de
prever na lei oramentria os recursos financeiros destinados aos respectivos servios
pblicos, o que constitui outra dificuldade na implementao das polticas pblicas.
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4 O CONTROLE DAS POLTICAS PBLICAS PELO PODER JUDICIRIO E SEUS
LIMITES
4.1 O princpio da separao dos poderes
O princpio da separao dos poderes se encontra positivado no artigo 2 da
Constituio, que estabelece que so Poderes da Unio, independentes e harmnicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judicirio (BRASIL, 1988).
A Constituio Federal de 1988 conferiu grande importncia ao Poder Judicirio,
fortalecendo-o perante os demais poderes. Estabeleceu ela em seu artigo 5, inciso XXXV que
a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito (BRASIL,
1988).
Segundo Gregrio Assagra de Almeida (2001), o Poder Judicirio tem o compromisso
constitucional de implementar materialmente o Estado Democrtico de Direito, atravs da
proteo e da efetivao dos direitos e garantias formalmente consagrados na Constituio e,
assim, promover a transformao positiva da realidade social, no sentido de igualdade
substancial.
O Poder Judicirio passou a fazer parte da arena poltica e, assim, contraiu o dever
de participar da gesto da coisa pblica. O dever de proteo dos direitos fundamentais
constitui uma obrigao no s dos poderes Legislativo e Executivo, mas tambm do Poder
Judicirio.
Para Jean Carlos Dias:
O sistema de tenses que o Estado de Direito consagra tem por escopo ocompartilhamento racional de atribuies polticas, com o fito de determinar umbice ao monoplio do poder, com a evidente finalidade de salvaguardar os direitosfundamentais dos cidados (DIAS, 2007, p.156).
Na viso de Clmerson Merlin Clve (2005), o princpio da separao dos poderes
deve ser concebido tal como se apresenta na CF/88 e no como um princpio abstrato, fora da
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histria. Clve, bem como Amrico Bed Freire Jnior, acreditam que o Poder Judicirio atua
como um poder contra-majoritrio, em defesa dos direitos das minorias. Sua postura ativa
seria condio para a efetivao dos direitos fundamentais.
Segundo Lnio Streck, o legislador constituinte cometeu jurisdio a tarefa deguardi dos valores materiais positivados na Constituio e, nessa viso, o Judicirio seria
uma alternativa para o resgate das promessas da modernidade, tais como igualdade, justia
social e garantia dos direitos humanos fundamentais. Para isso, faz-se necessria uma nova
insero do Poder Judicirio no mbito das relaes dos poderes do Estado,
(...) levando-o a transcender as funes de checks and balances, mediante umaatuao que leve em conta a perspectiva de que os valores constitucionais temprecedncia mesmo contra textos legislativos produzidos por maioriasparlamentares (...). (STRECK, 2002, p. 78).
O princpio da separao dos poderes no pode ser um obstculo s reivindicaes de
cunho social. A tutela conferida aos direitos fundamentais pelo Estado Democrtico de
Direito torna estritamente necessria uma releitura de tal princpio, a permitir um sistema
eficaz de freios e contrapesos.
Flvio Dino de Castro e Costa defende que o princpio da tripartio se vincula
finalidade de tutela da liberdade, nunca tendo se cogitado nem mesmo Montesquieu da
necessidade de uma separao rgida entre os poderes estatais.
Rosalia Carolina Kappel Rocha acredita que o princpio da separao dos poderes,
alm de seu aspecto negativo, de diviso e limite do poder, tem tambm um aspecto positivo,
no sentido de assegurar a justa e adequada ordenao das funes do Estado, impondo
competncias, tarefas, funes e responsabilidades dos rgos constitucionais de soberania
(ROCHA, 2006, p.16).
Jean Carlos Dias compartilha do mesmo entendimento e defende que a separao dos
poderes tambm deve ser analisada sob seu aspecto positivo, de aperfeioamento das
atividades estatais. Segundo ele, a interao entre os aspectos positivo e negativo da separaodos poderes assegura a proteo aos diretos fundamentais.
O autor faz uma comparao entre o sistema de separao de poderes concebido
por Montesquieu e aquele concebido pelos americanos. Enquanto o pensador francs acredita
que a liberdade depende de uma separao rgida dos poderes, o modelo americano defende
que o exerccio de determinadas atribuies de um poder pelo outro no significa o
rompimento do sistema de separao dos poderes, e, ao contrrio, possibilita o controle
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interno dos poderes e, assim, uma atuao mais eficaz. No entanto, Dias esclarece que, ao
contrrio do que muitos crticos concebem, o prprio Montesquieu admitiu a existncia de
interferncias mtuas entre os poderes como forma essencial de controle.
Gustavo Amaral, por sua vez, entende que o modelo francs de separao de poderesdenota o divrcio entre os Poderes Legislativo e Executivo e a distribuio das funes
judiciais e administrativas em rgos distintos. J o modelo americano, para ele, preocupa-se
menos com a separao de funes, adotando uma concepo de equilbrio entre elas.
Segundo Amaral, o modelo adotado no Brasil inspirou-se no modelo americano, em que a
separao dos poderes consiste em um sistema de freios e contrapesos, de mtua dependncia.
Amrico Bed Freire Jnior (2005) esclarece que no se pode transpor um modelo
estrangeiro de separao de poderes para o nosso pas, sem compatibiliz-lo com as
peculiaridades ptrias. Por esse motivo, afirma que a nomenclatura separao de poderes
equivocada, vez que o poder estatal no Brasil uno, materializado na Constituio, tendo a
funo de viabilizar a mxima efetividade das normas constitucionais.
A separao dos poderes no constitui um fim em si mesmo, mas um meio de
relacionamento entre as funes estatais visando preservao dos direitos fundamentais
perante o Estado.
Segundo Clmerson Merlin Clve, os princpios, objetivos e direitos fundamentais
previstos na Constituio da Repblica vinculam o Poder Executivo, que dever realizar aspolticas pblicas, o legislador, que dever legislar para proteger os direitos fundamentais
normativamente, e tambm o Poder Judicirio, que dever decidir em observncia aos
referidos princpios, objetivos e direitos fundamentais. Para ele, a Constituio, assim, retirou
da esfera poltica aquilo que constitui o ncleo da comunidade republicana.
Conforme j ressaltamos, as normas constitucionais sobre direitos fundamentais, por
sua natureza, contm conceitos vagos, abstratos e de contedo aberto, o que dificulta ainda
mais a concretizao desses direitos, uma vez que permitem ao administrador uma ampla
liberdade no exerccio de seu poder discricionrio, que, por muitas vezes, ultrapassa os limites
legais e alcana o campo da arbitrariedade.
Hoje, h uma vinculao entre os poderes orgnicos do Estado, o que impe ao
Judicirio o dever de intervir nos poderes Executivo e Legislativo quando esses violarem o
ncleo dos direitos fundamentais. Esses direitos precisam ser protegidos do abuso e arbtrio
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estatal, mas, tambm e principalmente, de sua omisso. dever do Estado manter uma
interao entre todas as suas funes a fim de garantir tal proteo.
Andras J. Krell ensina que:
Na medida em que menor o nvel de organizao e atuao poltica da sociedadecivil, aumenta a responsabilidade dos integrantes do Poder Judicirio naconcretizao e no cumprimento das normas constitucionais, inclusive as quepossuem uma alta carga valorativa e ideolgica. (KRELL, 2000, p.46/47).
O Poder Judicirio torna-se, assim, co-responsvel pela atuao dos demais poderes
estatais, tendo a importante misso de orient-los a cumprir as disposies constitucionais da
forma mais ampla possvel e, assim, promover uma mudana social. Nesse sentido, lvaro
Ricardo de Souza Cruz (2007) afirma que a jurisdio constitucional pode representar um
mecanismo de incluso social.Nesse ponto, recorremos novamente aos ensinamentos de Andras J. Krell (2000), que
afirma que se faz cada vez mais necessria a reviso do princpio da separao dos poderes,
principalmente no que se refere ao controle dos gastos pblicos e da prestao dos servios
sociais bsicos, tendo em vista que os Poderes Executivo e Legislativo se mostraram
incapazes de garantir o cumprimento racional dos preceitos constitucionais respectivos.
Conforme esclarece Amrico Bed Freire Jnior, no se defende aqui a supremacia de
uma funo estatal sobre as outras, mas a supremacia da Constituio. Jean Carlos Dias
explica que se trata de uma interveno derivada, pois depende da formulao prvia de
uma poltica ou mesmo de uma omisso, quando evidentemente h um dever legal ou
constitucional de produzi-la (DIAS, 2007, p.44).
Nas palavras de Dias tambm no se sugere que o Poder Judicirio passe a
promover a distribuio de bens sociais por si prprio, mas apenas que atue como
controlador dos meios empregados pelas polticas [...] (DIAS, 2007, p.134).
Dias ressalta, ainda, que no se trata, assim, de assumir o papel do Executivo ou
Legislativo como elaborador e executor de polticas, e sim de definir se essas so
efetivamente compatveis com o sistema de direitos bsicos assegurados institucionalmente
(DIAS, 2007, p.143).
Amrico Bed Freire Jnior vai mais alm, e afirma que:
o juiz tem poderes para completar o ordenamento jurdico ou interpretar de modo aviabilizar a justia, mesmo que para tanto precise ir alm do legislador.
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[...]
Constituio recheada de princpios e conceitos jurdicos indeterminados, queprecisam do juiz para materializar as normas constitucionais. (FREIRE JNIOR,2005, p.57).
Dessa forma, impe-se sobre as instituies o dever de adotar a dignidade da pessoa
humana como objetivo de sua atuao positiva. Assim, juzes, governantes e legisladores so
igualmente responsveis na concretizao dos direitos fundamentais.
O Poder Judicirio, como parte do Poder Pblico, tem a funo de zelar pelo
cumprimento da Constituio e pela realizao da justia social. Vale ressaltar que o
controle judicial no desejvel em toda e qualquer circunstncia, mas em casos
excepcionais, de flagrante violao dos direitos fundamentais.
Em um Estado constitudo sob a gide do Estado Democrtico de Direito e daDemocracia, o Judicirio tem o papel de compatibilizar as iniciativas legislativa e executiva
com os ditames constitucionais, mantendo, assim, um sistema poltico equilibrado. Ele tem o
dever de influir diretamente na realizao das polticas pblicas prioritrias e determinar aos
entes federados que cumpram as obrigaes que lhes so atribudas pela Carta Magna.
Como esclarece Jean Carlos Dias, no se pretende que o Judicirio tome para si a
funo de intrprete dos fenmenos sociais e oferea o padro de ao demanda posta. Ao
contrrio, defende-se que o Judicirio aja apenas para identificar um conflito jurdico no
mbito do direito, e para elimin-lo precisa dar-lhe soluo (DIAS, 2007, p.143). Espera-
se, na verdade, que o juiz assuma seu papel de agente social e participe mais da efetivao da
Constituio.
Assim, quando o Legislativo e o Executivo se omitirem ou falharem, caber sempre
uma postura ativa do Judicirio, exigindo deles a disponibilizao de determinados servios
pblicos, bem como a melhoria na sua qualidade. E, caso esses poderes, injustificadamente,
permanecerem inertes, dever o Judicirio impor-lhes sanes.
4.2 Discricionariedade
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H quem entenda que a interferncia do Poder Judicirio nas polticas pblicas
configura ingerncia deste no Poder Executivo e, assim, interferncia no juzo de
oportunidade e convenincia conferido ao administrador pblico. Como o mrito
administrativo inviolvel, o controle judicial das polticas pblicas seria ilegtimo. Assim, o
Poder Executivo seria supremo em relao aos objetivos sociais e aos meios escolhidos
para atingi-los.
Essa viso permite que atitudes irresponsveis e desmotivadas por parte do titular do
Poder Executivo violem os direitos fundamentais, o princpio de separao dos poderes e, at
mesmo, a democracia.
No h discricionariedade no descumprimento da Constituio. H, sim, uma
arbitrariedade que deve ser retirada do mundo jurdico.
A implementao de polticas pblicas no se submete ao juzo de oportunidade e
convenincia do administrador, mas constitui um dever imposto a esse que, se no for
cumprido espontaneamente, dever s-lo coercitivamente, por determinao do Poder
Judicirio.
Nesse sentido, Jean Carlos Dias afirma que:
Atos de governo no podem estar fora do controle jurisdicional, quandoseu contedo ou forma vierem a promover violao democracia, profissionalizao dos agentes e aos direitos fundamentais, que so os objetivosessenciais do sistema de separao dos poderes.
[...] a incompatibilidade da tese da discricionariedade administrativa coma prpria teoria da separao dos poderes demonstra claramente que essa versono encontra mais fundamento.
[...] o limite do controle judicial exatamente o necessrio proteo aosdireitos fundamentais, tal como concebido numa democracia constitucional dualista(DIAS, 2007, p.103/104).
E conclui o autor (2007) que a adoo de polticas injustas jamais poder ser
considerada como matria de discricionariedade, mas sim como disputas jurdicas que
dependem da soluo dos tribunais.
Seguindo a mesma linha, Eduardo Appio acredita que, tratando-se de direitos
subjetivos pblicos e interesses objetivamente protegidos:
no existe margem de discrio por parte do Estado na sua implementao, uma vezque o prprio constituinte limitou, de forma drstica, a escolha dos meios atravsdos quais as polticas pblicas sero implementadas, definindo o contedo e a
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forma como os programas sero executados, a fonte de seu financiamento, bemcomo, o momento de sua implementao (APPIO, 2007, p.100)
No mesmo sentido, Valmir Pontes Filho defende que:
quaisquer que sejam os programas e projetos governamentais, ou eles se ajustamaos princpios e diretrizes constitucionais ou, inexoravelmente, havero de ser tidoscomo invlidos, juridicamente insubsistentes e, portanto, sujeitos ao mesmo controlejurisdicional de constitucionalidade a que se submetem as leis. Como igualmenteponderado observar que a abstinncia do governo em tornar concretos, reais, osfins e objetivos inseridos em tais princpios e diretrizes constituir, inelutavelmente,uma forma clara de ofensa Constituio e, consequentemente, de violao dedireitos subjetivos dos cidados (PONTES FILHO,2003, p.244).
Andras J. Krell critica a resistncia existente no Brasil em relao ao controle judicial
do mrito dos atos administrativos e considera que h um verdadeiro excesso na liberdade de
atuao conferida aos agentes pblicos. Por outro lado, o autor entende que:
em princpio, o Poder Judicirio no deve intervir em esfera reservada a outroPoder para substitu-lo em juzos de convenincia e oportunidade, querendocontrolar as opes legislativas de organizao e prestao, a no ser,excepcionalmente, quando haja uma violao evidente e arbitrria, pelo legislador,da incumbncia constitucional. (KRELL, 2000, p.29).
Portanto, segundo ele, o Poder Judicirio teria funo subsidiria na implementao
das polticas pblicas.
Seguindo o mesmo entendimento, Gustavo Amaral nos ensina que pelo fato de a
implementao de polticas pblicas envolver vrios critrios e procedimentos a serem
escolhidos e combinados, essa caracterstica d deciso teor nitidamente discricionrio e
poltico, devendo ser sindicvel enquanto deciso poltica. O controle poltico se d pelo voto
popular e pela atuao da sociedade civil organizada (AMARAL, 2001, p.206). Ressalta,
ainda, que a escolha ganha carter nitidamente poltico e, enquanto tal, deve passar pelo
crivo poltico, com o Judicirio guardando-se para o controle no do contedo, mas daforma e de eventuais excessos (AMARAL, 2001, p.217).
Amrico Bed Freire Jnior, por sua vez, pondera que, nos casos de omisso total do
Estado na implementao dos direitos fundamentais, o Judicirio deve permitir que o
Executivo ou o Legislativo realizem a escolha de qual poltica ser realizada, dentre as vrias
opes existentes a priori.
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J nos casos de omisso parcial, em que o Estado atua de forma incompleta ou
insuficiente, o autor recorre ao princpio igualdade, que, para ele, um dos pontos centrais do
constitucionalismo e reflete nas polticas pblicas ao permitir que todos os indivduos
concorram estas, em igualdade de condies. Desse modo, Freire Jnior afirma que no
pode o Estado escolher quem sero os destinatrios de polticas pblicas, uma vez que elas
devem ter uma abrangncia global (FREIRE JNIOR, 2005, p.83).
Assim, leciona que em casos de omisso parcial, o direito fundamental do indivduo
tem outro fundamento, alm do fundamento originrio, que , exatamente, o direito
igualdade de prestaes.
Segundo o autor, da mesma forma que a omisso total, a omisso parcial do Estado
tambm deve ser corrigida pelo Poder Judicirio, que dever impor ao Poder Executivo tanto
solues paliativas, como a matrcula do indivduo em uma escola particular, s custas do
Estado, frente ausncia de vagas nas escolas pblicas, quanto solues amplas, como a
construo de escolas.
4.3 Legitimidade
Outro argumento utilizado contrariamente ao controle judicial das polticas pblicas
consiste na afirmao de que somente os poderes eleitos pelo povo tm legitimidade para
realizar as escolhas sociais. Nessa concepo, as polticas pblicas constituem um tema que s
pode ser debatido em sede parlamentar, por meio dos representantes eleitos pelo povo. Isso
porque h uma relao de identidade entre representados e representantes que inexiste em
relao aos membros do Judicirio. Assim, os poderes Legislativo e Executivo seriam imunes
s invases do Poder Judicirio. Caso contrrio, estar-se-ia comprometendo o princpio
democrtico.
No entanto, Jean Carlos Dias (2007) acredita que tal argumento no pode mais
prevalecer nas sociedades modernas, onde, h muito tempo, ocorreu o rompimento dessa
relao de identidade.
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Em sua viso, a atuao do Judicirio no somente no compromete uma concepo
forte e substancial de democracia, como tambm permite que esta seja, sem dvida alguma,
levada ao seu estado mais elevado (DIAS, 2007, p.98). Ele defende, ainda, que a
legitimidade democrtica se convalida independentemente do sistema eleitoral (DIAS, 2007,
p.134).
Segundo o autor (2007), exatamente a independncia do sistema eleitoral que
permite ao Judicirio uma atuao muito mais compromissada com os direitos fundamentais.
Para ele, o sistema de separao dos poderes alcana seu pice quando representantes eleitos e
no-eleitos se relacionam a fim de projetar os direitos fundamentais no mbito da sociedade.
Dias ressalta, ainda:
Naturalmente, isso no significa que caiba aos tribunais eleger os meios de aopoltica e os objetivos que se pretendem alcanar, mas, sobretudo, permitir que, nasdisputas a respeito, a base para a anlise de um conflito desloque-se do campopuramente poltico fundado na preocupao eleitoral e passe para o campojurdico, tendo em vista a observncia dos direitos e deveres consagrados no mbitolegal e constitucional. Essa possibilidade claramente desejvel quando umapoltica acaba por conflitar-se com um direito fundamental (DIAS, 2007,p.158/159).
No mesmo sentido, Lnio Streck defende que:
ao argumento de que a concretizao de direitos via judicirio (jurisdioconstitucional) enfraquece a cidadania e coloca em risco a prpria democracia(sic), cabe lembrar que no h qualquer registro de que a democracia brasileiratenha sido colocada em xeque em face de decises judicirias concessivas dedireitos, consideradas como jurisprudncia de valores, ativismo judicial etc.
Ao contrrio, h um conjunto de avanos sociais, fruto de presses de movimentossociais, que tem recebido o selo jurdico, a partir da jurisprudncia dos tribunais e,em determinadas situaes, convalidadas por legislaes emanadas do PoderLegislativo (STRECK, 2006, p.114).
Igualmente, Aury Lopes Jnior, citado por Amrico Bed Freire Jnior (2005, p.58),
afirma que:
A legitimidade democrtica do juiz deriva do carter democrtico da Constituio,e no da vontade da maioria. O juiz tem uma nova posio dentro do Estado deDireito e a legitimidade de sua atuao no poltica, mas constitucional, e seufundamento unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. umalegitimidade democrtica, fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseadana democracia substancial.
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5 O PRINCPIO DA RESERVA DO POSSVEL
5.1 Conceito (aspecto ftico)
O princpio da reserva do possvel tem sua origem na jurisprudncia constitucional
alem. Tal princpio considera que o nvel de realizao dos direitos sociais depende, sempre,
do volume de recursos mobilizados para essa finalidade.
Em outras palavras, quando se trata de direitos fundamentais prestacionais, no sepode ignorar a existncia de um limite ftico sua efetivao: a disponibilidade material de
recursos financeiros. E a explicao para isso simples: enquanto as necessidades pblicas
so infinitas, os recursos pblicos so finitos.
Quando se trata de uma demanda relativa ao direito sade e vida, por exemplo,
pode parecer repugnante qualquer considerao da rbita financeira. No entanto, isso
essencial nos dias de hoje, devido ao aumento das demandas e de seus custos. Alm da
limitao dos recursos pblicos, h a insuficincia de leitos, equipamentos, profissionais
qualificados, rgos, etc., que obrigam tambm a utilizao cruel, porm necessria, de
critrios de seleo dos pacientes.
Gustavo Amaral explica que:
Nada que custe dinheiro pode ser absoluto. Nenhum direito cuja efetividadepressupe um gasto seletivo dos valores arrecadados dos contribuintes pode, enfim,ser protegido de maneira unilateral pelo Judicirio sem consideraes sconseqncias oramentrias, pelas quais, em ltima instncia, os outros poderesso responsveis. [...] Direitos so relativos, no pretenses absolutas (AMARAL,2001, p.78).
A escassez de recursos, portanto, uma realidade que deve ser considerada pelo Poder
Judicirio ao se deparar com demandas cujo objeto a falta ou insuficincia de servios
pblicos. De nada adianta uma imposio constitucional e uma determinao judicial quando
efetivamente no existem recursos para concretiz-las.
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Vale ressaltar, no entanto, que a falta de recursos no constitui, de pronto, razo
suficiente para que o juiz deixe de compelir o Poder Pblico a implementar ou melhorar as
condies de determinada poltica pblica. preciso analisar, no caso concreto, os motivos
que levaram a tal escassez.
Ao tratar do tema, Amrico Bed Freire Jnior indaga se possvel falar em falta de
recursos para a sade quando existem, no mesmo oramento, recursos com propaganda do
governo (FREIRE JNIOR, 2005, p.74). O autor acredita que antes de os finitos recursos
do Estado se esgotarem para os direitos fundamentais, precisam estar esgotados em reas
no prioritrias do ponto de vista constitucional e no do detentor do poder (FREIRE
JNIOR, 2007, p.74).
lvaro Ricardo de Souza Cruz se mostra contrrio aos argumentos ligados reserva
do possvel ou ao equilbrio oramentrio quando esses traduzem apenas argumentos de
poltica e desconsideram na sua argumentao os direitos fundamentais, o cdigo binrio
do direito e os argumentos de princpio (CRUZ, 2007, p.378).
Amrico Bed Freire Jnior divide a reserva do possvel em dois aspectos, o ftico e o
jurdico. No aspecto ftico, a reserva do possvel identifica que h um limite de possibilidades
materiais para certos direitos. No aspecto jurdico, existe a necessidade de prvia dotao
oramentria como obstculo ao cumprimento de uma deciso judicial a respeito de polticas
pblicas.
5.2 Previso oramentria (aspecto jurdico)
O Ttulo IV da Constituio Federal destinado Tributao e ao Oramento Pblico.
A Seo II do Captulo II do referido ttulo estabelece as regras a que se submete a
Administrao Pblica com relao a qualquer despesa que por ela venha a ser realizada.
Todo gasto de recursos pblicos dever estar previamente previsto no Plano
Plurianual, na Lei de Diretrizes Oramentrias e na Lei Oramentria Anual, que valero para
o exerccio financeiro subseqente e tero que ser aprovados pelas duas Casas do Congresso
Nacional.
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A necessidade de prvia previso oramentria muitas vezes tida como barreira
implementao das polticas pblicas, bem como ao cumprimento de decises judiciais que
determinam a sua realizao.
Clmerson Merlin Clve faz parte da corrente que, em sntese, defende que o que estna lei para ser cumprido. Ao tratar do problema oramentrio, Clve leciona que:
Tratar-se-ia de compelir o Poder Judicirio a cumprir a lei oramentria quecontenha as dotaes necessrias (evitando, assim, os remanejamentos de recursospara outras finalidades), assim como de obrigar o Estado a prever na leioramentria os recursos necessrios para, de forma progressiva, realizar osdireitos sociais. E aqui preciso desmistificar a idia de que o oramento meramente autorizativo. Se o oramento programa, sendo programa no pode serautorizativo. O oramento lei que precisa ser cumprida pelo Poder Executivo .(CLVE, 2005, p. 06, grifo nosso).
Gustavo Amaral, entretanto, entende que a eficcia dos direitos fundamentais depende
naturalmente de recursos pblicos disponveis, e a viso de que o Executivo deve, em
qualquer circunstncia, cumprir o que a Constituio lhe impe no capaz de afastar a
escassez dos recursos, e, consequentemente, no se apresenta como uma soluo eficiente ao
problema da implementao das polticas pblicas. Nos dizeres do autor:
Dentro desse cenrio nos parece inaceitvel a profisso de f nasuficincia de recursos para atender a todos, que parece ser professada por vrios
tribunais.Tambm no nos parecem razoveis mximas como se est na lei para ser
cumprido, pois a lei no importa seu nvel hierrquico ou a devoo que lhesemprestem os governantes, no consegue remover a escassez e, existindo ela,algum deixar de ser atendido, algum sofrer dano ou mesmo morrer(AMARAL, 2001, p.184).
Por outro lado, Andras J. Krell defende que um oramento pblico, quando no
atende aos preceitos da Constituio, pode e deve ser corrigido mediante alterao do
oramento consecutivo, logicamente com a devida cautela. (KRELL, 2000, p.57).
No mesmo sentido, Amrico Bed Freire Jnior afirma que, a fim de se evitar o
conflito com a falta de previso oramentria, e dependendo da urgncia do caso concreto,
nada impede que haja, pelo magistrado, a determinao de incluso no oramento para o
ano seguinte de verba especfica para colmatar a lacuna existente (FREIRE JNIOR, 2005,
p.76).
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J em casos urgentes, em que necessrio o cumprimento imediato da deciso, o autor
esclarece que haver uma coliso entre a regra oramentria e o princpio ou regra que
fundamenta a implementao da poltica pblica. Nesse caso, Freire Jnior explica que
haver a prevalncia da deciso, pois a ponderao necessria para o encontro do ncleo
essencial de direitos regra da prvia dotao oramentria no absoluta (FREIRE
JNIOR, 2005, p.76).
O doutrinador ainda vai alm, e sustenta que:
Quando h vontade poltica do Executivo e Legislativo, cotidianamente, v-se aabertura de crditos extraordinrios ou suplementares, do que se conclui que areserva do possvel jurdico somente bice para aquele que no quer se submeter deciso judicial (Constituio) (FREIRE JNIOR, 2005, p.76, grifo nosso).
Com isso, o autor (2007) quer dizer que quando houver um conflito entre a norma do
oramento pblico e a materializao dos direitos fundamentais, em regra, os ltimos devero
prevalecer. Segundo ele, empecilhos formais no podem impedir a concretizao da
Constituio, visto que a prvia dotao oramentria no constitui um fim em si mesmo,
devendo ser interpretada visando mxima efetividade dos direitos fundamentais.
5.3 Conflito entre direitos fundamentais
Tomada individualmente, no h demanda que ultrapasse os recursos disponveis ou
que exceda o oramento pblico. No entanto, preciso ter uma viso ampla, de que a
alocao de recursos para atender uma determinada demanda, retira a possibilidade de esses
mesmos recursos serem empregados em outra, igualmente urgente e necessria.
Rosalia Carolina Kappel Rocha faz essa importante ressalva:
Destarte, na defesa de direito social h que se levar em conta as polticas pblicas,a escassez de recursos e, inclusive, o princpio da isonomia, a fim de no privilegiardeterminado indivduo, prejudicando, ainda que indiretamente,outras pessoas queigualmente dependem dos recursos pblicos para satisfao de seus direitos,igualmente relevantes (ROCHA, 2006,p.23/24).
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Seguindo o mesmo entendimento, Gustavo Amaral nos ensina que a justia do caso
concreto deve ser sempre aquela que possa ser assegurada a todos que esto ou possam vir a
estar em situao similar, sob pena de quebrar-se a isonomia (AMARAL, 2001, p.39).
O juiz deve, assim, se mostrar responsvel, atentando-se para as conseqncias que odeferimento ou indeferimento de uma prestao social ter frente a outras demandas e
prestaes de igual importncia.
Nesse sentido, Amaral acrescenta que por depender de recursos escassos, os direitos
demandam ou implicam em escolhas disjuntivas de natureza financeira (AMARAL, 2001,
p.80). Segundo ele:
O atendimento a um pleito demanda o emprego de recursos finitos. A limitao
desses recursos pode torn-los escassos e, ento, ser necessria a adoo deescolhas trgicas, onde se opta por quem atender e disso resulta o consumo derecursos que poderiam atender a outro ou a outros (AMARAL, 2001, p.84).
No mesmo sentido, lvaro Ricardo de Souza Cruz afirma que o operador do Direito
h que considerar, no momento da concretizao das pretenses jurdicas, a natureza de
cada bem que integra essa mesma pretenso. (CRUZ, 2007, p.366).
Ao citar outra obra sua, Cruz (2007, p.372/373) explica:
Diante da carncia de recursos oramentrios, por exemplo, legtimo o debate
parlamentar sobre despesas prioritrias dentre os objetivos constitucionais emfavor dos distintos direitos fundamentais. Logo, um Governo pode priorizarlegitimamente a alocao de recursos em uma lei oramentria para a sade emdetrimento da educao ou vice-versa.
Como observa Cruz, o juiz no pode pretender substituir o legislador ou, por outro
lado, tambm no deve se mostrar subserviente ao administrador e s polticas
governamentais. Dentro da escassez de recursos devemos estabelecer critrios legtimos
para a concesso ou no dos pleitos formulados (CRUZ, 2007, p.374).
Nesse ponto, Cruz exemplifica:
Saber que a concesso de um tratamento de Aids pode, de outro lado, condenar umacriana a padecer de poliomielite por ausncia de vacinao ou por falta derecursos na farmcia bsica, contribui para o amadurecimento de nossosoperadores do Direito. preciso que o magistrado saiba que garantir a entregagratuita de um Interferon Peguilado para um paciente pode importar naparalisao de obras para saneamento bsico. Ou seja, que o cobertor curto...(CRUZ, 2007, p.385).
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Verifica-se, portanto, que conflitos desta espcie no so solucionados atravs dos
critrios temporal, hierrquico e da especialidade das normas. Tambm no se resolvem
atravs da ponderao entre princpios.
Gustavo Amaral explica que nos conflitos de pretenses positivas, [...] o conflito
quase que no jurdico. No se nega o direito de todos, apenas no se tem como
atender (AMARAL, 2001, p.126). O autor ressalta que a deciso de proteger um dado
interesse muitas vezes gera novas formas de ameaa, tornando as decises alocativas ainda
mais complexas (AMARAL, 2001, p.150).
Assim, as demandas por prestaes estatais positivas envolvem decises alocativas
que comportam vrios momentos e procedimentos de escolha, inexistindo um critrio nico
que permita resolver todos os casos concretos. Tais demandas envolvem conflitos pelo
emprego de recursos escassos, e, quando os demais critrios se mostrem insuficientes para
solucion-las, necessitaro da utilizao de um critrio especfico.
Gustavo Amaral define o referido critrio, consistente na ponderao entre o grau de
essencialidade da pretenso e o grau de excepcionalidade da situao concreta. A
essencialidade da pretenso analisada em funo do mnimo existencial e da dignidade da
pessoa humana. A excepcionalidade da situao ocorre em virtude da existncia de
circunstncias concretas que impedem o atendimento de todos que demandam prestaes
igualmente essenciais, exigindo escolhas trgicas.
Dessa forma, caber ao Judicirio controlar as escolhas feitas pelos Poderes
Legislativo e Executivo, utilizando-se, para tanto do critrio exposto. Se a essencialidade da
pretenso mostrar-se maior que a excepcionalidade da situao concreta, a prestao estatal
dever ser entregue. Caso contrrio, a no entrega da prestao ser legtima, assim como a
escolha estatal de alocao dos recursos.
Amaral explica, ainda, que a deciso judicial dever ser sempre circunstancial, a fim
de respeitar a pluralidade das opes alocativas existentes, a heterogeneidade da sociedade, o
que implica uma diversidade de valores, interesses e necessidades a serem atendidas, e a
deficincia na coleta de informaes, inerente ao processo judicial.
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5.4 Aplicao do princpio pelos Poderes Executivo e Judicirio
O juiz tem o papel de buscar sempre a plena efetivao dos direitos sociais. Entretanto,
a escassez de recursos uma realidade que no pode ser ignorada pelo Poder Judicirio.
Por outro lado, para que a Administrao Pblica deixe de cumprir com uma prestao
positiva, que possibilitaria a plena eficcia de um direito social, ter que demonstrar, com
motivos de fato e de direito, sua impossibilidade. As prestaes positivas so exigveis pelo
cidado, havendo dever do Estado ou de entregar a prestao, atravs de um dar ou fazer, ou
de justificar porque no o faz (AMARAL, 2001, p.214).
Alegaes genricas de falta de recursos no se prestam a isentar o Poder Pblico de
cumprir aquilo que lhe foi atribudo pela Lei Maior.
Tambm no se mostra suficiente o argumento de que os direitos sociais tm sua
concretizao limitada pela reserva do possvel. Tal princpio no pode vigorar como
clusula supralegal de descumprimento da Constituio, como denomina Freire Jnior.
Ele s deve ser aplicado excepcionalmente, e depois de comprovada a referida
impossibilidade.
Ainda que no existam recursos para implementar integralmente uma poltica pblica,tal fato no permite que o administrador deixe de, pelo menos, inici-la. Ele dever faz-lo e,
paulatinamente, dever encontrar formas de realocar recursos e alocar os novos que iro
surgindo.
No estamos, aqui, vinculando a obrigao do administrador ao mnimo. Seu papel
procurar dar efetividade mxima s normas constitucionais. Cobra-se o mnimo somente em
casos de impossibilidade financeira comprovada e justificada.
Nesse sentido, Amrico Bed Freire Jnior ensina que:
Como todo paradigma, o mnimo existencial vem sendo reconhecido sem maiorescontestaes como parmetro a definir a necessidade de atuao do legislador,todavia prefere-se acreditar que no ser a soluo para os diversos problemas deefetividade vincularmos aprioristicamente a responsabilidade do legislador aomnimo, mas devem-se cobrar e procurar efetivar ao mximo as normasconstitucionais (FREIRE JNIOR, 2005, p.75).
Recorremos, ento, sua concluso:
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Enfim, a reserva do possvel um argumento que deve ser analisado e sopesado nahora da deciso judicial. No para impedir a fixao da responsabilidade estatal,mas para que seja construda uma forma de viabilizao de uma Constituiocompromissada com a dignidade da pessoa humana e com os direitos fundamentais(FREIRE JNIOR, 2005, p.79).
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pela CF/88, bem como com a tutela conferida por essa aos direitos fundamentais. O princpio
da separao dos poderes mostra-se no como um fim em si mesmo, mas como um meio de
relacionamento e aperfeioamento das funes estatais, visando proteo dos direitos
fundamentais, a qual constitui obrigao no s dos poderes Legislativo e Executivo, mas
tambm do Judicirio. H, assim, uma vinculao entre os poderes orgnicos do Estado, que
impe a interveno, excepcional, do Poder Judicirio nos demais poderes, quando esses se
mostrarem inertes e, assim, violarem os direitos fundamentais. Defende-se, assim, no a
supremacia de uma funo estatal sobre as outras, mas a supremacia da Constituio.
Certifica-se, dessa forma, que no h discricionariedade no descumprimento da
Constituio. O controle judicial das polticas pblicas no configura interferncia no juzo de
oportunidade e convenincia do Administrador Pblico, uma vez que a implementao de
polticas pblicas no se submete ao mrito administrativo. No se pode negociar direitosfundamentais e, assim, a realizao de polticas pblicas constitui, na verdade, um dever da
Administrao que deve ser cumprido nos termos impostos pela Carta Magna.
Tambm no falta legitimidade ao Poder Judicirio para exercer o referido controle
pelo fato de seus membros no serem eleitos pelo povo e assim, no haver uma relao de
identidade entre esses e aqueles. Isso porque, nas sociedades modernas, h muito tempo, j
houve o rompimento dessa relao. O controle judicial das polticas pblicas, alm de no
comprometer o princpio democrtico, permite que a democracia alcance seu grau mais
elevado, vez que no h democracia sem justia social. Atravs de uma atuao independente
e compromissada com os direitos fundamentais, o Poder Judicirio vem, visivelmente,
promovendo uma srie de avanos sociais.
No que se refere escassez de recursos pblicos, a serem mobilizados para a
concretizao dos direitos fundamentais, verificamos a existncia de um princpio de origem
germnica, denominado princpio da reserva do possvel. Tal princpio estabelece que a
insuficincia de recursos pblicos uma realidade que deve ser considerada pelo Poder
Judicirio ao se deparar com demandas cujo objeto a falta ou insuficincia dos serviospblicos. No entanto, o princpio em questo deve ser aplicado com cautela. A necessidade de
prvia previso oramentria no pode ser tida como uma barreira intransponvel
implementao das polticas pblicas, bem como a escolha estatal de alocao de recursos s
deve ser aceita quando antes de os recursos se esgotarem para os direitos fundamentais, j
devem estar esgotados em reas no prioritrias, nos termos da Constituio Federal.
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Alm disso, reconhecemos que o tema se torna ainda mais complexo quando se
verifica que a alocao de recursos para atender uma determinada demanda, inevitavelmente,
ir retirar a possibilidade de esses mesmos recursos serem empregados em outra, igualmente
urgente e necessria. O choque entre direitos fundamentais pode ser solucionado atravs do
critrio definido por Gustavo Amaral, que pondera entre o grau de essencialidade da
pretenso e o grau de excepcionalidade da situao concreta, a fim de verificar a legitimidade
ou no da escolha estatal, e, assim, afastar ou tornar necessria a interveno do Judicirio.
Portanto, o Poder Judicirio deve mostrar-se comprometido com a realidade poltico-
social brasileira, aplicando em suas decises princpios e regras que visam compatibilizar as
necessidades e direitos sociais s possibilidades oramentrias da Administrao Pblica,
quando essa comprovar, por fatos e fundamentos jurdicos, a impossibilidade de se conferir a
eficcia plena de tais direitos fundamentais.
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