contratos de transporte terrestre

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Contratos de Transporte Terrestre

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  • CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe:FORMAO e CONClUSO(*)

    Pelo Dr. Carlos lacerda Barata(**)

    SumRio:

    I.Aspectosgeraiseintrodutrios: 1. Os contratos de transporte: con-ceito e classificaes; delimitao. 2. O transporte e as regras geraissobre formao do contrato. 3. Segue; clusulas contratuais gerais econtrato de transporte terrestre. 4. Transporte e relao contratual defacto. 5. Contrato de transporte terrestre e proteco do consumidor.6. Referncia s principais fontes especficas. II.Formaoecon-clusodocontratodetransporterodovirio: 7.O transporte de pas-sageiros. 8.Formao do contrato de transporte rodovirio de merca-dorias. 8.1. A Conveno de Genebra de 1956 (CMR) e o Protocolo deemenda. 8.2. O regime do Decreto-lei n. 239/2003. 8.3. A guia detransporte: forma, contedo e funes. III.Formaoeconclusodocontratodetransporteferrovirio: 9. Formao do contrato detransporte ferrovirio de passageiros. 9.1. A COTIF de 1980 e o Proto-colo de 1999: as regras uniformes CIV. 9.2. O regime do Decreto-lein. 58/2008. 9.3. O papel do ttulo de transporte. 10. Formao do con-trato de transporte ferrovirio de mercadorias. 10.1. A COTIF e as

    (*) Texto base (com ligeiras alteraes) da interveno do autor, em 11-Jan.-2013,no Curso de Ps-Graduao em Direito dos Transportes, realizado na Faculdade deDireito da Universidade de lisboa, sob coordenao do Prof. Doutor DRIO MOURAVICeNTe e do Prof. Doutor M. JANURIO DA COSTA GOMeS. O presente escrito integrar ovolume III dos Temas de Direito dos Transportes, do Centro de Direito Martimo e dosTransportes da Faculdade de Direito da Universidade de lisboa (coord. M. JANURIO DACOSTA GOMeS).

    (**) Assistente convidado da Faculdade de Direito de lisboa. Mestre em Direito.Advogado.

  • regras CIM. 10.2. A declarao de expedio/guia de transporte.10.3. O Decreto-lei n. 39.780, de 21 de Agosto de1954: o RePCF.IV. Caracterizaodotransporteterrestre(quantoformao);sntese: 11. O transporte rodovirio como contrato (duplamente) con-sensual. 12. O transporte ferrovirio e as classificaes do contratoquanto constituio.

    I. Aspectosgeraiseintrodutrios

    1. Oscontratosdetransporte:conceitoeclassificaes;delimitao

    I. O contrato de transporte a conveno pela qual uma daspartes (o transportador) se obriga, perante a outra (o expedidor//passageiro/interessado), tendencialmente, mediante retribuio, adeslocar pessoas ou coisas(1), de um local para outro(2).

    (1) Cf., na doutrina portuguesa, MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dosTransportes, separata da ROA 68/I, 2008, 156 (= introduo ao Direito dos Transportes,separata das i Jornadas de Lisboa de Direito martimo, Almedina, 2008, 23-24) e DireitoComercial, 3. ed., Almedina, 2012, 805-806, PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I,Almedina, 2011, 228, COSTeIRA DA ROChA, O contrato de transporte de mercadorias. Con-tributo para o estudo da posio jurdico do destinatrio no contrato de transporte demercadorias, Almedina, 2000, 25-26, eNGRCIA ANTUNeS, O contrato de transporte,O Direito 141./III, 2009, 539, Direito dos contratos comerciais, Almedina, 2009, 725,FeRReIRA De AlMeIDA, Contratos II, 3. ed., Almedina, 2012, 165, JANURIO DA COSTAGOMeS, O direito de variao ou de controlo no transporte de mercadorias, in Temas deDireito dos Transportes, II, Almedina, 2013, 34 (quanto ao transporte de mercadorias),CASTellO-BRANCO BASTOS, Direito dos transportes, Cadernos IDeT/2,Almedina, 2004,47-48, RAFAel PAIVA, Sobre a proteo da pessoa humana no transporte ferrovirio:linhas e linhas, in Temas de Direito dos Transportes, II, coord. M. JANURIO DA COSTAGOMeS, Almedina, 2013, 310, RAMOS AlVeS, Em tema de direitos dos passageiros no con-trato de transporte areo, in Estudos de Direito Areo, coord. DRIO MOURA VICeNTe,Coimbra edit., 2012, 297-298, SUzANA TAVAReS DA SIVA, Notas sobre a regulao dostransportes: um apontamento crtico ao plano estratgico de transportes, in Novos Cami-nhos para o Direito dos Transportes, Cadernos IDeT/6, Almedina, 2013, 11.

    (2) em rigor, o local de chegada/entrega pode coincidir com o lugar de partida//expedio. Vide RODIRe, in Le contrat de transport de marchandises terrestre et arien Harmonisation du Droit des Affaires dans les Pays du march Commun, edit. Pedone,1977, 53.

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  • O transporte gira, pois, em torno da ideia de movimentao depessoas e de bens(3), surgindo a obrigao de deslocar ou de trans-ferir(4) de um lugar para outro(5), que impende sobre o transporta-dor, como verdadeiro elemento caracterizador do contrato(6).Naturalmente que a obrigao que recai sobre o transportador noenvolve, simplesmente, a mera movimentao, em quaisquer cir-cunstncias, das pessoas ou dos bens de um lugar para outro: otransportador fica obrigado a fazer deslocar os passageiros ou ascoisas em termos que aqueles ou estas cheguem inclumes, nte-gros, ao local estipulado(7).

    (3) MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes, ROA 68/I, 2008,cit., 139 e Direito Comercial, 3. ed., cit., 787.

    (4) ANTONIO FlAMINI, il trasporto, in FlAMINI/COzzI/leNzI, Trasporto, spedizione,deposito, noleggio, in Trattato di Diritto Civile, dir. P. PeRlINGIeRI, IV/25, eSI, 2008, 8-9.

    (5) Cf. AlFReDO ANTONINI, Corso di Diritto dei Trasporti, Giuffr, 2004, 93, JANIeeCkeRT, in RODIRe, Le contrat de transport de marchandises terrestre et arien Har-monisation du Droit des Affaires dans les Pays du march commun, cit., 126.

    (6) Neste sentido, entre outros, COSTeIRA DA ROChA, O contrato de transporte demercadorias, cit., 26 ss. (ncleo definidor do instituto (26), obrigao nuclear e caracte-rizadora do contrato de transporte (32)), RAMOS AlVeS, Em tema de direitos dos passagei-ros no contrato de transporte areo, cit., 299 (elemento principal da prestao do trans-portador), BARThlMY MeRCADAl, Droit des transports terrestres et ariens, Dalloz,1996, 80 (le dplacement est par dfinition mme, de lessence du contrat de transport.Il constitue llment distinctif essentiel de ce contrat.), MIChel AlTeR, Droit des trans-ports, Dalloz, 1984, 42, SIlVIO BUSTI, Contratto di trasporto terrestre, in Trattato di DirittoCivile e Commerciale, CICU/MeSSINeO/MeNGONI, SChleSINGeR, XXVI/1, Giuffr, 2007,29. Associando a transferncia de pessoas ou coisas, de um lugar para outro, causa docontrato de transporte, cf. ainda AlFReDO ANTONINI, Corso di Diritto dei Trasporti, cit., 94.

    (7) Vide COSTeIRA DA ROChA, O contrato de transporte de mercadorias, cit., 33,eNGRCIA ANTUNeS, Direito dos contratos comerciais, cit., 726 e MeNezeS CORDeIRO,introduo ao Direito dos Transportes, ROA, cit., 157, e Direito Comercial, 3. ed.,cit., 806, CAGNASSO / COTTINO, Contratti commerciali, in Trattato di Diritto Commerciale,dir. G. COTTINO, vol. IX, CeDAM, 2000, 229, ANTONIO FlAMINI, il trasporto, cit., 10 ss.,ANGelO lUMINOSO, in manuale di Diritto Commerciale, a cura di V. BUONOCORe, 6. ed.,Giappichelli, 2005, 974 e zUNARellI/ORR, in Le Obbligazioni III, Fatti e atti fonti diobbligazione, a cura di MASSIMO FRANzONI, vol 1, UTeT, 2005, 721, sublinhando (quantoao transporte de pessoas, em geral) a existncia de uma particular obrigao de protec-o. em termos concordantes, vide CleODON FONSeCA, Aspectos jurdicos do Contrato deTransporte, Recife, 1947, 23, referindo-se a uma clusula tcita de incolumidade, quegera a obrigao de conduzir o passageiro so e salvo, a seu destino; tambm BARROSMONTeIRO/DABUS MAlUF / TAVAReS DA SIlVA, Curso de Direito Civil, 5 Direito dasObrigaes, 2. Parte, 40. ed., edit. Saraiva, 2013, 379, afirmam que em todo o contratode transporte est implcita a clusula de incolumidade. Na jurisprudncia nacional,

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 621

  • No contrato de transporte, o dever de deslocar constitui aobrigao principal e nuclear (a cargo do transportador), corres-pondendo ao cerne do objecto negocial, permitindo, assim, distin-guir este tipo contratual de outros(8).

    II. O contrato de transporte pode revestir natureza comer-cial ou civil.

    Nos termos do art. 366. do Cdigo Comercial, ele ser quali-ficado como mercantil () quando os condutores tiverem consti-tudo empresa ou companhia regular permanente. Assim, objec-tivamente comercial o transporte realizado por via empresarial(9) eprofissionalmente: o transporte comercial pressupe, pois, umaempresa transportadora, estando esta (e a respectiva actividade),expressamente, prevista no art. 230./7 do Cdigo Comercial(10).

    O contrato de transporte comercial um negcio oneroso: otransportador tem direito a uma contrapartida pecuniria, queassume diversas designaes (tarifa, preo, frete, etc.).

    Tambm o transporte civil(11) o transporte, em regra, oca-sional, no inserido no exerccio profissional do transportador e darespectiva empresa, para o efeito constituda constituir, tenden-cialmente, um negcio oneroso; porm ao abrigo da liberdadecontratual: 405./1 do Cdigo Civil nada impede a celebrao decontratos de transporte gratuitos (cf. 1154. do Cdigo Civil)(12).

    cf. Rlx 21-Mai.-2013 (GRAA AMARAl), in , onde se sublinha que nocontrato de transporte a obrigao essencial do transportador no se esgota num resultado(deslocao de pessoas e/ou coisas, de um lugar para outro), sendo, tambm, uma obriga-o de garantia, no sentido em que impende sobre o transportador o dever de zelar pelasegurana do passageiro e/ou do objecto transportado, de forma a evitar que qualquer danolhes possa advir.

    (8) Cf. eNGRCIA ANTUNeS, Direito dos contratos comerciais, cit., 749, DUTIl-leUl/DeleBeCQUe, Contrats civils et commerciaux, 6. ed., Dalloz, 2002, 672, CAG-NASSO/COTTINO, Contratti commerciali, cit., 237.

    (9) No domnio comercial, o transportador , tipicamente, um empresrio.Cf. ANTeO GeNOVeSe, La nozione giuridica dellimprenditore, CeDAM, 1990, 163.

    (10) Cf. PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I, cit., 229.(11) PIReS De lIMA/ANTUNeS VARelA, Cdigo Civil Anotado, II, 4. ed., Coimbra

    edit., 1997, 784, consideram que fora do campo comercial, o contrato de transporte no temrelevo; uma afirmao que consideramos excessiva e que, por isso, no acompanhamos.

    (12) Neste sentido, DUTIlleUl/DeleBeCQUe, Contrats civils et commerciaux, cit.,

    622 CARlOS lACeRDA BARATA

  • em termos gerais, a obrigao de retribuio no ser, pois,um elemento essencial do contrato de transporte, no sendo deexcluir a vlida celebrao de transportes gratuitos(13).

    III. O transporte que o nosso Cdigo Civil refere e reco-nhece(14), mas no autonomiza e ao qual no d um tratamento sis-temtico(15) um contrato de prestao de servios(16): uma das

    671 e G. GIACOBBe/D. GIACOBBe, il lavoro autonomo. Contratto dopera, in il Codice Civile Commentario, dir. P. SChleSINGeR, Giuffr, 1995, 70, afirmando que a onerosidade cons-titui um elemento natural e no essencial do contrato de transporte (o que, alis, confirmadopelo art. 1681. do Codice Civile, que, a propsito da responsabilidade do transportador,prev, expressamente, o transporte gratuito); sobre a gratuitidade no transporte, cf. tambm,com mltiplas indicaes, ROBeRTO PRelATI, Trasporto, in ANTONIO PAlAzzO/SIlVIO MAz-zAReSe, i Contratti Gratuiti (Trattato dei Contratti, dir. PIeTRO ReSCIGNO/eNRICO GABRIellI,10), UTeT, 2008, 347 ss., em especial 355 ss. e ANTONIO FlAMINI, il trasporto, cit., 74 ss.(quanto ao transporte de pessoas). Ainda no sentido do texto, (embora a propsito do contratode transporte areo) vide NeVeS AlMeIDA, Do contrato de transporte areo e da responsabi-lidade civil do transportador areo, Almedina, 2010, 22-23.

    (13) Isto mesmo reconhece COSTeIRA DA ROChA, O contrato de transporte de mer-cadorias, cit., 32, nota 45 (considerando a onerosidade um elemento natural do contrato eno um elemento essencial), que, todavia , diferentemente da opo que nos parece maisacertada inclui a retribuio na definio do contrato de transporte (idem, 25-26). Sobreesta questo, cf. ainda eSTRelA ChABY, O transporte rodovirio de mercadorias e asgarantias do transportador, in Temas de Direito dos Transportes, II, coord. M. JANURIODA COSTA GOMeS, cit., 99-100.

    (14) Com efeito, em vrios dos seus preceitos, o Cdigo refere-se, directa ou indi-rectamente, ao transporte, como sucede, nomeadamente, nos arts. 46./3 (lei reguladorados direitos reais), 755./1 e 2 (direito de reteno), 797. (promessa de envio) e 938./1(venda de coisa em viagem).

    (15) Diferentemente do que sucede noutros ordenamentos, nomeadamente, em It-lia (arts. 1678.-1702. do Codice Civile) ou no Brasil, com o Cdigo Civil de 2002, quecontm um captulo sobre o transporte em geral (arts. 730.-733.), o transporte de pessoas(734.-742.) e o de coisas (743.-756.). Idntica opo legislativa foi adoptada noutraslatitudes e em diferentes sistemas jurdicos, podendo ser indicados, a ttulo exemplifica-tivo, o Cdigo Civil holands, que dedica todo o seu livro 8 (entrado em vigor em 1991)ao Direito dos transportes e dos meios de transporte, o Cdigo Civil do Quebeque, que,entre os contratos em especial, regula, com mincia, o transporte (arts. 2030.-2035.:regras gerais; 2036.-2039.: transporte de pessoas; 2040.-2058.: transporte de bens;2059.-2084.: regras especiais para o transporte martimo de bens), o Cdigo Civil deCuba (arts. 429.-434.: transporte de passageiros; 435.-437.: transporte de coisas//carga) e o Cdigo Civil da Federao da Rssia, que tambm, a par de outros contratos,regula o contrato de transporte (arts. 784.-800.). em espanha, o Cdigo Civil, a prop-sito do arrendamiento de obras y servicios (1583. ss.), apenas dedica uma escassa sec-

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 623

  • partes (o transportador) obriga-se a proporcionar, outra, certoresultado a colocao da pessoa ou das coisas, no lugar de des-tino estipulado do seu trabalho (cf. art. 1154. do Cdigo Civil).

    A obrigao do transportador tem por objecto uma prestaode facere(17); ela constitui uma obrigao de resultado(18), cujo

    o (3.) aos transportes por agua y tierra, tanto de personas como de cosas (arts. 1601.--1603., remetendo este ltimo para as leis e os regulamentos especiais).

    (16) Vide MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes, ROA, cit.,157 e 168 e Direito Comercial, 3. ed., cit., 806 e 817, JANURIO DA COSTA GOMeS, O direitode variao ou de controlo no transporte de mercadorias, in Temas de Direito dos Trans-portes, II, cit., 37, FeRReIRA De AlMeIDA, O contrato de transporte no Cdigo Civil, RT87., 1969, 148-149, PIReS De lIMA/ANTUNeS VARelA, Cdigo Civil Anotado, II, 4. ed., cit.,784, AlFReDO PROeNA, Transporte de mercadorias por estrada, Almedina, 1998, 13.

    Na jurisprudncia: RP 8-Fev.-1996 (SOUSA leITe), CJ XXI, 1, 1996, 213-215 (214)e no mesmo sentido encarando o transporte como um contrato de resultado RP 23--Jan.-1984 (PINTO FURTADO), CJ IX, 4, 1984, 232-234 e STJ 15-Mai.-2013 (GRANJA DAFONSeCA), in .

    (17) Vide ANTONIO FlAMINI, il trasporto, cit., 7-8, CARlA VIGNAlI, il trasporto ter-restre. Verso una responsabilit oggettiva del vettore, Giuffr, 2000, 19, MARIO IANNUzzI,Del trasporto, in Commentario del Codice Civile, SCIAlOJA/BRANCA, IV, Delle Obbliga-zioni, arts. 1678.-1702., zanichelli/Foro Italiano, 1. ed., ristampa, 1964, 1, ADAlBeRTOPeRUllI, il Lavoro Autonomo. Contratto dopera e professioni intellettuali, in Trattato diDiritto Civile e Commerciale, CICU/MeSSINeO/MeNGONI, XXVII/1, Giuffr, 1996, 114,JeAN-FRANCIS OVeRSTAke, Essai de classification des contrats spciaux, lGDJ, 1969,87.

    (18) Cf. STJ 5-Abr.-2001 (PROeNA FOUTO), CJ XXVI/2, 2001, 101 ss. (102)(reproduzido em M. JANURIO DA COSTA GOMeS, org., Direito martimo. Jurisprudnciaseleccionada para as aulas prticas, AAFDl, 2002, 193 ss.), STJ 6-Jul.-2006 (OlIVeIRABARROS), Rlx 5-Jun.-2008 (FTIMA GAlANTe), STJ 14-Jun.-2011 (helDeR ROQUe), STJ5-Jun.-2012 (AzeVeDO RAMOS), in .

    Como explica MeNezeS CORDeIRO, (diferentemente do que ocorre no mbito daschamadas obrigaes de meios) nalguns casos o resultado da conduta a cargo do devedor,est sob o controlo deste, que, com razoabilidade, pode obrigar-se obteno desse resul-tado, como sucede na obrigao de transporte; esta tem, pois, por objecto uma prestao deresultado (Leistungserfolg) vide Tratado de Direito Civil Portugus, VI, Direito dasObrigaes, 2. ed., Almedina, 2012, 479. Tambm MeNezeS leITO (embora crtico dacontraposio, entre ns, entre prestao de meios e prestao de resultado) toma a presta-o do transportador como exemplo de prestao de resultado vide Direito das Obriga-es, i, 10. ed., Almedina, 2013, 125-126. Referindo igualmente a prestao do transpor-tador para ilustrar o conceito de prestao de resultado, vide ROMANO MARTNez, Direitodas Obrigaes Apontamentos, 3. ed., AAFDl, 2011, 182-183, SANTOS JNIOR, Direitodas Obrigaes i, Sinopse explicativa e ilustrativa, 2. ed., AAFDl, 2012, 108, 112 e(quanto s correspondentes obrigaes) lUCAS RIBeIRO, Obrigaes de meios e obriga-es de resultado, Coimbra editora, 2010, 20.

    Tambm no sentido do texto, eNGRCIA ANTUNeS, Direito dos contratos comerciais,

    624 CARlOS lACeRDA BARATA

  • cumprimento implicar a efectiva deslocao (ou no caso dotransporte de mercadorias a deslocao e a entrega) nos termosconvencionados.

    IV. No transporte de mercadorias, celebrado entre o expedi-dor ou carregador e o transportador, sucede, amide, que o destina-trio da entrega daquelas no coincide com o expedidor: teremos,ento, uma relao triangular, que justificar a necessidade deexplicar a posio do terceiro-destinatrio(19).

    A questo colocar-se-, com especial relevo, quando a legiti-midade do destinatrio designadamente, para exigir do trans-portador a entrega da mercadoria transportada no decorra daqualidade de portador do ttulo de transporte, ordem ou ao porta-dor(20).

    embora com alguns desvios, quanto ao regime(21), o trans-porte apresentar-se-, ento, como um contrato a favor de terceiro

    cit., 750, PROeNA/PROeNA, Transporte de mercadorias, 2. ed., Almedina, 2004, 25 e 41,RAFAel PAIVA, Sobre a proteo da pessoa humana no transporte ferrovirio: linhas elinhas, cit., 301-311, MNICA SOAReS PeReIRA, O Contrato de Transporte de mercado-rias A Responsabilidade do Transportador, dissertao de mestrado na Faculdade deDireito da Universidade do Porto, 2011, 16 ss., AlMeIDA MARQUeS, O Contrato de Trans-porte multimodal de mercadorias, dissertao de mestrado, FDUl, policop., 2011, 25,BARThlMY MeRCADAl, Droit des transports terrestres et ariens, cit., 80 e 125, FRAN-CeSCO RUSCellO, istituzioni di Diritto Privato, vol. 3., i contratti. Limpresa, Giuffr,2003, 63, FRANCeSCO GAlGANO, Diritto Civile e Commerciale, vol. II, Le obbligazioni e icontratti, tomo 2, 4. ed., CeDAM, 2004, 106, PIeTRO TRIMARChI, istituzioni di DirittoPrivato, 19. ed., Giuffr, 2011, 434, Dez-PICAzO / GUllN, Sistema de Derecho Civil, II,9. ed., Tecnos, 2001, 388, CAPIllA RONCeRO, in Derecho Civil. Derecho de obligaciones ycontratos (A. lPez/V. l. MONTS/e. ROCA), coord. VAlPUeSTA FeRNNDez/VeRDeRASeRVeR, Tirant lo blanch, 2001, 476, lUS DONDellI, Cdigo Civil interpretado,org. COSTA MAChADO, coord. SIlMARA JUNY ChINellATO, 6. ed., edit. Manole, 2013, 536.

    (19) No transporte de mercadorias, o destinatrio representa uma personagem cen-tral, na expresso de JANURIO DA COSTA GOMeS, introduo s regras de Roterdo A Conveno martima-Plus sobre transporte internacional de mercadorias, in Temasde Direito dos Transportes, I, coord. M. JANURIO DA COSTA GOMeS, Almedina, 2010, 29.

    (20) Vide PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I, cit., 239 e MASSIMO MONTA-NARI, Diritto Commerciale, vol. 1. imprenditore. Contratti commerciali, Giuffr,2001, 209.

    (21) Principalmente, quanto aquisio do direito, pelo destinatrio, que, segundoo regime regra do contrato a favor de terceiro, opera automaticamente e, em princpio,imediatamente, em virtude da celebrao do contrato (art. 444./1 do Cdigo Civil) e, at,

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 625

  • (arts. 443. ss. do Cdigo Civil); embora se trate de uma orientaoque, entre ns, como noutros ordenamentos, est longe de ser pac-fica(22), parece ser a que melhor explica o transporte dirigido para aentrega(23) da mercadoria a um terceiro-destinatrio(24). Porm,

    independentemente do conhecimento do terceiro. No transporte de mercadorias, destina-das a terceiro, este dever proceder a uma manifestao de vontade, exigindo a entrega(cf. arts. 380./ 1. e 389. do Cdigo Comercial).

    (22) entre ns, sobre o tema, cf., em especial, COSTeIRA DA ROChA, O contrato detransporte de mercadorias, cit., 66-68, 196 ss. e passim; o Autor afasta-se criticamente datese do contrato a favor de terceiro, apontando diversos desvios quanto ao respectivoregime, optando por conceber o contrato de transporte como contrato trilateral. cf. tam-bm, com indicaes, CASTellO-BRANCO BASTOS, Direito dos transportes, cit., 57 ss. eleITe De CAMPOS, Contrato a favor de terceiro, 2. ed., Almedina, 1991, 117-118, querecusa a qualificao do transporte como contrato a favor de terceiro, sempre que sobre odestinatrio da mercadoria impendam obrigaes. Cf. ainda ANTUNeS VARelA, Das Obri-gaes em Geral, I, 10. ed., Almedina, 2000, 409, que, a propsito da figura do contrato afavor de terceiro, apresenta como exemplo a situao do devedor da entrega de uma mer-cadoria, que celebra com uma empresa especializada um contrato de transporte para colo-cao da mercadoria no domiclio do credor, ao qual remete a respectiva guia; o exemplo retomado por RIBeIRO De FARIA, Direito das Obrigaes, I, Almedina, 1990, 312.

    Quanto a este aspecto, especialmente melindroso, cumpre salientar, em especial, asconsideraes tecidas por JANURIO DA COSTA GOMeS, O direito de variao ou de controlono transporte de mercadorias, in Temas de Direito dos Transportes, ii, cit., 48 ss.: por umlado, o Autor formula srias reservas qualificao do transporte de mercadorias, comentrega a terceiro, como contrato a favor de terceiro puro (cf. pp. 49-50), desde logo, emvirtude de a posio activa do terceiro no resultar automaticamente do prprio contrato,mas de uma adeso ou aceitao; por outro, sublinha que o problema em causa reside, emprimeira linha, na posio jurdica do terceiro-destinatrio relativamente aos dbitos, dada ainadmissibilidade de um contrato no apenas em benefcio mas tambm contra o terceiro(p. 50), concluindo aps no recusar a hiptese de colocar o problema nos quadros dafigura do contrato com eficcia de proteco para terceiro no ser possvel, neste ponto,formular uma concluso uniforme, vlida para todas as situaes de transporte (cf. p. 51).

    (23) Como salienta o Professor JANURIO DA COSTA GOMeS, no contrato de trans-porte de mercadorias, a entrega constitui um momento central na lgica do transporte com indicaes, JANURIO DA COSTA GOMeS, O direito de variao ou de controlo notransporte de mercadorias, in Temas de Direito dos Transportes, II, cit., 34-35. No mesmosentido relevando o papel essencial que a entrega da coisa, ao destinatrio, assume notransporte de mercadorias MARTeleTO GODINhO, A responsabilidade do transportadorrodovirio de mercadorias, in Temas de Direito dos Transportes, I, cit., 89-90, VAlBOMBAPTISTA, O contrato de expedio, in Temas de Direito dos Transportes, II, cit., 132 (ele-mento aglutinador: a entrega da mercadoria) e COSTeIRA DA ROChA, O contrato de trans-porte de mercadorias, cit., 65-66. Na jurisprudncia recente: vide STJ 15-Mai.-2013(GRANJA DA FONSeCA), in .

    (24) Neste sentido, MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes,ROA, cit., 169, Direito Comercial, 3. ed., cit., 818 e tambm, em termos concordantes,

    626 CARlOS lACeRDA BARATA

  • naturalmente que o contrato de transporte (a favor de terceiro) nopoder constituir qualquer obrigao para o terceiro (cf. 406./2 doCdigo Civil)(25).

    V. O transporte pode apresentar-se sob vrias modalidades eser alvo de diversas classificaes(26), que, entre si, se podementrecruzar.

    em sntese:Quanto ao objecto: Transporte de pessoas (passageiros ou passageiros e res-

    pectiva bagagem); Transporte de mercadorias.

    Quanto via e ao meio de transporte: Transporte areo;

    Tratado de Direito Civil Portugus, II/II, Almedina, 2010, 561. Na jurisprudncia portu-guesa, cf. RP 8-Fev.-1996 (SOUSA leITe), CJ XXI/1, 1996, 213-215 (214-215). Trata-se,tambm, da orientao maioritria na doutrina alem cf. CANARIS, Handelsrecht,24. ed., Beck, 2006, 504 e italiana cf. CARlA VIGNAlI, il trasporto terrestre. Versouna responsabilit oggettiva del vettore, cit., 170.

    Sobre a configurao do transporte de coisas como contrato a favor de terceiro,cf. ainda M. DI PIRRO, i Singoli Contratti, Simone, 2006, ristampa 2009, 365 e 375-376,CAGNASSO/COTTINO, Contratti commerciali, cit., 259-260. Tambm no sentido de que setrata de um contrato a favor de terceiro, embora com particularidades de regime, FRANCeSCOGAlGANO, Diritto Civile e Commerciale, II/2, cit., 105, PIeTRO TRIMARChI, istituzioni diDiritto Privato, 19. ed., cit., 434, FRANCeSCO RUSCellO, istituzioni di Diritto Privato,vol. 3., cit., 65, ANGelO lUMINOSO, in manuale di Diritto Commerciale, a cura di V. BUO-NOCORe, 6. ed., cit., 976, MASSIMO MONTANARI, Diritto Commerciale, vol. 1., cit., 209-210e CAIO SIlVA PeReIRA, instituies de Direito Civil, III, 12. ed., Forense, 2007, 327 e 336.Sobre a questo, vide, tambm, MNICA SOAReS PeReIRA, O Contrato de Transporte de mer-cadorias A Responsabilidade do Transportador, cit., 11-13, ANTONIO FlAMINI, il tras-porto, cit., 112 ss., ChIARA TINCANI, La natura del trasporto stradale di merci, Giuffr,2012, 1 ss., MARIO IANNUzzI, Del trasporto, cit., em especial, 144 ss., MIChel AlTeR, Droitdes transports, cit., 62-63 e, com mltiplas indicaes, alm de CARlA VIGNAlI, ob. cit.,170--175, ANDReA TAMBURRO, in tema di acquisto da parte del destinatario dei diritti derivantedal contratto di trasporto, in Diritto dei Trasporti, 2007, 522 ss., em especial, 524-525.

    (25) Cf. leITe De CAMPOS, loc. cit., e JANURIO DA COSTA GOMeS, loc. cit., supra,nota 22.

    (26) Vide MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes, ROA, cit.,142-143 e Direito Comercial, 3. ed., cit., 791-792, PAIS De VASCONCelOS, Direito Comer-cial I, cit., 229-230, eNGRCIA ANTUNeS, Direito dos contratos comerciais, cit., 729, FeR-ReIRA De AlMeIDA, Contratos II, 3. ed., cit., 166-168.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 627

  • Transporte martimo; Transporte terrestre(27):

    Rodovirio;Ferrovirio.

    Quanto ao mbito geogrfico: Transporte interno; Transporte internacional.

    Acresce que num s contrato de transporte podem estar envol-vidos, de modo coordenado, diferentes meios de transporte: tere-mos, ento, um transporte combinado ou multimodal.

    VI. Para os presentes efeitos, vamos circunscrever a nossaanlise aos contratos de transporte terrestre: rodovirio e ferrovi-rio, de passageiros e de mercadorias.

    2. Otransporteeasregrasgeraissobreformaodocon-trato

    I. O contrato de transporte rodovirio e o de transporte fer-rovirio so objecto de regulamentaes normativas especficas,dispersas, resultantes de diversas fontes. Trata-se, porm, de regu-lamentaes parcelares: o transporte terrestre no goza de umaregulao sistemtica e completa, que cubra todos os aspectos porele suscitados. Assim sucede, nomeadamente, em matria de for-mao e concluso do contrato.

    II. Atente-se, designadamente, nos arts. 366. a 393. doCdigo Comercial, dedicados, precisamente, ao transporte, enquantocontrato objectivamente mercantil: so a tratados diversos aspectosde regime, sem que, todavia, o jurista encontre, nessa sede, resposta

    (27) Como ensina MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes,ROA, cit., 142 e Direito Comercial, 3. ed., cit., 791, o transporte fluvial, no essencial, associado ao regime do transporte terrestre, como resulta do art. 366. do Cdigo Comer-cial ( terra, canais ou rios).

    628 CARlOS lACeRDA BARATA

  • para todas as vicissitudes que, a propsito do transporte, poderoocorrer.

    em sntese(28):

    366.: requisitos para que o transporte seja consideradomercantil;

    367.: admite que o transportador realize a prestao detransporte por si ou atravs de outrem;

    368.: escriturao do transportador;

    369.-375.: tratam vrios aspectos referentes guia detransporte;

    376.-377.: regulam matrias relativas responsabilidadedo transportador;

    378.-382.: execuo do transporte;

    383.-386.: retomam o tema da responsabilidade do trans-portador;

    387.-392.: entrega e garantias do transportador.

    em especial, dada a sua relevncia, importa assinalar oessencial do regime que o Cdigo traa para a guia de trans-porte(29).

    O art. 370. do Cdigo Comercial indica o contedo da guia:

    Nomes e domiclio do expedidor, do transportador e dodestinatrio;

    Natureza dos objectos a transportar;

    Indicao do lugar da entrega;

    Importncia do frete, com declarao de se achar ou nosatisfeito;

    Prazo da entrega;

    (28) Vide MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes, ROA, cit.,158-159 e Direito Comercial, 3. ed., cit., 807-808.

    (29) Vide MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes, ROA, cit.,159-160 e Direito Comercial, 3. ed., cit., 808-809.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 629

  • Fixao da indemnizao a cargo do transportar, caso hajaconveno nesse sentido;

    Tudo o mais que tenha sido estipulado.

    O art. 373. do Cdigo Comercial refere-se ao valor jurdico daguia de transporte: ser luz desta que se decidiro todas as questesrelativas ao transporte, no sendo contra ela admissveis excepes,salvo em caso de falsidade ou de erro involuntrio de redaco.

    Se a guia for emitida ordem, a transferncia da propriedadedas coisas transportadas decorre do endosso; tratando-se de guia aoportador, a transferncia depende da traditio art. 374. doCdigo Comercial.

    Por sua vez, o art. 375. do Cdigo Comercial consagra umaregra de inoponibilidade/ineficcia, perante o destinatrio (ou oseu transmissrio), de quaisquer estipulaes particulares noconstantes da guia.

    III. em matria de formao do contrato, ressalvados osaspectos que sejam objecto de regulamentao normativa especial,o transporte interno ficar, naturalmente, submetido ao regimegeral vigente nessa matria: nomeadamente, s normas legais queo Cdigo Civil dedica declarao negocial e formao e con-cluso do contrato: arts. 217. e ss. e 224. a 235..

    IV. Assim, em termos genricos sem prejuzo do que,adiante, melhor se ver , designadamente, em matria de forma,o transporte est abrangido pelo princpio da liberdade de forma(219.)(30).

    (30) Cf. RP 8-Fev.-1996 (SOUSA leITe), CJ XXI, 1, 213-215 (214), RP 18-Abr.-1996 (OlIVeIRA BARROS), CJ XXI, 2, 1996, 220-225 (221), STJ 28-Jan.-1997 (SIlVA PAI-XO), CJ/STJ VI, 1, 1997, 71-73 (73), STJ 11-Mar.-1999 (MAChADO SOAReS), CJ/STJVIII, 1, 1999, 141-146 (145); j se considerou que o contrato de transporte est marcadopor uma paradoxal consensualidade, na medida em que, embora lhe seja aplicvel aregra da liberdade de forma (219.), est sempre ligado a um documento de transporte:STJ 4-Nov.-2010 (GONAlO SIlVANO), in .

    No sentido do texto, luz do Codice Civile, ANTONIO FlAMINI, il trasporto, cit., 45(para o transporte de pessoas) e 118-119 (para o transporte de coisas), AUleTTA/SAlANI-

    630 CARlOS lACeRDA BARATA

  • Quanto ao modo de formao, em geral, de afirmar o carc-ter consensual do contrato de transporte de coisas/mercadorias. emprincpio de acordo, alis, com o entendimento tradicional(31) o contrato de transporte no um negcio real quoad constitu-tionem(32). A entrega da coisa no requisito da celebrao do con-trato, que se forma por mero consenso.

    TRO, Diritto Commerciale, 18. ed., Giuffr, 2010, 449 e wANDA DAleSSIO, Diritto deitrasporti, Giuffr, 2003, 180-181 (quanto ao transporte de pessoas) e 190 (relativamenteao transporte de bens). Na Alemanha, no mbito do regime do Frachtgeschft, constantedos 407 ss. do hGB, cf., no mesmo sentido, nomeadamente, ANJA STeINBeCk, Handels-recht, 2. Auflage, Nomos, 2011, 240 (admitindo a celebrao do contrato por acordo ver-bal) e TOBIAS leTTl, Handelsrecht, 2. Auflage, Beck, 2011, 295 (apontando, igualmente,para a liberdade de forma). em termos coincidentes, perante o Cdigo Civil brasileiro de2002, cf. BARROS MONTeIRO / DABUS MAlUF / TAVAReS DA SIlVA, Curso de Direito Civil, 5 Direito das Obrigaes, 2. Parte, 40. ed., cit., 376. No Direito francs, considerando otransporte de mercadorias um contrato consensual, MeSTRe/PANCRAzI, Droit Commercial,28. ed., lGDJ, 2009, 781. No Direito espanhol, afirmando a liberdade de forma no trans-porte, vide QUINTANA CARlO, Contratos de transporte terrestre, in Tratado de Contratos,dir. BeRCOVITz RODRGUez-CANO, coord. MORAleJO IMBeRNN/QUICIOS MOlINA, tomo V,tirant lo blanch, 2009, 5094 (para o transporte rodovirio de mercadorias) e 5129 (quantoao transporte de passageiros).

    (31) No sentido de que, tradicionalmente, o transporte no considerado um con-trato real, vide CARlOS DA MOTA PINTO, Cesso da posio contratual, Almedina, reimpr.1982, 12, em nota.

    (32) Neste sentido, VINCeNzO ROPPO, il Contratto (in Trattato di Diritto Privato,G. IUDICA / P. zATTI), 2. ed., Giuffr, 2011, 127 e, na doutrina especializada, PAOlO FOR-ChIelli, i Contratti Reali, Giuffr, 1952, 14, UGO NATOlI, i Contratti Reali, Giuffr, 1975,13-14, FUlVIO MASTROPAOlO, i Contratti Reali (Trattato di Diritto Civile, dir. RODOlFOSACCO, i Singoli Contratti, 7), UTeT, 1999, 31 e, j antes, Consegna e forma nei contrattireali, in Archivio Giuridico, CCXIII/4, 1993, 400; cf. tambm JORDANO BAReA, La catego-ra de los contratos reales, Bosch, 1958, 80, nota 68 (afirmando que a melhor doutrina aque defende a natureza consensual do transporte).

    Na doutrina alem, em termos concordantes qualificando o Frachtgeschft comocontrato consensual, celebrado sem necessidade de entrega ou remessa da mercadoria ANJA STeINBeCk, Handelsrecht, 2. Auflage, cit., 240.

    Diferentemente, sustentando que o transporte de mercadorias um contrato real orientao que, segundo DANIelA CeNNI, La formazione del contratto tra realit e consen-sualit, CeDAM, 1998, 113, nota 11, quanto ao transporte ferrovirio, considerada pre-valecente no ordenamento italiano vide (quanto ao transporte ferrovirio) ANTONIOMAlGeRI, il contratto di trasporto terrestre di cose e di persone, hoepli, 1913, 16-17,AlBeRTO ASQUINI, Trasporto di cose (contratto di), in NDI XII, P. 2., 1940, 349, FRAN-CeSCO MeSSINeO, Contratto (dir. priv.), in eD IX, 1961, 885 (com referncia a legislaointerna de 1940), eNRICO Del PRATO, Dieci lezioni sul contrato, CeDAM, 2011, 80,AlBeRTO TRABUCChI, istituzioni di Diritto Civile, 45. ed., CeDAM, 2012, 888, AUleTTA/

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 631

  • A entrega da mercadoria ao transportador insere-se, portanto,na fase de execuo do contrato. Naturalmente que o cumprimentoda obrigao de transportar a mercadoria pressupe que esta tenhasido entregue ao transportador (excepto nos casos em que, a outrottulo, a coisa j se encontre em seu poder); sobre a contraparteimpender, pois, o correspondente nus, de proceder entrega dacoisa objecto da prestao a cargo do transportador.

    V. O Cdigo Civil ocupa-se, essencialmente, de um dosvrios esquemas (entre outros possveis e que a prtica permitedocumentar) de formao e concluso do contrato: o modelo pro-posta + aceitao (a chamada formao em espelho)(33). e , pre-cisamente, este modelo que, normalmente, est na base do trans-porte.

    Paradigmaticamente: a formao do contrato de transporteparte, as mais das vezes, de uma proposta no recipienda, formu-lada pelo transportador e dirigida a destinatrios indeterminados:ao pblico em geral; ter, ento, aplicao o regime civil da ofertaao pblico, designadamente, no que toca sua revogabilidade(art. 230./3 do Cdigo Civil).

    Na mesma linha como em qualquer processo tendente concluso de um contrato as (futuras) partes esto adstritas a

    /SAlANITRO, Diritto Commerciale, 18. ed., cit., 448, AlFReDO ANTONINI, Corso di Dirittodei Trasporti, cit., 167, ANGelO lUMINOSO, in manuale di Diritto Commerciale, a cura diV. BUONOCORe, 6. ed., cit., 971 e ANTONIO FlAMINI, il trasporto, cit., 126-127. Sobre otema, em Itlia, tambm, AlFONSO GRASSI, Trasporto (contratto di), in DI XXIII, P. 2.,1914-197, 266 e (incluindo o transporte de coisas entre os contratos reais) FRANCO PAS-TORI, il problema storico del contratto reale, in Nozione, formazione e interpretazione delDiritto: Dall et romana alle esperienze moderne. Ricerche dedicate al professor FilippoGallo, vol. 3, Jovene, 1997, 618. Nos quadros do Direito francs: cf. PAUl wAUweRMANS,Le contrat de transport, A. Siffer/Marchal et Billard, 1891, 27-28, afirmando o carcterreal do transporte, e BARThlMY MeRCADAl, Droit des transports terrestres et ariens,cit., 185-186, com indicaes, no sentido da considerao do transporte ferrovirio de mer-cadorias como contrato real (e solene).

    (33) Sobre os vrios modelos de formao dos contratos, vide, em especial, FeR-ReIRA De AlMeIDA, Contratos, I, 5. ed., Almedina, 2013, 97 ss., PAIS De VASCONCelOS,Teoria Geral do Direito Civil, 7. ed., Almedina, 2012, 410 ss., bem como a elucidativasntese, com indicaes, de JANURIO DA COSTA GOMeS, Contratos Comerciais, Almedina,2012, 44-46.

    632 CARlOS lACeRDA BARATA

  • respeitar as regras impostas pelo princpio da boa f nomeada-mente, no que concerne ao cumprimento de deveres especficos delealdade, de informao ou, at, de proteco/segurana sobpena de responderem pelos danos que culposamente causarem.Assim, naturalmente, ser aplicvel, nesta matria, o regime daculpa in contrahendo, consagrado no art. 227. do Cdigo Civil,podendo, portanto, como evidente, em sede de formao de umcontrato de transporte, haver lugar a responsabilidade pr-contra-tual e consequente obrigao de indemnizao.

    VI. Para alm das regras constantes do Cdigo Civil, outroscomplexos normativos so potencialmente aplicveis em matria deformao e concluso do contrato de transporte. Tal suceder,designadamente, quando o contrato seja celebrado por meios elec-trnicos: uma hiptese de verificao cada vez mais frequente.Ter, ento, aplicao o correspondente regime, legalmente fixadopara a contratao electrnica arts. 24. e ss. do Decreto-lein. 7/2004, de 7 de Janeiro(34) sem prejuzo das regras aplicveisaos contratos celebrados distncia(35) (Decreto-lei n. 143/2001,de 26 de Abril)(36).

    3. Segue;clusulascontratuaisgeraisecontratodetrans-porteterrestre

    I. A actividade transportadora em especial, a levada acabo de modo profissional (a par de muitas outras), na socie-

    (34) Com as alteraes introduzidas pelo Decreto-lei n. 62/2009, 10 de Maro epela lei n. 46/2012, 29 de Agosto.

    (35) Nos termos do art. 3./5 do Decreto-lei n. 7/2004: O disposto no presentediploma no exclui a aplicao da legislao vigente que com ele seja compatvel, nomea-damente no que respeita ao regime dos contratos celebrados distncia e no prejudica onvel de proteco dos consumidores, incluindo investidores, resultante da restante legisla-o nacional.

    (36) este diploma legal foi j objeto de uma rectificao Declarao de Rectifi-cao n. 13-C/2001, de 31 de Maio e de trs alteraes, resultantes do Decreto-lein. 57/2008, de 26 de Maro, do Decreto-lei n. 82/2008, de 20 de Maro e do Decreto-lein. 317/2009, de 30 de Outubro.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 633

  • dade hodierna, uma actividade massificada. O transporte constituium exemplo paradigmtico do fenmeno da contratao em massaou standardizada.

    As mais das vezes, a formao do contrato de transporte temna sua base modelos contratuais rgidos e pr-elaborados, pelotransportador, dirigidos a destinatrios indeterminados, que,depois, se limitam a aceitar o esquema contratual previamentedesenhado pela contraparte: estamos em pleno campo de aplicaodo regime das clusulas contratuais gerais, apresentando-se otransporte como um caracterstico contrato de adeso(37).

    Sempre que assim suceda, o contrato de transporte fica subme-tido ao regime traado pelo Decreto-lei n. 446/85, de 25 de Outu-bro (lCCG), que com diversas alteraes, por vezes infelizes(38) regula, entre ns, a matria das clusulas contratuais gerais.

    (37) Cf. eNGRCIA ANTUNeS, Direito dos contratos comerciais, cit., 728-729, COS-TeIRA DA ROChA, O contrato de transporte de mercadorias, cit., 37-38, RAFAel PAIVA,Sobre a proteo da pessoa humana no transporte ferrovirio: linhas e linhas, cit., 312,328 ss., 351 ss. e 408-409. Na jurisprudncia, a ttulo indicativo, cf. STJ 5-Abr.-2001(PROeNA FOUTO), CJ XXVI/2, 2001, 101 ss. (102).

    No mesmo sentido, GeRI/BReCCIA/BUSNellI/NATOlI, Diritto Civile, 3, Obbligazionie contratti, UTeT, 1992, ristampa, 2001, 446, CRISTIAN TOSORATTI, Trasporto a mezzo auto-bus, perfezionamento del contratto e passaggeri clandestini, in Diritto dei Trasporti, 2005,79, QUINTANA CARlO, Contratos de transporte terrestre, in Tratado de Contratos, dir. BeR-COVITz RODRGUez-CANO, coord. MORAleJO IMBeRNN / QUICIOS MOlINA, tomo V, cit.,5094, ORlANDO GOMeS, Contratos, 26. ed., Forense, 2007, 373, CleODON FONSeCA, Aspec-tos jurdicos do Contrato de Transporte, cit., 19 e, j em 1926, lOUIS JOSSeRAND, Les Trans-ports en servisse intrieur et en servisse international, 2. ed., A. ROUSSeAU, 1926, 353.

    Sobre o tema, cf. ainda wANDA DAleSSIO, Diritto dei trasporti, cit., 174 ss. e SIl-VIO BUSTI, Contratto di trasporto terrestre, cit., 539 ss.

    (38) O diploma foi objecto de alterao em 1995 (Decreto-lei n. 220/95, de 31 deAgosto), seguindo-se a Declarao de Rectificao n. 114-B/95 (da mesma data). Depois,veio a sofrer mais duas modificaes, introduzidas pelo Decreto-lei n. 249/99, de 7 deJulho e pelo Decreto-lei n. 323/2001, de 17 de Dezembro, tendo a (lamentvel) falta decuidado do legislador de 2001 que, inexplicavelmente, ter esquecido as alteraesintroduzidas em 1999 conduzido a que fossem modificadas normas que no o deveriamter sido (arts. 28. e 32./1 da lCCG) e ficassem por alterar aquelas que, efectivamente,deveriam ter sido objecto de alterao (arts. 29./2 e 33./1 da lCCG). Passada mais deuma dcada (!), o legislador nada fez para corrigir os erros por si cometidos, com a desas-trosa interveno legislativa de 2001.

    Vide PINTO MONTeIRO, Clusulas contratuais gerais: da desateno do legisladorde 2001 indispensvel interpretao correctiva da lei, RlJ 140., 2011, 138-143.

    634 CARlOS lACeRDA BARATA

  • II. esto aqui em jogo, fundamentalmente, dois tipos deinteresses contrapostos:

    Por um lado: os interesses do transportador e, em geral, dotrfego jurdico na agilizao, na normalizao e na maior celeri-dade na celebrao dos contratos(39); por outro: o interesse do ade-rente (o passageiro ou o expedidor), que aponta para a necessidadede uma reflectida e consciente formao da vontade de aceitar ocontedo contratual e as suas reais implicaes.

    III. O Decreto-lei n. 58/2008, de 26 de Maro, relativo aocontrato de transporte ferrovirio de passageiros e bagagens, volu-mes portteis, animais de companhia, velocpedes e outros bens,estabelece, expressamente, no seu art. 3./3:

    As condies gerais do transporte so definidas pelo operador, semprejuzo do disposto no presente decreto-lei e demais disposies apli-cveis ao transporte ferrovirio, bem como no regime das clusulascontratuais gerais, aprovado pelo Decreto-lei n. 446/85, de 25 deOutubro, na sua redaco actual..

    IV. Nesta matria, recordam-se, em especial, apenas osseguintes pontos, de particular importncia(40):

    existncia de especiais deveres/nus de comunicao e deinformao, a cargo do transportador/pr-disponente: arts. 5.e 6. da lCCG;

    excluso do contrato de clusulas relativamente s quaisno tenham sido (bem) cumpridos tais deveres/nus decomunicao ou de informao: 8./a) e b);

    excluso das chamadas clusulas-surpresa: 8./c);

    excluso de (pretensas) clusulas posteriores (quer emtermos temporais, quer em termos grficos) ao acordo:

    (39) Neste sentido, MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes,ROA, cit., 141-142 e Direito Comercial, 3. ed., cit., 790-791.

    (40) Cf., por todos, MeNezeS CORDeIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, I/I,3. ed., Almedina, 2005, 593 ss. e 613 ss., com amplas indicaes bibliogrficas e jurispru-denciais.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 635

  • 8./d); frequente que clusulas contratuais gerais, predis-postas pelo transportador, constem, apenas, do ttulo detransporte (incluindo, at, o verso deste); quando assimocorra e, com especial nitidez, quando a disponibilizaodo ttulo, ao passageiro ou ao expedidor, seja posterior celebrao do contrato transporte, tais (pretensas) clusu-las no se tero por includas no respectivo contrato:quanto a elas, no houve o necessrio consenso(41);

    em geral, proibio e nulidade de clusulas contrrias boa f: 15., 16. e 12.;

    em especial, proibio (absoluta ou relativa) e nulidade dediversas clusulas, quer nas relaes entre empresrios(18. e 19.) quer nas relaes com consumidores finais(18., 19., 20., 21. e 22.). entre as proibies legais,assumem especial relevncia as clusulas de irresponsabi-lidade ou de limitao da responsabilidade, que o trans-portador, porventura, pretenda impor contraparte(42).

    4. Transporteerelaocontratualdefacto

    I. Frequentemente, o transporte enquanto negcio demassas tem na base simples comportamentos concludentes,que, em rigor, no exteriorizam, por si, qualquer vontade jurgena,dirigida produo de efeitos de Direito. A prtica demonstra istomesmo: pense-se, nomeadamente, no sujeito que (simplesmente)acede ao cais do metropolitano, ficando, em princpio, por isso,sujeito ao respectivo regime contratual(43), ou na pessoa que entranum transporte pblico ficando, desde logo, vinculada ao paga-mento do respectivo preo, sem que tenha emitido qualquer decla-rao negocial(44).

    (41) Cf. art. 232. do Cdigo Civil.(42) A ttulo de exemplo: cf. Rlx 14-Mar.-1996 (TORReS VeIGA), CJ XXI/2, 1996,

    81 ss. (83).(43) Cf. MeNezeS CORDeIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, I/I, 3. ed., cit., 596.(44) Vide MeNezeS leITO, Direito das Obrigaes, I, 10. ed., cit., 454.

    636 CARlOS lACeRDA BARATA

  • II. estaremos, ento, no domnio das relaes contratuais defacto(45) categoria isolada, no incio da dcada de 40, porhAUPT(46) as quais, em diversas situaes (em especial, de con-tratao massificada), podero explicar a vinculao existentenuma relao de transporte.

    III. esto aqui em causa comportamentos socialmente tpi-cos, como o que ocorre, amide, com a entrada num meio de trans-porte pblico sem controlo prvio(47): condutas humanas que, nombito do trfego de massas, geram relaes (quanto aos efeitos)em tudo idnticas s resultantes do contrato, sem que, porm,tenham na origem uma correspondente declarao (expressa outcita)(48) de vontade negocial.

    relao de transporte estabelecida nesses termos poder seraplicvel, com os devidos cuidados, o regime do correspondentecontrato, quanto aos efeitos(49).

    (45) entre ns, com mltiplas indicaes, cf. MeNezeS CORDeIRO, Tratado deDireito Civil Portugus, II/II, cit., 631 ss. e MeNezeS leITO, Direito das Obrigaes, I,10. ed., cit., 454 ss.

    (46) GNTeR hAUPT, ber faktische Vertragsverhltnisse, Verlag Theodor wei-cher, leipzig, 1941; entre outras situaes, hAUPT analisa e pondera, precisamente, a rela-o (de facto) de transporte de passageiro (ob. cit., 21 ss.).

    (47) Vide PAUlO MOTA PINTO, Declarao tcita e comportamento concludente nonegcio jurdico, Almedina, 1995, 112 e 793. Cf. tambm AlMeIDA COSTA, Direito dasObrigaes, 12. ed., Almedina, 2009, 225.

    (48) A eventualidade de procurar sustentar, neste tipo de situaes, a constituiode um contrato por apelo emisso de uma declarao tcita no resolve, em absoluto, aquesto: em especial, sempre que haja uma declarao expressa no sentido da no celebra-o do contrato (protestatio facta contraria); recorde-se, a este propsito, o clebre casodo Parkplatz: ent BGh 14-7-1956, BGHZ 21, 319 ss.

    (49) Neste sentido MeNezeS CORDeIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, I/I,3. ed., cit., 596-598 (598) e, j em 1980, Direito das Obrigaes, II, AAFDl (1980),reimpr. 1986, 29-41 (41). Para uma perspectiva diferente: PAUlO MOTA PINTO, Declaraotcita e comportamento concludente no negcio jurdico, cit., 113, 793 e passim, com ml-tiplas referncias s posies da doutrina nesta matria (113-114, nota 108).

    No sentido do texto, vide, tambm, DOMeNICO RICCIO, il passaggero di fatto neltrasporto ferroviario, in Diritto dei Trasporti, 2006, 63 ss., em especial, 66-67. Cf. aindaas consideraes, a este propsito, tecidas por CRISTIAN TOSORATTI, Trasporto a mezzoautobus, perfezionamento del contratto e passaggeri clandestini, cit., 86, 93-94 e passim.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 637

  • 5. Contratodetransporteterrestreeprotecodoconsu-midor

    I. A celebrao de contratos de transporte, em particular,quanto se trate de transporte de passageiros(50), envolve a necessi-dade de uma especial tutela legal. em regra, a, o aderente , elemesmo, o consumidor do servio e o prprio transportado, sendo,normalmente, o contraente dbil: ele a parte mais fraca, no con-trato de transporte, nessa medida, carecida de especial proteco(51).

    enquanto contrato de consumo(52), o transporte estar, natu-ralmente, submetido aos correspondentes regimes legais, em espe-cial, no que toca ao reconhecimento e tutela dos direitos do con-sumidor, enquanto adquirente do servio de transporte.

    Sem prejuzo dos regimes especiais que, eventualmente, cai-bam ao caso concreto, ao consumidor de servios de transportesero, desde logo, aplicveis as regras gerais de tutela do consumi-dor, nomeadamente, as que decorrem da lei n. 24/96, de 31 deJulho (lei de defesa do consumidor). em particular, tero aqui espe-cial relevncia as normas constantes do captulo II dessa lei, relativasaos direitos do consumidor e, entre elas, as que consagram especiaisdeveres quanto qualidade dos servios arts. 3./a) e 4. equanto informao, em geral ou em particular arts. 3./d), 7.e 8. (53/54).

    (50) A caracterizao do transporte como negcio de consumo , evidentemente,mais ntida e mais frequente no transporte de pessoas, por confronto com o transporte demercadorias. cf. ClUDIA lIMA MARQUeS, Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor.O novo regime das relaes contratuais, 6. ed., edit. Revista dos Tribunais, 2011, 473 e 475.

    (51) Cf. BRINGNARDellO/CASANOVA, Diritto dei trasporti, II La disciplina con-trattuale, Giuffr, 2012, 2013 ss., RAFAel PAIVA, Sobre a proteo da pessoa humana notransporte ferrovirio: linhas e linhas, cit., 312, 328 ss., 351 ss., 408-409 e passim.

    (52) Sobre o conceito de contrato de consumo, vide FeRReIRA De AlMeIDA, Direitodo Consumo, Almedina, 2005, em especial, 84 ss. Para maiores desenvolvimentos quantoaos contratos de consumo, cf. MORAIS CARVAlhO, Os Contratos de Consumo. Reflexessobre a autonomia privada no Direito do consumo, Almedina, 2012.

    (53) O art. 8. foi objeto de recente alterao, introduzida pela lei n. 10/2013,de 28 de Janeiro, com uma vacatio legis de 90 dias.

    (54) Cf. MeNezeS CORDeIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, I/I, 3. ed., cit.,654 ss. e, em especial, quanto informao, FeRReIRA De AlMeIDA, Direito do Consumo,cit., 115 ss.

    638 CARlOS lACeRDA BARATA

  • II. Outros complexos normativos sero, porventura, chama-dos a intervir, no regime de alguns contratos de transporte, envol-vendo, tambm, em larga medida, esquemas legais de proteco doconsumidor. em termos no exaustivos:

    O regime das clusulas contratuais gerais resultante doDecreto-lei n. 446/85, de 25 de Outubro, com as respec-tivas alteraes quando o transporte tenha na base autilizao desse esquema de formao contratual(55);

    Quando o contrato de transporte seja celebrado distn-cia: ser aplicvel o correspondente regime, constante doDecreto-lei n. 143/2001, de 26 de Abril. de salientar,no entanto, a restrio resultante do art. 3./2, b), queabrange contratos de prestao de servios de transporte,em que, na celebrao do contrato, o prestador do ser-vio se comprometa a prest-lo numa data determinadaou num perodo especificado; nesta situao, ficaexcluda a aplicao do disposto nos arts. 4. (informa-es prvias), 5. (confirmao das informaes), 6.(direito de livre resoluo) e 9./1 (execuo do contratono prazo de 30 dias);

    Quando se trate da venda automtica de servios detransporte, nomeadamente, quando a aquisio do respec-tivo ttulo opere por pagamento antecipado, atravs demecanismo ou equipamento automtico de fornecimentodo ttulo/bilhete: arts. 21. a 23. do referido Decreto-lein. 143/2001;

    O regime da venda de bens de consumo consagrado noDecreto-lei n. 67/2003, de 8 de Abril, com as alteraesintroduzidas pelo Decreto-lei n. 84/2008, de 21 de Maio com vista a assegurar a conformidade com o contrato:com as devidas adaptaes, ser aplicvel aos bens de

    (55) Cf. supra 3.Sobre a tutela do passageiro-consumidor, perante clusulas contratuais gerais pre-

    dispostas pela contraparte, cf. SIlVIO BUSTI, il contratto di trasporto di persone su strada,in i contratti del trasporto, dir. FRANCeSCO MORANDI, t. 2, zanichelli, 2013, 1064 ss.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 639

  • consumo fornecidos no mbito de uma prestao de servi-os art. 1.-A/2 , designadamente de transporte;

    As regras legais sobre contratao electrnica, quando ocontrato de transporte seja celebrado por esse meio: arts.24. ss. do Decreto-lei n. 7/2004, de 7 de Janeiro, alte-rado pelo Decreto-lei n. 62/2009, de 10 de Maro e pelalei n. 46/2012, de 29 de Agosto.

    6. Refernciasprincipaisfontesespecficas

    I. Para alm do que ficou dito, segue-se uma simples indica-o das principais fontes, que se referem, em especial, s matriasaqui em apreo.

    II. Temos a considerar, especialmente:

    a) Transporte rodovirio:

    1. Conveno de Genebra (CMR), assinada em 19 de Maiode 1956.Foi aprovada em Portugal pelo Decreto-lei n. 46 235, de18 de Maro de 1965, com entrada em vigor em 21 deDezembro de 1969. Foi alterada pelo Protocolo deemenda de 5 de Julho de 1978, aprovado, em Portugal,pelo Decreto-lei n. 28/88, de 6 de Setembro.A CMR reporta-se ao contrato de transporte internacionalrodovirio de mercadorias.

    2. Decreto-lei n. 239/2003, de 4 de Outubro, alterado peloDecreto-lei n. 145/2008, de 28 de Julho: regime do con-trato de transporte rodovirio nacional de mercadorias.

    b) Transporte ferrovirio:

    3. Conveno relativa aos transportes internacionais ferro-virios (COTIF), de 9 de Maio de 1980, com as regras uni-formes CIV, relativas ao transporte de passageiros e baga-gens (apndice A) e CIM, referentes ao transporte demercadorias (apndice B).

    640 CARlOS lACeRDA BARATA

  • Uma nova verso da conveno surgiu com o Protocolode 3 de Junho de 1999, aprovado, em Portugal, peloDecreto n. 3/2004, de 25 de Maro. Relevam, de novo, osapndices A (regras CIV) e B (regras CIM).

    4. Decreto-lei n. 58/2008, de 26 de Maro: contrato detransporte ferrovirio de passageiros e bagagens, volumesportteis, animais de companhia, velocpedes e outrosbens.

    5. Decreto-lei n. 39.780, de 21 de Agosto de 1954: aprovouo Regulamento para a explorao e Polcia dos Caminhosde Ferro (RePCF), ainda parcialmente em vigor(56).

    c) Para alm das referidas, existe um amplo conjunto de fon-tes, relativas ao transporte rodovirio e ao ferrovirio, mas que,contudo, entre ns, no tm especial relevo em matria de forma-o dos respectivos contratos(57).

    (56) este regulamento sofreu diversas alteraes: Decreto-lei n. 48 594, de 6 deSetembro de 1968 (deu nova redaco aos arts. 30 e 32.), Decreto Regulamentar n. 6/82,de 19 de Fevereiro (alterou o art. 54./3), Decreto-lei n. 276/2003, de 4 de Novembro(revogou os arts. 1. a 6., 17./1, 23. a 29. e 30. a 37.), lei n. 28/2008, de 4 de Julho(revogou o art. 43./1), Decreto-lei n. 58/2008, de 26 de Maro (revogou os arts. 38.a 45. e 66. a 69.).

    (57) em outras fontes e para alm de vrias de origem comunitria, so de salientar:

    lei n. 10/97, de 17 de Maro (lei de Bases do Sistema de TransportesTerrestres);

    Conveno de Genebra, assinada em 1 de Maro de 1973 e entrada emvigor em 12 de Abril de 1974, relativa ao transporte internacional de pas-sageiros e bagagens por estrada (CVR): no foi ratificada por Portugal.

    Decreto-lei n. 251/98, de 11 de Agosto, alterado e republicado pela lein. 106/2001, de 13 de Agosto: transporte de passageiros em txi;

    Decreto-lei n. 41-A/2010, de 29 de Abril: transporte terrestre de merca-dorias perigosas.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 641

  • II. Formao e concluso do contrato de transporterodovirio

    7. Otransportedepassageiros

    I. entre ns, a matria da formao e concluso do contratode transporte rodovirio de passageiros no objecto de regula-mentao especial.

    A CVR (Conveno de Genebra, assinada em 1 de Maro de1973) no foi ratificada pelo estado portugus; por outro lado, asmltiplas fontes nacionais e internacionais em vigor no dispen-sam qualquer regulao normativa especfica, no que toca forma-o do contrato.

    II. Valem, pois, neste mbito, as regras gerais, constantes,em especial, do Cdigo Civil.

    Na generalidade dos casos, a formao do contrato de trans-porte rodovirio de passageiros partir da iniciativa do transporta-dor, que exterioriza a sua vontade negocial atravs de uma ofertaao pblico(58); ao passageiro cabe a aceitao: mediante declaraoexpressa ou tcita (cf. 217./1 e 234.), consubstanciada, designa-damente, no acto de entrada no veculo.

    Como atrs ficou referido, em alguns casos e frequentemente,a celebrao do contrato decorre de mero comportamento conclu-dente, por parte do passageiro: o acto de entrada no veculo equiva-ler aceitao da proposta do transportador(59).

    O pagamento (realizado antecipadamente ou em momentoulterior) da contrapartida pecuniria, bem como (em alguns casos epor exemplo: transporte em autocarro) a disponibilizao do res-pectivo bilhete de transporte, envolvem j a execuo do contrato.

    (58) Cf., neste sentido, a propsito do transporte em txi, CRISTIAN TOSORATTI, ini-zio del servizio e perfezionamento del contratto nel trasporto a mezzo taxi, in Diritto deiTrasporti, 2011, 613 ss. (615). Diferentemente considerando que a oferta ao pblico dotransportador, com aceitao pelo passageiro, corresponder situao excepcional CARlA VIGNAlI, il trasporto terrestre. Verso una responsabilit oggettiva del vettore,cit., 65.

    (59) Neste sentido, vide ANTONIO FlAMINI, il trasporto, cit., 46-47.

    642 CARlOS lACeRDA BARATA

  • O bilhete de transporte vale como documento probatrio docontrato e como ttulo de legitimao(60).

    III. Quanto forma, o contrato de transporte rodovirio depassageiros segue a regra geral, vigente nesta matria: a da liber-dade de forma (219. do Cdigo Civil)(61).

    8. Formao do contrato de transporte rodovirio demercadorias

    8.1. A Conveno de Genebra de 1956 (CMR) e o Protocolode emenda

    I. A Conveno de Genebra conhecida por CMR: Con-vention relative au contrat de transport international de marchan-dises par Route / Convention on the Contract for the internationalCarriage of Goods by Road assinada em 19 de Maio de 1956,foi aprovada em Portugal pelo Decreto-lei n. 46 235, de 18 deMaro de 1965, com entrada em vigor em 21 de Dezembro de1969. esta Conveno veio a ser alterada pelo Protocolo deemenda de 5 de Julho de 1978, aprovado, em Portugal, peloDecreto-lei n. 28/88, de 6 de Setembro(62).

    A CMR tem, portanto, por objecto o contrato de transporteinternacional rodovirio de mercadorias(63).

    (60) Cf. wANDA DAleSSIO, Diritto dei trasporti, cit., 181-182, CARlA VIGNAlI,il trasporto terrestre. Verso una responsabilit oggettiva del vettore, 65.

    (61) Cf. supra nota 30.(62) Portugal depositou o competente instrumento de confirmao e adeso ao Pro-

    tocolo em 17 de Agosto de 1989: Aviso publicado no Dirio da Repblica de 7 de Setem-bro de 1989.

    (63) Sobre o tema, vide MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transpor-tes, ROA 68/I, cit., 144, COSTeIRA DA ROChA, O contrato de transporte de mercadorias,cit., 52 ss., CASTellO-BRANCO BASTOS, Direito dos transportes, cit., 87 ss., INGO kOlleR,Transportrecht. Kommentar zu Spedition, Gtertransport und Lagergeschft, 7. ed.,Beck, 2010, 973 ss., kARl-heINz ThUMe, Kommentar zur CmR (org.), 2. ed., R&w, 2007,JRGeN BASeDOw, in mnchener Kommentar HGB, VII, Handelsgeschfte. Transpor-trecht, 407-457, Beck, 1997, 855 ss., AleSSANDRA CORRADO, il trasporto internazio-

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 643

  • em aditamento, em 20 de Fevereiro de 2008, foi assinado oProtocolo de Genebra, relativo guia de transporte electrnica(electronic consignment note)( 64).

    II. O captulo III da Conveno (arts. 4. a 16.) trata deconcluso e execuo do contrato de transporte (rodovirio demercadorias).

    Determina o art. 4., segundo o texto da traduo portuguesa(65):

    O contrato de transporte estabelece-se por meio de uma declarao deexpedio. A falta, irregularidade ou perda da declarao de expediono prejudicam nem a existncia, nem a validade do contrato de trans-porte, que continua sujeito s disposies da presente Conveno.

    III. A traduo portuguesa no particularmente feliz, nem rigorosa.

    Na verdade, a utilizao da expresso o contrato () estabe-lece-se por meio de uma declarao de expedio no exprime overdadeiro sentido da norma: no est em causa o estabeleci-mento que, eventualmente, poderia ser entendido no sentido deconstituio do contrato de transporte.

    O confronto com as verses inglesa, francesa e alem(66) dotexto da Conveno permite concluir isso mesmo:

    nale di merci su strada, in i contratti del trasporto, dir. FRANCeSCO MORANDI, t. 2, zani-chelli, 2013, 1213 ss., BARThlMY MeRCADAl, Droit des transports terrestres et ariens,cit., 78 ss. Sobre o carcter injuntivo da CMR, cf. GIOVANNI MARChIAFAVA, Sul carattereimperativo e inderogabile della CmR, em comentrio a Cassation, Ch. Com., de 30-Jun.--2009, in Diritto dei Trasporti, 2010, 488 ss.

    (64) este Protocolo foi subscrito por oito estados: Blgica, Finlndia, letnia,litunia, Noruega, holanda, Sucia e Sua. O texto oficial em ingls pode ser confron-tado em Diritto dei Trasporti, 2009, 287-290. Sobre o tema, cf. SNChez-GAMBORINO//CABReRA CNOVAS, El Convenio CmR. El contrato de transporte internacional de mer-cancas por carretera, edit. Marge Books, 2012, 177 ss.

    (65) Dirio do Governo, I Srie, n. 65, de 18 de Maro de 1965, 316-324 (317).A reproduo da traduo portuguesa pode ser confrontada em PROeNA/PROeNA,

    Transporte de mercadorias, 2. ed., cit., 165 ss. (art. 4.: 168).(66) O texto da CMR, reproduzido em ingls, francs e alemo, pode ser confrontado

    em kARl-heINz ThUMe, Kommentar zur CmR, 2. ed., cit., 1 ss. (para o texto do art. 4.: 5)ou, na verso inglesa, tambm em SNChez-GAMBORINO/CABReRA CNOVAS, El ConvenioCmR. El contrato de transporte internacional de mercancas por carretera, cit., 193 ss.

    644 CARlOS lACeRDA BARATA

  • Na verso inglesa:

    The contract of carriage shall be confirmed by the making out of con-signment note. ().

    Na verso francesa:

    le contrat de transport est constat par une letter de voiture. ().

    Na traduo alem:

    Der Befrderungsvertrag wird in einem Frachtbrief festgehalten. ().

    , pois, claro que, em rigor, o contrato no se estabelecemediante a declarao de expedio. No est aqui em jogo a cons-tituio ou (sequer) a validade do contrato de transporte de merca-dorias, mas, somente, a prova (constatao) do negcio.

    IV. O documento de transporte na CMR, designadodeclarao de expedio no , pois, requisito de validade docontrato de transporte rodovirio de mercadorias(67). Tal documentoreleva, somente, para outros efeitos, designadamente, probatrios.

    O contrato de transporte rodovirio internacional de mercado-rias forma-se, pois, nos termos gerais: por mero consenso das par-tes, no estando sujeito a forma especial(68) (designadamente,escrita); nem to pouco a sua concluso depende da prtica de qual-quer acto material de entrega, real ou simblica, da mercadoria, nose tratando, portanto, de um contrato real quanto constituio(69).

    em suma: luz da CMR, o contrato de transporte rodoviriode mercadorias um negcio consensual(70).

    (67) Cf. STJ 28-Jan.-1997 (SIlVA PAIXO) e STJ 20-Mai.-1997 (SIlVA PAIXO),ambos in , RP 1-Fev.-1999 (AzeVeDO RAMOS), CJ XXIV, 1, 208, STJ2-Nov.-2003 (AFONSO MelO), STJ 6-Jul.-2006 (OlIVeIRA BARROS), ambos in , RP 5-Mar.-1991 (MIRANDA GUSMO), CJ XVI, 2, 1991, 233-237.

    (68) Vide ChRISTIAN TeUTSCh, in CmR Kommentar, org. ThUMe, 2. ed., cit., 186.(69) Vide JRGeN BASeDOw, in mnchener Kommentar HGB, VII, Handelsges-

    chfte. Transportrecht, cit., 927, ChRISTIAN TeUTSCh, in CmR Kommentar, org. ThUMe,2. ed., cit., 186.

    (70) Cf. RC 23-Abr.-2002 (NUNeS RIBeIRO), in .

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 645

  • 8.2. O regime do Decreto-lei n. 239/2003

    I. No Direito interno portugus, o contrato de transporterodovirio de mercadorias conta com o regime estabelecido noDecreto-lei n. 239/2003, de 4 de Outubro(71), alterado peloDecreto-lei n. 145/2008, de 28 de Julho(72). Trata-se de umregime ostensivamente inspirado na CMR(73).

    Para os presentes efeitos, importa recordar, em especial, osaspectos que seguem.

    II. O Decreto-lei n. 239/2003 contm, no seu art. 2./1,uma noo legal do contrato em causa:

    O contrato de transporte rodovirio nacional de mercadorias o cele-brado entre transportador e expedidor nos termos do qual o primeiro seobriga a deslocar mercadorias, por meio de veculos rodovirios, entrelocais situados no territrio nacional e a entreg-las ao destinatrio.

    Desta definio e do regime legal, traado pelo Decreto-lei resulta que o contrato de transporte rodovirio nacional de merca-dorias no um contrato real quoad constitutionem(74): para a cons-tituio do vnculo contratual, no se exige a entrega da mercadoriaao transportador, bastando, nos termos gerais, o simples consenso.

    A entrega/recepo da mercadoria constituir, assim, o pri-meiro acto de execuo do contrato(75).

    (71) O art. 26. do Dl n. 239/2003 revogou, expressamente, os arts. 366. a393. do Cdigo Comercial, apenas na parte aplicvel ao contrato de transporte rodoviriode mercadorias interno.

    (72) A alterao consistiu no aditamento do art. 4.-A, relativo remunerao dotransporte.

    (73) Neste sentido, JANURIO DA COSTA GOMeS, O direito de variao ou de con-trolo no transporte de mercadorias, in Temas de Direito dos Transportes, II, cit., 28.

    (74) No mesmo sentido, perante o Direito francs, RIPeRT/ROBlOT/DeleBeCQUe//GeRMAIN, Trait de Droit Commercial, t. 2, 16. ed., lGDJ, 2000, 717 e, nos quadros doDireito espanhol, QUINTANA CARlO, Contratos de transporte terrestre, in Tratado de Con-tratos, dir. BeRCOVITz RODRGUez-CANO, coord. MORAleJO IMBeRNN/QUICIOS MOlINA,tomo V, cit., 5096.

    (75) Cf. COSTeIRA DA ROChA, O contrato de transporte de mercadorias, cit., 63-64.J antes, no mesmo sentido, AlFReDO PROeNA, Transporte de mercadorias por estrada,

    646 CARlOS lACeRDA BARATA

  • III. O captulo II do Decreto-lei n. 239/2003, com a ep-grafe Do contrato de transporte, abre com a regulamentao daguia de transporte.

    Nos termos do art. 3.:

    1 A guia de transporte faz prova da celebrao, termos econdies do contrato.

    2 A falta, irregularidade ou perda da guia no prejudicam aexistncia nem a validade do contrato de transporte.

    3 ().

    4 ().

    semelhana do que sucede no mbito da CMR(76), o docu-mento de transporte a guia no requisito de validade docontrato: tambm em termos internos, o contrato de transporterodovirio de mercadorias no um negcio formal, estandoabrangido pelo princpio da liberdade de forma (219. do CdigoCivil)(77).

    cit., 14: () o contrato conforma-se e torna-se perfeito independentemente da entregasimultnea ao transportador da coisa a transportar (). A mesma orientao perfilhadapor MNICA SOAReS PeReIRA, O Contrato de Transporte de mercadorias A Responsabi-lidade do Transportador, cit., 2-3 (em especial, nota 6). Na jurisprudncia (a propsito deum litgio relativo a um transporte areo) STJ 5-Abr.-2001 (PROeNA FOUTO), CJ XXVI/2,2001, 101 ss. (102).

    No mesmo sentido, em Itlia, entre vrios, GONNellI/MIRABellI, Trasporto (con-tratto di), eD XlIV, 1992, 1158, AlBeRTO ASQUINI, Trasporto di cose (contratto di),NvssDI XIX, 1973, 582, AUleTTA/SAlANITRO, Diritto Commerciale, 18. ed. cit., 448.Tambm em termos concordantes, na doutrina brasileira, ORlANDO GOMeS, Contratos,26. ed., cit., 375-376 e MARIA heleNA DINIz, Tratado Terico e Prtico dos Contratos,vol. 4, 6. ed., edit. Saraiva, 2006, 406, CAIO SIlVA PeReIRA, instituies de DireitoCivil, III, 12. ed., cit., 327-328, e, na doutrina espanhola, QUINTANA CARlO, Contratos detransporte terrestre, in Tratado de Contratos, dir. BeRCOVITz RODRGUez-CANO, coord.MORAleJO IMBeRNN / QUICIOS MOlINA, tomo V, cit., 5096.

    (76) Nos termos do art. 9. da Conveno, a declarao de expedio, at prova emcontrrio, faz f das condies do contrato e da recepo da mercadoria pelo transportador.

    (77) Neste sentido considerando que a falta de documento de transporte noimplica a invalidade do contrato de transporte terrestre RP 6-Out.-1993 (NOel DA SIlVAPINTO), CJ VIII, 4, 1983, 255-256. em termos coincidentes, em matria de transporte rodo-virio nacional de mercadorias, Rlx 27-Mai.-2010 (ANA PAUlA BOUlAROT), in .

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 647

  • 8.3. A guia de transporte: forma, contedo e funes

    I. No obstante no relevar para efeitos de existncia ou devalidade do contrato de transporte rodovirio de mercadorias, aguia de transporte ou declarao de expedio, na terminolo-gia da CMR desempenha um papel de extrema relevncia(78),sendo, por isso, objecto de um minucioso regime legal.

    II. A guia um documento escrito ou produzido por viainformtica(79) assinado pelo expedidor e pelo transportador(80),que dever ser emitido, por este, em trs exemplares art. 5./1 daCMR e art. 4./1 do Decreto-lei n. 239/2003.

    Quando a mercadoria a transportar for carregada em mais deum veculo ou se trate de diversas espcies de mercadorias ou delotes distintos, o expedidor ou o transportador pode exigir quesejam preenchidas tantas guias quantos os veculos a utilizar ouquantas as espcies ou lotes de mercadorias a transportar 5./2da CMR e 3./3 do Decreto-lei n. 239/2003.

    III. Tambm o Decreto-lei n. 239/2003, de 4 de Outubro,se refere ao contedo da guia de transporte. Nos termos do respec-tivo art. 4./1(81), temos:

    lugar e data do preenchimento;

    Nome e endereo do transportador, do expedidor e do des-tinatrio;

    lugar e data do carregamento e local da entrega;

    (78) Um papel crucial, nas palavras de PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I,cit., 233. No mesmo sentido, entre vrios, AlAIN SRIAUX, Contrats civils, PUF, 2001, 273,sublinhando que o ttulo de transporte desempenha um papel jurdico relevante.

    (79) O Decreto-lei n. 198/2012, de 24 de agosto que alterou e republicou oDecreto-lei n. 147/2003, de 11 de Julho, relativo ao regime dos bens em circulao(objecto de transaces entre sujeitos de IVA) introduziu o sistema de comunicaoelectrnica dos documentos de transporte, operando, assim, a sua desmaterializao.

    (80) O documento que no esteja assinado no pode valer como guia de transporteou declarao de expedio: STJ 20-Mai.-1997 (SIlVA PAIXO), cit., in .

    (81) Cf. a indicao, em grande parte coincidente, constante do art. 6./1 da CMR.

    648 CARlOS lACeRDA BARATA

  • Denominao da mercadoria e tipo de embalagem;

    Peso bruto da mercadoria, nmero de volumes ou quanti-dade expressa de outro modo.

    Acrescem elementos eventuais (4./2 do Decreto-lei n. 239//2003)(82); quando for caso disso, a guia deve ainda indicar:

    Prazo para realizao do transporte;

    Declarao de valor da mercadoria;

    Declarao de interesse especial na entrega;

    entrega mediante reembolso.

    A guia de transporte pode, ainda, conter outras menes ouindicaes, nela inscritas pelas partes, relativas, nomeadamente, aopreo e a despesas do transporte(83), a documentos entregues aotransportador e a instrues dadas pelo expedidor ou pelo destina-trio (4./3 do Decreto-lei n. 239/2003).

    IV. A guia de transporte da mercadoria desempenha impor-tantes funes(84).

    em primeiro lugar, ela tem efeitos probatrios(85). Comefeito, a guia serve de meio de prova(86), relativamente identifica-o da mercadoria, ao estado em que foi carregada, bem como aoutros aspectos do contedo do contrato.

    (82) Cf. os elementos eventuais alinhados nas sete alneas do art. 6./2 da CMR.(83) As despesas do transporte (incluindo o preo) constituem um elemento essen-

    cial do contedo da guia, segundo a CMR (art. 6./1, i)).(84) Vide PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I, cit., 232-233.(85) Acerca da funo probatria da guia de transporte, cfr, designadamente, DIO-

    NIGI BOVOlO, in Commentario al Codice Civile, a cura di PAOlO CeNDON, arts. 1655.--1702. Appalto Trasporto, Giuffr, 2008, 549.

    (86) Cf. MeNezeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes, ROA, cit.,160, PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I, cit., 232, leTe Del RIO/leTe AChIRICA,Derecho de Obligaciones, vol. II, Contratos, Thomson/Aranzadi, 2006, 552, QUINTANACARlO, Contratos de transporte terrestre, in Tratado de Contratos, dir. BeRCOVITzRODRGUez-CANO, coord. MORAleJO IMBeRNN/QUICIOS MOlINA, tomo V, cit., 5094--5095.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 649

  • Dispe o art. 3./1 do Decreto-lei n. 239/2003:

    A guia de transporte faz prova da celebrao, termos e condies docontrato.

    V. Acresce que o transportador pode formular reservas se,no momento da recepo da mercadoria, constatar que esta ou aembalagem apresentam defeito aparente, bem como quando nolhe seja possvel verificar a exactido das indicaes constantes daguia. Tais reservas devero ser apostas na guia de transporte e care-cem de aceitao expressa do expedidor art. 9./1 e 2 doDecreto-lei n. 239/2003.

    Pois bem: estas regras tm uma enorme importncia prtica,dado que, na falta de reservas, se presume o bom estado da merca-doria e da embalagem e a exactido das indicaes vertidas naguia. o que decorre do art. 9./3 do mesmo diploma legal.

    VI. Por outro lado, a guia de transporte prossegue, tambm,funes de legitimao.

    A mercadoria transportada pode destinar-se ao prprio expe-didor ou a terceiro. em qualquer caso, o transportador s deverentregar a mercadoria a quem se apresentar com a guia de trans-porte.

    em suma: o transportador s tem a obrigao de entregar oque constar da guia e a quem seja portador legtimo desta(87).

    VII. A guia de transporte de mercadorias realiza, ainda, fun-es de controlo, de ordem administrativa e de cariz tributrio, adesempenhar pelas entidades competentes(88).

    (87) Cf. PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I, cit., 232.(88) Cf. o citado Decreto-lei n. 198/2012, de 24 de Agosto: a desmaterializao

    dos documentos de transporte de bens tem em vista, designadamente, um controlo fiscalmais eficaz.

    650 CARlOS lACeRDA BARATA

  • III. Formaoeconclusodocontratodetransportefer-rovirio

    9. Formaodocontratode transporte ferroviriodepassageiros

    9.1. A COTIF de 1980 e o Protocolo de 1999: as regras uni-formes CIV

    I. Foi no domnio dos transportes ferrovirios que foramdados os primeiros passos no sentido da harmonizao internacio-nal(89), desde logo, com a Conveno de Berna de 1890, sobretransportes internacionais de mercadorias. Mais tarde, em 1924,surgiu a Conveno relativa aos transportes internacionais ferrovi-rios (COTIF), de 9 de Maio de 1980, com as regras uniformes CIV,relativas ao transporte de passageiros e bagagens (apndice A) eCIM, referentes ao transporte de mercadorias (apndice B)(90).

    Uma nova verso da COTIF resultou do Protocolo de 3 deJunho de 1999, assinado por Portugal, em 9 de Dezembro domesmo ano e aprovado pelo Decreto n. 3/2004, de 25 de Maro(91).Relevam, de novo, os apndices A (regras CIV) e B (regras CIM).

    II. O ttulo II (arts. 6. a 11.) do apndice A da actual versoda COTIF refere-se, especificamente, celebrao e execuo docontrato de transporte.

    Recordamos o teor do art. 6./1:

    Mediante um contrato de transporte, o transportador compromete-se atransportar o passageiro e, se for caso disso, bagagens e veculos aolocal de destino, bem como entregar as bagagens e os veculos no localde destino.

    (89) Cf. BARThlMY MeRCADAl, Droit des transports terrestres et ariens, cit.,180 ss.

    (90) Aprovada para ratificao pelo Decreto n. 50/85, de 27 de Novembro.(91) A verso autntica em lngua francesa e a traduo em portugus foram

    objecto de publicao oficial, em anexo ao Decreto n. 3/2004, no Dirio da Repblica ISrie-A, de 25 de Maro de 2004 (1811 ss).

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 651

  • Segundo a Conveno, no transporte ferrovirio de passagei-ros o transportador obriga-se a fazer deslocar o passageiro (e, even-tualmente, bagagens e veculos) at ao local estipulado como lugarde destino do transporte.

    III. Da Conveno no resultam quaisquer exigncias espe-ciais, quanto forma ou ao modo de formao do contrato detransporte ferrovirio de passageiros.

    luz da COTIF, o ttulo de transporte no requisito formalde validade: a ausncia, irregularidade ou perda do ttulo no afectaa existncia nem a validade do contrato (6./2 do apndice A).

    9.2. O regime do Decreto-lei n. 58/2008

    I. Tambm em termos internos, no deparamos com regrasespeciais directamente destinadas a regular a matria da formaoe da concluso do contrato de transporte ferrovirio de passageiros.

    Nos termos do art. 3./1 do Decreto-lei n. 58/2008, de 26 deMaro:

    O contrato de transporte confere ao passageiro o direito ao transporte,mediante ttulo de transporte ou outro meio de prova, nas condiesdefinidas no presente decreto-lei.

    Acrescenta o n. 2 do mesmo preceito:

    O passageiro pode fazer-se acompanhar de bagagens, de volumes por-tteis, de animais de companhia e de outros bens que o operador aceitetransportar em complemento do transporte de passageiros.

    Pelo lado do transportador (designado operador)(92): ficaobrigado a transportar os passageiros munidos de ttulos de trans-porte ou de outro meio de prova (art. 4./1 do mesmo diploma legal).

    652 CARlOS lACeRDA BARATA

    (92) De acordo com a definio do art. 2./f) do Decreto-lei n. 58/2008, Opera-dor qualquer empresa devidamente habilitada para a prestao de servios de transporteferrovirio.

  • II. Neste quadro, de afirmar que em matria de trans-porte ferrovirio de passageiros valem as normas gerais aplic-veis em sede de formao do contrato, resultando este, em regra,da proposta do operador/transportador, dirigida ao pblico (ofertaao pblico) e da aceitao, expressa ou tcita, do utilizador/passa-geiro.

    III. Quanto forma, ser aplicvel a regra da consensuali-dade (219. do Cdigo Civil).

    9.3. O papel do ttulo de transporte

    I. O Decreto-lei n. 58/2008 define o ttulo de transporte,para efeitos do regime do transporte ferrovirio de passageiros.

    F-lo nos seguintes termos (art. 2./c):

    () o documento emitido pelo operador ou por outrem com autoriza-o do operador, em suporte de papel ou outro, que confirma o contratode transporte.

    Trata-se, pois, antes de mais, de um documento cf. 362.,2. parte, do Cdigo Civil emitido em suporte de papel ou outro.

    Como parece evidente, no est aqui em causa uma confirma-o em sentido tcnico(93), no obstante a letra do citado art. 2./c).

    Tambm nesta matria, o ttulo de transporte tem, principal-mente, uma funo probatria cf. arts. 3./1, 4./1 e 7. doDecreto-lei n. 58/2008.

    II. Nos termos do art. 7. do mesmo diploma legal(94), o pas-sageiro est obrigado a munir-se de ttulo de transporte e a con-serv-lo at final da viagem, sada do cais ou da estao, devendo

    (93) Vide, por todos, MeNezeS CORDeIRO, Da Confirmao no Direito Civil, sepa-rata dos Estudos em Homenagem Centenrio do nascimento do Professor Doutor PauloCunha, Almedina, 2012, 119-228.

    (94) Cf. RAFAel PAIVA, Sobre a proteo da pessoa humana no transporte ferrovi-rio: linhas e linhas, cit., 355 ss.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 653

  • apresent-lo aos agentes do operador encarregues da fiscalizao,sempre que solicitado (7./1).

    Porm, mesmo em termos meramente probatrios, o ttulono surge como absolutamente essencial: em caso de desmateriali-zao, deteriorao ou perda, ele pode ser substitudo por factura,recibo ou outro documento, que comprove a aquisio e validadedo ttulo (7./2).

    III. Os ttulos de transporte ferrovirio de passageiros so,especialmente, regulados no captulo IV do Decreto-lei n. 58/2008.

    Assim:

    art. 22.: espcies de ttulos de transporte (simples e assi-naturas);

    art. 23.: indicaes que devem constar dos ttulos(95);

    art. 24.: reduo de preos (em funo da idade do passa-geiro).

    IV. Como ficou referido, tambm no transporte ferroviriode passageiros, o ttulo de transporte no pode ser associado forma do contrato: este est sujeito regra da liberdade de forma(219. do Cdigo Civil); o ttulo releva ao nvel da prova e da legi-timao.

    efectivamente, no transporte de passageiros, alm da provado contrato e do seu contedo, o ttulo de transporte legitima o seuportador a exigir, do transportador, a prestao a que este fica ads-trito: deslocar o passageiro e suas bagagens, entre os locais e nostermos que resultam do ttulo(96). Neste domnio, o ttulo de trans-porte um simples documento de legitimao.

    (95) O ttulo deve conter: a identificao do(s) operador(es), a entidade emitente, otipo de servio, a validade e o preo (23./1).

    (96) Cf. PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I, cit., 237. Na doutrina italiana,no mesmo sentido, entre vrios, DOMeNICO RICCIO, il passaggero di fatto nel trasporto fer-roviario, cit., 64.

    654 CARlOS lACeRDA BARATA

  • 10. Formaodocontratodetransporteferroviriodemercadorias

    10.1. A COTIF e as regras CIM

    I. O apndice B da COTIF consagra regras uniformes relati-vas ao contrato de transporte internacional ferrovirio de mercado-rias: as designadas regras CIM.

    II. Com relevo para o tema em apreo, temos a considerar,em primeiro lugar, a prpria definio dada ao contrato de trans-porte, pelo art. 6./1:

    Mediante um contrato de transporte, o transportador compromete-se atransportar a mercadoria a ttulo oneroso ao local de destino e aentreg-la ao destinatrio nesse local.

    As regras CIM s tm, assim, aplicao quando esteja em causaum contrato oneroso de transporte internacional ferrovirio de mer-cadorias: no valem, portanto, em caso de transporte gratuito.

    III. O confronto com a verso originria da COTIF permitedocumentar uma evoluo, na forma como o contrato em jogo encarado, quando ao seu modo de constituio.

    Recordemos o que dispunha o art. 11., do apndice B daCOTIF, na verso de 1980, que tinha como epgrafe concluso docontrato de transporte:

    1 O contrato de transporte fica concludo a partir do momento emque o caminho de ferro expedidor aceitar para transporte a mercadoria,acompanhada da declarao de expedio.

    Na lgica do art. 11. da verso originria das regras CIM(1980), a concluso do contrato parecia, pois, depender da aceita-o da mercadoria pelo transportador, o que equivale a dizer que ocontrato de transporte s se teria por concludo com a respectivaentrega das coisas a transportar: o esquema tpico dos contratosreais quoad constitutionem(97).

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 655

    (97) Cf. JRGeN BASeDOw, Der Transportvertrag, Mohr (Paul Siebeck), 1987, 223

  • No mesmo sentido parecia ainda depor o art. 1./1 das regrasCIM, segundo o qual as regras uniformes s seriam aplicveis aremessas de mercadorias entregues para transporte com uma decla-rao de expedio.

    Todavia, alguma doutrina admite que este figurino dese-nhado pelas regras CIM, na verso anterior ao Protocolo de 1999 no constitua um verdadeiro desvio regra da consensualidade,mas simples pressuposto de aplicabilidade da Conveno e das res-pectivas regras uniformes(98).

    IV. Na verso resultante do Protocolo de 1999, as refern-cias, directas ou implcitas, entrega da mercadoria em sede deconcluso do contrato de transporte internacional ferrovirio desa-pareceram.

    , pois, de concluir que, perante a actual verso das regrasCIM, o transporte no um contrato real(99), mas sim um negcioconsensual, em que a entrega da mercadoria no constitui elementoda formao do negcio, integrando j a fase de execuo do pro-grama contratual.

    ss., FlORIAN GehRke, Das elektronische Transportdokument Frachbrief und Konnosse-ment in elektronischer Form im deutschen und internationalen Recht, lit, 2005, 21.

    No mesmo sentido, leTe Del RIO/leTe AChIRICA, Derecho de Obligaciones, vol. II,Contratos, cit., 560 e tambm de modo concordante qualificando o contrato de trans-porte internacional ferrovirio de mercadorias, submetido antiga verso das regras CIMda COTIF, como contrato real quoad constitutionem (e formal) ReN RODIRe, Le con-trat de transport de marchandises terrestre et arien Harmonisation du Droit des Affai-res dans les Pays du march Commun, cit., 54 e hlNe COURTOIS, in RODIRe, idem, 100.

    (98) Vide COSTeIRA DA ROChA, O contrato de transporte de mercadorias, cit., 37,apoiando-se na posio de RODIRe, Droit des transports, 2. ed., Sirey, 1977, 323 (na3. ed., Dalloz, 1981: p. 159).

    (99) em sentido contrrio, considerando o contrato de transporte ferrovirio decoisas como um contrato real e assinalando que, em face da COTIF, se trata de uma orien-tao unnime, ANTONIO FlAMINI, il trasporto, cit. (2008), 127, nota 385. Porm, refira--se (com perplexidade) que, em abono desta afirmao, o Autor indica, apenas, doutrinapublicada nas dcadas de 60, 70 e 80 (MARIO STOlFI, Appalto Trasporto, in Trattato didiritto civile, dir. GROSSO/SANTORO-PASSARellI, Vallardi, 1961, 94, MARIO IANNUzzI, Deltrasporto, 2. ed., in Commentario del Codice Civile, dir. SCIAlOJA/BRANCA, zanichelli//Foro Italiano, 1970, 13 ss., C. De MARCO, La responsabilit civile nel trasporto di per-sone e di cose, Giuffr, 1985, 68); portanto: doutrina anterior ao Protocolo de 1999.

    656 CARlOS lACeRDA BARATA

  • V. em termos formais, o transporte ferrovirio internacionalde mercadorias um contrato consensual: as regras CIM no exi-gem, para sua validade, qualquer forma especial(100).

    10.2. A declarao de expedio / guia de transporte

    I. No transporte ferrovirio de mercadorias, o documento detransporte assume um papel central: trata-se da declarao deexpedio, na terminologia das regras CIM ou da guia de trans-porte, na designao tradicional, que consta, nomeadamente, donosso Cdigo Comercial.

    II. Para os presentes efeitos, como pontos essenciais, temosa reter:

    No transporte internacional:

    Ao contrato de transporte ferrovirio internacional demercadorias est associada uma declarao de expedio,assinada pelo expedidor e pelo transportador, a qualseguir um modelo uniforme (6./2 e 4 CIM);

    A ausncia, irregularidade ou perda da declarao deexpedio no afecta nem a existncia nem a validade docontrato (6./2 CIM);

    A declarao que no tem o valor de um conhecimento(6./5 CIM) deve conter determinadas indicaes,necessrias ou eventuais, constantes do extenso art. 7.CIM;

    A declarao de expedio faz f, at prova em contrrio,da celebrao e das condies do contrato de transporte(12./1 CIM): tem, pois, eficcia (meramente) probatria;

    Na ausncia de indicaes em contrrio, na declarao deexpedio, presume-se o bom estado aparente da merca-doria, no momento em que o transportador a recebeu

    (100) Vide JRGeN BASeDOw, Der Transportvertrag, cit., 230.

    CONTRATOS De TRANSPORTe TeRReSTRe 657

  • (12./2 CIM), salvo existncia de reserva fundamentada(12./4 CIM).

    Quanto ao transporte interno:

    O transportador deve entregar ao expedidor, que aexija(101), uma guia de transporte, datada e por ele assi-nada; se o transportador o exigir, o expedidor deve entre-gar-lhe um duplicado da guia, por si assinado. A guiapoder ser emitida ordem ou ao portador (art. 369. doCdigo Comercial.);

    Quanto ao contedo: a guia deve incluir o que, para oefeito, resultar dos regulamentos especiais do transporta-dor e, na sua falta, os elementos subsidiariamente indica-dos pelo art. 370. do Cdigo Comercial;

    Tambm em termos internos, a aceitao, sem reserva, damercadoria, pelo transportador, constitui presuno dainexistncia de vcios aparentes (376.);

    existindo guia de transporte, ela operar como basenica de soluo(102) de litgios sobre o transporte:todas as questes acerca do transporte se decidiro pelaguia de transporte, no sendo contra a mesma admiss-veis excepes algumas, salvo de falsidade ou erro invo-luntrio de redaco. (373. do Cdigo Comercial).

    10.3. O Decreto-lei n. 39.780, de 21 de Agosto de 1954: oRePCF

    I. Como ficou j referido, com o Decreto-lei n. 39.780,de 21 de Agosto de 1954, foi aprovado o Regulamento para a

    (101) Neste mbito, a guia de transporte , portanto, facultativa, como refere MeNe-zeS CORDeIRO, introduo ao Direito dos Transportes, ROA, cit., 159 e Direito Comercial,3. ed., cit., 808.

    (102) PAIS De VASCONCelOS, Direito Comercial I, cit., 235.

    658 CARlOS lACeRDA BARATA