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Confederación Iberoamericana de Asociaciones Científicas y Académicas de la Comunicación Capitanias midiáticas neopentecostais: a convergência dos campos político, midiático e religioso André Kron Marques Zapani 1 Resumo: As relações de comunicação são evidentes relações de poder que, atualmente, através dos meios de comunicação interferem diretamente nos campos político e econômico, buscam a obtenção do consenso ideológico, da legitimação da coerção burocrática e dessa forma, o poder hegemônico. A partir do final da década de oitenta, final do período de restrições democráticas no país, a comunicação passa a conviver em um ambiente de disputa pelo seu poder simbólico, haja vista que o detentor do controle dos aparatos midiáticos passa a ter potencial supremacia (direção de aliados e dominação de antagonistas) de um grupo sobre os outros. Sendo assim, surgem novos segmentos sociais/culturais (a religião neopentecostal – Igreja Universal do Reino de Deus, IURD) - que ingressam no (e exclusivamente para o) campo midiático radiofônico (rádio e TV) e que se fazem representar de maneira mais evidente pela Radio e Televisão Record S/A (Rede Record). A convergência dos campos religiosos e midiáticos estende-se também para o político, fato que veio (e que continua) a expandir a bancada evangélica no poder legislativo nacional e estadual, a originar as “capitanias midiáticas neopentecostais” e o “coronelismo eletrônico evangélico”, terminologias que consolidam a expressiva e relevante convergência desses campos, bem como evidencia a mídia como um fundamental aparelho privado de hegemonia gramsciano destinado à consolidação intelectual, cultural e ideológico de um grupo (religioso e/ou político) sobre os demais Palavras-chave: hegemonia; “coronelismo eletrônico”; capitanias midiáticas neopentecostais; comunicação; convergência de campos. Abstract: The communication relations are evident relations of power that, nowadays, through means of communication, interfere in the political and economic fields, making it easy to obtain the ideological consensus and the legitimation of the coercion of media agents that seek hegemonic power also in these fighting spaces. From the late 80s, end of the period of democratic restrictions in the country, communication has to deal with an environment of struggle for its symbolic power, considering that whichever is in charge of the media devices has the potential achievement of supremacy of one group over the others. So new social/cultural segments arise (the neopentecostal religion- Igreja Universal do Reino de Deus - IURD), initially joining the television media field, represented by Record Network, and begin an unheard dispute for the audience with the then sole leader Globo Network. However, the convergence of the media and religious fields also extends to the economic and political fields, which comes to expand the Gospel stand in the national and state legislative power, to origin the “neopentecostal media captaincies” and the “electronic coronelismo” (rule of the coronels), as well as point out the media as an essential private instrument of hegemony of the national civil society to the intellectual, cultural and ideological consolidation of one group over the others. Key-words: hegemony, “eletronic coronelismo”,neopentecostal media captaincies; comunication, Globo and Record dispute. 1. INTRODUÇÃO Os meios de comunicação deixam cotidianamente de ser exclusivos periféricos amplificadores de informações, de contemplação, de fruição temporal ou de simples entretenimento e adquirem predicados de controle, de direção, de lucro e de projeção social. 1 Mestre em Comunicação (UTP), jornalista e docente do Colégio Militar de Curitiba. Email: [email protected]

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Confederación Iberoamericana de Asociaciones Científicas y Académicas de la Comunicación

Capitanias midiáticas neopentecostais: a convergência dos campos político, midiático e religioso

André Kron Marques Zapani1

Resumo: As relações de comunicação são evidentes relações de poder que, atualmente, através dos meios de comunicação interferem diretamente nos campos político e econômico, buscam a obtenção do consenso ideológico, da legitimação da coerção burocrática e dessa forma, o poder hegemônico. A partir do final da década de oitenta, final do período de restrições democráticas no país, a comunicação passa a conviver em um ambiente de disputa pelo seu poder simbólico, haja vista que o detentor do controle dos aparatos midiáticos passa a ter potencial supremacia (direção de aliados e dominação de antagonistas) de um grupo sobre os outros. Sendo assim, surgem novos segmentos sociais/culturais (a religião neopentecostal – Igreja Universal do Reino de Deus, IURD) - que ingressam no (e exclusivamente para o) campo midiático radiofônico (rádio e TV) e que se fazem representar de maneira mais evidente pela Radio e Televisão Record S/A (Rede Record). A convergência dos campos religiosos e midiáticos estende-se também para o político, fato que veio (e que continua) a expandir a bancada evangélica no poder legislativo nacional e estadual, a originar as “capitanias midiáticas neopentecostais” e o “coronelismo eletrônico evangélico”, terminologias que consolidam a expressiva e relevante convergência desses campos, bem como evidencia a mídia como um fundamental aparelho privado de hegemonia gramsciano destinado à consolidação intelectual, cultural e ideológico de um grupo (religioso e/ou político) sobre os demais

Palavras-chave: hegemonia; “coronelismo eletrônico”; capitanias midiáticas neopentecostais; comunicação; convergência de campos.

Abstract: The communication relations are evident relations of power that, nowadays, through means of communication, interfere in the political and economic fields, making it easy to obtain the ideological consensus and the legitimation of the coercion of media agents that seek hegemonic power also in these fighting spaces. From the late 80s, end of the period of democratic restrictions in the country, communication has to deal with an environment of struggle for its symbolic power, considering that whichever is in charge of the media devices has the potential achievement of supremacy of one group over the others. So new social/cultural segments arise (the neopentecostal religion- Igreja Universal do Reino de Deus - IURD), initially joining the television media field, represented by Record Network, and begin an unheard dispute for the audience with the then sole leader Globo Network. However, the convergence of the media and religious fields also extends to the economic and political fields, which comes to expand the Gospel stand in the national and state legislative power, to origin the “neopentecostal media captaincies” and the “electronic coronelismo” (rule of the coronels), as well as point out the media as an essential private instrument of hegemony of the national civil society to the intellectual, cultural and ideological consolidation of one group over the others.

Key-words: hegemony, “eletronic coronelismo”,neopentecostal media captaincies; comunication, Globo and Record dispute.

1. INTRODUÇÃO

Os meios de comunicação deixam cotidianamente de ser exclusivos periféricos

amplificadores de informações, de contemplação, de fruição temporal ou de simples

entretenimento e adquirem predicados de controle, de direção, de lucro e de projeção social.

1 Mestre em Comunicação (UTP), jornalista e docente do Colégio Militar de Curitiba. Email: [email protected]

As plataformas massivas de radiodifusão2, principalmente, integram um universo cujo sistema

econômico é regido pela produção de aparências mercantilistas que têm como mote principal

a conquista do tempo, da atenção, do capital financeiro e da identificação alheia.

Verifica-se a grande relevância lograda pelas mídias em pouco mais de quatro

décadas, tempo relativamente curto para diversas evoluções tecnológicas e comerciais

sofridas, ao ponto de ser observada a pluralidade de narrativas midiáticas com suas

diversificadas temáticas e públicos alvos, tornando a assistência um público heterogêneo, mas

de homogênea dependência informativa.

O campo comunicacional proporciona aos proprietários midiáticos projeção,

visibilidade e supremacia de suas marcas, além de ser um nicho para divulgação e

amplificação de aspectos financeiros, ideológicos e políticos.

Esse artigo tem a finalidade de analisar a importância e a relevância da comunicação

de massa (em especial a televisão) na busca pela hegemonia na contemporânea convergência

dos campos midiático, religioso, político e econômico. Esta hibridização fez com que este

autor criasse a terminologia “capitania midiática neopentecostal” para melhor evidenciar e

sintetizar a imbricação desses quatro campos.

A comunicação, neste estudo, é representada pelos tradicionais proprietários de

emissoras radiofônicas, em especial a família Marinho (dona da Rede Globo) e a recente e

inédita concorrência em audiência que vem disputando com Edir Macedo e a IURD

(proprietária da Rede Record), integrantes da recente vertente religiosa midiática do

neopentecostalismo (Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus,

Igreja Apostólica Renascer em Cristo, entre outras diversas) que, consequentemente, vem

também convergindo e adequando sua liturgia para os campos da mídia e da política

brasileira.

Esta análise foi baseada na expressiva expansão quantitativa de concessões

radiofônicas recebidas por ambas emissoras do governo federal, na relevante inserção de

proprietários de emissoras afiliadas nas bancadas políticas e no índice de reeleição daqueles

políticos ora diretamente ou não vinculados à mídia televisiva da Rede Globo ou da Rede

Record.

2 Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a radiodifusão divide-se em sonora (rádio) e de sons e imagens (televisão).

Essa pesquisa delimita a televisão como meio de comunicação de estudo, haja vista

que ela é desde a década de sessenta a mídia de maior audiência e teve função primordial para

a integração nacional; grande relevância para a convergência dos campos político e midiático,

a partir da década de oitenta; provém a geração de altos investimentos e lucros financeiros,

além de estar em 91,4% dos domicílios nacionais (Lima, 2008).

Personagens renomados foram protagonistas de episódios políticos que envolveram o

interesse pelo controle e pelo poder midiático. Desta forma, inicia-se a formação dos

primeiros conglomerados midiáticos que Larangeira (2009) denomina “capitanias midiáticas”,

analogia histórica feita aos lotes de terra do período colonial e as suas relações de

apadrinhamento e de nepotismo que visavam à concessão de grandes extensões terrenas para

funcionários e simpatizantes da Coroa Real (comerciantes e militares) em detrimento do

recebimento de parte dos lucros auferidos por meio destas concessões de terra.

Os periféricos midiáticos transformaram-se em uma evolução do Príncipe de

Maquiavel e uma extensão gramsciniana do intelectual orgânico que se tornou coletivo -

“Príncipe Eletrônico”, Ianni (2003) - deslocando a exclusividade do poder político dos

tradicionais aparelhos privados de hegemonia - partidos políticos, sindicatos e escolas - para

os contemporâneos meios de comunicação de massa.

Essa alteração no locus do poder favoreceu o surgimento das “Capitanias Midiáticas

Neopentecostais” e de seus “proprietários”: Bispo Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de

Deus), Apóstolos Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus) e o Missionário

R.R. Soares (Igreja Internacional da Graça de Deus).

2. DA ENXADA PARA A TELEVISÃO

Os coronéis eram grandes latifundiários e empregadores de grandes massas servis que

detinham relações de dependência3. Situações idênticas tinham os poderes municipal com

estadual e este com o federal, haja vista que dependiam diretamente do voto para o

prosseguimento de seus mandatos e, indiretamente, dos proprietários de terras que, na base da

coerção física (torturas, escravidão) e psicológica (voto de cabresto), retroalimentavam

coniventemente a estrutura política nacional, estadual e municipal interdependentes.

3 Ver com mais detalhes em Zapani (2011)

Essa dependência/conivência política marcada por interesses pessoais, no sistema

coronelista, caracteriza o atual sistema brasileiro de comunicações que faz do

apadrinhamento, do clientelismo e do devir econômico predicados de destaque e de

existência.

A evolução conceitual e histórica dessa relação sofre dilações interpretativas, a ponto

de Santos & Capparelli (2005) reinterpretarem a obra “Coronelismo, enxada e voto”, de

Victor Leal Nunes sob a ótica “Coronelismo, radiodifusão e voto”.

Os coronéis de outrora passam a integrar a política comunicacional do século XX,

fruto principalmente do surgimento da televisão e do rádio, bem como a expansão do mercado

impresso, meios eficazes de difusão ideológica, de manutenção e, principalmente, de

expansão da hegemonia política e do poder simbólico não mais exclusivos em seus currais

eleitoreiros locais, mas em regiões mais longínquas, quiçá nas de seus adversários.

A moeda de troca desse sistema comunicacional é o voto do eleitorado rural vinculado

aos coronéis, via motivação midiática em favor do político aliado, que, em contrapartida,

facilita ao coronel eletrônico a outorga e, futuramente, a renovação das concessões do serviço

de radiodifusão, além de apoio publicitário no orçamento da emissora “cedida”.

O “coronelismo eletrônico” torna-se presente, é a manutenção das elites políticas

tradicionais, é a aliança entre o poder privado e os detentores das concessões radiofônicas,

alem de conceitualmente ser:

o sistema organizacional da recente estrutura brasileira de comunicações, baseado no compromisso recíproco entre poder nacional e poder local, configurando uma complexa rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais, proprietários dos meios de comunicação. (SANTOS, 2007, p.2).

2.1 As capitanias midiáticas

Desta forma, tradicionais famílias brasileiras ligadas ao latifúndio e à política – Mello,

Magalhães, Barbalho, Lobão, Jucá, Sarney – aliadas àquelas originalmente do campo

comunicacional e apadrinhadas por governos e políticos pós-década de 1930 – Chateaubriand,

Marinho4, Santos, Macedo, Bloch, Civita, Wainer - são os protagonistas da genealogia dos

conglomerados midiáticos recentes, evolução natural do apadrinhamento e do clientelismo

4 Embora a família Marinho tenha lançado seus dois jornais pioneiros (“A Noite” e o ”O Globo”) a partir de 1911, Bahia (2009) considera a década de 30 um marco inicial para a formação das redes midiáticas.

coronelista nacional. Nota-se inclusive que alguns nomes ainda são integrantes e/ou têm

influência em diversos níveis de atuação nos locus político dos poderes executivo e legislativo

nacional.

No entanto, é a partir do governo militar que o modelo brasileiro de comunicação

ganha seus traços contemporâneos de estruturação, face à pluralidade de outorgas de

concessão radiofônicas cedidas a restritos grupos de pessoas. Inicialmente entre estes,

verifica-se a família Marinho que já praticava propriedade cruzada em emissoras de rádio e

jornal, recebia investimentos ilegais5 de empresa privada estrangeira e que passou a divulgar a

ideologia militar de integração e nacionalismo, em contrapartida recebeu investimentos

tecnológicos, espaço espectral, grande visibilidade na opinião pública traduzido indiretamente

em liderança de audiência, investimentos publicitários, além de ter consolidada estreita

aliança com o governo vigente à época.

Findo o período militar, paradoxalmente, o sistema de comunicações viveria um

período de pouca transparência e objetividade política, haja vista que o governo sucessório

teve características menos democráticas no tocante à distribuição de outras outorgas

radiofônicas.

O Ministério das Comunicações, até a Constituinte de 1988, tinha o direito de fazer

essa distribuição de maneira exclusiva com o poder executivo, sem consulta a outros órgãos

federais. Desta forma, o então presidente José Sarney, assessorado pelo ministro Antônio

Carlos Magalhães, no período entre março de 1985 e setembro de 1988, distribuíram 1.028

outorgas, a maioria para os políticos que votaram a favor da dilação temporal de mais um ano

no seu mandato presidencial.

Fruto dessa distribuição em massa, verificou-se que o campo comunicacional

brasileiro sofreu grande ingerência de setores políticos (vereadores, deputados, senadores,

governadores, ministros) em sua estrutura e em seu conteúdo programático, conforme

levantamento televisivo abaixo:

5 Ver caso Time-Life em Herz (1989).

TABELA 1 – OUTORGAS DE TELEVISÃO CONTROLADAS POR POLÍTICOS

ESTADOS GERADORAS RETRANSMISSORASQuantidade Total (%) Quantidade Total (%)

AC 2 40 1 1,06AL 3 60 14 12,84AM 3 42,85 72 29,74AP 2 50 5 15,15BA 8 57,14 392 55,44CE 5 55,5 103 30,11DF 1 9,1 3 11,53ES 1 9,1 1 0,50GO 10 62,5 213 42,68MA 8 72,7 178 58,74MG 13 27,65 37 2,66MS 1 9,09 8 3,22MT 3 33,3 23 8,07PA 4 40 43 14,19PB 3 50 12 13,04PE 2 20 6 3,87PI 4 57,14 53 56,38PR 15 41,6 131 27,75RJ 5 26,31 33 8,22RN 6 85,71 13 12,74RO 2 33,33 37 24,02RR 2 100 3 6,81RS 2 7,69 16 2,08SC 5 25 76 9,88SE 2 50 21 35,00SP 13 20,63 56 3,22TO 3 60 81 52,25

Todas 128 33,6 1765 18,03FONTE: Santos & Capparelli (op. cit., p.95).

Nota-se, na tabela acima, que 33,6% das geradoras e 18,03% das retransmissoras de

emissoras de televisão encontram-se polarizadas nas mãos de políticos dos poderes executivo

e legislativo, grande evidência que os campos midiático e político caminham quase

indissociáveis na contemporaneidade.

Outro levantamento, feito por James Görgen (2009a), que teve como objeto de análise

figuras políticas que são sócios ou diretores de veículos de comunicação, corrobora com a

análise da tabela anterior:

GRÁFICO 1 – NÚMERO DE VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DE POSSE POLÍTICA POR ESTADO

FONTE: Görgen (2009a).

O poderio político e simbólico que políticos passam a adquirir face ao controle de

mídias massivas é notório - 271 políticos são sócios ou diretores de 324 veículos de

comunicação no Brasil, conforme Görgen (2009b), sendo que do total desses veículos: 7,38%

pertencem a senadores, 0,37% a governadores, 54,24% a prefeitos, 17,71% a deputados

federais e 20,3% a deputados estaduais6. Diferentemente que prescreve o parágrafo único do

artigo 7° da Lei nº 10.610, de 20 de dezembro de 2002: “não poderá exercer a função de

diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão

quem esteja no gozo de imunidade parlamentar [grifo meu] ou de foro especial”. (BRASIL,

artigo 7º, 2002).

Podem ser observadas diversas emissoras de rádio e TV na jurisdição de famílias

renomadas na política nacional, como por exemplo, a do presidente do Senado Federal, José

Sarney (PMDB/AP), e do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB/MA):

6 Dados referentes até ao mandato de dezembro de 2010.

QUADRO 1 – CONGLOMERADO MIDIÁTICO DA FAMÍLIA SARNEY

Familiar Parentesco com José Sarney Emissoras

Fernando Sarney(Deputado Federal – PV/MA) Filho

- Meio Norte FM - 99,9 - Timon (MA)- Mirante AM 830 - Imperatriz (MA)- Mirante FM 95,1 - Imperatriz (MA)- Mirante FM 96,1 - São Luís (MA)- TV Mirante Imperatriz - Imperatriz (MA)- TV Mirante São Luís - São Luís (MA)

Roseana Sarney Murad(Governadora – PMDB/MA) Filha

- Mirante FM 96,1 - São Luís (MA)- Rádio Alecrim - Caxias (MA)- Rádio Verdes Campos - Pinheiro (MA)- TV Mirante São Luís - São Luís (MA)

José Sarney Filho Filho - Mirante FM 96,1 - São Luís (MA)- TV Mirante São Luís - São Luís (MA)

Teresa Murad Sarney Nora - TV Mirante Cocais - Codó (MA)

FONTE: Görgen (2009a).

QUADRO 2 – CONGLOMERADO MIDIÁTICO DA FAMÍLIA LOBÃO

Familiar Parentesco com Edison Lobão Emissoras

Edison Lobão Filho

Marcio Lobão

Luciano Lobão

filhos

- Difusora 94 FM - São Luís (MA)- Radio e TV Difusora do Maranhão Ltda. - São Luís (MA)- Rádio Difusora do Maranhão AM - São Luís (MA)- TV Difusora - São Luís (MA)- TV Difusora Sul - Imperatriz (MA)

Edison Lobão próprio - Rádio Guajajara de Barra do Corda (MA)

FONTE: Görgen (2009a).

As concessões radiofônicas, segundo levantamento feito pela Folha de S.

Paulo, no ano eleitoral de 2010, em relação ao ano anterior sofreu um expressivo aumento

quantitativo, de 49 para 183, conforme gráfico a seguir:

GRÁFICO 2 – NÚMERO DE CONCESSÕES RADIOFÔNICAS ENTRE 2006-2010

FONTE: Costa (2010)

A busca pela hegemonia midiática política parece evidente e necessária para o

prosseguimento de mandatos, bastam ser analisados os resultados nas eleições de 2002, que,

segundo Santos & Capparelli (op. cit.), teve 75% dos candidatos do Congresso Nacional

reeleitos, ou seja, 445 de 594 deputados/senadores, sendo que a maioria destes coronéis

eletrônicos tem vínculo com os grupos afiliados às Redes Globo e Record.

2.1.2 As capitanias midiáticas religiosas

Seguindo à esteira da formação dos conglomerados midiáticos, a religião faz-se

presente neste contexto midiático de concentração de poder, pois integra ativamente uma

economia simbólica de sistema mercantilista que se apropria destas concessões e

subconcessões, vistas a seguir, como elementos centrais na disputa da hegemonia midiática.

O marco original da criação de conglomerados midiáticos religiosos deu-se por meio

da aquisição e controle da Rede Record, antes uma propriedade de famílias de coronéis

eletrônicos (Silvio Santos e Paulo Machado de Carvalho), pelo Bispo Edir Macedo Bezerra,

líder religioso da Igreja Universal do Reino de Deus.

Este momento histórico caracteriza o início da inserção administrativa e diretiva de

líderes religiosos como coronéis eletrônicos midiáticos, que fez da dilação conceitual original

desse sistema midiático de poder um reflexo direto na seara político-religioso-econômica

brasileira, fato observado no crescimento de concessões radiofônicas a representantes

evangélicos: “até março de 2006 foram 25,18% das emissoras de rádio FM e 20,55% das AM

nas capitais brasileiras [...], destacando-se a IURD entre as FM (24) [64,86% do total (37)]”

(FIGUEREDO FILHO apud LIMA, 2010). Corroborando com estes números, os evangélicos

expandiram suas fronteiras de meros participantes proselitistas midiáticos da liturgia e

passaram a atuar como representantes políticos no Congresso Nacional, extrapolando o poder

simbólico da religião para os locus político e midiático:

GRÁFICO 3 – REPRESENTAÇÃO EVANGÉLICA NO CONGRESSO NACIONAL

FONTE: - 1983 a 2007 – Lima (2010) - 2011 - DIAP (2010)

Observa-se no gráfico 3 o relevante crescimento da bancada evangélica a partir da

legislatura do quinquênio 1987-1991, período do presidente José Sarney em que houve a

grande distribuição de concessões radiofônica já citada.

A partir deste período, os números de religiosos evangélicos (incluindo-se em maior

número os pentecostais) eleitos para cargos dos poderes legislativos e executivos nacionais

fizeram-se crescentes, tanto que nas recentes eleições realizadas em 2010, a bancada

evangélica no Congresso Nacional obteve teve um crescimento de mais de 60% (44 para 73),

configurando um novo panorama político-religioso:

QUADRO 3 – COMPOSIÇÃO BANCADA EVANGÉLICA NO CONGRESSO FEDERAL – LEGISLATURA 2011-2015

DEPUTADOS E SENADORES PARTIDO UF IGREJA SITUAÇÃO

Agnaldo Ribeiro PP PB Batista NovoAnderson Ferreira PR PE Assembléia de Deus NovoAndré Zacharow PMDB PR Batista Novo

Andréia Zito PSDB RJ Maranata ReeleitaAntônio Bulhões PRB SP Universal do Reino de Deus Reeleito

Arolde de Oliveira DEM RJ Batista ReeleitoAureo PRTB RJ Metodista Novo

Benedita (senadora) PT RJ Presbiteriana NovaBispo Antônio Bulhões PRB SP Universal do Reino de Deus Reeleito

Bruna Furlan PSDB SP Cristã do Brasil NovaCleber Verde PRB MA Assembléia de Deus Reeleito

Delegado Francischini PSDB PR Assembléia de Deus NovoDona Iris Rezende PMDB GO Cristã Evangélica ReeleitaDr. Adilson Soares PR RJ Batista Reeleito

Dr. Grilo PSL MG Igreja Internacional da Graça NovoEdinho Araújo PMDB SP Presbiteriana NovoEdmar Arruda PSC PR Presbiteriana Novo

Eduardo Cunha PMDB RJ Sara Nossa Terra ReeleitoEdvaldo Holanda Junior PTC MA Batista Novo

Erivelton Santana PSC BA Assembléia de Deus NovoFátima Pelaes PMDB AP Assembléia de Deus ReeleitaFilipe Pereira PSC RJ Assembléia de Deus Reeleito

Garotinho PR RJ Presbiteriana NovoGeorge Hilton PRB MG Universal do Reino de Deus Reeleito

Gilmar Machado PT MG Batista ReeleitoHenrique Afonso PV AC Presbiteriana Reeleito

Jefferson Campos PSB SP Quadrangular ReeleitoJoão Campos PSDB GO Assembléia de Deus Reeleito

Jonathan de Jesus PRB RR Universal do Reino de Deus NovoJorge Tadeu Mudalen DEM SP Internacional da Graça de Deus Reeleito

Josué Bengtson PTB PA Quadrangular NovoLaércio Oliveira PR SE Presbiteriana Novo

Lauriete Rodrigues PSC ES Assembléia de Deus NovaLeonardo Quintão PMDB MG Presbiteriana Reeleito

Liliam Sá PR RJ Presbiteriana NovaLincoln Portela PR MG Batista Reeleito

Lindomar Garçon PV RO Assembléia de Deus ReeleitoMagno Malta (senador) PR ES Batista Reeleito

Manato PDT ES Cristã Maranata ReeleitoMarcelo Aguiar PSC SP Igreja Renascer Novo

Marcelo Crivella (senador) PRB RJ Universal do Reino de Deus ReeleitoMárcio Marinho PRB BA Universal do Reino de Deus ReeleitoMarco Feliciano PSC SP Assembléia de Deus NovoMarcos Rogério PDT RO Assembléia de Deus NovoMário de Oliveira PSC MG Evangelho Quadrangular Reeleito

Missionário José Olimpio PP SP Mundial do Poder de Deus NovoNeilton Mulim PR RJ Batista Reeleito

Nilton Capixaba PTB RO Assembléia de Deus NovoOnyx Lorenzoni DEM RS Luterano Reeleito

Otoniel Lima PRB SP Universal do Reino de Deus NovoPastor Eurico PSB PE Assembléia de Deus NovoPastor Heleno PRB SE Universal do Reino de Deus Novo

Pastor Paulo Freire PR SP Assembléia de Deus NovoProfessor Sétimo PMDB MA - Reeleito

Roberto de Lucena PV SP Brasil para Cristo NovoRomero Rodrigues PSDB PB - NovoRonaldo Fonseca PR DF Assembléia de Deus NovoRonaldo Nogueira PTB RS Assembléia de Deus Novo

Rui Carneiro PSDB PB - NovoSabino Castelo Branco PTB AM Assembléia de Deus Reeleito

Sérgio Brito PDT BA Batista ReeleitoSilas Câmara PSC AM Assembléia de Deus ReeleitoSueli Vidigal PDT ES Batista ReeleitaTakayama PSC PR Assembléia de Deus Reeleito

Vaz de Lima PSDB SP Presbiteriana NovoVitor Paulo PRB RJ Universal do Reino de Deus Novo

Walney Rocha PMDB RJ Metodista NovoWalter Pinheiro (senador) PT BA Batista Novo

Walter Tosta PMN MG Batista NovoWashington Reis PMDB RJ Nova Vida Novo

Zé Vieira PR MA Assembléia de Deus ReeleitoZequinha Marinho PSC PA Assembléia de Deus Reeleito

FONTE: DIAP (op. cit.)

Cabe ressaltar que alguns políticos evangélicos recém titulados ou reintitulados são

proprietários diretos7 ou diretores de emissoras radiofônicas, contudo a grande dificuldade

encontrada, e corroborada por Lima (2006), por este e demais pesquisadores na área da

radiodifusão é descobrir os verdadeiros controladores de concessões, haja vista que se

utilizam de expedientes para proteger suas identidades.

O emprego de intermediários8, tais como parentes e/ou “laranjas” são comumente e

reiteradamente utilizados a fim de ocultar o verdadeiro patrimônio midiático do legislador,

bem como burlar a legislação de radiodifusão corrente.

Retornando à projeção político-midiática pentecostal, outro fator decisório para o

aumento de sua projeção nacional foi o fenômeno recente do arrendamento de espaços na

programação de outras emissoras (subconcessão) que “alugam” espaços em sua grade de

horários para produções independentes. No entanto, estas inserções terceirizadas

(publicidades comerciais) não poderiam ultrapassar a 25% do tempo total da programação9,

que tem por objetivo financiar o conteúdo editorial da emissora.

7 Podem ser citados: Antônio Bulhões (PRB/SP) – 6 emissoras de rádio e 1 de TV; Arolde de Oliveira (DEM/RJ) – 1 emissora de TV; Outros, mesmo não sendo oficialmente proprietários, são apresentadores de programas radiofônicos: Garotinho (PR/RJ), Lincoln Portela (PR/MG), Sabino Castelo Branco (PTB/AM), Lilian Sá (PR/RJ), George Hilton (PRB/MG), Marco Feliciano (PSC/SP).

8 Mais detalhes do emprego de intermediários na compra de emissoras, ver sequência de reportagem em Lobato (2011a), (2011b) e (2011c).

9 Item 2, Art. 67 do Decreto 52.795, de 31 out. 1963, que regula os serviços de radiodifusão.

Desta forma, nota-se que em várias emissoras nacionais, principalmente Rede TV!,

Canal 21 UHF, CNT e Record, esta prática de sublocação tornou-se corriqueira e geradora de

vultosos valores contratuais, que segundo a Folha de S. Paulo, por exemplo:

rendeu R$ 420 milhões ao Canal 21 pelo arrendamento de 24h diárias durante toda semana à Igreja Mundial do Poder de Deus pelos próximos cinco anos. Já a locação de 5h30 na Band pela Assembléia de Deus custou R$ 336 milhões por quatro anos. Ainda na Band, o espaço alugado por R.R. Soares injeta nos cofres da emissora R$ 4 milhões por mês. (CASTRO, 2011).

Esta presença maciça de inserções evangélicas em espaços televisivos alheios nas

grades de programação pode ser observada quantitativamente no capítulo 4 (Quadro1) por

ocasião do aprofundamento do campo religioso e da disputa entre os segmentos

neopentecostais na mídia.

Sendo assim, verifica-se que há, por meio do crescimento do número de concessões

radiofônicas e das sublocações de horários em outras emissoras de massa para os coronéis

eletrônicos evangélicos, a formação de conglomerados midiáticos neopentecostais, fruto da

presente política de “coronelismo eletrônico” evangélico (líderes religiosos), do poder

representativo expansivo nas bancadas do poder legislativo e da vultosa renda das principais

igrejas neopentecostais.

3. A BUSCA PELA HEGEMONIA10

Reiteradas alusões foram feitas às potencialidades e aos predicados do poder

hegemônico que as mídias massivas são detentoras, ou pelo menos buscam detê-las, e o quão

determinante elas são para a formação de um pensamento coletivo, único e alinhado às

ideologias mercantilista, cultural e política de que detém o poder dominante de fala e,

principalmente, de direção.

A hegemonia justapõe a importância do trabalho intelectual e diretivo dos

proprietários midiáticos (dirigentes) às relações de poder existentes no contexto sociopolítico

e cultural contemporâneo (“coronelismo eletrônico”), onde se busca uma moral, um nicho

identificatório e uma salvação coletiva, além de conceitualmente ser

10 O termo deriva do grego eghestai, que significa “conduzir”, “ser líder”; ou também do verbo eghemoneuo, que significa “conduzir”, “comandar”, “ser o senhor”. Por eghemonia, o antigo grego entendia a direção suprema do exército. Trata-se de um termo militar. Hegemônico era o chefe militar, o guia e também o comandante do exército. (GRUPPI, 2000).

a capacidade de unificar através da ideologia e de conservar um bloco social não homogêneo, mas sim marcado por profundas contradições de classes. Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que [...] consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda, provocando uma crise na ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia [...]. (GRUPPI, 2000, p.70).

Este conceito amplamente empregado por Gramsci é encontrado em quase todos os

Cadernos do Cárcere, quer nas problemáticas da formação dos intelectuais e do Estado

italiano, quer na literatura ou nas relações com o povo, é o núcleo central da filosofia política

do Gramsci maduro (Buey, 2003), mas que, contudo, tem origem em Lênin, “[...] o princípio

teórico-prático da hegemonia tem também um alcance gnosiológico e portanto que neste

campo deve ser procurada a contribuição teórica máxima de Ilich11 à filosofia da práxis”

(GRAMSCI, 1973, p. 1249-1250).

Ressalta-se, todavia, segundo Coutinho (2008), que todo processo hegemônico é um

processo de comunicação [grifo meu], pois é através da reelaboração e do compartilhamento

de signos linguísticos que os indivíduos constroem suas identidades, estruturam suas idéias de

âmbito social e transformam ideologias voltadas para a construção histórica por meio do

acionamento e da mobilização da comunicação. “Implica, portanto, a persuasão e o diálogo, a

mediação de linguagem, o tornar comum da práxis interativa comunicacional (id.,op.cit.,

p.44)

A hegemonia significa a supremacia de um grupo ou classe sobre os outros grupos e

classes, com meios não exclusivamente violentos ou coercitivos e não prioritariamente, desta

forma, empregando aparatos policial-militares.

A supremacia, segundo Gruppi (op.cit.), manifesta-se em um grupo social por meio

dos seus intelectuais através do domínio (de seus antagônicos e de seus subordinados) e da

direção intelectual, cultural e moral (de seus aliados).

Intelectuais esses caracterizados como orgânicos12 e providos de funções essenciais

para a consolidação da estrutura hegemônica gramsciana. São os mediadores do consenso e,

além disso:

são comissários do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso ´espontâneo´ dado pelas massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce ´historicamente´ do prestígio (e, portanto, da

11 Algumas expressões e pseudônimos foram usados por Gramsci em substituição a nomes e a termos que podiam chamar a atenção da censura, entre eles filosofia da práxis (Marxismo) e Ilich (Lénine) (GRAMSCI, 1995).

12 Conceito aprofundado em Gramsci (1968).

confiança) que o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função no mundo de produção; 2) do aparato de coerção estatal que asseguram ´legalmente´ a disciplina dos grupos que não ´consentem´, nem ativa nem passivamente, mas que é constituída para toda a sociedade, na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nas quais fracassa o consenso espontâneo. (GRAMSCI, 1968, p.11).

Uma das premissas básicas para a consolidação da hegemonia é não somente deter a

dominação coletiva, mas mesmo após tê-la conquistada, torna-se fundamental ser dirigente,

ou seja, a busca pelo consenso do dominado por meio de injunções culturais, ideológicas e

morais. Além disso, a visão gramsciana era de que nas sociedades ocidentais, a dominação

das classes não se daria apenas pelos meios de coerção, mas predominantemente pelo

consenso da sociedade civil.

3.1 Gramsci, a mídia e o príncipe

No período de reclusão de Gramsci no cárcere, pouco ele escreve sobre os meios de

comunicação, à época somente havia jornais políticos, revistas, boletins paroquiais, cinema e

rádio. Todos incluídos ainda em um contexto histórico que não se cogitava que os jornais

panfletários perderiam espaço para os de fins comerciais em uma marcha tão célere. Da

mesma forma o rádio e futuramente televisão se tornariam veículos massivos voltados para a

indústria cultural e para segmentação de classes como atualmente.

Os próprios jornais desempenharam a função, segundo Coutinho, “de partido, frações

de partido ou funções de determinados partidos” (2008, p.51). Fato semelhante ao que ocorre

nos dias atuais, se tomarmos por referência as grandes emissoras radiofônicas, os jornais e as

revistas de grande tiragem nacional que detém relativo potencial de difusão ideológica, maior

que os partidos políticos atuais, além de serem grandes fomentadores do sistema capitalista,

transformando informação em mercadoria e lucro.

Desta forma, nota-se, segundo Octavio Ianni, que um recente intelectual surge

efetivamente no Brasil, após a consolidação da televisão como meio massivo, o “príncipe

eletrônico”:

não é nem condottiere nem partido político, mas realiza e ultrapassa os descortínios e as atividades dessas duas figuras clássicas da política. O Príncipe Eletrônico é uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível, predominante e ubíqua, permeando continuamente todos os níveis da sociedade, em âmbito local, nacional, regional e mundial. É o intelectual coletivo e orgânico das estruturas e blocos de poder presentes, predominantes e atuantes em escala nacional, regional e mundial sempre em conformidade com os diferentes contextos socioculturais e político-econômicos desenhados no novo mapa do mundo. (1998, p. 4-5).

E acrescenta conceitualmente:

[...] A mídia que reúne realmente intelectuais de várias especialidades e que trabalha no registro, na interpretação, na divulgação, na produção de novelas, na produção da casa do artista etc., que influenciam decisivamente na maneira pela qual as pessoas se situam no mundo. E isso apaga ou reduz em grande medida as possibilidades dos partidos. Daí porque os partidos, de fato, vivem em crise. Agora veja bem, isso é tão forte, que no mundo contemporâneo já não há mais estadistas13, não há figuras eminentes, como símbolos de política, símbolos de soberania, símbolos de hegemonia. Os presidentes são figuras decorativas, burocratas da política, que apenas expressam o jogo das forças que representam, mas trabalhando de uma maneira decisiva com a mídia. (2001, p.2).

O “príncipe eletrônico” atua na mídia massiva e no ciberespaço. Faz da “mercadoria

uma ideologia, do mercado uma democracia e do consumismo em cidadania”. (id.,op. cit.,

p.8). Age com a intenção de intervir diretamente nas volições subjetivas e objetivas do

homem que vive no tênue liame entre o público e o privado, o cidadão e o consumidor e a

notícia jornalística e o entretenimento.

Os embates políticos e a vontade coletiva passam a se apresentar não mais na esfera

stricto do partido político, mas por meio de técnicas e narrativas comunicacionais integrantes

das extensões do “príncipe eletrônico”.

A teatralidade e o espetáculo ganham exposição a fim de dissolver a política e os seus

criadores nos programas midiáticos. O palanque transpõe-se para a tela, os debates

ideológicos passam a ser integrantes de gêneros midiáticos que imbricam a informação

política com contextos de entretenimento, tornando o político em produto de consumo e

integrante de uma realidade mais conhecida e palatável ao cidadão.

“Grande parte das linguagens das instituições políticas clássicas de modernidade

dissolve-se, transforma-se ou simplesmente anula-se no âmbito das linguagens televisivas”.

(id.,op. cit., p. 14).

“Novos intelectuais14” modernos (atores, assessores de comunicação, “marketeiros”,

jornalistas, apresentadores, fotógrafos, redatores) passam a interagir nesse novo ambiente,

13 Para Ianni, um estadista deve conciliar virtù (liderança) e fortuna (condições sócio-políticas) nas ações diárias, ou seja, deve saber esperar a oportunidade ideal para aplicar seus conhecimentos.

14 Relacionados com os tradicionais intelectuais orgânicos gramscianos – professores, párocos, jornalistas.

produzindo discursos globalizados calcados nos interesses privados dos partido políticos e

públicos dos anseios sociais.

Neste sentido, complementa Pereira:

a mídia marginaliza ou instrumentaliza as instituições políticas tradicionais, sintetizando o processo catártico de indivíduos e coletividade, grupos e classe sociais [...] como instituições centrais na sociedade globalizada, a mídia ocupa seu espaço político e cultural, articulando-se com as massas, ao mesmo tempo em que define uma visão de mundo hegemônica [...]. (2004, p.5).

As mídias massivas tradicionais e as que se apropriam de novas tecnologias de

informação agilizaram a transformação destes novos contextos político-sociais, fazendo com

que o “príncipe eletrônico” não extingua a conjectura principesca anterior, mas o subordine, o

recrie ou simplesmente o absorva.

Diante da constatação da importância da direção e do controle dos aparelhos privados

hegemônicos, avilta-se de importância o domínio do campo comunicacional, haja vista que é

nele que se instauram e se disseminam ideologias dispares, o consenso identificatório coletivo

de classes, a intermediação entre dirigentes e dirigidos e, principalmente, o local ativo da

supremacia e da direção intelectual e cultural de um grupo/classe.

Desta forma, observa-se, nos tempos presentes, a busca incessante por concessões

radiofônicas e pela audiência de grandes e, principalmente, emergentes instituições da

sociedade civil (mote desta pesquisa – igrejas neopentecostais) que tentam adquirir relações

hegemônicas duradouras com seu público fiel mediante aparatos tecnológicos que

potencializam o proselitismo religioso e, assim, tentam sincronizar o consenso entre o

dialogismo intelectual pastor-fiel e a coerção opressora dos ritos litúrgicos midiáticos.

A instituição religiosa é um aparelho ideológico e grande divulgadora de uma

ideologia de classe, o que vem a corroborar com Martino que afirma que “o estudo da mídia e

da religião é uma intersecção de aparelhos ideológicos hegemônicos que garantem a

dominação da classe”. (2005, p.43).

As igrejas neopentecostais vão se apropriando do tempo, da confiança e da atenção

midiatizada alheia, além de espaço nas grades de programação, que oscilam de curtos

períodos de inserção a dias na íntegra. A tele-evangelização deixa de ter aparições discretas,

antes veiculada em horários de pouca audiência, e se introjeta na rotina social cotidiana, tendo

a tecnologia como condição vital para sua existência e para propiciar a inclusão dos ritos

religiosos nas pautas sociais das narrativas televisiva e radiofônicas.

A religião neopentecostal ganhou novos contornos de identidade, paradoxalmente

parece se distanciando exclusivamente do seu fulcro existencial – a leitura bíblica – e passou a

ganhar características calcadas nas rotinas midiáticas e no marketing religioso, fruto de sua

maciça presença pluralista e variada nos lares.

As empresas neopentecostais materializaram sua hegemonia popular e sua marca de

pronto-atendimento em diversos programas religiosos e em variadas emissoras de TV:

QUADRO 4 – LEVANTAMENTO DE INSERÇÕES TELEVISIVAS DAS PRINCIPAIS15 IGREJAS MIDIÁTICAS

IGREJAS EMISSORAS DURAÇÃO PERÍODO 16

Igreja Universal do Reino de Deus

Rede Record (controla) (rede nacional) – 48 emissoras TV

30h semanais M

Rede Família (controla) (rede nacional)

77h semanais M, Ma,Te N

TV Gazeta (rede nacional)

26h semanais Ma e N

Igreja Internacional da Graça de Deus

Rede TV! (rede nacional)

42h semanais M,Ma e T

Band (rede nacional)

2,1h semanais horário nobre (N)

Rede Internacional de Televisão (RIT) / Satélite (proprietária)

2 canais religiosos 24h M, Ma,T e N

Igreja Apostólica Renascer em Cristo

Rede Gospel de Televisão/UHF (proprietária)

24h diárias M, Ma,T e N

Associação Vitóriaem Cristo

Band (rede nacional)

13h semanais M e Ma

CNT (rede nacional) 6h semanais Ma e TGrupo Bandeirantes

(regional) – 13 emissoras

1h (sábado) Ma

Rede TV! (rede nacional)

Band (regional) – 9 emissoras TV

TV Manasat 1 (UHF - Europa e África)

Igreja Mundial do Poder de Deus

Rede 21/Grupo Bandeirantes (16 emissoras + a cabo - NET e TVA)

22h diárias M, Ma,T e N

CNT (rede nacional) 48h semanais Ma e N

Rede TV! (rede nacional) 10h semanais MaFONTE: - Atualizado de Zapani (2009, p.7) - Nascimento (2009, p.36)

15 Foram selecionadas as instituições religiosas que possuem mais tempo de exposição e frequencia semanal de seus programas na grade de programação, bem como aquelas que possuem templos em todos estados da Federação.

16 Legendas: M(madrugada), Ma (manhã), T(tarde) e N(noite).

Com esta vultosa rede midiática, gerada por altos investimentos financeiros, as igrejas

neopentecostais estão tendo um crescimento numérico de bens e serviços religiosos vendidos

e de fiéis que frequentam seus templos com consequente aumento de índices de audiência. A

mídia tornou-se meio essencial de sobrevivência. Segundo Mansur e Vicária (2003), oito em

cada dez fiéis da IURD vão aos templos motivados pela persuasão dos programas, que

durante a exibição são divulgados, muitas vezes, número telefônico para um contato imediato,

horários de cultos e diversos endereços de suas filiais para que a assistência compareça e

colabore com os dízimos e ofertas.

Verificam-se as atuais e reiteradas tentativas de inclusões na mídia massiva dos

segmentos religiosos católicos e principalmente neopentecostais, que, paulatinamente, vão

adquirindo novos espaços e multiplicação temporal nas suas programações, inclusive em

períodos de maior audiência

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A extensão do poder da religião para o campo político foi motivado pela aquisição de

concessões radiofônicas pelo Bispo Macedo, por pastores, além de outros poucos políticos

(neo)pentecostais das bancadas estaduais e federais à época. A possibilidade de expandir a

liturgia e principalmente a ideologia neopentecostal por meio das mídias locais e regionais

expandiram suas fronteiras de meros participantes proselitistas midiáticos e passaram a atuar

como representantes políticos no bancada legislativa (de 12 deputados federais, em 1983, para

73, em 2011), extrapolando o poder simbólico da religião nos templos para os locus político e

midiático.

Desta forma, o coronelismo eletrônico deixou de ser uma terminologia dedicada aos

proprietários midiáticos e aos políticos tradicionais da era dos governos militares e ganhou

novos adeptos contemporâneos. Os pastores, os bispos, os políticos evangélicos, os

dependentes e os “laranjas” dos integrantes do legislativo neopentecostal traduzem-se nos

representantes do coronelismo midiático neopentecostal, terminologia da recente tática

político-comunicacional de aliança entre o poder privado (representantes da fé) e os

detentores do poder de cessão radiofônicas (executivo/legislativo).

Por meio de dois aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil gramsciana (a

igreja e a mídia), a religião, em especial neste estudo, neopentecostal tenta buscar o consenso

e a direção ideológica e cultural sobre outros grupos religiosos, sociais e econômicos.

No entanto, a hegemonia nacional do grupo neopentecostal somente será completa

caso haja a dominação e a coerção legal desse segmento sagrado na sociedade política,

organismo estatal representado pelos aparatos burocráticos e pelas leis.

É nessa busca que integrantes religiosos se fazem presentes nas bancadas legislativas,

nas telas de TV, nos templos, nas lojas de suas “marcas”. São protagonistas da convergência

dos campos político, midiático, religioso e econômico (as capitanias midiáticas

neopentecostais), esferas que abarcam as sociedades política e civil do estado gramsciano,

além de serem elementos imprescindíveis para consolidar o poder hegemônico e ter, desta

forma, a supremacia sobre demais grupos de poder.

REFERÊNCIAS

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