carmen lilia da cunha faro
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GINÁSTICA RÍTMICA “DESPORTIVA” EM BELÉM DO PARÁ: lembranças dos
“tempos” de professoras e ginastas
CARMEN LILIA DA CUNHA FARO1
Resumo: Este estudo é uma narrativa, elaborada de forma descritiva da história da Ginástica
Rítmica “Desportiva” (GRD) vinculada ao contexto do período de 1979 a 1989, em Belém do
Pará. É sabido, que as pesquisas acadêmicas relativas à GRD, produzidas no âmbito de Belém,
eram incipientes, ficando os registros em nível de relatos orais, que, até então, se apresentavam
em forma de lembranças do empírico, e em documentos esparsos. Tendo a preocupação em
tornar essas lembranças que estavam latentes na memória de “arquivos vivos”, foi possível à
produção de uma escrita para a preservação dessa memória e também servir para estudos
futuros. O objetivo deste estudo foi registrar, documentar e interpretar o movimento da GRD a
partir da memória de professoras e ginastas participantes nos períodos citados. Do ponto de
vista metodológico privilegiou-se uma abordagem histórica, construída a partir dos
depoimentos, de fontes documentais primárias e de referências teórico-metodológica
pertinentes a História Oral. Entre as contribuições da pesquisa está o registro histórico de sua
trajetória no período de dez anos e o inventário das contribuições da GRD no contexto
sociocultural amazônico.
Palavras-chave: Ginástica Rítmica “Desportiva”. História Oral. Educação Física
Era uma vez...
Meu pai contou pra mim, eu conto para meu filho e quando eu morrer ele conta ao
filho dele e assim ninguém esquece (KELÉ MAXAKALI, 1994:28)
Uma cidade, um período da história, um desejo. A cidade: Belém; o período, anos 70 e
80 e o desejo, contar como ela surgiu com o desafio de contar “a” e não “sobre”. É um recorte
da narrativa da história da Ginástica Rítmica Desportiva (GRD), vinculada ao contexto do
período de 70 e 80 em Belém/Pa, a partir da história oral de seus praticantes, buscando não
apenas narrar fatos e eventos datados mas, também sobre como os “fatos e eventos são relatados
de um modo que lhes atribui um significado social.” (Thompson, 1998:149).
Para a reconstrução dessa história foi necessário um registro escrito e sistematizado da
memória dessas praticantes e, assim, compreender as transformações e mudanças de atitudes
em suas vidas. Além disso, surpreendi-me rememorando minha vida e fornecendo informações
para a reconstrução dessa história. Há um fator importante: as contribuições bibliográficas
1Docente do Curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará (CEDF/UEPA). Mestre em Motricidade Humana pela UEPA.
relativas à GRD, produzidas em Belém – Pará, que se mostraram incipientes, ficando a maioria
dos registros no âmbito de relatos orais, daqueles que praticavam a Ginástica Rítmica
Desportiva, e em documentos esparsos. O assunto me apaixonou, começando, assim, um sonho.
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A temática era interessante e relevante para ser investigada. Assim, comecei a pensar quais
conhecimentos, teorias e materiais lançaria mão para escrever essa lembrança, essa memória,
essa narrativa desse passado, que, até então, se apresentava em forma de lembranças do
empírico.
Considerando que a memória são fragmentos de rememorações, este artigo foi centrado
nas seguintes proposições que serviram de ponto de partida: o entendimento de que essas
experiências não deveriam se perder no tempo, uma vez que elas estavam latentes na memória
de “arquivos vivos” e, portanto, passíveis de uma sistematização escrita para preservação dessa
memória e para servir de base para outros estudos futuros; a ausência de estudos sistematizados
sobre a memória da Ginástica Rítmica Desportiva, enquanto prática pedagógica no contexto de
Belém-Pará; e a carência de referências bibliográficos, tematizando manifestações da corporais
na perspectiva dessa ginástica, no âmbito belenense.
Essas proposições apontaram o delineamento de uma abordagem histórica e clarificaram
o objeto de estudo, gradativamente construído a partir dos depoimentos dos entrevistados e de
leituras pertinentes ao tema. Para recuperar essa memória utilizei, em grande parte, narrativas
orais – dados que organizei e interpretei, objetivando compor imagens do passado, esquecidas,
mas recuperadas pelas falas dos informantes e dos documentos, tais como: fotos, certificados,
jornais, portarias, decretos, diplomas, regulamentos, medalhas, troféus – materiais interpretados
como fontes históricas do passado e como relíquias no presente. Ao selecionar as fontes
primárias, dei-me conta de um fato “sui generis”: eu, no papel, também de informante, dentre
as informantes (professoras e ex-ginastas que participaram de competições no período citado).
Esses informantes, no qual me incluo, acredito ser representativo do universo de sujeitos que
estavam naquele período trabalhando com a Ginástica Rítmica Desportiva. Vale ressalvar que
a utilização das histórias de vida ocorreram mediante consentimento prévio dos entrevistados,
uma vez que essas fontes, por serem “arquivos vivos”, demandam o compromisso de o
pesquisador assegurar o sigilo das informações confidenciais e a privacidade dos informantes.
Os eventos ocorridos, no período estudado, foram examinados dialeticamente a partir
das diferentes “narrativas” dos informantes – atores que vivenciaram o fenômeno. Por esta via,
foi possível captar o “fluxo de vida” da Ginástica Rítmica Desportiva, os fatos acontecidos e as
histórias individuais do coletivo e, assim, o processo de reavivamento dessas lembranças
possibilitou reconstruir o passado de forma dinâmica, posto que o distanciamento entre o corpo
vivido e o corpo rememorado foi recuperado por meio dos relatos orais e dos documentos.
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Nesse espaço do artigo, ao historiar a GRD e situá-la no espaço e no tempo de
comemorações e de recordações, privilegiei um tecido narrativo vindo da matéria da recordação
(o que se lembra) e do modo de recordação (como se lembra) dos sujeitos envolvidos.
Certamente, há a possiblidade de algumas informações distorcidas, “influenciadas pelas
sucessivas mudanças de valores e normas que podem, talvez, inconscientemente, alterar as
percepções” (THOMPSON, 1998:149). Apesar disso, as recordações das pessoas, que
vivenciaram a Ginástica Rítmica Desportiva, permitiram compreendê-la melhor, no período
citado, assim como permitiram, também, “reconstruir” uma história viva, a partir da perspectiva
de diferentes memórias.
Foi realizado o levantamento da bibliografia sobre a temática de um modo geral,
incluindo a relação de referências teórico-metodológicos sobre coleta de dados de campo e
fontes primárias, considerando que, sobre o estudo, grande parte das informações se encontram
dispersas em documentos não sistematizados e na memória daqueles que vivenciaram a
Ginástica Rítmica Desportiva. Houve o mapeamento de informantes, mediante entrevista-piloto
com a ex-ginasta Ana Glória Guerreiro Nascimento.
Após essa fase, procedo à formulação de estratégias para a coleta de dados, direcionada
aos “arquivos vivos”, incluindo-me como informante. Os primeiros contatos foram feitos por
telefone, para agendar uma primeira aproximação. Para isso, foram escolhidos os informantes-
chave e, por meio deles, formou-se a “teia” e a “trilha” que conduziram a outras “pistas”. A
técnica de coleta de dados foi a entrevista aberta semiestruturada, gravada em cassete com o
devido consentimento do informante.
Na fase das entrevistas, e por estra trabalhando com “história da vida”, foram
consultados os autores que dimensionam estudos sobre a questão, conforme descrito na
bibliografia. Durante as entrevistas, a linguagem não-verbal, (expressão de emoções prazerosas
ou não) era registrada em um “caderno de campo”. A “cadeia” de informações, formada durante
as entrevistas, possibilitou o acesso a dados inéditos e ai resgaste de documentação escrita e
iconográfica, dispersa nos acervos pessoais dos informantes e/ou das instituições, incluindo-se
considerável acevo da pesquisadora.
O tratamento dos dados empíricos compreendem: a gravação das entrevistas
(transcrição e transcriação); análise das falas dos informantes; organização dos eixos temáticos;
e registo escrito preliminar. Quanto aos referenciais teóricos (conforme lista final do artigo),
compreenderam a leitura contextual, seguindo os paradigmas requeridos na
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contemporaneidade, focalizando a corporeidade/motricidade humana; e a conexão entre os
dados empíricos e os teóricos, tendo em vista os objetivos da pesquisa e os resultados.
Tempo de lembrar
[...] a lembrança é a sobrevivência do passado. O passado, conservando-se no
espírito de cada ser humano, aflora à consciência na forma de imagens – lembrança.
A sua forma pura seria as imagens presente nos sonhos e nos devaneios. (BOSI,
2003:53)
É uma releitura teórico-prática, do fluxo do “processo histórico de construção de cada
ação motrícia, considerada nas suas manifestações genérica e singular” (KOLYNIAK,
2003:47). É o registro das práticas corpóreas na narrativa desses informantes, que foram
gradativamente recuperado o tempo passado-presente e indicando a dimensão assumida pela
prática da GRD no contexto referido, ressalvando-se que essas lembranças não são só o
resultado das vivências, mas também a interpretação atual dos fatos passados, tanto dos que
permaneceram na memória, quanto dos que foram “esquecidos”, mas recuperados pelos
documentos escritos. Para falar desse recorte histórico, remonto a 1977 e 1978, dois anos
embrionários do surgimento da GRD, em Belém, quando começaram a surgir os primeiros
eventos relacionados à questão. O Corpo Vivido e o Corpo Rememorado foram construídos a
partir da memória dos precursores da GRD, no Pará. Tais memórias subsidiaram este artigo foi
construído.
Aqui começa uma paixão...
Tenho uma história, minha, pequena mas única. Pergunte-me o que quiser; mas
deixe-me falar o que sinto. Dir-lhe-ei minha verdade como quem talha o passado
flanando sobre dores e alegrias. Contar-lhe-ei o que preciso como alguém que
anoitece depois da aventura de auroras e tempestades, como alguém que destila a
emoção de ter estado. Farei de meu relato mais que uma oração, um registro. Oração
e registro simples, de indivíduo na coletividade que nos une. (MEIHEY, 1996:7)
Foi em 1977 que começou oficialmente a história da GRD, em Belém. O entusiasmo
pela nova modalidade de prática desportiva trouxe Daisy Barros a Belém, com um arcabouço
teórico e, assim, envolveu os multiplicadores desse conhecimento – as professoras e alunas.
Para intermediar a questão, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), através do
Departamento de Educação Física e Desporto (DED), realizou, em Belém, o “Curso de
Atualização em Ginástica Rítmica Desportiva”, cujo objetivo era o de divulgação e
aprendizagem em Ginástica Rítmica Desportiva. Essa iniciativa possibilitou, a inúmeros
professores, o conhecimento dessa nova prática desportiva com bases em um código de
pontuação, até então desconhecido da maioria dos professores de Educação Física do Estado.
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A partir desse curso, a Ginástica Rítmica Desportiva começou a crescer, ganhar espaço
nas escolas, tornando necessário o aprimoramento de recursos humanos, como evidenciava, na
época, a Política Nacional de Educação Física e Desportos:
“O PNED, elaborado para o quadriênio 1976-1979, previa ações na área de
Educação Física e esporte estudantil, esporte de massa e esporte de alto nível, tendo
como objetivos gerais: capacitar os recursos humanos necessários às atividades a
serem desenvolvidas no sistema desportivo nacional” (BETTI, 1991:93 apud MEC,
1976:60).
Aos interesses do MEC, atrelava-se também o objetivo de, através da Ginástica Rítmica
Desportiva e de outras modalidades esportivas, elevar o nível desportivo em todas as áreas para,
assim, adotar “o pragmatismo” que orienta o indivíduo para o resultado e a competição (BETTI,
1991:110). Essa era a doutrina adotada na condução da política da Educação Física e Esporte,
repassada através de vários cursos de capacitação nacional, subsidiados pelo MEC – professora
Daisy Regina Pinto Barros e Ingborg Ingrid Crause. A primeira, trabalhou a teoria e prática da
Ginástica Rítmica Desportiva; a segunda, o código de pontuação para julgamento de séries
individuais e de conjunto em competições. Com elas, vieram várias experiências inovadoras,
visto serem, naquele momento, referências nacionais sobre Ginástica Rítmica Desportiva e
também fazerem parte da coordenação nacional da Ginástica Rítmica Desportiva (DED –
MEC), para os Jogos e Campeonatos Escolares Brasileiros – eventos competitivos que
estimulavam a participação e o envolvimento de estudantes dos estados brasileiros.
Através desse curso, apresentava-se ao Pará, sobretudo em Belém, a oportunidade de
manusear materiais ainda não experenciados. Lembro, nesse curso, de uma série obrigatória
com o material maças; era linda, estava vendo um par de maças mais fino e como manejar essas
maças: molinetes, pequenos círculos, entre outros.
A arbitragem foi outra temática trabalhada nesse curso. Para ser árbitro, era preciso
estudar minunciosamente o regulamento da Ginástica Rítmica Desportiva, traduzido em um
código disciplinar, o que e como fazer/arbitrar. O objetivo desse curso foi formar
multiplicadores-professores e estes, por sua vez, contagiar as estudantes nas diversas escolar de
Belém; então, era requerido aos participantes aprender e repassar.
Nesse curso aprendi a série obrigatória de maças e repassei para minhas alunas de
ginástica olímpica feminina. Até então, eu era assistente técnica dessa modalidade, ou melhor,
do professor “João Borracha”. Convoquei as ginastas Ana Glória, Waldeisa Monteiro, Andréa
Fontes, Giselle Moreira, Janete Moura, Eneide Celeste, que eram minhas alunas. Nos festejos
da Semana da Pátria, espaço dos desfiles militares/escolares e das demonstrações de ginástica,
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a intenção era criar uma corporeidade cívica, ou seja, criar, nos corpos dos cidadãos,
sentimentos de patriotismo onde se externavam corpos ordenados e disciplinados e a ginástica
era um artifício para formar esses corpos dóceis, “uma máquina dócil, pronta a ser montada e
desmontada em um piscar de olhos pelas necessidades de uma causa” (OZOUF, 1976:34).
Em setembro, 1977, apresentamos uma série de ginástica com maças. Foi lindo,
aplausos, aqueles movimentos ordenados, aquelas batidas, ta, ta, ta, ta, tata, ginásio lotado, com
corações pulsando um mesmo sentimento: o de amor à pátria. Isto tudo foi muito significativo
para mim e fui chamada pela professora Raimunda Albuquerque (a Dica), para ser técnica da
equipe paraense. Eu já trabalhava com Educação Física, no Estado, e a Profª Dica era
coordenadora de Educação Física no Núcleo de Educação Física - NEF.
Nesse mesmo curso conheci o manuseio com o material fita. Ao final do ano, na abertura
dos Jogos Internos do Colégio Santa Maria de Belém, apresentei uma composição com várias
alunas, manuseando a fita de cor branca. As pessoas ficaram encantadas, até porque não tinham
ainda presenciado trabalhos dessa natureza. O público aplaudiu muito e, no outro dia, era
comentário “lindo”, pareciam umas garças, uma corporeidade harmoniosa e disciplinada.
As experiências vividas, nesse primeiro contato com a GRD, certamente configuram o
ano de 1977 como o marco inicial da Ginástica Rítmica Desportiva, em Belém, e isso ficou na
memória de muitos que participaram daquele momento.
“Desse curso Eu e a Maria José aproveitamos tudo e esbanjamos, em nossas aulas;
aqui era pobre de livro de conhecimento da modalidade. A empolgação foi tanta que,
no ano seguinte, em 1978, realizamos o 1º Campeonato de GRD” (Informante Nazaré
Bestene Eluan).
Corria 1978. A repercussão dos ensinamentos aprendidos, no ano anterior, fomentou
estudos sobrea GRD, a exemplo, Marilene Melo e eu fizemos parte do curso oferecido em
Aracaju, participando do I Campeonato Escolar Brasileiro (CEB). Tal foi nosso empenho que
fomos convocadas para integrar a equipe de arbitragem do Campeonato Brasileiro de Clubes
de GRD, categoria aberta e infanto-juvenil, em Salvador-Bahia. Além do convite, que teve um
sentido e significado muito grande para nós, foi muito bom o aprendizado. Estávamos em
contato com pessoas que, momento, alavancam a GRD, no Brasil. Estava acontecendo um misto
de magia, de beleza, de estética, de mistério; uma revolução no manejo dos arcos, no conjunto,
na corda, arco, maças e fita nos individuais. Com o trabalho do corpo e com os materiais,
transcendia nossa imaginação. Foi um marco histórico em nossas vidas. Foi nosso primeiro
convite, inclusive feito pela Confederação Brasileira de Desportos, para fazer parte de uma
equipe de arbitragem nacional.
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A equipe de arbitragem, durante o campeonato, foi numerosa. Me recordo de alguns
nomes: Esther Lima, Ártemis Soares, Vânia Rezende, Maria Dolores Guimarães, Lucy Godoy,
Lia Beckhauser e Fátima Motta.
Ainda em 1978, ocorreu o 1º Campeonato Intercolegial de GRD, organizado pelo
Núcleo de Educação Física (NEF) e pela Escola Superior de Educação Física do Pará
(ESEFPA), coordenado pela professora Marilene Melo. Nesse campeonato, houve uma prova
apenas: conjunto obrigatório com material “corda”, com música obrigatória, executado por oito
ginastas de cada colégio. Não houve provas individuais e as competidoras foram alunas dos
Colégios Santa Maria de Belém, Núcleo Pedagógico Integrado (NPI/UFPA) e Moderno, sendo
este, o vencedor, com as ginastas Ana Paula, Jacqueline, Waldeisa, Suely, Márcia, Mônica,
Ouruvida e Ana Glória Nascimento, cuja técnica foi a professora Edna Faria.
Entre copélia, colants coloridos de lycra e helanca e penteados variados em tranças e
fitas, aconteceu esse 1º Campeonato e foi marcado por mudanças no conhecimento. Por outro
lado, mostrou que o conhecimento não é “algo de rígido e fixo que se acumula indefinidamente;
é um processo contínuo de mudança cujo crescimento se aproxima mais de um organismo do
que de um banco de dados”. (MANUEL SÉGIO, 1994:46).
O pensamento sobre a GRD, na época, nas escolas, era algo inusitado, diferente; os
movimentos, os aparelhos, a música, eram interessantes e chamavam muita atenção, em outras
palavras:
“Na escola era algo inusitado as apresentações de GRD, eu me sentia muito
privilegiada, nessa época, era algo diferente: a gente se apresentava na abertura dos
jogos, me interessei muito me envolvi, achei aquilo muito movimento, muita ação,
muita dinâmica, não eram coisas muito paradas e repetitivas, você podia criar, podia
imaginar algo, tentar fazer e realizar, era algo muito diferente” (Informante Mônica
Villas, ex-ginasta).
Essa presença da GRD, no tempo pedagógico do espaço escolar, é corporal marcada
pelas experiências vividas a partir do movimentar-se, que “expressa a unidade entre os aspectos
internos e externos do corpo em movimento” (NÓBREGA, 2000:76).
Ao final de 1978, a Ginástica Rítmica Desportiva já fazia parte da educação do corpo
feminino em várias escolas de Belém, conforme os seguintes depoimentos:
“Teve uma seletiva para a equipe de GRD da seleção paraense. Foram escolhidas
meninas de várias escolas e eu fui escolhida pelo Moderno. Foi super legal, porque
foi uma coisa que me identifiquei muito. Aquele ritmo de treinamento que a gente
começou a ter, eu adorava, porque me ocupava. Era uma coisa que fazia eu me sentir
importante, porque me sentia diferente das outras meninas. Eu era uma atleta, então,
entrei de corpo e alma mesmo, não faltava, e a partir daí começamos a participar dos
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Jogos Estudantis Paraenses e em nível nacional dos Jogos e Campeonatos Escolares
Brasileiros.” (Informante – Ana Paula Moreira, ex-ginasta).
“Eu comecei a ginástica rítmica desportiva no Colégio Santa Maria de Belém. Foi
quando eu conheci a primeira pessoa que me mostrou o que era e como fazer a
ginástica, os materiais, o corpo fazendo aqueles movimentos: foi a Carmen Lilia
Faro. Até então, para mim, era desconhecida, foi uma descoberta muito importante,
fiquei maravilhada com tudo aquilo que foi apresentado; o meu corpo fazendo
aqueles movimentos com materiais; essa novidade foi essencial para mim, na minha
vida” (informante – Eneide Celeste, ex-ginasta).
Assim, o movimentar-se transcendia; as alunas estavam apreendendo o mundo com o
corpóreo, a partir das situação vividas; a repetição dos movimentos padronizados aconteciam,
mas procuravam encontrar um sentido e significado no espaço e no tempo, de formas
diferenciadas em suas práticas com a GRD; em outras palavras, “os hábitos humanos, que são
hábitos motores, não são simplesmente mecânicos, mas possuem um sentido, uma direção, uma
significação” (NÓBREGA, 2000:59).
Nesse período, é digno de registro o IV Torneio Intercolegial do Centro de Educação
Física, Recreação e Esportes (CEFRE) – evento que envolveu escolas de 2º grau, no trabalho
com Ginástica Rítmica Desportiva e tendo, na presidência da Comissão Técnica, a professora
Nazaré Bestene Eluan.
Pelos rumos da Paixão: o movimentar-se diante da primeira competição fora de Belém
No primeiro semestre de 1979, um ofício circular do diretor geral do Departamento de
Educação Física e Desportos mudou os rumos da GRD, no Pará. Tratava-se do regulamento
dos X Jogos Escolares Brasileiros – JEB’S, que seriam realizados em Brasília/DF. Isso
provocou a convocação de algumas ginastas, que haviam se destacado em 1978, com o objetivo
de criar uma equipe representativa do Estado. Essa seria a primeira competição fora de Belém
e se revestia de muita expectativa, uma vez que o Pará constava entre os Estados aptos a
participar das competições.
A equipe de Ginástica Rítmica viajou com Ana Glória Nascimento, Maria de Nazaré
Santos, Ana Paula Moreira, Lílian Chaves da Cunha, Eneide Celeste, Rosemary Botelho,
Mônica Villas, Janete Moura, Maria Lúcia Pandolfo e Maria Francisca de Souza. Era a primeira
viagem da GRD, circunstanciada por inúmeros preparativos e expectativas; foi uma revolução
na família dessas ginastas. A equipe viajou para fora do estado, de ônibus, com pessoas
diferentes do seu convívio, mas tudo isso foi superado com o entusiasmo no embarque. Toda
aquela gente na frente do Núcleo de Educação Física – NEF, aquela alegria toda, tirando foto,
era gente chegando, se abraçando, era um movimentar-se e, dentro do ônibus uma festa só,
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muita música, principalmente as de Rita Lee que eram muito presentes na época. Foram
acontecimentos marcantes na vida dessas ginastas. Vale ressaltar que, apesar de eu ser a técnica
no momento, quem viajou com a equipe foi a professora Edna Faria, haja vista que, por motivos
particulares, a técnica titular, eu, Carmen Lilia da Cunha Faro, não pode viajar.
Esse JEB’S proporcionou às ginastas paraenses conviver e intercambiar com ginastas
de outras cidades brasileiras. A partir desse campeonato, divulgou-se um ranking em que a
equipe do Pará ficou entre as dez melhores desse evento. Para nós, era uma coisa muito nova;
nova no conhecimento e no tempo de treinamento. O primeiro impacto nesses JEB’S foi o nosso
arco que era de madeira e pesado. O início foi difícil para nós, toda essa evolução da GRD
demorava chegar até nós, e quando chegava, os estados do Sul e Sudeste já estavam com outros
avanços. Eles tinham intercâmbios culturais com outros locais, sobre a cultura de movimentar-
se, sobre as técnicas corpóreas com o manejo dos materiais, inclusive livros mais atualizados.
Era preciso ciar condições para essa transcendência da GRD, em nosso Estado. Isso fez com
que as ginastas começassem a se dedicar mais intensamente, até porque esse momento teve
também outros significados, como pode ser percebido no relato da informante Ana Glória
Nascimento: “o sacrifício e os esforços nos treinos foram recompensados em aprender outras
coisas, conhecer outras pessoas, outra cidade; nossa condição econômica não possibilitava
viajar”.
Nesse sentido, Nóbrega (2000:60) argumenta: “Quando aprende, quando encontra um
sentido e uma significação para um acontecimento em sua existência, o ser humano passa a
habitar o espaço e tempo de uma forma diferente”.
Para Manuel Sérgio (1994), a corporeidade representa a presença do homem no espaço
da história: com o corpo, desde o corpo e através do corpo. Isto dá a ele (corpo) uma condição
de transcendência – ser mais, agir para ser mais. Para o autor, o homem realiza valores em
âmbito intrinsicamente cultural e, com isso, ele transforma e se transforma, desde uma fase
adaptativa, uma evolutiva e outra criativa, ou seja, a corporeidade-motricidade impulsiona o ter
e o ser do desenvolvimento, enquanto “ascensão do homem e de todos os homens ao mais
humano”.
Palavras finais
Concluindo, as reflexões levantadas revelaram a satisfação, o prazer, a emoção e a
paixão em contar o início desta história que marcou a minha vida e de tantas outas pessoas,
deixando marcas tatuadas em nossos corpos. Assim, a opção pelo estudo, teve a intenção de
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não apenas fazer um recorte temporal, em que a sociedade belenense viu nascer a GR, em
Belém, mas, dessa memória cultural. É certo que não foi possível resgatar o conjunto integral
dos fatos, dos ângulos e das formas do objeto de estudo. Contudo, ficam caminhos para a
recuperação de novos fragmentos dessa corporeidade/motricidade, em sua existencialidade na
Amazônia.
Não se pode deixar de destacar a necessidade de se dar sequência a essa pesquisa com
a análise de outras fontes documentais, bem como de realização de outras entrevistas de pessoas
que deixaram suas marcas na construção da trajetória da GRD, na cidade de Belém,
preenchendo possíveis lacunas deixadas ao se contar essa história. Ficou, portanto, pontuado
que a história não está concluída, até porque esta é construída pela “memória, lacunas, silêncio
e esquecimentos” (POLLAKI, 1989). Assim, este estudo não termina aqui, pois a história
continua sendo construída e reconstruída. E, portanto, a história continua...
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Referências
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FILHO, Carol Kolyniak. Contribuições para formulação de um glossário para a ciência da
motricidade humana. In. Perspectivas XXI. Sociedade, espaços e tecnologias. Maia, ano 6,
m. 10, p. 39-50, 2003.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom (Org.). (Re)Introduzindo a história oral no Brasil. São
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NÓBREGA, Terezinha Petrucia. Corporeidade e educação física: do corpo-objeto ao corpo-
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SÉRGIO, Manuel. Educação Física ou Ciência da Motricidade Humana? Campinas/SP:
Papirus, 1989. Coleção Corpo e Motricidade.
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ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.