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  • XVII CONABEA Congresso Nacional da ABEA

    XXXII ENSEA Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

    Por um ensino insurgente fincado no seu tempo/espao: o projeto pedaggico do CAU UNILA, a Amrica Latina e o sculo XXI

    RESUMO Este artigo procura inserir-se no debate sobre o ensino de arquitetura no sculo XXI, a partir do estudo de caso da implantao do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal da Integrao Latino-Americana. Ao tratar-se de ensino, este deve responder a um projeto para o campo disciplinar, de onde emerge uma questo central: Qual o projeto para a arquitetura e urbanismo deste sculo? Quais as diferenas, semelhanas, continuidades e rupturas com o modelo anterior? Como a arquitetura moderna lidou com os desafios e contradies de seu tempo? O contexto histrico-poltico centro-europeu, no qual foi criada a Bauhaus, o modelo de referncia ao longo do sculo passado, era parte indiscernvel de seu projeto. Neste sentido, propomos uma reflexo sobre como contexto histrico-poltico contemporneo, a partir da Amrica Latina, pode colaborar para uma gama diversa de desafios e, portanto, capaz de arejar o campo disciplinar e seu ensino. Todavia, a hegemonia das racionalidades dominantes impe enormes resistncias. semelhana em sua poca, talvez, da rdua batalha entre a academia e o nacional-desenvolvimento contra as novidades propostas pela Bauhaus. Se assim for, podemos ter esperanas.

    PALAVRAS-CHAVE: ensino de arquitetura e urbanismo; insurgncia; Amrica Latina; Brasil, UNILA.

    1 INTRODUO: A DELIMITAO DA PESQUISA

    Este artigo pretende por em debate as questes preliminares do projeto pedaggico do recm-implantado curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal da Integrao Latino-americana CAU UNILA1. Vale esclarecer tratar-se de um trabalho em andamento sendo ainda parciais as concluses e perspectivas aqui apresentadas.

    O projeto pedaggico de curso PPC do CAU UNILA teve como ponto de partida a realizao de uma pesquisa de apoio com o envolvimento de docentes e discentes do curso. Os objetivos principais da pesquisa dizem respeito a (1) compreender as principais demandas diretamente relacionadas com o profissional arquiteto e urbanista para a melhoria da qualidade do espao construdo e habitado no Brasil e na Amrica Latina e (2) levantar o estado da arte do ensino da arquitetura no Brasil.

    No que tange aos procedimentos, dados recentes das Naes Unidas, em especfico da UN-Habitat (ONU, 2005), e o plano de governo Brasil 2022 (BRASIL, 2010) foram importantes indicativos das demandas e metas para o pas e sub-continente a mdio e longo prazos. Por sua vez, os trabalhos da ABEA foram fundamentais para a compreenso dos debates histricos (ABEA, 1978) e recentes (especialmente por meio dos ENSEAs) sobre o ensino no pas. Igualmente relevantes foram teses de doutorado

    1 Este artigo baseado na pesquisa realizada para subsidiar as verses preliminares do Projeto Pedaggico do Curso

    de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Integrao Latino-Americana, em coordenao pela autora, ao longo de 2013. O XXXII ENSEA ser boa oportunidade para debater algumas das ideias aqui apresentadas e

    incorpor-las na verso final do referido PPC.

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    dedicadas ao tema do ensino (RONCONI, 2002; NARUTO, 2006; PRONSATO, 2008) entre as quais merecem destaque as reflexes de Reginaldo Ronconi (2002), docente da FAU USP, sobre a importncia do canteiro experimental na formao do arquiteto. No caso da educao superior brasileira, bons trabalhos foram publicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira INEP na ltima dcada, como o caso da coleo Educao Superior em Debate. Em especfico, o INEP, em conjunto como CONFEA, publicou em 2010 um compndio sobre a trajetria da formao em arquitetura e urbanismo no pas, resultado de um trabalho realizado desde 2007 com a participao de diversos especialistas (INEP, 2010).

    Em simultneo, devido misso da UNILA e sua insero na regio da trplice fronteira, foram mapeadas todas as escolas de arquitetura na regio de insero da UNILA2. O levantamento quali-quantitativo teve por base informaes disponveis na internet, divulgadas pelos rgos responsveis pela educao superior em cada pas, conselhos profissionais e finalmente, as pginas das universidades. Foram identificados quais eram e onde estavam localizados os cursos de arquitetura (e urbanismo, quando o caso), a carga horaria total, o perfil, a gratuidade (ou no) e a insero nacional. Todos os dados foram organizados numa planilha que permite filtros e anlises sob vrios aspectos. Optou-se neste momento e neste artigo por explorar a relao de escolas publicas x privadas na regio, especialmente devido relevncia deste debate no Brasil na ltima dcada (RISTOFF e SEVEGNANI, 2006; INEP, 2010; MARAGNO, 2012). No apenas foi significativa a ampliao do nmero de escolas de arquitetura e urbanismo desde os anos 1990, como o governo federal, a partir de 2003, incentivou a abertura de novas universidades federais ou novos campi3 (IPEA, 2010). Todavia, o ritmo de crescimento das escolas pblicas foi bastante inferior ao das privadas (RONCONI, 2002; FERREIRA, 2007; MARAGNO, 2012).

    Em linhas gerais, buscou-se identificar como o ensino superior tem colaborado para formar um perfil de profissional voltado para o mercado e para os novos desafios da rea. Dados recentes do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil CAUBR (2013) demonstraram, contudo, que faltam profissionais da rea para responder a uma parcela significativa do mercado de trabalho, em particular, o setor pblico e comunitrio. Uma vez que a UNILA uma instituio pblica, entendeu-se que maior ateno no seu curso deveria ser dada para formar profissionais aptos a atender demandas pblicas e comunitrias, incentivando o gosto e valorizando esta perspectiva de atuao profissional.

    2 No obstante terem sidos includos nesta etapa dos trabalhos apenas Paraguai, Uruguai e Argentina, com um

    objetivo imediato de subsidiar a elaborao do PPC, pretende-se, num segundo momento, seguir com este levantamento para o restante dos pases da Amrica Latina. 3 O plano de expanso da Rede Federal de Educao Profissional, Cientfica e Tecnolgica e o Programa de Apoio a

    Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI) integraram a poltica de interiorizao do ensino superior da gesto Lula (2003-2010).

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    Referente ao mtodo, em dilogo com a perspectiva crtica fundante da Universidade, este trabalho tem por base os pensamentos descoloniais e ps-coloniais, por julg-los adequados ao contexto latino-americano, voltado para a consolidao de uma perspectiva epistemolgica prpria e com vistas autonomia e emancipao dos povos subalternos. Ambas as teorias crticas vm se consolidando desde os anos 70, buscando colocar em evidncia a colonizao epistmica do sul pelo norte global, isto , a subalternizao do conhecimento. Igualmente colocado em xeque o projeto europeu de modernidade. O reconhecimento das diferenas tnicas e de gnero tem forte presena nestes debates, assim como o desenvolvimento de uma episteme do sul, ou descolonial, distanciada dos referencias daquele projeto de modernidade4. No Brasil, o campo terico da arquitetura e urbanismo tem estado pouco presente neste debate, que se constitui um importante referencial terico para compreender os sistemas de produo de sentidos e valor hegemnicos que historicamente excluem ou invisibilizam uma parte significativa da produo arquitetnica subalterna (MOASSAB, 2011; MOASSAB, 2012a).

    Finda a delimitao da pesquisa, os principais pontos de reflexo sobre o PPC do CAU UNILA so expostos nos quatro itens que seguem.

    2 O CONTEXTO DE CRIAO DA UNILA E DO SEU CURSO DE

    ARQUITETURA E URBANISMO

    A Universidade Federal da Integrao Latino-Americana UNILA resulta de um projeto do governo federal para a integrao regional, oriundo de um reconhecimento da urgncia de promover, por intermdio do conhecimento e da cultura, a cooperao e o intercmbio solidrios com os demais pases da Amrica Latina (UNILA s/d a). Por conseguinte, em 2010 a UNILA abre os primeiros cursos, na sua sede em Foz do Iguau/Paran, na regio fronteiria entre Brasil, Paraguai e Argentina, com a pretenso de ser referncia para induzir caminhos que conduzam ao respeito mtuo, ao aprofundamento da democracia e cultura da paz no subcontinente (ibidem). Entre os principais objetivos deste projeto singular esto

    (...) o fortalecimento das relaes culturais e a valorizao da cultura e da memria latino-americana; a promoo do intercmbio e da cooperao respeitando as identidades culturais, religiosas e nacionais; a consolidao e aprofundamento da democracia e o maior conhecimento recproco entre os

    4 Tanto o pensamento descolonial quanto o ps-colonial originam-se a partir dos estudos culturais ingleses, sendo a

    primeira mais caracterstica no contexto latino-americano e a outra, no continente africano. Apesar de dialogarem entre si, apresentam diferentes abordagens sobre a questo colonial/colonizao em especial. Os principais autores descoloniais e ps-coloniais so: Edward Said, Homi Bhabha, Franz Fanon, Enrique Dussel, Anibal Quijano, Walter Mignolo, Boaventura de Sousa Santos, Achille Mbembe, bem como importantes ativistas e lderes das lutas de libertao como Ernesto Guevara, Amlcar Cabral, Kwame Nkrumah, para citar alguns.

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    pases latino-americanos visando contribuir para a integrao regional. (ibidem)

    Tendo por base a misso da UNILA como universidade voltada para a integrao regional, o curso de Arquitetura e Urbanismo, criado em 2012, se prope a ser um curso que compreenda o contexto regional latino-americano a partir de uma abordagem da arquitetura e urbanismo como ao poltica. Por conseguinte, o profissional egresso da UNILA dever pautar-se pelo profundo entendimento da funo social do arquiteto e urbanista. Deste modo, so indiscernveis do seu projeto pedaggico reflexes sobre o ensino, a prtica e a crtica da arquitetura e do urbanismo no mundo atual, com especial ateno para o Brasil e a Amrica Latina.

    Sustentado na Arquitetura como sujeito social (UNILA, s/db), conforme a ementa inicial do curso, publicada aquando de sua criao, o seu projeto coaduna, igualmente, com os anseios da Universidade, conforme expostos pelo reitor pro-tempore ao afirmar que ela deve ser a expresso de uma sociedade democrtica e pluricultural, inspirada nos ideais de liberdade, de respeito pela diferena e de solidariedade, mas que se constitua numa instncia de conscincia crtica em que a coletividade encontre seu espao para repensar suas formas de vida e suas organizaes sociais, econmicas e polticas (TRINDADE apud VIEIRA-ROCHA, 2011).

    O curso de Arquitetura e Urbanismo tem um papel estratgico na consolidao da Universidade e da cooperao regional, pois que projetar o espao humano, da casa s cidades (UNILA, s/d b) exige uma profunda compreenso de seu espao-tempo. A trade ensino-pesquisa-extenso, associada aos mltiplos saberes de estudantes e professores, de diversas partes do subcontinente, reunidos na UNILA, tem o potencial de direcionar CAU para as necessidades latino-americanas.

    Outro aspecto significativo fundante da universidade a integrao regional como sua vocao central conforme exposto em seu mote de criao (lei 12.189/10). O que isto significa para o curso de Arquitetura e Urbanismo? Trata-se de compreender e outorgar um papel importante a essa carreira no fortalecimento do projeto de implantao da UNILA no contexto regional e urbano, como um instrumento de integrao disciplinar e territorial (CHIESA, 2012b: 03). Com vistas a uma UNILA fomentando e participando efetivamente do processo de integrao latino-americano, natural priorizar a existncia de quadros tcnicos (professores e estudantes) dedicando-se a aprofundar o estudo, ensino, pesquisa e extenso neste campo disciplinar (ibidem).

    Deste modo, o curso de Arquitetura e Urbanismo da UNILA deve proporcionar uma formao generalista conforme os preceitos nacionais e internacionais (UIA/UNESCO, 2011). Todavia, tendo em vista as demandas da rea de atuao profissional nacional e latino-americana, importante proporcionar ao aluno, sem prejuzo da formao generalista, nfases vocacionais do CAU UNILA, a saber o territrio, as cidades e a habitao.

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    O territrio, particularmente, o territrio latino-americano vivido e praticado nos mltiplos contextos rurais e urbanos , neste sentido, um dos temas chaves a permear todo projeto pedaggico do curso, tanto em seu conjunto poltico-cultural quanto nas suas diversidades e contradies.

    Outra nfase vocacional fundamental diz respeito ao desenvolvimento de estudos, teorias e prticas relacionadas s cidades. Dada a especificidade da regio de implantao do curso, bem como a relevncia do fato urbano em diversas escalas no Brasil e na Amrica Latina, especial ateno deve ser dada em seu projeto pedaggico, s complexidades das cidades de mdio e pequeno porte, muitas vezes obliteradas da literatura especializada, sobretudo nos ltimos anos, quando a produo cientfica na rea voltou-se majoritariamente para o debate das megacidades. No Brasil, 75% dos municpios tm menos de 20 mil habitantes (PNUD, 2003) e cerca de 250 municpios tm entre 100 e 500 mil habitantes (IBGE, 2011), incluindo nesta faixa, Foz do Iguau. Na Amrica Latina, a metade da populao vive em cidades com menos de 100 mil habitantes (CARPENTIERI, 2012). Estes dados demonstram a necessidade de tornar mais presente no debate sobre as cidades contemporneas as complexidades das pequenas e mdias escalas. O contexto de fronteira de Foz do Iguau propicia rico e instigante universo de pesquisa para o curso em implantao, de modo que o urbanismo uma das reas de conhecimento a fomentar os dilogos do sul, inserindo a UNILA numa ampla rede latino-americana da pesquisa em teoria urbana.

    Finalmente, a habitao constitui-se no terceiro tema central a alinhavar os desgnios de implantao do CAU no projeto da UNILA, posto que esta uma das questes mais relevantes no subcontinente diretamente relacionada ao exerccio profissional do arquiteto e urbanista. A habitao como direito humano fundamental internacionalmente reconhecida, sendo desde 1948 assegurado pelo artigo XXV da Declarao Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948). Apesar de ter mais 60 anos, o tema retorna ao centro do debate mundial, sobretudo, aps a II Conferncia da UN-Habitat, em Istambul, em 1996. Na dcada seguinte, as Naes Unidas designaram uma relatoria especial para o Direito Moradia Adequada, cuja responsabilidade tem estado, desde a sua criao, sob a gesto de arquitetos e urbanistas5.

    A Carta Mundial pelo Direito Cidade (FSM, 2005), amplia o direito moradia, integrando-o ao direito cidade6 . Redigida em consenso por um conjunto de organizaes da sociedade atuantes com as questes urbanas, ao alargar o entendimento do direito moradia, a Carta busca evitar a perpetuao dos modelos de polticas isoladas de habitao. Para a efetivao ampla e duradoura deste direito, a moradia adequada deve ser uma noo poltica e cultural de cidadania. Mais ainda,

    5 O seu primeiro relator foi o arquiteto indiano Miloon Khotari (2000-2008). Atualmente a relatoria est

    sob a responsabilidade da arquiteta e urbanista brasileira Raquel Rolnik (desde 2008). 6 Em 2005, o ento Ministro das Cidades, Olvio Dutra, anunciou no V Frum Social Mundial a adeso do

    Brasil Carta Mundial do Direito Cidade (CARTA MAIOR, 2005).

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    necessrio formar profissionais aptos a dar resposta a tais demandas, trabalhando em conjunto com poder pblico e com a sociedade como um agente a servio do atendimento do direito moradia adequada e do direito cidade.

    Estima-se que 1,1 bilho de pessoas vive em condies inadequadas de moradia nas reas urbanas do mundo. A falta de habitao condigna pressiona o meio ambiente e aumenta os riscos sade pblica. Apesar de fundamental, a habitao tem sido imensamente negligenciada enquanto direito humano. A questo da habitao pode ser considerada, na atualidade, um dos principais problemas urbanos no mundo e, particularmente, no Brasil e na Amrica Latina. Um quinto da populao mundial mora precariamente, um tero das pessoas reside em favelas e um a cada 60 habitantes do planeta no tem onde morar (ONU, 2005). Estes dados so alarmantes, evidenciando a relevante funo dos arquitetos e urbanistas no que tange vocao para o atendimento da demanda desta parcela da populao mundial (MOASSAB, 2012b).

    Na Amrica Latina, cerca de 32% da populao vivem em bairros marginais (MENEGA, 2009). O atual estado de pobreza e precariedade habitacional na Amrica Latina no est desconectado da sua histria de dominao colonial, vinculada forte concentrao da terra e regimes escravocratas com vistas manuteno de elites econmicas. Em finais do sculo XIX, a pequena industrializao impulsionava o incio de uma forte migrao campo-cidade nas jovens repblicas latino-americanas, cujos governos pouco ou nada fizeram para atender a crescente demanda habitacional. Cidades como Rio de Janeiro, Montevideo ou Buenos Aires tiveram os seus pobres acondicionados em cortios ou conventillos. Num segundo momento, inspirados pelas reformas de Haussmann em Paris, os governos locais investiram no recondicionamento de suas cidades, com base na emergente urbanstica moderna, quando so desenvolvidos o Plano Noel (Buenos Aires), o Plano Prestes Maia (So Paulo), o Plano Pereira Passos e o Plano Agache (Rio de Janeiro). Todos estes planos tm em comum a poltica do arrasa-quarteiro, demolindo grandes reas urbanas para a construo de bulevares e realocando a sua populao para reas mais afastadas, comumente sem qualquer infraestrutura, como foi o caso da ocupao do Morro da Providncia no Rio de Janeiro. Dcada aps dcada, com a crescente urbanizao dos pases do subcontinente, a produo do espao urbano tem obedecido a um padro similar de segregao espacial, com concentrao de investimentos pblicos em reas privilegiadas e grande parte da populao morando em condies precrias. O largo contingente populacional hoje carente por moradia digna reflexo deste sculo de polticas pouco voltadas para a populao mais pobre.

    Inserido numa universidade pblica brasileira com o objetivo de integrao continental, sob este vis que o CAU UNILA est estruturado: para a formao de profissionais preparados para uma produo do espao construdo e da habitao com qualidade em contextos de carncia econmica e/ou de recursos materiais, o que deve guiar o ensino, a pesquisa e a extenso do curso. Da perspectiva da integrao

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    regional, as nfases vocacionais do CAU UNILA (territrio, cidades e habitao) devem necessariamente afirmar-se a partir de um ponto de vista descolonial e ps-colonial, compreendendo a integrao como um meio para a emancipao e autonomia dos povos.

    A localizao da Universidade na trplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, na cidade paranaense de Foz de Iguau reveste-se de razes claramente de natureza geopoltica e constitui-se um desafio e oportunidade para por em prtica a proposta desenhada para o curso. A regio apresenta frtil terreno para as atividades de pesquisa e extenso relativas aos temas centrais do CAU UNILA. Ao mesmo tempo em que da zona de fronteira emergem as contradies da formao urbana no Brasil e na Amrica Latina, com marcada segregao espacial, a escala mediana das cidades da regio favorvel a uma maior aproximao universidade-comunidade-administrao pblica. Em sntese, o projeto pedaggico do curso tem por objetivo guiar a consolidao de uma graduao em arquitetura e urbanismo voltada para as especificidades da trplice fronteira, em consonncia com o contexto nacional e a vocao institucional de integrao latino-americana.

    3 AS ESCOLAS DE ARQUITETURA E URBANISMO NO ENTORNO IMEDIATO

    DA UNILA7

    Nos pases imediatamente fronteirios UNILA (Paraguai, Uruguai e Argentina), apesar de um nmero relativamente alto de escolas de arquitetura e urbanismo (40), h fortes assimetrias na sua distribuio geogrfica, com uma concentrao de 75% destes cursos na Argentina (fig.1). Alm disso, a metade destas escolas privada, com vocao mais voltada para atender as demandas do mercado imobilirio e da construo civil. Em conjunto com um sistema de valorizao que mesura o sucesso profissional pela produo autoral destinada invariavelmente a estratos sociais de alta renda (WHITAKER, 2011), este cenrio de escolas perfiladas pelo mercado acaba por definir, em grande medida, um egresso pouco voltado para o atendimento de demandas sociais.

    Em que pese haver cursos em quase todos os pases da Amrica Latina e Caribe8, muitos deles no esto necessariamente vocacionados ao atendimento das demandas sociais locais e nacionais. Ao contrrio, muitas das escolas mais antigas e consolidadas

    7 Os dados apresentados neste subitem resultam de pesquisa realizada, em 2013, pelo Ncleo de Apoio e

    Desenvolvimento do PPC CAU UNILA, sob orientao da autora do artigo e da professora Renata Machado, com a participao de quatro estudantes do curso, sendo dois brasileiros, um uruguaio e uma colombiana. Os dados foram compilados de fontes diversas, incluindo acesso direto s pginas de cada instituio de ensino da regio e dos rgos e conselhos profissionais/de ensino de cada pas. 8

    exceo de Belize, Guiana, Suriname, Trinidad e Tobago e mais 10 pases no Caribe, os quais no tm nenhum curso de arquitetura e urbanismo em territrio nacional.

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    parecem mais focadas no atendimento s demandas do tradicional mercado da construo civil, j que so apontadas como padro de referncia a partir de critrios mercadolgicos9, em detrimento de outros critrios de avaliao, como por exemplo, a reflexo crtica; a produo acadmica e cientfica; a contribuio dos egressos para melhoria da qualidade de vida e do ambiente construdo; o emprego, pesquisa e desenvolvimento de tcnicas construtivas de baixo impacto e custo.

    No que diz respeito regio nacional de insero da UNILA (estados do sul e Mato Grosso do Sul), o cenrio qualitativo similar no concernente vocao dos cursos,

    9 o caso do World's Best Architecture Schools.

    Figura 1 Escolas de Arquitetura na Regio de Insero da UNILA

    Fonte: Moassab, 2013. Elaborado por Nicolas Pereyra.

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    embora em nmeros opostos (fig. 1). So 77 cursos de arquitetura e urbanismo nestes quatro estados, sendo 12 pblicos e 65 privados, ou seja, menos de 20% gratuito (ABEA, 2013). De ressaltar que no municpio de Foz do Iguau funciona h alguns anos um curso de arquitetura e urbanismo numa instituio privada (UDC).

    No Brasil, h uma dcada, 70% dos cursos eram privados (RONCONI, 2002). Hoje esta proporo de 83% (ABEA, 2013). Ou seja, dos 294 cursos de arquitetura e urbanismo em funcionamento no pas, apenas 49 so gratuitos. Em dez anos, no obstante os esforos do governo federal com a abertura de novas universidades pblicas, a velocidade de crescimento dos cursos privados foi avassaladora. Alguns estados como Acre, Amap e Rondnia no contam com nenhum curso em instituio pblica. So Paulo, Santa Catarina e Distrito Federal, so os maiores desequilbrios em termos da relao de escolas privadas/pblicas (ocorrem 6%, 8% e 9% de cursos em instituies pblicas, respectivamente) (ibidem). Deve-se atentar que as escolas privadas, com algumas excees, caracterizam-se pelo atendimento das demandas do mercado da construo civil, em detrimento de uma perspectiva de perfil profissional voltado para uma atuao pblica ou para as comunidades.

    Ademais, distribuio das escolas no territrio no obedece a critrios estratgicos com vistas ao desenvolvimento nacional ou ao atendimento de carncias locais do profissional arquiteto e urbanista. Ao contrrio, a criao de escolas tem sido pautada pela possibilidade de comercializao do curso, ou seja, elas esto localizadas preferencialmente nos estados com populao de maior renda (RONCONI, 2002). No Paran, so 16 cursos privados e apenas 05 pblicos. Do total, um tero est na capital e o restante pelo interior do estado. A mesorregio oeste, conta com 05 cursos, sendo apenas 01 em instituio pblica, o CAU UNILA.

    Da regio nacional de insero da UNILA (PR, SC, RS e MS), o estado vizinho de Santa Catarina o mais dspare no que tange concentrao de cursos em instituio privada: dos 26 cursos de arquitetura urbanismo, 92% so pagos. Alm disso, a regio Sul tem a segunda maior concentrao de cursos do pas e tambm a segunda pior relao pblico/privada: 15%. Isto , das 72 escolas situadas na regio somente 11 so pblicas. A regio fica atrs apenas do sudeste, a qual tem 135 cursos, sendo 13% em instituies pblicas (ABEA, 2013).

    Estes dados apontam para uma importante e estratgica insero da UNILA num raio de 300 km de Foz do Iguau como nico curso numa instituio pblica e gratuita. No cenrio nacional, a UNILA parte de um projeto de interiorizao do ensino superior, o qual criou, desde 2003, 14 universidades pblicas e 163 novos campi em regies com pouco ou nenhum curso superior (BRASIL, 2013). Apesar do estado do Paran contar com 21 cursos de arquitetura e urbanismo, a UNILA o nico gratuito na mesorregio oeste. Entendendo que o cerne fundante da profisso o abrigo, o seu curso de arquitetura e urbanismo, em adio vocao para a integrao regional da UNILA, deve contribuir para suprir a usual lacuna de profissionais interessados e vocacionados

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    para a habitao na regio de insero e, evidente, no contexto do pas e da Amrica Latina.

    Atualmente, por exemplo, ainda que a lei federal 11.888/08 preveja recursos pblicos com vistas a assegurar s famlias de baixa renda assistncia tcnica pblica e gratuita para o projeto e a construo de famlias de baixa renda, poucos so os municpios no pas a acessar os recursos. Entre 2009 e 2010 o governo federal estima que foi utilizado somente 20% da verba para este fim no Fundo Nacional de Habitao e Interesse Social. No Paran, cidades importantes como Curitiba, Maring, Londrina ou Foz do Iguau, at 2012, ignoravam ou ainda no tinham tido condies, como o caso da capital do estado, para aceder a tais verbas federais. Um dos principais fatores para barrar o acesso verba a falta de legislao especfica nos municpios, que impossibilita a criao do servio municipal de assistncia tcnica (GAZETA DO POVO, 2012). Alm disso, o desconhecimento da lei por parte dos profissionais outro fator da falta de utilizao da verba federal, conforme evidencia um manual elaborado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil, especialmente sobre o tema (IAB, 2010).

    Outro dado relevante a inexistncia de arquitetos em 189 municpios paranaenses seja como funcionrio pblico, seja como morador da cidade. Esse um dado extremamente preocupante. Como que as prefeituras fazem a gesto de seu territrio, est l o engenheiro civil fazendo isso ou no h ningum? (NAVOLAR, 2013). Em outras palavras, o atual presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paran, Jeferson Navolar, chama a ateno para a falta de profissionais da rea para gerir o espao construdo em mais da metade das cidades do estado. No por acaso uma das principais bandeiras do conselho profissional em nvel federal levar arquitetura a quem no tem (ibidem), entendendo que as cidades esto sem arquitetura e urbanismo ou sem direito arquitetura, quadro que merece ser revertido com mxima brevidade. No Brasil, o cenrio no melhor: apenas 33% dos municpios brasileiros tm arquitetos (PINHEIRO, 2012).

    Dito de outra forma, h uma demanda nas administraes pblicas, nas comunidades e nas cidades paranaenses, brasileiras e latino-americanas para um profissional voltado s questes urbanas, habitacionais, de equipamentos urbanos, de pesquisa de materiais e tcnicas construtivas de baixo custo e adequadas ao contexto local, conservao do patrimnio histrico em consonncia com as demandas de moradores das zonas de preservao, gesto urbana participativa, projetos participativos, mediao de conflitos, respeito do ambiente e da paisagem, desenvolvimento de polticas pblicas de habitao, urbanizao de assentamentos precrios, regularizao fundiria, saneamento bsico, transporte e mobilidade urbana. Neste sentido, embora existam cursos de Arquitetura e Urbanismo em nmero razovel na regio de insero da UNILA, a implantao do CAU UNILA justifica-se por ser um curso gratuito vocacionado para preparar o futuro profissional para o atendimento de um mercado de trabalho plural, isto , no apenas composto pelo setor privado, mas com demandas cada vez mais significativas do setor pblico e comunitrio.

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    Ao se falar em saturao do mercado, preciso distinguir o tipo de mercado: aquele do arquiteto projetista autnomo que atendia somente as camadas elevadas da populao, tpico do sculo XX, contrapondo-o ao profissional pronto a contribuir na soluo dos problemas espaciais das aglomeraes urbanas nas diferentes escalas e caractersticas. Um arquiteto que sem deixar de atender o cliente privado possa atender as demandas de toda a sociedade. Nesta forma de atendimento mais amplo que no somente os cursos, mas tambm o recm-implantado Conselho de Arquitetura e Urbanismo deve focar sua ao (MARAGNO, 2012: 03)

    Se no Brasil o amplo debate em torno da assistncia tcnica gratuita evidente deste mercado crescente, experincias nos pases vizinhos, como o programa Arquiteto de Famlia, na Argentina e no Uruguai, demonstram que h uma diversificao das demandas por profissionais, nem sempre levadas em contas na sua formao. A atuao nestas frentes implica no desenvolvimento de habilidades pouco contempladas nos cursos de arquitetura e urbanismo, tais como tcnicas e metodologias para a participao popular; desenvolvimento de material pedaggico ou de uma linguagem tcnica simplificada para amplo entendimento nos debates comunitrios; criatividade na escolha de materiais e tcnicas construtivas que atendam as possibilidades econmicas e saberes locais; maior dialogia e reorganizao dos canteiros de obra que nem sempre so formados por mo-de-obra experiente ou especializada; capacidade gerir e propor polticas pblicas para municpios com enormes fragilidades administrativas, ou ento de elaborao de projetos (no arquitetnicos) para acessar verbas pblicas ou de financiamentos nacionais e internacionais; capacidade de mediao de conflitos, comuns em projetos que envolvem uma ampla gama de atores sociais desde comunidade at ministrios federais, e assim por diante. Portanto, aparece neste incio de sculo uma mirade de novas necessidades de instrumentao profissional voltadas para um pblico que merece ser contemplado pelo direito arquitetura tanto quando o tradicional mercado imobilirio e da construo civil. com vistas nestas novas demandas que o est sendo elaborado o projeto pedaggico do CAU UNILA.

    4 OS DESAFIOS DO ENSINO NUMA ESCOLA SINGULAR

    O CAU UNILA se desenvolve a partir de premissas que consideram a histria de criao da UNILA, o seu papel de relevncia para a integrao regional e as especificidades requeridas para o prprio curso, sob a luz de complexidades e desafios que se interpem para a formao do arquiteto e urbanista em consonncia com o sculo XXI no contexto latino-americano.

    No plano Brasil 2022 (BRASIL, 2010), desenvolvido pelo governo federal, diversas so as metas do centenrio, diretamente concernentes ao arquiteto e urbanista: zerar o dficit habitacional brasileiro, urbanizar a totalidade de assentamentos precrios, promover a regularizao fundiria de metade do universo de domiclios informais,

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    assegurar 100% de acesso a saneamento ambiental em todas as cidades, implantar corredores de transporte nas cidades com mais de 300 mil habitantes. Alm disso, muitas das metas esto indiretamente relacionadas com a prtica profissional em arquitetura e urbanismo: aperfeioar o arranjo federativo para a implantao de polticas pblicas (para habitao, por exemplo); erradicar a extrema pobreza, acelerar a reduo da desigualdade na distribuio de renda, universalizar o atendimento escolar de 04 a 17 anos (o que inclui a construo de escolas); universalizar o acesso aos bens e contedos culturais a todos os brasileiros (pressupe um melhor arranjo dos espaos urbanos); titular 100% das terras quilombolas; estruturar a cartografia e o mapeamento da diversidade cultural brasileira.

    Alguns debates tm emergido nos ltimos anos, no sentido de uma reflexo acerca do sistema de valorizao da produo arquitetnica muito mais voltado a projetos autorais de grande porte, ou projetos-monumentos, que inspiram e seduzem os futuros profissionais na direo oposta das amplas necessidades infraestruturais, espaciais e sociais do pas (ARANTES, 2010; RONCONI, 2002; WHITAKER, 2011).

    As bases atuais do ensino da arquitetura e urbanismo, no mundo todo, foram em grande parte consolidadas ao longo do ltimo sculo sob a gide do modernismo e sua forte vocao para a produo industrial inspiradas no modelo bauhausiano. Na virada do sculo, outras variveis e complexidades so acrescidas na produo do espao construdo e habitado, contudo, as alteraes no ensino acompanham morosamente e de forma marginal tais reconfiguraes de cenrio.

    BREVE DIGRESSO HISTRICA

    Nos anos 20 a Bauhaus, fundada por Walter Gropius na Alemanha de Weimar, d os passos iniciais para o vnculo indiscernvel entre arquitetura e sociedade industrial. Na sua matriz curricular interessava valorizar o artesanato (com as oficinas dos mestres-artesos fortemente voltadas para estudo dos materiais) e os processos industriais (aceitando como desafio e fonte de renda, encomenda das industriais como atividade da escola). No apenas os principais pilares da arquitetura do sculo XX so consolidados pela Bauhaus, como tambm o desenho industrial e o design grfico tm seu nascimento naquela escola (BENEVOLO, 1989; DROSTE, 2006; GROPIUS, 2001). indiscutvel no cenrio da arquitetura nas dcadas 20 e 30 a importncia da Bauhaus e dos seus professores e diretores. Muito do que se tem hoje na produo arquitetnica e de cidades germinou naquela experincia singular imersa e indiscernvel do debate arquitetnico de seu tempo, que muito contriburam para uma reverso da precariedade dos assentamentos urbanos da virada do sculo XIX, para qual o ensino da Academia era claramente insuficiente em respostas. Os pr-fabricados, os grandes conjuntos habitacionais, a cidade racional, a separao do espao urbano segundo as funes, a valorizao das mquinas e do meio de transporte foram as bases centrais do modernismo defendido por Le Corbusier, Gropius e Mies Van der Rohe, estes dois ltimos tambm diretores da Bauhaus.

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    No entanto, todo o engajamento e comprometimento poltico-social da produo arquitetnica daquelas dcadas iniciais so substancialmente alterados no segundo ps-guerra, quando o moderno torna-se um estilo, conforme demonstra Anatole Kopp (1990). Esta virada nas preocupaes centrais do movimento j emerge aquando o contexto poltico centro-europeu guina para os regimes totalitrios e faz-se evidente uma tomada de posio dos arquitetos que vinham se reunindo nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna CIAM (ibidem). Naquela ocasio Mies van der Rohe pergunta: o urbanismo uma questo poltica? A segunda questo (...), o congresso pode ocupar-se dela? (apud KOPP, 1990: 153, supresso no original). Houve uma recusa pela politizao declarada do debate, o que somado s ausncias de alguns dos membros mais radicais, o IV CIAM marcou o final de uma poca (ibidem: 159), na qual a causa dos arquitetos modernos subitamente fica sem ptria (ibidem, aspas no original).

    Nas dcadas seguintes o tenso ambiente poltico e a eminncia de guerra impulsiona um forte movimento migratrio de arquitetos, especialmente para Unio Sovitica e para os Estados Unidos, pas que recebe muitos dos colaboradores da Bauhaus, inclusive Gropius e Rohe. Ao contrrio do ambiente europeu onde consolidado um modernismo fortemente vinculado ao debate poltico-social da poca, nos Estados Unidos esta uma arquitetura praticamente marginal. Vale mencionar, ademais, que com o fim da guerra afloram claras demarcaes geopolticas internacionais, marcadas no pas por uma intensa patrulha ideolgica anticomunista. Neste ambiente, os arquitetos imigrantes oriundos da Bauhaus e absorvidos como professores em importantes escolas de arquitetura apresentaram aos Estados Unidos a instituio de Weimar e de Dessau apenas em seus aspectos formais e tcnicos que em nada lembrava a vida relativamente comunitria de professores e estudantes, nem as tentativas de responder a uma demanda real de projetos (ibidem: 232). Alm disso, naquele contexto as grandes encomendas de projetos no eram feitas pelo Estado, mas, sobretudo, pelo mundo empresarial.

    A influncia econmica, poltica e cultural dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria na maior parte dos pases ocidentais, inclusive na Amrica Latina, pauta muito do debate e da arquitetura nas dcadas subsequentes, cuja perspectiva sintetizada no importante manifesto ps-moderno Learning from Las Vegas de Robert Venturi e Denise Scott-Brown, publicado em 1972.

    E O ENSINO DE ARQUITETURA NESTE CENRIO?

    Finda esta breve digresso histrica, fica mais claro compreender outra caracterstica marcante herdada do modernismo diludo de seu debate social inicial, ou seja, uma preocupao formal, acompanhada de uma centralizao do projeto arquitetnico na prtica profissional em detrimento da experimentao construtiva (o canteiro de obras) (RONCONI, 2002) e da reflexo crtica. Esta prtica naturalizada nos cursos de arquitetura e urbanismo em finais do sculo passado, cujo resultado uma miragem

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    para o exerccio profissional (ibidem: 38), na qual o estudante, do alto de seu mirante,

    (...) s avista a grande obra: grandes museus, grandes parques, grandes projetos (...) isola-se um museu aqui, um parque ali, mas uma vasta extenso do territrio das cidades permanece abandonada, demanda to prioritria, mas que no consegue despertar o interesse dos arquitetos (ibidem).

    Longe do canteiro de obras, a formao do arquiteto passa a prescindir da prtica social inerente arquitetura (ibidem). O estudante tem um contato terico com os problemas sociais, mas no a sua vivncia e experimentao: falta o contato com as culturas construtivas, com as possibilidades econmicas e com a vivncia social (ibidem: 39). Na mesma direo, a excessiva valorizao do projeto arquitetnico colabora por afastar o arquiteto e urbanista do pensamento crtico, da sua capacidade de refletir sobre o que faz e mais, de compreender a arquitetura e o urbanismo como ao poltica.

    Ainda que a ruptura com o historicismo/ecletismo da academia tenha sido, de fato, uma conquista da arquitetura moderna para consolidar uma produo em sintonia com o seu tempo/espao, emergem, desde finais do sculo XX, outras e novas complexidades, para as quais o programa moderno evidentemente insuficiente e, o ps-moderno, parcial e pouco adequado ao contexto latino-americano. Portanto, passados quase cem anos da primeira escola moderna de arquitetura, do outro lado do atlntico, quais devem ser as bases para o ensino da arquitetura e urbanismo do sculo XXI? Como a UNILA se insere neste panorama regional e temporal? Qual seria a necessidade de formao profissional voltada para atender as demandas dos problemas regionais? Como os cursos de arquitetura e urbanismo tm respondido a isso?

    O recentemente mapeamento realizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil tem mostrado que a maior parte dos arquitetos reside nos grandes centros urbanos (CAUBR, 2013), onde tambm est a maior concentrao de escolas de arquitetura (ABEA, 2013). Todavia, dos 80% de municpios brasileiros com menos de 50 mil habitantes, muitos no tm arquitetos residentes, tampouco nos quadros administrativos municipais. Quem so os profissionais frente da qualificao do ambiente construdo nestas localidades? Por sua vez, nas grandes cidades boa parte das construes irregular e est fora do mercado formal, o que significa que um grande contingente populacional no tem acesso a uma moradia de qualidade:

    (...) casas construdas sem assistncia de um profissional tm quase todas o mesmo vcio: so mais caras do que se tivessem sido construdas com a assistncia de um profissional, h mais desperdcios e ainda mais, o conforto trmico, to necessrio numa construo habitacional no tratado tecnicamente (ARRUDA, 2009).

    A afirmao do presidente da Federao Nacional dos Arquitetos e Urbanistas FNA faz parte do amplo debate ao longo da dcada passada que culminou na promulgao

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    da lei de Assistncia Tcnica Gratuita (lei 11.888/08).

    Neste contexto, uma escola implantada na trplice fronteira numa universidade voltada para a integrao latino-americana fundamenta suas bases no objetivo de contribuir para alterar este quadro, por meio de uma arquitetura poltica e uma poltica de arquitetura amplamente voltada para as questes latino-americanas de qualificao do seu espao construdo, ampliando o acesso das populaes ao direito arquitetura. Isto significa guiar o seu projeto pedaggico com o objetivo de formar um arquiteto e urbanista preparado para responder s especificidades locais a partir de racionalidades locais, valorizando tcnicas e materiais de fcil acesso e incluindo a importncia dos processos participativos nos projetos arquitetnicos e urbansticos. Sob esta perspectiva o CAU UNILA orienta-se a partir dos escritos de Paulo Freire (2006) e Milton Santos (1982; 2001; 2004), inspirando-se na obra de arquitetos como Hassan Fathy (1982), Lina Bo Bardi (2009), Srgio Ferro (1979) e Eladio Dieste (1998), para citar alguns nomes que evidenciam claramente o posicionamento pedaggico-poltico de seu recm-criado curso.

    5 AS ESPECIFICIDADES CURRICULARES PARA UMA FORMAO VOLTADA

    INTEGRAO LATINO-AMERICANA

    Esta complexa e difcil tarefa do CAU UNILA, de formar um arquiteto e urbanista generalista, em atendimento s normas de ensino no Brasil e, ao mesmo tempo, alinhar-se misso integradora da UNILA e sua insero regional de uma cidade mediana localizada na fronteira, sem perder de vista questes atuais sobre a prtica profissional no sculo XXI fincada na Amrica Latina, reclama um olhar crtico e criativo (CHIESA, 2012a). Por conseguinte, o projeto pedaggico do curso intenta fomentar campos multidisciplinares que favoream e exijam

    (...) simultaneamente um dilogo construtivo, rigoroso e permanente com reas afins das engenharias, da geografia e do estudo e manejo do territrio, da teoria e da histria, da sociologia aplicada ao processo de planejar e gerir as tomadas de decises sobre a organizao territorial e o desenvolvimento social, entre outras (ibidem: 03).

    Isto significa desenvolver a capacidade crtica do estudante de arquitetura e urbanismo, a partir de um corpo docente de igual modo multidisciplinar e crtico. Neste sentido, ser pertinente, agregar teoria urbana questes concernentes s construes simblicas do/sobre o espao urbano que (re)produzem as estruturas de poder cotidianamente (FOUCAULT, 1979; 2000; BOURDIEU, 1999 apud MOASSAB, 2012b). Esta abordagem relativiza a prpria produo dos dados e a suposta neutralidade tcnica de mapas, cartas e estatsticas (ibidem). Em certa medida, a leitura do urbano apoiada nas representaes sociais e na construo de sentidos, se aproxima da histria cultural urbana que despontou na Amrica Latina como um novo

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    campo de investigao desde os anos 70 (ALMANDOZ, 2002; GORELIK, 2000 apud ibidem). Arquitetos e urbanistas crticos tendncia neopositivista de reduzir a um aparato tcnico o fenmeno da cidade, incorporaram gneros literrios, pinturas e cinema ao acervo das fontes primrias tradicionais (ALMANDOZ, 2002 apud ibidem).

    O desafio seguinte adequar a sua matriz curricular para o cumprimento de sua misso. Assim sendo, a organizao curricular foi desenvolvida para formar profissionais aptos reflexo e proposio crtica e a dar respostas s questes mais complexas da sociedade mediante interveno, prticas, proposies de planos e projetos nas diversas escalas, pesquisas, elaboraes tericas, desenvolvimento em cincia, tecnologia e inovao, experimentaes tecnolgicas sobretudo voltadas para tecnologias de baixo custo e baixo impacto socioambiental , formulaes de processos e mtodos considerando as mltiplas interfaces de escalas e intervenes. Todas estas perspectivas so articuladas para a formao de um profissional dotado de capacidade crtica e em respeito s comunidades e aos mltiplos saberes locais.

    A premissa central do curso traduzida em sua matriz curricular formar arquitetos e urbanistas voltados para os problemas latino-americanos no sculo XXI. Em outras palavras, trata-se de fornecer ferramentas aos alunos que os capacite a desconstruir as racionalidades hegemnicas, que se traduzem atualmente, por exemplo, na cultura unvoca do concreto-armado, marginalizando outras tcnicas e tecnologias construtivas. Ou ainda, na supervalorizao do trabalho autoral, aos moldes modernistas, voltados, sobretudo, para grandes obras e para os estratos sociais de renda elevada.

    Apontar para outra formao no tarefa fcil, visto que a prpria academia e a literatura especializada esto focadas em estudar, debater e analisar a arquitetura autoral. Isto compreende, num primeiro momento, um acolhimento do desafio pelo corpo docente do CAU UNILA para que, a seguir, as primeiras pesquisas resultantes deste esforo possam melhor embasar um ensino voltado para iluminar tambm uma outra face da arquitetura e do urbanismo, menos vistosa, menos evidente e menos festejada, mas cuja importncia fundamental para tirar a profisso do complexo impasse em que se encontra (WHITAKER, 2011: online). Tal impasse diz respeito a uma arquitetura cultuada nacional e internacionalmente, de vis autoral, incapaz de dar resposta a 40% da populao urbana que vive precariamente, sem arquitetura nem urbanismo (ibidem).

    Ao contrrio, o CAU UNILA entende que o seu egresso, sem perder de vista o dilogo com o que h de mais recente na rea, dever ser capacitado para lidar com as complexidades e problemas que assolam o Brasil e a Amrica Latina. Sob este aspecto, as perguntas a responder so mais da ordem do coletivo, do trabalho em equipe, dos direitos, dos processos participativos, dos materiais de baixo custo, do uso de materiais locais, do desenvolvimento tecnolgico pautado pelas premissas sociais, da melhoria da qualidade de vida das populaes carenciadas, do desenho de polticas

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    pblicas voltadas para este fim. O que se traduz num compromisso social frente ao ensino-pesquisa-extenso voltado para a autonomia e emancipao social com foco na habitao e no direito cidade, que per si pressupem o atendimento de uma srie demandas histricas relacionadas arquitetura e ao urbanismo: mobilidade, equipamentos sociais, equipamentos urbanos, saneamento bsico etc. A arquitetura e urbanismo so entendidos, portanto, enquanto rea do conhecimento que tratam do espao e do territrio em sua dimenso social, ou seja, arquitetura como sujeito social, uma arquitetura poltica.

    Deste modo, a sua matriz curricular intenta incentivar a integrao multi, inter e transdisciplinar inspirando-se na experincia acumulada na UNILA com a inter e multidisciplinaridade de Fundamentos da Amrica Latina, integrante do ciclo comum10. Cerca de meia centena de professores das diversas reas da universidade se renem para ministrar a disciplina para todos os cursos, sendo que todos os cursos tm o compromisso de indicar ao menos um professor para integrar esta equipe a cada semestre. A disciplina organizada por meio de um professor coordenador, professores articuladores e professores colaboradores.

    Inspirado nesta prtica pedaggica que vem sendo realizada e revisada com sucesso j h quatro anos, o CAU UNILA prope que os ateliers integrados sejam organizados por um professor articulador, por professores responsveis pelas distintas escalas de abordagem espacial (arquitetura, cidades e paisagem) e por outros colaboradores que ministraro mdulos pontuais correlatos ao tema principal de cada atelier semestral. Com vistas a induzir a uma permeabilidade entre as escalas, mdulos e professores, a avaliao final dos ateliers deve ser necessariamente em conjunto. Em um nico trabalho sero avaliados os aspectos concernentes a cada uma das escalas que compem o atelier, considerando os seus mdulos pontuais, por uma banca formada pelos professores de cada escala de abordagem. Em termos de contedo, os ateliers integram teoria-prtica-experimentao, mesmo quando tutelados por distintos professores. Cabe aos professores articuladores garantir que o contedo seja pertinente e transversal ao atelier.

    Em paralelo aos ateliers os alunos tm ao longo dos semestres disciplinas organizadas em outros quatro eixos de instrumentao: (1) Estudos Latino-Americanos, (2) Crtica; (3) Tcnica; (4) Leitura e Representao. Diferente dos ateliers, as disciplinas que compem os eixos gozam de independncia, embora estejam previstas interrelaes temticas entre os eixos e destes com os ateliers. De mesmo modo, as avaliaes semestrais no so obrigatoriamente conjuntas (como o caso dos ateliers), mas

    10 Unidade curricular obrigatria a todos os discentes da UNILA que inclui ensino de lnguas, filosofia e fundamentos

    da Amrica Latina, ministrada do 1 ao 3 semestres, com uma carga horria total de 570 horas/aula. Absorvido como parte integrante e basilar do CAU UNILA, no ciclo bsico que so disponibilizadas as primeiras ferramentas crticas aos estudantes, a serem aprofundadas especificamente nos semestres avanados do curso de Arquitetura e Urbanismo.

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    sero incentivadas a acontecer quando os temas guardarem semelhanas e afinidades.

    No eixo de instrumentao em estudos latino-americanos esto includas as disciplinas do ciclo comum da UNILA: fundamentos da Amrica Latina, introduo ao pensamento cientfico, tica e cincia, lngua adicional estrangeira (portugus ou espanhol). Durante os trs primeiros semestres na UNILA os estudantes so expostos a um convvio multicultural com alunos e docentes dos diversos institutos da universidade. Para a formao de um arquiteto e urbanista voltado para a atuao na Amrica Latina, este eixo definidor de uma perspectiva crtica e multidisciplinar sobre diversos temas de interesse no subcontinente. Dito de outra forma, na chegada ao ambiente universitrio, ofertado ao aluno uma base formativa interdisciplinar sustentada na elaborao de pensamento crtico, conhecimento contextual da regio latino-americana e entendimento/manejo do espanhol ou portugus como lngua adicional (BORGES, 2013: 10). Esta base de conhecimento crtico de vis descolonial e ps-colonial adiciona s habilidades usuais do arquiteto e urbanista a capacidade de refletir sobre a sua funo social no contexto especfico do Brasil e da Amrica Latina, constituindo-se importante instrumental na formao do egresso do CAU UNILA. O eixo de instrumentao em estudos latino-americanos faz parte do ncleo de conhecimento de fundamentao do curso.

    Por sua vez, fazem parte do eixo de instrumentao crtica, disciplinas que integram tanto o ncleo de conhecimento de fundamentao (histria moderna e contempornea; histria da arte; fundamentos da arquitetura e do urbanismo; elaborao de projeto de pesquisa) como profissionais (crtica e histria da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo; esttica e filosofia da arquitetura; histria da casa e da habitao; arquiteturas latino-americanas; cidades latino-americanas; polticas pblicas de habitao; polticas de preservao e cartas patrimoniais; deontologia da arquitetura e urbanismo). Sob a mesma tica fundante da UNILA, ou seja, o pensamento ps-colonial, este eixo rene as disciplinas de embasamento crtico-reflexiva diretamente relacionadas arquitetura e ao urbanismo, as quais visam a instrumentalizar o estudante para um entendimento da arquitetura como sujeito social e poltico.

    nesta direo que durante quatro semestres concebe-se a disciplina de crtica e histria da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, pautada para uma compreenso histrico-poltica e scio-cultural da produo arquitetnica e do espao construdo de cada perodo e lugar dos principais povos, desde a antiguidade at os dias atuais. Busca-se, deste modo, evitar uma leitura estetizante da arquitetura. Especial ateno dada para a incluso de diversos saberes construtivos, como o caso da arquitetura pr-colombiana, africana, indgena brasileira e latino-americana, quilombola. Atenta-se, ainda, para uma anlise sobre a clivagem de gnero e etnia na historiografia da arquitetura, a qual exclui das publicaes determinadas produes e profissionais em favor de uma supervalorizao da produo arquitetnica masculina, branca e produzida no norte global (ou sob as suas diretivas).

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    O eixo de instrumentao tcnica acolhe e organiza as disciplinas de capacitao tcnico-profissional, voltadas para o aprendizado de instrumentos e tcnicas e a sua aplicao para a arquitetura e urbanismo: topografia; conforto ambiental; ergonomia do espao construdo e habitado; infraestruturas prediais e urbanas; sistemas estruturais; canteiro experimental disciplina terico-prtica, ministrada em laboratrio prprio, que aborda, ao longo de quatro semestres, sistemas e mtodos construtivos; materiais e tcnicas construtivas; tcnicas restrospectivase e custos e decises projetuais.

    Na matriz curricular do CAU UNILA a disciplina de fsica, ministrada nos moldes tradicionais, foi excluda, passando a integrar outras disciplinas. Com base nas anlises e recomendaes da Associao Brasileira de Ensino de Arquitetura ABEA, publicadas pelo MEC em meados dos anos de 1990 e ainda importante material de referncia, optou-se por incluir o contedo da fsica em disciplinas especficas da arquitetura e urbanismo, ou seja, os contedos da fsica aplicados arquitetura sero ministrados nas disciplinas de conforto ambiental e em um dos semestres do atelier de arquitetura. Tal deciso pedaggica tem por objetivo melhor relacionar o programa da fsica a interesses diretamente aplicados na arquitetura e urbanismo, evitando o que a ABEA constatou como procedimentos didticos inaceitveis (MEC, 1995: 06) que levavam a um excessivo nmero de reprovao na disciplina. Em conjunto com o professor arquiteto e urbanista responsvel pelas disciplinas, o docente da fsica programar em quais aulas os seus contedos devem ser tratados, visando a aprofundar os temas prprios da arquitetura e do urbanismo. Outrossim, o mtodo didtico-pedaggico dever enfatizar a experimentao, demonstrando ao aluno as aplicaes prticas dos conceitos abordados.

    O quarto e ltimo eixo do CAU UNILA dedicado instrumentao em prticas de leitura e representao. A partir de uma compreenso da arquitetura e das cidades como texto crtico, este eixo visa a preparar o futuro profissional a compreender que o desenho e as representaes projetuais inserem-se em contextos histrico-poltico-culturais e colocam a arquitetura como prtica profissional significativa na delimitao identitria dos povos. Resulta que os sistemas de representao em arquitetura e urbanismo so sistemas sgnicos fundamentais tanto para a leitura das realidades quanto para uma interveno consciente, esperada do egresso do CAU UNILA. Compe este eixo disciplinas do ncleo de conhecimentos de fundamentao: desenho projetivo; meios de expresso e representao; expresso e representao em mdias digitais e comunicao visual aplicada arquitetura e urbanismo. No ncleo de conhecimentos profissionais est a disciplina de cartografia.

    A separao dos eixos um critrio mais de ordem organizacional e menos disciplinar. O ensino da teoria e da prtica uma realidade exercida nos quatro eixos pedaggicos. Cada qual opera esta articulao a partir de suas especificidades e temticas. Destarte, por exemplo, as atividades de histria podem propor desenhos, maquetes e anlises de projetos de referncia na rea. De igual modo, desenho pode trabalhar temticas

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    das cidades e assim por diante. Os articuladores dos ateliers tm um papel fundamental nas decises prvias para organizao dos semestres letivos, identificando, juntamente com os docentes do curso as interfaces temticas, de contedo e de trabalho a cada semestre.

    Somada interseo dos eixos e disciplinas, j nos primeiros anos de funcionamento do CAU UNILA prev-se a instalao, numa ao conjunta entre docentes, discentes e instituio, do Escritrio Pblico de Arquitetura e Urbanismo, constitutivo do modelo pedaggico pautado pela aprendizagem-ao-experimentao. De igual modo basilar para esta proposta de curso a implantao do Canteiro Experimental, o qual ter o papel de articular teoria e prtica projetiva com a prtica construtiva atendendo a diversas disciplinas, como tambm esto contempladas disciplinas obrigatrias exclusivamente relacionadas ao Canteiro Experimental, como j exposto.

    O estgio profissional segue mesma direo pedaggica, numa perspectiva aprendizagem-ao-experimentao. No obstante a sua obrigatoriedade conforme diretrizes do MEC, para o CAU UNILA o estgio profissional desempenha um papel central na formao do aluno, motivo pelo qual a maior parte da carga horria de um semestre letivo completo dedicada para a sua realizao. Tal disposio tem por objetivo permitir e incentivar que os alunos tenham a oportunidade de estagiar nos seus pases/cidades de origem. Desta feita, espera-se que a prtica laboral consolide o ensino acadmico voltado para a integrao regional. Ao mesmo tempo, nos seminrios de estgios pretende-se que os alunos partilhem com o corpo discente e docente a sua experincia, a partir de uma perspectiva crtica-analtica, alimentando e atualizando o CAU UNILA das mais diversas especificidades do exerccio profissional na Amrica Latina11.

    6 CONCLUSO: OS DESAFIOS ESTO LANADOS

    Tendo por base a misso da UNILA como universidade voltada para a integrao regional, o curso de arquitetura e urbanismo se prope a ser um curso que compreenda o contexto regional latino-americano a partir de uma abordagem da

    11 Vale ressaltar que aspectos de natureza institucional e diplomticos atravessam o projeto de vocao

    internacional da UNILA, motivo pelo qual foi recentemente criada a pr-reitoria de Relaes Institucionais e Internacionais. Especificamente sobre a realizao dos estgios curriculares em outros pases, conforme preconizado nos PPCs de vrios cursos, a instituio tem estudado meios concretos de viabiliz-los, j que muitos entraves legais precisam ser adequadamente contornados. De igual modo, avana-se com o debate sobre a mobilidade profissional e reconhecimento de diploma dos egressos pelos diversos pases da regio, o qual transcende a elaborao do PPC. Da perspectiva do curso de arquitetura e urbanismo, num trabalho conjunto com os cursos de engenharia, est-se preparando para o prximo ano um encontro internacional em Foz do Iguau, para o qual sero convidados Arcu-Sul, MEC, CAU, ABEA, CONFEA, CREA. Justamente por ser uma universidade com vocao internacional, questes instigantes deste projeto de internacionalizao ultrapassam os objetivos deste artigo, mas certamente merecero ateno continua da comunidade acadmica.

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    arquitetura e urbanismo como ao poltica. Por conseguinte, pretende-se que o profissional egresso da UNILA seja pautado pelo profundo entendimento da funo social do arquiteto e urbanista. Inserido numa universidade pblica brasileira com o objetivo de integrao continental, sob este vis que o curso est estruturado: para a formao de profissionais generalistas aptos a dar respostas para uma produo habitacional de qualidade em contextos de carncia econmica e/ou de recursos materiais. Reforma urbana, habitao condigna e funo social do arquiteto e urbanista devem ser pensados sob a luz de novas prticas, visando a preparar o profissional da rea para atender a demanda habitacional da maior parte da populao mundial.

    O egresso do CAU UNILA, destarte, apresentar competncias para o exerccio profissional em consonncia com as especificidades e problemticas prprias dos distintos contextos latino-americanos. O desenvolvimento dessas competncias assenta-se na premissa de um aprendizado permeado pela reflexividade sobre as prticas profissionais experimentadas e vivenciadas empiricamente ao longo do curso, onde o projeto da habitao e da cidade, enquanto ao poltica, tratado de forma indissocivel s suas dimenses sociais, culturais, histricas, econmicas, espaciais e ambientais.

    Deste modo, o atual corpo docente e discente do CAU UNILA est empenhado, por meio do seu projeto pedaggico, em consolidar e aprofundar as primeiras linhas esboadas para este curso, conforme deixadas pelo consultor da instituio, antes do ingresso da primeira turma de estudantes e professores do curso:

    (...) essa tarefa demanda formular um novo paradigma para a educao e formao de jovens arquitetos e urbanistas latino-americanos capazes de compreender e rever uma tradio e cultura arquitetnica que pouco valor atribuiu s experincias autctones nas reas da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo. Em particular, refletir sobre o atual estado da arte desses conhecimentos na trajetria acadmica latino-americana. Ou ainda, contemplar em suas perspectivas a diversidade regional e cultural tanto quanto a dvida social que temos com esses povos, obtendo uma compreenso mais soberana e menos preconceituosa sobre as prticas sociais e tecnologias que atendem s reais demandas desses sujeitos e suas comunidades. Enfim, adotar uma postura menos subalterna e dependente dos modelos pertinente a edifcios, cidades e paisagens referenciados nas metrpoles e pases europeus e norte-americanos. (CHIESA, 2012a:04, grifo no original)

    Formular um novo paradigma para a educao e formao de jovens arquitetos e urbanistas latino-americanos (ibidem), postulado nos propsitos germinantes do CAU UNILA uma meta bastante audaciosa. fato que muito depender de seu corpo docente ainda em estruturao. Estes desgnios basilares tm, portanto, a misso fundamental de atrair um perfil docente aberto experimentao, inovao, valorizao dos mltiplos modos de habitar e de tcnicas construtivas subalternas, ao debate sobre/a partir/com a Amrica Latina. Se o CAU UNILA ser capaz de sustentar

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    XXXII ENSEA Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo

    este projeto singular, s o tempo dir.

    AGRADECIMENTOS

    Aos alunos integrantes do Ncleo de Apoio e Desenvolvimento do PPC que sob orientao da professora Renata Machado e da autora deste artigo fizeram ampla pesquisa sobre as escolas de arquitetura e urbanismo na regio de insero da UNILA, cujos dados esto sintetizados ao longo do texto.

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