módulo 2016.2
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1
Projeto:
Módulo 1I / 2016.2
PIBID-UEPB/LETRAS
Nome:___________________________________________________________________________Série:___
Endereço:_________________________________________________________________________Nº:_____
E-mail:___________________________________________________________Telefone:________________
2
Universidade Estadual da Paraíba-UEPB
Programa institucional de Bolsa de Iniciação à Docência-PIBID
Subprojeto Letras-Língua Portuguesa
Escola de Atuação: E.E.E.F.M Caic José Joffily
Coordenadora de Área: Magliana Rodrigues da Silva
Supervisora: Alessandra Magda de Miranda
Docentes: Benilde Cassandra
Fernanda Félix
Flávia Roberta
Joseilma Barros
Projeto:
Nas Trilhas da Língua Portuguesa: o texto em foco
Título: A CULTURA POPULAR NORDESTINA, NO FOLHETO SE
ETERNIZA!
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UMA MENSAGEM PARA VOCÊ:
Caro (a)aluno(a),
O Projeto Nas Trilhas da Língua Portuguesa: o texto em foco tem a
honra de recebê-lo(a) como integrante da nossa equipe. Hoje, você faz parte
do projeto que a cada dia obtém melhores resultados do trabalho desenvolvido
nas escolas selecionadas. Esperamos que aproveite ao máximo essa oportunidade
que surgiu em sua vida.
Este módulo contém uma coletânea de textos e de informações
relacionadas à Língua Portuguesa, cujo objetivo é servir de apoio para as
discussões e análises a serem realizadas neste primeiro período. Iniciaremos
refletindo um pouco sobre a importância da leitura e sobre a nossa cultura,
que deve ser valorizada e enaltecida, pois foi e é berçoe inspiração para vários
nomes reconhecidos nacionalmente. Neste viés, buscaremos conhecer e estudar
o gênero que é nosso símbolo regional, e que melhor retrata nosso povo e
cultura, e qual melhor exemplo para isso, se não o folheto, vulgo, cordel?
Esperamos contar com a sua presença durante todo o ano, para
podermos juntos desenvolver ainda mais os nossos conhecimentos, tanto a
respeito do estado, quanto sobre a língua portuguesa. Sendo assim, organize
sua bagagem, deixe um espaço para o conhecimento e vamos embarcar nessa
viagem trilhando caminhos paraibanos!
Atenciosamente:
As professoras
CONTATOS DO PROJETO:
Blog: http://nastrilhasdalinguaportuguesa.blogspot.com.br/
Página: https://www.facebook.com/nastrilhasdalinguaportuguesauepb?fref=ts
Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/NasTrilhasdaLinguaPortuguesa?fref=ts
Grupo no Whatsapp:Alunos do Pibid. Administradores: Joseilma (83)99190-1981;
Fernanda (83)99193-4839; Benilde (83) 98737-6681; Flávia: (83) 99654-1437
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LEITURA, PRA QUE TE QUERO?
LER FAZ BEM – Juarês Alencar
Ler faz bem a todos
amplia nossa visão
deve estar no dia-a-dia
de quem faz a educação
esse é maior recurso
faça essa lição
Com a leitura viajamos
além da imaginação
abrimos novos horizontes
vencendo a limitação
tornando-se um grande farol
que indica a direção
A leitura nos instrui
também é diversão
eleva a auto-estima
nos traz orientação
desenvolve o senso crítico
e forma o cidadão
Você que não gosta de ler
vamos mudar essa história
desenvolva a leitura
melhore sua oratória
esse é o meu conselho
arquive em sua memória
Vença esse desafio
seja um grande leitor
é uma missão do aluno
e também do professor
de todos que querem na vida
ser um grande vencedor.
Disponível em: http://juaresdocordel.blogspot.com.br/2009/04/leitura-abre-as-portas-do-
conhecimento.html
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PLURALIDADE CULTURAL
– Juarês Alencar
O nosso país é exemplo
Da grande diversidade
Por sua rica cultura
Sinal de brasilidade
Com todas as diferenças
Mostra a sua pluralidade.
Terra dos muitos sotaques
Cores e manifestações
E com as várias etnias
Preservando as tradições
As diferenças existem
Entre as várias regiões.
Nordestino fala oxente
Que é próprio da região
O mineiro fala uai...
Com muita satisfação
O gaucho já fala thê
E numa forte expressão.
Com todas as etnias
Que presentes aqui estão
O negro, branco e índio
Formaram esta nação
Os brasileiros são frutos
Desta miscigenação.
O Brasil é um grande palco
De bela apresentação
Do frevo, samba e forró
Carnaval e folião
Ciranda e Coco de roda
Xote, xaxado e baião.
É o país do futebol
Do ritmo e religião
Do regue e bumba meu boi
Presentes no Maranhão
Do alegre axé da Bahia
Com toda a animação.
Tem a festa do divino
Que é muito popular
Tem a folia de reis
Maracatu pra dançar
Além da bela catira
E o belo boi bumbá.
A nossa cultura é rica
Pois tem forte tradição
Na música e na poesia
E também na religião
Carnaval e futebol
É verdadeira paixão.
A cultura religiosa
Demonstra a fé popular
Romarias a padre Cícero
Grande Sírio no Pará
Procissão do fogaréu
Faz Goiás iluminar.
Terra das vaquejadas
Das festas de apartação
Famosas pegas de boi
Que existem no sertão
Vaqueiros e repentistas
Fazem sua louvação.
As festas de boiadeiros
De cowboy e de peão
Grande festa de rodeio
CULTURA
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Que causa admiração
Com locutores famosos
Que falam com emoção.
Famosas festas juninas
É uma grande tradição
No nordeste brasileiro
É a maior animação
Fogueira e milho assado
Quadrilha, forró e quentão.
Lá pras banda da Amazônia
Bem no meio da floresta
Caprichoso e Garantido
Fazem a maior festa
Os turistas que lá vão
Diz não ter outra como esta.
Esse é o país da alegria
É cheio de sonoridade
Tem rimo de todo jeito
Forte musicalidade
Sendo um misto de beleza
É sua própria identidade.
Terra dos vários sabores
Com culinária aprovada
Pamonha e acarajé
Pé de moleque, feijoada
Baião de dois, tapioca
Carne de sol, galinhada.
Tem pato no tucupi
E também no tacacá
Tem churrasco com fartura
E o gostoso mungunzá
O chimarrão lá no sul
E na Bahia o vatapá.
Nossa cultura é marcada
Pelos afro-descendentes
Um povo de muita garra
E de coração valente
Que migraram lá da África
Para o nosso continente.
Os nativos do Brasil
Ameríndios brasileiros
Foram quase exterminados
Pelos brancos estrangeiros
Relutaram e sobrevivem
Povo forte e verdadeiro.
Amamos esse Brasil
ETA país arretado
Expresso em alta voz
Falo pra todo lado
Não importa a região
Nem tão pouco o Estado.
Pode ser aqui no Norte
Ou também lá no Nordeste
Até no longínquo Sul
Ou lá no rico Sudeste
Em todo lugar é bom
Inclusive o Centro-oeste.
Em todo lugar é bom
Dá gosto aqui viver
Esse país é tão grande
Tem riquezas pra valer
E pra ele ser melhor
Falta à corrupção varrer.
Esse é um breve relato
Da nossa pluralidade
O Brasil é um país
Que tem sua identidade
Mostra em todos os ritmos
A sua originalidade.
Disponível em: http://juaresdocordel.blogspot.com.br/2014/04/pluralidade-cultural.html
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REPORTAGENS SOBRE
LEANDRO GOMES DE BARROS:
Conheça Leandro Gomes de Barros, o pai do
cordel no Brasil - Globo Rural 02/01/2011 (2º
Bloco)
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ukzY-
qG5p2g9:11 min
Sesquicentenário do poeta Leandro Gomes de
Barros
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=CvHv005bNtw
7:00 min
O cavalo que defecava dinheiro – Leandro Gomes De Barros
Na cidade de Macaé
Antigamente existia
Um duque velho invejoso
Que nada o satisfazia
Desejava possuir
Todo objeto que via
Esse duque era compadre
De um pobre muito
atrasado
Que morava em sua terra
Num rancho todo
estragado
Sustentava seus filhinhos
Na vida de alugado.
Se vendo o compadre
pobre
Naquela vida privada
Foi trabalhar nos
engenhos
Longe da sua morada
Na volta trouxe um cavalo
Que não servia pra nada
Disse o pobre à mulher:
— Como havemos de
passar?
O cavalo é magro e velho
Não pode mais trabalhar
Vamos inventar um
"quengo"
Pra ver se o querem
comprar.
Foi na venda e de lá
trouxe
Três moedas de cruzado
Sem dizer nada a ninguém
Para não ser censurado
No fiofó do cavalo
Foi o dinheiro guardado
Do fiofó do cavalo
Ele fez um mealheiro
Saiu dizendo: — Sou rico!
Inda mais que um
fazendeiro,
Porque possuo o cavalo
Que só defeca dinheiro.
Quando o duque velho
soube
Que ele tinha esse cavalo
Disse pra velha duquesa:
—Amanhã vou visitá-lo
Se o animal for assim
Faço o jeito de comprá-lo!
Saiu o duque vexado
Fazendo que não sabia,
Saiu percorrendo as terras
Como quem não conhecia
Foi visitar a choupana,
Onde o pobre residia.
Chegou salvando o
compadre
Muito desinteressado:
— Compadre, Como lhe
vai?
Onde tanto tem andado?
Há dias que lhe vejo
Parece está melhorado...
—É muito certo compadre
Ainda não melhorei
Porque andava por fora
Faz três dias que cheguei
Mas breve farei fortuna
Com um cavalo que
comprei.
—Se for assim, meu
compadre
Você está muito bem!
É bom guardar o segredo,
O CORDEL É ESTRANGEIRO, MAS O FOLHETO É BRASILEIRO!
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Não conte nada a
ninguém.
Me conte qual a vantagem
Que este seu cavalo tem?
Disse o pobre: —Ele está
magro
Só o osso e o couro,
Porém tratando-se dele
Meu cavalo é um tesouro
Basta dizer que defeca
Níquel, prata, cobre e
ouro!
Aí chamou o compadre
E saiu muito vexado,
Para o lugar onde tinha
O cavalo defecado
O duque ainda encontrou
Três moedas de cruzado.
Então exclamou o velho:
— Só pude achar essas
três!
Disse o pobre: — Ontem à
tarde
Ele botou dezesseis!
Ele já tem defecado,
Dez mil réis mais de uma
vez.
—Enquanto ele está
magro
Me serve de mealheiro.
Eu tenho tratado dele
Com bagaço do terreiro,
Porém depois dele gordo
Não quem vença o
dinheiro...
Disse o velho: — meu
compadre
Você não pode tratá-lo,
Se for trabalhar com ele
É com certeza matá-lo
O melhor que você faz
É vender-me este cavalo!
— Meu compadre, este
cavalo
Eu posso negociar,
Só se for por uma soma
Que dê para eu passar
Com toda minha família,
E não precise trabalhar.
O velho disse ao
compadre:
— Assim não é que se faz
Nossa amizade é antiga
Desde os tempo de seus
pais
Dou-lhe seis contos de
réis
Acha pouco, inda quer
mais?
— Compadre, o cavalo é
seu!
Eu nada mais lhe direi,
Ele, por este dinheiro
Que agora me sujeitei
Para mim não foi vendido,
Faça de conta que te dei!
O velho pela ambição
Que era descomunal,
Deu-lhe seis contos de réis
Todo em moeda legal
Depois pegou no cabresto
E foi puxando o animal.
Quando ele chegou em
casa
Foi gritando no terreiro:
— Eu sou o homem mais
rico
Que habita o mundo
inteiro!
Porque possuo um cavalo
Que só defeca dinheiro!
Pegou o dito cavalo
Botou na estrebaria,
Milho, farelo e alface
Era o que ele comia
O velho duque ia lá,
Dez, doze vezes por dia...
Aí o velho zangou-se
Começou loga a falar:
—Como é que meu
compadre
Se atreve a me enganar?
Eu quero ver amanhã
O que ele vai me contar.
Porém o compadre pobre,
(Bicho do quengo lixado)
Fez depressa outro plano
Inda mais bem arranjado
Esperando o velho duque
Quando viesse zangado...
O pobre foi na farmácia
Comprou uma
borrachinha
Depois mandou encher ela
Com sangue de uma
galinha
E sempre olhando a
estrada
Pré ver se o velho vinha.
Disse o pobre à mulher:
— Faça o trabalho direito
Pegue esta borrachinha
Amarre em cima do peito
Para o velho não saber,
Como o trabalho foi feito!
Quando o velho aparecer
Na volta daquela estrada,
Você começa a falar
Eu grito: —Oh mulher
danada!
Quando ele estiver bem
perto,
Eu lhe dou uma facada.
Porém eu dou-lhe a facada
Em cima da borrachinha
E você fica lavada
Com o sangue da galinha
Eu grito: —Arre danada!
Nunca mais comes
farinha!
Quando ele ver você
morta
Parte para me prender,
Então eu digo para ele:
—Eu dou jeito ela viver,
O remédio tenho aqui,
Faço para o senhor ver!
—Eu vou buscar a rabeca
Começo logo a tocar
Você então se remaxa
Como quem vai melhorar
Com pouco diz: —Estou
boa
Já posso me levantar.
Quando findou-se a
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conversa
Na mesma ocasião
O velho ia chegando
Aí travou-se a questão
O pobre passou-lhe a faca,
Botou a mulher no chão.
O velho gritou a ele
Quando viu a mulher
morta:
Esteja preso, bandido!
E tomou conta da porta
Disse o pobre: —Vou
curá-la!
Pra que o senhor se
importa?
—O senhor é um bandido
Infame de cara dura
Todo mundo apreciava
Esta infeliz criatura
Depois dela assassinada,
O senhor diz que tem
cura?
Compadre, não admito
O senhor dizer mais nada,
Não é crime se matar
Sendo a mulher malcriada
E mesmo com dez
minutos,
Eu dou a mulher curada!
Correu foi ver a rabeca
Começou logo a tocar
De repente o velho viu
A mulher se endireitar
E depois disse: —Estou
boa,
Já posso me levantar...
O velho ficou suspenso
De ver a mulher curada,
Porém como estava vendo
Ela muito ensanguentada
Correu ela, mas não viu,
Nem o sinal da facada.
O pobre entusiasmado
Disse-lhe: —Já conheceu
Quando esta rabeca estava
Na mão de quem me
vendeu,
Tinha feito muitas curas
De gente que já morreu!
No lugar onde eu estiver
Não deixo ninguém
morrer,
Como eu adquiri ela
Muita gente quer saber
Mas ela me está tão cara
Que não me convém
dizer.
O velho que tinha vindo
Somente propor questão,
Por que o cavalo velho
Nunca botou um tostão
Quando viu a tal rabeca
Quase morre de ambição.
—Compadre, você
desculpe
De eu ter tratado assim
Porque agora estou certo
Eu mesmo fui o ruim
Porém a sua rabeca
Só serve bem para mim.
—Mas como eu sou um
homem
De muito grande poder
O senhor é um homem
pobre
Ninguém quer o conhecer
Perca o amor da rabeca...
Responda se quer vender?
—Porque a minha mulher
Também é muito
estouvada
Se eu comprar esta rabeca
Dela não suporto nada
Se quiser teimar comigo,
Eu dou-lhe uma facada.
—Ela se vê quase morta
Já conhece o castigo,
Mas eu com esta rabeca
Salvo ela do perigo
Ela daí por diante,
Não quer mais teimar
comigo!
Disse-lhe o compadre
pobre:
—O senhor faz muito
bem,
Quer me comprar a rabeca
Não venderei a ninguém
Custa seis contos de réis,
Por menos nem um
vintém.
O velho muito contente
Tornou então repetir:
—A rabeca já é minha
Eu preciso a possuir
Ela para mim foi dada,
Você não soube pedir.
Pagou a rabeca e disse:
—Vou já mostrar a
mulher!
A velha zangou-se e disse:
—Vá mostrar a quem
quiser!
Eu não quero ser culpada
Do prejuízo que houver.
—O senhor é mesmo um
velho
Avarento e interesseiro,
Que já fez do seu cavalo
Que defecava dinheiro?
—Meu velho, dê-se a
respeito,
Não seja tão embusteiro.
O velho que confiava
Na rabeca que comprou
Disse a ela: —Cale a
boca!
O mundo agora virou
Dou-lhe quatro
punhaladas,
Já você sabe quem sou.
Ele findou as palavras
A velha ficou teimando,
Disse ele: —Velha dos
diabos
Você ainda está falando?
Deu-lhe quatro
punhaladas
Ela caiu arquejando...
O velho muito ligeiro
Foi buscar a rabequinha,
Ele tocava e dizia:
—Acorde, minha
velhinha!
Porém a pobre da velha,
Nunca mais comeu
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farinha.
O duque estava pensando
Que sua mulher tornava
Ela acabou de morrer
Porém ele duvidava
Depois então conheceu
Que a rabeca não
prestava.
Quando ele ficou certo
Que a velha tinha morrido
Boto os joelhos no chão
E deu tão grande gemido
Que o povo daquela casa
Ficou todo comovido.
Ele dizia chorando:
—Esse crime hei de
vingá-lo
Seis contos desta rabeca
Com outros seis do cavalo
Eu lá não mando
ninguém,
Porque pretendo matá-lo.
Mandou chamar dois
capangas:
—Me façam um surrão
bem feito
Façam isto com cuidado
Quero ele um pouco
estreito
Com uma argola bem
forte,
Pra levar este sujeito!
Quando acabar de fazer
Mande este bandido
entrar,
Para dentro do surrão
E acabem de costurar
O levem para o rochedo,
Para sacudi-lo no mar.
Os homens eram dispostos
Findaram no mesmo dia,
O pobre entrou no surrão
Pois era o jeito que havia
Botaram o surrão nas
costas
E saíram numa folia.
Adiante disse um
capanga:
—Está muito alto o rojão,
Eu estou muito cansado,
Botemos isto no chão!
Vamos tomar uma pinga,
Deixe ficar o surrão.
&mdashEstá muito bem,
companheiro
Vamos tomar a bicada!
(Assim falou o capanga
Dizendo pro camarada)
Seguiram ambos pra
venda
Ficando além da estrada...
Quando os capangas
seguiram
Ele cá ficou dizendo:
—Não caso porque não
quero,
Me acho aqui padecendo...
A moça é milionária
O resto eu bem
compreendo!
Foi passando um
boiadeiro
Quando ele dizia assim,
O boiadeiro pediu-lhe:
—Arranje isto pra mim
Não importa que a moça
Seja boa ou ruim!
O boiadeiro lhe disse:
—Eu dou-lhe de mão
beijada,
Todos os meus possuídos
Vão aqui nessa boiada...
Fica o senhor como dono,
Pode seguir a jornada!
Ele condenado à morte
Não fez questão, aceitou,
Descoseu o tal surrão
O boiadeiro entrou
O pobre morto de medo
Num minuto costurou.
O pobre quando se viu
Livre daquela enrascada,
Montou-se num bom
cavalo
E tomou conta da boiada,
Saiu por ali dizendo:
—A mim não falta mais
nada.
Os capangas nada viram
Porque fizeram ligeiro,
Pegaram o dito surrão
Com o pobre do boiadeiro
Voaram de serra abaixo
Não ficou um osso inteiro.
Fazia dois ou três meses
Que o pobre negociava
A boiada que lhe deram
Cada vez mais aumentava
Foi ele um dia passar,
Onde o compadre
morava...
Quando o compadre viu
ele
De susto empalideceu;
—Compadre, por onde
andava
Que agora me apareceu?!
Segundo o que me parece,
Está mais rico do que eu...
—Aqueles seus dois
capangas
Voaram-me num lugar
Eu caí de serra abaixo
Até na beira do mar
Aí vi tanto dinheiro,
Quanto pudesse apanhar!..
—Quando me faltar
dinheiro
Eu prontamente vou ver.
O que eu trouxe não é
pouco,
Vai dando pra eu viver
Junto com a minha
família,
Passar bem até morrer.
—Compadre, a sua
riqueza
Diga que fui eu quem dei!
Pra você recompensar-me
Tudo quanto lhe arranjei,
É preciso que me bote
No lugar que lhe botei!..
Disse-lhe o pobre: —Pois
não,
Estou pronto pra lhe
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mostrar!
Eu junto com os capangas
Nós mesmo vamos levar
E o surrão de serra abaixo
Sou eu quem quero
empurrar!..
O velho no mesmo dia
Mandou fazer um surrão.
Depressa meteu-se nele,
Cego pela ambição
E disse: —Compadre eu
estou
À tua disposição.
O pobre foi procurar
Dois cabras de confiança
Se fingindo satisfeito
Fazendo a coisa bem
mansa
Só assim ele podia,
Tomar a sua vingança.
Saíram com este velho
Na carreira, sem parar
Subiram de serra acima
Até o último lugar
Daí voaram o surrão
Deixaram o velho
embolar...
O velho ia pensando
De encontrar muito
dinheiro,
Porém secedeu com ele
Do jeito do boiadeiro,
Que quando chegou
embaixo
Não tinha um só osso
inteiro.
Este livrinho nos mostra
Que a ambição nada
convém
Todo homem ambicioso
Nunca pode viver bem,
Arriscando o que possui
Em cima do que já tem.
Cada um faça por si,
Eu também farei por mim!
É este um dos motivos
Que o mundo está ruim,
Porque estamos cercados
Dos homens que pensam
assim.
Disponível em:https://pt.wikisource.org/wiki/O_cavalo_que_defecava_dinheiro
A literatura de cordel
No Brasil cordel é sinônimo de poesia popular em verso. As histórias de
batalhas, amores, sofrimentos, crimes, fatos políticos e sociais do país e do mundo, as
famosas disputas entre cantadores, fazem parte de diversos tipos de texto em verso
denominados literatura de cordel.
Os primeiros escritores de folhetos que saíram do campo em direção às cidades
levavam consigo a esperança por melhores dias e as lembranças de contos e histórias de
príncipes e princesas, reinos distantes, homens valentes e mocinhas indefesas, além das
canções dos violeiros e repentistas que viajavam pelas fazendas animando festas e
desafiando outros cantadores. Vivendo nas cidades os poetas começaram a transpor para
o papel todo este universo de experiências. Além de contos e cantorias de viola, estavam
guardados na memória o som dos maracatus, dos reisados, do coco e da embolada. É
essa cultura, influenciada pelos ritmos afro-brasileiros, pela mistura entre rituais
sagrados e profanos, que faz do cordel uma produção cultural distinta das outras.
O folheto vai para as ruas e praças e é vendido por homens que ora declamam os
versos, ora cantam em toadas semelhantes às tocadas pelos repentistas. São nordestinos
pobres e semialfabetizados que entram no mundo da escrita, das tipografias, da
transmissão escrita e não apenas oral. A poesia popular, antes restrita ao universo
familiar e a grupos sociais colocados à margem da sociedade (moradores pobres de vilas
e fazendas, ex-escravos, pequenos comerciantes etc.), ultrapassa fronteiras, ocupa
espaços outrora reservados aos escritores e homens de letras do país.
Da literatura de folheto à literatura de cordel
12
A expressão “literatura de cordel” foi inicialmente empregada pelos estudiosos
da nossa cultura para designar os folhetos vendidos nas feiras, sobretudo em pequenas
cidades do interior do Nordeste, em uma aproximação com o que acontecia em terras
portuguesas. Em Portugal, eram chamados cordéis os livros impressos em papel barato,
vendidos em feiras, praças e mercados.
Os cordéis portugueses, diferentemente dos folhetos brasileiros, eram escritos e
lidos por pessoas que pertenciam às camadas médias da população: advogados,
professores, militares, padres, médicos, funcionários públicos, entre outros. Em muitos
casos, os cordéis eram comprados por uma pessoa letrada e lidos para um público não
letrado, situação que se reproduz aqui no Brasil, onde os folhetos eram consumidos
coletivamente.
DIA DE CINEMA!!!!!
As aventuras dos nordestinos João
Grilo (Matheus Natchergaele), um
sertanejo pobre e mentiroso, e
Chicó (Selton Mello), o mais
covarde dos homens. Ambos lutam
pelo pão de cada dia e atravessam
por vários episódios enganando a
todos do pequeno vilarejo de
Taperoá, no sertão da Paraíba. A
salvação da dupla acontece com a
aparição da Nossa Senhora
(Fernanda Montenegro).
Adaptação da obra homônima de
Ariano Suassuna.
13
CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ – PATATIVA DO ASSARÉ
Poeta, cantô de rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.
Você teve inducação,
Aprendeu muntaciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.
Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Têarmoço de fejão
E a janta de mucunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro,
Socado dentro do mato,
De apragatacurrelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.
Você é muito ditoso,
Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gozo,
Que eu canto meu padecê.
Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.
Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.
Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó.
Amigo, não tenha quêxa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De quámanêra se pega
Num ferro pra trabaiá,
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.
Repare que a minha vida
É deferente da sua.
A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obra da criação.
A LÍNGUA É NACIONAL, MAS O OXENTE É REGIONAL!
14
Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô.
Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtrosnegoçoimpossive.
Eu canto as coisavisive
Do meu querido sertão.
Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale
Atrás de curámeus male
Quero repará pra serra
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um divule de rima
Caindo inriba da terra.
Mas tudo é rima rastêra
De fruita de jatobá,
De fôia de gamelêra
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho,
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é deferente
E nosso verso também.
Repare que deferença
Iziste na vida nossa:
Inquanto eu tô na sentença,
Trabaiando em minha roça,
Você lá no seu descanso,
Fuma o seu cigarro mando,
Bem perfumado e sadio;
Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte
Feito de paia de mio.
Você, vaidoso e facêro,
Toda vez que quéfumá,
Tira do bôrso um isquêro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.
Sua vida é divirtida
E a minha é grande pená.
Só numa parte de vida
Nóis dois samo bem iguá:
É no dereito sagrado,
Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto,
Conheço e não me confundo
Da coisa mió do mundo
Nóis goza do mesmo tanto.
Eu não posso lhe invejá
Nem você invejá eu,
O que Deus lhe deu por lá,
Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa muié,
Me estima com munta fé,
Me abraça, beja e qué bem
E ninguém pode negá
Que das coisanaturá
Tem ela o que a sua tem.
Aqui findo esta verdade
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.
Disponível em: http://www.moisesneto.com.br/estudo66.pdf
15
Variação linguística
A linguagem é a característica que nos difere dos demais seres, permitindo-nos a oportunidade de
expressar sentimentos, revelar conhecimentos, expor nossa opinião frente aos assuntos relacionados ao
nosso cotidiano, e, sobretudo, promovendo nossa inserção ao convívio social.
E dentre os fatores que a ela se relacionam destacam-se os níveis da fala, que são basicamente
dois: O nível de formalidade e o de informalidade.
O padrão formal está diretamente ligado à linguagem escrita, restringindo-se às normas gramaticais
de um modo geral. Razão pela qual nunca escrevemos da mesma maneira que falamos. Este fator foi
determinante para a que a mesma pudesse exercer total soberania sobre as demais.
Quanto ao nível informal, este por sua vez representa a linguagem do dia a dia, das conversas
informais que temos com amigos, familiares etc.
Compondo o quadro do padrão informal da linguagem, estão as chamadas variedades linguísticas, as
quais representam as variações de acordo com as condições sociais, culturais, regionais e históricas em que é
utilizada.
Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/gramatica/variacoes-linguisticas.htm
Variação regional
O Brasil é um país com um território amplo e mesmo assim ainda possui uma língua única. Além
de contribuir para uma grande diversidade nos hábitos culturais, religiosos, políticos e artísticos, a influência
de várias culturas deixou na língua portuguesa marcas que acentuam a riqueza de vocabulário e de
pronúncia. É importante destacar que as diferenças na nossa língua não constituem erro, mas são
consequências das marcas deixadas por outros idiomas que entraram na formação do português brasileiro.
Entre esses idiomas estão os indígenas e africanos, além dos europeus, como o francês e o italiano. A
influência desses elementos presentes em cada região do país, aliada ao desenvolvimento histórico de cada
lugar, fez com que surgissem regionalismos, isto é, expressões típicas de determinada região.
Regionalismo é, na língua, o emprego de palavras ou expressões peculiares a determinadas
regiões. Em literatura, é a produção literária que focaliza especialmente usos, costumes, falares e
tradições regionais.
Disponível em: http://letrasmarques2013.blogspot.com.br/2013/08/regionalismos.html
16
A MOÇA QUE FOI ENTERRADA VIVA - João Martins de Athayde
Nos sertões de Teresina
Habitava um
fazendeiro,
Era materialista
Além disso interesseiro
Só amava a duas coisas
Homem valente e
dinheiro
Era quase um
analfabeto
Ostentava o fanatismo
Mostrava grande
afeição
Pelo imperialismo
Ele era um potentado
Nos tempos do
carrancismo
Como era muito rico
Confiava em sua sorte
Era o temor dos sertões
Naquela zona do Norte
Que o que quisesse
fazia,
Ainda encarando a
morte
Vivendo como casado
Na mais perfeita
harmonia
Tinha quatro filhos
homens
Todos em sua
companhia
Tinha uma filha moça,
Por nome de Sofia
Esta moça era caçula
Vinte e um anos
contava,
Os irmãos eram mais
velhos
Mas nenhum se
emancipava
Só era dono de si
No dia que se casava
O velho não se
importava
De fazer revolução,
Para sustentar o
capricho
Ou se vingar sua paixão
Seus filhos também
seguiam
Nessa mesma opinião
Quando ele conversava
No meio de muita gente
Dizia: “Tenho uma filha
É uma moça decente
Porém só casa com ela
Quem for um bicho
valente”
Com poucos dias depois
A noticia se espelhava,
Qualquer um rapaz
solteiro
Que na estrada passava
Já ia com tanto medo,
Pra fazenda nem olhava
Sofia se lastimava
Dizendo: “Até onde vai,
Este meu padecimento
Sem se ver de onde sai
Eu hei de ficar solteira,
Pra fazer gosto a meu
pai?!”
Depois enxugou as
lágrimas
Que banhavam o lindo
rosto
Dizia: “Eu encontrando
Um rapaz moço e
disposto
Eu farei com que meu
pai
Passe por esse
desgosto”
Um rapaz sabendo disto
Se condoeu da donzela
Vendo que não
encontrava
Outra moça igual àquela
Um da determinou-se
Dizendo: “Vou roubar
ela”
Escreveu logo um
bilhete
Dizendo: “Dona Sofia,
Eu ontem fui sabedor
Do que a senhora sofria
Fiquei muito indignado
Pois lhe tenho simpatia
Conheço perfeitamente
Que vou entrar em
perigo
Porque seu pai
conhecendo
Torna-se meu inimigo
Basta saber que a
senhora,
Pretende se casar
comigo
Eu sou um rapaz
solteiro
Não tenho conta a quem
dar
Responda esse bilhete
Pra eu me desenganar
Se me aceita como
esposo,
O jeito eu vou procurar”
Sofia mandou o sim
Pela manha muito cedo,
A VISÃO DA MULHER NO FOLHETO DEPENDE DO CONTEXTO!
17
Fazendo ver a seu noivo
Que de nada tinha medo
Queria falar com ele,
No outro dia em
segredo
O moço aí preveniu-se
De um punhal e um
facão,
Pistola boa na cinta
Cartucheira e munição
Seguiu para a casa do
velho,
Porém com boa
intenção
Encontrou uma criada
Com um candeeiro na
mão
Perguntou-lhe: “Onde é
o quarto
Da filha de seu patrão?”
Diz ela: “Ao lado
esquedo
Pela porta do oitão”
A noite era muito escura
Por ali ninguém o viu,
Ele tanto pelejou
E tanto se retraiu
Que entrou no quarto da
moça
E o velho nem
pressentiu
Foi entardecendo a
noite
Acabaram de cear,
Quando a moça entrou
no quarto
Para se agasalhar
Foi avistando o rapaz,
Ficou sem poder falar
O rapaz muito ligeiro
Pegou ela pela mão,
Porém com muito
respeito
Contou-lhe sua intenção
Dizendo: “Eu arranjo
tudo,
Sem precisar de questão
Assim passaram a noite
A moça muito assustada
Quando amanheceu o
dia
Por sua mãe foi
chamada
Para cuidar dos
trabalhos,
Como era acostumada
O rapaz ficou no quarto
Do povo se ocultou,
Quando botaram o
almoço
Então a moça voltou
De parelha com seu
noivo
Ao velho se apresentou
O rapaz saiu do quarto
Seu rosto não
demudava,
Fincou o punhal na
mesa
Dizendo se aproximava:
“É este o homem
valente!...
Que o senhor
procurava?”
Sou eu, seu futuro genro
Que amo a esta donzela,
Tudo isso que já fiz
Não é criticando dela
Embora me custe a
vida,
Só me casarei com
ela”...
O velho conheceu logo
Que não tinha jeito a
dar
Correu a vista nos filhos
Como quem quer avisar
Aí todos convidaram
O moço para almoçar
Ele aceitou o convite
Porque não tinha
precisão
Disse o velho
mansamente:
“Entre nós não há
questão
Precisamos fazer logo,
Toda esta arrumação
O senhor vá para casa
Veja que falta arrumar,
Arrumação para a noiva
Eu também vou
aprontar
E o senhor no dia
quinze,
Venha para se casar”
Assim que o rapaz saiu
O velho chamou Sofia,
Dizendo: “Filha maldita
Quem te deu tanta
ousadia?
Me obrigastes da fazer
O que nunca pretendia!”
Aí gritou para os filhos,
Dizendo de cara dura:
“Agarrem esta maldita
Prendam ela bem segura
E vão no quarto do
meio
Cavem uma sepultura”
Naquele mesmo
momento
Sofia foi amarrada,
Para o quarto que estava
A sepultura foi cavada
Aonde a triste donzela
Havia de ser sepultada
Reuniu-se em roda dela
Toda aquela comitiva,
O pai, a mãe, os irmãos
Por infame tentativa
Condenaram a pobre
moça
18
Para sepultarem-na viva
Naquela situação
Que estava a pobre
Sofia,
Pedindo ao pai, em
soluços,
E o velho não atendia:
“Meu pai, não me mate
hoje
Deixe eu viver mais um
dia!”
Sofia se lastimava
E o velho não dava
ouvido,
Depois disse para ela:
“Nada vale o seu pedido
A senhora está passando
Da hora de ter morrido”
Sofia disse: “Meu pai
Tenha de mim
compaixão
Mande chamar o vigário
Pra me ouvir em
confissão
Talvez por este meio
Eu possa alcançar o
perdão!”
“A senhora em parte
alguma
Podia ser perdoada,
Não há sentença
bastante
Para filha excomungada
Quem fez o que você
fez
Só paga sendo
queimada”
O velho zangou-se e
disse:
“Não quero mais
discutir
Palavras de sua boca
Não pretendo mais
ouvir
Siga; entre para a cova
Para eu mandar entupir”
Aí botaram Sofia
Pra dentro da cova
escura,
O buraco foi cavado
Com dez palmos de
fundura
Que sofrimento tirano
Desta infeliz criatura
O velho como uma fera
Mandou ela se deitar
Ela na ânsia da morte
Começou logo a gritar
Pedia aos outros: “Me
acudam
Que meu pai quer me
matar!”
O velho era malvado
Pior que o Satanás
Pegou Sofia dizendo:
“Veja bem como se
faz!”...
Botou-lhe terra por
cima,
Até que não gritou mais
Aí seguiram para a sala
Ele, os filhos e a mulher
Dizendo: “Estou
satisfeito
Vou esperar o que
houver
Só fica mais perigoso,
Se o noivo dela souber”
Logo preveniu-se tudo
Contra o noivo de Sofia
Nisto bateram à porta
Mandaram ver quem
batia
Era o rapaz noivo dela,
Porém de nada sabia
O velho disse para ele
“O senhor de onde
vem?
Minha derrota está feita
Aqui não me sai
ninguém
Matei sua noiva agora,
E o senhor morre
também”
Aí partiu para ele
Como uma fera
assanhada,
O rapaz negou-lhe o
corpo
E deu-lhe uma
punhalada
O velho caiu gritando
Não pode mais fazer
nada
Reuniu-se contra ele
Os quatro irmãos de
Sofia,
Atirando à queima-
roupa
Mas nem um tiro atingia
E ele os poucos que
dava,
La um ou outro perdia
Com meia hora de luta
Estava tudo sem ação,
Os quatro irmãos de
Sofia
Dois morreram na
questão
Um correu espavorido
E o outro ficou no chão
O rapaz ficou sozinho
Porém já muito ferido
Quando foi passando a
porta
Ouviu um grande
gemido
Diz ele: “Talvez Sofia
Inda não tenha morrido”
O rapaz muito ferido
Conhecendo que
morria,
Seguiu pela casa
adentro
19
Procurando quem gemia
Acertou logo no quarto
Onde enterraram Sofia,
No mesmo canto
encontrou
A alavanca e a enxada
Os ferros que tinham
sido
A dita cova cavada
Com eles tirou Sofia,
Quase morta asfixiada
O leitor preste atenção
Sofia foi arrancada
Não morreu por um
motivo
A cova não foi socada
Só fazia quatro horas,
Que tinha sido enterrada
O rapaz muito doente
Ainda conduziu Sofia
Pra casa de sua mãe
Que nada disso sabia
A velha quando viu ele
Quase morre de agonia
Não fazia dez minutos
Que o rapaz tinha
chegado,
Na casa de sua mãe
Quando recebeu um
recado
Pelo irmão de Sofia
Ia ser assassinado
Disse o rapaz a Sofia:
“Me acabo aqui mas
não corro
Já estou muito ferido
Desta conheço que
morro
E também não me
sujeito
Gritar pedindo socorro”
Aí ele pediu à mãe:
“Veja as armas que aí
tem
O bacamarte, a
espingarda
E a pistola também
E corra para bem longe
Porque o povo já vem”
A velha morta de medo
Trouxe as armas e
entregou
Transpassada de agonia
Chorando o abençoou
Temendo a morte fugiu
Porém Sofia ficou
O rapaz entrincheirou-
se
Bem na porta da entrada
Sofia estava por tudo
Não se temia de nada
Foi botar o sei piquete
Atrás pela retaguarda
Sofia triste pensando
Tão depressa se acabar
Conhecendo que morria
Talvez antes de casar
Quando levantou a vista
Foi vendo o grupo
chegar
O rapaz que estava
pronto
Com o seu revólver na
mão
Amparou-se num portal
Enfrentou o pelotão
Cada tiro era um
defunto
Que embolava no chão
Sofia na retaguarda
Inda emparelhou seis
O bacamarte era bom
Certa pontaria fez
Quando puxou o
gatilho,
Caiu tudo de uma vez
Entrou um pela janela
Sofia não pressentiu
O rapaz estava lutando
De forma nenhuma o
viu
Atirou nele nas costas
Que o pobre rapaz caiu
Aí pegaram Sofia
Que não podia escapar,
Cortaram todo o cabelo
Mandaram os olhos
furar
Depois dependuraram
ela
Dizendo: “Vamos
sangrar”
Sangraram devagarinho
Pra ainda mais judiar
Antes da moça morrer
Eles foram retalhar
Em pedaços tão
pequenos
Que não puderam
enterrar
Quem me contou essa
história
Foi um rapaz muito
sério
Foi testemunha de vista
Daquele caso funéreo
Os corpos foram
levados
Num cesto pro
cemitério
O mundo está
corrompido
O erro vem de atrás
Muitos acontecimentos
De resultados fatais
Só acontecem com as
filhas
Que vão de encontro
aos pais
20
A SORTE DE UMA MERETRIZ - João Martins de Athayde
Não se engane com o
mundo
Que o mundo não tem o
que dar,
Quem com ele se iludir
Iludido há de ficar
Pois temos visto
exemplos,
Que é feliz quem os
tomar
Doze anos tinha Aulina
Seu pai era fazendeiro,
Casa que naquele tempo
Havia tanto dinheiro
Muitas joias de valor,
Crédito no mundo
inteiro
Aulina, eu creio, não
tinha
Outra igual na
perfeição,
Parece que a natureza
Carregou mais nela a
mão
Pois nela via-se a força
Do autor da criação
Os olhos dela fingiam
Raios do sol da manhã,
O rosto bem regular
Corado como a romã
Parecia que as estrelas,
Queriam chama-la
irmão
Os dedos alvos e finos
Qual teclados de piano,
Quem a visse só diria
Que não era corpo
humano Parecia ser
propósito, Do Divino
Soberano
Também tinha tanto
orgulho Que nem aos
pais conhecia, Se
julgava saliente A todo
mundo que via Julgando
que todo mundo A ela
se curvaria
Quando inteirou vinte
anos Por si se prostituiu
O pai quase
enlouqueceu tanto
desgosto sentiu Porque
em toda família Um
caso assim nunca viu
Logo que caiu no
mundo Por todos foi
abraçada, Por as mais
altas pessoas Era
sempre visitada Por
fidalgos e militares, Por
todos era adorada
Recebeu logo um
presente
De um palacete
importante Com uma
mobília sublime Dada
pelo seu amante
A obra de mais estima
A quem se chama
elegante
Para sala de visita
Comprou um rico piano,
Quatro consolos de
mármore
Um aparador de ébano
Uma cômoda muito
rica,
Que só a de um
soberano
Ricas cadeiras
modernas Candeeiros
importantes,
Jarros de fino cristal
Espelhos muito
elegantes
O retrato dela em um
quadro Com quatro ou
cinco brilhantes
Um grande damasco
verde
A sala toda cobria
Toalha bordada a ouro
Em qualquer quarto se
via
Era só de porcelana
Toda a louça que existia
Nem é preciso falar
No quarto onde ela
dormia, Porque já se viu
na sala
A riqueza que existia
Agora na cama dela,
Faça ideia o que havia
Durante cinco ou seis
anos
A vida dela era assim
A casa era um céu de
estrelas Rodeada de
Marfim
Vivia ela qual vive
Um beija-flor no jardim
Adoeceu de repente
Não cuidou logo em
tratar-se Julgando que
dos amantes Nenhum a
desamparasse
Devido à sua influência
Qualquer médico
curasse
21
Foi vice-verso o seu
cálculo
A si só chegaram dores,
Foi perdendo a
influência,
Multiplicando os
clamores
Não foi mais em sua
casa Nenhum dos
adoradores
Pegou logo a empenhar
As jóias que possuía,
Por menos do seu valor
Diversas coisas vendia
E a moléstia no seu
auge Crescendo de dia a
dia
No período de dois anos
Gastou o que possuía,
Pegou logo pelas jóias
De mais valor que
existia
Sofás, cadeiras e
consolos, Vendeu tudo
em um só dia
Os quadros, os
aparadores Pianos,
relógios, espelhos
Vendeu-os para curar
Duas fístulas nos
joelhos
Já desejava encontrar
Quem lhe desse alguns
conselhos
Afinal vendeu a casa
E a cama onde dormia
Era o único objeto
Que em seu poder
existia
Ainda um amante vendo
Jamais a conheceria
"Meu Deus", exclamava
ela
Vai infeliz meu futuro
Nasci em berço dourado
Para morrer no monturo
Quanta diferença existe,
Da seda para o chão
duro
Quantos lordes aos
meus pés
Se esqueciam de seus
cargos, Me adoravam
como santa
Me mostrando mil
afagos
Hoje não vejo nenhum,
Nesses dias tão amargos
Quede os grandes
militares
Que não podiam passar,
Três dias numa semana
Sem me virem visitar
E faziam de mim santa,
De meu divã um altar
Nada disso existe mais
Tudo já se dissipou,
As promessas e os
presentes
O vento veio e levou
Em paga de tudo isso
Na miséria me deixou
Essas dores que hoje
sofro
É justo que sofra elas,
Essas lágrimas que eu
derramo Serão em
pagas daquelas
Que fiz gotejar dos
olhos
Das casadas e das
donzelas
Sinto dores com
excesso
Ouço a voz da
consciência
Me dizer: "Filha maldita
Tua desobediência
Clamará perante Deus
E pedirá providência"
Ela em soluços
exclamava:
"Meu Deus, tende
compaixão, Nega-me
tudo na vida
Mas me alcançai o
perdão Santíssima
Virgem, rogai,
Pela minha salvação"
Que cobertores tão
caros
Já forraram meu
colchão,
Que cortinas de seda
De grande admiração
Hoje não tenho uma
estopa
Que forre aqui esse
chão
Ricos vestidos de seda
Lancei muitos no
monturo,
Saias ainda em estado
Camisa de linho puro
Não pensava na
desgraça
Que vinha para o futuro
Minha mesa nesse
tempo
Tinha de tudo que
havia,
Só mesa de um
personagem
De alta categoria
Hoje o resto de uma
sopa Quando agora me
servia
Peço esmola a quem
passa
Esse nem me dá ouvido,
Quem outrora me
adorava
Não ouve mais meu
gemido Passa por mim
torce a cara,
22
Se finge desconhecido
Eu era como uma flor
Ao despontar da manhã
Representava outrora
Aquela deusa louçã
Meus amantes
perguntavam,
Se a lua era minha irmã
As majestades
chegavam
Antes da celebração,
Humildes como um
escravo
Me faziam saudação
Como se a render-me
culto
Seria uma obrigação
O exército e o comércio
A arte e agricultura,
Todos me ofereciam
Seu afeto de ternura
Tudo vinha admirar
Minha grande
formosura
Mas eu vivia enganada
Com essas tristes
carícias,
Eu bem podia saber
Que o mundo não tem
delícias
É um gozo provisório,
É um cofre de malícias
Donzelas eis o exemplo
para todos que estão
vendo,
Não me viram a poucos
dias Como o sol que
vem nascendo? Já estou
aqui no chão,
Os tapurus me comendo
Ah! meu pai se tu me
visse Nessa miséria
prostrada,
Embora que vossa face
Foi por mim injuriada
Talvez que ainda
dissesse:
"Deus te perdoe,
desgraçada"
Ah! minha mãe
carinhosa
Se eu agora te
abraçasse,
Inda com essa agonia
Talvez que me
consolasse
E antes de partir do
mundo,
Essa sede saciasse
Sinto o soluço da morte
Já é hora de partir,
Peço ao meu anjo da
guarda Para comigo
assistir
Porque temo que o
demônio,
Não venha me
perseguir"
Uma velha caridosa
Trouxe água, ela bebeu,
Matou a sede que tinha
E graças a Jesus rendeu
Erguendo os olhos ao
céu,
Nesse momento morreu.
João Martins de Athayde (24/06/1880 – 07/08/1959)
O poeta popular e editor de folhetos João Martins de Athayde nasceu no
povoado de Cachoeira de Cebolas, município de Ingá do Bacamarte, Paraíba, no dia 23
de junho de 1880.
Nunca freqüentou uma escola. Aprendeu a ler e escrever sozinho. Segundo seu
próprio depoimento, aos oito anos, assistindo pela primeira vez a um desafio de Pedra
Azul, um famoso cantador da região, começou a se interessar e fazer poesia popular.
Fez sua primeira rima aos doze anos de idade.
Em 1898, por causa da seca, migrou da sua cidade natal para Camaragibe, um
município da Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, mudando-se,
posteriormente, para a capital, onde trabalhou como auxiliar de enfermagem no Hospital
Português.
23
Seu primeiro folheto de cordel, O preto e o branco apurando qualidade, que
alcançou grande sucesso de vendas, foi escrito, em 1908, e impresso na Tipografia
Moderna. A partir daí, começou a vender folhetos de sua autoria e de outros em feiras e
mercados do Recife.
Em 1909, conseguiu montar uma pequena tipografia na Rua do Rangel,bairro de
São José, tornando-se um dos maiores editores de folhetos de cordel do País. Da sua
oficina saíram, durante mais de quarenta anos, estórias fantásticas, recriações de estórias
famosas, crítica de costumes, notícias de acontecimentos da época que divertiam,
informavam e educavam o homem da cidade grande e das localidades mais distantes
do Nordeste brasileiro.
Os folhetos que tivessem a marca de João Martins de Athayde tinham sucesso
garantido, independente da autoria. Com um próspero negócio no “ramo do poesia”,
Athayde deu oportunidades de emprego a poetas, folheteiros, agentes e distribuidores,
dando uma grande contribuição para o desenvolvimento da arte e da comercialização do
folheto popular no Recife.
João Martins de Athayde foi o desbravador da indústria do folheto de cordel no
País. Industrializando e comercializando sua produção e a de outros artistas, criou uma
grande rede de atividades lucrativas no Nordeste, que se espalhou para outras regiões
brasileiras, possibilitando a diversos poetas populares se dedicarem exclusivamente à
poesia como atividade profissional. Foi o responsável por profundas mudanças na
edição de folhetos de cordel, no que se refere à relação entre os artistas e a tipografia,
criando, inclusive, contratos de edição com o pagamento de direitos de propriedade
intelectual, assim como na apresentação gráfica dos folhetos.
Athayde foi aclamado na década de 1940 como o maior poeta popular do
Nordeste, sendo elogiado por Tristão de Athayde e Mário de Andrade. Tinha uma
grande admiração por Leandro Gomes de Barros, escrevendo em sua homenagem, em
1918, o folheto A pranteada morte do grande poeta Leandro Gomes de Barros.
Em 1921, comprou à viúva de Leandro, por seiscentos mil réis, os direitos de
publicação de toda a obra do poeta paraibano. Foi acusado então de publicar como sua a
obra de Leandro e de ter posto o seu nome em poemas de vários outros poetas populares
de quem também comprou o direito de edição. No caso da obra de Leandro, no início
ele se colocava como editor proprietário e, posteriormente, retirou a informação da
autoria de Leandro, chegando até a modificar alguns acrósticos (última estrofe da
poesia, cujas letras iniciais identificam o autor da obra).
Em 1949, sofreu um acidente vascular cerebral, tendo que se afastar de suas
atividades.
24
Em 1950, vendeu a tipografia e os direitos de edição a José Bernardo da Silva,
proprietário da Tipografia São Francisco, localizada em Juazerio de Norte, Ceará, que
passou a ser o maior centro editorial de folhetos de cordel do Nordeste, posição ocupada
até então pelo Recife.
Para o pesquisador popular Liêdo Maranhão, os poetas Leandro Gomes de
Barros e João Martins de Athayde deveriam ter um monumento na Praça do Mercado de
São José, pelos relevantes serviços prestados à poesia e ao folclore nordestinos.
João Martins de Athayde morreu no dia 7 de agosto de 1959, na cidade de
Limoeiro, Pernambuco, onde viveu seus últimos anos de vida.
Disponível em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=375&Ite
mid=189
25
A PROPOSTA
De acordo com os estudos, leituras e discussões realizados nas aulas anteriores,
redija um texto que corresponda às normas do gênero Folheto. Lembre-se que ele
deverá ser escrito com base em uma das três temáticas em que você já foi
contemplado nas aulas anteriores, que são:
O cordel é estrangeiro, mas o folheto é brasileiro!
A língua é nacional, mas o oxente é regional!
A mulher no folheto, depende do contexto!
OFICINA DE FOLHETOS
26
O que é um verso?
É cada uma das linhas constitutivas de um poema. (o mesmo que pé).
Versos brancos: versos não rimados; versos soltos.
Verso de seis pés: sextilhas
Verso de pé quebrado: Verso errado ou malfeito
O que é estrofe? É um grupo de versos que apresentam, comumente, sentido completo, o mesmo que
estância. Existem vários tipos de estrofes, no cordel as mais usadas são: quadra (que
caiu em desuso), sextilha, setilha e décima. Veja os exemplos abaixo:
Quadra (estrofes de quatro versos de sete sílabas)
O sabonete cheiroso,
Bonitinho e perfumado;
Ele ouviu alguns rumores
Que o deixou encabulado. (A briga do sabão com o sabonete, Izaías Gomes de Assis)
Sextilhas (estrofes de seis versos de sete sílabas)
A sujeira aqui em baixo
Já está fazendo mal
E o Homem achando pouco
Lá no Espaço Sideral
Contamina nossa órbita
Com o lixo espacial. (A Terra pede socorro, Izaías Gomes de Assis)
Setilhas (estrofes de sete versos de sete sílabas)
Bin Laden conectado
Com Nete ficou teclando
Passando noites no Messagen
Por ela se declarando.
Bom! Gosto não se discute,
Mas não é que pelo Orkut
Um romance foi rolando. (Férias que Bin Laden passou em Natal, Izaías Gomes de
Assis)
Décimas
Se eu morrer neste lugar
Cessando aqui minha lida
Lá do outro lado da vida
Do Sertão hei de lembrar
E se Deus me castigar
27
Será branda a punição
Pois ele dirá então:
– Pior castigo foi ser
Um sertanejo e viver
Distante lá do Sertão. (Saudades do meu sertão, Izaías Gomes de Assis)
O que é métrica?
Arte que ensina os elementos necessários à feitura de versos medidos.
Sistema de versificação particular a um poeta: (Dicionário Aurélio)
Uma sílaba poética é diferente de uma sílaba comum. É possível unir duas ou mais
sílabas ou fonemas em apenas uma sílaba poética. Veja o verso abaixo:
Lá do_outro lado da vida
Observe que essa estrofe tem oito sílabas comuns, mas poeticamente só tem sete sílabas
metrificadas.
1 2 3 4 5 6 7
Lá do ou tro la do da vi da
A sílaba poética é pronunciada como ouvimos os versos, por isso a sonoridade é
importante num verso metrificado (a essa contração dá-se o nome de crase ou elisão) e
só se conta as sílabas até a sílaba tônica da última palavra.
Veja outro exemplo:
Em pleno século vinte,
O colossal transatlântico
Partindo lá da_Inglaterra
E_atravessando o Atlântico,
Chega à_América em cem horas.
Feito digno de cântico. (Manuel Azevedo, A tragédia do Nyengurg)
As sílabas em negrito são as sílabas tônicas das últimas palavras, onde termina a
contagem das sílabas métricas, e as sílabas sublinhadas são as que se contraem
formando uma única sílaba.
Observa-se que três vocais se contraindo no quinto verso e no sexto verso a consoante
“g” forma uma sílaba.
Na literatura de cordel geralmente usa-se os versos de sete sílabas (redondilhas maiores)
e os versos de dez sílabas (decassílabos). Outro ex.:
Vou narrar uma história
De_um pavão misterioso
Que levantou vôo da Grécia
Com um rapaz corajoso
Raptando_uma condessa
Filha de_umconde_orgulhoso. (* Romance do Pavão Misterioso.)
O que é rima?
Identidade de som na terminação de duas ou mais palavras. Palavra que rima com outra.
28
Rimas ricas
Rimas entre palavras de que só existem poucas, ou raríssimas, (chamadas também de
rimas difíceis) com a mesma terminação, como novembro e dezembro;
túmido e úmido, ou, segundo critério mais seguro, entre palavras de classes gramaticais
distintas, como santo (adjetivo) e enquanto (conjunção), minha (pronome)e
caminha(verbo).
Rimas pobres
Rimas entre palavras de que se encontra superabundância com a mesma terminação,
(chamadas também de rimas fáceis) como agonia e sombria; caminhão e pão ou entre
palavras antônimas, como fiel e infiel, simpático e antipático, ou, ainda, segundo
critério preferível, entre vocábulos da mesma classe gramatical, como chorasse (verbo)
e cantasse (verbo); meu (pronome) e seu (pronome).
Rimas toantes
Aquelas em que só há identidade de sons nas vogais, a começar das vogais tônicas até a
última letra ou fonema, ou algumas vezes, só nas vogais tônicas, ex.: fuso e veludo;
cálida e lágrima. (essa forma não é aceita na cantoria nem na literatura de cordel).
Rimas consoantes
As que se conformam inteiramente no som desde a vogal tônica até a última letra ou
fonema. Ex.: fecundo e mundo; amigo e contigo; doce e fosse; pálido e válido; moita e
afoita. (essa é a forma adotada nas cantorias e na literatura de cordel por ser uma rima
perfeita).
Palavras com grafia diferente, mas com fonemas (sons) iguais são consideradas rimas
perfeitas, ex.: chorasse e face; princesa e riqueza; peça e pressa; seis e mês; faz e mais,
PT e dendê.
Temos que ter maior cuidado com palavras estrangeiras, porém podem ser usadas, ex.:
discute e orkut; batuque e notebook; bauex e você; Internet e chevete, gay e rei.
(Existe uma linha de poetas contemporâneos que não utilizam a rima com grafia
diferente).
Rimas aparentes (em hipótese alguma se usa no cordel)
São palavras que enganam pelas suas sonoridades parecem que rimam com outras,
porém não rimam, ex.: Ceará e cantar; café e chofer; doutor e cantou; desistir e aqui;
preferido e amigo; esperto e concreto, pensamento e centro; menina e clima;
métrica e genérica; pensamento e tempo vazio e sumiu;cururu e azul.
Cuidado que tem palavras que praticamente não existem rimas para elas, ex.: pizza,
tempo, cinza e lâmpada.
CUIDADO: Não se rima plural com singular.
Devido um fato histórico-linguístico não se rima palavras terminadas em “l” com
terminadas em “u”, ex.: Brasil e viu; Natal e bacurau Gabriel e chapéu não rimam.
Boas rimas!!!
Disponível em: http://cordeldobrasil.com.br/v1/aprenda-fazer-um-cordel/
29
Literatura oral
Faz parte da literatura oral os mitos, lendas, contos e provérbios que são
transmitidos oralmente de geração para geração. Geralmente, não se conhece os autores
reais deste tipo de literatura e, acredita-se, que muitas destas estórias são modificadas
com o passar do tempo. Muitas vezes, encontramos o mesmo conto ou lenda
com características diferentes em regiões diferentes do Brasil. A literatura oral é
considerada uma importante fonte de memória popular e revela o imaginário do tempo e
espaço onde foi criada.
Muitos historiadores e antropólogos estudam este tipo de literatura com o
objetivo de buscarem informações preciosas sobre a cultura e a história de uma época.
Em meio a ficção, resgata-se dados sobre vestimentas, crenças, comportamentos,
objetos, linguagem, arquitetura etc.
Podemos considerar como sendo literatura oral os cantos, encenações e textos
populares que são representados nos folguedos.
Exemplos de mitos, lendas e folclore brasileiro: saci-pererê, curupira, boto cor
de rosa, caipora, Iara, boitatá, lobisomem, mula-sem-cabeça, negrinho do pastoreio.
Disponível em: http://www.suapesquisa.com/cordel/
É NO RAP, OU NO REPENTE – Caju e Castanha
É no rap ou no repente,
é na batida do pandeiro,
sou poeta brasileiro,
e a minha vida é cantar.
E na poesia que eu faço,
eu nasci para improvisar. (bis)
Venha do jeito que queira,
seja do jeito que for,
eu também tenho meu valor,
os meus versos são ligeiros.
E na levada do pandeiro,
Eu nasci para improvisar. (bis)
TIPOS DE FOLHETOS
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Paparaparapapa,
tararaturututu,
tapioca contra caju,
manga, abacaju e caja.
E no swing do pandeiro,
eu nasci para improvisar. (bis)
Sou repente, sou tumada,
minha rima tem história,
cantador comigo chora
quando eu começo a cantar.
E na pancada do pandeiro,
eu nasci para improvisar. (bis)
Rap:
Fala cantador,
canta cantador,
entre pra essa rima que tua história tem valor.
Quando você canta,
encanta a multidão,
na escola da vida vai cantando esse refrão.
Eu sou o castanha,
você pode acreditar,
no décimo repente eu também sei improvisar.
Eu sou o caju,
faço filinha de fé,
dança a mão no rádio como são todo repente.
Disponível em: https://www.vagalume.com.br/caju-castanha/no-rap-ou-no-repente.html
31
Sobre o repente
O repente nordestino é uma das diversas formas que surgiu de interpretação de
canto e poesia a partir da tradição medieval ibérica dos trovadores. Seus personagens,
chamados de repentistas ou cantadores improvisam versos sobre os mais variados
assuntos, e andando pelas feiras e espaços populares se apresentam sozinho ou trocam
versos com outro cantador, o chamado desafio.
O estilo é característico da região nordeste do Brasil, e praticado em especial
pelos habitantes da região do sertão paraibano e pernambucano, mais especificamente
na região do Pajeú e Sertão do Moxotó (PE) e Serra do Teixeira e Cariri Ocidental (PB),
onde estão as cidades de São José do Egito, Sertânia, Arcoverde (PE), Teixeira,
Princesa e Monteiro (PB).
Com a migração de muitos nordestinos para a cidade de São Paulo, a cantoria se
tornou uma tradição conhecida em todo o Brasil, a partir da mídia massiva que a capital
paulista dispõe. Também foi a partir de São Paulo que os cantadores começaram a
adotar uma viola de dez cordas criada pelos fabricantes e comerciantes de instrumentos
Del Vecchio, a chamada "viola dinâmica", com seus característicos bocais de metal,
inspirada em modelos americanos das fábricas National e Dobro, diferentes apenas pelo
corpo do instrumento, fabricado em metal. A viola dinâmica de dez cordas se tornou um
símbolo dos cantadores, especialmente a partir da década de 70 do século XX.
Disponível em: http://www.infoescola.com/musica/repente/
O que é uma Peleja?
Nesse tipo de folheto, cada poeta mostra suas habilidades no verso e tenta
depreciar o oponente. As pelejas podem basear-se em desafios reais ou imaginários e
geralmente são escritas em versos de sete sílabas. Quando escrita, a descrição da luta é
antecedida por uma pequena introdução em que são apresentados os cantadores, o lugar
da disputa, o público e os antecedentes. Os folhetos possuem outras características
formais que se assemelham aos repentes, tais como o mote, tema em forma de verso,
proposto por cantadores durante uma disputa.
32
O que é um folheto de circunstância?
Os folhetos de circunstância, outra modalidade da literatura de cordel, não
podem ser confundidos com o relato jornalístico dos acontecimentos. Nesses folhetos é
possível encontrar desde as últimas notícias sobre os acontecimentos do país e do
mundo, até histórias curiosas [...].
Os fatos eram narrados logo depois de acontecidos e por esta razão os folhetos
de circunstância, também chamado folhetos de época, têm um tempo limitado de venda,
exceção feita aos que se tornam clássicos.
O que é um ABC?
Além dos folhetos que narram fatos do dia a dia existem os ABCs, poemas
narrativos em que cada estrofe corresponde a uma letra do alfabeto. Os ABCs dão conta
de um assunto de A a Z e neles cabem vários tipos de histórias. Esse modelo de
composição revela o poder de inventividade do poeta, sendo comumente encontrado na
literatura infantil.
O que é um romance?
Os romances são comumente escritos em sextilhas [...]. Nas primeiras estrofes
ficamos conhecendo os heróis e heroínas, os vilões, o lugar onde se passaa história, o
tipo de história (de luta, aventura, humor, amor, mistério...).
Em relação aos aspectos formais, pode-se ressaltar a presença de poucos
personagens e a ausência de descrições detalhadas de paisagens e situações. Não
existem restrições temáticas, mas os aspectos da vida no Nordeste possuem maior
destaque. Também se encontram nos folhetos adaptações de romances e peças teatrais.
MARINHO, Ana Cristina. O cordel no cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2012.
A PELEJA DO CEGO ADERALDO COM ZÉ PRETINHO – Firmino
Teixeira do Amaral
33
Apreciem meus leitores
Uma forte discussão
que tive com Zé Pretinho
Um cantador do sertão
O qual no tanger do verso
Vencia qualquer questão
Um dia determinei
A sair do Quixadá
Uma das belas cidades
Do estado do Ceará
Fui até ao Piauí
Ver os cantores de lá
Hospedei-me em Pimenteira
Depois em Alagoinha
Cantei em Campo Maior
No Angico e na Baixinha
De lá tive um convite
Pra cantar na Varzinha
Quando cheguei na Varzinha
Foi de manhã bem cedinho
Então o dono da casa
Me perguntou sem carinho:
Cego, você não tem medo
Da fama de Zé Pretinho?
Eu lhe disse: Não senhor
Mas da verdade eu não zombo
Mande chamar esse preto
Que eu quero dar-lhe um
tombo
Ele vindo um de nós dois
Hoje há de arder o lombo
O dono da casa disse:
Zé Preto pelo comum
Dá em dez ou vinte cegos
Quanto mais sendo só um;
Mandou ao Macumanzeiro
Chamar José do Tucum
Chamou um dos filhos e disse
Meu filho, você vá já
Dizer a José Pretinho
Que desculpe eu não ir lá
E ele como sem falta
À noite venha por cá
Em casa do tal Pretinho
Foi chegando o portador
Foi dizendo: Lá em casa
Tem um cego cantador
E meu pai manda dizer
Que vá tirar-lhe o calor
Zé Pretinho respondeu:
- Bom amigo é quem avisa
Menino, dizei ao cego
Que vá tirando a camisa
Mande benzer logo o lombo
Que eu vou dar-lhe uma pisa
Tudo zombava de mim
Eu ainda não sabia
Que o tal José Pretinho
Vinha para a cantoria
Às cinco horas da tarde
Chegou a cavalaria
O preto vinha na frente
Todo vestido de branco
Seu cavalo encapotado
Com um passo muito franco
Riscaram de uma só vez
Todos no primeiro arranco
Saudaram o dono da casa
Todos com muita alegria
O velho bem satisfeito
Folgava alegre e sorria
Vou dar o nome do povo
Que veio pra cantoria
Vieram o capitão Duda
Tonheiro Pedro Galvão
Augusto Antônio Feitosa
Francisco Manuel Simão
Senhor José Carpinteiro
Francisco e Pedro Aragão
O José da Cabeceira
E seu Manuel Casado
Chico Lopes, Pedro Rosa
E Manuel Bronzeado
Antônio Lopes de Aquino
E um tal de Pé Furado
José Antônio de Andrade
Samuel e Jeremias
Senhor Manuel Tomás
Manduca João de Ananias
E veio o vigário velho
Cura de três freguesias
Foi dona Meridiana
Do grêmio das professoras
Essa levou duas filhas
Bonitas e encantadoras
Essas eram da igreja
As mais exímias cantoras
Foi também Pedro Martins
Alfredo e José Raimundo
Senhor Francisco Palmeira
João Sampaio Secundo
E um grupo de rapazes
Do batalhão vagabundo
Levaram o negro pra sala
E depois para a cozinha
Lhe ofereceram um jantar
De doce, queijo e galinha
Para mim veio um café
Com uma magra bolachinha
Depois trouxeram o negro
E colocaram no salão
Assentado num sofá
Com a viola na mão
Junto a uma escarradeira
Para não cuspir no chão
Ele tirou a viola
Dum saco novo de chita
E cuja viola estava
Toda enfeitada de fita
Ouvi as moças dizendo:
Grande viola bonita!
Então para me sentar
Botaram um pobre caixão
Já velho desmantelado
Desses que vem com sabão
Eu sentei, ele envergou
E me deu um beliscão
Eu tirei a rabequinha
Dum pobre saco de meia
Um pouco desconfiado
Por está em terra alheia
Ouvi as moças dizendo:
Meu Deus, que rabeca feia!
Um disse a Zé Pretinho:
A roupa do cego é suja
Botem três guardas na porta
Para que ele não fuja
Cego feio assim de óculos
Só parece uma coruja
Dissera o capitão Duda
Como homem mui sensato
Vamos fazer uma bolsa
34
Botem dinheiro no prato
Que é mesmo que botar
Manteiga em venta de gato
Disse mais: eu quero ver
Pretinho espalhar os pés
E para os dois cantores
Tirei setenta mil réis
Mas vou inteirar oitenta
Da minha parte dou dez
Me disse o capitão Duda
– Cego, você não estranha
Este dinheiro do prato
Eu vou lhe dizer quem ganha
Pertence ao vencedor
Nada leva quem apanha
Nisto as moças disseram:
Já tem oitenta mil réis
Porque o capitão Duda
Da parte dele deu dez
Se encostaram a Zé Pretinho
E botaram mais três anéis
Então disse Zé Pretinho:
De perder não tenho medo
Este cego apanha logo
Falo sem pedir segredo
Tendo isto como certo
Botou os anéis no dedo
Afinemos os intrumentos
Entremos em discussão
O meu guia disse a mim:
O negro parece o cão
Tenha cuidado com ele
Quando entrar em questão
Eu lhe disse: seu José
Sei que o senhor tem ciência
Parece que és dotado
Da Divina Providência
Vamos saudar o povo
Com a justa excelência
P- Sai daí, cego amarelo
Cor de ouro de toucinho
Um cego da tua forma
Chama-se abusa vizinho
Aonde eu botar os pés
Cego não bota o toucinho
C- Já vi que seu Zé Pretinho
É um homem sem ação
Como se maltrata outro
Sem haver alteração
Eu pensava que o senhor
Possuísse educação
P- Esse cego bruto hoje
Apanha que fica roxo
Cara de pão de cruzado
Testa de carneiro mocho
Cego, tu és um bichinho
Que quando come vira o cocho
C- Seu José, o seu cantar
Merece ricos fulgores
Merece ganhar na sala
Rosas e trovas de amores
Mais tarde as moças lhe dão
Bonitas palmas de flores
P- Cego, creio que tu és
Da raça do sapo sunga
Cego não adora a Deus
O Deus de cego é calunga
Aonde os homens conversam
O cego chega e resmunga
C- Zé Preto não me aborreça
Com o teu cantar ruim
O homem que canta bem
Não trabalha em verso assim
Tirando as faltas que tem
Botando em cima de mim
P- Cala-te cego ruim
Cego aqui não faz figura
Cego quando abre a boca
É uma mentira pura
O cego quanto mais mente
Inda mais sustenta a jura
C- Esse negro foi escravo
Por isso é tão positivo
Quer ser na sala de branco
Exagerado e ativo
Negro da canela seca
Todo ele foi cativo
P- Dou-te uma surra
De cipó de urtiga
Furo-te a barriga
Mais tarde tu urra
Hoje o cego esturra
Pedindo socorro
Sai dizendo: eu morro
Meus Deus que fadiga
Por uma intriga
Eu de medo corro…
C- Se eu der um tapa
Num negro de fama
Ele come lama
Dizendo que é papa
Eu rompo-lhe o mapa
Lhe rasgo de espora
O negro hoje chora
Com febre e com íngua
Eu deixo-lhe a língua
Com um palmo de fora
P- No sertão eu peguei
Um cego malcriado
Danei-lhe o machado
Caiu eu sangrei
O couro eu tirei
Em regra de escala
Espichei numa sala
Puxei para um beco
E depois dele seco
Fiz mais de uma malha
C- Negro és monturo
Molambo rasgado
Cachimbo apagado
Recanto de muro
Negro sem futuro
Perna de tição
Boca de porão
Beiço de gamela
Venta de moela
Moleque ladrão
P- Vejo a cousa ruim
O cego está danado
Cante moderado
Eu não quero assim
Olhe pra mim
Que sou verdadeiro
Sou bom companheiro
Cante sem maldade
Eu quero a metade
Cego, do dinheiro
C- Nem que o negro seque
A engolideira
Peça a noite inteira
Que eu não lhe abreque
Mas este moleque
Hoje dá pinote
Boca de bispote
Venta de boieiro
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Tu queres dinheiro
Eu dou-te chicote
P- Cante mais moderno
Perfeito e bonito
Como tenho escrito
Cá no meu caderno
Sou seu subalterno
Embora estranho
Creio que apanho
E não dou um caldo
Te peço, Aderaldo
Reparta do ganho
C- Negro é raiz
Que apodreceu
Casco de judeu
Moleque infeliz
Vai pra teu país
Senão eu te surro
Dou-te até de murro
Tiro-te o regalo
Cara de cavalo
Cabeça de burro
P- Fala doutro jeito
Com melhor agrado
Seja delicado
Cante mais perfeito
Olhe, eu não aceito
Tanto desespero
Cante mais maneiro
Com versos capaz
Façamos a paz
Reparta o dinheiro
C- Negro careteiro
Eu rasgo-te a giba
Cara de guariba
Pajé feiticeiro
Queres dinheiro
Barriga de angu
Barba de quandu
Camisa de saia
Te deixo na praia
Escovando urubu
P- Eu vou mudar de toada
Para uma que mete medo
Nunca achei um cantor
Que desmanchasse esse enredo
É um dedo é um dado é um dia
É um dia é um dado é um dedo
C- Zé Preto este teu enredo
Te serve de zombaria
Tu hoje cegas de raiva
O diabo será teu guia
É um dia é um dado é um dedo
É um dedo é um dado é um dia
P- Cego respondestes bem
Como se estivesse estudado
Eu também de minha parte
Canto verso aprumado
É um dedo é um dado é um dia
É um dia é um dedo é um dado
C- Vamos lá, José Pretinho
Que eu já perdi o medo
Sou bravo como o leão
Sou forte como o penedo
É um dedo é um dado é um dia
É um dia é um dado é um dedo
P- Cego agora puxa uma
Das tuas belas toadas
Para ver se essas moças
Dão algumas gargalhadas
Quase todo o povo ri
Só as moças estão caladas
C- Amigo José Pretinho
Eu não sei o que será
De você no fim da luta
Porque vencido já está
– Quem a paca cara compra
A paca cara pagará
P- Cego, estou apertado
Que só um pinto no ovo
Estás cantando aprumado
E satisfazendo ao povo
Este seu lema da paca
Por favor cante de novo
C- Digo uma e digo dez
No cantar não tenho pompa
Presentemente não acho
Quem o meu mapa rompa
Paca cara pagará
Quem a paca cara compra
P- Cego, teu peito é de aço
Foi bom ferreiro que fez
Pensei que o cego não tinha
No verso tal rapidez
Cego, se não for massada
Repita a paca outra vez
C- Arre com tanta pergunta
deste negro capivara
Não há quem cuspa pra cima
Que não lhe caia na cara
– Quem a paca cara compra
Pagará a paca cara
P- Agora cego me ouça
Cantarei a paca já
Tema assim é um borrego
No bico de um carcará
Quem a cara cara compra
Caca cacaCacará
Houve um trovão de risadas
Pelo verso do Pretinho
O capitão Duda disse:
Arrede, pra lá negrinho
Vai descansar teu juízo
O cego canta sozinho
Ficou vaiado o Pretinho
Aí eu lhe disse: me ouça
José, quem canta comigo
Pega devagar na louça
Agora o amigo entregue
O anel de cada moça
Desculpe José Pretinho
Se não cantei a seu gosto
Negro não tem pé, tem gancho
Não tem cara tem é rosto
Negro na sala de branco
Só serve pra dar desgosto
Quando eu fiz estes versos
Com a minha rabequinha
Procurei o negro na sala
Já estava na cozinha
De volta queria entrar
Na porta da camarinha
Disponível em: http://osrascunhos.blogspot.com.br/2011/07/poesia-peleja-do-cego-aderaldo-com-ze.html
36
Terror nas Torres Gêmeas – José João dos Santos (Mestre Azulão)
Como poeta repórter
Nordestino Brasileiro
Descrevo neste cordel
Um lamentável roteiro
Do mais cruel fanatismo
Num ato de terrorismo
Que abalou o mundo inteiro
Uma môça americana
Muito educada e gentil
Veio até a minha casa
Fez-me um convite febril
Para ir ao Cite Lore
Entre cordel e folclore
Representar o Brasil
(…)
Foi no dia dez de Abril
De noventa e nove o ano
Eu andando em Nova York
Isento de qualquer dano
Subi até o terraço
Daquele monstro de aço
E orgulho americano
Foi no World Trade Center
Com seus cento e dez andares
Eu contemplando a altura
Avistei muitos lugares
Dando a impressão
Que estava de avião
Ou flutuando nos ares
Do seu enorme terraço
Olhei a imensidão
Eu vi que de Nova Jersey
Vindo em nossa direção
um pouco se desviando
Passava de vez em quando
Velozmente um avião
Eu pensei naquela hora
Refletindo em minha mente
Deus defenda um avião
Se chocar por acidente
Nestes prédios e explodir
Além de se destruir
Pode matar muita gente
Pois, Azulão previu o acontecimento. Embora
proposital, ao invés de acidental, aquelas duas
torres eram um alvo e tanto. E comenta o
atentado terrorista:
Dois anos e cinco meses
Depois da minha visita
Terroristas portadores
De crueldade esquisita
Entre vinganças e tédios
Explodiram aqueles prédios
Ação cruel e maldita
(…)
É covarde e desumano
Quem faz atos de terror
Vingar-se de quem não fez
Maldade ou crime de horror
Uma ação injustamente
Fazer que o inocente
Pague pelo traidor
Passados alguns versos, o poeta faz algumas
críticas à política de “combate ao terror” do
governo estadunidense:
George Bush e seu império
Que quase o mundo governa
Com seus mísseis bombardeiros
Mata, destrói e inferna
Para Bin Laden encontrar
E sem perdão lhe matar
Com todos numa caverna
Mas só tem gastado armas
Helicóptero e avião
Bombardeando cidades
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Mulher, criança, ancião
Toda aquela pobre gente
Indefesa e inocente
Porém Bin Laden não
Assim, minha gente, Mestre Azulão narra mais
esta barbárie que impulsiona muitas outras
mais. Sem deixar de lado o humor, o Mestre
apresenta suas críticas e nos brinda com mais
um interessantíssimo cordel. Como de praxe,
finaliza com um acróstico, isto é, com versos
que são iniciados pelas letras que fazem seu
nome:
Não sou a favor do terror
Da morte e destruição
Mas quem fez ou faz maldade
Recebe a compensação
Não lembram os americanos
Que há cinquenta anos
Bombardearam o Japão
Milhares perderam as vidas
Ali num ato tirano
Zuada, grito e lamento
Um desastre desumano
Logo o fogo consumiu
Agonizou e feriu
O país americano
Disponível em: https://lercordel.wordpress.com/2011/09/11/o-11-de-setembro-em-cordel/
ABC DO NORDESTE FLAGELADO - Patativa do Assaré
A — Ai, como é duro viver
nos Estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover.
É bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar,
sem o inverno começar
B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto,
com o olhar de penitente;
o fazendeiro, descrente,
um jeito não pode dar,
o sol ardente a queimar
e o vento forte soprando,
a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.
C — Caminhando pelo espaço,
como os trapos de um lençol,
pras bandas do pôr do sol,
as nuvens vão em fracasso:
aqui e ali um pedaço
vagando... sempre vagando,
quem estiver reparando
faz logo a comparação
de umas pastas de algodão
que o vento vai carregando.
D — De manhã, bem de manhã,
vem da montanha um agouro
de gargalhada e de choro
da feia e triste cauã:
um bando de ribançã
pelo espaço a se perder,
pra de fome não morrer,
vai atrás de outro lugar,
e ali só há de voltar,
um dia, quando chover.
E — Em tudo se vê mudança
quem repara vê até
que o camaleão que é
verde da cor da esperança,
38
com o flagelo que avança,
muda logo de feição.
O verde camaleão
perde a sua cor bonita
fica de forma esquisita
que causa admiração.
F — Foge o prazer da floresta
o bonito sabiá,
quando flagelo não há
cantando se manifesta.
Durante o inverno faz festa
gorjeando por esporte,
mas não chovendo é sem sorte,
fica sem graça e calado
o cantor mais afamado
dos passarinhos do norte.
G — Geme de dor, se aquebranta
e dali desaparece,
o sabiá só parece
que com a seca se encanta.
Se outro pássaro canta,
o coitado não responde;
ele vai não sei pra onde,
pois quando o inverno não vem
com o desgosto que tem
o pobrezinho se esconde.
H — Horroroso, feio e mau
de lá de dentro das grotas,
manda suas feias notas
o tristonho bacurau.
Canta o João corta-pau
o seu poema funério,
é muito triste o mistério
de uma seca no sertão;
a gente tem impressão
que o mundo é um cemitério.
I — Ilusão, prazer, amor,
a gente sente fugir,
tudo parece carpir
tristeza, saudade e dor.
Nas horas de mais calor,
se escuta pra todo lado
o toque desafinado
da gaita da seriema
acompanhando o cinema
no Nordeste flagelado.
J — Já falei sobre a desgraça
dos animais do Nordeste;
com a seca vem a peste
e a vida fica sem graça.
Quanto mais dia se passa
mais a dor se multiplica;
a mata que já foi rica,
de tristeza geme e chora.
Preciso dizer agora
o povo como é que fica.
L — Lamento desconsolado
o coitado camponês
porque tanto esforço fez,
mas não lucrou seu roçado.
Num banco velho, sentado,
olhando o filho inocente
e a mulher bem paciente,
cozinha lá no fogão
o derradeiro feijão
que ele guardou pra semente.
M — Minha boa companheira,
diz ele, vamos embora,
e depressa, sem demora
vende a sua cartucheira.
Vende a faca, a roçadeira,
machado, foice e facão;
vende a pobre habitação,
galinha, cabra e suíno
e viajam sem destino
em cima de um caminhão.
N — Naquele duro transporte
sai aquela pobre gente,
agüentando paciente
o rigor da triste sorte.
Levando a saudade forte
de seu povo e seu lugar,
sem um nem outro falar,
vão pensando em sua vida,
deixando a terra querida,
para nunca mais voltar.
O — Outro tem opinião
de deixar mãe, deixar pai,
porém para o Sul não vai,
procura outra direção.
Vai bater no Maranhão
39
onde nunca falta inverno;
outro com grande consterno
deixa o casebre e a mobília
e leva a sua família
pra construção do governo.
P - Porém lá na construção,
o seu viver é grosseiro
trabalhando o dia inteiro
de picareta na mão.
Pra sua manutenção
chegando dia marcado
em vez do seu ordenado
dentro da repartição,
recebe triste ração,
farinha e feijão furado.
Q — Quem quer ver o sofrimento,
quando há seca no sertão,
procura uma construção
e entra no fornecimento.
Pois, dentro dele o alimento
que o pobre tem a comer,
a barriga pode encher,
porém falta a substância,
e com esta circunstância,
começa o povo a morrer.
R — Raquítica, pálida e doente
fica a pobre criatura
e a boca da sepultura
vai engolindo o inocente.
Meu Jesus! Meu Pai Clemente,
que da humanidade é dono,
desça de seu alto trono,
da sua corte celeste
e venha ver seu Nordeste
como ele está no abandono.
S — Sofre o casado e o solteiro
sofre o velho, sofre o moço,
não tem janta, nem almoço,
não tem roupa nem dinheiro.
Também sofre o fazendeiro
que de rico perde o nome,
o desgosto lhe consome,
vendo o urubu esfomeado,
puxando a pele do gado
que morreu de sede e fome.
T — Tudo sofre e não resiste
este fardo tão pesado,
no Nordeste flagelado
em tudo a tristeza existe.
Mas a tristeza mais triste
que faz tudo entristecer,
é a mãe chorosa, a gemer,
lágrimas dos olhos correndo,
vendo seu filho dizendo:
mamãe, eu quero morrer!
U — Um é ver, outro é contar
quem for reparar de perto
aquele mundo deserto,
dá vontade de chorar.
Ali só fica a teimar
o juazeiro copado,
o resto é tudo pelado
da chapada ao tabuleiro
onde o famoso vaqueiro
cantava tangendo o gado.
V — Vivendo em grande maltrato,
a abelha zumbindo voa,
sem direção, sempre à toa,
por causa do desacato.
À procura de um regato,
de um jardim ou de um pomar
sem um momento parar,
vagando constantemente,
sem encontrar, a inocente,
uma flor para pousar.
X — Xexéu, pássaro que mora
na grande árvore copada,
vendo a floresta arrasada,
bate as asas, vai embora.
Somente o saguim demora,
pulando a fazer careta;
na mata tingida e preta,
tudo é aflição e pranto;
só por milagre de um santo,
se encontra uma borboleta.
Z — Zangado contra o sertão
dardeja o sol inclemente,
cada dia mais ardente
tostando a face do chão.
E, mostrando compaixão
lá do infinito estrelado,
40
pura, limpa, sem pecado
de noite a lua derrama
um banho de luz no drama
do Nordeste flagelado.
Posso dizer que cantei
aquilo que observei;
tenho certeza que dei
aprovada relação.
Tudo é tristeza e amargura,
indigência e desventura.
— Veja, leitor, quanto é dura
a seca no meu sertão.
Disponível em: http://vermelho.org.br/noticia/43510-11
AS PROEZAS DE JOÃO GRILO – João Ferreira de Lima
João Grilo foi um cristão
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu depois da hora
pelas artes que fazia.
E nasceu de sete meses
chorou no bucho da mãe
quando ela pegou um gato
ele gritou: não me arranhe
não jogue neste animal
que talvez você não ganhe
Na noite que João nasceu
houve um eclipse na lua
e detonou um vulcão
que ainda continua
naquela noite correu
um lobisomem na rua
Porem João Grilo criou-se
pequeno, magro e sambudo
as pernas tortas e finas
boca grande e beiçudo
no sitio onde morava
dava noticia de tudo
João perdeu o pai
com sete anos de idade
morava perto de um rio
ia pescar toda tarde
um dia fez uma cena
que admirou a cidade.
O rio estava de nado
vinha um vaqueiro de fora
perguntou: dará passagem?
João Grilo disse: inda agora
o gadinho de meu pai
passou com o lombo de
fora.
O vaqueiro botou o cavalo
com uma braça deu nado
foi sair já muito embaixo
quase que morre afogado
voltou e disse ao menino:
você é um desgraçado!
João Grilo foi ver o gado
para provar aquele ato
veio trazendo na frente
um bom rebanho de pato
os patos passaram n'agua
João provou que era exato
Um dia a mãe de João
Grilo
foi buscar água à tardinha
deixou João Grilo em casa
e quando deu fé lá vinha
um padre pedindo água
nessa ocasião não tinha
João disse; só tem garapa
disse o padre: donde é?
João Grilo lhe respondeu:
é do engenho Catolé!
disse o padre: pois eu quero
João levou uma coité
O padre bebeu e disse:
oh! que garapa boa!
João Grilo disse: quer
mais?
o padre disse; e a patroa
não brigará com você?
João disse: tem uma canoa
João trouxe outra coité
naquele mesmo momento
disse ao padre: bebe mais
não precisa acanhamento
na garapa tinha um rato
estava podre o fedorento
O padre disse: menino
tenha mais educação
e porque não me disseste?
oh! natureza do cão!
pegou a dita coité
arrebentou-a no chão
João Grilo disse; danou-se!
misericórdia, S. Bento!
com isto mamãe se dana
me pegue mil e quinhentos
essa coité, seu vigário
é de mamãe mijar dentro!
O padre deu uma pôpa
disse para o sacristão
esse menino é o diabo
em forma de cristão!
meteu o dedo na goela
quase vomita o pulmão
João Grilo ficou sorrindo
pela cilada que fez
dizendo: vou confessar-me
no dia sete do mês
êle nunca confessou-se
foi essa a primeira vez
João Grilo tinha um
costume
para toda parte que ia
era alegre e satisfeito
no convivio da alegria
41
João Grilo fazia graça
que todo mundo sorria
Num dia de sexta-feira
às cinco horas da tarde
João Grilo disse: hoje a
noite
eu assombro aquele padre
se êle não perdoar-me
na igreja há novidade
Pegou uma lagartixa
amarrou-a pelo gogó
botou-a numa caixinha
no bolso do palitó
foi confessar-se João Grilo
com paciência de Jó
As sete horas da noite
foi ao confissionário
fez logo pelo-sinal
pôsto nos pés do vigário
o padre disse: acuse-se;
João disse o necessário
Eu sou aquele menino
da garapa e da coité;
o padre disse: levante-se,
eu já sei você quem é;
João tirou a lagartixa
soltou-a junto do pé
A lagartixa subiu
por debaixo da batina
entrou na perna da calça
tornou-se feia a buzina
o padre meteu os pés
arrebentou a cortina
Jogou a batina fora
naquela grande fadiga
a lagartixa cascuda
arranhando na barriga;
João Grilo de lá gritava;
seu padre, Deus lhe castiga!
O padre impaciente
naquele turututu
saltava pra todo lado
que parecia um timbu
terminou tirando as calças
ficando o esqueleto nu
João disse: padre é homem?
pensei que fosse mulher anda vestido de saia
não casa porque não quer
isto é que é ser caviloso
cara de mata bebé
O padre disse: João Grilo
vai-te daqui infeliz!
João Grilo disse: bravo
do vigário da matriz
é assim que ele me paga
o benefício que fiz?
João Grilo foi embora
o padre ficou zangado
João Grilo disse: ora sêbo
eu não aliso croado
vou vingar-me duma raiva
que tive o ano passado
No subúrbio da cidade
morava um português
vivia de vender ovos
justamente nesse mês
denunciou de João Grilo
pelas artes que ele fez
João encontrou o português
com a égua carregada
com duas caixas de ovos
João lhe disse: oh!
camarada
deixa eu dizer a tua égua
uma pequena charada
O português disse: diga,
João chegou bem no ouvido
com a ponta do cigarro
soltou-a dentro escondido
a égua meteu os pés
foi temeroso estampido
Derrubou o português
foi ovos pra todo lado
arrebentou a cangalha
ficou o chão ensopado
o português levantou-se
tristonho e todo melado
O português perguntou:
o que foi que tu disseste
que causou tanto desgosto
a esse animal agreste?
- Eu disse que a mãe
morreu
o português respondeu:
oh égua besta da peste!
João Grilo foi a escola
com sete anos de idade
com dez anos êle saiu
por espontânea vontade
todos perdiam pra êle
outro Grilo como aquele
perdeu-se a propriedade
João Grilo em qualquer
escola
chamava o povo atenção
passava quinau nos mestres
nunca faltou com a lição
era um tipo inteligente
no futuro e no presente
João dava interpretação
Um dia pergunta ao mestre:
O que é que Deus não vê
o homem vê qualquer hora?
diz ele: não pode ser
pois Deus vê tudo no
mundo
em menos de um segundo
de tudo pode saber
João Grilo disse: qual nada
quêde os elementos seus?
abra os olhos, mestre velho
que vou lhe mostrar os
meus
seus estudos se consomem
um homem ver outro
homem
só Deus vão ver outro Deus
João Grilo disse: seu
mestre,
me diga como se chama
a mãe de todas as mães?
tenha cuidado no drama
o mestre coça a cabeça
disse: antes que me esqueça
vou resolver o programa
- A mãe de todas as mães
é Maria Concebida
João Grilo disse: eu
protesto
antes dela nascer
já esta mãe existia
não foi a Virgem Maria
oh que resposta perdida!
João Grilo disse depois
num bonito português:
a mãe de todas as mães já disse e digo outra vez
como a escritura ensina
42
é a natureza divina
que tudo criou e fez
- Me responda professor
entre grandes e pequenos
quero que fique notável
por todos nossos terrenos
responda com rapidez
como se chama o mês
que a mulher fala menos?
- Êste mês eu não conheço
quem fez esta tabuada?
João Grilo lhe respondeu:
ora sêbo, camarada
pra mim perdeu o valor
ter o nome de professor
mais não conhece de nada
- êste mês é fevereiro
por todos bem conhecido
só tem vinte e oito dias
o tempo mais resumido
entre grandes e pequenos
é o que a mulher fala
menos
mestre, você está perdido
- Seu professor, me
responda
se algum tempo estudou
quem serviu a Jesus Cristo
morreu e não se salvou
no dia que êle morreu
seu corpo o urubu comeu
e ninguém o sepultou?
- Não conheço quem é esse
porque nunca vi escrito;
João Grilo lhe respondeu:
foi um jumento está dito
que a Jesus Cristo servia
na noite que êle fugia
de Belém para o Egito
João Grilo olhou de um
lado
disse para o diretor:
fique sabendo o senhor
sem dúvida exame não fez
o aluno desta vez
ensinou ao professor
João Grilo foi para casa
encontrou sua mãe chorando
êle então disse: mamãe
não está ouvindo
encantando?
não chora, cante mais antes
pois o seu filho garante
pra isso vive estudando
A mãe de João Grilo disse:
choro por necessidade
sou uma pobre viúva
e tu de menor idade
até da escola saíste;
João lhe disse: ainda existe
o mesmo Deus de bondade
— A senhora pensa em
carne
de vinte mil réis o quilo
ou talvez no meu destino
que a fôrça hei de segui-lo?
não chore, fique bem certa
a senhora só se aperta
quando matarem João Grilo
João chegou no rio
ás cinco horas da tarde
passou até nove horas
porém tudo foi debalde
na noite triste e sombria
João Grilo sem companhia
voltava sem novidade
Chegando dentro da mata
ouviu lá dentro um gemido
os lobos devoradores
o caminho interrompido
e trepou-se num pinheiro
como era forasteiro
ficou calado escondido
Os lobos foram embora
e João não quis descer
disse: eu dormirei aqui
siceda o que suceder
eu hoje imito araquan
só vou embora amanhã
quando o dia amanhecer
O Grilo ficou trepado
temendo lobos e leões
pensando na fatal sorte
e recordando as lições
que na escola estudou
quando do súbito chegou
uns quatro ou cinco ladrões
Eram uns ladrões de Meca
que roubavam no grito
se ocultavam na mata
naquele bosque esquisito
pois cada um de persi
que vinha juntar-se ali
para ver quem era perito
O capitão dos ladrões
disse: não fala ninguém?
um respondeu: não senhor
disse ele: muito bem
cuidado, não roubem vã
vamos ajuntar-nos amanhã
na capela de Belém
— Lá partiremos o dinheiro
pois aqui tudo é graúdo
temos um roubo a fazer
desde ontem que estudo
mas já estou preparado;
e o Grilo lá trepado
calado e escutando tudo.
Os ladrões foram embora
depois da conversação
João Grilo ficou ciente
dizendo em seu coração:
se Deus ajudar a mim
acabou-se tempo ruim
sou eu quem ganho a
questão
João Grilo desceu da árvore
quando o dia amanheceu
mas quando chegou em
casa
não contou o que se deu
furtou um roupão de malha
vestiu fez uma mortalha
lá no mato se escondeu
À noite foi pra capela
por detraz da sacristia
vestiu-se com a mortalha
pois a capela jazia
sempre com a porta aberta
João Grilo partiu na certa
colhêr o que pretendia
Deitou-se lá num caixão
que enterrava defunto
João Grilo disse: hoje aqui
vou ganhar um bom
presunto;
os ladrões foram chegando João Grilo observando
sem pensar em outro
43
assunto
Acenderam um farol
penduraram numa cruz
foram contar o dinheiro
no claro de uma luz
João Grilo de lá gritou:
esperem por mim que vou
com as ordens de Jesus!
Os ladrões dali fugiram
quando viram a alma em pé
João Grilo ficou com tudo
disse: já sei como é
nada no mundo me atrasa
agora vou pra casa
tomar um rico café
Chegou e disse: mamãe
morreu nossa precisão
o ladrão que rouba outro
tem cem anos de perdão;
contou o que tinha feito
disse a velha: está direito
vamos fazer refeição
Bartolomeu do Egito
foi um rei de opinião
mandou convidar João
Grilo
pra uma adivinhação
João Grilo disse: eu vou,
no outro dia embarcou
para saudar o sultão
João Grilo chegou na corte
cumprimentou o sultão
disse: pronto, senhor rei
(deu-lhe um aperto de mão)
com calma e maneira doce
o sultão admirou-se
da sua disposição
O sultão pergunta ao Grilo:
de onde você saiu?
aonde você nasceu?
João Grilo fitou ele e sorriu
— Sou deste mundo
d'agora
nasci na ditosa hora
que minha mãe me pariu
— João Grilo, tu adivinha?
e Grilo respondeu, não
eu digo algumas coisas conforme a ocasião
quem canta de graça é galo
cangalha só pra cavalo
e sêca só no sertão
— Eu tenho doze perguntas
pra você me responder
no prazo de quinze dias
escute o que vou dizer
veja lá como se arruma
è bastante faltar uma
está condenado a morrer
João Grilo disse: estou
pronto
pode dizer a primeira
se acaso sair-me bem
venha a segunda e a terceira
venha a quarta e a quinta
talvez o Grilo não minta
diga até a derradeira
Perguntou: qual o animal
que mostra mais rapidez
que anda de quatro pés
de manhã por sua vez
ao meio-dia com dois
passando disto depois
a tarde anda com três?
O Grilo disse: é o homem
que se arrasta pelo chão
no tempo que engatinha
depois toma posição
anda em pé bem seguro
mas quando fica maduro
faz três pés com o bastão
O sultão maravilhou-se
com sua resposta linda
João disse: pergunte outra
vou ver se respondo ainda;
a segunda o sultão fez
João Grilo daquela vez
celebrizou sua vinda
— Grilo, você me responda
em termos bem divididos
uma cova bem cavada
doze mortos estendidos
e todos mortos falando
cinco vivos passeando
trabalham com três sentidos
— Esta cova é um violão
com prima, baixo e bordão
mortas são as doze cordas quando canta um cidadão
canta, toca e faz verso
cinco vivos num progresso
os cinco dedos da mão
Houve uma salva de palma
com vivas que retumbou
o sultão ficou suspenso
seu viva também bradou
depois pediu silencio
com outro desejo imenso
a terceira perguntou
João Grilo, qual é a coisa
que eu mandei carregar
primeiro dia e segundo
no terceiro fui olhar
quase dá-me a tiririca
se tirar mais grande fica
não mingua, faz aumentar?
— Senhor rei, sua pergunta
parece me fazer guerra
um Grilo não tem saber
criado dentro da serra
mas digo pra quem conhece
o que tirando mais cresce
é um buraco na terra
— João Grilo, vou terminar
as perguntas do tratado
e Grilo disse: pergunte
quero ficar descansado;
disse o rei: é muito exato
o que é que vem do alto
cai em pé, corre deitado?
— Aquele que cai em pé
e sai correndo no chão
será uma grande chuva
nos barros de um sertão;
o rei disse: muito bem
no mundo todo não tem
outro Grilo como João
— João Grilo, você bebe?
João disse: bebo 1
pouquinho
e disse: eu não sou filho
de Baco que fez o vinho
o meu pai morreu bebendo
eu o que estou fazendo?de
boca aberta em seu ninho
O rei disse: João Grilo
beber è coisa ruim
e Grilo respondeu: qual o meu pai dizia assim:
na casa de seu Henrique
44
zelam bem um alambique
melhor do que um jardim
O rei disse: João Grilo
tua fama é um estrondo
João Grilo disse: eu
sabendo
o que perguntar respondo
disse o rei enfurecido:
o que tem o pé comprido
e faz o rastro redondo?
Senhor rei, tenho
lembrança
de tempo da minha avó
que ela tinha um compasso
na caixa do bororó
como êsse eu também ando
fazendo o rastro redondo
andando com uma perna só
João qual é o bicho,
que passa pela campina
a qualquer hora da noite
andando de lamparina?
é um pequeno animal
tem luz artificial;
veja o que determina
— Esse bicho eu já vi
pois eu tinha por costume
de brincar sempre com êle
minha mãe tinha ciúme
eu andava pelo campo
uns chamam pirilampo
e outros de vagalume
O rei já tinha esgotado
a sua imaginação
não achou uma pergunta
que interrompesse a João
disse: me responda agora
qual é o olho que chora
sem haver consolação?
O Grilo então respondeu:
lá muito perto da gente
tem num oiteiro importante
um moço muito doente
suas lágrimas têm paladar
quem não deixa de chorar
é ôlho d'água vertente
O rei inventou um truque
do jeito que lhe convinha — Vou arrumar uma cilada
ver se João adivinha
mandou vir um alçapão
fez outra adivinhação
escondeu uma bacurinha
— João, o que é que tem
dentro deste alçapão?
se não disser o que é
é morto, não tem perdão
João Grilo lhe respondeu:
quem mata um como eu
não tem dó no coração
João lhe disse: esse objeto
nem é manso nem é brabo
nem é grande nem é
pequeno
nem é santo nem é diabo
bem que mamãe me dizia
que eu ainda caía
onde a porca torce o rabo
Trouxeram uma bandeja
ornada de muitas flores
dentro dela uma latinha
cheia de muitos fulgores
o rei lhe disse: João Grilo
é este o último estrilo
que rebenta tuas dores
João Grilo desta vez
passou na última estica
adivinhar uma coisa
nojenta que se pratica
fugir da sorte mesquinha
pois dentro da lata tinha
um pouquinho de xinica
O rei disse: João Grilo
veja se escapa da morte
o que tem nesta latinha?
responda se tiver sorte
toda aquela populaça
queria ver a desgraça
do Grilo franzino e forte
— Minha mãe profetizou
que o futuro è minha perda
— Dessas adivinhações
brevemente você herda
faz de conta que já vi
como esta hoje aqui
parece que dá em merda
O rei achou muita graça
nada teve o que fazer João Grilo ficou na corte
com regosijo e prazer
gozando um bom paladar
foi comer sem trabalhar
desta data até morrer
E todas as questões do
reino
era João que deslindava
qualquer pergunta difícil
ele sempre decifrava
julgamentos delicados
problemas muito
enrascados
e João Grilo desmanchava
Certa vez chegou na corte
em mendigo esfarrapado
com uma mochila nas
costas
dois guardas de cada lado
seu rosto cheio de mágoa
os olhos vertendo água
fazia pena o coitado
Junto dele estava um duque
que veio denunciar
dizendo que o mendigo
na prisão ia morar
por não pagar a despesa
que fizera por afoiteza
sem ter como lhe pagar
João Grilo disse ao
mendigo:
e como é, pobretão
que se faz uma despesa
sem ter no bolso um tostão
me conte todo passado
depois de eu ter-lhe
escutado
lhe darei razão ou não
Disse o mendigo: sou pobre
e fui pedir uma esmola
na casa do senhor duque
levei a minha sacola
quando cheguei na cozinha
vi cozinhando galinha
numa grande caçarola
Como a comida cheirava
eu tive apetite nela
tirei um taco de pão
e marchei pro lado dela
e sem pensar na desgraça
botei o pão na fumaça que saia da panela
45
O cozinheiro zangou-se
chamou logo o seu senhor
dizendo que eu roubara
da comida o seu sabor
só por eu ter colocado
um taco de pão mirrado
aproveitando o vapor
Por isso fui obrigado
a pagar essa quantia
como não tive dinheiro
o duque por tirania
mandou trazer-me
escoltado
para depois de ser julgado
ser posto na enxovia
João Grilo disse: está bem
não precisa mais falar:
então perguntou ao duque:
quanto o homem vai pagar?
- Cinco coroas de prata
ou paga ou vai pra chibata
não lhe deve perdoar
João Grilo tirou do bolso
a importância cobrada
na mochila do mendigo
deixou-a depositada
e disse para o mendigo:
balance a mochila, amigo
pro duque ouvir a zuada
O mendigo sem demora
fez como Grilo mandou
pegou sua mochilinha
sem compreender o truque
bem no ouvido do duque
o dinheiro tilintou
Disse o duque enfurecido:
mas não recebi o meu,
diz João Grilo: sim senhor,
isto foi o que valeu
deixe de ser batoteiro
o tinido do dinheiro
o senhor já recebeu
- Você diz que o mendigo
por ter provado o vapor
foi mesmo que ter comido
seu manjar e seu sabor
pois também é verdadeiro
que o tinir do dinheiro
representa o seu valor
Virou-se para o mendigo
e disse: estás perdoado
leva o dinheiro que dei-te
vai pra casa descansado
o duque olhou para o Grilo
depois de dar um estrilo
saiu por ali danado
A fama então de João Grilo
foi de nação em nação
por sua sabedoria
e por seu bom coração
sem ser por êle esperado
um dia foi convidado
para visitar um sultão
O rei daquele país
quis o reino embandeirado
pra receber a visita
do ilustre convidado
o castelo estava em flores
cheio de tantos fulgores
ricamente engalanado
As damas da alta côrte
trajavam decentemente
tôdacôrte imperial
esperava impaciente
ou por isso ou por aquilo
para conhecer João Grilo
figura tão eminente
Afinal chegou João Grilo
no reinado do sultão
quando êle entrou na côrte
que grande decepção!
depalitó remendado
sapato velho furado
nas costas um matulão
O rei disse: não é ele
pois assim já é demais;
João Grilo pediu licença
mostrou-lhe as credenciais
embora o rei não gostasse
mandou que ele ocupasse
os aposentos reais
Só se ouvia cochichos
que vinham de todo lado
as damas então diziam:
é esse o homem falado?
duma pobreza tamanha
e ele nem se acanha
de ser nosso convidado?
Até os membros da côrte
diziam num tom chocante
pensava que o João Grilo
fôsse dum tipo elegante
mas nos manda 1
remendado
sem roupa, esfarrapado
um maltrapilho ambulante
E João Grilo ouvia tudo
mas sem dar demonstração
em toda a côrte real
ninguem lhe dava atenção
por mostrar-se
esmolambado
tinha sido desprezado
naquela rica nação
Afinal veio um criado
e disse sem o fitar:
já preparei o banheiro
para o senhor se banhar
vista uma roupa minha
e depois vá pra cozinha
na hora de almoçar
João Grilo disse; está bom;
mas disse com seu botão:
roupas finas trouxe eu
dentro de meu matulão
me apresentei rasgado
para ver neste reinado
qual era a minha impressão
João Grilo tomou um
banho
vestiu uma roupa de gala
então muito bem vestido
apresentou-se na sala
ao ver seu traje tão belo
houve gente no castelo
que quase perdia a fala
E então toda repulsa
transformou-se de repente
o rei chamou-o pra mesa
como homem competente
consigo, dizia João:
na hora da refeição
vez ensinar esta gente
O almoço foi servido
porém João não quis comer
despejou vinho na roupa
só para vê-lo escorrer
ante a corte estarrecida
encheu os bolsos de comida
para toda corte ver
46
O rei bastante zangado
perguntou pra João:
por que motivo o senhor
não come da refeição?
respondeu João com
maldade:
tenha calma, majestade
digo já toda razão
Esta mesa tão repleta
de tanta comida boa
não foi posta pra mim
um ente vulgar a toa
desde sobre-mesa a sopa
foram postas à minha roupa
e não à minha pessoa
Os comensais se olharam
o rei pergunta espantado:
por que o senhor diz isto
estando tão bem tratado?
disse João: isso se explica
por está de roupa rica
não sou mais esmolambado
Eu estando esfarrapado
ia comer na cozinha
mas como troquei de roupa
como junto da rainha
vejo nisto um grande ultraje
homenagem ao meu traje
e não a pessoa minha
Toda corte imperial
pediu desculpa a João
e muito tempo falou-se
naquela dura lição
e todo mundo dizia
que sua sabedoria
era igual a Salomão.
Disponível em: http://poesianordestina.blogspot.com.br/2013/10/as-proezas-de-joao-grilo.html
O ALUNO INTELIGENTE E OS COLEGAS IGNORANTES
(Trechos do cordel de Janduhi Dantas)
Havia numa escola
entre muitos estudantes
quatro colegas de classe
de estilos contrastrantes:
um que era inteligente
e três bem ignorantes.
'Falso', 'Mínimo', 'Arrependido'
e o quarto 'Quero-Tentar'
eram os quatro meninos
cuja história vou contar
peço a atenção dos leitores
que o desfecho é exemplar!
O aluno 'Falso' era
preguiçoso e vagabundo
se o assunto era estudar
47
se sentia moribundo
quando era dia de prova
filava de todo mundo.
O aluno 'Mínimo', 'esperto'
assim vivia pensando:
'Pra eu passar, basta um 7
vou com a barriga empurrando'
era o tal aluno-cobra
que só passa se arrastando!
O aluno 'Arrependido'
faltava muito à escola
faltava três, ia um dia
queria saber de bola
e no seu time jogava
trombadinha e cheira-cola.
'Quero-Tentar' era esperto
muito vivo, inteligente
não entendendo o assunto
não ficava indiferente
pedia pra professora:
'Nos explique novamente!'
O tempo, que nunca pára
acabou por transformar
48
aqueles quatro meninos
em adultos, por lhes dar
hoje a oportunidade
de seu destino encontrar.
'Falso' hoje vive mal
pensando que é artista
vive de enganar o povo
é um grande vigarista
dá golpe de toda espécie
(e a polícia em sua pista!).
O aluno 'Mínimo' hoje
vive miseravelmente
sequer um salário mínimo
'Mínimo' ganha atualmente
vive mais desempregado
faz um bico raramente
Hoje em dia 'Arrependido'
não é feliz, não tem paz
está envolvido em tráfico
de droga com marginais
no jornal tem sua foto
nas páginas policiais.
'Quero-Tentar' hoje em dia
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é uma grande autoridade
honesto, simples, leal
(sua personalidade)
se tornou o Presidente
do país 'Felicidade'."
Disponível em:http://cordelendo.blogspot.com.br/2016/05/tipos-de-aluno.html
A TERRA É NATURÁ – Patativa do Assaré
Sinhô dotô, meu ofiço
É servi ao meu patrão.
Eu não sei fazêcomiço,
Nem discuço, nem sermão;
Nem sei as letra onde mora,
Mas porém, eu quero agora
Dizê, com sua licença,
Uma coisa bem singela,
Que a gente pra dizê ela
Não percisa de sabença.
Se um pai de famia honrado,
Morre, dexando a famia,
Os seus fiinho adorado
Por dono da moradia,
E aqueles irmão mais véio,
Sem pensá nos Evangéio,
Contro os novo a toda hora
Lança da inveja o veneno
Intébotá os mais pequeno
Daquela casa pra fora.
Disso tudo o resurtado
Seu dotô sabe a verdade,
Pois, logo os prejudicado
Recorre às oturidade;
E no chafurdo infeliz
Depressa vai o juiz
Fazê. a paz dos irmão
E se ele fôjusticêro
Parte a casa dos herdêro
Pra cada quá seu quinhão.
Seu dotô, que estudou munto
E tem boa inducação,
Não ignore este assunto
Da minha comparação,
Pois este pai de famia
É o Deus da Soberania,
Pai do sinhô e pai meu,
Que tudo cria e sustenta,
E esta casa representa
A terra que Ele nos deu.
O pai de famia honrado,
A quem tô me referindo,
É Deus nosso Pai Amado
Que lá do Céu tá me uvindo,
O Deus justo que não erra
E que pra nós fez a terra,
Este praneta comum;
Pois a terra com certeza
É obra da natureza
Que pertence a cada um.
Esta terra é como o Só
Que nace todos os dia
Briando o grande, o menó
E tudo que a terra cria.
O só quilarêa os monte,
Tombém as água das fonte,
Com a sua luz amiga,
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Potrege, no mesmo instante,
Do grandaião elefante
A pequenina formiga.
Esta terra é como a chuva,
Que vai da praia a campina,
Móia a casada, a viúva,
A véia, a moça, a menina.
Quando sangra o nevuêro,
Pra conquistá o aguacêro
Ninguém vai fazê fuxico,
Pois a chuva tudo cobre,
Móia a tapera do pobre
E a grande casa do rico.
Esta terra é como a lua,
Este foco prateado
Que é do campo até a rua,
A lampa dos namorado;
Mas, mesmo ao véiocacundo,
Já com ar de moribundo
Sem amô, sem vaidade,
Esta lua cô de prata
Não lhe dêxa de sê grata;
Lhe manda quilaridade.
Esta terra é como o vento,
O vento que, por capricho
Assopra, as vez, um momento,
Brando, fazendo cuchicho.
Otras vez, vira o capêta,
Vai fazendo piruêta,
Roncando com desatino,
Levando tudo de móio
Jogando arguêro nos óio
Do grande e do pequenino.
Se o orguiôsopodesse
Com seu rancô desmedido,
Tarvez até já tivesse
Este vento repartido,
Ficando com a viração
Dando ao pobre o furacão;
Pois sei que ele tem vontade
E acha mesmo que percisa
Gozá de frescô da brisa,
Dando ao pobre a tempestade.
Pois o vento, o só, a lua,
A chuva e a terra também,
Tudo é coisa minha e sua,
Seu dotô conhece bem.
Pra se sabê disso tudo
Ninguém precisa de istudo;
Eu, sem escrevê nem lê,
Conheço desta verdade,
Seu dotô, tenha bondade
De uvi o que vô dizê.
Não invejo o seu tesoro,
Sua mala de dinhêro
A sua prata, o seu ôro
o seu boi, o seu carnêro
Seu repôso, seu recreio,
Seu bom carro de passeio,
Sua casa de morá
E a sua loja surtida,
O que quero nesta vida
É terra pra trabaiá.
Iscute o que tô dizendo,
Seu dotô, seu coroné:
De fome tão padecendo
Meus fio e minha muié.
Sem briga, questão nem guerra,
Meça desta grande terra
Umas tarefa pra eu!
Tenha pena do agregado
Não me dêxe deserdado
Daquilo que Deus me deu.
Disponível em: http://vermelho.org.br/noticia/43510-11
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Como você vê a mulher sendo representada, nos diferentes gêneros textuais
e/ou literários aos quais você já teve acesso?
O NORDESTE É A PERIFERIA DO BRASIL – Jarid Arraes
Já dizia Patativa
Grande mestre
professor:
Pra falar da minha terra
Tem de ser conhecedor
Só possui conhecimento
Com bastante
embasamento
Quem daqui é morador.
Nordestina é essa gente
Que conhece a exclusão
O injusto esquecimento
Triste de desilusão
Pois se vive condenado
Invisível e renegado
Feito fosse reclusão.
O nordeste é preterido
Já tem tempo até demais
E por causa dessa sina
Já de nossos ancestrais
Muita gente foi simbora
Desde antes té agora
Vivendo nas capitais.
Só que na cidade grande
Nordestino vira bicho
Humilhado e explorado
Só tratado como lixo
O trabalho e a labuta
É o som que se escuta
Nessa vida de serviço.
Trabalhando feito
escravo
Sem direito ou
assistência
Nosso povo é oprimido
Num teste de resistência
No sol quente ou no frio
Pelos cantos do Brasil
Sem espaço pra
clemência.
Esse prédio tão bonito
Que paulista tanto gosta
Só pode ser construído
Com o peso em nossas
costa
Sem família pra cobrar
Se morreu, pode
enterrar
Feito um pedaço de
bosta.
Foi assim com os
candangos
Que fizeram essa
Brasília
E saíram de suas terras
Pra viver na disbulia
Até hoje esse sumiço
Foi o pago do serviço
Duma constante vigília.
Trabalhar de sol a sol
É coisa de nordestino
Que batalha todo dia
Pra mudar o seu destino
Não tem tempo ocioso
Muito menos
preguiçoso
Só vivendo o desatino.
As mulheres nordestinas
Desde cedo exploradas
Na cozinha ou no bordel
São ainda traficadas
Ser mulher não é
moleza
E falando com
franqueza
Só nos veem de
empregada.
A batalha feminina
É puxada e dolorida
É na roça e na cidade
Trabalhando por comida
Com os filho
abandonada
É de meretriz chamada
E com força reprimida.
ATIVIDADE ORAL
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Se virar uma empregada
Pra limpar a casa alheia
O dinheiro é uma
miséria
Que não faz um pé de
meia
E o patrão que assedia
Só demonstra a
covardia
Dessa elite brasileira.
Muitas dessas
nordestinas
Que acabam no sudeste
Não arranjam um
trabalho
Nem um salário que
preste
E a prostituição
Vira a única opção
Nesse mundo cafajeste.
Para além de tudo isso
Que envolve o trabalhar
É notável e evidente
O desejo de apagar
A cultura nordestina
De riqueza que ensina
E só faz nos orgulhar.
Já começa do sotaque
Essa padronização
Que imita nossa fala
Nessa vil televisão
E a gente é debochado
Com o riso escrachado
Sem contextualização.
Para o povo nordestino
Fica o resto do sobejo
Bota a gente de piada
Nesse cultural despejo
Que rejeita nossa arte
Faz de nós a contraparte
Dum cruel e mau
desejo.
Quem despreza nossa
gente
Não esconde o que
almeja
Que é a nossa extinção
Bem entregue de
bandeja
Pedem a separação
Dividindo essa nação
Numa linha que traceja.
Mas pior é perceber
O que dói é constatar
Que nem mesmo a
esquerda
Que se diz politizar
Lembra do nosso
nordeste
Pois só olha pro sudeste
Sem querer mobilizar.
Só quem fala é
sudestino
O lembrado maiorial
Convidado em todo
canto
Palestrante coisa e tal
O nordeste é invisível
Na política risível
Sem conduta e imoral.
É por isso que eu digo
Fácil é ser miltante
E falar coisa bonita
Dando uma de
importante
Mas na hora de provar
E na prática atestar
Só se mostra ignorante.
Pois o reconhecimento
Pro sudeste é destinado
Não importa a corrente
Nem problema
abordado
Se falar de feminismo
De favela, de racismo
O nordeste é apagado.
Mas pra cá no
Pernambuco
E no Rio Grande do
Norte
Ceará ou Paraíba
Também acontece
morte
Nordestino é minoria
Sem nenhuma regalia
E jogado à própria
sorte.
No nordeste tem
racismo
E a mulher é espancada
Também tem
homofobia
E a travesti rejeitada
Também vive nessa
terra
Enfrentando uma guerra
Onde é silenciada.
Nossa terra tem favela
E a polícia é militar
Aqui tem periferia
Falta só tu enxergar
É por isso que eu grito
E nem vou falar bonito
Pra paulista se agradar.
Já estamos saturados
Dessa discriminação
Pois a nossa inteligência
Não é para a servidão
A gente não é capacho
Dessa bando de diacho
Elitista fi do cão.
Eu não mudo meu
sotaque
Nem meu termo
imponente
A riqueza da minha
terra
Que é falada pela gente
Como disse o Suassuna
Minha língua é
Jaguaruna
E não troco meu oxente.
Com orgulho falo alto
Essa pátria me pariu
Como filha nordestina
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Dessa força feminil
Me calar não poderia
Eu sou da periferia
Da perifa do Brasil.
Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2015/04/25/cordel-o-nordeste-e-
periferia-brasil/
Jarrid Arraes
Nascida e criada em Juazeiro do Norte, Jarid é íntima da literatura de cordel
desde criança. Seu pai e avô são cordelistas e também fazem xilogravuras (técnica na
qual se usa madeira como matriz e a reprodução da imagem é geralmente gravada sobre
papel). "Cresci nesse contato direto com o cordel, que é uma manifestações da cultura
popular nordestina. Eu era a primeira a ler os cordéis do meu pai e do meu avô, que
tratam de assuntos mais politizados em suas obras - é o que chamamos de Cordel
Engajado."
Quando começou a produzir os seus, Jarid não teve dúvida de eles também
seriam politizados. "Escrevo sobre o que me deixa engasgada", diz. Mulher, negra e
nordestina, Jarid transforma suas vivências em versos rimados. "Os temas foram
surgindo a partir da minha própria experiência, dos preconceitos e assédios que sofro
diariamente e assisto o outro sofrer", revela.
Além de cordelista, Jarid é comprometida com projetos sobre direitos humanos e
tem uma coluna semanal na revista Fórum, chamada Questão de gênero. Por lá, ela
publica textos de opinião e também cordéis. Um dos últimos, "Não me chame de
mulata", viralizou e causou discussões na internet. "Recebi dezenas de comentários me
xingando por causa do cordel ‘Não me chame de mulata’. Por outro lado - e esse, sim,
vale a pena - já li pessoas afirmando que nunca mais usarão o termo", escreveu em sua
timeline do Facebook.
Disponível em: http://revistatrip.uol.com.br/tpm/cordelista-e-feminista-conheca-jarid-arraes-uma-voz-
de-protesto-contra-a-opressao
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