irmandades religiosas – decisÕes sobre os … · com o passar dos anos, o aumento no número de...
Post on 12-Dec-2020
0 Views
Preview:
TRANSCRIPT
IRMANDADES RELIGIOSAS – DECISÕES SOBRE OS
SEPULTAMENTOS E AS NECRÓPOLES DE PELOTAS-RS RELIGIOUS SODALITIES – DECISIONS ABOUT
ENTOMBMENT AND NECROPOLIS OF PELOTAS-RS
AIRES, Anderson Pires
Mestrando em Arquitetura e Urbanismo/PROGRAU-UFPel
anderson.pires.aires@gmail.com
GUTIERREZ, Ester Judite Bendjouya
Profa. Dra. em História/PROGRAU-UFPel
esterjbgutierrez@gmail.com
RESUMO
A ritualização da morte começou de forma rudimentar ainda na pré-história e passou por transformações no
decorrer dos séculos. Durante a transição entre a idade média e a moderna, um tipo de associação religiosa passou
a organizar-se a fim de garantir àqueles que se agregassem a ela uma assistência durante a vida e no momento da
morte. As irmandades religiosas difundiram-se pelo mundo após as grandes navegações e um dos seus destinos foi
o Brasil. Ao se espalharem pelo território luso-brasileiro, elas se estabeleceram em locais como o atual município
de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul. Após uma revisão bibliográfica, pertinente ao desenvolvimento da
dissertação de mestrado A Cidade Cemiterial: Cemitério da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas (1855-1976),
foi possível observar que dentre as irmandades que existiram, duas tiveram destaque durante o século XIX. A
Irmandade do Santíssimo Sacramento foi responsável por administrar as necrópoles entre os anos de 1812 e 1855.
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas começou a exercer o mesmo papel no ano de 1855. Partindo
da premissa de que as duas irmandades tomavam as decisões referentes aos sepultamentos, o presente trabalho
demonstrou que as irmandades do Santíssimo Sacramento e da Santa Casa de Misericórdia foram responsáveis
pelo monopólio dos sepultamentos no século XIX e, com isso, subordinaram as demais irmandades às suas
pretensões.
Palavras-chave: História. Irmandades Religiosas. Pelotas.
ABSTRACT
The ritualization of death began rudely in prehistory and underwent transformations over the centuries. During the
transition from the middle to the modern age, a type of religious association was organized to assure those who
would add to it assistance during life and at the time of death. The religious sodality spread throughout the world
after the great navigations and one of their destinations was Brazil. When they spread throughout the Luso-
Brazilian territory, they settled in places like the present municipality of Pelotas, in the state of Rio Grande do Sul.
After a bibliographical review, pertinent to the development of the master's thesis The Cemiterial City: Cemetery
of the Santa Casa de Misericórdia de Pelotas (1855-1976), it was possible to observe that among the sodalities that
existed, two stood out during the nineteenth century. The Sodality of Santíssimo Sacramento was responsible for
administering the necropolis between the years of 1812 and 1855. The Sodality of Santa Casa de Misericórdia de
Pelotas began to play the same role in the year 1855. Based on the premise that the two sodalities made decisions
regarding burials, the present article demonstrated that the sodalities of the Santíssimo Sacramento and of the Santa
Casa de Misericórdia were responsible for the monopoly of burials in the nineteenth century and thus subordinated
the other sodalities to their pretensions.
Key-words: History. Religious Sodalities. Pelotas
Introdução
As Irmandades Religiosas foram associações que surgiram na Europa durante a
transição da Idade Média para a Idade Moderna com o intuito de auxiliar as pessoas durante a
vida e no momento da morte (TAVARES, 2007). A partir dessa organização, as irmandades
passaram a receber irmãos que se uniam a elas e seguiam as determinações presentes nos
compromissos de cada associação religiosa. Cada uma delas dedicava seus cultos a um santo
específico e eram sustentadas pelas doações que os membros faziam durante a vida e também
em seus testamentos.
Após as grandes navegações, as irmandades religiosas difundiram-se pelas colônias
europeias e possibilitaram que sua abrangência e seu poder frente a novos irmãos aumentasse
gradativamente. Em um período da história no qual Igreja e Estado estavam vinculados e
tomavam as decisões necessárias ao povoamento de novas terras, algumas irmandades de maior
notoriedade acabaram auxiliando no processo de criação de freguesias, vilas e cidades. Um
desses locais foram as terras conquistadas no continente americano e que deram origem ao
Brasil.
Através da expansão territorial luso-brasileira, uma irmandade de destaque nas elites
brasileiras (AZZI, 1974) chegou ao sul do continente e esteve envolvida na instalação da
Freguesia de São Francisco de Paula, atual cidade de Pelotas. A Irmandade do Santíssimo
Sacramento, fundada em 1812, foi também responsável pela administração das necrópoles que
existiram entre os anos de 1812 e 1855. A partir deste ano, a Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia passou a desempenhar esse papel, demonstrando seu poder sobre as decisões
referentes aos mortos no cemitério oitocentista administrado por ela.
Dessa forma, a história mortuária em Pelotas esteve sujeita às determinações da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da primeira metade do século XIX e da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia na segunda metade do século XIX. Em ambas as situações, outras
irmandades que desejassem sepultar seus mortos em locais distintos daqueles administrados
pelas ordens religiosas de destaque deveriam obter autorização para isso. Assim, os mortos só
teriam como destino os cemitérios que geravam lucros às irmandades do Santíssimo
Sacramento e da Santa Casa de Misericórdia.
Irmandade do Santíssimo Sacramento e as necrópoles da freguesia
Com o aumento de pessoas devido à instalação de charqueadas no povoado que estava
vinculado à Vila de São Pedro, atual cidade de Rio Grande, a localidade passou a despertar o
interesse de pessoas da elite. Isso se deu no final do século XVIII e início do século XIX e
chamou a atenção principalmente dos fabricantes de carne salgada. Para garantir que o lugar
fosse elevado à condição de freguesia e pudesse atender aos anseios daqueles que estiveram
envolvidos no processo, certas determinações deveriam ser seguidas. Uma delas era a instalação
de uma capela em local de destaque e longe de áreas alagadiças (VIDE, 2011).
Tais determinações eram resultado das leis eclesiásticas presentes nas Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia. Além delas, outras providências deveriam ser tomadas, como a
presença de uma irmandade. Com a instalação da Freguesia de São Francisco de Paula (Figura
1) no dia 7 de julho de 1812 (MAGALHÃES, 1993), uma organização religiosa passou a
acompanhar as transformações na vida dos moradores locais. A Irmandade do Santíssimo
Sacramento foi fundada nesse mesmo ano (CUNHA, s.d.) e passou a desempenhar funções
religiosas como o registro de nascimentos, batizados, casamentos e óbitos.
Figura 1: Planta da Freguesia de São Francisco de Paula.
Fonte: Gutierrez (2004, p. 121).
Para garantir a assistência necessária aos sepultamentos dos fregueses e dos irmãos da
ordem religiosa, no ano da criação da freguesia foi instalado o primeiro campo santo. Ele
localizou-se próximo à capela, porém um pouco afastado da povoação. Situado no cruzamento
da Rua das Flores e da Rua do Passeio Público (respectivamente as atuais Rua Almirante
Barroso e Avenida Bento Gonçalves), o Cemitério da Santa Cruz (Figura 2) recebeu os corpos
daqueles que faleceram na freguesia entre os anos de 1812 e 1819 (CUNHA, s.d.).
Figura 2: Localização dos Cemitérios da Santa Cruz e da Igreja Matriz.
Fonte: Elaborado por Anderson Pires Aires com base na Planta de 1815, no MUB de 2017 e em Cunha (s.d.).
Com a gerência da necrópole, a Irmandade do Santíssimo Sacramento teve uma fonte
de renda diversa daquela oriunda da associação de seus irmãos. Para poder ritualizar todo o
sepultamento e assim garantir as vontades do morto ou de sua família, ela recebia doações e
pagamentos pelos serviços prestados. O poder da associação religiosa abrangia assim as duas
fases da existência de uma pessoa, a vida e a morte. Sem a presença de outras irmandades na
freguesia, não havia nada que impedisse a do Santíssimo de determinar como e onde ocorreriam
as inumações. Afinal, era ela a responsável pela administração do campo santo.
Com o passar dos anos, o aumento no número de vivos também resultou no acréscimo
de mortos na freguesia. Mesmo que eles tivessem como destino o Cemitério da Santa Cruz,
algumas vezes determinados corpos eram inumados em cemitérios presentes nas terras de
pessoas influentes. Os mortos poderiam ser pessoas da família ou escravos muito próximos e
que recebiam de seus donos essa demonstração de bondade (ROCHA, 2005). Outra
possibilidade de sepultamento longe da freguesia ocorria em localidades afastadas e, por vezes,
de difícil acesso.
Seja qual fosse o motivo, somente com a autorização da Irmandade do Santíssimo
Sacramento tal feito era aceitável. A partir de um levantamento dos sepultamentos ocorridos
entre os anos de 1812 e 1825, Betemps e Jaccottet (2009) demonstram que a maioria das
inumações ocorreram nos cemitérios da freguesia. Em alguns casos, a Irmandade do Santíssimo
Sacramento concedeu algumas exceções, como nas terras de Antônio Francisco dos Anjos ou
na Fazenda de Pelotas. Mas isso não era comum e se deu apenas algumas vezes. Dessa forma,
a irmandade não perdia seu poder sobre os mortos e nem deixava de lucrar com os
enterramentos.
No ano de 1820, a Irmandade do Santíssimo erigiu um novo campo santo. Dessa vez ele
ficava junto à capela (Figura 2). Isso se deu, entre outros motivos, pelo aumento no número de
mortos. Independentemente da localização da necrópole, a gerência permanecia nas mãos da
associação religiosa. Mas o cenário da assistência aos mortos mudou nesse ano. Como a
irmandade só atendia aos brancos, em 26 de novembro de 1820 foi criada a Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário (CUNHA, s.d.). Ela era composta por negros e buscava auxiliar os
afrodescendentes no momento da morte.
Como o único cemitério que possuía autorização para funcionar era o da Igreja Matriz,
as Irmandades do Santíssimo e do Rosário passaram a dividir o espaço para os sepultamentos.
A administração permaneceu de posse daquela e esta ficou subordinada a ela. Mas essa divisão
sob as pompas dos fregueses traria certo prejuízo à Irmandade do Santíssimo. Ela deixaria de
lucrar com o culto e as doações dos membros da Irmandade do Rosário. Contudo, o cemitério
ainda continuava sob sua administração e a associação religiosa de negros precisaria de
autorização para ali sepultar seus irmãos.
Três anos após a instalação do Cemitério da Igreja Matriz uma nova capela foi
construída e junto a ela outro campo santo. A Capela de Nossa Senhora da Luz passou a
funcionar no ano de 1823, juntamente com o cemitério erigido atrás dela (Figura 3). Como não
existia outra irmandade vinculada a este novo templo religioso, sua administração e a do
cemitério ficaram sob a responsabilidade da associação do Santíssimo Sacramento. Ela agora
possuía mais uma fonte de renda sempre que ocorressem inumações no novo cemitério. Mesmo
com a existência de dois locais para enterramentos, eles tornaram-se pequenos com o tempo e
um outro teve de ser construído.
Isso se deu em 1825, quando o Cemitério da Rua do Passeio (Figura 3) passou a receber
inumações e o da Igreja Matriz foi desativado. Ocupando todo um quarteirão, seria mais fácil
para a Irmandade do Santíssimo Sacramento separar seus irmãos dos que pertenciam à outra
irmandade. E também haveriam mais locais para sepultamentos e, consequentemente, isso
geraria mais lucros. Após a instalação do Cemitério da Rua do Passeio, mais duas irmandades
compostas por afrodescendentes foram criadas. A de Nossa Senhora de Assumpção e da Boa
Morte, ambas em 1829, e a de Nossa Senhora da Virgem do Rosário, em 1831 (CUNHA, s.d.).
Figura 3: Localização dos Cemitérios da Igreja da Luz e da Rua do Passeio.
Fonte: Elaborado por Anderson Pires Aires com base na Planta de 1815, no MUB de 2017 e em Cunha (s.d.).
Com dois cemitérios em funcionamento, a presença de quatro irmandades na Freguesia
de São Francisco de Paula não levaria a problemas quanto a destinação dos esquifes. A
Irmandade do Santíssimo Sacramento perdia com as doações que poderiam ser feitas a ela, mas
que recebiam como destino as demais associações religiosas. Contudo continuava com o
monopólio dos cemitérios. Sem a sua autorização e o pagamento pelos sepultamentos, os
mortos não podiam ser colocados nos campos santos da Capela da Luz ou da Rua do Passeio.
Esse foi o cenário que continuou a se repetir no tempo da freguesia e que só se alterou em 1855,
20 anos após a instalação da Cidade de Pelotas.
Irmandade do Santa Casa de Misericórdia de Pelotas e a necrópole da cidade
Passados sete anos desde a instalação do último cemitério da Freguesia de São Francisco
de Paula, a localidade foi elevada à condição de vila. Isso ocorreu em 7 de abril de 1832. Três
anos mais tarde, a Vila de São Francisco de Paula torna-se a Cidade de Pelotas no dia 27 de
junho de 1835 (MAGALHÃES, 1993). Embora tivesse deixado de ser uma freguesia e tenha se
tornado uma cidade, o sítio urbano continuava sob o monopólio da Irmandade do Santíssimo
Sacramento sempre que um citadino vinha a óbito. A situação permaneceu a mesma por mais
de uma década, com as demais associações religiosas subordinadas à Irmandade do Santíssimo.
Somente em 6 de maio de 1846 é que a situação começa a mudar. Foi nessa data que a
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia foi fundada na cidade de Pelotas (CUNHA, s.d.).
Assim como as demais, ela também surgiu com o intuito de auxiliar os irmãos
desamparados em vida ou no momento da morte. Inicialmente, a associação religiosa também
esteve subordinada à Irmandade do Santíssimo Sacramento. Esta ainda detinha o monopólio
sobre as necrópoles em funcionamento. Porém, elas já estavam com suas capacidades exaustas
e necessitavam ser substituídas por outro local mais amplo. Foi então que em 1849 a Câmara
de Vereadores principiou a busca por um novo terreno (CMP – Ata do dia 12 de janeiro de
1849).
Só que no ano de 1850 uma determinação da Presidência da Província coloca sob a
guarda das Irmandades da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande a
ereção e administração de novos campos santos (AHRS – Leis Provinciais nº 197 e nº 199 de
1850). A partir dessa decisão, a irmandade de Pelotas inicia a busca de um novo local para a
necrópole pelotense. Fazendo isso, ela passaria a ter os mesmos lucros que a Irmandade do
Santíssimo Sacramento obteve durante anos. Suas primeiras opções se deram em terrenos de
irmãos da associação religiosa. A primeira tentativa foi pelo terreno de D. Ana Barcellos (Figura
4).
Por ser muito próximo ao núcleo urbano e estar em desacordo com as determinações de
higiene pública, o terreno não pôde ser utilizado. A segunda opção foi o terreno do irmão José
Vieira Pimenta, que estava afastado da cidade (Figura 4). Este também não obteve aprovação
por ser muito pequeno para receber o novo cemitério. A Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia encontrou então um terreno além do Arroio de Santa Bárbara e que atendia às suas
expectativas. Ele pertencia ao dr. Thomáz José Xavier (APERS – Inventário de Manoel Alves
De Moraes). Mas a opção não foi aceita pelos vereadores.
Eles defendiam a instalação no Logradouro Público, por ser um lugar de domínio
público e que não seria utilizado para a construção de residências (CMP – Ata do dia 21 de abril
de 1852). Assim, não haveria a possibilidade de contato entre os corpos em decomposição dos
mortos e os vivos. Na verdade, os vereadores, que também eram charqueadores, não queriam
percorrer grandes distâncias entre suas terras e o terreno escolhido pela Irmandade da Santa
Casa. Dessa forma não teriam tantos gastos. Como a associação religiosa também percebeu essa
possibilidade de obter grandes lucros com os sepultamentos, ela fez de tudo para que sua
decisão prevalecesse.
Figura 4: Primeiras opções da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas.
Fonte: Elaborado por Anderson Pires Aires com base na Planta da Cidade de Pelotas de 1835, no MUB de 2017 e
Nascimento (1987).
Diferentemente da Irmandade do Santíssimo Sacramento, que não enfrentou críticas
quando instalou as necrópoles entre os anos de 1812 e 1825, a da Santa Casa de Misericórdia
tinha os políticos locais contra ela. O impasse resultou em discussões durante diversas sessões
da Câmara Municipal de Pelotas, levando à elaboração de um laudo técnico por um engenheiro
contratado pelos vereadores afirmando ser o Logradouro Público a melhor opção. Por fim, a
Presidência da Província decretou que o espaço defendido pelos vereadores era o mais
apropriado e determinou a construção do novo campo santo (CMP – Ata do dia 21 de abril de
1852).
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia não acatou a decisão e tratou de obter
judicialmente a desapropriação do terreno de Thomáz José Xavier em seu favor. Isso ocorreu
no ano de 1853 (TOMASCHEWSKI, 2007). Enquanto ocorriam as discussões entre a
associação religiosa e os vereadores, os sepultamentos que ocorriam continuavam sob o
monopólio da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Somente no ano de 1855, quando a cólera
chegou a Pelotas e causou um grande número de falecimentos é que o novo cemitério entrou
em funcionamento (Figura 5). O que ocorreu no terreno desapropriado em favor da Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia.
Ela demonstrou sua força frente aos vereadores e passou a monopolizar os
sepultamentos a partir de então. Assim como ocorreu com a do Santíssimo Sacramento, a
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas não obtinha lucros provindos de irmãos
que pertenciam a outras ordens religiosas, mas faturava com os deslocamentos e sepultamentos
realizados no cemitério que administrava. Além disso, passou a subordinar as demais
irmandades que já existiam e as de Nossa Senhora da Luz e de Santa Bárbara, fundadas
respectivamente nos anos de 1854 e 1870 (CUNHA, s.d.), às suas decisões sobre os locais de
sepultamentos dentro do Cemitério da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas.
A Irmandade da Santa Casa passou a lotear os terrenos do cemitério administrado por
ela e a conceder terrenos para que as demais associações religiosas pudessem construir suas
catacumbas. Assim, as irmandades poderiam atender aos seus irmãos no momento da morte. A
Irmandade da Santa Casa passou a receber as expensas dos deslocamentos e sepultamentos
dentro do novo campo santos conforme tabela de despesas a serem cobradas. Os valores foram
aprovados em reunião da Mesa Administrativa do Cemitério da Santa Casa de Misericórdia de
Pelotas no ano de 1855 (MACSCMP – Ata do dia 26 de novembro de 1855).
Figura 5: Terreno onde foi instalado o Cemitério da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas em 1855.
Fonte: Elaborado por Anderson Pires Aires com base no MUB de 2017 e Medição do Terreno de Thomáz José
Xavier (1854).
Durante toda a segunda metade do século XIX, a Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de Pelotas controlou a única necrópole existente no primeiro distrito de Pelotas e
não permitiu que nenhum outro entrasse em funcionamento. Mesmo que a Irmandade de Nossa
Senhora da Boa Morte e Assumpção tenha tentado construir seu próprio campo santo no ano de
1869, a da Santa Casa usou a lei a seu favor e conseguiu impedir tal feito (NASCIMENTO,
1987). Assim, todas as irmandades pelotenses ficaram sujeitas ao poder e às determinações da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia para poder inumar seus irmãos.
Considerações Finais
A primeira metade do século XIX foi marcada pelo monopólio nos sepultamentos dos
habitantes da Freguesia de São Francisco de Paula por parte da Irmandade do Santíssimo
Sacramento. Em atividade desde a fundação da freguesia, a associação religiosa comandou as
inumações nos cemitérios da Santa Cruz, da Igreja Matriz, da Capela de Nossa Senhora da Luz
e da Rua do Passeio. Com isso, as demais irmandades que surgiram entre os anos de 1812 e
1835 ficaram subordinadas a ela. Sempre que um dos irmãos das irmandades de Nossa Senhora
da Conceição, Nossa Senhora da Boa Morte e Assumpção e de Nossa Senhora da Virgem do
Rosário falecia, elas dependiam da autorização da Irmandade do Santíssimo Sacramento para
sepultá-los.
Com as autorizações, a associação religiosa lucrava com as inumações e garantia assim
uma fonte de renda. Em alguns casos ela permitia que determinadas pessoas fossem enterradas
em locais afastados ou em terrenos de pessoas influentes. Mas isso não era frequente. Assim
ela não deixaria de lucrar com a morte dos fregueses. Mesmo com a elevação da freguesia à
condição de Vila de São Francisco de Paula em 1832 e de Cidade de Pelotas em 1835, o
monopólio da Irmandade do Santíssimo Sacramento permaneceu. O cenário muda após a
fundação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia em 1846 e a determinação de que ela
seria responsável por instalar a administrar um novo campo santo a partir de 1850.
Enquanto a Irmandade da Santa Casa não construiu a nova necrópole, os lucros com
enterramentos continuaram sendo absorvidos pela Irmandade do Santíssimo Sacramento. Após
muitas discussões e a associação da Santa Casa ter que demonstrar seu poder para que a nova
necrópole atendesse às suas expectativas e lhe trouxesse lucros, o Cemitério da Santa Casa de
Misericórdia foi instalado em 1855 na cidade de Pelotas. O fato ocorreu após o surto de cólera
ter atingido a cidade e os enterramentos terem sido proibidos junto ao núcleo urbano. Com a
ereção do novo campo santo, as irmandades existentes ficaram subordinadas à da Santa Casa.
Além das que já existiam no período da freguesia, a de Nossa Senhora da Luz e de Santa
Bárbara também passaram a depender da cessão de terrenos para sepultarem seus irmãos no
novo campo santo. Desta forma, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas passou
a monopolizar as inumações na cidade na segunda metade do século XIX e usou a lei a seu
favor para impedir que outro cemitério fosse construído em Pelotas. Assim, as Irmandades do
Santíssimo Sacramento e da Santa Casa de Misericórdia ditaram as regras sobre as necrópoles
e as inumações na Pelotas oitocentista.
Referências
1. Bibliografias
AZZI, Riolando. O movimento brasileiro da Reforma Católica durante o século XIX.
Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 34, p.646-662, set. 1974. Semestral.
BETEMPS, Leandro Ramos; JACCOTTET, Alda Maria de Moraes. Povoadores de Pelotas-
RS: Freguesia de São Francisco de Paula (1812-1825). Pelotas: Santa Cruz, 2009.
GUTIERREZ, Ester Judite Bendjouya. Barro e sangue: mão-de-obra, arquitetura e urbanismo
em Pelotas (1777-1888). Pelotas: Ed. UFPel, 2004.
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE PELOTAS E BIBLIOTECA PÚBLICA
PELOTENSE (Org.). Atas da Câmara Municipal de Pelotas (1846-1852). Pelotas: Pallotti,
2012.
MAGALHÃES, Mário Osório. Opulência e cultura na Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas (1860-1890). Pelotas: Ed. UFPel,
1993.
NASCIMENTO, Heloísa Assumpção. Santa Casa de Misericórdia de Pelotas: Histórico
Comemorativo aos 140 anos. Pelotas: Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, 1987.
ROCHA, Maria Aparecida Borges de Barros. Transformações nas práticas de enterramento:
Cuiabá 1850-1889. Cuiabá: Central do Texto, 2005.
TAVARES, Mauro Dillmann. Irmandades religiosas, devoção e ultramontanismo em Porto
Alegre no Bispado de Dom Sebastião Dias Laranjeira (1861-1888). Dissertação (Mestrado
em História), Faculdade de História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo,
2007.
TOMASCHEWSKI, Cláudia. Caridade e filantropia na distribuição da assistência: a
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas-RS (1847-1922). Dissertação (Mestrado
em História), Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia: Feitas e
ordenadas pelo ilustríssimo e reverendíssimo senhor D. Sebastião Monteiro da Vide. Brasília:
Senado Federal, Conselho Editorial, 2011.
2. Fontes Manuscritas
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Legislação Provincial e Estadual 1846-1922.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Manoel Alves de Moraes.
Fundo Comarca de Rio Grande PJ005, Estante 140A, Caixa 06.392. 1854.
Biblioteca Pública Pelotense. Centro de Documentação e Obras Valiosas. ACC-002 –
CUNHA, A. C. Cemitérios da Cidade de Pelotas: Santa Cruz, Recinto da Igreja, Detrás da
Igreja, N. S. da Luz, Rua do Passeio, Estrada do Fragata. s.d.
__________. Cidade de Pelotas. s.d.
Museu da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Atas da Mesa Administrativa do Cemitério
da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas (1855-1863).
3. Material Cartográfico
Biblioteca Pública Pelotense. Centro de Documentação e Obras Valiosas. Livro de registros
de prédios e terrenos do município de Pelotas. Planta de 1815.
Prefeitura Municipal de Pelotas. Secretaria Municipal de Gestão da Cidade e Mobilidade
Urbana. Mapa Urbano Básico da Cidade de Pelotas. 2017.
__________. Planta da cidade de Pelotas de 1835.
top related