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Eixo Monumental – Praça do BuritiLote 2, Edifício-Sede

Brasília - DF Cep: 70.091-900Telefones: (61) 3343-9604

3343-9601/3343-9690Fax.: (61) 3343-8251

Internet: www.mpdft.gov.br

PPrrooccuurraaddoorr--GGeerraall ddee JJuussttiiççaaLeonardo Azeredo Bandarra

VViiccee--PPrrooccuurraaddoorraa--GGeerraall ddee JJuussttiiççaaMaria Aparecida Donati Barbosa

CCoorrrreeggeeddoorr--GGeerraallVitor Fernandes Gonçalves

CChheeffee ddee GGaabbiinneetteeKarel Ozon Monfort Couri Raad

DDiirreettoorr--GGeerraallMoisés Antônio de Freitas

CCoooorrddeennaaççããoo ddoo PPrroojjeettooAssessoria de Comunicação do MPDFT

Fernanda Lambach

PPrroodduuççããoo EEddiittoorriiaallVia Brasília

RReevviissããooAdriana Custódio

FFoottooggrraaffiiaassJosé Evaldo Gomes Vilela

Gabriela Borelli

IIlluussttrraaççõõeessAlex Amorim (Via Brasília)

JJoorrnnaalliissttaa RReessppoonnssáávveellGuido Heleno

Registro Profissional - JP/DF 3.450Tiragem: 4.000 exemplares

IImmpprreessssããoo Ellite Gráfica e Editora LTDA

M P D F T e m r e v i s t a2

PPuubblliiccaaççããoo ddoo MMiinniissttéérriioo PPúúbblliiccoo ddoo DDiissttrriittoo FFeeddeerraall ee TTeerrrriittóórriiooss

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M i n i s t é r i o P ú b l i c o d o D F e T e r r i t ó r i o s 3

EEddiittoorriiaall

MMaarriiaa AAppaarreecciiddaa DDoonnaattii BBaarrbboossaaVice-Procuradora-Geral de Justiça do DF e Territórios

sta é uma revista dedicada à mulher. Mais do que isso. É uma revista que mostracomo o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) tem atua-do na garantia dos direitos das mulheres. A Instituição criou a Promotoriade Defesa dos Direitos da Mulher, pioneira no país. A iniciativa mostrouque o MP buscava dar atenção especial às questões de gênero, abrindonovo caminho para a aproximação com a sociedade. Em dezembro de2005, foi criado o Núcleo de Gênero Pró-Mulher, que selou o compro-

misso do MPDFT de não apenas atuar depois da ocorrência de um crime, mas na pre-venção e na conscientização da população. Vale ressaltar que o órgão cuida de todotipo de discriminação contra a mulher e não apenas da violência doméstica.

Além de promover e acompanhar medidas judiciais, extrajudiciais ou adminis-trativas de prevenção e repressão às violações dos direitos da mulher, bemcomo receber e dar encaminhamento a representações e notícias criminaisrefe-rentes à violência contra a mulher, o núcleo também promove cam-panhas educativas de grande importância. Seminários e cursos têm sidoorganizados para que os próprios Membros do MPDFT debatam e ampliemos co-nhecimentos sobre as questões de gênero.

Em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos do MPDFT e com oProcurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o Núcleo deGênero Pró-Mulher atua nas ações e intervenções referentes à promoção egarantia dos Direitos Humanos. Hoje, nosso compromisso institucional é o deinvestir no preparo de Membros e Servidores no trato das questões de gênero,bem como na criação de redes que unam nossas Promotorias a organizaçõesda sociedade, preparadas para dar apoio multidisciplinar às mulheres.

Daí a idéia da elaboração desta revista em homenagem à mulher. Longe de abraçar todo ouniverso das questões de gênero, nossa equipe buscou alguns recortes. Assim, o debate queenvolve a aplicação da Lei Maria da Penha aparece com destaque na reportagem de capa,acompanhado por artigo do Promotor Fausto Rodrigues de Lima. Em seguida, reportagemtrata da situação preocupante das mães presas, que acabam totalmente afastadas doconvívio com os filhos.

A revista também traz notícias sobre o combate ao tráfico de pessoas,histórias de usuárias do sistema de saúde e de uma terapeuta que ajudamulheres durante as gestações de alto risco. A formação de promotoraslegais populares fecha a edição, com o trabalho vibrante daquelas que,com o apoio do MP, aprendem sobre seus direitos para depois multi-plicar os conhecimentos na comunidade em que vivem.

UUmmaa óóttiimmaa lleeiittuurraa!!

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Gelaine tinha 13 anos quando seapaixonou pelo primo 17 anos maisvelho. Os dois foram viver juntos logoque ela engravidou do primeiro filho.Cerca de um ano depois começaram asdiscussões, as brigas, a violência. Eletinha ciúmes da mulher muito maisjovem e muito bonita. Não permitia quetrabalhasse, que tivesse muitos amigos,não gostava que saísse de casa nem querecebesse visitas. Viveram juntos por mais10 anos e tiveram três filhos. Na noite de25 de maio de 2004, entretanto, aos 23anos, Gelaine foi espancada pela últimavez. Acusado da morte da mulher, o ex-companheiro está respondendo a pro-cesso por homicídio simples no Tribunaldo Júri de Samambaia.

Quem conta a história de Gelaine éa mãe, Izanita Maria Gomes. A dor desaber que a filha morreu estranguladapelo pai dos netos não diminuiu com opassar dos anos, e só é controlada pormeio de calmantes. Durante váriosanos, Izanita morou no mesmo loteque o casal. Perto o suficiente paraouvir os gritos da filha quando o mari-do batia nela, o que acontecia quasetodos os dias.

Numa das vezes, ela chegou à casa dafilha a tempo de ver o marido espancá-lacom uma barra de ferro. "Ela ia à Polícia,eu ficava esperando acontecer algumacoisa, mas não via resultado nenhum. Sódepois fiquei sabendo que minha filharetirava as queixas, acho que por causadas ameaças dele", diz Izanita.

No Brasil, milhares de mulheres pas-sam pelo mesmo drama de Gelaine e,assim como ela, podem acabar morren-do. A Lei n° 11.340/06, conhecida comoLei Maria da Penha, é de grande impor-tância neste cenário e, se aplicada, pode-rá salvar muitas vidas. Sancionada no dia7 de agosto de 2006, a norma determinaque o crime de lesão corporal qualificadopela violência doméstica é de represen-tação penal incondicionada. Isso significaque a vítima não precisa solicitar nemautorizar a instauração do processo cri-minal, que pode, e deve, ser iniciado peloPromotor de Justiça mesmo a partir deum simples boletim de ocorrência.

TTrraaddiiççããoo ddee iimmppuunniiddaaddee

A mentalidade patriarcal ainda pre-sente em nossa sociedade, no entanto,faz com que existam resistências à apli-cação da lei. É o que conta o Promotorde Justiça Fausto Rodrigues de Lima,titular da 2ª Promotoria Especial Crimi-nal de Samambaia. "Durante a maiorparte do século 20, a Polícia e a Justiçanão atuaram nessas causas devido auma tradição jurídica que reconheciaao homem o `direito´ de corrigir e cas-tigar as mulheres."

De acordo com o Promotor, um dis-positivo das Ordenações Filipinas, coletâ-nea de normas que vigorou no Brasil de1603 até a Proclamação da República,conferia aos homens o direito de castigarseus criados, escravos, filhos e mulheres,desde que o castigo fosse aplicado de

AA aapplliiccaaççããoo ddaa LLeeii MMaarriiaa ddaa PPeennhhaa aajjuuddaa aa ccoonnttrroollaarr vviioollêênncciiaa ddoommééssttiiccaa ee ggaarraannttee aa ppuunniiççããoo ddooss rrééuuss

PPoorr FFlláávviiaa GGoonnççaallvveess

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forma moderada. Mesmo quando dei-xou de ser expresso em lei, esse "direito"continuou vigorando de forma tácita.

O Código Civil de 1916 estipulavaque a mulher está subordinada ao ho-mem em seu relacionamento conjugale familiar. "Como a própria lei afirma-va a subordinação feminina, continu-ou-se a interpretar que o homempodia espancar suas mulheres. Criou-se a doutrina da `harmonia´ familiarpara legalizar o espancamento domés-tico", declara Fausto. Segundo ele,também é tradição considerar amulher como a culpada da violência."Ela é vista como um ser emocional,que explode, que causa problemasconjugais. O homem, coitado, nãoagüenta, precisa agir para restaurar oequilíbrio na sua residência", ironiza.

O Promotor de Justiça explica queessa tradição só foi definitivamentealterada pela Constituição Federal de1988, a Constituição Cidadã, queacabou com a hierarquia familiar eestabeleceu a igualdade absoluta en-tre homens e mulheres. A partir dela,a Justiça brasileira começou a proces-sar, obrigatoriamente, e até a con-denar alguns maridos agressores,mesmo quando o casal já tinha sereconciliado durante o processo. "Masa Lei dos Juizados Especiais, de 1995,foi um retrocesso no enfrentamento àviolência doméstica porque a incluiuno rol dos crimes de pequeno poten-cial ofensivo."

A intenção por trás de tal lei erareduzir ao máximo a necessidade deprocessos judiciais nos crimes menores.Discussões entre vizinhos e brigas detrânsito, por exemplo, passaram a serresolvidas com mais rapidez, por meiode conciliação ou acordo indenizatórioentre as partes. Aplicado à violência

doméstica, no entanto, esse modeloresultou na volta da impunidade. Ocrime de lesão corporal passou a depen-der de representação da vítima e, naprática, as vítimas eram induzidas a reti-rar a queixa, a não representar ou arenunciar à representação. "Ao longodesses 12 anos dos Juizados EspeciaisCriminais, não houve investigação nemprocesso em mais de 95% das causas

dessa natureza", critica Fausto.

"Aqui em Samambaia, é importanteque se enfatize, estamos conseguindocondenar muitos réus. Os homens queusam de violência contra a mulher nãoestão saindo impunes", declara aPromotora de Justiça Aurea Regina deQueiroz Ramim. Ela e a colega Ronny

5

DDuurraannttee aa mmaaiioorr

ppaarrttee ddoo ssééccuulloo 2200,, aa

PPoollíícciiaa ee aa JJuussttiiççaa nnããoo

aattuuaarraamm nneessssaass

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ttrraaddiiççããoo jjuurrííddiiccaa qquuee

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ddee ccoorrrriiggiirr ee ccaassttiiggaarr

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Alves de Jesus atuam no Tribunal doJúri e já estudaram processos quemostraram a dura realidade que vivemmuitas mulheres brasileiras. Para elas,o que chama a atenção é o aprendiza-do da violência. A cada surra ohomem vai aprimorando mais e maisos golpes, crescendo em agressivi-dade, até que acaba matando.

BBaannaalliizzaaççããoo ddaa vviioollêênncciiaa

O Promotor-Chefe da Ceilândia etitular da 1ª Promotoria EspecialCriminal da cidade, Thiago AndréPierobom de Ávila, observou umaumento expressivo no número deprocessos desde que a Lei Maria daPenha entrou em vigor. "Antes, oenfoque era mesmo na conciliação. Issolevava ao arquivamento dos casos edeixava a vítima sem uma resposta satis-fatória." Ele acredita, no entanto, que aprisão tem que ser reservada para situa-

ções excepcionais: "Não pode ser aregra, até porque o sistema penal estáfalido, e não tem se mostrado umasolução eficaz para outros crimes".

Thiago acredita que a violência estábanalizada em Ceilândia. "Ela vem detoda parte – dos pais, da escola, da polí-cia, de toda a sociedade – a ponto de aspessoas passarem a vê-la como um fatonormal. A postura de prender em todosos casos gera violência por parte dopróprio Poder Público." O Promotoracredita que se o Estado intervir, logonas primeiras agressões, para quebrar ociclo da violência, o efeito será adiminuição do número de casos maisgraves e dos homicídios. "A violênciadoméstica acontece em um contextopassional. E como se pode prevenir umcrime passional? Só mudando a cabeçadas pessoas", afirma. "Em muitos casos,o que a mulher deseja não é a punição,mas a resolução do problema."

Acompanhamento multidisciplinar

Uma forma de tentar mudar a men-talidade de agressores e vítimas é oacompanhamento multidisciplinar, pre-visto na Lei Maria da Penha. A SecretariaPsicossocial Judiciária do Tribunal deJustiça do DF e Territórios oferece esseserviço a vítimas de violência domésticae aos agressores desde maio de 2000.

A psicóloga Marília Lobão Ribeiro deMoura, coordenadora do projeto, tam-bém acredita que a prisão não previnenem evita a violência. "Não é o medo deir para a cadeia que vai fazer o homemparar de bater na mulher. E mesmo queele sofra algum tipo de punição, issonão impede que a violência se repitaem outros momentos ou com outrascompanheiras."

Para Marília, a violência faz parte dacultura familiar e de um sistema de valo-

res que permeia toda a nossa sociedade."Os homens aprendem desde cedo queprecisam ser obedecidos, precisam estarno controle da relação. E muitas vezesas mulheres também estão inseridas emuma cultura em que ser dominada fazparte de sua identidade de gênero."

Durante o acompanhamento, depoisde três sessões iniciais com psicólogos, ocasal participa de seis encontros terapêu-ticos em grupos mistos. Os integrantesdo casal freqüentam grupos diferentes:"Nós observamos que dessa forma aspessoas se desarmam. Tanto homenscomo mulheres ouvem com mais aten-ção as queixas de estranhos, mesmoquando são as mesmas de seus par-ceiros", diz Marília. Nos grupos, dis-cutem-se questões de gênero e o quecada um pode fazer para evitar os confli-tos. Além disso, os profissionais da

TThhiiaaggoo AAnnddrréé PPiieerroobboomm ddee ÁÁvviillaaPromotor-Chefe da Ceilândia

CCaappaa

IIzzaanniittaa:: aa ddoorr ddaa ppeerrddaa ddaa ffiillhhaa,,mmoorrttaa ppeelloo mmaarriiddoo,, nnããoo ppaassssaarráá

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equipe deixam claro para os agressoresque transgredir a lei tem conseqüências,e por isso é necessário encontrar saídasnão violentas.

CCeegguueeiirraa ccoolleettiivvaa

Para o Promotor de Justiça FaustoRodrigues, o acompanhamento psicos-social é imprescindível, mas não é sufi-ciente. Os estudos acadêmicos maisrecentes mostram que a violênciadoméstica deve ser combatida por meiode três tipos de medidas: protetivas(prisão em flagrante ou preventiva, afas-tamento do lar, proibição de contato),terapêuticas (orientação multidisciplinarpara agressores e vítimas) e punitivas(prisão). Uma medida não exclui a outra,todas devem ser aplicadas em conjunto.

"O que mais me horroriza não étanto a violência em si, mas a tolerânciada sociedade. Mulheres arrebentadas,deformadas, queimadas, com ossos edentes quebrados, chegam à Polícia e à

Justiça, e os profissionais, os operadoresdo Direito, vêem aquilo como um pro-blema dela e do marido. Pareceres edecisões judiciais empregam eufemis-mos como `dissidências domésticas´,ou `problemas conjugais´ para descre-ver fatos que são, na realidade, vio-lações aos Direitos Humanos."

M i n i s t é r i o P ú b l i c o d o D F e T e r r i t ó r i o s 7

CCaappaa

GGeellaaiinnee mmoorrrreeuu ddeezz aannooss ddeeppooiiss ddee tteerrssee aappaaiixxoonnaaddoo.. DDeeiixxoouu ttrrêêss ffiillhhooss

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DDiiccaass ddee LLeeiittuurraa

QQuueemm éé MMaarriiaa ddaa PPeennhhaa??

A biofarmacêutica cearense Ma-ria da Penha Maia Fernandes sobre-viveu a duas tentativas de homicídiocometidas pelo marido. Na primeiradelas ele disparou um tiro que adeixou paraplégica. Na segunda,tentou eletrocutá-la e afogá-la. Osfatos aconteceram em 1983, maspor causa dos sucessivos recursos daapelação, até 2001, o agressor aindanão havia sido preso.

Nesse ano, a Comissão Interame-ricana de Direitos Humanos respon-sabilizou o Estado brasileiro pornegligência. O ex-marido de Mariada Penha foi preso em 2003 e soltodois anos depois. Depois de recu-perada das tentativas de homicídio,Maria da Penha juntou-se a movi-mentos sociais e compartilhou suaexperiência com o livro Sobrevivi...posso contar.

HHiissttóórriiaass ddaass MMuullhheerreess nnoo BBrraassiill

AAuuttoorreess:: Ronald Raminelli, EmanuelAraújo, Mary Del Priore, Ronaldo Vainfas,Luciano Figueiredo, Renato PintoVenâncio, Maria Ângela D'incao, MiridanKnox Falci, Joana Maria Pedro, entreoutros autores renomados.EEddiittoorraa:: ContextoAAnnoo:: 1997

MMaarrccaaddaass aa FFeerrrroo Violência Contra a MulherUma visão multidisciplinar

OOrrggaanniizzaaddoorraass:: MárciaCastillo - Martín e Suely deOliveira EEddiittoorraa:: Governo Federal -Secretaria Especial dePolíticas para as Mulheres AAnnoo:: 2005

AA mmuullhheerr bbrraassiilleeiirraa nnooss eessppaaççooss ppúúbblliiccoo ee pprriivvaaddoo

OOrrggaanniizzaaddoorreess:: GustavoVenturi, Marisol Recamán,Suely de Oliveira

EEddiittoorraa:: Fundação PerseuAbramo

AAnnoo:: 2004

DDiirreeiittooss SSeexxuuaaiiss -- CCaaddeerrnnooss TThheemmiiss Gênero e Direito

AAuuttoorreess:: Flávia Piovesan, JoanaDomingues, Lênio Luiz Streck, MarthaNussbaum, Roger Raupp Rios, RosaMaria Rodrigues de Oliveira, Rúbia Absda Cruz EEddiittoorraa:: Governo Federal -Ministério da Justiça AAnnoo:: 2002

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Geralmente as fábulas se referem areinos distantes e épocas remotas.Esta foge à regra: Um homem, bomsúdito e cumpridor de seus deveres,possuía dois animais: um cavalo euma mulher. Ambos eram a alegriade sua vida e razão de sua existência.O de quatro patas, porque o ajudavana lida diária; o de duas, porque,além de lhe ajudar, também fazia boacomida, cuidava de seus descen-dentes e lhe fornecia calor e prazernas noites mal dormidas.

Um belo dia, o bom homem se irri-tou com seu cavalo. O eqüino estavaarredio e cheio de vontades. O bomhomem, então, pegou um facão epassou a dar golpes no animal, pararealçar sua autoridade. Indignada comaquela covardia, a mulher intercedeuem favor do cavalo. Surpreso com aafronta feminina, o homem passou adesferir golpes de facão também con-tra sua mulher. Era uma "facãozada" láoutra cá, em homenagem aos princí-pios democráticos.

Ambos, mulher e cavalo, ficarambastante machucados, mas sobrevive-ram. O cavalo foi atendido por umVeterinário e a mulher por um Médico –naquela época já havia a especializaçãoclínica por tipo de animal.

No outro dia, a paz voltou a reinarna casa do bom homem. Cavalo emulher voltaram a cumprir seus deveres.Dava gosto ver aquela harmonia resta-belecida. Era a reconciliação do homemcom a natureza.

FFaauussttoo RRooddrriigguueess ddee LLiimmaaPromotor de Justiça

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Apesar disso, o caso foi levado aojuiz da Aldeia. A Justiça do Rei não seintrometia nas causas privadas, mas aLei exigia que o exercício do direito decorreção não deixasse marcas físicas.

A defesa do bom homem apeloupara a tradição. Alegou não ser possívelmanter a ordem no Reino sem o esta-belecimento da paz no seio da família, eque a autoridade do chefe familiar nãopoderia ser questionada. Desdobrou-seem demonstrar o quanto a mulher e ocavalo, após a surra, ficaram tranqüilose respeitosos. Argumentou que a Justiçanão teria tempo para atuar em todas ascausas referidas. Pediu desculpas por terdeixado marcas, mas prometia evitá-lasda próxima vez.

O Magistrado ficou muito comovidocom a paz reinante no lar do acusado.Porém, não podia deixar de aplicar a Lei,que é bem clara: "batam, mas não dei-xem marcas!". Tanto o veterinário quan-to o médico atestaram as lesões.

A contragosto, portanto, foi o bomhomem condenado a quatro meses deprisão por cada um dos crimes, tota-lizando oito meses. A Lei exigia que apena pelas marcas deixadas na mulherfosse maior, em razão das relações ínti-mas e domésticas. O Juiz explicou,porém, que, por princípio de igualdade,não poderia diferenciar os iguais. E acomunidade elogiou sua sapiência.

E, como a Lei do Reino não permitiaa prisão para fatos tão insignificantes,deveria o bom homem cumprir apenasalgumas horas de serviço à comunidade.

Não se conformou, porém, o conde-nado. Até poderia cumprir a pena pelaagressão ao cavalo, mas pela correção àmulher, já era demais!

É que, segundo constou em seurecurso encaminhado aos JuízesSupremos do Reino, era de se presumirque a mulher o havia perdoado. Nãopoderia dizer o mesmo do cavalo,porque ele não fala e nem pensa, mas amulher, essa não queria levar o caso

adiante. Tanto que ela sequer compare-ceu na Justiça ou se submeteu a examede lesões perante o Perito Oficial do Rei.

No Palácio Real, os Juízes Superioresanalisaram meticulosamente o recursodo bom homem.

Reconheceram que a mulher, apesarde ter denunciado o caso ao Xerife local,não expressou sua vontade junto àJustiça. Interpretaram que, ao não com-parecer, deveriam presumir que elaaceitou a surra, reconciliando-se com oacusado. Talvez tenha até aprendido alição. Levaram em consideração quefatos tão insignificantes eram comuns enormais nos lares daquele Reino e queseu processamento ofenderia a própriamajestade da Justiça, que tem mais oque fazer. Tais fatos não mereciam sequeruma investigação, que dirá um processointeiro. Se houvesse processo, deveria oagressor ser absolvido a todo custo, inde-pendentemente da culpa ou gravidadedos fatos. Esta última interpretação foi

uma sábia criação dos Supremos, con-trariando a própria Lei do Rei.

É de se elogiar a coerência dosSuperiores. A Justiça daquele Reinojamais prendeu ou condenou umhomem por corrigir sua mulher. Portradição milenar, todas as denúnciasfeitas pelas vítimas eram arquivadas semqualquer atuação. Não seria justo con-trariar essa tendência para condenarlogo um bom homem, cumpridor deseus deveres. Afinal, o homem resta-beleceu a paz e a harmonia familiar, queé o que importa.

Quanto às marcas deixadas namulher, julgaram os Supremos que oLaudo do Médico não poderia seraceito. Somente o Perito do Rei poderiaatestar as lesões.

Com relação às agressões ao cava-lo, porém, foram julgadas intoleráveis!Nenhum argumento poderia justificartamanha injustiça contra um animal! E

FFáábbuullaa mmooddeerrnnaa

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o Laudo do Veterinário foi suficientepara ratificar a condenação.

Conclusão: a condenação do bomhomem foi mantida com relação àsmarcas do cavalo, porém ele foiabsolvido por ter marcado a mulher.Não explicaram os Supremos porque apalavra do Veterinário, que jamais foiratificada pelo Perito do Rei, foi julga-da válida, ao contrário da palavra doMédico.

MMoorraall:: SSee oo ccaavvaalloo oo iirrrriittaarr,, bbaattaa nnaa mmuullhheerr!!

Essa fábula não é invenção. Osfatos são verídicos, ocorridos naComarca de Garibaldi (RS). O recursodo condenado foi julgado pela TurmaRecursal dos Juizados Criminais dePorto Alegre no dia 18 de dezembrode 2006 (Processo n° 71000911602),com o resultado acima relatado.

Em pleno Século 21, o "direito mari-tal de correção das mulheres" ainda élargamente reconhecido. A considera-

ção de que a violência doméstica éinsignificante e de menor potencialofensivo, constitui-se em imunidadetotal aos agressores e um incentivo per-verso e covarde à violência.

Os animais denominados irracionais,porém, têm mais garantias, porque seusagressores fatalmente são investigados,processados e punidos, desde quedescobertos. As vítimas de violênciadoméstica, geralmente mulheres, cri-anças, deficientes e idosos, não têm amesma sorte. Mesmo quando denunci-am a agressão, assistem impotentes aoarquivamento liminar de sua indignação.

Com efeito, mais de 90% de todas asocorrências registradas no país sãoencerradas rapidamente sob pretexto demanutenção da "paz" e "harmonia" nolar. As vítimas são incentivadas a "desis-tir da ação" a todo custo. Quando nãodesistem, a Justiça, com o beneplácitodo Ministério Público, trata de "pre-sumir" que o melhor é encerrar o caso. Écomo se a impunidade fosse um "favor"concedido às vítimas. E a Justiça fica

premiada com a redução drástica deprocessos, podendo cuidar de assuntosque considera "mais importantes". Talsituação é realidade não só no RioGrande do Sul, mas em todo o país,inclusive no Distrito Federal.

É curioso como a lenta evolução doreconhecimento dos direitos dos animais(denominados irracionais) é ainda maisinfluente que a dos direitos das mulheres.

A Lei nº 11.340/06, denominadaMaria da Penha – instituída para prevenir,punir e erradicar a violência doméstica –,veio para tentar mudar o quadro.Determinou a investigação, o processa-mento e a punição dos agressores, osquais podem ser denunciados por qual-quer pessoa, não apenas pelas vítimas, edevem ser presos em flagrante. Nãopodem as vítimas "retirar a queixa" noscrimes de lesão corporal, ficando elasliberadas da humilhação de "implorar"atuação estatal, que passou a ser obri-gatória e de interesse público. Não estãomais sujeitas, portanto, às represálias eintimidações para "aliviar" a acusação, tãocomuns após o registro de uma ocorrên-cia policial, diminuindo, assim, sua vul-nerabilidade perante os familiares.

A nova Lei busca "tranqüilizar" osagressores, os quais sabem que aatuação repressiva não é mais vontadedas vítimas, mas dever do Estado.Assim, o controle físico ou emocionaldas vítimas não será mais garantia desua impunidade. Previu a Lei, ainda,atuação multidisciplinar, mediante acondenação dos agressores a partici-parem de "programas de recuperaçãoe reeducação".

A resistência à nova Lei ainda égrande e obstinada. Mas acreditamosque, num futuro bem próximo, talvezainda na próxima geração, o reconhe-cimento dos Direitos Humanos maiselementares não encontrem dificul-dades insuperáveis nas discriminaçõese preconceitos tradicionais. E que nãoprecisemos, outra vez mais, invocar aLei Protetora dos Animais para defen-der o ser humano.

FFáábbuullaa mmooddeerrnnaa

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11M i n i s t é r i o P ú b l i c o d o D F e T e r r i t ó r i o s

O Núcleo de Gênero Pró-Mulher, cri-ado em dezembro de 2005, tem hoje àsua frente a Promotora de Justiça LaísCerqueira Silva, 33 anos, que foiDelegada de Polícia na DelegaciaEspecial de Atendimento à Mulher noDistrito Federal entre 1999 e 2000. Eladefende a idéia de que o MinistérioPúblico deve se dedicar com mais aten-ção à prevenção e não apenas atuarquando o mal foi feito. "Nosso papel vaimuito além de trabalhar somente depoisque o crime foi cometido", declara,insistindo na importância de promover aconscientização da população.

De acordo com Laís, todas asPromotorias que tratam do tema deveri-am formar redes multidisciplinares cominstituições que estão preparadas paraapoiar a mulher nas diferentes necessi-dades: pastorais, organizações não-governamentais, igrejas, centros espíri-tas, Alcoólicos Anônimos – AA, centrosde saúde.

Embora muito dedicado à imple-mentação e fiscalização da aplicaçãoda Lei Maria da Penha nos casos de vio-lência doméstica, o núcleo atua emmuitos outros casos. No final do anopassado, por exemplo, um edital paraconcurso da Polícia Militar estabeleciaapenas 10% das vagas para as mulhe-res tanto na área fim quanto na áreameio. "É o que a lei determina. Enten-demos, no entanto, que para a áreameio esse critério não se justifica.Ajuizamos (o núcleo e a ProcuradoriaDistrital dos Direitos do Cidadão) umaação civil pública e obtivemos umaliminar garantindo a livre participação

das mulheres na disputa por cargos naárea de saúde", conta a Promotora.

Ela também intervém quando insti-tuições públicas não respeitam, muitasvezes por desconhecimento, o repousoremunerado de 30 dias para mulheresque abortaram. E atua com firmezaquando a lei que garante um acom-panhante na hora do parto não érespeitada pela rede pública de saúde."É uma total discriminação. A gestanteque pode pagar um hospital particulargarante a presença do pai do bebê nummomento que é tão importante para afamília. A outra, que não tem condiçõesfinanceiras, fica sozinha."

Em outro momento, o Núcleo deGênero Pró-Mulher conseguiu resolver oproblema de uma mãe que, apesar demuito jovem, tem nove filhos e querfazer uma laqueadura. Apesar da exten-sa prole, os médicos se negavam arealizar o procedimento por causa dapouca idade. "Também já recebemosmuitas reclamações sobre abusos co-

metidos por médicos", conta a Promo-tora. E muda a voz para um tom triste,ao relatar como algumas pessoas aprocuram arrasadas, queixando-se deestarem apanhando dos próprios filhos.

Além disso, a presença do Núcleono Projeto PLP é um momento degrande divulgação do trabalho do MP.Sempre atendo aqui pessoas que foramorientadas pelas promotoras legais po-pulares a nos procurarem.

Laís organizou, em 2006, semináriosobre a aplicação da Lei Maria da Penha,assim que a nova legislação entrou emvigor. Outro evento, coordenado pelaAssessoria de Políticas, proporcionoudebates aprofundados no MPDFT emuitos pontos de concordância entre osMembros foram votados.

Este ano, o núcleo também elabo-rou seminário comemorando um anode vigência da nova lei, para que Pro-motores e Procuradores ampliassem oconhecimento sobre gênero.

RReettrraattoo

NNúúcclleeoo aattuuaa nnaa ggaarraannttiiaa ddooss ddiirreeiittooss ddaa mmuullhheerr ee nnaa ccoonnsscciieennttiizzaaççããoo ddaa ssoocciieeddaaddee

DDaa eeqquuiippee ddaa RReevviissttaa

LLaaííss CCeerrqquueeiirraa Promotora de Justiça

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Bravagente

HHiissttóórriiaa ddee RRiittaa

Rita tem 38 anos. Os pés estãoinchados, marcados pelo courodas sandálias que fincaram sulcosprofundos na carne. A pele estáseca e rachada por causa do calore da poeira. A roupa amarrotada esuja denuncia que não estavapreparada para uma viagem tãodemorada. Nada de malas. Nadade dinheiro. Ela veio por necessi-dade. Veio porque não teve cora-gem de deixar o marido, de 43anos, sozinho. Ele está com "umagaiola" presa à perna, no 5º andardo Hospital de Base de Brasília. Agaiola é um fixador ortopédico.Um instrumento metálico, pesado,que serve para manter os pinosrecém presos a um membro fratu-rado. O homem tem 23 pinos demetal na coxa esquerda. Foi vítimade um atropelamento na Bahia. O

Ao lado dos companheiros, com os filhos, ou na vida profissional, as mulheres têm uma força insuperável quan-do o assunto é saúde

RReennéé GGuussttaavvoo CCoouuttooEEssppeecciiaall ppaarraa aa RReevviissttaa

FFeerrnnaannddaa LLaammbbaacchhEEddiiççããoo

EEllaass nnããoo mmeeddeemm eessffoorrççooss ppaarraa ggaarraannttiirr ccoonnffoorrttoo eesseegguurraannççaa aaooss qquuee llhheess ssããoo ccaarrooss,, mmeessmmoo qquuaannddoo ssaaccrriiffiiccaamm oo pprróópprriioo bbeemm--eessttaarr.. ""AAss mmuullhheerreess ccoonnhheecceemmccoomm pprrooffuunnddiiddaaddee oo ddrraammaa ddaa ssaaúúddee ppúúbblliiccaa nnoo ppaaííss..SSããoo eellaass qquuee ttrraannssiittaamm ccoomm ooss ffiillhhooss ppeellooss hhoossppiittaaiiss eeppoossttooss ddee ssaaúúddee,, eemm bbuussccaa ddoo ttrraattaammeennttoo ee ddoo mmeeddiiccaa--mmeennttoo nneecceessssáárriiooss.. SSããoo eellaass qquuee,, nnoo mmaaiiss ddaass vveezzeess,,bbuussccaamm oo MMiinniissttéérriioo PPúúbblliiccoo ppaarraa ffaazzeerr vvaalleerr sseeuuss ddiirreeii--ttooss ssaanniittáárriiooss"",, ddeeccllaarraa oo PPrroommoottoorr ddee JJuussttiiççaa JJaaiirrooBBiissooll..

AA EEqquuiippee ddaa RReevviissttaa vviissiittoouu ppoorrttaass ddee hhoossppiittaaiiss ddooDDiissttrriittoo FFeeddeerraall ppaarraa ccoonnhheecceerr hhiissttóórriiaass ddee mmuullhheerreessqquuee ffaazzeemm jjuuss àà eexxpprreessssããoo:: ""bbrraavvaa ggeennttee bbrraassiilleeiirraa"".. OO rreessuullttaaddoo vvooccêê ccoonnffeerree aa sseegguuiirr..

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SSaaúúddee

casal, que não quer se identificar, veiopara Brasília porque alguém disse que otratamento na capital era bom.

Há uma semana esperando pelarecuperação do marido, a dona de casaevita falar demais. Está preocupadaporque, dos 23 pinos, três soltaram."Fomos obrigados a voltar ao hospitalpara fixá-los novamente." Desde sexta-feira, 20 de julho, ela dorme na rua, emfrente ao hospital. Mantém a força e afibra. Exemplo da brasileira teimosa,que não deixa as dificuldades a der-rubarem. Seu marido geme de dor. Elenão pode se mover e ficará internadopor tempo indeterminado. "Eu nãotenho coragem de deixá-lo aqui sozi-nho. Não importa quanto tempo dureesse sofrimento.", diz.

O hospital tem a obrigação de ofere-cer três refeições diárias aos acompa-nhantes menores de idade ou idosos.Não é o caso de Rita. Somente nasegunda-feira, 23, após uma avaliaçãoda nutricionista do Núcleo deAssistência Social, ela conseguiu aprimeira refeição. De acordo com oserviço de nutrição, cerca de 320refeições são servidas todos os dias aosacompanhantes das pessoas internadas.

AA ccaabbeelleeiirreeiirraa AAnnddrrééiiaa

A jovem mãe está sentada na portado hospital, amamentando a filhaenquanto espera que o marido venhabuscá-la. O sol está forte, são 12h30, ea criança está agitada por causa davirose que pegou. Andréia Gomes, 24anos, é cabeleireira. Montou um salãono Núcleo Bandeirante com as própriaseconomias. Tem dois filhos: Ana Luíza,de 11 meses, é a mais nova. Foi inter-nada em um hospital no Guará, masseu quadro não melhorou. "Os médicosderam alta assim mesmo", conta.

A mãe de Andréia cuidou dos netospor cinco meses, até que a filha pudesseequipar o salão e trabalhar para pagaruma babá. A moça foi contratada. Estavatudo indo bem quando, certo dia, desco-briu que a empregada saía e largava as

crianças sozinhas em casa. Agora, elacuida das crianças e está há duas sema-nas sem trabalhar. "Minhas contas estãono vermelho. Não consigo pagar as dívi-das que adquiri para abrir o salão."Andréia espera que a saúde da filhamelhore para que ela contrate outrababá e possa voltar à vida de microem-presária e tocar pra frente o salão.

FFaabbrríícciiaa ee aa aarrttee ddee WWaallkkíírriiaa

A professora de português FabríciaGontijo ensina crianças do 6º ao 9º anoem Alvorada do Norte (GO). Ela veio àBrasília para ter um acompanhamentoespecializado na sua gravidez. Está noterceiro mês de gravidez e tem dia-betes, doença crônica que precisa sercontrolada. Se todos os cuidados nãoforem tomados, além do risco de abor-to, o bebê pode nascer com malfor-mações ou macrossomia (crescimentoexagerado devido à quantidade deinsulina que passa para o feto). Fabríciaé jovem, tem 22 anos. A gravidez, porsi só, causa uma certa fragilidade namulher. Com o agravante da diabetes, aprofessora está muito preocupada. Asorte, no entanto, é que Fabrícia temonde extravasar o estresse.

A futura mamãe faz terapia ocupa-cional direcionada para gestantes dealto risco em um hospital da rede públi-ca do DF. E quem "pilota" as sessões éoutra mulher: Walkíria Monteiro, artista

plástica e mãe de um casal de jovens.Ou seja, alguém que conhece muitobem a fragilidade emocional durante agestação e cuida das pacientes comtoda a atenção. Coordena as atividadesde arteterapia há nove anos.

Walkíria fez um curso com a artete-rapeuta Susan Bello na Universidade deBrasília e conheceu os caminhos daeducação emocional. Ela defende a tesede que a doença é, também, uma idéiaque está vinculada ao emocional decada um: "Quando você trabalha oemocional dos doentes, eles se sentemmais fortes e confiantes para enfrentara doença", diz. Utilizando técnicas derelaxamento corporal, ioga e pintura, asgestantes descarregam as angústias etemores relacionados à gestação. Wal-kíria lembra que, na maioria das pin-turas, são utilizadas cores fortes quedenotam angústia, depressão.

OO EEssttaaddoo

Para a Promotora de Justiça CátiaGisele Vergara, o Estado precisa ser maisefetivo quando trata da saúde. "É pre-ciso que o Estado efetivamente se trans-forme em instrumento para proverserviços e gerar ações de saúde pública;só assim a dignidade humana não seráapenas um conceito meramente retóri-co escrito na Constituição, mas, de fato,uma realidade experimentada peloscidadãos e cidadãs."

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PPoorr MMôônniiccaa SSiillvvaa

NNaa ccaaddeeiiaa,, mmuullhheerreessppeerrddeemm oo ccoonnttaattoo

ccoomm ooss ffiillhhooss ee,,mmuuiittaass vveezzeess,, nnããoorreecceebbeemm qquuaallqquueerr

nnoottíícciiaa ddaass ccrriiaannççaass..GGrráávviiddaass tteemmeemm ppeelloo

ffuuttuurroo ddooss bbeebbêêss

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Ele tem 11 anos e vive em umorfanato na área rural de Santo Antôniodo Descoberto (GO), a 70 quilômetrosde Brasília. Não se lembra bem da últi-ma vez em que esteve com a família. Oregistro de entrada do menino naSociedade Educacional Casa de Meu Paiatesta: o menino está lá desde outubrode 2003. Fala pouco e sorri menosainda. Fugiu cinco vezes do orfanatopara encontrar os tios. "Já andou maisde dez quilômetros a pé, sem água oucomida, querendo ver a família", conta acoordenadora do abrigo, BereniceRodrigues Souza. A criança sentesaudades da irmã, de oito anos, e nãoconhece os irmãos mais novos: umamenina de dois anos e um menino dequatro meses. Mamãe está na cadeia.

No Presídio Feminino do DistritoFederal (PFDF), apelidado de Colméia, amãe sofre sem notícias dos três filhosmais velhos. "Sei que o Conselho Tutelarlevou o menino para o orfanato porquefoi deixado na rua", queixa-se, semesconder o ressentimento com a família.Isso aconteceu durante outra passagemda moça de 33 anos pelo presídio.Atualmente, cumpre pena por furto. Foicondenada a dois anos e três meses dereclusão por furtar produtos de higieneem um supermercado. Quando estavaem liberdade, entre as duas prisões, nãolevou o filho para casa: "Não tinhacondições de ficar com ele".

Ela também não sabe o que aconte-ceu com as duas meninas. "A mais velhaestava com minha irmã, em SantoAntônio do Descoberto. Eu escrevi umacarta, mas não tive resposta. A maisnova parece que está com o pai", conta,sem muita certeza. O caçula, alheio àconversa, descansa no colo da mãe. Elenasceu na Colméia e, quando completarseis meses, terá de ir embora. A mãeainda não sabe com quem o pequenoficará: "Estou tentando achar o pai dele.Se não conseguir, não sei."

A Lei Orgânica do Distrito Federal,em seu artigo 123, determina que osestabelecimentos prisionais femininos

atendam os filhos das mulheres presasaté os seis anos. A Diretora do PFDF,Lúcia Antônia de Moraes, explica que,atualmente, não é possível prolongar oconvívio de mães e filhos até essaidade: "Nossa estrutura não permiteacolher as crianças além dos seismeses", afirma. "Nossa rotina é rígida.Precisamos avaliar até que idade as cri-anças podem ficar aqui sem prejuízospara seu desenvolvimento. O presídionão é um lar", questiona. O Promotorde Justiça de Defesa da Infância e daJuventude Oto de Quadros concordacom a Diretora: "Considero um exageromanter as crianças numa prisão até osseis anos de idade".

Sobre a idade em que deve ocorrer aseparação, o Promotor cita o trabalhoda psiquiatra Maria da Graça Mota,Coordenadora do Ambulatório deInteração Pais-Bebês do Hospital deClínicas de Porto Alegre. O estudodemonstra que crianças separadas das

mães antes dos três anos tendem adesenvolver depressão e diversos pro-blemas clínicos, além de sofrer prejuízoscognitivos. Pensando nisso, aPromotoria recomendou à direção doPresídio que assegure a permanênciadas crianças, pelo menos, até os trêsanos de idade. Segundo a Diretora, estáprevista a construção de um novo pré-dio para o PFDF. "Teremos uma creche,em área separada, e celas para as par-turientes. Nestas condições poderemosatender à recomendação do MinistérioPúblico", explica.

EEssttaattuuttoo ddaa CCrriiaannççaa

Enquanto as mudanças não aconte-cem, as mães continuam se separandodos bebês antes do tempo. Foi o queaconteceu com outra presidiária, de 39anos, que cumpre a segunda conde-nação por tráfico de drogas. A filhamais nova tinha apenas um mês quan-do a mãe foi presa pela primeira vez, em

""MMeeuu ffiillhhoo vvaaii tteerr nnoommee ddee ssaannttooQQuueerroo oo nnoommee mmaaiiss bboonniittoo"" ((RReennaattoo RRuussssoo))

FFaammíílliiaa

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2001. Desde essa época a menina moracom uma tia. "Convivi pouco com ela,mas ela me chama de mãe. Diz que temduas mães e que ama as duas", conta.

Do filho mais velho, de 11 anos, nãotem notícias. "Sei que está com o pai,em Goiânia, mas não tenho endereçonem telefone." E há outras preocu-pações, além da distância. Segundo amãe, o pai já espancou a criança váriasvezes. "O Conselho Tutelar chegou alevar meu filho para um abrigo, masdepois ele voltou para a casa do pai",diz, contrariada.

Em breve, ela ganhará a companhiade uma menininha. Grávida de oitomeses, ela sabe que a filha passará pordificuldades. O pai da menina tambémestá preso e a família não tem condiçõesde receber mais uma criança. "Acho queela vai ficar com a madrinha. Se minhacomadre não puder, terá que ir para umabrigo", lamenta.

A pesquisadora Rosângela PeixotoSanta Rita, mestre em Política Socialpela Universidade de Brasília (UnB),acredita que casos como os citadosrefletem a falta de políticas públicaspara o encarceramento feminino. "Essanão é só uma questão penitenciária,mas de direitos da infância e da mulher."Para ela, o ideal é que a criança fiquecom a mãe, desde que haja estrutura eplanejamento. Mas alerta: "No Brasil,cerca de 60% das crianças que estãonos presídios vivem de forma inadequa-da. É preciso um olhar específico paraessas crianças, presas por tabela."

O Promotor Oto de Quadros reco-nhece a dificuldade de se estabelecerum equilíbrio entre o direito (e tambémdever) das mães de amamentar osbebês, o direito da criança de receber oleite e o cuidado maternos e o direito,expresso no Estatuto da Criança e doAdolescente, a um desenvolvimento"em condições de liberdade e de dig-nidade". "É preciso garantir tudo isso àscrianças e às mães. A questão a sedebater é: de que forma será feito?" Porora, não há respostas prontas.

–Você quer fazer um desenho parasua mãe?

EEllee bbaallaannççaa aa ccaabbeeççaa ccoonnccoorrddaannddoo,,sseemm ddiizzeerr nnaaddaa..

– O que você quer desenhar?

– Qualquer coisa, responde, semmuito entusiasmo.

– Quer desenhar sua família?

NNoovvoo ssiinnaall aaffiirrmmaattiivvoo,, ttaammbbéémm sseemm ppaallaavvrraass..

OO ggaarroottoo ppeeggaa ppaappeell ee llááppiiss ppaarraa ccoommeeççaarr oo ttrraabbaallhhoo.. EEllee eessppeerraa ccoommppaacciiêênncciiaa qquuee ooss ccoolleegguuiinnhhaass qquuee vviieerraamm ddeesseennhhaarr aa sseeuu llaaddoo llhhee ppaasssseemm oossllááppiiss ddee ccoorr.. AA pprriimmeeiirraa ffiigguurraa qquuee ssuurrggee éé aa ddee uummaa mmeenniinnaa.. ""ÉÉ mmiinnhhaa iirrmmãã"",,eellee eexxpplliiccaa.. LLooggoo ddeeppooiiss uumm mmeenniinnoo.. ""EEssssee ssoouu eeuu"".. SSuurrggeemm aa ggrraammaa vveerrddee,, aassnnuuvveennss,, oo aarrccoo--íírriiss,, oo ssooll..

– Falta alguém?

MMaaiiss uumm aacceennoo ddee ccaabbeeççaa,, ddeessssaa vveezz nneeggaattiivvoo..

Diálogo com o Menino

FFaammíílliiaa

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Nos dias 2, 3 e 4 de outubro, repre-sentantes do governo, da sociedadecivil, de organismos internacionais eespecialistas estarão reunidos emBrasília para produzir um panorama dasituação do tráfico de pessoas no país.O evento faz parte do calendário deencontros preparatórios para o FórumGlobal sobre o Tráfico de Pessoas, queocorrerá em Viena, na Áustria.

Os fóruns regionais e nacionaisestão acontecendo em diferentespontos do planeta, desde março de2007, quando o Escritório das NaçõesUnidas contra Drogas e Crime(UNODC) lançou a Iniciativa Globalcontra o Tráfico de Pessoas. O princi-pal objetivo é chamar a atenção dosgovernantes e das sociedades para odrama da “escravidão moderna”.

Com um investimento inicial baixo,as redes criminosas conseguem obterlucros significativos – as estimativasapontam uma média de US$ 30 milpor ano por pessoa traficada – levan-do a exploração a patamares cada vezmais acentuados, sem preocupaçãoem preservar a vida ou a saúde dessa“mão-de-obra” descartável.

O Plano Nacional de Enfrentamentoao Tráfico de Pessoas (PNETP), em fasede elaboração pelo governo brasileiro,em parceria com a sociedade civil e comos organismos internacionais, é um dosbons exemplos que o Brasil levará parao Fórum. Durante o seminário de ou-tubro, será apresentado o relatório finaldos trabalhos do grupo encarregado deproduzir a proposta do plano nacional.

Para cada ação prevista no docu-mento, haverá uma meta de execução eum órgão responsável pelo seu cumpri-mento. O plano é inspirado na Política

Nacional de Enfrentamento ao Tráficode Pessoas, publicada no Decreto nº5.948/06. Esse processo tem sido coor-denado pela Secretaria Nacional deJustiça do Ministério da Justiça, pelaSecretaria Especial de Direitos Humanose pela Secretaria Especial de Políticaspara as Mulheres.

TTrraabbaallhhoo eessccrraavvoo

O PNETP traz ainda um mecanismoespecífico de monitoramento e avali-ação da sua execução. O objetivo prin-cipal é promover um maior controlesocial dessa política pública, de modo agarantir a sua efetividade. A cada doisanos, o documento será revisto, cor-rigindo rumos e planejando as próxi-mas prioridades do governo federalnesse tema.

O seminário também marcará o iní-cio de um debate mais integrado.Tradicionalmente, no Brasil, o tráficopara fins de exploração sexual e parafins de trabalho escravo eram tratados ediscutidos separadamente. Desde

2006, esse cenário mudou e os órgãosresponsáveis pelo enfrentamento àsdiferentes formas desse crime têm tra-balhado de maneira integrada.

As diferenças nas manifestações dotráfico em diferentes regiões do paístambém serão ressaltadas. Haverá apre-sentação de resultados preliminares depesquisas recentes ou em andamentosobre o tema. Publicações produzidaspela sociedade civil e a academia serãolançadas durante o evento.

A iniciativa global é um trabalho devárias agências das Nações Unidas,sob a coordenação do UNODC. NoBrasil participam: a OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT), oFundo das Nações Unidas para aInfância (Unicef), o Fundo das NaçõesUnidas para as Populações (UNFPA) eo Fundo das Nações Unidas para oDesenvolvimento da Mulher (Unifem).O evento será aberto ao público. Maisinformações: wwwwww..uunnooddcc..oorrgg..bbrr

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SSeemmiinnáárriioo

Tráfico de pessoas

BBrraassíílliiaa sseeddiiaarráá eennccoonnttrroo pprreeppaarraattóórriioo ppaarraa oo FFóórruumm GGlloobbaall eemm oouuttuubbrroo

PPoorr MMaarriinnaa OOlliivveeiirraa**

*Assistente de Projetos do UNODC

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Dançam, rebolam, dão gargalhadas econtam histórias ao som de ChicoBuarque e Cássia Eller. Chegam de todasas cidades do Distrito Federal. Encontram-se, todos os sábados, numa sala doNúcleo de Prática Jurídica da Universidadede Brasília (UnB), em Ceilândia. Sentadasem círculo, falam das vidas, dos filhos,maridos, trabalhos e das dificuldades dodia-a-dia. Contam histórias de luta e decoragem, histórias de mulheres que nãoquerem ser vencidas pelo medo.

Este ano, o III Curso de PromotorasLegais Populares formará cerca de 50mulheres. O projeto é promovido peloMinistério Público do Distrito Federal eTerritórios (MPDFT), Universidade deBrasília (UnB) e as ONGs Centro Dandarade Promotoras Legais Populares e Açõesem Gênero, Cidadania e Desenvolvi-

mento (Agende). Em 2005, o projetoformou 60 Promotoras Legais Populares.No ano passado, foram 40. As aulas sãoministradas em forma de oficina e ostemas são tratados dentro do contextosocial das alunas.

O curso de Promotoras LegaisPopulares surgiu em Porto Alegre, em1993, promovido pela ONG ThemisAssessoria Jurídica e Estudo de Gênero.O projeto era desenvolvido há cerca dedez anos em países da América Latinacomo Peru, Argentina e Chile. Segundoa Coordenadora do Núcleo de GêneroPró-Mulher, Promotora de Justiça LaísCerqueira, o principal objetivo do cursoé oferecer às mulheres noções de Direi-tos Humanos e Cidadania para que pos-sam ser multiplicadoras dos conheci-mentos. As alunas aprendem noções de

Direito Constitucional, Penal, Estatutoda Criança e do Adolescente, Lei Mariada Penha, saúde reprodutiva e até Di-reito Ambiental, disciplina que foi incluí-da no currículo do curso em Brasília de-vido à questão fundiária.

A maioria das mulheres da terceiraturma de Promotoras Legais Popularestem entre 30 e 49 anos, é solteira e pos-sui um bom nível de escolaridade.Segundo Lizandra Arantes, uma dascoordenadoras da ONG Dandara, ogrupo tem um perfil diferente dosoutros. Uma boa parte tem ensino mé-dio completo e curso superior. Emboraas aulas sejam realizadas na Ceilândia,muitas alunas são de Taguatinga, Re-canto das Emas, Brazlândia e até doPlano Piloto.

O respeito à diversidade, às diferen-ças de opiniões e a solidariedade sãoalguns dos princípios que norteiam odesenvolvimento do projeto. Já na pri-meira aula, as alunas realizam uma ofi-cina para eleger os itens que contri-buirão para o aprendizado e para umaconvivência harmoniosa entre mulheresde diferentes classes, crenças e orien-tações sexuais.

RRoommppeennddoo BBaarrrreeiirraass

A paraibana Francisca Lineusa daSilva, 44 anos, chegou a Brasília há 23anos. Hoje, ela é presidente doSindicato dos Gráficos do DistritoFederal. A trajetória não foi fácil. Casadahá 22 anos e mãe de três filhos, foiabandonada pela família depois donascimento do primeiro bebê, fruto deum estupro. Para sobreviver, Franciscatrabalhava como doméstica. Inicialmen-te apenas recebia a comida em troca dotrabalho. O sonho de fazer Medicinaficou para trás, mas ela não desistiu deter uma vida melhor.

Há sete anos, começou a trabalharcomo copeira numa gráfica. Francisca

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DDaanniieellllaa CCaarrvvaallhhoo

MMuullhheerreess ddeecciiddiiddaass qquueerreemm ttrraannssffoorrmmaarr aa rreeaalliiddaaddee ee eennssiinnaarr oouuttrraass ssoobbrree aa iimmppoorrttâânncciiaa ddee

lluuttaarr ppeellooss sseeuuss ddiirreeiittooss

Promotoras legais populares

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entrou no sindicato com o objetivo deganhar um pouco melhor e pagar asprestações atrasadas da casa. Mas,com o tempo, foi se envolvendo comas demandas dos colegas. O entãopresidente do sindicato não podiamais ser reeleito e indicou a colega dechapa. "O que ele não contava era queeu fosse andar com as minhaspróprias pernas. Ele pensava que euseria uma marionete."

Moradora do Recanto das Emas,Francisca soube das Promotoras LegaisPopulares por meio de uma amiga.Achou que seria uma boa oportunidadepara adquirir mais conhecimentos e rep-resentar melhor a categoria dos gráfi-cos. Atualmente, a ex-doméstica defen-de os interesses de cinco mil colegas.Antes de deixar o sindicato, ainda pre-tende construir uma sede própria, pois aatual funciona numa sala alugada. "Eunão desisto nunca dos meus sonhos.Sonho em viver num país que as pes-soas sejam reconhecidas igualmente.Estou lutando por isso, mas as desigual-dades são muito grandes."

LLiiddeerraannççaa CCoommuunniittáárriiaa

A aposentada Magnólia Maria JoséGomes, 65 anos, moradora de Ceilân-dia, é viúva, foi casada durante 40 anose criou seis filhos. A ex-cozinheira for-mou-se como Promotora Legal naprimeira turma do curso. De lá para cápassou a orientar as donas de casa dacomunidade a lutar por seus direitos e anão se calar diante da violência física esexual a que são submetidas.

Para ela, "as mulheres têm medo dedenunciar e perder o ambiente familiar.A mulher acredita que a boa convivên-cia do casal faz falta para a educaçãodos filhos." A aposentada conta queenfrentou muitas dificuldades pordesconhecimento dos seus direitos."Hoje em dia tenho mais condições ecoragem para encarar os problemas. Eunão quero que nenhuma mulher passepelo que passei. Depois que fiz o curso,descobri que é possível viver com dig-nidade e ter liberdade", diz.

Magnólia visita as famílias da cidade,orientando e contribuindo para aumen-tar a auto-estima das mulheres. Tam-bém faz palestras e apresenta seminá-rios, mas revela que a maior parte deseu trabalho é silencioso. Tem receio deser perseguida ou mal interpretada pelacomunidade. A líder comunitária parti-cipa ativamente do Fórum de Mulheres,que se reúne mensalmente no Núcleode Práticas Jurídicas da Ceilândia."Muitas mulheres ainda têm receio defalar, mas a gente sabe quando a pessoaestá sofrendo, então aconselha que en-contre um meio de ser ajudada. Eu con-to a minha experiência de vida porqueacredito que muitas mulheres podemestar passando pelos mesmos proble-mas que passei."

A estudante do ensino médio KarlaCarolina Gomes Silva, de 22 anos, seguiuos passos da mãe e da avó. A mãe for-mou-se como Promotora Popular nasegunda turma do curso. Ela faz parte doterceiro grupo de Promotoras Legais doDF. "Elas me mostraram o quanto é inte-ressante conhecer os nossos direitos. Meidentifiquei com o projeto a partir deeventos que participei, como o Dia Inter-nacional da Mulher." Estudante do ensinomédio de uma escola da Ceilândia, casa-da e mãe de um menino de um ano,Karla conta que já utilizou os conheci-mentos adquiridos no curso quando pre-cisou aconselhar uma amiga que eraagredida pelo companheiro.

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A Promotora de Justiça Laís Cerqueiradestaca que, depois da capacitação, asmulheres ficam mais informadas ecomeçam a procurar as Promotoriasespecializadas. Entre os temas mais fre-qüentes trazidos ao Ministério Público,além da violência doméstica, está a vio-lência policial, que atinge muitos dosfilhos das comunidades mais carentes.Laís defende o curso como uma forma deatuação preventiva do Ministério Público."Muitos Promotores de Justiça aindaacham que a nossa função é apenas tra-balhar com processos e se esquecem deatuar diretamente na comunidade."

As Promotoras Legais já despertaramo interesse de outras áreas de atuação.A cineasta Daniela Diniz está fazendoum documentário sobre o tema. Nofilme, pretende mostrar as dificuldadesencontradas pelas alunas no dia-a-diapelo fato de serem mulheres e a funçãodas Promotoras Legais Populares. Alémdas oficinas e aulas do curso, o docu-mentário terá entrevistas das mulheresnos seus locais de trabalho e na comu-nidade. Para Daniela, também formadaem Direito, muitos colegas perdem asensibilidade e esquecem que as partesde um processo são seres humanos. Olançamento está previsto para o próxi-mo ano.

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Aulas todos os sábadosDas 9h às 12h

Núcleo de Prática Jurídica da UnB -CNN- 1 - Bloco E - Ceilândia.

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