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SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA Coleção do Musée Cernuschi, Paris

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SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESAColeção do Musée Cernuschi, Paris

Page 2: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS2

Realização

Apoio

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESAColeção do Musée Cernuschi, Paris

Page 3: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS4

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

A PINTURA CHINESA NO MUSÉE CERNUSCHI

HENRI CERNUSCHI E A PINTURA CHINESA

AS DEZ ETAPAS DE UMA “VIAGEM IMÓVEL” NA PINTURA CHINESA

DINASTIA MING

DINASTIA QING

O MOVIMENTO EPIGRÁFICO E A RENOVAÇÃO DA PINTURA CHINESA

VIAJANDO NO JAPÃO

DESCOBRINDO O OESTE

RENASCIMENTO DA PAISAGEM

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31

47

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75

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103

Page 4: AF_Catalogo Pintura Chinesa

APRESENTAÇÃO

É uma grande satisfação para a Pinacoteca do Estado de São Paulo apresentar a

nossos visitantes a mostra Seis séculos de pintura chinesa no Musée Cernuschi,

Paris que dá sequência a nosso programa de exposições temporárias com enfoque

em momentos relevantes da história da arte mundial. A arte chinesa, e mais

especificamente a pintura, ainda hoje é um tema pouquíssimo conhecido entre nós.

Quase desconhecido, poderíamos até dizer. Pautada por uma concepção de mundo

absolutamente diversa da ocidental, impregnada da noção de continuidade – em

oposição a nosso entendimento, baseado na ruptura –, a arte chinesa demanda

de seus apreciadores uma posição distinta. Disponibilizar a todos as ferramentas

necessárias para a apreciação dessa arte é um dos objetivos deste catálogo.

A exposição desse conjunto de pinturas na Pinacoteca do Estado também nos

dá a oportunidade de nos aproximar de uma figura que, apesar de não estar

incluída na tradicional história da arte no Brasil, viveu cerca de vinte anos no país

e expôs em Bienais de São Paulo: Zhang Daqian. Ele chegou aqui em 1953, após

uma passagem por Mendoza, na Argentina, e manteve residência no Brasil até

1972, quando se mudou para a Califórnia, nos Estados Unidos. Construiu em Mogi

das Cruzes (SP) um refúgio, onde viveu e trabalhou, e que serviu de palco para o

Jardim das oito virtudes [Bade yuan], hoje infelizmente desaparecido. Nesse local,

havia um túmulo para seus pincéis usados e o artista criava animais tipicamente

chineses, como o gibão. Algumas das obras aqui expostas foram executadas

durante sua permanência no Brasil, e esta mostra nos dá oportunidade de vê-las

no lugar onde foram produzidas.

Esta publicação foi pensada para servir como um guia ampliado da exposição.

Além de reproduções de obras, apresenta textos críticos sobre a história do Musée

Cernuschi e seu fundador, uma introdução à pintura chinesa e comentários sobre

as obras. Para atender o maior número possível de pessoas e nos alinhar com

os novos formatos editoriais do mundo contemporâneo, experimentamos, pela

primeira vez, o formato digital de publicação, que está disponível para download

gratuito no site da Pinacoteca.

A curadoria desta exposição coube a Éric Lefebvre, a quem gostaria de registrar

nossos mais profundos agradecimentos pelo entusiasmo, pela dedicação e

competência em todos os momentos, assim como a Christine Shimizu, diretora

do Musée Cernuschi. Esta mostra não teria sido possível sem o apoio do

Consulado Geral da França em São Paulo, nosso parceiro de longa data. Também

gostaria de agradecer a todos que colaboraram direta ou indiretamente conosco

na concretização deste projeto, que busca oferecer ao público a oportunidade de

conhecer estas magníficas pinturas.

Ivo Mesquita

Diretor Técnico

Page 5: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS8

O reduzido número de pinturas chinesas e japonesas que constam do primeiro

inventário do Musée Cernuschi confirma a preferência de seu fundador pelo

bronze e pela cerâmica. No entanto, os raros documentos visuais que mostram

as salas do museu em 1898 indicam que as pinturas tinham um papel mais

importante na mostra das coleções asiáticas de Henri Cernuschi (1821-1896)

do que se supunha por seu número. A análise das pinturas chinesas revela um

interesse singular pela pintura a dedo, interesse ilustrado por obras monumentais

assinadas pelos maiores mestres dessa técnica, entre eles Gao Qipei (1672-1734).

Esses dois aspectos são característicos das primeiras gerações de colecionadores

europeus de pintura chinesa. De fato, o interesse espontâneo pela pintura

de personagem precede a descoberta da paisagem, sobre a qual deviam se

concentrar as pesquisas de vários historiadores ocidentais no século XX. No

entanto, a originalidade do processo e o caráter virtuoso das pinturas a dedo

impressionaram por muito tempo os apreciadores franceses. Assim, as obras de

Fu Wen (ativo de 1744 a 1765), um dos seguidores mais importantes de Gao Qipei,

de quem Henri Cernuschi adquirira duas pinturas entre 1871 e 1873, figuravam

muito bem tanto na exposição organizada a partir do acervo reunido por Paul

Pelliot (1878-1945), no Louvre, em 1904,1 quanto na do Musée Cernuschi, em 1912.

Aos olhos dos melhores especialistas do início do século XX, parecia impossível

apresentar a pintura chinesa a um público leigo sem mencionar exemplos da

técnica a dedo, ainda que se assumisse uma posição contrária a essas pinturas,

como Raphaël Petrucci (1872-1907), que as considerava “virtuosidades inúteis,

que afastam do domínio da arte”.2

O comentário desse crítico de arte indica o modo como o desenvolvimento

dos conhecimentos sobre a pintura chinesa desviaria, progressivamente, os

apreciadores da pintura a dedo tão estimada por Cernuschi.3 Entretanto, é

importante observar que Henri Cernuschi adquirira diferentes exemplares

do manual de pintura Jiezi yuan huachuan, do qual ele havia pressentido

um interesse documental, mais de trinta anos antes de Petrucci se dedicar

A PINTURA CHINESA NO MUSÉE CERNUSCHI

1. Chavannes, 1904, p. 322.

2. Chavannes e Petrucci, 1914, p. 60.

3. A pintura a dedo iria passar por um longo período de esquecimento, até que a grande exposição dedicada a Gao Qipei pelo Rijksmuseum de Amsterdã, em 1992, devolvesse-lhe a atenção (Ruitenbeek 1992).

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SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 11 10

ao estudo da obra principal, que ele traduzia pelo título Enseignementes de

la peinture du jardin grand comme un grain de moutarde. Encyclopédie de

la peinture chinoise. Com Édouard Chavannes (1865-1918), Petrucci seria um

dos principais artífices da primeira exposição de pintura chinesa do Musée

Cernuschi, organizada pelo curador Henri d’Ardenne de Tizac (1877-1932),4 em

1912. Essa mostra, que compreendia 144 pinturas, era composta exclusivamente

de empréstimos concedidos pelos principais colecionadores e negociantes. A

exposição, que reunia as obras por gênero e assunto, pretendia contribuir

para o estudo histórico dessas pinturas, designando-lhes datas e autoria.

A publicação de um catálogo ilustrado, incluindo a transcrição e a tradução

das inscrições das pinturas, testemunha a ambição científica desse projeto.

A exposição, que reunia os intelectuais e os colecionadores mais importantes

da época, não foi, no entanto, imediatamente seguida de aquisições. Em uma

carta datada de setembro de 1912, Henri d’Ardenne de Tizac, ao evocar o gosto

de Victor Segalen (1878-1919) pela pintura chinesa, exclamou: “Que bom que ele

consegue descobrir coisas belas! Há alguns meses, o que chega a Paris é muito

fraco. Contudo, recebi do sr. Freer, que certamente é o maior colecionador

americano, as fotografias de algumas peças que lhe pertencem: elas me

fizeram mergulhar nas profundezas da felicidade”. Realmente, o curador do

Musée Cernuschi precisou esperar até 1920 para finalmente adquirir a primeira

pintura chinesa que correspondesse às expectativas formuladas naquela carta.

A chegada de uma pintura representando um falcão, tema este que constituía

uma das partes da exposição de 1912, pode, realmente, ser considerada

o resultado de pesquisas realizadas nos tempos de sua colaboração com

Chavannes e Petrucci. Essa aquisição deveria ficar isolada. A morte desses

dois intelectuais e as difíceis condições do período entreguerras impediram

qualquer nova exposição de uma envergadura como a de 1912. O interesse de

D’Ardenne de Tizac pela pintura chinesa,5 somado à sua fascinação pela China

antiga, orientou-o para a coleta e o estudo dos relevos impressos sobre papel,

sobretudo das séries provenientes do monumento funerário Wu Liang ci.

Na época da primeira exposição de pintura chinesa, Henri d’Ardenne de

Tizac queria que as obras dos pintores da China antiga inspirassem a criação

contemporânea:

Há quarenta anos, a arte japonesa veio renovar nossa arte decorativa.

Não poderia a arte chinesa também desempenhar esse papel? Conheço

jovens pintores que ficam um pouco irritados quando exaltamos as

obras do passado, e que frequentam mais as galerias da Madeleine do

que as salas do Louvre. Surpreendi-os sonhando diante de Ma-Lin [Ma

Lin] e de Tchao-mong-fou [Zhao Mengfu]. Seria um sinal dos tempos?

Paradoxalmente, foi a chegada a Paris dos artistas chineses que vieram se formar

no Ocidente que favoreceu a aproximação entre o Musée Cernuschi e a criação

contemporânea. É conhecido o importante papel que Xu Beihong (1895-1953)

exerceu na organização da exposição de pintura chinesa apresentada no museu

Jeu de Paume, em Paris, em 1933. Esse evento foi um precedente notável para a

exposição de pinturas chinesas contemporâneas que ocorreu no Musée Cernuschi

em 1946. Organizada por Vadime Elisseeff (1918-2002), sob o patronato de René

Grousset (1885-1952), a exposição de 1946 reuniu mais de uma centena de obras

representando diversas tendências da pintura e da escultura contemporâneas.

Paralelamente às composições dos pintores ativos na China, estavam as obras

dos membros da associação dos artistas chineses na França. Para compreender a

origem dessa exposição, é importante lembrar os laços estabelecidos por Elisseeff

com o meio artístico chinês durante os anos da 2ª Guerra, assim como o papel dos

artistas chineses de Paris que, reunidos em torno de personalidades como Zhou Lin

ou Pan Yuliang (1895-1977), formavam uma rede muito dinâmica. Diferentemente

da exposição de 1912, a de 1946 foi o ponto de partida de uma política de aquisição

e de exposição que vincularia, por muito tempo, o Musée Cernuschi à aventura da

pintura chinesa contemporânea. Cerca de cinquenta obras apresentadas em 1946

provinham da coleção de Guo Youshou (1900-1978), que, a partir de 1953, seria o

cerne da coleção de pinturas modernas e contemporâneas do Musée Cernuschi.

Guo Youshou, que estudara na Europa nos anos 1920, havia tecido desde essa

época laços de amizade com os artistas chineses de Paris, como Sanyu [Chang Yu]

(1901-1966) e Xu Beihong (1895-1953). Tendo obtido seu doutorado, ele retornou

à China, onde seguiu carreira na área de administração, sendo responsável,

sobretudo, pela educação pública da província de Sichuan durante os anos da

guerra. Foi nessa época que ele teria acumulado maior parte de sua coleção,

como o atestam numerosos colofões e dedicatórias registradas nas obras pelos

artistas. Essa coleção ainda foi enriquecida ao longo das missões que ele cumpriu

na China em 1947 e 1948 a serviço da Unesco, onde ocupava o cargo de diretor

da seção educativa. Após a doação inicial de 76 pinturas em 1953, Guo Youshou

continuou sendo amigo do museu, colaborando ativamente na organização de

importantes eventos, como as exposições dedicadas a Zhang Dagian (1899-1983),

em 1956 e 1961.6 Ao longo da segunda metade do século XX, não menos do que

vinte exposições de pintura chinesa foram organizadas no Musée Cernuschi, das

4. Curador do Musée Cernuschi de 1905 a 1932.

5. Um interesse que se manifesta tanto por suas traduções como pelas obras de sua coleção pessoal.

6. Em 1956, no Museu de Arte Moderna e no Musée Cernuschi. Em 1961, no Musée Cernuschi.

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SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS12

quais dois terços foram dedicadas à obra de artistas contemporâneos. Algumas

tendências decorrem dessas numerosas mostras, como a atenção para o trabalho

com a tinta, ou o lugar cedido às artistas mulheres.7 Entre esses eventos, alguns

conquistaram um interesse histórico, como a exposição Lin Fon-Min [Lin Fengmian],

peintre chinois contemporain [Lin Fon-Min, pintor chinês contemporâneo], em

1979, a primeira dedicada ao artista por um museu estrangeiro após sua partida da

China; ou Wu Guanzhong: peintre chinois de notre temps [Wu Guanzhong: pintor

chinês de nosso tempo], em 1993, que partilhava do reconhecimento internacional

do mestre. Ao mesmo tempo, os laços estabelecidos com os artistas levariam o

museu a recolher numerosas doações: assim, a grande exposição das pinturas

contemporâneas do acervo do museu organizada em 1985 por Marie-Thérèse

Bobot, curadora do Musée Cernuschi, não contava menos do que oitenta obras

introduzidas na coleção, graças à generosidade de seus criadores. Os pintores

chineses, estivessem produzindo quer na França, quer na China, continuaram, desde

então, a acompanhar o Musée Cernuschi, como indicam as doações simultâneas de

Chu Teh-chun [Zhu Dequn] (1920) e de Wu Guanzhong (1919-2010), em 1993.

A partir dos anos 1990, a restauração das pinturas chinesas se tornou uma

das prioridades do museu. De fato, ao longo dos anos, as pinturas chinesas

haviam sofrido efeitos de uma exposição prolongada. A multiplicação das trocas

culturais com a China desde os anos 1980 permitiu desenvolver no Ocidente os

conhecimentos nas áreas da restauração e da montagem tradicional chinesas.

Desde então, foi possível pensar uma longa campanha de restauração. Paralelamente

às obras dos grandes mestres do século XX, esse trabalho levaria à reavaliação

das pinturas antigas conservadas no museu, entre as quais se encontravam

algumas obras de grande importância, como a grande composição representando

a Academia Hanlin [Hànlín Yuàn], adquirida pela Sociedade dos Amigos do Musée

Cernuschi em 1975. Então, parecia pertinente estender as aquisições para as

pinturas chinesas antigas, uma política iniciada com a compra da antiga coleção

Reubi, o que não poderia ser concluída sem a ajuda do círculo dos especialistas de

Cernuschi. Os leques Ming e as folhas de álbum Qing, outrora reunidos por Jean-

Pierre Dubosc (1904-1988) e François Reubi (1917-1997), permitem apresentar pela

primeira vez aos visitantes as pinturas antigas e modernas do Musée Cernuschi em

um percurso que evoca seis séculos de pintura chinesa.

HENRI CERNUSCHI E A PINTURA CHINESA

Durante sua viagem ao Oriente de 1871 a 1873, na companhia de Théodore Duret

(1838-1927), Henri Cernuschi adquiriu quase 5 mil objetos de arte que comporiam

a base das coleções do futuro Musée Cernuschi. Entre essas obras, os bronzes

chineses e japoneses, majoritários em número, despertaram a admiração

dos críticos na época da exibição temporária organizada em 1873 no Palais de

l’Industrie.1 Após a abertura do museu ao público, em 1898, os bronzes antigos

prevaleceram em uma coleção focada na descoberta dos “momentos áureos da

arte chinesa”. Já as pinturas asiáticas, estas deveriam conhecer um outro destino.

Provavelmente penduradas nos salões do primeiro andar da mansão da avenida

Velásquez, enquanto Cernuschi estava vivo, elas sem dúvida foram vítimas dessa

exposição prolongada, mesmo que tenham sido retiradas do local e guardadas

nos primeiros anos seguintes à criação do museu. “Em 1912, durante a primeira

exposição de pintura chinesa, uma obra de Fu Wen foi objeto de empréstimo,

enquanto duas de suas pinturas adquiridas por Henri Cernuschi eram conservadas

no museu. Isso leva a pensar que, a partir dessa época, a montagem das obras

não permitia mais pendurá-las.”

Se o conjunto formado por essas pinturas é modesto na quantidade, em

contrapartida ele é extremamente coerente. Apresenta a particularidade de

privilegiar a figura humana a ponto de não contar com nenhuma pintura de

paisagem. Esse gênero, que exerceria influência decisiva sobre a recepção da

pintura chinesa no Ocidente, não conquistou o interesse de Henri Cernuschi. À

exceção de algumas pinturas de flores e de pássaros, a grande maioria das obras

representa personagens: imortais taoistas e santos do budismo, lindas mulheres e

caçadores de demônios. Paralelamente às imagens de divindades e às ilustrações

populares, sempre anônimas, encontra-se certo número de pinturas assinadas por

grandes nomes ou por pequenos mestres.

A preocupação em compor séries iconográficas ou formais parece ter regido as

escolhas de Henri Cernuschi. Assim, entre os diferentes temas ilustrados pelas

pinturas da coleção, a figura de Zhong Kui impõe-se de modo incontornável. A

imagem do caçador de demônios transcende os registros da pintura popular e da

pintura erudita. Mesmo aparecendo em algumas páginas de álbum da Dinastia

7. Sobretudo Zeng Youhe (1924), Ling Shuhua (1904-1990), Pan Yuliang, Fang Junbi (1898-1986), Xiao Shufang (1911).

1. Maucuer, 1998, p. 35-37.

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Ming, suas representações mais surpreendentes são grandes rolos verticais

datados da Dinastia Qing. Essas impressionantes figuras em pé, executadas

sempre de modo despojado, têm qualidades expressivas muito particulares.

De fato, elas apresentam grande diversidade de fisionomias: assustadoras,

truculentas ou grotescas. A associação dessas imagens com as festas de ano-

-novo de Duanwu atestam o caráter profilático das figuras.

Sabemos que Henri Cernuschi e seu companheiro de viagem, Théodore Duret,

nada sabiam sobre as línguas chinesas. A coleção de livros ilustrados trazidos

da China por Henri Cernuschi demonstra, contudo, a vontade de reunir uma

documentação relativa aos objetos que estava adquirindo. Assim, a biblioteca de

Henri Cernuschi tinha várias edições do tratado de pintura Jiezi yuan huachuan [O

jardim tão grande quanto um grão de mostarda]. Diferentemente dos catálogos

dedicados aos bronzes, essa obra, destinada ao ensino da pintura, convida o leitor

a se colocar na perspectiva do criador. O manual, dividido por gênero e tema,

aborda sobretudo as questões de técnica pictórica. Tal interesse pela prática

da pintura na China influenciou as escolhas do colecionador. Paralelamente às

pinturas executadas com pincel, Henri Cernuschi era apaixonado também pela

técnica chinesa da pintura a dedo, que ainda existia na época de sua viagem. No

entanto, seus principais representantes viveram no século anterior. Gao Qipei,

que deu ao gênero da pintura a dedo seu toque de nobreza, está representado

por uma vasta composição, síntese monumental dos diferentes aspectos de sua

técnica. As pinturas de Li Shizhuo e de Fu Wen ilustram a continuação dessa

tradição entre os chineses integrados às bandeiras manchus. Por fim, o modo

como Su Liupeng soube adaptar essa técnica para a criação de cenas da vida do

povo atesta sua popularidade no século XIX.

As pinturas a dedo reunidas por Henri Cernuschi permitem retraçar os principais

momentos da história dessa técnica, que foi apreciada na corte chinesa antes

de ser adotada pelos meios mais populares. Assim, a coleção de Cernuschi,

aparentemente composta em função de princípios iconográficos, também pode

ser considerada de um ponto de vista histórico. Se adotarmos essa perspectiva,

perceberemos que os nomes dos pintores que ele reuniu evocam algumas

das mais importantes etapas da evolução da pintura de personagens. Esses

elementos nos convidam a considerar o método de Cernuschi menos como o de

um viajante colecionando imagens que refletem seu percurso no Oriente, do que

como o de um apreciador de pintura ocidental procurando compreender uma arte

desconhecida segundo uma lógica pictórica.

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SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS16

É sempre intrigante observar a multidão de chineses que visita os museus oci-

dentais: por dia, quantos deles veem a Mona Lisa? Os museus chineses não

são tão frequentados assim. No entanto, por muito tempo, fiquei admirado de

não encontrar nenhuma dificuldade em acessar a vitrine da Primavera precoce

(uma das obras-primas mais importantes da coleção do Museu do Palácio) em

Taipei. Disso, deduzimos que o público – ocidental, naturalmente, mas também

chinês – está bem menos preparado para olhar uma pintura chinesa do que uma

europeia, mas também que se trata de um tipo de arte talvez menos adaptada à

contemplação “de massa”.

As pinturas europeias foram feitas para “educar as multidões”, atraí-las em dire-

ção à imagem: as cores radiantes convidam o olhar dos menos iniciados, o realis-

mo das posturas garante a essas telas a admiração de todos, e a composição exe-

cutada pelo pintor obedece às leis da ótica para que o espectador possa ver tudo

num piscar de olhos. A pintura chinesa não foi pensada como um espetáculo;

normalmente, ela necessita de outra aproximação. Mais intimista – mais próxima

do desenho –, ela não é menos rica de maravilhas, e a intenção deste artigo é

fornecer ao leitor algumas ferramentas que lhe permitirão melhor contemplá-las.

1. Os formatos

As pinturas colecionadas pelos apreciadores chineses (que é preciso diferenciar

das pinturas rituais) devem ocasionalmente sair de suas caixas para serem apre-

sentadas a alguns estetas. O apreciador, que não é um espectador, mas que

pretende descobrir uma obra, deve ir em sua direção de modo ativo e entrar em

uma paisagem às vezes sombria e a princípio pouco legível.

AS DEZ ETAPAS DE UMA “VIAGEM IMÓVEL” NA PINTURA CHINESA

Cédric Laurent, Université de Haute-Bretagne-(Rennes II).

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As pinturas são montadas em rolos horizontais (juan, huajuan), verticais (zhou,

lizhou) ou em álbum (ce, huace; antigamente também em biombos ou em le-

ques). A armação de seda responde a uma estética de sobriedade, mas também a

preocupações de conservação: o enrolamento protege da poeira e da luz. Se por

um lado o colecionador suspende com frequência os rolos verticais para explorar

livremente seu interior, por outro, ele raramente desenrola os rolos horizontais,

sobre uma mesa, seção por seção, sozinho ou acompanhado de dois ou três cui-

dadosos apreciadores. Os álbuns também são objetos de coleção que costumam

ser organizados com os livros na biblioteca dos letrados.

2. O percurso visual

Somente a folha de álbum (geralmente similar a um formato A4), mais compatível

com o campo de visão, possibilita olhar a pintura instantaneamente. Os rolos

horizontais não permitem que isso aconteça; de modo geral, eles compõem uma

dezena de metros de comprimento e são desenrolados progressivamente, cena

por cena. Assim, o pintor os concebe como uma sucessão de pontos de vista

ritmados por elementos de paisagem ou de arquitetura, que permitem marcar as

pausas ao serem desenrolados. A verticalidade dos rolos zhou faz que eles nor-

malmente sejam olhados a partir de três pontos de vista contínuos, de baixo para

cima. Para sustentar esse movimento, o pintor organiza três diferentes perspecti-

vas: uma vista um pouco inclinada para a parte baixa, uma vista frontal ao centro

e uma vista contrária, inclinada para a terceira parte alta. Assim, o apreciador da

pintura é ativo, e pode deslocar seu olhar para a superfície do rolo (2009, cat. 22:

Xu Zhang-cat. 40: Yao Hua).

É bastante comum que as paisagens sejam habitadas por personagens que intro-

duzem uma temporalidade: o suposto deslocamento dos personagens sustenta o

movimento do olhar e introduz essa temporalidade na obra. O apreciador deve se

aproximar da pintura, encontrar uma brecha nos bosques, tomar um caminho e

atravessar um ponto para alcançar quem espera por ele ao pé de uma árvore. Ali,

o ponto de chegada é desvendado entre as nuvens e, do alto, um extraordinário

panorama se oferece a nós que, de observadores, nos tornamos andarilhos. A

crítica clássica chinesa considera essas paisagens “viagens imóveis” (woyou). Uma

pintura não é uma janela que deveria se abrir sobre uma paisagem respondendo

às leis da perspectiva centrada; é o percurso visual que introduz a profundidade.

3. A montanha e a paisagem

Quando se diz paisagem, se diz montanha. Na China antiga, a montanha era

considerada o local de residência dos imortais e dos espíritos. Ir até ela corres-

pondia a uma experiência metafísica. Local de retiro e de austeridade, ela atraía

os ermitões taoistas, que aproveitavam a concentração de forças terrestres, e os

monges budistas, que viam ali o “deserto” necessário ao exercício do desapego.

A montanha passou a ser o local de todas as buscas: procura pela imortalidade,

visitas aos sábios, peregrinação e colheita de plantas medicinais. Desse modo,

a natureza foi sendo domesticada. As brumas dos picos eram cravadas por edi-

fícios, e as florestas atravessadas por estradas. Os andarilhos iam e vinham em

busca de lugares célebres: uma velha árvore de formas estranhas, uma falésia

gravada com caligrafia, o lugar de retiro de um poeta...

Para o pintor-poeta, a montanha se tornou o local de um isolamento espiritual

e de prazer do espírito. Se suas pinturas são “viagens imóveis” que narram cami-

nhadas, também são a ocasião de comentar acontecimentos recentes e, claro, de

se entregar a maravilhosos exercícios estéticos.

A montanha também se reveste de um valor moral para os seguidores de Con-

fúcio: “O homem inteligente se satisfaz com a água, o homem bondoso, com a

montanha; a um o movimento, ao outro, o descanso. O homem inteligente vive

feliz, o homem bondoso vive por muito tempo” (Lunyu, VI 21). Assim, a montanha

é símbolo de longevidade ou imagem da estabilidade moral de um homem. Era

comum oferecer essas pinturas para cumprimentar uma pessoa, sobretudo em

ocasiões de aniversário.

A paisagem, pouco fiel à realidade, é toda composta de símbolos e não é inco-

mum que aquilo que percebemos como simples paisagens sejam, na verdade,

representações de paraísos de imortalidade ou cenas procedentes de literatura

da história.

Árvores floridas enquadram uma gruta, uma embarcação leve está presa à mar-

gem: é A fonte com flores de pessegueiro, célebre texto de Tao Yuanming (372-

427). Em uma paisagem de outono, uma tocadora de alaúde está sentada em

um barco: é O passeio do Pipa, de Bai Juyi (772-846). Vários personagens estão

sentados à beira de um riacho sinuoso onde taças flutuam: é O pavilhão das

orquídeas, de Wang Xizhi (312-379) (cf. il. 2009, cat. 11 e 12)...

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SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 21 20

Os letrados a quem as pinturas eram destinadas se tratavam de poetas que des-

de a infância viviam debruçados sobre os livros e, para atender aos seus gostos,

era comum que os pintores incrementassem suas composições com alusões lite-

rárias que hoje são difíceis de decifrar.

4. Do “vermelho e verde” ao preto e branco

Na China, a pintura clássica ganhou fôlego no início da dinastia Tang (618-907),

com grandes composições coloridas ilustrando temas históricos. As cores vivas

eram essenciais para a própria concepção da pintura, às vezes designada pela

expressão “vermelho e verde” (danqing). Sobre a seda preparada, eram aplicadas

várias camadas finas de pigmento de malaquita para representar as montanhas

e escarlate para representar a arquitetura. A técnica era complexa, o trabalho

longo, e o resultado deslumbrante. Entretanto, um dos pintores-letrados mais

famosos do período, Wang Wei (699-759), fez uma pergunta fundamental para

o desenvolvimento da arte pictórica: não seriam a tinta e as variações de cinza

capazes de representar a variedade das cores (Yun mo er wu cai ju)? Não que os

letrados tenham simplesmente rejeitado as cores, mas eles valorizaram uma arte

tecnicamente menos reprimida, mais sóbria. A tinta, por meio do processo de

diluição, possibilita uma infinita variedade de nuances que são suficientes para

evocar as cores do mundo.

Esse interesse pela monocromia, no entanto, não levava ao abandono da cor.

No início da dinastia Ming (1368-1644), pintores da Escola de Zhe produziam

grandes paisagens realçadas com aguadas levemente coloridas, formando um

panorama de cenas históricas destinadas à exortação moral da corte (2009, cat.

4 e 5). Além disso, as paisagens chamadas “azul e verde” (qinglü shanshui), que

num primeiro momento continuaram sendo realizadas na corte, se tornariam um

tema predominante da arte de Suzhou (Escola de Wu) no século XV. É preciso

dizer que, no contexto artístico dessa época, muito marcado pela monocromia

(cf. 2009, cat. 3), o uso da cor na arte letrada reformularia profundamente a

pintura. Essas paisagens com atmosferas radiantes, passando da cor turquesa

ao ocre, reintroduziram, na pintura letrada, técnicas complexas de aplicação das

cores em “três camadas de alume e nove de pigmentos” (san fan jiu ceng).

5. A tinta e o pincel

As pinturas chinesas mais antigas foram elaboradas sobre seda, porém, a partir

do século XI, o uso do papel, normalmente menos dispendioso do que a seda,

difundiu-se com muita rapidez. Suas qualidades de absorção e a diversidade de

texturas interessaram os pintores porque permitiam valorizar o trabalho do pincel

e as variações da tinta (2009, cat. 44: Qi Baishi). Além disso, o traço, derivado

da arte caligráfica, portanto próprio aos letrados, ganhou importância em obras

monocromáticas.

Os letrados pintavam com instrumentos de seus escritórios – pincel, papel e tinta

–, os quais dominavam com muita naturalidade, assim como Da Vinci dominava a

pena com que desenhava. O pincel estava de tal forma domesticado que passou

a ser considerado não somente um prolongamento da mão, mas a expressão do

coração. Ele era capaz de transmitir as emoções diretamente, e é por isso que

uma atmosfera específica, um certo tipo de alma, habita a pintura.

Ao se concentrar nas técnicas de tinta e de pincel, o pintor deslocou o olhar do

apreciador de arte. Este, que normalmente também praticava a pintura, passou a

sentir a pressão do pincel sobre o papel, as hesitações ou a energia de uma curva.

Avaliou sobretudo o traço: os contornos das formas, a linha dos galhos vegetais,

a tensão das varas de bambu, a leveza das folhas de uma orquídea (2009, cat.

14), e observou a apresentação das matérias, o pincel seco que parece arranhar a

superfície do papel sobre os contornos de uma rocha, a tinta efêmera da umida-

de das brumas (ver também 2009, cat. 20).

6. Transmissão e aplicação dos antigos estilos

Uma das missões dos letrados consistia em transmitir, em primeiro lugar, os clás-

sicos, dedicando-se a um trabalho de cópia dos textos. Era preciso copiar para

conservar o espírito dos Antigos. A aprendizagem da pintura, baseada na da

caligrafia, também passava por uma cópia. Era bem tarde, quando já estivesse

introduzido na sociedade, que um mestre era escolhido para ser primeiramente

iniciado na arte antiga e, em seguida, orientado a encontrar seu próprio estilo. O

mestre instruía seus discípulos, e estes permaneciam a seu lado até sua morte.

Dessas relações nasceram redes, genealogias e escolas. Normalmente, os pinto-

Page 12: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 23 22

res dominavam uma vasta palheta de estilos e os utilizavam como se costumava

fazer em literatura, por meio de citações e às vezes até mesmo de pastiches.

Assim, não devemos nos assustar ao encontrar, no início do período Ming (sécu-

lo XIV), um retorno ao estilo do período Song (século XI), método que também

permitia afirmar uma continuidade política.

Paradoxalmente, as pesquisas estilísticas e a referência aos velhos mestres às

vezes impulsionaram uma grande fase criativa, sobretudo no trabalho de alguns

pintores do final da dinastia Ming, como Chen Hongshou (1598-1652). A estra-

nheza dos personagens e a simplificação das formas remetem à ideia de arcaís-

mo (guguai), em uma livre interpretação (ver também 2009, p. 78 e cat. 37: Su

Liupeng).

A citação estilística torna-se a via pela qual a arte da paisagem se afirmará como

pintura erudita, concentrada no emparelhamento das formas e na composição

no espaço. Enquanto os pintores de Wu, no século XV, privilegiavam a represen-

tação de caminhadas ou de reuniões de letrados, os paisagistas do século XVII,

mais austeros, excluíram quase sistematicamente os personagens (2009, cat. 19).

O mais célebre deles, Dong Qichang (1555-1636) (2009, cat. 15), reivindicando-se

herdeiro da Escola de Wu, rejeitava completamente a particularidade histórica

e fazia da paisagem uma pintura essencialmente dedicada à citação de estilo.

Desse modo, as escolhas estilísticas ditas “letradas” garantiam à paisagem sua

nobreza e elegância (wenya). Essa concepção logo culminou em um formalismo

que seria útil aos profissionais: graças ao domínio do estilo de certos mestres,

eles, a partir de então, conferiam às suas produções uma elegância da qual sua

clientela podia finalmente se apropriar.

7. Letrados e profissionais

A pintura já havia se emancipado quando mestres do início da dinastia Song

criaram grandes obras que se tornariam modelos clássicos. Porém, algumas mu-

tações sociais ainda provocariam mudanças no mundo pictórico. Era a primeira

vez, certamente, que os letrados conquistavam a posição mais importante na

administração: graças a um sistema de exames, os detentores do saber literário

podiam assumir cargos públicos.

Novos desafios se apresentaram então para esses letrados que praticavam a

arte como apreciadores: como demarcar a arte de uma elite que não é mais dife-

renciada pelo nascimento, mas por seu nível de cultura? Ao considerar a pintura

como uma arte “poética” – o conteúdo cultural e o poder evocatório da obra

foram comparados à poesia, que era então predominante –, o pintor não poderia

ser nada além de um letrado, um homem que, de acordo com o ideal confuciano,

era funcionário e, por esse mesmo motivo, estava protegido da necessidade. A

arte “nobre” passa a ser considerada desinteressada e sincera, ao contrário de

uma arte de corte que depende de encomendas.

A pintura se torna indissociável das “artes letradas”, a partir de então referência

em matéria de elegância. Assim, a arte de encomenda iria de tal forma se inspirar

nessa referência que a oposição pintura letrada versus pintura profissional só

iria se manifestar, com mais frequência, na teoria. Entretanto, a distinção é real

quando se trata de sua formação. Os profissionais, pintores da corte ou de ateli-

ês privados, eram geralmente considerados artesãos. Eles começaram a aprender

muito jovens e trabalhavam em obras coletivas de acordo com suas especialida-

des: um com as árvores, outro com a arquitetura, os mais habilidosos pintavam

rostos ou composições florais. Dito isso, alguns letrados também eram assistidos

por discípulos e chegavam a formar verdadeiros ateliês para atender às neces-

sidades de suas redes, pois se por um lado eles não necessariamente vendiam,

as pinturas serviam de objeto de troca e de presentes destinados a uma notável

clientela (no sentido medieval do termo).

8. Excêntricos e mercado de arte

Durante a dinastia Qing (1644-1911), alguns pintores se distanciaram claramente

da ortodoxia encarnada na obra dos “Quatro Wang”, concentrada sobretudo na

citação estilística e no arranjo dos elementos da paisagem. Com traços largos e

aguadas contrastadas, Zhu Da (dito Bada Shanren, 1626-1705) e Shitao (1642-

1707) reivindicam mais uma expressão pessoal do que a marca dos antigos mes-

tres. Por meio de sua pintura, Shitao se apresentava como um letrado íntegro,

imagem à qual sua clientela (aqui, no sentido comercial) era sensível.

A arte dita “letrada” foi objeto de um mercado muito desenvolvido. A perso-

nalidade de Shitao inspirou os “Oito excêntricos de Yangzhou” e, na primeira

Page 13: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 25 24

metade do século XVIII, a originalidade teve um enorme sucesso. Um grande

número daqueles que hoje são chamados “excêntricos” defendiam, na verdade,

uma originalidade convencional. A característica mais surpreendente da pintura

Qing reside na diversidade das escolas e dos centros de produção, e nosso co-

nhecimento sobre ela é apenas fragmentário.

Nessa época, Yangzhou era o centro artístico mais importante, e seus pintores pro-

fissionais vendiam em toda a China. Os grandes comerciantes da província de Anhui

apoiavam seus pintores e viram nascer mestres muito importantes, como Mei Qing

(1623-1697). Suzhou e Hangzhou continuavam sendo centros muito ativos em que

pintores como Qian Du (1763-1844) (cf. 2009, cat. 33, 34, 35) retomavam a tradi-

ção clássica. Finalmente, Nanjing e Guangzhou privilegiavam uma tradição original.

Todos os centros artísticos se alimentavam de um movimento constante entre as

fortalecidas tradições locais e a ortodoxia patrocinada pela corte.

9. Modernidade e tradição

No começo do século XVII, a China se mostrou receptiva às contribuições oci-

dentais. Na corte, isso se caracterizou pelo uso da perspectiva linear (cf. 2009,

cat. 23: Jin Kun) e por um novo sentido da cor. Naturalmente, o trabalho com a

cor teve importantes repercussões na pintura de flores – principalmente na obra

de Zou Yigui (1686-1772) –, em que as pétalas e as folhas são, a partir de então,

apresentadas diretamente por uma aguada colorida, sem contornos prévios de

tinta. Essa discreta revolução também teria implicações no que se refere à paisa-

gem: Wang Yuanqi (1642-1715) usa diretamente as pinceladas coloridas no topo

das árvores e mistura as pedras com cores de meia tonalidade, muito diferentes

dos pigmentos antes utilizados.

Nesse contexto, e certamente com o estímulo das gravuras ocidentais que circu-

lavam tanto em Tianjin quanto em Xangai, em Guangzhou ou em Fujian, o novo

uso da cor também se impôs fora da corte, sobretudo nos antigos centros artís-

ticos da província de Jiangnan – por exemplo na obra de Fang Xun (1737-1799).

Assim, o século XIX foi marcado por um deslocamento dos centros de interesse;

a arte de paisagem não ocupava mais o lugar dominante que ocupara até então,

e ambiciosas composições florais foram realizadas. As cores brilhantes eram tra-

balhadas como os antigos mestres manejavam a tinta (2009, cat. 41: Yao Hua).

A obra da Escola de Xangai constitui uma formidável renovação da arte pictórica

na China, assim como no domínio da pintura de personagens. Os temas tradi-

cionais foram então apresentados em novos formatos, em que os personagens

ocupavam a parte principal do espaço, e novos temas apareceram na pintura

letrada: os heróis dos romances e do teatro.

Assim, no que se refere à pintura de paisagem, o século XIX representa uma

pausa antes das grandes realizações do século XX, sobretudo nas experiências de

Zhang Daqian (1899-1983), que utilizará o azul e verde sobre grandes blocos de

tinta. Também irão aparecer as densas paisagens de Huang Binhong (1865-1955)

em que a tinta encarna em uma nova matéria (2009, cat. 47).

10. Redefinição na arte internacional

Em contrapartida à abertura da China para a pintura europeia, ocidentais pas-

saram a se interessar pela expressividade do pincel chinês. O traçado vigoroso

de Qi Baishi (1864-1957) (2009, cat. 43-44) algumas vezes assumiu o posto de

embaixador da arte chinesa durante a reconstrução da República da China (1911).

Impressionados com as consecutivas derrotas da China para a Europa (Guerras

do Ópio, Saque a Pequim), os intelectuais chineses partiram em busca de uma

nova cultura chinesa (Xin wenhua yundong, Movimento de 4 de Maio de 1919),

melhor inserida no mundo e detentora da força tecnológica ocidental. Todos os

aspectos da educação, da língua, da arte foram novamente questionados pelos

maiores intelectuais que partiram para a Europa, para a América ou para o Japão,

a fim de apreender os conceitos ocidentais.

Lin Fengmian (1900-1991) e Xu Beihong (1895-1953) (2009, cat. 79), que viveram na

França, são os exemplos mais representativos deles. Fundadores das novas insti-

tuições que até hoje formam os artistas chineses, eles redefiniram a arte chinesa

no contexto mundial. Lin Fengmian desempenhou um papel crucial de pedagogo,

ilustrando alternadamente as novas correntes pictóricas ocidentais (cubismo, im-

pressionismo, fauvismo) por meio de técnicas da pintura a partir de então chama-

da de “tradicional” – ou “pintura nacional” (guohua) (2009, cat. 82-1).

Page 14: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 27 26

É nesse contexto iconoclasta que se deve compreender a obra de Zhang Da-

qian ilustrando os grandes temas da pintura tradicional (2009, cat. 62; 58) ou

explorando a então esquecida arte rupestre da dinastia Tang (618-907) (2009, p.

161: Dame Li). Fu Baoshi (1904-1965), utilizando a tinta com uma nova técnica, a

partir de conhecimentos de trabalhos contemporâneos japoneses (2009, cat. 67),

interessava-se em refazer os temas da arte clássica (2009, cat. 69) e em mostrar

as grandes figuras da cultura chinesa (2009, cat. 70).

Graças a essa nova definição da “pintura tradicional”, a China manifestou afeição

à sua própria identidade e se preparou para a mundialização, possibilitando que

sua cultura atravessasse vitoriosamente o século XX.

Page 15: AF_Catalogo Pintura Chinesa

DINASTIA MING

Page 16: AF_Catalogo Pintura Chinesa

O falcão, empoleirado sozinho sobre um rochedo, domina as ondas com

segurança. O tratamento pictórico, em contraste com a precisão da plumagem

e com o movimento estilizado das ondas, reforça a oposição entre a postura

imóvel do pássaro e a agitada superfície da água. O conjunto cria uma impressão

de poder.

Na China antiga, os pássaros de caça eram sempre designados, genericamente,

como águia, ying. Por isso as pinturas que representam uma ave de rapina isolada

sobre uma elevação são tradicionalmente intituladas yingxiong duli, frase que

sugere que o ser de exceção não encontra semelhante sob o céu.1

Se as aves de rapina apareceram na pintura chinesa no século IV, a representação

de uma majestosa águia solitária certamente foi sistematizada sob o reino do

imperador Huizong (1082-1135). Hoje parece impossível atribuir uma pintura

desse estilo ao pincel do célebre “imperador-pintor”; no entanto, cópias e fontes

literárias atestam a importância de tais representações. Nessas obras, a cabeça

da águia está sempre abaixo do símbolo imperial e da menção yubi, “traçada pelo

pincel imperial”. Tais imagens, que refletem o poder do soberano, participavam

de um amplo projeto de política cultural.

A pintura do Museé Cernuschi inscreve-se nessa tradição. Ainda que suas

margens tenham sido divididas em uma época indeterminada, a pintura conserva

o traço visível de um símbolo imperial da era Xuanhe (1119-1125) e da menção yubi.2

Se, por um lado, parece difícil determinar uma data baseada nesses elementos

incompletos, por outro, o estreito parentesco estilístico entre essa pintura e uma

obra do Museu do Palácio de Taipei permite identificar a época de sua criação, o

século XIV.3

Falcão sobre um rochedo, século XIVAutor não identificadonanquim sobre seda | 120,6 x 62,6 cm

1. Essa associação se baseia na homofonia entre ying, a águia, e a primeira letra da palavra yingxiong, o herói.

2. As letras do símbolo incompleto na parte superior parecem ter sido “Xianhe [?] bao [?]”. Mesmo que muito apagado, um segundo símbolo, neifu zhencang, indica que a obra integrava coleções imperiais.

3. A obra do Museu do Palácio, outrora atribuída à época dos Song, foi objeto de uma nova atribuição baseada em uma comparação com um conjunto de obras conservadas no Japão. Para Sung Hou-mei, os colofões afixados na obra, datados dos primeiros anos da dinastia Ming, são contemporâneos à sua criação (Sung, 1992, p. 161). Entretanto, a pintura foi recentemente atribuída ao fim da dinastia Yuan (Age of the Great Khan, 2001, p. 38, 291-292).

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI30

Page 17: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI32

Inscrição e assinatura: Pintado em um barco em Piling durante o verão do ano

Dingwel da era Jiajing [1567], Gao Gu, Shimen Zi [alcunha do pintor].

Pintor e calígrafo originário de Fuzhou, Gao Gu esteve ativo durante a primeira

metade do século XVI. Foi autor de um tratado de caligrafia dedicado à escrita

dos escribas, Lishu lun, e de poemas reunidos em uma antologia de suas obras,

Shimen ji. Quanto às suas pinturas, a maior parte desapareceu. Segundo as fontes

literárias, ele teria sido um artista versátil, capaz de se expressar nos gêneros

paisagem, personagens, flores e pássaros.

A pintura representando os imortais demonstra esses diferentes dons: a paisagem

que acolhe essa reunião é pintada com concisão e energia, contrastando com

a representação – de uma grande acuidade – do rosto dos personagens e a

representação das flores do primeiro plano, pintados em estilo minucioso e natural.

Por seu tamanho e estilo, essa pintura faz referência às extensas composições

apreciadas no âmbito imperial. Na dinastia Ming, o repertório estilístico da

pintura da corte tomava muito emprestado dos mestres da época Song. Também

é possível observar esses empréstimos na pintura de Gao Gu, em que o traço

das árvores e a superfície das rochas evocam o estilo dos pintores da academia

dos Song do sul. A maneira como os quatro imortais se integram à paisagem

também pode ser comparada a algumas pinturas de corte datadas do fim do

século XV.1 A filiação estilística entre a obra de Gao Gu, datada de 1567, e os

pintores pertencentes ao apogeu da Academia Imperial, atesta a continuação de

uma tradição pictórica à margem das inovações introduzidas pelos pintores da

escola de Wu a partir dessa época.

Imortais, 1547Gao Gu (ativo na primeira metade do século XVI)nanquim e cores sobre seda | 237 x 165 cm

1. Como a obra de Liu Jun (ativo de 1475 a 1505), Protesto ao imperador, conservada no Metropolitan Museum of Art, em Nova York.

Page 18: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: No décimo sexto dia da sétima lua do ano Renxu [1082],

fui em um barco com alguns companheiros ao pé da falésia vermelha. Um vento

fresco soprava levemente e não levantava nenhuma onda. Ergui minha caneca

para convidar meus amigos a beber e recitei um poema no qual uma lua brilhava,

era uma canção muito bonita. Pouco depois, a lua subiu no alto da montanha

do leste; ela hesitava entre a grande Ursa e a estrela do Boieiro. Um orvalho

branco recobria o rio e o brilho da água se juntava ao céu. Não sabíamos onde

estávamos, mas tínhamos a impressão de voar como se abandonássemos o

mundo humano, como se asas tivessem nascido em nós, e subíamos, como se

fôssemos imortais.

Começamos então a beber e fomos contagiados por uma grande felicidade.

Cantávamos ao longo do barco, entoando o ritmo. Nossa música dizia:

“Revestimento de caneleira, ramas de magnólia. Atravessamos uma água clara

e transparente e subimos a brilhante correnteza. Meus pensamentos partem

para longe e meu olhar se voltam para uma linda mulher que se encontra num

pedaço do céu”. Um de nossos companheiros tocava gaita para nós. Sua música

melodiosa também tinha um pouco de rancor e de ressentimento; dir-se-ia que

ele chorava e se lamentava; e o som prosseguia como um fio que se estende sem

se romper.

Talvez ele fizesse dançar um dragão escondido no fundo das grutas sombrias

e fizesse chorar uma viúva sozinha no barco solitário. Fiquei muito triste com

aquilo e, arrumando meu casaco e endireitando-me em meu lugar, perguntei

ao músico: “Por que essa melodia?”. E ele me respondeu: “A lua brilha, as

estrelas são raras, as gralhas voam para o sul: não estariam aí os versos de

A falésia vermelha, entre 1490 e 1559Wen Zhengming (1470-1559)nanquim e cores sobre papel | 17,4 x 49 cm

A DINASTIA MING 35

Page 19: AF_Catalogo Pintura Chinesa

em “pequena regular”, xiaokai, na parte superior da composição. Esse tema

literário, particularmente apreciado nas pinturas da escola de Wu, foi tratado

várias vezes por Wen Zhengming, normalmente no formato de rolo horizontal.1 O

texto de Ode à falésia vermelha, que foi objeto de numerosas transcrições feitas

por Wen Zhengming em diferentes estilos, podia ser associado diretamente a

uma pintura, como no caso desse leque.

Uma história conta que Wen Zhengming, então com 86 anos, havia caligrafado

a Ode à falésia vermelha de Su Dongpo no estilo da “pequena regular”, a fim

de pagar uma dívida adquirida em uma partida de xadrez.2 Seja essa narrativa

autêntica ou não, ela atesta a reputação adquirida por Wen Zhengming em um

estilo de caligrafia que necessita, ao mesmo tempo, de altas qualidades técnicas

e de uma energia intacta. Para o autor dessa história, a prática da “pequena

regular” simbolizava a integridade das forças físicas e morais do ancião. Essa

concepção, sem dúvida partilhada pelos contemporâneos de Wen Zhengming e,

mais tarde, pelos colecionadores de sua obra, poderia ter-se aplicado à pintura

do Musée Cernuschi, datada de 1552.

A delicadeza do traço realizado na caligrafia também caracteriza a paisagem.

Em contraponto ao uso minucioso do pincel, as cores, hoje apagadas, deviam

desempenhar um papel importante na composição. Se o vermelho das folhagens

do primeiro plano conservou seu brilho, o verde e, sobretudo, o azul das

montanhas perderam sua intensidade. A simplicidade do conjunto, que revela

certo gosto pela antiguidade, também se harmoniza com a natureza meditativa

do texto de Su Dongpo. Esse tipo de diagramação devia ter sido instaurado como

modelo, como demonstra uma pintura sobre o leque de Wen Boren (1502-1575),

conservado no Museu de Xangai, que empresta sua composição à obra de Wen

Zhengming, conferindo-lhe certa amplidão decorativa.3

A DINASTIA MING 37 SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI36

1. Laurent, 2006, p. 17-32.

2. Goodrich e Fang, 1976, p. 1473.

3. ZGGDSHTM, t. 2, p. 322, n. 1_1037.

Cao Cao? Se olhamos em direção ao oeste, vemos Xiakou, em direção ao leste,

Wuchang; montanhas e rio se juntam em um lúgubre verde escuro; não seria

aqui que Cao Cao fora derrotado por Zhou Yu? Ele havia capturado Jingzhou e

descido o rio até Jiangling. Seus barcos, que seguiam a correnteza em direção

ao leste, espalhavam-se em mil léguas, e seus estandartes escondiam a vista

do véu. Ele se serviu de vinho, aproximou-se do rio e, segurando uma alabarda,

compôs esse poema. Certamente, ele foi o herói de toda uma geração, mas

onde ele se encontra hoje? Ou, ainda, o que vai acontecer com vocês, comigo,

pescadores e lenhadores à beira do rio, conosco, que temos peixes e camarões

como companheiros, a corça e o cervo como amigos, que prosseguimos em um

esquife parecido a uma folha, que erguemos cantis e canecas convidando-nos

uns aos outros a beber? Fomos enviados ao universo como seres efêmeros e

mariposas, grãos de arroz no oceano. Fico triste com o breve destino de minha

vida, invejo o infinito do longo do rio, queria voar seguindo os imortais, enlaçar

a lua e durar o mesmo tempo que ela. Mas sei que isso é impossível, e confio

minha melodia ao triste vento”.

Eu respondi: “Você também conhece a água e a lua? Elas passam como

essa correnteza, mas nunca vão embora. O cheio e o vazio são como elas, e

finalmente, não existe morte nem continuação. Se pensarmos no que de nós

mesmos se transforma no universo, nada permanece, nem mesmo o tempo de

um piscar de olhos; e se considerarmos o que continua sem se transformar,

então tudo é infinito, inclusive eu. O que devemos invejar então? Além disso, no

mundo, cada coisa tem um mestre. Se alguma coisa não me pertence, não posso

segurá-la. Mas a brisa sobre o rio, a lua sobre as montanhas que meus sentidos

transformam em som e em cores, nada me impede que eu absorva essas coisas,

e posso aproveitar isso infinitamente. É um tesouro imensurável da criação,

este de que eu e você podemos gozar juntos.”

Todos os meus companheiros puseram-se a rir. Tínhamos lavado as canecas e

voltamos a beber; quando terminamos a carne e as frutas, as taças e o pratos

estavam desarrumados. Servindo-nos todos de travesseiros, dormimos no

barco sem nos darmos conta de que o leste embranquecia.

Escrito por Zhengming, no ano Renzi [1552]

Essa pintura representa um tema clássico inspirado na Primeira ode à falésia

vermelha, de Su Dongpo. O texto desse poema foi traçado por Wen Zhengming

Page 20: AF_Catalogo Pintura Chinesa
Page 21: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: Pintado para a despedida de meu irmão Chun, dia 15 da

primeira lua do ano Jhiai [1659], Lan Ying.

Mesmo que seus biógrafos façam alusão a suas longas viagens realizadas na

juventude, a atividade profissional de Lan Yiang parece estar concentrada

em sua cidade natal, Hangzhou, em Zhejiang.1 Lan Ying, como vários de seus

contemporâneos, era simpático às ideias de Dong Qichang (1555-1636), que

exerceram influência direta em sua formação e prática pictórica. Assim como

as pinturas de Dong Qichang, as obras de Lan Ying apresentam numerosas

referências aos mestres do passado. Se no gênero da paisagem o artista se

inspirava preferencialmente em Huang Gongwang (1269-1354), uma folha de

álbum do Musée Cernuschi representando um rochedo pintado “à maneira de

Wang Meng”, indica o alcance do repertório do artista.

Não é impossível que essa folha de álbum tenha participado de uma

série representando exclusivamente os singulares rochedos em variadas

representações.2 De fato, Lan Ying parece ter ilustrado a si mesmo nesse gênero,

estimado sobretudo por seus contemporâneos. De suas pedras emana uma

monumentalidade, e o artista lhe confere, naturalmente, um papel estruturante

em suas composições. Essa função é atestada na pintura sobre o leque, em que

a massa do rochedo apoia o pinho torto que ocupa a parte central. Essa estrutura

original é intensificada pelo audacioso uso da cor, que é, talvez, a mais radical das

inovações pictóricas introduzidas por Lan Ying.3

Esse trabalho pode ser comparado a uma obra-prima da pintura sobre leque

atribuída a Lan Ying, conservada no Museu de Nanquim.4 De fato, essas duas

obras datadas de 1659 procedem de um mesmo veio criativo. No caso da pintura

do Musée Cernuschi, a inscrição especifica as circunstâncias da gênese da

obra; trata-se de um presente oferecido na ocasião de uma partida. O papel

desempenhado pelos leques pintados na vida social das elites da época está aqui

explicitado.5

Paisagem com pinho e rochedo, 1659Lan Ying (c. 1585-1664)nanquim e cores sobre papel | 16,4 x 48,5 cm

1. Para a biografia de Lan Ying, cf. Goodrich e Fang, 1976, p. 786-788; Yang, 1997, p. 234-236.

2. Parecido com o álbum reproduzido em ZGGDSHTM, t. 1, p. 148-149.

3. Uma folha de álbum conservada no Museu do Palácio de Pequim atesta o uso original da cor (Giès, 2004, p. 248).

4. Xu, 1998, p. 22.

5. Matteo Ricci (1552-1610) notara a importância das doações de leques. Ele dizia até ter constituído um pequeno conjunto dos que recebera, a fim de poder se debruçar sobre o rito social dos presentes, oferecendo-os por sua vez (Ricci e Trigault, 1978, p. 90).

A DINASTIA MING 41

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Page 23: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 45 44

DINASTIA QING

Page 24: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: Pintura dos mil outonos e das três eternidades.

Qiedao Ren [alcunha do pintor] de Tieling, Zhitou shenghuo [mote do pintor].

Essa obra monumental ilustra a técnica de pintura a dedo à qual o nome de Gao

Qipei é associado. O pintor pertencia a uma família chinesa originária de Tieling,

na Manchúria. No contexto político da dinastia Qing, essa origem podia favorecer

uma carreira oficial.1 Esse foi o caso de Gao Qipei, que, seguindo seu pai, serviria

tanto nas províncias de Yunnan, Zheijiang e Sichuan, como em Pequim. Introduzido

na corte, ele se diferenciaria por seus talentos de pintor, sobretudo por suas obras

feitas a dedo, um gênero de pintura que virou moda por causa do imperador

Shunzhi (1638-1661).2 A pintura apresenta, no centro, um casal de cervídeos. Esse

motivo de bom agouro foi representado várias vezes por Gao Qipei. Assim, uma

de suas obras de mesmo tema, conservada no Museu da Capital, em Pequim, tem

algumas semelhanças com a composição do Musée Cernuschi.3 A representação do

cervo sugere as diferentes técnicas adotadas pelo pintor: traço de contorno com

o dedo para dar mais movimento à silhueta, impressões digitais progressivamente

afinadas para a pelagem manchada do animal, detalhes de cílios e sobrancelhas

realizados com a ponta da unha. A atenção dedicada ao trabalho de tinta de Gao

Qipei às vezes ocultou a originalidade de seu uso das cores. O tratado de seu neto

Gao Bing indica, no entanto, o caráter pouco convencional do uso das cores na

pintura do avô. Ele observa que o vermelho, normalmente utilizado com leveza, era

aplicado em grossas camadas por Gao Qipei, que se divertia, aliás, aplicando o verde

e o azul, sobrepondo-os em largas superfícies empastadas.4 Por causa de alguns

detalhes, a pintura do Musée Cernuschi é a ilustração exata dessas propostas: um

morcego de um vermelho profundo sai dos galhos dos pinheiros, enquanto os

cogumelos da imortalidade, traçados a tinta, estão salpicados de verde e azul. Esse

uso da cor ressalta visualmente a presença desses dois elementos essenciais para

o significado da pintura. Ao referir-se aos mil outonos, o título dessa obra constitui

em si uma fórmula de desejo de longevidade. A idade vetusta, shou, é evocada

pelos cogumelos da imortalidade, lingzhi, e também pelos pinhos, enquanto a

felicidade, fu, é anunciada pelo morcego, fu. Finalmente, os cervídeos, lu, referem-

-se às heranças, lu. Reunidos, eles formam a tríade fu, lu, shou, síntese visual dos

votos que se pode desejar na ocasião de um aniversário.

Pintura dos mil outonos, entre 1700 e 1730Gao Qipei (1672-1734)nanquim e cores sobre papel | 227 x 115,2 cm

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI46

1. Quando o sistema manchu de oito bandeiras foi adotado para governar o império em 1644, os chineses da Manchúria, que foram incorporados à bandeira amarela, desempenharam um papel de retaguarda particularmente importante para o novo poder. Assim, o pai de Gao Qipei, Gao Tianjue, tomou partido na luta contra legitimistas Ming, e assim foi morto. Esse fim glorioso favoreceria a carreira de seu filho. A propósito da biografia de Gao Qipei, cf. Ruitenbeek, 1992.

2. Uma célebre pintura a dedo representando Zhong Kui, conservada no Museu do Palácio, foi atribuída ao imperador Shunzhi.

3. Shoudu Bowuguan, 1995, p. 42-43.

4. Para uma tradução em inglês do texto de Gao Bing, cf. Ruitenbeek, 1992, p. 296-312.

Page 25: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS48

Essa pintura monumental foi criada para comemorar o banquete oferecido

pelo imperador Qianlong em 1744, na ocasião da renovação arquitetônica

da Academia Hanlin, uma das instituições fundamentais da China

imperial. Essa descrição exata da arquitetura da academia e da cerimônia

oficial que ocorreu em seu interior foi realizada por um conjunto de seis

pintores, todos membros da Academia Imperial de Pintura. As caligrafias

que aparecem na pintura são obra de três importantes funcionários, Li

Zongwan (1705-1759), Ji Huang (1711-1794) e Zhang Zhao (1691-1745).

Trata-se de transcrições de composições poéticas realizadas durante as

festividades que marcaram esse dia.

Diferentes fontes históricas permitem conhecer a ordem em que aconteceu

a cerimônia. No dia dessa celebração, o imperador se apresentou

pessoalmente na Academia Hanlin, onde foi recebido por Zou Ertai (1677-

-1745) e Zhang Tingyu (1672-1755), que presidia essa instituição. Antes que

o banquete começasse, o imperador havia pedido aos letrados da Academia

Hanlin que realizassem uma primeira composição poética coletiva. Na

sequência dos poemas do imperador e dos grandes letrados, cada um

dos membros da Academia criou um verso de cinco caracteres, inserindo

aí, sucessivamente, um dos caracteres do poema Dogbi tushu fu, xiyuan

hanmolin, de Zhang Shuo (667-730). Esse caractere também tinha a função

de indicar a rima a ser adotada. Mais tarde, eles foram transcritos por Li

Zongwan na parte inferior direita da pintura da Academia Hanlin. O banquete,

A Academia Hanlin, 1744-1745Jin Kun (ativo entre 1717 e 1749) Sun Hu (ativo entre 1728 e 1746) Lu Zhan (ativo em meados do século XVIII) Wu Yu (ativo em meados do século XVIII) Zhang Qi (ativo em meados do século XVIII) Cheng Liang (ativo em meados do século XVIII)nanquim e cores sobre seda | 193,5 x 625,5 cm

A DINASTIA QING 49

Page 26: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 51

que representam os grandes acontecimentos do reino dos imperadores

Qing. Foi exatamente na ocasião da realização de uma das mais célebres

dentre essas pinturas, o Sexagésimo aniversário do imperador Kangxi,

datado de 1717, que Jin Kun foi recrutado como pintor na corte. Durante

os anos a serviço dos imperadores Kangxi, Yongzheng e Qianlong, Jin Kun

foi chamado para participar de vários programas de grande envergadura,

implicando um domínio da técnica jiehua, que permite representar os

elementos da arquitetura. Durante o reinado de Yongzheng, ele colaborou

com a versão do Qingming shanghe tu, de Chen Mei (1694-1745), ao lado

de Sun Hu e de dois outros pintores. Em 1735, Jin Kun e Sun Hu produziram

quadros a pedido do príncipe Hongli, futuro imperador Qianlong. Em

1741, quando os quinze pintores da Academia Imperial, huahuaren, foram

classificados em três categorias, Jin Kun e Sun Hu ocuparam a primeira

posição. Lu Zhan e Wu Yu, que também deviam participar da realização

da Academia Hanlin, foram classificados na terceira categoria. Se for

considerado que Cheng Liang – cujo nome é citado por último entre os

signatários – era aluno de Jin Kun, então se torna evidente a hierarquia

intrínseca da equipe de pintores que trabalharam nesse vasto projeto.

Projetos de tal envergadura frequentemente mobilizavam um grande

número de pintores durante vários anos. Mas é provável que A Academia

Hanlin tenha sido realizada mais rapidamente, como sugere a presença,

na obra, da caligrafia de Zhang Zhao, morto em 1745, ano seguinte ao

acontecimento representado.

Essa pintura se distingue na produção da Academia Imperial pela

originalidade de seu formato, que permitiu aos pintores a prática de um

tipo de perspectiva complexa. A obra constitui, aliás, um importante

testemunho relativo a uma instituição que exerceu papel artístico essencial

na formação das elites da China imperial desde a época dos Tang. Por

fim, essa pintura é, sem dúvida, a imagem mais fiel de um conjunto de

arquitetura e elementos urbanos hoje desaparecidos: a Academia Hanlin e

sua biblioteca foram quase completamente destruídas em 1900, durante

a Guerra dos Boxers.

do qual participaram sessenta pessoas, foi acompanhado por música e por

uma apresentação teatral. Depois, na sequência do imperador, os letrados

da Academia realizaram novas composições poéticas encadeando versos de

sete caracteres, de acordo com o modelo dos poemas antigos boliang ti.

Essas peças foram, mais tarde, transcritas na parte superior da pintura por

Ji Huang. Quando o banquete chegou ao fim, o imperador se retirou para

o pavilhão Qingbi, onde compôs novamente quatro poemas em versos de

sete caracteres, que, provavelmente, são peças transcritas na parte inferior

direita da pintura por Zhang Zhao, um dos maiores calígrafos de seu tempo,

que, sob ordem imperial, podia substituir seu pincel pelo de Qianlog.

Essas informações permitem compreender que o momento da cerimônia

descrito na pintura é aquele em que o imperador se retirou para o pavilhão

Qingbi. Sua presença, destacada pelo dossel imperial, explica que vários

letrados se mantêm em uma atitude respeitosa perto do pavilhão, que se

localiza em um pátio contíguo ao pátio principal onde ocorreu o banquete.

Os prédios do pátio principal receberam decoração temporária. O trono

do imperador, instalado sob o pavilhão central, está voltado para o palco,

situado do outro lado do pátio. Os membros da Academia permanecem

de pé no centro do pátio, organizados de acordo com sua categoria. No

primeiro pátio, os presentes oferecidos pelo imperador estão dispostos

sobre as mesas: trata-se de célebres chás, preciosos rolos de seda e papéis

coloridos. O guarda do imperador, boowei ban, fica nesse local. Para além

da porta da Academia, o cortejo imperial forma uma barreira de honra até

as portas do palácio.

O momento da cerimônia escolhido para a representação permitiu realizar

uma descrição viva e contrastada desse acontecimento. Se, por um lado, os

membros da Academia que ficam no pátio principal observam uma atitude

protocolar, por outro, os funcionários, guardas e empregados que estão

no primeiro pátio, assim como o cortejo imperial no exterior da Academia,

são representados em repouso. Ainda que essa obra pertença à categoria

dos tieluo, um tipo de pintura destinada a ser pregada diretamente em

uma parede, ela mantém várias relações com os longos rolos horizontais

A DINASTIA QING 51 SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI50

Page 27: AF_Catalogo Pintura Chinesa
Page 28: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: Agitada, ela leva as cores da montanha

Luminosa, reflete a sombra da floresta.

Quando ela ressoa por sobre a pedra,

Lembramos da calma [que reina] no coração da montanha.

Xi An [sobrenome do pintor] Zhang Yin.

Zhang Yin pertencia a uma família de ricos mercadores de Zhenjiang, em Jiangsu.

Seu pai e seu tio eram mecenas de grande importância. Entre as personalidades que

seu pai costumava receber, o calígrafo e colecionador Wang Wenzhi (1730-1802)

e o pintor Pan Gongshou (1741-1794) exerceram uma profunda influência sobre

Zhang Yin. Pan Gongshou deve tê-lo apresentado à obra de Wen Zhengming,

que se tornou seu modelo preferido durante a juventude. Quando Zhang Yin

ultrapassou os cinquenta anos, as inundações provocadas pela enchente do rio

Jingjiang o arruinaram, e ele precisou deixar sua antiga residência para se instalar

na cidade, onde praticou a pintura profissionalmente.1 Seus últimos anos, vividos

na miséria, foram extremamente criativos. Nas composições de grande formato,

Zhang Yin passa a captar o caráter monumental dos mestres da paisagem dos

Song do norte. O poder dessas obras com policromia acentuada o levou a se

tornar líder da escola de Zhenjiang.

O formato e as tonalidades da paisagem Solitário sob os pinhos contemplando

as ondas correspondem a esse último período. A respeito das massas rochosas,

o tratamento da tinta trai a influência dos modelos da época dos Song. Os

espinhos em forma de leque dos grandes pinhos, cuja intensidade matizada 1. A propósito da biografia de Zhang Yin, cf. Zhai, 1998, e Wan, 2005, p. 70-74.

Solitário sob os pinhos contemplando as ondas, entre 1819 e 1829Zhang Yin (1761-1829)nanquim e cores sobre papel | 141 x 80,5 cm

A DINASTIA QING 55

Page 29: AF_Catalogo Pintura Chinesa

sugere as profundezas da folhagem, são características do estilo de Zhang Yin. A

composição é muito próxima de outras pinturas realizadas no começo dos anos

1820, como a Contemplação de uma cascata no outono, do Museu de Xangai.2 A

singularidade da pintura conservada no Musée Cernuschi deve-se ao fato de que

Zhang Yin substituiu a concentração de ondas por picos montanhosos.

O tema é uma interpretação original de outro, frequentemente tratado pelo

artista, o da contemplação de uma cachoeira.3 A inscrição, tomada emprestada

de um poeta da época dos Tang, Huang Fuzeng (721?-785?), descreve o curso

de um rio de montanha. O poeta ressalta o contraste entre a fúria da torrente

e a serenidade que reina no alto das montanhas. O fato de o pintor ter

voluntariamente omitido o título do poema, A fonte ao pé da montanha, sugere

que ele, talvez, tivesse mais a intenção de evocar um rio turbulento do que uma

paisagem de montanha. Vista a importância dedicada às célebres regiões de

Zhenjiang4 em sua obra, Zhang Yin pode ter sido inspirado pelas paisagens dos

arredores do grande rio.

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI56

2. ZGMSQJ, Qing dai huihua (xia), n. 108.

3. Uma pintura em leque da antiga coleção de Zhang Xueliang (1901?-2001) apresenta uma composição muito próxima à pintura do Musée Cernuschi (venda no dia 10 de abril de 1994, Sotheby’s, Taipei).

4. Lugares célebres de Zhenjiang, Museu de Zhenjiang, ZGGDSHTM, t. 6, p. 289; e Três elevações de Jingjiang, Museu do Palácio de Pequim, Nie, 1997, p. 292.

Page 30: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 59 58

O MOVIMENTO EPIGRÁFICO E A

RENOVAÇÃO DA PINTURA CHINESA

Page 31: AF_Catalogo Pintura Chinesa

A ESCOLA EPIGRÁFICA 61

Inscrição e assinatura: O grande rio corre em direção ao oeste, suas ondas

varrem os nobres nomes de outrora. Caóticas pedras

e nuvens despedaçadas, lâminas terríveis atingem o rochedo.1

Para o senhor Pu Tang [Georges Lecomte (1867-1968)], Kang Youwei.

Kang Youwei é originário de Nanhai, na província de Cantão. Após formar-se

na academia Xuehai Tang, ingressa no doutorado em 1895. Ele expressa suas

ideias inovadoras em duas obras principais: Estudo crítico dos falsos clássicos

estabelecidos pelos eruditos da Dinastia Xin, [Xinxue wijing kao], em 1891, em que

repensa a leitura oficial dos clássicos, e Estudo crítico de Confúcio, reformador

das instituições [Kongzi gaizhi kao], em 1897, que apresenta uma visão renovada e

progressista sobre Confúcio. Em 1898, ele ganha importância no governo e, entre

outras reformas, propõe a instituição de uma monarquia parlamentar. Devido à

reação de milhares de conservadores, vê-se obrigado a deixar o país e vive em

exílio até 1916, viajando principalmente pelo Ocidente. Além do campo político, o

pensamento de Kang Youwei aborda os domínios sociais, filosóficos e religiosos,

como revela sua obra testamental, o Livro da grande unidade, [Datong shu].

Ao longo de suas viagens, as comparações que ele estabeleceu, no campo das

artes, entre as tradições pictóricas ocidental e chinesa, levaram-no a constatar

uma decadência da pintura chinesa. Esse admirador de Rafael (1483-1520) e dos

mestres das dinastias Song e Yuan considerou a necessidade de reorientar a arte

chinesa, apoiando-se, por um lado, no estudo da arte ocidental e inspirando-se,

por outro, nas tradições responsáveis pela grandeza da arte da academia dos Song.

Essa defesa do realismo na arte exerceu uma influência considerável em pintores

como Xu Beihong (1895-1953) e Liu Haisu (1896–1994), que seguiram suas lições.2

Caligrafia, entre 1913 e 1927Kang Youwei (1858-1927)nanquim sobre papel | 175,6 x 89,7 cm

1. Esses versos foram retirados do poema Lembrança da passagem pela falésia vermelha, de Su Dongpo, inspirado em Lembrança de sua frágil beleza (Su Dongpo quanji, 1936 e Egan, 1994, p. 226-227).

2. Wu, 1990, p. 46-53.

Page 32: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI62

No campo da caligrafia, Kang Youwei inscreve-se na linha das ideias formuladas

por Ruan Yuan (1764-1849) e Bao Shichen (1775-1855), em seus escritos fundadores

da escola de estudo de estelas, Beixue pai. Kang Youwei se distancia, portanto,

da tradição caligráfica iniciada por Wang Xizhi (303-361) para se dedicar a estelas

antigas. Em sua caligrafia, ele faz referência especialmente às inscrições da época

dos Han e dos Wei do norte. Os grandes caracteres de Kang Youwei, com o traço

propositalmente malfeito, têm um aspecto monumental inspirado no estudo

das inscrições sobre pedra, como o Shimen Ming. Essa escritura derivada do

estilo dos escribas, lishu, desenvolve-se, entretanto, de modo cursivo. O pincel,

cheio de tinta, embebe a folha em diferentes lugares enquanto alguns caracteres

apresentam-se extremamente secos. Resulta, desse contraste, uma manifestação

singular de energia.

Page 33: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS64

Inscrição e assinatura: Milhares de caracteres foram escritos no Eremitério

Lütianan,1

Sob o pincel [de Huaisu], dragões e serpentes2 vão ao altar do Buda.

Espera-se que as [qualidades das] folhas de bananeira e folhas de papel sejam

similares,

Nanquim e meditação desde os tempos antigos sempre foram orientados para

o despertar.

Traçado por Wang Zhen [dito] Bailong shanren, durante o outono do ano Renxu.

“Homem de negócios, filantrópico e artista”, segundo os termos de Tsao Hsing-

yuan,3 Wang Zhen é uma figura muito característica da escola de Xangai. De

condição modesta, ele teria sido aprendiz em um ateliê de montagem de pintura

durante sua juventude,4 onde estudou com Ren Bonan (1840-1896), cuja influência

seria preponderante nas obras do jovem Wang Zhen. Durante a maturidade,

sua pintura foi profundamente renovada pelas visitas de Wu Changshuo. Ele

conheceria o sucesso nos negócios como representante de diferentes sociedades

japonesas, ocupando as funções de presidente das câmaras de Agricultura,

de Manufaturas e do Comércio de Xangai.5 Paralelamente a suas atividades

comerciais, Wang Zhen foi um criador prolífico. Seu traço forte e as cores fracas,

herdados do mestre, aplicam-se de modo privilegiado na pintura de personagens,

gênero pelo qual Ren Bonan se tornou conhecido. Budista fervoroso, ele soube

comunicar um vigor intenso em suas representações de santos e monges,

como demonstram suas várias imagens de Bodhidharma, entre as quais uma,

monumental, entrou para as coleções nacionais francesas em 1934 e hoje está

conservada no Musée Guimet. Além de suas realizações artísticas pessoais, seu

papel de mecenas favoreceu a disseminação da obra de Wu Changshou (1843-

-1927) no Japão.

Huaisu escrevendo sobre uma folha de bananeira, 1922Wang Zhen (1867-1938)130 x 33,2 cm | nanquim e cores sobre papel

1. O local do Eremitério do Céu Verde (Lütianan), onde morava o monge Huaisu, era cercado de bananeiras, que lhe acarretaram o nome.

2. A expressão “dragões e serpentes” designa a caligrafia cursiva.

3. A forgotten celebrity, Wan Zhen (1867-1938), Businessman Philanthrope and Artist. In: Ju-His Chou (Ed.), Art at the Close of China’s Empire. Phoebus, n. *, p. 94-109.

4. XIAO, Fenqi. Wang Yiting. Shijiazhuang, Pequim: Hebei Jiaoyu Chubanshe, 2002, p. 28-29.

5. FONG, Wen. Between Two Cultures, Late Nineteenth- and Twentieth-Century Chinese Painting from the Robert H. Ellsworth Collection in the Metropolitan Museum of Art. Nova York: Yale University Press, 2001. p. 78-79.

A ESCOLA EPIGRÁFICA 65

Page 34: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Essas duas obras de Wang Zhen pertencem à maturidade do artista. A

representação de Huaisu (c. 735-800), o mestre da dita cursiva insana, escrevendo

em uma folha de bananeira inscreve-se em tradição antiga.6 De fato, a biografia

de Huaisu por Tao Gu (903-970) relata que esse monge budista havia plantado

bananeiras ao redor de seu eremitério, e que ele fazia uso das folhas para suas

caligrafias. Essa história, que enfatizava a pobreza de Huaisu, mas também seu

empenho no estudo da caligrafia, se tornaria um tema pictórico por si só, e um

assunto especialmente caro a Ren Bonan.7 A pintura de Wang Zhen é caracterizada

por seu frequente traço forte à margem do primeiro plano e nos bambus do plano

de fundo. Contrastando com esses traços, cuja força contribui para o gesto do

calígrafo, o rosto do monge foi feito com a técnica mogu (sem ossos), os detalhes

dos olhos e da barba são retomados com um pincel leve. A segunda pintura

constitui uma hábil síntese entre o gênero dos personagens e a arte da paisagem.

Os personagens representados são Hanshan e Shide, duas figuras do budismo

chinês cuja estreita associação deu origem a uma iconografia original que

confere, aos dois sábios, os mesmos traços grosseiros. Como a biografia do poeta

Hanshan, que viveu na época dos Tang, é muito lacunar, a legenda foi atribuída a

ele. No prefácio de Lu Qiuyin aos poemas de Hanshan, ele foi apresentado como

um monge budista ligado às cozinhas do templo Guoqing Si nos montes Tiantai.

Inseparável de Shide, ele é conhecido como o inapreensível, encontra refúgio

nos montes Hansam, onde escreve seus poemas em uma parede das falésias.

Essa obra, assim como o retrato de Huaisu, evoca, consequentemente, figuras

fundadoras que ilustram os laços entre o despertar budista e a inspiração artística

a que Wang Zhen se dedicou em sua obra de pintor.

6. LAUER, Uta. Portrait of the Artist as a Poor Man the Significance of Writing on a Banana Leaf. In: BLANCHON, Flora (Dir.). La question de l’Art en Asie Orientale. Paris: Presses de l’Université Paris-Sorbonne, 2008. p. 251-263.

7. Lauer, 2008, fig. 4 e 13.

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI66

Page 35: AF_Catalogo Pintura Chinesa

1. Inscrição e assinatura: Afastado há muito tempo do pavilhão Bayan, Qi Baishi,

com oitenta e sete anos, pintou esses seres com sua velha mão.

2. Inscrição e assinatura: Anos duradouros e grande prosperidade. Para o

Senhor Zhicheng. Baishi em seu octogésimo sétimo ano.

3. Inscrição e assinatura: Para o Senhor Hongqu, em homenagem. No oitavo

mês do outono do ano Jiahai [Dinghai], pintado por Laishi em seu octogésimo

sétimo ano, na antiga Yanjing [Pequim].

4. Inscrição e assinatura: Feito pelo velho Baishi em seu octogésimo sétimo ano

em Jinghua [Pequim].

Qi Baishi é originário do vilarejo de Xingdou Tang, no distrito de Xiangtan em

Hunan. Nascido em um meio modesto, ele aprendeu desde sua adolescência o

ofício de gravador na madeira. Essa formação artesanal favoreceu a apropriação

do repertório decorativo tradicional, sobretudo floral. No fim de seu aprendizado,

ele estava determinado a se formar na pintura como autodidata com base nos

modelos do manual de pintura Jiezi yuan huachuan, exercendo seu ofício de

gravador. O estudo da técnica do retrato junto com Xiao Zhuanxin levou-o a

se estabelecer como retratista a partir de 1889.1 No mesmo ano, ele se tornou

aluno de Hu Qinyuan (?-1914), com quem aprendeu a técnica gongbi. No entanto,

essas qualidades encontrariam uma expressão mais bem-acabada nas pinturas de

insetos e de flores, às quais ele dedicou suas pesquisas de 1895 até a época de

sua mudança para Pequim, nos anos 1920. De 1902 a 1909, ele fez várias viagens,

que o levaram a visitar regiões e cidades muitos distintas, como Xi’an, Pequim,

Guilin e Cantão. As obras que viu e as personalidades que conheceu ao longo

Pintinhos, Peixes, Junco e Gralha com melancia, 1947Qi Baishi (1863-1957)nanquim e cores sobre papel | 103,3 x 34,2 cm; 103,7 x 34,4 cm; 102 x 34 cm; 101,3 x 33,9 cm

desses périplos levaram-no a adotar novos modelos, como Zhu Da (1626-1705),

Jin Nong (1687-1764) e Xu Wei (1521-1593) para a pintura, e Zhao Zhiqian (1829-

1884) para a gravura de símbolos. Essas influências participaram da evolução de

seu estilo, que se emancipa progressivamente de seu traço minucioso.

Contudo, é somente no momento de sua instalação em Pequim, em 1917, em

consequência de seu encontro com Chen Shizeng (1876-1923), que ele se orienta

para o que culminará na expressão de seu estilo pessoal. Além da influência

de seus escritos, talvez fosse a importância dedicada à obra de Wu Changshuo

(1844-1927) por Cheng Shizeng e os membros de seu círculo, como Chen Banding

(1877-1970) ou Yao Hua (1876-1930), que levaria Qi Baishi a tomar por modelo

a obra do mestre da escola de Xangai. Ao final do que Qi Baishi chamava de

“reforma artística em uma idade avançada”, ele emergiu rapidamente na cena

artística nacional. A originalidade de suas composições, a energia do pincel e

a audácia no emprego das cores caracterizam, no plano formal, as obras dessa

época. Entretanto, a simplicidade direta de sua obra deve-se ao caráter rústico,

salpicado de humor, de seu universo pictórico. Após a revolução de 1949, foi

consagrado o representante mais importante da pintura chinesa tradicional.

As quatro pinturas, doadas ao Musée Cernuschi por Guo Youshou (1900-

1978), formam um conjunto característico da maturidade de Qi Baishi. Além

das reminiscências sensíveis, por exemplo, por meio do perfil do bagre que

evoca a pintura de Zhu Da,2 essas obras constituem uma perfeita introdução

ao universo pictórico de Qi Baishi. Os animais, apreendidos na espontaneidade

de seus movimentos, como a ninhada de pintinhos brincando espalhados ou o

pássaro bicando a melancia, têm, certas vezes, um significado simbólico. Assim,

a associação do bagre, nianyu, e de uma espécie de salmão, guiyu, corresponde

à fórmula de desejos chang nian da gui, cujos termos são equivalentes fonéticos

de nomes de dois peixes.3 Da ilustração dessas frases populares emana uma

poesia concreta própria a Qi Baishi.

1. Um retrato de seu mestre Hu Qinyuan, conservado no museu da província Liaoning, evidencia uma execução extremamente realista (Wu, 2000, p. 18).

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI68

2. Fong, 2001, p. 148-149.

3. Do mesmo modo, as pinturas de pintinhos sempre recebem o título Duo zi, “várias crianças”, uma fórmula que corresponde ao desejo clássico de uma família numerosa.

A ESCOLA EPIGRÁFICA 69

Page 36: AF_Catalogo Pintura Chinesa
Page 37: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 73 72

VIAJANDO NO JAPÃO

Page 38: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: “Na descrição de qualquer coisa, a apresentação, a

forma, não vale a percepção do movimento, a percepção do movimento não

vale a compreensão do ritmo, mas a compreensão do ritmo não equivale à

apreensão da essência.” Tais são as palavras de Zhu Lan [Li Rihua], aquele que

as compreender pode falar de pintura. Xue Weng [alcunha do pintor].

Chen Zhifo nasceu na atual cidade de Cixi, em Zhejiang.1 Paralelamente à sua

obra de pintor, ele é considerado um dos pioneiros do grafismo moderno na

China. Seu interesse pelo estudo dos temas decorativos data de sua formação

nas técnicas industriais têxteis, entre 1912 e 1916. De 1918 a 1923, Chen Zhifo

dá continuidade a seus estudos no Japão, no departamento de artes aplicadas

da Escola de Belas-Artes de Tóquio.2 De volta à China, ele se instala em Xangai,

onde dá aulas de grafismo. Suas pesquisas, que correspondem à ascensão da

prensa ilustrada, demonstram seu interesse tanto pelo vocabulário decorativo

das antigas civilizações, como pelas manifestações da modernidade. Em 1931,

ele dá aulas na Universidade de Nanquim. Esse novo ambiente desempenhou

um papel importante no desenvolvimento de sua obra de pintor. Em 1934, ele

expõe pela primeira vez uma pintura representando pássaros, com o nome de

Xue Weng. Essa obra foi realizada no estilo gongbi, uma técnica minuciosa que

possibilita uma representação exata dos animais e da natureza. Na obra de Chen

Zhifo, esses efeitos naturalistas são acompanhados de uma qualidade decorativa

herdada de suas pesquisas gráficas. Sua obra de pintor só será totalmente

reconhecida a partir de 1942: durante sua primeira exposição individual, Chen

Shuren (1884-1948) vê nele um “Huang Quan (903-965) moderno”.4 Durante

os anos pós-guerra, continua a explorar o vasto registro de flores e pássaros,

mantendo-se fiel à técnica exigente do gongbi até sua morte, em 1962.

Gansos selvagens, entre 1940 e 1945Chen Zhifo (1896-1962)nanquim e cores sobre papel | 106,3 x 36,8 cm

1. Para a biografia de Chen Zhifo, cf. Chen e Gu, 2002.

2. A propósito da influência do Japão sobre a formação e a obra de Chen Zhifo, cf. Yuen-Wong, 2006, p. 25-27.

3. Ele colabora sobretudo com o Dongfang zazhi, publicado pelo Commercial Press de Xangai, de 1925 a 1930 (Chen e Gu, 2002, p. 105-107).

4. Essa célebre assertiva foi inscrita por Chen Shuren sobre uma pintura de Chen Zhifo que representa bambus e crisântemos. Huang Quan é um dos mais ilustres pintores de flores e de pássaros da história da China. Seu estilo, que foi transmitido à corte da dinastia dos Song por seu filho, tornou-se o modelo com base no qual a pintura acadêmica de flores e de pássaros se desenvolveria.

VIAJANDO NO JAPÃO 75

Page 39: AF_Catalogo Pintura Chinesa

A pintura dos Gansos selvagens representa perfeitamente o estilo de Chen Zhifo.

A própria natureza do tema pintado, assim como os princípios de composição,

evoca os modelos da época dos Song, sobretudo as obras atribuídas à Academia

Imperial. No caso de Codornizes, essa influência é especialmente perceptível. O

pintor reconheceu a profunda impressão deixada por esse tipo de pintura antiga,

que contemplou pela primeira vez durante uma exposição que data do início dos

anos 1930, pouco antes de realizar suas primeiras criações nesse gênero.5 Essa

pintura de acentos naturalistas, fundada em uma tradição chinesa esquecida

durante as duas últimas dinastias, responde a seu modo às aspirações de uma

parte da intelligentsia que Kang Youwei (1858-1927) defendeu desde os primeiros

anos do período republicano.

5. Não é impossível, no entanto, que ele tenha visto essa obras atribuídas aos Song desde o tempo de sua formação no Japão. A técnica do gongbi, baseada na exatidão do traço de contorno, frequentemente implica o recurso a clichês, fenben. Esse uso pode ser ressaltado no caso da pintura dos Gansos selvagens. Uma pintura datada de 1947 e conservada no Museu de Nanquim é uma réplica exata da obra do Musée Cernuschi, com uma única exceção: a neve que recobre o tema da pintura do Museu de Nanquim (Chen e Gu, 2002, p. 136-137). Aliás, é provável que a técnica empregada por Chen Zhifo para evocar a neve seja de origem japonesa.

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS76

Page 40: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: Durante o mês suplementar1 do ano Dinghai [1947], eu

estava em Wanyangyun Xuan. Em frente ao Pavilhão da Longevidade Feliz havia

uma magnólia em plena floração. Lembrei-me então de meu amigo, o senhor Lin,

que, em seu jardim à beira do Hu, tinha uma magnólia composta de dois troncos

em único toco, como uma única árvore, e isso sem que houvesse enxerto. Era

algo extraordinário. A macieira selvagem ofusca os olhos, [o perfume] do lilás

toma o pátio. [Pintado] e inscrito por Fei’an.

Yu Zhao, conhecido pelo nome de Yu Fei’an, nasceu em Pequim.2 Em sua juventude,

formou-se em pintura com Wang Runxuan, um artista popular. Jornalista e

professor, ele deu aulas de pintura e de caligrafia em diversas instituições

acadêmicas de Pequim no período entreguerras. A partir de 1935, trabalhou no

departamento de exposições da Cidade Proibida. Desse momento em diante,

começou a pesquisar a pintura antiga e copiar as obras dos mestres conservadas

nas coleções do novo museu, aberto ao público em 1931. Esse acesso às pinturas

antigas coincidiu com uma virada decisiva em sua obra: a partir de 1935, passou a

se dedicar exclusivamente ao gênero da pintura de flores e de pássaros no estilo

minucioso, o gongbi. Depois de sua primeira exposição individual, em 1936, ele

prosperou rapidamente como um dos mestres desse gênero. Após 1949, ocupou

posições importantes na Associação para a Pesquisa sobre a Pintura Chinesa e na

Academia de Pintura de Pequim.

Na opinião de Yu Fei’an, suas pesquisas a respeito das flores e dos pássaros

podem ser divididas em três momentos principais.3 O primeiro período é dominado

pelos modelos antigos, sobretudo pelos mestres das dinastias Song e Yuan, assim

como Chen Hongshou (1598-1652). Em um segundo momento, seu interesse

Dois pássaros verdes sobre uma magnólia, 1947Yu Fei’an (1889-1959)nanquim e cores sobre papel | 89,1 x 46,2 cm

1. No calendário lunar, é preciso introduzir um mês suplementar a cada dois ou três anos. Esse sistema é equivalente aos anos bissextos no calendário solar.

2. Para a biografia de Yu Fei’an, cf. Yu, 1988, introdução, p. 11-14.

3. Essa opinião foi registrada por Yu Fei’an, que a gravou em uma pintura feita pouco tempo antes de sua morte.

VIAJANDO NO JAPÃO 79

Page 41: AF_Catalogo Pintura Chinesa

se voltaria exclusivamente para as pinturas do imperador Huizong (1082-1135)

dos Song e sua caligrafia no estilo “ouro lançado”, shoujin. Por fim, o estudo

direto da natureza ter-lhe-ia permitido completar seu estudo histórico por meio

de uma abordagem empírica. Seus escritos, sobretudo seu importante tratado

consagrado às cores na pintura chinesa,4 demonstram, contudo, um profundo

conhecimento das tradições da pintura popular.

Dois pássaros verdes sobre uma magnólia data da maturidade do artista.

Além das referências à pintura antiga, perceptíveis na composição, a obra é

apresentada por Yu Fei’an como resultado de uma observação direta de uma

árvore florida. Os termos da inscrição revelam o interesse do pintor pela botânica.

As cores contrastadas são aplicadas com uma grande delicadeza de nuances,

demonstrando as pesquisas do pintor a respeito da cor.

4. Essa obra, publicada em 1955, foi traduzida para o inglês; ela aparece na bibliografia sob a referência Yu, 1988.

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI80

Page 42: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: Sou Guachou [Shao Mi], o eterno excêntrico.

Por minha vida, tomado por um estranho orgulho, eu me mantive à distância.

Meus empregados, jovens e velhos, roubam-me e insultam-me, minha mulher

ansiosa faz cenas de escândalos.

Magro como um cisne, ocioso como uma gaivota, manchado de tinta, será que

conheci a paz algum dia?

Um dos Nove amigos da pintura de Wu Meicun [Wu Weiye]. Fu Baoshi.

Ao lado da pedra com tinta e de outros tesouros do letrado, a longa folha de

papel apresenta uma superfície imaculada. As pinturas e as caligrafias em rolos,

apertadas em um jarro, mantêm relação com o pote de pincel que enfeita o canto

da mesa. O pintor, com o pincel na mão, dirige os olhos à janela, onde um homem

barbudo e uma criança observam a distância.

Os versos que acompanham essa pintura foram emprestados do poema de Wu

Weiye (1609-1672),1 o Canto dos nove amigos da pintura, Hua zhong jiu you ge.

Nesses versos que concluem sua obra, o poeta evoca o excêntrico destino do

pintor Shao Mi (1592?-1672). O estado de espírito do pintor é expresso por um

sentimento de orgulho cansado que pode ser lido em seu rosto.

Se, por um lado, as representações dos poetas do passado, como Tao Yuanming

(365 ou 372-427) e Du Fu (712-770), são numerosas na obra de Fu Baoshi, por

outro, as imagens de caligrafias e de pintores, como Huaisu e Shitao, não estão

absolutamente ausentes. Essas representações de artistas foram às vezes

consideradas autorretratos disfarçados de Fu Baoshi.2 À luz dessas considerações,

O pintor em sua mesa de trabalho, entre 1925 e 1965Fu Baoshi (1904-1965) 31,1 x 36,7 cm | nanquim e cores sobre papel

1. Wu Weiye, como Cheng Sui e Shitao, viveu durante o período turbulento da transição dinástica do século XVII.

2. Fong, 2001, p. 111-112.

parece possível olhar essa associação de versos de Wu Weiye com o retrato de

Shao Mi como a expressão íntima do estado de espírito de Fu Baoshi.

Depois de ter cogitado o projeto de realização de uma série de pinturas com

base no poema de Wu Weiye, Fu Baoshi parece ter se dedicado exclusivamente

à representação de Shao Mi. Entretanto, como é bastante comum na obra de Fu

Baoshi, esse tema foi representado pelo artista várias vezes. Assim, uma pintura

da coleção Michael e Khoan Sullivan,3 de idêntica composição, apresenta uma

técnica muito diferente, no limite da dissolução das formas. É provável que a

pintura do Musée Cernuschi seja um pouco anterior a essa obra, datada de 1948.4

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI82 VIAJANDO NO JAPÃO 83

3. Sullivan, 2001, p. 76.

4. Vale observar que a obra do Musée Cernuschi pertence à antiga coleção Zhou Lin.

Page 43: AF_Catalogo Pintura Chinesa
Page 44: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: Antigamente, a lua brilhante era chamada de reservatório

de jade branca,

Muitos sentimentos se refletem na barreira de jade.

O vento do oeste, carregado com seu perfume, soprou durante a noite.

No palácio das águas, vestido com gaze, sinto o frio intenso.

No ano Yiwei [1955], no momento de Chongjiu [a festa no duplo nove], sobre

o lago Shinobazu, lembro das caminhadas cotidianas e do leve perfume que

penetrava pelas mangas do meu vestido.

Eu pensava [o quanto] o verso de Dongpo [Su Shi] em “O palácio das águas e o

vento que sobe”, nos afeta [?] folhas amassadas que recobrem o lago.

A pintura de lótus foi um dos espaços de experimentação mais fecundos da obra

de Zhang Daqian. Seus modelos devem, sem dúvida, ser procurados na pintura de

Zhu Da (1626-1705), que dera a suas representações uma excepcional dimensão

monumental. Os lótus monocromáticos datados de 1937 são exemplos do modo

como Zhang Daqian conseguiu captar essa monumentalidade para orientá-la em

outra direção.1 Após sua estadia em Dunhuang, que lhe possibilitou contemplar e

copiar composições murais, Zhang Daqian começou a arriscar os grandes formatos.

Essa vontade, que foi aplicada em todos os gêneros da pintura que praticou,

culminaria na realização da vista do Monte Lu, de 1981 a 1983.2 Entretanto, a pintura

de lótus levou-o a se arriscar no grande formato desde 1945.3 Essas obras eram

realizadas na forma de polípticos: rolos verticais paralelos ou biombos. As pinturas

de tamanho cada vez mais relevante deviam orientar a evolução de sua obra.

As implicações técnicas dessa ambição monumental se revelam extremamente

complexas. A elaboração de superfícies tão carregadas envolve não apenas a

Lótus sob o vento, 1955Zhang Daqian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel | 184,4 x 95,2 cm

1. Zhang, 2002, p. 95. Essa pintura já apresenta o traço específico das folhas de lótus observável na pintura doada por Zhang Daqian ao Musée Cernuschi.

2. A obra, uma pintura sobre seda de 178,5 x 994,5 cm, foi feita de 1981 a 1983.

3. Uma obra de 385 x 600 cm (Elisseeff, 1961, p. 3).

VIAJANDO NO JAPÃO 87

Page 45: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI88

seleção de materiais adaptados, mas também o domínio do equilíbrio entre a

livre distribuição da tinta e o controle do pincel. Nesse sentido, não é impossível

que a técnica da tinta e das cores salpicadas, pomo pocai, que renovaria suas

pinturas de paisagens a partir dos anos 1960, tenha sido fruto das experiências

feitas na pintura de lótus desde os anos 1940. Na pintura do Musée Cernuschi,

datada de 1955, a cor desempenha ainda um papel discreto que faz sobressair a

intensidade da tinta.4 O contraste entre o profundo negro das folhas de lótus e

a brancura das flores cria um efeito luminoso que prefigura a utilização de papel

dourado nas composições de lótus sobre biombos realizadas nos últimos anos

de sua vida.5

4. Esse papel da sustentação da cor já estava presente na série de lótus gigantes dos anos 1940 (Zhang, 2002, p. 57).

5. Fu e Stuart, 1991, p. 248-249.

Page 46: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 91 90

DESCOBRINDO O OESTE

Page 47: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: O demônio búfalo e o espírito serpente (parte do título)

Beihong, Guiwei (1943)

Xu Beihong nasceu em Qitingqiao Zhen, no distrito de Yixing em Jiangsu, e

aprendeu sua arte com seu pai, Xu Dazhang (?-1914).1 Arruinados por uma

inundação, pai e filho tiveram de levar uma vida de artistas itinerantes até

que a reputação emergente de Xu Beihong lhe permitisse dar aulas em Yixing.

De 1914 a 1917, Xu Beihong vive em Xangai: inscreve-se na Université l’Aurore

[Zhendan Daxue], onde estuda francês, e dá palestras na univesidade Mingzhi. É

incentivado por Gao Jianfu (1879-1951) e Gao Qifeng (1889-1933), assim como por

Kang Youwei (1858-1927), que lhe encomenda obras e lhe dá livre acesso a suas

coleções de estampas e caligrafias.

Em 1917, Xu Beihong passa a morar no Japão.2 Com o apoio de Cai Yuanpei

(1868-1940), obtém uma bolsa para estudar na França, onde vive de 1920 a

1927.3 Formado na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, em Paris, ele se

orienta mais em direção aos mestres do passado do que aos vanguardistas. Sua

admiração pelo pintor acadêmico Pascal Dagnan-Bouveret (1852-1929), junto com

quem estuda desenho e pintura a óleo, confirma essa inclinação. Sua estadia na

Alemanha em 1921, no ateliê de Arthur Kampf (1864-1950), desperta seu interesse

pelo realismo e pela pintura de animais.4

De volta à China, ele leciona em Xangai e Nanquim, antes de ser nomeado diretor

da Academia de Belas-Artes de Pequim, em 1929. Durante esses anos, ele cria

monumentais obras a óleo, ilustrando temas inspirados na história da China. Seus

escritos defendem o realismo na arte. Em 1933, vai à França para organizar a

O demônio búfalo e o espírito serpente, 1943Xu Beihong (1895-1953)nanquim e cores sobre papel | 85,1 x 57,9 cm

1. Além da aprendizagem tradicional do ofício, seu pai o aconselha a copiar as obras do célebre pintor e ilustrador Wu Jiayou (?-1893), mais conhecido pelo nome Wu Youru, cujos trabalhos contêm vários elementos influenciados pelas técnicas de desenho ocidentais.

2. O modo como os artistas japoneses souberam assimilar as técnicas da pintura ocidental conforta sua visão reformista da pintura chinesa.

3. Durante esse período, no entanto, Xu Beihong retornou uma vez à China, em 1925.

4. Estudos de animais realizados no jardim zoológico de Berlim em 1922 estão conservados no museu Xu Beihong, em Pequim (Liao, 1995, p. 79).

DESCOBRINDO O OESTE 93

Page 48: AF_Catalogo Pintura Chinesa

exposição de arte chinesa antiga e moderna, realizada no museu Jeu de Paume,

em Paris, antes de viajar à Itália, à Bélgica e à Alemanha. Em 1937, a Academia

de Belas-Artes se retira a Chongqing. Em 1938, ele visita o Sudoeste Asiático

e, em 1940, a Índia, a convite de Rabindranath Tagore (1861-1941). De volta a

Chongqing, em 1943, ele ingressa na Academia de Belas-Artes. O período de

guerra é extremamente produtivo: inspira algumas de suas maiores composições,5

que, ao ilustrar a história da China, ajudam a resistência nacional. Outras obras

mais modestas, como a pintura do Musée Cernuschi intitulada O demônio búfalo

e o espírito serpente,6 têm, na verdade, um sentido parecido. Como essa pintura

data de 1943, o contexto leva a pensar que a serpente ameaçadora da pintura é

uma representação simbólica do Japão atacando a China.7

Em 1949, Xu Beihong é nomeado diretor da Academia Central de Belas-Artes de

Pequim. Sua defesa do realismo e sua concepção do aprendizado do desenho e

da pintura terão uma importância considerável para o ensino da arte na China

popular durante a segunda metade do século XX.

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI94

5. Assim, a pintura representando O velho maluco movendo as montanhas, feita na Índia, em 1940, transpõe o espírito de suas composições a óleo, no domínio da pintura chinesa tradicional. A obra está conservada no museu Xu Beihong, em Pequim.

6. A expressão, de origem budista, geralmente designa o mal e os malfeitores.

7. O mesmo tipo de oposição entre um leão e uma serpente, datado de 1939 (Liao, 1995, p. 46), é um precedente sem ambiguidade, já que o leão ferido foi escolhido como alegoria da China, atacada a partir de 1938.

Page 49: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI96

Assinatura: Lin Fengmian.

Lin Fengmian nasceu em Meixian, na província de Cantão. De 1920 a 1926,

ele estuda na França, na École des Beaux-Arts de Dijon, e depois em Paris.1

Paralelamente a seu aprendizado da pintura a óleo no ateliê de Fernand Cormon

(1845-1924), Lin Fengmian funda, com outros estudantes chineses, a sociedade

Phébus, que organizaria a exposição de arte chinesa antiga e moderna, que

aconteceu em Estrasburgo, em 1924.2 Nessa ocasião, ele encontra o inovador Cai

Yuanpei (1868-1940), que a partir de então o apoia, permitindo-lhe conquistar

o posto de diretor da Escola Especial de Belas-Artes de Pequim quando volta à

China, em 1926. Em decorrência das complicações de 1927, Lin Fengmian deixa a

capital. Em 1928, ele é nomeado diretor da nova Academia de Belas-Artes criada

em Hangzhou. Essas novas instituições, muito inspiradas no modelo francês,

contribuem para a introdução de técnicas de criação ocidentais.3 Durante os anos

1920-1930, Lin Fengmian pratica principalmente a pintura a óleo. Seus escritos

datados dessa época revelam seu interesse pela comparação das tradições

culturais e pela síntese das artes. Ele deixa suas funções pouco após o início

da guerra. Refugiado em Chongqing, experimenta uma nova técnica pictórica.

Alguns efeitos próprios ao óleo são adaptados à tinta e ao papel. A paisagem

sombria do Musée Cernuschi é característica desse período.4

No início dos anos 1950, ele se instala em Xangai e dá continuidade a suas

pesquisas formais em sigilo. As relações entre tinta e cor são exploradas por meio

de um pequeno número de temas, derivados dos gêneros ocidentais, como o nu e

a natureza-morta, ou emprestados do universo dos teatros tradicionais chineses.

Ele pinta paisagens sobre o tema ao longo de suas estadias nas ilhas Zhoushan,

nos montes Huangshan e em Suzhou. De 1965 a 1977, os problemas da Revolução

Cultural proíbem Lin Fengmian de toda e qualquer criação pictórica, e ele fica

preso de 1968 a 1972. Ativo em Hong Kong de 1978 a 1991, sua obra, reconciliando-

-se com os temas de sua juventude, conhece novos desdobramentos, sobretudo

com o uso da cor e seu caráter extremamente expressivo, que vai culminar na

famosa série de pesadelos.

Paisagem com montanhas, 1942Lin Fengmian (1900-1991)nanquim e cores sobre papel | 67,2 x 68,5 cm

1. Para a biografia de Lin Fengmian, cf. Lang, 2002, p. 2-37.

2. Clunas, 1989, p. 100-106.

3. Vale lembrar, no entanto, que em 1926 ele já havia proposto um curso a Qi Baishi (1863-1957), o grande representante da pintura chinesa tradicional.

4. Ela pode ser comparada à paisagem da coleção Michael e Khoan Sullivan (Sullivan, 2001, p. 100).

Page 50: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Dois pandas sob os bambus, 1973Wu Zuoren (1908-1997)nanquim sobre papel | 79,1 x 55,4 cm

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI98

Inscrição e assinatura: Para o Musée Cernuschi em Paris, em 1973. Pintado e inscrito por Zuoren em Pequim.

Wu Zuoren nasceu em Suzhou.1 Ele estuda arquitetura em sua cidade natal

antes de aprender pintura em Xangai e Nanquim, sob orientação de Xu Beihong

(1895-1953). Em 1930, troca a China pela Europa. Instala-se em Bruxelas, onde

acompanha o curso de Alfred Bastien (1873-1955) na Academia Real de Belas-

Artes. De volta à China em 1935, ele leciona no departamento de artes da

Universidade de Nanquim. Em 1938, filia-se a um grupo de artistas, com os quais

visita campos de batalha a fim de realizar esboços que serão expostos em 1939

em Chongqin. Em 1944, ele vai a Dunhuang, onde faz cópias de pinturas murais

budistas. Durante uma segunda viagem a Qinghai e ao Tibete, ele realiza vários

esboços, aquarelas e pinturas a óleo, inspirados na vida e nos costumes das

populações dessas regiões, e os expõe em Chengdu em 1945. É nessa época que

retorna à pintura chinesa e inicia pesquisas para aperfeiçoar suas técnicas.

Nesses anos pós-guerra, ele dá aulas de pintura a óleo em Pequim2 e viaja pela

Europa, em 1947, e pela Ásia, em 1951.3 Dá continuidade a suas pesquisas sobre

a arte das grutas budistas durante duas missões de pesquisas em Bingling Si

em 1952, depois em Maijishan, em 1953. Nos anos seguintes, ele multiplica as

estadias na Academia Central de Belas-Artes. Entretanto, ele continua suas

viagens a Ningxia em 1960, e pelo nordeste, em 1961. De 1966 a 1972, os

acontecimentos da Revolução Cultural forçam-no a interromper toda atividade

artística. Progressivamente reabilitado, suas pinturas com temas representativos

da China lhe conferem o papel de embaixador da cultura chinesa ressurgente

na cena internacional. Assim, a obra Dois pandas sob os bambus foi oferecida

ao Musée Cernuschi na ocasião da importante exposição Tesouros da arte

chinesa, recentes descobertas arqueológicas da República Popular da China, que

aconteceu no Petit Palais em 1973. Durante os anos 1970 e 1980, ele cria pinturas

a tinta e a óleo, e expõe regularmente na China e no exterior até sua morte.

1. Para a biografia de Wu Zuoren, cf. Zhou, 2002, p. 2-45.

2. Após a guerra, ele dá aula na Escola Especial de Artes e, mais tarde, a partir de 1950, na Academia Central de Belas-Artes.

3. Em 1947, visita o Reino Unido, a Suíça e a Alemanha. Em 1951, vai à Índia e à Birmânia.

Page 51: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARISSEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 101 100

RENASCIMENTO DA PAISAGEM

Page 52: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: No vigésimo sexto dia do oitavo mês do ano Jiashen

[1944], para meu aniversário de quarenta anos, no segundo dia desde o

nascimento de minha segunda filha Yiwuan. Anotado no subúrbio oeste de

Chongqing, por Fu Baoshi de Xinyu.

Fu Baoshi nasceu em Nanchang, em Jiangxi.1 Autodidata, ele assina suas

primeiras pinturas com o nome de Baoshi, em 1925.2 As pesquisas pictóricas de

sua juventude, dedicadas à história da pintura chinesa, trazem-lhe o apoio de

Xu Beihong (1895-1953), e a possibilidade de continuar seus estudos no Japão,

de 1933 a 1936. Durante esse período, suas pesquisas se focam na pintura de

Gu Kaizhi (c. 344-406) e de Shitao (1642-1707). Paralelamente a seus trabalhos

históricos e suas traduções,3 ele organiza a primeira grande exposição de suas

obras em Tóquio, em 1934. De volta à China, pouco antes do começo da guerra,

ele se hospeda em sua região natal, em Jiangxi, antes de procurar refúgio em

Chongqing, onde permanece de 1939 a 1945. Durante esse período, suas criações

pictóricas ultrapassam suas pesquisas eruditas. A notável exposição pessoal

organizada em Chongqing em 1942 consagra a expressão de seu estilo distinto

e de seus temas literários preferidos. Em 1946, ele se instala em Nanquim e

continua lecionando na Universidade Central, à qual estava vinculado desde

1940. Após a Revolução de 1949, realiza várias pinturas sobre temas poéticos

influenciados pelas obras de Mao Tsé-Tung (1893-1976). A criação de uma pintura

monumental para a assembleia do povo em 1959, também concebida com base

em um poema do presidente Mao, é emblemática dessa orientação política.4

Durante esses últimos anos, o trabalho de Fu Baoshi é caracterizado por uma

evolução de sua palheta, assim como pelo trabalho sobre o motivo: as obras

realizadas durante suas viagens à Romênia e à República Tcheca em 1957 são

representativas desse período.

Tempestade, 1944Fu Baoshi (1904-1965)nanquim e cores sobre papel | 116,1 x 79,3 cm

1. Várias de suas obras são assinadas “Fu Baoshi de Xinyu”, com o nome da terra natal de sua família. Para a biografia de Fu Baoshi, cf. Chen, 2000, p. 1-41.

2. Entre as raras pinturas dessa época hoje conservadas, vale lembrar as paisagens do museu de Nanquim (Xu, 2006, p. 3-6).

3. Ele se dedica principalmente à tradução dos trabalhos do historiador japonês Kinbara Seigo (1888-1958), (Yuen-Wong, 2006, p. 28-29).

4. A obra foi realizada a quatro mãos por Fu Baoshi e Guan Shanyue (1912-2000). A propósito das circunstâncias dessa criação, cf. Andrews, 1994, p. 229-234.

RENASCIMENTO DA PAISAGEM 103

Page 53: AF_Catalogo Pintura Chinesa

A grande composição do Musée Cernuschi que mostra uma paisagem na

tempestade atesta sua criatividade durante os anos de guerra. No prefácio de

sua exposição de 1942, Fu Baoshi reconheceu que as paisagens do Sichuan

haviam exercido sobre ele uma fascinação específica. O caráter monumental

das cadeias montanhosas é, a princípio, evocado pelas grandes praias tomadas

por tonalidades diferentes: intensas no primeiro plano e mais leves no plano

de fundo. A superfície das paredes rochosas é pintada com um pincel seco. A

representação da chuva com longos jatos de água projetados sobre a tinta é

uma das mais importantes inovações técnicas de Fu Baoshi. As velas dos navios

entrevistas no fundo da gruta e as frágeis construções empoleiradas no cume da

montanha contribuem para o sentimento de imensidão que emana dessa obra.

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI104

Page 54: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI106

Inscrição e assinatura: Um monte vazio, uma árvore sem folhas; as nuvens

azuladas [em seu] cume. Não há ninguém no campo; lyciuns e crisântemos

foram destruídos.

Relaxo, fico à vontade, inspirado em Chamado para a grua.

Flores de junco e folhas de ácer no crepúsculo frio.

À noite, as ervas que cobrem a encosta no horizonte escurecem.

Mescla de folhas cobertas de geada cai sobre o tanque vazio.

Não mais se ouve o canto do grilo; ninguém passa.

Apenas o córrego frio acompanha o sol se pondo.

[Pintado e] inscrito por Xinyu [sobrenome do pintor].

Além de suas qualidades de pintor de paisagem, Pu Ru também era conhecido

por suas representações de personagens. Nessa obra, esses talentos se conjugam

para realizar uma paisagem habitada. Dois andarilhos vestidos de branco, com

cinto ornado com jade e cantis, avançam em direção aos picos. A composição

ascendente é um convite para alcançar essas regiões etéreas.

Essa pintura, assim como várias paisagens do artista, parece cheia de reminiscências

estilísticas. A montanha, cujas falésias abruptas se mantêm como plano de fundo,

empresta seu caráter monumental à pintura dos Song do norte, enquanto a

composição formada pelas árvores lembra a arte dos pintores da escola de Wu.

Essa pintura se distingue, contudo, por um uso muito pessoal da cor. As

diferentes tonalidades de verde, que compõem em planos alternados as encostas

da montanha, estendem-se ao conjunto da pintura. A justaposição das folhagens

de várias cores no primeiro plano constitui um contraponto sutil à cor dominante.

As silhuetas dos imortais, com vestidos impecáveis, destacam-se nesse conjunto

cromático característico de Pu Ru.

Dois sábios, década de 1940Pu Ru (1896-1963)nanquim e cores sobre papel | 131,3 x 41,2 cm

Page 55: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Inscrição e assinatura: [Felizes] reunidos [onde] a senhora Shuishu caligrafou

Duas odes à falésia vermelha de [Su] Dongpo e [onde] o eremita [Zhang] Daqian

as ilustrou. Em meados do outono do ano Yiyou [1945], Zijie [Guo Youshou]

trouxe esse rolo de Chengdu. Como já o havia visto, amarrei novamente essa

inscrição que substitui o cabeçalho. Yinmo.

Huishu

Cópia do texto Duas odes à falésia vermelha em caligrafia regular.

Zhang Daqian

Primeira ode à falésia vermelha

Com sua alabarda em mãos [ele] faz ressoar um poderoso canto;

Serve-se de vinho e, precipitadamente, se aproxima do rio.1

Wuchang e Xiakou se encararam:

A montanha e a água fusionavam-se em um verde lúgubre e sombrio.

Por todos os lados [seus] navios [se espalhavam] por mil léguas.

Nesse dia, o herói de toda uma geração,

Impedido de sua ação, fugia de Zhou Yu.

Vitórias e derrotas não têm muito valor na profundeza dos tempos.

Em vão, falamos sobre homens e coisas.

Livremente, assim como um junco [abandonado]

No espaço sem fim [da água],

[Nossa embarcação] flutuava na claridade da correnteza.

A falésia vermelha, 1945Zhang Daqian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel | 26,3 x 117,2; 26 x 117,3 cm

1. O poeta descreve aqui o célebre general Cao Cao (155-220), que foi derrotado por Zhou Yu (175-210) durante a Batalha da Falésia Vermelha em 208 d.C. Após esse acontecimento, a China foi dividida em três reinados. Essa batalha ocorreu em um lugar homônimo daquele visitado por Su Dongpo, o que o leva a evocar o herói.

RENASCIMENTO DA PAISAGEM 109

Page 56: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS 111

Negra e cheia [a lua] diminuía e em seguida crescia,

Como essa água que passa ao longo do rio.

Da brisa fresca e da lua clara, apenas

A audição e a vista podem aproveitar infinitamente.

Terminemos com a cobiça!

[Nós] lavamos [nossas] canecas e recomeçamos a beber.

Servindo [-nos] [mutuamente] de travesseiros, enquanto o Leste se tornava branco.

Inspirado em Shuidiao getou, [eu] compus esses [versos] tentando me apropriar

da Primeira ode à falésia vermelha. Zhang Yuan.

Zhang Daqian

Segunda ode à falésia vermelha

Nobres nomes de outrora,

Quem conseguiu se parecer com eles?

Su [Dongpo], [diante] da falésia vermelha,

Contemplava longamente [a parede rochosa],

Passeando sua sensibilidade [nessa] bela noite.

A brisa fresca, o luar,

O vinho novo ainda espumante, um peixe pescado na rede.

Na descida da colina Huangni,

A geada havia destruído as folhas.

Rompendo o silêncio,

[Nossas] sombras [dançavam], [enquanto] cantávamos caminhando,

[Nós] nos seguíamos uns aos outros.

[Como] o barulho das ondas rompiam,

As falésias se erguiam a mil pés de altura;

As águas geladas escorriam,

Perigosos rochedos surgiam.

Após algum tempo, [Su Dongpo] voltara à [Falésia vermelha],

[E] a paisagem era irreconhecível.

Sua bengala e seus passos assustaram-no [enquanto ele] sonhava com um

milhafre empoleirado [no alto].

[Ele] soltou um grito alto e estridente que fez tremer a casa do deus do Rio.2

Um [taoista] vestido de plumas

Vinha cumprimentá-lo em Lingao.3

[Eu] acabo de encontrá-lo na noite.

Inspirado em Jiang man hong,

Na primavera do ano Yiyou [1945].

O eremita Zijie [Guo Youshou] passou por minha residência de Shahecun.

Ilustrei [então] as Duas odes à Falésia vermelha de [Su] Dongpo

e inscrevi essas velhas lembranças. [Eu lhes] peço para corrigir [esses trabalhos].

Fraternalmente, Daqian, Zhang Tuann. (C. L.)

Certamente, as Odes à falésia vermelha, de Su Dongpo (1037-1101), fazem parte

dos textos literários mais pintados da história da arte chinesa. Esse tema poético,

ilustrado desde a época dos Song, foi um dos objetos preferidos dos pintores da

escola de Wu, como atesta a obra de Wen Zhengming (1470-1559). Essas pinturas,

que às vezes deram origem a longos desenvolvimentos narrativos, normalmente

se resumem a representar o poeta e seus amigos vagando em um frágil barquinho

ao pé da falésia.4 Nesse longo rolo, Zhang Daqian evoca sucessivamente as duas

odes de Su Dongpo, acompanhando cada uma dessas obras com composições

poéticas que têm inúmeras variações na obra de Su Dongpo. Essas pinturas são

precedidas pelo texto integral das duas odes, caligrafadas pela senhora Huishu.

A obra foi dedicada por Zhang Daqian a Guo Youshou, como revela a peça

introdutória5 redigida por Shen Yinmo (1883-1971).

4. Laurent, 2006.

5. Cf. p. 14.

RENASCIMENTO DA PAISAGEM 111 SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI110

2. Ping Yi é o deus do Rio Amarelo, também chamado conde do Rio.

3. Aqui, Zhang Daqian parece criar uma confusão entre o taoista, talvez um imortal, e o poeta.

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SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA – COLEÇÃO DO MUSÉE CERNUSCHI, PARIS114

O Monte Emei, 1955Zhang Daqian (1899-1983)nanquim e cores sobre seda | 190,8 x 87,2 cm

Inscrição e assinatura: No início, eu o chamei de Dong [Yuan] e Ju[ran], mas Jing

[Hao] e Guan [Tong] pareciam mais apropriados. Por entre as nuvens, avista-

-se o verde dos picos reunidos ao fundo. Contemplação de elementos cujas

circunvoluções ocultam o sol e a lua até uma hora tardia. Quanto a mim, na

verdade não passo de um grão de mostarda, de quem a ínfima imagem não é

capaz de capturar o Monte Sumeru.

Para evocar a glória do Monte Emei em meio às nuvens e à neblina, em meio à

umidade e à bruma, recorri ao método de Beiyuan [Dong Yuan] e Honggu[zi]

[Jing Hao]. Ao desenvolver [esse princípio], obtive alguns efeitos interessantes

de oposição e de síntese. Pintado no décimo mês do ano Yiwei, em meus

apartamentos alugados no Hodaiso de Yushima, em Tóquio. O homem de Shu,

Zhang Daqian Yuan.

Além das fantásticas formações rochosas que separam o planalto do abismo, três

picos apontam majestosamente no espaço. Cada vez mais distantes, os telhados

perdidos na bruma e nos pinhos evocam a presença humana, da qual distinguimos

os vestígios até o pico mais alto. Essa visão monumental do Monte Emei é

apresentada por Zhang Daqian como fruto de suas pesquisas sobre a pintura

das cinco dinastias. Por um lado, trata-se de uma síntese entre os estilos de

Dong Yuan (c. 934-962) e Juran, e, por outro, de Jing Hao (855-915) e Guan Tong

(c. 906-960).1 Na parte superior, é bastante possível reconhecer os sulcos pima

cun, característicos de Dong Yuan, e, na parte inferior, o traço rugoso e caótico

associado a Jing Hao. A justaposição dos estilos tradicionalmente considerados

antitéticos constitui uma decisão audaciosa. No entanto, a predominância

cromática do verde garante a unidade da composição. As mesmas tonalidades

1. Há muito tempo, a crítica pictórica havia agrupado esses artistas, designando os dois primeiros como Dong-Ju, e os segundos como Jing-Guan.

RENASCIMENTO DA PAISAGEM 115

Page 59: AF_Catalogo Pintura Chinesa

SEIS SÉCULOS DE PINTURA CHINESA NO MUSEU CERNUSCHI116

caracterizam as outras pinturas do Monte Emei realizadas pelo artista durante

esse período,2 um ponto que sugere a importância dos empréstimos feitos pelo

pintor às paisagens reais desse importante local do budismo.3

O Monte Emei, uma das montanhas mais célebres da China, está situado em

Sichuan, província natal de Zhang Daqian, que visitou o Monte Emei três vezes,

em 1929, 1944 e 1946.4 Essas escaladas serviram como ocasião de se hospedar

nas alturas para realizar esboços e pinturas. Antes de se tornar tema de uma

pesquisa estilística inspirada em pintores do passado, essas paisagens foram

percorridas por Zhang Daqian em companhia de amigos pintores, como Huang

Junbi (1898-1991), ou de membros de sua família. Assim, também se trata de uma

recriação imaginária do pintor em exílio, lembrando-se de sua terra de origem

a partir de sua residência transitória no Japão. Se, por um lado, Zhang Daqian

mantém silêncio sobre essa dimensão pessoal, por outro, vale considerar essa

paisagem como a síntese de uma experiência vivida e de uma pesquisa pictórica.

2. É o caso da pintura conservada no Museum of Fine Arts, em Boston (Lefebvre d’Argencé, 1972, p. 80-81).

3. Essa dimensão religiosa do Monte Emei teria inspirado a Zhang Daqian a alusão ao Monte Sumeru do colofão que pertence ao registro budista.

4. Fu e Stuart, 1991, p. 220.

Page 60: AF_Catalogo Pintura Chinesa

DINASTIA MING

Falcão sobre um rochedo, século XIVAutor não identificadonanquim sobre seda120,6 x 62,6 cm

Caligrafia, entre 1490 e 1559Wen Zhengming (1470-1559)nanquim sobre papel17,7 x 49,4 cm

Solitário na cabana, 1552Wen Zhengming (1470-1559)nanquim e cores sobre papel18 x 51 cm

Solitário no barco, 1552Wen Zhengming (1470-1559)nanquim e cores sobre papel18,6 x 54,2 cm

A falésia vermelha, 1552Wen Zhengming (1470-1559)nanquim e cores sobre papel17,4 x 49 cm

Reunião no pavilhão das orquídeas, entre 1490 e 1559Wen Zhengming (1470-1559)nanquim e cores sobre papel18 x 56 cm

Reunião no pavilhão das orquídeas, entre 1530 e 1575Wen Boren (1502-1575)nanquim e cores sobre papel15,6 x 48 cm

Imortais, 1547Gu Gao (ativo na primeira metade do século XVI)nanquim e cores sobre seda239 x 176,5 cm

Bambus, árvore e rochedo, entre 1520 e 1575Wen Boren (1502-1575)nanquim e cores sobre papel14,5 x 45 cm

Orquídea, entre 1620 e 1630Chen Yuansu (1606-1630)nanquim e cores sobre papel17,2 x 51 cm

Paisagem, entre 1575 e 1636Dong Qichang (1555-1636)nanquim e cores sobre papel17,2 x 54,5 cm

Paisagem, 1614Li Liufang (1575-1629)nanquim e cores sobre papel17,5 x 51 cm

Paisagem com pinho e rochedo, 1659Lan Ying (1585-1664)nanquim e cores sobre papel16,4 x 48,5 cm

Paisagem, entre 1650 e 1690Yun Shouping (1633-1690)nanquim sobre papel18 x 53 cm

Faisões e camélias, século XVIIIAutor não identificadoA partir de pintura de Lü Ji (c. 1477 - ?)nanquim sobre papel18 x 53 cm

Page 61: AF_Catalogo Pintura Chinesa

DINASTIA QING

Búfalo e criança, entre 1740 e 1765Fu Wen (ativo entre 1744 e 1765)nanquim e cores sobre papel105 x 44,6 cm

A ninfa do Rio Luo, entre 1744 e 1765Fu Wen (ativo entre 1744 e 1765)encre et couleurs sur papier [nanquim e cores sobre papel]134,2 x 68 cm

Pintura dos mil outonos, entre 1700 e 1730Gao Qipei (1672 – 1734)nanquim e cores sobre papel227 x 115,2 cm

Paisagem, 1742Xu Zhang (1694-1749)nanquim e cores sobre seda193,9 x 44,2 cm

Pássaros e flores, 1701Jian Tingxi (1669-1732)nanquim e cores sobre seda167,5 x 100,3 cm

Zhong Kui, entre 1710 e 1770Li Shizhuo (1690 ? – 1770 ?)nanquim e cores sobre papel163 x 85,4 cm

Solitário sob os pinhos contemplando as ondas, c. 1820Zhang Yin (1761-1829)nanquim sobre papel141 x 80,5 cm

Paisagem, 1846Dai Xi (1801-1860)nanquim e cores sobre papel66 x 42,2 cm

Paisagem com neve, 1818Qian Du (1763-1844)nanquim sobre papel132 x 26,2 cm

Falésia com pinhos, cascata suspensa, 1813Zhu Henian (1760-1834)nanquim sobre papel115,8 x 35,6 cm

Yang Guifei saindo do banho, por volta de 1800Yin Qiu (ativo em por volta de 1800)nanquim e cores sobre seda77,8 x 47,5 cm

Page 62: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Paisagem no estilo de Zhang Yu, entre 1780 e 1844Qian Du (1763-1844)nanquim e cores sobre papel15,4 x 20 cm

Paisagem no estilo de Guan Tong, entre 1780 e 1844Qian Du (1763-1844)nanquim e cores sobre papel15,4 x 20 cm

Paisagem de Yangzhou, entre 1785 e 1844Qian Du (1763-1844)nanquim e cores sobre papel14,3 x 22,2 cm

A falésia vermelha, entre 1780 e 1844Qian Du (1763-1844)nanquim e cores sobre papel14,3 x 22,2 cm

Paisagem, 1770Fang Cong (ativo no século XVIII)nanquim sobre papel25,8 x 32,8 cm

Paisagem com neve, 1770Fang Cong (ativo no século XVIII)nanquim sobre papel25,8 x 32,8 cm

Paisagem, entre 1670 e 1717Wang Hui (1632-1717)nanquim e cores sobre papel21,8 x 28,9 cm

Letrado meditando com uma gru e Letrado em sua mesa de trabalho, entre 1820 e 1862Su Liupeng (1796 – 1862)nanquim e cores sobre papel29,5 x 54,8 cm

A citara quebrada e O jogo de Go, entre 1820 e 1862Su Liupeng (1796 – 1862)nanquim e cores sobre papel29,5 x 54,8 cm

A Academia Hanlin, 1744Jin Kun (ativo entre 1717 e 1749)Sun Hu (ativo entre 1728 e 1746)Lu Zhan (?-?)Wu Yu (?-?)Zhang Qi (?-?)Cheng Liang (?-?)nanquim e cores sobre seda]193,5 x 625,5 cm

Page 63: AF_Catalogo Pintura Chinesa

A pega, entre 1883 e 1957Qi Baishi (1863-1957)nanquim e cores sobre papel131,3 x 33,5 cm

Pintinhos, peixes, junco, e Gralha com melancia, 1947Qi Baishi (1863-1957)nanquim e cores sobre papel103,3 x 34,2 cm; 103,7 x 34,4 cm; 102 x 34 cm; 101,3 x 33,9 cm

Lótus vermelhos, entre 1930 e 1957Qi Baishi (1863-1957)nanquim e cores sobre papel104 x 39 cm

Depois da chuva, década de 1940Ding Yanyong (1902-1978)nanquim e cores sobre papel134,8 x 45,4 cm

Hanshan e Shide, 1924Wang Zhen (1867-1938)nanquim e cores sobre papel135,5 x 32,3 cm

Huaisu escrevendo sobre uma folha de bananeira, 1922Wang Zhen (1867-1938)nanquim e cores sobre papel130 x 33,2 cm

Paisagem, 1926Yao Hua (1876-1930)nanquim sobre papel178 x 39,7 cmMC 2008-16

Flores em um vaso, 1929Yao Hua (1876-1930)nanquim e cores sobre papel96 x 33,7 cm

Sentenças paralelas, entre 1900 e 1930Yao Hua (1876-1930)nanquim sobre papel136,5 x 33,5 cm (cada)MC 2004-17 e MC 2004-18

Caligrafia, entre 1878 e 1927Kang Youwei (1858-1927)nanquim sobre papel175,6 x 89,7 cm

O MOVIMENTO EPIGRÁFICO E A RENOVAÇÃO DA PINTURA CHINESA

Page 64: AF_Catalogo Pintura Chinesa

VIAJANDO NO JAPÃO

Ameixeiras em flor, século XXChen Zhifo (1896-1962)nanquim e cores sobre papel115,1 x 55,5 cm

Gansos selvagens, entre 1940 e 1945Chen Zhifo (1896-1962)nanquim e cores sobre papel106,3 x 36,8 cm

Macaco branco, 1937Zhang Shanzi (1893-1940)nanquim e cores sobre papel88,4 x 41,2 cm

Gibão, 1945Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel161,9 x 79,6 cm

Lótus sob o vento, 1955Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel184,4 x 95,2 cm

Rato e fruta, década de 1940Pu Ru (1896-1963)nanquim e cores sobre papel77,3 x 26 cm

Borboleta e flor de pereira, 1945Xie Zhiliu (1910-1997)nanquim e cores sobre papel78,9 x 38 cm

Os dois tentilhões, 1945Xie Zhiliu (1910-1997)nanquim e cores sobre papel75,9 x 43,4 cm

Lótus, 1947Xie Zhiliu (1910-1997)nanquim e cores sobre papel89,2 x 55,4 cm

Peônias, entre 1943 e 1947Yu Fei’an (1889-1959)nanquim e cores sobre papel109 x 50 cm

Dois pássaros verdes sobre uma magnólia, 1947Yu Fei’an (1889-1959)nanquim e cores sobre papel89,1 x 46,2 cm

Page 65: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Peônias, 1944Zhang Daquian (1899-1983)nanquim, cores e ouro sobre papel]66,9 x 92,4 cm

O pintor em sua mesa de trabalho, século XXFu Baoshi (1904-1965)nanquim e cores sobre papel31,1 x 36,7 cm

Xie An e seus seguidores, década de 1940Fu Baoshi (1904-1965)nanquim e cores sobre papel54,2 x 62 cm

Pássaros e bambus, 1947Xie Zhiliu (1910-1997)nanquim e cores sobre papel89,1 x 55,5 cmMC 8688

Page 66: AF_Catalogo Pintura Chinesa

DESCOBRINDO O OESTE

Camponesa miao, entre 1940 e 1945Pan Xunqin (1906-1983)nanquim e cores sobre papel43,6 x 32 cm

Rapariga miao sob uma árvore, entre 1940 e 1945Pan Xunqin (1906-1983)nanquim e cores sobre papel43,6 x 32,1 cm

Cavalo, 1947Xu Beihong (1895-1953)nanquim e cores sobre papel93,3 x 52,3 cm

O demônio búfalo e o espírito serpente, 1943Xu Beihong (1895-1953)nanquim e cores sobre papel85,1 x 57,9 cm

Galo e bambu, 1943Xu Beihong (1895-1953)nanquim e cores sobre papel87,7 x 55 cm

Dois pandas sob um bambuzal, 1973Wu Zuoren (1908-1997)nanquim sobre papel79,1 x 55,4 cm

Pasto no “Corridor”, 1978Wu Zuoren (1908-1997)nanquim e cores sobre papel88,6 x 60,8 cm

Dançarina Tang, 1945Pan Xunqin (1906-1983)nanquim e cores sobre papel48,1 x 41,9 cm

Tibetanas, c. 1945Lei Guiyuan (1905-1989)nanquim e cores sobre papel37,7 x 24,8 cm

Camponesa de Xi Kang, c. 1945Lei Guiyuan (1905-1989)nanquim e cores sobre papel37,5 x 25,1 cmMC 8669

Duas tibetanas com cães, 1944Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel109,3 x 75,3 cm

Page 67: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Retrato de Madame Li, c. 1943Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel227,4 x 88,8 cm

Duas apsarás e dragão, 1945Zhang Bide (?-?)nanquim e cores sobre papel62,7 x 110,7 cm

Mulher nua de costas, 1942Pan Yuliang (1895-1977)nanquim sobre papel46 x 26,5 cm

Mulher nua, 1942Pan Yuliang (1895-1977)nanquim sobre papel42 x 26,5 cm

Nu sentado, 1930Sanyu (1901-1966)grafite sobre papel44,2 x 27,6 cm

Nu deitado, década de 1930Sanyu (1901-1966)nanquim sobre papel26,5 x 42,9 cm

Paisagem com montanhas, entre 1930 e 1990Lin Fengmian (1900-1991)nanquim e cores sobre papel67,2 x 68,5 cm

Juncos do lago, entre 1930 e 1990Lin Fengmian (1900-1991)nanquim e cores sobre papel69,2 x 69,2 cm

Pietà, entre 1935 e 1945Lin Fengmian (1900-1991)nanquim e cores sobre papel68,5 x 64,5 cm

A história do chá, 1945Wu Zuoren (1908-1997)nanquim e cores sobre papel38,4 x 299,7 cm

Page 68: AF_Catalogo Pintura Chinesa

RENASCIMENTO DA PAISAGEM

Eremita na floresta, 1945Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel217,4 x 82,8 cm

Paisagem, década de 1940Huan Binhong (1865-1955)nanquim e cores sobre papel106,2 x 33,9 cm

Montes de outono e árvores vermelhas, 1947Huang Junbi (1898-1991)nanquim e cores sobre papel106 x 58,5 cm

O rio Jialing, 1945Huang Junbi (1898-1991)nanquim e cores sobre papel95,2 x 57,7 cm

Paisagem, 1947Xie Zhiliu (1910-1997)nanquim e cores sobre papel107,7 x 61,5 cm

O Monte Emei, 1948Xie Zhiliu (1910-1997)nanquim e cores sobre papel50 x 33,6 cm

Rio na primavera, 1948Xie Zhiliu (1910-1997)nanquim e cores sobre papel50,2 x 33,7 cm

Paisagem, 1946Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre seda198,6 x 87,4 cm

Cabana ao lado de um lago, 1945Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel79,7 x 40,3 cm

O Monte Emei, 1955Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre seda190,8 x 87,2 cm

Tempestade, 1944Fu Baoshi (1904-1965)nanquim e cores sobre papel116,1 x 79,3 cm

Sonhador, entre 1940 e 1945Fu Baoshi (1904-1965)nanquim e cores sobre papel89,3 x 56,3 cm

Page 69: AF_Catalogo Pintura Chinesa

Prefácio ao pavilhão das orquídeas, entre 1940 e 1945Shen Yinmo (1883-1971)nanquim sobre papel106,6 x 37,7 cm

Encontro de poetas, 1945Fu Baoshi (1904-1965)nanquim e cores sobre papel47 x 59,4 cm

Paisagem, década de 1940Pu Quan (1913-1991)nanquim e cores sobre papel69,9 x 28,1 cm

Paisagem de outono, 1947Pu Ru (1896-1963)nanquim e cores sobre papel100,6 x 32 cm

Paisagem, década de 1940Pu Jin (1893-1966)nanquim e cores sobre papel64,6 x 32,2 cm

Dois sábios, entre 1930 e 1960Pu Ru (1896-1963)nanquim e cores sobre papel129,4 x 40,6 cm

A falésia vermelha, 1945Zhang Daquian (1899-1983)nanquim e cores sobre papel26,3 x 117,2; 26 x 117,3 cm

Page 70: AF_Catalogo Pintura Chinesa

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Diretor Administrativo e FinanceiroAdministrative and Financial DirectorMiguel Gutierrez

Diretor TécnicoArtistic DirectorIvo Mesquita

Diretor de Relações InstitucionaisInstitucional Relation DirectorPaulo Vicelli

Secretário de DiretoriaRenivaldo Nascimento Brito

Assessora para Assuntos InternacionaisNatasha Barzaghi Geenen

Assessora de DiretoriaBianca Corazza

Conselho FiscalOsvaldo Roberto Nieto – PresidenteSilvio Barbosa BentesManoel Andrade Rebello Neto

Relacionamento e ComunicaçãoCommunicationAndré Luis de OliveiraCarla Regina de OliveiraElizabeth Mathias BaptistaJuliana AsmirPaula Chang Alcoba Marques

Gestão Documental do AcervoAdriana MiyatakeFernanda D’Agostino DiasRafael Guarda Laterca

Pesquisa em Crítica e História da ArteValéria PiccoliDiógenes MouraAna Paula Nascimento

Carlos MartinsGiancarlo HannudJosé Augusto Pereira RibeiroJulia Souza AyerbePedro NeryRegina Teixeira de BarrosTaisa Palhares

Conservação e RestauroValéria de MendonçaTeodora Camargo CarneiroAna Lúcia NakandakareManuel Ley RodriguezAntonio Carlos TimacoCamilla Vitti MarianoFrancine Chang FerreiraHenrique Francisco Costa FilhoTatiana Russo dos Reis

Ação EducativaMila Milene ChiovattoGabriela Aidar Carina da Silva LimaCintia Maria da SilvaDanielle Christina Vargas LuzDanielle Rodrigues AmaroDeborah Frohlich CortezElidayana da Silva AlexandrinoFabio Cavicchio ParraGabriela da Conceição SilvaGabriela R. Pessoa de OliveiraGermain Tabor Andrade SilvaHeber da Silva KusanoHeloiza Sensulini S. OlivaresLeandro Mendes da SilvaLuciane Aparecida TobiasMargarete de OliveiraMaria Christina da Silva CostaMaria Helena Marinho OliveiraMaria Stella da SilvaMarilia Perez ZarattiniPaula Vaz Guimarães de AraujoPaulo Rogério FernandesRafaella de Castro FusaroRaquel Lisboa Soares Kato GomesSabrina Denise RibeiroSolange Rocha da SilvaTelma Cristina MoskenValdir Alexandre de OliveiraVera Lucia Cardoso FarinhaVivian Vitalina M. dos SantosWanderson Gomes

BibliotecaIsabel Cristina Ayres da Silva MaringelliDiego SilvaEliane Barbosa LopesLeandro Antunes Araujo

Centro de Documentação e MemóriaGabriel Moore BevilacquaGustavo Aquino dos ReisRosana Carlos Leite

MEMORIAL DA RESISTÊNCIAKátia Regina Felipini NevesCaroline Grassi Franco de MenezesAlessandra Santiago da SilvaAnna Luisa Veliago CostaFernanda dos Anjos CasagrandeKarina Alves TeixeiraMarcela Boni EvangelistaMarina de AraujoRenan Ribeiro BeltrameRenata Cristina P. BarbosaVanessa do Amaral

Produção e Montagem de ExposiçõesRegina Franco ViesiMirian SasakiMário Bibiano Eduardo Tadeu da SilvaElenice dos Santos LourençoYvi de Freitas Soares

Recursos Humanos e Atendimento ao PúblicoMarcia Regina Guiote BuenoAlexandre MoreiraEvelyn da Silva NogueiraGilson Pimenta de CarvalhoFrancisco Valdivan da SilvaEdnalva Soares B. JaneiroAdemilton Laranjeiras SilvaAjams Smytt SilvaAlcides SantosAlex Custodio AntonioAline Silva MatosAna Lúcia AstolphoAndréa Sá de Abreu NevesAntonio Rodrigues de Almeida JuniorArlete Oliveira de SouzaCleany Pereira dos SantosConceli Rocha de SouzaDaniel Barbosa de LimaDaniele Aparecida R. de CamposDanilo Batista de Oliveira SantosDanilo Rodrigues dos SantosDaril Alexandre CostaDarlan dos Santos LopesEdgar Ferreira Lima

Eliane dos Santos SilvaElide de Souza ReisElizangela Henrique da SilvaErick Urias de MouraFabiane Cavalcante TeixeiraFernando Eduardo Almeida DavidFrancisco de Assis de Jesus SantosFrancisco Franceli PereiraGrazielle Alves BastosHelena Aparecida dos SantosIraima de Oliveira LimaIsaac Aarão Pereira da SilvaIsaias José dos SantosJamerson Correia de LimaJanaina Felix da SilvaJanete de França FariasJesus Alberto Villegas MolinaJoanna Angélica S. MarcarinJoelma Guilherme SilvaJoelma Paes de SousaJoelma Silva de OliveiraJosé Cleolenildo da SilvaJoselma Guilherme SilvaJucileide de JesusLeandra FlorentinoLurdes Irene da CostaMárcia Mendes VianaMarcilene Maria da SilvaMaria Aldenice da Silva SantosMaria Aparecia S. GonçalvesMaria Evaldina N. de SousaMaria José da Silva BalbinoMaria José de Andrade Santana Maria Sandra B. de Melo SouzaMariana Gomes de Oliveira PenhaMarta Conceição AugustoMonica Luisa de JesusNatanael Bispo dos Santos RosaNelson de Oliveira Santos JuniorNiceia de MoraesPatrícia Aparecida Batista de SouzaPaulo Alexandre de Moraes XavierPaulo Henrique Brisola de FariasPaulo Rodrigues PereiraPedro Bispo SampaioRaquel da SilvaRegiane Alves da RosaRegiane Gomes da Silva VieiraRobson da Silva OlivaRosemeire dos Santos CezarRosimeire dos Santos FigueiredoRozeane Matias dos SantosRubenia Maria CarmonaSamanta Meira do NascimentoSara Maria Gomes AraujoSheila de Siqueira CardosoSimone Antunes dos SantosSintia Aparecida A. R. SilvaVanessa Caroline Marques Freire

Vera Lucia de Almeida SilvaViviane Palomo dos SantosWalkyria Ferreira da SilvaWaltelon Bispo dos SantosWenna Adriana MouraWilldes Manoel da Silva

Administração e FinançasMarcelo Costa DantasAna Paula Alencar QuaresmaCícero Fernandes da SilvaDenise Mattos de OliveiraFernando Henrique LauRenata Aparecida Silva de MeloAngela Maria Avanço PombalLeandro dos Santos OliveiraMirian Maria de Jesus

InformáticaRobson Serafim Valero Rodrigo Justino da Silva

Serviços, Edifícios e ExpografiaOzéias SoaresFlávio da Silva Pires Hiromu Kinoshita Gilberto Oliveira CortesAdeildo Marques dos SantosAndré Luiz Mello PeixotoAndrelito Souza SantosAntonio José dos SantosCícero Teixeira PeixotoEduardo Nascimento SilvaErik Henrique Barbosa da SilvaFrancisco Rozenilson FerreiraGenilton Simplício dos SantosGeraldo Santos de SenaHamilton Manoel de JesusJonatas Santana BietJoilson de Oliveira MendesJosé Maria Alves LimaLeilson Silva FernandesLudwin Loth Valenzuela AbarzuaMarcos CardosoRaimundo Pereira da SilvaWilson da Silva

Segurança PatrimonialCláudio Cecílio de OliveiraAndré Rodrigo LemesBruno da Silva LopesJairo VicenteJosé Rubens de Lima JuniorLeandro Aparecido Sires dos SantosRobson Roberto da SilvaWagner Luiz de Campos

FICHA TÉCNICA

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CATÁLOGO Coordenação editorial Giancarlo HannudJúlia Souza Ayerbe

Projeto gráficoLeticia Moura | Cj.31

DiagramaçãoJoão Carlos Heleno | Cj.31

TraduçãoMarcela Vieira

Revisão Todotipo Editorial

Imagens © Musée Cernuschi / Roger-Viollet

EXPOSIÇÃO CuradorEric Lefebvre

Coordenação curatorial Giancarlo Hannud

Produção e montagem Setor de Produção e Montagem, Pinacoteca do Estado de São Paulo

ExpografiaSetor de Serviços, Edifícios e Expografia, Pinacoteca do Estado de São Paulo

Produção visualZol Design

CRÉDITOS

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