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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANDREA MARIA VIZZOTTO ALCÂNTARA LOPES O FINO DA BOSSA: TRADIÇÃO E MODERNIDADE NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (1965-1967) Monografia apresentada ao Curso de Graduação em História, Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel e licenciada em História. Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Ribeiro. CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ANDREA MARIA VIZZOTTO ALCÂNTARA LOPES

O FINO DA BOSSA: TRADIÇÃO E MODERNIDADE NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (1965-1967)

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em História, Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel e licenciada em História. Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Ribeiro.

CURITIBA 2010

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RESUMO

O historiador Paulo César de Araújo procura entender como se construiu a definição de música “brega” nos anos 1970 e atribui a essa categoria a assimilação da “tradição” ou da “modernidade” para essa produção. Marcos Napolitano, ao trabalhar com a expressão MPB, que, segundo ele, surge em meados dos anos 1960, também mostra a importância dessas duas categorias para a formulação dessa sigla. Entretanto, essa conceituação é bastante complexa e é importante entender o que significam historicamente essas categorias, pois elas marcam também um processo de construção identitária. Esse é o objetivo dessa monografia, que pretende discutir como as categorias de “tradição” e “modernidade” foram importantes para a produção musical de meados dos anos 1960, a partir do programa musical televisivo O Fino da Bossa, comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, entre os anos de 1965 e 1967. A intenção é compreender como era construída uma identidade musical a partir dessas duas categorias, vendo não só a produção dos discursos mas também como eles se efetivavam na prática musical.

Palavras-chaves: música e política; identidades; regime militar de 1964.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................1

1 NA BOSSA COM ELIS REGINA E JAIR RODRIGUES ...........................................8

2 O MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS NA DÉCADA DE 1960 ...........................22

3 TRADIÇÃO E MODERNIDADE EM O FINO DA BOSSA......................................30

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 52

FONTES................................................................................................................... 54

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 56

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1

INTRODUÇÃO

Em seu livro Eu não sou cachorro não, Paulo César de Araújo procura

entender o silêncio da historiografia em relação a determinados gêneros e autores

da música popular brasileira, que, apesar das vendagens expressivas de discos e

recordes de execuções radiofônicas entre os anos de 1968 e 1978, não eram

considerados objetos de estudo no campo das ciências sociais. Para o autor, os

artistas pejorativamente denominados “bregas” são um “patrimônio afetivo de

grandes contingentes das camadas populares” e suas obras podem se constituir em

uma forma de entender a cultura brasileira.1

Após uma extensa e intensa discussão sobre a produção musical desses

artistas e sobre a memória construída acerca da MPB, Araújo propõe uma definição

para a música “brega”, como “toda aquela produção musical que o público de classe

média não identifica à ‘tradição’ ou à ‘modernidade’”.2 Para o autor, quando a música

popular brasileira começou a ser debatida e analisada por intelectuais e críticos

musicais, já nas primeiras décadas do século 20, a discussão se realizava em torno

dos conceitos de “tradição” e “modernidade”. Esse dualismo já estaria presente no

debate político-cultural desde 1922, refletindo a necessidade de construção de uma

identidade nacional.

Essa tese é corroborada por Marcos Napolitano, em seu livro A síncope das

ideias3, no qual o autor mostra como se constrói essa identidade nacional a partir da

retomada de valores associados a elementos da tradição popular tensionados pela

necessidade de modernização desses mesmos valores. A tensão estaria na tentativa

de conciliar essas duas posições estéticas e também políticas, pois uma “moderna”

música popular brasileira teria se construído na articulação com as raízes de cultura

popular considerada “autêntica”, ou seja, ancorada em elementos da tradição

musical brasileira. Conceitualmente, o autor destaca o caráter híbrido das obras – na

acepção utilizada pelo antropólogo Nestor Canclini, ou seja, como estratégias para

lidar com a modernidade, aceitando e rejeitando os seus pressupostos –, pois nas

canções poderiam se perceber os dilemas que os artistas sofriam na tentativa de

1 ARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro, não. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 15. 2 Ibidem, p. 353. 3 NAPOLITANO, Marcos. A síncope das ideias: a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007.

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realizar uma produção orientada pelo nacional-popular, mas que também recebe

informações vanguardistas, seja do jazz, da música erudita contemporânea ou ainda

tropicalistas, já no final da década de 1960.4 Assim, seguindo a MPB e procurando

mostrar que a legitimidade de determinados gêneros e a construção de seus

sentidos deve ser entendida não só sincrônica, mas também diacronicamente, que

se deve “entender criticamente o processo histórico de legitimação sociocultural de

autores, gêneros e obras, necessariamente diacrônico, marcado por

descontinuidades, monumentalizações, lugares de memória e invenção de

tradições”5, o autor acaba transformando a MPB, categoria construída

historicamente, em algo imanente a praticamente toda produção musical brasileira

realizada após a instalação das primeiras gravadoras e rádios no país, ou seja, após

o início de uma incipiente indústria cultural, que se consolidaria a partir de meados

da década de 1960.

Em certo sentido, as duas interpretações, de Araújo e Napolitano, se

encontram, ou melhor, se complementam. Se considerarmos que toda identidade é

relacional e construída tanto simbólica quanto socialmente, podemos entender que o

simbólico é a forma pela qual “damos sentido a práticas e a relações sociais,

definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído”.6 Da mesma forma,

Michael Pollak argumenta que “a construção da identidade é um fenômeno que se

produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de

admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com

outros.”7

Contudo, se os autores percebem essa construção identitária que articula

tradição e modernidade – pois o caráter de resistência atribuído exclusivamente à

MPB é questionado por Araújo –, não fica claro de qual tradição e modernidade se

está falando, pois mesmo entre essas duas vertentes há inúmeras modulações de

sentido que devem ser entendidas em relação a determinados projetos políticos-

4 NAPOLITANO, Marcos. MPB: totem-tabu da vida musical brasileira. In: Anos 70: trajetórias. São Paulo: Iluminuras, Itaú Cultural, 2005, p. 126. 5 NAPOLITANO, Marcos. “História e música popular: um mapa de leituras e questões”. Revista de História, São Paulo, Universidade de São Paulo, n. 157, 2007, p. 167. 6 WOODWARD, Kathryn. “Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual.” In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 8. 7 POLLAK, Michael. "Memória e identidade social”. In: Estudos Históricos, vol. 5, nº 10, 1992, p. 204.

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culturais que estão sendo propostos. Nesse sentido, a nossa proposta, nessa

monografia, é entender essa tensão entre tradição e modernidade em seu contexto

de formulação, pois, concordando com Jesús Martin-Barbero, acreditamos que

“historicizar os termos em que se formulam os debates é já uma forma de acesso

aos combates, aos conflitos e lutas que atravessam os discursos e as coisas.”8

Assim, o nosso objetivo é entender como esses conceitos informavam a

produção musical de meados da década de 1960, período no qual teria sido criado o

termo MPB, a partir do debate que confrontava diferentes posições políticas e

estéticas. Para Araújo também foi produzido um “enquadramento” da memória da

música popular brasileira, pois os pesquisadores que estudam essa produção saem

do mesmo meio universitário que produziu o debate sobre a cultura popular e

acabam reproduzindo esse mesmo discurso.9 Dessa forma, acaba-se produzindo um

discurso etnocêntrico que coloca a MPB como centro da produção musical brasileira

dos anos 1960 e 1970 e a ela são atribuídos os valores considerados “positivos” de

resistência, liberdade criativa e independência mercadológica. E sobre os artistas e

críticos musicais que apresentam uma voz discordante a esse discurso são

produzidos silêncios – como no caso de Wilson Simonal – ou deslegitimadas as suas

ideias, – como no caso de José Ramos Tinhorão –, que passam a ser consideradas

xenófobas ou ultrapassadas. Porém, como demonstra Luísa Lamarão, são

ultrapassadas “em relação a uma memória que certa esquerda quer cristalizar sobre

sua atuação no campo cultural e político dos anos da ditadura”.10

O crítico e pesquisador musical José Ramos Tinhorão foi uma das vozes do

debate sobre a “moderna” música popular brasileira e o alcance das suas ideias

pode ser percebido pela interlocução estabelecida com Augusto de Campos – que

responderia com vários artigos na imprensa, posteriormente reunidos no livro

Balanço da bossa – e com Caetano Veloso, quando formula o seu conceito de “linha

evolutiva”11, em debate promovido pela Revista Civilização Brasileira. Tinhorão

também foi ouvido por essa revista, junto com o músico Luiz Carlos Vinhas e o

8 MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 31. 9 ARAÚJO, Paulo César de. Op. Cit., p. 343. 10 LAMARÃO, Luisa Quarti. As muitas histórias da MPB: as idéias de José Ramos Tinhorão. Dissertação. UFF. História, 2008. 155f, p. 126. 11 Ibidem, p. 46-47.

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compositor Edu Lobo.12 Assim, as ideias de Tinhorão são igualmente importantes

para entender o processo de construção da MPB. Se havia uma tensão entre

“tradição” e “modernidade”, é importante destacar de qual “tradição” e de qual

“modernidade” se está (e se estava) falando, uma vez que não se constituíam de

projetos homogêneos.

Para essa discussão, selecionamos o programa musical televisivo O fino da

bossa, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues, na TV Record de São Paulo,

entre os anos de 1965 e 1967, período marcado pelo debate no qual é forjado o

conceito de MPB e em que os temas da tradição e da modernidade são

constantemente retomados. Esses dois intérpretes também terão uma participação

importante nos festivais de música popular brasileira realizados pela mesma

emissora, principalmente em 1965, quando Elis Regina vence com a canção

Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, e 1966, quando Jair Rodrigues,

interpretando a canção Disparada, Geraldo Vandré e Théo de Barros, divide o

primeiro lugar com A banda, de Chico Buarque.

É importante destacar a importância dos festivais da canção promovidos em

meados da década de 1960, comumente lembrados quando se fala nos “festivais”,

ou na “era dos festivais”, tanto pelo sucesso e repercussão que obtiveram na época

e a capacidade de mobilização das pessoas em torno das canções participantes,

quanto pelas transformações que introduziram na música popular brasileira.

Além disso, em 1965, Elis Regina lança o seu quinto disco solo, Samba eu

canto assim, considerado por Marcos Napolitano como fundamental para a

constituição da nascente MPB, pois a intérprete estaria no centro do debate sobre a

música popular brasileira em sua relação com a “tradição” e a “modernidade”, “na

medida em que sua leitura de bossa nova remetia ao universo musical anterior ao

movimento”.13 Para o autor, com esse disco Elis Regina contribuiria para ajudar a

configurar a MPB que nascia, principalmente pelo “cruzamento de séries históricas e

culturais diferentes na reorganização do panorama musical brasileira, do ponto de

12 LOBO, Edu; VINHAS, Luiz Carlos; TINHORÃO, José Ramos. “Confronto: música popular brasileira.” Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 3, p. 305-312, jul. 1965. Entrevistas concedidas a Henrique Coutinho. 13 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 110.

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vista estético, ideológico e comercial.”14 Ainda de acordo com Napolitano, o

desenvolvimento da televisão ajudou a ampliar a audiência da MPB, pois o seu

público constituía-se, nesse primeiro momento, pelos ouvintes do rádio, que

possuíam outros referenciais sonoros, anteriores à bossa nova, e Elis Regina teria

tido um papel fundamental nesse processo, ao conciliar esse padrão estético

radiofônico a um repertório formado por vários compositores oriundos da bossa

nova.

Assim, com esses dois artistas de importante atuação nos festivais de música,

apresentando um programa musical em uma televisão ainda incipiente e que

procurava aumentar e consolidar um público específico, podemos entender o debate

sobre as tendências musicais da época. Embora ambos os artistas tenham lançado

outros discos nesse período, sozinhos ou ainda em dueto, escolhemos como fonte

as canções veiculadas no programa, lançadas pela gravadora Velas, em 1994, em

três CDs, que contêm trechos do programa registrados pelo técnico de som na

época, Zuza Homem de Mello, e que se constituem nos únicos registros fonográficos

do programa O fino da bossa – e mesmo audiovisuais, se considerarmos que grande

parte do acervo da emissora perdeu-se com incêndio em suas dependências e pelas

constantes regravações de programas por sobre materiais antigos. Como o

programa repercutiu na imprensa, entre intelectuais e críticos musicais, é possível

historicizar o debate a respeito da produção musical popular brasileira. A escolha

pelo programa faz-se pela intenção de não tratar apenas das canções que esses

artistas estavam interpretando e gravando mas para estudar também os

compositores e intérpretes que passavam pelo programa, o que sinalizava a filiação

a determinadas propostas estéticas. Assim, os produtos fonográficos desses artistas,

os discos – em dueto ou individuais –, serão discutidos como forma de ampliar a

compreensão sobre os procedimentos estéticos, uma vez que ainda se inserem nas

mesmas propostas musicais presentes no programa televisivo.

O recorte temporal estabelecido para essa pesquisa é dado pelos anos em

que o programa O fino da bossa foi transmitido, entre 1965 e 1967.15 Além disso,

14 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 107. 15 Em 1966, o programa passará a ser chamado de O Fino, por questões contratuais, pois o “proprietário” do nome “O Fino da Bossa”, Horácio Berlinck se desligaria do programa. Depois,

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esse recorte também marca a ascensão da trajetória artística desses dois artistas,

suas participações nos festivais de música e o debate sobre a música popular

brasileira, que suscita novas questões e posicionamentos a partir do golpe militar de

1964 e também pelo crescente desenvolvimento dos meios de comunicação. Assim,

o período engloba momentos importantes para a política e a cultura brasileira.

Metodologicamente, essa pesquisa seguiu o procedimento sugerido por

Marcos Napolitano para a análise de uma canção como fonte histórica, cotejando a

audição da obra em sua materialidade (os fonogramas resultantes das gravações

das apresentações em O fino da bossa) com as manifestações escritas provenientes

da escuta musical, que se dá por meio de artigos, críticas, entrevistas dos artistas e

outros documentos que permitam situar historicamente a canção16, procedimento

fundamental para entender as obras em sua historicidade, uma vez que estamos

procurando entender o debate sobre essa produção musical.

As fontes utilizadas podem ser divididas entre um material impresso –

composto de artigos de jornais e revistas da época com depoimentos e entrevistas

de Elis Regina e Jair Rodrigues, e artigos que discutem a produção musical do

período e de forma mais restrita, a desses dois artistas – e um material sonoro, o

registro fonográfico das canções. Os principais jornais pesquisados foram o Jornal

do Brasil e, entre as revistas, foram utilizadas O Cruzeiro, marcada por uma linha

editorial de apoio ao regime militar, à “Revolução de 1964”, e a Revista de

Civilização Brasileira, que propiciava a discussão cultural entre intelectuais de

esquerda ou críticos ao golpe militar. Além disso, foram utilizadas coletâneas de

artigos publicados em livros, como Balanço da bossa, que reúne diversas

formulações críticas à música popular brasileira do período. O interesse por fontes

de orientações político-estéticas distintas resulta da intenção de compreender os

vários discursos e as diferentes recepções em relação às propostas artísticas do

período.

É a partir dessa perspectiva que a monografia foi estruturada e dividida em

três capítulos, sendo que, no primeiro, é discutida a trajetória artística de Elis Regina

passará a ser O Fino 67. Entretanto, tanto nos três CDs que contêm essa produção musical quanto nas fontes do período, o programa é constantemente referido pelo seu nome original. 16 NAPOLITANO, Marcos. “A história depois do papel”. In: PINSKY, Carla. (Org.) Fontes históricas . 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 235-289.

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e Jair Rodrigues nos primeiros anos de suas carreiras, com destaque para o início

em festivais de música e a participação no programa O fino da bossa, procurando

situá-los em relação à bossa nova e aos festivais de música – movimentos

importantes para entender o debate sobre a música popular após o regime militar.

No segundo capítulo, é dada ênfase ao mercado fonográfico e relacionamento

dos artistas com os meios de comunicação e com as estruturas de marketing das

gravadoras, em como se relacionavam e se inseriam na indústria cultural que estava

se consolidando no país.

Os dois primeiros capítulos abordam aspectos que entravam na discussão

sobre a música popular: a origem social dos artistas e suas escutas musicais

prévias, que contribuíam para a forma como se expressavam artisticamente, e a

relação com o mercado, “cooptação” ou “negação”, termos que tensionavam a

produção dos artistas que desejavam um posicionamento crítico em relação ao

regime militar e ao capitalismo vigente no país.

A partir dessa discussão iniciada nos dois primeiros capítulos, o terceiro

procura destacar os depoimentos dos artistas, intelectuais e críticos musicais sobre

a função social da arte, inseridos no debate produzido na mídia, com o intuito de

entender qual(is) o(s) significado(s) que estão sendo construídos para as duas

categorias, “tradição” e “modernidade”, a partir do programa O fino da bossa. Das 34

canções disponíveis nos 3 CDs sobre O Fino da Bossa, são analisadas 13, com o

intuito de perceber como esse discurso era efetivado na prática.

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1 NA BOSSA COM ELIS REGINA E JAIR RODRIGUES

O termo bossa já era utilizado pelo menos desde os anos 1930, quando Noel

Rosa dele se apropria em seu samba Coisas nossas, lançado em 1932, como se

pode ouvir no refrão “o samba, a prontidão / e outras bossas / são coisas nossas /

são coisas nossas”.17 Segundo o crítico musical José Ramos Tinhorão, o termo

continuaria sendo bastante evocado nas décadas seguintes, até surgir a expressão

cheio de bossa, que designaria “alguém capaz de frases ou atitudes inesperadas,

recebidas como demonstração de inteligência ou de real bom humor.”18 Na gíria

carioca, a palavra bossa era reconhecida como “o talento especial de uma pessoa

para fazer determinada coisa”19, como se pode perceber na referência à cantora

Elza Soares, pois o seu sucesso teria vindo da “bossa genial de cantar a música

antiga usando o sabadabadá saído direto da garganta”20 ou na capacidade

comunicativa de Wilson Simonal, expressa no domínio de palco que possuía, “dono

de uma bossa toda sua”21.

Não demoraria para aparecer a expressão “bossa nova”, que seria bastante

divulgada pelo jornalista Sérgio Porto – também conhecido como Stanislaw Ponte

Preta – em sua coluna no jornal Diário Carioca, que fazia uma espécie de síntese

entre esses significados, incorporando também uma associação com o sentido de

modernidade, bastante explorado pelo meio publicitário. Assim, podia-se ter um

“delegado bossa nova”, “imaginoso e lírico”22, uma nota humorística que pedia um

“aumento em bossa nova”, que poderia ser “em dinheiro ou em gêneros”23, uma

“bossa nova legislativa”, com a malícia do vereador que queria votar por telegrama24,

ou ainda uma forma de promover artigos de vestir, como a “bossa nova opina: os

tons são elegantes”25. Para Tinhorão, seria dessa forma que a expressão “bossa

nova” acabaria sendo utilizada para identificar um grupo novo de artistas surgidos

17 JUBRAN, Omar. Noel Rosa pela primeira vez. Ministério da Cultura / FUNARTE, 2000, p. 25. 18 TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate. Rio de Janeiro: Saga, 1966, p. 28. 19 Ibidem, p. 19. 20 ELZA Soares mulata de 400 bossas. O Cruzeiro, 20 nov. 1965, p. 67. 21 DO MOLEQUE Simona a Wilson Simonal. O Cruzeiro, 19 ago. 1967, p. 56. 22 DELEGADO bossa-nova. Coluna O impossível acontece. O Cruzeiro, 23 maio 1964, p. 56. 23 AUMENTO em bossa nova. Coluna O impossível acontece. O Cruzeiro, 19 fev. 1966, p. 40. 24 BOSSA-NOVA legislativa. Coluna O impossível. O Cruzeiro, 28 jan. 1967, p. 56. 25 Publicidade casimiras Guahyba. Manchete, 17 maio 1964, p. 83.

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entre 1958 e 1959 cuja maior “bossa” era apresentar “sambas modernos”. Tinhorão

era extremamente crítico ao novo gênero musical – para ele apenas uma forma de

tocar sambas e uma deturpação do samba de origens populares – e em seu artigo

procurava questionar a “novidade” do movimento musical ao mesmo tempo em que

valorizava a “velha bossa”, essa sim considerada uma “autêntica” música popular

brasileira. Para o crítico, tratava-se de um processo de alienação do jovem de classe

média – que consome música estrangeira e despreza a cultura popular – da

produção das classes pobres. Assim, a sua crítica recaía tanto à produção quanto à

recepção de classe média. Reconhecendo que o conceito de autenticidade tem um

sentido histórico e ideológico, Luísa Lamarão argumenta que o pensamento de

Tinhorão procurava articular folclore e marxismo, em um discurso que procurava

“preservar a autenticidade da cultura popular face às influências alienantes da

cultura estrangeira”.26

Para Marcos Napolitano, o sentido de modernidade atribuído à bossa nova

pode ser entendido como uma das formas como os “segmentos médios da

sociedade assumiram a tarefa de traduzir uma utopia modernizante e reformista que

desejava ‘atualizar’ o Brasil como nação perante a cultura ocidental”.27 O autor

afasta-se de análises que definem a bossa nova como “reflexo” do

desenvolvimentismo do governo de Juscelino Kubitschek, com a qual concordamos

pois entendemos que a arte não pode ser entendida como se fosse apenas um

“reflexo” da sociedade, mas como uma de suas manifestações, uma das respostas

possíveis ao momento vivido pelo país, informada por e formadora do contexto,

resultando de um processo de “trocas” e “interações” sociais. Contudo, essa “utopia

modernizante” e os seus efeitos sobre a cultura brasileira também eram objeto de

discussão e críticas.

De acordo com Anna Moraes Figueiredo, em sua pesquisa realizada entre os

anos de 1954 e 1964, a publicidade expressava um desejo de modernidade, “uma

26 LAMARÃO, Luisa Quarti. As muitas histórias da MPB: as idéias de José Ramos Tinhorão. Dissertação. UFF. História, 2008. 155f, p. 84. 27 NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume: Fapesp, 2001, p. 21.

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condição a priori imbuída de positividade”28, que se configurava mesmo como um

ideal que deveria concretizar-se no crescimento urbano e industrial, que superaria o

“atraso” das zonas rurais e inauguraria um “tempo novo”. E esse processo de

desenvolvimento não poderia prescindir do capital estrangeiro. A produção deveria

ser feita no Brasil, com a independência econômica vindo da iniciativa privada, mas

os capitais não precisavam ser nacionais. Os produtos estrangeiros eram assumidos

como modelos para a indústria brasileira e a soberania seria alcançada pela

evolução capitalista, pela ampliação do consumo. O conceito de liberdade

associava-se diretamente com a possibilidade de consumo de artigos variados. No

período pré-golpe de 1964 encontra-se em periódicos da imprensa, como a revista O

Cruzeiro, um discurso que realizava a fusão entre consumo, liberdade e democracia,

que funcionava, também, como um discurso anticomunista. O estilo de vida

“ocidental”, ou seja, das camadas médias urbanas norte-americanas, era

contraposto ao “atraso” dos países comunistas e o jazz aparece como um referencial

de modernidade a ser seguido. Procurando o sentido que era dado ao termo bossa

ou a expressão bossa nova pelos meios de comunicação, percebemos que eles

eram frequentes na mídia impressa, em propagandas publicitárias, para atribuir um

caráter positivo de modernidade, bom gosto e sofisticação a uma roupa, ao modo de

vestir, à decoração de uma casa, sentidos já comentados anteriormente.

No plano estritamente musical, as referências eram várias – seguindo a

influência do movimento da bossa nova – e iam desde o conjunto Bossa Três, com

quem Elis Regina tocou na boate Little Club, depois que chegou ao Rio de Janeiro,

passando pelo Rui Bar Bossa, de São Paulo, ou ainda presentes nos títulos e

repertórios de shows, como O remédio é bossa ou nos realizados pelos centros

universitários, como o Boa Bossa, do qual Elis participou, ou aquele que nomearia o

musical televisivo da Record, O fino da bossa, ambos promovidos pelo Centro

Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito de São Paulo.29 Segundo Zuza

Homem de Mello, a partir de 1961 proliferaram espetáculos de bossa nova em São

28 FIGUEIREDO, Anna Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada: publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964). São Paulo: Hucitec, 1998, p. 31. Ver principalmente o capítulo “O progresso chega ao ‘fim do mundo’”, p. 31-51. 29 ECHEVERRIA, Regina. Furacão Elis. São Paulo: Ediouro, 2007.

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Paulo, principalmente nos circuitos universitários, que se transformavam em veículo

de promoção do artista.30

Assim, podemos considerar que o nome do programa O fino da bossa, criado

por um dos seus produtores, Horacio Berlinck, vinculava-se tanto ao gênero como a

um sentido mais geral percebido pela utilização cotidiana do termo.31 Dois meses

após a sua estreia outro musical televisivo incorporava o termo bossa ao seu título,

mas com repertório distinto. Era o Bossaudade, apresentado por Elisete Cardoso.

Para Napolitano, o formato de O fino da bossa mostrava as contradições entre as

exigências de linguagem do meio televisivo e o legado intimista da bossa nova, mais

próxima do cool jazz. Entretanto, não haveria contradição se considerarmos que a

bossa nova também tinha uma vertente do hot jazz, com expoentes como o Zimbo

Trio e o próprio Ronaldo Bôscoli, que dirigia os chamados pocket shows no Beco

das Garrafas, reduto boêmio carioca composto pelas boates Ma Griffe, Little Club,

Bottle’s Bar e Baccara.

A bossa nova, tanto como movimento musical como um gênero musical,

também não era um movimento homogêneo. Aqui também podemos perceber que a

categoria “modernidade” informava diferentes projetos de bossa nova. Nesse

sentido, consideramos importante fazer algumas considerações sobre as definições

atribuídas a determinados gêneros e as polêmicas envolvidas nesse processo.

Segundo Napolitano, um gênero não se define apenas musicologicamente, por um

parâmetro rítmico ou melódico, mas também por convenções que são

constantemente debatidas e redefinidas por críticos musicais, músicos, pelo público

e pelas gravadoras, tornando-se necessário “entender a genealogia de uma

determinada experiência musical, em seus aspectos diversos, como canção, como

dança, como identidade cultural e como produto comercial revestido de efeitos que

vão além da performance direta.”32 A bossa nova também foi objeto de discussão e

reelaboração durante a década de 1960 e um dos elementos constituintes desse

debate era a associação à modernidade, que também construía uma identidade

cultural. 30 MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais: uma parábola. São Paulo: Ed. 34, 2003, p. 34. 31 Em 1967, com o desligamento de Berlinck do musical, este passaria a ser chamado apenas de O Fino. 32 NAPOLITANO, Marcos. “História e música popular: um mapa de leituras e questões”. Revista de História, São Paulo, Universidade de São Paulo, n. 157, 2007, p. 156.

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Antes de estrear o programa da TV Record, a dupla Elis Regina e Jair

Rodrigues protagonizou o show Dois na bossa, que estreou em 9 de abril de 1965,

no Teatro Paramount de São Paulo, produzido pelo disc-jockey Walter Silva –

também conhecido pela alcunha de Pica-pau – e após o seu sucesso rendeu novas

edições e o lançamento de uma série de três discos homônimos, lançados em 1965,

1966 e 1967. Segundo dados da Nelson Oliveira Pesquisas de Mercado (Nopem),

criada em 1965 por um ex-funcionário do Ibope e que realizava sua pesquisa a partir

das informações fornecidas pelos lojistas de discos das cidades de São Paulo e Rio

de Janeiro, o primeiro volume da série, de 1965, atingiu a quinta posição entre os

mais vendidos.33 Assim, os artistas estavam ao mesmo tempo na televisão e nos

discos, embora nem sempre com o mesmo repertório ou o mesmo arranjo. Além

disso, enquanto os discos eram apenas dos dois intérpretes, o musical recebia

convidados, o que permite perceber quais os artistas eram valorizados

musicalmente. Atualmente podemos ter acesso a essa diversidade de cenário

musical a partir da iniciativa do técnico de som Zuza Homem de Mello, que gravou

algumas passagens de O fino da bossa que seriam lançadas em três discos em

1994, possibilitando o acesso ao programa, já que o acervo da Record foi bastante

danificado por incêndios e regravações posteriores nas fitas originais do musical.

O musical televisivo O fino da bossa estreou na Rede Record em 17 de maio

de 1965, conduzido pela dupla Elis Regina e Jair Rodrigues. Era um programa

semanal de auditório, gravado às segundas-feiras, no Teatro Record, da

Consolação, em São Paulo, e exibido às quartas-feiras, no horário nobre das 20 às

22 horas, com produção do núcleo da chamada equipe A, constituída por Manoel

Carlos, Nilton Travesso, A. de Carvalho, João Evangelista e Horácio Berlinck. Eram

apresentados diferentes números musicais nos quais os artistas convidados

alternavam-se em exibições solo ou com os apresentadores do programa. O musical

foi líder de audiência durante o ano de 1965 e manteve o mesmo patamar, estável

entre 23% e 26%, em média, durante o ano seguinte, mas perdeu a liderança para o

programa Jovem Guarda, que estreou em agosto de 1965, com o comando de

33 VICENTE, Eduardo. Os dados do nopem e o cenário da música brasileira de 1965 a 1969. In: Anais do VII Congresso Latino-Americano da Associação Internacional para Estudo da Música Popular, Havana, 2006. Disponível em: <http://www.uc.cl/historia/iaspm/lahabana/articulosPDF/ EduardoVicente.pdf.> Acesso em: 10 ago. 2010.

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Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderlea. A expressão excedeu os limites do

programa e passou a identificar um movimento musical e comportamental “jovem”

sob a influência do rock de Bill Haley e seus Cometas, Elvis Presley, Beatles, além

de canções românticas italianas, que fizeram surgir uma linguagem própria

denominada iê-iê-iê (yé-yé-yé).34 Segundo Adriana Mattos de Oliveira, o programa

Jovem Guarda foi criado pela Rede Record devido à necessidade de a emissora

apresentar em sua programação um programa jovem que pudesse concorrer e

também superar os programas voltados ao rock e ao público jovem das redes

concorrentes, além de poder preencher o horário antes reservado à transmissão de

jogos de futebol, aos domingos.35

O novo meio, a televisão, trazia novas demandas em termos de linguagem.

Agora, o que contava não era apenas o som, como no rádio, mas também o visual.

Mas podemos entender esse visual também como uma adaptação dos programas

de auditório de rádio – dos quais tanto Elis Regina e Jair Rodrigues participaram

como concorrentes no início de suas carreiras – com seu público barulhento

conduzido por apresentador(es) em clima festivo. Nesse aspecto, os dois artistas

possuíam amplo domínio de cena e com um estilo expressivo sabiam explorar os

recursos da televisão e estabelecer uma grande comunicação com a nova audiência

televisiva que se formava. Segundo Tinhorão, foi o sucesso de O Fino da Bossa que

mostrou que “era preciso um novo tipo de apresentação de palco para atender ao

gosto das modernas gerações de jovens, voltadas agora para outras expectativas,

geralmente ligadas a imagens e modelos projetados pela indústria do som e do

show-business internacional”.36

Ressaltamos que a análise de Tinhorão sobre o surgimento da televisão está

de acordo com as suas reflexões sobre o afastamento das classes pobres da

produção de cultura, resultante de um processo de industrialização e urbanização

que promoveu um divórcio entre o samba de classe média e o samba das classes

populares. Para o crítico, “o aparecimento da televisão em 1950, no Brasil, marca o

34 JOVENS cantores fazem música jovem. O Cruzeiro, 13 nov. 1965, p. 6-13. 35 OLIVEIRA, Adriana Mattos de. A jovem guarda e a indústria cultural: análise da relação entre o Programa Jovem Guarda, a indústria cultural e a recepção de seu público. In: Anais do XXV Simpósio Nacional de História, 2009. [CD] 36 TINHORÃO, José Ramos. Música popular: do gramofone ao rádio e TV. São Paulo: Ática, 1981, p. 180.

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início da ruptura definitiva entre a produção de cultura a nível popular e a

capacidade de divulgá-la aproveitando os meios cada vez mais sofisticados da

tecnologia da comunicação”.37 Entretanto, a sua análise também mostra a

importância dos recursos tecnológicos e as transformações operadas na música

popular pela nova demanda da linguagem televisiva, em que Elis Regina e Jair

Rodrigues tiveram papel preponderante. O trio de apresentadores do Jovem Guarda

também sabia aproveitar a nova mídia utilizando som e imagem. Voltando aos

nossos dois artistas, percebemos que embora o programa tenha marcado a

televisão brasileira e os colocado em destaque, eles já vinham de trajetórias

ascendentes de sucesso.

A gaúcha Elis Regina iniciou sua carreira artística ainda em Porto Alegre, ao

participar do Clube do Guri, da Rádio Farroupilha, tornando-se, também, secretária

do apresentador Ary Rego, dos 11 aos 13 anos. Com 16 anos, lançou, em 1961,

pela gravadora Continental, o seu primeiro disco, Viva a Brotolândia, composto

basicamente de versões de canções estrangeiras e com um referencial estético

apoiado na obra de Celly Campelo, cantora com um repertório baseado no rock e

com bastante sucesso entre o público juvenil durante o final dos anos 1950 até

1962, quando abandonou a carreira artística. Antes de mudar-se para o Rio de

Janeiro, Elis ainda lançaria mais um disco solo pela Continental, Poema, em 1962, e

mais dois em 1963, Elis Regina e O bem do amor, por uma nova gravadora, a CBS.

Embora o alcance dessa primeira fase fosse regional, mais restrita ao estado do Rio

Grande do Sul e ao espaço em que atingiam as ondas médias da Rádio Farroupilha,

as aparições de Elis Regina no programa radiofônico Clube do Guri lhe renderam o

título Rainha do Disco Clube, ainda em Porto Alegre.

Esse sucesso inicial, ainda local, também lhe renderia a proposta de um novo

contrato, com nova gravadora, a Philips, e em março de 1964 Elis Regina deixava o

Sul com a intenção de consolidar a sua carreira no eixo Rio-São Paulo. Continuando

a ascensão vertiginosa, em menos de um ano ganhou o prêmio Roquette Pinto de

melhor cantora de 1964, tanto pelos pocket shows realizados no Beco das Garrafas,

produzidos pela dupla Miele e Ronaldo Bôscoli, quanto pela gravação do compacto

com Menino das laranjas, de Theo de Barros. O prêmio Roquette Pinto foi criado, no

37 Ibidem, p. 157.

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início da década de 1950, para premiar os melhores profissionais do rádio e da

televisão brasileira. Foi adquirindo prestígio e na década de 1960 era transmitido ao

vivo pela TV Record, o que aumentava a divulgação de um artista para o público.

Elis também foi escolhida por Accioly Netto, da revista O Cruzeiro, em sua coluna

semanal sobre teatro, como a melhor cantora da cena noturna carioca. Revelada no

Bottle’s, seria no Little Club que Elis Regina passaria a “dominar nas madrugadas,

gravando também seus melhores êxitos”.38

Já as madrugadas paulistas contavam com o crooner Jair Rodrigues, desde o

início da década de 1960. Assim como Elis Regina, também participou de programas

de calouros, como o Programa de Cláudio de Luna, da Rádio Cultura de São Paulo,

no qual obteve a primeira colocação. O cantor obteve o seu primeiro sucesso com o

samba O morro não tem vez, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, presente em seu

primeiro disco, O samba como ele é, de 1964. Mas foi o seu segundo disco, Vou de

samba com você, lançado no final desse mesmo ano, que trouxe o samba que

ampliaria o seu sucesso, aquele em que “ele fazia ‘assim’ com a mão”: Deixa isso

pra lá, de dois compositores desconhecidos, Alberto Paz e Edson Menezes.39 Com

uma parte cantada e outra falada, na qual eram inseridos os gestos com a palma da

mão direita, era uma música também para ser vista. A coreografia da “mão” foi

aperfeiçoada por Jair para obter o melhor efeito possível em programas de televisão

dos quais participava.

Elis Regina também utilizaria efeitos coreográficos – mas dos “braços” –

aprendidos com o bailarino Lennie Dale quando ainda cantava no Beco das

Garrafas. Após essa experiência, no Rio de Janeiro, transferiu-se para São Paulo,

no início de 1965, e participou do I Festival de Música da TV Excelsior, entre 27 de

março e 4 de abril. Como vimos, possuía algum prestígio e reconhecimento como

cantora, que foi ampliado para um público maior com a vitória dupla: o primeiro lugar

obtido pela canção Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, e o prêmio de

Melhor Intérprete. Assim como Jair Rodrigues, Elis sabia utilizar a voz e o corpo de

modo a causar impacto na televisão e, apesar do apelido “Elis cóptero”, os seus

trejeitos de braços e cabeça estranhamente sincronizados “fizeram delirar uma 38 NETTO, Accioly. Os melhores do teatro na madrugada. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 13 fev. 1965, p. 25. 39 DEIXE isso pra lá. O Cruzeiro, 28 nov. 1964, p. 56.

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plateia até então considerada pela maioria dos artistas como das mais apáticas do

Mundo”.40 O tom da matéria mostra o impacto causado por sua apresentação.

Assim, o musical O fino da bossa projetou ainda mais dois cantores que já vinham

se destacando.

Os festivais foram importantes para o reconhecimento dos artistas e também

contribuíram para o surgimento de uma fórmula de canção de festival, pois os

artistas tinham a intenção de obter uma boa classificação e recepção pelo público.

Esse aspecto é evidenciado por Zuza Homem de Mello, que identifica a

interpretação contagiante e épica de Elis Regina em Arrastão como um dos

elementos dessa música de festival.41 Logo em seguida, participava com Jair

Rodrigues do primeiro show Dois na Bossa, era contratada pela Rede Record com

um salário muito alto para a época e lançava o seu disco Samba eu canto assim. A

canção Arrastão e a produção musical associada apresentada por O fino da bossa

passaria a ser chamada de “música popular moderna”, transformando-se, com o

tempo, em MPM. Para Zuza de Mello, não era uma ruptura, nem uma corrente

contrária, mas uma decorrência da estrutura harmônica da bossa nova.42 São os

vários elementos componentes de uma composição que são objeto de disputa por

uma convenção que busca a legitimação como um gênero musical socialmente

aceito e reconhecido, como discutiremos no terceiro capítulo.

A trajetória inicial seria lembrada por Elis Regina no espetáculo Falso

Brilhante, que estrearia em 17 de dezembro de 1975, no Teatro Bandeirantes, em

São Paulo. Uma das intenções manifestas do show era contar a história de um

artista brasileiro, que poderia ser também a da própria Elis, pois o número que abre

o show é a encenação de uma edição do Clube do Guri, onde ela se apresentou

pela primeira vez. A sua trupe, composta por músicos acompanhadores e de atores,

40 ELA vem de Arrastão. O Cruzeiro, 24 jul. 1964, p. 46. 41 Uma descrição detalhada sobre os festivais de música pode ser encontrada em “A era dos festivais”, de Zuza Homem de Mello, músico e técnico de som que participou de vários desses eventos e que faz, também, considerações interessantes sobre as propostas estéticas presentes em várias das canções desse período, mostrando como se pode constatar o uso de certas “fórmulas” musicais, usadas com o intuito de obter o apoio do público e, consequentemente, também uma melhor classificação na competição. Ver sua análise do arranjo e da interpretação de Elis Regina para Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, considerada paradigmática desse tipo de canção “empolgante” e que, segundo o autor, “esse expediente foi tão importante que passaria a determinar o modelo das músicas de festival.” In: MELLO, Zuza Homem de. Op. Cit., p. 66-73. 42 MELLO, Zuza Homem de. Op. Cit., p. 67.

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representa as várias crianças que participavam do programa de auditório

comandado por Ary Rego. Em meio a brincadeiras infantis, a candidata Elisa Beth

(Elis Regina) interpreta a canção Mamãe, de David Nasser e Herivelto Martins,

lançada por Ângela Maria, cantora por quem em determinados momentos da carreira

Elis expressou a sua admiração.

Nessa encenação, alguns aspectos da sua carreira eram evidenciados, como

o estilo de cantar próprio das chamadas “cantoras do rádio”, com a valorização da

potência vocal necessária ao canto operístico e o uso de vibratos, mas as

brincadeiras e a simulação de uma voz infantil, “que parece querer reproduzir

fielmente o que no rádio ouvia” apontam também para uma fase de descoberta do

artista. Após a apresentação, a novata Elisa Beth é coroada vencedora.43 Ao mesmo

tempo em que reconhecia a importância e influência do rádio em sua formação

musical, Elis Regina mostrava que o processo de assimilação nessa fase juvenil era

ainda o imitativo, da busca de um sentido próprio para a sua interpretação, que ela

atingiria já na sua maturidade pessoal e artística, afirmada pela produção do show

Falso Brilhante.

Esse processo imitativo relacionava-se com as referências de escuta musical

da cantora, dos programas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com preferência

para as interpretações de Ângela Maria e Cauby Peixoto. Esse aspecto seria

fundamental para o estilo interpretativo que adotaria nos primeiros anos de carreira,

com uma presença vocal mais próxima do bel canto potente expressionista do que

do intimismo defendido pela bossa nova de João Gilberto. E na nossa análise é

fundamental perceber as influências anteriores, pois a produção musical – e

entendemos o intérprete como criador da obra, ou seja, também portador de

sentidos – não se dá apenas em processo sincrônico, em relação ao que estava

sendo realizado naquele contexto, mas articulando-se com as experiências vividas e

as referências culturais anteriores, pois o intérprete elabora o seu projeto estético a

partir das suas escutas anteriores. Por outro lado, enquanto podemos perceber

essas influências a partir da audição das obras de Elis, vemos que ela também já

43 PACHECO, Mateus de Andrade. Elis de todos os palcos: embriaguez equilibrista que se fez canção. Dissertação. UNB. História, 2009. 246f, p. 15.

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procurava demarcar o espaço de atuação e circulação da sua produção, situando-se

em relação a debates sobre a música popular brasileira.

Se Elis Regina foi construindo uma memória que legitimava esse processo

imitativo inicial de escutas anteriores como natural no desenvolvimento da artista,

desde as suas primeiras declarações, já no eixo Rio-São Paulo, renegava os seus

primeiros discos – com baladas, boleros e twists –, pois seriam resultado de uma

imposição de repertório feita pelas gravadoras. Elis assumia a sua saída de Porto

Alegre como uma necessidade de mudar de gravadora, de “romper seus contratos

no Sul, para sair em busca da conquista do Planalto”, por não concordar em ter que

“gravar as músicas que a empresa escolhesse”. 44 Nessa declaração da cantora já

está presente um dos eixos que constituiria a memória sobre a produção musical

que viria a ser denominada MPB, de que Elis Regina seria um dos ícones: a “aura”

de independência do mercado, como se a música se realizasse sem qualquer

intervenção mercadológica e somente no plano estético. Essa relação do artista com

o mercado será tema do próximo capítulo.

Nessa mesma entrevista, de julho de 1965, Elis também se situava em

relação ao sentido que dava para a sua obra, a música popular como “a forma mais

direta de comunicação com toda a gente de seu povo”. Essa intenção vinha sendo

também defendida por outros artistas como se pode observar no libreto do

espetáculo musical Opinião, que estreou em 10 de dezembro de 1964: “a música

popular é tanto mais expressiva quanto mais tem uma opinião, quando se alia ao

povo na captação de novos sentimentos e valores necessários para a evolução

social, quando mantém vivas as tradições de unidade e integrações nacionais.”45 E

essa era a música “moderna” para Elis, “aquela que dissesse das coisas de seu

povo e não as impingidas pelas gravadoras”. O repertório de Elis, nesse momento,

constitui-se de composições de autores, como Edu Lobo, envolvidos com a

proposição de uma canção baseada nas tradições populares e, em alguns casos,

com letras de crítica social. A fala dela a coloca em sintonia com os debates

políticos-musicais travados na época, enquanto a sua referência cultural a mantém

44 ELA vem de Arrastão. O Cruzeiro, 24 jul. 1965, p. 46. 45 Texto presente no encarte do disco que contém o musical Opinião, gravado ao vivo. Foi remasterizado e lançado em CD pela gravadora Philips, em 2002, em caixa que contém a fase inicial da carreira de Nara Leão.

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mais próxima de uma música com estilo anterior à bossa nova, no tocante à

interpretação vocal e mesmo aos arranjos instrumentais. Pode-se perceber o

encontro entre duas formas diferentes de expressão artística, que possuíam públicos

também diversos.

É interessante perceber que em momentos diversos de sua carreira Elis

emitirá opiniões conflitantes em relação à bossa nova de João Gilberto, modelo de

uma vocalização intimista contrária aos recursos vocais operísticos bastante

presentes na música radiofônica do período. Ressaltamos que concordamos com

Napolitano, que questiona os mitos de ruptura da bossa nova, no qual o estilo

interpretativo de João Gilberto ocupa papel importante.46 Entretanto, João Gilberto

aparece como ícone para vários artistas e referência em várias entrevistas. E nesse

sentido podemos perceber que em diversos momentos os artistas dialogavam e se

posicionavam perante esses “mitos” – que já estavam sendo construídos com alguns

cânones e “clássicos” da bossa nova – ou valores musicais aceitos e dotados de

prestígio para um público, principalmente estudantil e de intelectuais, que viria a ser

consumidor da obra de Elis Regina.

Nessa mesma entrevista, Elis Regina assumia que fazia uma “moderna

música popular brasileira”, expressão preferida pois considerava a Bossa Nova um

“movimento musical já superado”. Essa declaração, que sugere ruptura com o

movimento, também pode ser entendida pelas desavenças pessoais com os antigos

parceiros cariocas, pois ao mesmo tempo em que valorizava a “seriedade e o senso

profissional” paulista, a sua crítica também atingia o “isolacionismo criado em torno

de si pelos bossanovistas do Beco das Garrafas”47, onde ela começou quando da

sua passagem pelo Rio de Janeiro. Entretanto, musicalmente, a sua interpretação

trazia as influências dessa sua experiência e, como ponto em comum, o interesse

pela “modernização” da música popular brasileira. Mas essa “modernização” ainda

não passa pela referência a João Gilberto que, contudo, já aparece no encarte do

CD O fino da bossa, v. 2. Trata-se de uma coletânea de textos de entrevistas

concedidas por Elis em 1978 e 1979. Embora ainda reconhecesse a importância do

vibrato e a influência de Ângela Maria, já aparece uma “espécie de simbiose, uma 46 NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume: Fapesp, 2001. 47 ELA vem de Arrastão. O Cruzeiro, 24 jul. 1965, p. 46.

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ligação forte” com João Gilberto.48 Algumas considerações merecem ser feitas.

Assim como existem os “mitos” de ruptura da bossa nova, consolidou-se um modelo

interpretativo baseado no cool jazz como sendo o referencial associado ao gênero,

enquanto naquele momento outras propostas estéticas também eram consideradas,

tanto por seus autores como pelo público que as consumia, como bossa nova. E o

embate a partir da interpretação de Elis Regina demonstra essas tensões. Tratava-

se da defesa de “modernidade” e sua incorporação à música popular brasileira. Os

que criticavam o hot-jazz como uma “cópia”, mera assimilação, aceitavam o cool jazz

como uma leitura inovadora.

O discurso da modernidade também estava presente na obra de Jair

Rodrigues, apresentado, em seu disco O sorriso do Jair, lançado em 1966, como “a

mais autêntica afirmação da moderna música popular brasileira”.49 Após o

lançamento dos seus dois primeiros discos solo e de duas edições de Dois na

Bossa, com Elis Regina, e a participação em O Fino da Bossa, Jair Rodrigues

também posiciona-se – e é posicionado – no debate sobre a música popular

brasileira. A autenticidade de sua obra vem da origem social, “legítimo filho do povo”,

nascido em Igarapava, no interior de São Paulo. O novo disco trazia a canção

vencedora do II Festival da TV Record, realizado em 1966, e que teve como

vencedoras as canções A Banda, de Chico Buarque, defendida por Nara Leão, e

Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, defendida por Jair Rodrigues.

Assim, ao lado do “ídolo popular do samba cantado em todas as cadências e

dolências” aparece também a valorização da infância em meio rural que legitima a

atuação em Disparada e a regravação de um “clássico popular”, Chão de estrelas,

de Silvio Caldas e Orestes Barbosa. A música moderna que Jair Rodrigues

apresentava e defendia era um samba que mantinha o seu “conteúdo primitivo” e as

suas “raízes”.50 E as raízes eram buscadas também na suas escutas anteriores, nas

canções populares que ouvia em sua infância passada na fazenda Itaquerê, no

município de Nova Europa. Dessa forma, Jair Rodrigues realizava um hibridismo das

48 Trecho presente no texto O Fino da Bossa por Elis Regina, presente no encarte do CD Elis Regina no Fino da Bossa, ao vivo, volume 2. Trata-se de uma compilação de entrevistas concedidas a Zuza Homem de Mello no “Programa do Zuza”, em 17 de maio de 1978, e no “Fino da Música”, em 8 de novembro de 1979. 49 Texto presente no encarte do LP O sorriso do Jair. 50 Texto presente no encarte do LP O sorriso do Jair.

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formas populares com os gêneros “modernos”. As especificidades dessa relação

entre a “tradição” e a “modernidade” na produção musical de Elis Regina e Jair

Rodrigues serão discutidas no terceiro capítulo. Mas antes, propomos a discussão,

no segundo capítulo, de um outro elemento que tensiona esse debate: o mercado

fonográfico e a indústria cultural que estava em processo de expansão e que se

consolidaria na década de 1970.

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2 O MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS NA DÉCADA DE 1960

Segundo Márcia Dias, o fim da década de 1950 e os primeiros anos da

década seguinte marcam o processo de expansão da indústria cultural, que se

consolidaria nos anos 1970.51 Por um lado, há uma grande fertilidade artística nesse

período, com a emergência de movimentos musicais, como a bossa nova, a jovem

guarda, o surgimento de uma “moderna música popular moderna”, o tropicalismo,

além dos festivais de música. Por outro, o golpe militar de 1964 realiza

transformações importantes na economia brasileira, que refletirão, também, na

indústria do disco, fortalecendo o mercado de bens culturais, a partir de uma

estratégia que visava à “integração nacional”. Dessa forma, são resolvidos

problemas tecnológicos que viabilizam o desenvolvimento da indústria cultural no

Brasil.

As iniciativas do governo beneficiaram vários segmentos da indústria cultural,

como a televisão, o setor de publicidade, a mídia impressa e todo o setor editorial

(pela política de redução do custo do papel), o cinema e a indústria de discos. Ao

mesmo tempo, com a instituição da censura, o regime militar estabelece um controle

sobre a produção cultural destinada a esse mercado, tornando-se, repressor – com a

adoção da censura prévia – e incentivador – por meio de iniciativas que visam ao

desenvolvimento dos meios de comunicação – das atividades culturais, em um

processo chamado de “modernização conservadora” por alguns autores, como

Daniel Aarão Reis, para referir-se a um crescimento com repressão e censura, em

um ambiente não democrático.52

O objetivo do Estado é a “integração nacional”, mas os benefícios serão

percebidos, também, pelas empresas do setor de comunicações. Para Renato Ortiz,

tanto para o Estado como para os empresários, essa promoção da “integração

nacional” era benéfica, pois enquanto os “militares propõem a unificação política das

consciências, os empresários sublinham o lado da integração do mercado”.53

51 DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. São Paulo: Boitempo, 2000. 52 REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 53 ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 118.

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Foi marcante a interação entre os vários meios de comunicação, com o

desenvolvimento de um segmento ajudando o do outro, como a indústria

fonográfica, que se beneficia do desenvolvimento do setor publicitário, por exemplo,

da mesma forma que as mensagens publicitárias, veiculadas tanto no rádio como na

televisão, também se utilizavam de canções de artistas reconhecidos. Há ainda a

estratégia desenvolvida pela Rede Globo, já no início dos anos 1970, de criar uma

gravadora, a Som Livre, para divulgar as trilhas sonoras de suas novelas. Segundo

Eduardo Scoville, a relação da emissora com a música popular brasileira se daria

pela trilha sonora de novelas, que promoveu alterações na forma como a música

popular brasileira passou a ser comercializada, pois estabelecia um novo veículo

para a promoção da música, a novela televisiva.54 A televisão torna-se um excelente

veículo para a promoção dos artistas, pois ter uma canção na trilha sonora de uma

novela era uma real possibilidade de sucesso para um artista. Assim como participar

de eventos televisivos.

Influenciada pelo rádio, pois muitos dos primeiros profissionais de televisão

eram oriundos desse meio, a primeira emissora de televisão, a TV Tupi, no final de

1950, colocava no ar, em São Paulo, programas musicais de auditório como A

Buzina do Chacrinha, enquanto a filial carioca, quatro meses depois estreava o

Calouros em Desfile, apresentado por Ari Barroso. Em relação ao apresentador

Abelardo Barbosa – o Chacrinha –, Tinhorão mostra que ele já sabia utilizar as

possibilidades da imagem, criando uma “roupa estapafúrdia” e abusando de

elementos visuais extravagantes, que reuniam em um mesmo figurino tanto o cocar

de penas como um calção de lamê estilo balão.55 Realçamos esse aspecto, pois se

o programa O Fino da Bossa marcou pelo seu sucesso, com dois apresentadores

sabendo dispor dos recursos visuais que a imagem televisiva solicitava, também

foram criticados por esses mesmos recursos. Elis, pela interpretação vocal e

corporal, e Jair, por sua ingenuidade e espontaneidade deslumbradas que o fariam

“cantar sentado na borda do palco e a plantar bananeiras diante das câmeras, em

ímpetos circenses”.56 Com a intenção de “modernizar” Elis Regina, Ronaldo Bôscoli

54 SCOVILLE, Eduardo Henrique L. M. Na barriga da baleia: a Rede Globo de Televisão e a música popular brasileira na primeira metade da década de 1970. Tese. UFPR. História, 2007. 294f. 55 TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit., 1981, p. 170. 56 Ibidem, p. 180.

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assumiria a direção de O Fino da Bossa, junto com Miele, e o programa ressurgiria

como Elis 67 e um dos argumentos de Bôscoli seria a incompatibilidade de

transformar a imagem e a carreira de Elis com um cantor que plantava bananeiras

no palco.57

Desde o seu início, em 1953, a Rede Record estabeleceu uma programação

voltada para a música. Porém, nessa década, o alcance da mídia televisiva ainda

era bastante reduzido. Seria em meados da década seguinte que a Record

garantiria a sua audiência com programas musicais de auditório, ao mesmo tempo

em que a televisão ia conseguindo uma verba maior de publicidade, antes destinada

às rádios e aos jornais. Em 1960, a emissora realizou o seu primeiro festival

competitivo de música popular, denominado I Festa da Música Popular Brasileira,

mas que acabou não sendo transmitido e não teve muita repercussão. Foi após o

sucesso do I Festival Nacional de Música Popular Brasileira promovido pela TV

Excelsior, em 1965, que a TV Record promoveu o seu segundo festival, em 1966 –

este, sim, com bastante repercussão58, além de colocar em sua grade de

programação vários musicais. Entre maio e agosto de 1965, a TV Record lançou O

Fino da Bossa, Bossaudade e Jovem Guarda, enquanto no ano seguinte, outros

programas do gênero estreariam na emissora, como o Show em Si...Monal, cujo

apresentador, o cantor Wilson Simonal, estava terminando o contrato do seu

programa Spotlight, com a TV Tupi.

Retomando o processo de interação anteriormente citado, podemos perceber

outra evidência, agora entre meios de comunicação e empresários de outros setores

da indústria, que é o investimento feito na carreira solo de Rita Lee, convidada para

estrelar o lançamento da coleção de tecidos da Rhodia, em 1970. Nessa interação,

tanto a empresa, pela divulgação dos seus produtos, como Rita Lee, pela

construção da sua imagem perante o público, saíram ganhando. A empresa já vinha

fazendo desfiles em que a música ocupava papel de destaque desde meados dos

anos 1960 e patrocinando espetáculos, como o I Festival da TV Excelsior, de 1965.

Porém, segundo Mello, a contrapartida buscada pela Rhodia era a interferência no

evento, na escolha dos jurados. Para que o seu ganho fosse completo, a canção 57 ECHEVERRIA, Regina. Op. Cit. Ver capítulo 3, “A rainha da MPB”, p. 42-63. 58 Sobre os festivais, ver MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais: uma parábola. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2003.

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vencedora deveria ser interpretada por algum artista que participasse dos shows

promovidos pela Rhodia, que, nesse caso, era Wilson Simonal.59 Entretanto, apesar

da interferência, a vencedora seria a canção Arrastão, interpretada por Elis Regina.

É nesse contexto que ocorre a expansão do setor fonográfico, que cresce

vinculado ao desenvolvimento dos outros meios de comunicação e também da

indústria de bens de consumo duráveis, em especial os eletroeletrônicos, pois os

fonogramas dependem dos aparelhos que permitam a sua reprodução. Entre 1965 e

1972, as vendas de discos tiveram um crescimento médio de 400%.60 Alguns

autores consideram que foi a modernização da sociedade brasileira que levou à

mudança na mentalidade empresarial. A visão tecnocrática e a concepção de um

planejamento econômico, organizado em metas bem claras e definidas (como já

havia ocorrido com Juscelino Kubitschek) levaria à reformulação das atividades

gerenciais pela indústria brasileira.61

Para Napolitano, a indústria fonográfica começa um processo de

racionalização industrial antes que a televisão.62 O desenvolvimento da indústria

cultural e do mercado fonográfico trouxe novidades tecnológicas mais eficazes para

a divulgação musical, como o surgimento do long-play (LP), de 12 polegadas e 33

1/3 rotações por minuto, que substituiu o antigo 78 rotações, em 1948. Entretanto, o

LP ainda era muito caro até o início dos anos 1960, principalmente para as classes

de menor poder aquisitivo, sendo bastante utilizado o lançamento de compactos

simples e duplos, que, se obtivessem retorno, estimulavam o lançamento de um LP.

Com a demanda criada pela bossa nova e o crescimento do mercado de bens

simbólicos, o LP passa a ser produzido em maior escala e, com isso, foram criadas

as condições para que se modificassem até mesmo as bases criativas da

composição, pois o LP trazia uma nova relação do artista com o disco, pois permitia

um trabalho de autor, uma concepção total do disco, inviável no compacto simples,

de 2 músicas, ou no compacto duplo, de 4. Além disso, barateava os custos de

produção, já que cada LP equivalia a 6 compactos simples e a 3 duplos, permitindo

que fossem reduzidos os custos na produção de discos e, assim, logicamente,

59 MELLO, Zuza Homem de. Op. Cit., p. 66. 60 DIAS, M. T. Op. Cit., p. 54. 61 ORTIZ, Renato. Op. Cit., p. 134. 62 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 85-6.

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auferidos maiores lucros, aspecto sumamente importante para a lógica capitalista na

qual operava uma empresa fonográfica.

Para Napolitano, o LP representou a “personalização e performance musical,

reforçada pela bossa nova, e ligada à necessidade de rotular as músicas na forma

de ‘movimentos culturais’, visando a uma realização mais segura com o público

consumidor”.63 Para o autor, os rótulos anteriores que definiam os gêneros das

composições são substituídos por identificações a artistas conhecidos ou projetos

estéticos dotados de legitimidade e reconhecimento perante a audiência.

Enquanto a indústria do disco caminhava a passos largos para uma nova

racionalidade produtiva, as emissoras de televisão, nos anos 1960, ainda não

haviam descoberto uma forma satisfatória de ocupar os seus espaços publicitários

para obter maiores lucros. A primeira a buscar a racionalização do uso do tempo foi

a TV Excelsior, cuja programação passa a obedecer a determinados horários, sem

atrasos, com programas estruturados ao longo do dia, visando a públicos

específicos. A racionalização atinge também o tempo dos comerciais e a “Excelsior é

a primeira emissora de televisão a conceber uma identidade entre tempo e espaço

comercial.” Da mesma forma que antes era possível comprar um espaço publicitário

no jornal, era possível obter um “espaço de tempo” no vídeo, “tempo sem conteúdo,

vazio, abstrato, portanto mensurável e comercializável”.64

Contudo, a experiência da Excelsior era uma exceção em relação a outras

emissoras, como a Rede Record, que produziu os festivais de música de sucesso

entre 1965 e 1967 e vários programas musicais televisivos. Ainda prevalecia o

horário “cheio”, ou seja, o programa em si, patrocinado por alguma empresa ligada,

principalmente, às indústrias de bens não-duráveis. Era um tipo de patrocínio que

remetia aos padrões radiofônicos. Assim, o sucesso obtido pelos festivais e musicais

transmitidos pelas emissoras de televisão beneficiou economicamente mais a

indústria fonográfica, que já estava bastante estruturada, do que as próprias

emissoras. Por outro lado, argumenta Napolitano, foi justamente a ausência de

rigidez nos horários e uma forma quase “artesanal” de produzir os programas que

garantiram a sua espontaneidade e o clima de festa de auditório. A Rede Globo iria

63 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 83. 64 ORTIZ, Renato. Op. Cit., p. 137.

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introduzir esse controle rígido de tempo, mas não obteria o mesmo sucesso na

realização dos festivais e musicais.65

A relação da música com o mercado se definia, também, pelas estratégias de

divulgação dos artistas e de manutenção do sucesso. Os publicitários João Leão,

Sergio Penna Kehl, Décio Fischetti e Horácio Berlinck (um dos produtores de O Fino

da Bossa), junto com o empresário Roberto Colossi, que gerenciava a carreira de

vários artistas, inventaram o boneco Mug. Era um personagem de pano preto e

olhos esbugalhados, redondo, sem pescoço, e que fez muito sucesso no Natal de

1966. Era vendido como um “amuleto” para o ano seguinte. Embora o boneco tenha

sido utilizado por vários artistas, como Chico Buarque, foi Wilson Simonal quem mais

aproveitou essa estratégia de marketing. Apareceu com o boneco na capa do seu

disco Vou deixar cair..., lançado em 1966, compôs o Samba do Mug e até batizou o

seu novo show, Mug...nífico Simonal, que estreou em fevereiro de 1967.66

O boneco Mug era para fazer concorrência à marca Calhambeque, criada

devido ao sucesso do programa Jovem Guarda. Segundo Adriana Mattos de

Oliveira, os publicitários da agência Magaldi, Maia & Prosperi, criadores do

programa, rapidamente, lançaram uma grife, inspirada pelo sucesso homônimo de

Roberto Carlos, com itens de vestuário, bonecos, calçados, chaveiros, bolsas e

artigos escolares.67 Houve uma forte influência da mídia televisiva na divulgação não

só da obra dos artistas da jovem guarda, como também sobre o comportamento dos

jovens. Significativa foi a influência desses artistas sobre as roupas e os cabelos e a

repercussão, com diretores de escola proibindo os cabeludos de assistirem às aulas

e com a associação deles à delinquência e à falta de higiene.68

O programa Jovem Guarda reuniu artistas roqueiros, inspirados nos Beatles e

em outras vertentes do rock, além de cantores de baladas românticas que faziam

enorme sucesso também no Brasil. Não era uma concorrência direta a O Fino da

Bossa, já que era transmitido em horário diferente, mas o sucesso alcançado pelos

artistas do Jovem Guarda, também no mercado fonográfico e a repercussão social

65 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 86. 66 Texto do jornalista Ricardo Alexandre, autor da biografia Nem vem que não tem: a vida e o veneno de Wilson Simonal, presente no encarte da coleção Wilson Simonal na Odeon (1961-1971), lançada pela EMI MUSIC. 67 OLIVEIRA, Adriana Mattos de. Op. Cit. 68 SER ou não ser cabeludo. O Cruzeiro, 13 nov. 1965, p. 120-1.

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que tiveram suscitou diversas discussões sobre a música popular brasileira. Se num

primeiro momento esses novos roqueiros e “cabeludos” eram tidos como

transgressores, com o tempo passarão a ser aceitos e incorporados socialmente. Se

o gênero atraía os jovens, então o melhor a fazer era aceitá-lo para chamar os

jovens para outras iniciativas.

Uma dessas iniciativas foi o concerto realizado pelo maestro Diogo Pacheco

com a sua Orquestra de Câmera, o “Yé-yé-yé em estilo clássico”, em São Paulo,

com patrocínio da Sociedade de Cultura Artística. As obras de Bach, Mozart e

Beethoven eram entremeadas por trechos falados de Roberto Carlos, Erasmo Carlos

e Wanderlea, que comparavam os clássicos com os novos. Tenores e sopranos

interpretavam também sucessos da jovem guarda. Até apareceu uma paródia de

Festa de Arromba, sucesso de Erasmo Carlos, com trechos como “Ravel de

cabeleira não podia tocar / Enquanto a George Sand não parasse de dançar”. A

intenção do maestro era “atrair a atenção de uma grande parte da juventude para a

música de arte”.69

O mesmo objetivo teve a Igreja Católica ao realizar uma missa ao som do

gênero, em Belo Horizonte, em um “movimento de aproximação do clero com a

juventude”. Os hinos sacros eram executados pelo conjunto Os Turbulentos e

Roberto Carlos, recebido por D. Agnelo Rossi, colocava “sua música à disposição da

Igreja para campanhas em benefícios”. Para o padre idealizador do projeto, não

inédito, a Igreja não deveria “voltar as costas para o yé-yé-yé, que é um exemplo da

realidade que estamos vivendo”.70 Dessa forma, podemos entender que o sucesso

da música identificada ao programa Jovem Guarda e a sua repercussão

extrapolavam aspectos estéticos apenas. A influência que exercia sobre os jovens e

os valores políticos e culturais que expressavam – ou que eram apropriados pelos

meios de comunicação e outras instituições – pode ajudar a ampliar a compreensão

do debate sobre a música popular brasileira que se estabelece tanto entre artistas

que buscavam conscientização por meio de suas obras quanto por aqueles que

defendem uma produção estética mais “refinada” e “elaborada”, no qual o chamado

iê-iê-iê era considerado uma música “inferior”.

69 CONCERTO de arromba. O Cruzeiro, 2 jun. 1966, p. 112. 70 A PÁSCOA da Jovem Guarda. O Cruzeiro, 23 ago. 1966, p. 18.

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Pela importância do fortalecimento da indústria cultural e as suas implicações

sobre o processo criativo, a relação do artista com o mercado também foi um dos

temas que suscitou debates entre alguns artistas e intelectuais em meados dos anos

1960. Com o sucesso obtido pela bossa nova perante o público jovem de classe

média, no final dos anos 1950, as gravadoras Philips e Odeon passaram a se

interessar pelos novos artistas. Mas nesse processo crescente de comercialização e

expansão nacional da bossa nova e em decorrência também da expansão

internacional com o concerto Bossa Nova at Carnegie Hall, em Nova York, em 21 de

novembro de 1962, o gênero passa a receber críticas. Se por um lado abriam-se

perspectivas de trabalho para os músicos brasileiros, por outro, a bossa nova era

acusada de se descaracterizar como música popular brasileira, tornando-se cada

vez mais “jazzificada”.71

Essa discussão mostra que o mercado tornava-se um dado importante para a

produção musical, a ponto de considerá-lo deturpador do processo criativo.

Entretanto, essa crítica já era realizada por Tinhorão, para quem a bossa nova

sempre havia sido um “gênero estrangeiro”. Embora reconhecesse que a influência

estrangeira esteve presente na música popular brasileira em vários momentos, como

nos sambas orquestrados, o samba criado no Estácio no início dos anos 1930 e

cultivado pelas escolas de samba ainda guardariam suas feições populares

tipicamente cariocas.72 Assim, a discussão mostrava uma divergência entre os

participantes e entusiastas do movimento da bossa nova, explicitava a sua

heterogeneidade, e continha também os que se posicionavam contrários ao gênero-

movimento, além daqueles que se inseriram no debate em meados dos anos 1960,

como Jair Rodrigues e Elis Regina, para quem a bossa nova será uma referência

posterior aos seus primeiros discos.

O debate sobre a música popular brasileira em meados dos anos 1960

colocará em questão o processo criativo e sua relação com o mercado, que poderia

deformá-lo, mas também ampliar o seu alcance; a possibilidade de realização de

uma obra com discurso social e crítico; a sofisticação e banalização estéticas.

71 SOUZA, Miliandre Garcia de. Do teatro militante à música engajada: a experiência do CPC da UNE (1958-1964). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. 72 TINHORÃO, José Ramos. O. Cit., 1966, p. 37.

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3 TRADIÇÃO E MODERNIDADE EM O FINO DA BOSSA

Após o sucesso em São Paulo obtido com a vitória no II Festival da Record,

Elis Regina realizou uma turnê no Peru, acompanhada do Zimbo Trio, composto pelo

baterista Rubinho, o contrabaixista Luís Chaves e o pianista Amilton Godói. Após o

primeiro contato com o conjunto, este seria eleito, por Elis Regina, o “seu” conjunto

favorito e integraria O Fino da Bossa. Na estreia do programa, os convidados

indicavam que o samba e seus intérpretes já consagrados seriam uma presença

constante, ao lado dos músicos e compositores da nova geração da bossa nova.

Antes de interpretar o samba Formosa, de Baden Powell e Vinicius de

Moraes, com o cantor e compositor Ciro Monteiro, Elis Regina o apresenta como

“nosso pai, nosso amigo, nosso poeta, o nosso melhor exemplo, ele é o nosso

cantor, o nosso Ciro monteiro”. A reverência a ele indica a filiação a um samba mais

próximo ao gênero que seria chamado de “raiz”, ou seja, sincopado e com a

estrutura rítmica que mantém continuidade com a linha melódica, ao contrário do

deslocamento da acentuação rítmica do samba, em um efeito de birritmia criado pelo

violão de João Gilberto, que resultava em uma espécie de “violão gago”, em que a

voz “parece” estar em “descompasso” com o ritmo. Entretanto, o samba que Ciro

Monteiro interpreta sozinho, Zé não é João, foi composto em parceria com o jovem

violonista bossa novista Baden Powell, outro convidado do programa. O

acompanhamento percussivo com a caixinha de fósforos era a marca registrada de

Ciro Monteiro e uma inspiração que ele buscara em Luiz Barbosa, que marcava o

ritmo em seu chapéu de palha.73 Já a bossa nova de Baden Powell, que também

interpreta sozinho Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes,

resultava de um expressionismo mais cadenciado, distante do intimismo

interpretativo de João Gilberto.

Dessa forma, tem-se um entrecruzamento de elementos estéticos oriundos da

“tradição” do samba com a “modernidade” da bossa nova, que se completa com o

dueto entre Elis Regina e Ciro Monteiro, agora acompanhados pelo violão de Baden

Powell e pelo Zimbo Trio, com formação de baixo, piano e bateria, de clara influência 73 Intérprete contemporâneo de Mario Reis, que também possuía voz suave que valorizava a dicção da letra e não a empostação do bel canto bastante característica na época. Morreu jovem e deixou ouças gravações, realizadas no final dos anos 1920 e início dos anos 1930.

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jazzística, para interpretar o samba Formosa. O hot-jazz do Zimbo Trio aliava-se à

interpretação “quente”, expressiva e dionisíaca de Elis Regina. No segundo

programa, o cruzamento de tradição e modernidade está novamente representado

pelo samba Mulata assanhada, de Ataulfo Alves, que o interpreta em dueto com Elis

Regina, também com o acompanhamento do Zimbo Trio. A canção é apresentada

com paradas instrumentais e diálogos falados entre os dois intérpretes, dando um

caráter descontraído que comenta a letra da canção. Com a sua técnica vocal e o

seu conhecimento harmônico Elis Regina consegue utilizar a voz como mais um

instrumento do arranjo, como um quarto músico do Zimbo Trio. A voz harmonizando-

se com os demais instrumentos era uma premissa básica do gênero bossa nova

intimista, que repudiava o cantor solista, com destaque maior que os demais

músicos. No caso de Elis e Zimbo Trio, tanto o instrumental como o vocal estão em

um mesmo plano, porém virtuosístico e não intimista. A maneira como entoava a

letra e os comentários que adicionava remetiam a um estilo mais próximo do teatro

de revista e de uma forma mais teatral.

Gêneros estrangeiros, como jazz, boleros e rumas influenciavam a música

popular brasileira nos anos 1940 e 1950 e também foi alvo de críticas em seu tempo.

O rádio populariza-se e surge uma crítica folclorizante que procura legitimar uma

música popular “de raiz” contra a “popularesca” apresentada nos rádios. Alguns

arranjos orquestrais dos anos 1940 e 1950 também recebem influência do hot-jazz e

estavam bastante presentes no rádio brasileiro. Assim, a influência sobre a

interpretação de Elis Regina pode ser considerada tanto pela sua convivência no

Beco das Garrafas como pela sua escuta anterior, mediada pelas cantoras do rádio

e pelas orquestras, em que o padrão vocal era “expressionista” e “dramático”.

O Quinteto de Luiz Loy – inicialmente um trio, com Luiz Loy ao piano,

Bandeira no baixo e Zinho na bateria, ao qual foram incorporados Papudinho no

trumpete e Mazzola no sax-tenor e flauta – revezava-se com o Zimbo Trio no

acompanhamento de O Fino da Bossa e também se caracterizava pela influência do

hot-jazz. Com Lennie Dale, Elis Regina interpreta o Samba do avião, de Tom Jobim,

abusando dos vibratos e da potência vocal e entremeando trechos falados, “Leninho,

eu amo você”. Em clima festivo, o dueto inicia com risos e diálogos, com Elis

avisando “mas tem gringo no samba”, em referência ao bailarino americano Lennie

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Dale, e chamando para cantar, “s’imbora”, expressão bastante utilizada pelo cantor

Wilson Simonal, que nessa época apresentava o musical Spotlight, na TV Tupi.74

Assim como já fizera com Arrastão, Elis aplicava o recurso da “desdobrada”,

aprendido com Lennie Dale, comum em espetáculos na Broadway e que consistia

em uma preparação rítmica com a bateria anunciando a entrada triunfal e

empolgante na parte em que a melodia atingia o seu ponto mais agudo. O

acompanhamento de Samba do avião segue a dinâmica – contrastante – dos

cantores, que culmina com a linha melódica caminhando em sentido ascendente,

atingindo o ápice – a nota mais aguda da canção – com os versos “água brilhando,

olha a pista chegando / e vamos nós / aterrar...” O estilo musical da Broadway

apoteótico é também evidente na conclusão da canção, após esses últimos versos,

em que os dois repetem “imbora, Rio, Copacabana”, com a acentuação rítmica bem

marcada pela bateria.

A versão apresentada por Elis Regina e Lennie Dale é bastante diferente da

bossa mostrada por Os Cariocas, importante conjunto identificado aos primeiros

anos da bossa nova. A canção havia sido gravada, em 1962, no LP A Bossa dos

Cariocas, no qual o conjunto vocal assumia a influência de Tom Jobim e João

Gilberto no instrumental e na vocalização. Criado em 1942, o conjunto notabilizara-

se pelos arranjos vocais elaborados a 4 ou 5 vozes, buscando harmonias

dissonantes em determinados momentos da linha melódica. Contudo, a

interpretação aproximava-se mais do cool jazz. O ápice da canção, com o último

verso “aterrar...”, era realizado pela elaboração harmônica e não pelo acréscimo de

dinâmica, como na versão de Elis Regina e Lennie Dale. Eram dois modelos de

interpretação vocal diferentes, um mais contido, intimista, e outro mais extrovertido,

expressionista, que estavam presentes na busca de uma “música popular moderna”.

O livro Balanço da bossa e outras bossas, de Augusto de Campos, lançado

em 1968, reunia artigos publicados em jornais escritos por diferentes autores, com

uma orientação comum: o interesse pela prática musical inovadora, pela busca da

construção de algo “novo” na música, que rompesse com cânones já estabelecidos,

74 Os dois discos que lançou, em 1965, Wilson Simonal e S’imbora, tinham arranjos que seguiam e também transgrediam a bossa nova, dando-lhe um balanço rítmico, influenciado tanto pelo jazz como pelo soul e rock. Era o chamado “samba jovem”, desenvolvido por Jorge Ben desde o lançamento de Samba esquema novo, em 1963.

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a partir de um referencial que valorizava certos procedimentos estéticos, afinados

com a vanguarda artística europeia do século XX.75 Em sua análise sobre a bossa

nova – publicada em O Correio Paulistano, entre 23 de outubro e 20 de novembro

de 1960 –, o musicólogo Brasil Rocha Brito a compara com a música erudita de

vanguarda e o cool jazz. A modernidade vinha dos efeitos anticontrastantes, “sem

arroubos melodramáticos, sem demonstração de afetado virtuosismo, sem

malabarismo”.76 Eram rejeitadas a teatralização e o canto operístico, referências

para boa parte da produção musical mais popular, considerada uma “submúsica”,

“puramente comercial”, e que era veiculada pelo rádio, principalmente nos anos

anteriores à eclosão da bossa nova. Buscava-se um “canto isento de demagogia

expressiva” 77 e que não se valesse de “recursos fáceis e extramusicais”.78 O canto

extrovertido e dionisíaco estava presente na interpretação tanto de Elis Regina

quanto de Jair Rodrigues – e de outros intérpretes da época, como Elza Soares,

Wilson Simonal, etc. –, com a valorização de efeitos vocais, com notas sustentadas

em vibrato, com preparação instrumental para atingi-las, dando um efeito ainda mais

expressivo, que fazia o público envolver-se corporalmente e aplaudir e gritar

efusivamente, como se percebe pelas gravações realizadas ao vivo.

Se em Samba do avião aparece apenas a ênfase na busca do “moderno”, em

outros momentos do programa continua o encontro com o samba “tradicional” e com

compositores pertencentes à “outra geração”, como quando Elis anuncia Adoniran

Barbosa. Ao comentar a parceria do compositor com Vinicius de Moraes, ela

explicita a distinção entre a “música moderna” e a “música brasileira de todos os

tempos”, da qual Vinicius seria um dos “maiores nomes”. É interessante perceber

que essa distinção não marca uma ruptura, mas uma aproximação com os gêneros

associados à tradição. Porém, na execução, na leitura desses sambas, aparece o

“filtro” instrumental da bossa nova presente no acompanhamento do Zimbo Trio ou

do Quinteto de Luiz Loy, ou ainda de um violão solo, como no caso do dueto com

Adoniran Barbosa.

75 CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 14. 76 BRITO, Brasil Rocha. “Bossa Nova”. In: CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 35. 77 Ibidem, p. 37. 78 Ibidem, p. 26.

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Com o movimento da bossa nova o violão havia se tornado um instrumento

prestigiado e com bastante sucesso entre os jovens que aspiravam a uma carreira

de músico e duas escolas interpretativas tornaram-se significativas: o

“impressionismo minimalista” de João Gilberto e o “expressionismo cadenciado” de

Baden Powell. Como lembra Napolitano, não foi por acaso que o violão era utilizado

como logotipo dos festivais da TV Record. Ele havia se tornado um “símbolo da nova

musicalidade brasileira”79, e também de uma identidade moderna, após ter sido

associado, anos 1920 e 1930, ao samba e ao morro e, por isso, também à

marginalidade. A escola violonística de Baden Powell marcaria presença em O Fino

da Bossa. No programa apresentado em 12 de julho de 1965, Elis anunciava o

“encontro muito esperado, nunca sucedido”, e que se tratava “evidentemente de um

encontro histórico”, entre Baden Powell e Rosinha de Valença. Era a valorização do

violão virtuosístico e expressivo.

Como dissemos, não se tratava de ruptura com o samba mais tradicional.

Entretanto, eles eram lidos pelo “filtro” bossa novista. E essa “ruptura” também não

se efetiva em outros espaços e mesmo no mercado fonográfico. Na efervescência

musical de 1965, estreava o musical Rosa de Ouro – também transformado em

disco pela Odeon –, produzido pelo poeta e produtor musical Hermínio Bello de

Carvalho. Para Hermínio, tratava-se de “um desfile pelo passado do carnaval”.80 A

cantora Araci Cortes é trazida de volta ao palco para interpretar Ai iôiô, que ela

gravara em 1929 e que apresentava o nascente samba-canção. O disco (e o show)

mostra as diversas vertentes do samba. Além de Ai iôiô, de Henrique Vogeler, Luiz

Peixoto e Marques Porto, tinha o amaxixado Jura, de Sinhô, o sincopado Escurinho,

de Geraldo Pereira, além de canções folclóricas de tradição africana, como

Benguelê, Bate canela e Siá Maria Rebolo. Era uma valorização do chamado

“samba de morro” e entre os intérpretes estavam Elton Medeiros, da Escola de

Samba Unidos de Lucas, Jair do Cavaquinho, da Portela, Anescar, do Salgueiro,

Nelson Sargento, da Mangueira, e Paulinho da Viola, portelense em início de

carreira. O musical caracterizou-se por ter revelado a cantora Clementina de Jesus,

identificada com as raízes africanas do samba. O sucesso do show rendeu várias

79 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 63. 80 UMA ROSA de ouro para Araci Cortes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 mar. 1965, p. 19.

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apresentações no Rio de Janeiro e São Paulo, com uma reedição, com repertório

diferente, em 1967. Aqui, os sambas eram apresentados sem a intenção de

modernidade, com acompanhamento percussivo característico dos sambas de

morro.

Um dos espaços que fomentava essa produção musical era o restaurante

Zicartola – aberto em 1964 pelo compositor Cartola e sua esposa Zica, ambos

pertencentes à escola de samba Mangueira –, que havia se tornado uma espécie de

“quartel-general do samba” e um reduto para um encontro de sambistas, uma “turma

do samba eterno, sem outra bossa além da voz autêntica do povo, linha tradicional

do ritmo bem brasileiro”.81 Cartola não rejeitava a bossa nova, já que “no fundo é

tudo samba”, mas, sim, o rock e o twist, gêneros que estavam em moda nas rádios

brasileiras e influenciando vários artistas.82 Assim, anulavam-se as supostas

diferenças iniciais para um encontro das várias tendências do samba.

O Zicartola era frequentado pelos compositores de escolas de samba e por

bossa novistas, como Nara Leão e Tom Jobim, que haviam se rendido ao “‘samba

autêntico’, aquele que tem a pureza de tradição” e transformado a bossa nova em

uma “bossa eterna”.83 Aos sambas de Nelson Cavaquinho, Zé Kéti, Cartola, entre

outros, é associada a tradição, a pureza de um gênero autêntico, que pode ser

entendido como aquele não contaminado pela música estrangeira – que poderia

tanto ser o jazz, o bolero ou o rock –, mas também como uma manifestação das

classes populares e por isso seria uma representação autêntica da música brasileira.

Musicalmente, era esse o samba apresentado pelo musical Rosa de Ouro.

Desde o seu surgimento, a bossa nova esteve envolvida em um debate que a

colocava, conforme o posicionamento ideológico, ora como uma produção estética

vanguardista, inovadora – que resulta num “samba moderno” por oposição ao

“samba quadrado” – ora como uma manifestação escapista ou “entreguista”, de

aceitação acrítica de elementos estrangeiros à música popular brasileira. Como

vimos, o crítico José Ramos Tinhorão considerava o movimento uma mera cópia,

uma assimilação do jazz, sem nenhuma relação com os ritmos populares brasileiros.

81 ZICARTOLA o quartel-general do samba. O Cruzeiro, 9 maio 1964, p. 94. 82 SAMBA saiu por aí. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 dez. 1964, p. 47. 83 ZICARTOLA o quartel-general do samba. O Cruzeiro, 9 maio 1964, p. 95.

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Musicalmente, a bossa nova continha um deslocamento do acento rítmico do

samba que a diferenciava daqueles praticados nas quadras das escolas de samba e

nos morros cariocas, além de incorporar, na harmonia e no arranjo, elementos

musicais estrangeiros, tanto do jazz quanto da música erudita. Entretanto, muitos

desses elementos que a bossa nova incorpora podem ser encontrados em canções

anteriores ao movimento, o que não configura uma ruptura com os gêneros

predecessores. A partir de 1966, será o rock – também chamado de iê-iê-iê – o alvo

principal do discurso contra a internacionalização na música.

Por outro lado, a bossa nova também era vista, por outros críticos, músicos e

intelectuais, como uma possibilidade nacionalista de combater a crescente influência

da música estrangeira no país. Nesse sentido, para Nelson Lins e Barros, ela

corresponderia ao “grande surto desenvolvimentista, de caráter nacionalista, da

década de 50”.84 Entretanto, a comercialização teria gerado a padronização e levado

à utilização excessiva de padrões do jazz, principalmente após o sucesso obtido

com o show realizado no Carnegie Hall, em Nova York, em 21 de novembro de

1962. Segundo Napolitano, o objetivo do show promovido pelo Itamaraty era

consolidar a bossa nova no mercado internacional, pois clássicos do gênero já

vinham sendo gravados por músicos dos Estados Unidos.85 Em 1962, Stan Getz e

Charlie Byrd lançaram o LP Jazz Samba, com leituras de canções como Desafinado,

de Newton Mendonça e Tom Jobim, e É luxo só, de Ari Barroso e Luiz Peixoto, o

que demonstrava a gravação não apenas das canções bossa novistas, mas uma

forma de executar a música popular brasileira a partir do jazz.

A polêmica tem como centro a discussão sobre a internacionalização da

bossa nova, se estaria ou não sendo assimilada pelo jazz e perdendo as suas

referências estéticas nacionais. Podemos perceber os elementos desse debate pela

repercussão que o gênero teve no exterior, em como era lido e recebido. O

reconhecimento da bossa nova após o referido show recebe destaque na imprensa

brasileira. Agora o gênero chegava também à França, rendendo a possibilidade de

novos contratos fonográficos e também diversas reinterpretações e disputas pela

sua criação. O disco de Sacha Distel, com composições no gênero bossa nova 84 BARROS, Nelson Lins e. “Música popular, novas tendências”. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 1, mar. 1965, p. 232. 85 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 35.

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recebeu o prêmio de “Melhor Disco Francês do ano, para dança”, e nas boates

francesas a dança bossa nova já desbancava o twist. A bossa nova era relida de

formas diferentes por vários músicos de jazz, como no LP Jazz Samba, de Getz e

Byrd, mas também por outros, como Count Basie, Miles Davies, etc.86 O gênero ia

se acelerando para tornar-se também dançável, em um movimento contrário à

intenção original e, com essas novas interpretações, muitos outros artistas

estrangeiros reivindicavam a paternidade da bossa nova, deixando a sua

maternidade para os músicos brasileiros.

O livro 1001 Discos para ouvir antes de morrer, lançado nos Estados Unidos e

traduzido para o Brasil, seleciona o que 90 críticos de renome internacional

consideram as mais importantes influências no meio musical. Alguns textos

presentes nas críticas mostram a recepção e a memória construída sobre a música

popular brasileira. Embora reconhecendo que a bossa nova já havia surgido antes

do lançamento do disco, mostra que ele foi considerado responsável por ter

“despertado a onda da bossa”. Seria o sucesso do disco e gravações de bossa nova

do saxofonista Stan Getz com João Gilberto e a cantora Astrud Gilberto, no LP

Getz/Gilberto, que transformariam a bossa nova em uma força comercial.87 Uma das

faixas que impulsionou as vendas do disco foi The girl from the Ipanema, de Tom

Jobim e Vinicius de Moraes, interpretada pela voz intimista e sensual de Astrud

Gilberto. Assim, a bossa nova fazia sucesso no exterior com letra vertida para o

inglês. Já a crítica a este disco mostra Getz como um dos pais da bossa nova,

paternidade reconhecida mesmo pelos “pioneiros”, como Baden Powell e Tom

Jobim. Embora não sejam textos escritos no momento em que os discos foram

lançados, pode-se perceber como foi construída uma memória de que a bossa nova

teve uma paternidade também estrangeira. Se o guitarrista Charlie Byrd influenciou

outros músicos após a volta de uma viagem à América do Sul e lançou um disco

intitulado Jazz Samba, podemos entender que a polêmica sobre a bossa nova após

o show no Carnegie Hall estava motivada por essa relação conflituosa com o jazz.88

Para alguns músicos, como Sergio Mendes – que construiria uma sólida carreira nos

86 SEGURA, Joaquim. BOSSA nova, doce pássaro de uma juventude vanguardista. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 jan. 1963, p. 14. 87 DIMERY, Robert (org.). 1001 discos para ouvir antes de morrer. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. 88 Ibidem, p. 57.

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Estados Unidos – era uma oportunidade de inserção no mercado internacional. Para

outros, como Carlos Lyra, era uma deturpação do gênero. A discussão sobre a

bossa nova foge aos objetivos dessa monografia, mas o que propomos, com essa

breve digressão, é que a recepção do gênero no exterior e a forma como esse

sucesso era valorizado pela imprensa, ou seja, a aceitação no exterior mesmo que

em outras bases da formulação original, podem ter suscitado as críticas internas que

resultariam em transformações dentro da bossa nova. Assim, pode-se buscar

entendê-la não só a partir do contexto brasileiro, da necessidade de politizá-la face

aos problemas econômicos e à defesa das reformas de base no governo de João

Goulart, mas também em seus elementos estéticos e identitários e dentro de um

contexto, mais amplo, de sua repercussão internacional.

Para os integrantes do Zimbo Trio, era o contrário: a música popular brasileira

moderna influenciava o jazz. A música erudita estava na base dos dois gêneros e

forneciam um modelo de leitura para a essência do samba. Para Amilton Godói

tratava-se de uma evolução harmônica, já que “estavam aparecendo mais músicos

com conhecimento da música mundial” e era no desenvolvimento da harmonia e da

melodia que o samba transformava-se, modernizava-se. Para o contrabaixista Luís

Chaves, a batida rítmica teria sido simplificada, o que teria permitido que os músicos

estrangeiros compreendessem o samba, “com mil agogôs, tamborins, pandeiros,

todos tocando juntos e fazendo improvisações a sua maneira.” A simplificação

rítmica teria possibilitado a internacionalização da bossa nova. O samba de morro

fornecia a essência – “o sentimento” – que seria elaborada pela harmonia e melodia

do jazz. Passou-se a empregar “todos os princípios do morro, com uma maior

purificação, um pouco mais de simplicidade, enfim, uma maior clareza.” Percebe-se,

nessa defesa da bossa nova em sua relação com o jazz, a ideia de uma “evolução”

que se dava, contudo, pela “simplificação” rítmica que visava a uma universalização

do gênero. O sentido de modernidade era dado pela aproximação com uma música

considerada mais elaborada, a “erudita”, e com mais prestígio internacional, o jazz.89

Mas enquanto a bossa nova conseguia uma maior aceitação no exterior, não tinha o

mesmo reconhecimento no Brasil. Ou melhor, a bossa intimista não dispunha de um

89 PANORAMA da bossa nova. Coluna Música Popular. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 set. 1965, p. 21.

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mercado brasileiro semelhante. Entretanto, seria a bossa nova realizada em O Fino

da Bossa e que passaria a ser chamada de “música popular moderna” (MPM), que

conseguiria unir os dois públicos.

Mas a forma como se dava esse sucesso também seria questionada, pois

essa bossa nova antagônica ao intimismo – como nas apresentações de O Fino da

Bossa – era desvalorizada esteticamente. O impasse, para Nelson Lins e Barros,

era: “Como se manter nacionalista e artisticamente boa? Como se manter

artisticamente boa e penetrar nas massas?”90 Para Barros, a bossa nova intimista

falhou como mercadoria porque era para ser ouvida mais do que para ser dançada –

embora tenha sido transformada em dança nos Estados Unidos e na França, como

já discutimos –, o contrário do que a juventude da época desejava. A solução então

proposta era a aproximação dos músicos com o folclore e outras manifestações

tradicionais, ou seja, um diálogo entre tradição e a modernidade, para que

pudessem ser utilizados os vários recursos estéticos disponíveis e obtida uma maior

inserção no mercado. Mas a modernidade aqui defendida não era a da jazzificação

da bossa nova, mas a continuidade com os seus elementos intimistas e

anticontrastantes. Estamos aqui apresentando a forma como o debate se

estruturava, pois essa divisão era bastante artificial e resultante de uma posição

mais ideológica do que estética, pois, em muitos casos, se reconhecia o cool jazz

como uma influência legítima original que recriava o samba, enquanto o hot-jazz era

mera cópia.

Para Nelson Lins e Barros, além da aproximação com os gêneros tradicionais,

era necessária também a politização da bossa nova, ou seja, a incorporação de

temas de crítica social em lugar do antigo lirismo do amor, do sorriso e da flor. Nessa

tentativa de traduzir a realidade social e buscar valores culturais “autênticos” e

“nacionais”, aparecem o “morro” e o “sertão” como lugares por excelência para a

representação do “povo brasileiro”. Dessa forma poderia surgir “uma música popular

de maior nível cultural e artístico, onde os artistas se trocarão técnica e tradição,

lirismo e epopéia, amor e protesto, forma e conteúdo”.91

90 BARROS, Nelson Lins e. “Música popular, novas tendências”. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 1, mar. 1965, p. 234. 91 Ibidem, p. 237.

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Embora essa discussão tenha sido fértil em meados dos anos 1960, período

em que era transmitido O Fino da Bossa, essa experiência já vinha sido tentada por

outros artistas, como Carlos Lyra92 e Sergio Ricardo, desde o início da década. Os

dois compositores lançaram as bases musicais (e ideológicas) para o tipo de música

que iria se desenvolver nos festivais dos anos 1960. Em Esse mundo é meu, canção

presente no LP Um senhor talento, lançado em 1963, Sérgio Ricardo canta

acompanhado apenas por um coro de escola de samba (caracterizado pelo registro

agudo e pelos timbres “sujos” do “coral popular”, formado por vozes femininas) e por

instrumentos de percussão que criavam um clima de terreiro que se mesclava a uma

melodia pungente e sofisticada. Tradição e modernidade entrelaçando-se, com o

samba passando pelo filtro da bossa nova. A letra afastava-se dos temas

existenciais e líricos da bossa nova para comentar e denunciar a realidade,

criticando a opressão e a desigualdade social, “fui escravo no reino / e sou escravo

no mundo em que estou”.

Elis Regina apresentou o samba em O Fino da Bossa, acompanhada pelo

Zimbo Trio. A canção se inicia em andamento lento, no piano, em ritmo de valsa

para o verso “esse mundo é meu”, repetido quatro vezes, para em seguida entrar a

bateria criando um clima de terreiro pela introdução de elementos percussivos, para

os versos “fui escravo no reino / e sou escravo no mundo em que estou / mas

acorrentado ninguém pode amar”. Após uma breve pausa, o conjunto ataca com um

arranjo jazzístico e dançante para a letra com referências a elementos da cultura

africana, “Saravá Ogum / mandinga da gente continua / cadê o despacho pra acabar

/ santo guerreiro da floresta / Se você não vem eu mesmo vou brigar”. Nessas

diferenças existentes entre as várias leituras realizadas para uma mesma canção,

percebemos que há um projeto heterogêneo de modernidade sendo incorporado

pelos artistas e um grau maior ou menor de elementos da tradição. O violão era um

símbolo de modernidade mas não fazia parte de vários conjuntos, como o Zimbo

Trio.

92 Miliandre Garcia discute o desenvolvimento desse modelo de canção ao discutir a obra de Carlos Lyra e sua relação com o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). GARCIA, Miliandre. Do teatro militante à música engajada: a experiência do CPC da UNE. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007.

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No musical Rosa de Ouro, temos o samba remetendo a seus gêneros

ancestrais africanos, ao folclore e a tradições populares, sem uma busca pela

linguagem moderna. Alguns artistas envolvidos com a bossa nova aproximam-se

das raízes populares, interpretando o samba a partir de uma referência moderna da

bossa nova intimista e produzindo uma canção com temática social. Entretanto,

canções emblemáticas do gênero também seriam relidas pela bossa nova

influenciada pelo hot-jazz, como nas interpretações de Elis Regina. Mas assim como

a bossa nova não provocou uma ruptura com a música popular brasileira no final dos

anos 1950, ela também permaneceu com as suas mesmas características

preservadas por músicos mesmo após a politização que nasce dentro dela.

Entre a bossa nova que passa a ser considerada “nacionalista”, de que a

cantora Nara Leão é, em determinado momento, um exemplo, podemos perceber

que essa divisão sobre a assimilação pelo jazz é artificial, refletindo posições

ideológicas mais do que estéticas e também uma disputa por prestígio e

reconhecimento na música popular brasileira, uma estratégia que era também uma

forma de delimitar um espaço no mercado fonográfico. Em seu primeiro LP, Nara,

gravado em agosto de 1963 e lançado em 1964, os sambas são apresentados com

um arranjo instrumental intimista. Entretanto, o disco seguinte, O canto livre de Nara

Leão, gravado em março e abril de 1965, traz um novo acompanhamento, com os

integrantes do Tamba Trio, Luís Eça ao piano, Bebeto no contrabaixo e Ohana na

bateria. O seu “canto livre” propunha caminhos para a música popular e o desejo de

levar às pessoas uma “compreensão atual da realidade brasileira”, mas era também

uma liberdade para “se comunicar de modo mais franco e mais direto, cantando e

discutindo, dialogando com o público”93, iniciativa que vinha do musical Opinão.

Musicalmente, o arranjo instrumental não fica mais apenas na linha bastante

intimista do disco anterior, aproximando-se da tendência da “música popular

moderna” que também era seguida por Elis Regina, como se percebe no samba

Nega Dina, de Zé Kéti. Se Nara Leão não dispunha da mesma técnica vocal potente

de Elis, ela também procurava uma interpretação mais “expressiva”, como em

Corisco, de Sergio Ricardo e Glauber Rocha, pois uma letra de crítica social, que

93 Texto do encarte do LP O canto livre de Nara, remasterizado em coleção com a obra completa de Nara Leão, lançada em CD pela gravadora Philips, em 2002.

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pedia “te entrega, Corisco”, solicitava um tom menos intimista. Assim, as divisões

que se percebem no debate não se manifestavam na produção musical.

Além de sambas como Esse mundo é meu, de Sergio Ricardo, outras

composições e espetáculos marcaram a tendência de aproximação da bossa nova

intimista com as tradições do samba ou do sertão. Nesse mesmo ano de 1965, em

que estreavam o show Rosa de Ouro, os musicais televisivos Bossaudade, O Fino

da Bossa e Jovem Guarda, outros dois espetáculos conseguiam destaque, tanto

pelo seu caráter político quanto pela busca de uma identidade nacional, simbolizada

por valores associados às tradições culturais populares. Em 10 de dezembro de

1964 estreou Opinião – que permaneceria em cartaz com sucesso no ano seguinte –

no qual eram colocados, em cena, dois cantores representando o “povo”, o

compositor urbano de “samba de morro”, Zé Kéti, e o cantor e compositor

nordestino, João do Vale, ao lado da representante carioca da classe média

politizada, Nara Leão (posteriormente substituída por Maria Bethânia). Em 1º de

maio de 1965, estreava “Arena Conta Zumbi”, com músicas de Edu Lobo e letras de

Gianfrancesco Guarnieri.

Essa música participante, que também viria a ser chamada de “canção de

protesto”, era criticada tanto pelo músico Luiz Carlos Vinhas quanto por Tinhorão,

embora por motivos distintos. Para este último, a “inautenticidade”, definida como a

“preocupação consciente em assimilar e incorporar à produção musical ritmos,

estilos e harmonias de músicas estrangeiras” era uma deturpação da música popular

brasileira. Enquanto para Vinhas, a qualidade estética de uma canção era mais

importante do que a sua autenticidade.94 O músico parecia reagir ao discurso que

opunha “música participante e sem participação” ou os “rótulos recíprocos de

alienados e de comunas”. Essa postura que privilegiava a qualidade estética era

defendida por outros compositores, como Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, em sua

canção A resposta, presente no LP O cantor e o compositor, de Marcos Valle,

lançado em 1965. O título sugere a defesa em relação às cobranças realizadas

pelos artistas da bossa nova politizada: “Se alguém disser que teu samba / não tem

94 LOBO, Edu; VINHAS, Luiz Carlos; TINHORÃO, José Ramos. Confronto: música popular brasileira. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 3, jul. 1965. Entrevistas concedidas a Henrique Coutinho, p. 312.

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mais valor / porque ele é feito somente / de paz e de amor / não ligue não / que essa

gente não sabe o que diz / não pode entender / quando um samba é feliz”.

Tanto no plano musical como na letra, a canção é totalmente estruturada em

elementos da bossa nova – arranjo, harmonia, forma de cantar – com uma temática

lírica e intimista da – e sem nenhum questionamento – realidade social: “O samba

pode ser feito / de céu e de mar / o samba bom é aquele / que o povo cantar / de

fome basta o que o povo / na vida já tem / pra que lhe fazer / cantar isso também”.

Por fim, na última parte da canção, é criticada a possibilidade de engajamento de um

artista oriundo da classe média: “Mas é que é tempo de ser diferente / e essa gente

não quer mais saber de amor / falar de terra na areia do Arpoador / quem pelo pobre

na vida não faz um favor / falar do morro morando de frente pro mar / não vai fazer

ninguém melhorar”.

O espetáculo Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel,

contou com a participação de Nara Leão e Oduvaldo Vianna Filho e seguia a mesma

proposta de crítica social do musical Opinião. O sucesso desse espetáculo – e de

outros semelhantes – levou à realização do show Reação, que contava com os

bossa novistas Marcos Valle e Chico Feitosa, com acompanhamento do conjunto 3D

Trio. A canção Resposta foi composta especialmente para esse show e as críticas

eram dirigidas aos adeptos da politização da bossa nova, como Nara Leão. Com

apoio do jornalista Renato Sérgio e citando o crítico e compositor Sergio Bittencourt,

a iniciativa mostra as diversas tendências musicais – e também políticas – presentes

na música popular brasileira.95

Mas e como fica Jair Rodrigues, o parceiro de Elis Regina e também

apresentador de O Fino da Bossa? Apesar do seu sucesso como intérprete, ele não

estaria no centro do debate, pois as críticas e mesmo o reconhecimento pela

realização de uma “música popular moderna” seriam dados à Elis Regina. Com o

lançamento de seu primeiro disco, O samba como ele é, em 1964, Jair Rodrigues

obteve algum destaque com a faixa bossa novista O morro não tem vez, de Tom

Jobim e Vinicius de Moraes. Mas foi o sucesso, durante os shows, do samba mais

popular – de pouca elaboração poética, mas com apelo rítmico e corporal – Deixa

isso pra lá, de Alberto Paz e Edson Menezes, que estimulou a gravação de um

95 CABRAL, Sérgio. Nara Leão: uma biografia. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 2001, p. 98-99.

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segundo disco, ainda nesse mesmo ano. Na época considerado um samba “com

letrinha simples, sem literatura, gingante como a própria natureza do brasileiro”96,

hoje tem sido considerado por alguns pesquisadores como precursor do rap, pelo

seu estilo falado.97

O samba estava presente nas discussões sobre a música popular brasileira e

orientava, de maneiras diversas, a produção de vários artistas. Elis Regina propunha

o seu estilo próprio, em Samba eu canto assim, em 1965. Enquanto Jorge Ben

criava um Samba esquema novo, em 1963, Jair Rodrigues mostrava O samba como

ele é, em 1964, e A nova dimensão do samba era apresentada por Wilson Simonal,

em 1964. Como temos procurado mostrar, a definição dos gêneros não se dá

apenas a partir de referenciais estéticos, com outros aspectos influenciando no

posicionamento musical. Os significados dos gêneros são também construídos

social e historicamente. Nesse sentido, é interessante perceber que enquanto a

bossa nova não se apresenta como um “samba em bossa nova”, outros movimentos

põem o próprio termo em evidência, como “samba esquema novo”.

Para o produtor Armando Pittigliani, da Philips, o samba de Jorge Ben se

apresenta dentro do “processo evolutivo por que passa a música popular brasileira”.

Era uma outra forma de modernizá-la sem passar pela bossa nova e mantendo o

seu caráter “autêntico”, com letras de “poesia pura e simples”. Vou de samba com

você, que Jair Rodrigues gravou e cujo título nomeou o seu segundo disco, foi

apresentada por Jorge Ben em seu primeiro disco, Samba esquema novo. A leitura

de Jorge Ben para a composição de João Mello harmonizava o samba à batida da

bossa nova e ao soul e rock, gerando o que seria conhecido por “samba jovem”. Jair

Rodrigues mantinha o mesmo balanço mas sem o arranjo com o naipe de metais,

seguindo o modelo da MPM que estava sendo gestada. A ênfase era dada ao

elemento rítmico, mais que à letra, poeticamente mais simples e menos elaborada.

O sucesso que tanto Jair Rodrigues quanto Jorge Bem vinham conseguindo

emplacar mostra que a opção pelo encontro com o aspecto rítmico e dançante do

samba conseguia os resultados que a bossa nova intimista não tinha atingido.

Assim, Jair inseria-se na proposta de modernização da música popular brasileira por 96 DEIXE isso pra lá. O Cruzeiro, 28 nov. 1964, p. 56. 97 Mas poderíamos lembrar também dos repentistas nordestinos que também entoavam as suas canções igualmente de forma falada.

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outros caminhos, com a bossa nova de Berimbau, de Baden Powell e Vinicius de

Moraes, o samba sincopado de Geraldo Pereira, Você está sumindo, e o samba-rock

Garota de bikíni, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim. O iê-iê-iê – gênero novo

marcado pela influência do rock – estava em franca ascensão, com os sucessos

Parei na contramão, gravados por Roberto Carlos e Minha fama de mau, com

Erasmo Carlos, ambas composições de Erasmo.

Essas eram as bossas que Elis Regina e Jair Rodrigues traziam para O Fino

da Bossa: o samba relido pela bossa nova jazzística com um flerte com o “samba

jovem” de Jorge Ben e Wilson Simonal. Ambos participariam do programa. Enquanto

Jorge Ben interpretava ao seu violão Agora ninguém chora mais, com Elis fazendo

alguns contracantos vocais e Zinho (do Quinteto Luiz Loy) na bateria, Elis cantava,

com o Quinteto de Luiz Loy, Mas que nada, com um andamento bem mais acelerado

e dançante, mas com a mesma batida rítmica cadenciada, em 8 de novembro de

1965. Os metais bastante presentes nos arranjos eram valorizados pelo Quinteto. O

texto do segundo disco de Jorge Bem, Sacundim Ben Samba, de 1964, define o seu

“samba esquema novo”, no qual “as palavras ‘balançam’ ritmicamente em bem-feitas

divisões melódicas”. E era esse “balanço”, o apelo à dança, que permitia uma maior

popularização da moderna música popular “entre as camadas sociais menos

intelectualizadas”, ou seja, ampliava o público desejado pela bossa nova. Mas essa

“alteração” das propostas originais da primeira fase da bossa nova, entendida como

sendo a de João Gilberto, renderia diversas críticas.

Outro alvo das críticas recebidas por Elis Regina e Jair Rodrigues eram os

pot-pourris, que se tornaram marcas inconfundíveis, presentes em todos os três

discos da série Dois na bossa, lançados entre 1965 e 1967, e também em cada um

dos três CDs com as remasterizações de O Fino da Bossa, que estamos utilizando

como fonte para as nossas discussões sobre o programa. Como são vários, vamos

nos ater ao apresentado em 4 de agosto de 1965, com alguns “clássicos” da bossa

nova, todas de Tom Jobim: Insensatez (em parceria com Vinicius de Moraes),

Corcovado, A felicidade (com Vinicius), Desafinado (com Newton Mendonça), Esse

seu olhar, Só em teus braços, Samba do avião, Garota de Ipanema (com Vinicius) e

Se todos fossem iguais a você. Escolhemos esse, em especial, por conter algumas

características que se repetem em maior ou menor grau nos demais e por explicitar

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o lado descontraído, o humor, a extroversão, antagônicos ao que propunham os

seus compositores.

O acompanhamento é do Zimbo Trio e começa com andamento levemente

acelerado, sem um virtuosismo tão exacerbado, mas ainda com um apelo maior ao

ritmo e à dança. O diálogo entre Jair e Elis provocava os risos na plateia.

Significativa é a interpretação dada a Desafinado, quando Elis acentua a nota

“desafinada” do verso “se você disser que eu desa (fi) no, amor”, em meio a

aplausos da plateia, ao que Jair responde “não desafina”. Na sequência, Elis canta

rindo “só privilegiados têm ouvido igual ao seu” e Jair responde “tão sujinho”. Em

meio aos risos provocados, Elis continua a canção, e responde “mas tá limpinho o

meu”. A total irreverência dos dois contraria totalmente os preceitos intimistas da

bossa nova. Nos seis minutos desse pot-pourri estão presentes os elementos que,

por um lado renderam sucesso ao programa e aos intérpretes, mas que também

suscitaram diversas críticas.

A extroversão e a teatralidade permaneciam mesmo quando os convidados

eram expoentes da bossa nova intimista, como na interpretação de Telefone, de

Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, ao lado de Os Cariocas. Enquanto o conjunto

vocal se vale dos scats característicos do jazz, a interpretação de Elis Regina se

vale também dos recursos que podem ser considerados “extramusicais”, na medida

em que comenta a canção com recursos teatrais, de valorização do conteúdo

poético da letra, como uma atriz talvez fizesse, não trabalhando apenas com os

elementos “puramente” musicais de melodia, harmonia e ritmo. Significativo é o

toque de telefone “téim” que Elis vai repetindo no final da canção – que fazia parte

da canção e de outras interpretações –, incluindo um inocente “Alôô” após o fim do

arranjo instrumental.

Em 20 de dezembro de 1965, Elis apresentava o último programa do ano,

antes de se retirar para dois meses de turnê pela Europa. O seu característico pot-

pourri marca a despedida temporária. Nesses dois meses, o programa teria como

atração fixa Wilson Simonal. Após a estreia em agosto, o programa Jovem Guarda

começava a ampliar o seu sucesso e, ao chegar ao Brasil, Elis encontra um cenário

diferente. A música jovem ocupa, durante o ano de 1966, um espaço cada vez maior

na mídia, no mercado fonográfico, na televisão. O Prêmio Rádio Jornal do Brasil,

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criado em 1961, institui uma nova categoria para a música jovem, “visto sua

importância e repercussão no panorama musical do Brasil”, e os escolhidos foram

Roberto Carlos e Erasmo Carlos. A popularidade do novo gênero suscita discussões

entre os artistas das diversas vertentes da música popular moderna pela disputa do

mercado.

A comunicação com o público que o programa O Fino da Bossa havia

conseguido ganha outras características nesse cenário de mudanças. Com Wilson

Simonal e o Quinteto de Luiz Loy, Elis Regina daria nova leitura ao samba

sincopado Falsa baiana, de Geraldo Pereira, em um encontro que ocorreu em 22 de

maio de 1967, ou seja, quando novas questões eram colocadas para a música

popular brasileira. Nesse momento, Simonal vinha construindo um novo projeto

estético, que seria chamado de “pilantragem”, com um samba jovem, com

referências do iê-iê-iê. Entretanto, o cantor também participaria de O Fino da Bossa

com o seu estilo sendo incorporado ao programa, tanto esteticamente quanto pelas

gírias, ou seja, pela comunicação e contato com o público, com Elis Regina, em suas

habituais intervenções faladas durante as canções, dizendo “que tranquilidade”. Pela

busca de um espaço no mercado musical, algumas diferenças eram “assimiladas”,

embora o iê-iê-iê fosse rejeitado como movimento musical legítimo e de qualidade

estética, como veremos a seguir. O samba-jovem também estava presente no disco

O sorriso do Jair, lançado em 1966, como em Rapaz da moda, de Evaldo Gouveia e

Jair Amorim, no qual a letra fazia uma série de referências aos valores da

“modernidade”, pois para conquistar a garota, o eu-lírico da canção tinha que se

“modernizar”, “formar um conjunto legal / fazer na guitarra, plim, plim”. Como uma

paródia ao gênero iê-iê-iê – mas que incorporava musicalmente as suas referências

estéticas – a letra dizia “iê-iê-iê vou cantar / iê-iê-iê vou dançar / e ela então vai dizer

/ que eu sou Tremendão”. A menção ao Tremendão era explicitamente dirigida a um

dos líderes do Jovem Guarda, Erasmo Carlos.

Havia a percepção, por parte de intelectuais de esquerda, de uma crise na

música popular brasileira. Significativo desse momento é o artigo Que caminho

seguir na música popular brasileira?, resultado de um debate promovido com nomes

representativos da cultura brasileira naquele momento, como Caetano Veloso,

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Nelson Lins e Barros e Ferreira Gullar, entre outros.98 E essa crise era dada pela

emergência do iê-iê-iê, considerada, por alguns debatedores, uma música de

qualidade inferior e “alienada” e “desligada da realidade”. As opiniões sobre a

importância ou eficácia do gênero eram discordantes, pois, para Nelson Lins e

Barros, ainda era melhor ter iê-iê-iê feito no Brasil, embora considerasse o gênero

inferior à sua fonte de inspiração, a produção estrangeira dos Beatles.99 Observa-se,

também, que o mercado era um dado significativo nas discussões e, em alguns

casos, defendido como uma forma de atingir a comunicação com o público. Afinal,

essa comunicação tinha sido alcançada pelos artistas da jovem guarda.

A interpretação vocal e gestualidade de Elis Regina passam a ser

questionadas. A oposição entre “contenção” e o “excesso”100 foi um dos elementos

de discussão sobre a “crise” na música popular brasileira. Para Augusto de Campos,

em artigo publicado no Correio da Manhã, de 30 de junho de 1966, em um primeiro

momento, ela teria deixado a bossa nova mais extrovertida, o que era bom, mas o

exagero levou aos famigerados pot-pourris, considerados de mau-gosto. O seu estilo

teatral, excessivamente melodramático também é criticado. E a bossa nova é

reafirmada pela interpretação vocal de Roberto Carlos, pela recusa do excessivo.101

Ao mesmo tempo em que ocorria a discussão entre intelectuais e alguns

compositores, Elis Regina lançava o seu movimento para retomar o prestígio de O

Fino da Bossa. Para ela, “não interessava que a música fosse de esquerda ou

direita, mas que pudesse ser cantada pelo público”102, assumindo o seu programa

como o quartel-general da luta pela moderna música popular. Elis nega os

“intelectualismos” e propõe que a música seja cantada de forma a ser compreensível

para o público. Em seu discurso, percebem-se as críticas às propostas de música

participante sem relação com o público e ao mesmo tempo a ideia de que a música

deva ter características reconhecíveis. O mercado era o alvo dessa iniciativa e, para

isso, os artistas fizeram contrato com a mesma empresa do grupo que criou o

98 BARBOSA, Airton Lima. (coord.) Que caminho seguir na música popular brasileira? Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 6, p. 375-385, mai. 1966. 99 Ibidem, p. 381. 100 NAVES, Santuza Cambraia. Da bossa nova à tropicália: contenção e excesso na música popular. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 43, São Paulo, jun. 2000. 101 CAMPOS, Augusto de. “Da Jovem Guarda a João Gilberto”. In: _____. Balanço da bossa e outras bossas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 51-57. 102 ELIS pede passagem pra sambar. Jornal do Brasil, 24 ago. 1966, p. 40.

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programa Jovem Guarda, a Magaldi-Maia Publicidade. E, como vimos, pela

presença de Wilson Simonal e do samba-jovem marcado pela influência do rock em

O Fino da Bossa, a ruptura entre esses estilos não se realizava totalmente no

programa.

Para Augusto de Campos, em artigo publicado no Correio da Manhã, em 14

de outubro de 1966, o “canto de protesto” – as canções de crítica social – teria sido

um desenvolvimento natural, pois as letras da bossa nova estavam ficando banais e

“sentimentais à base da fórmula amor-dor-flor”.103 Enquanto, para o autor, a

pesquisa e invenção musical, no plano sintático, teriam diminuído, a incorporação de

novas temáticas era considerado um avanço, no plano semântico. A crítica se dirigia

tanto à concepção de que a bossa nova não podia ser compreendida pelo “povo” e

que a música, então, deveria ser simplificada, quanto à busca de um nacionalismo

“xenófobo”, que negasse a influência de culturas estrangeiras.

O problema, então, estava na dramaticidade, na influência do modelo

operístico de cantar. O que era valorizado pela bossa nova de João Gilberto era uma

interpretação não marcadamente dionisíaca, com contrastes dinâmicos e arroubos

sentimentais. Entretanto, também a bossa nova não era homogênea e um dos seus

desdobramentos levou a esse tipo de interpretação, mais teatral, cuja representante

mais destacada era Elis Regina. Entretanto, por esse aspecto, Augusto de Campos,

em artigo escrito para o Correio da Manhã, em 30 de junho de 1966, considerava

que a sua “interpretação rígida, enfática, de efeitos melodramáticos” não se

relacionavam mais com a bossa nova, enquanto a jovem guarda, cujo nome mais

destacado era Roberto Carlos, estava mais próxima da bossa nova e,

consequentemente, da música brasileira, pois, para ele, a “análise de certas

características musicais da JG (jovem guarda) nos faz remontar à inteireza e à

precisão de JG (João Gilberto)”.104

Se alguns críticos anteriormente relacionadas à bossa nova começavam a

realizar críticas positivas aos músicos da Jovem Guarda, cuja produção musical

seria importante para o movimento do tropicalismo, os ataques a eles continuaria em

103 CAMPOS, Augusto de. “Boa palavra sobre a música popular”. In: _____. Balanço da bossa e outras bossas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 61. 104 CAMPOS, Augusto de. “Da Jovem Guarda a João Gilberto”. In: _____. Balanço da bossa e outras bossas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 57.

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outras frentes, como pela Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), que, face ao

sucesso desses artistas passaria a exigir que demonstrassem conhecimentos

teóricos de música para tirarem a carteira profissional de música. Em resposta a Elis

Regina, que teria dito que “a guerra está declarada. Os que estão do lado de lá que

se cuidem”, seria lançado o “Manifesto do Estado Maior do iê-iê-iê”, no qual são

apresentados alguns posicionamentos em relação à bossa nova, sua politização, e

sua relação com o povo. Era uma música otimista e alegre: “Não falamos jamais,

nas nossas canções, de tristeza, de dor de cotovelo, de desespero, de fome, de

seca, de guerra. Somos sempre uma mensagem de alegria para todo o povo”.105

Se a matéria “Manifesto do Estado Maior do iê-iê-iê” foi destaque na capa da

revista O Cruzeiro, na edição seguinte teria a “resposta”, com a capa mostrando

“Chico + Elis + Vandré = água na fervura do iê-iê-iê”. Destacamos esse interesse da

revista em fomentar a discussão, pois acreditamos que esse debate também tinha

motivações mercadológicas, que eram incentivadas pelos meios de comunicação.

Elis Regina estava lançando o programa que iria substituir O Fino da Bossa (nesse

momento, já se chamava O Fino 67 e não contava mais com a apresentação de Jair

Rodrigues, mas ainda era reconhecido como continuidade do programa anterior),

que encerraria suas apresentações em 19 de junho de 1967. Em seu lugar entraria o

Frente Única – Noite da Música Popular Brasileira, que não teria mais um

apresentador fixo. Segundo os artistas que participariam do novo programa, a

intenção era unificar a música popular brasileira. Embora essa unificação não

contasse com a participação dos integrantes da jovem guarda. Nessa reportagem,

Caetano Veloso diria não rejeitar o iê-iê-iê – tema da discussão que permeia toda a

matéria – mas que prefere a “música popular tradicional”.106 Alguns meses depois,

ele e Gilberto Gil deflagrariam os primeiros acordes que seriam considerados os

marcos inaugurais do tropicalismo, que teriam o iê-iê-iê como uma das influências

estéticas. Entretanto, como podemos perceber, existem aproximações e formas de

diálogo mesmo entre os movimentos e gêneros que se posicionam de forma

antagônica, como os “outros” de uma identidade musical que estava sendo

construída. Nesse sentido, o que se buscou foi mostrar como há vários discursos

105 PODEM vir quentes que nós estamos fervendo. O Cruzeiro, 5 ago. 1967, p. 8. 106 QUEM te viu, quem te vê. O Cruzeiro, 12 ago. 1967, p. 133.

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sobre “tradição” e “modernidade” que estão sendo propostos, muitas vezes de forma

antagônica, mas que não se realizam plenamente na prática. Questões políticas,

estéticas e identitárias concorrem para a construção desses discursos, tornando sua

compreensão bastante complexa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa monografia, procuramos discutir como eram construídos os discursos

sobre a incorporação de elementos da “tradição” e da “modernidade” nas

apresentações do programa O Fino da Bossa. Entendendo, assim como Hobsbawm,

que as “tradições” são, em grande medida, também inventadas e que os seus

significados, assim como o de “modernidade” são historicamente construídos,

procuramos perceber a especificidade desses discursos em um momento em que a

música popular brasileira conhecia formas diferentes de elaboração estética –

consideradas, em diversos momentos, por seus interlocutores, como antagônicas –

e passava por uma série de questionamentos a respeito do seu lugar social.

Existiam projetos de modernidade musical que convergiam e divergiam ao mesmo

tempo, o que mostra que não só os elementos estéticos são importantes para a

busca de legitimação de gêneros musicais. Algumas memórias construídas sobre a

bossa nova valorizam um dos projetos que estavam sendo propostos e acabam

atribuindo diferenciações e rupturas que não se concretizavam na prática.

O objetivo não era ficar apenas restrito à produção dos discursos, mas à

forma como se efetivavam – ou não – nas obras. Nesse sentido, pudemos perceber

que eram construídos discursos de identidade musical que, no entanto, também

eram permeados pelas mediações da indústria fonográfica, que colocavam novas

questões para os artistas. Foram importantes tanto as intenções dos artistas,

expressas em entrevistas e diversas declarações, quanto a crítica formulada às suas

canções, bem como a análise das obras.

Assim como os marcos de “ruptura” para a bossa nova podem ser

questionados, outros gêneros não contemplados pela sua convenção continuam a

ocupar espaços no mercado, no rádio, na preferência do público, embora perante a

crítica musical passem a ser desprestigiados. Outras rupturas, como as existentes

entre artistas e gêneros de propostas antagônicas também podem ser questionadas,

pois vimos que havia uma continuidade e um diálogo entre muitas dessas

produções. Dessa forma, podemos problematizar a memória que atribui o discurso

de modernidade à música popular brasileira apenas pelo recorte da bossa nova,

desconsiderando que outras propostas eram formuladas também com essa

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intenção, embora voltadas para públicos diferentes. Assim, ampliar a discussão para

as produções musicais não restritas ao que se convencionou chamar MPB permite

ver um cenário musical mais amplo que se constituía naquele momento. A defesa da

modernidade podia se dar por diferentes vertentes do jazz ou pelo rock.

Procuramos enfatizar a recepção das obras por considerarmos que é no

processo relacional, ou seja, na forma como uma canção é proposta e como é

recebida que podemos entender os seus sentidos. Dentro dessa perspectiva,

problematizar a aceitação que a bossa nova teve no exterior e a forma como era lida

pode ajudar a compreender os debates que se travaram sobre o gênero e as

transformações que teve também no Brasil. Não só o contexto nacional de propostas

de Reformas de Base do governo de João Goulart propunha novas elaborações,

mas também como o gênero era modificado internacionalmente. Assim, não se trata

de valorizar só os discursos ou só a prática musical, mas a relação que se

estabelece entre artista e público, pois entendemos que o músico dialoga com vários

mediadores para produzir a sua obra. Não se trata de propor que as empresas

fonográficas, que a crítica especializada ou que o público “consumidor” sejam

“determinantes” na elaboração musical, mas de entender que “canção alguma é uma

ilha voltada para dentro de si”107, mas que se constitui em diálogo com essas

instâncias.

107 PARANHOS, Adalberto. “A música popular e a dança dos sentidos: distintas faces do mesmo”. ArtCultura, Uberlândia, Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de História, n. 9, 2004, p. 26.

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ELA vem de Arrastão. O Cruzeiro, 24 jul. 1964, p. 46. ELZA Soares mulata de 400 bossas. O Cruzeiro, 20 nov. 1965, p. 67. JOVENS cantores fazem música jovem. O Cruzeiro, 13 nov. 1965, p. 6-13. NETTO, Accioly. Os melhores do teatro na madrugada. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 13 fev. 1965, p. 25. PODEM vir quentes que nós estamos fervendo. O Cruzeiro, 5 ago. 1967, p. 8. QUEM te viu, quem te vê. O Cruzeiro, 12 ago. 1967, p. 133. SER ou não ser cabeludo. O Cruzeiro, 13 nov. 1965, p. 120-1. ZICARTOLA o quartel-general do samba. O Cruzeiro, 9 maio 1964, p. 94. BARBOSA, Airton Lima. (coord.) Que caminho seguir na música popular brasileira? Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 6, p. 375-385, mai. 1966. BARROS, Nelson Lins e. “Música popular, novas tendências”. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 1, mar. 1965, p. 232. LOBO, Edu; VINHAS, Luiz Carlos; TINHORÃO, José Ramos. “Confronto: música popular brasileira.” Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 3, p. 305-312, jul. 1965. Entrevistas concedidas a Henrique Coutinho. FONTES EDITADAS EM LIVROS CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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