uma anÁlise econÔmica sobre as polÍticas pÚblicas … de iulo lôboseg.pdf2.7 legislaÇÃo e...

55
1 IULO DE ARAÚJO LIMA LÔBO UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL: UM BREVE ESTUDO SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS SALVADOR 2001

Upload: others

Post on 15-Oct-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

1

IULO DE ARAÚJO LIMA LÔBO

UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL:

UM BREVE ESTUDO SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS

SALVADOR 2001

Page 2: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

2

IULO DE ARAÚJO LIMA LÔBO

UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL:

UM BREVE ESTUDO SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS

Monografia apresentada no curso de graduação de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas

Orientador: Prof. Dr. Antônio Henrique Pinheiro da Silveira

SALVADOR 2001

Page 3: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

3

Dedico este trabalho à memória do querido amigo e mestre José Roberto Otoni de Mendonça, que desempenhou papel fundamental como meu primeiro orientador e responsável pelas primeiras questões a serem levantadas e discutidas.

Page 4: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

4

AGRADECIMENTOS

A meus pais, Noélia e Luiz Carlos por terem me dado todas as condições no decorrer de

minha vida para chegar a este momento tão especial e que sempre estiveram comigo nos

momentos difíceis.

A meu querido irmão Cesar, toda minha família, em especial minha Tia Lêdna que sempre

esteve em contato próximo, preocupando-se com o crescimento pessoal de todos em nossa

família. A todos queridos amigos pela convivência fraterna.

Ao professor José Roberto Otoni de Mendonça por ter ajudado-me na busca dos

questionamentos econômicos e sociais da AIDS na sociedade brasileira e pela lição de

amor à docência, por orientar-me mesmo passando por tratamento médico tão delicado; ao

professor Antônio Henrique Pinheiro da Silveira por ter se disponibilizado em me orientar

em um momento tão decisivo para a conclusão deste trabalho; ao professor João

Gutemberg Quintas Costa pela enorme colaboração nos conceitos fundamentais para

análise da economia da saúde; ao professor José Carrera Fernandez pelas intervenções nos

conceitos microeconômicos e; ao professor Lielson Coelho pela condução responsável e

cuidadosa das monografias desde a disciplina Técnica de Pesquisa em Economia.

A Moacyr Villas Boas, do GAPA Bahia; a Denis Gomes, Cristiano Sousa e Oséas Santana

do Grupo Gay da Bahia e Bruna Teixeira, da Assessoria de Comunicação da Coordenação

Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde, pelos dados, livros e informações que

foram essenciais para a realização deste trabalho. A todos os amigos que conquistei nesta

faculdade, representados aqui com os colegas Isidoro, Karbela, Vítor Bernardo, Cláudio

Nápoli e Wagner. A todos os funcionários e professores pela consolidação de um trabalho

de qualidade, mesmo com tantas adversidades.

A Fausta e Eza Victória por participarem de minha vida e me darem estímulos na constante

busca pela felicidade.

Page 5: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

5

SUMÁRIO

LISTA DE LUSTRAÇÕES 7 1 INTRODUÇÃO 8 2 FUNDAMENTOS DE ANÁLISE DA ORIGEM E

EVOLUÇÃO DA EPIDEMIA DO HIV/AIDS

9 2.1 O QUE É A AIDS? 9 2.2 A DESCOBERTA DA AIDS 10 2.3 A TRANSMISSÃO DO VÍRUS HIV 12 2.4 TESTES DIAGNÓSTICOS 14 2.4.1 A teste imunoenzimático: ELISA 14 2.4.2 Teste Western-Blot 15 2.4.3 Imunofluorescência indireta 15 2.4.4 Radioimunoprecipitação 15 2.4.5 Método de detecção de antígeno viral 16 2.4.6 Técnica de cultura viral 16 2.4.7 Método de cultura quantitativa 16 2.4.8 Teste de amplificação do genoma do vírus 17 2.4.9 Contagem de células TCD4+ em sangue periférico 17 2.5 TRATAMENTO 18 2.6 PREVENÇÃO 19 2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3 ECONÔMICOS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE

SAÚDE ELEMENTOS

23 3.1 O PORQUÊ DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE 23 3.2 AS EXTERNALIDADES DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

DE SAÚDE

26 3.2.1 O problema dos caronas (free-riders) em saúde 27 3.3 EFICIÊNCIA ECONÔMICA EM SAÚDE 29 3.4 OS CUSTOS DA AIDS 30 3.4.1 O custo social da AIDS 30 3.4.2 Custo com prevenção 32 3.4.3 Custo com tratamento 32 3.5 3.5.1 3.5.2 3.5.3 3.6 3.7 3.8

TRATAMENTOS ALTERNATIVOS EM AIDS Custos de treinamentos em SAE - Serviço de Assistência especializada Custos de treinamentos em HD - Hospital Dia Custos de treinamentos em ADT - Assistência Domiciliar Terapêutica CUSTOS EVITADOS COM OS TRATAMENTOS ALTERNATIVOS VALORES DO TRATAMENTO DA AIDS O RETORNO DO TRATAMENTO DE AIDS PARA O PAÍS

34

36 36

37

38 40

41

4 AVALIAÇÃO SOBRE TENDÊNCIAS DA AIDS E

Page 6: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

6

RESULTADOS DO PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS

43

4.1 A CONFIANÇA COMO COMPORTAMENTO DE RISCO 43 4.2 PREVENÇÃO DA AIDS POR EXPOSIÇÃO SEXUAL 45 4.3 PREVENÇÃO DA AIDS POR EXPOSIÇÃO SEXUAL 46 4.3.1 Controle de qualidade do preservativo 47 4.3.2 Eficácia do preservativo 47 4.4 PREVENÇÃO DA AIDS POR VIA SANGÜÍNEA 48 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 53

Page 7: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

7

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

GRÁFICO 1...............................................................................................................33

GRÁFICO 2...............................................................................................................34

GRÁFICO 3...............................................................................................................39

GRÁFICO 4...............................................................................................................40

GRÁFICO 5...............................................................................................................44

GRÁFICO 6...............................................................................................................49

GRÁFICO 7...............................................................................................................50

Page 8: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

8

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas duas décadas a humanidade tem convivido com uma grave epidemia. A AIDS

(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), que se alastrou no final da década de 1970,

inicialmente com alguns casos demonstrando alto grau de letalidade, e em poucos anos

atingiu a modalidade de epidemia, se alastrou em todo o mundo. No Brasil não foi

diferente, com o primeiro caso registrado em 1980, a epidemia atravessou toda primeira

década contaminando em uma escala crescente, tendo uma diminuição na taxa de infecção

na década seguinte. No final de 1999, o Ministério da Saúde já havia registrado um total

de 194.757 infectados no Brasil.

Este trabalho visa esclarecer como os conceitos econômicos são importantes para a

formulação e o planejamento de uma política de saúde que atinja todos os cidadãos,

demonstrando em seguida alguns resultados da aplicação do Programa Nacional de

Combate à AIDS, que é a política do Ministério da Saúde para interferir contra esta grave

moléstia, compreendendo o ano do primeiro caso, 1980, até o ano de 1999, colocando uma

discussão sobre 20 anos da epidemia de AIDS no Brasil.

O trabalho foi desenvolvido dentro de três pontos principais, que aqui estão representados

em três blocos conceituais divididos nos capítulos. Os aspectos gerais da AIDS estão

representados no segundo capítulo pelo histórico da doença, assim como os aspectos

clínicos, sociais e políticos, detalhando desde a descoberta da doença até o aparecimento

dos medicamentos que aumentam a expectativa de vida das pessoas contaminadas.

O terceiro capítulo demonstra os elementos mais significativos da análise econômica para a

formulação das políticas públicas de saúde, principalmente os conceitos da microeconomia

e da economia do setor público.

A análise dos resultados obtidos após a implementação do Programa Nacional de Combate

à AIDS é o ponto principal do quarto capítulo, onde são postas as evidências empíricas

desta política pública de saúde. O quinto capítulo trata das considerações finais sobre o

estudo.

Page 9: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

9

2 FUNDAMENTOS DE ANÁLISE DA ORIGEM E EVOLUÇÃO DA EPIDEMIA

DO HIV/AIDS

Este capítulo tem a função de abordar o surgimento de um fenômeno recente na história da

humanidade, porém que afeta e abala diretamente todos os seres humanos, não só pela

questão da contaminação em si, mas das graves distorções que a epidemia de AIDS

provocou nas últimas duas décadas. O aspecto mais central do estudo será apresentado nos

capítulos seguintes, deixando para este primeiro capítulo a definição do que é a epidemia

do HIV/AIDS e seus reflexos perante a sociedade mundial e estreitando para a sociedade

brasileira, observando como o conjunto de fatores sociais se alterou com o passar dos anos

e como a própria sociedade mudou os seus conceitos e preconceitos perante esta epidemia.

2.1 O QUE É AIDS?

A AIDS, Síndrome da Imonodeficiência Adquirida, é uma doença contagiosa, causada por

um vírus, chamado HIV, Vírus da Imunodeficiência Humana. Também chamado vírus da

AIDS, o HIV penetra no corpo humano por vias bem definidas e ataca as células

importantes que fazem parte do sistema de defesa do organismo. Enfraquecido o

organismo, o indivíduo fica sujeito a doenças graves, as chamadas doenças oportunistas

que têm esse nome exatamente porque se aproveitam desse enfraquecimento. Porém, nem

toda pessoa infectada com o vírus desenvolve a doença, tendo muitas vezes o corpo dessa

de uma pessoa contaminada, apenas o papel de hospedeiro do vírus. Mesmo assim, pode

transmiti-lo para outras. A pessoa portadora do vírus é também conhecida por soropositivo.

A AIDS só pode ser constatada por um médico, através de um exame laboratorial. Os

sintomas dessa doença podem aparecer também em muitas outras, tais como pneumonia,

tuberculose, diversas doenças sexualmente transmissíveis (as denominadas DST’s),

toxoplasmose, dentro outras que surgem da debilidade do sistema de defesa do organismo.

Por isso, não devem ser identificados como sendo sintomas exclusivos da AIDS, porém as

pessoas que apresentam estas doenças têm que realizar exames laboratoriais de controle de

HIV/AIDS.

Page 10: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

10

2.2 A DESCOBERTA DA AIDS

Em 1977, na cidade de Copenhague, Dinamarca, uma pessoa faleceu em conseqüência de

uma deficiência imunológica, de origem até então desconhecida. A literatura médica

registraria no ano seguinte em Paris, França, o segundo caso do que somente anos mais

tarde descobriu-se tratar de um mal ainda hoje incurável: AIDS, a síndrome da

imunodeficiência adquirida. Já havia registros de casos de infecções com os mesmos

sintomas na África durante a década de 1940 e 1950, porém trataram-se de casos isolados.

Em julho de 1981, eram contabilizados apenas 80 casos em todo o mundo, com 20 mortes.

Em novembro do mesmo ano, a certeza do alastramento da síndrome e de seu poder fatal:

169 casos, com 88 mortes. Como a maioria das pessoas que apresentavam os sintomas

característicos da nova doença era de homossexuais, a imprensa especializada deu a ela o

nome de Deficiência Imunológica Relacionada a Gays (tendo recebido a preconceituosa

sigla GRID). Não se tinha certeza ainda, contudo, de como se dava a transmissão do

"câncer gay" entre as pessoas. Daí, o grande medo só de conviver ou ter contato de

qualquer tipo com homossexuais e o grande preconceito que se instalava, não só pela

questão social, mas pela questão de poder se contrair a doença que já caracterizava este

grupo de indivíduos.

Segundo Paiva (1993), no final de 1981, a surpresa: surgem os primeiros casos entre

adultos heterossexuais e também em recém-nascidos, logo a doença atingia também

mulheres heterossexuais, por conseguinte atingia também a criança durante o período de

gestação. Em meados de 1982, uma mulher usuária de drogas endovenosas morre, o que

faz a ciência acreditar que a doença está relacionada ao sangue e direcionar suas pesquisas

para esta hipótese. Começa, inclusive, a ser estudada a possibilidade de hemofílicos terem

adquirido a doença por transfusão sangüínea. Longe dos avanços de laboratórios

científicos, contudo, a sociedade passa a acirrar seu preconceito contra os homossexuais.

Somente em janeiro de 1983 - quando 951 pessoas estavam contaminadas e 640 já haviam

morrido - é que surge a sigla AIDS, em um workshop do Centro para Controle de Doenças

dos Estados Unidos (CDC). O novo nome reduz o preconceito em relação a ser uma

doença causada por homossexuais, mas não o avanço da síndrome, que registra mais de

1100 vítimas ao final daquele ano.

Page 11: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

11

A Organização Mundial de Saúde (OMS) faz em fevereiro um apelo aos governos de todo

o mundo: empreender ações para reverter a vulnerabilidade de mulheres à AIDS. As

previsões eram terríveis: a organização estimava que no final de 1995 haveria cerca de 6,5

milhões de mulheres contaminadas, mais da metade com idade inferior a 25 anos, e que até

o ano 2000 uma mulher morreria a cada dois minutos em conseqüência da síndrome.

Um importante avanço na luta contra a síndrome é registrado ainda no de 1983. Um grupo

de cientistas do Instituto Pasteur, França, liderado pelo Doutor Luc Montagnier, anuncia

em outubro ter descoberto um vírus - na verdade, um retrovírus, que estaria associado à

AIDS, ao qual chamam LAV.

Em abril de 1984, quando já eram registrados 4.123 casos da síndrome, com 2.937 mortes,

a equipe do Doutor Robert Gallo anuncia, nos Estados Unidos, ter descoberto o vírus da

AIDS, ao qual dá o nome de HTLV-3. Entretanto, trata-se do mesmo vírus descoberto na

França meses antes. Gallo é acusado de antiética, mas não admite ter utilizado informações

do "concorrente" francês. Mais tarde, o laboratório do Doutor Gallo e o Instituto Pasteur

acabam por concordar em dividir a descoberta do vírus, agora com a sigla HIV.

Com esta descoberta, foi possível a criação de um exame que detectasse a sua presença no

sangue. Graças a este exame, os bancos de sangue começaram a testar o material a partir de

1985, quando 28 mil pessoas já haviam sido contaminadas por transfusão.

Desconhecimento, preconceito e desinformação formam a receita que fez com que a

síndrome tomasse todos os continentes, em apenas 20 anos, e passasse a ser chamada de

"mal do século". Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) sugerem que, na

virada de milênio, mais de 40 milhões de pessoas estarão contaminadas pelo vírus da AIDS

em todo o planeta. Somente na África, dez milhões de crianças com menos de 10 anos

estarão órfãs neste período devido à AIDS, segundo o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento - metade dos soropositivos do mundo está hoje no continente africano. A

expectativa de vida neste continente reduz a cada ano de maneira drástica, tendo de 1987 a

1997, reduzido de uma expectativa de 52 para 44 anos.

Page 12: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

12

A Ásia, contudo, tinha a projeção de deter o maior número de casos até o fim deste século,

em função de ter acumulado metade dos novos registros mundiais a cada ano e em função

de ser um continente não só populoso (a Ásia é o continente mais populoso do mundo, só a

China e a Índia têm juntas mais de 1/3 da população de todo o planeta), como também pelo

altíssimo nível de miséria encontrado neste continente. Porém, será a África que fará a

virada do milênio com as taxas mais altas de contaminação, mostrando-se uma região mais

miserável que o continente asiático e, que o comportamento da epidemia do HIV/AIDS

está intimamente relacionada aos níveis de pobreza, miséria e falta de informação.

2.3 TRANSMISSÃO DO VÍRUS HIV

Somente no sangue, esperma, secreção vaginal e leite materno o vírus da AIDS aparece em

quantidade suficiente para causar uma infecção. Para haver a transmissão, o líquido

contaminado de uma pessoa tem que penetrar no organismo de outra. Isso pode acontecer

das seguintes formas: Relação sexual, o vírus da AIDS pode ser transmitido através de

relações sexuais com parceiros contaminados, se não for usado o preservativo (camisinha)

durante a penetração. A transmissão pode ser do homem para a mulher, do homem para o

homem e mulher para homem. Em todos os casos de penetração há riscos para os dois

parceiros. Para quem penetra e para quem é penetrado; Uso de seringas e agulhas entre

usuários de drogas injetáveis, muitas pessoas contraem o vírus da AIDS ao fazerem uso da

mesma seringa e agulha. Isso acontece quando o sangue de uma pessoa infectada está na

agulha ou seringa e entra no sangue de outra pessoa; Transfusão de sangue e derivados, só

há contaminação se uma pessoa receber sangue contaminado com o vírus da AIDS

(Montagnier, 1992).

Com o surgimento da epidemia, tornou-se obrigatório que tanto o sangue quanto os seus

derivados, chamados hemoderivados, sejam rigorosamente testados. Na gravidez, a mãe

contaminada pode transmitir o vírus para a criança durante a gestação, no parto e

possivelmente na amamentação, a transmissão vertical, isto é de mãe para filho, decorrente

da exposição da criança durante a gestação, parto ou aleitamento materno, vem

aumentando devido à maior transmissão heterossexual. Na África, são encontradas as

maiores taxas desta forma de infecção pelo HIV, da ordem de 30 a 40%; entretanto, em

Page 13: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

13

outras partes do mundo, como na América do Norte e Europa, situam-se em torno de 15 a

29%. Os principais motivos dessa diferença devem-se ao fato de que, na África, a

transmissão heterossexual é mais intensa, e que neste continente, o aleitamento materno é

muito mais freqüente do que nos países industrializados, em função de possuírem grandes

empresas que produzem suplementos ou complementos alimentares para toda a população,

principalmente, para crianças.

Há também a contaminação no ambiente de trabalho, a transmissão ocupacional ocorre

quando profissionais da área da saúde sofrem ferimentos com instrumentos pérfuro-

cortantes contaminados com sangue de pacientes portadores do HIV. Estima-se que o risco

médio de contrair o HIV após uma exposição percutânea a sangue contaminado seja de

aproximadamente 0,3%. Nos caso de exposição de mucosas, esse risco é de

aproximadamente 0,1%. Os fatores de risco já identificados como favorecedores deste tipo

de contaminação são: a profundidade e extensão do ferimento a presença de sangue visível

no instrumento que produziu o ferimento, o procedimento que resultou na exposição e que

envolveu a colocação da agulha diretamente na veia ou artéria de paciente portador de HIV

e, finalmente, se o paciente, fonte da infecção mostrar evidências de imunodeficiência

avançada, ser terminal ou apresentar carga viral elevada.

Embora o vírus tenha sido isolado de vários fluidos corporais, como saliva, urina, lágrimas,

somente o contato com sangue, sêmen, secreções genitais e leite materno têm sido

implicados como fontes de infecção. O risco da transmissão do HIV por saliva foi avaliado

em vários estudos laboratoriais e epidemiológicos. Esses estudos demonstraram que a

concentração e a infectividade dos vírus da saliva de indivíduos portadores do HIV é

extremamente baixa.

Até o momento, não foi possível evidenciar, com segurança, nenhum caso de infecção por

HIV adquirido por qualquer das seguintes vias teóricas de transmissão: contato

interpessoal não-sexual e não-percutâneo (contato casual), vetores artrópodes (picadas de

insetos), fontes ambientais (aerossóis, por exemplo) e quaisquer objetos inanimados, além

de instalações sanitárias. Há raros relatos anedóticos de hipotética transmissão horizontal

do HIV, porém, estes não resistem a uma análise mais cuidadosa, e as evidências são

insuficientes para caracterizar formas não-tradicionais de transmissão.

Page 14: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

14

Conclui-se que formas alternativas de transmissão são altamente improváveis, e que a

experiência cumulativa é suficientemente ampla para se assegurar enfaticamente que não

há qualquer justificativa para restringir a participação de indivíduos infectados pelo HIV

nos seus ambientes domésticos, escolares, sociais ou profissionais.

2.4 TESTES DIAGNÓSTICOS

Os testes para detecção da infecção pelo HIV podem ser divididos basicamente em quatro

grupos: detecção de anticorpos, detecção de antígenos, cultura viral e amplificação do

genoma do vírus. As técnicas rotineiramente utilizadas para o diagnóstico da infecção pelo

HIV são baseadas na detecção de anticorpos contra o vírus.

Estas técnicas apresentam excelentes resultados e são menos dispendiosas, sendo de

escolha para toda e qualquer triagem inicial. Porém detectam a resposta do hospedeiro

contra o vírus, e não o próprio vírus diretamente. As outras três técnicas detectam

diretamente o vírus ou suas partículas. São menos utilizadas rotineiramente, sendo

aplicadas em situações específicas, tais como: exames sorológicos indeterminados ou

duvidosos, acompanhamento laboratorial de pacientes e mensuração da carga viral para

controle de tratamento.

2.4.1 Teste Imunoenzimático: ELISA

Dentre os testes de detecção de anticorpos está o ELISA (teste imunoenzimático), este teste

utiliza antígenos virais (proteínas) produzidos em cultura celular (testes de primeira

geração) ou através de tecnologia molecular recombinante. Os antígenos virais são

absorvidos por cavidades existentes em placas de plástico e, a seguir, adiciona-se o soro do

paciente. Se o soro possuir anticorpos específicos, estes serão fixados sobre os antígenos.

Page 15: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

15

2.4.2 Teste Western-Blot

O teste Western-Blot envolve inicialmente a separação das proteínas virais por eletroforese

em gel de poliacrilamida, seguida da transferência eletroforética dos antígenos para uma

membrana de nitrocelulose. Geralmente este teste é utilizado para confirmação do

resultado reagente ao teste ELISA, devido à sua alta complexidade e custo. Tem alta

especificidade e sensibilidade.

2.4.3 Imunofluorescência Indireta

O teste da imunofluorescência indireta é feito pela fixação de células em lâminas de

microscópio, as células infectadas (portadoras de antígenos) são incubadas com o soro que

se deseja testar. Depois, são tratadas com outro soro que contenha anticorpos específicos

para imunoglobulina humana conjugados a um fluorocromo. A presença dos anticorpos é

revelada por meio de microscopia de fluorescência. Este teste também é utilizado como

confirmatório.

2.4.4 Radioimunoprecipitação

No teste de radioimunoprecipitação, a detecção dos anticorpos decorre de reações com

antígenos radioativos. Estes antígenos são obtidos de células infectadas, mantidas na

presença de radioisótopos durante a síntese de proteínas virais. É uma técnica menos

conhecida, mas que pode ser utilizada para confirmação de diagnóstico. Existem muitos

outros testes para detecção de anticorpos, um grande número de testes rápidos para estudos

de campo, triagens de grandes populações e para decisões terapêuticas em situações de

emergência vêm sendo desenvolvidos, geralmente baseados em técnicas de aglutinação em

látex e hemaglutinação.

Page 16: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

16

2.4.5 Método da Detecção de Antígeno Viral

Os testes de detecção de antígeno viral se concentram na pesquisa de antígeno p24. Este

teste quantifica a concentração da proteína viral p24 presente no plasma ou no

sobrenadante de cultura de tecido. Embora esta proteína esteja presente no plasma de

pacientes em todos os estágios da infecção pelo HIV, sua maior prevalência ocorre antes

da soroconversão e nas fases mais avançadas da doença; o teste é realizado mediante a

utilização da técnica de ELISA (imunoenzimático).

2.4.6 Técnicas de Cultura Viral

As técnicas de cultura viral se concentram no estudo sobre a cultura de células

mononucleares de sangue periférico para isolamento do HIV, pela cultura quantitativa de

células e pela cultura quantitativa de plasma. A cultura de células mononucleares de

sangue periférico para isolamento do HIV técnica foi inicialmente utilizada para

caracterizar o HIV como agente causador da AIDS. As culturas são observadas quanto à

evidência de formação sincicial (células gigantes multinucleadas), presença de atividade da

transcriptase reversa e produção de antígeno p24 em sobrenadantes. São consideradas

positivas quando dois testes consecutivos detectam a presença dos achados acima descritos

em valores superiores ao limite de corte.

2.4.7 Método da Cultura Quantitativa

A cultura quantitativa de células é uma técnica que mede a carga viral intracelular,

mediante a diluição seriada decrescente de uma população de 106 células do paciente

infectado. Considera-se como positiva a menor diluição capaz de isolar alguma célula

infectada. A cultura quantitativa de plasma é uma técnica semelhante à anterior, porém

utilizando alíquotas decrescentes de plasma. Considera-se como positiva a menor diluição

capaz de infectar células mononucleares.

Page 17: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

17

2.4.8 Testes de Amplificação do Genoma do Vírus

Análise quantitativa direta da carga viral através de técnicas baseadas na amplificação de

ácidos nucleícos, tais como a reação de polimerase em cadeia (PCR) quantitativa,

amplificação de DNA em cadeia ramificada (branched-chain DNA ou bDNA) e

amplificação seqüencial de ácidos nucleícos (nucleic acid sequence-based amplification ou

NASBA). Embora as técnicas sejam diferentes, o PCR quantitativo e o NASBA apresentam

alta sensibilidade, permitindo o acompanhamento da resposta terapêutica antiretroviral.

Além disso, valores elevados de partículas virais detectados ao PCR quantitativo ou

NASBA parecem estar relacionados com um maior risco de progressão da doença,

independente da contagem de células TCD4+. Sugere-se sua monitorização a cada 3 ou 4

meses. Em caso de início ou mudança de terapia antiretroviral, alguns autores recomendam

uma dosagem da carga viral com 1 a 2 meses de tratamento, para avaliação da resposta ao

esquema. Os resultados devem ser interpretados da seguinte maneira: Carga viral abaixo de

10.000 cópias de RNA por ml: baixo risco de progressão ou de piora da doença; carga viral

entre 10.000 e 100.000 cópias de RNA por ml: risco moderado de progressão ou de piora

da doença; carga viral acima de 100.000 cópias de RNA por ml: alto risco de progressão

ou de piora da doença.

2.4.9 Contagem de células TCD4+ em sangue periférico

A contagem de células TCD4+ em sangue periférico tem implicações prognósticas na

evolução da infecção pelo HIV, pois é a medida de imunocompetência celular; é mais útil

no acompanhamento de pacientes infectados pelo HIV. De maneira didática pode-se

dividir a contagem de células TCD4+ em sangue periférico em quatro faixas: maior que

500 células/mm3: estágio da infecção pelo HIV com baixo risco de doença. Há boa

resposta às imunizações de rotina e boa confiabilidade nos testes cutâneos de

hipersensibilidade tardia.. Casos de infecção aguda podem apresentar estes níveis de

células T CD4+, embora, de modo geral, esses pacientes tenham níveis mais baixos. Entre

200 e 500 células/mm3: estágio caracterizado por surgimento de sinais e sintomas menores

ou alterações constitucionais. Risco moderado de desenvolvimento de doenças

Page 18: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

18

oportunistas. Nesta fase, podem aparecer candidíase oral, herpes simples recorrente, herpes

zoster, tuberculose, leucoplasia pilosa, pneumonia bacteriana. Entre 50 e 200 células/mm3:

estágio com alta probabilidade de surgimento de doenças oportunistas como

pneumocistose, toxoplasmose, neurocriptococose, histoplasmose, citomegalovirose

localizada. Está associado à síndrome consumptiva, leucoencefalopatia multifocal

progressiva, candidíase esofagiana, dentre outras. Menor que 50 células/mm3, caracteziza-

se o estágio com grave comprometimento de resposta imunitária. Alto risco de surgimento

de doenças oportunistas como citomegalovirose disseminada, sarcoma de Kaposi, linfoma

não-Hodgkin e infecção por micobactérias atípicas. Alto risco de vida com baixa

sobrevida.

Estes valores levam em conta apenas a avaliação quantitativa. Alterações qualitativas na

função dos linfócitos podem permitir o surgimento de condições oportunistas em pacientes

com níveis diferentes de células TCD4+. Em crianças, a contagem de células TCD4+ tem

níveis diferentes de interpretação. Quando não há disponibilidade de quantificação da

carga viral, pode-se basear na contagem de células TCD4+ para iniciar ou alterar

terapêutica anti-retroviral.

A soroconversão significa a positivação da sorologia para o HIV. A soroconversão é

acompanhada de uma queda expressiva na quantidade de vírus no plasma (carga viral),

seguida pela recuperação parcial dos linfócitos TCD4+ no sangue periférico

A janela imunológica: é o tempo compreendido entre a aquisição da infecção e a

soroconversão (também chamada de janela biológica). O tempo decorrido para a sorologia

anti-HIV tornar-se positiva é de seis a doze semanas após a aquisição do vírus, com o

período médio de aproximadamente 2,1 meses. Os testes utilizados apresentam geralmente

níveis de até 95% de soroconversão nos primeiros 5,8 meses após a transmissão.

2.5 TRATAMENTO

Quando os primeiros casos de AIDS foram descritos, há quase 20 anos, a expectativa de

vida dos pacientes diagnosticados não ultrapassava 6 meses. Naqueles tempos, um

Page 19: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

19

diagnóstico de AIDS equivalia a uma sentença de morte a se concretizar em curto espaço

de tempo.

Entretanto, o início da terapia antiretroviral em 1987, com o lançamento do AZT,

promoveu uma mudança radical neste conceito. Ela passou a prolongar a vida dos

pacientes com maior qualidade e menos doenças oportunistas, reduzindo as internações

hospitalares. Desde então, várias medicações foram surgindo de modo a permitir um

número de combinações destas drogas que excede a 1000.

A recente introdução dos inibidores de protease no tratamento da AIDS, revolucionou os

conceitos de tratamento, permitindo que pela primeira vez se levantasse a possibilidade de

erradicação da infecção pelo HIV, ou pelo menos transformando a AIDS em uma doença

crônica como diabetes, hipertensão arterial, etc.

2.6 PREVENÇÃO

A AIDS pode ser prevenida quando o indivíduo consegue se isolar das formas pelas quais

o vírus HIV contamina o corpo. Por via sexual, o método mais eficiente seria a abstinência

sexual, mas se houver abstinência não há ato sexual, logo não há estudo para tal fato. O

que interferirá o contágio, quando do ato sexual são os preservativos masculinos e os

preservativos femininos, que são feitos de látex, e mesmo assim não garantem total

sucesso, podendo vazar ou rasgar, causando contaminação. Quanto ao que refere as

transfusões de sangue, é exigido pelo Ministério da Saúde um certificado de garantia e

qualidade do sangue, o que não havia antes da epidemia.

Quanto aos usuários de drogas injetáveis, a melhor opção seria a não dependência do

indivíduo em relação a droga, mas a questão moral não deve ser avaliada neste estudo,

portanto cabe ao usuário usar seringas e agulhas sem compartilha-las com mais ninguém.

Outro ponto delicado e já citado anteriormente é questão da contaminação vertical, que se

caracteriza pela contaminação de mãe para filho, que pode ser no período de gestação, no

parto ou durante a amamentação. A prevenção deste tipo de contaminação é feita, em um

primeiro instante com gestante fazendo o pré-natal, para que sejam feitos exames

Page 20: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

20

específicos não apenas de HIV/AIDS, como também de outras doenças. A transmissão

intra-uterina é possível em qualquer fase da gravidez; porém é menos freqüente no

primeiro trimestre, as infecções ocorridas nesse período não têm sido associadas a

malformações fetais. O risco de transmissão do HIV da mãe para o filho pode ser reduzido

em até 67% com o uso de AZT durante a gravidez e no momento do parto, associado à

administração da mesma droga ao recém-nascido por seis semanas. Um estudo realizado

nos Estados Unidos (AIDS Clinical Trial Group 076 ou ACTG-076) demonstrou redução

na transmissão vertical de 25,6% para 8,3% com o uso de AZT durante a gravidez. A

transmissão pelo leite materno é evitada com o uso de leite artificial ou de leite humano

processado em bancos de leite, que fazem aconselhamento e triagem também das doadoras.

2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS

O ponto onde mais a AIDS evoluiu, no que tange toda a sociedade mundial, não foi o

aperfeiçoamento da ciência em termos de seu tratamento ou no desenvolvimento de

vacinas, a AIDS literalmente abriu espaço para uma longa discussão sobre preconceitos,

cidadania e solidariedade. Ao ser comparado o comportamento social em relação ao seu

início, na primeira metade da década de 1980, a epidemia do HIV/AIDS tem mostrado uma

nova face da sociedade atual. A criação de diversas organizações não-governamentais e a

grande evolução dentro destas organizações serviram de poderosos parâmetros para a

análise da mudança de comportamento social. Foi justamente a partir do surgimento dessas

instituições, que levantaram a bandeira na busca de direitos para os infectados com o vírus

da AIDS, que se deu o marco no direcionamento de se estreitar os laços quanto a

solidariedade e de uma legislação específica para doentes e portadores de HIV/AIDS, de

mostrar que não existe apenas um indivíduo infectado pelo HIV, seja pela sua opção

sexual, por ser usuário de drogas, por ser hemofílico ou por ter qualquer outra exposição de

risco, o que existe realmente é o cidadão que tem direitos e deveres como qualquer outro e

isso, após a epidemia foi muito mais evidenciado do que em outras épocas ou situações.

A Constituição Brasileira de 1988, prevê em seu título VIII, capítulo II, seção II que trata

exclusivamente da saúde que: “A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de

Page 21: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

21

agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção

e recuperação.” Isso significa que o Estado tem que criar condições para que toda e

qualquer pessoa tenha acesso aos serviços de saúde, hospitais, programas de prevenção e

medicamentos.

A questão do direito para os infectados por HIV/AIDS não se resume ao direito à saúde,

refere-se a um conjunto bem mais extenso, compreendendo o direito previdenciário, o

direito civil, o direito do trabalho. Além disso, no dia 13 de novembro de 1996 entrou em

vigor a Lei 9.313, que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores

do HIV e doentes de AIDS, trata em seu Art. 1o o seguinte: “Os portadores do HIV (Vírus

da Imunodeficiência Humana) e doentes de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação

necessária ao tratamento.”

2.7.1 Direitos Civis

O portador do HIV/AIDS tem direito ao sigilo também no âmbito civil (por injúrias,

difamações a cercada moral e comportamento sexual). O infrator responsável por tal ato,

fica obrigado ao pagamento de uma indenização pecuniária que compense o dano sofrido

pela pessoa e seus familiares, sendo que o requerimento poderá ser feito no juízo civil. No

âmbito ético, ao profissional que quebrou o sigilo, será imposta pena disciplinar, que irá

desde a censura pública até a suspensão temporária ou definitiva de seus direitos ao

exercício profissional, de acordo com a gravidade e circunstâncias do ato.

2.7.2 Direitos Trabalhistas e Previdenciários

Em relação ao Direito do Trabalho, o empregador é livre para decidir a quem deve

empregar, mas não lhe é permitido exigir o teste sorológico, enquanto condição de

admissão ou manutenção do emprego ou cargo público, por caracterizar interferência

Page 22: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

22

indevida na intimidade do trabalhador. É garantida a manutenção do emprego, sendo

proibida a dispensa por justa causa em virtude do eventual resultado positivo para o HIV.

A manutenção do sigilo em relação ao diagnóstico e notificação é também um direito do

portador do HIV/AIDS.

Através do Decreto Lei no 1.744, de 8 de dezembro de 1995, foi regulamentado o benefício

de prestação continuada, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social. Tal benefício

prevê o recebimento de 1(um) salário mínimo mensal, para idosos acima de 70 anos e

pessoas portadoras de deficiência. Em ambos os casos, o indivíduo deverá comprovar

renda per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo vigente. O interessado

poderá procurar os centros de Apoio Comunitário da Prefeitura ou os postos do INSS para

solicitar o formulário que deverá ser preenchido pelo médico que faz o acompanhamento

do HIV/AIDS, pelo assistente social e pelo Serviço de Saúde Mental (psicologia ou

psiquiatria). Para requerer tal benefício é necessário que o portador do HIV/AIDS, esteja

incapacitado para o trabalho. A pessoa portadora do HIV/AIDS deve comprovar que é

portadora de alguma incapacidade para o trabalho ou alguma deficiência que não permita

que ela tenha uma vida independente e a renda mensal da família, per capita, deve ser

menor que 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

Page 23: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

23

3 ELEMENTOS ECONÔMICOS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

A compreensão do Programa Nacional de Combate à AIDS no âmbito econômico coloca

vários elementos da microeconomia e do estudo da economia do setor público como peças

chaves para um melhor entendimento do que seja uma política pública de saúde.

O Programa Nacional de Combate à AIDS é uma política pública de saúde do Ministério

da Saúde que visa atender as necessidades de melhoria das condições de vida da população

infectada com o vírus HIV. A implantação desta política pública leva a uma questão

fundamental, pois sendo a AIDS uma epidemia, o benefício que é dado a um indivíduo é

transmitido a outros inúmeros indivíduos.

Os conceitos microeconômicos, da teoria da economia do bem-estar (welfare economics),

bens públicos, externalidade e principalmente de eficiência são os principais pontos para a

análise econômica de uma política pública de saúde. Existem pontos a serem analisados

que são colocados como dúvidas fortes por parte da análise econômica, pois deve-se saber

até onde pode-se distinguir os gastos públicos, custos privados e custos sociais e além

disso analisar como ocorre a utilização privada de um bem público.

3.1 O PORQUÊ DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE

A participação do Estado na economia com a implantação de políticas públicas é

justificada quando este coloca no mercado produtos que geralmente o mercado privado não

teria condições de colocar, sendo um pouco mais teórico, onde a “mão invisível” de Adam

Smith não toca, portanto não consegue regular o mercado livremente. A teoria do bem-

estar social aplica-se neste sentido, onde a força do mercado não pode oferecer condições

para que as pessoas possam consumir determinados bens que lhes são muito caros.

A questão legal, isto é, a aplicação do direito positivo, reforça ainda mais as condições de

transformar as ações no âmbito social e não apenas como individual, que sejam acessíveis

a todos os cidadãos e em quantidade ótima para satisfazer a necessidade de todos que

estejam contaminados.

Page 24: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

24

As características dos produtos oferecidos pelas políticas públicas de saúde, como

remédios, leitos, preservativos e outros elementos para o tratamento ou prevenção de uma

determinada doença, comportam-se como bens acessíveis a todos que necessitam destes

bens, porém não se comportam como bens públicos no estudo da microeconomia.

Os bens públicos têm duas características: são não-disputáveis e não-excludentes.

Segundo Pindyck (1999, p. 729) “...uma mercadoria é não-disputável quando, para

qualquer nível específico de produção, o custo marginal de sua produção é zero para um

consumidor adicional...” e “...uma mercadoria é não-excludente quando as pessoas não

podem ser excluídas de seu consumo. Conseqüentemente, torna-se impossível cobrar pela

utilização de produtos com essas características, pois eles podem ser desfrutados sem a

necessidade de pagamento direto.”

Como exemplo, Pindyck coloca a defesa nacional de um determinado país, todos os

cidadãos desfrutam dos mesmos benefícios. Assim também pode-se pensar em outros tipos

de políticas, e no caso específico a saúde.

Porém, existe uma questão delicada a ser pontuada nesta análise, pois os bens que um

soropositivo consome não se comportam como bens públicos. Quando um paciente

necessita de um leito hospitalar, imediatamente ele exclui outras pessoas de ocuparem

aquele leito e, no caso de uma epidemia, não há um aumento da quantidade de leitos na

mesma proporção que o crescimento do número de contaminados. Assim, além de se

comportar como um bem excludente, o leito hospitalar pode-se tornar um bem disputável à

medida que for aumentando o número de pessoas que precisam de tratamento específico.

O mesmo comportamento é percebido em relação aos medicamentos que compõem o

coquetel anti-AIDS, pois se um paciente recebe sua cota mensal do coquetel e, se por

problemas, o governo não consegue o repasse eficaz desses medicamentos, há uma

exclusão de um outro soropositivo, os remédios passam a ser daquele que chega primeiro e

recebe a cota normalmente.

No entanto, a necessidade da implantação de uma política de saúde para combater a

epidemia do HIV adentrava além desta questão da exclusão e da rivalidade dos bens e dos

Page 25: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

25

consumidores. Os custos de um paciente HIV positivo eram muito altos e com o aumento

acelerado do número de doentes, nem mesmo os grandes laboratórios que desenvolveram

medicamentos para o tratamento de AIDS tinham a noção exata dos imensos lucros que

alcançariam em tão pouco tempo. Os planos de saúde não tinham, dentro de seus pacotes

de serviços, assistência a pacientes com AIDS, tamanho eram os custos para o tratamento.

Esse era o quadro, um contigente cada vez maior de soropositivos, medicamentos muito

caros no mercado, além disso, todos os remédios eram importados e a instabilidade da

moeda brasileira era outro fator que agravava mais a compra no exterior dos pacientes que

podiam pagar pelo coquetel.

Para o governo, o aumento da epidemia tinha duas conseqüências, a primeira é que a

maioria dos infectados tinha idades entre 19 e 40 anos, faixa que concentra grande parte da

força de trabalho, com isso a epidemia fazia com que houvesse uma relativa diminuição da

produção. Além disso, um indivíduo soropositivo poderia muito bem conseguir

aposentadoria por invalidez, já que se trata de uma doença que não tinha e ainda não tem

cura e possui alto grau de letalidade.

Dessa forma, a AIDS deixou um pouco de lado a questão clinica e começou a ser abordada

como uma doença social, econômica e política. Assim surgem questões básicas para uma

discussão sobre o assunto.

• Como empregar um soropositivo, se o potencial de sua força de trabalho não é

competitiva à de uma pessoa que não foi contaminada?

• Como pagar direitos sociais a pessoas que estão em idade de contribuição?

• Como aumentar o número de leitos especiais e, além disso preparar profissionais

capacitados para acompanhar e cuidar de pacientes com uma enfermidade tão grave?

• Como fazer com que os grandes laboratórios multinacionais reduzissem os preços dos

medicamentos que compunham o coquetel para os infectados dentro do Brasil?

Page 26: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

26

Essas perguntas foram fundamentais no planejamento de uma política para resolver o

problema da proliferação da AIDS no país. Este planejamento deve estar atento a todos os

custos e benefícios, que aqui serão representadas pelas externalidades.

3.2 AS EXTERNALIDADES DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE

São denominadas externalidades os efeitos das atividades de produção e consumo que não

refletem diretamente no mercado (PINDYCK, 1999).

Segundo Mankiw (1998) externalidade é o impacto das ações de uma pessoa sobre o bem-

estar de outras que não participam da ação. As externalidades podem ser negativas, se o

efeito constitui em malefício, como uma empresa de produtos químicos que despeja

detritos tóxicos em um rio próximo, contaminando a água que as populações que vivem às

margens do rio consomem. As externalidades podem ser também positivas, como os

efeitos que traz à sociedade a implantação de uma política pública de saúde referente ao

combate ao vírus HIV.

As externalidades estão intimamente ligadas à produção do bem público, pois em função

das ineficiências do mercado privado, é melhor produzir um bem que todos tenham acesso,

porém por fora do mercado. O exemplo mais freqüente é o saneamento de uma

determinada rua, o fato de sanear uma rua não tem sua finalidade terminada naquela

localidade específica, as conseqüências são bem maiores que o simples fato do saneamento

do logradouro. Este saneamento afeta em outras localidades e na forma de outros

benefícios, as externalidades.

Um tipo de externalidade que pode ser visualizada para a formulação ações em saúde é a

externalidade consumo-produção, que ocorre quando um ou mais consumidores são fontes

e um ou mais produtores são receptores de externalidades. Este tipo de externalidade é

visto no caso de políticas públicas de saúde, pois quando o governo passa produzir os

medicamentos em laboratórios estatais, eles interferem na produção de outras empresas, já

que haverá melhora na condição de vida de trabalhadores contaminados, fazendo com que

não haja perda da capacidade da força de trabalho.

Page 27: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

27

Outro tipo de externalidade presente é a externalidade produção-consumo, que ocorre

quando um ou mais produtores são as fontes e um ou mais consumidores são os receptores

de externalidades. Este tipo de externalidade pode ser observado, de uma forma negativa,

quando não é feito um tratamento ou uma prevenção à contaminação pelo vírus HIV,

fazendo com que haja a diminuição da força de trabalho e, conseqüentemente, maior

propagação do vírus.

No caso da epidemia da AIDS, estas classificações das externalidades podem ser

pontuadas para a implantação de uma política pública de saúde, representando também as

respostas para as perguntas que foram feitas no final do ponto 2.1, constituindo desta forma

elementos fundamentais para se tomar decisões a respeito da intervenção ou não por parte

do governo.

3.2.1 O problema dos caronas (free-riders)

Um problema a ser colocado na análise das externalidades é o caso dos “free-riders” ou

traduzindo, o caso dos caronas. Um carona é uma pessoa que se beneficia de um bem, mas

que se recusa a pagar por ele. Os caronas aparecem quando ocorrem externalidades, isto é,

eles se aproveitam dos benefícios que são obtidos por outras pessoas.

Na Índia e no Peru o tratamento da tuberculose é realizado de forma diferente da forma que

é realizado o programa de combate à tuberculose no Brasil, onde o tratamento é de total

responsabilidade da esfera pública. Os indianos e peruanos que tem tuberculose não

recebem todos os medicamentos para o tratamento do governo, tendo que ir buscar parte

do tratamento no setor privado, evidentemente pagando pelos custos do tratamento. Isto

gera ineficácia do tratamento, pois nem todos os doentes conseguirão pagar para obter a

cura.

Entre as pessoas que não desenvolveram a doença isto representa uma grave questão, pois

não haverá estímulo para uma vacinação em massa, pois a tendência é que quem pagou

pelo tratamento acabe não contaminando aqueles que não receberam vacinação, sendo

Page 28: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

28

assim, os que não desenvolveram a doença, pegariam carona com os que pagaram pelo

tratamento. Porém, além dos saudáveis que não desenvolveram a doença e os tuberculosos

que puderam pagar pelo tratamento controlando e eliminando os bacilos que poderiam

infestar o ar, existem os tuberculosos que não puderam pagar por um tratamento.

A conseqüência deste fenômeno é trágica, pois os tuberculosos que não puderam pagar

pelo tratamento provavelmente morrerão em função da doença, porém, antes de morrerem,

contaminarão os saudáveis que não tinham a doença e haverá uma nova contaminação nos

que já estavam curados. Para os que haviam tido tratamento aparecem dois problemas

graves, o custo com um novo tratamento e o fato de que seu organismo terá bacilos da

tuberculose cada vez mais resistentes.

A questão dos caronas em se tratando de AIDS é bem complexa, tanto pelo lado do

tratamento quanto pelo lado da prevenção.

Os indivíduos poderiam pegar carona no caso da AIDS quando, não se fazendo um

programa efetivo de combate à doença, as pessoas se beneficiem de outros tipos de ações

na área de saúde. Um exemplo que pode ser citado é o de um usuário de drogas que

determinado a aplicar-se com cocaína ou heroína, consegue uma seringa que foi

distribuída em um posto de saúde para o uso pediátrico. Outro explicação que pode ser

esclarecida é o da restrição de distribuição de preservativos só para pessoas que estariam

nos grupos de risco, dessa forma, quem quisesse obter preservativos teria que se colocar,

por exemplo, como profissional do sexo.

Esses disfarces para obter os mecanismos necessários para controlar a AIDS acabam

gerando ineficiência na prevenção da epidemia, pois nem todos poderiam pegar carona. O

fato de se universalizar a prevenção e o tratamento da AIDS, além de interferir de forma

positiva na saúde das pessoas, gera maior eficiência no controle epidemiológico, mesmo

sabendo que o número total de infectados só poderia ser realizado através em exames em

todos brasileiros.

A necessidade da intervenção governamental elimina o problema do carona, pois com a

existência do carona há uma falta de estímulo para o consumo de medicamentos do

Page 29: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

29

mercado privado, pois as pessoas irão esperar pelo consumo dos que podem pagar pelo

tratamento e só então se conseguirão benefício com isso.

3.3 EFICIÊNCIA ECONÔMICA EM SAÚDE

A eficiência é o ponto mais delicado a ser colocado na análise da economia da saúde, pelo

simples fato que não existe uma forma de se calcular o preço da vida humana. Torna-se

complicado quantificar a quantidade ótima de produção quando se trata de uma epidemia.

Porém, a própria Lei 9.313, que garante toda a assistência aos portadores do HIV e

doentes de AIDS, dá o entendimento que a padronização dos medicamentos será realizada

de acordo com a evolução da doença e, que haverá também padronização das terapias,

sendo revistas e republicadas anualmente ou sempre que sejam necessárias mudanças para

que haja eficiência no atendimento deste pacientes.

A padronização e o surgimento de novas terapias é que fariam do Programa Nacional de

Combate à AIDS uma política com êxito em termos econômicos, pois não poderiam ser

criados imediatamente leitos especiais para doentes de AIDS e portadores de HIV à

medida que fosse aumentando a epidemia, como não poderiam ser colocados estes doentes

em leitos convencionais como, desde o início da epidemia, se fazia.

A medida do Ministério da Saúde em criar novas formas de atendimento aos portadores de

HIV e doentes de AIDS revelou-se eficiente economicamente e gerou outros tipos de

eficiência, como na distribuição de remédios pelo governo, na distribuição de preservativos

e nos testes para diagnósticos da doença.

Page 30: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

30

3.4 OS CUSTOS DA AIDS

Os custos da AIDS refletem não só o aspecto do custo para a assistência do indivíduo

contaminado, reflete em custos não econômicos, como coloca o texto seguinte:

“O custo de tratamento dos pacientes soropositivos, tanto dos que manifestaram a doença quanto os que são portadores, deve ser entendido apenas como uma parcela do custo total da infecção. O custo total compreende todos os custos decorrentes do fato de que uma parte da população esteja infectada pelo vírus da AIDS. Este custo total deve considerar, portanto, além dos custos de tratamento, a perda decorrente da redução da vida ativa dos portadores do vírus, os sofrimentos causados pela doença nos soropositivos e nas pessoas que lhes são próximas etc. Sendo assim o benefício causado por um controle da disseminação do HIV é maior do que a economia realizada com o tratamento das pessoas infectadas.” Fipe (1999, p. ?)

Em Ferguson (1990) é dada a definição que uma economia externa, isto é, uma

externalidade, existe, quando o custo marginal social é maior ou menor que o benefício

social marginal. Assim, mostra-se claro que não será o mecanismo de livre-empresa que

conduzirá ao bem-estar social máximo. A intervenção estatal torna-se imprescindível para

a realização de uma política que busque a eficácia de qualquer programa de saúde. O custo

social da AIDS é muito mais elevado do que o custo com o tratamento.

3.4.1 O custo social da AIDS

Como o custo de produção de qualquer outro bem, o custo de tratamento é composto pelos

custos diretos e custos indiretos. No caso dos custos diretos pode-se atribuir ao paciente,

observando o custo unitário direto, que é basicamente formado por procedimentos clínicos,

dietas, exames e medicamentos. Já os custos indiretos são mais difíceis de serem

calculados, pois não há uma atribuição objetiva a um paciente específico ou a um

procedimento particular.

Page 31: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

31

A importância de se combater a AIDS envolve um esforço de regular o nível da força de

trabalho. Na África, em alguns países a epidemia atinge 20% da população, sabendo-se que

a grande maioria dos infectados está em plena idade de trabalho, entre os 15 e 50 anos,

verifica-se uma perda significativa da força de trabalho. No Brasil, as conseqüências não

seriam menos desastrosas, pois para um país em desenvolvimento, a existência de

epidemia atinge todos os setores de produção, vendo que a AIDS conseguiu estar nas

últimas duas décadas em todas as classes sociais.

A população em idade economicamente ativa, considerando dos 20 aos 49 anos, representa

a maior parte dos infectados, num total de 169.209, tendo portanto 86,88% dos infectados

dentro do Brasil. Se somados a esta faixa de idade forem considerados os jovens entre 15 e

19 anos, totaliza-se 173.364 infectados, aumentando para 89,02% do total de

contaminados. O aumento dos casos de AIDS foi bem representativo para este grupo, além

disso, a mudança da pirâmide populacional total do país desde o início da década de 1980,

com o crescimento da população idosa, transformou a pirâmide da população brasileira,

com a base mais estreita, visto que os índices de natalidade decresciam.

Não só a morte se comporta como fator de perda da força de trabalho. Quando constatada

a presença do vírus HIV, ao trabalhador infectado é dado o direito a aposentadoria por

invalidez, como anteriormente já foi citado, além de outros direitos trabalhistas e

previdenciários, fazendo com que os gastos com assistência social sejam cada vez mais

altos. O período em que foram registrados mais processos em função da AIDS foi entre

1987 a 1992, os motivos principais eram a discriminação no ambiente de trabalho,

demissões por ser portador de moléstia grave e falta de oportunidade ao cidadão

soropositivo, pois algumas empresas dentro dos exames de seleção incluíam testes anti-

HIV.

Um outro ponto a ser debatido é que nenhum indivíduo pode ser demitido ou afastado do

trabalho sem uma justa causa, sendo assim, um paciente de AIDS não podia ser afastado

das suas funções como trabalhador por ser portadores de uma doença. Esta questão foi

muito debatida nas áreas do Direito do Trabalho e da própria questão de cidadania. Isto se

torna um ponto positivo para o desenvolvimento do trabalhador, um direito que lhe é

Page 32: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

32

assegurado, porém para o empresário, é difícil lidar com uma força de trabalho que não

tem condições de dar todo o seu potencial.

3.4.2 Custo com prevenção

Os custos da prevenção à AIDS tornam-se muito importantes, pois, através de campanhas

publicitárias, campanhas educacionais, distribuição gratuita de preservativos e de seringas

descartáveis a usuários de drogas injetáveis, podem ser reduzidos os custos mais

significativos da AIDS, que é justamente o custo de tratamento. Os custos com prevenção e

a sua relação com os custos sociais serão vistos com maior ênfase no próximo capítulo,

onde há uma análise do banco de dados do Ministério da Saúde para a epidemia de AIDS

no Brasil.

3.4.3 O custo com tratamento

Como já foi visto anteriormente, a AIDS é uma doença que não tem cura, logo o

tratamento que é realizado em pacientes HIV positivos se caracteriza em aumentar a

expectativa de vida, diminuir o aparecimento e o agravamento de doenças oportunistas e

fazer com que as pessoas que estejam contaminadas continuem a ter uma vida normal,

trabalhando ou exercendo as funções que lhe eram atribuídas anteriormente.

Uma epidemia tem um comportamento bem peculiar, começa com alguns poucos

indivíduos doentes e, com o passar do tempo e das formas de exposição, o número de

infectados cresce de uma forma assustadora. No caso da AIDS no Brasil pode-se ter a

noção exata deste efeito, o que começou com apenas o registro de 1 caso em 1980, chegou

a 1999 com 194.757 casos registrados, isto sem contar, é claro, com o número de casos não

registrados pelo Ministério da Saúde, que estariam, no mesmo período, em cerca de meio

milhão de infectados. As taxas anuais de crescimento da epidemia eram alarmantes até

1992, ano da implantação do Programa, e desde 1993 as taxas anuais estão tendendo a se

estabilizarem em torno de uma média, e em alguns anos representaram um comportamento

de decréscimo. Entre 1980 e 1992 existiam 51.897 casos notificados pelo Ministério da

Page 33: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

33

Saúde, deste total de infectados 36.733 estavam mortos em 1992 e 15.164 ainda

sobreviviam até o final deste mesmo ano, havendo uma razão de 2,42 infectados mortos

para cada infectado que permanecia vivo conforme o gráfico a seguir:

GRÁFICO 1

Fonte: Ministério da Saúde

A ausência de planos de saúde que cobrissem o atendimento a pacientes com AIDS

colocou a responsabilidade toda em cima do sistema público de saúde, que não conseguia

atender a todos os pacientes em função que o aumento do número de leitos para

atendimento de pacientes com AIDS não acompanhava o crescimento acelerado do número

de contaminados. Era necessária uma campanha preventiva com maior atuação, era muito

menos dispendioso entregar milhares de preservativos do que tratar um paciente de AIDS.

Os dados sobre os custos diretos do tratamento dos pacientes com AIDS e dos demais

soropositivos que não apresentaram a doença não eram confiáveis até 1997, até então o

melhor estudo era o de Médice e Beltrão em 1992, quando estimaram os custos totais de

cuidados médicos dos pacientes soropositivos sintomáticos em US$ 16.689,00 por ano,

sendo que cerca de 38% deste valor era gastos apenas com medicamentos que vinham do

exterior, representando US$ 6.373,00 e 61,8%, isto é. US$ 10.316,00 compunham gastos

como custos com pagamento de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio, custos de

internações, de exames e diagnósticos.

Distribuição de Infectados Vivos e M ortos 1980 a 1992

71%

29%Infectados MortosInfectados Vivos

Page 34: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

34

GRÁFICO 2

Fonte: Ministério da Saúde

Com a implantação de uma política visando atender esta população, o quadro alterou-se

substancialmente, tendo entre 1993 e 1999, um somatório total de 142.860 indivíduos

contaminados, dos quais 80.801 continuavam vivos e 62.059 contaminados que haviam

morrido até o final de 1999, sendo que a grande maioria dos indivíduos que falecera já

tinha o vírus latente há um tempo anterior ao ano de 1993, grande parte representando os

15.194 que permaneciam vivos em 1992. A nova relação se comportava com 1,30

infectados vivos para cada infectado morto. A descoberta de medicamentos anti-HIV foi o grande marco para que os indivíduos

contaminados utilizassem melhor o potencial da mão-de-obra, pois estes remédios

propiciavam no soropositivo maior resistência a infecções oportunistas. Além de manter os

infectados aptos para desenvolverem suas atividades normais, os remédios representam a

única forma de tratamento para recompor o sistema imunológico do soropositivo em quem

já manifestou sintomas da doença.

3.5 TRATAMENTOS ALTERNATIVOS EM AIDS

O fato que melhor pode ser observado para as mudanças da epidemia de AIDS no Brasil é

a adoção de métodos mais eficientes no tratamento da AIDS. Implantados desde 1996,

foram colocados à disposição de todos os soropositivos, mesmo antes da publicação da Lei

Distribuição de Infectados Vivos e M ortos 1993 a 1999

43%

57%

Infectados M ortos

Infectados Vivos

Page 35: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

35

9.313. Esses métodos de tratamento se posicionam como principais aspectos para a maior

eficiência do tratamento, pois faz com que o número de internações não aumente e maior

eficiência econômica, já que os custos com internações em hospitais convencionais são

bem mais custosos que os atendimentos com estes tipos de tratamento.

A Coordenação Nacional de DST/AIDS conduziu, desde o início do desenvolvimento dos

trabalhos um Programa de Alternativas, com treinamentos para implantação dos serviços

para o atendimento de pacientes soropositivos. Estes treinamentos estavam baseados na

participação ativa, juntamente com as instituições responsáveis, na elaboração do conteúdo

programático dos cursos, na divulgação dos calendários dos treinamentos juntamente às

coordenações, na seleção de candidatos, na logística do repasse dos recursos e

acompanhamento da prestação de contas de cada evento e em supervisões técnicas nos

cursos.

A política de assistência aos pacientes portadores do HIV/AIDS no Brasil, estruturada a

partir do início da década de 90, fundamentou-se na obtenção da melhoria da qualidade

de vida dos pacientes e na racionalização de recursos humanos e financeiros.

Em resposta à demanda assistencial crescente o Ministério da Saúde concebeu, de

forma inovadora, o Programa de Alternativas Assistenciais. Este Programa baseou-se

em Projetos de implantação de Serviços, alternativos à assistência convencional, que

apresentassem conceitos individualizados de níveis de atenção, resolutividade

diagnóstico- terapêutica e que estabelecessem mecanismos de referência e contra-

referência com os Serviços da rede pública de saúde.

Desta forma, em nível ambulatorial, desenvolveu-se o conceito de Serviço de

Assistência Especializada (SAE); em nível de hospitalização convencional

promoveram-se alternativas de assistência dos tipos Hospital-Dia (HD) e Assistência

Domiciliar Terapêutica (ADT).

Page 36: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

36

Em comum, o atendimento nestes Serviços deveria ser assegurado por equipes

multidisciplinares com o objetivo de oferecer uma assistência humanizada e de qualidade,

baseada na atenção integral do paciente e sua família. Com propósitos secundários e de

enfoque em custo- benefício, projetos como HD e ADT deveriam contribuir para com a

redução de demanda de internação hospitalar, de permanência nos leitos hospitalares e

portanto, contribuir para com a redução de gastos pelo SUS.

Vale salientar que a divulgação dos treinamentos, junto aos profissionais de saúde, foi

bastante beneficiada pelos Catálogos de Oportunidades e Treinamentos da

responsabilidade da Unidade de Treinamentos dessa Coordenação e publicados pelo

Ministério da Saúde.

3.5.1 Custos de treinamentos em SAE - Serviço de Assistência Especializada

Em um período de quatro anos, compreendidos entre abril de 1994 e abril de 1998, a

Coordenação de DST/AIDS organizou a realização de 10 treinamentos para capacitação de

equipes para implantação de SAE. Todos esses cursos foram de 40 horas de duração e

ocorreram no Centro de Referência em AIDS em São Paulo (SP).

Nestes treinamentos foram capacitados cerca de 270 profissionais, que resultaram em um

custo total de cerca de R$ 150.000,00, com um custo médio de R$ 555,00.

3.5.2 Custos de treinamentos em HD - Hospital Dia

A implantação de Serviços de Hospital-Dia (HD) para atendimento dos pacientes

portadores do HIV/aids iniciou-se, no Brasil, no final da década de 80.

Page 37: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

37

Inspirados na experiência brasileira e no modelo francês de HD, a iniciativa de

implantação de Serviços, no contexto do Programa de Alternativas Assistenciais, deu-

se em resposta à demanda crescente de assistência e à limitada resolutividade da rede

pública hospitalar.

Entre abril de 1995 e abril de 1998, a Coordenação Nacional de DST/AIDS organizou a

realização de 10 treinamentos para capacitação de equipes para implantação de HD.

Esses cursos foram de 40 horas e nove deles ocorreram no Instituto Emílio Ribas em

São Paulo (SP) e apenas um treinamento foi realizado no Hospital dos Servidores do

Estado do Rio de Janeiro (RJ).

Com isso foram capacitados cerca de 215 profissionais, com um custo total de cerca de

R$ 135 000,00, o que resultou em um custo médio de R$ 630,00 para a realização

desses treinamentos.

3.5.3 Custos de treinamentos em ADT – Assistência Domiciliar Terapêutica

Entre as Alternativas, a ADT foi a modalidade de assistência mais inovadora, considerando

o contexto assistencial da AIDS e sobretudo o cenário de Saúde Pública no país.

A ADT baseia-se se assistência integral ao paciente e sua família, isso levando em conta

que ocorria a falta de parâmetros normativos que orientassem o universo dos

procedimentos factíveis de serem realizados, com segurança no domicílio e pelo

despreparo dos profissionais para exercerem atividades em ambientes domésticos, em

confronto permanente com as dificuldades geradas por aspectos técnicos e emocionais.

aspectos éticos ligados particularmente ao fato das atividades de ADT serem

frequentemente reveladoras da AIDS, suscitando preconceito e rejeição por parte da

sociedade, em relação à própria equipe , paciente e seus familiares e a inexistência de

Page 38: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

38

legislação que regulamentasse, reconhecesse e finalmente atribuísse pagamento

diferenciado à esta modalidade assistencial.

De novembro de 1994 a abril de 1998 foram realizados 11 treinamentos em ADT. Esses

cursos foram de 40 horas e ocorreram em sua maioria em Santos, com o apoio da

Secretaria de Saúde, outras instituições que forneceram esses treinamentos, como o

Hospital das Clínicas de Recife (PE) e a Secretaria de Saúde de Campinas.

Através destes treinamentos foram capacitados cerca de 215 profissionais, totalizando um

gasto cerca de R$ 140.000,00, resultando um custo médio de R$ 650,00 para serem

realizados.

3.6 CUSTOS EVITADOS COM OS TRATAMENTOS ALTERNATIVOS

Segundo a Coordenação Nacional de DST/AIDS, em 1998 foram gastos R$ 350 milhões

com os medicamentos que formam o coquetel anti-HIV, tanto remédios anti-retrovirais

quanto os medicamentos contra doenças oportunistas, que foram usados por 57,8 mil

pacientes. Em dólares, esse valor seria de aproximadamente US$ 342 milhões,

significando, na época, que US$ 205 milhões foram gastos com a importação de remédios.

Os custos com medicamentos ainda são altos, pois mesmo com uma diminuição na taxa de

novos casos, há um número ainda elevado de indivíduos que se contaminam, fazendo com

que exista também uma maior demanda por esses medicamentos e pelos serviços de

atendimentos médicos. As formas alternativas de tratamento em AIDS são muito

significativas para uma melhor compreensão da eficiência econômica, pois fazem com que

os custos diminuam bastante, ao invés do paciente chegar em um estado de mais gravidade

como visualizado no gráfico a seguir:

Page 39: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

39

GRÁFICO 3

Fonte: Ministério da Saúde

O gráfico ilustra muito bem como as políticas de tratamentos alternativos para a AIDS

aumentam a eficácia do combate à doença, pois conforme verificado acima, o número de

internações praticamente não se alterou, principalmente porque não houve aumento

significativo no número de leitos hospitalares para pacientes com AIDS. Em 1996, o

número de internações se tinha comportamento muito próximo ao dos atendimentos,

mostrando assim que 97% dos atendimentos em pacientes soropositivos eram em hospitais

convencionais.

No ano seguinte esta relação reduziu-se para 59%, fazendo com que aproximadamente

16.381 indivíduos infectados com o HIV deixassem de buscar os hospitais convencionais.

Em 1998 representava apenas 44% dos atendimentos para pacientes soropositivos, fazendo

com que 30.951 pessoas fossem atendidas através de tratamentos alternativos. Isto

representou, em 1997, uma economia de cerca de US$ 33.490.776,00 e, em 1998, esta

economia representou cerca de US$ 68.147.777,00.

Os custos com o treinamento de profissionais em tratamentos alternativos relacionados

com a economia gerada por não internar o paciente, já que o atendimento é feito de forma

mais eficaz e realmente faz com que haja aumento do bem estar dos soropositivos

0

20.000

40.000

60.000

1996 1997 1998

Ano

Internações de portadores de HIV no SUS 1996 a 1998

Número de internaçõesAIDS

Número de estimado depacientes AIDSAtendidos pelo SUS

Page 40: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

40

percentuais é muito baixo, mostrando que não só a relação custo-benefício é bastante

significativa, como também é altamente significativa a redução dos custos para o

atendimento dos pacientes e a aplicação dos recursos públicos para a ampliação dos

serviços que devem ser colocados à disposição da população.

3.7 VALORES DO TRATAMENTO DA AIDS

O tratamento da AIDS com medicamentos anti-retrovirais (ARV) mostra custos cada vez

maiores, analisando o período de 1996, ano em que foi publicada a Lei 9.313, ao ano de

1999. Esse aumento dos gastos com este tipo de medicamento pode ser evidenciado numa

relação entre a compra desses medicamentos com o PIB anual no período, como no gráfico

seguinte:

GRÁFICO 4

Fonte: Ministério da Saúde

No ano de 1996, os gastos com medicamentos ARV totalizaram um montante de cerca de

US$ 34,133 milhões, quando o PIB foi de US$ 775.745 bilhões, sofrendo um aumento de

mais de 700% para o ano seguinte, alcançando em 1997, aproximadamente, US$ 222,862

milhões (O PIB de 1997 foi de US$ 801.662 bilhões). Esta elevação nos gastos é

determinada pela própria Lei 9.313, que estende o tratamento a todos os portadores do

HIV, tanto aos soropositivos sintomáticos quanto os assintomáticos. Os anos de 1998 e

1999 também evidenciam aumentos crescentes dos gastos com medicamentos anti-

00,010,020,030,040,050,060,07

% dos gastos ARV em relação ao PIB do Brasil

1996 1997 1998 1999

Ano

% dos gastos com ARV em relação ao PIB do Brasil 1996 a 1999

% dos gastos com ARV emrelação ao PIB do Brasil

Page 41: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

41

retrovirais em relação ao PIB, quando totalizaram respectivamente US$ 303,996 milhões

(para um PIB de US$ 775.501 bilhões) e US$ 319,756 milhões (quando houve um registro

de US$ 529.398 bilhões no PIB).

Os custos com atendimentos médicos não poderiam mais ser analisados pelo método dos

custos de tratamento realizados por Médice e Beltrão, de 1992, pois estes autores

consideravam apenas o tratamento em hospitais convencionais, onde apenas estes custos

com medicamentos representavam 38% dos gastos totais com o tratamento da AIDS. Se

fosse considerado ainda, os custos nos 4 anos com medicamentos seriam da ordem de US$

880,747 milhões, representando apenas 38% de um total de US$ 2,318 bilhões para o

tratamento de soropositivos.

Nunes (1997) coloca em discussão que apenas em 1997, havia uma estimativa de 60 mil

pacientes sintomáticos com AIDS e eu número entre 344 mil e 497 mil indivíduos

assintomáticos. Contabilizando apenas os sintomáticos, o custo, segundo o método de

Médice e Beltrão, chegaria a US$ 963,69 milhões. Pela estimativa do total de infectados e

pela interpretação da Lei 9.313/96, que estende o atendimento a todos os portadores do

vírus HIV, sintomáticos ou não, o total de gastos com o atendimento com soropositivos

alcançaria a soma de US$ 2,89 bilhões, representando 0,36% do PIB de 1997. Com isso

pode-se ter uma noção exata da eficiência econômica do Programa de Combate à AIDS

para este particular ano de 1997, pois enquanto os cálculos obtidos através do método de

Médice e Beltrão totalizariam 16.689 dólares para cada infectado, considerando a

estimativa de 60 mil infectados, os gastos reais registrados, considerando um total de

67.885 pacientes atendidos, foi de 8.624,57 dólares por paciente, mostrando redução

significativa dos custos em questão.

3.8 O RETORNO DO TRATAMENTO DE AIDS PARA O PAÍS

Existe uma outra parte a ser destacada, em relação ao investimento de se tratar uma

epidemia como a da AIDS para o crescimento econômico do Brasil. Os gastos com o

atendimento irão ser compensados por dois fatores principais.

Page 42: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

42

O primeiro fator é que pelo fato do indivíduo continuar trabalhando, não irá se aposentar

nem terá usufruto imediato de benefícios dado a uma pessoa que se aposenta por invalidez,

portanto, não serão acumulados gastos da Previdência Social. Este direito que é assegurado

através do Decreto Lei 1.744/95, representaria só no ano de 1998, considerando o total de

96.613 casos de soropositivos registrados no Ministério da Saúde que se encontravam

vivos, um dispêndio de aproximadamente 146,238 milhões de reais ao ano, considerando

que o salário mínimo, em termos nominais nos primeiros quatro meses desse ano era de

120,00 reais e nos meses seguintes foi de 130,00 reais, tendo uma média ponderada de

126,67 reais no decorrer de todo o ano de 1998.

O segundo fator é que com o tratamento, cerca de 57.800 indivíduos contaminados tiveram

apenas atendimento médico através do SUS (Sistema Único de Saúde), sem a necessidade

de internações. Considerando que, destes pacientes, 89,02% estariam na idade entre 15 a

49 anos, portanto na idade ativa, ter-se-ia o número aproximado de 51.454 indivíduos

prontos para executarem normalmente suas tarefas de trabalho. Observando que o salário

médio do setor industrial e do setor de serviços do ano de 1998 foi de 745,05 reais por mês,

o resultado destes 51.454 indivíduos trabalhando seria, de cerca de 460,030 milhões de

reais em termos nominais.

Page 43: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

43

4 AVALIAÇÃO SOBRE TENDÊNCIAS DA AIDS E RESULTADOS DO

PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS

As evidências são claras em relação aos efeitos do Programa Nacional de Combate à

AIDS, pois o que parecia incontrolável adquiriu uma certa estabilidade desde 1993.

As estimativas sobre a epidemia eram assustadoras, falava-se em 1989 que a AIDS

contaminaria 1,2 milhões de brasileiros na virada do milênio, até 1999 obteve-se o registro

de 194.757 soropositivos e havia uma estimativa no total de casos de cerca de 530 mil

pessoas contaminadas convivendo com o HIV no Brasil.

A importância da vida humana foi o determinante para a consolidação de uma política tão

ampla como esta. O “câncer gay”, como era chamada a estranha doença do início da

década de 1980, avançou nos outros setores da sociedade, estabeleceu-se na sigla AIDS.

A sociedade foi obrigada a repensar seus conceitos e preconceitos, pois o que era uma

doença típica de homossexuais, hemofílicos, profissionais do sexo e usuários de drogas

injetáveis, passou a se alastrar em pais e mães de família, dos heterossexuais, de toda

população. O modo de agir também mudou, após um período de extremos contrastes e

rebeldia sobre a conquista da liberdade sexual, ocorre uma epidemia que reflete

negativamente este comportamento libertário. Atualmente, os conceitos sobre a AIDS

mudaram, não há mais os chamados grupos de risco, associados aos grupos que mais

incidiam a doença na época de sua descoberta, o que passou a ser discutido foram os

comportamentos de risco.

4.1 A CONFIANÇA COMO COMPORTAMENTO DE RISCO

Diante dos diversos comportamentos de risco, há uma caracterização para os bissexuais,

categoria que era pouco comentada antes da epidemia. É atribuído aos homens bissexuais e

homens que buscavam relações fora do relacionamento conjugal, o aumento do índice

infectados heterossexuais, considerando que a grande parcela desses novos infectados era

composta por mulheres casadas. Apesar de muitas mudanças no comportamento sexual e

Page 44: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

44

afetivo, a extremada confiança feminina tem sido a maior e melhor causa para explicar o

aumento de contaminação por HIV entre heterossexuais.

Dentro de um estudo sobre gênero e AIDS, Eliane Seidl (Fórum 2000 p. 111) faz uma

análise sobre o comportamento de homens e mulheres soropositivos, com uma amostra de

176 pacientes, 59,7% composta por homens e 40,3% mulheres, variando a idade entre 16 e

61 anos, com uma média etária de 32 anos, os homens, que geralmente têm dois filhos, já

as mulheres têm, em sua maioria, têm entre três e quatro filhos. Constatou-se no estudo

uma grande diferença quanto a sexualidade e à prática do sexo seguro, onde 46,2% dos

homens referiram ter vida sexual ativa e segura, enquanto 71,9% das mulheres informaram

ter vida sexual ativa com o uso irregular do preservativo ou abstinência sexual. Os dois

grupos não se diferenciaram quanto aos aspectos sócio-demográficos, clínicos e quanto à

percepção do suporte social. Com base nessa amostra, há uma clara indicação para o

avanço da AIDS no ambiente familiar e a tendência de heterossexualização da epidemia no

Brasil, já que por via sexual, não há nenhum registro da transmissão entre homossexuais

femininas.

GRÁFICO 5

Fonte: Ministério da Saúde

A razão entre infectados, que em 1987 era de nove homens para uma mulher para os casos

registrados, passou para quatro homens para uma mulher e, em 1999 a AIDS mostra sua

tendência de ser uma doença heterossexual com a marca de dois homens infectados para

cada mulher.

Evolução da Epidemia Segundo o Gênero1980 a 1999

05000

100001500020000

1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998

Ano

Núm

ero

de

Infe

ctad

os FemininoMasculino

Page 45: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

45

4.2 PREVENÇÃO DA AIDS POR VIA PERINATAL

O aumento do número de mulheres contaminadas reflete em outro problema grave, a

contaminação perinatal, isto é, bebês que já nascem contaminados pela mãe durante a

gestação ou se contaminam durante o parto ou o aleitamento.

Há uma grande necessidade em atingir estas mulheres infectadas, pois de cada 100

mulheres soropositivas grávidas, 30 crianças nascem portadoras do vírus. No entanto, com

um acompanhamento pré-natal eficiente, seguindo recomendações no uso do coquetel, a

chance de infecção perinatal se reduz significativamente, havendo também um maior

cuidado no parto e evitando a amamentação, já que o leite materno também conterá o HIV.

Neste sentido, ações importantes têm sido desenvolvidas para minimizar este problema,

dentre as quais está o aconselhamento em DST/AIDS e o oferecimento do teste anti-HIV

no pré-natal.

Uma pesquisa realizada, em 1999, sobre AIDS e gestantes em Curitiba mostrou que, de

105 gestantes entre 14 e 40 anos de idade que utilizaram o serviço pré-natal do Hospital

das Clínicas de Curitiba, 100% já haviam ouvido em AIDS, porém 60% haviam realizado

o teste anti-HIV até o momento da avaliação e apenas 5,4% das gestantes da amostra

afirmavam fazer uso de preservativo em todas as relações sexuais com seus parceiros. A

grande maioria, isto é, 88% sabiam existir riscos para o feto sendo a mãe portadora do

vírus HIV, porém quase todas desconheciam as formas de prevenção da contaminação do

feto sendo a mãe portadora.

Isto mostra que, além da necessidade de maior ação perante as gestantes, como testagens

anti-HIV e tratamento nas gestantes que for comprovada a infecção para que não

contamine o feto, é necessário um programa especial de orientação específico quantos aos

efeitos da AIDS para o bebê.

As estimativas do Ministério da Saúde são de que existiam em 1998 em todo o Brasil 12

mil gestantes soropositivas, mas apenas 25% receberam o tratamento, evitando, assim, que

mais de 2 mil crianças deixassem de ser infectadas. Neste mesmo ano foi feita uma

“recomendação formal” do ministério para oferecer o teste anti-HIV para 2,5 milhões de

Page 46: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

46

gestantes da rede pública e foram treinados 2 mil ginecologistas e enfermeiras para este

acompanhamento especial.

4.3 PREVENÇÃO DA AIDS POR EXPOSIÇÃO SEXUAL

Em meados da década de 1980, o mercado de preservativos no Brasil foi estimado em 60

milhões de unidades, segundo uma pesquisa do Banco Mundial. Neste período, em função

da propagação da AIDS ocorreram altos e baixos no consumo, por não se ter uma certeza

se a doença era apenas contraída por homossexuais, usuários de drogas injetáveis e

hemofílicos. Porém, entre o final da década de 1980 e os primeiros anos da década de

1990, com a certeza da contaminação através do sangue, da secreção vaginal e do sêmen, o

mercado de preservativos passou a sofrer constantes aumentos de consumo.

Desde então, ocorreu uma elevação na demanda por preservativos que perdurou nos anos

seguintes. De acordo com dados do próprio mercado do produto, nos primeiros quatro

meses de 1996, foram comercializados no país cerca de 55,4 milhões de preservativos, o

que projetou naquele ano um total de 166,3 de preservativos para as três indústrias

nacionais: INAL, que detinha três marcas no mercado; BLOWTEX, com seis marcas e;

JOHNSON & JOHNSON, também com seis marcas no mercado.

Porém, estes 166,3 milhões de camisinhas foram insuficientes para cobrir a demanda, que

segundo alguns especialistas estava em torno de 300 milhões de unidades, caso o produto

estivesse a um preço mais acessível e fosse distribuído com maior publicidade. Para o

FNUAP, Fundo de População das Nações Unidas, este número de 300 milhões se reduz

para 266,5 milhões de unidades, mesmo assim, representava uma considerável lacuna entre

a demanda potencial e a capacidade da indústria nacional, precisando ainda de mais de 100

milhões de preservativos para atingir a demanda total.

Desta forma a solução imediata para tornar o mercado potencial em mercado real no curto

prazo seria aumentar as importações de preservativos. O principal obstáculo à expansão do

mercado de preservativos era, e continua ainda hoje sendo, o elevado preço que o produto

atinge no varejo, pois os índices de rejeição relacionados à qualidade, ao desconforto e ao

Page 47: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

47

próprio preconceito que havia para usar o produto caíram muito desde 1993, quando se

iniciou o Programa Nacional de Combate à AIDS.

4.3.1 Controle de qualidade do preservativo

A qualidade dos preservativos disponíveis no Brasil tem tido papel fundamental para o

aumento da procura da população em relação aos preservativos, tanto para uma maior

prevenção das DST/AIDS como para fim anticoncepcional.

Durante 1992 e 1993, levantaram-se diversas questões a respeito da segurança e eficácia do

preservativo, como também do processo de produção, embalagem, transporte e

armazenamento. Isto levou a Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde a

esclarecer e estabelecer as características do produto e o Instituto Nacional de Metrologia,

Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) foi designado responsável pelos testes

dos preservativos comercializados no Brasil, tanto os preservativos nacionais quanto os

importados. Em fevereiro de 1994, o INMETRO ficou limitado a apenas emitir certificados

dos testes realizados, onde as marcas que são aprovadas recebem em suas embalagens o

selo de confiabilidade, a marca do INMETRO.

4.3.2 Eficácia do preservativo

As estimativas da eficácia de um método preventivo incluem a distribuição entre eficácia

teórica e eficácia de uso.

Em relação ao preservativo, a eficácia teórica é a sua capacidade intrínseca de prevenção,

tanto em relação às DST/AIDS quanto à gravidez indesejada, quando utilizado correta e

constantemente, sem os erros ou negligência. A eficácia do uso é estimada levando-se em

conta as ações do usuário, antes, durante e após a relação sexual.

Page 48: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

48

No caso dos preservativos só ocorreriam falhas, teoricamente, se houvesse rompimento

durante a relação sexual, que poderia ser provocado por forte pressão ejaculatória,

inadequada manipulação do produto ou pela fricção decorrente da insuficiente lubrificação

da vagina ou do reto, quando do coito anal. Contra essa última falha, há uma medida

interessante, que é o uso do gel lubrificante no preservativo. O Grupo Gay da Bahia

(GGB) tem colocado a importância do uso do preservativo em conjunto ao gel lubrificante.

O rompimento pode ser facilitado também pela deterioração do preservativo, em função de

tempo excessivo de armazenamento, exposição à luz solar, calor, umidade ou outras

condições adversas.

4.4 PREVENÇÃO DA AIDS POR VIA SANGÜÍNEA

O comportamento da transmissão por exposição sangüínea nos casos registrados ocorre do

mesmo modo como do comportamento total de transmissões da epidemia de AIDS, tendo

após a implantação do Programa Nacional de Combate à AIDS uma diminuição bastante

significativa.

Porém, verifica-se que, ao contrário dos primeiros anos da epidemia, onde os casos por

exposição sangüínea devidos às transfusões de sangue e em hemofílicos caracterizavam

grande parte deste tipo de transmissão, houve uma drástica redução desde 1990, enquanto

que houve um aumento no número de novos casos de contaminação em uma população

especial, os usuários de drogas injetáveis (UDI).

Mesmo antes de 1992, o Ministério da Saúde tomou providências quanto a testagem nos

bancos de sangue, o que fez com fossem reduzidas as ocorrências de contaminação em

bancos de sangue.

Page 49: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

49

GRÁFICO 6

Fonte: Ministério da Saúde

Segundo Nunes (1997), as ocorrências de contaminação devido ao consumo de drogas

injetáveis, isto é, com o compartilhamento de seringas contaminadas, saíram de 4% do

total de infectados em 1987 para 20% dos soropositivos registrados em 1997,

representando o grupo mais vulnerável à epidemia. Os UDI mostram-se muito pouco

sensíveis às campanhas de prevenção veiculadas na mídia em geral, o que tem sido um

fator complicador da prevenção da epidemia neste grupo de pessoas.

Através do gráfico acima, verifica-se que em 1987, o número de soropositivos em

decorrência do uso de drogas era de 323 casos registrados, em 1996 atinge seu máximo

com 4.072 casos e chega no ano de 1999 com o registro de 2.284 novos casos. Pode-se

notar uma diminuição nos registros de contaminação por parte deste grupo. Essa

diminuição no número de casos nos últimos anos decorre do Programa de Redução de

Danos, que nada mais é do que a distribuição gratuita de seringas descartáveis, que é

bastante combatida em função da marginalização causada pelas drogas e da resistência da

opinião pública em aceitar programas específicos como este. Alguns grupos moralistas

entendem que a distribuição de seringas descartáveis poderia incentivar o aumento de

consumo de drogas. Numa análise mais estreita, não se sabe como se comportaria a o

consumo de drogas, se haveria aumento ou não. Quanto ao aspecto clínico e social, o uso

de drogas permite que haja a possibilidade do indivíduo em livrar-se do vício, ao contrário

da contaminação pelo HIV, onde não há cura. Pelo aspecto econômico a redução do dano é

função do custo que cada novo UDI soropositivo causaria ao sistema público de saúde. A

Evolução da Epidemia por Exposição Sagüínea

1980 a 1999

010002000300040005000

1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998

Ano

Núm

ero

deIn

fect

ados

TransfusãoHemofílicosUDI

Page 50: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

50

incidência de casos de contaminação em UDI acarreta outro grave problema, o da

contaminação por via sexual de seus parceiros. Durante todo o período de análise, isto é, de

1980 a 1999 totalizou-se 36.284 casos registrados de contaminação UDI e um número total

de 17.656 registros de pessoas que foram contaminadas por parceiros que eram UDI,

conforme o gráfico a seguir:

GRÁFICO 7

Fonte: Ministério da Saúde

Distribuição dos Soropositivos UDI e Parceiros UDI - 1980 a 1999

36.284

17.656

Soropositivos UDI

Soropositivos Parceiros de UDI

Page 51: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

51

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Numa análise estreita deste trabalho, verifica-se a necessidade da presença do estado para

atender os anseios de melhorias da condição de vida das pessoas, contribuindo para fechar

as lacunas de desigualdades que mercado privado por si só não pode intervir.

É fundamental a assistência contínua do Ministério da Saúde, principalmente na análise

dos novos casos da doença e a análise de como serão implementadas as políticas de

tratamento e de prevenção da doença. Neste sentido, a análise econômica tem a

possibilidade de revelar, dentro de seus conceitos teóricos, como e porquê são realizadas

estas políticas por parte do Estado e não pelo mercado privado, prova disto é o exemplo

que o Programa Nacional de Combate à AIDS é considerado uma das melhores políticas

públicas de saúde em todo o mundo, servindo de referência para os países da África

localizados abaixo do Deserto do Saara, onde a epidemia já matou mais 20 milhões de

pessoas nas últimas duas décadas.

Deve haver maior preocupação quanto ao aumento gastos no atendimento pré-natal,

sabendo que mesmo com custos maiores para o setor público, o reflexo dos benefícios é

muito maior. A necessidade deste melhor acompanhamento reflete no aumento dos casos

da contaminação da AIDS em mulheres e na falta de dados precisos quanto ao número real

de contaminados com o HIV.

Evidencia-se também a discussão sobre ser ou não correta a distribuição gratuita de

seringas aos usuários de drogas injetáveis. Porém, dentro da análise econômica e do bem

estar é bem mais importante a questão da vida do que as discussões sobre a questão de

moral e valores, os números sobre a exposição em UDI representam muito bem este ponto.

Não conhecendo outra forma de diminuir estes casos, principalmente em função da falta de

penetração de outros tipos de prevenção, como o abandono do vício, a única forma viável

de diminuir a incidência de contaminação.

Vê-se no trabalho uma análise dos casos registrados pelo Ministério da Saúde, sendo

fundamental à análise uma extensão, mesmo sem a noção exata para todos os que o vírus

Page 52: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

52

HIV contaminou. Assim, é fundamental também a presença de uma instituição que, mesmo

não lucrando financeiramente nada, continue atuando para combater e controlar a epidemia

de AIDS dentro do país.

Page 53: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional DST e AIDS. AIDS no Brasil: um

esforço conjunto governo/sociedade. Brasília, 1998.

DANIELE, Jonathan Mann; TARANTOLA, J. M.; Netter, Thomas W. (Orgs.). AIDS no

Mundo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: ABIA: IMS, UERJ, 1993. (História Social da

AIDS).

CZERESNIA, Dina (org.). AIDS: Ética, Medicina e Biotecnologia, São Paulo: Hucitec,

1995.

BERNARDES, Betina. Serra diz que não vai faltar coquetel em 99, Folha de São Paulo,

23 jan. 1999, cad. cotidiano.

BLOUIN, C. B.; CHIMOT, E.; LAUNERE, J. AIDS - Informação e Prevenção. São

Paulo: Summus , 1995.

CADERNOS PELA VIDDA, São Paulo, v.10, n. 31, mar. 2000.

CADERNOS PELA VIDDA, São Paulo, v.10, n.32, set. 2000.

CADERNOS PELA VIDDA, São Paulo, v.11, n. 33, mar. 2001.

CONJUNTURA ECONÔMICA, Rio de Janeiro, FGV, v. 54, n. 9, set. 2000.

CYRILLO, Denise C. (Org.) Custos Diretos do Tratamento da AIDS no Brasil:

Metodologia e Primeiras Estimativas. Brasília: Fipe / Ministério da Saúde, 1999.

EATON, B. Curtis; EATON, Diane F. Microeconomia. São Paulo: Saraiva, 1999.

FERGUSON, C. E. Microeconomia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.

Page 54: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

54

FÓRUM 2000. I FÓRUM E II CONFERÊNCIA DE COOPERAÇÃO TÉCNICA

HORIZONTAL DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE EM HIV/AIDS E DST.

Brasília: Ministério da Saúde, 2000. 2v

LIBMAN, Fernand. Infecção pelo HIV. São Paulo: Medsi, 1996.

MANKIW, N Graegory. Introdução à economia: princípios de micro e

macroeconomia. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

MONTAGNIER, Luc Vírus e Homens - AIDS: Seus Mecanismos e Tratamentos. Rio de

Janeiro: Zahar, 1992..

NUNES, André. O impacto econômico da AIDS/HIV no Brasil. Brasília: IPEA, 1997.

(Texto para discussão, 505)

Almeida, Gladys et al. (orgs.) ONG’S - Rumo ao Novo Milênio: Caminhos para o

Fortalecimento Institucional. Salvador: GAPA-BA, 1998.

PAIVA, Vera. Em tempo de AIDS. São Paulo: Summus, 1993.

PARKER, Richard. (Org.). Políticas, instituições e AIDS. Rio de Janeiro: Relume-

Dumará: ABIA; UERJ, 1997.

PARKER, Richard. (Org.). A AIDS no Brasil (1982-1992) Rio de Janeiro: Relume-

Dumará: ABIA: UERJ, 1994. (História social da AIDS, 2).

PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, 4a ed. São Paulo:

Makron Books, 1999.

BRASIL. Ministério da Saúde. Preservativo masculino: hoje, mais necessário do que

nunca! Brasília, 1997.

Page 55: UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS … de Iulo Lôboseg.pdf2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3

55

BRASIL. Ministério da Saúde. Relatório sobre AIDS no Brasil. Acesso: 07.jun.2000.

Disponível: www.saude.gov.br

SOUZA, Herbert José de; PARKER, Richard. (Org.). A Cura da AIDS. Rio de Janeiro:

Relume-Dumará, 1994. (Versão para o inglês, Outras Palavras)

VARIAN, Hal R. Microeconomia: Princípios básicos. 2 ed. Rio de Janeiro: Campus,

1994.

VENTURA DA SILVA, M. Legislação sobre DST e AIDS no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde / Secretaria de Assistência à Saúde, . (Coordenação-Geral do PN DST / AIDS.: Coordenação-Geral do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis / AIDS).