sÚmula vinculante: heroÍna ou vilÂ? · 2016. 6. 6. · a modificação, conforme se nota na nova...
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SÚMULA VINCULANTE: HEROÍNA OU VILÂ?
1 – INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional 45 trouxe algumas modificações que dizem respeito ao
processo civil, dentre eles destacando-se a adoção, em definitivo e às claras, do
instituto das súmulas vinculantes, ainda que de forma parcial e ainda pendente de
sistematização. A intitulada Reforma do Judiciário passou a prever o instituto no art.
103-A, CF: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços de seus membros, depois de reiteradas decisões sobre a
matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem
como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
A modificação, conforme se nota na nova redação do dispositivo constitucional acima
mencionado, adota sem rodeios a súmula vinculante, limitando-a, entretanto, a espécie
de objeto da demanda – matéria constitucional – e por conseqüência lógica ao órgão
máximo de nossa estrutura judiciária – Supremo Tribunal de Justiça. As limitações
demonstram que a modificação constitucional ainda não consagrou definitivamente o
instituto da súmula vinculante entre nós, mas de forma bastante clara acena para uma
maior receptividade da idéia no âmbito legislativo constitucional. Será, ao menos, um
bom teste prático de aplicação do instituto, o que poderá demonstrar o acerto ou erro
dos defensores e críticos da adoção desse mecanismo vinculativo.1
1 Criticando a ausência de dados estatísticos e afirmando só ser possível analisar eventual melhorar no volume de processos com o advento da súmula vinculante, as lições de José Carlos Barbosa Moreira, “Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos”, in Revista Dialética de Direito Processual nº 27, São Paulo, 2005, Dialética, pp. 54/57.
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Digna de nota a observação de que a mudança caminha em rumo já indicado pelas
modificações mais recentes de nosso Código de Processo Civil, que vêm cada vez
mais valorizando a força das súmulas e mesmo das jurisprudências dominantes de
nossos Tribunais, em especial os de superposição. São novidades que aumentam o
poder do relator em decidir sozinho quaisquer recursos que tenham como objeto
matéria já pacificada nos Tribunais, tais como a possibilidade do relator decidir de forma
monocrática o conflito de competência quando houver jurisprudência dominante do
Tribunal (art. 120, par. Único, CPC), dar ou negar provimento a qualquer recurso
fundado em súmula ou jurisprudência dominante (art. 557, CPC) e em especial no
agravo contra decisão denegatória de seguimento de Recurso Especial e Extraordinário
(art. 545, CPC).2
De qualquer forma, ainda não se possa afirmar peremptoriamente que o direito
brasileiro adotou integralmente o instituto das súmulas vinculantes, a modificação
constitucional certamente levantará questões que vem há muito tempo sendo discutidas
pela melhor doutrina, tanto a favorável quando a contrária à adoção do instituto, sendo
o momento propício de elencar, com necessárias remissões ao direito estrangeiro, os
alegados benefícios e riscos que envolvem o tema das súmulas vinculantes, sempre
com as ponderações que parecem mais acertadas.
2- AS PRINCIPAIS CRÍTICAS À ADOÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE
2.1 – A separação de poderes
Uma das maiores críticas que a súmula vinculante enfrenta é aquela relacionada com a
divisão clássica dos poderes. Nessa visão, a adoção da súmula vinculante causaria
uma inconcebível invasão do Poder Legislativo por parte do Poder Judiciário, ruindo
2 Nesse sentido as lições de José Carlos Barbosa Moreira, “Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos”, in Revista Dialética de Direito Processual nº 27, jun/05, p. 51.
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assim a necessária divisão dos poderes, conforme vislumbrada por MONTESQUIEU, como
garantia básica da ordem democrática da nação.
A construção doutrinária de MONTESQUIEU teve o mérito de identificar os três poderes e
demonstrar que essa divisão geraria um sistema de “freios e contrapesos” que serviria
principalmente para possibilitar um maior controle do poder nas mãos do Estado,
criando assim uma sistemática onde cada órgão exercesse suas competências e
também o controle de um sobre o outro. A idéia clássica de separação de poderes era a
de uma separação rígida, sem a permitir-se que as atividades típicas de um Poder
pudessem ser desenvolvidas pelos demais.3
Não há como se negar que a nossa Constituição Federal, pelo menos do ponto de vista
formal, estabeleceu o sistema constitucional brasileiro em respeito ao princípio da
separação dos três poderes. Indubitável, também, que o princípio integra as chamadas
cláusulas pétreas, quando instituído no Texto Maior de 1988, no artigo 60, § 4º, III: “Art.
60, § 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: III – a
separação dos Poderes”. Com fundamento nessa idéia nuclear há corrente doutrinária
que entende ser a adoção das súmulas vinculantes inconstitucional, considerando
agredir cláusula pétrea ao permitir que o Poder Judiciário passe a desenvolver atividade
legislativa privativa de outro Poder da Federação.
3 Paolo Biscaretti di Ruffia, Derecho Constitucional, Madrid, Tecnos, 1973, p. 217: “Según la expresión empleada por Montesquieu, es menester, en efecto, que “le Pouvoir arrête le Pouvoir – entendiéndose, en tal frase, por la expresión Poder, precisamente, “cada uno de los tres grupos de órganos respectivamente competentes para desarrollar (por lo menos, en linea prevalente, aunque no exclusiva) una de las tres funciones estatales, entendidas en sentido material” -, de manera que todo Poder (legislativo, ejecutivo y judicial) sea completamente independiente de los otros y, por consiguiente, sea capaz de poder controlar y limitar lo realizado”. Eugenio Raul Zaffaroni, Poder Judiciário – crises, acertos e desacertos, tradução de Juarez Tavares , São Paulo, RT, 1995, pp. 82-83: “ Não há em Montesquieu qualquer expressão que exclua a possibilidade dos controle recíprocos, nem que afirme uma absurda compartimentalização que acabe em algo parecido com “três governos” e, menos ainda, que não reconheça que no exercício de sus funções de outra natureza (o judiciário e o legislativo, em seu autogovernos, assumem funções administrativas; o executivo, ao regulamentar as leis, ao encaminhar projetos e ao vetá-los, exerce funções legislativas; algumas constituições reconhecem limitadas funções de iniciativa parlamentar aos judiciários, etc.). Sobre a necessidade política de tal pensamento, Rodolfo Camargo Mancuso, Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, São Paulo, RT, 1999. ob. cit., p. 78.
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Ao editarem as súmulas e serem essas obrigatórias para os juízes de primeiro grau e
para os Tribunais de segundo grau de jurisdição, restaria claro para essa corrente
doutrinária que o Judiciário estará, ao editar regras com efeitos erga omnes e
vinculativos, colocando essas súmulas ao lado da lei, conferindo-lhes característica
particulares dessa, quais sejam, a generalidade e a força obrigatória.4 Assim sendo, o
Judiciário estaria na verdade legislando, o que, pelo sistema de tripartição dos poderes,
não pode ser permitido.
Essa interferência de poderes foi explorada, com a costumeira genialidade, por
EVANDRO LINS E SILVA: “A independência recíproca dos Poderes pressupõe, como é
óbvio, que cada um deles exerça uma função exclusiva; caso contrário, haveria
superposição funcional. A função precípua e exclusiva do Poder Legislativo, como
estabelecido desde os primórdios do regime democrático moderno, é a de ditar as leis,
entendidas como expressão da vontade geral do povo. Ora, a súmula com efeito
vinculante absoluto para os juízes de primeira instância significa a introdução de um
sucedâneo da lei em nosso sistema jurídico, produzindo a superposição ou conflito de
atribuições entre os Poderes Legislativo e Judiciário”5
São esses, portanto, os pontos centrais das críticas à adoção da súmula vinculante à
4 A lição de Dínio de Santis Garcia, “Efeito vinculante dos julgados da Corte Suprema e dos Tribunais Superiores”, in Revista dos Tribunais nº 734, São Paulo, RT, 1996, p. 44, citando Castanheiras Neves que tratava dos antigos assentos, deve ser considerada por analogia: “Ora, a competência de expedir assentos implica na possibilidade conferida a um órgão judicial (a um tribunal) de prescrever critérios jurídicos universalmente vinculantes, mediante o enunciado de normas (no sentido estrito de normas gerais, ou de preceitos gerais e abstratos), que, como tais, abstraem (na sua intenção) e se destacam (na sua formulação) dos casos jurisdicionais que tenham estado na sua origem, com o propósito de estatuírem para o futuro, de se imporem em ordem a uma aplicação futura. Ora, a generalidade e a força obrigatória são os dois traços que caracterizam mais fortemente a lei, tomada em seu sentido genérico, e a eles podem ser reconduzidos todos os seus caracteres.” 5 “A questão do efeito vinculante”, ob. cit., p. 57. No mesmo sentido Fábio Konder Comparato, “Sobre a idéia de precedentes judiciais vinculantes”, in Publicação oficial Juizes para a democracia, ano 4, n.7, março, 1996, p. 03. Na doutrina argentina nesse sentido se manifestou Nestor Pedro Sagues, “Dos classicos problemas del control de constitucionalidad en la Argentina”, in El Derecho, n. 151, 1993, p. 459.
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luz da teoria da separação de poderes. Necessária a análise dos contra argumentos a
essa tese. O principal ataque que certos doutrinadores, defensores da súmula
vinculante, fazem a essa crítica é a de que essa separação de poderes deve ser
entendida de uma maneira menos rígida do que aquela vislumbrada por Montesquieu e
desejada por aqueles que calcam a crítica maior à adoção da súmula vinculante em tal
instituto constitucional.
A rigidez de tal divisão não mais seria compatível com os nossos tempos e menos
ainda como o nosso ordenamento. Sendo inegável que os Poderes devem manter
independência em relação uns aos outros, por certo também devem interagir, sob pena
do Estado não conseguir governar em sua plenitude, com nítido prejuízos dos Poderes
considerados isoladamente. O exercício de algumas funções características a outros
poderes seria então além de permitida, necessário ao bom andamento dos três
Poderes e do Estado como um todo.6
De tal maneira que, hoje em dia, a presença de Poderes exercendo atividades que não
fazem parte de sua função precípua pode ser constatada em diversas oportunidades,
passando a ser até mesmo uma exigência prática para o bom funcionamento estatal.
Percebe-se facilmente esse desempenhar atípico de função quando o Poder
Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, tem o poder de fiscalizar toda a
Administração; quando se concede ao Judiciário poder de auto reger-se através de
seus Regimentos, ou ainda quando o Executivo edita sucessivas medidas provisórias -
prática odiosa, diga-se de passagem - com profundo caráter legislativo. Esses são
apenas alguns exemplos entre muitos presentes7, que demonstram não dever ser o
6 Nesse sentido Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, 19ª edição, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 159: “Hoje, no entanto, a divisão rígida destas funções já está superada, pois, no Estado contemporâneo, cada um destes órgãos é obrigado a realizar atividades que tipicamente não seriam suas.” Ainda, Paolo Biscarettti di Ruffia, Derecho Constitucional, ob. cit, p. 219. 7 Rodolfo de Camargo Mancuso, Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, ob. cit., p. 90, tece mais alguns exemplos dessa interferência: “1) o Executivo tem o poder de veto, e o Legislativo o poder de rejeitá-lo (art. 66, § 5º); 2) o Executivo pode iniciar o processo de elaboração de lei (art. 84, III), mas o
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fenômeno da separação dos Poderes algo que proíba, a priori, o desenvolvimento de
alguma função legislativa e em algum grau, por parte do Poder Judiciário.
Não parece, entretanto, que a adoção das súmulas vinculantes cause qualquer afronta
a divisão dos Poderes, por não se confundir a atividade judicial de criação de súmulas
com a atividade legislativa de formulação de normas. Para aqueles que vêm agressão à
separação de poderes, não resta dúvida de que a atividade do juiz, adotando-se a
súmula vinculante, é a de legislar. Nesse caso “estariam os Tribunais ditando uma
interpretação autêntica, com validade geral e abstrata, de acolhimento obrigatório em
todo o país pelos juízes e pelos poderes públicos. Ocorre que non exemplis sed legibus
judicandum est.”8 A conclusão, entretanto, não parece ser a mais acertada.
Muito embora se deva admitir que a súmula vinculante trará como consequência direta
de sua aplicação uma nova modalidade de posicionamento dos Tribunais a respeito da
aplicação de determinada norma jurídica com caráter genérico e obrigatório, não é
correto afirmar que os Ministros dos Tribunais Superiores, ao promulgar essas súmulas,
estariam funcionando como verdadeiros juízes legisladores.9 Não será dado a esses
magistrados o poder de inaugurar a ordem jurídica, criando direitos e deveres, como
Legislativo pode emendar o projeto (art. 64, § 3º); 3) os Tribunais, se propriamente não legislam, ao menos são livres para se auto-administrarem, detendo o poder de iniciativa da lei de organização judiciária (arts. 99, 125), e ainda, por deliberação plenária, podem declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato (art. 97); 4) o Executivo nomeia os Ministros dos Tribunais Superiores, mas o faz ad referendum do Senado (art. 52, III, a0; 5) o Executivo pode baixar medidas provisórias com força de lei (art. 62) e a esse Poder podem ser delegadas atribuições legislativas (art. 68).” 8 Cfr Luiz Flávio Gomes, A dimensão da magistratura, São Paulo, RT, 1997, p. 210. 9 Mauro Cappelleti, “Juizes Legisladores?”, Porto Alegre, Sérgio Fabris Editor, 1993, já admitia que os juízes, ao interpretar normas, estariam na verdade criando o direito para aquele caso concreto. Não é, entretanto, nesse sentido que estamos a tratar a expressão no presente estudo. Na verdade, o termo aqui foi usado como uma comparação com o trabalho elaborativo de leis do próprio legislador, na verdade até podendo substituí-lo. Interessante a visão de Sérgio Sérvulo da Cunha, “Nota breve sobre o efeito vinculante”, in Revista da OAB, ano XXV, nº 61, 1995, p. 115: “... não me parece haver invasão de competência normativa originária quando o Judiciário explicita norma legal, ainda que o enunciado explicitador ganhe força obrigatória. Parece clara a analogia com os regulamentos, feitos pelo Executivo “para fiel execução das leis”, e que possuem força obrigatória geral. Aliás, isso já é, em parte, o que acontece hoje no controle difuso de constitucionalidade, com o concurso do Senado (v. Constituição da República, art. 52, X)”
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ocorre com o legislador. Os magistrados estarão sempre limitados a questões que
porventura cheguem a seu conhecimento por meio de sucessivas demandas judiciais,
cabendo aos juízes somente a função de unificar interpretações conflitantes, dando um
entendimento coeso a respeito da aplicação e interpretação da norma.
Diante dessa constatação parece perfeita a conclusão do prestigiado processualista
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ao enfrentar o problema quando diz: “Como já se viu, as
normas para as quais se pretende qualificar os juízes não dispõem de todo o caráter de
generalidade e abstração que supostamente faria deles autênticos legisladores. Como
dito, a eficácia vinculante de decisões judiciárias, seja pelo que já existe no sistema ou
pelo que se propôs implantar de jure condendo, situa-se num plano intermediário entre
o abstrato da lei e o concreto das decisões em casos concretos.”10
O problema, portanto, está colocado. Considerando a divisão de poderes como uma
característica fundamental de nosso sistema de governo, inclusive a considerando
como cláusula pétrea, ou seja, imodificável mesmo por emenda constitucional, e
acreditando que a adoção das súmulas vinculantes possa se assemelhar à atividade
legislativa, não haveria como se admitir a adoção da súmula vinculante. Para os
defensores de tal entendimento, dando efeito erga omnes e vinculativo às súmulas
editadas pelos ministros dos Tribunais Superiores se verificaria no caso concreto uma
interferência do Judiciário no Legislativo, já que essas súmulas, com caráter geral e de
obrigatoriedade, em muito se assemelhariam à própria lei, tarefa, dentro dessa visão,
exclusiva do Poder Legislativo.
10 Cfr Nova era do Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 2004, p. 18. Entendo não haver essa posição intermediária, Nestor Pedro Sagues, “Dos classicos problemas del control de constitucionalidad en la Argentina” , op. cit., p. 463.: “Tal vez la argumentación más contundente sea la de constatar que en un régimen de jurisprudencia vinculante, el tribunal ordenador está desempeñando papeles cuasi legisferantes (cuando se trata de la hermenéutica de una ley común) o cuasi constituyentes (si se trata de interpretar la Constitución.” E conclui, mais adiante: “Pero el Poder Judicial no puede ejercer poderes legislativos ni constituyentes. Y no se advierte una zona intermedia: no bien la sentencia judicial fuese dotada de imperatividad general, impersonal y objetiva resultaría provista, por esse sólo hecho, de los caracteres que nuestro sistema republicano reserva a la Constitución y a la ley” .
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Encarando o fenômeno de um ponto de vista diametralmente oposto, a conclusão
alcançada seria a de que o princípio da separação de poderes deve ser entendido de
maneira mais flexível, não sendo correto dizer que a edição das súmulas vinculantes
feriria esse conceito. A flexibilização dessa separação, verificada em inúmeros
exemplos ocorrentes nos dias atuais, seria o maior exemplo disso. Além disso, e
principalmente, restaria claro que, por não se tratar de inauguração da ordem jurídica, a
atividade de sumular entendimentos, ainda que com força vinculativa, não se
confundiria em sua integralidade com a atividade legislativa.
2.2 – Engessamento do direito
Outra feroz crítica que se faz às súmulas vinculantes em nosso país é a de que sua
adoção levaria a um engessamento do direito, já que com a cristalização das posições
jurisprudenciais dos Tribunais Superiores o direito perderia sua mobilidade, principal
característica atribuída ao Poder Judiciário quando interpreta as normas editadas pelos
outros Poderes, em especial no tocante às decisões proferidas pelos juízes de primeiro
grau de jurisdição.
Já não é de hoje esse medo do engessamento do direito. Já em 1963, quando foi
editada a primeira súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos, o Ministro
HAHNEMANN GUIMARÃES já “receava a estagnação da jurisprudência com a tendência a
manter a submissão dos casos futuros, por comodismo ou por uma espécie de fetiche,
ao precedente, como, por exemplo, no direito anglo-saxão”.11 Como visto, a
11 Evandro Lins e Silva, “A questão do efeito vinculante”, ob. cit., pp. 53-54. Lênio Luiz Streck, Súmulas no direito brasileiro – eficácia, poder e função, ob. cit., pp. 112-113, faz menção a emenda apresentada pelo senador Accioly Filho, opinando pela supressão do capítulo que instituía o ressurgimento dos assentos obrigatórios no CPC de 1973. Na verdade Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, ob. cit., pp. 94-95, nos mostra que a preocupação já era anterior a essa data, já que nessa obra, de 1940, afirma: “Outra corrente aventara a idéia de tornar as decisões da Corte Suprema compulsoriamente aplicáveis a todos os casos semelhantes em todos os tribunais do país. Isto
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preocupação já vem de longa data, antes mesmo de se cogitar dar eficácia obrigatória e
vinculante às súmulas.
Como é de conhecimento geral essas preocupações não vieram a se confirmar, sendo
que as súmulas como hoje são, funcionando como paradigma da jurisprudência
assentada dos tribunais, não ocasionou a tão temida ossificação do Direito. O problema
ressurge agora com mais intensidade, acreditando parcela da doutrina que uma vez
atribuindo-se caráter vinculativo às súmulas, a petrificação do Direito seria inevitável e
extremamente prejudicial à melhor qualidade da prestação jurisdicional.
Não há como se deixar de admitir que o Direito é uma ciência viva, que se modifica
conforme as mudanças sociais, políticas, e econômicas. Não há, portanto, como se
ossificar o Direito, permanentemente em evolução. Não menos verdade que muito
embora o Direito sempre seja modificado, ao sabor dos tempos, o mesmo não ocorre
com a lei material. A dificuldade em se modificar um estatuto legal inviabiliza
completamente uma espera por parte dos juízes pelas modificações legislativas, por
vezes sendo obrigados a flexibilizar ao máximo a norma para que a mesma se coadune
com as exigências do tempo vivido no momento da prolação da decisão. Assim, resta
ao juiz a interpretação das normas à luz das condições do tempo no qual ocorre o fato
de direito material.12
contrariaria o princípio universal consubstanciado na parêmia – res inter alios acta vel judicata aliis non nocet nec podest; demais, mudando, com o tempo, os componentes da consulta, ou da Corte de Cassação, seria de esperar que se modificasse também a orientação interpretativa dos textos peremptórios.” E conclui o saudoso mestre, no ponto que mais nos interessa: “As três sugestões envolviam um grande inconveniente: a ossificação do Direito. É incompatível com este a imobilidade; ele é essencialmente dinâmico, acompanha a sociedade, que não pára, e, portanto, não pode ficar tolhido por fórmulas petrificadas.” 12 João Carlos Pestana de Aguiar Silva, “A súmula vinculativa”, in Boletim Legislativo, Rio de Janeiro, v. 31, n.10, abril 1997, p. 288: “O dinamismo e estado de mutação do direito repousa em sua própria essência, fonte que é do fato social, tanto que, milenarmente, ex facto oritur jus. A jurisprudência de nosso país, podemos afiançar, é a mais fecunda do mundo jurídico da civil law neste século que está se encerrando em quantidade e qualidade, pelo avanço científico, sabedoria, linguagem escorreita e equidade, ostentando elevado número de acórdãos eruditos e acurado senso de justiça, tais e tantas foram as oportunidades de encontrarmos julgados profundos na ciência do direito e sensíveis na
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Daí então surge o problema. Se ao modificar a lei encontramos tamanha dificuldade, e
sendo a súmula aparelhada à lei, teríamos que supor que a mesma dificuldade seria
constatada quando necessária a modificação ou revogação de súmula. Estaria morto o
melhor caminho para a mudança de um entendimento caduco; a das decisões de
primeiro grau e de tribunais de segundo grau, que levando em vista novas condições,
modificam a jurisprudência, adaptando o Direito a uma nova realidade.13
A preocupação é nobre, mas é preciso registrar que o próprio art. 103-A aponta
expressamente para a possibilidade do Tribunal revisar ou cancelar a súmula, de forma
a evitar a temida estagnação do Direito. Apesar da necessidade de lei para
regulamentar os aspectos procedimentais, o art. 103-A, § 2º, CF, já atribui competência
para a instauração de tal procedimento de revisão ou revogação de súmulas aos atuais
legitimados à propositura da ação direita de inconstitucionalidade. Ainda que se possa
discutir a efetiva eficácia de tal previsão, ao menos deve se reconhecer a preocupação
do legislador com o indesejável efeito de ossificação do Direito.
Paralelamente a essa discussão, alguns doutrinadores acreditam que esse
engessamento do Direito também aniquilará o poder criativo do juiz. Segundo essa
concepção o julgador, obrigado a seguir um entendimento que não é seu, vindo de cima
para baixo, se veria compelido a como uma “máquina”, carimbar com o selo vinculante
suas decisões. Estar-se-ia, então, como chamam alguns críticos da súmula vinculante,
persecução do ideal de justiça.” No mesmo sentido Antônio Carlos Villen e Dirceu Aguiar Dias Cintra Júnior, “Controle externo e interno do judiciário. O controle político-ideológico e as súmulas vinculantes”, in RT 720, 1995, pp. 344-345. 13 Hugo Nigro Mazzili, “A reforma da magistratura”, in Estado de São Paulo, 18 de junho de 1999, ao comentar a impropriedade da adoção da súmula vinculante: “Ademais, ainda deixaria o STF de receber a saudável influência de decisões mais progressistas, que não raro vêm das bases do Poder Judiciário, em contato mais direto com a realidade social do País. Tanto assim que muitas mudanças de jurisprudência só ocorreram depois que a reação começou com os juízes das comarcas (como no reconhecimento da inconstitucionalidade do bloqueio dos ativos financeiros no Plano Collor)”
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colocando camisas-de-força nos juízes, os privando de sua criatividade.14
Não parece ser essa a mais correta visão acerca do fenômeno. Primeiramente, o juiz
ainda teria a obrigatoriedade de verificar se aquela súmula é cabível ao caso concreto
em particular. A idéia de “carimbo com o selo vinculante” não parece correta, cabendo a
todos os magistrados a cuidadosa e retida análise acerca do cabimento ou não da
súmula ao caso concreto.15
Por outro lado, os juízes de primeira instância devem estar preocupados com teses
jurídicas novas, que são tantas em nosso dia a dia jurídico, e não com entendimentos já
assentados. O processo não pode servir de palco para experimentos por parte do juiz.
Posições que conflitem com o entendimento majoritário - já fixado em inúmeros
processos pelos Tribunais Superiores - não podem ser vistas com bons olhos pelo
Judiciário. Naqueles processos análogos a outros, onde a jurisprudência já se
posicionou, deve o juiz decidir da maneira já assentada, ainda que fazendo constar seu
entendimento particular contrário (como, aliás, já ocorre mesmo sem a súmula
vinculante), deixando para as novas teses jurídicas ou mesmo para aquelas onde não
há ainda posição consolidada, todo o seu poder criativo.16
Os que consideram que a súmula vinculante irá de fato engessar o Direito, não aceitam
nem as considerações de que na common law esse sistema seria o utilizado e o Direito
norte-americano está em constante modificação. Tem alguma razão nesse
14 É esse o pensamento de Luiz Flávio Gomes, “Súmulas vinculantes e independência judicial”, ob. cit., p. 27, também citando o Plano Collor. 15 No mesmo sentido Germán J. Bidart Campos, “Un tema de jurisprudencia vinculatoria en la Provincia de San Juan”, ob. cit., p. 500. 16 Marco Antonio Botto Buscari, Súmula Vinculante, ob. cit., p. 74: “Em segundo lugar, a gratificação intelectual vem com a análise de teses jurídicas novas (quantas há entre nós a cada ano!), que ainda não chegaram às instâncias máximas, com o que se poderá inclusive enriquecer os debates e argumentos sobre os quais irão, mais tarde, debruçar-se os integrantes dos tribunais superiores. Nas palavras de Carlos Mário da Silva Velloso, “os juízes poderão dedicar-se às questões novas e não estarão, o que é frustrante, copiando sentenças já proferidas.””
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pensamento, já que o sistema da stare decisis não é tão rígido quanto possa parecer, e
exatamente por essa razão é possível a evolução do Direito.17
No tocante ao sistema da common law, CHARLES D. COLE18 informa não ser tão
imprescindível o respeito a um precedente pelo juiz de primeira instância. Segundo
esse autor, o juiz de primeira instância não teria poder para revogar um precedente
anterior, mas percebendo que o precedente a ser usado no caso em particular, tiver
sido muito desgastado com o passar do tempo, ou mesmo por outro casos
precedenciais, poderá decidir em confronto com o precedente. Por certo, poderá a parte
que sair derrotada alegar erro naquele decisório por ter deixado de aplicar certo
precedente, mas a realidade é que não se nota um respeito cego aos precedentes na
praxe forense norte-americana.
17 Dalmo de Abreu Dallari, O poder dos juízes, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 71: “Outro autor norte-americano, Lawrence Baum, trata da doutrina do precedente em seu livro A Suprema Corte americana, fazendo considerações que é bastante oportuno transcrever: “a norma do precedente dificilmente elimina toda ambiguidade na interpretação jurídica. A maioria dos casos levados à Corte Suprema envolve questões pelo menos marginalmente diferentes daquelas decididas em casos anteriores. Assim, raramente o precedente determina uma decisão de um modo rigoroso. Os precedentes pertinentes a um caso apresentam a probabilidade de apontar em mais de uma direção. Segundo um adágio antigo, de modo geral podem ser encontrados precedentes para apoiar ambos os lados de um caso. Além do mais, como a Corte não é, absolutamente, obrigada a seguir precedentes, os juízes, em certos casos, precisam considerar se seria desejável um afastamento de interpretações anteriores da lei.” 18 Cfr “Precedente judicial – a experiência americana”, ob. cit., pp. 80-81. Guido Fernando Silva Soares, Common Law – introdução ao direito dos EUA, ob. cit., pp. 42-43, nos traz a possibilidade das Cortes Superiores mudarem os precedentes. Após a explicação do que seria o holding e do que seria o dictum, conclui: “Podem as cortes superiores, igualmente, desconsiderar um precedent e decidir com novas razões um caso semelhante: é o overruling (autêntica ab-rogação do precedente, ou, no que é mais comum, sua derrogação, continuando válido para certos aspectos da questão examinada – o que nada mais é do que transformar um holding num dictum!)” Ainda sobre o tema Rodolfo de Camargo Mancuso, Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, ob. cit., pp. 172-173: “Essa triagem praticada pelo juiz anglo-saxão, justifica o diagnóstico feito por Edward Re: “ A doutrina do stare decisis, consequentemente, não exige obediência cega a decisões passadas. Ela permite que os tribunais se beneficiem da sabedoria do passado, mas rejeitem o que seja desarrazoado ou errôneo. Antes de mais nada, é necessário que o tribunal determine se o princípio deduzido através do caso anterior é aplicável. Em seguida, deve decidir em que extensão o princípio será aplicado.” Para separar, num precedente, o que é nuclear e o que é periférico, o magistrado pode valer-se das técnicas do overruling e do distinguishing. Conforme esclarece Gilmar Ferreira Mendes, “overruling é a superação de determinado entendimento jurisprudencial mediante a fixação de outra orientação”; já o distinguishing, segundo esse autor, “é a prática utilizada pelos Tribunais para fundamentar a não aplicação do precedente a determinado caso.”
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Conclui-se, portanto, que “a doutrina do stare decisis já não é mais aplicada
rigidamente nos Estados Unidos, e mesmo na Inglaterra vem se tornando mais
flexível.”19 Nem se cogita falar, portanto, em qualquer punição ao juiz que se distancia
do precedente, a não ser a reforma de sua decisão quando esse distanciamento não for
justificado.
Muito embora seja necessário considerarem-se as profundas diferenças entre os dois
sistemas, não sendo, portanto, cabível a argumentação de que o engessamento do
Direito não ocorreria por não ser tal fenômeno verificado no direito norte-americano,
parece que esse receio apontado pelos críticos da súmula vinculante não pode vingar.
Os meios para modificação de uma súmula serão, portanto, estabelecidos em lei, o que
nos preveniria da tal ossificação do direito.20 Preferível seria ampliar a legitimidade para
a instauração do procedimento de revisão de súmulas, conferindo a norma
infraconstitucional a ser formulada para regulamentar procedimental tal pedido incluir
entre os legitimados a entidade representativa dos juízes, AMB, e dos advogados, OAB.
Também seria interessante que os próprios tribunais de segunda instância, também
pudessem pleitear a revogação de uma súmula. A simples determinação de
mecanismos de revogação das súmulas, teria o mérito de impedir essa ossificação.
Além desses legitimados, não podem ser esquecidos os próprios ministros, que,
observando ter sido o entendimento modificado, poderiam revogar ou modificar suas
próprias súmulas.
19 Dínio de Santis Garcia, “Efeito vinculante dos julgados da Corte Suprema e dos Tribunais Superiores”, ob. cit., p. 41. 20 Marco Antonio Botto Muscari, Súmula Vinculante, ob. cit. p. 79.; Saulo Ramos, “Efeito vinculante de decisões dos Tribunais Superiores”, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 4, n. 15, 1996, p.161: “Claro está que na adoção da súmula vinculante deverá ser previsto processo de sua revisão, motivado por alterações constitucionais, legais ou composição das Cortes Julgadoras. Evita-se a petrificação, que venha a chocar-se com situações futuras e alteradas pelo tempo, pelas normas supervenientes, ou pelo intérprete do direito nos tribunais. A revisibilidade é princípio indispensável, diante da incontinência legislativa brasileira, da dinâmica do direito e dos fatos sociais, renovados, alterados e mudados em cada época.” Com relação à mudança dos membros do tribunal e sua consequente mudança de posicionamento, o problema já vem sendo enfrentado na Argentina, na já citada Província de San Juan, segundo nos informa Germán J. Bidart Campos, “Un tema de jurisprudencia vinculatoria en la provincia de San Juan”, ob. cit., p. 501.
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Ademais, poderiam os juízes de primeira instância expor as razões que os levam a
divergir do entendimento sumulado, mas decidir conforme àquela súmula, em razão de
seu cunho obrigatório. Tratando-se de casos isolados, o entendimento manifestado pelo
juiz de primeira instância nunca prevaleceria. Já num outro panorama, em que muitas
fossem as decisões combatendo o entendimento consolidado em súmula, a própria
magistratura, através de seus órgãos de representação, teria meios para sua revisão ou
revogação.21
Essa atitude dos juízes de primeiro grau não seria conflitante com a obrigatoriedade
das súmulas, pois decidiriam conforme a súmula, apenas deixando consignado seu
entendimento particular contrário àquele já consolidado a respeito da aplicação e
interpretação de determinada norma jurídica. Por outro lado, não estaria tolhida a
liberdade dos juízes para se manifestarem contra o entendimento consolidado, de modo
que, se realmente esse novo entendimento fosse encampado por grande número de
magistrados, e mesmo juristas, o antigo entendimento poderia vir a se modificado.
Agindo dessa forma, os julgadores de primeiro grau estariam ao mesmo tempo
cumprindo a lei (força obrigatória da súmula) e lutando contra a tão temida ossificação
do Direito.
2.3 – A autonomia do juiz
21 Conforme nos informa Marco Antonio Botto Muscari, Súmula Vinculante, ob. cit., pp. 95-97, tais situações são presenciadas já hoje em dia, mesmo sem conter as súmulas caráter obrigatório: “Assim é que, no julgamento do Mandado de Injunção n. 362-0-RJ, o Ministro Ilmar Galvão consignou: “Senhor Presidente, conquanto com ressalva de ponto de vista em contrário, em face da reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, peço vênia ao eminente Relator para acompanhar o voto do eminente Ministro Francisco Rezek, acolhendo o pedido. Dizendo-se vencido, porém não convencido, o Ministro Carlos Velloso: “Não devo, entretanto, na Turma, afrontar o decidido pelo Plenário. Ajusto-me, então, ao decidido, com a ressalva do meu ponto de vista pessoal a respeito do tema.”. No mesmo sentido Fernando da Costa Tourinho Neto, “Efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal: uma solução para o Judiciário”, in Revista de Informação Legislativa, ano 32, n. 128, out/dez 1995. p. 187. O mesmo fenômeno também pode ser verificado na Argentina, Enrique Aníbal Ferraris, “?Deber moral ou deber legal? Acerca de la obligatoriedad de la jurisprudencia de los Tribunales Superiores”, in La Ley C, Buenos Aires, 1994, pp.943-944.
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Tema muito ligado ao tratado no item anterior é aquele relacionado à autonomia do juiz
em sua atividade jurisdicional. Para os críticos à adoção da súmula vinculante a
obrigatoriedade de aplicação das súmulas a processos com objeto análogo, vincularia o
julgador de primeiro grau, retirando-lhe toda a autonomia, inerente ao próprio cargo.
Seria, para esses críticos, o fim da independência dos juízes, preceito básico de nossa
ordem constitucional. Institucionalizado estaria a estranha e indesejável figura do “juiz
robótico”.
O juiz, principalmente o de primeira instância, estaria obrigado a seguir não mais a lei,
mas sim um entendimento majoritário de um tribunal que se encontra acima de sua
posição por ordem hierárquica. Como primeira crítica, estaria que a eventual adoção da
súmula vinculante modificaria profundamente os próprios fundamentos de nosso
ordenamento jurídico.
Ao julgar uma situação concreta o magistrado não mais estaria adstrito somente à lei e
a Constituição (que nada mais é que uma lei, embora com força suprema).22 Estaria
agora também obrigado a decidir de uma determinada maneira no tocante à
interpretação de norma jurídica específica, da mesma maneira que seus superiores
hierárquicos já decidiram. Na verdade, esse juiz nada estaria a decidir; seus superiores
já teriam decidido por ele.
22 Luiz Flávio Gomes, “Súmulas vinculantes e independência judicial”, ob. cit., pp. 19-20: “Mais precisamente, a independência pessoal interna ou “funcional”, que é instrumento do Estado Democrático de Direito que visa preservá-lo de ingerências que possam ocorrer dentro da própria instituição, principalmente de “cima para baixo”. A independência judicial, diz a sétima conclusão (2ª conferência) do Seminário Internacional sobre a Independência Judicial na América Latina, “exige que os juízes e Tribunais gozem de um estatuto de verdadeira independência dentro da própria organização judicial, que situe sua atividade jurisdicional a salvo de interferências hierárquicas e administrativas”. A segunda conclusão da 3ª “conferência”, por seu turno, afirma: “A garantia de independência dos juízes deve consistir na previsão de mecanismos institucionais capazes de assegurar que o juiz seja efetivamente sujeito somente à Constituição e à lei”
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É conseqüência dessa conclusão a segunda crítica relativa a autonomia e
independência do juiz. A independência do juiz deve ser encarada sob dois aspectos:
interno e externo. O aspecto externo é aquele relativo a pressões vindas de fora do
Poder Judiciário, seja das partes, de interessados, ou até mesmo dos outros dois
Poderes. O juiz, naturalmente, deve ser imune a essas pressões externas, sob a pena
de perder sua imprescindível imparcialidade para decidir o caso concreto, o que
proporcionaria verdadeira afronta aos mais basilares princípios do Direito. Não é,
porém, o único aspecto da independência do juiz que deve ser analisado.
A independência do juiz também tem que ser interna, ou seja, não devem, e na
verdade, não podem, existir pressões internas, provenientes dos próprios juízes, só que
hierarquicamente superiores. O juiz deve ter liberdade total ao decidir o caso concreto,
não se admitindo que tribunais superiores a ele no plano hierárquico, e mesmo seus
companheiros de mesma instância possam influenciar em sua decisão.23 Se o juiz não
pode aceitar pressões externas ao Poder Judiciário, da mesma forma deve ocorrer com
relação a pressões vindas de dentro desse próprio Poder.
23 Eugenio Raúl Zaffaroni, Poder Judiciário – crise, acertos e desacertos, ob. cit. p. 88: “A independência do juiz, ao revés, é a que importa a garantia de que o magistrado não estará submetido às pressões de poderes externos à própria magistratura, mas também implica a segurança de que o juiz não sofrerá as pressões dos órgãos colegiados da própria judicatura. Um juiz independente, ou melhor, um juiz, simplesmente, não pode ser concebido em uma democracia moderna como um empregado do executivo ou do legislativo, as nem pode ser um empregado da corte ou do supremo tribunal. Um poder judiciário não é hoje concebível como mais um ramo da administração e, portanto, não se pode conceber sua estrutura na forma hierarquizada de um exército. Um judiciário verticalmente militarizado é tão aberrante e perigoso quanto um exército horizontalizado. Quando em nossa região se aspira estruturar poderes judiciários democráticos, evidentemente que uma das premissas consistirá em evitar que sofram as pressões dos fortíssimos executivos que conhecemos em nossos direitos constitucionais, não apenas concebidos unipessoalmente em sentido formal, mas de seus poderosíssimos aparelhos administrativos. Contudo, deve-se ter o mesmo cuidado em preservar a independência interna, isto é, a independência do juiz relativamente aos próprios órgãos considerados “superiores” no interior da estrutura judiciária.” No mesmo sentido Fábio Konder Comparato, “Sobre a idéias de precedentes judiciais vinculantes”, ob. cit.: “A Segunda garantia institucional afrontada pela súmulas vinculantes é a liberdade-poder de todos os magistrados de decidir os litígios segundo a lei, conforme o seu convencimento pessoal. Essa independência da magistratura não poder ser suprimida nem mesmo reduzida, não só, como é óbvio, pelos demais Poderes, mas também pelos tribunais superiores ou órgãos dirigentes do Poder Judiciário.”
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Com relação à autonomia do juiz de primeira instância, não parece ser a adoção da
súmula vinculante responsável pela criação de uma barreira intransponível à atuação
com certa liberdade, mesmo obrigando que esse juiz decida conforme assentado nos
tribunais superiores. É necessário encarar essa nova realidade através de uma
relativização dessa autonomia, analisada por outro ângulo, que demonstrará que a tão
temida falta de independência interna não ocorreria. De fato, essa somente se
verificaria quando, em casos particulares, sofresse o juiz pressões para julgar conforme
vontade de seus superiores, o que é possível ocorrer mesmo sem qualquer instituto
vinculativo de súmulas editas pelos Tribunais.
Imprescindível registrar que as súmulas serviriam como norma de caráter geral, não se
verificando essa pressão – externa ou interna -, tolhendo a independência do juiz no
caso concreto, analisada de forma individualizada. O magistrado estaria somente
respeitando entendimento consolidado, observando no caso concreto posicionamento
para resolver a situação atualmente colocada sob seu julgamento, análoga àquelas que
proporcionaram o surgimento das súmulas. Não haveria, portanto, aquela pressão
particular, caso a caso, mas sim uma outra forma de pressão, genérica e aplicável a
todos os juízes que estivessem na mesma posição, sem qualquer discricionariedade. O
entendimento sempre no mesmo sentido não pode ser considerado como afronta à
independência do juiz. Agressão à autonomia existiria se, em cada caso concreto, os
superiores hierárquicos pressionassem os juízes para decidir conforme suas vontades
pessoais, o que não ocorre quando o juiz é compelido a seguir entendimento sumulado.
Como síntese conclusiva do exposto cumpre registrar as palavras do magistrado
MARCO ANTONIO BOTTO MUSCARI, quando diz: “Na verdade, é tempo de pensarmos no
jurisdicionado, naquele que paga tributos e faz jus a uma prestação jurisdicional célere
e segura. Fala-se muito em independência do juiz, mas não se lembra que essa
garantia é instrumental, ou seja, não constitui privilégio de uma categoria e sim garantia
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para o cidadão. Sob o pálio da independência do juiz não há como albergar-se conduta
que vulnere os interesses dos jurisdicionados, impondo-lhes morosidade e incerteza”24
2.4 – Ofensa à obrigatoriedade de motivação das decisões – “selo com efeito
vinculante”
Para alguns doutrinadores críticos da adoção da súmula vinculante, o instituto viria a
constituir a lei do menor esforço,25 dispensando os juízes de motivarem suas decisões,
bastando para fundamentá-las apenas a menção a determinada súmula.26 Sob essa
perspectiva os juízes dariam um selo com efeito vinculante e assim decidiriam, sem
maiores preocupações com a exigência constitucional prevista pelo art. 93, IX, do Texto
Maior.
O temor demonstrado por tal parcela da doutrina é insustentável, não sendo possível
pensar na atividade do juiz como uma mera atividade mecânica, mesmo se adotada a
súmula vinculante. O julgador deverá, antes de aplicar determinada súmula ao caso
concreto, examinar com cuidado e retidão se naquela decisão é cabível a aplicação da
súmula. Uma vez assim procedendo, e chegando a conclusão que deve utilizar-se da
súmula, deve fundamentar sua decisão, explicitando os motivos que o levaram a
considerar aquela súmula aplicável ao caso concreto. Ademais, a matéria fática sempre
seria apreciada pelo juiz, dependendo de sua valoração individual no caso colocado à
24 Súmula Vinculante, ob. cit., p. 60. 25 Antonio Carlos Villen e Dirceu Aguiar Dias Cintra Júnior, “Controle externo e interno do judiciário. O controle político-ideológico e as súmulas vinculantes”, ob. cit., p. 345, faz crítica aos que chamam de burocratas: “Entre estes, sem dúvida estarão confortados com a idéia de vinculação os que desprestigiam a função jurisdicional, exercendo-a de maneira meramente burocrata. Os juízes que assim atuam poderão definitivamente esquecer qualquer preocupação com os ideais de justiça, pois existirão súmulas que dispensarão maiores indagações a respeito do acerto de tal ou qual decisão. Serão poupados de muito trabalho, o que, absolutamente, não significará que a população será poupada de sobressaltos causados por súmulas eventualmente editadas para satisfazer interesses escusos de grupos organizados de pressão.” 26 Cfr Djanira Maria Radamés de Sá, Súmula Vinculante – análise crítica de sua adoção, Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p. 106.
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sua apreciação, que naturalmente deverá justificar suas opções quando ao conjunto
fático da demanda.
Seria como hoje em dia ocorre quando o juiz aplica súmula, que mesmo não tendo
caráter obrigatório, tem caráter persuasivo, não se abstendo de motivar sua decisão
quando faz uma simples menção à súmula, dando essa como fundamento de decidir.
Deve o magistrado fundamentar sua decisão, explicitando o porque da utilização de
determinada súmula após a fixação do conjunto fático da demanda. Já hoje em dia, se
não observadas essas formalidades, a decisão será considerada nula por ofensa ao
princípio da motivação das decisões judiciais, em nada se modificando esse panorama
com a adoção do efeito vinculativo às súmulas.
Vê-se a importância da fundamentação dos pronunciamentos judiciais decisórios que o
próprio Texto Maior, em seu artigo 93, inciso IX, determinou a obrigatoriedade dessa
fundamentação, sendo que sua inocorrência, com ou sem a súmula vinculante, deve
acarretar a nulidade absoluta da decisão. Logo, se o magistrado apenas menciona a
súmula como razão de decidir - seja vinculante ou não - faltará a essa decisão a
necessária fundamentação, sendo, portanto, passível de anulação.27
27 Tratando do tema da motivação das decisões judiciais, conferir José Rogério Cruz e Tucci, A motivação da sentença no processo civil, São Paulo, Saraiva, 1987, p. 107: “A exteriorização das razões de decidir revela, desse modo, o prisma pelo qual o juiz interpretou a lei e os fatos da causa, devendo aquelas, por via de consequência, vir expostas com clareza, lógica e precisão, visando à perfeita compreensão de todos os pontos controvertidos, bem como do resultado da demanda.” No mesmo sentido, Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil na Constituição Federal, 3ª edição, São Paulo, RT, 1996, pp.169-170: “A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos, que vão desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF, trazendo consequentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que pode decidir de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento (princípio do livre convencimento motivado.” Assim, para utilizar, ou não uma súmula ao caso concreto, deverá o juiz motivar sua decisão.
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Conclui-se que o argumento utilizado de que o advento da súmula vinculante
funcionaria como afastamento da obrigatoriedade de fundamentação das decisões não
pode ser considerada como uma crítica válida a tal adoção no direito pátrio.
3 – PRINCIPAIS BENEFÍCIOS DA SÚMULA VINCULANTE.
3.1. – A igualdade jurídica
O artigo 5º, caput e o inciso I da CF de 1988, estabelecem que todos são iguais perante
a lei, constituindo a igualdade como garantia constitucional, assegurando-se a todos
uma paridade no tratamento. No atual estágio da ciência jurídica – em especial na área
do direito constitucional – o principio da paridade entre as partes não é mais tratado
como sendo uma característica estática, com profundo caráter formal e sem qualquer
preocupação com as especialidades do caso concreto. Contemporaneamente busca-se
uma igualdade real, que será obtida por meio de um tratamento desigual para os
objetivamente diferentes, na medida de suas desigualdades. Somente assim estará
superada a ultrapassada idéia de igualdade meramente formal, por meio da obtenção
de uma igualdade substancial.28
Ao se pensar na igualdade prevista no dispositivo constitucional mencionado deve-se
ampliar seu campo de atuação, atribuindo-lhe a maior abrangência possível para que
28 Nelson Nery Jr., Princípio do processo civil na Constituição Federal, ob. cit., p. 43: “Entretanto, o que o princípio constitucional quer significar é a proteção da igualdade substancial, e não a isonomia meramente formal. Essa igualdade real, explicada e demonstrada cientificamente pelo direito constitucional e também pelo direito processual civil está servindo de fundamento básico para recente corrente político-jusfilosófica denominada no Brasil de “aplicação alternativa do direito” ou justiça alternativa, desenvolvida por setores da magistratura do Rio Grande do Sul, que vê na igualdade substancial o instrumento para a busca da segurança e do justo” Essa também a visão dos mais renomados constitucionalistas, como José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 8ª edição, São Paulo, Malheiros, 1992, p. 200: “Formalmente, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantia à acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade não existe, pois está bem claro hoje que tratar como igual a sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça.”
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se verifique tanto nos casos de direito material como também nos casos de direito
processual. Teríamos, portanto, que verificar o princípio da isonomia presente tanto nas
relações jurídicas materiais como nas relações jurídicas processuais, e mais do que
isso, no resultado obtido pelo processo, que dependerá da aplicação e interpretação da
norma geral ao caso concreto.
Dentro do âmbito processual vários são os dispositivos existentes em nosso
ordenamento que buscam a efetiva isonomia, tratando diferentemente os desiguais,
como, por exemplo, na gratuidade de acesso à justiça, ou ainda os prazos
diferenciados previstos nos arts. 188 e 191, ambos do Código de Processo Civil,
concedendo prazos diferenciados para a Fazenda Pública e para os litisconsortes
passivos com patronos diferentes. Esse são apenas alguns exemplos que, dentre
vários outros, tentam conferir no processo um tratamento de paridade real entre as
partes, considerando suas próprias diferenças.
Ocorre, entretanto, que não basta que as normas processuais e materiais tratem com
igualdade as partes, sendo necessário que tal igualdade também se verifique na
aplicação de tais normas, com conseqüência no resultado do processo. Assim, não é
saudável à vida judiciária brasileira que juízes – de órgão singular ou colegiado -
cheguem a conclusões diametralmente opostas quando analisem casos materiais
análogos ou idênticos. Esse tratamento diferenciado para pessoas em situação igual,
gera uma ofensa ao princípio da isonomia.29
29 Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Constituição de 1988 e processo, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 40. Os autores, mesmo já se posicionando contra a vinculação ao precedente, já observam a necessidade de igualdade na aplicação da lei: “Tal concepção – de que a igualdade abrange não só o campo da criação da lei, mas também, o da sua aplicação – implica que o juiz, no exercício da função jurisdicional, a despeito de não estar vinculado ao precedente judiciário, deve decidir de idêntico modo questões análogas. Quando, porém, a consciência do agente do Poder Público divergir da jurisprudência dominante (o que é plenamente possível, uma vez que não está obrigado a interpretar no mesmo sentido ad eternum a lei), deverá expor os motivos da ratio decidendi, de forma a demonstrar que não visou a uma diferença de tratamento.” Tais conclusões também podemos verificar na doutrina argentina com German J. Bidart Campos, “Relaciones de la jurisprudencia vinculatoria com la división de poderes y la igualdad jurídica”, in La Ley, 749, Buenos Aires, p. 98: “La igualdad que se debe proteger es
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Resta claro que o princípio da isonomia deve ser observado indiscriminadamente por
todos os três Poderes. Assim, o Legislativo, ao exercer sua função precípua, a de criar
a lei, deve naturalmente estar atento a esse princípio. Mas não só ele; também o
Judiciário deve zelar pelo princípio ao julgar as demandas, ou seja, ao aplicar o direito
ao caso concreto. Pensamento diverso nos levaria a conclusão de ser permitido ao
Poder Judiciário desrespeitar o próprio texto constitucional, o que, por óbvio, é
inconcebível, já que é dele que se espera a tutela e aplicação do Texto Maior.30
Conforme ensina o eminente processualista JOSÉ IGNÁCIO BOTELHO DE MESQUITA, a
“uniformidade contemporânea é uma exigência óbvia da igualdade de todos perante a
lei. Não será igual para todos a lei que, para alguns, seja interpretada num sentido e,
para outros, seja interpretada em sentido oposto. A unidade do sentido da lei é
pressuposto da igualdade perante a lei. Por essa razão, constitui imperativo
constitucional e dever indeclinável dos tribunais uniformizar a sua própria
jurisprudência.”31
la igualdad juridica, que es algo más que la igualdad ante la ley... Trasladándonos al tema de nustro estudio, diremos que si la misma ley es aplicada o inerpretada por los tribunales en forma contradictoria o diferente para situaciones idénticas, la igualdad jurídica carece de vigencia... Aparte de que ello provoca inseguridad jurídica, consideramos necesario remediar en lo posible la discrepancia jurisprudencial porque va en detrimento de la igualdad jurídica... Frustar la igualdad en el derecho judicial por aplicaciones desiguales de la misma ley es atentar contra la justicia... La uniformidad jurisprudencial en esos supuestos salva incólume la garantia de la igualdad jurídica que de outro modo, no pasa de ser una de las tantas ficciones conque se entretiene la teoria, a espeldas de la vida.” 30 Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Constituição de 1988 e processo, ob. cit., p. 39: “Tecidas essas indispensáveis considerações, bem é de ver, em sequência, que o regramento da igualdade de todos perante a lei, ou da isonomia, dirige-se, indistintamente, a todos os poderes do Estado. Como veementizando-o, expressa Pontes de Miranda, é ele “cogente para a legislatura, administração, e para a Justiça”. Por via de consequência, a qualquer dessas funções estatais, especialmente a judiciária, não é dado estabelecer privilégios, nem discriminações, sejam quais forem as circunstâncias, devendo tratar equitativamente todos os cidadãos: “este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.” 31 “Uniformização de Jurisprudência”, in LEX: Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, São Paulo, v.19, n.226, 1997, p. 08. No mesmo sentido parece caminhar Marco Antonio de Barros, “Anotações sobre o efeito vinculante”, ob. cit., p. 105: “Antes de mais nada é preciso consignar que o crescimento vertiginoso da população, o rápido desenvolvimento dos grandes centro urbanos e a multiplicação
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É conclusão irrefutável que o fato de haver interpretações díspares de situações
análogas levadas ao conhecimento do Poder Judiciário é altamente prejudicial tanto
aos jurisdicionados que procuram esse poder para tutelar seus interesses como
também ao próprio Poder Judiciário, que acaba se vendo desprestigiado frente a todos
como instituição já que não consegue estabelecer uma unidade, decidindo de forma
coesa. Não há como negar que a adoção da súmula vinculante viria a sanar essa
problemática, passando a tratar, de forma acertada ou errada, com isonomia os
jurisdicionados. 32
Fica claro que no concernente ao Poder Judiciário o desencontro de decisões
proferidas em casos análogos, se já causam mal estar entre os operadores do direito,
ainda pior impressão deixam entre aqueles que não entendem perfeitamente os
trâmites processuais e mesmo a possibilidade legal para tais divergências ocorrerem. É
nefasta a consequência para o Poder Judiciário, considerando-se que tais desencontros
geométrica dos inconformismos e descontentamentos às decisões exaradas pelos Juízos inferiores convergem para o surgimento daquilo que pode ser chamado de coletivização dos conflitos, cujo movimento depende, para sua pacificação, de uma resposta equivalente, qual seja a inserção no ordenamento jurídico de medidas que promovam a “cletivização da tutela jurisdicional””. Ainda Geraldo Brindeiro, “Brindeiro defende súmula vinculante”, in Tribuna do Direito, 38, 1996, p. 15, quando se manifesta “francamente favorável à adoção do efeito vinculante das súmulas dos Tribunais Superiores, especialmente do STF e do STJ, não apenas para evitar o acúmulo absurdo de processos repetidos, nos quais as questões jurídicas já foram anteriormente decididas inúmeras vezes, prejudicando o acesso ao Judiciário e a qualidade da prestação jurisdicional, mas também, e principalmente, em respeito ao princípio constitucional da isonomia, pois é inaceitável dar-se tratamento diferenciado com base na mesma lei, a pessoas em situações jurídicas idênticas” 32 Rodolfo de Camargo Mancuso, Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante, ob. cit., pp. 135-136: “Com efeito, são de tal modo conectadas e pressupostas as expressões direito e certeza que o descontrolado dissenso pretoriano, ao distanciar aqueles valores, coloca em xeque a credibilidade do sistema judiciário e a eficácia real de suas produções, decepcionando o jurisdicionado, como consumidor final desse serviço estatal. È tão crucial para a população a necessidade de segurança jurídica que, muita vez, entre a angústia de esperar por uma “verdade incerta e remota”, prenunciada por uma jurisprudência instável, e o desencanto presente do “erro consumado e conhecido”, o cidadão acaba por se conformar com esta última alternativa, por mais patético e paradoxal que seja. Tais ponderações devem ter influído na significativa afirmação de José Alberto dos Reis: “Antes jurisprudência errada, mas uniforme, do que jurisprudência incerta. Perante jurisprudência uniforme, cada um sabe com o que se pode contar; perante a jurisprudência incerta ninguém está seguro do seu direito.””
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levam a população em geral a um ter um total descrédito com relação à própria
distribuição de justiça.
Tomemos um exemplo das maléficas conseqüências geradas pro essa diversidade de
entendimentos da mesma questão jurídica. A problemática acerca da executividade ou
não do contrato de abertura de crédito.33 Há muito tempo o Segundo Tribunal de Alçada
Civil do Estado de São Paulo – hoje órgão extinto em razão da Emenda Constitucional
nº 45 - vinha decidindo acerca da executividade de tal contrato, restando inclusive a
matéria sumulada. Ocorre, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça, em razão de
reiteradas decisões, fixou entendimento de que o contrato de abertura de crédito não
pode ser considerado como título de crédito, também sumulando a questão (Súmula
233). A parte que tinha em seu poder um contrato de abertura de crédito chegava a um
beco sem saída. Se ingressasse com a ação de execução, quando o processo
chegasse à Brasília a inicial seria considerada inepta e se, por outro lado, atento a
orientação do STJ, ingressasse com monitória, a inépcia seria declarada em segunda
instância. A situação entre os juízes de primeiro grau era caótica, recebendo os
jurisdicionados, em idênticas posições jurídicas, tratamentos diametralmente opostos.
Não há dúvida que tal situação constituía-se em afronta ao princípio da isonomia34, o
33 Acerca do tema, interessante a análise realizada por Humberto Theodoro Jr., “O contrato de abertura de crédito e sua natureza de título executivo”, in Processo de execução e assuntos afins, coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, Saraiva, 1998, pp. 268-295, chegando a conclusão já sumulada pelo 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo: “Nada há no sistema do Código de Processo Civil que impeça o reconhecimento ao contrato de abertura de crédito da qualidade do título executivo, desde que se refira a um valor definido, a ser utilizado e reposto pelo creditado e esteja subscrito por este e por duas testemunhas” 34 Os exemplos são vários. Cfr Saulo Ramos, “Efeito vinculante de decisões dos Tribunais Superiores”, ob. cit., pp. 151-152, ao tratar do entendimento diverso ao do Supremo tribunal Federal adotado pelo TRF da 5ª Região quanto a auto-aplicação dos §§ 5º e 6º do artigo 201 da Constituição Federal., concluindo: “O TRF da 5ª Região considerou o Supremo Tribunal Federal errado na interpretação da Constituição Federal e, à falta de lei de concreção, continuou a negar esse direitos fundamentais, embora mínimos na expressão econômica, para os aposentados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, enquanto todos os demais brasileiros, na mesma situação jurídica, passaram a tê-los respeitados no resto do território nacional.” Outro exemplo nos é trazido pelo magistrado Marco Antonio Botto Muscari, Súmula Vinculante, ob. cit., pp. 55-56: “Logo após o advento da Constituição de 1988, inúmeros cidadãos ajuizaram ações visando ao reconhecimento da aquisição de terrenos por força do usucapião especial urbano, instituído pelo art. 183 da Carta Magna. Desde o primeiro instante adotamos a orientação de que
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que felizmente restou superado pela adoção do entendimento do Tribunal Superior
pelos juizes hierarquicamente inferiores. Mas durante o largo lapso temporal de
incerteza o estrago já havia sido feito.
No direito argentino, por exemplo, é tamanha a preocupação com o Poder Judiciário
como instituição forte, unificada e coerente, que parte da doutrina, mesmo admitindo
não haver uma obrigação legal de respeitarem-se em grau inferior as decisões da Corte
Suprema, afirma haver um dever institucional por parte dos juízes nesse sentido. Para
essa corrente, decisões divergentes enfraquecem o Poder Judicial frente aos
jurisdicionados, fazendo com que sua supremacia e o próprio respeito a ele devido
fiquem abalados.35
Ademais, para a corrente argentina do “sometimiento condicionado como deber
institucional”, a uniformização de decisões por parte do Judiciário traz consequências
positivas à ordem institucional como um todo. Toda a ordem das instituições repousa
sobre a interpretação dada à lei material por parte do Judiciário. Se essa resposta é
unificada, se terá uma maior estabilidade das instituições, já que os clientes desse
Poder (os jurisdicionados) saberão como o problema jurídico concreto será resolvido.
a Cidadã criara direito novo, de sorte que a norma constitucional não poderia retroagir e m prejuízo do titular de domínio. No Tribunal de Justiça formaram-se duas correntes a respeito do tema, entendendo alguns que o lapso prescricional aquisitivo só poderia fluir a partir da promulgação da Lei Maior, ao passo que outros sustentavam a possibilidade de se levar em conta a posse anterior ao advento da Constituição. Pois bem. Vários autores sucumbentes apelaram, argumentando que não tinham que esperar até 5 de outubro de 1993 (quando a CF completaria um quinquênio) para o ajuizamento das ações de usucapião. Algumas das sentenças por nós proferidas foram “reformadas”, enquanto outras subsistiram na Corte. Imagine-se agora, a situação daqueles perdedores que viram seus vizinhos obterem ganho de causa, com direito ao tão sonhado registro na Serventia Predial. Como explicar-lhes que, apesar de haverem ocupado os terrenos na mesma época, em situações fáticas idênticas, a orientação jurisprudencial era dividida” 35 Osvaldo Alfredo Gazaini, La justicia constitucional, Buenos Aires, Depalma, 1994, p. 34: “En vez de ser influídos por valores morales, la incidencia puede manifestarse en el “deber constitucional” de acomodar las reflexiones presentes com las efectuadas por los tribunales superiores en pronunciamientos firmes y reiterados. En estos casos no se priva a los magistrados inferiores de expedirse conforme a sus convicciones; simplesmente se sugiere que existe una superioridad institucional que, maguer los incovenientes de los sistema de subordinación jerárquica, determinan una suerte de autoridad obligatoria.”
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No contrário, a própria ordem institucional restaria abalada, em decorrência do que
ficou conhecido na doutrina por “loteria judiciária”.36
Por outro lado, o tratamento sem isonomia, tratando diferentemente pessoas que se
encontram na mesma situação jurídica é extremamente prejudicial aos próprios
jurisdicionados. Importante frisar aqui que, obviamente, devido à própria característica
do Direito, decisões conflitantes poderão ocorrer, como, por exemplo, assim que
promulgada lei com enunciado lacunoso ou duvidoso (e são tantas as leis com esses
defeitos...), é passível de compreensão uma certa disparidade no entendimento e
também das decisões acerca dos temas tratados por esse novo texto legislativo.
O que não se pode admitir é que, após decisão do tribunal, que tem por competência
funcional, a última palavra do Poder Judiciário sobre a matéria, alguns juízes continuem
a expor entendimento isolado, discordante da posição majoritária adotada, proferindo
decisões isoladas e incompreensíveis para a parte que acredita que seria favorecida
em virtude do entendimento pacífico a respeito do tema.37 Não há como se aceitar que
se prospere divergência fundada em erro ou em razões de ordem meramente subjetiva,
36 Nestor Pedro Sagues, “Eficacia vinculante o no vinculante de la jurisprudencia de la Corte Suprema de Justicia de la Nacion”, ob. cit., p. 893: “Un segundo resultado de la doctrina predicha es – según la misma Corte en los autos “sara Pereira Iraola c. Provincia de Córdoba” – que la efectiva prescindencia de los fallos de la Corte Suprema de Justicia, “cuyo leal acatamiento es indispensable para la tranquilidad pública, la paz social y la estabilidad de las instituciones, importa un agravio al orden institucional. Un tercer efecto es determinar que el respeto a los fallos de la Corte Suprema de Justicia de la Nación importa no solamente un deber moral sino también un deber institucional porque el orden de las instituciones reposa sobre la interpretación que hace la Corte de la Constitución.” No mesmo sentido Marcelo Julio Navarro, “Actualidad de jurisprudencia de la Corte Suprema acerca del acatamiento de su propria doctrina”, in La Ley, Buenos Aires, 1997-C, p. 1140: “Asimismo, en un expediente relativo a la imposición a magistrados de Segunda instancia de sanciones por apartarse de la sentencia de la Corte, el tribunal virtió los seguintes conceptos: “La institución de un tribunal al que le es encomendada como función exclusivamente propria de él, la decisión final de “las causas que versen sobre puntos regidos por la Constitución” (art. 100 de ésta) importa atribuir a la interpretación que este tribunal haga de ella una autoridad que no és sólo moral sino, como se la llamó en el pronunciamiento recurrido, institucional, es decir que el ordem de las instituciones repousa en ella.” 37 Saulo Ramos, “Efeito vinculante das decisões dos Tribunais Superiores”, ob. cit., p. 150, analisa algumas nefastas razões para tal procedimento: “E também por um segundo “a não ser”: o aumento de rebeldias na magistratura, estimuladas, em casos vários, não pela ciência jurídica, mas por simples motivação política, nem sempre fundada em divergência doutrinária.”
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apoiando o juiz que, mesmo sabendo que a posição majoritária é uma, decide de
maneira contrária, impondo grave prejuízo ao jurisdicionado, que, ao ingressar com
ação judicial tinha a perspectiva de que sairia vencedor em razão de ter a seu favor
tanto o posicionamento doutrinário como decisões reiteradas dos Tribunais no sentido
de sua tese jurídica.
Não causará surpresa a ninguém dizer que aqueles que dispõe de maiores recursos
financeiros sofrem menos com a duração do processo. Tendo uma posição privilegiada
em termos financeiros, a parte vai ter condições de esperar quanto tempo for até a
decisão final a ser dada pelo Poder Judiciário. Além dessa possibilidade maior de
esperar o resultado do processo, poderá ainda ingressar com todos os recursos
cabíveis, até o esgotamento total da via recursal, inclusive perante os tribunais
superiores, na – para a maioria dos jurisdicionados - distante e cara Brasília.38
Por outro lado, para o litigante sem muitas condições financeiras, cada dia do processo
é mais um dia de sofrimento e sacrifício, considerando-se que a distância do bem da
vida pleiteado é mais penosa para aquele que necessita do amparo do direito para
satisfazer sua pretensão de maneira rápida e eficiente. Para esse, o tempo
definitivamente é seu maior inimigo. E ainda pior, não tem ele meios financeiros para
esgotar todos os recursos possíveis, ficando totalmente alijado dos tribunais superiores,
devido a todos os obstáculos materiais existentes para se pleitear a tutela desses
tribunais.39
38 Nesse sentido José Rogério Cruz e Tucci, Tempo e processo, São Paulo, RT, 1997, p. 111: “Já no que se refere às partes, além de sofrerem diretamente os sérios riscos advindos dessa inescondível possibilidade (decisão errada), a intolerável duração do iter processual constitui “fenômeno que propicia a desigualdade..., é fonte de injustiça social, porque a resistência do pobre é menor do que a do rico: este, e não aquele, pode, via de regra, aguardar, sem sofrer grave dano, uma injustiça lenta... Um processo longo beneficia, em última análise, a parte rica em detrimento da parte desafortunada.” 39 Temos entre esses obstáculos os portes de remessa e de retorno dos recursos, além é claro, do maior de todos os obstáculos, a localização geográfica da capital brasileira, já que é inegável que as partes sem recursos não tem como pagar um advogado para que esse cuide de seus recursos em Brasília.
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Como são os tribunais de superposição competentes para dizer a palavra final de
temas federais e constitucionais, cabe o questionamento do porque deveria o litigante
sofrer todos os percalços processuais para, ao final, ver tutelado seu direito. Seria justo
com esse litigante - “vítima” de uma decisão isolada - forçá-lo a despender tempo e
dinheiro para conseguir uma decisão que mesmo antes do ingresso do processo todos
já sabiam que lhe seria favorável? Não parece crível que a resposta a tal
questionamento deva ser dada de forma positiva.40
Mais uma vez com amparo no direito comparado, traz-se à discussão forte corrente
doutrinária existente na vizinha Argentina. Nesse país, temos uma corrente conhecida
como corrente do “sometimiento como deber moral”. Essa corrente da doutrina
portenha se divide em duas frentes, sendo que é a segunda que mais vai interessar
para a presente discussão. A primeira explicação para esse “dever moral” de respeito
pelas instancias inferiores às decisões dos tribunais superiores, no caso argentino, da
Corte Suprema de la Nación, residiria na presunção de verdade e justiça dos julgados
daquela corte, intimamente ligado à sabedoria e integridade de seus membros.41
40 Com o mesmo entendimento na doutrina nacional Fernando da Costa Tourinho Neto, “Efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal: uma solução para o Judiciário”, ob. cit., p. 186: “Não se pode conceber uma questão decidida pelo Supremo Tribunal Federal, a Corte mais alta do País, o Tribunal que dá a última palavra, receba decisão diferente, em causas idênticas, nos tribunais e juízes inferiores, obrigando o vencido a interpor recursos, percorrendo um caminho difícil, penoso, demorado, para, depois de anos e anos, chegar ao Supremo a fim de obter a reforma daquela decisão.” O magistrado conclui com um exemplo: “Lembremos que juízes e tribunais, em milhares de questões, decidiram que os funcionários teriam direito à incorporação do reajuste de oitenta e quatro por cento em seus salários, contrariando decisão do Supremo. Qual o resultado? Centenas e centenas de recursos, a crença dos pobres dos desacreditados funcionários de que seriam vitoriosos, anos de esperança, para, afinal, o Supremo, sem mais estudar esses recursos, porque já analisara detidamente o caso, negar-lhes provimento. Tempo perdido, dinheiro gasto à toa, honorários advocatícios desembolsados sem necessidade. De antemão já se sabia qual seria o desfecho do julgamento.” Percebe-se que o exemplo é contrário ao exposto, quando as decisões de primeiro e segundo grau criam uma falsa esperança ao jurisdicionado, sendo certo que a decisão final lhe será desfavorável. No exemplo, o litigante é o Estado, que pode ser tratado não só como o maior cliente da justiça brasileira, como também aquele que, pelas facilidades instrumentais e própria grandeza da instituição que representa, não sofre sérios prejuízos com eventual demora no processo, e, sempre, com razão ou sem, vai à Brasília. 41 Nesse sentido, já também tratando do segundo aspecto defendido pela doutrina, Osvaldo Alfredo Gozaini, “La doctrina del precedente obligatorio (stare decisis) y el valor de los pronunciamientos de la Corte Suprema de Justicia”, in Jurisprudencia Argentina, Buenos Aires, 1993-II, p. 804: “Lo cierto es que
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O segundo ramo da corrente do dever moral é o que mais interessa aos objetivos
pretendidos com o presente artigo, já que o pensamento esboçado pelos doutrinadores
que a defendem está intimamente ligado à problemática do tempo e custos do
processo. Existe na Argentina, por parte de considerável doutrina, a preocupação com
os jurisdicionados, não parecendo justo que seja ele forçado a gastar tempo e dinheiro
para conseguir uma decisão que, invariavelmente, conseguirá, só que, em alguns
casos, somente após o penoso trâmite processual até as últimas instâncias.42
se acepta que las Cortes Superiores pueden sugerir un temperamento, y que esa lectura de los acontecimientos merece continuidad cuando se reitera y constituye lo que denominamos “jurisprudencia constante e inveterada”. El seguimiento puede fundarse en la presunción de verdad y justicia que a sus doctrinas da la sabiduría e integridad que caracteriza a los magistrados que componen el enjuiciamiento; sin perjuicio de otras actitudes menores, como evitar recursos inútiles, acelerar el trámite de la causa, etc. Este tipo de actitude de sometimiento pueden llamarse “morales”, esto es, seguir las directivas jurisprudenciales de la Corte Suprema por una obligación ética basada en una presunción de verdad (motivación axiológica) y en razones de economía procesal (motivación práctica: impedir trámites recursivos que podrían ahorrarse.” No mesmo sentido Nestor Pedro Sagues, “Eficacia vinculante o no vinculante de la jurisprudencia de la Corte Suprema de Justicia de la Nación.”, ob. cit., p. 893: “Pese a ello, la Corte subrayó en la sentencia que comentamos que “hay un deber moral para los jueces inferiores en conformar sus decisiones como la misma Corte lo tiene decidido en casos análogos a los fallos de aquel Alto Tribunal, (y) él se funda principalmente en la presunción de verdad y justicia que a sus doctrinas da la sabeduría e integridad que caracteriza a los magistrados que la componem, y tiene por objeto evitar recursos inútiles, sin que esto quite a los jueces la facultad de apreciar com su criterio proprio eses resoluciones y aparterse de ellas cuando a su juicio no sean conforme a los preceptos claros del derecho.” Saulo Ramos, “Efeito vinculante das decisões dos Tribunais Superiores”, ob. cit., p. 149, nos traz notícia que tal pensamento já esteve presente no país: “Antigamente, havia, por tradição, absoluto acatamento das decisões superiores por parte dos Juizes e tribunais menores. Não era subordinação, mas respeito reverencial à presunção de maior sabedoria. Eram os tempos em que não existia tribunal federal no Rio Grande do Sul.” 42 Enrique Aníbal Ferraris, “? Deber moral o deber legal? Acerca de la obligatoriedad de la jurisprudencia de los Tribunales Superiores”, ob. cit., p. 944, ao transcrever trecho de voto da juíza Da Corte da Província de Mendoza, Aída Kemelmajer de Carlucci, que espelha com precisão esse pensamento: “Resolver aisladamente en sentido contrario no sólo significa asumir temerariamente el riesgo cierto de una revocación de sentencia com el consecuente costo (de dinero y tiempo) para los litigantes, sino... como todavía sucede com otros casos... sólo sirve para aumentar la dilación de los pleitos.” O problema do tempo no processo é tratado com a costumeira maestria José Rogério Cruz e Tucci, “Garantia do processo sem dilações indevidas”, in Garantias constitucionais do processo civil, São Paulo, RT, 1999, pp. 258-259, acerca da obrigatoriedade, inclusive constante explicitamente no nosso ordenamento, de uma obrigação de entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável: “Com a ulterior publicação do Decreto 678 (09.11.1992), o Pacto de San José foi promulgado e, finalmente, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro. Como o rol das formalidades legais rigorosamente cumprido, deduz Luiz Flávio Gomes ser evidente que, no Brasil, todos devem obediência aos ditames da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.”; concluindo que: “Desse modo, a despeito da garantia do devido processo legal pressupor, como já ressaltado, o rápido desfecho do litígio ou da persecutio criminis,
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Tal exigência viria em desfavor de forma mais nefasta daquele que não tem muitos
recursos financeiros para suportar um processo tão longo e com ida à Capital Federal,
conforme já exposto. Muitos não têm essas condições, e após a decisão de segunda
instância, não mais recorrem. Ou pior, o fazem de maneira inadequada em virtude do
despreparo de seus patronos... Por outro lado, se possuidor de recursos, a parte irá
sem dúvida utilizar as vias extraordinárias de impugnação, aguardando pacientemente
uma decisão favorável que lhe aguarda. Percebe-se que nos dois casos haverá uma
penosa situação a ser suportada pela parte, mas na primeira hipótese será gerada uma
inaceitável e mais robusta injustiça. A demora traz consequencias mais sérias aos que
não tem recursos, além de serem para esses, os obstáculos materiais existentes para
litigar nos tribunais superiores, mais difíceis de serem transpostos.
A unificação de entendimentos para a mesma questão jurídica, portanto, parece ser,
sob o aspecto analisado, medida sadia tanto para o fortalecimento do Poder Judiciário,
que passaria a ver visto como uma instituição forte e coesa, como também para os
jurisdicionados, que, se possuidores do direito á luz interpretativa do Tribunal que tem
como competência a palavra final sobre o tema, poderiam obtê-lo pelo modo mais fácil,
rápido e barato, e não pelo meio mais difícil, moroso e oneroso.
3.2- Segurança jurídica
encontra aplicação, em nosso sistema jurídico, dada a evidente compatibilidade de regramentos, o disposto no art. 8º, 1, do referido Pacto: “Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável.”” Esse aspecto também é tratado pela doutrina argentina, Enrique Aníbal Ferraris, “?Deber moral o deber legal? Acerca de la obligatoriedad de la jurisprudencia de los Tribunales Superiores”, ob. cit., p. 945: “Por outra parte la Convención Americana de Derechos Humanos (más conocida como Pacto de San José de Costa Rica; ley 23.054 – Adla, XLIV-B, 1250-), garantiza a toda persona el derecho a un pronunciamineto rápido (art. 7, ap.5) y recordemos que en este aspecto la Corte Federal há reconocido el carácter operativo de sus principios. Yen torno a la celeridad judicial há dicho la sala II de la Câmara Criminal y Correccional Departamental que “se viola la garantía (de defensa em juicio) si no se respeta el derecho a una rápida decisión”
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Outro aspecto intimamente ligado ao da igualdade jurídica é aquele que diz respeito à
segurança jurídica que a adoção das súmulas vinculantes traria ao panorama jurídico
brasileiro. Uma uniformização da jurisprudência - com a conseqüência prática de
propiciar decisões homogêneas – traria por esse ângulo uma maior possibilidade de
antevisão das soluções dos litígios que chegam ao Judiciário. Na verdade, funcionaria
até mesmo com caráter preventivo, sendo lícito se imaginar que os jurisdicionados, ao
se verem em posição contrária à súmula, e tendo essa um efeito vinculante, ficariam
desmotivados a procurar o Judiciário.43
O Poder Judiciário estaria como a dar um recado para aquele que pensa em utilizar
seus serviços: o Judiciário irá lhe atender, mas sua pretensão não será acolhida,
porque sua tese jurídica já foi rejeitada de forma reiterada pelos Tribunais Superiores, e
ainda que um juiz isoladamente tiver um entendimento que o favoreça, não poderá se
insurgir contra o pacificado posicionamento (obrigatoriamente, pelo efeito vinculante
das súmulas). Estaria assim acabada a já tão famosa “loteria judiciária”, pela qual fica
difícil de saber a decisão final de algumas demandas, que dependerá do último órgão
jurisdicional a se manifestar no caso concreto. Assim sendo, a insegurança jurídica
transmitida ao povo em geral, seria obstado pela transmissão a ele de um entendimento
unitário, coeso, previsível.44
43 Assim ocorre nos países da common law, como, por exemplo, nos Estados Unidos da América, Charles D. Cole, “Precedente judicial – a experiência americana”, ob. cit., p. 83: “Então, a capacidade de prever a ação que a Corte de primeira instância e as Cortes superiores teriam em relação a uma determinada situação fática pode evitar a necessidade de litígios sobre situações fáticas repetitivas que não constituem uma base para o remédio judicial.” 44 Contrariamente a esse entendimento, Dalmo de Abreu Dallari, O poder dos juízes, ob. cit., pp. 64-65: “Por último, há também o argumento de que a ocorrência de divergência jurisprudencial gera insegurança jurídica, sendo melhor que o povo saiba desde logo, com certeza absoluta, quais as regras obrigatórias e como elas devem ser interpretadas. Ora, se for acolhido esse argumento será melhor tirar de todos os juízes e tribunais a competência para interpretarem qualquer lei ou ato normativo. E será melhor ainda acabar com o Próprio Poder Judiciário, como também com o Legislativo, pois se o Executivo editar normas e for o único autorizado a interpretá-las não haverá divergências e todos saberão desde logo quais as regras e ninguém poderá contestar a interpretação dada pela autoridade. Mas nesse caso, para haver coerência, será necessário eliminar a Constituição, o direito, a liberdade. Como fica evidente, esse argumento não é compatível com uma sociedade democrática e não pode ser levado a sério por quem acredita no direito como instrumento de justiça e paz.”
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É relacionada ao tema da segurança jurídica que se coloca a discussão a respeito dos
proveitos econômicos que a adoção da súmula vinculante seria apta a trazer ao país,
aqui tratando o termo “econômico”, com relação à economia do país. As observações
são obviamente feitas por sob um ponto de vista leigo sobre o assunto, sendo
necessária uma maior contribuição dos especializadas sobre o tema como forma de
enriquecimento do debate.
Conforme exposição de ANTONIO CARLOS PEREIRA, expert econômico, pode-se concluir
“que a Justiça, tal qual prestada hoje, é um entrave ao processo econômico. Não se
trata apenas de morosidade; mais grave é a diversidade de sentenças a respeito de
ações semelhantes, liberdade de interpretação que, na extremidade, acaba dando aos
juízes de primeira instância virtual poder de legislar. A falta de previsibilidade jurídica é
um elemento a afastar os investidores e a conturbar o processo econômico. Da mesma
forma, as deficiências da Justiça já se projetam sobre a estabilidade política, pela
erosão dos valores inerentes à lentidão das decisões e à divergência de
interpretações... Parece haver um consenso a respeito da necessidade da criação da
súmula vinculante, para acabar com as decisões intempestivas e discrepantes na
primeira instância... tornando previsíveis os resultados”45
Com relação às preocupações acerca de uma possível inclusão do Poder Judiciário no
processo de globalização econômica, visando a submissão desse às grandes
corporações e interesses financeiros, temos que ponderar com cuidado. Não deve
45 Cfr Luiz Flávio Gomes, “Súmulas vinculantes e independência judicial”, ob. cit., pp.18-19. Para o autor do texto, inconcebível tal pensamento, sendo, portanto, essa uma forma neoliberal de favorecer o comércio em detrimento aos valores individuais: “O escopo último é contar com um sistema jurídico e judicial que favoreça o comércio, o investimento, o sistema financeiro, a transferência de recursos, etc. A preocupação não é com a Democracia, como valor constitucional, senão com o livre mercado.” Em sentido contrário Marco Antonio Botto Muscari, Súmula vinculante, ob. cit., p. 71: “Quer se goste, quer não, a globalização é fenômeno irreversível. E para viabilizar-se, necessita de um mínimo de homogeneidade normativa. Países que se auto-excluírem do processo irão democratizar a miséria, mesmo que empunhando bandeiras como a da soberania nacional.”
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restar dúvida que, homogeneidade de decisões traz segurança jurídica, e essa traz
desenvolvimento econômico. As grandes empresas, tanto nacionais quanto as
estrangeiras, teriam maior possibilidade de projetar suas negociações, já que seu
padrão de conduta estaria definido pelo Poder Judiciário. Um Judiciário coeso, portanto,
traria benefícios à economia, posto que ninguém gosta de investir num país em que,
necessitando-se do Judiciário para defender um direito, não se saiba se esse direito irá
ou não ser tutelado.46
O aspecto que preocupa alguns doutrinadores é aquele relacionado à eventual
submissão do Judiciário a interesses maiores, externos ao plano jurídico. Essa
preocupação é totalmente procedente, considerando-se que em nosso país os
magistrados que eventualmente editariam súmulas vinculantes são escolhidos pelo
Poder Executivo e Legislativo, que há muito já podem ser considerados como um só
poder, encabeçado pelo Presidente e apoiado por senadores e deputados, conforme
restou mais uma vez demonstrado com a última eleição para Presidente da Câmara
dos Deputados. Essa verdadeira interpenetração de poderes pode ser de fato muito
perigosa.
Ocorre, porém, que uma coisa independe da outra. A uniformização da jurisprudência
traz benefícios à economia do país, sendo isso um fato. Temos que encarar que
qualquer vertente adotada pelo Poder Judiciário já traz benefícios à economia, não nos
cabendo imaginar que as decisões serão a priori para privilegiar interesses das grandes
corporações. Se uma súmula é editada contra esses interesses, ainda assim a
economia se beneficia, havendo por força de decisão judicial com efeito “erga omnes”e
46 Essa previsibilidade pode ser constatada, por exemplo, nos Estados Unidos da América, conforme nos informa Charles D. Cole, “Precedente judicial – a experiência americana”, ob. cit., p. 83: “Em suma, o uso do precedente na cultura jurídica americana cria uma estabilidade para os propósitos de processo decisório e, além disso, provê uma base para que o militante do direito possa prever a decisão que a Corte proferirá com relação a casos que o militante traga à Corte para decisão.”
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vinculativo um entendimento que forçará aos interessados a mudar sua postura.
Haveria então, um novo planejamento.
2.3 – O desafogamento dos Tribunais Superiores
De todos os discursos defendendo a adoção das súmulas vinculantes em nosso país
está sempre em primeiro plano a situação caótica por que passam nossos Tribunais
Superiores, em especial o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
Não é nenhuma novidade que esses tribunais estão devendo aos jurisdicionados uma
resposta de qualidade em tempo razoável. E não podemos jogar essa culpa
exclusivamente nos ombros de nossos Ministros, contribuindo significativamente para a
caótica situação o sistema processual (os problemas estruturais, apesar de inegáveis,
fogem ao âmbito do presente texto).
A proliferação de recursos aos Tribunais Superiores passou a causar uma mudança em
nossa sistemática processual, criando-se o que se convencionou chamar de terceira
instância.47 A verdadeira enxurrada de processos que chega à Brasília, fazendo com
que os autos se avolumem nos gabinetes dos Ministros que, por óbvio, não conseguem
analisar e julgar todos eles com a merecida atenção e com a necessária rapidez, é
altamente perniciosa para a imagem do Poder Judiciário. E da forma e com o volume
que chegam os processos à Brasília, é humanamente impossível cobrar isso de nosso
ministros.
47 Luiz Flávio Gomes, “Súmula vinculante e independência judicial”, ob. cit., p. 16, fala em até mesmo o quarto grau recursal: “Muitos, com certa dose de ceticismo, afirmam ser o Brasil o país dos paradoxos. Em matéria recursal isso efetivamente acontece; enquanto uns estão privados do duplo grau de jurisdição (casos de competência originária dos Tribunais, por exemplo), outros abusam não só do duplo, senão do triplo (STJ) ou quádruplo (STF). O inconformismo dos Ministros das Colendas Cortes Supremas, diante desse disparate, é justificável e compreensível. Todos, em suma, concordam com o diagnóstico: há uma multiplicação de julgamentos inúteis, etc.”
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Qualquer processo, por mais absurdo que seja, chega aos Tribunais Superiores. Como
irônico e ao mesmo tempo preocupante exemplo podemos citar fato relativamente
recente acontecido no Rio de Janeiro. Um jornal da capital carioca publicou matéria a
respeito de uma brincadeira que teve como objeto no fato de alguém, muito espirituoso,
ter confeccionado folhetos com o brasão da República, para que se parecesse com
uma lei, inclusive assinada pelo presidente, de que todos os brasileiros acima de 65
anos deveriam se dirigir ao crematório municipal para serem incinerados. O folheto
ainda continha particularidades, como a exigência que a pessoa não ingerisse bebida
alcóolica na véspera para evitar uma eventual explosão.
Era clara a intenção jocosa, mas um senhor de idade acreditou na história, e temeroso
pelo seu futuro e de todos os brasileiros na sua condição, impetrou um habeas corpus
perante o Supremo Tribunal Federal, já que a autoridade coatora era o Presidente da
República. Se até mesmo esse processo tomou tempo e trabalho de nossos ministros,
não fica difícil imaginar porque há sobrecarga de trabalho. Isso sem mencionar os
recursos repetitivos, que segundo dados do próprio tribunal chegam a 80% dos
processos para lá enviados, em sua imensa maioria envolvendo o Poder Público em
Juízo, em decorrência de reiteradas práticas de desrespeito às nossas leis pelo Estado.
E nem se fale que o problema poderia ser resolvido com um aumento substancial do
número de Ministros que compõe os Tribunais Superiores. Tal medida administrativa
faria surgir um novo problema sem, entretanto, resolver o já apresentado. O aumento
do número de ministros faria com que a amplitude do novo tribunal viesse a macular
uma eventual uniformização de jurisprudência, dificultando ainda mais a almejada
prestação rápida e justa da prestação jurisdicional.48
48 Dínio Santis Garcia, “Efeito vinculante dos julgados da Corte Suprema e dos Tribunais Superiores”, ob. cit., pp. 45-46: “È evidente que uma tal situação deriva de um sistema ao qual falta um mínimo de racionalidade. Não se pode fugir desse dilema: ou é necessário que todos estes feitos subam à apreciação da Corte Suprema, e neste caso é imperiosos o aumento do número dos seus juízes, ou é mais importante que se mantenha a Corte em suas dimensões atuais, e nesta hipótese deve ser reduzido
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Para se enfrentar a situação caótica presente atualmente no Superior Tribunal de
Justiça e Supremo Tribunal Federal, a adoção da súmula vinculante serviria como meio
resolutório do excessivo número de processos que chegam a tais Tribunais. A
obrigatoriedade na adoção de entendimento já sumulado viria então diminuir a carga de
processos dirigidos a esses tribunais. Parece claro que seria de fato esse efeito que
viria a se verificar, com considerável diminuição dos processos repetitivos, em geral na
qual temos o Estado como litigante.49
4- ASPECTOS POLÍTICOS DA ADOÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE
Não seria possível se afastar do aspecto político da adoção das súmulas vinculantes,
muito embora não esteja esse problema propriamente colocado com a mudança
legislativa comentada, até mesmo porque o art. 103-A, CF, objeto da reforma
constitucional advinda da Emenda Constitucional nº 45, tem limitações às hipóteses de
o montante dos feitos que lhe devem ser atribuídos”, concluindo “Em face de tais exemplos devemos admitir que o STF, mantida a obrigatoriedade de decidir sobre todos os recursos que lhe chegam, deveria ter seu quadro ampliado para algo em torno de 350 juízes. Penso que esta não é a melhor solução. São Notórias as vicissitudes que cercam a vida dos grandes tribunais, das quais a maior – desde que seria impossível o julgamento das causas por um corpo de tal magnitude – é a necessidade de que os recursos sejam distribuídos por secções, constituídas por número restrito de juízes, o que em boa parte prejudica a almejada uniformização de jurisprudência.” 49 Alguns autores consideram que a adoção da súmula vinculante não trará essa consequência, como João Carlos Pestana de Aguiar Silva, “A súmula vinculativa”, ob. cit., p. 288: “Cremos estar fora da realidade pretoriana a mera suposição de que a súmula vinculativa dos tribunais superiores, para todas as hipóteses, possa ser um eficaz meio de redução da pletora de demandas judiciais. A tal crença podemos contrapor nossa experiência de, na maioria das vezes, ter constatado obstinadamente entenderem os potenciais litigantes e respectivos advogados haver peculiaridades, na específica hipótese em concreto de cada qual, a afastá-la da rigidez inevitável da súmula. E só após a tramitação da controvérsia por todos os graus de jurisdição e esgotados todos os recursos, que se chegará ao resultado sobre sua aplicação.” Também não acreditando na eficácia prática da adoção da súmula vinculante, Luiz Flávio Gomes, “Súmulas vinculantes e independência judicial”, ob. cit., pp. 26-27 : “A súmula, pelo que se pretende, seria vinculante para o juiz e para o poder público. Vincular o juiz a uma determinada interpretação em praticamente nada diminuiria o movimento forense. Porque essa vinculação não pode, evidentemente, evitar o acesso ao Judiciário, que é direito fundamental tutelado por cláusula pétrea. Nem sequer a lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, inc. XXXV)”. E conclui, “Tudo isso nos leva a concluir uma vez mais: o diagnóstico do principal problema dos Tribunais Superiores está correto, mas o “remédio” idealizado, particularmente como projetado é equivocado.”
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declaração a respeito da constitucionalidade das normas, o que limitará em muito seu
alcance, atingindo de forma limitada a geração tanto seus benefícios como prejuízos.50
A forma de escolha dos juízes de nossos Tribunais Superiores é um aspecto que deve
ser considerado no tocante a adoção de súmulas com caráter obrigacional. A escolha
pelo Presidente e aprovação pelo Senado cria uma mescla entre os Poderes um tanto
quanto indesejável, o que gerará reflexos ainda mais significativos a partir do momento
em que se passe a admitir a súmula vinculante de forma generalizada, ou até mesmo a
súmula impeditiva de recursos, conforme proposta por alguns doutrinadores que já se
manifestaram sobre o tema.
Já foi afirmado que a adoção da súmula vinculante não irá criar um super poder, acima
de tudo e de todos51, porque o Judiciário nunca teria a oportunidade de inaugurar a
ordem jurídica, criando direitos e deveres, mas apenas uniformizaria a jurisprudência,
ficando a cargo do legislativo a feitura das leis. E é exatamente nesse ponto que reside
o problema.52
50 Já havia alertado para essa circunstância José Carlos Barbosa Moreira, “Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos”, op. cit., p. 57. 51 Parece ter sido essa a preocupação do saudoso Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do Direito, ob. cit., pp. 70-71: “No Brasil, sobretudo, o Judiciário é o juiz supremo da sua competência, se fora autorizado a legislar em parte, não tardaria a fazê-lo em larga escala. Há inúmeros exemplos de tentativas desse poder para se sobrepor aos outros em todos os sentidos, até mesmo na esfera política; e a ditadura judiciária não é menos nociva que a do Executivo, nem do que a onipotência parlamentar.” 52 Celso Bandeira de Mello, “Reforma em favor de quem?”, in Folha de São Paulo, p. 3: “Para os que não são do ramo e possivelmente não sabem o que significa, convém explicar, ainda que de modo tosco, o alcance delas e a razão do empenho do Executivo para que sejam adotadas. As providências em questão significam, em palavras simples, que as decisões desses tribunais, quando qualificadas com esses atributos, passarão a ser obrigatórias para todos os juízes do país. È um “calaboca” nos juízes e o predomínio irresistível da opinião de 11 homens (os do STF) mais os dos tribunais superiores, todos nomeados pelo presidente da República e devedores de um benefício que ele, com apoio de seus amigos e partidários, lhes concedeu: o próprio poder de julgar nesses tribunais.” E conclui o festejado constitucionalista: “Não vem ao caso se os membros desses tribunais podem esmerar-se em superar o condicionamento que lhes advém da forma pela qual são investidos. Leis são não são feitas para anjos, mas para homens. A falibilidade é uma característica do ser humano. Instituições não devem repousar sobre a confiança na excelência dos homens, mas na aptidão para minimizar riscos de que eles sejam vencidos pelas compreensíveis defecções a que todos estão sujeitos.”
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Como muito bem ponderado por CELSO BANDEIRA DE MELLO, “como esperar que a
Justiça tenha condições propícias à isenção absoluta, capacitando-a a contrariar
frontalmente desejos do Executivo quando este viole a legalidade e os direitos dos
cidadãos (o que é sua rotina, diga-se de passagem), se os tribunais superiores são
formados por juízes escolhidos pelo próprio Executivo, por influência ou com a
aquiescência daqueles que concorrem para formar a maioria governamental?”53
Não fica difícil imaginar as implicações fáticas de tal escolha ser eminentemente
política. Não há como fechar os olhos para a realidade. Há pouco tempo atrás vimos
como desastrosas podem ser as consequências de tal forma de escolha. No
impeachment do ex-presidente Fernando Collor, dois ministros, escolhidos por ele,
obviamente incomodados com a situação em que estavam, preferiram se abster do
julgamento. Pergunta-se, e se todos tivessem sido indicados pelo ex-presidente? Teria
seu mandato sido cassado?
É inegável que atualmente o Supremo Tribunal Federal e os demais Tribunais
Superiores contam em seus quadros com excelentes juízes, que conseguem se manter
com certa independência dos outros poderes. Não se deve questionar a lisura e a
reputação dos julgadores, mas também seria extremamente ingênuo deixar de acreditar
que tais Ministros se sintam incomodados no julgamento de demandas que envolvam
diretamente os interesses daqueles que foram responsáveis por sua indicação ao
cargo.
Apesar da atual situação de confiança em nossos Ministros, é importante observar que
numa eventual modificação generalizante do instituto, a súmula vinculante viria para
ficar, e quem sabe o que poderia ocorrer no futuro? Quem nos garante que os Ministros
que vierem a ser indicados no futuro terão a mesma dignidade e integridade dos
53 Cfr “Reforma em favor de quem?”, ob. cit., p. 03
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atuais? Qual garantia terá o jurisdicionado de que o Judiciário não se transformará num
simples capataz dos outros poderes, legitimando todo o tipo de ação que beneficie o
estado e os interesses defendidos por ele, mesmo que pisando no texto constitucional?
Quem poderá garantir que os ministros não picarão a Constituição, utilizando-a como
confete num verdadeiro carnaval de ilegalidades e injustiças perpetradas pelos Poderes
Legislativo e Executivo? Forçoso lembrar – tristemente – que até mesmo pessoas não
juristas já foram indicadas para compor os quadros do Supremo Tribunal Federal, em
época de triste recordação...
Ainda que se pudesse afirmar que a escolha pelos próprios juizes poderia levar aos
Tribunais Superiores magistrados despreparados tecnicamente para o exercício da
função, parece que a isenção nos julgamentos estaria de forma mais facilmente
garantida. Livres dessas pressões políticas, se os Ministros fossem escolhidos pelos
próprios membros da magistratura, além de reforçar-se o Poder judiciário como um
poder independente, a adoção da súmula poderia gerar um menor temos.54
Observe-se, entretanto, que mesmo sem as súmulas vinculantes o problema continua a
existir, considerando-se que os Tribunais Superiores são o último órgão a falar sobre
matéria federal e constitucional no caso concreto. Daí não ser esse aspecto
determinante como forma de se rejeitar a adoção das súmulas vinculantes.
5 – OBSERVAÇÕES FINAIS
54 Celso Bandeira de Mello, “Reforma em favor de quem?”, ob. cit., p. 03: “Para evitar o malefício máximo, a promiscuidade de origem entre Justiça e política, qual seria a solução? Parece óbvio que os juízes dos tribunais, sobretudo os do Supremo Tribunal Federal, deveriam se escolhidos exclusivamente por aqueles que, sem intenção pessoal nessas nomeações, sabem melhor que quaisquer outros quais são as pessoas mais estudiosas do Direito, mais competentes, de maior reputação de probidade e, se juízes, mais dedicados ao mister, mais corretos e independentes. E quem são essas pessoas? São os que integram toda a magistratura. São os próprios juízes vitalícios, sobretudo os de primeiro grau, ainda cheios de esperança, prenhes do desejo de fazer justiça, afastados das intimidades palacianas. Eles, que não devem nada para ninguém, pois ingressaram na magistratura por concurso público, é que deveriam eleger os ministros do Supremo Tribunal federal, dos tribunais superiores e, nas respectivas regiões ou Estados, os desembargadores dos tribunais regionais ou estaduais.”
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Todas as considerações feitas no presente artigo têm como pano de fundo o
estabelecimento da adoção das súmulas vinculantes nos termos do art. 103-A, CF. É
inegável que a novidade constitucional ainda não estabeleceu de forma generalizada a
adoção das súmulas vinculantes no direito brasileiro, o que certamente amenizará
tantos os benefícios como os prejuízos que poderiam advir de tal adoção. De qualquer
forma, a reforma constitucional sinaliza de maneira bastante clara para um rumo que é
a valorização das súmulas e dos entendimentos pacificados nos Tribunais Superiores.
Nesse espírito parece ser importante pensar se estamos preparados para o próximo
passo, de ampliação legislativa da força vinculativa das súmulas dos Tribunais
Superiores. Apesar do problema político da forma de escolha dos Ministros de tais
órgãos julgadores – forma que dificilmente será modificada em tempo breve – parece
que as vantagens que poderão advir da adoção desse instituto justifiquem a adoção do
passo seguinte. Louve-se a opção do legislador constitucional em incluir tal instituo aos
poucos em nosso ordenamento, até mesmo para que as observações práticas
demonstrem afinal quem estava com a razão; os defensores ou críticos da adoção das
súmulas vinculantes. O debate, portanto, continua aberto.