serie medieval 02 - furia de amor (rev. pl) (1)

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 Johanna Lindsey

Série Medieval

02  

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A Fúria do Amor

DISPONIBILIZAÇÃO E PRÉ-FORMATAÇÃO: SORYU  

TRADUÇÃO E PRÉ-REVISÃO: DANI-P  EQUIPE DE REVISÃO: Romilda, Dany, Marcia O²REVISÃO FINAL: IluskaFORMATAÇÃO: Serenah

Série Medieval

01 - NÃO TRAIAS MEU CORAÇÃOPROTAGONISTAS: Reina Champeney e Ranulf Fizt

Hugh (1989)02- A FÚRIA DO AMOR  

PROTAGONISTAS:Wulfric de Thorpe e Milissant Crispin(1999)

Da grande escritora 

Johanna Lidsey, que  já 

vendeu mais de 60 

milhões de livros. Com 

publicações em mais 

de 12 idiomas! 

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Resumo  

Wulfric de Thorpe foi prometido ainda menino a Milissant Crispin,a filha do melhor amigo de seu pai. Uma união perfeita para as duas

famílias, mas o único encontro entre as duas crianças foi um desastre

que não fazia pressagiar nada bom para o futuro... Poucas vezes duas

 pessoas que iriam unir-se em matrimônio estiveram tão mal dispostas

uma para a outra. Quando Wulfric chega ao castelo para reclamar sua

 prometida, comprova que agora, aos dezoito anos ela se tornou uma

beleza.

Seu pai decretou que Milissant tem um mês para acostumar-se ao

futuro Conde antes do casamento se realizar. À medida que o tempo

 passa, Milissant procura desesperadamente por uma saída. Mas Wulfric

está caindo sob seu próprio feitiço, expressos pela mulher, orgulhosa e

forte, que foi prometida a ele contra sua vontade e iria se tornar sua

esposa em poucos dias. 

E ao mesmo tempo em que a união desses dois jovens se aproxima,

assim também faz uma ameaça de perigo que pode destruir muito mais

do que uma cerimônia prevista.

Complemento do Resumo

 Johanna Lindsey criou dois personagens inesquecíveis amarrados pelascircunstâncias, mas que partilham uma paixão sem limites que vai

obrigá-los a procurar seus corações - e a entrega a um anseio muito

além de seu controle.Uma promessa, um acordo, 

uma paixão, uma união. Que 

obrigará dois  jovens a render 

seus corações. 

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Capítulo 1

Inglaterra, 1214

 Walter de Roghton estava sentado na sala de espera do quarto do rei,

onde o haviam deixado esperando. Ainda tinha esperanças de obter a

audiência que lhe tinham prometido, mas, à medida que os minutos iam se

convertendo em horas e seguiam sem lhe chamar ante a presença real, cada vez se tornava mais duvidoso que pudesse ser essa noite. Ali haviam se

congregado também outros Lordes, outros otimistas como ele, que queriam

obter algo do rei John. Walter era o único que não parecia nervoso. E,

entretanto estava só conseguia ocultar melhor que os outros.

O certo é que tinha motivos para estar nervoso. John Plantageneta era

um dos reis mais odiados da Cristandade, um dos mais traidores e falsos. Umrei que não pestanejava na hora de pendurar crianças inocentes para castigar

seus inimigos. Como castigo, não havia funcionado, mas como atrocidade,

havia conseguido que os barões de John se voltassem ainda mais contra ele,

temerosos e descontentes.

Esse era o rei que havia tentado arrebatar a coroa em de seu irmão

Ricardo Coração de Leão, em duas ocasiões e em ambas tinha sido perdoado

da traição graças à intervenção de sua mãe. Quando, depois da morte de

Ricardo, a coroa passou a ser sua, mandou assassinar o outro pretendente a

ela, seu jovem sobrinho Arthur e que encarcerassem a irmã dele, Eleonor,

durante mais da metade de sua vida.

 Alguns se compadeciam de John por ter sido o menor dos quatro filhos

do rei Enrique. Depois de tê-lo dividido entre seus irmãos maiores, não havia

sobrado reino para John. Por isso o apelidaram de John sem Terra.

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Entretanto, o homem que havia se convertido em rei não despertava

muita compaixão. Não havia por que ter piedade de alguém que tinha obtido a

excomunhão de seu país durante vários anos, por sua guerra contra a Igreja,uma proscrição recentemente levantada. Certamente havia muitos motivos

para odiar esse rei, e para temê-lo.

 Walter estava ficando nervoso pensando nas maldades de John, embora

continuasse parecendo tranqüilo aos olhos dos outros. Se perguntou, pela

enésima vez, se valia a pena. O que aconteceria se o plano que ia propor

fracassasse?O certo era que Walter podia viver o resto de seus dias sem aparecer

sequer diante do rei. Depois de tudo, era um barão menor, não tinha

necessidade de freqüentar a corte real. Mas esse era o problema: ele não era

importante... Mas conseguiria que isso mudasse.

 As coisas podiam ter mudado alguns anos antes, quando descobriu a

solteira rica perfeita e a cortejou diligentemente, com o resultado de que um

lorde com um título mais importante que o seu a roubou. A mulher que

deveria ser sua esposa, Lady Anne de Lydshire, teria contribuído com riqueza

e poder, com as terras de seu dote. Mas, contrariando seus planos, Guy de

 Thorpe, conde de Shefford, a desposou e com isso as posses de Thorpe se

duplicaram e a família de Guy passou a ser uma das mais poderosas da

Inglaterra.

 A mulher com a qual Walter finalmente havia casado resultou em uma

má escolha sob todo conceito, e não fez mais que acrescentar sal às feridas de

seu ressentimento. As propriedades que havia contribuído com a sua fortuna

haviam sido aceitáveis para a época, mas, desgraçadamente, achava-se em La

Marche e, por conseguinte, as perdeu quando John foi despojado da maioria

de suas posses francesas. Walter podia ter conservado as terras se estivesse

disposto a jurar lealdade ao rei francês, mas então teria perdido sua torre de

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tributo na Inglaterra. Além disso, suas propriedades na Inglaterra eram

maiores.

Por outra parte, sua esposa não havia lhe dado filhos, só uma filha.

Uma inútil, isso era essa mulher. Com tudo, sua filha Claire finalmente podiaser de utilidade agora que tinha alcançado a idade casadoura dos doze anos.

Por tudo isso a visita de Walter ao rei John cumpria dois objetivos:

 vingar-se pelo desprezo que havia sido objeto antigamente, quando o

desprezaram como pretendente de Anne, e lhe arrebatar finalmente as

propriedades, a ela e aos Shefford, casando Claire com o único filho e

herdeiro deste.Era um plano brilhante e bem pensado. Circulavam rumores de que

muito cedo John ia tentar se apoderar das terras angevinas que havia perdido

tempo atrás. E Walter tinha uma cenoura que brandir ante o nariz de John, se

é que dariam a oportunidade de expor seu plano.

Finalmente a porta do quarto foi aberta e Chester, um dos poucos

condes nos que John ainda confiava plenamente, fez Walter entrar. Apressou-

se em ajoelhar-se antes que o rei fizesse um impaciente gesto com a mão para

que se aproximasse.

Não estavam sozinhos, como Walter havia esperado. Estava presente a

esposa de John, Isabelle, e uma de suas damas de honra. Walter nunca havia

 visto à rainha de tão perto e ficou aturdido olhando-a com temor reverencial.

Os rumores que circulavam a respeito dela eram certos: talvez não fosse a

mulher mais bela do mundo, mas sim a mais bela de Inglaterra.

 John dobrava com acréscimo a idade, tinha se casado com Isabelle

quando esta só tinha doze anos. E, embora já fosse uma idade casadoura, a

maioria dos nobres que tomavam esposas tão jovens optava por esperar

alguns anos antes de consumar o casamento. Não John, porque Isabelle era

muito madura para sua idade e muito bela para que um homem, cujas

incursões a prostíbulos antes do matrimônio haviam sido notórias, pudesse

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refrear-se.

Não tão alto como seu irmão Ricardo, mas bonito ainda aos quarenta e

seis anos, John era o moreno da família, com sua cabeleira negra salpicadaagora de fios grisalhos, os olhos verdes de seu pai e uma compleição algo

rechonchuda.

 John sorriu com indulgência quando percebeu o olhar de Walter e sua

incredulidade, uma reação a que estava acostumado e que o agradava

profundamente. Orgulhava-se da beleza de sua jovem esposa. Entretanto, seu

sorriso foi breve: a hora era tardia e não reconhecia Walter. Seu ajudante sóhavia dito que um de seus barões tinha notícias urgentes a comunicar.

 Assim sua pergunta foi direta e cortante:

- Conheço-o?

 Walter se ruborizou ao tomar consciência que havia se distraído de seu

propósito, ainda que momentaneamente.

-Não, majestade, nunca tínhamos nos visto, venho muito raramente a

corte. Sou Walter de Roghton. Administro uma pequena torre de tributo do

conde de Pembroke.

-Então, talvez o próprio Pembroke devesse me transmitir suas

notícias...

-Não são de natureza que possa confiar a outros, milord, nem

tampouco são exatamente notícias - viu-se obrigado a admitir Walter-

Entretanto, não sabia de que outra forma explicar a seu ajudante o motivo de

minha visita.

 John se ofendeu com o tom crítico de sua réplica. Ele mesmo era

homem de sutilezas e insinuações.

-Não são notícias, mas é algo que devo saber. Bem, e que não pode

confiar nem a seu senhor feudal? -John esboçou um sorriso- Fará bem em não

me deixar em suspense por mais tempo.

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-Poderíamos falar em privado? -sussurrou Walter, olhando de novo à

rainha.

 John fez uma careta de desgosto, mas indicou a Walter o parapeito da

janela no extremo oposto da habitação. Comentava alguns assuntos com suaadorável e jovem esposa, mas havia certas coisas que era melhor não discutir

com uma mulher cuja inclinação aos falatórios era conhecida.

 John levava uma taça de vinho na mão. Não tinha oferecido nada a

 Walter, e sua impaciência era evidente.

 Walter foi ao ponto assim que ficaram sentados um frente ao outro no

amplo batente da janela.-Está ciente dos noivados, contraídos faz anos com a bênção de seu

irmão Ricardo, entre o herdeiro de Shefford e a filha Crispin?

-Sim, acredito ter ouvido mencionar, um emparelhamento que,

absurdamente, obedecia mais à amizade que ao benefício.

-Não exatamente, alteza - repôs Walter prudentemente-Talvez não

saiba então que Nigel Crispin retornou da Terra Santa com uma verdadeira

fortuna...

-Uma fortuna?

 Aquilo despertou o interesse de John. Sempre havia carecido de

recursos para governar corretamente seu reino, já que Ricardo havia esvaziado

as arcas reais com suas malditas cruzadas. Entretanto, o que um barão menor

como Walter considerasse uma fortuna não parecia suscetível de ser levado

em consideração por um rei.

-O que significa uma fortuna para ti? -perguntou- Umas centenas de

Marcos e uns quantos cálices de ouro?

-Não, alteza, mais o resgate de um rei multiplicado várias vezes.

 John moveu os pés, incrédulo. Qualquer resgate real que se

mencionasse nesses dias só podia referir-se ao que haviam pedido em troca de

seu irmão Ricardo quando um de seus inimigos o havia feito prisioneiro em

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sua volta a casa desde Terra Santa.

-Mais de Cem Mil Marcos1?

-E facilmente o dobro, inclusive - replicou Walter.-E como é que você sabe se ainda não chegou a meus ouvidos?

-Entre os íntimos de lorde Nigel não é nenhum segredo, conhece-se

inclusive o heróico relato de como obteve essa fortuna salvando a vida de seu

irmão. Embora tampouco seja algo que desejasse arejar, e é compreensível,

havendo como há tantos ladrões por aí. Eu mesmo soube acidentalmente,

quando me inteirei da parte dessa fortuna que havia sido destinada ao dote dafutura esposa de Shefford.

-E quanto foi?

-Setenta e Cinco Mil Marcos.

-Inacreditável! - Exclamou John. - Embora compreensível, dado que

Crispin não é rico em terras, enquanto que Shefford é. Crispin teria podido

possuir muitas terras se assim o quisesse, mas, ao que parece, não é homem

dado às ostentações e é feliz com seu pequeno castelo e algumas posses

insignificantes. Na verdade que há poucos que saibam quão poderoso todas

essas riquezas tornam Crispin, e o imenso exército de mercenários que

poderia reunir se fosse preciso.

 John não precisou escutar nada mais.

-E se essas duas famílias se unem em casamento, bem certo é que serão

mais poderosos inclusive que Pembroke e Chester.

O que não acrescentou é que podiam ser mais poderosos ainda que ele

1  Antiga moeda usada pelos países latino-germânicos durante a idade média, pode ser de prata ou de ouro. O valor do

resgate do Ricardo Coração de Leão foi de 150.000 marcos.

O valor que os venezianos exigiram às tropas da Quarta Cruzada para passar o mar Adriático foi de 85.000 marcos de

prata.

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próprio, principalmente quando tantos de seus barões ignoravam suas

petições de ajuda ou se rebelavam contra ele, mas Walter entendeu

perfeitamente.

-Então, compreende a necessidade de impedir essa união? -aventurou-se a perguntar.

-O que compreendo é que Guy de Thorpe nunca me negou ajuda

quando a solicitei, apoiou minhas guerras com perseverança, em ocasiões

inclusive mandou seu filho e seu bem abastecido exército de cavalheiros paraengrossar minhas filas. O que compreendo é que Nigel Crispin, quem até

agora praticamente não possuía terras, deverá pagar os impostos

correspondentes. O que compreendo é que se proíbo forçosamente esta

união, então esses dois amigos - e pronunciou essa palavra com uma boa dose

de chateio- terão motivos para unir-se de todos os modos contra mim.

-Mas e se algo ou alguém que não fosse você impedisse essa união? -

perguntou maliciosamente Walter.

 John irrompeu em uma gargalhada e atraiu um olhar breve e curioso de

sua esposa do outro lado da sala.

-Porque eu não padeceria o menor remorso.

 Walter sorriu serenamente, porque isso era o que havia suposto.

-Ainda seria mais benéfico, alteza, que quando Shefford procure uma

nova prometida, sugerir uma com títulos de propriedade do outro lado do

Canal. Sabe-se que manda cavalheiros para suas guerras na Inglaterra e em

Gales, mas manda tropas de escudeiros às guerras francesas, porque lá não

tem interesses pessoais a defender. Entretanto, se a esposa de seu filho tivesse

títulos lá, coloquemos em La Marche, interessar-se-ia pessoalmente em que o

conde de La Marche não o incomodasse mais. E a ajuda que trezentos

cavalheiros possam lhe prestar será mais valiosa que a de mil mercenários aos

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quais se paga com dinheiro, nisso estará de acordo.

 John lhe respondeu com um sorriso, porque o que estava dizendo era

certo. Um cavalheiro leal e bem adestrado era mais útil que meia dúzia de

mercenários. E trezentos cavalheiros bem adestrados, que eram os queShefford podia reunir, podiam significar a diferença entre ganhar ou perder

uma boa batalha.

-Suponho que você tem essa filha com terras em La Marche. Equivoco-

me? - perguntou John, a modo de simples formalidade. Já supunha a resposta.

-Exatamente, milord.-Logo não vejo motivo algum para não recomendá-la se é que o

cachorrinho de Shefford procure outra candidata.

Não era exatamente uma promessa, embora naquela época o rei John

não tinha fama de manter suas promessas. Não obstante, Walter estava

satisfeito.

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Capítulo 2

-Já conhece meus sentimentos a respeito, pai. Seria censurável que

nomeasse várias herdeiras suscetíveis de converter-se em minha esposa, há umpar que inclusive eu gostaria e, entretanto, você ameaça a escolher à filha de

seu amigo que só nos contribuirá com moedas que não necessitamos.

Guy de Thorpe contemplou seu filho e suspirou. Wulfric havia nascido

quando já levava muitos anos casado, quando já havia perdido a esperança de

ter um filho. Suas duas filhas maiores se casaram inclusive antes que este

nascesse. Guy tinha netos mais velhos que seu próprio filho. Sendo seu únicofilho – “ao menos seu único filho legítimo” - Guy não achava defeito algum nele; não

lhe dava mais que motivos de orgulho, exceto por sua teimosia e, com ela, sua

propensão a discutir com seu pai.

Como Guy, Wulfric era um homem alto, com a musculatura moderada

pelo adestramento nas artes da guerra. Também tinham ambos o cabelo negro

e os olhos azuis do pai de Guy, em que pese que os deste fossem de um azul

mais pálido, enquanto que os de Wulfric tinham um matiz mais escuro, e a

espessa cabeleira de Guy era agora mais cinzenta que negra.

 A mandíbula quadrada e resolvida do jovem era mais de Anne, e esse

nariz reto e patrício também procedia da família materna. Não obstante,

 Wulfric se parecia mais a Guy, embora fosse mais bonito; ao menos as damas

o consideravam mais digno objeto de seus olhares.

-Por isso participaste de todas as guerras ocorridas desde que a garota

completou a idade, Wulf? Para evitar as bodas com ela?

 Wulfric tinha o dom de ruborizar, e isso fez. Entretanto, defendeu-se.

-Aquela vez que a vi, fez que seu falcão me atacasse, ainda tenho a

cicatriz.

Guy pareceu assombrado.

-Por isso se negaste sempre a me acompanhar ao castelo de Dunburh?

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segurança seu filho sim.

Entretanto, não havia reprovação nos olhos de Wulfric. Freqüentava os

prostíbulos desde que era um adolescente, de modo que não era quem ia

arrojar a primeira pedra. Por conseguinte, Guy não via a necessidade deexplicar os pormenores de como se satisfaz a luxúria, seja dentro ou fora do

casamento. O que um homem deseja raramente é o que lhe servem em

bandeja. Mas assim é a vida.

Em troca, o que disse foi:

-Não vou criar dificuldades a nossa família solicitando a anulação do

contrato de esponsais. Sabe bem que Nigel Crispin é meu melhor amigo. Também sabe que me salvou a vida, quando caiu um cavalo em cima de mim,

me aprisionando, e eu não podia escapar apesar de que tinha uma cimitarra

sarracena a poucos centímetros de minha cabeça. Não podia fazer nada para

recompensar por isso, nem ele o teria aceitado. Foi por gratidão que ofereci o

mais prezado para mim, você, a quem não engendrou mais que filhas. A união

de nossas famílias era secundária. Ele só podia contribuir um pequeno capital

a nossa união, ao menos então.

-Então? Quer dizer que agora é importante? -replicou Wulfric,

zombador.

Guy suspirou de novo.

-Se o rei solicitasse só os quarenta dias de serviço que lhe devem, não

seria importante, mas pede mais. Se houvesse dado só os quarenta dias que

deviam não seria importante, mas lhe deu mais. Inclusive agora, acaba de

retornar do combate e já menciona que quer cruzar o Canal com o rei em sua

próxima campanha. Acho que já está bem, Wulf. Não podemos seguir

sustentando a nossa gente e o exército do rei de uma vez.

-Não tinham me dito que estávamos com dificuldades - disse Wulfric

quase o acusando.

-Não queria te preocupar, estava longe, lutando nas guerras de John. E

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não estamos em dificuldades, mas a situação é incomoda. Nestes últimos dez

anos aconteceram muitas coisas que diminuíram nossas reservas. A visita que

o rei nos fez o ano passado, com toda sua corte, prejudicou-nos bastante,

embora fosse de esperar, acontece o mesmo em qualquer lugar que vá, porisso não pode ficar nunca muito tempo no mesmo lugar. As campanhas de

Gales ainda nos prejudicaram mais, os homens tinham graves dificuldades

para encontrar uma granja onde abastecer-se, e os galeses se escondiam nas

montanhas...

Guy não acrescentou mais à recontagem. A expressão de Wulfric havia

se tornado amarga ao lembrar quão fútil resultava lutar contra os galeses. Nãoenfrentavam os exércitos nos campos de batalha, mas sim os dizimavam

espreitando-os em emboscadas. Wulfric havia perdido muitos de seus homens

em Gales.

-O que estou dizendo, Wulf, é que o que sua esposa contribuirá...

 Wulfric cruzou os braços, teimoso, e o cortou em seco.

-Ainda não é minha esposa.

E Guy prosseguiu como se não o tivesse ouvido, embora acrescentasse

com maior ênfase:

-Sua esposa contribuirá com o que necessitamos precisamente agora.

Contamos com alianças poderosas. Suas cinco irmãs estão muito bem

situadas. Temos muitas terras, e quando estiver casado poderemos comprar

mais, se é preciso poderemos edificar mais castelos, fazer melhorias...

Entende-o, Wulf, trará uma fortuna, e com isso não se brinca, necessite-a ou

não. -Guy tomou um longo sorvo de vinho antes de abordar o pior- Além

disso, tiveste muito tempo esperando e rechaçá-la agora suporia um insulto

grave, já superou muito a idade casadoura, por conta de suas demoras. Enfim,

já está dito. Chegou a hora de ir até ela e fazer o que tem que ser feito. Dentro

de uma semana partirá para Dunburh.

-É uma ordem? -repôs Wulfric friamente.

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-Se for preciso, que seja. Não vou quebrar o contrato, Wulf. Agora já é

muito tarde, tem dezoito anos. Seria capaz de me envergonhar?

 Wulfric só foi capaz de replicar, ainda que irado:

-Está bem. Casarei-me com ela. Mas que venha a viver com ela está por ver.

E, com isso, saiu ofendido da sala. Guy o olhou partir, e logo ficou

contemplando o fogo na grande lareira. Era tarde. Havia esperado que Anne e

suas criadas saíssem da sala para falar a sós com Wulfric. Talvez devesse pedir

o apoio de Anne.

 Wulfric jamais discutia com sua mãe, não tanto como com seu pai, emqualquer caso. Na realidade, mais parecia que gostar de ceder aos desejos de

sua mãe, tanto que a amava. E Anne ainda estava mais ansiosa que Guy para

que se celebrasse o matrimônio. Era ela que havia insistido que falasse com

 Wulfric antes que este encontrasse outra guerra a que somar-se. Sem dúvida,

movida por seu desejo de ver como se tornavam a encher suas arcas.

Embora, ao menos, teria podido obter o consentimento de seu filho,

sem reparar no muito que ele odiava essa perspectiva. Guy suspirou de novo e

se perguntou até que ponto estava fazendo um favor à filha de Nigel

obrigando seu filho a casar-se com ela.

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Capítulo 3  

 A viagem até Dunburh durava uma jornada e meia, inclusive

acompanhado de uma vintena de homens armados e alguns cavalheiros. Nãoos levava para seu amparo pessoal, mas sim porque teriam que escoltar uma

dama e sua comitiva de serventes no caminho de volta. E no reino de John

abundavam os malfeitores.

 Alguns dos próprios barões de John, exilados de suas terras, haviam

empreendido sua guerra particular nos caminhos, atacando aos que ainda

gozavam do favor real. De modo que, embora Guy não tivesse insistido emque se tomassem essas precauções, Wulfric o teria feito de todos os modos.

Não ia permitir que seu pai o acusasse de negligente por ter perdido sua futura

esposa durante o caminho, por mais que gostasse.

 A futura esposa... A simples lembrança dessa esquálida diabinha o

obrigou a afogar um grunhido. Seu meio irmão o olhou elevando uma

sobrancelha. Acabavam de levantar o acampamento do segundo dia,

empreendiam de novo o caminho e iam a bom ritmo. Com tantos homens

que alojar, o qual supunha por si uma proeza, julgou que o mais adequado

seria acampar junto ao caminho. Entretanto, teria que pensar nesses

alojamentos para o caminho de volta, porque ela parecia das que reclamam

uma cama para dormir.

-Ainda não te acostumaste com a idéia deste casamento? -perguntou

Raimund enquanto cavalgavam um junto ao outro.

-Não, e me dá a sensação de que não o obterei jamais - admitiu Wulfric-

É como se me comprassem com dinheiro, e esse é um sentimento horroroso

o olhe como o olhe.

Raimund bufou.

-Então foi nosso pai que fez a oferta, não o dela? Se tivesse sido ao

contrário, poderia estar de acordo. Mas sendo assim...

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-Ora, não quero falar disso!

-Não, agora é melhor que o reflita, dentro de pouco vai ter que tratar

com ela diretamente – apontou prudentemente Raimund- O que é o que tanto

o humilha neste casamento, Wulf? Wulfric suspirou.

-Quando era uma menina não achei nada nela que eu gostasse e sim

muito que me desgostou. Não albergo muita esperança de que estes anos a

tenham mudado. Temo que vou odiar a minha mulher.

-Bom, devo dizer que não será o primeiro a que ocorra - disse Raimund

estalando a língua- Se queria contrair um matrimônio plácido, tinha que ternotado nos plebeus. Eles sim podem escolher seus pares. Os nobres não

podem se permitir esse luxo.

Havia uma satisfação tão maliciosa nessas palavras que Wulfric

encostou um leve soco a seu irmão, que soltou uma gargalhada.

-Não tem por que me lembrar que você escolheu esposa, e que a quer

muito - grunhiu Wulfric- E você não é nenhum plebeu - acrescentou.

Raimund sorriu afetuosamente, já que não eram muitos os que

reivindicariam sua nobreza com a convicção com que o fazia Wulfric. A mãe

de Raimund sim era uma plebéia e lhe pôs na situação pouco invejável de que

não o aceitassem nem entre os nobres nem entre os plebeus.

Raimund havia sido mais afortunado que a maioria dos bastardos,

porque Guy o havia reconhecido e inclusive o tinha acolhido em sua família e

o adestrado como a um cavalheiro. Quando o armou cavalheiro, além disso,

concedeu-lhe uma pequena propriedade que podia considerar sua.

Graças a essa propriedade havia podido casar-se com a mulher que

escolheu para ser sua esposa, a filha de Sir Richard, Eloise. Richard era um

cavalheiro sem terra ao serviço do próprio Guy, de modo que não esperava

ter a oportunidade de encontrar um homem com bens para casá-lo com sua

única filha, pelo que aceitou encantado à proposta de Raimund. Não,

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Raimund não invejava seu irmão por ser o único filho legítimo do conde. Ele

levava uma vida simples e gostava assim. A vida de Wulfric seria sempre

muito mais complicada que a sua.

-Quanto tempo passou desde que a conheceu? -perguntou Raimund.-Quase uma dúzia de anos.

Raimund pôs os olhos em branco.

-Pelos cravos de Cristo, Wulf, e diz que não acha que tenha mudado em

todo este tempo? Que não terão ensinado uma conduta adequada a sua

própria classe? Verá como inclusive te pedirá desculpas pelo que foi que

causasse seu desgosto. Por certo, o que o provocou?-Ela tinha seis anos e eu treze, e eu sabia muito bem quem seria ela para

mim, embora ela não soubesse. Busquei-a para conhecê-la e a encontrei nas

cavalariças de Dunburh com dois moleques de sua mesma idade. Ela estava

mostrando um falcão gerifalte enorme, dizendo que era seu. Inclusive levava o

pássaro posado em seu braço. Maldita seja, mas se era quase do mesmo

tamanho que ela!

Enquanto estava contando a história, evocou claramente o dia em que

conheceu sua prometida. Estava suja, parecia ter charfudado na imundície e

tinha sujo de fuligem seu descarado rosto.

Suas pernas, longas para sua estatura, estavam descobertas, já que não ia

 vestida como deveria, mas sim usava umas malhas com ligas cruzadas e uma

túnica vasta muito parecida com a que levavam os meninos que estavam com

ela.

Na realidade, havia tido dificuldades para discernir qual dos três era ela.

Entretanto, aqueles aos que havia perguntado detalhes a respeito dela, o

haviam advertido de seu extraordinário atrativo. Ao que parecia aos aldeãos de

Dunburh, que à filha de seu senhor desejasse ir por aí vestida dessa maneira

os fazia uma graça inaudita.

 Alguns plebeus também vestiam assim suas filhas, mas era porque

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sobravam roupas masculinas e não podiam permitir comprar outras. Mas que

mulher sendo, além disso, uma dama iria preferir vestir-se de homem

podendo não fazê-lo? Pois ela. E com seu longo cabelo castanho penteado

para trás e tão suja, Wulfric nunca teria imaginado qual dos três era ela. Alguém a chamou por seu nome e então compreendeu que era a que

levava esse pássaro tão enorme apoiado no braço. O falcão nem sequer usava

o capirote e seu primeiro impulso foi protegê-la. Ela não tinha nem idéia do

perigoso que eram as aves de rapina. Além disso, era muito menina para que

permitissem sequer aproximar-se delas. Sem dúvida, havia se aproximado às

escondidas na ausência do falcoeiro.Então foi quando a ouviu fanfarronear ante seus crédulos e jovens

amigos.

-Agora é meu - dizia- Só quer comer de minha mão. Seu? Wulfric não

pode conter um bufo incrédulo. O som chamou a atenção dela, mas só

despertou sua curiosidade. Ao fim e ao cabo, era muito jovem para

compreender que ele a havia chamado mentirosa.

-Quem é? -espetou de repente.

-Sou o homem com quem vai se casar assim que cumpra a idade

necessária.

Ele não conseguia compreender o que a havia ofendido em suas

palavras, que não eram mais que a verdade, mas a zangaram muito. A labareda

que cruzou seus olhos verdes e os encheu de brilhos incandescentes expressou

a raiva que havia se apoderado dela.

-Em seguida foi às nuvens e me chamou mentiroso e meia dúzia de

insultos mais que jamais havia escutado - contou ao Raimund- Depois me

ordenou, sim, ordenou-me, que me separasse de sua vista.

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Raimund tentou conter a risada, mas o conseguiu com muita

dificuldade.

-Vá, e tudo isso de uma cria tão pequena?

-Uma diabinha tão pequena, sim - replicou Wulfric- Quando viu quenão ia, a verdade é que estava tão atônito que não podia nem me mover, seus

olhos se converteram em duas pequenas frestas e levantou o braço assim, o

suficiente para que o falcão se lançasse contra mim. Levantei a mão para me

proteger, mas seu bico me apanhou dois dedos e não havia forma de que os

soltasse.

Raimund soltou um débil assobio.-Teve sorte de que não te arrancasse um dedo.

-Quando por fim consegui tirá-lo de cima e lançá-lo contra a parede,

tinha uma ferida o bastante grande para me deixar uma cicatriz. Não sei se

matei ao pássaro, mas essa pequena bruxa certamente pensou que sim, porque

deu murros em mim. Já sabe que eu era muito alto para minha idade, e ela mal

chegava à minha cintura. Mas me mordeu e, quando a dor me fez uivar, um de

seus golpes acertou onde eu não teria querido e caí de joelhos.

Raimund sorriu zombador.

-Bom, como me consta que deixaste uma longa enxurrada de

prostitutas satisfeitas após, deduzo que a ferida não foi grave.

 Wulfric lhe dirigiu um olhar fulminante.

-Não tem graça, irmão. Doía muito e ela não parava de me pegar. Além

disso, como havia ficado a sua altura, seus murros choviam sobre minha

cabeça. A ponto esteve de me danificar um olho. Deixou-me a cara cheia de

hematomas.

Foi inclusive pior que isso, mas não gostava de admiti-lo. Retorcia-se de

dor pelo golpe que lhe havia atirado na virilha e a ferida de sua mão sangrava.

Mas o esmurrava com tal velocidade, como um torvelinho, que não conseguia

lhe pegar as mãos nem mantê-la afastada para conseguir repor-se, porque era

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uma menina endiabradamente escorregadia.

Deveria ter lhe dado as palmadas que merecia, mas jamais havia pegado

um menino nem a ninguém que fosse tão pequeno, e muito menos uma

mulher. Entretanto, em sua tentativa de não fazer mal a ela, havia machucadoainda mais a si mesmo. Ao final a havia afastado de um forte empurrão, e

tinha fugido dando tropeções.

Felizmente, não havia voltado a vê-la. Tinha cuidado bem disso.

Ocultou a ferida a seu pai, mas arranjou uma desculpa para retornar a casa de

lorde Edward, que o tinha criado desde que tinha sete anos e onde havia

conhecido seu irmão e havia travado amizade com ele, ao que também haviamposto sob a tutela de Edward Fitzallen. A partir desse dia, tinha se assegurado

de se ausentar do castelo de Shefford cada vez que esperavam a visita de Nigel

e sua família, e jamais havia voltado a acompanhar seu pai a Dunburh.

-Deve ter em conta -observou Raimund, conciliador- que haverá

mudado que alguém deve ter lhe ensinado a comportar-se como uma dama.

-Sim, sei. Suponho que não voltará a me dar murros, não se atreverá.

Mas como se ensina a uma moça a não ser uma megera quando nasceu

harpia?

-Talvez com palavras doces e não lhe dando motivos para ser uma

megera.

 Wulfric bufou.

-Não referia a como lhe ensinar, mas sim como poderia alguém assim

aprender. Duvido seriamente. Pode ser que agora pareça uma dama, de

acordo, mas temo que siga sendo a mesma diaba. E a primeira vez que me

olhe com aqueles olhos verdes de gata entrecerrados.

-O que fará? - Wulfric suspirou.

-Me por orgulhoso.

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Capitulo 4

-Se não recordo mal, deveríamos chegar ao castelo de Dunburh dentrode uma hora -observou Wulfric contemplando a paisagem- Está detrás deste

outeiro. Se atalharmos pelo bosque, avançaremos mais rápido, porque o

caminho serpenteia à medida que vai aproximando-se de Dunburh.

Havia um caminho claro que cruzava o bosque e pelo que, sem dúvida,

outros haviam passado antes que eles. Nessa época do ano, as árvores estavam

despojadas de folhas que ocultassem a visão, de modo que, embora a vegetação fosse frondosa, podiam ver outros e distinguir uma pradaria

próxima e, lá ao longe, um povoado.

-Leva doze anos evitando este lugar, mas de repente está com pressa

para chegar - brincou Raimund.

-Pressa para me aproximar de um fogo reconfortante - replicou com

um olhar furioso.

Raimund ignorou seu olhar, mas coincidiu em que gostaria de ficar

junto ao fogo. O céu estava claro, mas a partir do meio-dia a temperatura

havia baixado notavelmente. Podiam utilizar o fogo de alguma granja, ou fazer

um pouco de exercício.

-O que te parece se seguirmos pelo caminho e fazemos a última légua

correndo? -sugeriu Raimund.

 Wulfric se limitou a colocar os olhos em branco.

-A maneira mais rápida de se dar com um castelo fechado é correr para

ele, se não sabem quem é. Não, isso não nos levará antes junto ao fogo.

Cortaremos pelo bosque e chegaremos por atrás, através de seu povoado.

Não aguardou mais sugestões, e iniciou a subida do estreito caminho.

Logo chegaram ao prado e dali ao povoado, que contornaram para não

alarmar aos aldeãos. Precaução um tanto inútil porque a maioria estava em

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suas casas, a manhã era fria e nessa época do ano não havia tarefas que

atender no campo.

O castelo ainda ficava retirado, do outro lado de um bosque plano,

embora suas torres despontassem por cima das copas das árvores. A folhagemera ali mais espessa, a maioria dos arbustos de folhas murchas, ainda que

também houvesse abundância de pinheiros que impediam a vista do castelo.

Quando haviam percorrido a metade do trajeto que separava o

povoado do castelo, escutaram o som característico de arma entrechocando.

Esse som desenhava sempre um sorriso nos lábios de Wulfric. Era um

guerreiro, havia passado a maior parte de sua vida formando-se para isso, eraum mestre nas artes da guerra e gostava de colocar em prática seus

conhecimentos. Raimund compartilhava o mesmo sentir, e sorriram antes de

esporear a seus cavalos para avançar a seguinte curva do caminho.

Surpreendeu-lhes topar-se com uma escaramuça. A princípio

acreditaram que estavam praticando, mas não teria tantas pessoas, nem

tampouco uma mulher.

Havia quatro homens a cavalo, e uns sete a pé, contando a mulher, e

levavam todos grossas capas de inverno. Era difícil saber quem eram os de

Dunburh e quais eram os agressores. Por isso Wulfric não pôde carregar

contra eles e começar a matar indiscriminadamente.

Deteve seus homens, mas ninguém havia se dado conta de sua

presença, de modo que teve que gritar:

-Quem necessita ajuda aqui? -Teve que gritar de novo, pois o choque

das espadas causava muito ruído. Este segundo grito chamou a atenção de

todos, que contemplaram absortos a vintena de cavaleiros que acompanhava

 Wulfric, e durante um instante se fez um profundo silêncio.

Foi um momento breve, porque os quatro cavaleiros fugiram à

 velocidade do raio e desapareceram por entre as árvores de ambos os lados do

caminho. Talvez fossem os de Dunburh e se dirigissem para o castelo,

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pensando que eles haviam chegado em auxílio dos agressores, mas não parecia

muito provável. Não, porque a mulher seguia ali e estava se aproximando dele.

Ela fez uma reverência o que lhe abriu a capa e deixou um rico adorno

exposto. Ou seja, que era uma dama, bonita, além disso. Para então já haviacaptado toda a atenção de Wulfric. Estava apavorada, seu rosto estava

recuperando a cor. Havia-lhe soltado o véu de freira, de um cabelo castanho

arenoso e, quando levantou a vista para olhá-lo, seus olhos eram de um verde

tão brilhante, que pareciam vidros de olivina...

Olhos verdes? Por acaso... Era ela? Sua prometida lhe oferecendo uma

gratidão tão doce e coquete? Não, seguro que não podia ser tão afortunado.Não podia haver mudado tanto e converter-se nessa bela mulher. Até sua voz

era mais suave:

-Sua chegada não pôde ser mais oportuna, senhor, e agradeço muito

que... -Mas não teve tempo de acabar sua frase já que a afastou de um

empurrão um moleque que olhou Wulfric e gritou:

-Não fiquem aí sentados como um bando de inúteis, corram atrás deles!

 Terá que capturá-los!

 Wulfric ficou rígido, mais ofendido do que lembrava ter estado jamais.

O ousado moço não podia ter mais de quatorze anos e não se vestia melhor

que qualquer miserável do povoado. Esses foram os aspectos nos quais

reparou Wulfric antes de decidir desmontar com intenções de estrangular o

pirralho.

Não obstante, ainda não havia levantado do selim quando ouviu o

rapaz grunhindo:

-Incompetentes que se chamam a si mesmos cavalheiros. Oferecem

ajuda, mas logo não a dão.

 Wulfric continuou na sela e avançou com o cavalo. O estúpido moço

não tinha miolo nem para afastar-se, pois ficou quieto, de pé, desafiante,

como desafiando Wulfric a que o atacasse. Wulfric admirava a valentia mas

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não a estupidez, e aquele menino tinha que estar degenerado para falar assim a

um cavalheiro montado. Esse foi o único motivo que refreou sua mão; ele não

pegava meninos, nem mulheres, nem idiotas de escasso juízo.

-Teria preferido seguir como estavam perdendo a batalha? -disse- Eucoloquei ponto final ao combate, nada mais.

-Deixaram-nos escapar! -acusou o moleque.

-Não sou um oficial que tenha que perseguir malfeitores e se disser uma

palavra mais, vou comer sua língua no jantar.

Nesse momento a dama deu um passo à frente e estendeu uma mão

apaziguadora a Wulfric.-Rogo-lhe isso -suplicou- não mais violência. -O menino devia ser um

servente, dado que ela tentou protegê-lo. E Wulfric estava tão satisfeito de sua

intervenção, que teria feito qualquer coisa por mostrar sua deferência.

-Como preferir, milady. Posso lhe devolver a Dunburh? Esse é meu

destino.

Ela assentiu timidamente, mas perguntou:

-Vieste ver meu pai?

 Wulfric lhe prodigalizou um sorriso radiante. Se albergava ainda alguma

duvida de que aquela fosse sua prometida, ela acabava de dissipá-la.

Levantou-a à parte dianteira de sua cavalgadura. Pesava tão pouco

como uma menina e cheirava a rosas estivais. Vá, era um homem de sorte.

-Na realidade estou aqui para ver lorde Nigel, e a você - disse quando a

alojou.

Ela se virou para olhá-lo, com seus belos olhos dilatados pela surpresa.

-A mim? -Talvez devesse ter me apresentar antes. -Sorriu- Sou Wulfric

de Thorpe, e é um grande prazer vê-la de novo, milady.

O grito sufocado não saiu da garganta dela, mas sim de alguém que

estava no chão. Wulfric tentou averiguar quem havia se sentido tão

perturbado por sua identidade, mas só viu aquele menino meio tolo correndo

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para o castelo.

Franziu o sobrecenho e pensou que falaria com lorde Nigel para que

desse uma lição ao moleque, quando ouviu que a dama dizia:

-Mas se não nos vimos antes. -Wulfric sorriu para si mesmo.Magnífico. Ela não lembrava seu desafortunado encontro anos atrás e,

como ele mesmo ia esquecer muito cedo, não tinha sentido recordá-la.

-Pois me equivoquei, mas não importa, o prazer segue sendo meu

milady. E estou seguro de que desejará informar a seu pai do ocorrido, igual a

mim, assim nos dirijamos para o castelo - concluiu.

Demoraram alguns minutos em chegar ao trote. O cenário da recenteescaramuça estava bastante longe do povoado e do castelo como para que

ninguém ouvisse o bater das armas. Intencionado? Isso parecia. Wulfric

pensou que oxalá teria mandado seus homens atrás dos velhacos. Depois de

tudo, haviam atacado sua prometida, embora ele não havia se dado conta até

que eles já estavam com muita vantagem.

Entretanto, fosse com intenção ou sem ela, ninguém atacava o que

pertencia a Wulfric sem arcar com as conseqüências.

 Assim que chegaram ao castelo, a dama se apressou a desculpar-se e

correu para o torreão. Ele tinha que falar com o senecal de Nigel a respeito de

como iam se aquartelar seus homens. Não obstante, mandou alguns de seus

homens procurar vestígios ou rastros dos atacantes. Não seria exagero ajudar

lorde Nigel a prendê-los.

Dunburh não era como lembrava; na realidade era maior que quando

 Wulfric o havia visto pela última vez. Uma fortaleza realmente grande para um

barão menor como Nigel Crispin, mas naqueles tempos poucos homens

possuíam uma fortuna como a de Crispin, nem sequer os grandes condes

dessas terras.

Haviam acrescentado um grosso muro de proteção, que dobrava o

tamanho do interior, embora a velha muralha seguisse em pé, e haviam

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levantado muitos edifícios entre as duas. A verdade é que havia espaço

suficiente para albergar um exército sem estreitezas, permitir que treinassem

em duas esplanadas de torneio e inclusive que praticassem o arco e flecha em

uma zona contígua. Wulfric estava ansioso para reunir-se de novo com sua prometida e ter

a oportunidade de conhecê-la melhor, assim se dirigiu para o torreão assim

que pôde. Seguia sem poder acreditar em sua boa sorte, que ela tivesse

mudado tanto. Efetivamente, alguém havia se ocupado dela e ensinado a

comportar-se como uma Lady. Não podia imaginar melhor esposa que ela, de

 voz suave, tímida e gentil.Era muito mais linda que Agnes de York, sua pele era mais suave e seu

provocativo rosto dominava. Não havia despertado sua luxúria como poderia

ter feito Agnes, mas não duvidava que o fizesse. Em poucas palavras, o tinha

surpreendido e agradado tanto que não havia lugar para outras emoções.

 As escadas interiores que conduziam a grande sala estavam bem

iluminadas com a luz das tochas. A capela também estava acima, no restelo, e

um amplo hall conduzia até elas. Outro lance de escadas seguia até o quarto

andar da torre.

Com pressa Wulfric quase se deu de bruços com uma figura pequena

que saía da capela. Demorou apenas um segundo em reconhecê-la e em notar

como a cólera se apoderava de novo dele. Pode que o servente não estivesse

de todo em seus pleno juízo, ou que outra desculpa podia ter para ousar falar

desse modo a um cavalheiro do reino?- mas era óbvio que havia evitado o

castigo, o qual sentou muito mal a Wulfric.

Por isso disse desdenhosamente:

-Que? Rezando para que perdoem por ter uma língua tão solta?

Mas o menino replicou descaradamente:

-Rezando para que parta, embora vejo que minhas preces não foram

atendidas.

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 Aquilo era muito. Qualquer servente receberia um par de bofetões por

dirigir-se com tanta insolência a um nobre do reino. Wulfric se dispunha a

fazer justamente isso, mas o moço o ignorou e se virou para entrar na sala,

obviamente acostumado a dizer o que lhe agradasse sem temor a nenhumarepresália.

Irado, Wulfric o seguiu. Perseguiria-o até as cozinhas, se fosse

necessário, mas as pessoas que se achavam na sala reparam em sua presença e

Nigel o chamou, o obrigando a concentrar-se nas boas-vindas de seu anfitrião.

Não obstante, ao ver sua prometida junto a seu pai dissipou seu

aborrecimento e se dirigiu disposto para a grande lareira para reunir-se comeles. Essa era outra das áreas que mostrava melhoras devido ao

enriquecimento de Nigel. Ali não havia a solitária cadeira de respaldo alto que

estava acostumado a reservar-se para o senhor do castelo, mas sim quatro,

todas forradas de espessas peles que as tornavam mais cômodas, e no centro

das quatro uma mesinha baixa lavrada, com uma bandeja com refrescos em

cima. Também havia banquetas e bancos dispostos no que parecia a parte

mais freqüentada do castelo.

O fogo da chaminé crepitava fracamente, dispensando uma agradável

boas-vindas aos que vinham de fora, embora no resto da sala tampouco

fizesse frio. As janelas, através das quais entrava luz a torrentes, estavam todas

providas de caros vidros que isolavam o frio cortante. As enormes tapeçarias

que cobriam as paredes de pedra também contribuíam a criar essa atmosfera

cálida.

Embora fosse uma sala como qualquer outra, concebida para que a

maioria dos habitantes do castelo se acomodassem em um mesmo lugar, era

muito mais luxuosa e confortável que outras que ele havia visto. O próprio rei

poderia invejar uma câmara como aquela, pensou Wulfric, e se perguntou se

 John a teria visitado alguma vez. O mais provável era que não, já que do

contrário teria achado razões para confiscá-la.

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Isso não agradava Wulfric, que servia lealmente a um rei que, entretanto

não gostava nem um pouco. Seus sentimentos não diferiam dos do resto dos

nobres do país. John tinha granjeado a simpatia de poucos e a inimizade de

muitos, mas seguia sendo seu rei, e os homens de honra manteriam os solenesjuramentos que haviam feito, ao menos até que não pudessem suportá-lo

mais.

Nigel saiu a seu encontro a metade do percurso e o levou junto a

lareira. Parecia encantado com a chegada de Wulfric.

-Meu coração se regozija de que esteja finalmente aqui, Wulfric, com

motivo da união de nossas famílias. Seu pai me fez saber que se dirigia paranossa casa, mas não o esperávamos tão cedo. Se soubesse teria advertido

minha filha que se preparasse convenientemente. Embora veja que já se

encontrou com ela.

Haviam chegado à chaminé, onde a mencionada dama estava

aguardando-os nervosa. Wulfric se apressou a tranqüilizá-la, lhe dirigindo um

cálido sorriso e beijando uma trêmula mão.

-Sim, já nos vimos, milord - disse a Nigel, com o olhar na dama- Ainda

que não fomos apresentados formalmente.

-Eu não sou sua prometida, lorde Wulfric. -Ao pronunciar essas

palavras, a dama se ruborizou. Devia ter dito antes, no bosque, mas seu

acanhamento o impediu. Ele era um homem muito alto para que ela se

arriscasse a incomodá-lo; além disso, os homens zangados lhe causavam

terror.

Era óbvio que ele estava confuso, e ela o lamentava tanto que

acrescentou rapidamente, a modo de explicação- Sou sua irmã, Jhone.

 Agora Nigel também parecia confuso.

-Mas sim viu Milissant, não? Entraste na sala com ela.

 Wulfric se virou para a porta. Havia entrado com esse... Menino. Não,

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por favor, não, esse não podia ser ela. Isso significava que não havia mudado

absolutamente em todos esses anos... Significava que, depois de tudo, teria

que suportar essa megera, tal como tinha temido.

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Capítulo 5

-Vá até ela, Jhone, e cuida que por uma vez se vista adequadamente.Essa foi a ordem que Nigel deu a sua filha, a filha que Wulfric havia

acreditado equivocadamente que ia ser sua. Era óbvio que Milissant Crispin

não ia descer à sala, apropriadamente vestida ou não. Por uma vez? Significava

que essa amalucada não se vestia nem comportava jamais como a dama que se

supunha que era?

 Wulfric refreou sua língua para que não escapasse nenhum insulto queofendesse o melhor amigo de seu pai, mas manter a calma não era fácil

quando acabava de compreender que a mulher com a que estava obrigado a

casar-se era qualquer coisa menos feminina. Estava furioso. Como era

possível que esse homem permitisse que sua filha mais velha, nada menos que

sua herdeira, andasse por aí como uma selvagem?

Enquanto aguardavam, Nigel tentou entretê-lo com histórias do rei

Ricardo, ao qual admirava, e das muitas guerras nas quais ele havia tomado

parte. Era um velho cavalheiro curtido por mais de uma batalha. Cinco anos

mais jovem que o pai de Wulfric, era ainda jovem quando foram juntos às

Cruzadas. Guy estava já casado e tinha duas filhas quando foram a Terra

Santa, mas Nigel só deixou atrás sua esposa. Não havia tido filhos até que

retornou a Inglaterra.

 Wulfric lembrou vagamente que havia outra filha. Nunca havia

prestado atenção a isso, dado que não tinha interesse na outra Crispin.

 Também sabia que a esposa de Nigel havia morrido poucos anos depois do

nascimento de Milissant, mas que a garota não tivesse uma mãe que a

ensinasse as maneiras de uma dama não era desculpa para que se converter no

que era. Outras damas morriam ao dar a luz e suas filhas eram educadas

adequadamente.

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33 

Fez-se um silêncio embaraçoso. Os serventes iam e vinham. À medida

que ia se aproximando a hora do jantar, haviam instalado umas mesas de

cavalete. Não obstante, as duas mulheres seguiam sem aparecer. Finalmente

Nigel suspirou e, ainda com um sorriso incômodo, disse:-Talvez devesse te falar de minha filha primogênita. Sabe Milissant não

é como se espera que seja uma jovem de sua idade.

 Aquilo podia considerar uma descrição pormenorizada, mas Wulfric

respondeu:

-Já o comprovei. -Nigel engoliu saliva.

-Nunca compreendi por que, mas ela desejou sempre ser meu filho enão minha filha. Isso não muda as coisas, segue sendo minha herdeira, mas ela

não o vê assim. O que a agradaria é pegar uma espada e ser um cavalheiro, se

pudesse dirigi-la, claro. Vai às nuvens porque não tem a força que queria. Mas

sim consegue fazer outras coisas próprias de homens.

 Wulfric quase temeu perguntar, mas tinha que inteirar-se.

-Outras coisas?

-Caça, não como uma dama, mas sim como um verdadeiro caçador.

Domina o arco, devo admiti-lo, melhor que qualquer homem. Planejou o

sistema de defesa de Dunburh sozinha, se por acaso fosse necessário. E, ainda

que nunca o seja, ela afirma que poderia defendê-lo. Inicia amizade com

certos animais aos quais ela considera impossíveis de caçar; na realidade,

sempre foi capaz de domesticar os mais selvagens desde que era uma menina.

 Wulfric enrugou a testa ao escutar isso último. Assim, era possível que a

jovem Milissant fosse realmente a proprietária daquele falcão, como ela havia

afirmado anos atrás, e que o tinha adestrado ela mesma.

-Assim prefere os deveres masculinos. Significa isso que se burla dos

passatempos femininos?

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34 

-Não só se burla deles, mas também se nega a ter algo que ver com eles

- disse Nigel com outro suspiro- Certamente que já notaste quais são suas

inclinações. Não será porque eu não tenha tentado que use a roupa que

deveria usar por nascimento. Não lhe dou dinheiro para que compre essasroupas, mas encarrega que as façam. Comercializa com os plebeus para que

façam a roupa que quiser. Se as tiro, consegue outras em troca de carne fresca.

Se também tirou essas, procura mais. O verão que tentei colocá-la no caminho

certo ia por aí meio nua.

 Teria sido uma grosseria perguntar como era possível que,

simplesmente, não pudesse ordenar que fizesse o que ordenavam. Wulfrictemia que tivesse tão pouco respeito por seu pai que, mesmo assim, o

desobedeceria. Entretanto, tinha direito, a saber, o pior, o que podia ser pior

que isso?

-Será que não se dá conta de que fica... Ridícula, vestida de homem?

-Acha que se importa? Absolutamente, não liga para sua aparência. Não

tem a vaidade que caberia esperar em uma mulher.

 Wulfric suspirou. Aquilo não tinha remédio e se viu obrigado a

perguntar:

-Como é possível que tenha chegado a este ponto? Por que não a

emendou faz tempo, antes que chegasse a ser tão... Pouco feminina?

Como havia suposto, a pergunta causou desgosto a Nigel.

-Sei o que suspeitas e, sim, foi minha culpa. Minha única desculpa é que

não soube que Mili estava se comportando de um modo inadequado até que

foi muito tarde. Quando minha esposa faleceu, eu... Eu perdi a razão. Não

atendia nada, estava como ausente. Não sei se pode compreender o poço no

qual afundei a dor da perda, mas o certo é que lembro poucas coisas dos

primeiros anos após sua morte.

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35 

-Meu pai sempre disse que a amava muitíssimo - assinalou Wulfric,

incômodo, já que o aspecto de Nigel era o de alguém que está se consumindo

de novo na pena.

-Sim, a amei, mas não soube quanto até que a perdi. Meu irmão Albert,que Deus o benza, vivia conosco naquela época. Confie-lhe que cuidasse de

minhas filhas, mas ele também era viúvo e... E como as maneiras masculinas

de Milissant lhe pareceram divertidas, não fez esforço algum por tentar mudá-

la.

-Mas dizem que você estava aqui...

-Sim, mas raramente sóbrio moço - admitiu Nigel- Já minhas filhas sedivertiam em me confundir e fingir que uma era a outra. De modo que,

quando via Jhone, pensava que era Milissant, e não me dei conta de que algo

ia mal até que era muito tarde. Quando finalmente compreendi no que havia

se convertido minha filha, seus costumes já estavam tão arraigados que não

houve forma de recuperá-la.

-Que não houve forma? -inquiriu Wulfric sentindo-se de repente mais

tenso.

-Milissant é todo ardor, não como sua irmã Jhone, que é um tanto

tímida. Tem a ferocidade e a coragem de sua mãe. Esse é um dos motivos

pelos quais fui incapaz de ter mão dura com ela. Temo que saiba que me

lembra muito sua mãe e se aproveita disso.

-Não é dever de um pai moldar a suas filhas igual faz com seus filhos e,

para ser justo - assinalou Wulfric- ninguém teria esperado que fosse você

quem o fizesse. É que não havia aqui damas que pudessem ocupar dela?

Nigel sacudiu a cabeça.

-Nenhuma de alta linhagem desde que faleceu minha esposa. Só as que

pertencem aos cavalheiros a meu serviço, embora nenhuma teve a fortaleza de

enfrentar minha filha.

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36 

Quando por fim comecei a me dar conta de que Milissant não estava

recebendo a educação que lhe correspondia, mandei-a ao castelo de Fulbray

com a esperança de que a esposa de lorde Hugh tornasse o assunto em suas

mãos. Mas para então já era muito tarde, levava muito tempo fazendo suaSanta vontade e, depois de alguns anos de tentativas, mandaram-na de volta

como irrecuperável. Haviam tentado tudo e os castigos benévolos não haviam

obtido nada.

 Wulfric se perguntou se aquele ancião se dava conta de que a mulher

que estava descrevendo não era apta para ser uma esposa, que nenhum

homem em uso de razão iria querer uma mulher tão anormal... Vá, isso era oque ia liberá-lo dessas bodas. O próprio Nigel se sentiria obrigado a lhe

libertar da promessa de matrimônio. Só tinha que assinalá-lo, e isso fez:

-Agradeço sua honestidade, lorde Nigel, mas, considerando-o em seu

conjunto, acredita que será uma boa esposa?

Sua decepção foi profunda quando Nigel respondeu com um sorriso.

-Sim, não tenho a menor duvida de que o que necessita para moderar

suas maneiras e dar-se conta de que está em um engano e o que necessita é

um marido e filhos.

-Como pode estar tão seguro?

-Porque com sua mãe ocorreu exatamente o mesmo, e ela é filha de sua

mãe. Disse que minha esposa tinha uma natureza indômita e, em honra à

 verdade, quando a conheci era uma bruxa orgulhosa e irada, com uma língua

pérfida capaz de levantar bolhas. Entretanto, o amor a mudou por completo.

Foi difícil conter o impulso de burlar do ancião. Wulfric perguntou:

-Supõe que me amará. O que ocorrerá se não for assim? -Nigel soltou

uma risada nervosa, com o que o confundiu ainda mais, até que disse:

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-Não vejo nada de errado em ti, bem ao contrário. Ou dirá que tem

dificuldades com as mulheres? - Wulfric se ruborizou e ele prosseguiu- Já

supunha que não. E minha filha não será diferente das demais quando, com o

passar do tempo, converta-te no centro de sua vida. O certo é que não confioem ninguém como no filho de Guy para que cuide de minha filha mais velha

porque, se for, como seu pai, sei muito bem que a tratará com respeito.

E isso fulminou a última esperança que Wulfric albergava de que Nigel

invalidasse o acordo. Era um fato: seu destino ia estar unido ao dessa megera,

por ser filho de seu pai, por não ser um cavalheiro grosseiro como alguns,

porque a diferencia de tantos outros, ele não atacava os fracos, porque seu paio havia educado de outro modo.

Sentia-se compreensivelmente amargurado ante a perspectiva de ter que

educar sua própria esposa. Algo dessa sensação saiu a reluzir na observação

que fez a seguir, apesar de que tentou manter um tom neutro.

-Mas terei que tratar com ela enquanto isso, lorde Nigel, antes que se

opere esse mudança tão esperançosa. Ela ignora suas ordens. O que o faz

pensar que obedecerá as minhas?

-Porque comigo conhece o limite do que pode transgredir sem sofrer

represálias, mas contigo não terá essa vantagem. Não é nenhuma tola, moço,

nem muito menos. Só é... Um tanto estranha em sua atitude e no que

considera importante, até o momento. Mas verá como suas prioridades

mudarão assim que se case.

O pai se mostrava muito otimista. Mas Wulfric não.

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38 

Capitulo 6

 Jhone demorou bastante para trazer sua irmã de volta. Milissant podiater subido as escadas que conduziam ao quarto da torre que compartilhavam

mas, tal como havia suspeitado Jhone, havia cruzado o corredor que ia até as

escadas de outra torre que a levariam de novo para baixo e a permitiriam

escapar. E Dunburh não era um lugar pequeno onde fosse fácil encontrá-la se

ela não o desejasse.

Por fim ele a achou nos estábulos, onde estava fazendo amizade com ogaranhão negro de Wulfric de Thorpe. Não se tratava de um desses enormes

cavalos utilizados nas batalhas por sua crueldade e sua disposição a pisotear

tudo o que achasse em seu caminho. Esses animais não eram bons para viajar

precisamente por essas tendências e, por isso, os cavalheiros que podiam

dispor de um animal mais cordial reservavam o outro unicamente para a

batalha. Entretanto, era um garanhão grande, e até então não havia se

mostrado muito amistoso.

- Não estará dispondo-o contra seu proprietário, não é? -perguntou

 Jhone à medida que ia se aproximando do estábulo.

- Pensei nisso.

Essa réplica áspera fez Jhone sorrir.

- Mas mudou de opinião...

- Sim, não quis que o cavalo saísse ferido, o que sem dúvida ocorreria se

esse bastardo não pudesse controlá-lo. Está visto que repartir golpes e

provocar dor alheia faz parte de sua natureza, como eu mesma pude

comprovar.

- Isso faz muito tempo, Mili - lembrou Jhone docemente. - Não era

mais que um moço, não um homem feito como agora. Com certeza está

mudado.

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Milissant levantou a cabeça, desafiante, com um brilho fulgurando em

seus olhos e disse, taxativa:

- Pude observá-lo por mim mesma ali em baixo, no caminho. Teria mebatido se você não houvesse intervindo.

- Mas ele não sabia que era você.

- E como sou muito menor que ele, independentemente de quem ou o

que pense que sou pode me bater?

 Jhone dificilmente podia refutar isso, assim observou:

- Mas eu vi a incredulidade que se refletiu em seu rosto quando se deuconta de quem era.

- Perfeito - resolveu Milissant. - Assim quando voltar à sala será para

ouvir que anulou esse acordo absurdo.

- Disso eu não estaria tão certa - disse Jhone mordendo o lábio. - Tem

autoridade para isso? Para quebrar um contrato que contraiu seu pai?

Milissant franziu o sobrecenho.

- Não, suponho que não. Então terei que me assegurar que seja papai

que o rompa. Iria fazer de todos os modos, só que não pensava que ia ser tão

cedo. -Soltou um bufo. - E como ia pensar nisso? Nos últimos seis anos

poderia ter vindo aqui quando o agradasse e me reclamar, mas não o fez. A

 verdade é que tinha me esquecido completamente dele.

Isso não era inteiramente verdade, e ambas sabiam disso. O coração de

Milissant estava destinado a outro homem e, portanto, não poderia casar-se

com ele até que se rescindisse o velho acordo que a comprometia com Wulfric

de Thorpe. Assim não havia tido escolha além de pensar em seu velho noivo,

embora esses pensamentos não fossem especialmente agradáveis.

- Talvez tenha demorado em aparecer, Mili, mas aqui está. O que fará

se tiver que se casar com ele?

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- Antes me jogaria do alto dessa torre.

- Milissant!

- Não disse que vá fazê-lo, mas sim que preferiria.

 Jhone não sabia como fazer tudo aquilo mais suportável a sua irmã esua confusão lhe doía. Foi uma crueldade por parte de Thorpe ter esperado

tanto, sem comunicação alguma, sem ter ido nem uma vez de visita para que

pudessem se conhecer melhor e ter uma idéia de sua união.

Havia passado tanto tempo sem ter notícias suas que não era estranho

que Milissant tivesse entregado seu coração a outro jovem cavalheiro, ao qual

ela aprovava e gostava muito, um que não se importava que não fosse comoas outras garotas. Inclusive eram amigos, e Jhone sabia por experiência

própria que ser amiga de seu futuro marido modifica muito as coisas e atenua

os medos da noiva.

Dois anos antes Jhone havia se casado com um jovem que sim havia

ido visitá-lo freqüentemente depois de comprometerem-se quando ela fez dez

anos. Assim, havia tido seis anos para conhecê-lo e tinha se sentido muito

satisfeita a seu lado. A dor de tê-lo perdido ainda a entristecia, pois havia

falecido não fazia muito tempo.

Não obstante, ela era o menor, e tinha se sentido estranha casando-se

antes que Milissant; supunha que, também para sua irmã, tudo aquilo havia

resultado um pouco embaraçoso e como conseqüência disso guardava certo

rancor a seu noivo. Embora Milissant nunca houvesse admitido e, se o tinha

sentido, havia ocultado muito bem.

- De verdade pensa que papai aceitará anular o contrato agora que o

noivo veio atrás de você? Sua ausência deixou de ser um trunfo para seu

raciocínio.

Milissant apoiou a testa no lombo do cavalo com gesto abatido.

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- Aceitará - disse com voz tão baixa que Jhone mal a ouviu. E logo

acrescentou, em voz mais alta e levantando o olhar: - Tem que fazê-lo. Não

posso me casar com esse bruto, Jhone! Asfixiará-me, tentará me dominar.

Que Wulfric de Thorpe se apresentou finalmente não desculpa sua demora, efoi sua demora o que fez que eu procurasse em outra parte!

Isso parecia razoável, e, além disso, era verdade. Milissant não havia

pensado em quebrar o acordo. Havia odiado a perspectiva desse matrimônio e

tinha odiado seu noivo, mas havia se resignado ao seu destino; até que passou

o tempo e Wulfric seguia sem aparecer nem mandar missiva alguma. E seu pai

estava acostumado a conceder a Milissant o que esta desejava ou, melhordizendo, freqüentemente se rendia ante a impossibilidade de que os desejos

dela fossem mais de acordo aos seus.

Entretanto, por alguma razão Jhone tinha a sensação de que nesta

ocasião os esforços de Milissant com seu pai não iam ter êxito. As núpcias

eram algo sagrado em que se comprometiam os homens, e era inadmissível

que as mulheres os questionassem, dado que não as consultava na hora de

estabelecê-los. De algum jeito, Jhone sabia que sua irmã era consciente disso e

que esse era um dos motivos de sua raiva.

O outro motivo era, sem dúvida, o ataque no caminho. Ali, a primeira

emoção havia sido o medo, mas o medo tende a converter-se em raiva assim

que desaparece. E quem teria esperado um ataque como esse tão perto de

Dunburh? Milissant nem sequer havia levado suas armas consigo, pois sua

intenção era só ir até o povoado.

- Contei a papai o acontecido no caminho - disse Jhone. - Mandou Sir

Milo procurar rastros desses homens.

- Bem - assentiu Milissant. - Milo é um cavalheiro eficiente, não como

outros - acrescentou com um grunhido.

 Jhone se absteve de fazer comentários. - Não consigo imaginar quem

eram, nem por que pareciam tão interessados em te capturar.

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42 

- Você também notou? -perguntou Milissant franzindo a testa

pensativa. - Pensei que isso de que queriam me capturar era minha

imaginação.

 Jhone sacudiu a cabeça.- Não, é certo, mas por quê?

Milissant encolheu os ombros.

- Por que ia ser? Para pedir um resgate. Com todas as melhorias que se

fizeram nestes últimos dez anos para reforçar as defesas de Dunburh, não

acredito que seja um segredo para ninguém que os cofres de papai estão

transbordantes. E eu sou sua herdeira. Jhone soltou uma risadinha.

- Sim, mas quem diria que é sua herdeira te vendo?

Milissant sorriu.

- Isso é verdade. Em Dunburh há muito tráfego de vendedores

ambulantes e malabaristas e, certamente, de mercenários em busca de

trabalho. Qualquer um poderia ter descoberto quem sou. Com certeza que

algum desses mercenários aos quais foi negado trabalho pensou em me

seqüestrar como a maneira mais fácil de encher os bolsos.

 Jhone assentiu pensativa. Esse parecia um motivo mais razoável.

- Mas agora terá que andar com mais cuidado - advertiu. - E isso

significa que acabou isso de sair sozinha a caçar.

- Se tivesse tido meu arco à mão, Jhone, nunca teriam se aproximado

tanto, sabe muito bem.

Por mais certo que isso fosse não dissuadiu Jhone da necessidade de ser

cautelosa.

- Nesta ocasião só eram quatro. A próxima pode ser que sejam mais.

Não fará nenhum mal deixar de caçar durante alguns dias, ou levar alguns

homens contigo; ao menos até que os tenham capturado.

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43 

- Já veremos - foi tudo o que Milissant prometeu.

Mas Jhone a conhecia muito bem para fingir que com ameaças sua irmã

fizesse as coisas como ela queria. Com Milissant se requeriam táticas mais

sutis. De modo que não acrescentou nada ao já dito, ao menos de momento. Além disso, ainda tinha que abordar o assunto principal, a razão pela qual a

estava procurando. E tampouco sabia como falar disso sem que Milissant se

fechasse. Assim, Jhone decidiu mudar de assunto e assinalou:

- Stomper ficará ciumento se a vê mimar tanto este garanhão em sua

presença.

Milissant sorriu enquanto se dirigia para um cavalo mais alto que estavaesperando pacientemente que lhe prestassem atenção.

- Não; sabe muito bem que ainda que compartilhe meus sentimentos

não significa que haja menos para ele.

Logo saiu do estábulo para ir ver o outro cavalo, e o garanhão tentou

segui-la. Ela se deteve e sussurrou palavras doces. Quando ela saiu de novo, o

cavalo parecia ter compreendido que tinha que ficar.

 Jhone havia visto a mesma cena muitas vezes antes, posto que, desde

que tinha memória para lembrá-lo, Milissant havia mostrado uma afinidade

especial com os animais. Era quase como se a entendessem quando se dirigia a

eles. Como se pudesse sentir seu medo e sua dor como próprios, e que eles

notassem e se sentissem consolados. Embora esse não fosse o caso,

naturalmente; teria sido uma tolice que ela acreditasse. O que passava é que

tinha empatia com os animais. Os que se faziam amigos seus não se sentiam

ameaçados. Mas, inclusive aos que caçava, pedia perdão antes de matá-los e,

com freqüência, inclusive dava a oportunidade de evitar suas flechas. Talvez

fosse porque sempre caçava para comer, nunca como esporte.

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44 

 Jhone também era empática, mas não com os animais, mas sim com as

pessoas. Ao menos, parecia poder sentir as emoções dos outros com maior

intensidade que os próprios interessados. Por isso a raiva que costumava ser

própria dos homens a assustava tanto, porque a sentia com tanta intensidadecomo se fosse sua, e isso a aterrorizava.

Por isso havia amado tanto seu esposo William, e tinha rogado a seu pai

que declinasse as outras ofertas que pudessem fazer respeito a ela, porque não

estava preparada para unir-se de novo em matrimônio. William não havia sido

um homem irado. Sua atitude havia sido tão jovial e despreocupada que nunca

levava algo a sério o suficiente para zangar-se. E a tinha amado tanto que elahavia chorado muito sua perda. Seria quase impossível encontrar outro

homem como ele, e ela nem sequer o tentava.

Depois de acariciar e sussurrar ao outro cavalo, Milissant se virou e se

dirigiu para a saída do estábulo. Finalmente Jhone disse:

- Papai me pediu que te levasse à sala, adequadamente vestida.

Milissant parou em seco e soltou um bufo.

- Colocar a cotardía2 para ele? Sabe que me causa coceira.

 Jhone cobriu a boca rapidamente, mas não antes que Milissant visse seu

sorriso.

- Bom, como não tenho nenhum desse, mas tenho algum dos demais.

 Já sei que queimou os últimos que papai mandou fazer.

- Pois põe um e se faça passar por mim. Não penso ir de boa vontade

falar com esse caipira.

Não era uma sugestão estranha. No passado, estavam acostumadas a

fazer-se passar uma pela outra. Era um de seus jogos infantis, a Jhone gostava

muito porque lhe dava a sensação de que, quando fingia ser Milissant, também

parecia se investir de sua coragem e ousadia, o que às vezes sentia falta em si

mesma.

2  Tipo de espartilho ou sutian utilizando na idade média. 

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45 

Entretanto, estavam alguns anos sem fazê-lo, e para receber De

 Thorpe... Não, era impossível. Dava muito medo.

- Mili, não posso. Veria-me tremer, e você não quer que tenha essa

impressão de você, não é? Além disso, papai se daria conta, é justo o que estátemendo.

Milissant franziu o sobrecenho.

- Pois vá e diga que não me encontrou que parti do castelo. Não vejo

motivo algum para me reunir com De Thorpe, já que tenho a intenção de que

se anule o acordo; assim que possa falar com papai a sós.

- Papai irá se zangar se volto à sala sem você - predisse Jhone.- Papai se zanga muito freqüentemente comigo. Mas nunca dura muito

tempo.

 Jhone não estava nada certa de que nesta ocasião também fosse assim.

Depois de tudo, Wulfric de Thorpe não era um visitante como outros. Seu pai

iria querer honrar com as atenções devidas o filho de um conde, as mesmas

que devia receber um conde, quase as mesmas que dispensavam a um rei. E

nem sequer tinha disposto ainda um quarto a ele! Jhone empalideceu ao

lembrar e disse a sua irmã a modo de conclusão:

- Direi, mas não vai gostar nada. Assim não demore muito em falar

com ele, Milissant, e em melhorar os ânimos.

Saiu do estábulo e deixou Milissant olhando-a com severidade e

murmurando:

- Melhorar os ânimos? Desde quando faço outra coisa que inflamá-los?

-e levantou a voz para gritar a sua irmã: - Você é a que pode melhorar não eu!

Mas Jhone já não podia ouvi-la.

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46 

Capítulo 7

Milissant foi ao arsenal em busca de um arco -não ia se arriscar a entrarna torre para recolher o seu - Escapuliu pela porta lateral de onde podia

confundir-se rapidamente com o bosque. Ainda tinha o coração pesado, e não

precisamente por uma emoção agradável.

Uma lebre saiu na estrada para saudá-la e ela se deteve a acariciar seu

focinho. Tinha vários amigos nesses bosques e nos prados contíguos, cuja

amizade havia granjeado ao longo desses anos. Alguns poucos tinha levado aocastelo, mas à maioria não havia podido. Eram muitos. Entretanto, o animal

notou que estava de mau humor e não demorou em afastar-se correndo. Ela

suspirou e retomou a caminhada com andar silencioso.

Quando estava na parte mais frondosa do bosque, deteve-se de novo,

subiu numa árvore e se instalou sobre um robusto galho. Tinha uma ampla

 vista dos arredores e os animais ainda não haviam encontrado uma toca onde

hibernar. Mas não estava de humor para matar nada. Só havia levado o arco

para sua própria proteção, já que sabia que esses bosques eram a direção para

a qual haviam fugido aqueles agressores.

Ela também fugia, tentando escapar de uma lembrança que, hoje havia

retornado com muita nitidez graças a ele. Poderia ter sido um dia como outro,

que ela não recordasse, fazia tanto tempo e ela era tão jovem, mas a dor

associada com essa lembrança havia retornado indelével.

Estava mostrando a seus amigos, muito orgulhosa, como havia

conseguido adestrar Rhiska. O falcoeiro tinha se rendido com Rhiska, porque

era um falcão fêmea que não haviam educado quando era uma cria, e se

negava a adaptar-se ao trato humano.

Na realidade, estava disposto a mandá-la aos cozinheiros, ou ao menos

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isso havia dito (Milissant se deu conta depois de que isso havia sido uma

brincadeira). Por isso também se sentia orgulhosa de ter salvado a vida do

animal ao domesticá-lo.

Mas então havia aparecido ele, que atraiu a atenção do animal com umsom e a olhou como se tivesse feito algo errado. E como ela havia adestrado

Rhiska sem que o falcoeiro soubesse, misturando-se em domínios que eram

expressamente proibidos o acesso, sabia que sim havia feito algo errado, mas

ignorava como era possível que esse estrangeiro soubesse.

«Sou o homem com quem vai se casar assim que tenha a idade necessária» , havia

dito. E não podia ter dito nada pior. Ele era bastante bonito. Qualquer outragarota estremeceria ao ouvir isso, mas Milissant havia decidido precisamente

essa semana que não ia casar jamais.

 Alguns dias antes, um dos plebeus do povoado tinha dado uma surra

tão brutal em sua esposa que esta havia morrido no dia seguinte. E os

cochichos que o fato suscitou entre a pessoas causaram uma terrível

impressão à menina que então era Milissant. «Merecia», «Estava em seu direito

de colocar sua mulher em cintura», «Exagerou um pouco a mão. Quem vai

cozinhar agora para ele?» e «Uma mulher deve saber como impedir que seu

marido se zangue com ela».

Para a mente infantil de Milissant, a melhor maneira de impedir tudo

isso era simplesmente não se casando nunca. Tendo o problema uma solução

tão simples, perguntava-se como não havia ocorrido a muitas mulheres mais.

 Ainda não haviam falado de Wulfric de Thorpe, ainda não sabia que

havia um contrato matrimonial que a obrigava a casar-se com ele. De modo

que acreditava a salvo desses maridos de mão dura; até que ele apareceu ali,

afirmando com aquela arrogância que ia se casar com ela.

Era um mentiroso, isso estava claro, mas suas palavras a haviam

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assustado porque parecia muito seguro de si mesmo. Além disso, levava um

mau ano, com o passar do qual havia descoberto que a maioria das coisas que

gostava estava proibida. Também foi o ano em que descobriu, ou ao menos

descobriram suas amigas, que tinha um caráter terrível e que, no futuro, teriaque aprender a controlá-lo.

O mentiroso teve ocasião de comprová-lo, mas quando ordenou que

partisse, ele tinha ficado tão alegre. Isso foi a gota que encheu o copo. Ia fazer

que o jogassem do castelo e que fechassem as portas em seu nariz.

Ela se moveu para colocar Rhiska em seu cabide e sair das cavalariças

para chamar um guarda armado que se encarregasse daquele desconhecido.Ficava furiosa que a ignorassem. Depois de tudo, ela era a filha do lorde e esse

homem era um estranho. Mas Rhiska notou sua ira e reagiu equilibrando-se

contra o estranho.

Milissant foi pega de surpresa, mais ainda quando aquele tolo levantou

uma mão sem luva para se proteger do falcão. Ainda não havia treinado o

animal para caçar, e por isso ainda não sabia que devia retornar quando o

chamava. Entretanto, todos os falcões são caçadores por natureza; só que não

costumam atacar às pessoas. Não obstante, Rhiska bicou a mão do moço e

Milissant deu um passo à frente para dizer ao animal que o soltasse, mas o

menino reagiu Rhiska pegando-o e lançando-o contra a parede.

O pássaro morreu quase imediatamente. Milissant não precisou

examiná-lo para saber que estava morto, havia notado como lhe escapava o

espírito da vida e aquilo a fez perder os estribos. Jogou-se sobre o moço, igual

a Rhiska, e quis matá-lo.

Na realidade, não era consciente do que estava fazendo, a dor a tinha

enlouquecido; não se deu conta até que ele a empurrou e foi jogada contra um

dos poleiros dos pássaros. Caiu sobre um pé, ouviu o rangido de seu

tornozelo e notou que a dor a cegava. A dor de um pé quebrado era pior que

qualquer outra dor, porque sabia que essas rupturas não se arrumam que

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ficava manca por toda vida. E com os coxos ninguém tinha piedade,

ignoravam-nos, consideravam-nos até tal ponto inferiores que passavam ser

menos que um plebeu, convertia-se em mendigos.

Mas não gritou nem emitiu som algum, talvez pela impressão. Nuncasoube como havia suportado a dor que lhe causou voltar a colocar o osso em

seu lugar, nem tampouco por que o havia feito, salvo pela terrível perspectiva

de ficar manca para o resto de sua vida.

Seus dois amigos haviam se deslocado em busca de ajuda para levá-la à

torre e o estranho partiu. Não havia voltado para vê-la. O mais irônico era

que, como ela não havia emitido som algum, ninguém pensou que se feriucom gravidade, todo mundo pensou que era uma torção que fosse curar

rapidamente.

Só tinha informado Jhone, com quem havia compartilhado seu temor

de ficar manca. Também haviam ocultado ao curador do castelo, porque sua

resposta teria consistido em fazer uma sangria com suas sanguessugas. Nem

sequer teria examinado a lesão, mas sabiam que essa era a cura que receitava

para qualquer enfermidade. Suas malditas sanguessugas estavam

rechonchudas.

Milissant ficou três meses sem poder andar, três meses sem tirar a bota

com a qual havia comprimido o tornozelo. A colocado porque parecia que

aliviava um pouco o tormento, e logo não a tinha tirado. Inclusive depois que

a dor remetesse completamente, dava medo dar um passo ou examinar

atentamente o pé. Só foi porque Jhone se queixava de que lhe dava chutes

com essa bota quando dormiam que, finalmente, Milissant a retirou e

descobriu que, depois de tudo, não ia ficar manca.

 A partir desse dia, Milissant elevou uma oração diária para agradecer

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que seu pé tivesse curado e que não tinha ficado manca. Até dois anos depois

não soube quem era aquele estranho, e que era certo que estava prometida a

ele. Não havia mentido, embora tampouco houvesse granjeado precisamente

sua simpatia matando Rhiska e deixando-a quase manca, tudo havia que dizê-lo. O desprezou e desprezava a simples idéia de ver-se forçada a casar-se com

ele.

Os seis anos transcorridos desde que se inteirou da verdade havia

ficado preocupada, e no ano seguinte, e o que veio depois. Mas quando

completou quatorze começou a tranqüilizar-se. Wulfric não havia retornado a

Dunburh e ao que parecia não voltaria jamais. Assim havia tomado a decisãode casar-se com seu amigo Roland assim que este completasse a idade

requerida.

Seu pai não teria outra escolha que não fosse ser razoável com isso.

Com Roland poderia ser feliz, estava certa; o admirava e, além disso, eram

bons amigos. Mas com Wulfric... Nem sequer pensava incomodar-se

pensando em quão infeliz podia chegar a ser com um bruto como aquele.

O certo é que era bonito, havia sido de moço e como homem ainda

mais. Entretanto, não podia comparar-se com Roland, que tinha cara de anjo

e corpo de gigante; igual a seu pai, que Milissant havia conhecido em uma

ocasião em que este último tinha ido visitar Roland em Fulbray.

Roland e ela haviam sido acolhidos em Fulbray. À maioria dos meninos

os acolhiam em outra família para convertê-los em cavalheiros, porque era

sabido que no seio da própria família seus criados e seus pais consentiam

muito. Os futuros cavalheiros precisavam endurecer. Às garotas também as

mandavam a educar-se em outras casas, mas era simplesmente por costume.

Entretanto, nem todas as garotas iam completar sua formação fora de seu lar.

Roland a tinha fascinado desde o primeiro momento, porque sabia que

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tinham mais ou menos a mesma idade, naquele tempo oito anos, embora ele

fosse tão alto que passava várias cabeças aos meninos com quem treinava. E

aprendia muito rápido, tinha habilidade para tudo o que se propusesse. A

princípio invejou a facilidade com que ele aprendia todas essas artes que teriagostado aprender.

 Assim foi como o conheceu. Milissant não se contentava ficando na

torre com as demais garotas, aprendendo a costurar, a bordar, a comportar-se

com graça na sociedade e todas essas coisas que não a interessavam nada. O

que a apaixonava era o que se aprendia nos campos e no pátio, a beleza das

flechas lançadas com pulso certeiro, a precisão letal com que uma espada seabatia sobre o adversário. Via em tudo isso um autêntico proveito e a

compensação dos esforços e a prática, a diferença está entre a vida e a morte.

Esteve dois anos se escondendo de Margaret, cuja ingrata tarefa

consistia em atraí-la ao redil onde se reuniam as damas acostumadas a ser

fúteis. Aprendeu a fazer ela mesma os arcos e as flechas graças aos

ensinamentos de um mestre arqueiro que pensava que ela não era senão outro

jovem pajem desejoso de aprender.

Ela e Roland tinham algo em comum que os uniu desde o começo e

forjou uma amizade entre eles. Ambos eram muito diferentes aos de sua

própria idade, Milissant pela forma em que zombava dos deveres das damas, e

Roland por seu incrível tamanho e suas excepcionais habilidades.

Passou anos sem ver Roland, desde a vez em que se deteve em visitá-la

a caminho de Clydon, onde ia passar alguns dias de repouso. Ao contrário

dela, ele seguia em Fulbray, de onde não partiria até que o sagrassem

cavalheiro.

Embora talvez já fosse cavalheiro e ela não se inteirou. Correspondiam-

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se esporadicamente, apesar do muito que lhes custava escrever essas cartas e

ainda mais fazer que chegassem a seu destino. Além disso, ultimamente ela

havia deixado de escrever; queria propor que se unissem em matrimônio e não

estava muito certa de como fazê-lo.Dava voltas e mais voltas sobre qual podia ser a reação de seu pai

diante do assunto, depois que tivesse aceitado anular seu contrato com De

 Thorpe, quando ouviu o galope de um cavalo aproximando-se. O cavaleiro se

aproximava lentamente da árvore a qual ela estava. O homem não a viu,

porque tinha o olhar fixo no chão. Demorou um instante em reconhecê-lo

como um dos cavalheiros que acompanhava Wulfric. Surpreendeu-se ao verque se detinha justo debaixo de sua árvore. Logo ouviu:

- De verdade pensa que esse galho pode suportar seu peso sem

quebrar-se?

Milissant ficou tensa. Jamais a haviam descoberto, nem sequer o

falcoeiro, que adestrava os falcões nesses bosques e que, portanto, tinha um

bom motivo para olhar para cima freqüentemente e esse cavalheiro nem

sequer a tinha olhado. Foi então quando o homem levantou o olhar,

descobrindo olhos azul escuro, não tão escuro como os olhos dele, embora

parecessem muito.

- Não é irmão de Thorpe –aventurou - posto que é filho único. É seu

primo por acaso?

O desconhecido pôs-se a rir.

- A maioria das pessoas não vê nenhuma semelhança. Como descobriu?

Era certo que não se pareciam tanto. Ele era mais baixo que Wulfric, e

mais magro. E tinha o cabelo castanho claro, enquanto que o de Wulfric era

preto como a asa de corvo. Seu rosto também era diferente: a mandíbula deste

era menos pronunciada, seu nariz mais largo, suas sobrancelhas retas e cheias

e não curvadas e pontudas como as de Wulfric.

- Têm os mesmos olhos -respondeu ela, - não tão escuros como os

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seus, mas os mesmos.

Ele assentiu.

- É certo. Temos o mesmo pai, embora eu nascesse no povoado.

 Assim, era um bastardo, algo do mais comum. Alguns inclusiveherdavam, no caso de que não tivesse um herdeiro legítimo. De qualquer

modo, era seu irmão, e Milissant se perguntou por que não sentia para este o

mesmo desagrado que inspirava o outro. Talvez porque este parecia realmente

agradável, com seus olhos puxados e sua risada fácil. O certo é que não era

para nada ameaçador, assim que talvez fosse verdade que não mantinham

tanta semelhança entre si.- O que faz neste bosque? -perguntou ela.

- Procurando os que são tão estúpidos para atacar uma dama.

Obviamente se referia a Jhone, e os assaltantes dos quais falava eram os

que haviam atacado no caminho. Teria-lhe pedido ajuda Sir Milo? Não sabia o

que teria impulsionado a fazê-lo, posto que Dunburh contasse com

numerosos cavalheiros e com quase cinqüenta homens armados.

- Não poderia descer daí antes que se quebre o galho? -sugeriu.

- Não peso tanto para quebrá-lo.

- Sim, é pequena - Admitiu e acrescentou criticamente – embora seja

mais velho do que parece, a meu entender.

- Por que o diz?

- Porque, para ser um plebeu, tem muito juízo, e mais se for tão jovem

quanto parece.

Milissant confirmou que não tinha se dado conta de quem era ela, igual

a seu irmão, que não se inteirou até que o disseram.

- E muito audaz, além disso. Quem é, então, moço? Possui por acaso

um feudo franco?

- Preferiria possuir um feudo franco a ser quem sou senhor. Sou a filha

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de Nigel Crispin.

Ele fez uma careta e proferiu um murmúrio que chegou aos ouvidos

dela: «Pobre Wulf.»   Assim compadecia de seu irmão porque um contrato o

obrigava a casar-se com ela, não? Não se compadecia dela, claro, por ver-seforçada a casar-se com um bruto insensível. Embora, desde quando o destino

das mulheres era objeto de consideração por parte dos homens?

Saltou ao solo e se plantou em frente ao cavalo, que deu um passo

atrás, espantado. Pôs-lhe a mão no lombo e disse umas palavras

tranqüilizadoras em saxão antigo. O animal se aproximou e esfregou seu

focinho contra ela.O cavalheiro piscou. Ela não se deu conta antes de levantar a vista e lhe

dizer a modo de despedida:

- Sim, seu irmão merece que se compadeça dele posto que, se me vejo

forçada a me unir a ele, não terá nem um instante de paz.

 Virou-se e, antes de desaparecer de novo na espessura do bosque,

ouviu:

- Vai assim suja para se ocultar melhor ou porque é da opinião de que

banhar-se não é saudável?

Milissant se virou feita um basilisco. Como se o que ela usasse fosse

assunto dos outros...

- De que sujeira fala? -espetou.

Ele sorriu e seus olhos se inclinaram de novo.

- Da sujeira de seu rosto e suas mãos, milady, que cobre o que poderia

perceber-se como a pele de uma mulher. Certamente útil para enganar os que

pudessem notar que é uma mulher, isso é verdade. Faz de propósito, então?

Ou é que passou muito tempo da última vez que contemplou seu reflexo?

Milissant chiou os dentes.

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- Olhar-se no espelho é a melhor forma de perder o tempo, e, embora

não seja assunto que interesse, banho-me com mais freqüência que muitos,

praticamente uma vez por semana!

Ele riu.- Então deve saber que já é hora do banho.

Ela se negou a esfregar o rosto com a manga para ver se estava suja.

 Além disso, estava certa de que assim era. Assim que ficasse um instante

quieta, Jhone se dedicava a esfregar as manchas da cara. Só que não estava

habituada que o assinalassem. Como se me importasse! Bufou para si mesma.

Que tolice tão feminina, a presunção e a vaidade!E, embora fosse certo que era hora de seu banho semanal, não ia tomá-

lo por uma questão de princípios. Não até que Wulfric partisse de Dunburh,

que com certeza seria muito mais tarde do que ela desejava. Se seu irmão tinha

reparado que estava suja, ele também podia notar, tanto melhor para que

aceitasse anular o contrato de esponsais.

 Afastou-se sorrindo e disse:

- Se preocupe com seus hábitos higiênicos, senhor, porque me parece

que não irá ficar o suficiente para que possa desfrutar de um banho quente. -E

dito isto retornou com sigilo ao bosque e desapareceu da vista.

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Capítulo 8

Milissant começava a notar os efeitos de ter saltado o almoço e o jantar,mas a ansiedade a impedia de visitar a cozinha antes de falar com seu pai. Era

um homem de costumes e estava acostumado a retirar-se cada noite à mesma

hora, tivesse convidados ou não. E ela queria pegá-lo no momento adequado,

quando estivesse só em seu quarto, mas ainda não adormecido.

Enfiou-se escondida na antecâmara em que dormiam seus escudeiros e

esperou que saíssem do quarto depois de ajudá-lo a deitar-se. Não teve queesperar muito tempo. Os dois escudeiros, que a reconheceram, limitaram-se a

olhá-la com curiosidade quando cruzou ante eles e entrou no quarto de seu

pai.

 As cortinas da cama de seu pai estavam corridas para resguardá-lo das

correntes de ar, e ela pigarreou para advertir de sua presença. Não a inquietava

a possibilidade de que não estivesse só. Seu pai nunca havia tido amante

alguma, ao menos que ela soubesse. Preferia dormir com as recordações

daquela a quem ainda sentia falta. Milissant lamentava amargamente não ter

conhecido sua mãe, uma mulher capaz de inspirar uma devoção como essa

inclusive depois de morta. Ela só contava com três anos quando faleceu, e

lembrava vagamente sua doce fragrância e sua voz aprazível, capaz de

afugentar todos os medos.

- Estava te esperando - disse ele enquanto abria as cortinas e dava

golpezinhos a um lado da cama, indicando que se sentasse a seu lado.

Ela se aproximou lentamente, incapaz de decifrar por seu tom quão

zangado estava. Sabia que não só tinha mandado Jhone procurá-la, porque

havia passado o dia escapulindo.

- Não está muito cansado para falar? - perguntou, cautelosa, sentando-

se junto a ele.

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- Os bate-papos contigo são sempre interessantes, Mili, porque nunca

sei o que pensa. Assim não, não estou muito cansado para falar contigo.

- Verdade que pareço interessante? -disse ela franzindo o sobrecenho. –

Embora não ache que ocorra o mesmo a outros.- Se pretende que negue isso, não o conseguirá. É verdade que outros a

achem... Mais estranha que interessante. Também é certo que não é uma

iludida e não te engana a respeito, de modo que não deveria te ofender sabê-

lo. Se alguém se esforçar em ser diferente de como é, minha filha, tem que

assumir as conseqüências. A natureza humana se aferra ao normal e

tradicional e questiona, e inclusive teme o que não o é.- Não tem medo de mim - replicou ela zombadora.

- Os que a conhecem bem não te temem, é verdade. Parece normal

porque levam tempo sabendo como é. E essa aceitação te levou ao engano e

acreditou que podia seguir fazendo o que te agradasse indefinidamente. Mas

isso, Mili, não é assim.

Ela percebeu a tristeza que impregnava sua voz. Entretanto, não tomou

suas palavras a fundo. Não pensava mudar a maneira de ser só porque para

alguns sua conduta parecesse estranha em uma mulher. Havia passado a vida

lutando contra essas restrições e limites. Por que ia deixar de fazê-lo agora?

Embora sabia muito bem por que seu pai insistia em que mudasse agora. Era

por Wulfric de Thorpe.

Seu pai prosseguiu no mesmo tom.

- Já é bem mais velha, e sem dúvida bem inteligente, para compreender

os benefícios que pode reportar o compromisso.

- Em que sentido? -perguntou ela.

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- No sentido de que não te custaria tanto usar roupas mais apropriadas

para causar uma boa impressão a seu futuro marido. O ter satisfeito não pode

reverter mais que em seu próprio bem. Entretanto nem sequer se dignou a

aparecer. De verdade era necessário me envergonhar assim ante o filho demeu amigo?

- Não, papai, sabe muito bem que não era essa minha intenção! -

protestou Milissant.

- Pois esse foi o caso - replicou lorde Nigel. - Tanto te teria contrariado

tratar nosso hóspede com respeito?

- Não devo nenhum respeito a ele - murmurou. Seu pai franziu osobrecenho.

- Deve-lhe todos os respeitos. É seu noivo e logo será seu marido.

- Pois eu tenho outros planos.

- Outros planos?

Esse era o motivo pelo qual havia ido a seu quarto, e se apressou a

dizer antes que ele a detivesse.

- Não quero me casar com ele, papai. A simples idéia me aterroriza.

Prefiro me casar...

- Isso é normal.

- Não, não é. É por ele. Esta amanhã, no caminho, se Jhone não o

tivesse impedido, ele teria me pegado, e só porque tinha perguntado por que

não perseguia os agressores antes que fugissem.

Sabia que estava induzindo seu pai a conclusões errôneas. Devia ter

mencionado que Wulfric não a tinha reconhecido. Por desgraça, seu pai o

supôs por si mesmo.

- Pensou que era um menino, Mili, e além de um plebeu. Sabe

perfeitamente que aos plebeus devem ser tratados com severidade qaundo se

atreverem a questionar seus superiores. Alguns foram enforcados por menos

que isso. Ao que parece, ele inclusive foi mais indulgente.

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Milissant foi às nuvens.

- Teria sido aceitável que me pegasse? -Nigel bufou.

- Duvido que o fizesse jamais. E deve ser honesta, minha filha. Preferiu

provocá-lo, assim que a escolha de se quer viver em harmonia com ele é tua,de ninguém mais.

- Não quero viver com ele! Quero me casar é com Roland Fitz Hugh de

Clydon. O conheço bem. Somos amigos.

- Não é o filho de lorde Ranulf?

- Sim.

- E não é um dos vassalos de Guy de Thorpe?- Sim, mas...

- E pretende que se casar com o filho de um vassalo, quando pode se

casar com o filho do próprio senhor? Não diga tolices, Mili.

- Se não fosse amigo do conde, se não tivesse salvado a vida, jamais

teria me considerado digna de seu precioso herdeiro! Sabe tão bem quanto eu.

- Razão de mais para que considere uma honra que a tenham tomado

em consideração. A oferta surgiu dele. Rechaçá-la teria constituído o pior

insulto. Deveria se sentir adulada. Será a esposa de um conde.

- O que me importa os títulos se me consta que serei desgraçada? Isso é

o que quer para mim? Condenar-me a viver uma vida que não quero?

- Não, eu quero que seja feliz Mili. A diferença está em que eu sei que

será feliz assim que esqueça toda essa tolice de que não pode amar Wulfric.

Não há razão alguma para que não possa amá-lo.

 A mais contundente das razões veio à ponta de sua língua: que, em um

breve lapso não só havia matado um de suas mascotes, mas também, além

disso, quase a tinha deixado coxa por toda a vida. Entretanto, como seu pai

não tinha se informado de sua fratura, porque Jhone havia se passado por ela

durante os três meses em que esteve recuperando-se em seu quarto e não

haviam sentido sua falta, não a teria acreditado. E, ainda que acreditasse,

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tampouco o ia levar em conta, porque Wulfric era apenas um adolescente

naquela época, e os meninos são perdoados de suas maldades infantis.

Por isso aduziu outra razão, que não era do tudo verdade embora ela

estava convencida de que ia ser.- Não posso amar Wulfric porque amo Roland e sei que posso ser feliz

com ele. Não temo Roland, porque sei que será um marido bom e tolerante,

igual você foi um pai bom e tolerante.

Nigel meneou a cabeça.

- Fala de sentimentos infantis. Isso não é amor...

- Sim o é!- Não; está mais de dois anos sem vê-lo. Recordo perfeitamente a visita

que nos fez. É um bom moço e me impressionaram suas boas maneiras. Mas

não te fez nenhum bem tolerando essas preferências durante anos. O que

necessita agora não é tolerância. Chegou o momento de que aceite o que é,

uma mulher, logo uma esposa, logo também uma mãe, e deve se comportar

como tal. Ou será que pensa seguir me envergonhando até o fim de meus dias

como vem fazendo até a hoje?

Milissant empalideceu. Nunca o ouviu falar assim. Não, isso não era

 verdade. Havia mencionado em repetidas ocasiões o muito que incomodavam

suas tendências antinaturais, embora não parecia querer dizer isso. Nunca

havia levado a sério. Entretanto, agora...

- Se envergonha de mim? -perguntou ela com um fio de voz.

- Não, menina não me envergonho de você, mas me contraria ver que

não pode aceitar seu destino, o que o bom Deus escolheu que seja. E estou

cansado de que não me faça conta. Não se dá conta da falta de respeito que

constitui que me desobedeça, nem de como os outros o percebem e perdem o

respeito a sua vez...

- Não, isso não é assim!

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- Desgraçadamente sim, é, Mili. Um homem que não é capaz de

controlar sua própria filha, como pode esperar ter o comando de seus homens

e que estes o respeitem? Não me fez caso em nenhuma ocasião. Enfim,

pedirei isso pela última vez, antes que deixe minha casa para sempre. Cumpreeste contrato que foi contraído para você com boa fé, e que te honra. O faça

por mim se não por você mesma.

Como podia negar-se? Embora, por outra parte, como podia aceitar a

condenar-se ao matrimônio com um homem que não amava? Seu dilema

devia resultar tão óbvio, que Nigel acrescentou:

- Não tem por que se casar com ele amanhã mesmo. O que acha dedispor de um pouco de tempo para conhecê-lo, ajudaria? Talvez um mês, para

que possa se convencer de que será um bom marido para ti?

- E se ao cabo de um mês minha conclusão não for essa? -perguntou.

Nigel suspirou.

- A conheço, minha filha. É teimosa como uma mula. Poderia se

esquecer por uma vez desse traço de seu caráter e tentar de verdade? Pode ser

justa e dar realmente uma oportunidade que mude a opinião que tem dele?

Podia? Ignorar os sentimentos não era fácil, especialmente quando são

tão poderosos. Como não podia responder com o coração, respondeu:

- Não sei.

Lorde Nigel sorriu.

- Ao menos isso é melhor que um não.

- E se não chegar a gostar dele jamais?

- Se me constar que tentou, que tentou seriamente... Bom, então

 veremos.

Não deixava muita margem de esperança, mas temia que isso fosse

tudo que obteria dele, porque o via muito determinado a concretizar aquela

união.

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Capitulo 9

Milissant desceu à cozinha após se despedir de seu pai, não porque

estivesse faminta mas sim porque era o que tinha pensado fazer. O apetite

havia desaparecido por completo, nada surpreendente tendo em conta que

roncava a bile no estômago. Na realidade, encontrou-se de pé no meio da

cozinha sem ter nem idéia de que fazia ali. Nem sequer lembrava como havia

chegado, porque estava completamente absorta compreendendo aimportância do que, mais ou menos, acabava de prometer.

Dar a ele uma oportunidade? De verdade acabava de prometer isso?

Quando sabia perfeitamente que tipo de homem era aquele? Aos meninos não

corrigiam suas tendências naturais ao fim da puberdade. Ela havia podido

comprovar essa mesma manhã, posto que a tendência de Wulfric seguisse

sendo a de esbanjar superioridade, e ai daquele contra quem a exercesse!

- Assim é aqui onde esteve escondida todo o dia? -Milissant se virou em

seco, pasmada. Wulfric estava de pé no marco da porta, enchendo-o por

completo com sua imponente presença física. A cozinha estava quente graças

a vários fornos que se iam alimentando ao longo da noite, mas a luz era

mortiça e, na penumbra, seu corpanzil parecia ainda mais ameaçador, a longa

cabeleira, mais negra que a fuligem, cobria os ombros e as sombras de seus

olhos azuis davam também matize negras. Entretanto, a largura de seus

ombros e seus musculosos braços era o que o fazia tão ameaçador.

Roland era mais alto que Wulfric, talvez o ultrapassasse meia cabeça,

um verdadeiro gigante como seu pai, embora não inspirava temor como

 Wulfric. Odiava que aquele homem despertasse o medo nela, que estava

acostumada a ser tão audaz. Tinha que ser o dano que fez sendo uma menina,

tinha que ser isso e a vívida lembrança de tudo aquilo, isso era o que fazia que,

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em sua presença, ela estivesse tensa e quase trêmula.

De modo que tinha que brindar a oportunidade de demonstrar que era

digno de seu olhar? Por Deus, como ia fazer isso? Ele a paralisava. O único

instante do dia em que não o tinha temido foi quando gritou, pela manhã, e sóporque a raiva que lhe deu que não saísse em perseguição dos agressores tinha

sido um sentimento mais poderoso. A ira havia sido o amortecedor que havia

permitido tratar com ele. Mas não podia utilizá-la como defesa, não se estava

disposta a fazer o que seu pai tinha pedido.

- Teremos que acrescentar surdez seletiva à lista? -disse ao silêncio que

recebeu em resposta a sua pergunta.Milissant sentiu um calafrio.

- A lista de meus defeitos? Sim, acrescente, porque soa um bom defeito.

E não, não fiquei escondida aqui. E você o que faz aqui? Não lhe deram de

comer hoje?

- Antes não me interessava em provar um bocado, mas agora sim.

Pergunte-me por que não me agradava antes.

Milissant franziu o sobrecenho, agora sim que notava que ele estava

zangado e que jogava a culpa nela. Talvez tivesse se equivocado.

Decididamente, ela o tinha culpado por sua própria inapetência. Conseguiu

articular:

- Se o desagrada tanto a idéia de nossa união, compreendo.

Ele assentiu.

- Já vejo.

Em lugar de sentir-se insultada, parecia que abria uma fresta de

esperança. Se a ele desagradava tanto como a ela a perspectiva das bodas,

pode ser que também falasse com seu próprio pai a respeito. O bate-papo

com o seu não havia funcionado, mas talvez ele tivesse mais sorte. Podiam

tentar colaborar os dois em uma resolução do dilema. Podia contar com essa

possibilidade, o mais honesto seria comentar desde o inicio.

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 Abordou com cautela.

- Talvez tenha notado que não desejo me casar com você. - E para

amortecer o golpe, anexou uma pequena mentira. - Não é nada pessoal, é que

amo outra pessoa. Ao que parecia, isso não suavizou a impressão porque sua expressão se

fez mais sombria.

- O mesmo me ocorre, mas isso muda as coisas? Vamos ter um

casamento típico.

- O de meus pais não foi assim - informou ela secamente. - Eu aspiro

algo melhor.Ele soltou um bufo incrédulo.

- Pois seus pais foram uma estranha exceção, não a regra. Sabe tão bem

quanto eu que o casamento entre nobres são alianças políticas e nada mais que

isso. O amor nunca se tem em conta.

- Pois não deveria ser assim!

- Pois o é, e é muito ingênua se pensa que pode ser de outro modo.

- Ingênua? Você não gosta disso tanto quanto eu! -afirmou irada. - Por

que o aceita então? Por que não tenta convencer seu pai de que deve evitá-lo?

- De verdade, pensa que já não o fiz?

Suas esperanças se desvaneceram. Ele também tinha tentado e, por seu

tom de voz, não havia obtido melhores resultados que ela.

- Vá! Não importa que eu possa pensar que se rende com muita

facilidade? -murmurou ela, com amargura, consciente de que ela havia feito o

mesmo.

- Absolutamente, moça, dado que se empenha em comportar-se como

uma menina. As opiniões das crianças me importam muito pouco.

Esse era o homem que se supunha ela tinha que dar uma oportunidade?

Uma oportunidade para que a insultasse e a desprezasse? Sim, seria um

marido fantástico, tão fantástico quanto os porcos enjaulados junto à cozinha.

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Com o rosto aceso pela ira, Milissant perguntou:

- Seria capaz de reconhecer uma opinião se a ouvisse? Os homens

como você tendem a não escutar nada mais que seus próprios pensamentos.

Como insulto indiretamente, deu no objetivo. Agora seu rosto tinha omesmo tom carmesim que o dela. Deu alguns passos e se aproximou muito

dela para sentir-se tranqüila. Havia esquecido como ele reagia às opiniões que

não gostava com os punhos.

Mas ele não a intimidou, ainda estava muito zangada para isso, nem

sequer se assustou quando ele a segurou pelo queixo. Não lhe fazia mal, mas a

retinha com força. Ela não podia escapar do olhar de advertência que ele lhedirigia.

- Eu te asseguro, moça, que aprenderá a falar com doçura ou a calar a

boca - disse.

- De verdade?

O tremor que notou na voz dela o fez sorrir. Mas não foi um sorriso

afável, mas sim perverso.

Havia uma distância tão curta entre eles que seu tamanho a afligia. Por

que nunca havia se sentido tão pequena junto a Roland, que na realidade era

mais alto que Wulfric? Talvez porque a presença de Roland nunca havia

resultado tão imponente como a de Wulfric.

Ele se aproximou ainda mais.

- Sim, de verdade, porque o primeiro que vai aprender é que eu não sou

seu pai. Assim não pense que poderá seguir fazendo sua Santa vontade, como

ele permitiu.

- O que sabe você que me permitiu.

- Claro está o que te permitiram, e não me agrada nada. Conto que a

próxima vez que a veja esteja vestida corretamente. Não imagina o que sinto

quando te vejo vestida como um mendigo.

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Ela soltou um grito sufocado e se abriu caminho para a porta dando um

empurrão. Atrás dela escutou uma risada malévola e a pergunta:

- Mas então, não vai preparar algo de comer a seu futuro marido?

Ela chegou às escadas que conduziam à sala e gritou a modo deresposta:

- Só se pudesse te servir guisado de sua própria língua!

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Capítulo 10

- É a hora, milady.- A hora? -sussurrou Milissant abrindo os olhos.

- Sim, olhe ao longe, pela janela - disse a criada. - Está saindo o sol.

- Melhor olhar você pela janela, Ema, enquanto durmo um pouco mais.

- Mas nunca se levanta tarde. -Retirou a manta, mas Milissant a agarrou

ao vôo com um grunhido.

- Tampouco nunca perdi o sono, e isso foi o que ocorreu ontem denoite. Como não consegui pregar o olho, agora estou morta de sono. Vá,

Ema. Retorna dentro de uma hora... Ou duas, ou três. Sim, três horas

estariam bem.

Escutou um estalo de reprovação, mas a criada saiu. Milissant suspirou

e voltou a conciliar o sono. Embora não passou muito tempo antes que

 voltassem a tirar a manta.

- Se não se levantar, perderá o almoço - advertiram.

Milissant se levantou de um salto.

- O almoço? Deixou-me dormir até tão tarde?

O almoço, a mais abundante das duas refeições do dia, era servido

pouco antes do meio-dia. Em sua vida havia dormido além da terceira hora,

não digamos já até quase sextas.

 A criada estava lhe dirigindo um olhar resignado de: eu tentei, mas não

houve jeito. A jovem Ema era uma criada magnífica, levava anos a serviço das

duas irmãs e por ser veterana na família a havia feito condescendente.

Milissant se apressou a levantar do amplo leito em que dormia com sua

irmã. Naturalmente, Jhone teria se levantado em uma hora razoável e, sem

dúvida, estava cuidando de seus hóspedes durante toda a manhã, uma das

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muitas tarefas que recaíam a dama da torre. E a Jhone se considerava a

senhora de Dunburh, dado que Milissant não tinha aspirado jamais essa

distinção e não havia outra pessoa que pudesse desempenhar essa função

depois da morte de sua mãe.Foi tirando a roupa com a que dormia durante o inverno e do armário

tirou uma túnica limpa e alguns calções com polainas. Já estava meio vestida

quando lembrou que esse dia não podia se vestir como fazia habitualmente.

 Tinha noivo a seu pai. Mas descartou rapidamente a idéia e continuou atando

o cordão de seus calções. Vestir-se de outro modo só porque Wulfric havia

ordenado depois de tratá-la como o havia feito e insultá-la chamando-a demendigo?

Bufou para si mesma e percorreu o quarto com o olhar procurando seu

calçado.

- Onde estão minhas botas? -perguntou a Ema. - Debaixo da cama,

onde as deixou.

- Nunca as deixo ali. As deixo junto à bacia. Sabe muito bem que lavo

sempre os pés antes de deitar. Você mesma esquenta a água.

Era uma de suas peculiaridades desde que havia tirado a bota do pé

prejudicado, anos atrás. O fedor que desprendia seu pé, depois de três meses

de fechamento, a tinha impressionado profundamente. Desde então nunca se

deitava sem antes lavar os pés.

Ema se agachou junto à cama e logo se levantou brandindo o par de

botas e com um sorriso de eu-te-disse.

- Talvez por isso não pudesse dormir ontem de noite.

Milissant se ruborizou. A noite passada estava tão zangada que tinha

esquecido inclusive uma coisa assim. Lembrava que quis, não, precisou falar

com Jhone, mas sua irmã havia adormecido em seguida e deu pena despertá-

la. Assim que havia deitado sem poder compartilhar suas preocupações, e por

isso a haviam atormentado toda a noite.

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Seu estômago a lembrou com um grunhido que no dia anterior não o

tratou com muita amabilidade, de modo que se apressou a terminar de vestir-

se, ansiosa por remediar isso. Quando estendeu a mão para que Ema lhe desse

sua capa de lã, esta lhe ofereceu outra peça.- Se não vai se vestir como gostaria seu pai, ao menos coloque isto em

honra dos hóspedes que estão aguardando. -sugeriu.

Era um longo manto, muito mais apropriado para usar em cima da

cotardía, um fino objeto de rico veludo azul bordado com peles negras.

Milissant pensou que essa concessão sim podia fazer e assentiu, permitindo

que a criada cobrisse seus estreitos ombros e abotoasse os broches e ascadeias de ouro que o manteriam preso.

Entretanto, não fez o que a criada esperava, quer dizer, compreender

que sentava muito melhor com a cotardía azul claro para o qual havia sido

confeccionado. Assim Ema ficou suspirando enquanto Milissant saía do

quarto.

Havia uma agitação na grande sala, as pessoas do castelo iam chegando

para a refeição do meio-dia. Milissant quase desceu correndo os últimos

degraus da torre, pois os gorjeios de seu estômago a animavam a andar

depressa.

Mas parou em seco quando, justo à entrada da sala, encontrou-se de

repente com Wulfric, que estava ao pé de escada, como se estivesse

esperando-a. E compreendeu que assim era quando seus olhos a revistaram

cuidadosamente e começou a menear a cabeça com gesto de desaprovação.

- Hummm... Só a metade, moça. Sobe de novo e acaba a outra metade.

Milissant ergueu o queixo e um brilho de ira cruzou seu olhar. Estava a

ponto de replicar quando ele acrescentou:

- A menos que deseje que a ajude. Vá agora e se vista como é devido se

não quer que te vista eu mesmo.

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- Não se atreveria - vaiou ela.

 Ao que ele respondeu com uma risada.

- Será que não? Pergunte a seu sacerdote pelos contratos matrimoniais e

te contará que estamos casados para todos os efeitos, falta somente acerimônia do leito. E isso significa que me assistem direitos com respeito a

 você moça, que suplantam os direitos de seu pai. Quando a prometeram para

mim, minha família obteve um controle sobre você que podia exercer quando

quisesse. Meu pai teria podido decidir sua educação, onde deveria viver e tudo

o relacionado com sua criação, inclusive poderia te encerrar em um convento

de freiras até o dia do casamento. É óbvio que ter te deixado aos cuidados desua família foi um engano, embora possa emendá-lo. Vamos começar pelo

inicio: hoje me honrará se vestindo como a dama que se supõe que é. Se tiver

que te ajudar, o farei. De verdade necessita minha ajuda?

Milissant o olhou atônita. Mais furiosa do que podia conceber, abriu a

boca para lhe cobrir de insultos, mas reparou em seu pai, ao outro lado da

sala, olhando-a atentamente, assim voltou a fechá-la. Dirigiu um olhar furioso

a Wulfric, mas girou sobre os calcanhares para subir de novo a escada.

 Aquilo era intolerável. Aquele bruto carecia por completo de

sensibilidade, de tato, de compreensão. Tudo quanto dizia não era senão uma

provocação para que brigassem. Por acaso pretendia fazê-la ter um ataque de

raiva para ter uma desculpa para voltar a tratá-la com brutalidade? Não restava

dúvida: debaixo de sua atitude se escondia um espírito vil e grosseiro.

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Capítulo 11

 Wulfric sorriu, satisfeito. Lorde Nigel estava certo, afinal. A garota ia

obedecer, pela simples razão de que não o conhecia e, portanto, não sabia

quão tolerante podia ser. Tampouco sabia que meios era capaz de utilizar para

fugir dele, e não parecia ansiosa por inteirar-se.

Seguia sem estar satisfeito com ela, e duvidava que pudesse estar.

Nunca dispensaria os cuidados carinhosos próprios de uma esposa. Vá,inclusive tinha admitido que amasse a outro homem. Tampouco jamais seria

feliz em seu casamento, e não parecia uma mulher superasse o rancor com

facilidade. Era uma pessoa realmente corrosiva. Com ela teria que ter a idéia

de que iam iniciar uma guerra por toda vida. Apesar de tudo, estava decidido a

fazer de Milissant uma mulher. Não ia permitir que o envergonhasse.

 Jhone passou junto a ele a caminho das escadas. Parecia preocupada;

possivelmente havia percebido o aborrecimento de sua irmã. Suspirou,

lamentando que não tivesse tido a sorte de ser a irmã mais nova, porque ela

sim era encantadora e teria sido uma esposa fantástica. Doce, de maneiras

suaves e disposta a agradar; tudo aquilo que carecia a irmã.

Nigel tentou reclamar sua presença na mesa, mas Wulfric recusou no

momento. Não ia abandonar sua posição ao pé das escadas, não ia dar chance

a moça para que fugisse de novo. Entretanto, lembrou que no dia anterior

havia subido essas escadas e havia desaparecido da torre. Perguntou a um dos

serventes se havia outra saída e decidiu ir montar guarda nas escadas da

capela.

Efetivamente, não demorou em escutar os passos leves de uma mulher

que descia pelas escadas. Tinha que reconhecer que era ardilosa e engenhosa.

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 A verdade era que, a noite anterior, tinha ido à cama divertido com a última

observação que ela fez. Que oxalá pudesse servir cozida na água sua própria

língua!

Mas havia se equivocado porque não era ela a que descia a escada, massim Jhone.

- Ao que parece, mudei de posto muito tarde - disse quando Jhone

chegou ao último degrau. - Ela já não está lá cima, não é?

- Ela, quem?

- Não têm porque encobri-la, Jhone, fingindo que é áspera. Assim

pensa esconder de mim um dia mais... Pois não penso permitir.- Equivoca-te.

- Equivoco-me? -franziu o sobrecenho e cedeu o caminho. - Pois terá

que me mostrar o caminho...

- Já o fiz - replicou ela criticamente e passou por ele a caminho da sala.

 A expressão de Wulfric se fez ainda mais áspera. Não lhe agradava nada

as adivinhações, e ao que parecia todo mundo se empenhava em expor.

Pensou se devia subir ele mesmo a procura de sua noiva ou se, dado que

estava certo de que ela já não estava ali, era melhor que seguisse sua irmã e

perguntar o que quis dizer.

Com irritação, entrou na sala atrás da dama e se encontrou com que...

havia duas. Parou em seco e olhou pasmado às duas mulheres sentadas à mesa

a ambos os lados de seu pai, as duas vestidas com trajes de veludo azul céu

com regatas de um tom mais escuro, com véus de freiras azuis as duas,

idênticas.

 Tinha que ser a luz, claro, embora o sol entrasse pelas janelas e não

projetava sombra alguma. Avançou alguns passos, mas tampouco percebeu a

diferença. Tinham a mesma figura, se vestiam igual, as duas eram

incrivelmente atraentes. Eram... idênticas. Com alguns passos mais percebeu

que uma das saias tinha os fios do bordado de ouro, e a outra de prata, mas

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essa era a única diferença. Seus rostos eram iguais, idênticos.

Por que não havia reparado nisso antes? De repente compreendeu o

motivo. Sempre que havia olhado Milissant Crispin só havia visto suas roupas

escandalosas. Tinha visto a silhueta de suas pernas, definidas por seus estreitoscalções, e o tinha incomodado que outros homens também pudessem ver.

Havia olhado as manchas de sujeira em sua pele e não havia visto o que havia

debaixo delas. E sempre havia se sentido cegado pela raiva, porque Milissant

havia resultado ser justamente o que ele temia.

 Avançou então até o elevado assoalho sobre a qual estava disposta a

mesa dos Lordes, com a incômoda sensação de que não sabia junto a qual dasduas mulheres tinha que sentar-se. Nenhuma das duas o olhava, o que poderia

ter dado alguma pista.

 Wulfric não estava acostumado à incerteza, e não gostava nada daquilo.

 Tampouco gostava de sentir-se como um idiota, que era exatamente o que

sentia por não ter se informado antes que lorde Nigel tinha filhas gêmeas. Sem

dúvida seu pai devia ter se mencionado alguma vez, mas ou não havia

prestado atenção ou não o interessava para lembrá-lo. De qualquer modo, isso

havia sido sua falha.

 Tinha a metade de possibilidades de escolher adequadamente e não

parecer um tolo, assim foi sentar-se junto a gêmea que estava mais perto das

escadas.

Não obstante, ela se virou para sussurrar:

- Está seguro de que quer se sentar aqui?

 Assim, seguiu para o assento contíguo à outra gêmea. Entretanto, esta

também se inclinou para lhe dizer:

- Sou Jhone, lorde Wulfric. Não quer se sentar junto a sua noiva?

Ruborizou, e se ruborizou ainda mais quando ouviu a risada sufocada

da outra gêmea. Lorde Nigel inclusive tossiu talvez acostumado às

extravagâncias de suas filhas. Para Wulfric aquilo não pareceu ter nenhuma

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graça, principalmente tendo em conta que agora se via obrigado a dirigir-se até

o outro extremo da mesa. Só o consolava a idéia de que, ao menos, não havia

agravado ainda mais seu ridículo agradecendo a primeira gêmea por sua arteira

advertência. Aproximou-se de novo dela e levantou alguns centímetros o banco em

que estava sentada Milissant, para ter lugar onde sentar-se. Ouviu o gritinho

sufocado que ela proferiu, viu como se segurava à mesa para conter-se e

finalmente se sentiu muito melhor quando se sentou a seu lado. Agora ela o

olhava soltando faíscas e isso aliviou seu mau humor.

- A próxima vez que deseje mover o mobiliário avise antes - disse elaentre dentes.

Ele arqueou uma sobrancelha e respondeu:

- A próxima vez não se faça passar por quem não é.

- Não me fiz passar por ninguém - repôs ela - Só lhe fiz uma pergunta

lógica. Considerando as muitas mostras de desagrado de que me fez objeto

desde sua chegada, supus que talvez não quisesse compartilhar a refeição

comigo.

- Quando se veste como um plebeu tem que cuidar de não pegar

piolhos. Não é surpreendente que seja objeto de mostra de desagrado.

- Pensa que basta mudar de roupa para se livrar dos piolhos? -

respondeu ela.

Ele soltou uma risada.

- Não, suponho que não. Suponho que não espera que eu o faça.

- Nunca se sabe – respondeu ela com um sorriso apertado.

O que ele não replicou porque uma fileira de serventes procedentes da

cozinha começaram a servir a comida e um deles se inclinou entre Milissant e

ele para servir a enorme fatia de pão que iam compartilhar. Logo se

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aproximou outro a servir o vinho, e em seguida outro...

 Wulfric abandonou no momento a idéia de seguir com a conversa e se

esparramou no assento até que encheram seu prato. Em seus lábios se

desenhava um leve sorriso e o surpreendia sentir-se assim depois do apuroque havia passado ao aproximar-se da mesa.

Quem teria pensado que Milissant Crispin acabaria sendo divertida. Sua

atitude não o era absolutamente, e seus costumes tampouco. Entretanto, o

que saía por sua boca tinha efeitos claramente antagônicos ou o divertia ou o

enchia de raiva. O que não conseguia compreender era por que o divertia,

quando era óbvio que ela não o pretendia. Não estava claro que ela pretendiasó insultá-lo, era o que tentara na noite anterior e agora mesmo o havia

tentado de novo.

 Talvez fosse precisamente isso. Em matéria de insultos, o melhor que

se podia dizer dos dela era que só eram fúteis. Embora, tendo em conta que

jamais antes houvesse insultado mulher alguma, talvez esse fosse o motivo.

Não era precisamente um talento que as mulheres aspirassem a aperfeiçoar,

dado que um simples insulto podia provocar que se desembainhasse uma

espada.

 As regras da cortesia decretavam que fosse ele quem servisse a comida a

sua dama, e que escolhesse as melhores partes de carne para ela. Uma vez que

os serventes deixaram de pulular em torno deles, Wulfric não pode resistir a

tentação de dizer:

- Dado que está visto que prefere os papéis masculinos gostaria de fazer

as honras e me servir você?

Ela lhe dirigiu um olhar de inocente curiosidade antes de responder

com tom neutro:

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- Não havia me dado conta do valente que é, posto que se mostra

confiante ante a possibilidade de que minha faca esteja junto a seu rosto. -E

trespassou um pedaço de carne e o olhou atentamente antes de aproximá-lo

da boca dele. Wulfric agarrou seu braço com um gesto rápido, afastando-o de seu

rosto, mas captou o desafio que brilhava em seus olhos verdes, e o soltou. Por

incrível que parecesse, Milissant havia conseguido que se arriscasse a confiar

nela depois de ter insinuado que não devia fazê-lo. E mais, estava obtendo

que se arrependesse de tê-la provocado.

Entretanto, sustentou o olhar ao mesmo tempo em que a advertia:- Tenha em mente que as ações provocam reações e, se segue

brincando com essa adaga, não lhe agradará conhecer a minha.

- Brincando? -perguntou ela depreciativa. - Quem falou aqui de jogos?

Eu o chamei de confiante porque é provável que esta mão prefira cortar pele a

lhe dar de comer, e supus que era bastante inteligente para sabê-lo, depois de

ter me obrigado a colocar estas condenadas roupas.

Condenadas roupas? De modo que essa era a causa de sua cólera?

Deveria ter suposto que ela não ia se render graciosamente com relação a esse

assunto.

- Como pode odiar essas roupas se fica tão atraente com elas? -Ao

acabar de dizer se deu conta da verdade que era; a verdade era que agora sim

se parecia com a que ontem tanto havia agradado, quando acreditou que

 Jhone era sua noiva. Vendo-as assim, as duas juntas, não se percebia nenhuma

diferença. Milissant era igualmente charmosa ao olhar que sua irmã. Só que

quando abria a boca para falar... Nisso sim havia uma diferença bastante

intransponível entre ambas.

- É uma questão de comodidade e de liberdade de movimentos -

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explicou. - Por que não tenta usar a cotardía e uma regata para ver se se sente

a gosto com todo esse tecido pendurando sobre suas pernas a cada passo?

- Exagera. Os padres não se queixam de seus hábitos.

-Os padres não caçam para comer.Ele riu, lhe dando razão com uma inclinação da cabeça. Ela o olhou

com curiosidade, como se a tivesse surpreendido. Isso inquietou Wulfric e o

fez responder com o óbvio:

- Tampouco as mulheres precisam caçar.

- Há necessidades... E necessidades. Se tiver que explicar qual é a

diferença talvez não seja capaz de entendê-la.- Se está tentando dizer que caçar é o único que a faz feliz, está certa.

Não serei capaz de acreditar.

Ela refletiu.

- A maioria dos homens se agarram a suas opiniões por mais que lhes

sirvam provas do contrário em uma bandeja de prata. O negro segue sendo

branco e o branco negro se eles assim o afirmarem; principalmente quando

esta diferença de opinião está relacionada com uma mulher. Não está de

acordo ou irá demonstrar precisamente o que acabo de dizer?

Ele afogou uma gargalhada. Se não fosse porque ela falava com suma

seriedade, teria rido com vontade. De verdade acreditava que os homens se

agarravam a suas opiniões apesar das provas ao contrário, independentemente

de quem oferecesse essas provas?

- Considero que exagera. Atrevo-me a assinalar que são muitas as coisas

que pode fazer feliz alguém. Apoiar a felicidade em uma só coisa é... Uma

tolice.

- E se disser que não é uma tolice, você, naturalmente, estará em

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desacordo porque a única opinião correta é a sua, não é?

- Diria que está decidida a discordar comigo, diga o que diga.

- Não, diria que você está decidido a discordar comigo, diga o que diga.

- Nem sempre. Estou de acordo que os padres teriam dificuldades paracaçar com essas roupas.

- Sim - resmungou ela. - Durante cinco segundos aceitou, mas só para

assinalar que as mulheres não teriam idênticas dificuldades porque elas não

caçam.

- Por que não admite que ser o provedor não é o papel da mulher? -

quase grunhiu ele.- Porque talvez nem toda mulher tenha a alguém para sustentá-la.

- Equivoca-se. Se não tem algum homem de sua família, terá os homens

da família de seu marido. E, se todos eles lhe faltarem, tem a seu rei para que a

sustente.

Milissant pôs os olhos em branco.

- Está falando de mulheres de propriedade que, para um homem, não

são mais que instrumentos de barganha. O que acontece às mulheres dos

povoados ou das cidades que perdem seus parentes? Poderiam aprender

perfeitamente a caçar sua própria comida!

 A ira havia tingido de púrpura a tez de Wulfric.

- Vamos emendar os males do mundo daqui? Não teria imaginado que

um simples elogio acerca do atraente que me parece pudesse converter-se em

uma conscienciosa discussão a respeito das injustiças de...

- Ora, você não quer discutir, só o interessa escutar o eco de suas

próprias opiniões! -repôs ela. - Muito bem, então falamos talvez da moda, ou

do tempo? Parecem bastante seguros esses assuntos? Sobre assuntos assim

pode obter minha concordância, mas não conte com isso nos demais.

- Chega! -estalou ele. - Talvez fiquemos de acordo em manter um

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pouco de silêncio, meu apetite está esfriando tanto quanto a comida.

- Certamente, Wulfric. Longe de mim, uma simples mulher, pode

comer sem que ninguém o contrarie - respondeu ela com um sorriso.

Se via tão satisfeita com sua última réplica que ele se perguntou se,depois de tudo, sua intenção teria sido, desde o começo, lhe colocar de mau

humor. Se assim fosse, tinha que reconhecer que tinha habilidade para isso.

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Capitulo 12

Nigel sugeriu a caça para entreter seus hóspedes durante a tarde. Nãoobstante, não seria o tipo de caçada que Milissant desfrutava, pois

ultimamente seu pai só caçava com o falcão. Portanto, o falcão fazia todo o

trabalho, e levava também todo o prazer.

 Jhone aceitou unir-se a eles. Na ocasião, utilizava um doce e manso

falcão, uma espécie de falcão menor que nem sequer se classificava como um

falcão de caça, muito maior e agressivo. Milissant se recusou ir à caçada.Naquele dia já havia sido cortês mais que suficiente com seu noivo. Além

disso, não tinha ensinado seu falcão a caçar, e sim o tinha como mascote.

Chamava-se Rhiska em memória da que Wulfric tinha matado, e talvez isso

fizesse que mimasse a segunda Rhiska além da conta. Do mesmo modo,

duvidava que seu pai gostasse da idéia de que ela levasse no lugar seu arco e

suas flechas. De modo que, sentindo-se incapaz de participar dessa caçada,

desistiu de acompanhá-los.

Entretanto, Wulfric tinha outra opinião a respeito e a deteve quando

saia do salão, depois da refeição.

- Virá conosco.

Duas ordens no mesmo dia! Por acaso se propunha controlar todos

seus movimentos? Ou será que pensava que ela era incapaz de tomar decisões

apropriadas por si mesma? Além disso, não lhe devia nenhuma explicação.

- Preferia não fazê-lo - repôs ela, o que deveria bastar. Embora para ele

não.

- Seu pai me informou que requer um mês para se acostumar comigo

antes do casamento. Se for assim, terá que fazer um esforço para ficar comigo

e cumprir com o acordo; do contrário, acreditarei que não precisa esse tempo

e que podemos passar diretamente ao casamento.

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Ela quis replicar que familiarizar-se com ele não era uma tarefa que

requeresse todas as horas do dia, mas teria sido muito perigoso. O que ele

estava dizendo, na realidade, é que suas alternativas eram ficar em sua

companhia ou casar-se com ele. Cujo caso, naturalmente, ela optava pela maisleve daquelas duas opções desprezíveis.

 Assim que se dirigiram todos para a ponte onde estavam preparando os

cavalos e os falcões. Milissant teve que ir até seu cavalo, porque nenhum

moço do estábulo se atrevia a outra coisa além de dar comida a Stomper de

uma distância prudencial. Teria pegado um animal menor, mas Stomper

necessitava exercício.

 Todos os habitantes de Dunburh sabiam muito bem como Milissant

 veio a possuir esse cavalo, uma lembrança bastante desagradável, ao menos

para ela. O animal, que tinha sido maltratado, pertencia a um cavaleiro que

esteve de visita e que utilizava a força bruta para controlá-lo, até que um dia

exagerou na mão.

O irônico foi que o cavalo enlouqueceu e tentou matar o lorde na

presença dela. O animal já não servia de nada ao cavaleiro. Assim, ordenou

que o matassem. Ela interveio, afirmando que poderia amansá-lo.

Naturalmente, o cavaleiro zombou dela e disse que se fosse capaz de amansá-

lo também merecia possuí-lo.

 Talvez não devesse ter feito com tanta rapidez, pois o senhor se

indignou ao ver com que facilidade amestrava seu cavalo. Por mais que ela

não visse com bons olhos que um animal pertencesse a um bruto como esse,

ofereceu devolvê-lo para aplacar a ira do homem, que seu pai desejava

contratar como cavaleiro do castelo. Mas o orgulho do homem o impediu

aceitar a devolução, e tampouco havia ficado em Dunburh, mas sim partiu

imediatamente.

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É obvio, seu pai se mostrou muito severo com ela por ter provocado

aquela partida tão súbita. Posteriormente se desculpou quando soube que o

mesmo cavaleiro havia se colocado em outra parte e tinha traído seu novo

senhor, abrindo a torre a um exército agressor.Desde então, Milissant tinha equiparado a tendência à brutalidade com

a mentira, e considerava que todos que exibissem essas qualidades era indigno

de confiança. No que a ela dizia respeito, seu noivo caía dentro dessa

categoria.

Como de costume, demorou um pouco em selar seu cavalo, outra das

coisas que tinha que fazer por si só, em lugar de encontrá-lo já com a sela.

Logo demorou um pouco em familiarizar o animal com suas saias, já

que não estava acostumado que ela as usasse. Entretanto, usava os calções e as

botas debaixo dessas vestimentas femininas, e se sentou como sempre,

escarranchado, com a cotardía solta sobre os flancos, ampla o bastante para

que cobrisse suas pernas e Wulfric não tivesse motivos de queixa.

 Teve que levantar-se sobre os degraus de montar para subir ao lombo

do animal, e até a saída do estábulo foi falando todo o tempo com doçura,

para mantê-lo tranqüilo no buliçoso ambiente da ponte. Quase não havia

chegado à saída quando notou que a puxavam para desmontá-la e que alguém

gritava.

- Será que não conhece o sentido comum, ou será que perdeu o juízo?

 Todo o movimento foi muito rápido e os tornozelos ficaram

enganchados nos estribos. O braço tinha ficado retorcido à altura da cintura,

e, doía tanto como se Stomper a tivesse arrastado ao galope. Demorou alguns

segundos em compreender sequer o que tinha acontecido: haviam-na

«resgatado». 

Mentalmente, pôs os olhos em branco.

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- Em minha opinião, seu pai deveria trancá-la faz muito tempo por seu

próprio bem -escutou em um tom cheio de fúria. - Em minha vida jamais

tinha visto coisa mais estúpida. -e então Wulfric chamou um de seus

serventes. - Você, leva esse animal de volta ao estábulo.Ela sabia, sem necessidade de olhar, que não ia ser obedecido. A sua

 vez, ele não demorou em dar-se conta, depois de ter chamado outros

serventes e recebido só gestos de impotência com a cabeça baixa.

Ela se sentou no chão e levantou o queixo para não perder sua

expressão de aborrecimento.

- O que diabos faz com um cavalo de batalha? Por não perguntar comoconsegue montá-lo sem que a mate.

Com toda a calma e a graça de que pode fazer provisão, ela respondeu:

- Talvez porque seja meu?

Ele grunhiu, incrédulo. E se virou para tentar devolver ele mesmo o

cavalo ao estábulo, mas descobriu que o cavalo já estava atrás dele, junto a

Milissant. Isso o surpreendeu, mas não o suficiente para que o detivesse.

Inclinou-se para pegar as rédeas.

Milissant só teve tempo de gritar «Não o faça!»   antes que Stomper

tentasse morder a mão dele. Wulfric blasfemou e levantou um punho para

golpear o animal. Então foi Milissant que perdeu os nervos, empurrou Wulfric

para o lado e se interpôs entre eles. A enorme cabeça de Stomper foi pousar

sobre o ombro dela, e Milissant o amansou acariciando o focinho.

 A seu noivo se dirigiu gritando, sem se importar quem pudesse escutá-

la:

- Jamais volte a golpear um de meus mascotes! Quando digo que algo é

meu, é meu. Se houver alguém aqui que careça de sentido comum, esse é

 você. Se posso montar este animal, e é óbvio que posso, então também resta

supor que está adestrado para mim.

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Dado que a prova de sua afirmação se achava ante os olhos de Wulfric,

dificilmente poderia duvidar dela. Embora não parecia nada satisfeito. Virou-

se para Nigel, que havia se aproximado para ajudá-la a montar de novo o

animal.-Por que permite ter «mascotes» tão perigosos? -perguntou Wulfric. Nigel

os conduziu até o exterior antes de responder:

- Porque não são perigosos para ela. Já o adverti que tem um dom

especial com os animais, com os grandes e os pequenos, com os selvagens e

os domesticados. Ela pode adestrá-los. De modo que permaneça tranqüilo,

 Wulfric, este animal jamais fará mal algum a ela. Entretanto, quanto a você, vácom extrema precaução. Seus mascotes estão adestrados para ela, não

necessariamente para outros.

Milissant tremia levemente por causa do aborrecimento. Havia voltado

a fazer, demonstrou que não tinha nenhuma consideração com os animais,

que para ele não valiam nada se não serviam a suas necessidades pessoais. Que

problema havia matando-os ou os açoitando? Não eram mais que animais.

Casar-se com um homem assim? Jamais!

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Capitulo 13

- Não deveria ter gritado com ele diante de seus homens, Mili.

Milissant se virou e viu que Jhone tinha se aproximado dela sobre seupequeno palafrém, embora não se aproximou muito de Stomper, um cavalo

muito maior que o seu. Ambas haviam se atrasado em relação aos outros,

assim não tinha que se preocupar que as ouvissem porque haviam mantido

distância.

- Acha que me preocupa que se sinta envergonhado? -disse a sua irmã.

- Pois deveria. Alguns homens reagem muito mal ante esse tipo decoisa, inclusive procuram um modo de vingar-se. Não sabe ainda se esse é seu

caso.

Milissant franziu o cenho. Alguns cavalheiros de Wulfric estavam

presentes na briga da ponte, incluindo seu irmão Raimund. Assim era

provável que Wulfric se sentisse humilhado, se é que o aborrecimento desse

uma pausa e pudesse notá-lo.

- Supunha-se que tinha que agradecer por quase golpear Stomper? -

murmurou Milissant.

- Não, claro que não. Só que tivesse se assegurado que ninguém ouvisse

o que dizia se suas palavras estavam longe de ser uma adulação.

Milissant sorriu com resignação e replicou:

- Longe de ser uma adulação, hein? Pois então terei que falar sempre

em sussurros.

 Jhone devolveu o sorriso.

- Leva na brincadeira, mas tenha em conta e controle seu

temperamento. A uma mulher resulta mais fácil engolir o orgulho que a um

homem.

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- Ah, sim? Eu teria suposto o contrário, já que nossa garganta é menor.

- Vá! Já vejo que hoje não quer escutar nenhum conselho, não é? Eu só

tentava...

- Os conselhos de hoje irão parar em ouvidos surdos - cortou Milissant.- Porque o certo é que me esgotei tentando não romper a chorar ao ver quão

horrível pode chegar a ser esse homem.

 Jhone abriu os olhos como pratos.

- Se sente tão desgraçada?

- Em espaço de poucas horas disse que minhas roupas não eram de seu

agrado e em seguida me ameaçou com um casamento imediato se não mejuntasse a sua caçada. O que quer é me ter em um punho, que só seja capaz de

me mover se ele me ordenar. Considera que tenho que ser feliz com ele?

Sua irmã percebeu sabiamente que em suas palavras havia mais ira que

infelicidade.

- Está habituada a atuar segundo sua vontade porque papai permitiu

isso. Com um marido será diferente, com qualquer marido.

- Roland não.

- Os amigos não pensam em dar ordens a seus amigos, mas assim que

um amigo se converte em marido... Mili, não se engane pensando que Roland

nunca tentará controlar sua maneira de ser. Será mais benévolo, de acordo,

mas mesmo assim haverá momentos em que acredite necessário te ordenar

algo, e esperará que o obedeça. O casamento não nos faz iguais a eles.

Simplesmente passamos de uma autoridade a outra.

- E você aceita? -repôs Milissant com uma aguda amargura.

- Como poderia não fazê-lo quando é assim como são as coisas, como

sempre foram e sempre serão?

Por isso Milissant desprezava o corpo com que havia nascido. Não

deveria ser assim. Era uma mulher adulta, com capacidade de raciocínio e

pensamento próprio. Algo tinha que poder dizer a respeito das diretrizes de

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sua própria vida, como faziam os homens. Que eles fossem mais altos e fortes

não significava que tivessem mais inteligência e sentido comum que ela. Eram

eles que pensavam isso.

- William a tratou assim durante o curto tempo que durou seucasamento, te ordenando fazer isto e aquilo só porque podia fazê-lo? -

perguntou Milissant.

 Jhone sorriu.

- Will me amava, e por isso fazia tudo quanto estava em sua mão para

me agradar. E aí tem a chave da felicidade: conseguir que seu marido te ame.

- Como se me importasse seu amor - bufou Milissant.- Pois esse é o ponto. Sim, importa seu amor, porque se a ama desejará

te agradar, e assim desfrutará de mais liberdade. Por acaso não vê quão fácil

seria? Além disso, eu não disse que deva corresponder seu amor, só que, se o

obtiver, seria muito útil.

- Talvez o faça se me ver forçada a me casar com ele, mas sigo

pretendendo deter tudo isto. Papai me concedeu um mês antes do casamento.

 Ao que parece, considera que minha opinião sobre Wulfric mudará durante

esse tempo, mas não será assim.

 Jhone suspirou.

- Não, não será assim, porque você nem sequer vai tentar. -Milissant se

pôs em guarda.

- Você quer que me case com ele?

- Não; é só que, diferente de você, não acredito que haja nada que

possa evitar e, dado que vai ocorrer, eu gostaria que fosse feliz em seu

casamento. De verdade papai disse que anularia o contrato de casamento se

 Wulfric não te satisfizesse após este mês?

- Não exatamente, mas disse que falaríamos.

- Pois não diga mais, papai está certo que mudará de opinião e esse é o

único motivo pelo qual te disse isso. Meta isto na cabeça durante este mês,

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Mili: convém que veja Wulfric sob uma luz mais favorável.

- A luz do dia mais esplêndido não seria o bastante brilhante para isso.

- Seguro que há algo nele que pode vir a gostar. Não negará que é

muito atraente, é muito bonito de rosto. Além disso, não tem os dentescarcomidos nem hálito fétido. É jovem, seu físico não é obeso nem flácido. A

 verdade é que não vejo o que tem de mau...

- Até que fala ou levanta o punho - cortou Milissant. - Então é tão

abjeto quanto um rato de arroio.

 Jhone sacudiu a cabeça e se rendeu, embora não sem fazer um último

comentário.- Consegue adestrar às bestas mais selvagens para que comam de sua

mão. O que a faz pensar que não pode fazer o mesmo com esse cavalheiro?

Milissant pestanejou isso não tinha lhe ocorrido.

- Adestrá-lo..., a ele?

- Sim, ao seu gosto.

- Mas ele... Não é um animal.

 Jhone levantou a vista para o céu.

- A ouvindo falar, ninguém diria que não o seja.

- Não saberia nem por onde começar, no caso de que me interessasse, e

não é assim.

- Aos animais dá o que mais necessitam, não é? -assinalou Jhone. -

Confiança, compaixão, uma mão amável para que não tema...

- Esse homem não necessita compaixão, nem tampouco confiar em

mim. Que mal poderia fazer a ele, além disso? E duvido que fosse capaz de

notar uma mão amável mesmo que lhe esmurrasse a cabeça.

 Jhone riu.

- Considera que isso seria uma mão amável?

- Não, mas tampouco a notaria. O que necessita, então, que eu possa

utilizar para adestrá-lo?

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 Jhone se encolheu de ombros, embora logo esboçasse um sorriso.

- William adorava dizer que tudo que um homem necessita para ser

feliz é pular na cama com uma companheira luxuriosa.

- Jhone!- Bom, pois eu o ouvi dizer.

- E isso era tudo o que necessitava para ser feliz? -perguntou Milissant

incrédula.

- Não, ele era feliz simplesmente estando comigo, mas é que estava

muito apaixonado. Se não desejar o amor de Wulfric, então fornece o que

poderia fazê-lo feliz, bastará para conviver agradavelmente com ele.Milissant sorriu.

- Valorizo muito o que está fazendo, Jhone, de verdade, e seus

conselhos podem ser úteis se me vejo obrigada a viver com ele. Entretanto,

preferiria que isso não chegasse a ocorrer. Viver com um homem de quem

não posso garantir que não levantará a mão para mim? O criaram para que

reaja com violência. O fazia quando era um moço, e continua fazendo agora.

- Mas isso também pode se corrigir, se o amansar com seu

adestramento - indicou Jhone.

- Talvez, embora esse não seja seu único defeito. Sua pretensão consiste

em fazer exatamente o que me sugere que faça me adestrar, a mim, ao seu

gosto. Acha que poderei suportar essas restrições e não murchar em pouco

tempo?

- Tem que haver um meio termo, Mili.

Milissant se zangou.

- Isso implicaria um sentido de igualdade, e por acaso não acaba de

assinalar que não há nenhum matrimônio que se apóie nisso? Ele não vai

procurar nenhum meio termo. Ele é o homem, suas opiniões são as únicas

que contam e sua força permite satisfazer seus caprichos. Enquanto que eu

sou menos que nada, uma mulher que deve conceder tudo a ele. Meu Deus,

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que odioso me resulta tudo isto!

 A expressão de Jhone se tornou sombria. Não era a primeira vez que

ouvia sua irmã expressar-se em termos tão depreciativos a respeito de sua

condição feminina. E nas ocasiões anteriores, como agora, não havia ocorridonada que pudesse ajudá-la a aceitar.

Não havia argumentos que opor ao fato de que um homem podia

dirigir seus próprios atos; ao menos a maioria sim podia. Entretanto, uma

mulher não era proprietária dos seus. A maioria das mulheres não questionava

jamais a correção deste estado de coisas: que a Igreja, seu rei, suas famílias... e

seus maridos as considerassem suas propriedades. As que o questionavam,como Milissant, jamais seriam felizes.

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Capitulo 14

Detiveram-se em uma clareira para soltar os falcões. Nessa época doano não havia muitas aves de caça, nem tampouco de pequeno tamanho,

embora, as que tivessem, avistariam os falcões das alturas e desceriam

afugentadas por elas.

Para um caçador, o vôo de um falcão real em ação era uma visão

fascinante. Apesar de Milissant preferir caçar valendo-se de suas habilidades,

em lugar das de um pássaro, isso não a impedia de apreciar a visão de umpredador bem adestrado.

Os cavalheiros de Dunburh tinham suas próprias aves, mas os

cavalheiros visitantes não haviam trazido as suas. Embora fossem muitos os

que acostumavam viajar com seus falcões, Wulfric e seus cavalheiros não

pensavam em caçar quando empreenderam a viagem. Contudo, a maioria dos

membros da nobreza, tanto homens como mulheres, possuía as ditas

criaturas, e a algumas apreciavam tanto que não as deixavam nunca em casa.

Na realidade, inclusive as levavam à mesa, qualquer mesa, e lhes davam de

comer as melhores partes de carne com suas próprias mãos. O falcão valioso

podia ser encontrado no punho de seu proprietário ou no respaldo de seu

assento.

Mas, como Milissant, Wulfric só tinha ido olhar. O mais irônico foi que,

de repente, ela se deu conta de que estava olhando ele ao invés do vôo dos

falcões.

Oxalá Jhone não tivesse mencionado quão bonito era, porque estava

descobrindo que sua irmã tinha razão nisso. Os traços de seu rosto, bem

definidos, eram muito masculinos, embora ele seguisse a velha moda

normanda de barbear-se. O rei João usava barba e a maioria dos cavalheiros o

seguia, mas não Wulfric.

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Sua cabeleira também era um pouco mais longa do que o habitual; na

realidade, era longa como a sua. Isso a fez se sentir um pouco... Estranha.

Embora não invejava esse espesso arbusto de cabelo lustroso, essa cabeleira

cor asa de corvo sentiu desejo de que seu cabelo fosse mais longo, muito maislongo; ainda que isso fosse um tanto absurdo.

Ele tinha um porte régio, montado sobre seu formoso garanhão negro

e sua ampla capa cinza caindo sobre o lombo do animal. Inclusive quando

estava relaxado, a postura de Wulfric era erguida, realçando assim a largura de

seus ombros e a finura de sua figura.

 Jhone havia dito a verdade: não havia carne sobrando em seu corpo.Entretanto, não havia mencionado sua musculatura. E era pouco menos que

impressionante. Seu torneado corpo se perfilava debaixo de sua túnica negra.

 Também nas longas pernas se adivinhavam seus músculos. Inclusive as botas

de cano alto pareciam estreitas para suas avultadas panturrilhas.

 A verdade é que nada nele era desagradável à vista. Lástima que fosse o

típico cavalheiro bruto e que ela aspirasse alguém melhor como esposo. Sabia

que não era realista esperar de um homem que só fosse violento no campo de

batalha, mas isso era o que ela queria; e o que poderia ter se, em lugar de

casar-se com Wulfric de Thorpe pudesse fazê-lo com Roland.

Havia estado olhando Wulfric muito tempo. Ele devia ter notado,

porque seus olhos azuis escuro de repente sustentaram o olhar, como se a

estivesse avaliando, como ela acabava de fazer com ele. Milissant estremeceu

somente em pensar, e se sentiu ainda mais estranha quando ele não se

aproximou dela, mas sim continuou contemplando-a.

Ela tentou fugir seu olhar, mas não pode, pois era muito magnético. Ela

não notava sua frieza, melhor notava algo quente... Isso a fez estremecer e se

aninhou em sua capa, um gesto que fez Wulfric sorrir, como se soubesse que

era o responsável por seu desconforto.

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Então cavalgou até onde ela estava. Milissant se surpreendeu que

tivesse demorado tanto em ir até ela, posto que havia ordenado sua presença

na caçada, mas assim que saíram do castelo tinha se dedicado a ignorá-la.

Demorou um momento em chegar a seu lado, porque ela havia cuidadode manter a maior distância possível. Aproximou-se dela embora tivesse a

precaução de manter distância de Stomper. Entretanto, seu garanhão tinha

outras idéias e foi direito para Milissant para que lhe fizesse uma carícia no

focinho, apesar das tentativas de Wulfric por retê-lo.

O ouviu blasfemar porque não podia controlar sua montaria.

- Que demônios fez a meu cavalo?- Nada ruim, só me tornei sua amiga - repôs ela, sorrindo ao garanhão

enquanto lhe coçava o pescoço. Stomper apenas virou a cabeça para certificar

de que ninguém a estava ameaçando.

- Seu proceder com os animais parece coisa de bruxaria. -Milissant

soprou depreciativa e logo desejou não tê-lo feito.

 Talvez a beneficiasse que Wulfric acreditasse que era uma bruxa.

Possivelmente deixasse de ser tão severo com ela se acreditava que tinha dons

sobrenaturais e podia utilizá-los contra ele. A idéia não lhe pareceu nada mal.

- Simplesmente, os animais que me faço amiga sabem que não vou

fazer nenhum mal a eles. Pensa que seu garanhão pensa o mesmo de você?

- Por que deveria lhe fazer mal?

- Acaba de fazê-lo -disse com intenção- ao tentar afastá-lo de mim.

Ele ruborizou e logo franziu o cenho.

- Senhora, está esgotando minha paciência.

Ela assentiu e sorriu. A expressão de Wulfric se fez mais carrancuda e a

sua mais sorridente. Talvez não fosse muito inteligente o provocar assim,

embora fosse sutilmente, mas não podia resistir às oportunidades que ele

mesmo lhe brindava.

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 Tentou de novo que seu garanhão recuasse, com menos aspereza mas

igualmente em vão. Finalmente ordenou a ela:

- O solte.

- Não o estou segurando - replicou ela com calma. - Talvez, se odesculpar e lhe demonstrar afeto, o obedeça.

 Wulfric respondeu grunhindo. Desmontou e afastou o cavalo o

puxando pelas rédeas. Milissant conteve a risada ao contemplar sua

dificuldade, mas não pode evitar lembrá-lo:

- Não esqueça a desculpa. -Ele a ignorou, ao menos não a olhou nem

respondeu. Entretanto, murmurou algo ao cavalo que ela não pode escutar. Omais provável é que fossem ameaças e advertências horripilantes para que não

 voltasse a lhe colocar em ridículo.

 Após alguns instantes, montou e tentou aproximar-se dela de novo.

Desta vez se assegurou de manter distância e manteve o animal parcialmente

enviesado, de modo que não pudesse vê-la.

Funcionou, e o cavalheiro pode relaxar um pouco. Milissant o

observou. Devido ao tamanho de Stomper, Wulfric não lhe chegava à altura

dos olhos apesar de seu tamanho. Estava próximo, mas não o bastante. E era

óbvio que não gostava de ter que elevar a vista para olhá-la, nem sequer

alguns centímetros.

Milissant se ergueu maliciosamente em sua cela, acrescentando alguns

centímetros mais. Ao vê-lo, Wulfric lançou uma exclamação de desgosto e

pegou as rédeas de seu garanhão para se afastar dela.

Então ela proferiu um grito de dor completamente involuntário, já que

jamais o reteria a seu lado deliberadamente. Foi simplesmente sua surpresa ao

notar o toque da flecha e a pontada no braço. Apenas fez um arranhão e foi

cravar em um tronco próximo. Entretanto, Milissant contemplou atônita o

sangue que começava a manchar sua capa enquanto Wulfric corria em sua

ajuda.

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 A reação dele foi mais rápida que a sua: desmontou-a de Stomper e a

protegeu com seu peito, seus braços, envolvendo-a com sua capa.

- Às armas! -gritou e, velozes como o raio, seus cavalheiros se reuniram

junto a ele.Ela queria encontrar a abertura da enorme capa que a envolvia para

colocar a cabeça, mas não houve maneira. Logo notou que o garanhão se

afastava ao galope, e deixou de tentar. Sentia-se um pouco enjoada e seus

esforços a haviam debilitado ainda mais. Além disso, sentia que o arranhão da

flecha doía cada vez mais com os bamboleios daquela corrida de volta ao

castelo.Quando abriu a ponte levadiça, Milissant tinha perdido a consciência.

Pela primeira vez em sua vida, havia desmaiado, mas não tinha sido de dor, já

que podia suportar melhor que muitos, mas sim pela perda de sangue. Envolta

na capa de Wulfric, ninguém percebeu a quantidade de sangue que estava

perdendo.

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Capitulo 15

- Por que demora tanto o curador do castelo? -perguntou Wulfric.- Talvez porque não mandei chamá-lo - respondeu tranquilamente

 Jhone.

- Deveria ter sido a primeira coisa a fazer ao chegar. Vá por ele agora

mesmo.

Milissant tentava abrir os olhos para vê-los, mas não conseguia reunir

forças para isso.

 A cabeça ainda dava voltas e estava aturdida. Um zumbido em seus

ouvidos a impedia de ouvir bem. Sabia que tinha que dormir para recuperar-

se, mas a ardente ferida de seu braço a impedia de conciliar o sono.

- Vá você por ele, eu trancarei a porta - disse Jhone ao cavalheiro, - ele

não poderá fazer nada por ela que eu não possa fazer.

- Mas... Olhe, perdeu muito sangue!

- Tolices.

- Pense o que quiser, mas minha irmã e eu sabemos que as sangrias

curam determinadas doenças e infecções porque extraem o veneno, sim, mas

quanto aos golpes e as feridas abertas não melhoram. E mais, as pioram. Além

disso, minha irmã odeia as sanguessugas e não o agradecerá que permita que

as apliquem quando ela não tem forças nem para arrancá-las, confie em mim.

- Não pretendo que me agradeça, mas sim que se recupere - repôs

 Wulfric arrogante.

- Então deixe que a eu atenda. Se quer nos ajudar, vá e diga a meu pai

que não é mais que uma simples ferida e que Mili se recuperará com alguns

dias de repouso.

Houve um silêncio indeciso e logo Wulfric disse:

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- Me informará de qualquer mudança que haja em seu estado.

- É obvio.

- Eu gostaria de vê-la quando despertar.

- Assim que ela aceite vê-lo.- Não pedi sua permissão - replicou ele com dureza. - Me chame.

 A porta se fechou atrás dele com certo estrépito, prova do muito que o

tinha incomodado a atitude de Jhone. Milissant ainda não podia abrir os olhos

para se assegurar que havia partido, mas sim pode articular:

- Não... Chame -sussurrou.

 A doce mão de Jhone pousou em sua testa e sua voz murmurou aoouvido:

- Shhhh, vai ver como passará uma semana dormindo. Não será tão

grosseiro em vir perturbar seu sono.

- De verdade que... Não?

- Eu me encarregarei disso - tranqüilizou Jhone. - Agora terá que

agüentar um pouco. Felizmente não despertou antes que desse os pontos, mas

agora terei que te enfaixar.

- Quantos pontos?

- Seis. Esmerei-me em não deixar nenhum franzido.

Milissant teria sorrido se pudesse. Jhone ia ficar junto a seu leito até que

se recuperasse, disso não havia dúvida. Já estava quase adormecida quando lhe

ocorreu perguntar:

- Encontraram?

- Não, ainda não. Papai estava dirigindo a batida quando eu parti. Está

furioso, Mili, e não sem razão. É inconcebível que um de nossos caçadores

possa ser tão descuidado.

- Não foi um caçador... Nem um acidente -repôs Milissant com suas

últimas forças. O resto, que alguém queria vê-la morta, guardou para si.

- Wulfric colocou seus guardas na porta. Não, não se alarme. Não é

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para te manter dentro, mas sim para manter todos fora. -Jhone falava com

sussurros, como se os guardas pudessem ouvi-la e informar de cada uma de

suas palavras. - Levou muito a sério o que disse.

Milissant estava sentada na cama, onde estava a três dias recuperando-se. Haviam sido realmente reparadores. Além da dor no braço, sentia-se quase

completamente restabelecida.

- O que disse? O que disse?

- O que me contou no dia que passou tudo -explicou Jhone - que o da

flecha não foi um acidente. Disse a papai, e Wulfric estava presente. Ambos

estiveram de acordo contigo. Havia passado muito pouco tempo do primeiroataque para não suspeitar que o segundo mantivesse relação.

- Conheço muito bem nossos caçadores, e os dos arredores. Não são

descuidados. E nenhum deles se atreveria a caçar perto de onde estivesse

papai. Além disso, esse dia era impossível não ouvir ou não ver a partida de

papai.

 Jhone retorceu as mãos antes de exclamar:

- Odeio tudo isto! De verdade, nunca odiei tanto a ninguém como a

esse que te atacou. Por que alguém iria querer te fazer mal, Mili? Você não

tem inimigos.

- Não, mas ele sim. Que melhor maneira de causar prejuízo que impedi-

lo de recolher a fortuna que chega de minha mão com o casamento?

- Não posso acreditar, é muito retorcido - disse Jhone sacudindo a

cabeça. - É mais fácil matar diretamente o inimigo, e ninguém atentou contra

 Wulfric, bom, ao menos que saibamos.

- Todos estes ataques coincidem com sua chegada, Jhone. Se não

acreditar que seja coisa de um inimigo seu, só resta uma coisa que acreditar:

que Wulfric os organizou por sua conta.

- Não pode pensar isso! -exclamou Jhone horrorizada.

- Que não posso? -repôs Milissant levantando uma sobrancelha. -

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Depois de ter reconhecido diante de mim que ama outra? Depois de ter

admitido que falou com seu pai para que o liberasse deste matrimônio mas

que não teve mais sorte que eu? Eliminar-me seria uma forma de obter o que

quer não te parece?- Lorde Guy é um homem de honra. Tenho que acreditar que seu filho

foi educado para ser tão nobre quanto ele. É absurdo considerá-lo capaz de

recorrer ao assassinato.

- Coisas mais estranhas se fizeram por amor - comentou Milissant

encolhendo os ombros. - Embora me incline a te dar a razão, por isso penso

que é coisa de um inimigo dele. Só fica averiguar qual.

 Jhone assentiu e lhe dirigiu um olhar pensativo. - Há mais.

- Mais?

- Wulfric está convencido de que aqui não pode te proteger. Diz que

Dunburh é muito grande e há muitos mercenários. Os soldados de aluguel

não têm precisamente fama de serem os mais leais, mas sim de aceitar sempre

a oferta mais substanciosa.

- Fala de traição?

- Eu não, ele. Só estou repetindo o que disse a papai. Em troca

Shefford está protegido por cavalheiros que, por aliança, devem a seu conde.

Lá não há mercenários, e os cavalheiros da guarda que vivem lá estão anos

demonstrando sua lealdade aos Shefford.

- Em outras palavras, que confia nos homens de seu castelo, mas não

nos nossos. O que significa que nossos homens são suscetíveis de aceitar um

suborno ou algum pagamento em troca de cometer um assassinato. -Milissant

estalou a língua. - Papai acreditou nesse raciocínio?

- Não o descartou por completo. Concordou, isso sim, que aqui temos

muitos estranhos, dado que é de conhecimento geral que Dunburh é um bom

lugar para encontrar trabalho. O fato é que amanhã partimos para Shefford.

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- Como? Tinha me concedido um prazo! Papai não pode mudar de

opinião só porque...

- Segue tendo o prazo, só que será lá em lugar daqui.

Milissant franziu o cenho, a perspectiva não a tranqüilizavaabsolutamente, e o que menos a agradava é que tivesse sido idéia de Wulfric.

- Disse que partimos?

 Jhone sorriu.

- Disse a papai que ainda não estava suficientemente restabelecida para

partir de viagem sem mim. Assim concedeu que fosse acompanhada por mim.

Milissant lhe pegou a mão.

- Obrigada. -e acrescentou com um sussurro conspiratório - Finge estar

doente você também. Assim poderemos ficar as duas em casa.

 Jhone rechaçou sua sugestão.

- Que diferença há entre aqui ou lá? Segue contando com o tempo que

te concederam.

- Shefford são seus domínios. Não ficarei confortável em seus

domínios.

- Em minha opinião não ficará confortável se ele se encontrar no

mesmo lugar que você. Assim, qual é a diferença?

- Isso é verdade - concedeu Milissant e logo acrescentou com um

suspiro: - Amanhã... Não deveria estar preparando a bagagem?

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Capitulo 16

- Quem demônios são esses?Milissant seguiu o olhar que Wulfric dirigia aos serventes que se

aproximavam com quatro jaulas de diferentes tamanhos. Estavam reunidos na

ponte, onde haviam disposto dois coches especiais para acomodar a bagagem

que as gêmeas consideravam necessária para a viagem. Os mascotes de

Milissant foram os últimos que carregaram.

Estava muito orgulhosa das jaulas de madeira que ela mesma haviaconstruído quando era menina. As havia feito quando teve que partir ao

castelo de Fulbray e se negou a deixar seus mascotes. Tampouco agora ia

partir sem eles.

Quando ele perguntou, Milissant se limitou a responder: - Meus

mascotes viajam mais confortáveis em suas jaulas, ao menos alguns deles.

Os olhos azuis de Wulfric a olharam, sentada na boléia da carruagem da

bagagem.

-Têm quatro mascotes?

-Bom, na realidade tenho mais, mas só quatro em jaula.

Ele voltou a olhar as jaulas, que já estavam bastante perto para ver seu

interior.

- Uma coruja? Por que têm a uma coruja como mascote?

- Não a escolhi. Foi mais Howl que me escolheu como proprietária.

Seguiu-me até o castelo e ficou fazendo estragos na ponte até que aceitei ficar

com ele.

- Até que aceitou... -repetiu ele, compreendendo que não tinha sentido

seguir com aquela conversa. - Por acaso acredita que não vou lhe dar de

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comer e leva o jantar de casa?

Ela seguiu de novo a direção de seu olhar e disse, indignada:

- Nem lhe ocorra. Aggie está comigo desde que era um pintinho. Aggie

não é comida.- Frangos não são mascotes! -exclamou ele, exasperado.

- Este sim! -replicou categórica Milissant.

- E o que é essa bola de pêlo, se é que posso perguntar? -Ela riu baixo,

a surpresa ou, melhor dizendo, a irritação de Wulfric começava a ficar

divertida.

- Na realidade não são pêlos, mas sim farpas. É meu ouriço. O chamoDorminhoco porque passa a maior parte do ano dormindo.

Ele revirou os olhos e logo franziu o cenho quando viu que Stomper

estava amarrado do outro lado da carruagem. Embora isso não fosse nada

comparado com a cara que fez quando finalmente reparou em Grunhido, que

acabava de mostrar seu focinho entre o braço e o flanco de Milissant para ver

com quem estava falando.

- Um lobo? Têm um lobo selvagem?

- Grunhido está completamente amestrado. É muito amistoso com as

pessoas.

- Então por que o chama Grunhido?

 A mascote escolheu justo esse momento para grunhir a Wulfric por seu

tom.

Milissant sorriu antes de responder:

- Nem sempre foi tão manso, e segue sem gostar que as pessoas gritem

comigo.

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- Não estava gritando! Maldita seja, sobram motivos, mas não estava

gritando!

- Já vejo que... Não está gritando -replicou ela docemente.

- Estes mascotes ficam aqui - disse ele mal-humorado.- Pois então eu também.

- Isso não é matéria de discussão.

- Estou de acordo, não o é.

 Jhone se aproximou deles estalando a língua.

- As mascotes de minha irmã não criarão nenhum problema para a

 viagem, Wulfric. De verdade, assim que os instalemos nem sequer notará queos levamos. Mas não peça que os deixe, porque ela tem muito apego por eles.

São como seus filhos, os protege e cuida como se assim fosse.

Ele ia seguir com a acalorada discussão, mas mudou de opinião e

brindou um sorriso a Jhone. Não era a primeira vez que Milissant o via sorrir

a sua irmã. Só que antes não havia percebido com tanta nitidez.

Estava claro, para qualquer observador medianamente astuto, que

 Wulfric teria preferido muito que sua noiva fosse Jhone. Perguntou-se se

 Jhone teria se importado trocar com ela. Não tinham que dizer a ninguém.

Haviam trocado tantas vezes de papéis, sem que ninguém se inteirasse... Seria

muito fácil.

Quando sua idéia foi tomando forma e começou a ficar emocionante, a

imagem de Jhone e Wulfric beijando-se a sacudiu como uma chicotada.

Pestanejou várias vezes para dissipar essa imagem, e logo enterrou a idéia de

trocar de papéis no mais recôndito de sua mente. Não parecia o mais brilhante

que tinha ocorrido ultimamente, simplesmente porque não desejava a

ninguém um bruto como Wulfric, que ademais também estava resultando ser

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um tirano, e menos ainda para sua irmã. Ao menos isso disse a si mesma para

se tranqüilizar.

 Wulfric deixou de prestar atenção nelas para responder às perguntas de

um de seus homens. Quando voltou a olhá-las, estavam instalando as jaulas nacarruagem, junto a Milissant. Ele lhe dirigiu um olhar de desagrado mas, em

silêncio, cedeu.

Entretanto, separou-se delas com uma pergunta que, vindo dele,

surpreendeu Milissant, principalmente tendo em conta que tinha sido ele a

insistir que partissem essa mesma manhã.

- Está segura de que se encontra bastante restabelecida para viajar?Milissant lhe assegurou que sim e ele se despediu rapidamente delas.

Por um momento, ocorreu a ela que ele tinha perguntado por genuíno

interesse, e isso a desconcertou. Logo se impôs a razão: o que o preocupava

era que o mal-estar de Milissant não interrompesse a marcha da comitiva.

Não foi ela quem interrompeu, mas sim as duas carruagens carregadas

de bagagem. A jornada e meia de viagem ia se converter em dois dias inteiros.

 Ao menos, isso pensara quando, a tarde desse mesmo dia, começou a nevar.

Não foi uma neve muito abundante, só o suficiente para que baixasse a

temperatura e viajar se convertesse em algo bem desagradável.

 Ainda envoltas em suas capas e cobertas com duas mantas, as irmãs não

conseguiam se isolar do frio. Além disso, suas montarias avançavam bem

pouco, pelo que Wulfric decidiu pôr fim à jornada de viagem assim que

chegaram à abadia de Norewich. Naturalmente, os monges não puderam dar

alojamento a todos, mas seus estábulos eram quentes e havia quartos

suficientes para as mulheres e os homens.

 Jhone e Milissant tomaram o jantar no quarto que lhes tinham

atribuído, consciente de que os amáveis monges preferiam não tratar com

mulheres. Deitaram-se depois de comer, já que Wulfric as havia advertido que

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queria empreender o caminho à primeira hora da manhã. De todas as formas,

Milissant teria se retirado cedo. Estava mais esgotada do que queria admitir,

pois ainda notava as seqüelas do acidente. O certo é que, se tivesse sido por

ela, teria atrasado alguns dias a viagem, pelo menos até que o braço tivessedeixado de doer. Depois de ter passado todo o dia viajando por estradas

acidentadas, notava uma intensa dor, embora, felizmente, estava tão cansada

que isso não a impediu de conciliar o sono.

Capitulo 17

Milissant não sabia o que a tinha despertado em plena noite.

Entretanto, o que fosse havia provocado um estranho desgosto, como se

tivesse ocorrido algo inquietante. Por isso, embora não tivesse acontecido

nada que justificasse seu alarme, não pode voltar a dormir.

Precisava certificar-se por si mesma de que naquele quarto silencioso e

sem janelas estava tudo em seu lugar, e de que sua irmã e ela não tivessem

recebido nenhuma visita inesperada. Estava tão escuro que não conseguia

enxergar nem as sombras dos objetos. O fogo tinha se reduzido a alguns

rescaldos que desprendiam uma luz escassa, e a vela que havia na mesinha

junto à estreita cama tinha sido consumida antes que elas dormissem.

Não obstante, Milissant sabia que, no estado de alerta em que se

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achava, não conseguiria dormir de novo a menos que verificasse todos os

cantos do quarto. Assim segurou a vela, deslizou cuidadosamente junto a sua

irmã, sussurrou um silvo no caso de que ela houvesse despertado e se

aproximou do fogo para acender a vela com as brasas.Na realidade não esperava encontrar nada. Só desejava zombar de si

mesma por seu absurdo desgosto e voltar para a cama. Por isso se

sobressaltou ao distinguir um homem corpulento erguido aos pés da cama e

empunhando uma adaga.

Não o tinha visto antes, disso estava certa porque não era um homem

fácil de esquecer. Uma grande cicatriz na cara traçava um sulco por debaixo desua esquálida barba. Era óbvio que havia vindo de fora. Ainda havia neve em

sua boina de lã e em seus fortes ombros.

 Jhone havia despertado quando Milissant saltou por cima dela e

aguardava em silêncio, ainda meio sonolenta, para saber a que se referia esse

«sssshhhh».

Soltou um grito abafado e se levantou na cama assim que a vela revelou

a presença do intruso.

O olhar do homem passou de uma à outra e vice-versa. Seus olhos não

eram a expressão própria da inteligência, mas ainda estava por ver se isso seria

bom ou ruim para elas. Nesse instante parecia assustado.

- Qual das duas é a mais velha? -perguntou.

Considerando que o desconhecido empunhava uma adaga, Milissant se

apressou a proteger sua irmã com a verdade e afirmou:

- Sou eu.

Só que Jhone também havia feito por si mesma uma idéia próxima do

que fazia esse homem ali e disse exatamente o mesmo, quase ao uníssono, o

que fez que ele soltasse um grunhido.

- Me digam a verdade ou as duas irão morrer! Sempre será melhor que

morra uma que as duas, não?

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Melhor nenhuma, embora não tinha sentido destacar isso. Além disso,

Milissant ainda não sabia muito bem como tratar desse caso. O incrível é que

tivesse que lidar com ele. Ao que parecia, o método que Wulfric havia

escolhido para protegê-la deixava muito a desejar, e ela mesma se encarregariade dizer-lhe. Ao menos, em casa teria estado segura em seu próprio quarto,

onde Grunhido e Rhiska seriam capazes de destroçar qualquer um que

quisesse lhe fazer mal. Mas agora os animais haviam ficado no estábulo, onde

não eram de nenhuma utilidade.

Era óbvio que não podiam enfrentar fisicamente aquele homem, que

parecia muito forte. Além disso, tinha uma adaga. Milissant havia deixado seuarco e suas flechas no coche da bagagem porque não supôs que fosse a

necessitá-lo na abadia.

 A única alternativa era fazer entrar na razão. Assim, com a voz mais

imperativa que soube compor, dirigiu-se ao intruso:

- Quero contratá-lo, pagarei muito, mais do que tenha imaginado poder

ganhar jamais.

- Me contratar? -repetiu ele com desconfiança.

- Sim, para proteger minha irmã e a mim. Parece um tipo capaz, e o

bastante inteligente para saber de onde pode tirar melhor fatia. Ou é que não é

mais que um humilde servo amarrado a algum senhor por toda a vida? -O tom

depreciativo com que o perguntou fez que ele ruborizasse e respondesse com

um grunhido:

- Sou um homem livre.

- Então procura proteger seus próprios interesses, não é? -E insistiu

com maior ênfase - Te proporcionarei o maior benefício. - A avidez de sua

expressão delatava que Milissant havia despertado seu interesse. O havia

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tentado. Entretanto, também devia ter passado pela cabeça o que podia lhe

ocorrer se cedesse à tentação, porque de repente pareceu muito assustado.

 Também essa emoção desapareceu rapidamente de seu rosto e voltou a

mostrar-se ameaçador e resolvido a fazer o que havia ido fazer.- A honra e a lealdade contam mais que as moedas para mim senhora -

disse para dissimular o medo que o embargava.

- Isso não te dará de comer nem te fará mais rico - replicou Milissant.

- E o que importa a riqueza se não se vive para desfrutá-la? -repôs ele.

- Ah, imaginava! Tem medo de quem te contratou, não é? - comentou

ela com desprezo.O intruso voltou a ruborizar, mas desta vez de aborrecimento.

- Pois me parece que será um prazer terminar o que vim fazer - disse

olhando fixamente Milissant.

Fez gesto de aproximar-se dela, mas lembrou que eram duas, e

idênticas. Olhou de novo Jhone e se achou ante o mesmo dilema que antes. E

Milissant imaginava o que estava pensando: uma das duas podia escapar

enquanto ele tentava matar à outra. E a que escapasse podia ser precisamente

a que tinha que eliminar. Milissant se aproveitou de sua hesitação e disse:

- Quem te mandou? Diga-nos seu nome!

- Acha que sou tolo? -bufou. - Não têm por que sabê-lo.

- Podia ter dito simplesmente que não sabia - disse Milissant.

Isso o encolerizou ainda mais e Milissant viu que ia por mau caminho.

 Assim que ele deu um passo à frente, lhe jogou a vela acesa. A chama se

extinguiu no ar, mas ele se moveu com estupidez e não pode se esquivar da

 vela. Seu grito lhes disse que devia ter caído cera quente na cara.

 Aproveitando sua momentânea distração, Milissant recolheu o cobertor

da cama e o puxou. A amortecida maldição do homem demonstrou que

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tampouco nesta ocasião havia falhado. Gritou a Jhone que saísse em busca de

auxílio, e esta reagiu com presteza, abrindo a porta e saindo ao corredor.

Com o tênue resplendor procedente do exterior, Milissant espionou o

perfil da cama e quis escorregar para baixo para sair do quarto antes que ohomem se recuperasse. Não obstante, ele também devia ter se agachado,

porque ainda não tinha se arrastado até a porta aberta quando notou que uma

enorme mão puxava sua panturrilha. Milissant caiu justo na soleira da porta e

deu com todo seu peso sobre sua ferida.

Lágrimas de dor cegaram seus olhos por um instante. Ouviu sua irmã

pedindo auxílio e portas que abriam. Mas ainda não era capaz de ver se a ajudase aproximava. E o homem ainda tinha a adaga. Foi essa evidência que a

inundou de um medo desesperado e fez com que chutasse a mão do homem

com o outro pé; o esforço a fez ofegar com tanta força que quase não ouviu

seus gritos de dor. Não obstante, sim notou que a mão a soltava.

Não se perguntou que parte dele havia conseguido golpear. Antes bem,

apressou-se a ficar em pé para escapar, mas caiu de bruços contra Wulfric.

Ele a segurou pela cintura e a afastou com um puxão brusco.

«Tranqüila»,  foi a única palavra pela qual se inteirou que era ele e não outro

assaltante. Os quartos dos convidados dessa parte da abadia davam a um pátio

exterior, ermo nessa época do ano, e, nas noites sem lua como essa, não muito

mais iluminado que aquele quarto. Entretanto, ele a levou até o quarto

contíguo onde seu irmão havia acendido uma vela.

 Jhone estava ali, envolta em uma manta e tentando não olhar o

cavalheiro meio nu que só usava calções. Correu para Milissant para resgatá-la

do abraço de Wulfric e cobri-la com sua manta. Naquele quarto tampouco

haviam acendido a lareira, e nenhum deles ia abrigado para o frio que

penetrava pela porta.

- Está ferida?

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- Deve ter aberto os pontos, mas do resto estou bem - tranqüilizou

Milissant a sua irmã.

 Virou-se e viu que Wulfric seguia ali, em lugar de ter retornado para o

assaltante. Por um momento, a visão de sua pele nua a distraiu. Ele tampoucousava mais que os calções e tinha muita pele masculina, muita pele masculina

diante de seus olhos para suportar.

 Teve que fazer um verdadeiro esforço para afastar os olhos daquele

amplo peito e perguntar por que estava ali ainda. Além disso, a idéia de

assinalar qual era seu dever a fez duvidar; lembrava sua reação a última vez

que disse que saísse em perseguição de alguém, o dia do assalto na estrada.Só se atreveu a mencionar:

- Vai escapar.

- Não chegará a nenhuma parte - replicou Wulfric.

Só então percebeu as manchas de sangue que havia em sua espada.

- Oh! Matou-o? Não pensa que teria sido preferível interrogá-lo?

- Talvez, embora não tive muito tempo de parar para pensar porque a

arma que tinha em sua mão estava se abatendo sobre você.

Saber da proximidade da morte a percorreu como um calafrio. Já havia

se dado conta e tinha sentido um medo fulminante, mas ouvir que outro

ratificava seus temores...

 Assentiu com a cabeça, embora não pensava agradecer por ele ter

salvado sua vida. O responsável por protegê-la era ele. A tinha levado de sua

casa para protegê-la e o estava fazendo francamente mal. Disso sim podia

queixar-se, e o fez.

- Tirou-me da segurança de meu lar...

- Seu lar não era seguro.

- Esta abadia tampouco. Ao menos poderia ter guarda em minha porta.

- Havia. -Ela piscou, mas ele não se deu conta, pois se havia voltado

para seu irmão para dizer: - Vá ver o que aconteceu com ele.

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Raimund assentiu e saiu rapidamente do quarto. Em seguida, Jhone

aproximou de Milissant à vela e, sob a cobertura da manta, desceu a manga da

túnica para examinar a ferida.

- Só saiu um pouco de sangue - sussurrou Jhone, estremecendo aindapor tudo o que acabava de passar. - A ferida só se abriu um pouquinho, os

pontos ainda a seguram.

Milissant sorriu, esgotada e agradecida. Passar pela experiência de ser

costurada de novo essa noite era mais do que poderia suportar. Raimund não

demorou em voltar e confirmar o que temiam.

- Está morto, Wulf. Tinha uma adaga cravada no coração; ao que tudoindica a jogaram. Logo o arrastou e o escondeu atrás de uma árvore do pátio.

 Wulfric franziu o cenho, pensativo, e voltou a olhar Milissant.

- Quem pode querer vê-la morta?

- Uma pergunta que deveria ter se feito muito antes, não lhe parece?

Ele ignorou seu comentário.

- Quem?

- Obviamente, alguém que pretende impedir nossa união - respondeu

encolhendo de ombros.

- Não vejo por que lhe parece óbvio. Se for isso, o melhor será que nos

casemos imediatamente. E se não for isso, também deveríamos nos casar

imediatamente, para que não deva me preocupar com a competência de quem

monta guarda a sua porta, dado que vou estar de guarda eu mesmo.

- Não há por que ficar tão drástico - quis tranqüilizá-lo rapidamente

Milissant. - Bastará com que meus mascotes fiquem comigo. Eles podem me

proteger perfeitamente bem.

- E morrer com a mesma facilidade que você – respondeu com um

bufo de incredulidade.

- Podem matar com a mesma facilidade que você - replicou com o

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queixo levantado, desafiante.

Por um momento ele pôs uma expressão sombria, mas finalmente

assentiu.

- Muito bem, vou ficar velando eu mesmo em sua porta durante o restoda noite. Amanhã não nos deteremos, por pior que seja o tempo ou por mais

tarde que seja até chegar a Shefford.

Ela se mostrou rapidamente disposta a essa solução. Era óbvio que o

agradava tanto a idéia de um casamento apressado quanto a ela. Graças a

Deus.

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Capítulo 18

 As duas últimas horas haviam viajado na escuridão. Wulfric haviacumprido sua palavra: não haviam se detido nenhuma só vez, nem para

comer, só haviam beliscado o pão crocante com queijo que haviam comprado

dos monges. Já não nevava, e a pouca neve que ficava no caminho tinha

derretido no meio da amanhã. De modo que, ao menos, o trajeto havia sido

menos acidentado que o do dia anterior.

 Apesar de tudo, e dado ao cedo da hora em que haviam empreendido amarcha, quando aquela mesma noite cruzaram a ponte levadiça do castelo de

Shefford, a maioria dos integrantes da comitiva estavam completamente

extenuados. Milissant era um deles, a noite anterior não havia conseguido

 voltar a conciliar o sono. A culpa tinha sido de Wulfric. Saber que ele estava

de guarda na porta de seu quarto havia lhe posto nervosa e não pode relaxar.

O que deveria lhe fazer sentir protegida na realidade a havia angustiado.

Não sabia muito bem por que se sentia assim. Certamente, não pensava

que ele pudesse entrar em seu quarto e lhe fazer mal. Inclusive no caso de que

ele estivesse por trás desses atentados contra sua vida, não se arriscaria a

executar ele mesmo a façanha.

 Além disso, se quisesse vê-la morta, o que mais lhe convinha era casar-

se primeiro com ela, recolher seu dote e fazer que a eliminassem depois.

Certamente era uma tolice suspeitar dele agora, um de seus homens tinha

morrido, e ele mesmo havia matado o intruso.

Embora tanto ela quanto Wulfric houvessem se evitado durante os

muitos anos que durou seu noivado, seus pais haviam se visitado

freqüentemente, fosse em Dunburh ou em Shefford, com estadias que

algumas vezes duravam semanas.

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Por isso ela conhecia muito bem Shefford e sabia que lá ia se sentir

como em casa, se não fosse por esse casamento tão pouco desejado. Também

conhecia bem os pais de Wulfric, e logo não a surpreendeu que, quando

despertou, Anne de Thorpe estivesse em seu quarto. Tanto Anne quanto Guy ficaram encantados de recebê-los em sua

chegada na noite anterior, mas Milissant estava tão esgotada que quase não

recordava nada que não fosse sua vontade de se deitar. Inclusive teria gostado

de dormir mais, mas a mãe de Wulfric não era da mesma opinião.

 Anne falou dos preparativos do casamento, dos convidados que iam

estar presentes, incluindo o rei. Estava muito entusiasmada, e pareciarealmente satisfeita dispondo sobre todos os detalhes da união. Jhone, que já

tinha se levantado e vestido - embora continuasse no quarto que as irmãs iam

compartilhar - estava prestando uma educada atenção às explicações da dama.

Milissant pensou em ocultar a cabeça debaixo do travesseiro.

Não queria ouvir falar desses grandes preparativos que a uniriam a

 Wulfric de Thorpe. Entretanto, tampouco desejava ofender sua mãe dizendo

que abominava seu precioso filho único. Essa poderia ser uma forma segura

de conseguir que se anulasse o contrato matrimonial, mas não podia fazer isso

a seu pai. Necessitava alguma outra razão que não afetasse os pais dele e que

não envergonhasse seu pai.

Roland seguia parecendo à opção mais plausível, a simples menção de

seu amor por ele. Podia resultar de grande ajuda, de verdade que sim, se fosse

certo. Mas já se ocuparia desse detalhe mais adiante. Ainda não havia chegado

o momento de trazer Roland a tona. Primeiro tinha que suportar o mês que

seu pai tinha dado para que Wulfric pudesse demonstrar seu valor. Não via

outra forma de conseguir o apoio de Nigel. Que longo ia ser esse mês!

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115 

Quando Anne partiu do quarto não pode voltar a dormir. Jhone

comentou que havia sido o uivo de Grunhido o que a tinha despertado, e

Milissant lembrou que ainda não havia visitado suas mascotes desde que

chegaram. Quando perguntou a um moço quem havia conseguido colocar ocavalo no estábulo, não a surpreendeu saber que havia sido o próprio Wulfric.

Entretanto, a informação fez que examinasse atentamente Stomper em busca

de marca ou feridas. Não achar nada foi o que realmente a surpreendeu.

Não obstante, não se deu por satisfeita sabendo que seus mascotes

haviam recebido um trato adequado, mas sim fez algo que nunca teria

pensado que fosse fazer: foi em busca de Wulfric.Perguntou aos serventes do castelo e finalmente o achou em seu

quarto. Não lhe ocorreu pensar que ainda não era apropriado que fosse a seus

aposentos. Tinha coisas que perguntar e, fiel a sua franqueza, abordar

diretamente a questão lhe parecia mais importante que o fato de que pudesse

parecer indecoroso.

Ele só pareceu momentaneamente surpreendido. Estava aparando o

pêlo da barba e a afiada folha que utilizava ficou um instante no ar.

Milissant se sentiu confusa. Não esperava encontrá-lo meio nu. A

 verdade é que a segunda vez que o viu assim foi tão desconcertante quanto

tinha sido a primeira. Era impossível concentrar-se ante seu peito nu e seus

braços expostos a seu olhar.

Finalmente, foi sua voz a que a lembrou o motivo de sua visita.

- Não sei se pergunto o motivo de sua visita ou se está perdida.

Ela ignorou o tom seco de suas palavras e respondeu seriamente.

- Perder-me em Shefford com as vezes que estive aqui? -Mas não pode

resistir à tentação de acrescentar: - Embora, claro, você não pode saber

porque nunca estava aqui quando eu vinha.

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Ele sorriu.

- Insinua que foi deliberado. Permita-me que lhe assegure que talvez

tenha sido deliberado. Talvez algum dia me pergunte por que e possamos falar

sem rancor. Sinceramente, duvido que esse momento seja o presente.Ela esteve a ponto de replicar com alguma observação áspera. Por sua

parte, duvidava que esse momento chegasse alguma vez, mas se conteve. De

repente, as perguntas que havia ido fazer pareceram menos importantes que

uma recriminação súbita. Apesar de tratar de um aposento amplo, a

intimidade em que se achavam os dois resultou embaraçosa a Milissant. Como

era possível que a pusesse tão nervosa quando a ira não servia de escudo parase proteger dele?

Se propôs perguntar o que mais a intrigava e partir logo a toda pressa.

- Disseram que colocou meu cavalo no estábulo. Por que o fez?

- Incomodava-me vê-lo só na ponte e seus serventes estavam cuidando

do resto de seus mascotes - respondeu ele com um gesto de indiferença.

Supunha, seus motivos não mostravam o mínimo de decência; era de

esperar, tendo em conta as conclusões que ela havia tirado do modo em que

ele tratava os animais. Claro, a incomodava. Se não tivesse outros animais à

 vista, nem sequer teria reparado em Stomper. Antes de atribuir qualidades e

considerações das quais ele carecia, deveria ter pensado duas vezes.

Contudo, havia atendido seu cavalo sem obrigação de fazê-lo, e a

espontânea gratidão que sentia por isso a fez ruborizar. A palavra com que

devia corresponder quase a engasgou:

- Obrigada.

- Foi difícil, não é? -respondeu ele com um sorriso, notando sua

dificuldade.

- Sim, quase tanto como deve ter sido manejar Stomper.

- Na realidade, o cavalo se mostrou muito manso assim que cheirou o

açúcar que lhe dei.

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Por isso não havia visto marcas do chicote. Assim era bastante

inteligente para tentar em lugar de coagir. Não é que ela fosse muito crédula,

mas qualquer coisa que transcendesse o « faça ou aceite às conseqüências » ao qual

ele a tinha acostumado podia considerar um progresso. Embora, claro, esseera seu ponto de vista. Para Wulfric, o « faça ou aceite às conseqüências » funcionava

uma maravilha.

O que voltou a colocar a ofensa em primeiro lugar e a levou a dizer

súbita e cortesmente:

- Não o molestarei mais, lorde Wulfric.

Dirigia-se já para a porta quando a voz dele a deteve.- Não pensa que chegou o momento de me chamar Wulfric? Inclusive

 Wulf ficaria bem.

Ela não estava absolutamente de acordo. Chamá-lo por seu nome de

batismo implicava uma amizade ou, ao menos, uma sólida familiaridade, que

não existia entre eles. Entretanto, em lugar de contra-atacar a uma hora tão

cedo da manhã, virou-se para ele com outra pergunta.

- Seu nome é um antigo nome inglês, estranho em um normando.

Como é isso?

- Segundo conta meu pai, a noite em que nasci chegou uma manada de

lobos aos bosques que rodeiam Shefford e ficaram uivando durante horas; até

que eu nasci e uivei ainda mais que eles. Pareceu profético ao meu pai que a

manada se calasse para me ouvir, e por isso me chamou Wulfric, apesar de

minha mãe preferir que me chamasse como meu avô. Na realidade, meu pai

concordou. Se fosse por ele, teria me chamado somente Wolf.

Gostando como gostava dos animais para Milissant a história pareceu

divertida. O tom resmungão que havia empregado indicava que ele não. Assim

se limitou a comentar:

- Uma história insólita para um nome insólito.

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E se virou para partir, mas ele a deteve de novo, nesta ocasião de um

modo ainda mais direto:

- A que vem tanta pressa, Milissant? Sempre parece apressada.

Pergunto-me se alguma vez toma o tempo que requer ver como floresce umaflor.

Era uma pergunta muito estranha vinda dele, mas, entretanto ela

respondeu com sinceridade.

- Quando estão na época do ano em que despedem sua fragrância sim,

me detenho a cheirá-las. Na realidade, sinto-me mais a vontade entre a

exuberância da primavera que dentro de um frio edifício de pedra. -sentiu-seimediatamente perturbada por ter contado algo tão pessoal a ele. Wulfric não

tinha por que saber esse tipo de coisas.

- Não me surpreende - repôs ele com doçura enquanto que dava um

passo para ela.

Milissant se pôs em guarda. Não podia imaginar que motivos teria ele

para aproximar-se tanto, além de intimidá-la com sua elevada estatura. E isso

o fazia muito bem, estando na outra ponta do quarto ou ao seu lado.

Contudo, continuava aproximando-se...

Ela deveria ter fugido. Compreendeu logo. Ele a teria chamado de

covarde, mas não teria importado, se isso evitasse saber como eram seus

beijos. Mas não fugiu. Ficou ali de pé, ligeiramente paralisada pela súbita

expressão sensual dele e que tanto o modificava.

Normalmente era bonito, mas seu atrativo havia aumentado tanto que

ela se sentia incômoda e capturada, como se tivesse mordido um anzol e

estivessem arrastando-a para um destino desconhecido.

O toque de seus lábios nos dela quebrou o feitiço em que ele a havia

envolto. Retrocedeu instintivamente. As mãos de Wulfric, sobre seus ombros,

atraíram-na de novo para ele, que agora estava muito mais perto, e terminou

com seu protesto quando sua boca a beijou com avidez.

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Pensou em algo devorador. Pensou em um animal capturado. Pensou

no falcão equilibrando-se sobre sua presa. Nenhuma dessas imagens lhe

oferecia escapatória, mas o medo a reteve... Ou talvez outra coisa. O que

desejava esquecer era essa outra coisa, embora duvidasse que pudesse: umanseio leve de repousar sobre seu peito e abandonar-se nele.

O sabor de sua boca era agradável. O calor de seus lábios era agradável.

 A sensação de seu corpo apertando-se contra o seu era... Mais que agradável.

Entretanto, e tendo em conta o que pensava dele, nada daquilo era concebível

e se sentia muito confusa. Mas em tudo isso pensou depois. Durante o beijo

não pensou em nada, e isso era o que mais a aterrorizou, que tivesse algo quea atordoasse dessa maneira.

Perguntou-se o que teria acontecido se o beijo tivesse continuado, pois

um criado deu um golpe seco na porta do quarto e ele a soltou e voltou a sua

posição anterior. Pareceu a ela que ele se mostrava um pouco perturbado.

 Ainda perplexa Milissant o espetou:

- Por que fez isto?

-Porque posso.

De verdade havia esperado uma resposta romântica dele? Duplamente

tola então. A resposta que recebeu fez com que a indignação a queimasse

como uma labareda. Que típico dos homens! Posso, assim vou fazê-lo. Ai, se

alguma vez uma mulher pudesse dizer o mesmo sem que alguém replicasse!

Ela replicou a seu modo, com todo o desprezo que pode reunir, e o

deixou em companhia do criado que entrou enquanto ela saía.

- Não me surpreende.

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Capítulo 19

«Porque posso?»   Algumas vezes, Wulfric surpreendia a si mesmo, ecertamente acabava de fazê-lo. Não podia imaginar uma resposta mais

estúpida e tão longe da verdade. Entretanto, a verdade o tinha pego de

surpresa. Que pudesse desejá-la tão de repente, quando o certo era que

gostava de muito poucas coisas nela. Embora não, isso não era de todo certo.

Quando não usava essas roupas tão sujas era uma moça

excepcionalmente bonita. Além disso, era inteligente e espirituosa, e isso cada vez o divertia mais. Naturalmente, utilizava isso para insultá-lo em todas as

oportunidades, mas também a ousadia com que o fazia lhe parecia divertida.

Era uma mulher incomum. Era orgulhosa, teimosa e obstinada. Seus

passatempos eram impróprios de uma dama. Agora não restava dúvida de que

não teria dificuldades para deitar-se com ela; não, estava convencido de que

seria um prazer. E, embora não lhe entusiasmava a perspectiva de seu

iminente casamento, também devia reconhecer que já não lhe parecia tão

horrendo.

Provavelmente por isso se absteve de mencionar suas reservas quando

se encontraram diante da grande lareira antes da refeição do meio-dia.

Previamente havia pensado em solicitar a ajuda de sua mãe. Além disso,

certamente que ela teria notado o sombrio humor com o qual partiu, na

semana passada, em busca de Milissant. Embora, como era próprio dela, o

teria ignorado. Até que enfrentasse sem remissão uma situação horrível,

negava com muita facilidade qualquer sinal que pressagiasse o desastre por

mais esmagador que fosse.

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De modo que se ele tivesse se esforçado em explicar seus muitos

motivos - e seguiam havendo muitos- se contentou em repetir por que

pensava que Milissant seria uma boa esposa. Entretanto, ele preferiu esperar

um instante mais propício e guardar silêncio a respeito, consciente de que osabor de Milissant, que seguia fresco em sua boca, provavelmente era o único

que o decidia.

Cinicamente, pensou em quantas decisões de grande importância se

apoiavam nas necessidades sexuais dos homens, quase sem que se dessem

conta. Muitas disso não restava dúvida. Nem os reis eram imunes ao egoísmo

na arena sexual. O rei João era um bom exemplo disso. Desgraçadamente,devia ter imaginado que sua mãe não iria querer falar de nada mais que do

casamento e da noiva. Quando se aproximou a saudá-la em seu banco

favorito, ela irrompeu a falar longamente a respeito desses assuntos.

- Ah, que contente estou de que tenha chegado antes que comece a

encher a sala para o jantar, assim posso lhe dizer o quanto estou orgulhosa de

que finalmente tenha ido procurar sua noiva! É muito afortunado, Wulf. É

maravilhosa. Sendo noivo dela desde quando nasceu, não podíamos estar

certos de como ia sair, não é verdade? Entretanto, resultará do mais benéfico.

Ele sufocou uma gargalhada. Não tinha se dado conta da insólita que

era Milissant? Pensou que como sua mãe não sabia. Depois de tudo, a garota

era capaz de comportar-se adequadamente quando queria, e talvez o tivesse

querido quando esteve na presença de sua mãe ao longo desses anos. Além

disso, por acaso ele mesmo não tinha se enganado pensando coisas tão

agradáveis de Milissant quando acreditou que era Jhone? Quantas vezes

ocorreria o mesmo a outros?

O melhor seria deixar passar sem comentário. Entretanto, coçava a

curiosidade de saber quão iludida podia ser sua mãe – o era muito

freqüentemente- ou se realmente conhecia a mesma Milissant que ele.

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122 

De maneira que, com certa descortesia, repôs:

- O que lhe parece sua maneira de vestir?

 Anne franziu o cenho, como se não compreendesse por que

perguntava, embora logo sorriu.- Refere a seu hobby, quando menina, de vestir-se como seus

companheiros de jogos? É obvio, já passou da idade...

- Na realidade, mãe...

Ela o cortou em seco:

- Ela gosta de caçar. O que deveria te agradar, com o muito que agrada

a você também.- Não caça com falcões.

- Ah, não? Mas se recordo que seu pai mencionou em mais de uma

ocasião...

- Que é muito hábil com o arco?

Ela soltou uma risada.

- Que tolice, Wulf! Claro que não caça com falcão! Além disso, vi seu

falcão. Uma ave esplêndida, creio que se chama Rhiska, por um falcão que

tinha na infância e que um bruto matou por despeito. Certamente que contará

a história, se já não contou. Foi uma experiência muito desagradável para ela,

contar-lhe isso a aproximará um pouco mais de ti.

Ele ficou consternado. Se, como suspeitava, ele era o menino de quem

falava sua mãe, que havia matado à primeira Rhiska de Milissant, não era de

estranhar que não o suportasse. «Bruto»   devia ser a palavra que utilizara a

garota, não sua mãe. Anne não recorria jamais a nomear nem a emitir juízos

de caráter como esse. Obviamente, Milissant tinha contado a história a Anne,

omitindo quem havia sido o bruto, porque Anne jamais teria dado crédito se

ela tivesse tentado convencê-la de que o desalmado era seu filho.

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 Vá por Deus! Teria gostado inteirar-se antes de qual havia sido o

resultado do gesto com o qual retirou o animal de cima. Não havia sido essa

sua intenção, se é que estavam falando do mesmo animal. Mas de que outra

maneira poderia desprender de um falcão que quase estava arrancando seusdedos?

Não obstante, se soubesse que não havia sobrevivido ao golpe que deu

com a parede quando ele o jogou longe de si, teria ficado consolando à

encolerizada menina. Ambos teriam terminado o dia com recordações menos

horríveis.

- Falando de animais -disse ele, - viu todos os seus mascotes?- Todos?

De novo essa expressão de estranheza, seguida rapidamente de um

sorriso quando compreendeu a que se referia seu filho. Como sempre,

equivocou-se em sua hipótese.

- O lobo? Estranho mascote, sim, mas encantador. Acredite, seria capaz

de lhe confiar a companhia de um dos cães de seu pai. Sabia que uma vez

dormiu a meus pés? Nem sabia que estava ali, mas lhe dei um chute sem

querer e nem sequer grunhiu. Oh, sim!-acrescentou com um riso sufocado. -

Não é assim como se chama, Grunhido? Embora não senta nada bem, é dócil

como um gatinho.

 Teve a sensação de que sua mãe pensava que ele estava preocupado

pelo lobo. Poderia ter precisado que se referia ao grande número de mascotes

de Milisant, não um em particular. O que mais o preocupava era que pudesse

converter seu aposento marital em um estábulo, mas decidiu que não tinha

sentido seguir com o assunto. Sua mãe converteria qualquer inquietação sua

em uma conseqüência trivial do casamento. A queria muito, de verdade que a

queria, mas tinha vezes em que sua atitude o frustrava profundamente.

 Assim, não se queixou de sua futura esposa, ao menos no momento.

 Ainda tinha o beijo fresco na mente e seus pensamentos estavam centrados

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em quando poderia prová-los de novo, só para certificar de que não havia

sonhado o bom que havia sido a primeira vez. Entretanto, tinha que advertir

sua mãe dos ataques que Milissant estava sendo alvo. Dado que parecia que ia

compartilhar muito tempo com ela, não podia seguir mantendo-a naignorância para evitar a angústia.

 Abordou-a sem mais preâmbulos.

- Não queria te alarmar, mãe, mas deve saber que alguém está tentando

matar Milissant.

Ela soltou um grito horrorizado. Como era de esperar, não acreditou.

- Wulf, isso não tem nenhuma graça.- Estaria encantado de que fosse uma brincadeira. Mas houve dois,

provavelmente três atentados em questão de dias. Digo-lhe isso porque irá

passar muitas horas com ela, e deverá prestar atenção em qualquer

desconhecido que tente aproximar-se dela.

Sua súbita palidez lhe disse que agora sim havia levado a sério.

- Quem? Por Deus santo! Por quê? - Ele encolheu os ombros.

- Não posso imaginar quem, mas, quanto ao por quê... A menos que ela

tenha algum inimigo que não confessa, creio que alguém tenta me prejudicar

fazendo mal a ela ou talvez impedindo o casamento.

- Então devem se casar imediatamente.

Ele riu, incrédulo.

- Parece que não está disposta. Já o sugeri.

- Falarei com ela.

- Isso não mudará as coisas, mãe.

- Claro que sim - disse ela com determinação. - É uma garota razoável.

Se isso for acabar com os ataques, tem que aceitar.

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Razoável? Então sim temeu que sua mãe a tivesse confundido com sua

irmã Jhone. Apesar de tudo, não tinha nenhum sentido lhe revelar a verdade,

que Milissant não queria casar-se. Logo comprovaria ela mesma quando

tentasse apressar o casamento. Assim se limitou a dizer:

- Faça o que desejar.

Conhecendo sua mãe; faria-o de todos os modos. E, dado que já a tinha

advertido da necessidade de ficar alerta com qualquer suspeito, deu-se por

satisfeito.

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Capítulo 20

- Idiotas, são todo um bando de idiotas! Mando fazer um simplesserviço, e o estragam não uma, mas sim três vezes! Digam-me, para que o

pagamento? Para que me contem quão incompetentes são?

O primeiro pensamento de Ellery foi que tinha que deixar de dormir

em hospedarias se não quisesse que Walter de Roghton o encontrasse com

tanta facilidade. O segundo foi que lhe agradaria mais liquidar Walter que à

garota que este o tinha contratado para matar. Claro que não beneficiaria suareputação, mas só era uma idéia, embora muito atraente.

 Tampouco baixou a cabeça em sinal de humilhação e vergonha, embora

soubesse que era a reação que o lorde esperava dele. Seus dois cúmplices,

 Alger e Cuthred, inspiravam confiança a Walter, mas Ellery o olhava com

ojeriza.

- Foram as circunstâncias, milorde - foi tudo o que disse como

desculpa. - Na próxima vez nos sairemos melhor.

- Na próxima vez? -Os nervos de Walter pareceram fazer-se pedacinhos

e articulou, fora de si - Que próxima vez? Tiveram acesso a Dunburh, não

poderão entrar em Shefford, que é mantida como uma cidadela assediada.

Não consegue entrar ninguém que não tenha assuntos legítimos que resolver

ali. Até os comerciantes tem que ser familiares aos guardas, do contrário os

fazem ir por onde vieram.

- Terão que contratar...

- Ouviu? Shefford é um condado. Um conde não precisa contratar

ninguém, se arruma com seus vassalos e com os serviços que o povo lhe

presta.

- Sempre há uma maneira, milorde, de obter o que alguém necessita, se

não for comprando ou subornando, é com a fraude ou com o roubo. Com

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certeza que há plebeus que entram e saem. Sempre há. Haverá coches que

entrem, e putas. Conheço uma puta que poderíamos utilizar, se for necessário.

 Trabalhou comigo antes e sabe alguma coisa ou outra a respeito de venenos.

Não gaste seu tempo me ensinando a fazer meu trabalho.Ellery não se importava absolutamente que estivesse faltando com

respeito a um lorde, ele não o era e tampouco importava. Era um homem

livre e, por sua parte, isso o outorgava todos os direitos para falar no mesmo

tom a nobres e servos. Sua mãe era uma puta londrina, não tinha nem idéia de

quem era seu pai, mal o haviam desmamado e já se viu na rua, contando com

ele mesmo para sobreviver. Havia sobrevivido à desnutrição, às surras, adormir nas bocas-de-lobo no inverno. Um lorde fanfarrão não o

impressionava absolutamente.

Que parecesse que Walter fosse ter um acesso de cólera em forma de

espuma pela boca demonstrava que não estava acostumado a tratar mais que

com pessoas que considerava muito inferior a ele. Isso não era bom. Se Ellery

havia aprendido alguma coisa ao longo de sua vida, era que tinha que levar sua

parte de tudo, pelas armas se fosse preciso.

Que sentido tinha a vida, depois de tudo, se havia que arrastar-se e

morder o pó ante os nobres de linhagem só porque eles o dissessem?

Ellery não se importava em fazer esse trabalho. Não seria a primeira

 vez que matava a soldo. Mas não gostava que lhe dissessem como tinha que

fazer seu trabalho. Tampouco gostava que lhe gritassem. Era um homem

grande, maior que a maioria. E se seu tamanho não bastava para que outros

pensassem antes de lhe levantar a mão, complentava-o com seu porte. Haviam

dito muitas vezes que, embora no fundo era um bruto bonito, parecia pior

que um pecado. Estava acostumado a que o tratassem com receio.

Quanto ao serviço em questão, o fato de que a pessoa que tinha que

matar fosse uma mulher, só considerava uma condição. Havia visto em toda

sua beleza, ou melhor dizendo a sua irmã, a que diziam que era idêntica a ela,

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e o deixavam louco as mulheres bonitas. A mataria de qualquer forma, mas

antes queria possuí-la. Embora isso fosse algo que Walter não tinha por que

saber, parecia dos que insistiriam em que só podia tocá-la com a espada.

Cuthred e John não eram da mesma opinião e tentaram matá-la talcomo queria Walter. Mas Cuthred tinha má pontaria com o arco e a flecha, e

 John, bom, não havia saído do monastério.

É obvio que a garota já estaria morta se ele não desejasse prová-la

antes, porque o dia que a encontrou no caminho de Dunburh teria sido mais

fácil matá-la que capturá-la como tentou. Entretanto, começava a perguntar-

se, e não porque Walter estivesse lhe repreendendo, mas sim pela morte de John se tomá-la valia o risco que estava correndo ele e seus amigos.

 Talvez devesse contratar à puta que havia falado para ir ao castelo de

Shefford e envenenar à moça. Além disso, ainda não havia tentado penetrar

em Shefford por seus próprios meios. Terei que ver se era tão difícil como

afirmava Walter.

Não obstante, queria lhe expressar uma queixa. Não importava por que

tinha que fazer um trabalho determinado. Isso não o incumbia. Mas sim

importava que não lhe contassem as particularidades de um trabalho que

fossem pertinentes para seu êxito ou seu fracasso.

- Devia ter nos advertido, senhor, que a dama está comprometida com

o filho de um conde - disse com certa recriminação na voz.

- Isso não teria a menor diferença se tivessem feito o trabalho quando

deviam, antes que De Thorpe fosse recolhê-la. Era pão comido, comportava-

se como os camponeses e inclusive saía sozinha aos bosques de Dunburh.

 Antes que chegasse De Thorpe teria sido facílimo capturá-la. Mas agora que

estragastes o golpe três vezes seguido, devem tê-la mais protegida que à

rainha, especialmente agora que está comodamente resguardada em Shefford.

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Ellery se perguntou por que, se era tão fácil de pegar, não o tinha feito

o próprio nobre. Provavelmente porque era igualmente competente com uma

espada que com a tolice que acabava de sair de sua boca.

É obvio, tinha que dar com um lorde que era toda bravata que tentavaencobrir a covardia que se ocultava atrás delas. Sabia que havia exceções,

 verdadeiros cavalheiros que estavam bem formados e eram competentes na

guerra e morte. Só que Ellery jamais havia encontrado com nenhum, embora

tampouco tivesse gostado, porque estes tipos de homens não necessitariam os

serviços que oferecia Ellery. Eram perfeitamente capazes de cuidar eles

mesmos de seus assuntos, se fosse necessário.Mas isso não disse a Walter; em troca, perguntou:

- Se antes se comportava como um camponês, o que o faz pensar que

não seguirá sendo assim? Considero que ela mesma é seu pior inimigo. Não

temos nem que ir por ela, virá a nós.

- Eu gostaria que pudesse depender disso, mas não pode - disse Walter,

embora parecia bastante apaziguado. - Não esqueça que há um limite

temporário. É necessário que ela morra antes que as duas famílias se unam em

casamento, não depois. Entende?

- Sim, mas também nos prepararemos para aproveitar das tolices que

possa cometer por si mesma.

- De acordo, mas não me falte desta vez se não quiser conhecer a ira de

um rei, e a minha própria.

Ellery riu a gargalhadas e Walter ruborizou levemente. Por que qualquer

lorde acreditava que invocar o rei era como ameaçar alguém com a cólera de

Deus? Talvez tratando do último rei, de quem se dizia que tinha o coração de

um leão, e assim o chamavam, mas com esse adoentado seu irmão?

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 Walter foi às nuvens e quando finalmente recuperou o fôlego gritou

com voz aguda:

- Como se atreve?

Ellery fez um gesto com a mão, imperturbável ante a fúria do lorde.- Ameace-me com o De Thorpe e pode ser que me inquiete. Inclusive

ouvi por aí que é um cavalheiro valente. Mas seu rei só se ocupa de intriga e

mentiras. Não é uma ameaça mais que para os nobres que lhe são leais. Agora

parte, milorde, e me deixe planejar este assassinato em paz. Terminarei o

trabalho que comecei porque assim o decidi, não porque me preocupe seu

descontentamento.Suas palavras indignaram de novo Walter, que partiu erguido, com toda

a grandeza de sua classe social. Ellery se agradava em insultar gravemente o

homem que havia contratado. Havia pagado a metade do combinado e com o

tempo iria pagar o resto, embora fosse às escondidas do lorde.

Fora do quarto, Walter estava pensando exatamente o mesmo. Em

ocasiões anteriores já havia mandado matar seus mercenários quando

terminavam a tarefa encomendada. Era a melhor forma de garantir seu

silêncio. Desta vez ia, executá-los ele mesmo, e seria tudo um prazer.

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Capitulo 21

- Hoje parece desanimada, me preocupa - disse Jhone.

Milissant tinha se detido na escada em espiral que conduzia ao grande

salão. Deteve-se para olhar por uma fresta o campo que se estendia fora das

muralhas de Shefford e Jhone preferiu ignorar o gesto e pensar que havia algo

mais que preocupava a sua irmã, além do quase confinamento no castelo.

 Tentou surrupiá-la.- Ainda está cansada da viagem?

- Não.

 A lacônica resposta inquietou Jhone mais ainda.

- Muito bem, um verme te corrói.

Ela se virou para olhá-la com um sorriso triste.

- Se eu gostasse dos vermes...

- Já sei - cortou Jhone, impaciente. - Como você sabe que não pode me

ocultar seus aborrecimentos, por mais que o tente.

Milissant suspirou e disse simplesmente, quase em um sussurro.

- Beijou-me.

 Jhone pôs olhos como pratos.

- Quando?

- Esta amanhã.

- Mas isso é bom.

- E cair por um barranco também - resmungou Milissant.

- Não, de verdade - insistiu Jhone. - Lembra-se da conversa que

tivemos a respeito das vantagens que podia obter se te desejava?

Sinceramente, que a beijou porque o agrada é...

- Oh, tinha outra razão muito boa para fazê-lo! -replicou Milissant

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irada- Porque podia.

 Jhone ficou um momento calada, logo respondeu com uma risada.

- Que tolice! Isso não é uma razão.

- É a razão que ele me deu.- Pode ser, mas segue sem ser a razão.

- E suponho que você sabe a razão - perguntou Milissant exasperada.

- Se pensar, está muito claro - expôs Jhone – Um homem a beijaria se

não gostasse?

- Ocorrem-me outras razões além dessa do puro querer - zombou

Milissant. - Há beijos que selam a paz, beijos que estabelecem a dominação,beijos que castigam, beijos que assustam, beijos que...

- Já está bem - atalhou Jhone, colocando os olhos em branco - Por que

se esforça tanto em negar que possa te desejar? Decidimos que isso ia ser uma

 vantagem para você.

- Não; você decidiu - lembrou Milissant. - Eu decidi que não quero ter

nada a ver com seus desejos.

 Jhone franziu o cenho.

- Você não gostou do beijo?-O rubor que tingiu o rosto de Milissant foi

do mais explícito e Jhone sorriu, aliviada. - Bom, podemos ficar contentes de

que, ao menos, não o encontrará completamente horrível.

- Tampouco tenho nojo de Grunhido quando lambe minha bochecha.

Isso significa que goste que me lamba?

- Não se pode comparar -disse sua irmã com uma risada brincalhona-

um lobo com... Com Wulf.

Milissant resmungou seu desacordo.

- Fale por você. Para mim é muito fácil comparar Wulf com um lobo,

não com meu lobo, mas sim com os lobos em geral.

 Jhone suspirou.

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- Já disse isso antes, não creio que seja capaz de levar sua teimosia até as

últimas conseqüências. Está disposta a demonstrar que estou errada, não é?

- Teimosa com que? -perguntou Milissant, à defensiva. - Com o que

não me agrada nele? Com que não quero que me beije? Jhone, você não teveque passar a dor que me causou quando quebrou meu pé, o pavor e o medo

de ficar manca. É um milagre que não esteja aleijada.

- Sim experimentei seu pavor e seu medo de ficar manca, não a dor

claro. Mas, Mili, faz muito tempo. Converteu-se em um homem após isso.

 Acha honestamente que ele te faria mal agora? É o filho de lorde Guy. Sabe o

amável que é lorde Guy. Como pode ser tão diferente seu filho?- Pois é muito fácil. Sou o perfeito exemplo de como uma filha pode

não parecer com nenhum de seus genitores.

- Isso não é verdade! Papai disse muitas vezes o muito que lembra

mamãe.

 Agora foi Milissant a que fez uma careta de exasperação.

- Porque tenho um pouco de seu temperamento. Acha que no resto se

comportava como eu?

- Bom, suponho que não é o melhor exemplo - concedeu Jhone

estalando a língua. - Falei com Wulfric quando ele acreditava que eu era você,

e é muito galante, cortês, cavalheiresco...

- E eu falei com ele quando acreditava que era um moço, e é muito

bruto, arrogante e áspero.

 Jhone abriu os braços, abatida.

- De acordo, me rendo.

- Muito bem - Milissant apenas fez o gesto de avançar antes que Jhone

prosseguisse.

- Dá um novo sentido à palavra teimosia. Não vai tratar sua esposa

como a um servente desrespeitoso, que é o que acreditou que era no dia que

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chegou.

- Não; vai me tratar pior - repôs Milissant. - Porque pode.

- Pois sim que te ofendeu essa observação, agora me dou conta.

Milissant respondeu com desprezo.- Para que me importa...

- Mili, não tente me enganar porque sabe bem que não pode. Teria

preferido que te dissesse que está desejoso de casar-se contigo? Que o tenta

até o ponto de que não pode esperar que estejam realmente unidos? E por

que ia te dizer isso? Se me disser que perguntou você mesma por que a beijou,

serei eu que irei lhe dar duas bofetadas.- É obvio que perguntei - murmurou Milissant. - Seu beijo me deixou

atordoada. Perguntei a primeira coisa que me passou pela cabeça.

- Atordoada? -perguntou Jhone, subitamente interessada.

- Já me entende.

- Na realidade, não sei muito bem - replicou Jhone pensativa. - Quer

dizer transtornada? Ou quer dizer que sentia tantas coisas que foi incapaz de

compreendê-las e pensar com os cinco sentidos? Não, não importa, qualquer

dessas tolices é boa, vai me dizer isso.

Milissant grunhiu.

- Não me agrada ser incapaz de pensar corretamente, e isso é o que me

fez o beijo.

- Já te contei a vez que o escudeiro de papai me beijou?

Milissant pôs uma expressão de surpresa.

- Sir Richard? E papai não mandou que o esfolasse vivo?

 Jhone riu como uma menina travessa.

- Naturalmente, não disse a papai. Depois de tudo, não me fez nenhum

mal, e o moço se desfez em desculpas. Para falar a verdade, adulou-me. Mas

eu já estava apaixonada por William.

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Milissant se apoiou contra a parede.

- Suponho que pretende me dizer alguma coisa.

- Claro - sorriu Jhone. - Quando não? O beijo de Richard foi tão fugaz

que não o achei tão diferente aos de papai. Como a picada de um mosquito,no dia seguinte o tinha esquecido. Não me fez sentir nada especial.

Entretanto, a primeira vez que William me beijou, emocionei-me tanto que

quase desmaiei. Foi tão excitante, Mili. Não há comparação com o que o

desejo pode te fazer sentir!

Milissant ruborizou antes inclusive de que Jhone terminar de falar, mas

sua última observação a fez protestar raivosamente:- Eu não o desejo! Como é possível que o deseje se o odeio?

- Pois porque talvez não seja certo que o odeie. Queria odiá-lo, disso

não há dúvida. Está fazendo um esforço desonesto para conseguir. Mas está

te custando muito.

- Isso soa bem, Jhone, razoável inclusive - disse Milissant com

sarcasmo. - Mas você não tem em conta o nervosa que me põe. Deixa-me tão

furiosa que poderia lhe cuspir. Isso significa que o desejo?

 Jhone lhe dirigiu um olhar doído.

- Tento ajudar que as coisas sejam mais fáceis para você, mas você

prefere se derrubar em suas penas.

- Não; preferiria achar a maneira de evitar tudo isto, que é o que não

paro de dizer, mas você não me escuta. Ajude-me a sair deste atoleiro, Jhone,

não a me colocar nele.

 Jhone pôs uma mão compassiva no braço de sua irmã.

- O que temo é que não há escapatória. Por isso minha intenção é que

esteja preparada e que o aceite ao invés de ser tão infeliz.

Milissant a abraçou.

- Não queria te transmitir minha angústia.

- Bem, pois, por hoje não falarei mais - disse então Jhone. - Melhor que

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descemos antes que mandem alguém por nós. Por certo, a cor rosa te fica

muito bem.

Milissant contemplou a cotardía rosa que Jhone havia lhe emprestado e

disse:- Justo o que precisava ouvir para que me tirasse o apetite.

 Jhone sorriu e puxou sua irmã escada abaixo brincando.

- Estou começando a acreditar que seu problema é que tem muita

energia e como não realiza atividade suficiente para queimá-la isso te coloca

de mau humor.

- Não estou de mau humor - resmungou Milissant.- Sim está. Mas a senhora Elga me confessou em uma ocasião o melhor

método para queimar energia e não sentir-se abatida.

- Devo supor que irá me comunicar esse grande segredo?

- Não, mas é uma solução muito simples. -apressou-se a avançar pelas

escadas antes de terminar: - Que tenham muitos meninos! -e desceu de um

salto os degraus que ficavam antes que sua irmã conseguisse lhe dar um

cascudo.

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Capitulo 22

Ele as viu entrar no salão. Nesse dia não iam vestidas iguais, mas eramidênticas. Uma ria e a outra zombava dela. Pelo menos uma vez, era fácil dizer

quem era quem.

 Wulfric amaldiçoou uma vez mais, em silêncio, o destino que o havia

destinado a mais estranha das irmãs, no lugar da normal. O mais curioso era

que vendo Jhone, tão bela e radiante com sua diversão, não se sentiu

absolutamente atraído por ela, não como quando pensou que seria sua.Entretanto, quando olhava sua irmã, notava que seu sangue fervia. Só que não

conseguia compreender por que. Nunca havia gostado das mulheres

inclinadas a expressar-se com manhas de criança e expressões cáusticas e

desagradáveis. Quando um homem precisa se divertir na cama, o contraria

sobremaneira ter que pensar no temperamento da mulher com quem se deita.

E quando sua noiva não tinha se mostrado temperamental? Inclusive agora,

evidente que estava zangada, a julgar por sua expressão, como era possível que

se sentisse atraído por ela?

- Tem que franzir o cenho sempre que a olha? -perguntou Guy com

 voz cansada.

 Wulfric olhou seu pai. Não o tinha visto aproximar-se. Tampouco

haviam voltado a falar de Milissant desde sua volta, só haviam comentado

sobre suas agressões. Havia contado o ocorrido a noite na abadia antes de ir

para cama, depois de sua chegada, e com pormenores que não havia contado a

sua mãe.

 Wulfric relaxou sua expressão e replicou simplesmente:

- Não sabia que estava franzindo o cenho.

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- Seus sentimentos por ela não tem porque ser públicos - disse com

certa recriminação. - Tampouco não te beneficia em nada que ela saiba o

pouco que te agrada.

 Wulfric teve que fazer um esforço para não rir abertamente. Sorriu comamargura antes de admitir:

- Já o sabe. Além disso, ela sente o mesmo por mim. Ama a outro, pai.

 Admitiu diante de mim.

Lorde Guy compôs uma fugaz expressão sombria, mas logo riu.

- Ora! Isso é uma reação defensiva, sem dúvida porque seu desagrado

não passou despercebido a ela. -Wulfric não pode descartar essa possibilidade,principalmente quando ele tinha feito precisamente isso, mentir lhe dizendo

que amava outra quando ela disse que estava apaixonada por outro.

Entretanto, isso não explicava a verdadeira animosidade que lhe professava.

Porque tinha matado seu falcão? Custava acreditar que pudesse guardar rancor

durante tanto tempo por um animal. Porque não havia saído em perseguição

dos canalhas que a tinham atacado aquele dia na estrada? Isso parecia mais

provável. Por mais que não fosse suficiente para que ela desejasse anular o

contrato, e isso era o que ela queria.

Não obstante, não pensava dizer tudo isso a seu pai, assim só comentou

despreocupadamente:

- Não importa. Ela e eu estamos... Nos habituando. Seu pai lhe

concedeu algumas semanas para que se acostume comigo.

- De modo que já não te dá tanta aversão a perspectiva de se casar com

ela? -perguntou Guy levantando uma sobrancelha.

 Wulfric pôs cara de resignação.

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- Digamos que já não tanta. Sigo pensando que não vai criar-me mais

que problemas, embora talvez esses problemas resultem... Interessantes, ou ao

menos não tão desagradáveis como eu pensava. Seu pai acredita que, uma vez

casada, mudará. Sabia que teria gostado de nascer menino? E que prefere asdiversões masculinas às de seu próprio sexo?

- Consta-me que em algumas ocasiões carece da graça própria das

mulheres - disse Guy ruborizando.

- Em algumas ocasiões? -replicou Wulfric com um bufo. - Poderia ter

me advertido que adora se vestir de homem. Quase a açoito pensando que era

um servente com a língua muito cumprida.- Oh! Como pôde não prestar atenção na suavidade de sua pele?

- Talvez porque também a cubra de sujeira.

Guy compôs uma careta de pesar.

- Já sabia que gostava de se vestir de menino. Nigel afrouxava a língua

quando tomava um par de taças e algumas vezes deixou escapar sua frustração

a respeito do assunto. Entretanto, eu acreditava que, ao ficar mais velha,

passaria. Basta olhá-la. Ninguém diria que não sabe comportar-se

adequadamente.

- Só quando a agrada.

Guy pigarreou antes de prosseguir.

- Enfim, eu... Sou da mesma opinião que meu amigo. Casamento, cama,

muitos filhos e tenho por certo que a achará mais agradável e, certamente,

mais feminina.

 Wulfric se perguntou uma vez mais se seus pais conheciam a verdadeira

Milissant ou se acreditavam que fosse sua irmã. Contudo, limitou-se a

comentar:

- Ele acredita que a solução ocorra por amor.

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- O amor pode mudar às pessoas - repôs Guy. - Vi mais de uma vez.

Mas também vi como um cavalheiro brutal trata seu filho com um cuidado

extremo e como a mulher mais feroz se converte em uma santa quando tem

um bebê, assim não desvalorize as maravilhas que é capaz de obrar adescendência quando se trata de mudar uma moça.

 Wulfric riu baixo.

- Me pergunto por que mencionam a descendência. Por acaso pelos

prazeres que isso implica?

- Sobre esses prazeres poderíamos falar longamente. Até o mais

repugnantes dos remédios se torna agradável ao paladar se acrescentarmos umpouco de mel e... -Guy se deteve ao ver que seu filho rolou seus olhos. - Está

decidido a se mostrar em desacordo comigo, como sempre - terminou com

um murmúrio.

- Não é isso - protestou Wulfric com um sorriso conciliador. - Só que

não compararia uma mulher com um remédio asqueroso, porque este se toma

de um gole e se esquece, enquanto que a outra pode durar o resto de seus dias.

- Não importa as comparações se entender o que quero dizer. Entende,

não é?

- Sem dúvida; o sigo sempre em seus raciocínios, pai. Não se inquiete

pela garota.

Guy o olhou longamente e ao final concedeu:

- Muito bem, ficarei tranqüilo a respeito. Entretanto, quanto ao outro

pensou no que te disse? Temos que saber quem está por trás desses ataques.

Quando, na noite anterior, Wulfric havia falado deles ao seu pai, Guy

tinha pedido que lhe desse alguns nomes e ele se apressou a pensar em alguns.

- Não tive nenhum confronto sério com ninguém, que eu lembre - disse

 Wulfric. - Só com alguns capitães mercenários de João.

- Do rei João?

- Sim.

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Guy franziu o cenho.

- Que tipo de confronto?

- Nada que deveria me inquietar. Uma flecha galesa acabava de matar

um de meus homens e não estava com humor para escutar comominimizavam nossos esforços. Peguei um tipo. Quando se recuperou, ao cabo

de umas horas, ouviram dizer que não pararia até ver como me trespassaria

com sua lança.

- Deveria ter mandado diretamente à outra vida.

 Wulfric encolheu os ombros.

- Não agrada ao rei perder seus capitães em rixas sem importância. Além disso, eu não levei a ameaça a sério. Era um idiota e não o considerei

capaz de tramar nenhuma vingança. Teria vindo direto a mim, não tentaria me

fazer mal através de terceiros.

- Quem pode ser então?

 Wulfric tentou tirar a gravidade da situação rindo.

- Será que pensa que tenho inimigos por legiões? Sinceramente, não me

ocorre ninguém mais. E você? Também seria prejudicado se não se celebrasse

este casamento.

Guy pareceu desconcertado.

- Nem sequer havia considerado, mas tem razão. Devemos pensar

também nisso. Diferente de você, com o passar dos anos cultivei numerosos

inimigos.

 Wulfric o olhou suspicaz.

- Numerosos? Você? Sendo sua honra tão provada alguém teria que ser

muito estúpido para questioná-lo.

Guy sorriu.

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- Não disse que tenho inimigos honrados, nem muito menos. Só os que

carecem de escrúpulos têm motivos para temer e injuriar um homem

honrado, e desejam vingança quando os desmascara se é que conseguem

escapar da forca. Não obstante, no que se refere a Milissant, não me basta quese tome precauções. Quem atribuiu para sua vigilância?

- Além de mamãe?

- Brinca? Por mais que sua mãe seja diligente em seus deveres, e

considere a proteção da garota como um deles...

- Todos os acessos ao castelo estão vigiados, pai. Milissant não pode

pôr um pé fora da torre sem que eu me inteire.Guy assentiu.

- Também terá que restringir o acesso a Shefford. Entretanto, quando

começarem a chegar os convidados do casamento com sua criadagem, pode

ser que precisemos confiná-la nas dependências das mulheres.

- Resistirá como um gato escaldado - predisse Wulfric.

- Pode ser, mas será necessário.

- Então pedirei que, chegado o momento, você mesmo o diga - disse

 Wulfric com um sorriso.

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Capitulo 23

Os habitantes do castelo começaram a ocupar seus postos nas mesas decavaletes dispostas para a refeição. A longa mesa colocada sobre o soalho

onde iam comer o lorde e seus asseclas continuava vazia. Era tradição que os

convidados a comer esperassem até que o lorde ocupasse seu lugar no centro.

Entretanto, Guy seguia entabulado na conversa com seu filho.

Milissant percebeu que Lady Anne se aproximava dela embora, pela

terceira vez, a detinham os serventes que necessitavam de sua atenção.Esperava que a dama não quisesse falar de novo do casamento. Ficaria sem

saber, de todos os modos, porque Lady Anne, mudou de direção e se

encaminhou para seu marido. Isso deixou Wulfric momentaneamente só e

este centrou sua atenção nela.

Milissant pegou a mão de sua irmã e a atraiu para a mesa, que então ia

enchendo rapidamente de comensais, para que se sentassem juntas e não

tivesse lugar para ele. Não importava que Wulfric pudesse pensar que estava

evitando-o. Isso era precisamente o que fazia. Sentaram-se em um banco

estreito onde não cabia ninguém mais.

- O que está fazendo? -sussurrou Jhone a Milissant enquanto esta a

puxava para que se sentasse.

Milissant respondeu com outro sussurro:

- Assegurando-me que não possa falar comigo em particular.

 Jhone suspirou.

- Isso é um esforço inútil, Mili. Se quiser falar contigo, o fará. Queira ou

não. E tem que se sentar com ele.

- Para que? Para que tire meu apetite? -disse levantando o queixo,

teimosa.

- Concede-me muita importância, moça - atravessou Wulfric sentando-

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se junto a ela.

Milissant se enrijeceu e viu que um senhor idoso se colocava de lado

para dar lugar a seu noivo. Wulfric tinha uma expressão áspera.

- Que bom que tenha se reunido comigo, milorde! -ironizou Milissant.- O sarcasmo não lhe cai bem – replicou ele com tom inexpressivo.

- Eu gostaria que fosse. Soa melhor assim?

- Muito melhor. Sempre é preferível a verdade, inclusive quando não

revela nada novo.

Ela bufou e se voltou para sua irmã para iniciar uma conversa tão

mundana que, embora ele a ouvisse, não teria grande coisa que comentar.Funcionou. Ele não se misturou em seu bate-papo.

Oxalá esse silêncio fosse o que necessitava para ignorá-lo. Mas não,

embora se aproximasse de Jhone para evitar roçar a coxa, as costas, ou o que

fosse de Wulfric, não pode esquecer nem por um instante que ele estava ali,

junto a ela, apenas a alguns centímetros.

Isso a deixou em tal estado de tensão que, efetivamente, afetou seu

apetite. Comeu, mas sem dar-se conta do que comia. Bebeu, mas o vinho

poderia ter sido vinagre e ela não teria notado. Foi quase um alívio ouvir de

novo sua voz.

- Preste um pouco de atenção em mim, moça. Supõe-se que, no

mínimo, temos que parecer um casal de noivos.

O tom de Wulfric era áspero. Milissant tomou consciência de que,

quando estava zangado com ela, chamava-a «moça». Virou-se e o olhou

levantando uma sobrancelha, intrigada.

- E como se supõe tem que se mostrar um casal?

- Feliz?

Ela sorriu com amargura.

- Quando a maioria dos casamentos, como o nosso, foram preparados

com antecedência? O que é que, rogo me digam isso, pode motivar a

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felicidade nesses casos?

Ele pareceu refletir.

- Bom, pois fica o fato de que nenhum dos dois está aleijado, é

deformado ou vesgo. Isso é motivo de alegria, não? A imagem dele entortando os olhos quase a fez soltar uma gargalhada,

o que teria sido o cúmulo dos males. Apertou os dentes e pôs cara séria. Se

tivesse rido, teria se sentido como uma tola.

Contra atacou entortando os olhos ela, e percebeu como ele continha a

risada. Na realidade, a diversão a relaxou, o que era de tudo preferível à tensãoanterior.

- Terei que me desdizer. É um sonho, garota, inclusive vesga.

Milissant ruborizou. Os galanteios que ele lhe dirigia resultavam difíceis

de confrontar, e nem sequer sabia por que. Se os tivesse dito qualquer outra

pessoa, nem teria se dado conta. Entretanto, as palavras de Wulfric foram

diretas ao ventre e remexia coisas em seu foro íntimo. Quis pegar sua taça de

 vinho e quase a derramou. Caramba! Também lhe tremiam as mãos? Beber o

gole do vinho que ficava no cálice a ajudou um pouco. Ao menos foi capaz de

olhá-lo de novo sem ruborizar até as cílios.

 Apesar de tudo, olhá-lo continuava sendo um engano. O bom humor

que refletia seu rosto faiscava em seus olhos azuis e suavizava as rígidas

comissuras de sua boca. Também o fazia parecer diferente, alguém que nem

em sonhos podia ser um bruto. Também a deixava sem fôlego a clara

evidência de quão bonito era.

 Talvez fosse a surpresa interrogante que leu na expressão de Milissant o

que o alterou, mas, de repente, pôs a mesma cara que essa manhã, justo antes

de beijá-la. Ela conteve a respiração. Notou comichões no estômago e o pulso

parecia retumbar nos ouvidos.

Felizmente, ele foi o primeiro em desviar o olhar. Ela teria sido incapaz.

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E ele parecia um pouco desconcertado, como envergonhado. Alisou o cabelo,

justamente antes que ela dirigisse o olhar para outro lado.

Milissant pensou em sair da sala. Era o que pedia seu instinto, e seria o

mais sábio. Afastar-se de Wulfric até que seus sentidos voltassem para arealidade. Podia dar qualquer desculpa, ou nenhuma; não acreditava que

tentaria detê-la depois do que acabava de acontecer, fosse o que fosse. Mas

quando ouviu: «Eu gostaria de falar com você, depois da refeição», mudou de

opinião, e temeu que pudesse segui-la.

- Fale agora, se tiver algo que dizer - repôs Milissant sem olhá-lo, com

um fio de voz em que quase não reconheceu como sua.- Em particular - insistiu ele.

- Não...

- Mili...

 Assustada, porque já não restava dúvida sobre o que ele queria fazer em

privado, cortou-lhe:

- Não, não haverá mais beijos.

- Por que não?

 A pergunta a surpreendeu tanto que se virou e o olhou fixamente. Ele

parecia sinceramente perplexo, embora não mais que ela, que não esperava ter

que apresentar uma razão. Não lhe ocorreu nenhuma que não fizesse sentir

incômodos a ambos. Por isso evitou responder e formulou outra pergunta.

- Acredita que uma mulher necessita de uma razão para dizer que não?

- Quando o diz a seu noivo sim, necessita uma razão.

- Ainda não estamos casados.

- Não estou propondo ir à cama, ainda não, mas o que pode objetar a

um simples beijo?

Por Deus! Sabia que o assunto ia acender suas bochechas de novo. O

que podia responder que seu beijo a tinha perturbado tanto que não poderia

levá-lo levianamente? Um simples beijo? Não havia nada simples nos beijos

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que ele lhe dava, nem em como a faziam se sentir.

Milissant optou por ficar na defensiva.

- Ama a outra. Por que então quer me beijar? - Wulfric fez uma careta.

Era óbvio que o lembrar que Milissant não era sua escolha como par namesma medida que ele não era a dela, o desagradava.

- Por isso quer me rechaçar? -espetou. - Porque ama outro? Vai

esquecê-lo, moça. O único que vai beijá-la a partir de agora serei eu, assim é

melhor que vá se resignando, porque isso faz ambos sofrer.

E com estas palavras, levantou-se da mesa e saiu. Não tinha gostado de

seu engenho? Não, gostar era um termo morno. O deixou furioso!

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Capitulo 24

- A quantos homens vai fazer mingau hoje antes que se dê conta dacausa de seu mal-estar?

 Wulfric olhou seu irmão, que tinha se aproximado dele, e em seguida à

fileira de cavalheiros e escudeiros aos quais se referia Raimund, que estavam

sentados pelos arredores, curando as feridas leves e contusões depois do

enérgico treinamento ao qual os havia submetido Wulfric.

- Não estou preocupado por nada em especial - negou Wulfric, emboraacabasse de desembainhar a espada e fez um gesto com a cabeça ao escudeiro

que tinha mais próximo para provar suas habilidades com ele. Além disso,

aproveitou para admoestar seu irmão.

- Se ocupe melhor de seus assuntos. - Raimund soltou uma gargalhada.

- Obrigado pelo conselho. E você quase não suou. Ou são esses cristais

de gelo que se vêm sobre suas sobrancelhas?

- Parece que necessita um pouco de treinamento - ameaçou Wulfric

aproximando-se dele.

Seu irmão sorriu.

- E talvez você necessite um copo de hidromel e um ombro que...

Morder.

- Teria que te apresentar a corte de João para o posto de bufão, irmão.

Certamente te contratariam imediatamente. O que é o que te deixou de um

humor tão faiscante?

- Passei uma noite magnífica junto a minha esposa, o que há melhor

que isso para levantar os ânimos? Você, em troca, é óbvio que está de pior

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humor que quando empreendeu o caminho para procurar sua noiva. O que

aconteceu desde que nos separamos ontem de noite?

- Melhor perguntar o que não aconteceu - murmurou Wulfric enquanto

se separava de seu irmão.Entretanto, este o seguia tão de perto que o ouviu e replicou com um

sorriso:

- Muito bem, então o que não aconteceu?

 Wulfric se voltou para lhe dirigir um olhar feroz. Sua única resposta foi

um bufo. Seguiu seu caminho e entrou em um estábulo, onde se deteve junto

aos dois compartimentos. Em um deles estava seu garanhão e no outro ocavalo de Milissant. Curiosamente, Wulfric se aproximou e ofereceu alguns

torrões de açúcar a este último, não a seu próprio cavalo.

- Eu temeria por minha mão - advertiu Raimund seriamente.

- Não; tem dentes compassivos. Não há sombra de malícia nele quando

se trata de açúcar.

- Pois é necessário ter coragem para comprová-lo. -Raimund riu e,

aguilhoado pela curiosidade, perguntou: - Oferece ao cavalo dela e ao teu não?

- O meu já está bastante mimado - disse encolhendo de ombros.

- E você acha que ela não mima o seu?

Outro gesto de indiferença.

- Pois, se o fizer, não será por muito tempo. Assim que comecem a

chegar os convidados terá que ficar confinada na torre.

- Uma precaução muito sensata - concedeu Raimund. - Não obstante,

no que consiste o problema imediato que fez que desse trabalho a nossos

homens?

 Wulfric suspirou e acariciou o cabelo, tão absorto que nem se deu conta

de que tinha a mão cheia de açúcar.

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- Porque sinto vontade de matar um homem que nem sequer conheço.

- É compreensível. Eu ficaria doente de raiva se alguém tentasse fazer

mal a mi...

- Não, não me refiro a quem quer fazer mal a Milissant - explicou Wulfric. - Esse vai desejar mil vezes a morte antes que acabe com ele quando

jogar a luva. Refiro-me a quem roubou seu coração. No começo não pensei

nele, mas agora não consigo tirá-lo da cabeça.

Raimund se mostrou atônito.

- O que te fez deixar de odiá-la a gostar dela?

- Quem disse que gosto? É minha noiva, Raimund. Considerointolerável que deva competir com alguém que jamais vi.

- Já disse quem é, para que saiba que nunca o viu?

- Não, isso é o que eu queria - disse Wulfric com expressão sombria.

- E o que te impede de perguntar diretamente?

- E se pensar que quero fazer algum mal a ele?

Raimund sorriu.

- Isso disse faz um momento. Que o mataria, não?

 Wulfric agitou uma mão com gesto depreciativo.

- Estava exagerando, e me faça o favor de não me olhar com esse ar tão

suspicaz, irmão. Não poderei entender o que a une a esse outro até que saiba

por que se sente atraída por ele, e isso só saberei quando souber quem é. -E,

meditabundo, acrescentou - Embora acredite que você possa me ajudar nisso.

Raimund arqueou uma sobrancelha, perplexo.

- Quer que eu pergunte a Lady Milissant?

- Não, a ela não. Não te diria mais do que diria a mim. Mas Jhone, sua

irmã, é uma garota muito diferente, doce e submissa, e não parece

desconfiada. Com certeza sabe quem é esse homem, e é mais provável que

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conte isso a ti que a mim.

- E se não me diz isso, creio que sempre o posso tirar golpes - repôs

Raimund, irônico.

- Brinca com um assunto tão sério para mim?- Caramba! Espero que o sermão do padre no enterro de seu senso de

humor fosse eloqüente, irmão. Não, o que penso é que está dando muita

importância a isso. Embora sua dama esteja louca por outro, se casara

contigo, e será fiel a você. Ou será que tem motivos para pensar o contrário?

Por acaso pensa que irá traí-lo?

- Não; acredito que respeitará a promessa que faça. Isso não mepreocupa. Mas deixe que te pergunte uma coisa. Como se sentiria se,

enquanto está fazendo amor com sua mulher, soubesse sem dúvida alguma

que está pensando em outro homem?

Raimund ficou sem cor.

- Hoje mesmo falarei com a irmã dela.

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Capitulo 25

Milissant se surpreendeu com os assuntos que mexericavam as

mulheres. Fazia anos que não se sentia obrigada a sentar-se e escutar essesbate-papos tão insubstanciais. Tampouco o teria feito hoje, a não ser porque

depois do almoço Lady Anne as tinha pegado ao vôo, e as pôs para trabalhar

na enorme tapeçaria que queria ver terminada antes do casamento.

Estava disposta junto a grande lareira em um grande tear. Tão grande

era que havia espaço suficiente nela para que trabalhassem nela mais de doze

tecelãs. Milissant ficou, mas só porque Anne queria fiscalizar o trabalho, e elanão queria discutir com a dama em questão.

Entretanto, ela pretendia abstrair-se utilizando a agulha que tinham lhe

dado, porque era realmente uma tapeçaria maravilhosa, ou seria uma vez

terminada. Nele se via um majestoso cavalheiro e sua comitiva montando seus

cavalos em uma linda colina em flor, vigiando um exército que se aproximava.

E o cavalheiro estava tão pouco assustado pelo iminente ataque que tinha um

falcão pousado em seu pulso, e quase estava rindo. Quem será que era, lorde

Guy? Ou Wulfric? Em qualquer caso, seria uma mesquinharia que seus torpes

pontos arruinassem a tapeçaria.

Quanto à fofoca, os assuntos iam dos horripilantes detalhes dos partos

até o exagerado tamanho das espadas de alguns cavalheiros. Jhone foi

encarregada de murmurar a sua irmã a que se referiam quando falavam de

espadas, o que provocou em Milissant o rubor que as damas esperavam.

Renderam-se logo, entretanto, assim que viram que não era uma futura

noiva fácil provocar, que era sua inocente pretensão. Essa era uma prova pela

qual tinham que passar todas as noivas, embora Milissant não fosse uma noiva

usual, já que suas reações não eram as comuns: só tinha ruborizado uma vez e

apenas lhes havia dirigido alguns olhares fulminantes.

Foi então, rodeada de tantas mulheres, quando Milissant notou que a

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 vigiavam. Era apenas uma incômoda sensação, já que as damas estavam

provocando muito bulício com suas risadas, e chamavam muito atenção. Não

podia assegurar. Estava rodeada de outras mulheres, ao menos tentava se

convencer disso, em lugar de acreditar que era custodiada tão zelosamente queinclusive haviam colocado alguns homens para vigiá-la, que era algo que se

fazia intolerável. Em qualquer caso, apressou-se a partir assim que Lady Anne

saiu da sala.

O fato de que Jhone não estivesse ali também tornou mais fácil. Ao

menos, não estava ali nesse momento para evitar que Milissant escapasse.

Havia subido ao quarto que compartilhavam para procurar um fio de um azulmuito claro que ela conservava dos tesouros que seu pai havia trazido da

 Terra Santa e que queria utilizar para bordar os olhos do cavalheiro da

tapeçaria. Era um gesto generoso de sua parte, já que a tapeçaria não ia

embelezar o castelo de Dunburh. Entretanto, sua escapada não foi tão rápida

como gostaria. Estava na metade das escadas que conduziam à ponte quando

lhe saiu ao passo o meio-irmão de Wulfric, que subia nesse momento. Dado

que essa mesma manhã, quando foi comprovar como estava Stomper, a

haviam advertido que no futuro devia se abster de sair da torre sem escolta,

tinha decidido que a próxima vez que quisesse sair se faria passar por Jhone.

 Assim, embora a título pessoal não o teria obsequiado Raimund mais

que com uma inexpressiva inclinação da cabeça, dispensou-lhe um sorriso

coquete. Depois de tudo, tinha muita prática em arremedar as maneiras

elegantes e femininas de sua irmã.

Esperava que, assumindo que era Jhone, ele não tentasse detê-la. Não

podia imaginar que seria justo o contrário.

- Posso falar um momento com você, Lady Jhone? É Lady Jhone, não

é?

Sobreveio a Milissant a ocorrência de contar a verdade, com a

esperança de que assim a deixaria em paz. Entretanto, a expressão do

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cavalheiro despertou sua curiosidade. Em lugar de mentir se limitou a

perguntar:

- Em que posso ajudar? -Com o que evitava responder a sua pergunta e

permitia tirar suas próprias conclusões. Era uma maneira de sossegar suaconsciência culpada; que ele, como parecia o mais provável, chamasse-se

mentira, não teria sido coisa sua. E assim foi.

Raimund assentiu.

- Sim, senhora espero que possa me ajudar. Chegaram-me rumores de

que Lady Milissant está interessada em um homem que não é seu noivo. Emeu irmão não é homem que goste de compartilhar suas posses, por mais que

esse interesse seja totalmente casto.

Milissant lembrou o furioso que tinha ficado Wulfric durante a refeição,

e o motivo que havia causado. Essa havia sido sua impressão embora, depois

que ele insistisse a «lhe esquecer», lhe ocorreu se não teria sido ciúmes em seu

aborrecimento. Não obstante, o que não entendia era o porquê, quando os

sentimentos que ele mostrava, além de seu afã por beijá-la, demonstravam

bastante claramente que não gostava dela.

 Apesar a tudo, Jhone não sabia nada disso e, em lugar de seguir com o

equívoco, teve que perguntar:

- A que se refere?

- Porque o incomodaria que outro homem estivesse enamorado de sua

mulher. Ou que sua mulher estivesse cativada de outro homem? E o que

pensam os homens o que sente uma mulher que sabe que seu marido

preferiria casar-se com outra? - Ela não estava apaixonada por Roland.

Poderia estar, com o passar do tempo, mas de momento só era um amigo

 íntimo. Entretanto, Wulfric não podia dizer o mesmo, havia admitido sem

sombra de duvida que amava outra.

Suspirou para si mesma, frustrada porque não podia comentar com

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Raimund. No melhor dos casos, não conduziria mais que a uma discussão em

que ele defenderia seu irmão.

E Jhone nunca discutia.

- Pois eu diria que um homem deveria se gabar por ser o possuidor dafelicidade da mulher - limitou-se a responder.

Ele sorriu.

- Alguns sim - admitiu.

Ela o olhou, suspicaz.

- Mas não seu irmão? Está dizendo que é naturalmente ciumento?

- Não, eu só disse que o incomodaria.Milissant teria gostado dizer «E o que?»,  mas Jhone nunca daria uma

resposta tão pouco gentil.

- Os sentimentos são uma estranha enfermidade sobre a qual não se

exerce muito controle - disse com um leve sorriso. - Dificilmente pode culpar

a um homem de ter se apaixonado por uma mulher a qual não tem esperança

de ganhar por méritos próprios. Essas coisas acontecem. Tampouco pode

culpar a uma mulher pelos sentimentos de outro, enquanto que ela não

solicitou ser objeto de ditos sentimentos.

O sorriso lhe alargou. Vá! Era quase exatamente o que teria dito Jhone.

Estava muito tempo sem se passar por sua irmã, mas não havia perdido a

manha.

- Wulfric não culpa ninguém, milady - assegurou Raimund. - Teria sido

melhor que não soubesse da existência desse homem, mas sua irmã

considerou pertinente mencionar assim como seus sentimentos para ele.

- E isso também o perturba?

- Não; duvido que isso o incomode muito. Creio que confia que, com o

tempo, o afeto de sua esposa seja seu e só seu.

Milissant teve que sufocar uma exclamação. Pois sim que estava seguro

de si mesmo aquele caipira presunçoso. Além disso, estava esgotando sua

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paciência para seguir incentivando a confusão que ela mesma havia criado. Sua

curiosidade havia sido satisfeita, salvo em um detalhe.

- Há algum motivo especial para que mantenhamos está conversa, Sir

Raimund? -perguntou diretamente.

Compreendeu seu engano quando viu que ele ruborizava. A pergunta

era muito direta para provir de Jhone. Jhone se esforçava por não criar

nenhum desconforto a ninguém, incluindo a confusão; enquanto queMilissant era famosa por sua brutalidade que, freqüentemente, desenquadrava

às pessoas.

- Esperava poder assegurar a meu irmão que suas preocupações não

tinham fundamento. Na realidade, esperava que me desse o nome desse outro

cavalheiro, para que pudesse falar com ele e saber se estava disposto a

renunciar a seu afeto por Lady Milissant. Teria sido um bom presente de

casamento para meu irmão, poder lhe assegurar que não tem que se inquietar

mais a respeito.

- Sim, teria sido - replicou Milissant tirante, - embora lamento não

poder lhe ajudar. Terá que falar com minha irmã, Sir Raimund. O nome que

procura não foi comentado jamais..

Não estava nada mal como estratégia para evitar a mentira. Contudo,

não ia permitir que acossassem Roland com esse assunto quando nem sequer

o havia feito saber que queria casar-se com ele.

Como era de esperar, Raimund pareceu duvidar de suas palavras.

- Jamais? Vocês são gêmeas e dizem que isso fomenta uma proximidade

maior que a simples fraternidade. Não imaginava que pudessem ter segredos

uma para a outra.

Milissant soltou uma risada, não pode evitar.

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- E não os temos. Embora existam alguns detalhes que minha irmã

considera excessivamente pessoais para comentar com alguém, nem sequer a

mim. Sei de seu... Interesse por esse homem, mas jamais mencionou seu

nome, melhor dizendo, seu verdadeiro nome. O chama gigante gentil.- Então terei que falar com sua irmã - suspirou Raimund. Milissant

sorriu.

- Boa sorte, senhor. Se não mencionou a mim, parece pouco provável

que o faça diante de você. Embora, de qualquer modo, tente.

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Capitulo 26

Finalmente, Milissant não saiu da torre. Como era gêmea, e issodificultava à maioria poder distingui-la de sua irmã a simples vista, os guardas

colocados na porta haviam recebido ordens de não permitir que nenhuma das

duas saísse.

Malditas precauções. Para frustração de Milissant, Wulfric havia

pensado em tudo. Além disso, o que estava fazendo no castelo de Shefford se

seguia estando em perigo? Se tinha que ir a toda parte acompanhada de umaescolta armada, podia ter ficado em Dunburh. O motivo que tinha usado para

levá-la ali era que podia confiar em sua gente, que não havia mercenários entre

eles.

Estava tão chateada que quase foi em sua busca. A reteve a lembrança

de como haviam se separado essa manhã, e do furioso que ele estava. Já teria

tempo para observações mordazes quando o visse no jantar. Assim passou o

resto da tarde distraindo-se com a tapeçaria, bordando de verdade nesta

ocasião.

Por sorte para a tapeçaria, sua irmã trabalhava junto a ela, e desfazia

pacientemente os horrorosos pontos que ela dava. Milissant quase não

reparava nela, absorta em seus pensamentos.

Ela também queria saber quem estava tentando lhe fazer mal. Mas não

o conseguiria se seguiam lhe dispensando essa proteção tão férrea; ninguém

podia ser tão estúpido para tentar atacá-la de novo havendo tão poucas

possibilidades de êxito. Seria melhor permitir que seguisse com seus costumes

habituais, que tentassem atacá-la de novo e que ela mesma o impedisse.

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Não é que ela se achasse invulnerável ou capaz de enfrentar todas as

situações; só à maioria. Mas seus mascotes a protegeriam, e resultariam menos

amedrontadores que aqueles quatro corpulentos guardas. Assim tomou a

decisão de não separar-se nem um instante de seus mascotes, ao menos deGrunhido e Rhiska. Concretamente Grunhido era capaz de responder a um

simples olhar, apesar de ser um lobo, e destroçar três homens em coisa de

minutos, enquanto que Rhiska podia aterrorizar muitos mais. Eles podiam

protegê-la perfeitamente dentro da torre, e inclusive no interior das muralhas

de Shefford.

Não obstante, se saísse ao campo teria que aceitar que a acompanhasseuma escolta armada, posto que essas paragens não lhe fossem familiares. Não

era tão estúpida. Além disso, dentro dos muros de Shefford ninguém tentaria

lhe disparar uma flecha, porque não poderia fugir. Tampouco poderiam tirá-la

de Shefford, porque todas suas portas estavam zelosamente custodiadas.

Estava disposta a expor esses argumentos a Wulfric quando o visse no

jantar. Havia ido recolher seus mascotes, Grunhido estava a seus pés, sob a

mesa, e Rhiska tinha pousado tranqüilamente sobre seu ombro. Havia provido

de um armamento infalível: a lógica. Mas Wulfric não apareceu.

Começou o jantar, e ele não apareceu. Jantaram, estavam terminando, e

ele seguia sem aparecer. Agora já não só estava aborrecida, mas sim furiosa.

Era ele quem tinha insistido que tinham que passar mais tempo juntos, mas

mal lhe via durante o dia.

 Já havia descido do estrado para partir quando o viu entrar na sala.

Deteve-se no marco da porta para passar em revista aos presentes. Seus olhos

azuis a olharam de passagem, e logo voltaram sobre ela. Sua expressão, ou

melhor dito sua ausência de expressão, não mudou nem se alterou, mais que

para levantar o pedaço de carne que tinha na mão e levar à boca onde, de uma

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só dentada, arrancou um bom pedaço. Haviam servido capão de janta, além

do peixe e o veado de costume.

 Assim tinha ido se abastecer nas cozinhas em lugar de sentar-se junto a

ela para desfrutar do jantar? Diferente de Dunburh, onde fazia anos que ascozinhas haviam se mudado aos aposentos mais baixos da torre, as de

Shefford estavam fora, na ponte. Isso evitava que a sala se enchesse de

fumaça, embora a comida não ficasse bastante quente quando chegava à mesa,

especialmente no inverno.

 Além disso, como as cozinhas estavam fora, a qualquer um resultava

fácil meter-se nelas sem passar pelo salão. Ao menos Wulfric não tinhanenhum problema para farejar nas cozinhas, porque não estava confinado na

torre. Assim não viria morrer de fome com o intento de evitá-la.

Oxalá ela pudesse fazer o mesmo, desfrutar da opção de evitá-lo. Mas

por acaso não havia demonstrado na refeição anterior que essa alternativa não

estava a seu alcance? Mais lenha ainda para o fogo de sua ira.

Não esperou que ele se aproximasse dela. Na realidade, ele parecia não

ter intenção de falar com ela, porque estavam um tempo se olhando e ele não

tinha se movido da porta, imperturbável. Não é que se importasse de que

humor ele estava, o seu era francamente sombrio.

- Queria falar contigo um momento, em particular - disse quando

chegou junto a ele.

Uma negra sobrancelha de Wulfric se levantou imediatamente.

Paradoxalmente, ela tinha esquecido que ele havia pedido o mesmo essa

manhã, e ela tinha se negado.

Ela imaginou o que estava pensando e acrescentou:

- Não, não é para os beijos.

- Pois então é melhor que diga o que quer aqui mesmo. Se voltar a ficar

a sós contigo, moça, o mais provável é que haja beijocas.

Por que essas palavras provocaram a vermelhidão de suas bochechas e

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que lhe encolhesse o estômago? Ele não havia pronunciado-as com nenhuma

entonação sensual, pelo contrario. O tom havia sido do mais áspero; e sua

expressão tinha sido abertamente carrancuda.

Curiosamente, não foi o fato de que ele a colocasse a prova o que aprovocou, mas sim essa estranha agitação que a fazia sentir. O tom em que ela

respondeu não era tão cortante como teria querido.

- Eu gostaria de falar de meu encarceramento aqui.

- Você não está encarcerada - respondeu ele com gesto indiferente.

- Pois parece se não posso nem mesmo ir atender meu cavalo sem que

haja quatro ursos pisando meus calcanhares.- Ursos?

- Esses guardas que ordenou que me seguisse.

Pareceu perplexo por um momento e logo sorriu.

- Não fui eu. Eu tomei minhas próprias precauções mas, em relação aos

guardas, tem que agradecer a meu pai. Ou é que não tinha se dado conta de

que agora está sob seu amparo, além do meu?

Milissant mordeu a língua para não replicar algo mordaz.

- Isto é intolerável - foi tudo o que disse.

- Pois vai ficar pior antes que acabe.

- Pois a mim não ocorre como pode ser pior, nem será necessário.

Olhe-os.

 Assinalou a Grunhido, que a tinha seguido e se havia sentado junto

 Wulfric, a quem contemplava com curiosidade. Logo levou a mão enluvada ao

ombro e, segurando o falcão pelas garras, riscou um gesto amplo com a mão

no ar. A ave não tentou empreender o vôo, mas estendeu as asas de um modo

espetacular. Ela teve que jogar a cabeça a um lado para que não lhe roçassem

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o rosto.

- Com os dois basta para me proteger dentro de Shefford. Fala com seu

pai e diga isso a ele.

 Talvez não deveria ter formulado como uma ordem. Wulfric arqueoude novo a sobrancelha, embora com menos ênfase. Entretanto, lhe endureceu

os lábios, sinal inequívoco de que não tinha gostado de seu tom.

 Assinalou com a cabeça para o grande lareira.

- Ali está, sentado. Se vire com sua língua que, pelo resto, é do mais

eloqüente.

Ele começou a afastar-se mais ela o reteve pelo braço.- Escutará mais a ti.

- E eu escutarei mais a você, moça, quando aprender a pedir as coisas

de uma maneira mais... Feminina.

- Pretende que me dirija a você rogando? -respondeu, pasmada.

- Não ficaria nada mau, mas...

- Antes cortaria a língua.

- Não é preciso - concluiu ele, e acrescentou com um sorriso - Só estava

sugerindo um tom um pouco mais cordial. O irônico é que, como te resulta

tão alheio, nem sequer entendeu o que queria dizer.

Milissant fechou a boca de repente, o olhou irada pelo insulto que

acabava de dirigir com esse circunlóquio, e se afastou dele. Dirigir-se a ele

com mais cordialidade? Quando nem sequer haviam conseguido manter uma

conversa sem que azedasse o caráter?

Não deixava passar a menor ocasião para provocá-la, e começava a

suspeitar que o fazia deliberadamente. E o que podia concluir de tudo isso em

relação à harmonia de seu casamento? Porque não seria possível nunca.

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Capitulo 27

Uma semana se passou sem incidentes, além do fato de que o

casamento se aproximava mais rapidamente do que convinha à serenidade de

espírito de Milissant. Conseguiu que a semana terminasse sem que ambos

discutissem de novo, mas só porque mal se dirigiram a palavra. Haviam

chegado a um ponto em que ele inclusive havia renunciado a pedir que

fingisse desfrutar de sua companhia como deferência para o resto doscomensais.

 A maioria das vezes, o silêncio de Wulfric parecia enervante a Milissant,

porque ela percebia nele uma tensão que não compreendia. Não expressava

aborrecimento, não era isso o que ela detectava. Entretanto a obrigava a ficar

constantemente em guarda, como se estivesse à espera de uma ameaça

indeterminável.

Lady Anne organizou muitas diversões para as damas durante a semana,

incluindo uma pequena reunião no pátio em que serviram vinho e doces para

celebrar o termino da tapeçaria. Haviam pendurado a tapeçaria sobre a grande

lareira. Milissant agradecia internamente o fio azul claro contribuído por sua

irmã porque conseguia que o cavalheiro da tapeçaria se parecesse mais a lorde

Guy que a seu filho. Entretanto, seguia conservando uma semelhança com ele,

e descobriu que a olhava mais freqüentemente do que teria desejado.

Em um par de ocasiões, inclusive haviam permitido a presença de

trovadores durante as noites. Uma noite houve baile, uma diversão da qual

Milissant desfrutou enormemente e que a fez esquecer que gostaria de estar

em qualquer parte menos no castelo de Shefford.

 A mãe de Wulfric havia decidido que Milissant passaria a maior parte

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do dia junto a ela, para que se iniciasse nos deveres diários em um castelo tão

grande como aquele. Milissant não se atreveu a dizer que todas aquelas tarefas

lhe eram completamente desconhecidas. Se arrumou como pode para dar as

respostas adequadas para que a dama permanecesse em sua bem-aventuradaignorância.

Maravilhou-se da incansável energia que esbanjava aquela mulher. Lady

 Anne não se dava um instante de descanso, com todo o serviço do castelo e as

criadas acossando-a com perguntas: a respeito de mil questões, recebendo

ordens ou consultando problemas de todo tipo. Não obstante, nunca parecia

cansada. Não, era como se adorasse que a reclamassem constantemente.O único inconveniente de ficar a maior parte da jornada na companhia

de Lady Anne era que a dama raramente saía da torre. Só se reunia uma vez ao

dia com seus cozinheiros, que estavam acostumados a ir à sala para discutir

com ela os menus diários. Qualquer outra tarefa que requeresse sair da torre

encarregava outra pessoa.

Lady Anne admitiu que não gostasse do frio do inverno, e evitava o ar

livre tanto como podia. Para Milissant era justo o contrário, adorava estar em

plena natureza. Na realidade, sentia falta da luz do sol, inclusive seu débil

resplendor invernal; assim se rendeu e aceitou sair com escolta embora fosse

uma só vez ao dia. A tormenta que caiu ao fim da semana pôs fim a essas

agradáveis excursões. O frio não a incomodava, mas a neve a deprimia porque

a impedia de sair ao campo e contemplá-la em sua intacta beleza.

Na ponte a neve adquiria aquela cor e aquela horrível consistência de

chuva com neve suja. Mas Milissant na realidade gostava da companhia de

Lady Anne e não se importava de segui-la durante todo o dia. Apesar de tudo,

havia tido um momento de tensão quando Anne sugeriu que teria que adiantar

a data do casamento. Milissant havia se apressado a procurar uma razão para

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negar-se, e teve tempo para meditá-la, porque Anne tinha se distraído na

cozinha e não voltou a tocar no assunto até que retornaram a câmara do lorde.

O mês que seu pai havia lhe concedido para «conhecer» Wulfric não bastava

como desculpa contra aos ataques que estava sendo objeto. Anne haviainsistido antes no assunto, e reincidiu quando comentou de novo.

- Uma semana mais ou menos não muda tanto as coisas. Tem que dar

seu consentimento - disse Anne. - Quando tiver se celebrado a união já não

estará em perigo.

- Isso é o que supomos - apressou a assinalar Milissant. - Os ataques

podem ter um motivo que não guarde nenhuma relação com o casamento.- Não é muito provável...

- Mas sim possível. Pode se tratar de algum louco que imagine que eu o

ofendi por algum motivo que não tenha nada que ver com os inimigos de

Shefford.

 Anne franziu o sobrecenho e considerou essa possibilidade.

- Mas não foi um grupo de homens o que a atacou? Isso prova que não

é obra de um louco isolado que tem aversão por você.

- Fica muito bem que assinale isso, Lady Anne. Mas, em minha opinião,

o primeiro ataque foi coisa de outros homens.

- O que a faz pensar isso?

- Porque parecia que sua intenção era me raptar, talvez para pedir um

resgate. As outras duas agressões foram claramente uma tentativa de me

matar. Além disso, terá que ter em conta que o homem que tentou pela

segunda vez está morto.

Portanto, não há perigo, exceto o que possa constituir o outro grupo

que tentou aproveitar da consideração que me tem meu, pai. E pode ser que

eles também tenham desistido, porque sua tentativa fracassou.

Milissant teria gostado de acreditar em suas próprias palavras;

entretanto, sabia que o homem que havia morrido trabalhava para outra

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pessoa. Contudo, Anne não tinha por que saber, e pareceu mudar de opinião a

respeito. Além disso, a observação de Milissant foi definitiva para convencê-la:

- Se é certo que celebrar o casamento uma semana antes não muda

tanto as coisas, tampouco as mudará celebrá-la uma semana depois. E se osconvites ainda não chegaram a seus destinatários? E se o rei tiver decidido

assistir à cerimônia? Não vai se zangar, quando chegar e descobrir que o

casamento já aconteceu?

 Aquelas reflexões deixaram a dama pensativa. Depois de tudo, ninguém

queria desgostar o rei; não a um rei tão temperamental como o atual. E, apesar

de que na realidade ninguém esperava que João assistisse as bodas porqueestava planejando outra campanha em ultramar, sua presença inoportuna

tampouco podia descartar-se. O haviam convidado porque não fazê-lo teria

constituído um insulto. Entretanto, viriam outros convidados para os quais

sim seria uma inconveniência mudar a data do casamento.

Provavelmente esse foi o motivo pelo qual, finalmente, Anne aceitou.

- Muito bem, então terá que assegurar de que esteja sempre segura.

Creio que não será difícil se não a deixarmos sozinha nem um instante.

Milissant esteve por dizer que essa solução já a haviam colocado em

prática, porque a dama tentava mantê-la a seu lado a todas as horas.

Surpreendeu ao dar-se conta de que gostava da companhia de Anne. Quando

o mencionou a sua irmã, Jhone lhe ofereceu uma explicação muito simples.

- Depois de tudo, é uma mãe que criou várias filhas. Tanto você como

eu carecemos de uma influência maternal, e pode ser que tenhamos sentido

falta de sem nos darmos conta. Por isso não a perturba que te trate como uma

filha. Eu adoro que me olhe com ternura quando acredita que eu sou você. E

sem dúvida a ti deve te ocorrer o mesmo.

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Milissant não discutiu. Não custava admitir que gostasse de ter a Anne

por sogra, se não fosse porque no lote entrava o bruto de seu filho.

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Capitulo 28

 A tormenta invernal que aumentava no exterior trouxe consigo um frioglacial ao interior da torre. As correntes de ar gelado percorriam o salão e as

escadas e se inseriam cada vez que se abria a porta e através das frestas, cujas

aberturas eram difíceis de cobrir. Para sair ao exterior havia que envolver-se

em roupas quentes. Bebia-se mais hidromel do que o costume para combater

o frio. E a multidão que se amontoava frente a grande lareira triplicava a

habitual.Essa noite Lady Anne mandou Milissant a seu quarto para buscar outro

xale grande, pois era muito cedo para retirar-se e não queria passar frio. Além

disso, os que estavam presentes no grande salão estavam se divertindo com a

atuação de um velho dinamarquês que contava histórias de sua terra, e Anne

não queria perder, apesar do frio.

Milissant esteve para sugerir a Lady Anne que pusesse meias debaixo

das saias, como ela, mas decidiu que esse comentário certamente a

surpreenderia. Apesar de que sempre ia mais abrigada que a maioria, Milissant

subiu correndo as gélidas escadas.

 Tinha deixado Rhiska com Jhone junto a lareira, porque essa tarde a ave

tremia. Mas Grunhido subia as escadas atrás dela; o frio não o afetava porque

sua pelagem cinza se espessava nos meses de inverno. Supôs que podia culpar

à iluminação, ou à penumbra -a tocha do alto das escadas circulares tinha

apagado, provavelmente por causa das correntes de ar- ou a sua própria pressa

da forte colisão com um homem que descia pela escada em espiral.

O ouviu amaldiçoar quando chocaram. Também ouvi Grunhido rosnar.

 Virou-se para tranqüilizar o lobo antes de desculpar-se, mas pensou melhor,

ao menos até que soubesse com quem havia tropeçado. Entretanto, o lobo se

tranqüilizou, sem dúvida porque havia cheirado o homem e sabia que não era

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perigoso. Oxalá ela também tivesse notado. Não foi assim, e não a

tranqüilizou notar aquelas poderosas mãos em seus ombros, retendo-a, e a

 voz de Wulfric que lhe dizia:

- Posso me atrever a esperar que me seguisse aqui por alguma razão queme agrade?

Havia uma luz que iluminava o corredor atrás dele, e ela reconheceu sua

silhueta. Não obstante, se perguntou como podia ele estar seguro de que era

ela e não Jhone, para que se atrevesse a fazer um comentário como esse,

principalmente quando ela e sua irmã levavam cotardía combinando.

Respondeu, mas não a sua pergunta, mas sim com outra pergunta:- Subi para fazer um favor para sua mãe. Embora tenha por certo que

se o tivesse visto subir...

- Se disser que teria ido em sentido oposto sou capaz de te açoitar -

exclamou ele.

Milissant se esticou levemente. Ficou a ponto de responder algum

impropério, mas se limitou a replicar, irônica:

- Não me surpreende.

 Wulfric suspirou antes de responder:

- Só era uma brincadeira, moça.

Ela conteve seu desdém e se limitou a perguntar:

- De verdade o era?

Mas não esperava uma resposta. Só tentava seguir seu caminho. Mas

aquelas mãos seguiam obstinadas a seus ombros, embora permitiu subir um

par de degraus para que não se sentisse tão... anã em sua presença.

- Seu tom deixa entrever que duvida de mim. Quando te dei eu motivos

para pensar que podia te pegar? E não traga luz a vez em que a confundi com

um servente insolente. Inclusive então me contive de te pôr a mão em cima,

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porque pensei que devia estar louco para se comportar dessa maneira.

Não precisava mencionar essa ocasião. Tinha piores recordações

relacionados com ele.

Só respondeu:- Se é capaz de açoitar um animal, Wulfric, é capaz de açoitar a uma

mulher. -e rapidamente lembrou - Eu mesma vi como levantava o punho para

açoitar Stomper, e o teria feito se não tivesse intervindo.

Ele sorriu.

- Se compara a um animal?

Ela não apreciou seu senso de humor.- Não, mas comparo seus impulsos com os deles.

Isso sim o colocou de mau humor. Suas mãos a apertaram com mais

força. Não tinha gostado nada sua resposta. E ela começou a desejar não ter

respondido dessa forma, poderia conter-se um pouco. Mas não, havia dado

outra desculpa para seguir discutindo com ela, quando o que queria era partir.

Com a intenção de corrigir seu erro, tentou distraí-lo com um simples

pergunta que ele pudesse responder sem demora. Oxalá com isso se

terminasse a conversa.

- Como sabia que não era minha irmã? Poderia ter mandado Grunhido

acompanhá-la. Na realidade, Rhiska ficou com ela. Como poderia estar seguro

estando meus mascotes divididos entre as duas?

- Além de seu aroma, que é único, tem seu costume de manter os lábios

fortemente apertados, como se sempre estivesse zangada. O que, a teor de

minha experiência, parece ser o caso.

- E dada minha experiência contigo sabe o por quê? - espetou ela.

- Acha que desfruto brigando contigo, moça? Asseguro que eu não, por

acaso você sim?

Pois não parecia ser um assunto menor, casual, que pudesse permitir

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seguir seu caminho. Embora sua última observação lhe deu uma desculpa para

pôr ponto final.

Dedicou-lhe um sorriso tirante e acrescentou:

- Pois há uma maneira muito fácil de evitar brigas, e eu vou colocar aem prática agora mesmo e te desejar que passe boa noite.

Fez gesto de seguir, mas ele não a soltou.

- Não tenha tanta pressa. Acusou-me de ter os impulsos de um animal.

Bem, para lhe agradar demonstrarei alguns deles.

De repente ela reparou que estavam completamente a sós no alto da

escada. O coração deu um tombo e ele a atraiu para si bruscamente para beijá-la.

Foi um beijo carregado de paixão, frustração e... ternura; uma

combinação que não assustava tanto quanto intrigava. O que mais a assustava

era que ele estava amoldando seu corpo ao dela de tal modo que seus sentidos

estavam se alvoroçando sem remissão. Estreitava-a com carícias e um toque

tão constante que quase parecia querer fundir-se com ela.

Por Deus, o que ele a fazia sentir era impossível de conter, e ainda mais

impossível de resistir. A sensação era maravilhosa, notava-a no ventre,

subindo como uma espiral, revolvendo-se, clamando por encher-se. Sem dar-

se conta do que fazia, passou seus braços ao redor do pescoço de Wulfric. Ele

sim percebeu, e deve ter interpretado como uma rendição incondicional,

porque a levantou do chão e avançou com ela nos braços. Isso a fez reagir,

ultrapassada pela realidade e pelo pânico que tinha se apoderado dela.

- Por que me leva em braços? -engasgou excitada.

- É mais rápido.

- Mais rápido para que?

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- Para chegar aonde vamos.

- E aonde vamos? Não, não me importa. Só me desça.

- Sim isso pretendo.

E o fez, mas não a deixou no chão. O leito sobre o qual a colocou eramacio e se afundou ainda mais quando ele se deitou sobre ela. O medo se

elevou quando se deu conta de que não podia escapar do enorme peso que a

mantinha fixa na cama. Entretanto, em poucos minutos o pânico desapareceu,

devido à combinação dos sensuais beijos de Wulfric e a distribuição

estratégica de seu peso.

Na realidade, foi seu peso que o fez vencedor da escaramuça. E nãoporque a retivesse debaixo dele, que teria resultado fácil de todos os modos,

mas sim pelo que a fazia sentir. Era essa nova e excitante sensação que

experimentou quando ele a apertou contra seu peito, só que triplicado. Sentia

 vontade de abraçá-lo e o estreitar ainda mais contra ela, vontade de devolver

os beijos, vontade de...

Como na ocasião anterior em que ele a havia beijado, seus pensamentos

a abandonaram por completo e ficou a mercê de suas sensações, todas novas.

E era nada menos ele quem provocava tantas coisas nela!

Em primeiro lugar com seu corpo, que movia sutilmente sobre o dela

até que a fez suspirar e gemer, logo com suas mãos quando começou a

acariciá-la...

Não notou o ar frio quando ele levantou sua saia por causa das meias.

Por isso não se deu conta do que havia feito Wulfric até que notou o calor de

sua mão sobre seu ventre nu. Ele só se deteve um instante ali, e iniciou

rapidamente um movimento descendente para...

Quando os dedos dele deslizaram entre suas pernas Milissant sentiu

algo incrível. Tinha a vaga noção de que ele não deveria estar fazendo isso

mas, igual ao resto de seus pensamentos, essa noção não permaneceu por

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muito tempo. A mão de Wulfric sim. Era tão intensamente agradável o modo

em que seus dedos a acariciavam suavemente ali, tão relaxante; não, tão

relaxante não, tão bom. De repente notou que se tencionava e algo se

apoderou inesperadamente dela, uma espiral, uma febre e, ao fim, umaexplosão deliciosa... Houve uma tosse. Como ninguém respondeu a ela, houve

um pigarro, logo outra tosse, muito mais forte.

 Wulfric blasfemou irado e se afastou de Milissant. Ela ainda demorou

alguns segundos em dar-se conta de que havia alguém no quarto. Quando

abriu os olhos, viu Guy de Thorpe na soleira de seu próprio quarto -que era

aonde Wulfric a tinha levado- e que contemplava as unhas distraidamente.Poderia se cozinhar no rosto de Milissant de tão ruborizada que estava.

 Jamais havia se sentido tão humilhada. Era incapaz de suportar essa vergonha

durante um minuto mais, assim que se levantou da cama de um salto e saiu

correndo pela porta, sem dizer nenhuma palavra nem dirigir outro olhar ao

pai de Wulfric.

 Ter que voltar para salão e dizer a Lady Anne que seu filho a tinha

distraído do recado tampouco contribuiu para que passasse o ódio. Quanto

mais pensava no que acabava de fazer e no que pensaria lorde Guy dela, mais

envergonhada se sentia.

 Além disso, não lhe ocorria nenhuma desculpa para justificar sua

conduta. Não havia protestado muito pelo que Wulfric havia estado fazendo.

Bem ao contrário. E ao fim, tinha correspondido a seus beijos e havia se

rendido; e tudo o que ele fez lhe pareceu maravilhoso.

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Capitulo 29

- Seu sentido da oportunidade, pai, deixa muito a desejar - resmungou Wulfric assim que deixou de ouvir a corrida de Milissant escada abaixo.

- Me parece que felizmente fui do mais oportuno, considerando que

falta uma semana para que a igreja abençoe ao que estavam entregues.

 Wulfric bufou.

- Não se incomode em me dar lições que você mesmo não atenderia.

Guy sorriu.- Lições não. Nada de lições, embora possa te considerar afortunado de

que eu seja eu que tenha aberto a porta, e não sua mãe; porque te asseguro

que, se fosse assim, nenhum dos dois teria esquecido este incidente. Mas em

que demônios estava pensando, para se deitar com a garota aqui?

 Wulfric se ruborizou. Não havia reparado sequer nisso, era o quarto

que estava mais à mão. Não obstante, o desconcertante era que não tinha se

dado conta. Quando antes havia agido de um modo tão impulsivo? Nunca,

que ele lembrasse. Ela o tirava de si, fosse movido pela paixão ou pela ira. Ela

o abstraía do lugar, do tempo e das conseqüências. O que tinha ela que o fazia

perder o juízo e o sentido comum?

Embora pudesse responder essa pergunta, isso não mudaria o fato que

se comportava de um modo bastante errático quando estava perto dela.

 Tampouco mudaria o fato de que bastava vê-la, embora fosse em uma sala

cheia de pessoas, para desejá-la. E isso era o que pior que agüentava. Uma

semana até o casamento? Nesse momento parecia uma eternidade.

Dirigiu-se a seu pai, que estava de pé ante ele.

- Foi um ato irrefletido. Estava o procurando e ela tinha subido fazer

um favor para mamãe. Não nos encontramos intencionalmente.

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Seu pai assentiu, pormenorizado. Depois de tudo, que homem não

havia se deixado levar alguma vez pela paixão e mais ainda sendo inesperada,

não o fruto de uma sedução procurada? Lorde Guy decidiu jogar terra sobre o

assunto.- Buscava-me por alguma coisa importante?

- Não, na realidade não - replicou Wulfric encolhendo com indiferença

os ombros para ocultar quão preocupado estava. - Simples curiosidade.

Guy levantou uma sobrancelha quando ele não seguiu explicando-se.

- E bem?

- A quem conhece que possa ser descrito como «um gigante gentil»?Depois de um momento de reflexão, Guy replicou:

- O rei Ricardo é considerado um gigante, e com razão, com seus quase

dois metros de altura, mas gentil? -Soltou uma risada zombadora.

 Wulfric sacudiu a cabeça.

- Não, não é Ricardo, nem ninguém que tenha morrido.

- Ah bom! Pois meu vassalo Ranulf Fitz Hugh também se pode chamar

gigante, na realidade muitos o fazem. A verdade é que, além de Ricardo,

jamais conheci ninguém tão alto como Ranulf. Mas gentil? Ranulf ganhava a

 vida com a espada antes que se convertesse em um vassalo por seu casamento

com Reina de Clydon. E a que homem de guerra se poderia chamar «gentil»?

- Creio que a gentileza é questão de opiniões. Mas não, Fitz Hugh é

muito velho.

Guy protestou, e se deu por ofendido com a referência à idade de

Ranulf.

- Mas se parece um...

 Wulfric tranqüilizou agitando uma mão.

- Não, não queria dizer velho de velho, mas sim muito velho para ser

quem estou procurando. Não lhe ocorre alguém que tenha mais ou menos

minha idade?

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Guy franziu o sobrecenho antes de perguntar:

- Para que necessita um gigante?

 Wulfric replicou com evasivas.

- Não necessito nenhum gigante, mas ouvi que falavam de um e meperguntava quem poderia ser.

- E por que não pergunta a quem o mencionou? -aconselhou Guy.

Uma sugestão excelente, embora seria a última pessoa a quem

recorreria para saber, e por isso murmurou:

- Se tivesse essa possibilidade, já a teria aproveitado. Ora, não importa!

 Já disse que era simples curiosidade. Além disso, tal como assinalou, é umadescrição contraditória, gentil e gigante e uma estranha combinação.

Guy soltou uma risada.

- Pois agora me deixou curioso também. Se descobrir quem é esse

gigante gentil, eu gostaria de saber.

Mais tarde, depois de ter comprovado se conseguia quebrar o gelo do

lago no que estava acostumado a banhar-se nos bosques oeste -e o quebrou-

 Wulfric retornou tranqüilamente para o castelo. Nada como um bom

mergulho em água gelada para limpar os pensamentos... e as paixões.

 A tormenta ainda não havia remetido, mas o vento tinha amainado e só

havia deixado um magro manto de neve que apenas era um pequeno estorvo.

O tapete branco que cobria o chão refletia a pouca luz que havia ao longo do

trajeto apesar de não haver lua. Além disso, o resplendor das tochas, lá ao

longe, era um farol fácil de seguir. Percorreu distraído o caminho, com a

mente ainda ocupada pelo desgosto que lhe causava pensar em Milissant

Crispin e seu «gigante gentil».

Quando Raimund contou a conversa que havia mantido com a irmã de

Milissant, Wulfric não teve duvida de que Jhone tinha mentido quando

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afirmou não conhecer o nome daquele a quem sua irmã havia entregue seu

coração e que era óbvio que as gêmeas queriam proteger a esse homem. A

única conclusão que Wulfric tirava de tudo isso é que ainda era mais urgente

que soubesse de quem se tratava. Se não existisse a possibilidade de quecruzasse com ele, elas não ocultariam tão zelosamente sua identidade. De

modo que talvez qualquer dia tivesse de tratar com ele sem saber quem era, e

isso resultava completamente intolerável.

O resplendor das tochas se converteu no de uma fogueira. Já quase

havia chegado ao acampamento. Havia três homens amontoados junto ao

fogo, procurando o calor das chamas. Não duvidou em aproximar-se deles,convencido de que, por muito que tivesse andado, não tinha saído das terras

de Shefford.

- Por que acamparam aqui estando tão perto de um castelo onde

podem procurar hospitalidade para passar a noite? -perguntou quando se

aproximou montado em seu garanhão.

Os três se levantaram de um salto, surpreendidos. Haviam ficado

quietos, esperando que ele falasse primeiro, o olhando com cautela, prontos

para empunhar suas espadas. Não era de estranhar. Depois de tudo, não o

conheciam, e mais de uma emboscada havia se preparado mandando primeiro

a um homem só para que distraísse aos incautos.

Um dos três homens se apressou a responder:

- Não somos caçadores furtivos, milorde.

 Tinham aspecto de mercenários, e por isso Wulfric acrescentou:

- Tranqüilos homens. Não pensava isso. Os caçadores furtivos

retornam a casa assim que se põe o sol.

- Estamos de passagem por estas terras - explicou outro. - Deixamos a

estrada para passar a noite como precaução contra os salteadores de estradas.

 Wulfric assentiu. Era um costume muito utilizado. Sendo estrangeiros

não tinham por que saber que os salteadores tinham medo de operar nas

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terras de Shefford. Naturalmente, podia haver inimigos do rei João que

queriam causar prejuízos a Shefford pela única razão de que seguia leal ao rei.

Embora seu pai não tivesse mencionado nada a respeito.

 Assim que tomou a palavra.- Se estão procurando trabalho, sinto lhes dizer que Shefford não tem

nada que oferecer embora imagine que, em uma noite como esta, é preferível

deitar-se junto a uma lareira e sob um teto. Equivoco-me?

Os estava colocando a prova. O fato de que não respondessem

imediatamente despertou a suspeita de que esses homens não eram o que

pareciam. Ficou em guarda; teria que estudá-los mais de perto. Os dois quehaviam falado pareciam de origem de camponeses, mas o terceiro era um

bruto forte e bonito em cujo olhar havia um reflexo de inteligência. Tinha

também certo ar de suficiência, de qual estava convencido de que poderia com

 Wulfric, caso fosse necessário. Normalmente, quando um homem expressava

essa confiança em si mesmo, ou era um estúpido ou era tão hábil no combate

que tinha razão. Wulfric se perguntou se teria ocasião de comprovar que

opção era a acertada. Poderia ser, mas ao que parecia não seria essa noite, já

que o homem se esforçou em suavizar a tensão que havia provocado seu

silêncio dizendo:

- Aceitaríamos encantados um fogo e um teto. Ouvimos que Shefford

está fechado aos viajantes, por isso nem sequer tentamos pedir hospitalidade.

Está seguro de que vão fazer uma exceção por causa do mau tempo? Se

quando chegarmos às portas do castelo as fecharem como caixas

destemperadas ficaremos bem aqui.

- Eu lhes asseguro que poderão entrar.

- E quem é vocês para assegurá-lo?

- Wulfric de Thorpe.

- Ah, o filho do conde! -disse o homem com um sorriso. - É um prazer,

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milorde. Sua reputação o precede.

- De verdade? -perguntou Wulfric com um toque de ceticismo. - Se

forem vir, se apressem. Estive fora o suficiente para notar o frio, e com

certeza vocês também.Cruzaram o campo às pressas e voltaram para Shefford. Entretanto

 Wulfric, em lugar de limitar-se a dizer ao guarda que lhes procurasse um lugar

onde descansar e os ajudasse a partir pela manhã seguinte, disse que os

 vigiasse discretamente. Tinha o pressentimento de que mais valia garantir de

que, efetivamente, na manhã seguinte abandonavam as terras de Shefford.

Entretanto, desejou que suas suspeitas fossem infundadas. Nãoobstante, tiveram fundamento quando o homem que mandou segui-los no dia

seguinte não retornou e, depois de uma busca intensiva, o encontraram

degolado e meio escondido nos bosques vizinhos. Ninguém voltou a ver os

três homens, embora dessem sua descrição às patrulhas e ordenaram prendê-

los.

 Wulfric inclusive acrescentou uma recompensa a sua captura, pois lhe

mortificava não ter resolvido a questão ele mesmo. Contudo, se o chefe do

grupo era tão inteligente como tinha parecido, Wulfric duvidava que os

encontrassem. Desgraçadamente, também duvidava que houvessem partido

da região.

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Capitulo 30

Os hóspedes começaram a chegar. Ninguém esperava que o rei Joãoparticipasse, por isso foi uma surpresa quando sua numerosa comitiva foi

avistada aproximando-se de Shefford cinco dias antes do casamento.

 Ter o rei da Inglaterra como hóspede podia se considerar uma honra ou

um desastre. Se só permanecia um dia ou dois, era uma honra. Se ficasse mais,

quase sempre acontecia um desastre, porque acabava com quase todas as

provisões e o castelo enfrentava dificuldades para alimentar sua própria genteaté a seguinte colheita.

Que João ficasse cinco dias em Shefford, talvez mais, devido a sua

adiantada chegada, podia supor uma autêntica ruína em uma herdade como

Shefford; principalmente se o conde não tivesse previsto e não houvesse feito

provisão de mantimentos dos que tivesse a mão. Haviam chegado provisões

em navio desde lugares tão longínquos como Londres, e seus muitos vassalos

também haviam contribuído com suas reservas.

Os caçadores e falcoeiros do castelo haviam estado muito ocupados nas

semanas anteriores, e as despensas da cozinha estavam cheias de carnes

úmidas e salgadas. Teria comida mais que suficiente. O único problema é que

teria que servir carne em abundância para impressionar alguém da linhagem de

 João.

Com tal fim, Lady Anne teria que recorrer a suas belas reservas de

espécies mais do que tinha planejado, embora isso não a desagradasse. Seu

marido talvez lamentasse a visita do rei, mas ela estava encantada porque com

o rei, viajavam as damas de maior categoria do reino, incluindo a rainha, e

teriam fofocas e diversão.

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Milissant talvez teria se encantado em conhecer o rei, se não fosse

porque a iminência do casamento a deixasse absorta no pânico, e o fato de

que seu pai não tivesse chegado ainda, e nem sequer havia mandado aviso dequando pensava fazê-lo, não fazia mais que aumentar seu nervosismo.

 Temia que não tivesse intenção de participar do casamento. Havia lhe

dado um mês de prazo, embora a contra gosto, confiando em que serviria

para que ela mudasse de opinião respeito de Wulfric. Entretanto, se não

participava, seu raciocínio seria que ela já estava lá e o noivo também, os pais

do noivo não veriam razão alguma para que não se celebrasse o casamento. Afinal era o que todo o mundo desejava, bom, todo mundo exceto ela... e ele.

 A verdade é que já não estava muito segura do que queria o noivo. Não sabia

o que pensar depois daquela noite em que quase fizeram amor no quarto de

seus pais. Isso teria terminado com toda esperança de evitar sua união.

Ela sabia. Ele também devia ter lembrado. Além disso, antes também

havia se comportado como se estivesse completamente resignado a tomá-la

por esposa.

Pode ser que ainda desejasse que as coisas fossem de outro modo, mas

era óbvio que havia renunciado esperar que algo pudesse mudá-las. Ele podia

se permitir a rendição. Afinal, o matrimônio não impedia que o esposo

procurasse o amor, ou a felicidade, em outras partes. Entretanto, a esposa não

podia fazer o mesmo se não quisesse arriscar-se que a matassem em um

ataque de ciúmes ou que a emparedassem em uma torre pelo resto de seus

dias, e não estava claro o que era preferível.

 A esposa não tinha escolha. O esposo tinha tantas quantas ele

procurasse. Uma razão a mais que ratificava Milissant em seu desprezo do

corpo de mulher que a sorte havia lhe dado.

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 A chegada de João despertou de novo essas reflexões nela. Pior ainda,

quando a comitiva de João cruzou o castelo, nesse mesmo dia, Jhone

assinalou que a presença do rei quase fazia obrigatório o casamento. Nãohavia ido participar de um casamento? Não celebrar a essas alturas... Como

explicar sem que uma das duas famílias ficasse no ridículo mais horrível ante o

país inteiro? Seria Milissant capaz de fazer isto a seu pai, ou a Lady Anne, a

quem tinha pego tanto carinho? Havia alternativa? Aceitar aquele bruto.

 Aceitar que, no futuro, toda sua distração consistiria em conviver com um

marido que achava prazer em contradizê-la. Não, não podia. Tinha que existiruma forma de escapar dos grilhões que a estavam esperando.

Essa mesma noite, antes do jantar, apresentaram oficialmente Milissant

ao casal real. Jhone fiscalizou pessoalmente que se vestisse de acordo com a

ocasião. A incômoda cotardía e a regata de rico veludo azul real que levava

eram tão pesadas quanto a ameaça que se abatia sobre seus ombros. Além

disso, a rainha elogiou a beleza de ambas -apresentaram às duas irmãs juntas-

e ao menos isso adulou a Jhone.

 A rainha era de uma beleza imponente. Os rumores eram de que era

uma mulher de uma beleza impar, e descobrir que o rumor era certo era

desconcertante e deixou muitas pessoas boquiabertas, pasmadas ante seu viço.

Inclusive Milissant, que não reparava nesse tipo de coisas, mostrou-se

impressionada. Embora também a impressionou o rei João.

Por ser um homem de meia idade, João era ainda muito bonito, e

carismático, com um sorriso simpático e contagioso que se desenhava em seus

lábios a cada ocasião. Resultava difícil acreditar que tivesse meio país contrário

a ele. Embora, claro, nessa metade não se contava as mulheres, pois era bem

sabido que João resultava irresistível ao sexo feminino. Cabia perguntar-se,

entretanto, se seguia sendo o mulherengo que tinha sido em sua juventude,

agora que tinha uma mulher tão adorável.

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Para sua desgraça, Milissant ia ter oportunidade de descobrir por si

mesma já que, nessa mesma noite, um dos serventes de João a buscou para

levá-la ante o rei. O pretexto, por mais que desnecessário porque ninguémdiscute nem se nega a acatar as ordens reais, foi que o casal real desejava

felicitá-la em particular por seu brilhante casamento. Dado que Milissant

considerava que seu casamento era tudo menos brilhante, estava

compreensivelmente contrariada quando seguiu o criado até o quarto do rei.

 Jhone, conhecedora de seus sentimentos embora não os tivesse

transmitido, a ameaçou que se mostrasse com o mínimo de educação, e quelevasse em conta que a presença de João significava que aprovava seu

casamento. Não é que fosse necessária sua aprovação, já que Guy havia

mencionado que o próprio rei Ricardo havia dado sua bênção à união das

duas famílias. Milissant tinha juízo necessário para não contar suas

reivindicações a alguém da reputação de João. Era um soberano de quem não

cabia esperar que ajudasse ninguém a menos que isso pudesse beneficiá-lo.

Era um fato tão conhecido que não era necessário ser assíduo da corte nem

estar comprometido em nenhuma intriga real para ter ouvido falar disso.

Por outra parte, a rainha... Passou pela cabeça de Milissant lhe contar

tudo em confiança. Isabelle era jovem e parecia acessível. Se havia alguém

capaz de compreender sua aversão a casar-se com um homem violento, essa

era Isabelle. Contudo, Milissant não estava decidida a procurar a ajuda da

rainha. Antes queria falar com ela em particular, para ver se ela se mostrava ao

menos compassiva. Sabia que algumas mulheres não o eram. Esperava ter a

oportunidade durante esse mesmo encontro embora, quando a fizeram passar

a câmara, viu que Isabelle não estava ali; ao menos ainda não. Não obstante,

não deu importância, apesar de que a porta se fechou firmemente a suas

costas. Ou a rainha demorava em apresentar-se, ou o criado havia ido em

busca de Milissant muito cedo.

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 João sim estava. Resultava estranho ver um rei sem seu séquito de

serventes e lordes o rodeando. Usava uma túnica simples, larga e amarrada à

cintura. Tinha se banhado e perfumado, e todo o quarto cheiravaagradavelmente. Os braseiros que haviam acendido nos cantos haviam

aquecido o quarto mais que suficiente. Não se repara em gastos quando se

trata da comodidade de um rei, disso estava certa, embora tivessem que

esbanjar o precioso carvão.

 João estava sentado em uma cadeira de respaldo alto, parecida com um

trono, com a madeira torneada e incrustações de prata, no meio do quarto.Estava bebendo algo que haviam servido em um cálice adornado com pedras

preciosas e observava Milissant por cima de sua beirada com jóias, sem dúvida

outro objeto que procedia de seu tesouro. Um rei não tinha por que renunciar

aos luxos de palácio enquanto viajasse por seu reino.

Milissant o contemplou em silêncio. Entretanto, o silêncio e o olhar do

rei se mantiveram durante tanto tempo que começaram a ficar um tanto

incômodos. Talvez fosse seu costume, mas para quem não estava habituado

constituía quase uma descortesia.

Estava a ponto de quebrar o silêncio quando o rei disse:

- Se aproxime menina. Vamos te observar mais atentamente sob está

luz.

O quarto estava bem iluminado. Devia ter a vista menos aguda que

antes. Embora ela não fosse comentar claro; poderia ser muito sensível às

observações sobre sua idade. Milissant obedeceu e se aproximou de sua

cadeira.

Quando a teve em pé ante ele, João a olhou com maior cuidado, na

realidade a repassou da cabeça aos pés. Talvez esse costume lhe fosse muito

útil quando tinha que tratar com seus barões, porque os colocava nervosos e

os colocava em uma situação de desvantagem. Milissant pareceu bastante

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incomodada.

Por isso se sentiu aliviada quando ele quebrou de novo o silêncio,

embora tivesse preferido que fosse com outro tema, porque os elogios sempre

a turvavam.- Devia ter me dito quão bonita é - comentou João.

- Quem devia ter lhe dito isso? -perguntou ela.

Em lugar de responder, o rei acrescentou criticamente:

- Embora haja outras formas de conseguir o mesmo objetivo, não é?

Formas que, além disso, tem o bem acrescentado de ser agradáveis.

- Temo que não saiba do que fala alteza.- Venha, sente-se aqui e lhe explicarei isso - replicou dando alguns

tapinhas no colo.

- Não tenho idade para me sentar nos joelhos de ninguém - repôs

Milissant.

Ele riu e seus olhos verdes chisparam divertidos.

- Uma mulher nunca é muito velha para isso.

 Talvez não fosse o suficiente sofisticada para entender o que o divertia

tanto. Só sabia que não queria sentar-se em seu regaço. João era o bastante

 velho para ser seu pai, e queria tratá-la de um modo paternal, mas não

recordava absolutamente a seu pai. Seu sorriso era muito sensual. E a olhava

de um modo... Do mesmo modo que Wulfric, o que a desconcertava,

considerando de quem se tratava.

Não é que isso significasse algo, claro. Estava casado com uma mulher

incrivelmente bela, o compêndio de tudo quanto um homem poderia desejar

em uma esposa. Sem dúvida devia olhar assim todas as mulheres, como se

todas tivessem sido criadas para seu desfrute pessoal. Certamente era o que

pensava até que Isabelle chegou a sua vida; ao menos sua reputação assim o

creditava. Assim ignorou sua última sugestão e o lembrou o motivo pelo que

havia sido chamada ante sua presença.

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- Esta ficando tarde, alteza. Se tiver algo que dizer, rogo que me diga

isso logo para que possa ir à cama.

 João dirigiu o olhar para sua própria cama e logo voltou a observá-la,que o olhava fixamente. Ele franziu o sobrecenho.

- É tão inocente como parece, garota?

Ela também franziu o sobrecenho.

- Inocente em que sentido?

- Ama Wulfric de Thorpe?

 A pergunta foi inesperada e mudou abruptamente seus pensamentos.Não havia considerado a possibilidade de justificar-se com ele, mas se, pelo

motivo que fosse, estava disposto a escutar suas reivindicações, ela não ia

guardá-las. Por isso respondeu:

- Não; devo reconhecer que não o amo.

- Excelente - disse ele para maior confusão dela, com um sorriso

encantador. E ainda a desconcertou mais quando acrescentou - Então não se

importará que a repudie.

- Eu gostaria, mas ao que parece se resignou a nossa união - respondeu

ela com um suspiro.

- Porque ainda não teve um motivo para fazê-lo. Embora vamos

encontrar uma solução rapidamente. Agrada-me que possamos beneficiarmos

a ambos com solução.

- Que solução?

Ele se levantou com presteza.

- Vê, a resposta é mais que óbvia - disse, e a segurou pelos ombros para

conduzi-la para a cama.

Efetivamente, a resposta era óbvia a essas alturas, mas Milissant não

estava disposta a chegar tão longe para dar a Wulfric uma razão válida para

repudiá-la. Além disso, estava perplexa. O rei a tinha chamado a sua presença

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para levá-la à cama.

Por isso a rainha não estava ali. E quem se não um rei pensaria que

podia fazê-lo sem que ela pigarreasse?

Não obstante, a tinha subestimado. Milissant não era uma criaturatímida que se encolhesse ante o poder. Que fosse um rei, e ademais seu rei,

podia marcar a diferença na opinião de João, mas não na sua.

Lembrou a advertência de Jhone e se conteve de reagir como o teria

feito diante de qualquer outro que a tivesse ofendido dessa maneira. Parou em

seco e não deu um passo mais. Ele também se deteve. E, embora não soltasse

seus ombros, dirigiu-lhe um olhar interrogante. Ela se esforçou para que sua voz soasse tranqüila e razoável, dadas as circunstâncias.

- Agradeço o oferecimento, alteza, mas tenho que recusar.

O rei pareceu surpreso. Logo aparentou que fosse cair na risada até que,

ao final, com voz jovial e divertida, perguntou simplesmente:

- E por que deveria recusar?

- Não pretendo insultá-lo, já que é um homem muito atraente, mas não

me sinto atraída por você. Seria como me rebaixar a ser uma puta, e não me

tenho em tão baixa estima.

- Tolices - burlou ele. - Tem que confiar em meu julgamento. Faço-te

um favor maior do que imagina. E a vergonha pela qual terá que passar será

mínima. Eu me arrisco a perder um bom amigo em Shefford, mas a você

bastará encontrar outro marido, talvez um mais de seu gosto. Não acaba de

insinuar que é isso o que quer?

- Sim - respondeu ela. - Mas acharei outra forma de conseguir.

- Quando eu te ofereço os meios aqui e agora? Ora, já basta de

frescuras! A decisão é minha, não tua. Isso deveria tranqüilizar sua

consciência. -E, enquanto o dizia, a empurrou com mais força para a cama.

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 Ao compreender que, contra seus próprios desejos, o rei pretendia levá-

la à cama de todos os modos, Milissant se plantou. Havia observado otreinamento dos cavalheiros suficientes vezes para saber o que fazer diante de

uma agressão, e estava preparada para demonstrá-lo.

Ele também devia contar com sua resistência e, se ela tentasse afastar-

se, só conseguiria que a retivesse ainda com mais força pelos ombros. Não era

tão alto como Wulfric, embora tivesse a robusta compleição de seu pai e era

bastante forte para segurá-la se decidisse utilizar essa força contra ela. Por issoMilissant não fez nada, deixou que ele a conduzisse até a cama e esperou até

que se voltasse para deitá-la no leito. O fez como ela esperava, e então lhe deu

um chute na tíbia.

O golpe soou muito forte, havia dado diretamente no osso com a

ponteira de suas botas. O grito do rei foi ainda mais forte, mas se calou em

seco, surpreso, quando lhe deu um empurrão que o mandou direto à cama.

Continuando, Milissant saiu correndo do quarto e desceu as escadas

como a alma que leva o diabo, cruzou o salão e a torre que conduzia a seu

quarto a toda pressa e não se deteve até que fechou a porta atrás de si e a

trancou com uma barra de ferro. Entretanto, não se bastou com isso e pôs

também alguns baús contra a porta. O coração batia freneticamente.

 Jhone havia dormido, embora houvesse deixado uma vela acesa para

ela. Utilizou sua débil luz para procurar seu arco e suas flechas e se sentou

tremendo no beira da cama com uma flecha disposta e algumas mais à mão. O

primeiro homem que cruzasse a porta não ia viver para contá-lo.

Passou boa parte da noite sentada ali, esperando, enquanto Jhone

dormia tranquilamente, ignorante do novo problema que enfrentava sua irmã.

E que problema! João ainda não havia mandado seus guardas matá-la, mas

ninguém ataca um rei sem pagar com sangue por isso.

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Passaram horas antes que sua respiração se tranqüilizasse. Embora sua

angústia não houvesse diminuído absolutamente.

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Capitulo 31

- A quem pretendia impedir a entrada ontem de noite? Ou será quepretendia que não saísse daqui sem ter falado contigo esta amanhã?

 Jhone brincou com sua irmã enquanto a sacudia para despertá-la. Não

havia reparado no arco, que tinha ficado coberto pela manta. Só havia visto os

baús empilhados contra a porta.

Milissant se surpreendeu que pudesse cair adormecida, mas lembrava

 vagamente ter se amassado sob as mantas porque estava morta de frio e terapoiado a cabeça no travesseiro pelo que acreditou que seriam alguns minutos.

Despertou de repente e lembrou instantaneamente todo o acontecido,

incluído o terror. Era verdade, havia dado um chute na tíbia do rei e o havia

empurrado. Perguntou-se qual das duas coisas ele consideraria mais insultante,

e por qual das duas exigiria um castigo mais duro.

 Antes de contar a sua irmã murmurou em voz baixa:

- Tenho que ir.

- Ir de onde?

- De Shefford.

 Jhone franziu o sobrecenho, desconcertada.

- Ocorreu algo com o rei que eu deveria saber?

- Só que quer me matar. A única coisa que não sei é se é um segredo ou

 vai se tornar público.

- O que fez? -balbuciou Jhone.

Milissant afastou as mantas para que Jhone visse que tinha se deitado

 vestida, que nem sequer havia tirado as botas. Então foi quando sua irmã viu

o arco e abriu os olhos como pratos.

- Não se trata tanto do que fiz eu, mas sim do que ele fez, pois me

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eram outros. A chave de tudo não estava ao alcance de Milissant e suas

hipóteses eram tão ousadas que não queria repeti-las a ninguém, nem a Jhone.

Só acrescentou:

- Disse que daria a Wulfric um motivo para me repudiar seria umasolução tanto para mim como para ele mesmo. João não aprova esta união,

 Jhone, absolutamente. Entretanto, por que não o disse, em lugar de recorrer

aos meios tão desprezíveis para se livrar da noiva?

 Jhone refletiu.

- Talvez porque não se requereu sua bênção para o casamento, já que

seu irmão já a havia dado.- Ou talvez porque está muito acostumado a atuar de um modo oculto -

acrescentou Milissant com aversão.

- Bom isso também. Embora suponha que o fato de que ninguém

pedisse sua permissão pode fazer sentir-se desprezado e por isso veio aqui

com a intenção de estragar tudo sem reconhecer que se sentia insultado,

porque é uma trivialidade.

Milissant assentiu. Essa era outra possibilidade. Mas o que importava

agora tudo isso, quando o mau já estava feito? Podia seguir ordenando que a

matassem, talvez já o tivesse feito. Ao sair do quarto, tropeçaria com algum de

seus serventes, que estavam à espreita esperando achá-la a sós. Hoje. Ou

amanhã. Quando menos esperasse. Tinha que partir, ir a um lugar onde ele

não pudesse encontrá-la. Já não tinha outra opção.

- O feriu gravemente? -ocorreu perguntar Jhone.

- Mais em seu orgulho que em seu físico, mas mais que suficiente para

que queira me castigar.

- Mas se ordenar sua morte terá que admitir o que pretendia fazer.

- Não se o mantém em segredo. Por isso tenho que partir e me ocultar

dele.

- Mas onde?

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- Em Clydon. Havia pensado inclusive antes que ocorresse tudo isto,

porque papai não chegou, não sabemos nada dele, e temo muito que não tem

nenhuma intenção de vir. Assim irei a ver Roland, e lhe contarei o acontecido.

Não pode seguir insistindo com o compromisso sabendo que o rei estácontra.

- Mas isso não te protegerá da ira de João.

- Pode ser que sim, pode ser que não - replicou Milissant, especulando.

- Talvez esteja disposto a esquecer o ocorrido se me caso com outro homem,

que é o que ele deseja. Essa é minha única esperança.

 Jhone sacudiu a cabeça.- Pois eu acredito que deveria contar tudo a lorde Guy.

- E o colocar em pé de guerra contra o rei?

 Jhone empalideceu.

- Tão longe acha que poderiam chegar as coisas?

- Estou aqui sob o amparo de lorde Guy. O que acha que aconteceria se

ficar sabendo que seu soberano tentou violar à noiva de seu filho sob seu

próprio teto? Irá às nuvens, e com razão.

- Mas João devia ter levado isso em conta antes de fazer o que fez.

 Talvez isso é precisamente o que procurava, que Guy rompa o juramento de

fidelidade que une a ele.

- Não, o que procurava era que eu me sentisse honrada e tomasse sua

 violação como um elogio. Não há duvida de que, se chegasse, a saber, ele diria

que a única culpada fui eu, que me joguei em seus braços. E mais, acredito que

teria se exibido, não teria esperado a noite de núpcias para que Wulfric

descobrisse por si mesmo que eu já não era pura. E quem acreditaria em

minha palavra contra a de João?

- Lorde Guy.

- Mesmo que isso significasse ter que romper com o rei? Basta com que

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o veja do ponto de vista de João. O compromisso estaria quebrado, Guy e

papai continuariam lhe sendo leais e eu, caída em desgraça, acharia outro

marido que fizesse a vista grossa em relação a minhas paqueras com o rei. O

mais irônico é que eu gostaria que as coisas fossem assim, mas não ao preçode ter que me deitar com o rei.

- Mas não pode partir Mili, não sem a permissão de lorde Guy. E como

o vai obter se não contar tudo?

- Disse que tinha pensado partir, não que pensava anunciá-lo.

- Mas não conseguirá sair da torre sem que se dêem conta, e muito

menos cruzar os portões da muralha. Como pensa sair daqui?- Com sua ajuda, naturalmente.

 Jhone gemeu,

- Mili, tem que haver outro modo. E se em lugar de confiar em lorde

Guy, confessa tudo a Wulfric e se casa com ele hoje mesmo, sem mais

demora? Isso arruinaria os planos de João, não acha?

- Não se o que João pretende é assinalar à família de Guy como

proscritos traidores, e à nossa além disso, para que possa confiscar todas

nossas terras. Não se o que quer é se vingar de mim por tê-lo atacado. Não

se...

- Basta! Meu Deus, só era uma sugestão - exclamou Jhone e

acrescentou - Não pensa que não me dou conta de que prefere partir antes

que se casar com Wulfric. Garantiria que no fundo está contente de que tenha

acontecido isso.

Milissant suspirou.

- Não, não estou contente de ter brigado com o rei João só para evitar

me casar com Wulfric. Não o teria desejado nem como último recurso.

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Capitulo 32

- Não funcionará - lamentou Jhone contemplando o baú onde Milissant

pretendia entrar.- Sim, a condição é de que não se separe do baú para que os portadores

não o registrem.

- Não posso me limitar a dizer que é um presente de casamento para

 você? -sugeriu Jhone. - Assim não teria que fingir ser você.

- Mas não se deixa um presente no estábulo, que é onde quero que

deixem o baú. Não, terá que dizer que tem uma forragem especial paraStomper, para que o coloquem junto a seu compartimento, aonde quase não

 vai ninguém porque todos os moços evitam aproximar-se dele.

 Jhone estalou a língua.

- Por que o estábulo se não poderá partir com Stomper?

- Porque está perto da porta. Daí poderei controlar quem sai e

encontrar um grupo entre o quais possa passar despercebida. Isso ou escalar

as muralhas, e você mesma disse que é mais arriscado porque há muitos

guardas colocados ali.

 Jhone suspirou.

- É mais fácil me fazer passar por você quando é uma travessura. Se é a

sério, sei que vou dizer ou fazer algo que descubra a mentira.

-O fará bem, Jhone, não se preocupe. Só terá que lidar com os guardas

da entrada, com minha escolta e com os dois homens que ache para

transportar o baú. Não terá que ver ninguém que te conheça.

- Até que tenha ido - lembrou Jhone. - Logo terei que ver com seu

noivo.

- Já te disse como tem que fazê-lo. Justo a outra noite me mencionou

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que nos distingue só pela boca, pela forma em que aperto os lábios quando

estou zangada. Pode imitar esse gesto sem nenhum problema. Mantenha

distância para que não tenha que lhe dirigir a palavra e tudo irá bem.

 Jhone não estava tão convencida.- Mas se ele quiser falar comigo, quer dizer contigo...?

- Não temas. Fiquei furiosa com ele da última vez que falamos, e ele

sabe. Não voltou a falar comigo, e não acredito que espere que eu fale com ele

depois do que fez.

- O que fez? Não me contou por que passou os últimos dias o

fulminando com o olhar.Milissant não tinha nenhuma intenção de mencionar o incidente, que

ainda a fazia se sentir envergonhada. Entretanto, não podia seguir guardando

se pretendia que Jhone se fizesse passar por ela com êxito.

Enquanto se vestia com suas antigas roupas, Milissant contou, tal como

recordava, cada uma das conversas com Wulfric. Jhone tinha que saber se por

acaso ele tentasse falar com ela e lembrava algum desses assuntos. Não falou

de seu último encontro, mas compreendia que se esperava que sua irmã

mantivesse o equívoco durante o máximo de tempo possível, não podia

silenciá-lo. E quanto mais tempo passasse despercebida sua fuga, mais

margem teria antes que saíssem em sua busca. Por isso disse, quase com um

murmúrio:

- Wulfric quase me levou para cama.

- Quase? -Jhone franziu o cenho. - Quer dizer que tentou te forçar

como João?

Milissant ruborizou ao lembrar. Logo, a contra gosto como sempre que

tinha que admitir alguma debilidade, murmurou:

- Não, não exatamente. Enfeitiçou-me outra vez com seus beijos. Nem

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sequer pedi que se detivesse. Se não tivesse aparecido lorde Guy, temo que

tivéssemos selado a união antes que o padre nos benzesse.

 Jhone abriu a boca para replicar, mas a fechou e sacudiu a cabeça.

Finalmente, suspirou. Seu tom soou reprovatório quando por fim disse:- Se não tivesse ocorrido esse incidente com o rei te diria quatro coisas

a respeito, Mili. Mas dado que João está claramente contra seu casamento com

 Wulfric, é melhor para todos que tenha Roland por marido. Assim esperemos

que tudo saia bem.

Milissant sorriu, por fim havia conseguido que sua irmã ficasse de seu

lado.- Sairá bem, estou segura. Verá como, assim que consiga chegar a

Clydon, terminara meu infortúnio.

- Eu gostaria de estar tão segura quanto você - replicou Jhone.

- Se preocupa muito. Se fez passar por mim em inumeráveis ocasiões.

 Jamais nos descobriram. Sabe que é fácil. Se até enganou papai...

- Sabe muito bem que nessas ocasiões papai estava um tanto

embriagado.

- Mesmo assim, ninguém nos conhece como ele.

- Isso é verdade - viu-se obrigada a concordar Jhone.

Milissant sorriu e seu aprumo tranqüilizou Jhone.

- Ambas sabemos que podemos fazê-lo. E é a única maneira de que eu

disponha do tempo que necessito antes que me busquem. Está em suas mãos,

 Jhone. Dois dias, mais se puder. Deveria me bastar com isso para chegar até

Clydon, inclusive a pé, e dali a Dunburh, e para convencer a todos. Enquanto

lorde Guy e Wulfric ignorem que parti não me buscará ninguém. Pode fazê-lo,

já sabe que sim.

- Mais parece que devo fazê-la - disse Jhone, suspirando de novo. - Mas

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 vamos antes que saia o sol. É uma sorte que tenha me levantado tão cedo. A

ponte ainda não está em plena atividade e no salão não há ninguém.

Milissant assentiu, atando as ligas. Era fantástico voltar a colocar as

roupas de sempre, em lugar dessas cotardías que Jhone lhe emprestava. Quasese sentia libertada dos grilhões que a haviam colocado quando Wulfric foi

procurá-la... embora estivesse muito asseada.

De modo que, enquanto Jhone foi em busca de dois homens que

transportassem o baú ao estábulo, Milissant começou a procurar algo com que

sujar-se, por todo o quarto e não demorou para amaldiçoar às criadas do

castelo por ter os quartos tão impolutos, até que se fixou na janela. O cristalnão permitia uma visão clara do exterior, a causa do pó e a fuligem da

chaminé; isso encheria perfeitamente suas necessidades.

Milissant se acomodou dentro do baú junto com as poucas coisas que

levaria consigo, seu arco e uma muda de roupa. Fechou a tampa muito antes

que ouvisse a voz de Jhone no corredor, mais estridente do que o habitual

para lhe advertir que se aproximavam.

 Até então não havia ficado nervosa. Não obstante, não se sentiria a

salvo até que estivesse atrás dos altos muros de Clydon. Escapar de Shefford

continuava constituindo o obstáculo mais difícil, ao menos até que estivesse

andando pelo campo. Mas já teria ocasião de ficar nervosa, cada coisa a seu

tempo.

Com o passar do atropelado trajeto até os estábulos, Milissant prendeu

a respiração mais de uma vez. Em uma ocasião quase caiu o baú, e a ela ficou

com o coração em um punho. Se ela tivesse sido Jhone, teria dado uma

bronca nos transportadores. Tampouco era tão pesada...

Contudo, o nervosismo não diminuiu nem quando depositaram o baú

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no chão do estábulo, nem se acalmaria até que tivesse saído de Shefford.

Enquanto ainda permanecesse no castelo, podiam surgir mil imprevistos. Mas

tampouco podia sair do baú até que Jhone lhe avisasse que estava a salvo. Em

lugar de ouvir o sinal que estava esperando, escutou a voz de Jhone dizendo aum dos criados:

- Vá procurar Henry. É um dos moços que veio conosco de Dunburh.

É fácil de reconhecer porque sempre vai imundo. Deve estar na ponte porque

é o que cuida de nossos cavalos. Esperava encontrá-lo aqui, mas...

Milissant não sabia do que estava falando Jhone, porque a não as tinha

acompanhado nenhum Henry até Shefford e ainda teria que passar um bommomento antes que pudesse perguntar por que os quatro guardas que haviam

acompanhado Jhone ao estábulo seguiam por ali, muito perto do baú para que

ela se aventurasse a sair.

Entretanto, como Jhone não dava mostra de querer partir logo do

estábulo, dispersaram-se. Dois deles para a porta para entreter-se

contemplando as idas e vindas da ponte e o outro foi a um pequeno

montículo privilegiado do outro lado dos estábulos. O último deles Jhone

pediu que fosse para lhe buscar um balde, enquanto com sua saia cobria um

que havia junto à cocheira de Stomper.

Finalmente deu um chute ao baú, sinal que haviam combinado, e

Milissant se apressou a sair. Correu ao compartimento de Stomper, onde se

ocultou depois de alguns passos se por acaso um dos guardas tornasse a

entrar. Isso lhe permitiu falar alguns minutos com sua irmã.

- Foi fácil - disse a Jhone. Não ia contar precisamente a ela quão

nervosa estava. - Retorna agora para a torre e leve a esses homens contigo,

assim poderei sair a controlar as portas.

- Espera, pensei em uma maneira melhor. Oxalá tivesse me ocorrido

antes.

- Como? E quem é esse Henry que mandou procurar?

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 Jhone sorriu.

- Naturalmente, Henry é você. Os criados não vão te achar, claro, mas

quando eu a encontre, não parecerá estranho.

- Com que fim?- Para que saia daqui levando um recado.

- Isso seria fantástico, mas já tínhamos falado de que se saio montando

em Stomper o mais seguro é que me detenham. Não é exatamente um cavalo

que passe despercebido.

- Sim, mas desta vez não irá com Stomper. Tenho que mandar uma

mensagem a papai e não penso mandar o mensageiro a pé, compreende?Um sorriso se desenhou nos lábios de Milissant.

- Claro que sim. Mas como vai me encontrar, quero dizer a Henry, se

estiver aqui e os guardas sabem que ele não está aqui?

- Vou sair daqui com eles, e me deterei um instante lá fora. Se for o

bastante rápida, poderá sair dos estábulos por atrás e cruzar comigo na parte

dianteira. Pode dizer que te disseram que eu andava te procurando. Então

direi o que quero que faça e te proporcionarei uma montaria. Suponho que

também terei que explicar aos guardas do portão, para me certificar de que

não surja nenhum problema.

Milissant assentiu. Funcionaria maravilhosamente, melhor que seu

plano de mesclar-se com algum grupo que saísse do castelo, principalmente

quando aquele dia não ia sair ninguém e ela teria tido que tentar sozinha.

- Pois façamos.

 Assim o fizeram, e saiu muito bem. A escolta de «Milissant» não

objetou nada à presença de Henry, que não demorou para montar e seguir

 Jhone até a porta. Ali houve um momento de ansiedade, porque os guardas

eram muito zelosos e disparavam as perguntas a todo mundo, tanto aos que

entravam quanto aos que saíam.

Depois que Jhone lhes explicou a missão que havia encomendado ao

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Henry, um dos guardas perguntou:

- E seu pai não vai se sentir ofendido por mandar um emissário tão

imundo?

 Jhone riu.- Meu pai conhece muito bem Henry e seus sujos costumes. Criou-se

em nossos estábulos. O que sim surpreenderia papai seria vê-lo com a cara

lavada, talvez nem o reconhecesse.

Milissant proferiu um oportuno grunhido de queixa, o que fez os

guardas rirem. Entretanto, funcionou. Despediram-se dele e lhe desejaram boa

 viagem. Jhone, bendita fosse, havia economizado muito tempo com suabrilhante idéia. Havia saído de Shefford. Agora teria que virar-se sozinha no

campo, a caminho de Clydon.

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Capitulo 33

Por sorte, a tormenta havia descampado para outras regiões, emboraseguisse fazendo tanto frio que havia neve e gelo ao longo do caminho. O sol

aparecia de vez em quando, e seu pálido resplendor fundia o sólido tapete de

neve que a tormenta havia deixado atrás de si, embora ainda ficassem grandes

áreas de um branco cegador quando vinha o sol.

Milissant tinha que proteger freqüentemente os olhos da deslumbrante

luz da manhã. Seguiu a caminho de Dunburh até que ficou fora do campo de visão de Shefford. Em seguida virou para o sul, em direção a Clydon. Ou, ao

menos para onde acreditava que estava o sul e Clydon.

Na realidade, nunca havia estado ali, tinha uma idéia de onde estava

porque alguma vez tinha ouvido Roland mencionar.

Não obstante, não disse a Jhone que não sabia exatamente onde estava.

Só teria conseguido inquietar mais a sua irmã. Seria boa idéia perguntar a

direção a qualquer um que cruzasse pelo caminho, assim não duvidava que o

encontraria.

 Ansiava ver de novo Roland. Sentia falta da estreita amizade que

compartilhava com ele e suas longas conversas em Fulbray. Não lhe passou

pela cabeça a possibilidade de que pudesse não estar em Clydon nesse

momento. Se ele não estivesse lá a sua chegada criaria um grave contratempo

para seus planos, sobre tudo porque não contava com muita margem.

Naturalmente, falaria com seus pais. Roland se desfazia em elogios a seus pais;

ela havia visto lorde Ranulf em uma ocasião e achou uma grande semelhança

com seu filho, assim não duvidaria muito em falar com ele, ou com sua

esposa, Lady Reina, se fosse o caso. Embora, certamente, não resultaria tão

fácil. Como falar de seus planos com Roland, o que tampouco seria tão fácil.

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203 

 Assim que tomou a decisão de casar-se com ele, havia imaginado

muitas vezes como o diria. Entretanto, nunca haviam ocorrido as palavras

certas. Afinal, as damas não era quem estava acostumadas a fazer as propostas

de casamento. Normalmente disso se encarregavam os pais ou os tutores, oumesmo o lorde interessado no casamento. À futura noiva nunca era indagada

sobre o parecer.

Ela desejava que tivesse outra maneira de fazer as coisas. E isso

constituía um motivo mais para insultar o corpo que a sorte tinha lhe dado.

Dava na mesma, Milissant ia ser a exceção da regra tradicional. Via-se

obrigada a isso, dadas as circunstâncias. Além disso, não havia tempo para queseu pai dispusesse os pormenores da mudança. Tinha que fazê-lo ela mesma e

só então apresentar a proposta à aprovação de seu pai.

Como mínimo depois do acontecido com o rei, não duvidava de que

obteria a aprovação de Nigel. O mais irônico é que tivesse que agradecer ao

rei.

Clydon estava a menos de uma jornada de Shefford. Isso sim sabia.

Não demorou em encontrar uma estrada que se dirigia ao sul, assim deixou os

bosques, consciente de que era mais provável que encontrasse alguém que

soubesse indicar a direção se pegasse um caminho mais transitado.

 A seguiam. Disso se deu conta assim que deixou os bosques. Mas não a

preocupava, pois supunha que os três homens eram uma patrulha de Shefford

que estava cumprindo com seu encargo, assegurar de que nem era um caçador

furtivo nem estava fazendo nada ilícito. Esperava que voltassem por onde

haviam vindo assim que ela saísse das terras de Shefford.

Não obstante, inquietou-se um pouco quando notou que eles iam se

aproximando dela sem pressas mas com determinação. Tentavam não fazer-se

notar, e isso a deixou nervosa. Se o que queriam era falar com ela, estavam o

bastante perto para detê-la com um grito. Em troca, avançavam de um modo

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estranho e fugidio.

Então foi quando pensou em que, ao escapar de uma ameaça que se

abatia sobre ela, a vingança do rei, tinha se exposto a outra ameaça, a dos

homens que haviam tentado agredi-la em três ocasiões. Se não haviam serendido, se haviam ficado observando o castelo de longe... Oh, Deus, como

podia não ter pensado neles quando estava planejando sua fuga! Isso não a

teria detido. João era a ameaça mais imediata, mas teria sido mais precavida se

tivesse se lembrado deles antes.

 Tinha várias alternativas. Podia pôr seu cavalo a galope e entrar no

bosque em qualquer dos dois lados do caminho, para tentar despistá-los. Masessa não era a melhor escolha, porque não conhecia bem essas paragens.

Podia se deter ao pé do caminho com algum pretexto, para ver se eles

passavam direto. Não, essa idéia tampouco gostava.

No caso de que fossem os que temia, isso os permitiria pegá-la.

Havia outra possibilidade: dar a volta e enfrentá-los, arco em riste, para

que ao menos tivessem que parar e explicar-se. Além disso, se só fossem uma

patrulha de Shefford, não os custaria convencê-la disso, certificar de que era

inofensiva e seguir ao seu. Se, efetivamente, resultava ser uma patrulha de

Shefford, podia apostar a que a reteriam se ela tentasse alguma manobra, já

que suspeitariam que ela tinha algum motivo para temê-los. E com isso

tampouco descobriria quem eram.

De qualquer modo, o mais útil seria enfrentá-los, e confiar que seus

temores carecessem de fundamento. Mas para isso teria que descer do cavalo.

Se tinha que utilizar o arco precisava se firmar no chão. Não podia arriscar-se

a que o cavalo se movesse e ela errasse o alvo.

De repente, os homens se dispersaram em direções opostas, dois deles

ao galope aos lados do caminho, e o outro vindo diretamente para ela. Era

uma manobra pensada para confundi-la. Não podia ter aos três no ponto de

mira se não paravam de dar voltas a seu redor. Em uma fração de segundo

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decidiu que o que avançava para ela era o objetivo imediato, e gritou:

- Se detenha ou será um homem morto!

Ele não se deteve. Ela disparou. Pegou outra flecha e se virou como um

raio para o seguinte alvo antes que o primeiro caísse ao chão. Disparou duasflechas mais, em rápida sucessão. Não podia saber se os tinha ferido

gravemente, mas não ficou para comprovar. Um deles estava caído sobre seu

cavalo e os outros dois tombados na metade do caminho, imóveis. De

momento os havia deixado fora de jogo, que era o que pretendia.

Entretanto, os dois que jaziam imóveis ocuparam seus pensamentos

enquanto se afastava a galope. Rogava ao céu que não fossem uma patrulha deShefford. Rogava para que, se o fossem, não os tivesse matado. A dúvida a

corroia. Tentar convencer de que só tinha se defendido não era suficiente,

porque não sabia com segurança.

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Capitulo 34

Encontrar Clydon foi mais fácil do que pensava, simplesmente porque

era maior do que supunha. Certamente, o enorme castelo branco e suas altas

muralhas ocupavam vários acres. Era uma fortaleza impressionante, e o fato

de que Shefford fosse seu senhor feudal lhe fez compreender quão poderoso

era o conde de Shefford, e quão poderoso seria Wulfric algum dia.

Estranhamente, quando deveria estar pensando só em Roland e no quelhe diria, quem ocupava por completo seus pensamentos era Wulfric.

Esperava que o que ela se dispunha a fazer o aliviasse. Agora poderia casar-se

com quem ele quisesse, inclusive com essa mulher que amava. O irônico era

que, com o muito que desprezava Wulfric, acabasse lhe fazendo este favor.

Seria em benefício de ambos, e o rei poderia buscar outra pessoa para

intrometer-se em sua vida. Quase o tinha conseguido. Poderia casar-se com

Roland em poucos dias. Seria feliz junto a ele, estava segura. Eram muito bons

amigos. Então, por que não se sentia radiante de felicidade? Por que se sentia

como se tivesse deixado alguma coisa inacabada?

Encontrou um lugar resguardado no bosque onde mudar de roupa a

caminho de Clydon. A cotardía verde mar e dourado combinava com seus

olhos, que provavelmente era o motivo pelo qual Jhone a tinha escolhido. Seu

atrativo era o primeiro que tinha sinalizado Jhone quando a viu vestir-se com

seus velhos objetos. «Não pode esperar chegar a Clydon e que acreditem

quando lhes disser quem é vestida com essas roupas. Não deixarão nem

cruzar a porta.» Por isso havia pego a muda de roupa, para que lhe abrisse os

portões de Clydon.

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E isso foi o que fez. Os guardas mal a detiveram com perguntas,

embora a olharam um tanto perplexos. Provavelmente porque ainda levava o

arco pendurado do ombro. E a sorte lhe sorriu. Roland estava no castelo. Umdos guardas inclusive foi buscá-lo, enquanto o outro dava ordens a um

servente para que a acompanhasse à torre.

Estava impressionada com o castelo de Clydon. Shefford era maior, e

havia mais pessoas, bulia sempre de atividade. Em Dunburh também havia

muito agitação, embora não só com as pessoas que viviam ali, mas também

com os viajantes aos quais ofereciam hospitalidade. Mas Clydon era limpo,ordenado. Havia atividade na ponte, sim, mas era uma atmosfera mais caseira

e cordial.

 Além disso, o chão da ampla ponte não estava coberto de lixo mas sim

de erva. O lodo que havia deixado a recente tormenta de gelo havia

desaparecido, aquilo não era um lamaçal como Shefford, e como quase

sempre era Dunburh. O aspecto era tão diferente que para Milissant, sendo

amante da natureza, não passou desapercebido. Gostava de tudo, e pensou

que não se importaria absolutamente viver ali.

Roland saiu a seu encontro antes que chegasse à torre. O teria

reconhecido entre uma multidão, embora só fosse por sua estatura. Havia

crescido desde a última vez que haviam se visto? Ora! Era realmente um

gigante, passava dos dois metros. E tão bonito. Como pode esquecê-lo?

 Tinha o cabelo loiro claro de seu pai e seus mesmos olhos violeta, uma

combinação notável. E não era nada adoentado para sua altura! Tinha um

corpo dos mais proporcionados que ela tinha visto, largo, forte e musculoso.

Era um exemplar perfeito de seu gênero, o que muitos homens invejariam.

Em honra à verdade, tinha que admitir que Wulfric também era um

exemplar fisicamente perfeito, embora um pouco mais baixo. Entretanto, sua

perfeição ficava aí. Roland tinha um maravilhoso caráter que complementava

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sua fortaleza: era alegre, amável, gentil quando tinha que ser.

Mas Wulfric carecia de tudo isso; era bruto, mal-humorado, teimoso e...

por que continuava pensando nele, quando Roland estava se aproximando

dela?- Meu Deus! Lavou a rosto com porcaria, Mili? -foi o primeiro que lhe

disse após levantá-la no alto e lhe dar um quente abraço de boas-vindas.

 As bochechas de Milissant se acenderam. Tinha mudado de roupa para

apresentar-se em Clydon como uma dama, mas havia se esquecido de tirar a

maquiagem à base de fuligem que tinha aplicado para disfarçar-se. Agora

entendia por que os guardas de Clydon haviam se divertido tanto a olhando.Ora, não importava nem um pouco o que pensassem dela por seu

aspecto! Então por que se ruborizava? Sabia o motivo, mas custava admiti-lo.

Era culpa de Wulfric, ele tinha feito com que desse importância à aparência.

Seus condenados elogios. O modo em que seus olhos captavam qualquer

detalhe nela quando se aproximava. Inclusive havia chegado ao ponto de

utilizar um espelho no quarto de Shefford, algo que jamais tinha feito em

Dunburh.

- Desça-me - resmungou, envergonhada quis assinalar - Viu alguma vez

um viajante que não chegue sujo do pó da estrada?

- Que pó da estrada? -replicou Roland, rindo. - Mas se a recente

nevasca levou tudo.

Deixou-a no chão e começou a tirar a sujeira das bochechas, um gesto

muito familiar nele. Jhone também o fazia. E, como estava acostumado a ser o

caso, ela começou a bater palmas automaticamente. Entretanto, isso o deu

uma razão para deter-se pensar que ele a tratava igual a sua irmã e que ela fazia

exatamente o mesmo com ele.

- Toda esta sujeira tem um motivo: me trazer até aqui sem

complicações -disse finalmente. - Não viajei vestida tal qual me vê, mas sim

com minhas meias.

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- Por que com meias? E quem ousaria incomodar uma dama com

escolta, que é da única maneira que você...? -As palavras se apagaram quando

 viu que ela enrugava a testa, incômoda, e que seu olhar fugia. Por isso não asurpreendeu o ouvir dizer: - Se me disser que viajou sozinha, te pego.

Não faria isso, e ambos sabiam. Além disso, ele a conhecia bem, por

isso havia acertado em sua suposição. Ela pensava contar-lhe tudo, assim não

havia motivo para sentir-se tão envergonhada, além do fato de que jamais

havia feito algo tão insensato como viajar só, tão longe de casa. Assim

começou:- Tinha que conseguir sair de Shefford sem permissão.

Era óbvio que, de algum jeito, havia chegado sã e salva, assim ele se

permitiu deixar sua preocupação para mais tarde.

- Já sei que acha que necessito proteção, Mili -brincou, - mas não tinha

que se incomodar em vir aqui para me escoltar até seu casamento. Meu pai

sempre leva um bom destacamento quando minha mãe viaja com ele, e eu

 vou com eles... me perdoe. Vejo por seu rosto que não é coisa de brincadeira.

Ela sacudiu a cabeça.

- Eu gosto de suas brincadeiras, não se desculpe. Aconteceram muitas

coisas, e muito ruins. Quero lhe contar isso tudo, só que não sei por onde

começar. Bom, sim sei. A razão pela qual abandonei Shefford em segredo é

que tive uma briga com o rei João, que chegou cedo ao casamento.

- Que tipo de briga? -perguntou com uma careta.

- Uma briga séria. Ao que parece não o agrada nada meu contrato

matrimonial, e pensou em um modo de impedi-lo: deitando-se comigo. Eu me

opus energicamente, motivo pelo qual é mais que possível que queira se vingar

de mim, especialmente se, apesar de tudo, me uno a Wulfric de Shefford. O

único modo que tenho de apaziguá-lo é me casar com outra pessoa.

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- Mili, não tem por que fazer um sacrifício como esse porque João

perdeu uma briga. Compreendo perfeitamente que queira acrescentar a sua

conta, mas Shefford é muito poderoso para que ele faça algo contra você. Tentou e falhou. Seguro que não fará nada mais.

Milissant meneou a cabeça.

- Não só queria me acrescentar a sua conta. Queria dar a Wulfric um

motivo para me repudiar. Disse que isso beneficiaria a ambos.

- Quer dizer que se tem em tão alto conceito que considera que se

deitar com ele seria um benefício para você? -disse Roland. E acrescentoucom desprezo - Embora se houver alguém tão pego a si mesmo, sem dúvida é

 João sem Terra.

- Mas não neste caso. Fiz saber que não queria me unir em matrimônio

a Wulfric. Esse era o benefício para mim.

- Está louca? -perguntou Roland, sem dar crédito a seus ouvidos. -

Como pode rechaçar Wulfric de Thorpe? Um dia será o senhor feudal de meu

pai, e meu depois. Se seu poder não basta para que te aflija o agradecimento,

então bastará olhá-lo para...

- Não diga uma palavra mais ou te atiço. «Aflija o agradecimento»?  -bufou

ela. - Quando te dei a impressão de aspirar a me converter em condessa?

- Seu destino desde menina foi se converter algum dia na condessa de

lorde Wulfric.

Ela suspirou.

- Mas não por escolha minha Roland. Não falamos muito disso nos

tempos de Fulbray, mas desprezo Wulfric desde que somos crianças. A

primeira vez que nos vimos me fez muito mal, e me causou meses de medo e

agonia pensando que ia ficar coxa. Não vou esquecer nem a perdoá-lo jamais.

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211 

Ele a estreitou de novo, e seu tom soou consolador e pormenorizado

quando disse:

- Já vejo que te dói até falar disso. Bem, não diga mais. Vem, vamos

procurar uma lareira quente e uma taça de hidromel e poderá me contar porque não falou a ninguém da perfídia de João.

- O que te faz pensar que não disse a ninguém?

- Porque está aqui, sozinha, em lugar de ter permitido que seu pai e

lorde Guy se ocupassem disso.

Ruborizou-se de novo. Ele era muito perspicaz. Ao menos não havia

falado mais de Wulfric, nem havia tentado convencê-la de que as coisas demeninos não têm nada que ver com o mundo dos adultos. Mas ela sabia do

que falava. O que acontecia era que tentar convencer outra pessoa era quase

impossível.

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212 

Capitulo 35

Não funcionaria, não podia funcionar. Se não fosse tão importante, se o

futuro de Milissant não dependesse disso, então provavelmente a Jhone nãocustaria tanto interpretar a farsa e fazer-se passar por ela. Mas era tão

importante que ficava muito nervosa. Assim tramou uma nova mentira. Ficou

doente; na realidade isso não era uma mentira, porque a ansiedade que estava

passando lhe estava afetando o estômago. E disse que Milissant ficaria com

ela no quarto, cuidando dela.

 Teria fingido que era o contrário, se não a preocupasse a possibilidadede que Wulfric solicitasse ver Milissant se soubesse que estava doente. Havia

feito quando Mili ficou ferida. Também teria suspeitado de qualquer

enfermidade que tivesse alegado como pretexto para evitá-lo.

Entretanto, se fosse ela a que estava debilitada na cama, ninguém

insistiria em vê-la e, enquanto que Milissant, podia deter outros na porta e

impedi-los de ver que não havia nenhuma Jhone doente na cama.

 Tinha grandes esperanças de que seu plano funcionasse, e o fez durante

boa parte do primeiro dia, até última hora da tarde. Logo, aquele a quem mais

temia ver bateu na porta. Suspeitou de quem se tratava inclusive antes de abrir

a porta, pela intensidade dos golpes.

 Tomou ar para preparar-se para lidar com ele tal como o faria Milissant,

quer dizer, o cortar assim que abrisse a porta.

- Será que não disseram que minha irmã está doente? Que estou

cuidando dela? Estava descansando um pouco, mas você armou esta bagunça.

- Sim, me informaram - replicou ele, sem mostrar-se surpreso pelo

recebimento que, por outra parte, estava em consonância com a impaciência

de seus golpes. - Mas necessita de seus cuidados constantes? Outros também

poderiam atendê-la.

- Não confiaria os cuidados de minha irmã a ninguém, como ela faria

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em meu caso.

Ele franziu o sobrecenho e perguntou:

- O que lhe ocorre?

- Esteve vomitando muito. Não nota o fedor?Como havia vomitado ao menos uma vez essa mesma tarde, não podia

dizer que estivesse mentindo. E começava a sentir náuseas de novo. Notava o

aborrecimento de Wulfric, uma ira que a aterrorizava. Surpreendia-a que não

tivesse se sentido fulminada ao seu primeiro bufo de mau humor. Se não

partia logo... Para afugentá-lo, espetou:

- O que faz aqui? Nos incomodando?- Vim dizer que assistirá ao jantar desta noite. Faltar uma refeição

quando o rei está presente pode que lhe resulte compreensível, mas faltar duas

refeições seguidas poderia tomar como um insulto.

De modo que, tenha melhorado ou não sua irmã, esta noite quero vê-la

na sala.

- Eu não tenho que entreter o rei.

- Ah, não? Nem tendo em conta que está aqui com motivo de seu

casamento?

 Jhone teve que fazer um esforço para não retorcer as mãos.

- Então sim, vou participar, para apresentar meus respeitos. Mas, a

menos que Jhone se encontre melhor, não ficarei muito tempo.

Ela havia se mostrado muito razoável ao aceitar. Como podia ele

discutir? Entretanto, o fez.

- Em minha opinião, está utilizando a enfermidade de sua irmã para me

evitar. Quanto tempo vai ficar me negando a palavra?

Então era esse o motivo de sua visita? Sentia-se ignorado? Considerou a

possibilidade de lhe responder «Sempre», que provavelmente era o que teria

respondido Milissant. Mas essa réplica não teria conseguido que partisse, mas

sim encolerizá-lo ainda mais. Contudo, tampouco queria dizer algo impróprio

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de Milissant, porque isso o faria suspeitar e se arriscava que a descobrissem.

 Assim apertou os lábios como Milissant havia advertido que fizesse, e

disse com tanto aprumo quanto lhe permitiram seus nervos:

- Estou falando agora, para minha desgraça. Tudo isto poderia teresperado até que Jhone se recuperasse.

Felizmente, ele captou a insinuação e, com cenho franzido de novo,

ordenou como despedida:

- Venha esta noite ao jantar, e amanhã às duas refeições, moça. Não

faça que tenha que subir para te buscar.

 Jhone fechou a porta e se apoiou contra ela com o coração acelerado.Havia conseguido. O enganou por completo. Mas não obteria outra vez. Não

tinha a coragem de Milissant, que podia resistir a esse homem; ela não podia

enfrentar um homem tão zangado.

Não obstante, a ordem que havia dado ressoou em sua cabeça. Se o dia

seguinte não visse Milissant na sala, ele a levaria arrastada.

 Tinha que ir à sala, ao menos essa noite. Não via forma de evitá-lo. No

dia seguinte não serviriam a primeira refeição até o meio-dia, e talvez isso

desse a Milissant a margem que havia lhe pedido. Jhone poderia voltar a ser

ela mesma e declarar que Milissant tinha «desaparecido». Isso lhe dava um dia

mais de prazo antes que a buscassem fora das muralhas do castelo. Tempo

mais que suficiente para que ela chegasse a Clydon e voltasse logo para casa,

como havia planejado.

Não, participando da janta dessa noite seria mais que suficiente. Mas

entreter o rei? Depois do que havia feito? Caramba, nem sequer havia pensado

em que era ela e não Milissant que teria que enfrentar de novo ao rei. Tinha

partido para não ter que fazê-lo.

O que faria se isso fosse justo o que ele esperava para denunciá-la?

Embora fosse óbvio que não havia mencionado a ninguém o que havia

ocorrido entre os dois, pois do contrário Wulfric teria comentado. Além disso,

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como esse dia nenhuma das irmãs havia participado da refeição, devia pensar

que Milissant tinha medo de encontrar-se de novo com ele.

Pensar que ela o temia poderia apaziguar os ânimos de João. Talvez

inclusive se acalmasse mais se ela parecesse assustada quando o visse essanoite. Isso com certeza pareceria natural. A aterrorizava a idéia de aproximar-

se dele, depois do que havia tentado fazer ao Milissant. E se quisesse lhe falar

disso? Oh, Senhor! Como havia permitido que Mili a metesse nisso?

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216 

Capitulo 36

Havia estendido muito a conversa. Milissant se impacientava porqueestava ficando tarde e ainda não tinha encontrado o momento para expor sua

proposta de casamento a Roland. Não podia permitir que acabasse esse dia

sem deixar claro seus planos para o futuro. Entretanto, as coisas haviam

acontecido com tal precipitação desde sua chegada que ainda não havia tido

oportunidade de falar de novo a sós com Roland.

 A haviam levado à torre para apresentá-la a sua mãe, que a tinha levadoa um dos quartos da torre para que se asseasse e pudesse repousar. Não tinha

 voltado a ver Roland até o jantar. Lady Reina a surpreendeu. Milissant sabia

que o pai de Roland era um gigante como ele, mas Lady Reina era uma mulher

baixa, miúda. Quase não chegava aos quarenta, seu cabelo negro era tão

lustroso como em sua juventude e seus olhos azuis eram brilhantes e incisivos.

 Além disso, não tinha papas na língua, era inclusive brutalmente franca.

-Apresse-se, entre nesta banheira - espetou sem rodeios quando

Milissant protestou que não tinha tempo para um banho.

Entretanto, gostava de Reina Fitz Hugh. Não estava muito habituada a

encontrar-se com mulheres tão francas e bruscas. Além disso, havia uma

simplicidade briguenta nela que fazia com que o tratamento fosse ou muito

cômodo ou muito embaraçoso. Milissant sentia ambas as coisas de uma vez, e

isso a divertia.

Soube mais coisas sobre a família de Roland durante as horas que

passou com Reina que durante as muitas conversas que havia mantido com

ele. Também tinha um irmão maior, que se chamava como o conde de

Shefford, que era seu padrinho. E duas irmãs muito mais jovens. Reina dizia

que a menor seria sua ruína. Já não sabia o que fazer com a menina, que

idolatrava seu pai e queria ser como ele em tudo.

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217 

Isso incomodou Milissant, que compreendeu que essa menina se

parecia muito com ela, que também desejava ter nascido homem, já que Reina

considerava que ia ser sua «ruína». Isso a fez sentir mais estranha que nunca,

pois compreendeu, de repente, que provavelmente seu pai pensava o mesmodela.

O que não sabia era que a família de Roland estava aparentada com os

 Arcourts, outra das famílias poderosas do reino. Hugh de Arcourts, o cabeça

de família, era na realidade o avô paterno de Roland, embora fosse filho

bastardo. Reina havia mencionado sem subterfúgios, como se não tivesse nada

de particular.O mais interessante, entretanto, era que o pai de Reina havia sido Roger

de Champeney. A Milissant resultava um nome muito familiar, pois lorde

Roger tinha ido às Cruzadas com Nigel e lorde Guy e o rei Ricardo. Nigel

tinha mencionado Roger freqüentemente em seus relatos das emocionantes

campanhas que haviam tido lugar antes do nascimento de Milisant.

Perguntou-se se Nigel saberia que Roland era o neto de Roger, dado

que o tinha descartado como marido só porque o pai de Roland era vassalo de

Guy. Roger também havia sido vassalo de Guy, embora contasse com direitos

próprios - o castelo de Clydon era uma evideêcia disso, assim como o fato de

que possuísse outras propriedades-. E Milissant estava segura de que seu pai

não sabia de Hugh de Arcourt.

De repente compreendeu que a família de Roland era uma escolha

muito melhor do que havia imaginado para uma aliança. Avalizavam-lhe a

riqueza e o poder, só faltava ser o herdeiro de um conde, como Wulfric.

Isso a reconfortou. Sem dúvida seu pai gostaria desse matrimônio.

Embora, claro, se esquecesse de que não a tinham prometido a Wulfric

seguindo uma política de alianças, mas sim por amizade e por saldar a dívida

que havia contraído para quem lhe havia salvo a vida.

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218 

 Apesar de tudo, tinha que levar em conta que o que seu pai supunha

que João se opunha à união das duas famílias amorteceria o golpe e que, para

seguir contando com seu favor ou, no caso dela, congraçar-se com ele, tinha

que casar-se com outra pessoa. Quem melhor que Roland?Entretanto, quando nessa noite pareceu que todo mundo, incluído ele,

conspirava para que não ficassem a sós nem um instante, deu-lhe vontade de

torcer seu pescoço. Nem quando se sentou junto a ele durante o jantar

conseguiu que prestasse atenção suficiente para falar em particular com ele.

Seu irmão e seu pai disputavam constantemente sua atenção.

Finalmente, quando a refeição terminou, ela estava bastantedesesperada para pega-lo pela mão e o arrastar até uma das frestas da grande

sala de Clydon, onde estavam dispostos alguns cômodos bancos. Teve

inclusive a ousadia de empurrá-lo para que se sentasse o que só conseguiu

porque ele permitiu, dado seu enorme tamanho.

Não ficou dando voltas e foi direto ao assunto:

-Tenho coisas que te dizer que requerem que prestes toda sua atenção,

coisa a qual não parece disposta sua família.

Ele sorriu ao ver que se tinha incomodado.

-Somos uma família muito unida. Que melhor momento para comentar

como foi o dia que durante o jantar?

-Isso é certo - teve que conceder ela, embora tenha acrescentado- Mas

tem a uma convidada que está em apuros! Não disponho de muito tempo,

Roland. Amanhã pela manhã tenho que partir para Dunburh. E albergo

grandes esperanças de que venha comigo.

-Naturalmente que vou te escoltar, Mili. Não tem nem que me pedir

isso.

Ela se sentou frente a ele.

-Necessito mais que isso, Roland. Necessito que se case comigo.

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Bom, já estava dito. Não havia sido muito sutil, mas não tinha tempo

para sutilezas. Só lhe restava desejar que ele não parecesse muito incrédulo. O

pior foi que devia acreditar que estava brincando, porque pôs-se a rir.

-Não estou brincando, Roland.Ele sorriu docemente.

-Não, já vejo que fala a sério. Mas, mesmo que não estivesse prometida,

não poderia me casar contigo.

Ela esperava que formular a proposta fosse o único desgosto que

tivesse que passar. Não havia contado com que ele a rechaçasse.

-Está prometido a outra?-Não.

Ela franziu o sobrecenho.

-Então por que me rechaça?

Em lugar de responder a sua pergunta, Roland disse:

-Olhe ali, minha irmã menor.

Ela só viu dois moços, pareciam ser de quase dez anos. Ainda não havia

conhecido sua irmã caçula, ao menos isso acreditava. Haviam apresentado a

tantas pessoas que logo teria esquecido.

-Onde? Eu só vejo dois meninos.

Roland sorriu.

-A de cima, a do cabelo loiro e curto é Eleanor. Por isso me afeiçoei

contigo quando a conheci em Fulbray, porque me lembrava muito a minha

irmã. Acontece que como você, prefere usar meias a vestidos, para desespero

de minha mãe. Embora Eli se vista apropriadamente quando há convidados.

Só que acaba de chegar e não sabe de você. Vê como minha mãe está furiosa

com ela, e meu pai, como de costume, bem mais divertido?

Milissant se ruborizou. Deveria estar contente de ter encontrado outra

garota como ela, por saber que, depois de tudo, não era tão «estranha». 

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Embora, claro, a jovem Eli fizesse concessões quando era preciso,

enquanto que Milissant tinha se obstinado sempre em não ceder o mínimo...

Suspirou. Valia a pena envergonhar tanto seu pai em troca das

pequenas liberdades que tinha conseguido conquistar? Não obstante, Rolandainda não havia respondido a sua pergunta. O lembrou.

-E o que tem que ver sua irmã com isto?

Ele se inclinou e segurar suas mãos com ternura.

-Não está me escutando. Naquela época você me lembrava minha irmã,

e ainda me lembra. Tenho-te muitíssimo afeto, mas é como minha irmã, e a

idéia de me deitar contigo... Sinto muito, Mili, sinceramente não pretendo teofender, mas a simples idéia me deixa... Frio. Além disso, isso seria roubar a

noiva de meu senhor feudal. Por Deus, Mili, um dia será o conde de Shefford

e eu vou administrar uma das propriedades de Clydon através dele.

Essa explicação deveria tê-la derrotado. Mas, pelo contrário,

compreendeu com atraso quanta razão tinha, e sentiu o mesmo que ele. Por

isso havia se sentido sempre tão próxima e nunca tinha tido impulsos sexuais

por ele. Porque era como um irmão para ela. Na realidade, agora que se

forçava a tentá-lo, não podia imaginá-lo beijando-a, não do modo que Wulfric

a tinha beijado. Meu Deus! Como era possível que não se houvesse percebido

anos antes, quando começou a pensar em casar-se com ele?

 Assentiu para que soubesse que aceitava sua explicação, embora logo

tenha acrescentado um suspiro.

-E o que posso fazer agora? Terei que encontrar outro marido.

Ele sacudiu a cabeça.

-Não, o que tem que fazer, que é por onde deveríamos ter começado, é

deixar este assunto nas mãos dos que pode arrumá-lo melhor que você.

-Com isso não vou conseguir um novo marido.

-Não necessita um novo marido - a corrigiu ele.

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-Esquece que há outras razões pelas quais não quero me casar com

 Wulfric - insistiu ela, irada.

-Recordo muito bem o que me disse dele. Que o odeia desde que era

uma menina, que te fez mal. Mas não me disse o que sente por ele agora quese converteu em um homem.

-Raios! Sabia que sairia com está observação.

-Por acaso vamos brigar como irmãos? -inquiriu ele, pacificador.

Milissant lhe deu um pequeno soco no ombro. Ele sorriu para ela,

revirou os olhos e passou um braço por seus ombros.

- Responda-me com sinceridade, Mili. Superou esses sentimentosinfantis que não te permitem ver Wulfric tal como é na atualidade? Ou deixará

que esses velhos rancores condicionem a imagem que tem dele?

-Segue sendo um bruto - murmurou.

-Isso é difícil de acreditar - disse Roland- Mas, mesmo que o seja, a

pergunta é: é bruto contigo?

-É um tirano, não pára de me dar ordens. De verdade, se pudesse me

controlaria até a respiração.

- Parece-me que qualquer homem te pareceria um tirano se ousasse te

dar ordens.

Milissant suspirou uma vez mais.

-Roland, já vejo por onde vai. Mas não pode imaginar o que é estar com

ele. Não paramos de discutir. Não podemos ficar na mesma sala porque se

cria uma tensão que poderia cortar-se com faca.

Ele refletiu um momento e disse:

-É estranho, mas o que acaba de me descrever é o que eu senti em uma

ocasião em que desejei uma dama que sabia que não ia ser para mim. Era uma

convidada. Discutia constantemente com ela, cada vez que a via, quando na

realidade desejava...

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-Shhhhh - cortou Milissant, ruborizando-. Isto não tem nada que ver

com... Isso.

-Está segura disso?

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224 

primeiro que disse Reina - Ainda que também deva te dizer que, apesar do

avançado da hora, não me surpreende que não tenha podido conciliar o sono.

Milissant esboçou um sorriso torto.

-Pois eu estou, tendo em conta que a noite passada dormi muito pouco.Mas por que o diz?

-Roland veio me ver.

-Ah!

-Meu filho está preocupado se por acaso te ofendeu. É assim?

-Contou-lhe respeito do que?

Reina assentiu.-Sua proposta o deixou atônito. Teme que não tenha entendido o

motivo pelo qual a recusou, porque quando explicou estava muito confuso.

-Sim, os entendi, e estou de acordo com ele. Quando pensei nele como

homem com quem casar, só pensei em nossa amizade, em nossa proximidade

e em quão fantástico seria compartilhar minha vida com alguém com quem

me dou tão bem. Jamais pensei na intimidade que teríamos que compartilhar.

 Agora que ele trouxe a luz, acredito que tenha razão. Vê-me como uma irmã,

e eu igualmente, o vejo como a um irmão. Nunca poderíamos compartilhar a

cama.

Reina assentiu de novo, mas não se absteve de insistir.

-Ainda não respondeste a minha pergunta.

Milissant franziu o sobrecenho, não sabia muito bem do que Reina

estava falando.

-Sim respondi. Não estou ofendida. Não é culpa dele que eu seja tão

tola para não ter levado em conta todos os aspectos do matrimônio antes de

fazer minha proposta.

-Há outra coisa que se esqueceste de considerar. Roland não pode

casar-se contigo sem a conformidade de Ranulf, e este não a dará jamais. Se,

pelos motivos que seja você romper seu compromisso com o filho de lorde

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225 

Guy, nosso senhor feudal tomaria como um insulto que nós tentássemos uma

aliança com os Crispin através de ti, quando o mesmo lorde pretendia que seu

fosse filho que selasse esta união. Ignoraste as conseqüências políticas deste

caso?Milissant ruborizou levemente por causa da suave repreensão que

acabava de lhe dispensar Lady Reina.

-Meu pai me assinalou isso recentemente, mas devo admitir que estava

tão distraída que não permiti que suas palavras alterassem meus planos.

-Presumo que não tenho que perguntar de novo se está ofendida. O

fato de que estas horas ainda não tenha conseguido pegar olho fala por simesmo.

-Mas não é por Roland. Pode tranqüilizá-lo a respeito disso, ou eu

mesma o farei amanhã.

-Há algo que possa fazer por ti para te ajudar a dissipar essas

preocupações?

 Ao que parecia, Roland não havia confiado tudo a sua mãe.

-Não, só que nunca quis me casar com Wulfric de Thorpe. E agora que

sei que o rei João também não quer, pergunto a quem me vai destinar meu

pai. Durante anos só pensei em Roland.

-O que te faz pensar que João está contra esse casamento?

-Me disse isso.

Reina meneou a cabeça e sorriu.

-Talvez devesse se perguntar o que a faz pensar que as preferências de

 João são relevantes para o caso. Foi o rei Ricardo que abençoou seu

compromisso. A permissão de João não é relevante aqui. Além disso, se

pensasse proibi-lo já o teria feito. Que tenha mencionado a ti e não a lorde

Guy mostra que não tem intenção de interferir diretamente. Sinceramente,

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não acredito que se atreva a incomodar um vassalo tão leal como lorde Guy,

precisamente agora que tem tantos barões contra ele.

Razão demais para que Milissant estivesse certa de que, se João não

pensava contar o ocorrido, culparia a ela e só a ela e se declarariacompletamente inocente se ela se atrevesse a acusá-lo de algo. Devia explicar a

Reina, mas duvidou. Quanta mais pessoas soubessem da tentativa de João de

romper seu compromisso deitando-se com ela, embora ele o negasse, mais

provável era que quisesse vingança pelo modo como tinha escapado.

 Assim se limitou a dizer:

-Talvez tenha razão.Reina assentiu.

-Passamos agora à última parte de sua inquietação.

-A última parte?

-Não queria me intrometer, mas me surpreendeu que dissesse que

jamais quis se casar com Wulfric. Conheço Wulfric desde que nasceu.

Converteu-se em um jovem maravilhoso, uma honra para seu pai. Meu

próprio marido anda em assuntos de guerra e esteve em campanha com

 Wulfric. Não tem mais que elogios para o moço. E sei que as mulheres o

acham atraente. Minha filha mais velha morre por ele cada vez que vem nos

 visitar. O que é o que não te agrada em Wulfric?

Milissant teria gostado que nem todo mundo reagisse igual. Desta vez,

ao invés de mencionar rancores de infância que a dama tentaria minimizar,

assinalou a outra boa razão pela qual não o queria.

-Ama outra.

-Ah! -replicou Reina como se nessa palavra tão breve estivesse

resumida toda a compreensão do mundo- Se é assim não prova ser muito

inteligente, embora talvez não seja nada sério e que não seja difícil superar

esse obstáculo.

-Como?

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Reina sorriu.

-Pois lhe dando um motivo para que ame a ti também, e logo outro

para que te ame mais.

-Deve ter se reunido com minha irmã - grunhiu Milissant- Ao queparece, são da mesma opinião.

Lady Reina riu.

-Simples senso comum feminino, querida. - Que fácil era para as

mulheres que não estavam em sua situação dizer isso! O complicado

realmente era superar esse profundo rechaço. Principalmente quando ambos

os membros do casal coincidiam em senti-lo.-Não deveria ter que lutar pelo amor de meu marido - disse Milissant,

um tanto altiva.

-Não, o ideal seria que não tivesse que fazê-lo. Mas, sejamos realistas,

muitas mulheres enfrentam isso. Quer dizer, se realmente querem ser amadas.

Sempre me surpreende que existam tantas que não se importam. Não tem

expectativas de achar amor em um casamento que respondeu a acordos

políticos ou a alianças e, portanto, não lhes desagrada que não o haja. Há

muitas coisas que contribuem para um bom casamento. O amor não está

acostumado a contar-se entre elas. Embora, quando existe... Não pode

imaginar o...

-Está lhe confessando seus segredos, Reina?

Era divertido ver como, por uma vez, foi a vez de ver ruborizar aquela

dama que tantas vezes havia lhe tirado as cores com sua franqueza. Embora

também ela ruborizou quando se virou e viu o marido da Lady ocupando todo

o espaço da porta com sua estatura.

-Agora mesmo pensava voltar para a cama - disse Reina levantando-se

para partir.

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-De verdade? Duvidava.

Reina compôs uma expressão de desgosto ao ouvir essas palavras de

seu marido. Milissant não o viu, preocupava-a que Ranulf Fitz Hugh estivesse

zangado com sua mulher por sua culpa.Por isso, quando Reina disse «Não estava me metendo onde não sou

chamada», Milissant se apressou a corroborar suas palavras assegurando «Não,

de verdade que não». E quando Reina acrescentou: «Nem a estava

incomodando tampouco», Milissant acrescentou: «Isso seria impossível. Lady

Reina foi de grande ajuda.»  Nesse momento, Reina voltou a olhá-la e, com uma

risada, disse:-Tranqüila, menina, não está zangado. Embora para mim não mudaria

em nada as coisas se estivesse. -E concluiu dirigindo um olhar de advertência

a Ranulf.

O gigante riu, sinal de que tinha ouvido isso, ou algo parecido, muitas

outras vezes.

Então foi quando Roland empurrou seu pai para entrar no quarto e

disse, exasperado:

-Não quis dizer que velasse Mili toda a noite, mãe.

Reina levantou ambas as mãos e replicou:

-Vou agora mesmo para cama. -e saiu do quarto sem acrescentar

palavra.

-Vou garantir que a encontre sem desviar-se - disse Ranulf- Não se

entretenha, Roland. Todos precisamos dormir um pouco esta noite. -E saiu

do quarto.

Curiosamente, tanto Roland como Milissant se ruborizaram depois de

que os pais dele saíram do quarto. Talvez fosse porque nunca haviam ficado a

sós em um dormitório, embora certamente era porque ambos sabiam do que

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230 

Capitulo 38 

Milissant ficou lívida. Não porque Wulfric estivesse onde se presumia

que não devia estar. Nem tampouco porque acabava de ameaçar friamente

matar seu amigo. Empalideceu ao reparar em que a única via através da qual

poderia encontrá-la em Clydon era Jhone.

Por isso o primeiro que disse foi:

-O que disse à minha irmã para que ela dissesse onde eu estava? Nuncateria dado essa informação voluntariamente.

Isso atraiu seu cintilante olhar de safira para ela.

-E não me disse. Na realidade desmaiou a meus pés só porque

perguntei.

-Só? -disse ela suspicaz- Estava furioso quando perguntou?

-Muito.

Milissant suspirou aliviada. Não havia torturado Jhone. Só havia levado

um susto de morte. Embora se fosse assim...

-Como soube onde estava se ela não lhe disse?

-Faz alguns dias disse sem dar-se conta a meu irmão quando falou do

homem a quem tinha entregado seu amor. Quando não a encontrei no

castelo, descobri finalmente quem era seu gigante gentil e supus que teria

 vindo a ele.

Seus olhos voltaram a assentar-se em Roland enquanto o dizia. Os dela

também, e descobriu que o gigante gentil estava rindo. Milissant decidiu que

Roland devia ser imbecil se achava algo divertido nessa situação. Ou será que

acreditava que Wulfric brincava quando havia falado em matá-lo? Ou que não

tinha nada a temer porque estavam falando em tom tranqüilo, apesar do

quanto furioso que se sentia Wulfric? Perguntou-se. Não havia duvida de que

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estava furioso, embora estivesse contendo sua raiva. A questão era o que o

pôs tão furioso, que escapasse ou onde a havia encontrado e com quem?

-Não tem que matá-lo - disse ela- Descobri que o que sentia por Roland

só era amor fraternal. Além disso, por essa mesma razão rechaçou casar-secomigo. É como um irmão para mim.

- Toma-me por tolo? -replicou Wulfric- A evidência está diante de meus

olhos.

Ela havia recuperado a coragem que necessitava para discutir com ele

apesar de sua ira.

-Que evidência? -bufou- Se está se referindo ao fato de encontrarRoland aqui comigo, deveria perguntar antes de tirar conclusões. Se houvesse

aparecido alguns minutos antes, teria encontrado seus pais aqui também.

Precisamente veio para levar sua mãe, porque acreditava que me impedia de

dormir. Não me impedia de dormir, mas estava aqui. Confio que tenha o juízo

de verificar antes de utilizar a espada, Wulfric.

-Mili, por que o provoca deliberadamente? -falou finalmente Roland.

-Não o faço.

-É exatamente o que estava fazendo - insistiu o jovem. E acrescentou,

dirigindo-se a Wulfric:

-Milord, o que diz é verdade. Inclusive no caso de que não estivesse

prometida a você, e o está, não poderia me casar com ela. Seria como me

casar com minha irmã e isso, estará de acordo comigo, não é muito desejável

digamos.

Roland estava tentando aliviar a tensão. Mas com Wulfric não

funcionou, porque sua expressão não mudou absolutamente. Seus olhos azuis

profundos arderam com um fulgor mais intenso quando a olhou.

-Significa que mentiu quando disse que o amava?

 Talvez a Milissant não agradasse falar precisamente disso mas, como ele

trouxe o assunto, viu-se forçada a admiti-lo.

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-Não estava apaixonada por ele quando lhe disse isso, não, embora

naquele momento pensasse que podia estar. Sempre acreditei que podia amá-

lo. Só que nunca me detive a pensar o suficiente para compreender que já o

amava, embora de uma maneira incompatível com o casamento. Nenhum dosdois sente o menor desejo um pelo outro. Quer que diga isso mais claro?

-Fez outra vez, Mili - queixou-se Roland, quase a reprovando.

-O que? -exclamou ela exasperada.

-Provocá-lo. Com a explicação teria bastado. Não tinha porque amassá-

lo.

-Vá para cama, Roland. Não está ajudando em nada.-Queria fazê-lo, mas não posso - suspirou Roland, como se ir para cama

nesse momento fosse para ele a máxima felicidade.

Então ela compreendeu que temia deixá-la sozinha com Wulfric. Ela

também preferia que não a deixasse a sós com ele, embora nesse momento

temia mais por Roland que por ela, dado que Wulfric ainda não havia

embainhado sua espada.

 A Wulfric devia ocorrer o mesmo, ou talvez pensou que Roland não

confiava passar junto a ele desarmado, porque então embainhou sua espada

antes de dizer:

-No fundo, estou contente de não ter te matado, pelo bem de seu pai.

Faz o que ela te disse. - e como parecia que Roland duvidava em mover-se,

acrescentou- Tem sido minha desde o dia em que a tornaram minha

prometida. Não pense sequer que pode interferir no que meu é.

Se olharam por um tenso instante que pareceu eterno. Finalmente

Roland assentiu e se foi.

Milissant sabia que seu amigo não teria partido se acreditasse que

 Wulfric podia lhe fazer mal. Teria gostado de poder ficar tão segura quanto

ele. Mas não estava. Sentiu um impulso desesperado de lhe pedir que voltasse,

porque de repente ficou muito nervosa. O nervosismo cresceu como a

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espuma quando Wulfric fechou a porta atrás de Roland e a trancou com a

barra de ferro.

-O que faz? -perguntou com voz rouca e notando que a pouca cor que

havia voltado a tez desaparecia de novo.Ele não respondeu. Dirigiu-se para ela e se deteve junto a sua cama.

Olhou-a de cima.

-Poderíamos falar disto amanhã... - sugeriu ela, mas ele a cortou

bruscamente.

-Não há nada que falar - espetou e, quando ela foi levantar-se da cama

ele disse- Fica quieta aí!Milissant sentiu autêntico pânico. A expressão de Wulfric não havia

mudado. Seguia parecendo muito zangado. Ela não estava segura do que

pensava lhe fazer. Embora tenha ficado muito claro quando ele começou a

tirar lentamente a capa sem deixar de olhá-la.

-Não o faça, Wulfric.

Ele se limitou a perguntar:

-De verdade acreditava que poderia se casar Roland Fitz Hugh e que ele

 viveria para desfrutar?

-Se meu pai tivesse aceitado você não teria nada que objetar a respeito.

-E você acha que isso teria me impedido de matá-lo? -insistiu ele,

meneando a cabeça.

Milissant começou a compreender o que ele queria dizer. Ele a

considerava sua em qualquer circunstância. Embora no fundo não a quisesse,

era sua, e portanto nunca poderia casar-se com outro, porque ele consideraria

adultério.

 Totalmente ilógico. Profundamente possessivo. Não sabia se rompia a

chorar ou a rir histericamente. Não tinha nenhuma possibilidade de ganhar.

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234 

Nunca havia tido a menor possibilidade de escapar.

De repente lembrou seu desagradável encontro com João sem Terra.

Um rei podia obter que até os homens mais poderosos se dobrassem a sua

 vontade. E Wulfric ainda não sabia que João se opunha a sua união. Isso lheproporcionaria a desculpa que desejava para não casar-se com ela. Se fosse ele

quem rompesse o compromisso, já não a consideraria sua.

-Ainda não sabe o que motivou minha fuga. Isso muda tudo, Wulfric. -

 A bainha da espada e o cinturão de Wulfric desabaram sobre o casaco- Me

escute!

-Por acaso anulou o compromisso?-Não, mas...

-Então não muda nada.

-Sim, que estou dizendo que sim! O rei se pronunciou. Está contra

nossa união. É a desculpa perfeita que necessitava para quebrar o

compromisso. Só temos que dizer ao nossos pais.

-Nem no caso de que acreditasse moça, e não acredito, isso mudaria as

coisas. João aprovou publicamente nossa união.

-Estou dizendo a verdade!

-Então me deixe ser ainda mais claro a respeito de porque sua opinião

não tem nenhuma importância. O que João queira não tem nenhuma validade

a menos que admita e isso, não fez, nem parece que vá fazê-lo. Assim vamos

garantir, aqui e agora, de que saiba a quem pertence, para que não tente negá-

lo de novo.

 Já estamos unidos por contrato. O selaremos então esta noite. -E,

enquanto o dizia, empurrou-a para a cama e se deitou junto a ela.

Ela não entendia por que ele não havia dado saltos de alegria quando

lhe deu a desculpa perfeita para não casar-se com ela. Talvez porque nesse

momento estava muito zangado e não atendia a razões. Foi sua ira a que a fez

gritar, desesperada:

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-Não, Wulfric, não o faça! Não tentarei escapar de novo. Me casarei

contigo, juro!, Mas não me tome assim, zangado.

Havia lágrimas em seus olhos. Estava tão assustada que nem sequer se

deu conta de que estava chorando. As lágrimas dela apaziguaram Wulfric.Beijou-a intensamente, mas logo soltou uma blasfêmia, levantou-se da cama e

saiu do quarto.

Milissant se deitou com um suspiro, tremendo de alívio. Sua própria

raiva pelo fato de que ele a tinha reduzido a uma menina trêmula não chegou

até mais tarde, mas chegou.

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236 

Capitulo 39

Quando Milissant despertou, demorou alguns minutos em dar-se conta

de que havia estado dormindo até a metade da tarde. Não é que a

surpreendesse, porque a fúria que tinha se apoderado dela quando Wulfric

partiu a deixou acordada até a alvorada. O que a surpreendia é que ninguém

tivesse ido despertá-la, particularmente Wulfric. Talvez não pretendesse

retornar a Shefford esse mesmo dia, como ela pensava.Embora pudesse ser que ele também estivesse descansando, porque

devia ter ficado meio-dia cavalgando até Clydon. Em qualquer caso, tinha

muito que lhe dizer, agora que a amedrontava com seus estratagemas. Seguia

sem poder dar crédito ao que ele havia feito. Não era só o fato de que, antes

que dormisse já começava a suspeitar que ele não tinha nenhuma intenção de

deitar-se com ela, que sua única pretensão tinha sido assustá-la para que desse

sua promessa; coisa que ela havia feito com surpreendente rapidez.

 Tampouco era que, depois do que havia confessado a noite anterior,

isso fosse tão importante. Se casar-se com outra pessoa, no que a Wulfric dizia

respeito, significava assinar sua sentença de morte, não podia arriscar-se a isso.

Isso queria dizer que estava presa a ele enquanto continuasse considerando-a

sua, e ela havia esgotado todas as possibilidades de fazê-lo mudar de idéia

quando nem sequer os desejos do rei o tinham dissuadido.

Milissant se vestiu a toda pressa, descartando o vestido que usava no

dia anterior a favor de outra roupa, só para desrespeitar Wulfric. Não tinha

por que saber que tinha trazido objetos que ele considerava «apropriados».

Pensaria que não tinha outra coisa que colocar. Uma pequena vitória para ela,

muito pequena para compensá-la pela ira que ele provocava.

Seu aborrecimento era evidente em sua expressão quando entrou no

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237 

grande salão de Clydon. A refeição do meio-dia já havia terminado. Estavam

retirando as mesas de cavaletes e Wulfric estava junto a lareira na companhia

de lorde Ranulf. Reparou nela e em seu gesto.

-Apaga essa expressão de seu rosto, moça. - foi à primeira coisa quedisse- Se acha que vou tolerar seu mau humor depois do que fez, está muito

equivocada.

 A ela não impressionou a advertência, e exclamou:

-O que eu fiz? E o que ocorre com o que você fez?

-Não fiz o que tinha que fazer, mas podemos retificá-lo rapidamente se

insiste...Milissant abriu a boca para replicar, mas fechou quando compreendeu

que não estava falando de deitar-se com ela, mas sim de lhe dar uma boa

surra. Isso não teria permitido de nenhuma maneira, para tudo havia um

limite. Teve que tragar a bílis e se afastar dele e aproximou-se do tablado, que

ainda não haviam desmontado, para pegar um cálice de vinho meio cheio.

Sentiu a risada do pai de Roland atrás dela. Por Deus! Havia visto junto

a Wulfric, mas a havia ignorado por completo, porque tinha toda a atenção

nesse bruto. Sentir-se tão ignorada a fez ruborizar. Quando se virou para a

lareira, Ranulf já tinha partido. Wulfric estava só agora, com os braços

cruzados e olhando-a com cenho franzido. Ela levantou o queixo, desafiante.

Ele arqueou uma sobrancelha. Ela apertou os dentes, perguntando-se se

alguma vez poderia com ele. Sem dúvida, ele contava que não pudesse.

Sabia, seu sentido comum o ditava que o prudente seria manter-se

afastada dele até que ambos tivessem a oportunidade de acalmar-se. O

problema, entretanto, era que ela duvidava que pudesse acalmar-se se não se

desafogasse, mesmo que fosse um pouquinho. Além disso, também precisava

saber o que ele pretendia fazer em relação às maquinações do rei João,

especialmente agora que a ia levá-la de volta a Shefford e teria que tratar

diretamente com ele.

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238 

 Aproximou-se dele pela segunda vez, tentando apagar sua expressão de

desprezo. Antes que ele a advertisse que não esgotasse a paciência, ela

introduziu um assunto que Wulfric não poderia ignorar.

-Vai dizer a seu pai o que João fez? Wulfric respondeu com outra pergunta.

-O que foi exatamente que fez o rei, além de te dar a sensação de que

estava contra nossa união?

-Não foi a sensação. Queria proporcionar uma razão para me repudiar.

Ele franziu o sobrecenho.

-Eu só faria isso se...-Exatamente.

 Wulfric empalideceu.

-Está dizendo que João Plantageneta te violou?

 A surpreendeu não querer que ele pensasse isso nem por um momento,

e se apressou a esclarecer:

-Não, não o fez. O que não quer dizer que não teria acontecido,

embora duvido que ele tivesse considerado uma violação. Dava a sensação de

que ele esperava que eu me sentisse adulada e agradecida por sua proposta.

Falava constantemente dos benefícios para ambos.

-Que benefícios? -Pareceu que lhe custava articular essas palavras.

Definitivamente, já não estava zangado com ela, embora não podia estar

segura de quem era agora o destinatário de sua ira.

-Não o especificou, Wulfric. Supus que se referia meramente ao prazer

de deitar-se com uma mulher, embora depois pensasse que talvez fosse algo

mais que isso. Quanto a mim, me perguntou se te amava, e eu respondi com

sinceridade. Sua réplica foi que, se esse era o caso, não me importaria que me

repudiasse. Pareceu encantado; inclusive disse estar. Suas palavras foram: «Me

agrada que possamos ambos nos beneficiar desta solução.»  

-E você o rechaçou?

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Ela lhe dirigiu um olhar furioso pelo simples fato de que tivesse

necessitado perguntar.

-Naturalmente! Mas como não estava disposto a aceitar minha negativa,

quis descarregar minha consciência decidindo ele por mim, ou isso disse.Consegui escapar, mas me aterrorizava que pudesse se vingar de mim por ter

desbaratado seus planos. Esse foi o principal motivo pelo qual parti, para que

ele não pudesse me encontrar, embora não tenha sido a única razão.

Ele franziu o cenho ao recordar, mas seguiu com o tema que estavam

falando e quis saber quando havia acontecido o encontro.

-Na mesma noite de sua chegada. Um de seus servos veio me buscar

com o pretexto de que o casal real queria que fosse a sua presença. Mas

quando cheguei só estava João. Não fez rodeios para tentar me colocar em

sua cama. Quando eu recusei, ele tentou forçar a situação; e foi quando eu lhe

dei um chute e escapei do quarto. Passei o resto da noite atrás de uma porta

barricada empunhando meu arco. Na manhã seguinte Jhone me ajudou a sair

de Shefford.

-João estava de muito bom humor no dia seguinte. Nem sequer fez

comentário algum sobre sua ausência.

-Ausência? Será que Jhone não...? Enfim, não importa.

-O que? -disse para que tivesse que lhe dizer o que ele já sabia- Se não

fingiu ser você? Acha que a estas alturas não percebo as diferenças que há

entre as duas?

Milissant teve que apertar os dentes para suportar a suficiência que

detectou no tom de Wulfric.

-Não pode estar seguro. Ao menos nem sempre nem de um modo

absoluto.

-Isso te concedo e por isso te advirto, nunca volte a me enganar nisso,

Milissant, ou vou proibir a entrada de sua irmã em Shefford. Sim, enganou-

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me, mas até a hora do jantar, quando notei um nervosismo impróprio de ti.

Então foi quando descobri a farsa.

Ela grunhiu para si mesma. Se fosse assim, não era estranho que a

tivesse encontrado tão cedo. Quanto ao bom humor de João, seguramentepensava que a ela dava medo ver-se com ele, e ainda mais medo contar a

alguém o ocorrido entre eles.

Havia contado, e acrescentou:

-Se tivesse o acusado de algo, certamente que o teria negado. Da

mesma maneira que estou segura de que, se finalmente tivesse conseguido o

que pretendia, teria me culpado, dizendo que eu o seduzi ou alguma tolice

similar. Contará a seu pai?

Ele refletiu e logo respondeu:

-Talvez algum dia, quando puder ser útil. Agora mesmo não considero

justificado, principalmente quando João segue manifestando sua pretendida

aprovação à boda.

-Tem idéia do por que João está contra, além do fato de que seu irmão

a aprovou e ele odiava seu irmão?

-Certamente. Eu mesmo não me inteirei, até recentemente, do quão

rico é seu pai. A combinação dessa fortuna com as posses de Shefford criará

uma aliança com tanto poder que inclusive João pode sentir-se ameaçado por

ela.

-Meu pai nunca se envolveria em uma guerra contra seu rei. Bom, ao

menos acredito que não.

-Nem o meu tampouco, se não o provocassem gravemente. Mas pensa

no exército que poderia se formar com os cavalheiros de Shefford e os

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mercenários de Dunburh. É um poder que talvez não se utilize jamais, mas

 João não vê assim. Se tivesse o apoio incondicional de todos seus barões, não

se importaria. Mas precisamente quando tantos deles estão rompendo com

ele, e os tachou de proscritos e traidores, ele se veria obrigado a formar a todapressa um exército igualmente numeroso. Além disso, os barões que estão

contra ele se somariam rapidamente à causa de Shefford.

-Tal como conta, não só parece um assunto que deva preocupá-lo, mas

também uma possibilidade temível que deve tentar evitar por todos os meios.

Ele imaginou o que Milissant estava pensando.

-Incluído o de te matar? -Ela assentiu, e seguiu concentrada no fio de

suas reflexões.

-Em um momento determinado disse: «Te faço um favor maior do que

pode imaginar.» Eu pensei que se referia a que, em sua opinião, era uma honra

que o rei me levasse à cama. Mas o favor também podia ser que, se você me

repudiasse, ele não teria que me matar.

-Pode ser - replicou Wulfric pensativo- Embora também tenha que

considerar que a amizade de nossos pais se remonta a sua juventude e que, na

realidade, não faria necessário uma aliança por casamento para que formassem

esse vasto exército que estamos falando. Além disso, se alguém souber que

 João tentou interferir, arrisca-se ainda mais que se forme esse exército. Você

acha que João jogaria até esse ponto?

-Por acaso não se arriscou quando tentou se deitar comigo? -replicou

Milissant.

Ele riu de sua áspera réplica.

-Acaba de responder à pergunta você mesma. Podia facilmente afirmar

que foi idéia tua, não dele, e que ele foi fraco e não soube resistir a oferta. Sem

dúvida essa teria sido sua desculpa caso tivesse obtido sucesso, quando eu me

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inteirasse e a repudiasse... De verdade, deu um chute no rei da Inglaterra?

Ela ruborizou e assentiu com uma breve sacudida de cabeça.

 Wulfric riu de novo.

-Se não fosse por isso, sentir-me-ia impulsionado a... Bom, nãoimporta. Duvido que funcionasse tratando de João. Embora presuma que o

mais sensato será renovar meu juramento ante ele depois das bodas, para

tranqüilizá-lo um pouco. Quer dizer, se é que assiste.

-Como não vai assistir se já está em Shefford?

-Mas se o que você conta for certo, talvez esteja muito encolerizado

para ficar e ver como se oficializa a união. Não lhe faltarão desculpas para

justificar sua marcha antes que se celebrem as bodas.

Ela não teria desejado outra coisa. Inclusive se atrevia a desejar que já

tivesse ido, porque não lhe agradava absolutamente ter que voltar ver João

sem Terra.

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244 

 Wulfric a noite anterior, quando ficaram sustentando o olhar durante tanto

tempo, Roland foi todo sorrisos quando se encontrou com ela esse dia e não a

examinou em busca de golpes e hematomas. Milissant se perguntou se Wulfric

tinha falado com ele pela manhã e o que poderia ter dito, porque era óbvioque ele estava tranqüilo a respeito do bem-estar dela.

Não era bem assim, mas ela pensou que era melhor não dizer a Roland.

O tinha metido no assunto uma vez, e quase lhe custara a vida. Não voltaria a

envolvê-lo.

Estavam já preparados para partir quando apareceu Lady Reina com

suas duas filhas, a menor vestida devidamente como filha do senhor docastelo. Reina se limitou a levantar uma sobrancelha quando viu a roupa de

Milissant, mas tinha sido o suficiente para que ruborizasse e corresse a por o

 vestido antes de empreender a viagem. Milissant se perguntou se no caso de

que sua própria mãe estivesse ainda viva, teria tido a metade dessas teimosas

inclinações, ou se, efetivamente, não teria sido diferente das demais mulheres,

conforme se esperava dela, como Eleanor Fitz Hugh.

Enquanto era uma menina nada nem ninguém a impediu de fazer sua

 vontade, já que seu pai estava acostumado a ficar muito bêbado para dar-se

conta ou ser capaz de envergonhá-la como teria feito sua mãe.

Quão diferente seria agora se sua mãe vivesse! Teria aceito Wulfric sem

dizer uma palavra pela simples razão de que saberia que nada do que pudesse

opinar seria levado em conta? Mas mantendo a atitude contrária tampouco

havia feito o menor caso. Ao fim, tinha que casar-se com ele. O próprio

 Wulfric tinha se encarregado de assegurá-lo com suas horripilantes ameaças

contra qualquer outro marido que ela pudesse ter, assim nem seu pai poderia

ajudá-la a anular essas bodas tal como estavam às coisas. Imaginava que

deveria sentir-se desesperançada e não irada, e sentia que sua ira se devia mais

à atitude de Wulfric que ao fato de que tivesse queimado suas últimas chances.

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O que não deixava de surpreendê-la.

Outra sobrancelha se levantou nesse caso a de Wulfric, quando ela

retornou com o vestido. Teve vontade de gritar de frustração quando viu o

gesto do jovem. Permitir que outros lhe ditassem o que tinha que fazer,embora fosse com o olhar, estava muito acima da sua boa vontade. E parecia

que esse ia ser seu pão de cada dia, a menos que fizesse o que Jhone havia

recomendado e se esforçasse em cultivar a boa disposição de ânimo de

 Wulfric, ou ao menos sua tolerância.

 A viagem de volta a Shefford levou o dobro de tempo, devido à ampla

comitiva que incluía um coche para a bagagem. Assim não chegaram até ocrepúsculo. Milissant considerou vantajoso, já que tinham que ocultar sua

ausência à maioria dos habitantes do castelo. E, efetivamente, conseguiu

chegar até seu quarto sem que ninguém a visse, graças a capa encapuzada em

que ocultou seu rosto. Mas Jhone reparou nela, e entrou no quarto justo

depois que sua irmã. Estava pálida e seu tom confirmava sua expressão

angustiada.

-Como Wulfric conseguiu te encontrar? E tão cedo? Caramba, Mili,

sinto tanto. Quando ele descobriu o engano e começou a gritar para que

dissesse onde estava, desmaiei a seus pés. Estava feito um louco. Mas eu não

disse nada, creio que não disse nada a ele.

Milissant abraçou sua irmã.

-Já sei que não disse nada. Foi minha culpa. Eu mesma disse sem me

dar conta.

-Como?

-Um dia, na semana passada, me fiz passar por ti para poder sair da

torre sem que me seguisse essa maldita escolta e, no caminho, encontrei com

lorde Raymond, que queria falar contigo sobre o homem que eu estava

«apaixonada». Não dei o nome de Roland, naturalmente, mas como se

presumia que eu fosse você, disse que nunca tinha dito quem era e que o

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chamava «meu gigante gentil». Como Wulfric conhece os Fitz Hugh, porque

Clydon é vassalagem de Shefford, acabou imaginando a quem me referia.

Quantas pessoas sabem que parti?

-Muito poucos. A maioria ainda acredita que o primeiro dia eu estavadoente e você cuidou de mim, e logo fiz correr a voz de que a havia

contagiado, para explicar por que tampouco a viram hoje. Os que tenham te

 visto agora no salão pensarão simplesmente que se recuperou se é que a

reconheceram. Eu mesma só te reconheci porque o vestido aparecia por

debaixo da capa.

Milisant assentiu.-Duvido que Wulfric queira que saibam que parti, de modo que está

muito bem que pensasse na desculpa de minha indisposição.

-Vi que Sir Roland estava contigo. Não teve tempo de expor a ele sobre

o casamento?

Milissant suspirou e explicou brevemente o ocorrido com Roland.

Concluiu seu relato dizendo:

-Não sabe como eu gostaria de ter sido capaz de compreender meus

 verdadeiros sentimentos por ele antes de ir a Clydon. Poderia ter ido

diretamente a papai... Ora, já não importa!

 Wulfric me disse que, dado que pensa que já lhe pertenço, mesmo que

papai aceitasse romper o compromisso e me casasse com outra pessoa, meu

novo marido não viveria para vê-lo.

-Te disse isso? - Repôs Jhone com olhos como pratos.

-Ameaçou-me com isso.

-Pois, no fundo soa... Muito romântico.

Milissant revirou os olhos e replicou:

-Doentio isso é o que é.

-Não, isso prova que agora, apesar de tudo, ele te quer. E isso é

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romântico.

-Jhone, você seria capaz de encontrar virtudes em um sapo.

 Jhone suspirou ante a teimosia de sua irmã.

-O fato de que insista tanto em querer a ti é uma virtude.-É só sentimento de posse. Não significa que albergue sentimentos

ternos por mim.

-Não, naturalmente que não, nem os albergará jamais, se seguir

obstinada em não vê-los.

-Por que estamos brigando?

 Jhone suspirou e se sentou na cama.-Porque sempre é preferível a chorar? -aventurou desesperançada.

Milissant se aproximou dela.

-Não é para chorar. Sei quando tenho que deixar de dar cabaçadas

contra a parede. Esgotei minhas últimas possibilidades, assim me casarei com

ele. Mas não vou permitir que acabe comigo. Tudo ficará bem, Jhone, de

 verdade.

-Antes não pensava o mesmo.

-Não, mas antes tinha outras esperanças. Agora, pois... Como me

esforcei para evitar esta união, lutarei para que Wulfric de Thorpe me aceite tal

como sou ou, ao menos, que não tente me mudar muito.

 Jhone sorriu.

-Não pensava que se rendesse com tanta elegância.

Milissant empurrou sua irmã para fora da cama, ignorou seu gritinho de

surpresa e concluiu:

-Ora, quem falou em elegância?

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Capitulo 41

Milissant não se surpreendeu ao encontrar o rei João no grande salão namanhã seguinte, mas se sentiu decepcionada ao ver que não tinha partido, tal

como ela esperava. Jhone confessou que se viu obrigada a falar com ele

enquanto fingia ser ela e, pelo que lhe pareceu, se divertiu com seu

nervosismo.

Sabendo disso, Milissant já não estava assustada. O que temia era uma

reação por sua ousadia. Entretanto, era óbvio que João não tinha nenhumaintenção de que aquele incidente, e especialmente as razões que o haviam

motivado, fosse de domínio público.

Se essa noite teria estado em condições de raciocinar corretamente

talvez já o tivesse imaginado. Não obstante, Jhone não tinha estado a sós com

o rei, única circunstância em que ele teria comentado o ocorrido entre eles.

Por conseguinte, não podiam saber como se sentia o monarca.

Ele percebeu sua entrada na sala, mas não pareceu prestar atenção. Não

interrompeu a conversa que mantinha com lorde Guy e outros homens de

importante aspecto. Estavam reunidos ao redor da mesa sobre a qual havia

pão, vinho e queijo para os que queriam quebrar o jejum matinal. Pareciam

animados e se ouvia suas gargalhadas.

Milissant não tinha fome. E embora a tivesse não teria se aproximado

da mesa. Albergava a frágil esperança de que João não quisesse falar de novo

com ela, embora só fosse para evitar o mau estar a ambos. Ela ia facilitar de

todas maneiras mantendo-se afastada dele. Não ficou na sala e se encaminhou

para o exterior com a intenção de ver como estava Stomper. Apenas reparou

que sua silenciosa escolta descia as escadas atrás dela.

O tempo se mantinha estável embora frio e os restos de neve quase já

haviam desaparecido. Lady Anne se inquietava que a tormenta impedisse a

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presença de alguns convidados, como efetivamente teria acontecido se a

intensa nevada e o vento não tivessem amainado. Dito de outro modo,

Milissant não teria a sorte de que seu casamento se atrasasse devido ao mau

tempo. A maioria das núpcias era marcada para a primavera ou verão,precisamente por isso, porque as muitas testemunhas que se precisavam para

um casamento não cabiam todos na igreja, e estavam acostumados a

amontoar-se no exterior do templo enquanto durava a longa missa dos

esponsais. E essa não era uma perspectiva muito agradável em pleno inverno.

 A caminho do estábulo, o entrechocar das espadas atraiu o olhar de

Milissant para o pátio de arma, como sempre. Deteve-se um instante, masseguiu a toda pressa quando reconheceu Wulfric entre os ali reunidos. Ele e

seu irmão estavam exercitando-se com a espada embora, dada a multidão

congregada a seu redor, mais parecia uma exibição. Depois de se deter um

momento a olhá-los, concluiu que Wulfric ia ganhar sem muito esforço. A

espada parecia uma extensão de seu braço, ele a dirigia com aprumo e leveza.

Ouviu uma tosse atrás dela que a lembrou que não estava só, e que sua

escolta não ia o suficientemente abrigada para ficar de pé contemplando um

duelo de espadas com aquele frio. Para falar a verdade, tampouco a fina capa

com que ela se cobria a abrigava muito. Embora ela estivesse tão absorta no

espetáculo que nem sequer tinha sentido frio.

Não se reprovou por isso enquanto percorria apressadamente o trajeto

que a separava dos estábulos. Nunca tinha negado que Wulfric era um

esplêndido exemplar de homem. Agora também tinha que admitir que sua

mestria com a espada fosse uma das melhores que ela havia visto. Gostava

muito de contemplar Roland quando este se formava para ser cavalheiro. E

acabava de lhe ocorrer o mesmo observando Wulfric.

Sorriu quando entrou nos estábulos e em seguida no compartimento de

Stomper. Se seu casamento não tivesse nada a distrair, ao menos poderia

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desfrutar disso, de ver como seu marido aperfeiçoava suas habilidades como

cavalheiro. Só que teria que arrumar para que Wulfric não chegasse, a saber,

que gostava de vê-lo, pois certamente a proibiria, como pensava proibir

qualquer coisa com a qual ela desfrutasse.-Filha de Crispin! Como é seu nome?

Milissant lamentou não ter notado que João se aproximava. Embora

não pudesse dizer que a surpreendesse sua presença, sem a companhia de seu

séquito habitual. Obviamente, a havia procurado por algum motivo, e não

tinha que fazer nenhum alarde de imaginação para descobrir qual. O rei queria

saber se havia falado de seu encontro com alguém. Teria que convencê-lo quenão.

-Milissant, senhor.

 Aceitou seu sutil insulto sem rancor. Não restava duvida que João

lembrasse perfeitamente bem seu nome, só queria fazer notar que ela era tão

insignificante que podia ter esquecido.

-Não pensava encontrá-la aqui, em um lugar tão fedido que qualquer

dama evitaria freqüentar - comentou com desdém.

Outro insulto. Estava provocando-a para que se acendesse? Preferiu

fixar mais no explícito da observação que em sua intenção encoberta. Depois

de tudo, era certo que no inverno os estábulos fediam mais, porque

mantinham suas portas fechadas para proteger os animais do frio.

E a maioria das damas não cuidava de suas próprias montarias e

deixavam isso nas mãos dos rapazes do estábulo, que para isso eram

contratados. Por isso proferiu um suspiro que quis soar autêntico.

-Temo que ninguém possa se aproximar de meu cavalo, alteza, assim

tenho que cuidar eu mesma dele.

Foi desconcertante reparar que ele não havia notado a presença de

Stomper, face ao grande que era em que seus olhos não haviam notado mais

do que nela desde que entrou no estábulo. Por acaso estava estudando até a

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menor de suas reações? Procurava o medo que havia visto antes, quando

acreditou que Jhone era ela?

Mas então olhou o garanhão, seus olhos de um verde dourado se

dilataram surpreendidos e esqueceu as boas maneiras para exclamar:-Mas, moça, está louca? Como se atreve a aproximar-se tanto de um

animal como esse?

Ela se esforçou para conter a risada.

-É meu, porque eu o treinei, embora não posso garantir a segurança de

nenhuma outra pessoa que se aproxime dele.

O rei franziu o sobrecenho, como se pensasse que ela estava oameaçando sutilmente, embora estivesse ao ponto de se pôr a rir.

-Isso pode dizer de qualquer cavalo assim.

-Mas especialmente do de Milissant - interveio Wulfric aparecendo por

detrás do rei.

Surpreendeu Milissant que, por uma vez, a súbita aparição de Wulfric a

tranqüilizasse. Sua escolta, como de costume, não havia se aproximado do

compartimento de Stomper, de modo que João poderia dizer o que tivesse

 vontade com a certeza de que ninguém o ouviria. Felizmente, a aparição de

 Wulfric o impediria de mencionar o ocorrido entre ele e Milissant.

 João dissimulou sua contrariedade. Murmurou algo a respeito de que

pensava que seu próprio cavalo estava resguardado ali, uma desculpa para

justificar sua presença, e logo partiu bruscamente quando Wulfric lhe indicou

onde estavam albergadas as montarias reais.

 Ah, com que presteza o alívio que sentiu Milissant quando apareceu

 Wulfric se converteu em temor! Como se livrar de uma cruz significasse cair

nas mãos de outra, pensou. Irônico mas certo. Entretanto estava realmente

agradecida que Wulfric tivesse entrado no estábulo justo nesse momento, e

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teve o firme propósito de não encetar-se em nenhuma discussão com ele.

-Queria falar comigo? -perguntou.

-Só vim dar um pouco de açúcar a Stomper antes de voltar para a sala.

Ela o olhou atônita quando, precisamente, ele mostrou o torrão deaçúcar que levava na mão. Stomper se aproximou da cerca para pegá-lo

diretamente de sua palma, como se fossem velhos amigos. Ela lembrou que

 Wulfric conseguiu entrar a cavalo dentro de seu compartimento graças ao

açúcar, mas essa única vez não justificaria que o animal se aproximasse com

tanta desenvoltura dele.

-Fizeste em mais de uma ocasião? -Não era uma pergunta, senão umaleve acusação.

-Freqüentemente - replicou ele encolhendo de ombros.

-Por quê?

-E por que não?

Porque era um gesto amável, e ela havia decidido em seu foro íntimo

que Wulfric não era amável com os animais. Com certeza devia ter alguma

segunda intenção. Embora nesse momento não lhe ocorresse qual.

-Te ameaçou outra vez?

Milissant estava concentrada em Stomper quando ele perguntou.

Continuou com o olhar fixo no cavalo em lugar de voltar-se para Wulfric.

 Assim era mais fácil centrar-se em seus pensamentos. Naturalmente,

referia-se a João, e ela respondeu da mesma maneira, sem mencionar seu

nome.

-Soltou alguns insultos leves, não sei se intencionalmente ou não. Não

obstante, duvido que sua presença aqui fosse uma casualidade. Viu-me sair da

torre e, após alguns instantes, apresentou-se aqui, sozinho.

-Então te seguiu.

-Isso é o que parece. Embora não sei se sua intenção era comentar o

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que ocorreu aquela noite... -disse encolhendo os ombros- Sua chegada

desbaratou suas intenções, sempre e quando não fosse, simplesmente, me

fazer sentir como um insignificante inseto que poderia esmagar

caprichosamente com sua bota.Ele ignorou a amargura que refletia a voz de Milissant.

-Meu pai vai te restringir a zona das mulheres enquanto houver tantos

desconhecidos entrando e saindo do castelo a serviço dos convidados. Agora

não me parece má idéia, deveríamos ter feito muito antes.

-O que? Encarcerar-me? -repôs ela com um grunhido e um olhar

furioso.-Não é isso; além disso, só será até depois das bodas, quando só ficar os

de sempre. Tal como estão as coisas, seu assassino pode se aproximar de ti

sem nenhum problema, e como saber se pode tratar do servente de algum dos

convidados? Além disso, isso evitará que se encontre de novo a sós, como

acaba de acontecer.

-Teria informado rapidamente de suas intenções. Esperava que tivesse

decidido me evitar. Mas, como não parece que esse seja o caso, não preferiria

saber se está tranqüilo? Ou será que pretende falar diretamente com ele?

Pensava que você também queria fugir do assunto com ele. Não seria melhor

que o convencesse de que ninguém sabe especialmente os de Thorpe? Não

seria mais fácil deixar correr o assunto?

-Mais fácil para ele, sim, mas não me preocupa que seja mais fácil. O

que me preocupa é que tenha que ficar sozinha novamente com ele.

-Tem medo de que da próxima vez faça algo mais que lhe dar um

chute? -exclamou ela.

-Não, só que não quero que haja uma próxima vez. Tão difícil é

compreender que penso te proteger de suas maquinações?

Ela só estava habituada a esse tipo de raciocínios se procediam de seu

pai. Na boca dele era francamente incômoda, porque sugeriam interesse e

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preocupação por ela.

Por isso preferiu mudar de assunto:

-Ainda não me contou como me encontrou tão rápido. Não se

incomodou em me buscar pelo castelo?-A conheço o bastante Milissant. Não te incomodaria em se ocultar em

um lugar onde, cedo ou tarde, acabariam te encontrando. Que sentido teria?

Ela não mencionou que havia ocasiões em que precisava esconder-se e

que fazia isso com freqüência, sabia por sua própria experiência em sua casa

que era possível esconder-se sem que ninguém a achasse. Embora, nessa

precisa ocasião não teria bastado, isso era certo. O que não gostava era que elea conhecesse «o bastante», ou ao menos que o pensasse. Se podia predizer

seus atos, embora só fosse a metade das vezes, Milissant ficaria em clara

desvantagem, especialmente porque estava descobrindo que ela era incapaz de

fazer o mesmo com ele.

 Ao que parecia, ele presumia que a conversa estava por terminada,

porque disse:

-Venha, vou acompanhá-la de volta ao salão.

-Para me trancar?

Ele suspirou e lhe dirigiu um olhar impotente.

-Até que eu possa reconhecer a todos os que se reúnem no grande

salão, sim; não vou correr esse risco se tratando de ti. Não se preocupe por

seu cavalo, eu cuidarei dele. Tampouco é preciso que fique sempre nas

dependências das mulheres. Se permanecer perto de minha mãe, pode ir

aonde ela vá. Da mesma maneira, se estiver comigo...

Ela o cortou em seco enquanto passava ante ele para empreender o

caminho da torre.

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-Não se incomode em fazer que pareça agradável o que não é, lorde

 Wulf. Uma presa é uma presa por mais que lhe concedam pequenas

liberdades.

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256 

Capitulo 42

 Wulfric se incomodou que Milissant fizesse que o apelido como que erachamado familiarmente soasse um epíteto3. Incomodava que João não

pensasse em deixá-la em paz. O incomodava que ela pensasse que podia

dirigir sozinha o assunto de João. E o que mais o incomodava era que ela

estivesse zangada com ele.

Esperava poder começar de novo com ela depois de sua volta a

Shefford. Depois da onda de raiva que se apoderou dele quando soube quehavia fugido para Clydon, e reconhecendo seus ciúmes, tinha que admitir, ao

menos ante si mesmo, que o que agora sentia por ela ia além de simples

luxúria. Seus sentimentos haviam crescido rapidamente. Quanto mais ficava

junto dela, mais vontade tinha de permanecer ali.

Esses sentimentos que ela suscitava nele lhe resultavam novos, e não

sabia como denominá-los. Só sabia que sua companhia era muito estimulante,

tanto para o corpo como para a mente. O divertia, o frustrava, o provocava

alternadamente e estava começando a se dar conta de que agora também o

preocupava. Embora isso sim, nunca o aborrecia.

Felizmente ou isso pareceu a ele, sua mãe estava no salão com o que

economizou ter que escoltá-la pessoalmente até as dependências das mulheres

e chamar os guardas para que se colocassem na porta e vigiassem que não

saísse. Assim pode deixá-la com Anne embora não parecia ser tão diferente

para Milissant. Quando o olhou pela última vez jogava faíscas pelos olhos.

Que lástima! Agora mesmo sua segurança era mais importante para ele

que sua animosidade. Era óbvio que começar de novo com ela teria que

3 01‐ Palavra oufrase que qualifica alguém ou algo 

02- a. qualificação; b. cognome; c. alcunha.

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esperar até depois das bodas. Foi procurar seu pai para lembrá-lo que

ordenasse o dispositivo que tinha que manter Milissant controlada. Guy sabia

que tinha escapado de Shefford, mas desconhecia que João era a origem dessa

fuga. Pensava somente que a proximidade do casamento a tinha aterrorizado.Na noite passada Wulfric havia falado de Roland Fitz Hugh e do que ela

acreditava sentir por ele. Na realidade a Guy havia parecido muito divertido.

O mais curioso é que ao pai de Roland também quando Wulfric falou com ele

antes de partirem de Clydon.

Nenhum dos dois homens considerou um obstáculo para os planos de

 Wulfric. Entretanto era difícil ignorar o fato de que apesar do jovem Rolandter sido excluído de sua lista de possíveis maridos provavelmente ela seguia

tendo uma lista porque constava que Milissant ainda preferiria casar-se com

outro que não fosse ele. O único consolo ficava em que não amava outro

assim isso já não podia enfurecê-lo. Ironicamente, ele não teria se inteirado

jamais de tudo isso se Milissant não tivesse fugido para Clydon.

Quando mais tarde retornou à sala viu que quase tudo tinha voltado

para a normalidade. Os criados estavam montando as mesas para a refeição do

meio-dia e sua mãe e suas damas de companhia estavam junto à lareira. Os

convidados tinham ido contemplar uma exibição de tiro ao alvo que Guy

havia organizado para entretê-los. Às damas não interessava muito, mas ele

imaginou que Milissant provavelmente sim e foi procurá-la.

Não obstante sua mãe saiu ao seu encontro antes que se aproximasse

da chaminé e o levou a um lado para que os criados que iam e vinham não os

ouvissem. O divertido era que precisamente quisesse falar dos convidados. Ao

menos a princípio lhe pareceu divertido.

Lady Anne assinalou com a cabeça em direção às mesas e franziu o

sobrecenho.

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-Note aquela garota ali, a de cabelo escuro.

-Qual delas, mãe? A maioria tem o cabelo escuro.

-A trull4.

«Trull»  era uma palavra muito forte com a que se designava às rameirasou prostitutas, e isso divertiu ainda mais Wulfric, dado que sua mãe raramente

desprezava às pessoas as chamando desse modo. Era uma mulher cujo adorno

sugeria efetivamente essa profissão. Usava o sutiã tão aberto que mostravam

um par de seios abundantes e a faixa comprimia o talhe para que marcassem

as curvas.

-O que há com ela?-Pois não é daqui - disse Anne com frieza.

Se a moça era uma prostituta, isso devia ser mais que certo. Sua mãe

não permitia que utilizassem o salão para sua comercialização, porque as

damas podiam ofender-se. Não obstante, a moça devia ser uma criada mais do

castelo e a via muito atarefada servindo travessas de pão nas mesas.

-Tentou corrigir suas maneiras?

-E por que deveria fazê-lo se repito que não é dos nossos?

Então ele enrugou a testa.

-Então o que faz aqui?

-Isso deixarei que você descubra. Pediu que te indicasse qualquer

detalhe que parecesse suspeito. E isso o faço. Naturalmente, assim que a vi

ontem a interroguei a respeito. Afirma ser uma prima de Gilbert que vive no

povoado, e que lhe pediu que viesse dar uma mão nas cozinhas porque com

os convidados há mais trabalho do que o habitual. Mas conheço bem nossos

aldeãos. Gilbert não mencionou jamais parentes que vivam além de Shefford.

-O que diz Gilbert de tudo isto?

-Ainda não tive tempo de ir ao povoado falar com ele. Reparei na

garota pouco antes que chegassem. Agora que sabe, pode se encarregar você

4 Uma prostituta ou mulher desleixada. 

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mesmo. Leve-a contigo enquanto isso. Se de verdade for parente de Gilbert,

pode lhe dizer que não é bem vinda aqui. Passou muitos anos da última vez

que tive que passar o sufoco de expulsar alguém como ela. Preferiria não ter

que fazer de novo.Naturalmente, algumas garotas da criadagem do castelo eram

prostitutas. Rara era a herdade em que não as tinha, à exceção das

propriedades religiosas. Enquanto não fossem muito chamativas, Anne

preferia ignorá-las. Sua única objeção era contra as muito descaradas no

oferecimento de seus serviços.

Ele se aproximou da mulher, quem, surpreendentemente, havia ido àmesa do lorde servir o último pedaço de carne que levava na bandeja. Isso o

surpreendeu, posto que a mesa do estrado tivesse seus próprios serventes,

fiéis criados, e ninguém a não ser eles se ocupava de servi-la e atendê-la. Dado

que o veneno era um dos meios que acostumavam utilizar para se livrar dos

inimigos, nenhum mordomo que merecesse o pão que comia teria permitido

que um servente desconhecido se aproximasse da mesa de seu lorde e

Shefford não era uma exceção à regra.

Podia conceder que a mulher fosse estúpida para compreendê-lo, e

também que fosse realmente quem afirmava ser e que só pretendia ajudar em

uma época em que o castelo necessitava. Mas queria se assegurar disso.

Porque quem o preocupava não era seu pai. Os assaltantes de Milissant

seguiam estando lá fora, e sem dúvida presos de um desespero crescente agora

que ela já não se aventurava além das muralhas do castelo, onde seria fácil

atacá-la.

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Capitulo 43

-Viu isso? -perguntou Milissant a sua irmã com um sussurro. Jhone levantou a vista da roupa que estava bordando. Era um novo

hábito que Lady Anne queria que usasse o sacerdote para a cerimônia.

-O que? -perguntou Jhone quando não reparou em nada especial. Nada,

ao menos, que justificasse a raiva que se refletia nos olhos verdes de Milissant.

-Wulfric e aquela puta partiram juntos - explicou Milissant- Nem sequer

esperou que se celebrasse as bodas para sair descaradamente atrás dasprimeiras saias com que se cruza.

 Jhone a olhou com incredulidade antes de fazer notar:

-É uma conclusão um tanto absurda, não consta que...

-Vi tudo - cortou em seco Milissant- O vi detê-la para discutir o preço

com ela, e logo saíram juntos, como se não soubesse que eu estou aqui.

Inclusive passou a mão pelos ombros dela.

-Isso não quer dizer nada -lembrou Jhone- Pode ter tido muitas razões

que não tenham nada a ver com o que está pensando.

Milissant bufou.

-Não pretenda defendê-lo nesta ocasião, Jhone. Tenho olhos na cara.

-Então deixe que te pergunte por que se importa com quem anda se

ainda não está casado contigo. Não deveria se importar.

-O que faz agora me mostra claramente o que fará depois. Se agora não

duvida em comportar-se desse modo, não acha que depois será capaz de me

esfregar suas amantes na cara?

-E o que te importa Mili? Você não estaria louca de ciúmes não é?

Milissant pestanejou surpreendida, antes de expressar de novo seu

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desdém e negá-lo ardentemente.

-Não estou é zangada e não me importo com que ele faça. Por mim,

que ande com tantas mulheres quanto quiser. Só que não quero que passeie

diante de mim, nem quero que se compadeçam os que me rodeiam quandofor óbvio que prefere outra cama que a minha.

 Jhone sorriu.

-Sim, são ciúmes. Do contrário, sua reação seria de indiferença. Antes

que me amaldiçoe, pensa por que está ciumenta.

-Digo que não estou ciumenta!

 Jhone se limitou a assentir com condescendência.-Ora! Não sei nem por que me incomodo em discutir contigo -

lamentou-se Milissant-. Está tão predisposta que o amor surja magicamente

deste casamento que nem sequer vê o que há diante do nariz.

-E você está tão predisposta a resistir a ele que nem uma pancada na

cabeça te faria reconhecer que não é tão feroz o leão como o pintam.

-Isso posso admitir agora mesmo - murmurou Milissant.

-O que quer dizer? -sorriu Jhone satisfeita.

Milissant ficou pálida.

-O fato de que ainda não saiba o pior não significa que não vá ocorrer

quando tivermos pronunciado os votos.

 Jhone disse então com uma desenvoltura que pretendia ocultar sua

preocupação:

-Mili, tem que deixar de se torturar por isso. O que tem que acontecer,

acontecerá. Entretanto, se mantiver a mente aberta e for devagar, pode ser

que os resultados a surpreendam agradavelmente. Os homens são maleáveis.

O que não te agrade em Wulfric, poderá mudar. Recorda sempre isso.

Depois de meditar, Milissant não se mostrou de acordo com sua irmã

mas assinalou:

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-Deveria ter sido abadessa. Sua capacidade para guiar, alentar e ensinar

os outros com esse aprumo tão sossegador é espantosa.

 Jhone ruborizou e admitiu:

-Estive pensando.-De verdade?

 Assentiu modestamente.

-Sim, depois da morte de Will.

-E por que não o fez?

-Porque embora não queria voltar a casar, e sigo sem ter vontade, eu

gostei de estar casada. Assim sei que algum dia poderia mudar de opinião.Milissant sentiu que Jhone falava para si mesma. Entretanto, compreendia o

sentido de suas palavras. A vida muda. Os sentimentos mudam. O que tão

horrível parecia hoje, podia tornar-se suportável manhã, ou até agradar no ano

seguinte, e vice-versa. Do mesmo modo, bem podia ocorrer que amanhã

desprezasse aquilo que tanto desfrutava hoje.

De um ponto de vista lógico, compreendia que os sentimentos eram

assim, que mudavam completamente por distintas razões. Embora também

soubesse que não podia contar com isso, que também podiam permanecer

inalteráveis. E onde poderia se apoiar para formar um ponto de vista senão

nos sentimentos atuais? Pensar, esperar inclusive, que esses sentimentos

pudessem mudar com o passar do tempo não ajudava a apaziguá-los.

Continuava furiosa pelo que acabava de presenciar, mas não comentou nada

mais com Jhone e a deixou voltar para sua costura. Ao que a ela dizia respeito,

sua perspectiva a respeito de que o casamento arranjado nunca funcionaria

bem não tinha feito mais que ratificar-se. O que agora era evidente era o

pouco que ela importava a ele. Wulfric contava com outros recursos para

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cobrir suas necessidades. Acabava de mostrar-lhe muito claramente, e

indubitavelmente de maneira intencional.

Contudo, podia ter escolhido qualquer outra criada se é que tanto

custava aguardar dois dias até que estivessem casados. Sendo ele quem eranenhuma mulher o rechaçaria. Outras mais bonitas que essa desmazelada com

quem havia saído, e certamente imensamente mais limpas.

Milissant provavelmente não teria reparado nisso se o tivesse visto sair

com alguma outra pessoa. Até o gesto de pegá-la pelos ombros poderia

parecer um gesto amistoso por alguém a quem conhecia desde fazia anos. Não

teria se dado conta. Não teria se importado. Entretanto, ele havia escolhidoprecisamente a única que mostrava descaradamente o que era. Por que o teria

feito senão para demonstrar a Milissant que podia, e que ela não podia fazer

nem dizer nada a respeito?

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Capitulo 44

 A ira é uma emoção imprevisível. Resulta curioso como

freqüentemente pode voltar-se contra quem a sente, ou causar mais mal que ofato que a provocou. Esse foi o caso quando Wulfric retornou à sala e

perguntou a Milissant se queria acompanhá-lo à ponte para ver a competição

de tiro ao alvo. Naturalmente, ela respondeu que não. Ainda continuava muito

zangada para dizer algo mais. Embora, posteriormente, repreendeu-se por ter

permitido que a irritação interferisse com uma atividade divertida. O simples

fato de que a convidasse respondia, em sua opinião, a sua consciência culpada.Evidentemente, bruto que era não teria ocorrido convidá-la a não ser assim.

No fundo, tanto melhor que não tivesse ido com ele, pois teria se

inflamado ante o fato de que não pudesse unir-se à competição. Seu pai sim

teria permitido, embora em Dunburh todo mundo conhecesse sua destreza

com o arco e não a discutiam. Contudo, os De Thorpe considerariam que era

uma vergonha que sua futura nora ganhasse em uma competição masculina e

teriam lhe negado a simples possibilidade de tentá-lo.

 As novas restrições às quais estava submetida se mantiveram, embora a

companhia de Lady Anne as tornasse mais suportáveis. Ainda teria que passar

boa parte dos dias vindouros nas dependências das mulheres, embora o

crescente nervosismo que ia se apoderando dela a mantinha distraída do

sentimento de vergonha.

Dado que, ao menos Milissant já não o esperava, a chegada de lorde

Nigel a Shefford um dia antes das bodas constituiu uma surpresa. Tinha uma

boa desculpa para sua demora: havia estado doente. Sua palidez e a perda de

peso confirmavam que não mentia. Milissant teve que admitir que tinha se

equivocado ao pensar que não assistiria para não ter que escutar os

comentários a respeito de Wulfric que ela faria. Pelo contrário, foi a primeira

coisa que perguntou, assim que puderam falar a sós naquela noite.

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265 

Ela e Jhone se despediram de seus escudeiros e o ajudaram elas mesmas

a deitar-se cedo. O certo é que ainda não se via o bastante restabelecido para

ter viajado. Entretanto, ele quis vir de todos os modos.

Milissant o agradecia profundamente, ainda que brigasse com ele porcolocar em perigo sua saúde. O mesmo fez Jhone e lorde Guy. Seu pai tinha

estado um tanto mal-humorado após todas essas reprimendas, mas agora

estava cansado. Não obstante, pediu a Milissant que ficasse um momento com

ele depois que Jhone se despediu.

-O que decidiu sobre o jovem Wulfric? Admita, é uma escolha

magnífica como marido, não é?Não pensava angustiar seu pai contando a verdade. Não só porque

estava doente, mas sim porque, simplesmente, não podia fazer nada por ela.

Embora o contrato ainda pudesse ser quebrado, ela não teria ousado procurar

outro marido devido à ameaça que lhe fez Wulfric a respeito.

 Assim se limitou a dizer:

-Ficará bem.

Nigel riu. Era óbvio o muito que o agradava que a errada fosse ela e

que ele tivesse acertado. Ela não tentou desenganá-lo. Ao menos a perspectiva

desse casamento fazia feliz a alguém.

-Está nervosa? -perguntou.

-Só um pouquinho - mentiu.

Na realidade, estava tão nervosa que não havia provado nem um

bocado em todo o dia por medo de que, se ingerisse algo, não demorasse para

devolvê-lo. E nem sequer estava segura do que a deixava tão nervosa. Ter que

deitar-se com ele? Ou o fato de estar completamente sob o controle de

 Wulfric?

-É de se esperar - disse lhe dando alguns tapinhas na mão- Como está o

ombro?

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266 

-O que? Ah, isso! Não foi nada, já havia esquecido.

-E você não me diria mesmo que doesse, não é? -Milissant sorriu.

-Provavelmente não.

Lorde Nigel a contemplou e soltou uma risada.-É como sua mãe, que sempre pretendia evitar que me preocupasse

com ela.

-Eu gostaria de tê-la conhecido melhor, durante mais tempo... -disse ela

com um suspiro- Sinto muito. Sei que ainda te dói lembrar-se dela.

Seu pai sorriu para subtrair importância. Entretanto, havia dor em seu

olhar.-Eu também gostaria de tê-la conhecido melhor. E eu gostaria que

tivesse conhecido melhor a ti. Teria ficado tão orgulhosa de ti, filha.

 As lágrimas apareceram nos olhos de Milissant.

-Não, não se sentiria orgulhosa. Se envergonharia de mim, como você...

-Shhhhh! Carinho, Por Deus! Mas o que te fiz? Nunca pense que não

estou orgulhoso de ti, Mili. De verdade, você é a que mais se parece com sua

mãe, em tudo. Era igual de teimosa, voluntariosa e intrépida, e eu a amava por

tudo isso, não apesar de tudo isso. Há mulheres que nascem para ser distintas,

embora nem todas sejam conscientes disso e nem todas tentam chegar a sê-lo.

 Você e sua mãe não estavam destinadas a ser como as demais. O jovem

 Wulfric apreciará estes traços de seu caráter assim que se acostume a eles.

 Asseguro-te que eu não teria feito a sua mãe diferente do que era.

Era fantástico ouvi-lo dizer, ainda que não acreditasse totalmente.

Como acreditar se recordava a quantidade de vezes que a tinha chamado a

atenção por sua conduta, e tantas outras vezes em que havia dito

explicitamente que o envergonhava? Além disso...

-Se sentia que tinha nascido para ser distinta, que é o que eu era, por

que então tentou refrear minha independência?

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267 

Nigel Crispin suspirou.

-Quando se é jovem, Mili, precisa ver a diferença, tomar consciência

dela. Precisa compreender que haverá outros menos tolerantes que talvez não

aceitem o caminho que escolheste para ti. E, para te economizar pesares, temque aprender a se adaptar a essas circunstâncias. Sua mãe sabia ceder

amavelmente quando a ocasião o requeria, da mesma maneira que também

sabia quando não precisava fazê-lo. Esperava poder ter te ensinado ao menos

essa lição, mas... -Não terminou a frase.

Ela sorriu.

-Mas eu não consegui aprendê-la.-Não é que não o conseguisse, é que se negou. Sente uma grande

inclinação a fazer as coisas que sabe que é capaz de fazer, embora algumas

delas não sejam apropriadas. Você o faz igualmente, e qualquer opinião

contrária não te importa.

-E tão ruim isso?

-Não, não, absolutamente. O ruim é que não se importa e que não

aceite que é tão antinatural que faça certas coisas que deveria concordar ou, ao

menos, ter bom senso. Sabia que eu costurava?

Milissant pestanejou e, superada sua perplexidade, riu abertamente.

-Era algum tipo de truque?

-Não, costurava Mili. Achava relaxante. Eu adorava costurar. Inclusive

agora, com estas mãos velhas e retorcidas, posso costurar com pontos mais

regulares que muitas mulheres.

Ela pestanejou de novo.

-Brinca, não é?

Lorde Nigel negou com a cabeça.

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-Eu fazia muitas das roupas que sua mãe usava, embora ninguém sabia

além de nós. O fazia na intimidade de nosso quarto. Nunca teria me atrevido a

costurar no grande salão, diante de todo mundo. Por quê não o fazia no salão?

Pela mesma razão pela qual acaba de rir. Não é próprio de um velho guerreiro,a menos que não tenha ninguém que o faça por ele, o que certamente não é

meu caso. E, embora o fosse isso significaria remendar minhas roupas, não

fazer vestidos de mulher. Provocaria comentários sarcásticos e risinhos

dissimulados, e o mais provável é que me convertesse no bobo de todos.

Milissant assentiu, compreendendo o egocêntrica que tinha sido. Quase

havia amaldiçoado o injusto que lhe parecia tudo aquilo, que ela não pudessefazer o que queria porque eram atividades de estrito domínio masculino,

proibidas às mulheres, inferiores e incompetentes. Nunca havia ocorrido que

os homens também tivessem que enfrentar esse tipo de restrições.

-É horroroso -comentou, com anos de ofensa refletidos em seu tom-

que tenhamos que mudar e nos adaptar porque o resto dos mortais não está

disposto a aceitar que haja pessoas diferentes. Não te humilha ter que se

esconder para fazer algo que o diverte?

-Não, isso não diminui o prazer que produz. Costuro na intimidade pela

 válida razão que me evita o ridículo. Embora já saiba que o que te agrada é

mais difícil de ocultar. Não pretendia afirmar que suas dificuldades sejam as

mesmas, só que são parecidas. Mas então é quando entra em jogo a

transigência. Se aceitar que o que te agrada só se pode fazer de vez em

quando, nem sempre, acredito que será muito mais feliz Mili.

-Pois acredito que, ironicamente, aprendi a considerar desta maneira

 vendo como mulheres parecidas comigo transigem e, apesar disso, seguem

desfrutando de certas liberdades restringidas. Além disso, desde que cheguei

aqui não me importa tanto ter que usar sempre estas pesadas cotardías.

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 A verdade é que prefiro não ver Lady Anne franzindo o sobrecenho

ante minhas roupas e por isso as deixei, por agora. Tenho muito afeto por ela

e não quero desagradá-la.

Ele lhe ofereceu um radiante sorriso.-Não sabe quanto desejei te ouvir dizer...

-Eh! Não disse que esteja completamente reformada! -bufou ela.

Seu pai soltou uma risada. Ela se rendeu e sorriu também, agradecida

que durante alguns minutos tivesse mantido sua mente afastada do dia

seguinte, e do casamento.

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270 

Capitulo 45

 Jhone havia feito pessoalmente o vestido de casamento de Milissant, enão permitiu que ninguém a ajudasse. O resultado foi uma bela e imponente

cotardía de veludo cor jade digno de uma rainha, ricamente ornamentada, com

pedras preciosas e bordada de um grosso fio de ouro. Junto com o manto que

fazia jogo, a túnica de cetim dourado que levava debaixo do vestido e um faixa

de peças de ouro, o conjunto pesava quase tanto como Milissant, motivo pelo

qual não estava ansiosa por colocá-lo. Apesar de tudo, não diria jamais a suairmã, que o tinha confeccionado com tão amor.

Não obstante, essa mesma manhã chegou outro vestido, justo antes que

aparecessem as criadas de Lady Anne para ajudá-la a vestir-se. O objeto veio

colocado sobre uma almofada de cetim, envolta em laços, e a entregou um

jovem pajem com turbante e um sorriso pícaro.

Só disse:

-Um presente de parte de seu pai.

Quando desembrulhou o pacote, apareceu uma leve cotardía prateada

de um estranho material iridescente que Milissant sabia que tinha feito parte

do tesouro achado na Terra Santa que seu pai tinha trazido de lá e que a

fascinou quando o descobriu sendo uma menina. Suave como a seda, leve

como a penugem, reluzia à luz da manhã. O tecido era de uma beleza tal que

não requeria nenhum outro embelezamento, embora tivesse duas fileiras de

perolas para adornar o decote. A túnica para usar debaixo da cotardía era de

seda branquíssima com tessitura de prata que também brilhava.

Naturalmente, Jhone se incomodou ao ver os dois objetos dispostos

um junto ao outra sobre a cama.

-Não entendo por que papai mandou que fizessem isto para ti. Já podia

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imaginar que não ia permitir que fosse ao seu próprio casamento de calções.

 Além disso, é muito leve para usá-la no inverno.

-Não se me cobrir com uma capa grossa -assinalou Milissant, e logo

sussurrou com uma espécie de temor reverencial- Não ria, mas acho que papaio fez.

 Jhone a olhou de soslaio e só comentou: - Não te ouvi bem.

-Sim me ouviu bem. Eu reagi de forma muito parecida ontem de noite

quando ele mesmo me disse que gosta costurar. Inclusive admitiu que fizesse

 vestidos da nossa mãe.

-Agora já não me cabe a menor duvida de que está brincando - afirmou Jhone- Alegra-me que o nervosismo não te impeça de ficar de bom humor,

mas...

- Olhe-me - Cortou Milissant- Tenho cara de estar de brincadeira?

 Acredito de verdade que ele mesmo fez este vestido. Olhe que pontos.

Conhece alguém em Dunburh que dirija tão bem a agulha, além de ti, claro?

 Além disso, a quem confiaria a elaboração de um trabalho tão delicado e

especial com este tecido, que guardou durante anos como uma relíquia desde

que voltou das cruzadas, uma vez mais, além de ti?

 Jhone segurou a prega do tecido prateado para examiná-la.

-A ninguém, ao menos em Dunburh. Embora possa ter encontrado

alguém que o fizesse fora do castelo. Isso não é o importante. O que conta é

que tem que pôr porque para isso te deu de presente isso.

Milissant riu.

-Não tem estado tomando lições de teimosia de sua irmã, não é?

Oportunidades não faltarão para que use a que me fez. Depois de tudo, estes

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272 

De Thorpe se acotovelam com a realeza.

 Jhone pareceu um pouco mais satisfeita e lhe fez cócegas enquanto

dizia, brincalhona:

-Mas sigo pensando que irá gelar a caminho da igreja do povoado.Milissant sorriu divertida.

-Não, porque você não irá permitir. Confio que irá me obrigar a pôr sua

capa mais grossa. Jhone assentiu.

-Sim, e já sei qual vai ficar uma maravilha com o vestido, a reversível de

 veludo branco com as mangas de raposa prateada.

Esse foi outro interlúdio de distração pelo qual Milissant se sentiuagradecida, porque logo o nervosismo retornou, assim que se achou vestida e

de caminho à igreja. E inclusive muito cedo, encontrou-se casada com Wulfric

de Thorpe.

Daquele dia conservaria poucas coisas para recordar que pudesse

resgatar da bruma de sua ansiedade. Foi a culminação de tudo o que havia

temido. A longa procissão até a igreja, a longa missa, o sermão do sacerdote...,

não lembrava nada disso com clareza. Inclusive a posterior celebração no

grande salão e que durou o resto do dia não foi mais que uma nebulosa e

buliçosa diversão da qual desfrutou todo mundo, menos ela.

Na dolorosa e incômoda cerimônia nupcial no tálamo, em que ela devia

se apresentar diante do noivo -e todo aquele que quisesse entrar na habitação-

para que procurasse supostas imperfeições em seu hímen que pudessem

permitir repudiá-la, se assim o desejasse, não teve que encontrar ninguém,

porque a deixaram a sós com o noivo. Seu único consolo por ter ficado como

ausente durante boa parte de seu casamento foi que também o ficou durante

esse trâmite horroroso.

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273 

-Já te disse quão bonita estava hoje? -perguntou Wulfric.

Na realidade foi a primeira coisa que Milissant escutou claramente,

depois de ter se passado o dia escutando uma espécie de balbucio ininteligível.

-Que eu recorde não.-Brinca? Devo ter lhe dito isso ao menos meia dúzia de vezes - repôs

 Wulfric- De verdade não lembra?

-É obvio - Mentiu ela, e se perguntou que outras coisas haviam lhe dito

durante as últimas horas.

 Teve a sensação de que estava um tanto embriagada apesar de não se

lembrar ter bebido vinho. Entretanto, apesar das virtudes relaxantes do vinho,desconcertava-a dar-se conta, de repente, de que havia transcorrido quase

todo o dia como se ela estivesse ausente. Achar-se na cama junto a seu

marido, ambos completamente nus. Perguntou-se ... Meu Deus! Teria perdido

também o de deitar-se com um homem? Já haviam consumado o casamento?

-Já terminamos... Com isto? -perguntou a Wulfric.

Ele riu. Não achou nenhuma graça, pois lhe parecia uma pergunta do

mais razoável.

-Acredito que vou esperar até que limpe a mente da neblina do vinho,

embora não poderei esperar muito. É como se tivesse passado a vida toda

esperando. Um bom dilema, não acha?

-Não, me parece muito fácil de resolver - disse com um assentimento

enfático- Espera e pronto.

Ele soltou uma risada sufocada e a ela voltou a franzir o nariz. O que

parecia tão divertido? Por desgraça, quando recuperou a consciência, também

se reavivaram os sentimentos que ele inspirava, incluindo sua raiva pelo

episódio da prostituta.

Quase deu um pulo da cama porque, de repente, sentiu-se furiosa de

novo. Teria se levantado de um salto se, ao fazê-lo, não tivesse ficado sem o

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lençol que cobria a ambos.

Era impossível que Wulfric não notasse a mudança operada nela. Ele

suspirou e perguntou:

-O que ocorre agora?Não ia permitir que ele soubesse que era insuportável o pensamento

dele tocando aquela mulher, não, a nenhuma mulher. Assim se limitou a dizer,

com tom um pouco ofensivo:

-Presumo que se lavou bem depois de se deitar com aquela puta...

Ele ficou atônito.

-Que puta?-Houve tantas que já nem as recorda? -bufou ela com motivo- Aquela

com a qual partiu da sala outro dia.

Olhou-a inexpresivamente, mas de repente pôs-se a rir.

-Acha que me deitei com ela? -disse, e riu de novo.

Milissant não custou compreender sua hilaridade. Jhone já a tinha

advertido, ela poderia ter tirado conclusões equivocadas, e o fazia graça, claro.

 Apesar de sua confusão, insistiu no assunto.

-Então por que saiu da sala com ela?

-Talvez para descobrir quem era e por que estava esse dia trabalhando

na sala, concretamente preparando as mesas para a refeição, não sendo uma

criada de Shefford e, portanto, sem ter nada que fazer ali.

-Não veio com algum de seus convidados?

-Não. Para minha mãe pareceu suspeita, razão pela qual me pediu que

falasse com ela. A preocupava a possibilidade de que estivesse aqui tecendo

alguma maldade ou, mais concretamente, causar algum dano sério a ti.

 Vá! Ou seja, que seu motivo a incluía. Embora esquecesse um detalhe

importante.

-E era necessário que a pegasse pelos ombros para descobrir?

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 A conclusão que essa ameaça sugeria a fez replicar:

-Por acaso pensa me dissuadir a golpes?

-Não, mas me parece que passar uma temporada nas dependências das

mulheres cada vez que levanta a voz poderia te converter em uma mulher degestos doces e sorriso constante. Na realidade, parece que não é má idéia.

Parecia que brincava de verdade que parecia, mas, Deus santo! Estava

falando em trancá-la, trancá-la freqüentemente. Não podia arriscar-se a isso.

-Estou de acordo - murmurou.

-O que disse?

-Disse que estou de acordo com suas condições! -exclamou.-Hummm, e quando pensa começar?

Milissant se ruborizou. Fechou os olhos ante o sorriso de Wulfric. Ao queparecia, seguia parecendo divertido enquanto ela se via obrigada a ceder acompromissos muito pouco razoáveis. Era tão condenadamente injusto. Nãoestavam nem um dia casados e ele já estava afirmando o novo poder que tinhasobre ela

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277 

Capitulo 46

Dado que o silêncio de Milissant continuava e mantinha os olhosfechados, Wulfric tocou uma sobrancelha com um dedo e lhe disse com voz

doce:

- Tanto te custa deixar de estar zangada comigo embora seja um

pouquinho?

Interiormente, Milissant grunhiu. Queria responder que sim por

princípios, mas isso teria sido uma mentira. Havia tido momentos em que nãoesteve zangada com ele, momentos em que inclusive a havia feito rir e,

certamente, momentos em que... bom, em que a tinha confundido tanto que já

não sabia o que pensar nem o que sentir.

Ele havia tirado seu aborrecimento explicando sobre a prostituta. Agora

só estava preocupada com o fato de que já estivesse impondo regras, embora

supôs que poderia deixar essas preocupações para outro momento.

 Abriu de novo os olhos e achou uma calidez desconhecida nos dele.

Havia estado contemplando-a todo o momento e, possivelmente, pensando

nesse prazer que havia mencionado antes. Não havia reparado em suas

palavras porque estava concentrada no que ele havia dito de seus

aborrecimentos, mas então as recordou de repente. «Por minha parte, eu só

pensarei em que o prazer encha também a você».

Notou um repentino comichão no estômago. Oh, Senhor! Queria lhe

dar prazer? Ela sabia que podia fazê-lo, sabia por experiência própria. Havia

tentado com todas suas forças não pensar no prazer depois daquela noite,

nem desejá-lo de novo. A maioria das vezes tinha conseguido mantê-lo

afastado de seus pensamentos, mas era muito duro. Havia sido tão bonito,

gostaria tanto repeti-lo...

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Ele também tinha o poder de fazer que ela perdesse todos os seus

pensamentos, e isso lhe dava medo, embora era um preço pequeno

comparado com o prazer que lembrava, e que agora poderia experimentar de

novo.De repente se sentiu pudica. Ele estava aguardando pacientemente. Mas

as concessões não eram absolutamente fáceis. E sua teimosia não a permitiria

fazê-las do modo adequado a menos que fosse óbvio que as tivesse que fazer.

- Difícil, sim - disse finalmente. Mas antes que ele pudesse ofender-se

por essa verdade, ela esboçou um sorriso para que fosse mais suportável, e

acrescentou - Mas não impossível.Ele sorriu.

- Não teria esperado outra resposta vinda de você. E te asseguro que

irei valorizar todos seus esforços por manter a paz neste âmbito. Eu também

me esforçarei para garantir que não o lamente.

- Isso soa... Promissor.

- Quer uma demonstração?

De repente, ocorreu que desde o momento em que tinha despertado de

seu torpor e havia se dado conta de que estava na cama, com ele,

possivelmente inclusive antes, ele não tinha se comportado como estava

acostumado. Como das vezes anteriores, quando ele se propunha a seduzi-la a

tratava de uma maneira completamente diferente, que era o que a recordava

de sua conduta atual. O mais surpreendente é que quando se conduzia dessa

maneira ela gostava.

Suspeitava que, depois de tudo, não ia ser tão difícil deixar de lado os

aborrecimentos quando estivessem na cama. Quando os dedos dele

começaram a descer de sua sobrancelha para seu queixo e a inclinou

adequadamente para que recebesse seu beijo, teve a sensação de que não

demoraria em estar certa disso.

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Foi um beijo afetuoso, em seguida apaixonado, afetuoso de novo e logo

tão quente que ela pensou que arderiam seus lábios. O surpreendente,

entretanto, foi o pouco que ela demorou em corresponder a cada uma de suas

nuances. Agora que ela estava disposta, ou melhor dizendo, desejosa einclusive ofegante, de que passassem à parte do casamento que se desenrolava

na cama, o medo tinha desaparecido e ficava mais fácil. E isso deu rédea solta

a todos seus sentimentos para desfrutar plenamente disso. Coisa que

efetivamente fez. Inclusive começou a participar dos beijos. Não é que se

mostrasse ousada, mas não podia evitar. De repente, precisava conhecer seu

sabor, a textura exata de seus lábios, o calor que tinha sua língua. Era incrível.Quanto mais devolvia seus beijos, mais os desejava.

Estava reclinada sobre os travesseiros, com o lençol cobrindo seus

seios. O lençol deslizou quando ela levantou os braços para abraçar o pescoço

de Wulfric. Ela nem se deu conta. Tampouco se deu conta de que ele ia

puxando ela para baixo, até que se achou deitada e com ele em cima. O cabelo

de seu flamejante marido fazia cócegas em seu pescoço quando se inclinava

sobre ela. Seu fôlego quente percorria seu rosto enquanto seus beijos

rebuscavam nela. Sua língua lambeu sua orelha. Um calafrio desceu por sua

coluna vertebral antes que proferisse um grito abafado, extasiada. Seus dentes

mordiscaram seu pescoço. Gemeu suavemente. Ouviu que ele respondia com

um grunhido e que tencionava o corpo em um afã de conter o que ele mesmo

sentia. Seus pensamentos a abandonaram. Agora era todo sentimento,

deliciosa sensação, o sabor e o aroma de Wulfric, e suas carícias... que

somadas aos beijos eram muito. A mão que continha seu seio se movia em

círculo e o oprimia brandamente, em seguida aproximou a boca, e tomou o

mamilo entre os lábios e o chupou com sensualidade.

Um calor abrasador. Algo que se desatava em seu ventre, e logo a mão

dele foi até lá, também, como se soubesse do redemoinho que havia disparado

e quisesse tranqüilizá-lo. Mas sua mão não o tranqüilizava, nem chegava perto.

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O arrebatamento de paixão que suas mãos e seus lábios provocavam nela a

faziam conter a respiração e ofegar, se agitar, arquear-se contra seu corpo...

Empurrá-lo. Embora em vão. Ele estava imóvel. Estava decidido a deixá-la

louca. Ele também estava aceso e suas mãos eram tições que não lhecausavam dor mas sim o mais doce dos prazeres.

Ele continuava acariciando-a interminavelmente, e seus dedos

encontravam magicamente todas as áreas que podiam lhe dar prazer. A

antecipação era incrível, a lembrança do extraordinário prazer que ele havia

provocado ainda estava vivo em sua mente, esperando impaciente, e

finalmente acessível quando seus dedos chegaram lá.Ela sentiu que sua fenda ficava úmida e quente e que uma onda de calor

percorria seu corpo. Ele brincava. Separou-lhe as pernas para facilitar o

acesso, e logo só a tocou delicadamente. Ela se retorcia, sem saber como dizer

o que queria. Sua língua afundou em seu ventre e logo subiu até seus seios, até

seu pescoço, até sua boca... Enquanto os dedos dele se metiam em seu

interior.

O corpo de Milissant se encostou com força ao dele, reclamando um

contato maior. Finalmente, ele a fez estremecer enquanto a estreitava.

Entretanto, esse prazer que fazia vibrar todo seu ser não se repetia. Estava

próximo, muito próximo, mas cada vez que ela sentia que ia conseguir ele

abrandava seus movimentos e ela tinha vontade de gritar.

Não gritou, mas sua frustração chegava a tal ponto que ela se desforrou

o socando, primeiro nas costas e logo nos ombros. Seu punho estava já

apontando à cabeça de Wulfric quando este o segurou no vôo e, com uma

risada sufocada, deslocou seu corpo sobre o dela e lhe deu o que queria.

Penetrou-a delicada, suave e profundamente, tão preparada ela já

estava. Instantaneamente, sua mente ficou clara e seus pensamentos

retornaram a ela. A surpreendeu ter esquecido que a primeira experiência

sexual estava relacionada com a dor. Embora o mais surpreendente foi que

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tinha sido uma dor tão leve que só a sobressaltou.

 Ainda que a frustração só desaparecesse momentaneamente. Arremeteu

de novo, vingativa, mas agora o corpo dele oprimia o seu com tal força que a

impedia de mover-se- Arqueia suas pernas em minhas costas, me aprisionando contra você -

disse com voz tensa e imperativa. - Não me solte. Por mais abruptos que

sejam os movimentos, Mili, não me solte.

- Não o farei - prometeu ela, mais a si mesma que a Wulfric.

O instinto e a paixão a guiaram quando ele começou a cavalgar sobre

ela. Nisso consistia o grande prazer que ela clamava por obter, a plenitude e ocalor. Nisso achava também o prazer que recordava que retornou a ela quase

instantaneamente depois de suas primeiras investidas, embora não fosse igual.

Era mais profundo, mais satisfatório, imensamente mais duradouro e muito

mais delicioso. Ainda notava as reverberações do prazer quando, com um

sonoro grunhido, ele se afundou no mais profundo dela e se derrubou sobre

seu corpo, imóvel e ofegante.

Milissant notou que ainda o mantinha firmemente preso contra seu

corpo, com a ajuda dos braços e as pernas. Não queria soltá-lo, embora

supusesse que devia fazê-lo.

Quando começou a soltar suas pernas da cintura dele, Wulfric se avivou

o suficiente para dizer:

- Ainda não.

Milissant sorriu para si mesma. Teria lido seu pensamento? Ou será que

por acaso, assim como ela, não queria renunciar a esse contato tão agradável

ainda?

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Capitulo 47

Essa noite foi a primeira que Milissant dormiu profundamente nasúltimas semanas. Despertou com um sorriso nos lábios, mas não se deu conta

até que Wulfric comentou.

- Deve ter tido sonhos muito doces.

Foi estranho encontrá-lo na cama, a seu lado. Não esperava, quer dizer,

não esperava que... Resmungou para si mesma. Tinha passado os últimos

tempos preocupando-se com a primeira vez na cama e pelas restrições quesupostamente ele ia impor depois do casamento. As pequenas coisas que

 vinham com o matrimônio, como por exemplo, despertar junto a Wulfric,

nem haviam lhe passado pela cabeça.

- Tive sonhos muito... Bons, dormi tão profundamente que não me

recordo o que sonhei.

- Ah, então vou me permitir atribuir a mim o mérito desse sorriso!

Deveria ter visto o meu, esposa. Poderia ter iluminado este quarto melhor que

a luz do sol.

Milissant compreendeu várias coisas de uma vez: que estava brincando,

que estava muito satisfeito com ela, que estava fanfarroneando e tinha um

bom motivo, mas mesmo assim... e que acabava de chamá-la esposa. Tudo

isso fez que subissem as cores e que ele risse e lhe acariciasse o ombro.

Horrorizada, Milissant lembrou que, em sua paixão, havia socado ele.

 Afundou a cabeça sob o travesseiro. Ele riu e acariciou suas costas.

- Venha, terá que se livrar dos convidados. A maioria parte hoje.

Sentou-se na cama, agradecida de que ele tivesse mencionado um

assunto neutro.

- O rei também? -perguntou esperançosa.

- Sim, já não há motivo para que permaneça aqui. Voltou a te

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incomodar?

Mas quando poderia fazê-lo, se a haviam mantido trancada sob chave e

custodiada durante os últimos dias? Embora não chegou a verbalizar essa

observação, sacudiu a cabeça negando. Compreendeu que ele não queriacomeçar a discutir com ela estando a noite anterior tão... recente. A simples

lembrança a fez ruborizar. Ele se deu conta e sorriu e se inclinou para beijá-la

suavemente nos lábios.

- Fica tão bela quando se ruboriza - disse, brincalhão. - É algo incomum

em você, sabe?

- Me assegurarei de não voltar a fazê-lo - replicou ela, e tentou sedesembaraçar de sua confusão.

- De verdade? - O olhar de Wulfric desceu diretamente a seus seios nus.

E ela ruborizou de novo.

 A verdade foi que, para seu desconforto e consternação, Milissant

passou a maior parte do dia com as bochechas ardendo. Como já não

participava desse perplexo estupor, escutou todas as brincadeiras luxuriosas

que se sussurraram junto a ela; permaneceu sentada, e mortificada, durante a

tradicional exposição dos lençóis que organizavam as velhas damas; assistiu à

narração das proezas sexuais dos homens, e de seu marido em particular, que

foi muito exaustiva nos detalhes.

 Wulfric pareceu levar tudo bem, e inclusive participou disso, e resultava

difícil imaginar que seu bom humor fosse fingido, porque estava exuberante.

Ela se perguntou por que se via tão... Feliz. Afinal de contas, amava outra, e a

última oportunidade de casar-se com essa mulher em lugar de com Milissant

tinha expirado. Por tudo isso, diria que o dia depois de seu casamento tinha

que estar muito triste, como ela. Vá por Deus! E por que ela não estava triste?

Deveria estar. O simples fato de que tivesse desfrutado muito de sua maneira

de fazer amor não significava que tudo fosse funcionar as mil maravilhas a

partir de agora. Como podia ser possível se ele seguia sendo, acima de tudo,

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um bruto?

Bastaria que ela tentasse sair do quarto de calções para que ele

demonstrasse o tirano que era. Ou que pegasse o arco e a flecha e tentasse ir

caçar, algo que sentia falta terrivelmente.Era quase obrigatório que todos fossem se despedir da comitiva do rei

e a lhes desejar boa viagem. Milissant contemplou como Wulfric se despedia

gentilmente. Foi estritamente formal e nem de palavra nem gesto revelou que

conhecesse os sórdidos segredos de João.

Perguntou-se se ela poderia ser igualmente circunspeta. Viu-se obrigada

a comprovar, quando finalmente João estava montado em seu cavalo, quandoparecia que ia empreender a marcha, olhou ela entre toda a multidão e de um

modo inequívoco -ao menos para ela- ordenou que se aproximasse.

Estava se ruborizando de novo? Indubitavelmente, porque todas as

pessoas reunidas a olhavam com curiosidade enquanto ela se aproximava do

rei, e Milissant odiava ser o centro das atenções.

 Todos menos Wulfric. Ele não se perguntava o que poderia querer

 João. Tinha ficado de pé atrás dela, com as mãos em seus ombros, e havia

 visto como o rei a chamava. E a tinha retido para murmurar algo antes de

deixar que caminhasse para o monarca.

- Não tem por que ir se não quiser. Não há maneira de converter isto

em um problema.

Era óbvio que estava tenso. Devia detestar ter tão pouco controle sobre

os assuntos que concerniam ao rei. A qualquer outra pessoa poderia ter

chamado atenção por fazer o que tinha feito João, mas a ele não, se não

quisesse arriscar-se a que o considerassem traidor.

- Não, mas se não for vamos morrer de curiosidade por saber o que

tem em mente. Deixe que vá, Wulfric, é para nosso bem - respondeu ela,

também com um sussurro.

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Não deixou mais alternativa, e ela cruzou rapidamente os metros da

ponte que a separavam do rei. Ele não desmontou, limitou-se a inclinar para

não ter que falar em voz muito alta, pois era óbvio que tinha que dizer algoparticular.

- Sei que não é necessário mencionar - começou João, um pouco

incômodo, embora não muito - mas temos que esquecer qualquer mal-

entendido que tenha havido entre nós, Milissant de Thorpe. Mantive algumas

conversas com Guy depois de nosso... Encontro. Agradou-me constatar que é

dos meus e que seguirá sendo leal. Seu pai também me tranqüilizou. Assimmantenha em silêncio o que não tem nenhuma relevância.

Estava lhe dizendo, a sua maneira, que já não se opunha a seu

matrimônio com Wulfric e sua última frase havia sido uma advertência para

que mantivesse silêncio sobre aquele episódio.

Ele presumia que não havia dito ainda a ninguém, ou isso esperava, já

que ninguém havia mencionado nada. Não tinha motivos para duvidar disso.

- Certamente, alteza – o tranqüilizou ela, e lhe dedicou um sorriso

convincente. - Não deixarei que ninguém saiba que dei um chute no rei da

Inglaterra.

Mencionar o fato que podia despertar o legendário temperamento dos

 Anjou era um risco real. Mas não despertou sua ira, mas sim uma gargalhada.

- Agrada-me seu temperamento, menina. Isso foi o que disse a meu

homem quando mandei... Pôr um ponto final a alguns planos que tinha feito

avançar as coisas pelo caminho equivocado. Um temperamento como o teu

não merece desaparecer. - E, a modo de conclusão, assentiu e pôs seu cavalo

ao meio galope, com o longo séquito o seguindo. Ela os olhou e logo sentiu,

mais que notou, Wulfric atrás dela de novo. Ele deslizou seu braço por seu

ombro e ambos se encaminharam para a torre.

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 Wulfric não disse mais nada, não teria sido prudente com tantas pessoas

ao redor. Entretanto, foram os primeiros a chegar a grande lareira, já que

outros haviam se entretido na ponte. E ele não estava disposto a deixarmorrer o assunto.

- E então? -perguntou.

- Pois acho que quem fosse que esteve por trás desses atentados contra

mim e agora não estou tão segura de que fosse o rei João, mas que ele

estivesse ciente, foi dissuadido disso - disse, enquanto esquentava as mãos ao

calor da luz. - Isso é o que me disse, embora com muito circunlóquio.- Está segura?

- Presumo que posso ter interpretado mal, embora o duvide porque ele

mesmo me aconselhou não falar disso com ninguém. Pelo que a ele diz

respeito, o assunto está resolvido.

Ele suspirou e ela notou seu alívio. Sabia porque ela se sentia aliviada,

mas não sabia a que se devia a tranqüilidade de Wulfric, e o olhou com

curiosidade. A pergunta se formou em sua mente e sabia que não ia deixá-la

em paz. Nunca teria pensado em perguntar antes, mas, depois da noite de

núpcias, tinha que saber...

- Não acha que teria se beneficiado se João, ou quem estivesse por trás

desses ataques, tivesse conseguido seu propósito antes que nos casássemos?

Por que me protegeu tão zelosamente? Se tivessem conseguido, você teria

podido... -Não ousou terminar quando viu a fúria com que ele a contemplava.

- Por todos os Santos, de onde tira essas idéias tão descabeladas? De

 verdade acha que posso te desejar algum mau, seja pela razão que seja? Além

disso, que motivo poderia ter para...?

- Bem, um muito óbvio - cortou ela friamente, inquieta ao ver que ele

tomava como ofensa uma pergunta que lhe parecia muito lógica, afinal de

contas. - Que teria preferido se casar com outra mulher, especificamente com

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a mulher que ama.

Ele a olhou perplexo. Não havia melhor forma de descrever o que

substituiu a sua zanga. E logo também a perplexidade desapareceu, deixando

passo de novo à ira, embora não tão intensa, já que seu tom não soou muitoáspero, mas sim só o suficiente para feri-la.

- Se está se referindo a essa tolice que te disse como resposta a sua

própria declaração de amor por outro homem, então é que ainda é mais dura

de moleira que eu, porque, em seu caso, o senso comum deveria te dizer a

estas alturas que essa era uma observação que não corresponde a realidade.

Ou será que me comporto como um homem apaixonado por outra mulher?Francamente, se o fiz, agradeceria que me diga quando, para que possa

modificar minha conduta posto que essa outra mulher não exista.

E, com isso, afastou-se ofendido dela. Milissant mal se deu conta de

nada por quão aturdida estava.

 Assim não amava outra? Que só havia sido uma réplica porque ela tinha

dito antes? Mas o que pensar agora? O fato de que amasse outra havia sido

uma de suas principais objeções contra ele. Tinha sido o defeito ao qual

agarrar-se para não ter que considerar as sugestões que sua irmã fazia respeito

ao resto de objeções. Se não amava outra, então era livre para amar a...

Milissant.

Sentiu um calor que não tinha nada com a proximidade do fogo. E isso

a fez sorrir.

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Capitulo 48

Milissant observou atentamente Wulfric durante o jantar, e tambémdepois. Ele continuava sentindo-se ofendido, embora ninguém o teria dito,

porque ele se esforçava por dissimulá-lo. Entretanto, Milissant o notava.

Seguia ruminando a ofensa. Por sua parte, ela seguia um tanto desconcertada,

tendo em conta o que ele havia revelado e as novas possibilidades que se

abriam.

 Tinha passado boa parte da tarde com Roland, recordando com ele seusdias de formação em Fulbray. Os Fitz Hugh tinham pensado partir no dia

seguinte pela manhã, assim não restava muito tempo que compartilhar com

seu velho amigo e queria desfrutar dele enquanto pudesse. Naturalmente, não

comentou o que mais ocupava sua mente naquele momento, mas as compôs

para dispor de alguns minutos a sós com Jhone. Com sua irmã sim podia falar

de tudo. Não obstante, não via motivos para falar do que mais intrigada

deixava Jhone. Uma das muitas ocasiões em que ruborizou com o passar do

dia foi quando esta perguntou « gostou?», e bastou um «sim» para satisfazer e

deleitar Jhone sem ter que acrescentar detalhes.

Mas a sua irmã também interessava outras coisas, e também quis sabê-

las.

- Acha agora que poderá viver aqui sem se achar em um estado de

desespero constante?

- Parece que isso dependerá da habitação em que esteja - replicou

Milissant com um sorriso.

- E isso o que tem que ver com...?

- Não importa, estava brincando, porque «desespero constante»   soa tão...

Constante. Na realidade, me inteirei de algo que pode ser que melhore as

coisas.

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- O que?

- Não é verdade que queira outra.

- Isso é uma notícia fantástica! -exclamou Jhone entusiasmada. -

Significa que Wulfric não demorará em querer você, se é que não te queragora.

- Agora? -inquiriu cética Milissant, que não dava crédito a essa

possibilidade remota. - Há muitas mais coisas que não gosta em mim, ou será

que esquece os anos que demorou em vir me buscar? Além disso, chegou em

Dunburh com todo seu pesar, e inclusive admitiu que havia tentado romper o

compromisso. Se não foi porque amava outra, por que o enfurecia tanto aidéia de casar-se comigo?

- Isso foi antes, e não deveria se importar. Agora é muito diferente,

Mili, porque teve a oportunidade de te conhecer. Ontem prestei atenção nele,

e parecia um noivo do mais exultante.

- É muito bom dando falsas impressões que ocultam seus verdadeiros

sentimentos.

- Ainda é infeliz?

Milissant se agitou nervosa.

- Não, não me consta, salvo pelo fato de que ainda é muito

desagradável comigo.

 Jhone pôs os olhos em branco.

- E o que fez agora?

Milissant lhe devolveu o gesto.

- Fiz uma simples pergunta a respeito de seu verdadeiro amor. E ele

grunhiu e afirmou que nunca existiu, e que dado o modo em que se comporta

deveria ter chegado a essa conclusão por minha conta. Como se eu pudesse

presumir que o porquê.

- Por acaso eu mesma não te disse, que era possível que mentisse igual a

 você? Certamente não parece um homem que morra por outra mulher.

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- Que o pareça não é suficiente se tratando dele, quando sabe ocultar de

um modo tão deliberado. Você não estava presente às vezes em que

discutimos acaloradamente. Não tinha nenhuma evidencia de que tivesse medito uma mentira, mas nossas brigas constantes sustentavam sua mentira.

 Jhone estava se tornando igualmente teimosa a Milissant, e a contrariou

de novo:

- Manteve, tal como disse, o que fosse que ele objetava a sua pessoa.

Perguntou o que era?

- Não.- Pois deveria. Pode ser que não seja nada de importância, talvez um

mal-entendido que possam esclarecer sem dificuldade. E você, o que vai

alegar agora?

- Sabe perfeitamente a resposta a essa pergunta - murmurou Milissant. -

Segue querendo controlar cada um de meus atos.

- É obvio - exclamou Jhone. - Depois de tudo, agora é seu marido. Mas

sempre tem a escolha de aceitá-lo ou abordá-lo com amor. Já lhe disse isso,

qual das duas opções acha que te reportará maior liberdade?

Depois as interromperam e não puderam voltar a falar em particular.

Mas Jhone lhe havia dado motivos para pensar. Imaginar Wulfric apaixonado

por ela não resultava desagradável. Embora... Ainda ficava seu aborrecimento

por ter que casar-se com ela.

Ela ainda não sabia o que o tinha provocado, embora agora a

curiosidade lhe atormentasse o suficiente para trazer o assunto à baila essa

mesma noite, em seu dormitório. O dormitório... Deles.

Sim, esse dia haviam deslocado todos seus pertences a habitação de

 Wulfric, exceto seus mascotes. Os animais haviam ficado com Jhone. Ordens

de Wulfric? Ou será que os criados haviam sido reticentes em deslocar eles

mesmos os animais?

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Bom certo era que Rhiska podia ser um tanto intimidante,

principalmente se o criado não estivesse acostumado a lidar com falcões. E

qualquer um podia sentir-se receoso diante de Grunhidos. Wulfric ainda não tinha chegado ao quarto quando ela se retirou aquela

noite. Tinha muito presente sua última advertência, mas não foi necessário.

 Agora não era ela que estava zangada, mas sim ele. Viu muito claro quando ele

entrou tenso, com cenho franzido, e não lhe disse uma palavra enquanto

começava a despir-se. Ela bufou mentalmente. Pretendia ignorá-la? Propunha

levar o aborrecimento com ele à cama? Bom, pois nesse caso melhor seriafazer a pergunta sem mais, se por acaso o incomodava tanto como a última.

 Aproximou-se dele por atrás e lhe deu alguns golpezinhos nas costas.

Esperou que se virasse, e viu que a olhava com cenho franzido. Teve a

sensação de que esperava que ela se desculpasse. Por ter feito admitir que

houvesse mentido? Absteve-se de bufar.

- Eu gostaria que terminássemos a conversa que começamos antes -

disse.

- Já está terminada – repôs ele.

- Pode ser que para você sim, mas eu ainda tenho uma pergunta sem

resposta. Se não havia outra mulher..., não, não me interrompa me escute -

disse quando ele pretendeu lhe cortar. - Se não havia outra mulher, por que

estava tão zangado quando veio a Dunburh? E não pretenda negá-lo. Teria

preferido se casar com outra.

- Talvez fosse porque a única lembrança que tivesse de você, moça, era

o de uma megera. E que homem quer uma mulher com um temperamento tão

feroz? Pode ser que sim tivesse outra em mente, embora não estava

apaixonado por ela.

Deveria ter bastado com essa resposta. Nem sequer lhe importava

muito. Mas não gostava da descrição que acabava de fazer, e isso picou sua

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suscetibilidade.

Entretanto, não esqueceu o acordo que havia aceito a noite anterior.

 Assim fez o que teria feito qualquer outra pessoa que se sentisse trancada em

um quarto. Pegou sua mão e tentou tirar ele para fora do dormitório. Nãoobstante, ele não parecia disposto a cooperar e ainda não havia dado três

passos quando se deteve e lhe perguntou:

- O que está fazendo?

- Saiamos daqui, para terminar esta... Discussão -replicou ela.

Quando ele compreendeu o que queria dizer, riu e a atraiu para ele.

- Não, nada disso.Ela tentou largar de seu abraço, embora sem muita convicção. A

 verdade é que não tinha vontade de evitar esse contato, porque havia

ruborizado ao lembrar a noite anterior.

- Então, o de deixar o mau humor no marco da porta só vale para um

dos dois?

Ele sorriu ironicamente.

- Não, e obrigado por me lembrar. Além disso, era um aborrecimento

tolo, não valia a pena conservá-lo até manhã. -Segurou-lhe o rosto com ambas

as mãos e seus lábios ficaram em suspense sobre os dela. - Espero que seja do

mesmo parecer.

- A respeito de que? -perguntou Milissant com um fio de voz.

- Se não souber, longe de mim te levar pelo mau caminho e lhe

recordar.

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Capitulo 49

Dois dias depois do casamento, todos os convidados haviam partido,

exceto um conde que queria ficar uma noite mais. Isso não teria afetado

Milissant a não ser porque devido a isso não iam levantar as restrições, apesar

de que já estava casada e apesar de que ela e Wulfric haviam chegado à

conclusão de que o próprio João sem Terra tinha «desconvocado» a ameaça

contra ela.Ou isso pensava, fazendo extensiva a ele sua conclusão. Entretanto,

quando aquele dia falou do assunto com Wulfric se deu conta de que tinha se

equivocado. Haviam estado comentando o muito que tinham gostado das

batentes das janelas da grande sala de Clydon, e de sua intenção de sugerir a

seu pai que fizesse o mesmo em Shefford. Ela mal o escutava temerosa da

resposta ao que ia perguntar. Essa mesma manhã havia descoberto que, se não

podia dispor da companhia de Anne ou Wulfric, seguia ficando encerrada nas

dependências das mulheres. Pior ainda, o descobriu quando, tendo chegado

tarde à sala para se despedir de Roland, pretendeu sair da torre para se

despedir na ponte.

Provavelmente Wulfric já estava na ponte, igual a Anne, porque não

conseguiu encontrar nenhum dos dois. Mas não a haviam deixado sair

sozinha. E mais, quando a acharam só na sala, a escolta a acompanhou

diretamente até as dependências das mulheres, onde a trancaram exatamente

igual antes das bodas.

Era metade tarde. Ambos estavam junto à chaminé, bastante afastados

de Anne e suas damas para poder falar em particular se não levantassem a voz.

Milissant esperou que Wulfric tivesse acabado com o assunto das

janelas. Tinha dissimulado bem seu aborrecimento. Havia-se proposto que

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teria paz entre ambos porque, na realidade, ela também desfrutava dessa paz.

Entretanto, o que agora a corroia era muito importante para calar. Finalmente

se decidiu a mencioná-lo.

- Não pensou que teria gostado de me despedir de Roland esta amanhã?Ele a olhou, perplexo.

- Depois de ter passado tanto tempo com ele ontem?

Não havia nem indício de ressentimento em sua réplica, que ela optou

por ignorar, de momento.

- E isso o que tem que ver com a simples cortesia de despedir-se?

- Teve tempo mais que suficiente de se despedir dos Fitz Hugh antesque abandonassem a sala - assinalou ele.

Ela fez chiar os dentes, dado que era óbvio que ele pretendia ignorar o

 verdadeiro motivo de sua queixa.

- Embora assim tivesse sido e não porque cheguei tarde, teria gostado

de me despedir deles quando empreenderam a marcha. Mas me dei conta que

era impossível. Que sigo sem poder sair destas malditas dependências a menos

que você ou sua mãe me acompanhem. Por que esses guardas me

trancaram...?

- Trancaram? - interrompeu ele com incredulidade.

- Empurraram-me para dentro - corrigiu ela.

- Empurrada? Colocaram as mãos em cima de você? -Ela começava a

impacientar-se.

- Não; estou tentando te contar algo, Wulfric. Não seja tão sensível com

minhas palavras. Insistiram categoricamente! Soa melhor assim? Mas esse não

é o tema. Por que ainda estou trancada? Já estamos casados. A ameaça

desapareceu.

- Não, a ameaça não terá desaparecido até que eu esteja seguro disso-

disse amargamente. - E enquanto ainda tenhamos convidados em casa, com

todo seu séquito de criados, haverá pessoas não identificadas no castelo.

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- E o que ocorrerá quando chegar outro convidado? Pensou nisso? Ou

será que vou ficar sempre trancada como uma menina?

- Por que se empenha em ver dessa maneira? Quão único pretendo é teproteger...

- Pois talvez já não necessite proteção! Talvez seja bastante inteligente

para me dar conta de que já não estou ameaçada.

 A última frase constituía uma clara ofensa, e, além disso, deliberada, tão

zangada estava. E acertou o alvo. Os olhos azuis de Wulfric escureceram e um

músculo de sua bochecha começou a tremer espasmodicamente. O tom desua voz, além disso, adquiriu um matiz de ameaça.

- Às vezes penso que me provoca para que te açoite e possa me odiar

ainda mais. Parece que chegou o momento de que receba seu castigo.

Continuando, a segurou pela mão, a tirou da sala, a fez subir as escadas

e a levou a seu dormitório. Depois que entraram os dois, fechou a porta com

força. Ela não tentou detê-lo, atônita de que esse fosse o resultado da

discrepância que acabavam de ter. Logo pensou que deveria imaginar que

acabariam assim, e o desprezou por isso. Não podia esperar outra coisa de um

bruto como ele, sabia, por isso não havia querido casar-se com ele. Mas ia

começar tão logo depois do casamento?

Quando se deu conta de que não recebia golpe algum se obrigou a

olhá-lo. Estavam de pé no centro do quarto. Ele continuava agarrando sua

mão. Olhava-a, mas sua expressão era agora inescrutável. Ela estava tão tensa

que lhe dava a sensação de que ia explodir em mil pedaços.

- O que está esperando? -desafiou. Mas não obteve resposta. - Vai me

açoitar ou não?

 Wulfric guardou silêncio e ao fim suspirou.

- Não se trata de querer, mas sim de poder, e eu não posso.

- Por quê?

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- Preferiria cortar uma mão a te causar o menor dano, Milissant.

Ela o observou, estupefata, e logo rompeu a chorar por causa da

emoção que haviam causado suas palavras. Nunca tinha ouvido nada tão...

 Tão pouco brutal em sua vida. E vindo dele?- Teria sentido o mesmo quando era mais jovem? -perguntou com voz

trêmula.

- Como pode pensar que meus sentimentos eram tão diferentes então?

Eu nunca teria te feito mal, Milissant. Em uma ocasião inclusive levei um bom

castigo por não querer te fazer mal.

Ela franziu o cenho e secou os olhos, envergonhada ao dar-se conta deque tinha chorado, embora tão surpreendida por sua última afirmação que não

pode evitar perguntar:

- Quando foi isso? Eu não recordo de tê-lo visto mais que uma vez,

quando éramos crianças.

Ele esboçou um sorriso causar pena.

- Sim, e terá que admitir que nenhum dos dois esqueceu esse incidente.

Embora seja muito tarde, queria me desculpar por ter matado seu falcão

aquele dia. Não soube até muito recentemente, quando minha mãe me

contou. Não sabia que tinha morrido. Certamente, não era minha intenção. O

único que pretendia era tirá-lo de cima quando você ordenou que me atacasse.

Estava se desculpando pela primeira Rhiska, mas não por tê-la deixado

quase aleijada durante o incidente? Claro! Ele não sabia nada do pé quebrado.

Ninguém soube. Embora fosse ele quem a tinha empurrado com tanta rudeza,

que havia provocado o acidente. E considerava que isso não era lhe fazer mal?

Foi incapaz de dissimular o ressentimento que embargava seu tom

quando corrigiu uma parte do dito.

- Eu não ordenei Rhiska que o atacasse.

- Claro que sim.

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- Não, eu fiz um gesto para deixá-la no cabide e poder chamar um

guarda para que te expulsasse, dado que não partiu quando lhe pedi. Ela o

atacou porque notou meu aborrecimento. Só estava domesticada, ainda nãoestava adestrada e não pude ordenar que te deixasse em paz. Eu me aproximei

para tirá-la de cima, mas você foi mais rápido e a lançou com tanta força que a

matou.

- Não sabia que a tinha matado, Milissant. Do contrário teria tentado te

compensar ali mesmo. Imagino o muito que te causou dor essa perda e que a

pôs furiosa comigo. Ou foi a raiva que te deu saber que tínhamos que casar? Além disso, por que isso te deixou tão furiosa?

Essas recordações não eram nada agradáveis, mas sua última pergunta

abordava a menos importante delas, assim aceitou responder.

- Aquela mesma semana, um dos aldeãos havia matado sua mulher com

uma surra. As pessoas reagiram dizendo que provavelmente o merecia, que

não tinha maior importância, e que agora teria que preocupar-se a respeito de

quem lhe faria o jantar. Ela estava morta, mas ele tinha que cozinhar pobre

homem.

- Os aldeãos levam uma vida diferente da nossa - assinalou ele. - Suas

prioridades acerca do que é importante não são as mesmas que as tuas ou as

minhas.

- Pode ser, mas essas reações me violentaram tanto que jurei ali mesmo

que não me casaria jamais. Ainda não haviam me falado do compromisso,

assim não sabia que essa decisão já tinha sido tomado por mim. E de repente

apareceu você, me dizendo que ia ser meu marido.

- Pois sim, efetivamente isso explica por que estava tão zangada a

princípio. Não sabia que não haviam falado do compromisso. Eu sim sabia e

supus que você também.

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- Meu pai estava ainda tão abatido pela morte de minha mãe que nem

sequer lhe ocorreu me falar disso. Transcorreu ainda um par de anos antes

que comentasse isso, e uns dois anos mais antes que eu soubesse quem era você. Esse dia não foi mais que um estranho que havia se misturado em

minha vida, um completo desconhecido que me dizia que se casaria comigo,

um estranho que matou meu falcão e me causou aquele... -Não terminou, não

pode.

Estava quase para chorar de novo, e odiava essa sensação de perda de

controle sobre suas emoções, como antes.- Que te causou o que? -A pergunta não foi muito oportuna. A

lembrança estava a asfixiando e não pode conter-se.

- Aquela dor! E durante três meses o horror de pensar que ficaria coxa!

- Coxa?

- Quando me empurrou, não ficou para ver o resultado. Partiu sem

mais.

- Que resultado?

- Ao cair quebrei um pé. Eu mesma coloquei o osso no lugar. Não sei

como o fiz, talvez por medo de ficar coxa. Não podia chorar, nem gritar nem

emitir som algum.

Ele a abraçou estreitamente. Tinha ficado lívido, e ela se deu conta.

- Oh, Deus! -sussurrou ele com voz ronca. - Não me estranha que me

odiasse. Mas nesse dia não tive escolha, Milissant. Fiz para te evitar um dano,

não para lhe causar isso.

- Está me dizendo que se sentia ameaçado por uma menina? Que não

tinha outra escolha? Pode ser que fiquei louca de dor e não soubesse o que

fazia, mas até então era muito grande, Wulfric, grande e robusto. Como pode

dizer que não te dei mais escolha que me empurrar?

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- Quer ver as marcas que seus dente me deixaram na coxa? Me mordeu

com tanta força que me deixou uma cicatriz, embora então não sabia, porque

me aturdiu com o golpe que me deu na virilha. Seu falcão também havia meferido a mão. Quer ver a cicatriz? Assim não pude utilizar essa mão para te

pegar. Pegou-me um golpe que me deixou de joelhos. Além disso, estava me

deixando a cara cheia de arranhões. Sim, tive que te empurrar para me liberar

de você. Não tive outra escolha. Mas, em lugar de te açoitar, que teria sido

mais rápido, tentei te proteger te empurrando. Meu Deus, sinto que meu gesto

conseguisse justo o resultado contrário!Ela não disse nada. Estava tentando juntar as peças do que ele contava,

fazer uma composição do que houve pela perspectiva dele para deixar os

rancores atrás, como vinha acontecendo nos últimos dias. Finalmente

compreendeu, sem indício de duvida, que ele estava dizendo a verdade. Não

era sua intenção lhe fazer mal. Que tivesse caído daquela maneira havia sido

coisa de má sorte, um acidente terrível, mas precisamente isso, um acidente.

Ele seguia abraçando-a tão fortemente que Milissant quase não podia

respirar, e menos ainda falar. Nesse instante ele parecia mais afetado que ela.

O mais curioso é que lhe dava vontade de tranqüilizá-lo. Isso nem pensar,

claro, embora...

- Tudo isso te fiz? -disse ela ao fim.

- Sim, isso fez.

- Bem.

Ele ficou imóvel. Afastou-a de si, viu sua expressão teimosa e logo...

Pôs-se a rir. A ela também escapou a risada. Sentia-se muito aliviada de poder

esse peso que a oprimia o peito. Enquanto notava que desaparecia a angústia,

compreendeu que a lembrança desse dia não voltaria a causar jamais

incômodo algum, e de que tinha que agradecer Wulfric. Que grande ironia!

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Capítulo 50

- Pega o arco. -Milissant se virou para Wulfric para ver a quem estava se

dirigindo. Evidentemente, não era a ela, ainda que a estivesse olhando, e havia

ouvido bem, o que acendeu sua desconfiança o suficiente para perguntar:

- Por quê? Sua madeira não queima muito bem, garanto isso. -Ele riu.

- Porque tenho vontade de ir caçar e havia pensado que talvez você

gostaria de me acompanhar.

Ela o olhou boquiaberta. Haviam terminado de almoçar e seguiam

sentados apesar de que haviam partido quase todos. Ele havia ficado todo o

dia de muito bom humor. Bom, na realidade não só esse dia, mas também

desde a tarde anterior, depois de que esclareceram os maus entendidos que

havia entre eles. Mal haviam se separado após, e ela descobriu que isso não a

incomodava absolutamente. Ainda não havia tido tempo de refletir atentamente a respeito das

conclusões a que havia chegado no dia anterior e o fato de que não tivesse

mais objeções que fazer contra Wulfric a deixou tão desorientada que ainda

não sabia muito bem como iam ser as coisas a partir de então. É obvio, ainda

havia alguns detalhes que não a agradavam de todo, mas eram detalhes

menores, não valia a pena mencioná-los. Além disso, para variar desfrutava de

não estar zangada por nada, desfrutava de sua companhia, de suas

brincadeiras, de como ele...

Essas eram as coisas que ocupavam sua mente quando lhe perguntou:

- Está brincando comigo, não é? Sabe caçar com arco?

- O que te faz pensar que não sei?

- Pois porque faz tantos anos que caçar com falcões se considera o

método de elite que a maioria dos cavalheiros não saberia o que fazer com um

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301 

arco.

Ele riu.

- Pois te asseguro que eu não sou um desses, Mili. Eu, como você,

prefiro utilizar minhas próprias habilidades e possuo umas quantas que nãorequerem que branda uma espada.

- Incluído o arco e flecha?

- Sim. O que estamos esperando? Ah, e coloque algo apropriado para

sair de caça!

Estava dizendo que usasse os calções? Não dava crédito a seus ouvidos,

embora não ia dar a oportunidade de mudar de idéia. Tirou as pernas dedebaixo do banco a tal velocidade que a saia se enredou nos pés e quase caiu

de bruços. Wulfric se apressou a segurá-la até que conseguiu tirar a saia.

Ele não riu, como ela podia ter esperado, mas ouviu o risinho de seu

pai e lhe ocorreu que talvez lorde Guy tivesse sugerido a Wulfric que a levasse

a caçar. Não importava de quem havia sido a idéia! O que a surpreendia era

que ele tivesse aceitado.

Correu para as escadas, onde estava Jhone, e quase a atropelou com sua

pressa. Segurou-a pela mão e a puxou, impaciente, para falar com ela.

- A que vem tanta pressa? -exclamou Jhone quando estavam no quarto

de Milissant. E, quando viu que se dirigia ao baú e começava a tirar a roupa

atropeladamente, disse: - Perdeu o juízo definitivamente?

- Wulfric vai me levar para caçar.

Para Milissant, isso explicava tudo, mas Jhone insistiu.

- E o que?

- Porque eu temia que não pudesse voltar a caçar jamais; ao menos que

não poderia caçar como me agrada. E agora, só dois dias após do casamento,

 vai a me levar a caça. Não vê um significado?

- Eu sim, claro - replicou Jhone com suficiência. - A pergunta é se você

o vê.

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Milissant ria enquanto se desembaraçava da incômoda cotardía e a

regata.

- Só vai dizer isso? Que já tinha notado? Isso de ter sempre razão estáse convertendo em um cacoete em seu caso, Jhone. E o de desfrutar com

isso...

 Jhone a cortou, irada.

- Eu não desfruto. Além disso, está certa de que deve colocar essa

roupa?

Milissant havia pegado seus calções. Deteve-se para olhar fixamente suairmã enquanto dizia, rindo:

- Sim, ele pediu isso.

 Jhone pôs os olhos em branco, mas se aproximou do Milissant para

ajudá-la a abotoar as ligas e achar uma túnica.

 Ao cabo de um instante Jhone perguntou:

- Já disse que te ama?

- Ainda não.

- Pois talvez o faça hoje.

- Você acha?

- Eu? -Jhone bufou rabugenta. - E o que sei eu, que tão poucas vezes

acerto em algo?

Milissant riu, abraçou sua irmã, pegou o arco e as flechas e saiu

correndo pela porta.

 Jhone gritou a suas costas.

- Espera! Esqueceu a capa. Ainda é inverno, se por acaso não o notou! -

Logo sorriu e como Milissant não retornava, acrescentou- Que mais dá!

Duvido que ele a deixe ficar com frio.

Milissant fazia tempo que não se sentia tão contente e feliz. Sim, feliz.

Se notava em seu rosto, não podia ocultá-lo.

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303 

E o homem que estava junto a ela também tinha um eterno sorriso

desenhado no rosto, como se soubesse que era o responsável por sua alegria,

como em efeito era.Quando ele havia ido buscá-la em Dunburh fazia um mês, Milissant

acreditou que a vida tinha terminado para ela. O futuro não lhe proporcionava

nada bom ao menos que pudesse evitar casar-se com Wulfric de Thorpe.

 Agora que havia se casado com ele e que tinha compartilhado seu leito, achava

de repente que não podia ficar melhor. Mais que isso!. Era feliz! Estava

encantada de ficar com ele. Dava a sensação de que ele inclusive estavamudando de hábitos para agradá-la e, efetivamente, agradava-a em mais de um

sentido.

Significava isso que a amava? Igual a Jhone, agora ela também se sentia

inclinada a pensar. Só faltava ouvi-lo dizer para estar segura disso. E se ele o

dissesse? Devia mentir e dizer que o correspondia se por acaso isso podia

fazê-lo feliz?

O amor de Wulfric, tal como Jhone tinha assinalado, era um requisito

que lhe reportaria as liberdades que ela tanto desejava. O que havia acontecido

esse dia era uma boa prova disso. Mas, quanto ao que sentia ela... era feliz, isso

sim não podia negar. Além disso, ele a satisfazia. Bastaria a ele com isso? Ou

pediria seu amor em troca? Importaria sequer, sempre e quando seguissem

dando-se tão bem quanto agora?

Ela avançou antes dele pelo bosque. Haviam deixado os cavalos e iam a

pé de caminho. Temia que, dado o tamanho de Wulfric, fizesse ruído e

assustasse à caça. Mas a surpreendeu. Quase não ouvia seus passos atrás dela.

E de repente, ouviu o assobio de uma flecha.

Se virou e viu que ele baixava o arco. Olhou na direção para a qual ele

havia disparado e viu uma pomba no chão. Sorriu alegremente e se perguntou

se a teria caçado enquanto voava. Em seguida foi com ele recolhê-la.

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- Sabe depenar aves? -perguntou quando, ao aproximar-se, viu que era

um belo exemplar de tamanho médio. - Não ficaria nada mau assá-lo agora

mesmo.- Eu? -disse ele contemplando o pássaro e tornando a rir, o que era uma

resposta mais que explícita. - E você? Sabe depenar?

- Não o fiz nunca - admitiu ela - Sempre levo as presas para casa para

que as cozinhem lá.

Ele assentiu e colocou a presa em um saco que levava amarrado ao

cinturão.- A próxima vez que saiamos de caça teremos que trazer alguém da

cozinha, se é que queira comer isso no momento. Certamente, assá-lo agora

mesmo em uma boa fogueira é uma sugestão muito tentadora.

«A próxima vez...» Ela se alegrou tanto saber que teria uma próxima vez

que o teria beijado. Ficou imóvel, o olhando fixamente, e compreendeu que

ninguém a impedia de fazê-lo. Assim o beijou. A reação de Wulfric foi rápida

e a pegou entre seus braços, respondendo ávido ao seu beijo. O saco caiu ao

chão e o arco também. Após um instante, entretanto, deteve-se para olhá-la

com ternura e uma mão igualmente terna pousou na bochecha dela.

Milissant lhe devolveu um olhar assombrado e disse:

- Me quer?

- Tanto demorou em se dar conta?

- Sim. -ruborizou-se levemente. - É que tive a mente ocupada em outras

coisas.

Ele assentiu, sorrindo.

- Pois esperemos que essas coisas deixem de preocupá-la e a partir de

agora sua cabecinha se ocupe de coisas como... Estas.

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305 

Beijou-a de novo. Os contrastes eram notáveis, seu frio nariz contra o

dela, suas mãos quentes entretanto e seus lábios do mais ardente, apesar de

que o resto da pele que tinham descoberta estava gelada, embora estivesseesquentando rapidamente. Milissant pensou que se seguiam beijando-se

acabariam fazendo am...

Ouviu o golpe, um golpe seco, notou que Wulfric cambaleava apoiado

nela e que caía. Desabou e a arrastou, que ficou debaixo dele. Logo, um

profundo silêncio. Ficou imóvel, sem fôlego, e quando o recuperou, quase

não podia respirar pela opressão de seu peso sobre ela. Ele estava muitoquieto, muito quieto. Então ela notou a destilação de sangue quente que saía

de detrás da cabeça de Wulfric e escorregava por seu pescoço.

O grito se formou em sua garganta no preciso instante em que alguém

tirava Wulfric de cima. Levantaram-na com brutalidade, antes que pudesse

emitir som algum. Ela olhou horrorizada ao seu marido, estava ali, sangrando,

mais pálido do que nunca o tinha visto. E logo olhou o homem que a

segurava pelo pulso e que na outra mão brandia um galho do tamanho de uma

lenha com a qual havia atiçado Wulfric.

- Deus santo! Fico louco? -gritou aterrorizada e quase sem fôlego.

- Não - disse o homem, que a olhava com um sorriso que não

pressagiava nada bom. - Só sou um homem afortunado. -Ela não entendeu,

embora ligasse os fios quando finalmente ele acrescentou: - Venha, Lady! Faz

tempo que ando lhe buscando.

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Capítulo 51

Milissant não soube aonde a levavam. As lágrimas a cegavam, e como ahaviam amarrado as mãos as costas, não podia secar os olhos. Quando pôde

 ver de novo se encontrava em uma cabana com teto de palha.

 A moradia podia ficar no povoado, perto dele ou isolada no bosque;

não sabia. Um casal de anciões vivia aí. À mulher havia levado uma surra

enorme e jazia meio morta em um canto. Seu marido estava sentado junto a

ela, no chão. Não parecia que tivessem lhe feito mal algum, mas se viaaterrorizado.

Escutou algo ao alto que lhe indicou que utilizavam o homem para

afugentar às visitas indesejadas. Haviam pego a sua mulher para que

cooperasse. Não era uma cabana muito grande, havia um só ambiente, e

resultava francamente pequena para tantas pessoas. Além do homem que a

tinha levado ali, havia dois homens mais e aquela mulher a qual ela havia

acreditado que era uma prostituta, aquela que Wulfric havia desmascarado.

 A dela foi a primeira voz que Milissant ouviu.

- Por fim! Posso voltar para Londres? Tampouco pude fazer grande

coisa aqui, posto que o lorde suspeitasse de mim.

- Não se valoriza o suficiente, Nel. Tem outros talentos, além do

domínio dos venenos - replicou o homem que estava detrás do Milissant.

- Sim, Ellery, mas você não deixou que os utilizasse - respondeu ela

ressentidamente.

Ele se burlou:

- Pois ao Alger e Cuthred pareciam lhes agradar muito mais. Os deixou

muito contente durante a espera.

- Assim é - disse um dos homens sentados à mesa e que tentou sentar

Nel no regaço embora esta o rechaçasse com brutalidade.

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- Embora bom, sim - continuou Ellery. - Já pode partir. Mas se assegure

de que não a vejam.

- Como se tivesse vontade de que o lorde grudasse de novo em minhas

saias. Tinha um bom álibi, trabalhei completamente todo este malditopovoado para obtê-lo, mas, assim que o lorde começou a me fazer perguntas,

descobriu todo o bolo. Tive sorte de não pagar com minha pele por isso. Aqui

são todos muito cautelosos.

- Pois não serviu de nada - disse Ellery com suficiência. - Porque

perderam seu tesouro e agora a temos.

- A paciência é uma grande virtude - disse um dos homens. - Disse queo conseguiríamos e, como sempre, tinha razão.

- E a vigilância - acrescentou o outro homem. E logo, com uma risada

dissimulada: - Onde a encontrou? Caçando outra vez?

- Pois sim, caçando.

- Não teria me ocorrido que pudesse cometer outra vez a mesma tolice.

- Em honra à verdade, terá que dizer que nesta ocasião não estava só -

explicou Ellery.

- Ah, de maneira que não é tão tola! Só muito tola para você! -brincou

alguém com uma gargalhada.

- Exato - concedeu Ellery. - Apesar de tudo, esperei que voltasse a sair,

como a última vez. Se havia escapado em uma ocasião, podia voltar a fazê-lo,

por isso insisti em manter as portas vigiadas. Quando os encontrei estavam na

metade de caminho de minha posição habitual.

Ninguém perguntou o que havia acontecido com seu acompanhante,

embora os outros deram por certo que Ellery havia se ocupado dele, que era

tanto como dizer que o tinha mandado a outro bairro.

 As lágrimas apareceram de novo nos olhos de Milissant. O teria

matado? Se ao menos tivesse tido tempo de comprovar... Entretanto, temia o

pior. Não tinha podido certificar se respirava, mas estava mortalmente pálido.

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308 

 A atormentava as poucas esperanças que podia albergar de que Wulfric

tivesse sobrevivido ao cruel golpe que Ellery tinha lhe dado, e dar-se conta

muito tarde de que amava seu marido... Ele não tinha perguntado, mas Oh,

Deus! Gostaria tanto ter dito, gostaria tanto que tivesse ouvido antes de... aslágrimas não paravam e deslizavam até a mordaça que se afundava em suas

bochechas.

- Se gritar não duvidarei em te açoitar ou em te cortar a língua, se for

necessário. Preferiria não ter que fazê-lo, preferiria ouvir sua voz, embora não

muito alta. Entendido? -sussurrou Ellery ao ouvido enquanto desatava a

mordaça. A corda com que a tinha amarrado os pulsos antes de jogá-la sobre o

cavalo foi retirada enquanto falava com seus cupinchas. Havendo tantas

pessoas em uma choça tão pequena e com a porta fechada, devia pensar que

não era necessária.

Não respondeu embora esperasse que isso bastasse como resposta. Se

em algum momento chegasse a pensar que seria útil gritar, faria apesar de suas

ameaças. Entretanto, não tinha nenhum sentido dizer-lhe.

 Virou-se para ver sua cara. Ainda não tinha podido olhá-lo atentamente

já que, horrorizada ao ver Wulfric deitado no chão e manchado de sangue,

não havia percebido nada mais e só havia lhe ocorrido gritar. Comprovou que

era um homem alto e bonito, embora a surpresa durasse muito pouco. Depois

de tudo, havia criminosos de todos os estilos.

Os outros dois homens, rechonchudos e barbudos, tinham aspecto de

mercenários a salário. Não paravam de fazer brincadeiras e rir; talvez nem

sequer pensassem nas conseqüências do que estavam fazendo. Não obstante,

o tal Ellery parecia de outra massa, o via muito mais ameaçador.

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Milissant teve a sensação de que para ele seria igual esmagar uma mosca

ou fatiar a garganta a um bebê. Nenhuma das duas coisas despertaria o menor

escrúpulo que o impedisse de fazê-lo. Era um homem capaz de matar, mutilar,

 violar e fazer isso sem ser pego, pela simples razão de que podia se permitir.Isso o fazia mais perigoso que a maioria dos mercenários, em concreto que

seus dois cupinchas.

Cuthred e Alger a olhavam com curiosidade desde seus assentos junto à

desvencilhada mesa do centro da habitação. O ancião que seguia no canto

parecia temeroso de olhá-la. Nel estava colocando seus sujos pertences em um

saco. Partia, e a toda pressa. Assim que sua missão havia consistido emenvenená-la? Wulfric tinha razão.

Entretanto, Milissant não entendia por que estavam ainda ali, por que

seguiam empenhados em matá-la. (Estava claro que queriam matá-la se

haviam mandado Nel para que tentasse envenená-la.) Por acaso havia

interpretado de um modo completamente errôneo as insinuações do rei João?

Se esses não eram aos que o rei havia dissuadido, então, quem eram? Não

poderia ser que os homens de João ainda não haviam dado com eles para lhes

dizer de sua decisão. Oh, Deus! E se Wulfric houvesse morrido por nada, pela

demora de um mensageiro?

- Está equivocado - disse com voz rouca e afogada pela emoção.

- De verdade? -perguntou Ellery com um sorriso. - Mas eu não me

equivoco jamais.

- Pois nesta ocasião sim - insistiu ela. - Seja o que for o que se propõe

não se inteirou que o rei deu por terminado este assunto? Já não me deseja

nenhum mau.

Ellery se limitou a encolher de ombros.

- Não trabalhamos para o rei.

- Então... Para quem?

Ouviu-se outra voz, procedente da porta que se acabava de abrir.

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- Trabalham para mim.

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Capítulo 52

 Tinha que ser um lorde ou um comerciante rico, ou ao menos issosugeria sua vestimenta. Anéis e correntes de ouro, meias de lã fina, uma túnica

de veludo espesso. Mantinha-se erguido, arrogante, como se esperasse que

todo o mundo se inclinasse em reverência a ele. O olhar que dirigiu a

Milissant estava cheio de satisfação. Mas Ellery aguou o aparente triunfo do

homem quando o espetou:

- De Roghton, como consegue nos encontrar sempre?O lorde franziu o sobrecenho.

- Significa isso que estão se ocultando de mim?

- Pois sim, isso mesmo.

O rosto de Roghton se tingiu de púrpura.

- Como espera que os pague se não os encontro? -disse com uma

careta.

- Indo a você - bufou Ellery. - Como é que apareceu justo quando

acabamos de encontrá-la?

- Pode ser que, como você estivesse vigiando-a, eu estive vigiando seu

êxito tardio.

Ellery ruborizou levemente. O tom do lorde era insultante, embora

Milissant não detectou o ofensivo dessas palavras. Fosse qual fosse o ultraje,

Ellery sim o notou. De repente, a ela ocorreu...

- Havia um prazo para minha captura? -perguntou. - Ao menos

poderiam me dizer no que consiste tudo isto.

O lorde havia decidido ignorá-la. Ia morrer. Não tinha sentido esbanjar

tempo e explicações com ela. Mas Ellery não era da mesma opinião.

- Sim, acredito que merece saber por que. Também gostaria de saber a

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resposta, assim diga lorde Walter.

Milissant não conhecia nenhum nobre que recebesse ordens de um

 vulgar mercenário. Mas o lorde havia ouvido o mesmo que ela, a ameaça que

titilava na voz de Ellery, uma sutil intimidação.De Roghton tentou fazer caso omisso, e insistiu em perguntar:

- Por que continua viva?

Ellery tirou a adaga. Milissant empalideceu. Mas a arma não era para ela;

ao menos ainda não. Com calma e sangue-frio, limpou uma unha com a ponta

da folha. Logo olhou de novo De Roghton, fixamente, sem afastar os olhos

dele. Depois de alguns instantes de tensão, o lorde aceitou responder àpergunta de Milissant, olhando-a com arrogância.

- Deveria ter morrido antes de se casar. A união dos Crispin e os De

 Thorpe não teriam que ter se consumado jamais.

- Porque o rei João estava contra? Foi idéia sua então? Não é mais que

seu lacaio?

Suas palavras provocaram uma sonora gargalhada de Ellery o que, a sua

 vez, fez ir às nuvens Walter de Roghton. O ódio que havia entre esses dois

homens era evidente.

 Apesar de sua ira, Walter de Roghton respondeu:

- Não; foi minha idéia, mas João me deu sua aprovação tácita. Quando

 você morresse, o rei teria recomendado minha filha para que casasse com

 Wulfric.

- Mas já nos casamos - assinalou ela. - Já é tarde.

- Não, nem tudo está perdido, ainda que as coisas não sejam tão ideais

como antes. O jovem De Thorpe seguirá necessitando outra esposa quando

houver morrido. Pode ser que João seja ainda o bastante benévolo para

recomendá-lo, dado que a solidez da aliança não será a mesma com você

morta.

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Milissant sacudiu a cabeça, incrédula ante esse raciocínio. Além disso;

 João havia mudado de opinião. Quis chamar a atenção a respeito, e lhe disse:

- Está enganado. João retirou seu apoio, confirmou a lealdade do conde

e de meu pai, e, por conseguinte aprova meu casamento. Mandou um de seushomens a procurar dos que pretendiam me fazer mal para dizer que desistam.

É você a quem busca esse homem e ainda não o encontrou?

- Mente - espetou Walter, embora ela viu a dúvida em seus olhos e

decidiu insistir.

- Minto? E qual será a reação de João quando descobrir que o

desobedeceu diretamente? Por acaso pensa que viverá muito mais que eu? Epara que? Tenho que morrer para que sua filha possa casar-se com Wulfric?

 Tão difícil é encontrar marido que têm que matar para consegui-lo?

O insulto chegou à alma de Walter.

- É muito mais que isso, cadela. Anne tinha que ser minha. Passei meses

cortejando-a. Suas riquezas deveriam ter sido minhas. Mas preferiu De

 Thorpe.

- Ah, já o entendo! Foi outra de suas tentativas de se fazer com essas

riquezas porque ao que parece carece de méritos próprios para conseguir uma

fortuna.

Era um insulto insuportável para ele. Deu um passo à frente e a

esbofeteou. Ela tinha esperado, havia provocado. Que mais importava, agora

que Wulfric havia morrido? Além disso, tinha graça. O arrogante lorde nem

sequer sabia que o homem que havia contratado para matá-la também tinha

matado o que ele esperava que fosse seu futuro genro.

Ia dizer, ia jogar na cara, que todas essas loucuras que tinha idealizado

haviam sido arruinadas graças a um pedaço de lenha. Pensava dizer-lhe assim

que suas confusas emoções se assentassem, porque não suportava a simples

idéia de que Wulfric estivesse morto. Entretanto, não teve oportunidade de

dizer. Por alguma razão, Ellery tomou como uma ofensa que o lorde tivesse a

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golpeado. Virou-se bruscamente, deu-lhe um golpe e afundou a adaga no

 ventre. Milissant não havia se equivocado: nenhuma emoção cruzou seu rosto

enquanto matava um dos nobres do reino.

Seus cupinchas se mostraram menos indiferentes, muito pelo contrário.Ficaram em pé de um salto, um incrédulo, o outro horrorizado.

- Ficou louco? -perguntaram quase ao uníssono.

- Nada disso – respondeu ele com sangue-frio enquanto se inclinava

para limpar a adaga com a camisa do morto e voltava a deslizá-la em sua bota.

- Matou nosso patrão!

- Não era mais que um lorde bode!- Quem nos pagará agora?

- Sim, ao menos podia ter esperado a que nos pagasse.

- Ellery um lorde? -exclamou Nel. - Vão mover céu e terra te buscando

por isso!

Ele olhou ao Nel e soltou uma risada.

- Ora! Quem vai saber o que aconteceu com este bastardo arrogante?

Ninguém dará com língua nos dentes.

Essa foi uma observação tão direta que começaram a suar as mãos de

Milissant. Isso significava que pensavam matar o ancião. E a ela também. Seus

cupinchas eram os únicos que não iam dar com a língua nos dentes, Ellery

parecia muito seguro disso, e tinha seus motivos. Estavam todos tão

assustados quanto Milissant.

- O que vai acontecer agora com nosso dinheiro? -insistiu um dos

homens. - Faz mais de um mês que estamos trabalhando nisto. Cobraremos

ou não?

Ellery lhe respondeu com uma exclamação.

- Já chega de queixa, Cuthred. Pagarei eu mesmo. Na realidade, já não

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necessito, assim podem voltar para Londres. Levem Nel e o cadáver. Joguem

pelo caminho.

Isso pareceu aliviar os dois homens. Nel estava já saindo pela porta.

Um dos homens pegou Roghton pelos pés e começou a arrastá-lo. O outroolhou Milissant antes de perguntar a Ellery:

- Posso lhe açoitar só uma vez pelo dano que me fez?

- Não, não quero sangue aqui, a menos que seja eu quem o derrame.

Parte. Eu terminarei o trabalho aqui e me reunirei com vocês em Londres. A

garota pagará pela ferida que te fez, não se preocupe.

O homem pareceu satisfeito com isso e assim que a porta se fechouatrás deles Ellery se voltou para Milissant. O ancião estava amontoado junto a

sua esposa, e tinha ocultado o rosto em seu regaço, trêmulo. Era óbvio que

pensava que os seguintes iam ser eles. Mas Ellery o considerou muito

insignificante, porque nem sequer o olhou. Fixou os olhos em Milissant.

Milissant notou que gelava seu sangue, que lhe cortava a respiração. Se

pudesse confiar em fazer entrar em razão não lhe teria parecido tudo tão

terrível. Mas ninguém podia raciocinar com um homem sem escrúpulos, um

homem que matava por dinheiro, que o fazia sem emoção alguma, e não havia

o menor indício de emoção nesses olhos azuis que a olhavam sem pestanejar...

Não havia esperança alguma.

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Capítulo 53

O silêncio que seguiu foi exasperante. Ellery seguia de pé junto à porta,olhando-a. Milissant sabia que assim que se movesse, ela ia gritar. E se não se

movia, também gritaria. Estava tão tensa que ia gritar de um modo ou outro.

- Levo muito tempo esperando este momento.

 A satisfação de sua voz era tão densa que se podia cortar. Foi quase um

alívio que finalmente decidisse acabar com ela. Quase.

- Tanto te agrada matar? -perguntou Milissant.- Matar? -Pareceu surpreso. - Não; poderia ter te matado muitas vezes.

Preferi te manter com vida.

- Por quê?

- Por que não, milady? Porque quero prová-la antes. É a única razão

pela qual ainda está viva, apesar das muitas oportunidades que tive para matá-

la.

Milissant notou que começava a enjoar. Isso significava que sim

pretendia matá-la, mas depois de violá-la. Mas o motivo pelo que queria matá-

la acabava de sair arrastado da cabana. Era possível que ele não tivesse

pensado ainda?

- Eu mesma teria matado esse bastardo iludido, agradeço que você o

tenha feito e, portanto, não penso contar a ninguém qual foi seu final. Mas

por que insiste em que eu morra?

- Terei que pensar nisso, me orgulho de terminar sempre os trabalhos

que começo, e me contrataram para te matar. Claro que, como agora Roghton

não poderá me pagar... Sim, creio que terei que pensar. Mas há tempo para

isso. Faz muito tempo que penso em você e em te possuir. Dá-me a sensação

de que não me bastará te provar uma só vez.

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Isso poderia ter aberto uma fresta de esperança, mas a simples idéia de

que ele a tocasse era tão terrível quanto a morte. Teria preferido que a matasse

sem mais, naquele preciso instante. Ele era um homem bonito, mas depois de

ter estado com Wulfric e experimentar sua ternura, não poderia suportar queninguém a tocasse. E muito menos esse assassino sem entranhas.

Ele avançou um passo para ela. Milissant não gritou. Havia conseguido

que falasse e pretendia que seguisse fazendo-o. Não era só para atrasar o

inevitável, senão para descobrir a chave que pudesse fazê-lo mudar de parecer.

Não sabia o que podia ser uma palavra, uma frase, não tinha nem a menor

idéia, mas tinha que tentar.- Um de seus homens disse que eu tinha lhe feito mal. Como?

Ele esfregou o ombro e riu. Quando ria era difícil ver o assassino que

havia nele.

- Feriu-nos a todos com suas flechas. Como é possível que não se

lembre?

- Ah, isso!

Ele soltou uma risada.

- Não sei se é muito má ou muito boa com o arco. Sinto-me inclinado a

dizer que o último. O que me pergunto é por que se limitou a nos ferir em

lugar de nos matar diretamente. Foi uma tolice de sua parte.

Sim, uma tolice maior do que ela podia imaginar.

- Pensei que podiam ser uma patrulha de Shefford.

- Pois me alegro disso, porque não esperávamos que nos atacasse. Não

estávamos preparados. Algumas feridas são merecidas.

- E também quer me castigar por isso? -disse Milissant ressentidamente.

- Não, feridas sanam, mas os cadáveres não. Dou graças ao céu por sua

tolice.

Esse era o fio do que ela podia puxar? Rogou por que assim fosse, e lhe

disse:

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- Se está agradecido, me devolva o favor. Solte-me.

Ele riu em sua cara, e esmagou então qualquer fibra de esperança.

- Já te devolvi o favor. Está viva, não?

Com toda a amargura de seu coração, Milissant respondeu:- Preferiria não estar. Matou meu marido! Não tenho motivos para

 viver, assim faz o que tenha que fazer.

Ele havia chegado até ela. Passou um dedo por sua fria bochecha.

Sorriu de novo.

- O que eu quero é sentir o calor de sua pele, Lady. Tire a roupa para

mim.Ela lhe deu um tapa.

- Não espere que colabore...

Ele se encolheu de ombros e tirou a adaga de sua bota.

- Como quiser - disse. - Não me importa como a possua, mas te

possuirei.

Deveria ter se afastado dele enquanto pode. Agora ele estava muito

próximo, e era muito rápido. Imediatamente, a lâmina de sua adaga estava

apontando a seu pescoço e seus lábios estavam colados aos dele e afogavam

seu grito. A adaga não pretendia feri-la, mas sim rasgar sua túnica. O tecido se

abriu facilmente sob a afiada lâmina. O som da roupa ao rasgar pareceu o

toque de defuntos. Apenas ouviu um arranhar persistente.

Ele a soltou e olhou para a porta. Então ela também o ouviu, como se

um animal arranhasse a madeira com as garras.

 A porta se abriu de repente, com tal força que pareceu que a cabana

 viria abaixo quando golpeou a parede. O lobo entrou de supetão antes que o

homem que ficou no marco da porta, contemplando-os. O animal cheirou a

medo na habitação, reagiu e se jogou contra sua presa com as boca abertas,

grunhindo.

- O chame, Mili! -gritou Wulfric da porta. - O quero para mim.

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- Grunhido! -O lobo se aproximou dele, proferindo um ganido

impaciente. Uma vez despertado seu instinto mortífero, renunciar a ele no ato

era como ir contra sua natureza. O homem sentiu o esporeio do mesmo

instinto, e não pensava renunciar a ele. Wulfric só havia pegado sua espada e a Grunhido para sair em busca de

Milissant, nada mais. Nem sequer tinha se detido para enfaixar a cabeça. Um

fio de sangue descia pelo pescoço, mesclando-se com os coágulos e com o

sangue que impregnava sua túnica.

Deus santo! Nunca em sua vida havia estado tão contente de ver

alguém. Wulfric estava vivo! A Ellery não pareceu muito feliz essa interrupção, embora se via tão

seguro de si mesmo que devia considerar isso só um contratempo. Brandiu a

adaga, mas não pareceu surpreso quando Wulfric se esquivou. Continuando,

empunhou a espada. Wulfric já empunhava a sua.

- Nos vemos de novo, milorde - disse Ellery com a mesma

familiaridade como se estivessem compartilhando uma cerveja em uma

hospedaria.

- Sim, mas será pela última vez.

Ellery soltou uma gargalhada.

- Concordo com você. Além disso, vou tirar partido de que lutemos em

um recinto fechado, já que você está acostumado aos campos de batalha.

- Como quiser -replicou Wulfric, - embora te asseguro que a única

 vantagem com que contará será o tempo que demore em te matar.

E enquanto o dizia, arremeteu contra ele e suas armas chocaram. O

som provocou uma careta de dor em Wulfric. Milissant se deu conta de que

devia doer a ferida da cabeça, talvez muito, e isso sim era uma vantagem para

Ellery. Isso, e que ele usava a couraça de pele dos mercenários. Pelo resto,

eram quase igualmente altos e fortes, e o confronto prometia ser duro, ou ao

menos isso acreditava Milissant.

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Entretanto, esquecia o dia em que viu Wulfric praticando na ponte com

seu irmão. Aquele dia pensou que sua capacidade para o combate era muito

superior a dos demais. Estava demonstrando justo então, e ela compreendeu

imediatamente que Ellery também tinha se dado conta. Parecia que, afinal, eletambém era sensível a algumas emoções. Ao medo sem dúvida, como o que

ela havia sentido, como o que devia sentir Wulfric quando recuperou o

conhecimento no bosque e descobriu que ela havia desaparecido. Agora,

 Wulfric rechaçava cada estocada e cada um das investidas de seu inimigo, que

não podia fazer o mesmo e começou a sangrar por aqui, por lá e por muitos

lugares, e suas feridas o debilitavam. De repente, Ellery baixou o guarda e viuque a espada de Wulfric se aproximava dele, e soube que nessa ocasião não ia

se deter...

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Capítulo 54

 A cabana não estava muito longe do povoado. A haviam construídodentro do bosque por cautela, porque o ancião roncava tão alto que

incomodava os vizinhos, mas se achava perto o bastante para que fosse vista

do povoado. Com os anos, a erva daninha a tinha rodeado e havia servido

muito bem ao sinistro propósito de Ellery.

 Wulfric levou a anciã à casa de sua filha, no povoado, para que esta a

atendesse. No caminho de volta ao castelo se atrasaram o bastante, porquedoía a cabeça de Wulfric ao cavalgar, e tiveram que percorrê-lo a pé, agarrados

pela mão. E se detinham freqüentemente para abraçar-se; Milissant parecia

necessitar mais que ele.

 Ainda não acreditava que Wulfric estivesse vivo e tampouco, na

realidade, que ela o estivesse, e que pudesse compartilhar essa alegria com ele

uma e outra vez. Ele não parecia ter nenhum inconveniente.

Não obstante, ao chegar ao castelo ela se apressou em dispensar os

cuidados que ele necessitava. Chamou Jhone e pediu suas agulhas, água e

ataduras. Colocou um dos guardas do castelo no alto da escada para assegurar

de que o curador do castelo não se aproximasse de seu quarto. Se

impacientava que não pudesse fazer mais por Wulfric, mas lhe tirou

cuidadosamente a túnica, o sentou em uma banqueta junto ao fogo e lhe

ofereceu vinho. Quando Jhone chegou já quase havia terminado de limpar a

ferida.

 Todo mundo foi a seu dormitório enquanto curavam Wulfric.

Chegaram seus pais, que quiseram mimá-lo. Chegaram seu irmão e meia dúzia

de homens mais, que não pararam de entrar e sair assegurando de que tudo

estava correto. Anne não ficou muito tempo, pois a horrorizava a visão do

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sangue. Guy se manteve perto do ferido enquanto este lhe contava o

acontecido. E Milissant retorcia as mãos pensando em como devia doer cada

 vez que Jhone afundava a agulha. A repreendia constantemente para que fosse

cuidadosa e insistia em perguntar a ele como se achava. Armava tal alvoroçocom sua angústia que ao fim Jhone deixou o que estava fazendo, assinalou a

porta com um dedo e disse a sua irmã:

- Saia imediatamente daqui! -Milissant partiu, mas voltou imediatamente

e com ela seu nervosismo. Cada um dos gestos de dor de Wulfric a deixava

louca. Finalmente se ajoelhou junto a ele, apoiou sua cabeça contra seu peito e

o envolveu com seus braços. Não lhe ocorreu outra forma de reconfortá-lo.Nigel os encontrou assim quando entrou na habitação, com a bochecha

de Wulfric repousando sobre a cabeça de Milissant. Lorde Crispin levantou

uma sobrancelha interrogante e Jhone o olhou e pôs os olhos em branco.

Milissant não o tinha ouvido aproximar-se e não sabia que seu pai

estava ali de pé, olhando Jhone enquanto esta costurava a ferida de seu

marido.

 Até que Nigel disse com seriedade:

- Provavelmente eu poderia costurar uma linha de pontos mais reta, se

soubesse como utilizar uma agulha em todo este sangue e esse rasgão.

 Jhone ficou boquiaberta. Olhou atônita ao seu pai. Não havia

acreditado quando Milissant lhe disse das habilidades de seu pai para a costura

embora... Entretanto, Milissant, ante a descrição que seu pai estava fazendo,

choramingou:

- Acredito que estou enjoando.

- Eu também - acrescentou Wulfric.

O que fez Milissant saltar, enfurecida.

- Vê? Vê o que está fazendo?

- Faz que se esqueça da dor, para que se inteire - disse Nigel, e soltou

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uma risada, movendo-se para deixar passar Guy.

Os dois pais sorriram entre si ante a visão de seus filhos. Disseram mais

algumas coisas, mas ninguém ouviu mais que «sabia», «teimosa» e «era coisa de

tempo».Finalmente, Jhone terminou e aplicou uma bandagem. Wulfric se vestiu

de novo e se negou a deitar-se só porque estiveram lhe dando alguns pontos.

 Aceitou sentar-se na cama, isso sim, embora só se Milissant fizesse

companhia. Ela expulsou todo mundo, trancou a porta e se sentou junto a ele,

inclusive se aconchegou contra ele, passando um braço pela cintura e

repousando a cabeça em seu ombro.Milissant não queria falar mais do ocorrido, embora ele ainda não

soubesse tudo. Wulfric tinha contado a seu pai, mas só sua versão, que não

incluía o episódio de Walter de Roghton porque o haviam tirado arrastado

antes que chegasse Wulfric.

 Tempo teria para contar todo o resto assim que se sentisse um pouco

melhor. Não restava duvida de que estaria de acordo com ela em que não

havia necessidade de contar a sua mãe que um antigo pretendente ciumento

quase tinha destroçado suas vidas por culpa de sua desmedida ambição.

- Já disse que te amo? -perguntou depois de um longo e reconfortante

silêncio.

Por fim tinha se acalmado e se sentia em paz consigo mesma, apoiada

contra ele. O quarto era cálido, tranqüilo e havia pensado vagamente em pedir

que trouxessem o jantar para que ceasse com ele na cama. Pode ser que ele

não considerasse que precisava se manter na cama, mas ela não era da mesma

opinião. Além disso, estava segura de que a metade das coisas em que

discordavam pertencia já ao passado, e de que a partir de então só discutiriam

por coisas relacionadas com a saúde.

- Sim, acredito que me disse isso umas cem vezes durante o caminho de

 volta a Shefford. Sim, umas cem vezes.

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Sua brincadeira a fez rir.

- Terá que me perdoar. Este sentimento é muito novo para mim.

- Sim, também para mim, mas podemos explorar juntas suas

 vicissitudes.Ela o beijou brandamente no peito, aproximou-se mais dele e, de

repente, disse:

- Quero ter um bebê.

Ele proferiu uma gargalhada, mas teve que sufocá-la porque lhe doía.

- Posso confiar em que espere o tempo requerido para que isso ocorra

de uma maneira natural? -perguntou ao cabo de um momento.- Se tiver que fazê-lo... -suspirou ela.

Ele desceu o olhar para vê-la mais de perto.

- Não brinca? De verdade quer um menino?

- Sim se parecer com você, sim.

- Creio que se não se parecer comigo tampouco poderemos devolvê-lo,

embora eu preferisse que se parecesse contigo.

Ela fez uma careta de resignação e logo sorriu.

- Sempre podemos ter um de cada um.

Ele a olhou pôs os olhos em branco e soltou uma risada.

- Meu Deus! Não havia pensado nisso, mas não seria tão estranho se

tivéssemos gêmeos. -e acrescentou suavemente.

- Contribuiu mais coisas a este casamento das quais eu negociei.

- Os gêmeos são uma surpresa - observou ela. - Não um negócio.

- Referia-me ao amor.

- Ah!

Milissant ruborizou, regozijando-se internamente. O abraçou com mais

força, cheia de felicidade.

- Poderíamos começar agora mesmo - disse ele após um momento.

- Começar com o que?