senhores destas terras

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    SENHORESDESTAS TERRAS

    G llb erto A za nh a e mestree m A n1rop ologia S ocial pe laUoiversldade de SAo Paulo(USP) e m em bro fundador doC e ntro d e T ra b alh o In d ig e ni$ -

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    HIST6R1A E M~OS~

    JENH ( ( J ) IffiJE]J)JE1rA1rIE~~( { ) ) s p((})~({))$ i T f M l i g e r l l J L 0 1 TfIJj(}) l B 3 T f ' r m s i l g .00 c ( ( } ) l@ / [ ( { J : i I a t ( [ J JJD$ 7 l l l ( ( } ) S S ( ( } ) S d!, iru;

    ( G j o ~ i b ) I i" I l( Q JN a l r r u l l 'u ~~ O l l '~ o rr u o ~ M a ll l '~ ( Q J ~ ~ ~ ~ t a l< d l~ ( Q J

    C ( Q ) ( Q ) I 1 ' < d I l T i l a ~ a i ( Q )Maria Helena Simoes PaesMarly Rodrigues

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    Gilberto Azanha e Virginia Marcos Valadao, 1991.Copyright desta edicdo: _

    ATUAL EDITORA LTDA 1997.Av.Gen. Valdomiro de Lima, 833Parque Jabaquara - 043_44-070 - Sao Paulo - SPFone: (011) 5071-2288 - Fax: (011) 5071-3099

    Todos os direitosreservados,

    Dados Internacionais de Catalogacao na Publica!;ao (CIP)(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Valadao, Virginia Marcos.

    Senhores destas terras : os povos indigenas no Bra-sil :da colonia aos nossos dias / Virginia Marcos Valadao,Gilberto Azanha ; coordenacao Maria Helena SimoesPaes, Marly Rodrigues. - Sao Paulo: Atual, 1991. -(Hist6ria em documentos)

    ISBN 85-7056-385-X1.Aculturacao -Brasil 2. indios da America do SuI

    - Brasil I.Azanha, Gilberto. II. Titulo. III. Serie.91-2457 CDD-980.41

    Indices para catalogo sistematico:1. indios: Brasil : Aculturacao 980.412. indios: Brasil: Hist6ria 980.413. Povos indigenas : Brasil 980.41

    Serie Hist6ria em DocumentosEditora: Samira Youssef CampedelliGoordenador editorial: Henrique FelixAssistente editorial: Jacqueline Mendes FontesPreparacdo de texto: Renato NicolaiReoisdo: Noe G. Ribeiro/Alice Kobayashi

    Coordenacdo de arte: Tania Ferreira de AbreuDiagramadio: Alexandre Figueira de Almeida

    Arte: Zacarias Goncalves de Brito/Claudia FerreiraProduciio grdfica: Antonio Cabello Q Filho/Silvia Regina E. Almeida/

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    "Mas 0medo, que gera a violencia e a agressao, ja estavaem Caminha, ao dizer que os indios andavam ja mais man-sos e seguros entre nos, do que nos andavamos entre eles.E assim foi durante longo tempo. Urna desafeicao geral con-

    tra a terra e a indiada dominava a gente portuguesa; urn odioincontido contra 0gentio levava-a a praticar as maiores ini-qiiidades, como os que praticaram Mem de Sa e Jeronimode Albuquerque, ao mandarem colocar a boca de bombar-das, feito em pedacos, os indios que mataram cristaos,[...] Tirar 0medo aos cristaos, senhorear gentio pela guer-

    ra, amedronta-lo com grandes ameacas, doma-lo e mete-lo nojugo e sujeicao, tomar suas terras. e rocas e reparti-las peloscolonos. Nesta urn quadro sumario dos contatos luso-indigenasno primeiro seculo, que ensopou nossa terra de sangue indi-gena, apesar dos esforcos da catequese jesuitica, sempre maislembrada e louvada porque e a historia triunfante e oficial."

    (Jose Honoria Rodrigues, Conciliadiae nforma no Brasil, p. 30.)

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    Introducdo ...;...__ 1

    Documentos 71. 0 colonizador e 0 indio 82. A guerra ao barbaro: 1808-31 303. 0 Imperio: catequizar e civilizar 344. A Republica: amansar e produzir 405. A visao dos indios

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    PARTE I

    - - .Introdu~ao__,_'~:=;"".J

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    Primeiros habitantesDsde sempre aprendemos que os Indios sao os pri-meiros habitantes da nossa terra. 0 pouco de to-lerancia e respeito que ainda lhes concedemos pa-rece advir desse fato. Para muitos de nos, descendentes deeuropeus e africanos, os Indios sao "coisas do passado", al-go ja vencido: aparecem na nossa historia apenas como obs-taculos facilmente removiveis para que possamos estabele-cer nosso "modo de vida". 0 Indio se transforma entao emuma recordacao do que nos ensina a maioria dos livros es-colares: urn ser exotico, livre e natural.Em nossa imaginacao, 0 Indio sempre esteve ligado aos

    confins de nossa historia ou de nossa geografia, mas, de qual-quer modo, bern distante de nos. Ainda hoje, a maioria daspessoas se espantam ao saber da existencia de Indios no lito-ral do estado de Sao Paulo, porque acreditam que os Indiosque sobraram no Brasil so podem estar no Xingu ou na Ama-zonia. Para esses, por exemplo, os Guarani de Sao Paulo naosao "fndios de verdade", mas "caboclos", Indios "acultu-rados" .Porern a antropologia* tern demonstrado que "grupos in-

    dfgenas aculturados" nao existem. 0 que existe sao indivi-duos que perderam sua identidade etnica" e, como indivi-

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    rais, que pressionaram para que eles deixassem de ser elesmesmos e incorporassem modos de vida e de pensar dife-rentes dos seus pr6prios. Foram tam bern levados a adquirirbens materiais para eles desnecessarios, como vestimentas eoutros bens industriais, tornando-se materialmente depen-dentes dos brancos apesar de manterem seus valores cultu-rais tradicionais. Assim, as pessoas tendem a dizer que eles"nao sao mais indios".A maioria da populacao brasileira desconhece as condi-

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    dispensavel para se inserir 0 Indio dentro da "Na\=ao" bra-sileira.o Estado do Brasil, como todo Estado moderno, se defi-ne como Estado-Nacao, no qual 0dorninio sobre urn terri-torio pressupoe a existencia de uma "comunidade nacional",isto e, de uma populacao unida pela cultura e pela tradicao,Sendo assim, 0Estado brasileiro entende que nao pode in-corporar os Indios como "cidadaos" porque eles tern umaoutra cultura e uma outra organizacao social e politica. Enem como nacoes, porque no tipo de Estado brasileiro cabeapenas uma Nacao,E 0que fez0Estado brasileiro para resolver esse problema?o Imperio definiu os Indios como "ormos" e, assim, ca-

    beria ao Estado, atraves dos jufzes de orfaos, definir seus des-tinos e regular suas relacoes com os brasileiros. Dessa for-ma, os Indios foram encarados como individuos e nao comopovos. Atraves desse recurso, os juristas do Imperio pude-ram manter a integridade do "Estado-Na\=ao" brasileiro.Na Republica, a promulgacao do Estatuto do Indio em

    1973, e a colocacao dos indios sob a tutela" do Estado, naofez mais do que ajustar a modernidade 0estatuto de orfaosque 0Imperio havia lhes conferido. Procurou tambem re-solver algumas contradicoes que a classificacao de "ormos"implicava, atribuindo-lhes a figura juridica de "relativamentecapazes' " que da espaco para que 0Estado possa esperarque, algum dia, os indios se tornem "plenamente capazes" ,isto e, que possam, perante a lei, tornar-se cidadaos" brasi-leiros como quaisquer outros.A diferenca maior entre as duas legislacoes e que no Im-

    perio se permitia ao indio continuar existindo como tal in-definidamente; enquanto na de hoje 0 "ser cidadao " impli-

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    dos como "6rfiios", isto e, "despossuidos"; hoje sao defini-dos como' 'menores", ou seja, pessoas com direitos restri-tos. Tanto no Imperio quanta na Republica, nunca foramreconhecidos como povos.Mas as populacoes indigenas brasileiras constituem, do

    ponto de vista social e cultural, verdadeiras nacoes, organi-zadas em pequenas unidades economicamente autonomase politicamente independentes. A maioria delas mantern haseculos relacoes de troca imediata com a sociedade regionalenvolvente*. Mas 0 fato de manterem ha tao longo tempocontato com a nossa sociedade nao significa que seus padr5eseconomicos sejam iguais aos nossos, e nem 0fato de ja naomais andarem nus os torna semelhantes a n6s.Ja indicamos que 0Estado brasileiro nao pode permitirque os povos indigenas se manifestem perante ele como na-coes, Por outro lado, cabe a ele proteger as populacoes indi-genas da destruicao que advem de seu contato com a nossa. sociedade, funcao que nao cumpre (as noticias estao af) eque na pratica acaba se transformando na negacao daautodeterrninacao" e da liberdade dessas populacoes, E poressa via, entre outras, que a funcao de protecao se transfor-rna em dorninacao, A relacao do Estado brasileiro para comas sociedades indigenas tern se pautado pelo "processo depacificacao"!", isto e , pela transformacao do indio de obsta-culo ao avanco civilizat6rio em urn ser manso e pacifico con-finado em reservas, sempre menores do que seu territ6riooriginal.A invasao das terras, a desvalorizacao de suas culturas,

    a destruicao de sua autonomia economica e politica, estabe-lecendo uma dependencia direta e quase total a assistencia

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    Art. 231 - Sao reconhecidos aos indios sua organizadio so-cial, costumes, linguas, crencas e tradidies, e os direitos ori-gindrios sobre as tetras que tradicionalmente ocupam, com-petindo a Unido demarcd-las, proteger efazer respeitar to-dos os seus hens.

    (Titulo VII, capitulo VIII.)Esse capitulo da Constituicao representa urn avanco sem

    precedentes na legislacao, pois nao se fala mais em assimilarou integrar os Indios e sim que 0Estado e a Nacao brasilei-ra devem reconhece-los como tais, Indios.

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    PARTE It

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    CAPITULO 1

    o colonizadore 0indioo primeiro contatoNeculo xv a Europa se expandia para 0comer-cio, sob as ordens absolutas dos reis e da Igreja.opoder precisava ser sustentado por riquezas. Por

    isso os reis se associaram aos comerciantes, desenvolvendourn sistema de gerar riquezas atraves de trocas. Os produtosmais visados por esse comercio eram as chamadas "especia-rias" vindas do Oriente. E os italianos das republicas de Ve-neza e Genova dominavam, com suas ernbarcacoes, esse co-mercio,As outras nacoes da Europa ainda nao estavam organiza-

    das em Estados nacionais para fazer frente as repiiblicas ita-lianas, que tinham 0monop61io (exclusivo) do comercio como Oriente.Em meados do seculo xv uma outra nacao europeia ja

    havia conseguido constituir-se como Estado nacional: Por-tugal - que corn isso pode, atraves do poder absoluto dorei, dcdicar-se ao comercio, A partir dai tern inicio as gran-des navegacoes portuguesas, cujo objetivo era buscar umarota exclusiva para 0Oriente e, assim, quebrar 0mOl}op61iodas republicas italianas no comerco de especiarias. E nessecontexte que os portugueses chegaram a uma terra desco-

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    nhecimentos da natureza, experiencias de vida e concepcoesdo mundo diferentes entre si e muito diversas das ideias dosportugueses sobre 0que e a vida e 0papel do homem nomundo.As primeiras impressoes dos portugueses que aqui chega-

    ram sobre os habitantes da costa brasileira encontrarn-se re-gistradas na carta que 0escrivao Pero Vaz de Caminha en-VIOU ao rei de Portugal:

    [ ..j A Jei~ao deles e serem pardos, um tanto aoermelha-dos, de bons rostos e bons narizes, bem Jeitos. Andam nus,sem cobertura nenhuma. Nem Jazem mais caso de encobrirsuas vergonhas e de mostrar a cara. Acerca disso sao gentede grande inocencia [ ..j Ambos traziam 0 beico debaixo Ju-rado e metido nele um osso uerdadeiro, de comprimento deuma mao travessa e da grossura de umJuso de algodiio. Me-tern-nospela parte de dentro do beico [ ..j E trazern-nos aliencaixado de sorte que ndo os magoa nem lhes trazern estor-vo no Jalar, nem no comer e beber [ ..j .

    E andavam ld outros quartejados de cores, a saber, meta-de de sua propria cor e metade de tintura preta, um tantoazulada [ ..j ali andavam entre eles tres a quatro rnocas,bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compri-dos pelas costas; e suas vergonhas, tao altas e tao cerradi-nhas e tao limpas das cabeleiras que, de as nos muito bemolharmos ndo se eruiergonhauam [ ..j

    (Apud Vogt & Lemos, Cronistas e via-jantes, p. 13.)

    A admiracao de Caminha pela aparencia e seu espanto pe-

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    penas e melhor cabelo que a s mansas, porque os seus corpossao tao limpos e tao gordos e taojormosos que ndo pode sermais! E isto me jaz presumir que ndo tern casas nem mora-dias em que se recolham; e 0 ar em que se criam osjaz tats.[.]

    (Apud Vogt & Lemos, Cro nista s e v ia -jantes, p. 19.)

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    Contrastando com esses cornentarios de adrniracao, 0es-crivao nao deixa de, a todo momento, reafirmar 0 caraterde conquista da expedicao. Dado esse carater, os indios ti-nharn que ser tornados como inimigos a serem conquis-tados.

    [ ..) Bastard que ate aqui, como que se lhes em algumaparte amansassem, logo de uma mao para outra se esquioa-oam, como pardais do cevadouro. Ninguim ndo lhes ousafalar de njo para ndo se esquivarem mais. E tudo se passacomo eles querem - para os bem arnansarmos!

    Ao velho com quem 0 Capitdo havia fa/ado, deu-lhe umacarapuca vermelha. E com toda a conversa que com ele hou-oe, e com a carapuca que the deu tanto que se despediu ecomecou a passar 0 rio, foi-se logo recatando. E ndo quismais tornar do rio para aquern. Os outros dois 0 Capitdoteve nas naus, aos quais deu 0 quejd ficou dito, nunca maisaqui apareceram, fatos de que deduzo que e gente bestial ede pouco saber, e por isso tao esquiva [ ..j

    (Apud Vogt & Lemos, Cro ru sta s e ina-jantes, p. 19.)

    E espantava-se, ao longo do relato, pelo fato de esses "ini-rnigos" Ihes prestarern auxflio e estarem tao a vontade entreeles:

    [ ..) Acarretavam dessa linha quanta podia, com mil boasvontades, e leuaoam-na aos bateis. E estauam jd mais rnansose seguros entre nos do que nos estduamos entre eles.

    Nesse dia, enquanto ali andavam, dancaram, e baila-

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    Porque, para aqueles povos,0inimigo era 0"quase igual" ,isto e, aquele que disputava com ele a prerrogativa de serurn "verdadeiro guerreiro". 0 motivo da guerra entre aque-les indios era a vinganca. Por que entao lutariam com urnpovo desconhecido e com 0qual nao tinham nenhuma his-t6ria de vinganca? Naquele momenta do primeiro contato,os portugueses erarn para os indios motivo de curiosidadee representavam a possibilidade de acesso, atraves de troca,a produtos ex6ticos.E para os portugueses, 0que representavam os indios?Povos a serem conquistados e dominados, para que se pu-

    dessem explorar as riquezas de seus territories em beneficioda Coroa portuguesa. Povos a serem "salvos" do paganis-mo e convertidos a religiao cat61ica.

    [...j Ati agora ndo pudemos saber se hd aura au pratanela, ou outra coisa de metal, ou ferro: nem lha vimos. Con-tudo a terra em si i de muitos bons ares frescos e tempera-dos... As dguas sao muitas: infinitas. Em tal maneira igraciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-a nela tudo: parcausa das dguas que tem!

    Contudo, 0 melhor fruto que dela se pode tirar parece quesera salvar esta gente. E esta deve ser a principal sementeque Vossa Alteza em ela deve lancar.: Quanto mais dispo-sidio para se nela cumprir efazer 0 que VossaA lteza iantodeseja, a saber, acrescentando de vossa fi [ ..j.

    (Apud Vogt & Lemos, Cronistas e via-jantes, p. 21.)

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    do produto, os colonizadores trocavam machados e faeces porarvores abatidas. Esse tipo de troca, conhecida como escam-bo, era evidentemente desigual, pois os indios que trabalha-yam nas derrubadas carregavam os navios em troca dos ins-trumentos de trabalho.Esse sistema durou ate a vinda de Martim Afonso de Sousa

    em 1531,quando entao cornecararn a se instalar fazendas deacucar e algodao, que necessitavam de mao-de-obra perrna-nente. Iniciou-se entao 0aprisionamento e a escravizacao dosindios.

    indios Tupinembederrubando troncos de pau-brasil e carregando os na-

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    [ . . J os gentios tim guerra entre si e se cativam uns aosoutros e se comem segundo seus costumes; e uendendo-se eresgatando-se muitos se conuertem a jt [ ..j

    (Regimento de Tome de Sousa, apudF. Monnen, Pindomma conquistada,p. 64.)

    Esse cornercio de mao-de-obra indfgena "resgatada" co-mecou na capitania de Sao Vicente. Os portugueses incenti-vavam seus aliados Tupinikin a guerrearem com seus inimi-gos tradicionais, sobretudo os Tupinamba. Os Tupinikin co-mecaram assim a alterar 0destino de seus prisioneiros: aoinves de come-los, entregavam-nos aos portugueses como es-cravos em troca de mercadorias europeias.Essa situacao e assim descrita por urn observador euro-peu em 1556:

    [ . . J Apesar de nossos esforcos, nossos interpretes conse-guiram negociar sornente poucos pr is ioneiros. Eu acrescentoque isto ndo joi do agrado do captor de quem eu compreiuma mulher e seu jilho de dois anos [ ..j 0uendedor indiodisse-me: - Eu ndo sei 0 que vai acontecer nofuturo, poisdesde que (os broncos) chegaram aqui nos ndo temos comidonem a metade de nossos prisioneiros [ ..}

    (jean de Lery, Viagem Ii terra do Brasil,p. 190-1.)

    A tnsdo dos cronistasVaries registros com observacoes e opini6es sobre os cos-

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    lica e atribufam aos europeus habitos que consideravam taoau mais "bcirbaros" que os dos Indios.Vejamos sua descricao sobre 0canibalismo, ritual indige- .

    na tao comentado e que justificou toda sorte de guerras eoperacoes de resgate para escravidao movidas contra os In-dios:

    [ . . J Quando vao a guerra, ou quando matam com- so le-nidade um prisioneiro para come-lo; o s selva g en s brasileirosenfeitam -se com uestes, m ascaras, b raceletes e outros ornatosde penas verdes, encarnadas ou azu is, de incom parduel b ele-za natural, a Jim de mostrar-se mais belos e mais b ravos.[ . . J Logo depois de chegarem [os p risioneiros] sao ndosomente bem alimentados mas ainda lh es concedem mulhe-res [ ..j, ndo hesitando os oencedores em o Je rece r a p ro priafilha ou irmii em casamento [ . .J .

    (Apud Vogt & Lemos, Cronistas e via-janter, p. 65.)o prisioneiro era entao bern tratado e conservado por al-

    -gum tempo no convivio da aldeia, ate que, finalmente, eramarcada a data da execucao:

    [ . . J Todas as a ldeias circunvizinhas sao auisadas do diada execudio e b reve comecam a chegar de todos os lados ho-mens, mulheres e meninos. D ancam en tao 0 cauinam. 0p rop rio p risioneiro , ap esar de ndo ignorar que a assemb leiase reune para seu sacrificio dentro de poucas horas, longede mostrar -s e p e s a r o s o ; enfeita-se to do de penas e sa lta e heb e

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    nha, retiram-se em suas chocas ef a z e m nos peitos enos b ra-fO s , n as coxa s e na b arriga das pe rnas sangrentas incisoes .E para que perdurem toda a vida, esfregam-nas com umpo negro que as toma indeU veis. 0 tuanem de incisiies indi-ca 0 numero de v{ tunas saaificadas e lhes aumeniaa consi-derafao [ ..J .

    (Aput Vogt & Lemos, Cronistas e V U J -jafl/l!s, p. 66.)

    Para os Indios da epoca, 0canibalisrno era urn ritual han-roso, Ao pas 0 que esses mesmas Indios consideravam bar-bara a escravidao (costume europeu), em cuja situa!;ao mui-tos morriam de melancolia e tristeza, Mas os portuguesesargumentavam que precisavam empreender ' guerra justa" *contra as Indios, para salvar da marte as prisioneiros etransforma-los em escravas. .

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    Em Lery encontramos tambem alguns dos poucos regis-tros da palavra e da visao dos Tupinamba sobre as ativida-des dos colonizadores:

    [ ..j uos outros mair sois grandes loucos., pois atravessaiso mar e sofreis grandes incdmodos, como dizeis quando aquichegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossosfilhos ou paraaqueles que vos sobrevivem! Niio sera a terraque vas nutria suficiente para alimentd-los tambem? temospais) miies efilhos a quem amamos; mas estamos certos deque, depois de nossa morte, a terra que nos nutriti tambemos nutrird. [ ..j por isso descansamos sem maio res cuidados.

    (Discurso de urn Tupinamba anota-do por Lery no Rio de Janeiro em1558,apud B. Ribeiro, 0 indio na his-toria do B rasil, p. 31.)

    Em 1549, Tome de Sousa, 0 primeiro governador-geral,chegou ao Brasil. Vinha acompanhado pelos missionaries je-suitas que, sob a coordenacao do padre Manuel da Nobre-ga, tinham por missao converter os indios a religiao crista,protege-los em sua liberdade, educa-los e aldea-los. Eram asseguintes as ordens de D. Joao III para os padres:

    .[ ..j Porque a principal causa que me mooeu a mandarpovoar as ditas terras do Brasil, Joi para que a gente dela

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    d a r , d e maneim que f i q u e : m satisfeitos) e as pessoas, que lnofueram) s f jam castigadas como for justifa !.J .(Apud R Gambini,. 0 esp ellw {ndw, p.,ij2.}

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    Nos primeiros tempos dos jesuitas no Brasil, a forma tra-dicional do trabalhodos missionaries era a seguinte: urn pa-dre, ou urn pequeno numero de padres, se dirigia a cadauma das nacoes indfgenas e nas suas aldeias fazia a prega-~ao; batizava geralmente urn grande mimero de individuose se retirava, considerando cumprida ali sua tarefa. Mas osfrutos foram julgados poucos, especialmente se comparadoscom os riscos, que eram enormes. Nem sempre a recepcaodos Indios era amistosa e os padres eram obrigados a acele-rar sua marcha pela mata adentro. Cresceu tambem entreosjesuitas a impressao de que 0batismo em massa nao sur-tia efeitos duradouros. Tambern havia poucos padres paramuitos Indios em muitas terras. Alern do que os Indios ti-nham 0 "mau" e generalizado costume de praticar 0 no-madismo, que em nada facilitavao trabalho de encontra-los.Em pouco tempo de trabalho missionario, os jesuitas en-tenderam que os indios tinham suas pr6prias crericas e quedentro das aldeias destacavam-se pessoas respeitadas pelo seusaber tradicional. Era 0caso dos pajes, conhecedores de pra-ticas espirituais e de ervas medicinais, os "medicos" das so-ciedades indigenas - que passaram a ser encarados pelosjesuitas como os maiores inimigos.Os jesuitas vao entao se decepcionando com as dificulda-

    des para a conversao do gentio e 0 padre Manuel da Nobre-ga trata de formular a estrategia da catequese* e adequaro trabalho missionario a polftica de colonizacao e ocupacaodas terras:f ..j Este gentio e de qualidade que ndo se quer por bem,

    sendo por temor e sujeidio, como se tem experimentado e porisso se SA. os quer uer todos conoertidos mande-os sujeitar

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    A lei, que lhes hdo de dar, e deJender-lhes comer carne hu-mana e guerrear sem licenca do governador; fazer-lhes teruma s6 mulher, uestirem-se pois tbn muito algodiio, ao me-nos depois de cristdos, tirar-lhes os Jeiticeiros, manter-lhesem justica entre si e para com os cristdos. faze-los viver quietossem se mudarem para outra parte, se ndoJor para entre cris-taos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com estes pa-dres da Companhia para os doutrinarem [ .. J .

    (M. da N6brega, Cartas do Brasil aoPe. Miguel de Torres, 8 de maio de1558, p. 280-1, apud Baeta Neves,1983, p. 69.)Esse plano marca uma serie de alteracoes nas politicas de

    catequizacao, A primeira foi a criacao dos aldeamentos* . Nosaldeamentos, indios das mais diferentes tribos eram reuni-dos para que pudessem mais facilmente ser convertidos. Osaldeamentos jesuiticos nao foram bern recebidos pela maio-ria da populacao branca, sendo acusados de dificultar injus-tamente 0aprisionamento de indigenas, de ser uma formade defesa de indios e uma forma velada de os jesuitas conse-guirem trabalho escravo para si.Os jesuitas protegiam os indios que adotavam a religiao

    crista e viviam nos aldeamentos, estando assim a salvo dasincursoes dos colones", Entre 1557 e 1562, 34 mil indios agru-param-se em 11 paroquias, nos arredores de Sao Paulo.

    A empreita colonial: as guerras justosEm 20 de marco de 1570 tinha sido promulgada em

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    tiam as portugueses, impediam 0comercio ou que fizessemalianca corn outras na\-oe enropeias, Os Indios capturadosne as guerras justas eram 1 vados para aldeias de reparticao"e distribufdos entre os colona por tempo deterrninado.

    o inicio do seculo XVII, com a controle do rnercado demao-de-ohm negra pelos holandeses, os colones lancam-seferozmente contra os Indios, Vecdadeiras carnificinas sao co-metidas e muitas revolt as indigenas surgem no Maranhao,Para . Bahia.

    Massacre dos Aymore na Bahia.

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    Iniciadas em 1610, essas reducoes foram se sucedendo aolongo de uma faixa de terras disputada pelas Coroas de Portu-gal e Espanha - as provincias de Tapes e Guaira -, ate for-mar 0que passou a se chamar de "Republica dos Guarani" .Todas essas reducoes eram povoadas pelos Guarani, po-

    vos que ocupavam uma extensa area formada por tres gran-des rios, 0U ruguai, 0Parana e 0Paraguai.Os paulistas invadem as reducoes, matando e escravizan-

    do indios:[ ..j Cairam primeiro (1628) sobre a redudio de Encar-

    nacion; que devastaram O s trabalhadores dispersospelos cam-pos foram postos a ferros e levados: os recalcitrantes massa-crados. As criancas e os velhos, muito fracos para seguirema coluna, foram igualmente massacrados pelo caminho [ ..j.No total, 15 mil Guarani tinharn. sido postos aferros e ar-rebatados da reducdo. [ . .j.

    (GLugon, A re pu b lica "c omunista "-cristiidos Guarani, p. 36.)Os indios reagiram e, em 1639, 4 mil Guarani invadiram

    Caar upa-Guacu, derrotando os paulistas. Mas, apesar dasresistencias indigenas, os paulistas aniquilaram e escraviza-ram 300 mil Guarani nesse periodo.Em decorrencia desses fatos, em 22 de abril de 16390 pa-

    pa Urbano VII faz uma bula excomungando os que cativas-sem e vendessem indios.Em 1667, Antonio Vieira. jesuita que defendia a liberda-

    de dos indios, e libertado pela Inquisicao (fora preso em 1663)e em 1680 inspira nova lei, 0Alvara de 1~ de abril, 0pri-

    0

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    soas particulares, porque na concessiio de sesmarias se reset-ua sempre 0 prejuizo de terceira e muito rnais se entende,e quero se entenda, ser reservado 0 prejuizo e direito dos in-dios, PRlMARIOS E NATURAlS SENHORESDELAS.

    (Apud J. Mendes Jr., Os in dig en as doBras il ... , p. 35.)Essa nova lei continua a admitir as guerras justas, porem

    com uma importante ressalva:{ ..j que osprisioneiros assim tornados sejam tratados co-

    mo as pessoas que se tornam nas guerras da Europa [ ..j(Idem, ibidem.)

    A nova lei daria ainda plenos poderes para os jesuitas es-tabelecerem miss6es exclusivas suas e determinaria que a re-particao dos indios capturados em guerras justas ficasse acargo do bispo local.Tanto poder em maos da Igreja provocou protestos, com

    colonos invadindo a camara em Sao Paulo e proclamandoa independencia dos paulistas de Portugal, e sendo expulsosos jesuitas do Maranhao. Em 1686 deu-se uma nova vitoriamissionaria, com a prornulgacao do Regimento das Miss6esdo Estado do Maranhao e Grao- Para.Esse regimen to dividia 0poder missionario entre as or-

    dens religiosas, cabendo aos jesuitas 0controle da margemdireita do Amazonas eaos franciscanos a regiao ao norte domesmo no.

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    das missoes, lancavam-se as ordens religiosas na lucrativa co-leta e comercio das drogas do sertao. Isentas de impostos esem dificuldades de rnao-de-obra, tornaram-se as missoes asprincipais organizacoes econornicas da Amazonia.Do ponto de vista dos indios, a missao, como centro de

    destribalizacao e homogeneizacao de culturas, tinha comoproduto final indios privados de sua identidade etnica, en-tao chamados tapuios.Entre 1748 e 1749, uma epidemia de sarampo dizimou

    a maior parte da populacao aldeada dos tapuios na cidadede Belem e em toda a area amazonica, fazendo com que aimportancia dos tapuios enquanto trabalhadores se fizesselogosentir.o poder extraordinario e 0 enriquecimento dos jesuitasnesse periodo vai provocando urn crescente descontentamentoentre os colonos, ate atingir os pr6prios governantes.

    o periodo pombalino: 0indio como suditoEnquanto se acirravam as disputas internas entre colonos,

    governantes e missionaries, Portugal e Espanha procuravamresolver sua secular disputa de limites nas Americas e na Asia.Em 1750 assinam 0Tratado de Madri.Os indios tornavam-se entao pe~a importante do jogo po-

    lftico-diplomatico entre as duas nacoes coloniais europeias.Os colonizadores viam como imperiosa a necessidade de po-voamento de seus territ6rios como forma de garantir a pos-se das terras em disputa. Escreve Pombal a Gomes Freirede Andrade, governador do Rio de Janeiro:

    f .. E como aforca e a riqueza de todos os Paises consis-

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    das; e como este grande numero de gente que e necessdriopara povoar; guarnecer e sustentar uma tao desmedidajron-teira niio pode humanamente sair deste Reino e Ilhas adja-centes; porque ainda que as Ilhas e 0 Reino ficassern intei-ramente desertos, tudo isso ndo basta ria para que esta vas-tissima raiajosse povoada: ndo soJulga S.M. necessdrio deV Sa. conoide, com os estimulos acima indicados, os vassa-

    'los do mesmo Senhot; Reinicolas e Americanos que se achamcivilizados; mas tambem que VSa. estenda os mesmos e ou-tros privilegios aos Tapes) que se estabeleceram nos Domi-nios de S.M) examinando VSa. as condiaies que lhes fa-zem os Padres da Companhia Espanhois, e concedendo-lhesoutras a mesma imuadio; que so ndo sejam iguais, mas aindamais fauordoeis; de sorte que eles achem 0 seu interesse emviverem nos Dominios de Portugal, antes que os de Espa-nha { ..}.

    (Apud GA. Moreira Neto, indios daAmazdnia: de maiona a m iiw r ia, p. 26-7.)Aosproblemas encontrados no norte por Portugal (era sohabitado por indios), corresponderiam problemas mais gra-

    ves no suI, onde a Espanha, desejosa de controlar ambas asmargens do rio da Prata, havia acordado com Portugal a en-trega dos Sete Povosdas Miss6es, onde viviam indios Gua-rani e missionaries jesuitas.Portugueses e espanhois confiavam que os jesuitas fossemcapazes, com sua autoridade, de remover os Guarani aldea-dos para a outra margem do rio Uruguai. Nao contavamcom os obstaculosque essesindios comecaram a levantar con-tra as juntas das missoes", negando-se a entregar as terras

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    sionarios, 0que culminara, mais tarde, com a expulsao dosjesuitas do pais pelo marques de Pombal.Enquanto isso sao decretadas por Pombal as medidas de

    6 de junho de 1755, que criavam a Companhia Geral doGrao- Para e do Maranhao e a Lei de Liberdade de pessoas,bens e comercio dos indios do Para e Maranhao.A companhia destinava-se a cultivar 0comercio e atraves

    dele fertilizar a agricultura e a povoacao que se achavam emfranca decadencia. E a lei de liberdade dos indios, promul-gada no mesmo dia, visava reorganizar a producao intern ae dotar 0Estado dos instrumentos para aplicar a nova poli-tica econornica.o preambulo da lei fazia severas criticas a politica indige-nista ate entao seguida, dizendo que, em vez de alcancar acivilizacao" dos indios, 0seu aumento e a conseqiiente pros-peridade dos Estados, 0que se via era que:

    [ ..] havendo descido muitos milhoes de indios, seforamextinguindo; de modo que e muito pequeno 0 numero daspoooadies e dos moradores delas, vivendo ainda essespoucosem tao grande misena que, em uez de convidarem e anima-rem os outtos indios bdrbaros a que os imitem, lhes servemde escdndalo para se internarem nas suas habitadies silues-ires, com lamentduel prejuizo da saloadio de suas almas,e grave dana do mesmo Estado ; ndo tendo os habitantes delequem os sirva e ajude para colherem na cultura das terrasos muitos preciosos frutos em que elas abundam [ . . J .

    (Apudj.O Beozzo,Leis e regimentos dasmissiies, p. 57.)

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    Urn alvara complementar, com data do dia seguinte, 7 dejunho de 1755, abolia 0 poder temporal dos missionaries dequalquer religiao, Dois anos mais tarde, 0Diret6rio de 1757criaria urn novo ordenamento para a politica indigenista:voltou-se arras na resolucao de entregar aos pr6prios indioso seu governo, e estabeleceu-se urn programa para a civili-zacao e cultura dos Indios. Esse Diret6rio, na realidade, eraurn violento roteiro de aculturacao" forcada dos indios, quecornecava pela proibicao de os indios utilizarem suas pr6-prias lfnguas ou a lfngua geral da bacia amazonia introduzi-da pelos missionaries (0 nheengatu), exigindo-se 0 portugues,Propunha comb ate aos costumes tribais, incentivando a mis-cigenacao, abolia as distincoes formais entre brancos e in-dios e transformava as aldeias missionarias em vilas e po-voacoes coloniais portuguesas. Liberava a mao-de-obra, es-tabelecendo que os indios deviam cultivar em suas rocas, prin-cipalmente para 0comercio.Longe de abolir a administracao dos indios, 0Diret6rio

    trocou a direcao do missionario pela do diretor, funcionariocivil do Estado. E ao inves de suprimir 0sistema de reparti-c;aode mao-de-obra, tornou-o mais duro e isento de limites.Os indios trabalhariam por salaries, mas esses salaries deve-riam ser entregues pelos moradores ao diretor da povoacao:este daria 1/3 da paga ao indio, guardando 2/3 no cofre, pa-ra ser recebido no fim do trabalho ou devolvido ao moradorcaso 0 indio desertasse do servico,E 0principal meio para repovoar os aldeamentos, agoravilas, continuariam sendo os descimentos", pratica que ja ha-via exterminado tantos grupos dos sert6es.o alvara de 1758 estende a liberdade dos indios do Mara-nhao a todo 0Brasil. A despeito da eloqiiencia com que sao

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    [ ..j bem claro fica que de nada sennrdo as leis aos in-dios para serem amparados na sua liberdade. 0Diretorioe um labirinto ou mistura de determinadies que dd caudaa muitas ilusiies e desacertos que hoje se praticam no Es tado[ ..j Desempenhem-se as leis, seja completa a liberdade dosindios, sejam livres suas p e s s o a s , suas adies, e os seus bens[ ..j e 0 comercio se exercitard sem 0 descdmodo e a oiolenciades distribuidies, sem opressiio e constrangimento dos mise-rdueis [ . .}.

    (Apud P. Malheiro, A e scmoiddo no Bra-sil, p. 115.)

    A sucessao de revolt as indigenas em varias partes da Ama-zonia, nesse periodo, demonstra como os indios reagiam con-tra a violencia e as tentativas forcadas de integra-los na eco-nomia e sociedade coloniais .. Contra a ansia e violencia dos descimentos, 0governadorLobo D'Almada, comentando as revolt as no Rio Branco em1781, aconselhava:

    [ ..j Para descer estes Tapuios do mato, onde eles a seumodo vivem com mais comodidade do que entre nos, e ne-cessdrio persuadi-los des vantagens de nossa amizade, sus-tentd-los, oesti-los, ndo osfatigar querendo-se deles mais ser-VifOS do que eles podem [ ..j 0 sustento deve consistir emrocas de mandioca adiantadamente feitas [ ..j Para que elestomem amor a s poooadies efacam conceito de nossa probi-dade, conuern.ndo puxar nunca a sennco estesprimeiros ho-mens descidos [ ..j Osfilhos, que ndo fizerem Jalta a s fami-

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    Por essacarta, os aldeamentos indigenas foram condena-dos ao desaparecimento; todos os bens coletivos dessas al-deias foram vendidos e 0resultado recolhido ao Tesouro daprovincia; determinava, ainda, que os Indios que nao pos-suiam estabelecimento proprio e nao tinham ocupacao fixafossemcompelidos ao trabalho publico ou particular; reto-maya 0conceito de guerra justa e, por fim, equiparava osIndios "cristaos e mansos"aos orfaos.

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    CAPITULO 2

    A guerra ao barbara:1808-31

    Emjaneiro. de 18080principe-regente muda-se coma famflia real para 0Brasil. Em maio desse mesmoano mandou fazer guerra aos Botocudos de MinasGerais, pela Carta Regia de 13 de maio de 1808:[ ..j desde 0 momenta em que receberdesesta minha Car-ta Regia) deveis considerar como principiada contra estes in-dios antropofagos uma guerra ofensiva [ ..j e que 000 t e r t iJim sendo quando tiverdes a felicidade de vos assenhoreardas suas habitaciies, e de os capacitar da superioridade dasminhas Reais armas [ . . J Que sejam considerados como pri-sioneiros de guerra todos os indios Botocudos que se toma-rem com as armas na miio em qualquer ataque; e que seJamentregues para 0 seroico do respectivo comandante por 10anos, e todo 0 mais tempo em que durar sua f e r o c i d a d e , po-dendo ele empregd-los em seu seroico particular durante essetempo, e conserud-los com a deoida seguranfa) mesmo em

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    Restabeleceu-se 0 sistema de entrada :* e bandeiras e 0 ill-clio preso era dado ao u p rseguidor como cravo, peloperfodo de 15 anos.Em relacdo a Goias, reza a Car a Regia de 5 de s tembrod 1811:

    [ ..j Acontecendo !.j que a naoio Caraja continue nassuas correrias, s e r a indispensdvel usar contra ela da forcaarmada; sends esie, tambem; a meio d e que deoe lancer m a opara canter e repelir as nafoes Apinay~ X audnie, X emuee Canoeiro; par quanta suposto que os insultos que elas pra-ticam tenham origem no rancor que conservam pelos maus-tratos que experimeniaram de alguns comandanies das al-deias, flaO T esta presentemenie outro partido a seguir sendoinzimidd-los e ate destrui-los, se necessdrio for. para eoitaras danos que causam [ ..j.

    (Apud P. Malheiro A e s c r a v i d a o n o Bra-sil, p. 12 9-30.)

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    A transferencia, portanto, do poder real para 0Brasil em1808, em virtude da invasao de Portugal pelas tropas napo-Ieonicas, iria intensificar 0carater repressivo das leis contraas populacoes tribais da Colonia - elevada da categoria deReino Unido a de Metr6pole em 1815 -, pois a populacaode colonos crescia e se expandia para novas regioes,Em 1821, nas reunioes das Cortes Gerais em Lisboa, fo-ram apresentados alguns projetos de deputados brasileirossobre a questao indi'gena. 0 mais conhecido deles, os Apon-tamentos para a cunlizacdo dos indios bdrbarosdo Brasil, de JoseBonifacio de Andrada e Silva, mais tarde seria levado a As-sembleia Constituinte* do Imperio em 1823. Nenhuma desuas teses foi aceita. Apenas foram aprovadas pela Comis-sao do Ultramar as sugestoes de urn particular do Para, quepropunha repartir os Indios por urn perfodo de 7 anos, entreos colonos que, em compensacao, veriam

    [ ..j com todo 0 escnipulo que estiio batizados [ ..j e apli-cados a trabalhos uteis, segundo suas forcas.

    (C.A. Moreira Neto, indios da Amazonia, p. 40.)Sera preciso esperar 0periodo da Regencia, apos 07 deabril de 1831, para que surjam as primeiras medidas que vi-riam eliminar a antiga legislacao de terror implantada por

    D. Joao VI.Entretanto essasmedidas nao impediram a hccatombequese abateu sobre a populacao indigena do Grao-Para e de to- 'do 0isolado vale amazonico, por ocasiao da repressao a re-volta da Cabanagem (1833-40), onde pereceu grande parte.da populacao tapuia, negra e rnestica (calcula-se em 50 mil

    1838, por Francisco J. S. Soares d'Andrea, governador do

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    Amazonas, indicado pelo imperador para reprimir a Caba-nagem, destinada a recrutar a massa servil de:

    [ ..j indios, mesticos e pretos, que ndo fossem escravos endo tivessempropriedades, ou estabelecimentos em que se apli-cassem constantemente, encaminhando-os ao sennco da la-ooura, do comercio e de obras publicas [ ..j

    (Henrique Jorge Hurley, Tr(JfOS caba-nos, 19~6: 284, apud c.A. MoreiraNeto, Indios da Amazonia, p. 87.)o fim da Cabanagem representou 0desaparecimento de

    muitos lugares, povoacoes, freguesias e vilas habitadas portapuios e mesticos, e a franca decadencia da regiao.

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    CAPITULO 3

    o Imperio: catequizare civilizar

    A populacao indigena no Brasil, por volta de 1830,era estimada entre 600 e 800 mil indios, consti-tuindo cerca de 20% da populacao total do en-tao nascente Imperio brasileiro. Apesar de seu peso demo-grafico significativo, a ameaca que representava ao projetocivilizat6rio ja diminuira bastante.Embora algumas correntesde opiniao proclamassem queos indios ja haviam dado mostras da sua incapacidade em"aceitar as bases da civilizacao?", a politica que predomina-ria no Imperio - e que determinaria as leis e praticas dogoverno para com os indios - seria aquela fundamentadano binomio "civilizac;:ao e catequese".Elites intelectuais e politicas do Imperio (como Jose Boni-

    facio, Dr. Pinto Junior, barao de Antonina, Couto de Ma-galhaes, entre outros), preocupadas em construir e fazer pas-sar para 0povo a ideia de uma "Nac;ao brasileira", consi-deravam que os indios deveriam ser incorporados a nova Na-c;:ao.Essa incorporacao deveria ser feita pacifica e gradativa-mente, atraves da catequese religiosa e da justa retribuicaoaos esforcos que os indios aldeados realizassem em seus ter-

    determinaria que as Assernbleias Provinciais e os seus go-

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    vemos deveriam cuidar da civilizacao e catequese dos indios.Foram entao criados pelos governos provinciais os cargos deadm in istra do res d e in dio s.Os aldeamentos entao existentes foram divididos em duasclasses:

    f ..j uma, as jundadas pelos indios que se submeteram,outra, asjundadas pelos indios libertados ou evadidos a s ad-ministraciies: aquelas eram dirigidas pelo governo, estas pe-los conventos. Porem, os administradores eram os unicos usu-frutudrios do que produziam as. aldeias f ..j; roubauam ospobres indios, maltratauam-nos, deixavam-nos em extremapenuria e eles enriqueciam, cegando os gooernadores, ospro-uedorese as cdmaras a custa de presentes e bajulaciies. Cer-tamente aos indios ndo podia ser agradtivel uma tal explo-radio: e dai a jama de o ad io s, in do len tes, preguicosos, etc.que esses administradores enriquecidos a custa dos indios,nao cessavam de jormar contra as suas vitimas [ ..j

    (J . MendesJr., O s indigenas do B rasil ... ,p. 53-4.)

    Em pequeno trecho de urn oficio expedido em 1843, 0ba-rao de Antonina esclarece 0que imaginava ser a correta ati-.tude do Imperio em relacao aos indios.

    f ..j Devemos procurar criar entre os indigenas as neces-sidades do homem civilizado, ndo para comodidade exclusi-vamente nossa, mas tambem para comodidade deles; ao con-

    te na zona pioneira. A fe crista deveria ser inculcada pelos

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    missionaries, e os bens civilizat6rios, criados pelo trabalhodos pr6prios indios, que seriam protegidos em suas terrase direitos e, como criancas a que estavam equiparados, orien-tados na sua vontade e punidos em seus erros para que apren-dessem a respeitar as regras da sociedade dominante.Em 1843, 0governo do Imperio convidaria oficialmente

    a ordem dos capuchinhos italianos para assumir a tarefa dacatequese dos indios. Distribuidos originalmente entre as pro-vfncias onde grupos indigenas ofereciam resistencia a "ex-pansao do comercio " - principalmente Goias, Sao Pauloe sul do Mato Grosso -, alguns anos mais tarde os aldea-mentos por eles criados dariam origem a novas vilas e, maistarde, a municipios, com a maioria dos primitivos habitan-tes fugindo novamente para os sertoes. Tais fatos viriam re-forcar a tese de que os indios estariam fadados ao desapare-cimento, devido a sua inadaptabilidade ao processo de evo-lucao da humanidade e a "marcha irreversivel do progresso".o principal instrumento da politica indigenista do Impe-rio foi 0Decreto de 24 de julho de 1845, que regulamentavaas missoes de catequese e civilizacao dos indios. Para coibiros abusos dos antigos administradores de indios, 0 decretoestabeleceu 0cargo de d ir eto r- g eral d e indio s para cada provin-cia - nomeado pelo imperador -, instalando em cada al-deia urn diretor de indios e, se possivel, urn missionario, Nostermos de Joao Mendes Jr., "esse decreto e fertil em dispo-sicoes, mas nunca foi devidamente executado".Em algumas provincias, esses diretores de indios (que re-cebiam, pelo cargo, salaries e uma patente do Exercito) naofizeram mais do que repetir seus antecessores, explorandoa rnao-de-obra indfgena e distribuindo as terras indigenasentre seus pr6prios familiares.

    as que ndo se acharem em dominio particular por qualquer

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    titulo legitimo; nem f o r e m hatndas por sesmarias ou porou-tras concessiiesdo Governo Geral ou Prooincial, ;Wo incur-sas em comisso por jalta de cumprimento das condidies demedidio; confirmacdo e cultura; 3 - as qll ndo se acha-rem dadas por sesmarias ou outras concessiies do Governoque, apesar de incursas em comisso, joram revalidadas pelaLei; 4 - as que ndo se acharem ocupadas por posses que,apesar de ndo sejundarem em ti tulos legais, jorem legiti-madas pela Lei [ ..j

    (J. MendesJr., Os i n d i g e n L I . S do Brasi l . . . ,p. 56.)

    A Lei de Terras do Imperio tinha como finalidade forcara colonizacao e exploracao de terras incultas. A partir dessalei, todas as terras do Brasil poderiam ser possuidas somen-te por compra. E autorizava 0 governo a vender as terrasdevolutas (isto e, sem registro) por leilao.Apenas urn mes depois da aprovacao da Lei de Terras,

    uma decisao do Ministerio do Imperio mandava "incorpo-rar aos pr6prios nacionais" as terras dos indios que ja naoviviam em aldeamentos, pois, nesse caso:

    [ ..j ndo existiam hordas de indios selvagens [ ..j massomente descendentes deles conjundidos na massa da popu-lacdo civilizada [ ..j.

    (C.A. Moreira Neto, "Apolitico i n d i -genista brasileira durante 0 s e c u l o XIX ",

    terre no devoluto que ocupava. Com isso 0governo do Im-

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    perio estabelecia em lei a difererica "indio bravo/Indio man-so": se 0primeiro era "selvagem", 0era porque defendiasua terra; nesse caso, entao, 0governo reconhecia sua posse.Como 0"indio manso" nao brigava mais, entao podia serexpropriado da sua terra.E assim foi feito. Urn exemplo de como essa expropriacao

    de terras dos indios se processava aparece na Decisao 127do Miriisterio do Imperio, de 8 de marco de 1878:

    [ . .J Tendo a Lei n ~ 1114, de 27 de setembro de 1860,autorizado 0 Governo Imperial a aforar ou vender, na con-formidade da Lei n" 601, de 18 de setembro de 1850 [Leide Terras], os terrenos pertencentes a s antigas rnissiies e al-deias de indios que estiverem abandonadas, cedendo a parteque julgar conveniente para a cultura dos que nela aindapermanecem e requerem, recomendo a V.Excia, que, depoisde declarar extintos os aldeamentos que por suas atuais cir-cunstdncias estejam no caso de 0 ser, de a s respectivas terraso destino determinado, depois de reseruat; a s fami lias dosindios ali existentes ou a seus descendentes, lotes cuja areacompreenda 31 250 bracas quadradas ou 151 250 metrosquadrados [ . .J

    (Apud c.A. Moreira Neto, 1971,p.372.)No SuI do Brasil, onde 0Imperio usava dinheiro do Te-

    souro nacional para estabelecer a colonizacao alema, os in-dios que habitavam os sert6es de Santa Catarina (Xokleng)

    com 1 000$000 (urn conto de reis). Foi aceita a proposta,

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    tendo sido contratado Manoel Alves da Rocha, com venci-mento de 3 000$000 mensais.Foiassim,atravesda contratacao de "bugreiros", que maisda metade da populacao Xokleng de Santa Catarina foi as-sassinada.

    CAPITULO 4

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    A Republica: arnansare produzir

    [...] como urn patriota, anseio por ver a reconciliacao dastres racas que constituem a base etnica do povo brasileiro deforma que, uma vez fundidas, formem a populacao unida dessaGrande Republica

    (C.M.S. Rondon, Homenagem a J a r eBonifdcio, apud A.C.S. Lima, ''Aosfe-tichistas, ordem e progresso ...", p. 16.)

    Os positivistas e OS indiosA primeira Constituicao da Republica, de 1891,naotraz nenhuma mencao aos Indios. Contudo, du-rante os debates para a sua elaboracao, destaca-rarn-se os positivistas, urn grupo de pessoas que, influencia-do pela doutrina do filosofofrances Auguste Comte, defen-dia uma ordenacao "cientIfica" da sociedade. Na ocasiaodos debates da Constituinte, propuseram que os Indios de-veriam ser considerados como nacoes livres e soberanas, eque fossem organizados ern Estados com 0titulo de "Esta-dos Arnericanos Brasileiros", em oposicaoaos "Estados Oci-dentais Brasileiros". Tais Estados teriam autonomia e con-trole sobre seus territ6rios.

    entre si, e menos relacoesamistosas que possam ser manute-

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    nidas. A triste verdade e de um permanents conjlito entreuma mea invasora impelida pela necessidade ou pela ambi-f a a e as tnbos tuimades, vivendo da caca e pesca e defenden-do ate a morte vastas areas de territoria que lhes ministramos elementos de vida.

    Se, p o r e m , 0 sistema indicado ndo pode ser absolutamen-te observado, e se eforca optar entre a catequese e a guerra,ministra, todavia, base para sobre ele calcar-se regime maishumanitdrio; um modus vivendi menos incompativel como sentimento humano, com a moral crista e com 0 culto daJustifa.Em meu conceito efatal a solucdo do problema etno16gi-co pela assimiladio do aborigene ao genero civilizado.

    (A.F. de S. Pitanga, apud A.C.S. Li-ma, "Aos fetichistas, ordem e progres-so...", p. 40.)

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    o ideal do Imperio prolonga-se na Republica. Na toto. fndios Piratapuia,Tsrisn e Tukano em visita a Manaus, em 1928.Mas seriam os positivistas que continuariam a propor que

    o Estado deveria encarregar-se do cuidado e protecao aos in-dios em vez das miss5es religiosas, integradas, nesse perio-do, principalmente por capuchinhos e salesianos. Por que apreocupacao dos positivistas com 0 problema indigena?Em linhas gerais, duas correntes de opiniao debatiam-se

    durante a primeira Constituinte republicana: os liberais querepresentavam os interesses da "iniciativa privada" (produ-tores de cafe de Sao Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais),e os positivistas, que representavam as classes medias e cu-jos porta-vozes eram os oficiais militares e os intelectuais quehaviam participado ativamente da queda da Monarquia.Os liberais defendiam uma Republica Federativa em que

    o poder central se limit aria a guarda de fronteira, a defini-

    Mesmonao impondo seus pontos de vista basicos na Cons-

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    tituicao de 1891(tida como liberal), essa corrente de opiniao(positivista) ganharia forca ao longo dos primeiros anos daRepublica, sobretudo depois da crise do cafe (1906-08), quan-do os liberais passam a defender a intervencao do Estadono mercado para a defesa do pre~o do cafe. Essa guinadados liberais foi fundamental para a consolidacao da tese po-. sitivista da construcao de urn Estado forte que, de cima pa-ra baixo, organizaria a Nacao. Qual Nacao?

    f ..j 0estadoJuncional das gentes brasileiras pode-se re-sumir numa palavra: 0 Brasil ndo tern povo! Dos seus 12milhiies de habitantes em 1884J um milhdo t de escravose hoje os ex-escrauos e seus descendentes andam quase inti-teis, esparsos nos povoados e taros nas antigas Jazendas eengenhos. Ficam nope milhiies mais ou menos. Destes, qui-nhentos mil pertencem aJamilias de proprietdrios de escra-vos f ..j Acontece, p o r e m , que 0 largo espaco compreendidoentre a alta classe dirigente e os escravos (agora criados eempregados de toda ordem) por ela utilizados, ndo se achasuficientemente preenchido. Seis milhiies de habitantes, pelomenos, nascem, vegetam e morrem sem ter quase servido suapdtr ia. No campo serdoagregados defazendas, caipiras, rna-tutos, caboclos; nas cidades serdocapangas, capoeiras ou sim-plesmente vadios e ebrios.

    (L. Canty, Le eeu en 1884, apud E.Carone, A Rep ub lica ~lha, p. 145-6.)

    lotes nao nas regi6es valorizadas pela cafeicultura (onde 0

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    pre~o da terra era alto), mas nas zonas pioneiras" dos esta-dos do SuI, onde disputariarn as terras com os indios queainda as dominavarn.Veremos que, dos conflitos entre indios e imigrantes, nas-cera 0embate ideol6gico que propiciara a ,cria~ao, pelo go-verno federal, do Service de Protecao ao Indio e Localiza-c;ao de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1910.Os cham ados "trabalhadores nacionais livres" (caipiras,

    caboclos, pequenos posseiros, produtores de alimentos, par-ceiros, sem-terras, etc.) e os indios seriarn 0alvo privilegia-do de atencao dos "construtores da Nacao positivista" por-que nao erarn atendidos pelas elites dominantes, que os con-sideravarn, como dizia Julio de Mesquita Filho, "a faccaosemibarbara da populacao":Todo 0trabalho e pregacao positivista seria feito buscan-do integrar a Nacao brasileira essa massa de gente.No infcio do seculo XX, alguns choques entre indios e in-

    vasores de seus territ6rios em zonas pioneiras (colonos imi-grantes ern Santa Catarina x Xokleng; colonos de MinasGerais e trabalhadores que construiam a Estrada de FerroNoroeste do Brasil no Oeste de Sao Paulo x Kaingang: la-tifundiarios do cacau no suI da Bahia x Patox6 Hahahae;os soldados da borracha x dezenas de grupos indigenas noAcre,etc.) comecaram a ser denunciados na imprensa, prin-cipalmente devido a atuacao dos cham ados "bugreiros" -matadores profissionais de "bugres" (isto e , indios), contra-tados por companhias imobiliarias e especuladores para "lim-par 0terreno a imigracao e a especulacao de terra". Essesconflitos cornecararn a aparecer tarnbem no noticiario inter-nacional.

    vilizacao nacional" ou a raca branca (no caso dos positivis-

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    tas, situando-os nurria fase evolutiva primaria: animita), sejaainda porque "a generosidade e a ingenuidade (dos indios)colocavam-nos em situacao de inferioridade no trato com oscivilizados", segundo A.C.S. Lima.As divergencias se estabeleciam quanta a capacidade ou

    nao de os indios brasileiros evoluirem para a civilizacao. Pa-ra 0naturalista Hermann von Ihering (cientista, diretor doMuseu Paulista entre 1904 e 1912), os povos indfgenas naoseriam capazes de evoluir, devendo ser deixados entreguesao seu pr6prio destino, sem se esperar que contribuissem para0 'desenvolvimento nacional" seriao episodicamente. Alerndisso, esse cientista considerava que, ao se misturarem a ra-c;:abranca, os fndios e os sertanejos se "degradariam".Os positivistas, por outro lado, consideravam que a "mar-cha inevitavel da humanidade atraves dos tres estagios' con-

    duziria os povos indigenas ao abandono da "primeira con-dicao ' em que se encontravam. Outros intelectuais forma-yam uma terce ira posicao: embora inferiores, os Indios po-diam evoluir dentro de certos limites, contribuindo para 0progresso da Nacao, bastando para tanto educa-los.Todos os envolvidos no debate propunham solucoes prati-cas para 0 "problema indfgena" a partir das respectivas vi-soes que defendiam. Essas solucoes visavam enfrentar tresproblemas que consideravam fundamentais: 1) abrir terrasa colonizacao do interior, pondo fim aos atritos entre Indiose brancos; 2) realizar 0"extermfnio da selvageria", isto e ,pacificar os indios bravos, tornando-os "respeitosos de nos sacivilizacao' (Ihering); e 3) situar os povos indfgenas dentroda Nacao brasileira.Ihering reclamou da "anarquia" * reinante entre brancos

    que pensasse que 0caboclo herdasse dos indios apenas a sua

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    vocacao para uma lavoura de subsistencia e a sua falta dearnbicao para "subir na vida", 0que nao ocorria com osimigrantes europeus (alemaes e italianos, principalmente).De fato, a diferenca maior entre as posicoes de Ihering

    e dos positivistas e seus aliados era esta: Ihering nao acredi-tava numa evolucao dos indios a urn grau "superior" de ci-vilizacao atraves da assimilacao dos primeiros pelos bran cos;enquanto os positivist as consideravam que, garantindo a elesurn espaco fisico, isso seria possivel.o6rgao do governo republicano que criaria 0Service deProtecao aos Indios e Localizacao de Trabalhadores Nacio-nais (SPILTN ou simplesmente SPI) seria 0Ministerio daAgricultura, Industria e Comercio (MAIC). Esse ministeriofoi estabelecido em 1909, ja assumindo entre suas atribui-~oes a "catequese indigena". Isso porque a meta principaldo novo ministerio seria a ampliacao da fronteira agricolae a incorporacao a Nacao dos indios e dos trabalhadores na-cionais (mulatos, caboclos e caipiras) para fazer frente aosestrangeiros (colonos alemaes e italianos).No pensamento dos positivistas (que passariam a dirigiro recern-criado SPI), 0 indio bravo seria transformado em tra-

    balhador nacional atraves da garantia de sua sobrevivencia fi-sica e pela educacao civica que, fazendo-o produzir, 0inte-graria a ordem nacional.

    Por que Rondon?Rondon foi escolhido para fundar e dirigir 0 futuro SPI

    devido a seu trabalho a frente da Comissao das Linhas Tele-

    tando essa realidade, os homens de Rondon nao revidaram

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    nunca os ataques dos indios. Ao contrario, davarn a cada ata-que mostras de boa intencao, deixando-lhes presentes.Foi assim que a ideia de uma "prote

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    seguidos no interior da mata por matadores profissionais (bu-greiros) contratados pelos encarregados da estrada de ferro.Esses conlitos acabaram dando origem a uma verdadeiraguerra na "zona pioneira" de Bauru.Quando a noticia do cerco e da matanca de quase toda

    a aldeia Kaingang apareceu na imprensa (no jornal 0 Esta-do de S. Paulo), 0governo federal resolveu intervi; nos confli-tos. 0ecem-fundado Service de Protecao aos Indios e Lo-calizacao de Trabalhadores Nacionais tinha no Oeste de SaoPaulo 0cenario ideal para exercer 0seu papel de uma insti-tuicao neutra que poderia "administrar" interesses em con-litos (indios x colonos e 0"progresso").

    deia Kaingang - mas os indios fugiram. Os funcionariosdeixaram muitos presentes na aldeia abandonada. Essas ofer-

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    tas de presente acabaram dando result ado e, em 1912, ocor-reu 0 seguinte epis6dio:

    f ..j Urn chefe Kaingdng procurou acercar-se de urn gru-p o de trabalhadores da estrada, apresentando-se desarmadoe trazendo nos bracos uma crianca como penhor de sua dis-posidio pacifica. Foi recebido corn uma fuzilaria f .J .

    (D. Ribeiro, Os indios e a c iv iliz afiUJ , p.159.)Os Kaingang - para quem todos os brancos eramfok (isto

    e, "estranhos") - estavam considerando naquele momen-to que tinham conseguido finalmente "amansar" os bran-cos, pois estes lhes davam presentes. 0problema e que 0chefeKaingang apareceu no local errado. Essa hist6ria os pr6priosindios contaram, depois da pacificacao, aos funcionarios doSPI. Em 1912, urn grupo Kaingang se apresentou esponta-neamente em urn acampamento do SPI.Essa foi a primeira "pacificac;ao" do SPI. Depois desseprimeiro contato, varies outros grupos passaram a visitar 0posto do SPI e os funcionarios a freqiientar as aldeias.

    o resultado da primeira pacificaoA populacao Kaingang, antes da construcao da estrada

    de ferro, contava 1 200 indios. Quando dos primeiros conta-tos, em 1912,eram urn pouco mais de 600 (isto e, perderam

    Balance da atuadio do SPI

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    Outras "pacificac;6es" realizadas pelo SPI tambern tive-ram os mesmos resultados: os Xeta do Parana, os Oti-Xavantede Sao Paulo, os Botocudos de Minas, os Kepkiriwat de Ron-donia e dezenas de outros mais acabaram desaparecendo de-pois de pacificados. Outros sofreram tamanhas baixas po-pulacionais que pouco resistiram ao processo de perda daidentidade e descaracterizacao cultural, como os Krenak emMinas e os Pataxo na Bahia.Depois da revolucao de 1930, 0 SPI - ja sem 0LTN dadenorninacao "Localizac;ao de Trabalhadores Nacionais" -passaria da esfera do Miriisterio da Agricultura para a doMinisterio da Guerra, onde pouco mais tarde viria a se trans-formar num mero departamento da secao de fronteiras domesmo M'inisterio. Somente depois de 1945, e principalmentena decada de 50, e que recuperaria algum prestigio, com acriacao do Museu do Indio no Rio de Janeiro e com a pro-posta de luta pela criacao do Parque Nacional do Xingu.Pelo menos urn objetivo seria alcancado por aqueles que

    lutaram pel a criacao do SPI entre 1905 e 1910: 0 de fazerpassar a opiniao publica "0sentimento de pertinencia doindio a nacao brasileira, como sua parte integrante e sofre-dora", no dizer de Mercio P. Gomes.oproprio Rondon, muitos anos mais tarde, parece ter re-fletido sobre 0resultado de sua acao, reconsiderando inclu-srve a politica de "reservas":

    [ ..} Niio i 0 indio indolente; ao contrdrio; a sua vidai uma sene intermindoel de trabalhos penosos e arriscados.o que ruio representa derrubar uma druore, na jloresta,a machado de pedra? E eram extensas as derrubadas que

    estreito ambito de um lote e ndo haveria meio de 0 manterat, se ndo obrigando-a a f o r c a , a permanecer e trabalhar

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    - 0 que sena sua morte [ ..j(GM.S. Rondon, in dW s do Bras i l , v. II,p. 341.)

    A tutela

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    Quando 0SPI cornecou a dernarcar terras para os Indios(entre 1912e 1915),seus servidores encontrararn-se diante dasseguintes questoes: De quem eram essas terras? Dos Indios?Do governo estadual, que as havia doado? Da Uniao? Co-mo fazer para defende-las?Sobre essas questoes, dizia 0 entao chefe do SPI em Sao

    Paulo:[ ..j nenhuma terra de propriedade de indios Joi demar-

    cada ou legitimada. No entanto, a poooacdo indigena estdem terras especialmente reseruadaspara esteJim, pelo gover-no do estado de Sao Paulo. Essas terras porem ndo sao depropriedade dos indios [ ..j[ ..j Esta propriedade lhes i reconhecida e teoricamenteincontestada. No entanto, pelo regime da lei que equiparaos silvicolas brasileiros a menores, tal p rop riedade de nadalhe aproveita: a inspetoria [0 SPI} ndo dispoe de meios, oude representacdo juridica suJiciente para chamar a si a ad-ministracdo de bens de raizes de tutelados dos juizes [ ..jde orfdos.

    Enquanto perdurar esta lei, ide conoeniencia para a boaordem e tranquilidade das inspetonas do Seroico de Prote-cdo, que as terras [ ..j sejam. apenas declaradas reseroadaspara esteJim, mas ndo doadas e legitimadas como proprie-dades das tribos [ ..j.

    (L.B. Horta Barbosa, apud A.GS. Li-ma, 'A identificacao como categoria

    Essa situacao foi corrigida quando da promulgacao do C6-digo Civil Brasileiro, em 1916. Esse c6digo vinha sendo dis-

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    cutido no Congresso Nacional desde 1902 e, no que toea aquestao da "incorporac,;:ao definitiva dos aborigenes na so-ciedade brasileira", havia a opiniao geral de que os "abori-genes deveriam ser considerados relativamente incapazes"para certos atos e colocados sob a tutela do Estado.Isso quer dizer que, a partir de 1916, os indios deixaram

    de ser considerados 6rIaos para se tornarem, perante a lei,pessoas com capacidade restrita, isto e, nao poderiam ter apropriedade da terra que habitavam ha milenos nem serempresos, votar ou assinar contratos comerciais, etc. Buscando-seprotege-lo, 0indio foi reduzido a urn "meio cidadao'". Maistarde, em 1928, 0Decreto 5 484 - que regulamentou "asituacao dos indios nascidos no territ6rio brasileiro" - es-tabeleceria como esse "meio cidadao " (igual a urn menorde idade) poderia tornar-se urn cidadao completo e, logo,liberar-se da tutela: deixando de ser indio.Portanto, desde 1916ate a-Constituicao de 1988 a condi-

    c,;:aode "indio" foi entendida pelo Estado brasileiro comopassageira, nao definitiva, pois os 6rgaos do governo que tra-tavam da questao indigena deveriam trabalhar para trans-formar 0 "indio" em "cidadao civilizado' , .E, por essa via transit6ria ("tutelado": "relativamente in-

    capaz"), 0Estado brasileiro colocou os povos indigenas diantede urn beco sem saida: se permanecessem como eram seuspais e avos, continuariam tendo a protecao do governo e se-riam vigiados por funcionarios que lhes imporiam como obri-gac,;:ao0abandono de sua condicao de indios; e se deixassemde ser indios, perderiam a protecao do governo (e sua

    A FUNAI

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    A Fundacao Nacional do indio (FUNAI) foj criada em1967, em substituicao ao Service de Protecao aos Indios (SPI),depois que os militares que assumiram 0poder em 1964 rea-lizararn uma devassa no SPI, onde constataram uma seriede irregularidades.

    COMISSAO PARLAMENTAR DE INQUERI70DESTINADA A ESTUDAR A LEGISLA9AO DOINDiGENA, INVESTIGAR A SITUA9AO EMQUE SE ENCONTRAM AS REMANESCENTESTRIBOS DE iNDIOS DO BRASIL (CONGRESSONACIONAL, ABRIL DE 1971)Depoente Jader de Figueiredo Correia, Presidente da Co-missao que, no Ministerio do Interior; apura irregularida-des no extinto SP!.

    { ..j Ao tempo da administracdo do Major Luiz VinhaisNeves, os escdndalos Joram maio res e mais trementes. A de-oastacdo do patrimonio indigena Joi algo deJabuloso. Niiose pode avaliar os pr!juizos causados aos indios { ..j Somentena Setima Inspetoria com sede entdo em Curitiba { ..j hou-ve tamanha deoastacdo nas florestas de pinheiros, houve ta-manho descalabro administrativo, quer atraoes da perda degrandes e valiosissimas glebas de terra, quer airaoes da uen-da de producdo agricola dos indios, quer atraues da vendade pinheirais imensos, dezenas de concorrencias irregulares,ilegais, algumas delas uendendo 50 000 pinheiros de uma

    resumidas a pequenos grupos de indios famintos e doentes,por fa Ita de assistencia [ ..j 0dificil ndo e apontar os cri-

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    minosos do Sennco de Protedio aos indios, mas sim osinocentes.

    (D'O'V, abril de 1971.)A Constituicao imposta ao Brasil pelos militares em 1969,

    por outro lado, introduziu modificacoes importantes na le-gislacao sobre os indios ate entao vigente. A principal delasfoi estabelecer que as terras indigenas passavam a ser de do-rninio da Uniao, cabendo aos indios apenas 0seu usufruto":Em 1973 0Congresso Nacional aprovou a Lei 6 001, 0

    chamado Estatuto do Indio, que regulamentava os t6picosda Constituicao relativos aos indios. Essa lei determinava acondicao social e politica do indio perante a Nacao brasilei-ra e estipulava medidas de assistencia e promocao aos in-dios, sobretudo como individuos. E fixava em lei as condi-c;oesde tutela sobre os indios. Determinava tambem 0prazode 5 anos para 0 Executivo (a FUNAI) demarcar todas asareas indigenas do Brasil, prazo que expirou em 1978 semser cumprido.Nos seus primeiros anos de existencia, a FUNAI desen-volveu, como meta de seu trabalho, aquilo que podemos cha-mar de "gestao empresarial": se a Lei 6 001 determinavaque 0 objetivo da politica indigenista do Estado brasileiroera a "Integracao do indio a comunhao nacional", entao na-da mais 16gicodo que acelerar essa integracao atraves de p r o -jetos d e d esen oo lo im ento . A economia interna das aldeias deve-ria ser dirigida para 0mercado e as riquezas naturais e asterras de usufruto dos indios exploradas empresarialmente,o que geraria a chamada "renda indigena", da qual a FU-

    a mesma ideologia* de "desenvolvimento e seguran~a" vi-gente no pais.

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    o desenuolutmento da Amazonia ndo para por causa dosindios. E por que eles hdo de jicar sempre indios? Eles de-vern ser integrados e aculturados para colaborar no cresci-mento nacional.

    (Costa Cavalcanti, ministro do Inte-rior do governo Medici - J o m o l doBrasil, 18/9/73.)Esta e uma promessa que faco firmemente: nos, vamos

    jazer uma politica de integradio da populadio indigena asociedade brasileira no mais curto prazo possioel [. .. j Nosachamos que a idiia de preservar a populadio indigena dentrode seu habitat natural sao idiias muito bonitas, mas ndosao realistas.

    (Ministro Rangel Reis, do governoGeisel - 0 Estado d e S.Paulo, abril de1974.)

    A assistencia ao indio, que deve ser a mais completa pos-siuel, 'ndo visa e ndo pode obstruir 0 desenvolvimento nacio-nal nem os eixos de penetraciio para a integracdo da Ama-zonia.

    (Portaria OliN de 25/1/1971 da FU-NAI.)

    e mineral que surgiram depois das estradas - incentivadospelo governo federal. Nao e por acaso que a FUNAI foi co-

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    locada dentro do Ministerio do Interior - orgao do Execu-tivo federal que decidia sobre a ocupacao das areas amaze-rucas.o governo, atraves da FUN AI, demarcou varias areas in-digenas entre 1975 e 1979 e depois entre 1984 e 1985. Essesdois "surtos demarcatorios" aconteceram nao tanto em fun-c;ao da Lei 6 001 ou da pressao dos Indios, mas sobretudoporque 0governo, pressionado pelos interesses dos novos em-presarios da Amazonia, precisava ter claro qual a quantida-de de terras publicas (que dizer, da U niao) que poderia dis-por para seus pIanos de desenvolvimento da Amazonia. Aque-les ernpresarios poderiam "resolver" suas disputas com ospequenos posseiros e lavradores atraves dos "pistoleiros"; mascom os indios era diferente, pois isso teria repercussao inter-nacional.

    tao aqui integrados, por que nao os indios, que sao os brasi-leiros por excelertciaj'?". Tratava-se de urn projeto cujo obje-

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    tivo era retirar seus poucos direitos reconhecidos.Essa proposta desencadeou urn tal movimento contrariona opiniao publica nacional que 0governo seguinte, do ge-

    neral Figueiredo, foi obrigado a arquiva-la.Esse movimento de opiniao teve outras consequencias im-

    portantes: das lutas contra a emancipacao nasceriam as en-tidades de apoio a?s indios nas principais capitais do Brasil:as Cornissoes Pr6-Indio {CPIs) e as Associacoes Nacionais deApoio ao Indio (ANAIs). Formadas por cientistas sociaise profissionais liberais, tais entidades se propuseram a tra-balhar para denunciar a opiniao publica brasileira as tramasantiindigenas do governo. Outras entidades nasceram por essaepoca com 0objetivo de realizar urn "indigenismo alterna-tivo", nao oficial (como 0Centro de Trabalho Indigenista- CTI-SP, 0Projeto Kaiwa-Nhandeva - PKN-MS, a Ope-racao Anchieta - OPAN, ligada a Igreja cat6lica, e a Co-missao pela Criacao do Parque Yanornami - CCPY-SP),entre outras. Urn outro grupo, ainda, passou a realizar urntrabalho de arquivo e levantarnento documental paralelo, paracontestar os dados oficiais quando necessario, Trata-se do Pro-grarna Povos Indigenas no Brasil, do Centro Ecurnenico deDocumentacao e Inforrnacao - PIB-CEDI, de Sao Paulo.E, finalmente, no inicio dos anos 80, estimulados pelas as-

    sernbleias indigenas que vinharn sendo organizadas pelo Con-selho Indigenista Missionario (0 CIMI, ligado a Igreja cat6-lica), varias liderancas indfgenas do pals organizaram a Uniaodas Nacoes Indfgenas (a UNI), na tentativa de criar 0 pri-meiro movirnento autonomo dos indios brasileiros. A palavra-de-ordem desse movimento - e que ja era a bandeira dasentidades civis - passa a ser a autodeterminacao dos povos

    A 7 iWVIOL Cl{)mtituifoo:I{) tfJ.'Ue reseroamos IOLOS indios?

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    A Constituicao de 1988 reconheceu que os indios tern di-reitos originarios sobre suas terras, tern direito a sua organi-zacao social, seus costumes, linguas, crencas e tradicoes. Is-so quer dizer que 0Estado e a Nacao brasileira reconhece-ram que os indios tern urn modo de viver diferente do nossoe 0 direito de explorarde modo proprio as terras que habitam.Nao se pode mais falar em integracao como se falava nosanos 70.A mesma lei (a Constituicao) diz ainda que aquele que

    nasce em territoriobrasileiroe cidaddo brasileiro.Logo, aos indiosestao assegurados "todos os direitos e garantias legais dosdernais brasileiros". E a Lei 6 001 (0 chamado Estatuto doIndio) da ainda direitosespeciaisa esses cidadaos brasileiros cha-mados indios.o Estado brasileiro, na verdade, continua - como no pas-sado - produzindo artiffcios jurfdicos para nao reconheceros indios como povos, que ocupam urn territ6riodelimitado, on-de as leis e normas do Estado brasileiro nao valem. Querdizer, faz urn grande esforco para nao reconhecer a autodeter-minadio dos povos indigenas.Ao reconhecer 0 indio como cidadao brasileiro, 0 Estadoquer, por extensao, afirmar que as terras que os indios habitam eterritoriobrasileiro,e nao urn territ6rio Apinaye, Kraho, Yano-

    mami, etc. Por que?[ ..j a comunidade internacionai dos Estados modernos[ ..j ndo admite a idiia da existencia de um territorio (qual-

    quer que seja ela) sem 0 correspondente controle de um Esta-

    Todas essas excedies , p o r e m , g uardam um a distdncia enor-me com os territories indigenas lo ca liza do s n o B ra sil: assu-

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    mem dim ensiies auantajadas, m aiores do q ue p aises in teiros,m as, m ais im portante que a dimensiio; a grande, definitivadiferenca estd no p otencial ecoruim ico . O s indios, no B ra sil,vivem em terras ferteis, cob ertas de valiosas m adeiras, cujosu b so lo , rio s e en costa s co b rern as maio res reseru as m in eraisbrasileiras [ . . J .

    (C.F. Mares de Souza F?, 'A cidada-nia e os indios', in CPl, 0 indio e aadadania, p. 47.)

    1. Tupari2. Arikapii ou Maxubi3. Sabane4. Kawahib (Paranawat, Wirafed,Tlrkumanfed)

    69. Arara70. Arnanaye71. Turiwara72. Ternbe73. Palikur

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    5. Surui e Gaviao (ou Digiit)6. Purubora7. UrupaB. Arara9. Karipiina10. Pakaan6va11. Karitiana12. Jaminawa13. Maniteneri14. Kaxinawa15. Kulina16. Kampa17. PoyanawalB. Marubo19. Maya20. Katukina21. Tamanawa22. Deni23. Jamamadi24. Kaxarari25. Apurina26. Paumarf27. Jarawara28. Juma29. Parintintin30. Morerebi e Diah6i31. .Boca-Preta ou Tenharin32. Mura-Piraha33. Orelha-de-Pau ou Numbiai34. Apiaka35. Munduruku36. Mawe ou Satere37. Tikuna38. Maku39. Tukano40. Wanana41. Tariana42. Kubewa43. Baniwa44. Mandawaka45. Guaharfbo46. Pakidai47. Aiwateri48. Waika49. Mayong6ng50. Xiriana51. Wapitxana52. Taulipang e Makuxf53. Parukoto-Xariirna54. Warikyana ou Arikena55. Pianokot6- Tiriy656. Urukuyana

    74. Karipuna75. Galibf-Marwdrno76. Galibi77. Urubu (Kaap6r)78. Guaja79. Guajajara.80. KrikatfBl. Canela (Ramk6karnekra e

    Apaniekra)82. Kren-ye83. Potiguara84. XukuriiB5. KarnbiwaB6. Huamue ou AtikunB7. PankararaBB. PankararuB9. Fulnio90. Xukuru-Karirf91. Tuxa ou Rodela92. Kaimbe93. Kiriri94: Pataxo- Hahahae95. Gueren96. Maxakali97. Guarani9B. Kaingang99. Xeta100. Xokleng101. Terena102. Kadiweu103. Guat6104. Bor6ro 105. Xavante106. Tapirape107. Mentuktire e TxukaharnaelOB. Di6re109. Juruna110. SuyaIll. Matipu e Nahukwa112. Kalapalo113. Kamayura114. Waura115. Yawalapiti116. Mehinaku117. KuikUrulIB. Aweti119. Txikao120. Bakairi121. Agavotokueng1"22. Trurnai123. Tapay6na124. Ipewi

    o Estado brasileiro nao permite a autodeterminacao dospovos indigenas porque isso significaria a perda do controlesobre as riquezas naturais contidas em seus territ6rios.

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    Assim, se a Constituicao reconhece 0direito dos indiosao usufruto exclusivo das riquezas naturais das terras quehabitam, 0 faz guardando ao Estado 0 direito da interferen-cia nessa exclusividade quando for do interesse da Unido (Art.231, 5';>da Constituicao Federal).

    CAPiTULO 5

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    A visao dos indiosepoimento inedito do chefeWaiwai, lider do povoindfgena Wayampf, da famflia lingiifstica Tupf-Guaranf, que vive no Estado do Amapa ,colhidopor Dominique Gallois, 1989

    Eu vou Jatar agora, sou um ,chefe ~yampil. E umchefe frayampi quem vai Jalar, eu vou Jalar agora.

    Esta e a terra de nossos ancestrais.Meus ancestrais ocuparam estafloresta hd muito tempo.Meus ancestrais vieram, Jugindo, de Belem. Nos Jicamospor aqui, no lugar que transJorrnamos em nossafloresta. Nosocupamos toda a area. Sao muitos os parentes, eles se deslo-cam na area, procurando caca, depois voltam para a aldeia.E todos vern moquear na aldeia.

    Por isso, os limites da area ndo podem ser pequenos. Dis-seram que nos andamos perto? Perto ndo hd cacal Os ga-rimpeiros exterminaram a caca por aqui. Por isso ndo e bom!Por isso ndo quero! Por isso ndo quero que garimpeiros tra-balhem em minha terra.' Nem que Companhia derrube to-das as druores. Niio e bom desmatar tudo. Os Wayamp!ndo querem isso. Se eles vern em nossa terra, ahl, nos estare-mos bravos. ahl, os garimpeiros trabalham em nossa terra.

    extensos. Longe. Passando pelas cabeceiras do rio Inipuku,

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    pelas cabeceiras do Pakuiar; pelas cabeceiras do Ypusi. Es-ses limites estdo certos. Mas 0 governo diz... 0que dissemesmo? Niio sei. Nos Wayampi ndo sabemos. Ele e chefedos brancos. Eu estou falando; um chefe Wayampz estdfa-lando ao chefe dos brancos. Eu estou falando para que eleouca. E para que 0 chefe do governo escute minha fala. Euestou falando agora, porque ndo gosto que 0governo mandeseus parentes invadir minha terra. Ndo gosto. Va traba-lhar ali.' Va mexer na terra dos indiosl ", disse. Ndo quero.Porque eu ndo ordeno aos meus parentes: ' 'Va mexer nacidade, ud trabalhar na cidadel ", Eu ndo digo isso! Niiomando meus parentes na cidade. Eles so gostam dafloresta.

    Por isso, quando os garimpeiros cavam minha terra) ahl,eu ndo gosto. Eu so digo aos meus parentes: ':Vao, partampara a caca. Moqueiem a carne e voltem ", E so 0 que euordeno aos meus parentes. "Vao roubar nas habitacoes dosbrancos ' - isso eu ndo falo aos meus parentes. Porque en-tao 0 governo rouba? Porque ele manda os seus parentes fa-zer isso?Eles poluem nossa agua. Quando eles sujam nossa dgua,e ruim. Onde haverd outra dgua? Nos) Wayamp~ ndo be-bemos dgua poluida. 1;1osa reconhecemos. A dgua estd la-rnacenta, ndo presta. E por isso; de novo, que ndo quero queo chefe dos brancos mande seus parentes invadir nossa terra.Eles exterminam a caca em nossa terra. Eles matam tu-do. Acabam com os mutuns, acabam com os inhambus. Aca-bam com as cotias, ueados, antas. Niio hd mais caca! OsVVayamp{ ndo criam boi. Somente rnatamos anta, que e co-mo 0 boi. Nos matamos somente anirnais de caca. Cacamos

    Depois voltamos para a floresta cacar; caminhamos longe.Ji&moslonge para matar caca. E bom.

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    Niio quero que derrubem as droores. Niio quero. Ondef icardo as coambas? Ndo hauerd guariba, nem preguica. 0que iremos comer? Os macacos sao nosso alimento. 0quenossos netos irdo comer, quando crescerem? "Ah], onde estda caca? Eu ndo vi mais caca. Acabou. Os brancos extermi-naram, acabaram tudo ' - dirdo nossos netos, se nossasterrasforem demarcadas de modo exiguo.Se demarcam uma area extensa, e bom. No futuro, nos-sos netos irdo matar caca, moquear. Uns irdo por aqui, ou-tros por ali. Depois uoltardo para moquear. AM, e bom."Nosso avo estava certo; esta e nossa terra, por isso tem ca-fa" - dirdo meus parentes, no futuro. Eles partirdo paramoquear peixe.

    Por isso ndo quero que os garimpeiros entrem em nossaterra. Eles roubam nossa comida em nossas clareiras. Ndogostamos disso! Niio gostamos que os garimpeiros andem emnossos caminhos. Ah! Por que 0 governo ndo avisa que osliVayampi habitam aquela area, que essas sao as suas rocas?Eu ndo quero que os parentes de voces entrem em nossa ter-ra. Niio gosto. Niio quero que eles venham olhar as nossasrocas. Eu ndo mando meus parentes pilhar as comidas dosbrancos na cidade: "Andem, andem, partam para roubare mexer na cidade' - eu ndo digo isso aos meus parentes.Se eles roubam tudo"onde irdo os Wayampi? Eles ja seapossaram do rio Ku. E por isso que nos todos estamos aqui,agora. Por isso, ndo quero que os garimpeiros aparecam nasterras dos VVayampi. ,

    netos farao suas rocas. Por ali, voces desmataram tudo. Issonao e bom. Ah!,. por aqui os W ayampl irao abnr mas TO-cas, nJ)S lugares onde v o c e s querem entms; o n d e v o c e s querem

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    derr7 ;lb aras druores. Por isso, ndo quero que os g arimp eirostrabalhem e r p , nossa t e r r a . Por isso, n a o quero que a Com-panhia "coma Uas droores, PQr i s s o ; nao quero que eles re-colham p e d r o s o N iio.quem que p r o c u r e m manganis. 1 Jm mui-ta pedra nas tetras de v o c e s .

    J 1 J c e s estao ouvindo? Estiio en iendendo? VtJdf o u v i r a mminhas palaora s. Sou quem estd falando. Um d u f e . Sou,indio. indio. Par-em! Parem. de roub ar nossa terral Sou cheftindio que fala para oocis. Eu sou d i f e r e n t e c Niio sou umbicha Sou urn indio.

    Eu falei de m inha t e t r a . N iio mexam em nossa ter ra. T e u sparenies estiio raub anda Agora. Niio gosto que mande teusp aTentes em nossa terra: T eus p arentes roub am OU1fO em nos-sa terra.

    Niio quem que raubem em nossa t e r r a . .Nao quem Nosiremos procurer as garimpeiros, quando ties a p a r e c e r e m :Quando eles sujarem as dgU f1 S.Nos uemos dev.ag ar e os en-coniraremos nos igarapis. E por aqui perto que teus p aren-is s estao tra balhando : E nOsos leuaremosa li a praca da al-deia. Eles jicariio aqui. Mlmo5 p r e n d e - l o s . Amarrados nopau. N iio irdo gostar! Somas p erig osos. as Wayamp{ siiopergosos. T e r r w s f l e c h a s . ,Nos as mataremos, quando inua-direm nossa terra. Mataremos. Por isso, niio queremos queos g arim peiros invadam nossa terra. J,i !cesestao ouomdo?

    Em entrevista concedida ao CEDI, em Brasflia, no dia9 de marco de 1990, e registrada em video, Davi KopenawaYanomami respondeu na propria lfngua a s perguntas do an-

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    tropologo Bruce Albert, revelando a visao do jovem paje daaldeia Demini sobre 0drama vivido atualmente pelo seupovo:

    Bruce - Gostaria que voce contasse 0 que os Yanoma-mi falam das epidemias que assolam 0 seu temtorio por causada inoasdo garimpeira.

    Dam - UJu te dizer 0 que nos pensamos. Nos chama-mos essas epidemias de xawara A xawara que mata osYanomdmi. It assim que nos chamamos a epidemia. Agorasabemos da origem da xawara No comeco; nos pensdoa-mos que ela se propagava sozinha, sem causa. Agora elaestd crescendomuito e se alastrando em toda a parte. 0quechamamos de xawara, Iui muito tempo nossos antepassadosmantinham escondido. Omame [criador da humanidadejmantinha a xawara escondida. Ele a mantinha escondidae ndo queria que os Yanomdmi mexessem com isto. Ele di-zia: "Niio! Niio toquem nisso!". Por isso ele a escondeunas profundezas da terra. Ele dizia tambem: "Se issoficana superficie da terra, todos os Yanomdmi vilo comecar amorrer a toa!' '. Tendofalado isso, ele a enterrou bem pro-fundo i :Mas hoje os nabebe, os brancos, depois de teremdescoberto nossafloresta, foram tornados por um desejo fre-netico de tirar a xawara dofundo da terra onde Omamea tinha guardado. Xawara e tarnbem 0 nome do que cha-mamos booshike, a substdncia do metal, que voces cha-

    do fogo como se fosse farinha. Isso faz sair fumaca dele.Assim se cria a xawara, que e essafumaca do DUro.Depoisessa xawara wakexi,essa C 'epidemia-fumaca ", vai se alas-

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    trando na f l o r e s t a , ld onde motam os Yanomdmi, mas tam-bem. na terra dos broncos, em todo Lugar. I f por isso queestamos morrendo. Por causa dessaf u m a c a . Ela se toma fu-1T/,O,fade sarampo. Ela se toma muito agressiua e quandoisso acontece ela acaba com os Yanomdmi.

    Quando os broncosguardam ouro dentro de latas, ele tam-bern. deixa escapar um. tipo de f u m a c a . I f 0 que dizem osmais velhos, os uerdadeiros ancidos que sao grandes paJes.Quando os broncos secam 0 Duro dentro de latas com tam-pas bem fechadas e deixam essas latas expostas a quenturado sol, comeca a sair uma fU1T/,O,fa,uma fumaca que ndose ve e que se alastra e comeca a matar os Yanomdmi. Elafaz tambem morrer os brancos, da mesma maneira. Niio eso os Yanomdmi que mortem. Os broncos podem ser muitonumerosos, eles acabardo morrendo todos, tambem. I f issoo que os Yanomdmi falam entre eles.

    Quando essa fumaca chega no peito do ceu, ele comecatambem aficar muito doente, ele comeca tambbn a ser atin-gido pela xawara A terra tambem fica doente. E mesmoos hekurabe, os espiritos auxiliares dos paJes, ficam muitodoentes. Mesmo Omame estd atingido. Deosime [Deus]tambem. I f por isso que estamos agora muito preocupados.Os brancos ndo sabem segurar 0 ceu no seu Lugar. Elesso ouvem a voz dos paJes, mas pensam, sem saber das coi-sas: C 'Eles estdo falando a toa, e so mentira!". Enquantoos paJes ainda estdo vivos, 0 ceu pode estar muito doente,

    fazem-no Jicar silencioso de novo. Quando nos, os Yanoma-mi, morrermos todos, os hekurabe cortardo os espintos danoite, que cairdo. 0sol tambeni acabard assim.

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    (Entrevista transcrita e traduzida pe-10 proprio entrevistador, antropolo-go ligado a Universidade de Brasiliae a ORSlDM - Institut Francaisde Recherche Scientifique pour IeDeveloppement en Cooperation, queha varies anos realiza pesquisas en-tre osYanomami, In: CEDI! CCPY/ClM!. ~ao pela cidadania, 1990.)

    Lfderes indfgenas fazendo pressiio sobre 0Congresso Constituinte.

    ,VOCABULARIO

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    ACULTURAQAO - Conjunto de fenomenos resultantes docontato direto e continuo de grupos de individuos deculturas diferentes. No caso dos grupos indigenas haurn senso comum de que estas culturas sempre per-dern suas caracteristicas tradicionais para "absorve-rem" os valores da sociedade dominante.

    ALDEAMENIDS - Agrupamentos de indios alocados por ofi-ciais da Coroa ou missionaries.

    ALDElAS DE REPARTIQAO - Aldeias que reuniam indiosdescidos para serern distribuidos.

    ANARQUlA - Estrutura social em que nao se exerce qual-quer forma de coacao sobre 0individuo; ausencia decornando e de regras em qualquer esfera de ativida-de ou organizacao,

    ANTROPOLOGlA - Ciencia que tern por objeto 0 estudo ea classificacao dos caracteres sociais e culturais dosgrupos humanos (sociedades).

    AUIDDETERMINAQAO - Princfpio segundo 0qual urn povotern 0direito de escolher a sua forma de governo ede desenvolvimento.

    BANDEIRAS - Expedicoes particulares para dar caca e apri-sionar indios. Muitas foram contratadas pelos oficiais

    CIDADAO- Individuo que goza dos direitos civis e polfti-cos de urn Estado.

    CIVILIZAQAO- Eo conjunto de caracteres pr6prios da vi-

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    da social, polftica, economic a e cultural de urn palsou grupo cultural humano, associado a ideia de pro-gresso.

    COLONOS- Aqueles que ocupam terras pertencentes a ou-trem, amparados em urn projeto de colonizacao.

    CONSTITUINTE- Processo no qual umgrupo de cidadaos,eleitos ou indicados, elaboram a Constituicao de urnEstado. 'DESCIMEN'IDS- Busca, localizacao e transferencia de In-

    dios para locais determinados, especialmente pr6xi-mos a costa.EMANCIPACAO Instituto jurfdico pelo qual, no Brasil, 0menor de 21 anos e maior de 18 adquire 0gozo dosdireitos civis.

    ENTRADAS Expedicoes para efetuar descimentos. Podiamser particulares ou oficiais, com ou sem a presencade missionaries.

    ETNIA- Povo com lingua, cultura e governo pr6prios queem geral se encontram dentro de urn Estado Nacio-nal (ex.: os bascos na Espanha e os povos indigenasno Brasil).

    GUERRAJUSTA- Declaracao de guerra, a partir de deci-, sao tomada em junta, que justificava 0 rnotivo da

    guerra que se pretendia efetuar contra determinadopovo indigena. as principais criterios eram: que os

    INTEGRAQAODO INDIO - Incorporacao dos indios, en-quanto individuos, a sociedade nacional. Ou seja, des-titufdos de valores culturais pr6prios que estariam di-Iuidos na cultura dominante, os Indios "integrados"

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    iriam fazer parte da massa de t