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REVISTA REDAÇÃO PROFESSOR: Lucas Rocha DISCIPLINA: Redação DATA: 21/07/2013 ————————————————————————————————————————————— 1 26 O novo ativista digital (MARCELA BUSCATO E FILLIPE MAURO, COM JÚLIA KORTE, LUÍS ANTÔNIO GIRON E MARIANA TESSITORE) Uma geração moldada pela internet – e insatisfeita com a realidade – descobre o poder de levar suas causas para a rua O PAULISTA Renan Fernandes, de 22 anos, é um observador atento da conjuntura política e social do país. Participa das discussões no centro acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde cursa o 5° ano. Ele dá aulas voluntariamente no cursinho pré-vestibular para estudantes carentes que funciona na faculdade. No dia 13 de junho, quando 5 mil manifestantes protestavam nas ruas do centro de São Paulo, ele era um deles. ―Sou usuário do transporte público e queria ajudar a lutar por uma tarifa mais justa‖, afirma Fernandes. Ele diz ter sido atingido por uma bala de borracha disparada pelos policiais, afirma que viu uma amiga ser ferida pelos projéteis e outra queimar as mãos, depois de ser atingida por uma bomba de gás lacrimogêneo. Revoltado, organizou um abaixo-assinado na internet para protestar contra a ação violenta da polícia. Em menos de uma hora, o texto ganhou quase 1.000 assinaturas. Hoje, está com quase 6 mil. Se chegar à marca dos 7.500, Fernandes promete entregar o documento ao governador do Estado, Geraldo Alckmin. Fernandes diz que, mesmo que os policiais não sejam punidos, o importante é protestar. ―Quero espalhar informação e conscientizar as pessoas‖, afirma. Os milhares de manifestantes que ganharam as ruas do Brasil nas últimas semanas são parecidos com Fernandes. São jovens que descobriram na internet uma ferramenta poderosa para lançar e organizar protestos: contra a má qualidade dos serviços públicos, contra a corrupção, contra a violência da polícia e, sobretudo, contra tudo o que eles consideram abaixo de suas elevadas expectativas em relação à situação econômica e social do Brasil. ―A situação do país não piorou. Foi a exigência que aumentou‖, diz o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo (USP). ―A agenda da carência cede lugar à da cobrança.‖

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REVISTA REDAÇÃO

PROFESSOR: Lucas Rocha

DISCIPLINA: Redação DATA: 21/07/2013

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O novo ativista digital (MARCELA BUSCATO E FILLIPE MAURO, COM JÚLIA KORTE, LUÍS ANTÔNIO

GIRON E MARIANA TESSITORE)

Uma geração moldada pela internet – e insatisfeita com a realidade – descobre o poder de levar suas causas para a rua

O PAULISTA Renan Fernandes, de 22 anos, é um observador atento da conjuntura política e social do país. Participa das discussões no centro acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde cursa o 5° ano. Ele dá aulas voluntariamente no cursinho pré-vestibular para estudantes carentes que funciona na faculdade. No dia 13 de junho, quando 5 mil manifestantes protestavam nas ruas do centro de São Paulo, ele era um deles. ―Sou usuário do transporte público e queria ajudar a lutar por uma tarifa mais justa‖, afirma Fernandes. Ele diz ter sido atingido por uma bala de borracha disparada pelos policiais, afirma que viu uma amiga ser ferida pelos projéteis e outra queimar as mãos, depois de ser atingida por uma bomba de gás lacrimogêneo. Revoltado, organizou um abaixo-assinado na internet para protestar contra a ação violenta da polícia. Em menos de uma hora, o texto ganhou quase 1.000 assinaturas. Hoje, está com quase 6 mil. Se chegar à marca dos 7.500, Fernandes promete entregar o documento ao governador do Estado, Geraldo Alckmin. Fernandes diz que, mesmo que os policiais não sejam punidos, o importante é protestar. ―Quero espalhar informação e conscientizar as pessoas‖, afirma.

Os milhares de manifestantes que ganharam as ruas do Brasil nas últimas semanas são parecidos com Fernandes. São jovens que descobriram na internet uma ferramenta poderosa para lançar e organizar protestos: contra a má qualidade dos serviços públicos, contra a corrupção, contra a violência da polícia e, sobretudo, contra tudo o que eles consideram abaixo de suas elevadas expectativas em relação à situação econômica e social do Brasil. ―A situação do país não piorou. Foi a exigência que aumentou‖, diz o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo (USP). ―A agenda da carência cede lugar à da cobrança.‖

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Os jovens se tornaram mais exigentes por dois motivos. Primeiro, porque aumentou o nível de escolaridade. Eles estão mais instruídos. Segundo dados do Inpe, o instituto de pesquisas do Ministério da Educação, entre os jovens de 18 e 24 anos, aqueles que cursavam o nível superior passaram de 15%, em 2002, para 29,9%, em 2011. Quem estuda mais entende melhor e tende a ser mais crítico. O segundo motivo é a crise econômica. O crescimento brasileiro, que chegou a ser de 7% ao ano, caiu para menos de 1% no ano passado, arrastando com ele a possibilidade de melhoria rápida no padrão de vida dos brasileiros, sobretudo os mais jovens. O país não conseguiu cumprir a expectativa de realização pessoal criada entre os jovens urbanos. O desemprego entre os 18 e os 24 anos foi de 12,4% em maio passado – o triplo da taxa registrada entre trabalhadores mais velhos. ―A situação econômica não está dramática. Países na Europa estão em situações muito mais graves. Mas as mudanças, por menores que sejam, mexem com expectativas. Expectativas são importantes‖, diz Rolf Rauschenbach, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da USP. ―Muitas pessoas estão felizes, mas, quando a situação aperta, todo mundo se frustra. Tanto quem tem três carros quanto o pobre, que não tem expectativa de dinamismo para mudar sua vida.‖

O fenômeno não é exclusivamente brasileiro. As causas da insatisfação juvenil no país são compartilhadas por milhões de jovens em outros lugares do mundo, com consequências semelhantes. Em junho, na Turquia, um protesto contra a destruição de um parque em Istambul virou uma onda de manifestações contra o autoritarismo do governo. Há dois anos, na Espanha, o movimento Indignados promoveu uma série de protestos contra as altas

taxas de desemprego no país – e aproveitou para pedir o fim da corrupção e melhorias na educação, saúde, cultura... Reivindicações muito parecidas com as do movimento americano Occupy Wall Street. Em setembro de 2011, jovens acamparam no coração financeiro de Nova York para protestar contra a corrupção, a desigualdade social e a influência das empresas sobre o governo. ―As multidões têm hoje instrumentos para se organizar e se reunir quase instantaneamente, pelas redes sociais como o Twitter e o Facebook‖, afirma o sociólogo espanhol Manuel Castells, autor do livro Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet (que deverá ser lançado em setembro no Brasil). ―O novo espaço público, formado pela interseção do universo virtual com o local, gerou um contrapoder: pela primeira vez na história, as forças de mudança reúnem força e condições de encurralar o poder.‖

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A força contestadora da juventude – no Brasil, na Turquia, nos Estados Unidos, na Espanha – é historicamente a força motriz de um processo de saudável renovação social. ―Os jovens estão em busca de independência e esbarram nos limites da família, das instituições, da sociedade. É natural que tentem derrubá-los‖, diz a educadora Ana Karina Brenner, pesquisadora do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, da Universidade Federal Fluminense. O que muda de geração em geração são as barreiras a enfrentar – e a forma de superá-las. Nos anos 1960 e 1970, os jovens entendiam que tinham de abdicar de seus desejos individuais para lutar pelo bem comum. Na França, em 1968, pararam o país exigindo liberdades sexuais e transformações políticas. Foram às ruas nos Estados Unidos para exigir o fim da Guerra do Vietnã. No Brasil, organizaram-se clandestinamente e marcharam para derrubar a ditadura militar. Nos anos 1980, num mundo marcado pela competição entre capitalismo e socialismo, os sonhos da juventude se tornaram mais materialistas. Os jovens queriam exercer suas competências e ascender economicamente. Nos Estados Unidos, ficaram conhecidos como yuppies. No Brasil, queriam o direito de votar para presidente e mobilizaram a sociedade numa das maiores campanhas já realizadas no país, as Diretas Já.

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A partir de 1989, quando nasceu boa parte dos jovens que agora está nas ruas, as lutas políticas se amainaram. A queda do Muro de Berlim decretou a derrota simbólica do socialismo, ao mesmo tempo que a democracia era restabelecida no Brasil pela primeira eleição direta para presidente da República desde 1960. De lá para cá, o país tem vivido um longo ciclo de normalização política e econômica, que coincidiu com o surgimento da internet. A rede chegou para mudar radicalmente a forma como vivemos e nos relacionamos. A geração surgida dessas novas circunstâncias parece acreditar ser possível lutar pelo bem comum sem abrir mão de suas ambições individuais. ―Por ter crescido num ambiente de estabilidade política e econômica, esse jovem está imbuído de um espírito público de melhorias‖, afirma Drica Guzzi, coordenadora de projetos da Escola do Futuro da USP e autora do livro Web e participação – A democracia no século XXI (Editora Senac-SP). ―Como ele tem muita informação pela internet, sente-se responsável por lutar por mudanças.‖

Alfabetizados num mundo regido pela rapidez da internet, conectados globalmente, esses jovens mudaram a forma de fazer política e de engajar-se em causas sociais. Disseminam, pelo Twitter, dicas de como se portar numa passeata. Convocam, pelo Facebook, voluntários para participar de projetos sociais. Arrecadam verba para promover ações, por meio de sites que usam o princípio da boa e velha ―vaquinha‖ – hoje chamada de crowdfunding, ou financiamento pela multidão. ―A tecnologia deu voz aos jovens de uma maneira sem precedentes‖, diz o cientista social Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sócio-Políticos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. ―Eles têm ferramentas para se colocar como protagonistas e provocar microrrevoluções. Associadas, elas causam grandes mudanças.‖

O universitário brasiliense Lucas Brito, de 22 anos, usou o alcance das redes sociais para organizar uma manifestação contra a aprovação do projeto de lei que autorizava o tratamento médico da homossexualidade. A ideia surgiu entre Brito e seus colegas da Assembleia Nacional de Estudantes – Livre. Eles postaram uma convocação no Facebook. Em apenas quatro dias, dizem ter conseguido reunir 9 mil jovens diante do Congresso Nacional para protestar com beijos contra a ―cura gay‖. Graças à manifestação, conseguiram entregar uma carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves. ―É impensável mobilizar milhares de pessoas sem o Facebook‖, diz Brito. Por causa da pressão dessa e de outras manifestações, o deputado responsável pelo projeto, João Campos (PSDB-GO), pediu que ele fosse arquivado na semana passada.

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Brito e os jovens que aparecem nesta reportagem fazem parte da primeira geração de nativos digitais brasileiros. ―Eles são regidos por uma nova maneira de pensar e agir, influenciada pela tecnologia‖, afirma o publicitário Rony Rodrigues, presidente da Box 1824, empresa de pesquisa especializada em tendências de consumo e comportamento jovem. ―São pragmáticos, donos de uma personalidade flexível, pronta para se conectar com interesses diferentes a cada ocasião. Pensam numa linguagem sucinta e chamativa.‖ Sua agência reuniu as principais características dos nativos digitais num levantamento com 200 jovens entre 18 e 24 anos, realizado entre os meses de abril e maio em seis capitais brasileiras.

―As causas que mobilizam os jovens são as que impactam em seu cotidiano, como transporte e educação. Mas não se pode dizer que eles sejam individualistas, porque se propõem a resolver os problemas coletivamente. Reproduzem a dinâmica em que estão imersos nas redes sociais‖, afirma Mônica Machado, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora do livro Consumo e politização: discursos publicitários e novas formas de engajamento juvenil (Editora Mauad X). O publicitário Gabriel Gomes, de 24 anos, usou essa lógica de colaboração para resolver um problema que o afetava no dia a dia: a falta de informação sobre o itinerário dos ônibus nos pontos de Porto Alegre. Na companhia do amigo, o também publicitário Luciano Braga, de 28 anos, eles resolveram imprimir adesivos e colocá-los nos pontos, para que os próprios usuários anotassem os ônibus que passam por ali. Para conseguir o dinheiro e imprimir os adesivos, divulgaram o projeto num site de crowdfunding.

A facilidade para disseminar campanhas pelas redes sociais também é motivo de preocupação. Em meio a tantas informações e apelos, será que os jovens conseguem se aprofundar nas discussões? O perigo é acabar encampando causas sem entender os reais interesses por trás do movimento. Uma campanha falsa, criada pelo psicólogo dinamarquês Anders Colding-Jørgensen, da Universidade de Copenhague, mostra a propensão para o engajamento ao alcance de um clique. Ele montou uma comunidade virtual contra a destruição de uma fonte histórica, planejada pela prefeitura de Copenhague. Era uma mentira. O marco da cidade nunca esteve ameaçado. Em poucos dias, 27 mil simpatizantes haviam aderido à comunidade de Jørgensen. Ele achou por bem dar um fim à experiência e aproveitou para perguntar por que as pessoas se envolveram sem ao menos confirmar as informações. ―Muitos disseram não querer ficar de fora, porque havia mais gente participando. Além disso, clicar não custava nada. Essa é uma combinação persuasiva‖, diz Jørgensen.

Ainda é cedo para saber se esse vazio do engajamento digital prevalecerá. Um dos levantamentos mais extensos já feitos sobre o assunto sugere perspectivas otimistas. A equipe liderada pelo educador americano Joseph Kahne, diretor do grupo de pesquisa em engajamento cívico do Mills College, analisou a participação virtual e real de 3 mil jovens americanos entre 15 e 25 anos. Os resultados sugerem que, entre aqueles que participavam de alguma atividade política ou social nas

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redes sociais, 96% também tomavam parte em formas tradicionais de engajamento, vinculadas a instituições. ―O ativismo digital é uma maneira complementar de trabalhar por mudanças‖, diz Kahne.

A carioca Beatriz Ehlers, de 12 anos, começou cedo no ativismo digital. No ano passado, encabeçou um abaixo-assinado virtual para pedir à prefeitura do Rio de Janeiro que não demolisse a escola municipal Friedenreich, onde estudava. O prédio, na Zona Norte, fica dentro do complexo do Maracanã, em reforma para a Copa do Mundo de 2014. Segundo o projeto original, a escola deveria dar lugar à construção de quadras poliesportivas. Com o abaixo-assinado de Beatriz, a prefeitura adiou a demolição da escola até o final deste ano, enquanto constrói um novo prédio, no bairro da Tijuca. ―A grande vitória foi mostrar aos alunos que conseguimos influenciar as decisões‖, diz Beatriz. Seu abaixo-assinado já tem mais de 18 mil nomes, graças ao sistema de assinaturas digitais da organização que ajudou Beatriz em sua iniciativa, o Meu Rio. O movimento usa a internet para organizar os cariocas na gestão da cidade. ―Ajudamos a repercutir mobilizações para que as pessoas obtenham respostas do Poder Público‖, diz Alessandra Orofino, de 24 anos, uma das fundadoras. ―Sem a internet, seria muito difícil organizar ações desse tipo.‖

MARCELA BUSCATO e FILLIPE MAURO, COM JÚLIA KORTE, LUÍS ANTÔNIO GIRON e MARIANA TESSITORE são

Jornalistas e escrevem para esta publicação. Revista ÉPOCA, Julho de 2013.

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As estatísticas explicam por que os jovens reclamam (FELIPE PONTES, JÚLIA

KORTE, MARCOS CORONATO E MARIANA TESSITORE - TEXTO, MARCO VERGOTTI - GRÁFICO)

Mais jovens conseguem chegar à faculdade, e o nível de desemprego entre eles está baixo. Mas eles ainda sofrem com ensino ruim e dificuldades para entrar no mercado de trabalho

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FELIPE PONTES, JÚLIA KORTE, MARCOS CORONATO E MARIANA TESSITORE e MARCO VERGOTTI são Jornalistas e Designers, e escrevem / editam para esta publicação. Revista ÉPOCA, Julho de 2013.

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Os protestos da melhora (ALBERTO ALMEIDA)

As manifestações que presenciamos, promovidas por universitários em cidades grandes, não ocorrem quando a vida piora – mas quando fica melhor

A FORMA como as pessoas veem o mundo não é estática, ela muda com o passar do tempo. Anos atrás, no Brasil, muitos pobres, provavelmente, acreditavam que seriam pobres a vida inteira. A mobilidade geográfica era pequena, a crença no progresso como um valor positivo e altamente desejável era fraca, o desejo de comprar era quase inexistente. Ficar sempre próximo da família, do local de nascimento foi por muito tempo mais importante que buscar empregos melhores.

A modernização social e econômica faz, lentamente, com que as pessoas mudem sua maneira de ver o mundo. No que se refere à mentalidade, nada muda da noite para o dia. Leva décadas. A geração de mais empregos urbanos que rurais arranca as pessoas do campo e as joga na cidade. Retira as pessoas do braço de sua família estendida. A primeira geração que chega às cidades mantém-se fiel a seus valores rurais originários. Ainda mais quando é incapaz de melhorar seu nível escolar de maneira significativa. O mesmo ocorre com seus filhos. Ainda que nascidos e criados em cidades, eles, por causa da baixa escolaridade, continuam extremamente apegados a suas famílias e bastante assíduos a serviços religiosos.

A mudança mais abrupta ocorre quando os netos daqueles que saíram do campo para a cidade têm a oportunidade de frequentar a universidade. É exatamente o que acontece hoje no Brasil. O ensino superior faz com que eles mudem seu sistema de crenças. Eles passam a acreditar mais no indivíduo do que na comunidade, passam a valorizar mais seu empenho pessoal como maneira de melhorar de vida do que uma eventual ajuda do governo, passam a acreditar que seu destino está mais nas suas mãos que nas mãos de Deus. Para alguém que cursa ou completa o ensino superior, uma das mais formidáveis mudanças na forma de ver o mundo diz respeito a sua visão acerca das relações entre os indivíduos. O aumento da escolaridade, algo mais do que provado em meu livro A cabeça do brasileiro, faz com que as pessoas passem a ver o mundo de modo mais igualitário.

O Brasil é um dos poucos países do mundo em que o elevador de serviço não é um elevador de carga e transporte, mas um meio de locomoção de pessoas da parte de baixo da pirâmide social. Até hoje, os prédios residenciais no Brasil têm dois elevadores: o social, para os patrões e aqueles no topo da hierarquia social, e o elevador de serviço, apropriado para empregados e pobres. Alguém que não tenha cursado a faculdade aceita facilmente essa visão de mundo, concorda que pessoas diferentes têm direito a espaços físicos diferentes. Mais que isso, alguém com escolaridade baixa aceita que o tratamento conferido a um pobre possa e deva ser diferente de um rico. As coisas mudam quando se trata de alguém que cursa a faculdade ou completa o ensino superior. Ele é treinado nos bancos universitários a ver o mundo de modo mais igualitário. Sabe que existe elevador social e de serviço, mas isso não combina com seu sistema mental, com sua maneira de ver o mundo – isso é estranho.

É igualmente estranho, para alguém que cursa uma faculdade, que os políticos cobrem impostos e não devolvam em serviços, proporcionalmente, o que foi cobrado. Para um pobre, mal escolarizado, do interior do Brasil, a desproporção entre impostos cobrados e serviços prestados é menos grave. Esse pobre acha que os políticos são superiores a ele, por isso devem ter direitos que ele próprio não tem. Para um não pobre, com curso superior completo, de uma cidade grande, isso é inaceitável. Foi exatamente isso que motivou a recente onda de manifestações. As principais manifestações ocorreram em cidades grandes e foram promovidas por estudantes universitários. Eles querem mais igualdade. No outro extremo, o mundo rural e das cidades pequenas, habitadas por pessoas pouco escolarizadas, a forma de ver o mundo é diferente. Em muitos locais, os protestos e as manifestações são até mesmo malvistos e rejeitados.

Uma mentalidade mais igualitária, uma nova forma de ver o mundo, confrontou uma maneira antiga de definir o papel dos políticos. Nossa simbologia do mundo político diz tudo. Nossos políticos moram e trabalham em palácios. Há palácios para todos os gostos: Palácio do Planalto, Palácio da Alvorada, Palácio Guanabara, Palácio das Laranjeiras, Palácio dos Bandeirantes, Palácio da Liberdade, Palácio das Mangabeiras. Paradoxalmente, quanto mais gente mora em casebres, mais os palácios são aceitáveis. Quando as pessoas passam a morar em apartamentos de classe média, os palácios se tornam incompreensíveis. A nova forma de ver o mundo não aceita que os políticos escapem da condenação em casos de corrupção, que tenham foro privilegiado quando processados, que gastem demais quando viajam para o exterior, que não deem transparência a seus atos. Se os políticos não atendem a essas demandas, o povo vai para as ruas. Foi o que aconteceu – e ocorrerá novamente, caso os políticos não sejam permeáveis às demandas. Há uma clara inadequação entre a nova mentalidade, mais igualitária, e a antiga forma de os políticos proverem serviços públicos para a população. As manifestações foram motivadas por essa inadequação. Hoje, na sociedade brasileira, está consolidado o sentimento de que os políticos exploram a população e recebem em troca mais do que dão à sociedade.

Isso é resultado das melhorias ocorridas nos últimos anos. O aumento da escolarização, a redução da pobreza e da desigualdade, a redução do desemprego e outras melhorias levaram o brasileiro médio a se tornar mais exigente. É o velho ditado em funcionamento: ―Dá a mão, quer o braço‖. A população obteve a mão nos últimos anos, agora quer que os políticos deem o braço. Uma melhoria puxa a outra. Quando as pessoas são pobres por muitos anos e gerações, passam a acreditar que a pobreza é inevitável. Quando deixam de ser pobres, querem, logo em seguida, obter novos ganhos. As

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manifestações que presenciamos não ocorrem quando as coisas pioram, mas somente quando elas melhoram. É o que estamos vendo.

ALBERTO CARLOS ALMEIDA é cientista político, autor dos livros A cabeça do brasileiro e O dedo na ferida: menos imposto, mais consumo. [email protected]. Revista ÉPOCA, Julho de 2013.

O rosto da adúltera de Jesus (LUIZ FELIPE PONDÉ)

ENTÃO, Jesus foi abordado por um grupo de pessoas muito preocupadas com a retidão da lei. Traziam consigo uma mulher em prantos que havia sido pega em adultério. Jogada ao chão, ela tremia de medo. O povo pedia para que Jesus fizesse valer a lei: morte da adúltera por apedrejamento.

Isso foi há 2.000 anos, mas ainda hoje, no mesmo Oriente Médio, tem gente que apedreja mulheres e acha (agora, no Egito) que violentá-las nas praças seja um "direito da soberania popular revolucionária", enquanto se matam, nas mesmas praças, pelo modo ocidental de vida ou por outra forma de lei (o fundamentalismo islamita). E assim caminha a humanidade, em ciclos, para lugar nenhum, mas com festas e crenças diferentes no meio, e demagogos a cantar...

Mas voltemos a Jesus. Fatos como esses me fazem achar que Jesus era um cabra macho. Enfrentar o povo quando este se julga movido pelo correto modo de viver é algo que exige, como dizem los hermanos, "cojones". Jesus disse que quem estivesse livre de pecado que atirasse a primeira pedra. Todos foram embora. Esta é uma das passagens típicas do mundo bíblico na qual fica claro o tema da hipocrisia como motivação profunda daqueles que se acham arautos do bem, moral ou político. Mas Jesus era um filósofo hebreu e estes filósofos eram diferentes dos filósofos gregos. O mundo bíblico é diferente da filosofia grega. Naquele, o "regime da verdade" (ou modo de busca da verdade) é interno e moral, na filosofia grega é externo e político.

O problema de saber se o que eu digo é verdade ou não, quando falo ou argumento, inexiste na Bíblia, porque o personagem principal do diálogo é Deus, e Ele sempre sabe de tudo, não há como mentir para Ele como há como mentir para outro homem ou para assembleia "soberana", como na filosofia ou democracia gregas. Segundo o crítico George Steiner, o Deus de Israel irrita porque está em toda parte e sabe de tudo.

Sabe-se que o advento da democracia grega levou muita gente a pensar sobre a diferença entre pura retórica, que visa o mero convencimento dos outros numa assembleia (eu acho que a democracia é 90% isso mesmo), e a verdade em si do que se fala. O problema que nasce daí é a relatividade da verdade, dependendo do ponto de vista de quem fala e de quem ouve. Na Bíblia, o problema é se minto para mim mesmo ou não. Na esfera pública, é o tema da hipocrisia, na privada, o da verdade interior. A Bíblia criou o sujeito e as bases da psicologia profunda.

Na Bíblia, como o poder é sempre de Deus e ele é mais íntimo de mim do que sou de mim mesmo, o problema é como eu enfrento a mim mesmo. A preocupação com a lei é sempre acompanhada da atenção para com a falsidade de quem diz ser justo. Por isso foram os hebreus que deram os primeiros passos para a descoberta do espaço interior onde vejo a distância entre mim e a verdade sobre mim mesmo, em vez de me preocupar com a verdade política, sofro com a mentira moral. O crítico Erich Auerbach, no seu "A Cicatriz de Ulisses", parte da coletânea "Mímesis", reconhece este traço do texto hebraico: a relação de atenção e agonia entre Deus e seus eleitos molda o herói bíblico, dando a ele um rosto marcado por uma tensão moral.

Ainda na Bíblia hebraica, o rei David, o preferido de Deus, em seus belos "Salmos", O encanta justamente porque expõe seu coração sem qualquer tentativa de mentir para si mesmo. Santo Agostinho com suas "Confissões" faz eco a David. A literatura monástica e mística medievais cultivou este espaço até seu ressurgimento no século 19 no pietismo alemão de gente como J.G. Hamann, o "mago do norte", ancestral direto do romantismo. Do romantismo e seu epicentro na verdade interior do sujeito, chegamos à psicologia profunda e à psicanálise.

A filosofia hebraica funda regimes de verdade que leva o sujeito a olhar para si mesmo ao invés de olhar para os outros. Em vez de cultivar uma filosofia política, ela cultiva uma filosofia moral da vida interior na qual não é barulho da assembleia que importa, mas o silêncio no qual os demônios desvelam nossa própria face.

LUIZ FELIPE PONDÉ é filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel

Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Junho de 2013.

Tutela e emancipação (ROSELY SAYÃO)

CONVERSEI com um adolescente de 16 anos acompanhado de sua mãe e ambos estavam chateados um com o outro. O garoto disse à mãe que no final de semana iria dormir na casa de um amigo. Na madrugada, ela foi acordada por um telefonema de um hospital, pois o filho lá se encontrava em observação.

Quem tem filhos imagina o estado em que essa mãe ficou até chegar ao hospital. Ela só sossegou depois de ver o filho e constatar que, de fato, além de um hematoma no braço, ele nada tinha. O garoto e seu colega decidiram ir até uma

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balada. No retorno, foram de carona com um amigo que estava com eles e sofreram um acidente leve, que provocou mais danos no carro do que nos quatro jovens que estavam dentro. Que sorte! Bem, aí começou a discussão entre mãe e filho.

Ela, que disse sempre ter confiado no filho, sentiu-se traída pelo fato de ele ter feito algo que não havia sido previamente lhe informado. O segundo ponto que a mãe não aceitou foi o fato de o filho ter visto o colega tomar bebida alcoólica e, mesmo assim, ter aceitado a carona dele. Essa mãe, assim como muitas outras que têm filhos adolescentes, acreditava que podia confiar nele. Não, ninguém pode confiar que o filho adolescente irá sempre agir da maneira que os pais o ensinaram e esperam que ele faça. Por quê?

Porque os adolescentes estão ainda em processo de desenvolvimento da maturidade e da autonomia que terão na vida adulta. Eles costumam ser impulsivos, nem sempre avaliam os riscos que correm e olham muito mais para o que lhes interessa. No geral, eles focam tanto o olhar no que buscam que acabam por perder a perspectiva que lhes permitiria ver além, ou seja, o contexto que os cerca nesse momento. É especialmente por tais motivos que muitos deles fazem coisas das quais se arrependem posteriormente.

E esse era o estado do garoto com quem conversei: de completo arrependimento. Ele disse que iria mesmo, como planejado, dormir na casa do amigo, mas eles foram convidados por outros amigos para uma balada e decidiram ir. Disse também que viu o colega que ofereceu carona beber, mas achou que havia sido uma pequena quantidade e, além disso, pensou que economizaria uma boa grana do táxi. O garoto tem toda a pinta de ser um bom menino, mas não achou nada demais o que aconteceu. Seu arrependimento era apenas um: o de ter aceitado carona de um colega que bebera. Por causa disso, não se conformava com o grau de braveza da mãe, e lembrou que em outra ocasião ela já havia dado autorização para que ele fosse ao local da balada em que havia estado.

A partir desse ponto, os dois achavam que não havia mais diálogo entre eles. Mas dialogaram muito bem com as ideias um do outro. Sempre que há diálogo - coisa rara - entre pais e filhos, há conflito de ideias. Não é conversando que a gente se desentende? Diálogo não é estratégia de persuasão.

O exemplo dessa mãe com seu filho nos dá algumas pistas. A primeira: confiar no filho adolescente é ignorar que ele ainda não é adulto. É preciso, portanto, tutelar os filhos, mesmo que a distância e com muita discrição. Segunda: os filhos precisam saber que alguns pontos de sua relação com os pais são inegociáveis. Informar sempre aos pais onde estão é uma delas, importante para adolescentes e seus pais. Moral da história: não dá para emancipar filhos adolescentes se eles ainda não estão prontos para isso.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no

ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Junho de 2013.

Meu vizinho genocida (CONTARDO CALLIGARIS)

ESCREVI minha tese de doutorado de 1980 a 1991. No fundo, trata-se de um longa meditação sobre a ideia central de Hannah Arendt em "Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal" (Companhia das Letras). Por isso, era inevitável que eu corresse para ver o filme de Margarethe von Trotta, que acaba de estrear, "Hannah Arendt". Tanto mais que ele narra especificamente os anos da vida de Arendt em que ela assistiu ao processo de Eichmann e relatou sua experiência para os leitores da revista "The New Yorker" (e, logo depois, no livro que citei).

Os artigos foram recebidos por uma salva de injúrias e ameaças. Mas, quando eu me interessei pela questão, a ideia de Arendt em "Eichmann em Jerusalém" já era universalmente aceita no campo dos "Holocaust Studies". Nota: a palavra "holocausto" evoca para mim um sacrifício, como se as mortes pudessem ser algum tipo de expiação; por isso, prefiro a palavra genocídio, que diz a verdade sobre a intenção dos assassinos. Mas vamos por partes. Adolf Eichmann, tenente-coronel da SS, foi responsável pela logística do genocídio dos judeus pela Alemanha nazista. Em 1960, enquanto vivia escondido na Argentina, Eichmann foi capturado pelo Mossad israelense e levado a Jerusalém para ser processado.

Nessa altura, Arendt já tinha publicado há tempos (em 1951) seu "Origens do Totalitarismo" (Companhia das Letras). Fato extraordinário para a época, Arendt examinava os totalitarismos do século 20 levando stalinismo e nazismo para um mesmo tribunal. Ela encontrava as origens do totalitarismo do século 20 no imperialismo colonialista e no racismo (ideias, convicções, tanto das elites como dos povos). Pois bem, dez anos mais tarde, Arendt saía do processo de Eichmann pensando diferente: as convicções (por exemplo, antissemitas) dos funcionários do regime não bastavam para explicar o que os tinha transformado em assassinos genocidas, e o totalitarismo tinha sido possível não graças aos entusiasmos ideais de sua tropa, mas, ao contrário, graças a personagens quaisquer e banais, facilmente dispostos a abdicar sua faculdade de pensar.

Eichmann era um pateta - os filmados do processo, que o filme mostra, são extraordinários para sentir a desproporção entre o tamanho do crime e a mediocridade do criminoso. Preferiríamos que ele fosse um exaltado ou um monstro: sua loucura explicaria o horror de seus atos e o manteria solidamente afastado da gente, diferente de nós. Mas Eichmann não era um monstro, era o vizinho do apê ao lado. Isso constitui uma desculpa? Ao contrário, aos meus olhos (e aos de Arendt também, acredito), a banalidade do assassino constitui uma agravante.

O vizinho alega as ordens, a ordem ou a fidelidade a qualquer grupo que seja, tudo porque quer parar de pensar: essa é sua culpa original e mais grave, graças à qual ele se torna capaz de agir como se não existissem considerações morais. De

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fato, ele quis sobretudo deixar de dialogar com sua consciência. Talvez em 2015 eu publique minha tese. Fiquei a fim de explicar este fato um pouco assustador: há algo na dinâmica de nossa subjetividade normal que faz com que parar de pensar seja uma tentação constante, como se qualquer desculpa (ideológica, por exemplo) fosse boa para fugir da solidão, que é a condição do diálogo moral de cada um com sua consciência.

O coletivo (a nação, o partido, o sindicato, a torcida, a gangue, o grupo adolescente de amigos, a própria família) não oferece apenas ideologias e desculpas: ele fornece uma função para cada um de seus membros. Com isso, não preciso pensar para decidir minha vida - preciso apenas preencher minha função. É bom o que é funcional ao grupo - ruim, o que não é. Qualquer crepúsculo do indivíduo é um crepúsculo da moral. Pensemos nisso, por favor, quando torcemos, agitamos bandeiras ou falamos, misteriosamente, na primeira do plural.

Minha tese tinha o título "A Paixão de Ser Instrumento". Ela perguntava: por que a ideia de se transformar em instrumento (abdicando a subjetividade da gente) teve e continua tendo tamanho sucesso? Para qual razão psíquica fundamental teríamos todos uma predisposição a sermos seres estúpida e covardemente coletivos? Por que preferiríamos ser funcionários do horror a conviver com as incertezas cotidianas do juízo moral? A resposta não cabe aqui. Mas a questão não envelheceu.

CONTARDO CALLIGARIS é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as

aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Junho de 2013.

O amor e a coisificação da vida (ARTHUR MEUCCI)

UM DOS temas mais polêmicos para tratar da Ética em aulas, palestras ou seminários na área da Saúde é o entendimento geral que médicos e enfermeiros fazem da humanização e da coisificação de pessoas. Desde 2003, o Ministério da Saúde levanta esse debate através da Política Nacional de Humanização no Sistema Único de Saúde (SUS), porém as discussões nessa área continuam engatinhando. Focam nas mudanças de procedimento e deixam a desejar na conscientização.

Constantemente questiono os limites entre a racionalização e a empatia na relação entre especialista e paciente. Se um enfermeiro ou médico fica emocionalmente envolvido com o paciente a ponto de não prescrever um tratamento doloroso, ele certamente colocará a vida do paciente em risco por conta de seus sentimentos. De outro lado, se o tratamento dispensado for puramente racional e normativo, não haverá uma relação empática de acesso às dores e às necessidades dos pacientes, o que é igualmente perigoso. O meio-termo aristotélico entre essas duas virtudes parece difícil de alcançar.

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O filme estadunidense Uma prova de amor (My sister’s keeper, EUA, 2009) coloca em questão um problema ético bem delicado sobre a coisificação da vida. Ele conta a história de Anna, uma jovem concebida por meio de fertilização in vitro para servir como ―peça de reposição‖ orgânica para sua irmã Kate, que sofre de leucemia promielocítica aguda. Foi o médico que, ao dar o diagnóstico, sugeriu essa possibilidade para a mãe Sara, que passara a lutar obsessivamente pela vida da filha. O dr. Chance tinha consciência da gravidade ética de seu conselho, mas, em nome da vida de Kate, defendeu a concepção e a utilização de Anna como ―refil‖ – mesmo sabendo que procedimentos arriscados, como a doação de um rim, comprometem a qualidade de vida do doador.

Tanto no filme quanto na vida real constatamos que atualmente a percepção médica da vida é reificada, ou seja, a existência humana se torna um objeto e a vida uma meta a ser preservada. Vida e morte se tornam números estatísticos de sucesso ou fracasso na avaliação da equipe médica, de um setor ou de todo o hospital. Quando a manutenção da vida se torna uma finalidade em si mesma, fora de todo o contexto cultural e emocional, aparecem vários procedimentos e discursos pragmáticos que passam a tratar os pacientes e seus familiares como coisas que podem ajudar ou atrapalhar no cumprimento da meta. Dentro desse discurso ideológico, personagens eticamente execráveis, como o médico da série House, ganham notoriedade e aplausos por desrespeitarem pacientes e acompanhantes, por quebrarem as regras do hospital e da classe médica em nome da ―vida‖. Tanto o dr. Chance quanto o dr. House sustentam o discurso de que tudo é válido para ―salvar o paciente‖, inclusive colocar a vida de outras pessoas em risco.

Voltando ao filme, outra questão importante é o discurso que defende o transplante forçado de Anna, posição que esconde uma perversidade latente. Tanto o médico quanto a mãe denunciam um aparente ―egoísmo‖ da personagem em não doar seu rim para a irmã doente, condenação moral sustentada pela ideologia do ―ato humanitário‖ presente no atual discurso sobre a doação de sangue e órgãos. O problema está na inversão de valores presente no argumento, pois ao ignorarem os interesses e o bem-estar de Anna a transformam em objeto e não em sujeito. Eles a reificaram em sua relação com a própria existência. A ideia ―humanitária‖ desse discurso esconde uma grave infração ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A provável morte de Kate não serve como justificativa para forçar uma menor de idade a correr riscos.

Como em toda perversão, os discursos na área da Saúde podem ser utilizados para inverter as noções de certo e errado. Pessoas saudáveis se tornam supostamente doentes e pessoas paranoicas com a própria Saúde são consagradas como sábias e prudentes. Em nome da vida, ou de sua suposta manutenção, os doentes são transformados em consumidores de medicamentos e de tratamentos. Os baixos salários na área atrelados aos programas de incentivos dos planos de Saúde para ―tratar rápido‖ e da indústria farmacêutica para ―vender remédios‖ contribuem com a crescente tentação de mercantilizar a Medicina. E nem vou entrar no mérito dos médicos que não cobram a consulta ou fazem ―favores‖ no intuito de obter vantagens políticas. Quando os gastos e os lucros fazem parte da equação que orienta a maneira como um paciente será tratado, minimamente, a humanização da Medicina desaparece enquanto valor verdadeiramente praticado.

A gradual inversão dos valores humanos em todo o sistema de Saúde justifica, em minha opinião, a classificação que a área da Saúde faz das posições humanitárias defendidas pelo dr. Hunter D. Patch Adams1 e por seus seguidores como ―subversiva‖, ―inusitada‖, ―utópica‖ ou ―inadequada‖. A figura do ―palhaço‖, utilizada muitas vezes pelos seus críticos de maneira indevida para desqualificar seu discurso, revela suas denúncias sobre a falta de humanidade por parte do sistema de Saúde e da indústria farmacêutica. Ele nos mostra a incoerência do discurso ético dos médicos e a necessidade de tratar o paciente como um ser humano vivo em sua integralidade – entendendo e respeitando seus medos, desejos e evitando usá-los como objetos.

1 Para conhecer melhor o método do dr. Patch Adams indico o filme sobre sua vida (Patch Adams, EUA, 1998) ou o site de sua instituição: http://www. patchadams.org/

ARTHUR MEUCCI é mestre em Filosofia pela USP, doutorando em educação, arte e história da cultura pelo Mackenzie e membro da associação filosófica Scientia e Studia. Professor conferencista da ECA/USP e do curso de Ética e Meio-Ambiente da PEC/FGV-SP

e consultor do espaço Ética. www.meucci.com.br. Revista FILOSOFIA, Julho de 2013.

Brasil desiste de vinda de 6.000 médicos cubanos (FLÁVIA MARREIRO)

O BRASIL paralisou as negociações com Cuba para a vinda de 6.000 médicos cubanos ao país e deve lançar nesta semana programa para atrair profissionais estrangeiros tratando Espanha e Portugal como países "prioritários". Nem o Ministério da Saúde nem o Itamaraty, que havia anunciado a tratativa em maio e agora diz que ela está congelada, explicam as razões da mudança de planos.

Também não dizem o porquê do tratamento "não prioritário" a Cuba, já que a ilha preenche os principais requisitos do programa: médicos por habitante bem acima do recomendado pela OMS e língua próxima do português. "Trata-se de uma cooperação que tem grande potencial e à qual atribuímos valor estratégico", disse o chanceler Antônio Patriota, em maio, ao mencionar a negociação. Já o Ministério da Saúde informa que escolheu atrair médicos como "pessoa física", e não considerar a oferta do contingente feita pelo governo cubano, nos moldes que a ilha faz na Venezuela. Desta maneira, o ministério evita abrir mais um flanco de críticas na implementação de um programa que já provoca outras resistências.

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Nos bastidores, repete-se que a negociação com Cuba foi aventada por Patriota, e não pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Há motivos para o recuo. Além da sensibilidade que envolve o regime comunista de Cuba -aliado do governo e do PT e alvo dos conservadores-, o motivo principal é que as missões cubanas são aclamadas pelo trabalho humanitário, como no Haiti, mas não escapam de críticas de ativistas de direitos humanos e trabalhistas na versão remunerada.

VENEZUELA

No modelo usado na Venezuela, Cuba funciona como uma empresa terceirizada que fornece profissionais. O governo contratante paga a Havana pelos serviços e os médicos recebem só uma parte.

Apesar disso, o programa é considerado atrativo para os profissionais, que ganham cerca de US$ 40 na ilha e, com ele, têm acesso a benefícios. O formato também é criticado por ex-participantes, que acusam o governo comunista de submetê-los a um duro regulamento disciplinar e impor regras de pagamento como poupança compulsória para evitar "deserção".

A regra disciplinar na Venezuela, vigente em 2010, incluía pedir autorização para pernoitar fora do alojamento, proibição de dirigir e a obrigação de informar sobre namoros. Falar com a imprensa também estava vetado.

"Não vislumbro essa solução feita na Venezuela no Brasil. Ele não é compatível com as leis trabalhistas brasileiras e a Constituição brasileira", diz o procurador do Ministério Público do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira.

REVÉS PARA HAVANA

A desistência do Brasil é um revés para Havana, que tem dito que o envio dos médicos ao exterior é sua maior fonte de divisas e deseja ampliá-lo.

O que vai aos caixas estatais por serviços médicos -cerca de US$ 6 bilhões anuais segundo estimativas- é maior do que o arrecadado com turismo ou exportação de níquel.

O Ministério da Saúde diz que não há restrições se médicos cubanos quiserem se inscrever individualmente no programa. Brasileiros com formação no exterior entrarão na categoria "estrangeiros". Ou seja, brasileiros formados em Cuba, em tese, podem participar.

A pasta, no entanto, não prevê fazer campanha para divulgar o programa na ilha, ao contrário do que estuda fazer em Espanha e Portugal.

FLÁVIA MARREIRO é Jornalista e é correspondente da FOLHA DE SÃO PALUO em Caracas, Venezuela. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Junho de 2013.

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Mais médicos ou menos indecências (MIGUEL SROUGI)

NÃO VALE mais a pena discutir a vinda de médicos estrangeiros. Proposta falaciosa, destinada ao fracasso. O governo percebeu a indecência e descartou os médicos cubanos. Deu-se conta de que eles aqui atuariam em regime de escravidão, como bem demonstrou Flávia Marreiro, da Folha.

Tampouco vale a pena discorrer sobre os médicos portugueses e espanhóis. Criados com padrão de vida inatingível para a maioria dos brasileiros, nunca se adaptariam aos rincões abandonados e carentes da nação. Teriam que praticar em condições desprovidas de dignidade e sem chance de propiciar vida honrada para si e seus familiares.

Ademais, dificilmente receberíamos profissionais competentes, prósperos em seus países. Sem um exame de competência, para cá viriam muitos médicos desqualificados, desconfio que até alguns insanos ou foragidos.

Modificando radicalmente o seu discurso, o governo fez novo anúncio: curso de medicina de oito anos, dois deles dedicados ao trabalho no SUS. Simpatizei inicialmente com a ideia, menos desvairada do que trazer médicos estrangeiros, mais justa com a sociedade, que custeia a formação dos médicos da nação.

Ressabiado com os recentes disparates oficiais, debrucei-me em reflexões e terminei desconsolado. Esse estágio coercitivo é compatível com a prerrogativa de liberdade, direito inegociável da existência humana? Será que estagiários inexperientes conseguirão atuar num sistema público devastado pelo descaso e pelos malfeitos e assumir a responsabilidade de resgatar seres para a vida?

Instrutores e professores qualificados aceitarão migrar com suas famílias para os grotões remotos do país, amparando os estagiários? É justo obrigar um médico a estudar 12 ou 13 anos (curso: oito anos, residência: quatro a cinco anos) para poder exercer sua profissão e dar suporte à sua vida e da sua família?

O programa começará em 2015 e os estagiários iniciarão sua prática no SUS em 2021. Quantos corpos desassistidos sucumbirão até lá, vítimas da ventura sempre prometida e nunca

concretizada? Além dessas imperfeições na nova proposta, incomodaram-me a completa falta de discussão com os seus protagonistas

e o ardor incontido com que ela foi apresentada. Fez-se crer que toda a indecência na saúde deve-se à falta de médicos. Um embuste, já que a Organização Mundial de Saúde recomenda como padrão assistencial ideal 1 médico para cada 1.000 habitantes e no Brasil essa relação atual é de 1,76/1.000 habitantes.

A realidade é que a saúde da nação está subjugada a um sistema governamental insensível, que vetou em 2011 lei que destinava 10% do Orçamento da União a essa área --a Argentina aplica mais de 20% ao ano em saúde.

Esse é um dos motivos - não a falta de médicos - pelos quais existem 1.200 pacientes aguardando internação para cirurgia no setor de Urologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, cerca de 200 deles com câncer e 140 crianças. O mesmo motivo impede outros hospitais públicos de cumprirem a sua missão. Quando um paciente é operado de apendicite, essas instituições gastam cerca de R$ 3.900 e são ressarcidas pelo SUS com R$ 414,62!

Senhora presidente, mais um clamor, respeitoso. Assuma a determinação política de priorizar recursos para as áreas sociais. Atue na saúde com competência e sensatez, não com respostas tresloucadas aos gritos indignados da nação. Para que os brasileiros possam vislumbrar o alvorecer com esperança.

E combata com arrojo o grupo de ímprobos e incompetentes instalados no teu entorno. Sem esquecer o arcebispo Desmond Tutu: "Se ficarmos neutros numa situação de injustiça, teremos escolhido o lado do opressor".

MIGUEL SROUGI, 66, pós-graduado em urologia pela Universidade de Harvard (Boston), é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do conselho do Instituto Criança é Vida. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Junho de 2013.

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A obsoleta legislação de patentes (ROGÉRIO CEZAR LEITE)

A LEGISLAÇÃO de propriedade intelectual inclui um aspecto claramente prejudicial aos países em desenvolvimento e a pequenas empresas. Uma patente confere ao seu detentor monopólio de um mercado. As vantagens advindas se traduzem em maior rendimento e, portanto, maior disponibilidade financeira para pesquisas e, consequentemente, maior número de patentes. Cria-se um círculo vicioso nefasto.

Historicamente, esse malefício foi compensado com a exigência de manufatura em território do país cedente. Todavia, em finais da década de 1990, o Brasil e a maioria dos países em desenvolvimento, pressionados pelos industrializados, aceitaram acordo internacional segundo o qual, no setor de medicamentos, seriam permitidas importações de produtos patenteados em substituição à produção interna. Como consequência, no Brasil, 1.050 unidades de produção foram extintas e 350 novos projetos foram abandonados no setor de química fina.

A justificativa para a aceitação dessa reversão conceitual era a de que não haveria escala no mercado brasileiro. Ora, será que os empresários daquelas 1.050 unidades de produção recém-criadas e os dos 350 projetos não sabiam disso quando fizeram seus investimentos? Hoje, até mesmo a insistente afirmativa do setor multinacional de que o sistema de patentes é um estímulo à pesquisa está sendo amplamente contestada. Aliás, toda evidência é de que reserva de mercado é um empecilho ao desenvolvimento tecnológico.

É trágica a observação de que, em setores essenciais para a saúde (câncer, Aids etc.), esse monopólio resulta em preços de medicamentos entre 20 e 100 vezes superiores aos custos de produção. Quanto maior o sofrimento, maior o lucro. O crescimento exorbitante de um parasitário complexo dedicado ao litígio judicial prova que o atual sistema de patentes já é obsoleto e prejudicial. Basta lembrar que um grande número de empresas no mundo gasta com litígios (US$ 500 bilhões de 1990 a 2010) mais do que com pesquisas. Nossa proposta é simples, natural e em absoluto acordo com a economia de mercado e com tratados internacionais.

1. O governo concederá direito de produção ou importação que inclua uma ou mais inovações a qualquer solicitação, contanto que todas as informações necessárias à fabricação do produto sejam divulgadas. Preços serão determinados pelo próprio produtor.

2. Entidade oficial calculará o valor dos custos médios para inovação e desenvolvimento de produtos e processos específicos para cada setor industrial.

3. O governo concederá a qualquer empresa nacional permissão para produzir o item em questão, contanto que seja pago ao concessionário original o valor determinado pelo procedimento. Com isso, os preços ficam autorregulamentados. Preços abusivos obteriam competição imediata. Para que o concessionário original possa se manter no mercado, os preços teriam que ser justos, pois as vantagens advindas seriam benefício suficiente para o concessionário original.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 82, físico, é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Junho

de 2013.

A agonia da pesquisa clínica no Brasil (JOÃO MASSUD FILHO)

EM 1996, o Conselho Nacional de Saúde deu um passo à frente ao fixar diretrizes para a condução ética das pesquisas com seres humanos. No entanto, desde então, a comunidade científica tem manifestado sua preocupação com a burocracia e o viés ideológico e científico que pautam a agenda da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

Em diversas ocasiões, buscou-se o diálogo franco. Sistematicamente, ouvia-se o mesmo discurso preparado tal qual serviço de atendimento ao consumidor sem que nada se resolvesse. Após 15 anos de lutas, parecia haver uma luz no final do túnel com a publicação da consulta pública feita pelo Ministério da Saúde sobre o tema. A receptividade foi incomum. Foram quase 2.000 sugestões, que, em sua essência, buscavam simplificar o processo de aprovação das pesquisas clínicas sem, contudo, infringir conceitos éticos.

No entanto, o Conselho Nacional de Saúde descartou a maioria das sugestões e apresentou nova resolução, que acaba de ser publicada. No fundo, é mais do mesmo. Não muda o essencial. Com essa atitude, houve nítido enfrentamento ao processo democrático que a consulta pública trouxera e um desrespeito a todos aqueles que se manifestaram. A presidenta Dilma Rousseff defende ardentemente o Ciência sem Fronteiras e a inovação. Mas a atitude do Conselho Nacional de Saúde praticamente inviabiliza o desenvolvimento da pesquisa acadêmica e especialmente aquela voltada a novos medicamentos.

A indústria farmacêutica mundial investe mais de US$ 80 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, anualmente. O Brasil é a sexta economia e um dos dez maiores mercados farmacêuticos do mundo. Assim, justo seria imaginar que pudéssemos receber uma percentagem significativa daquele investimento e não míseros números inferiores a 1%. A razão do disparate é a falta de uma agenda comum de interesses entre governo, indústria, pesquisadores e academia, a exemplo do que a Coreia do Sul fez brilhantemente. A área econômica do governo reclama do deficit na balança comercial referente a farmoquímicos. Se fôssemos pensar só pelo lado econômico, poderíamos zerar o deficit com a vinda de 10% do investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos.

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A indústria nacional se ressente da burocracia que dificulta o processo de inovação e pesquisa de novos fármacos. Do ponto de vista humano, há de se lembrar que milhares de pacientes são prejudicados pela falta de pesquisas clínicas com novos medicamentos, que muitas vezes são sua última esperança. Lamentavelmente, os mais pobres são as principais vítimas. Os demais podem buscar ajuda em outros países, como aconteceu com o ex-vice-presidente José Alencar, que se deslocou a Houston para participar de um estudo experimental para o tratamento do câncer. Aqui no Brasil, provavelmente um cidadão comum morreria antes das aprovações ética e regulatória, sem a menor chance de recorrer.

A insensibilidade do Conselho Nacional de Saúde faz com que as manifestações de dezenas de sociedades médicas e de pesquisa se tornem um grito no deserto sem eco. A dicotomia entre os programas federais de inovação e o posicionamento do Conselho Nacional de Saúde faz lembrar o presidente De Gaulle quando, diz a lenda, questionava se o Brasil não era um país sério.

JOÃO MASSUD FILHO, 64, médico e professor, é presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica. Jornal

FOLHA DE SÃO PAULO, Junho de 2013.

Francisco, a juventude e o Brasil (RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS)

O BRASIL vive a expectativa da visita do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude do dia 22 ao 28 de julho. É sua primeira viagem internacional desde que assumiu o pontificado, há quatro meses. Essa circunstância é motivo para despertar o interesse de todo o mundo, que, encantado, acompanha os primeiros passos do bispo de Roma. Ele chama a atenção sobretudo por ser o primeiro papa latino-americano e por ter adotado o simbólico nome de Francisco, tão caro a crentes e não crentes.

O sorriso e a simplicidade do papa, sua proximidade com os pobres e a sistemática lembrança deles em seus gestos e palavras revelam Francisco como um pastor disposto a se derramar de zelo e amor pelas ovelhas. Suas palavras, simples e diretas, nascidas em um coração tomado de profundo desvelo pastoral, atingem o íntimo das pessoas, que se identificam rapidamente por se referirem ao seu cotidiano. A leveza com que o papa as pronuncia, sem prejuízo à clareza, à profundidade e à força, traz novo vigor à igreja e faz renascer o entusiasmo da fé.

Com firmeza, mas sem perder a ternura, o papa Francisco tem indicado caminhos para a renovação de estruturas, desejada há tempos pela igreja. Sua abertura para o diálogo ecumênico e inter-religioso, em continuidade aos seus antecessores, enche-nos de esperança e nos faz vislumbrar a consolidação da unidade que nasce do respeito e do amor fraterno. No Rio de Janeiro, junto aos jovens do mundo inteiro, teremos a oportunidade de nos aproximarmos ainda mais de Francisco para bebermos da espiritualidade que exala de seus gestos e palavras.

Para cá, ele vem "confirmar seus irmãos na fé", tarefa dada por Cristo a Pedro, confiada depois aos seus sucessores. Ao fazê-lo, de forma especial em relação aos jovens, Francisco os conclama a conformarem sua vida a Cristo, fazendo deles seus discípulos-missionários no compromisso de anunciá-lo a todos os povos. A visita do papa dará por certo novo ânimo à evangelização da juventude, que tem merecido atenção especial da igreja no Brasil nos últimos anos. Embora tenhamos muitos jovens atuantes em nossas comunidades, preocupa-nos o contingente dos que delas se afastaram.

Não é que deixaram de acreditar em Deus. A fé continua acesa em seus corações. Porém, já não sentem mais a necessidade da mediação da igreja para vivê-la e testemunhá-la. As palavras do papa, inspiradas no Evangelho de Cristo, haverão de abrir os olhos e os corações dos afastados, a fim de que retornem ao convívio da comunidade de fé. Tampouco passará despercebido ao papa o recente contexto político-social protagonizado de maneira intensa pela juventude brasileira. Ainda ecoa em nossos ouvidos o clamor de centenas de milhares de jovens que, enchendo praças e ruas de nosso país, mostraram indignação com estruturas de poder e ações de governo que ferem a vida e desrespeitam a dignidade humana.

As recentes manifestações em nosso país são um sinal de que, diante da situação de sofrimento em que se encontram tantos brasileiros, os jovens não se deixaram contaminar pela cultura do bem-estar que leva à indiferença a respeito dos outros. Lembrou o papa recentemente em Lampedusa, na Itália: "A globalização da indiferença torna-nos a todos inominados, responsáveis sem nome nem rosto". Não queremos uma juventude alienada e indiferente!

A igreja respira novos ares com o primeiro papa latino-americano. Dele se espera muito também para a construção da paz no mundo. Que sua presença entre o povo brasileiro nos anime no compromisso com a fé, a solidariedade e a justiça social. Bem-vindo, papa Francisco!

CARDEAL RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS, 76, é arcebispo de Aparecida (SP) e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Junho de 2013.

Racismo e imigração: de que cor devem ser nossos imigrantes? (ALEX CASTRO)

O BRASIL gosta de se imaginar uma nação aberta, hospitaleira, sem preconceitos. Nossa ficha corrida, entretanto, conta outra história. Hoje, mais ricos e mais importantes, assumindo um lugar de mais peso no mundo, ainda há tempo de mudar nossas atitudes.

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Imigrantes de ontem e de hoje.

Nem todos os imigrantes são iguais

No começo do século XX, em uma tentativa de embranquecer a população, de dinamizar a economia e de ocupar regiões até então quase desabitadas, o governo brasileiro estimulou fortemente a imigração estrangeira. Com limites, claro. Já de cara, em 1891, se proibiu a imigração de nativos da África e da Ásia. Depois de ferozes debates, a lei foi revogada em 1907, abrindo passagem para a imigração japonesa, mas outros grupos ―indesejáveis‖, como árabes do norte da África ou chineses, encontraram forte resistência. (Jeffrey Lesser tem um livro excelente sobre isso, Negociação da Identidade Nacional.)

Em 1921, em resposta a um anúncio veiculado em diversos jornais, prometendo passagens, acomodacões e crédito de longo prazo para agricultores norte-americanos fisicamente aptos que desejassem se estabelecer no Brasil, formou-se uma companhia de colonização chamada ―Brazilian American Colonization Sindicate‖ (BACS). O governo do Mato Grosso já tinha até lhes concedido enormes concessões de terras, que foram prontamente canceladas quando se descobriu um detalhe desagradável:

Os norte-americanos, pasmem, eram negros!

Esses homens, coitados, sufocados pela atmosfera racista segregacionista dos EUA, estavam convencidos de que o Brasil era uma verdadeira democracia racial, onde não havia linha de cor e onde brancos e negros eram iguais perante a lei. Obviamente, nunca tinham estado no Brasil – e jamais estariam: o Itamaraty negou vistos a todos os membros da companhia e, inclusive, enviou mensagens confidenciais a todos os consulados brasileiros nos EUA deixando bem claro que tipo de imigrante norte-americano era desejável e qual não era. (Chega a ser anti-brasileiro que o governo tenha que ser assim tão claro!)

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Como Brasil e EUA tinham um tratado de imigração que dava aos norte-americanos, independente de raça, etnia ou religião, o direito de entrar e se estabelecer no Brasil, os membros da BACS exigiram que o nosso governo justificasse a proibição. Em público, o Itamaraty não foi tão claro quanto nos seus memorandos confidenciais e se refugiou na afirmação de a política imigratória brasileira era soberana e não podia ser questionada por governos ou cidadãos estrangeiros. Então tá, né?

Charge do sempre brilhante Carlos Latuff. O Brasil lidera a missão da ONU no Haiti.

Aquele raro momento quando os políticos falam o que realmente pensam

Nossos deputados, entretanto, não foram tão diplomáticos. Fidélis Reis, deputado por Minas Gerais, propôs um projeto de lei vetando a imigração de negros, limitando a de asiáticos e estimulando a de brancos. Eis o que ele disse, na Plenária, em 1923:

―Quando então pensamos … na possibilidade próxima ou remota da imigração do preto americano para o Brasil é que chegamos a admitir a eventualidade da perturbação da paz no continente. … O nosso preto africano, para aqui veio em condições muito diferentes, conosco pelejou os combates mais ásperos da formação da nacionalidade, trabalhou, sofreu e com sua dedicação ajudou-nos a criar o Brasil. … O caso agora é iminentemente outro. E deve constituir para nós motivo de sérias apreensões, como um perigo iminente a pesar sobre nossos destinos.‖

Pela fala do deputado, dá até a impressão de que o ―nosso preto africano‖ veio por vontade própria ao Brasil, voluntariamente trabalhar e sofrer por nossa pátria; e que o tal ―perigo iminente‖ que causava ―apreensão‖ era justamente o fato de os negros americanos, esses canalhas, estarem vindo em busca de democracia racial, onde já se viu?!

Sobre o projeto do Deputado Fidélis, opinou também o ilustre romancista e presidente da ABLAfrânio Peixoto, no mesmo ano:

―É neste momento que a América pretende desembaraçar-se do seu núcleo de 15 milhões de negros no Brasil? Quantos séculos serão precisos para depurar-se todo esse mascavo humano? Teremos albumina suficiente para refinar toda essa escória? Não bastou a Libéria, descobriram o Brasil?‖

Para o grande acadêmico, basta ser negro para ser escória, mas, tudo bem, nada que albumina não resolva. Afirma um agricultor, Antonio Americano do Brasil:

―Já não teríamos para a lavoura as gentes simples, que foram os primitivos africanos da escravatura, facilmente identificando-se com a terra. Os negros de hoje viriam dos Estados Unidos, … elementos cheios de defeitos, carregando o ódio ao branco que os tem perseguido, possuindo apurados vícios que não tiveram os antigos escravos.‖

Deixando de lado a patente nostalgia da escravidão, quais serão esses defeitos e vícios que traz essa escória mascava americana? Quem responde é o grande historiador Oliveira Lima, também promotor da imigração européia como forma de branquear o Brasil:

―… estes, que nos ameaçam vir da América, se acham modelados por uma civilização superior, falando uma língua própria e tendo um sentimento de altivez e agressividade, natural no meio em que vivem e que não possuíam os africanos que para cá vieram, em outros tempos da costa da África. Esses, pela inferioridade de sua civilização, fundiram-se com os brancos superiores; quem nos dirá que farão o mesmo os negros americanos? Mas se se conservarem ―infusíveis‖, nesse caso teremos mais um perigo político a nos ensombrar os destinos. Se se fundirem, nesse caso teremos aumentado a massa informe de mestiçagem inferior que tanto retarda nosso progresso.‖

Ou seja, os defeitos e vícios que trazem os negros americanos é justamente serem cidadãos, homens orgulhosos e altivos, conscientes de seus direitos. Cruzes, o Brasil quer distância dessa gente!

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(A fonte da história acima é o artigo ―Dos Males que Vêm com o Sangue: as Representações Raciais e a Categoria do Imigrante Indesejável nas Concepções sobre Imigração da Década de 20‖, de Jair Souza Ramos, no livro Raça, Ciência e Sociedade. (Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996), organizado por Marco Chor Maio.)

Alojamento de imigrantes haitianos na fronteira do Brasil.

Nunca tivemos leis racistas. E daí?

O Brasil sempre precisou de braços estrangeiros, mas existem braços e braços. Quem até ontem era importado e comprado por muito dinheiro hoje não é desejado nem de graça.

Já em 1890, meros dois anos após a Abolição e no primeiro ano da nova e democrática e cidadã república, o Brasil proibia explicitamente a imigração de africanos. A lei seria complementada e reforçada em 1920 e 1930, para proibir não apenas os africanos, mas também quem se parecesse com eles.

No Brasil, como diz o ditado racista, nunca precisamos de leis de segregação racial porque ―os negros sabem o seu lugar‖. De fato, o país sempre foi tão racista que as leis nunca precisaram ser: basta colocar as coisas de forma vaga e confiar no racismo histórico do brasileiro.

Texto de um decreto-lei de 1945, só revogado na década de 1980: Art. 1o – Todo estrangeiro poderá, entrar no Brasil desde que satisfaça as condições estabelecidas por essa lei. Art. 2o – Atender-se-á, na admissão de imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional. (As informações do trecho acima vieram do artigo ―A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos‖, de Ana Maria Gonçalves, autora do magistral romance Um defeito de Cor. Recomendo a leitura do romance, do artigo, de tudo mais que a Ana escrever.)

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O Haiti pede socorro. Charge de Latuff.

O pobre boliviano em uma confecção de São Paulo mal sabe que é um privilegiado

Se você está respirando aliviado, pensando, ―ufa, ainda bem que o Brasil não é mais assim‖, pense duas vezes, amigo leitor.

Em 2010, o Haiti foi destruído por um terremoto e, posteriormente, ocupado por tropas da ONU lideradas pelo Brasil. As dificuldades do pós-terremoto, um contato mais próximo com os soldados brasileiros e a boa fase da nossa economia causaram a maior onda migratória ao país em mais de um século.

O Haiti, vale lembrar, foi a segunda nação independente das Américas, quando os escravos negros conduziram a primeira rebelião escrava bem-sucedida da História, queimaram os engenhos de açúcar, mataram todos os brancos e derrotaram os exércitos da Grã-Bretanha, França e Espanha. (Textinho sobre isso aqui.) Nos últimos anos, o número de imigrantes no Brasil só faz

crescer: as principais nacionalidades incluem bolivianos, chineses, peruanos, paraguaios e coreanos, a maioria trabalhadores não-qualificados.

Enquanto isso, milhares de haitianos, muitos deles qualificados, são barrados em nossas fronteiras, gerando manchetes claramente sensacionalistas, repletas de palavras negativas como ―ilegais‖, ―crise‖, sofre‖, ―invasão‖, etc: ―Ilegais provocam crise humanitária no Acre‖ e ―Acre sofre com invasão de imigrantes do Haiti―.

(Para saber mais, recomendo a monografia de graduação de Jenny Télémaque para o curso de comunicação da UFRJ, ―Imigração haitiana na mídia brasileira: entre fatos e representações‖. A autora, que já foi tema de matéria do jornal Extra, é haitiana e estudou no Brasil graças a um convênio da UFRJ com a embaixada brasileira no Haiti.) Nosso entranhadíssimo e constitutivo racismo anti-negro consegue ganhar até mesmo da nossa ojeriza aos vizinhos hispânicos.

Deus é brasileiro, e todos também deveriam poder ser

Somos ou não somos o país do futuro, hospitaleiro e desejável, onde as aves não gorjeiam como lá, uma democracia racial onde se plantando tudo dá? Temos ou não temos uma densidade populacional baixa e gigantescas áreas vazias e inexploradas? Temos a mesma área que os Estados Unidos continental, e cem milhões de cidadãos a menos. Mais pessoas no Brasil não quer dizer ―mais gente mamando no Bolsa Família‖, como dizem alguns, e sim mais gente gerando riqueza para todos. Somos um país de imigrantes. Brasileiro é quem quiser ser brasileiro. Hora de abrir as porteiras.

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Imigrantes haitianos com suas recém-obtidas carteiras de trabalho brasileiras.

ALEX CASTRO escreve periodicamente para esta publicação. Magazine PAPO DE HOMEM (http://papodehomem.com.br), Julho de 2013.