pinter, harold. língua da montanha

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  • 8/22/2019 PINTER, Harold. Lngua da montanha

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    Lngua da Montanha(mountain Language) - 1988

    Harold Pinter

    Personagens

    Mulher JovemMulher VelhaOficialSargentoGuardaPrisioneiro

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    Lngua da Montanha de Harold Pinter 2

    Ato nicoUm muro de priso

    Uma fila mulheres alinhadas. Uma Velha, embalando uma mo. Um cesto aos ps.Uma Jovem com o brao em volta dos ombros da Velha. Entra um Sargento, seguido

    por um Oficial. O Sargento aponta para a Jovem.

    SARGENTO Nome!

    JOVEM J demos os nossos nomes.

    SARGENTO Nome?

    JOVEM J demos os nossos nomes.

    SARGENTO Nome?

    OFICIAL (Para o Sargento) Pare com essa merda. (Para a Jovem.) Alguma queixa?

    JOVEM Ela foi mordida.OFICIAL Quem? (Pausa.) Quem? Quem que foi mordido?

    JOVEM Ela. Tem um corte na mo. Olhe. Morderam-lhe a mo. Isto sangue.

    SARGENTO (Para a Jovem) Como se chama?

    OFICIAL Cale-se. (Dirige-se Velha.) O que lhe aconteceu mo? Algum lhe mordeu? (AMulher levanta lentamente a mo. Ele examina-a.) Quem fez isto? Quem lhemordeu?

    JOVEM Um pinscher Dobberman.

    OFICIAL Qual deles? (Pausa.) Qual deles? (Pausa.) Sargento!

    (O Sargento d um passo em frente.)

    SARGENTO Meu Capito!

    OFICIAL Olhe para a mo desta mulher. Acho que o polegar est prestes a cair. (Para aVelha.) Quem fez isto? (Ela olha fixamente para ele.) Quem fez isto?

    JOVEM Um co grande.

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    Lngua da Montanha de Harold Pinter 3

    OFICIAL Como que ele se chamava? (Pausa.) Como que se chamava? (Pausa.) Todos osces tm um nome! Respondem ao nome. Os pais do-lhe um nome e esse o seunome! Antes de morderem, declaram o seu nome. um procedimento formal.Declaram o seu nome e depois mordem. Como que ele se chamava? Se me disserque um dos nossos ces mordeu esta mulher sem ter dado o nome, eu mando abateresse co! (Silncio.) Agora - ateno! Silncio e ateno! Sargento!

    SARGENTO Meu Capito?

    OFICIAL Registre qualquer queixa.

    SARGENTO Qualquer queixa? Algum tem alguma queixa?

    JOVEM Disseram-nos para estarmos aqui hoje de manh s nove horas.

    SARGENTO Correto. Muito correto. Nove da manh. Absolutamente correto. Qual a suaqueixa?

    JOVEM Ns estvamos aqui s nove da manh. Agora so cinco da tarde. Estamos aqui de ph oito horas. A neve. Os seus homens deixam pinschers Dobberman assustar-nos.Um deles mordeu a mo desta mulher.

    OFICIAL Como que esse co se chamava?

    JOVEM (Olha para ele.) No sei o nome dele.

    SARGENTO Com a sua permisso, meu Capito?

    OFICIAL Prossiga.

    SARGENTO Os seus maridos, os seus filhos, os seus pais, esses homens que vocs esto esperade ver, so desprezveis. So inimigos do Estado. So desprezveis.

    (O Oficial avana na direo das Mulheres.)

    OFICIAL Escutem agora o seguinte. Vocs so gente das montanhas. Esto ouvindo? A lnguade vocs est morta. proibida. No permitido falar essa lngua da montanha nestelugar. Vocs no podem falar essa lngua com os seus homens. No permitido.

    Esto compreendendo? No podem falar. Foi proscrita. S podem falar a lngua dacapital. Essa a nica lngua permitida neste lugar. Sero severamente punidas setentarem falar a lngua da montanha neste lugar. Isto um decreto militar. a lei.Essa lngua est proibida. Est morta. Ningum est autorizado a falar a essa lngua.Ela no existe mais. Alguma dvida?

    JOVEM Eu no falo a lngua da montanha.

    (Silncio. O Oficial e o Sargento cercam-na lentamente. O Sargento pe a mo no

    traseiro da Mulher.)

    SARGENTO Que lngua que voc fala? Que lngua que fala com o seu rabo?

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    Lngua da Montanha de Harold Pinter 4

    OFICIAL Estas mulheres, Sargento, at ao momento, no cometeram qualquer crime.Lembre-se disso.

    SARGENTO Meu Capito! Mas no est sugerindo que elas esto despidas de pecado?

    OFICIAL Oh, no. Oh, no, no estou sugerindo tal coisa.

    SARGENTO Esta est cheia de pecado. Ressoa de pecado.

    OFICIAL Ela no fala a lngua da montanha.

    (A Mulher liberta-se da mo do Sargento e volta-se, olhando de frente para os doishomens.)

    JOVEM O meu nome Sara Johnson. Vim ver o meu marido. Tenho esse direito. Onde estele?

    OFICIAL Mostre-me os seus papis. (Ela entrega-lhe um bocado de papel. Ele examina-o evolta-se para o Sargento.) Ele no vem das montanhas. Est no grupo errado.

    SARGENTO E ela tambm. Ela, para mim tem aspecto de intelectual.

    OFICIAL Mas o Sargento disse que o rabo dela balanava.

    SARGENTO Os rabos intelectuais so os que balanam melhor.

    (Black-out)

    Sala de visitas

    Um Prisioneiro sentado. A Mulher Velha sentada, com o cesto. Um Guarda por

    detrs dela. O Prisioneiro e a Mulher falam numa pronncia acentuadamente rural.

    (Silncio.)

    VELHA Trouxe po.

    (O Guarda bate-a com um pau.)

    GUARDA Proibida. Lngua proibida. (Ela olha para ele. Ele bate-a com o pau.) Est proibida.(Para o Prisioneiro.) Diga-lhe para falar a lngua da capital.

    PRISIONEIRO Ela no sabe. (Silncio.) Ela no consegue. (Silncio.)

    VELHA Trouxe mas.

    (O Guarda bate-a com o pau e grita.)

    GUARDA Proibida! Proibida, proibida, proibida. Meu Deus! (Para o Prisioneiro.) Ela percebeo que eu estou dizendo?

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    Lngua da Montanha de Harold Pinter 5

    PRISIONEIRO No.

    GUARDA No? (Inclina-se sobre ela.) No percebe?

    (Ela levanta os olhos e olha fixamente para ele.)

    PRISIONEIRO Ela velha. No percebe!

    GUARDA E de quem a culpa? (Ri.) Minha no , isso posso dizer. E posso dizer outra coisa:tenho mulher e trs filhos. E vocs so todos um monte de merda. (Silncio.)

    PRISIONEIRO Eu tenho mulher e trs filhos,

    GUARDA Tem o qu? (Silncio.) Voc tem o qu? (Silncio.) O que que voc disse? Voctem o qu? (Silncio.) Voc tem o qu? (Levanta o telefone e marca um dgito.)Sargento? Estou na Sala Azul... Sim... Achei que devia comunicar, meu Sargento...Acho que temos aqui um brincalho.

    (As luzes diminuem para metade. As figuras permanecem imveis. Vozes em off.)

    VELHA (Voz) O beb est sua espera.

    PRISIONEIRO (Voz) Morderam-lhe a mo.

    VELHA (Voz) Esto todos sua espera.

    PRISIONEIRO (Voz) Morderam a mo da minha me.VELHA (Voz) Quando voltar pra casa vai ter uma festa de boas-vindas. Todos esto sua

    espera. Esto todos sua espera. Esto todos espera de te verem. (As luzes sobem.)

    (O Sargento entra.)

    SARGENTO Que brincalho?

    (Black-out.)

    Fim

    Texto digitalizado por Miguel Luiz em dezembro de 2010