os percursos da comida no candomblé de salvador

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Miriam C. M. Rabelo. Os Percursos Da Comida No Candomblé De Salvador. Papeles de Trabajo, Año 7, N° 11, mayo de 2013, pp. 86-108. Papeles de Trabajo. Revista electrónica del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de General San Martín. ISSN 1851-2577. Año 7, Nº 11, Buenos Aires, mayo de 2013. Dossier: “Materialidad y agencia: un debate con la obra de Tim Ingold”. 86 Os Percursos Da Comida No Candomblé De Salvador Miriam C. M. Rabelo Resumo O presente texto reflete sobre o papel central da comida no candomblé de Salvador, Bahia. A partir da descrição de eventos que têm a comida como foco mostra como esta é chave importante para se entender o tipo de relacionalidade que vigora no candomblé - uma relacionalidade que envolve misturas, transformações, fluxos. Em seguida argumenta que além de oferecer entrada à ontologia do candomblé, a comida é também porta de acesso à ética que lhe é própria: o preparo, oferta, distribuição e consumo do alimento são definidores da complexa dinâmica de cuidado que modula a vida de um terreiro. Atenção a estas atividades mostra que no candomblé o cuidado é inseparável do envolvimento e apreciação sensível – a ética e a sensibilidade estão fortemente imbricadas. Também ilumina a rotina de trabalho necessária para fazer circular e comida e discute o campo de ação ética que é aberto por esta rotina. Palavras chaves: candomblé, comida, transformação, ética Abstract The present paper discusses the central role of food in the candomblé of Salvador, Bahia. Starting with the description of ritual events that focus on food, it shows how the latter offers an important key to understanding the type of relatedness operating in the candomblé – one that involves mixtures, transformations and fluxes. It then argues that besides shedding light on the ontology of the candomblé, food also offers an interesting perspective into the ethics of Afro- Brazilian religion: the preparation, distribution and consumption of food define a complex dynamics of care that modulates everyday life in the candomblé cult house. Attention to these activities shows that in the candomblé care is inseparable from sensitive involvement and appreciation – ethics and sensibility are closely related. Keywords: candomblé, food, transformation, ethics Introdução O Candomblé é uma religião afro-brasileira em que são cultuados deuses africanos – os orixás – mas também entidades brasileiras conhecidas como caboclos. Orixás (também referidos como santos) e caboclos tem características distintas, mas ambos se apossam dos corpos de alguns de seus filhos humanos e ambos gostam de comer. A comida desempenha de fato um papel importante nas casas de candomblé, Professora do Departamento de Sociologia e Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pesquisadora do ECSAS (Núcleo de Estudos em Corporalidades, Sociabilidades e Ambientes). Faz pesquisa no campo da antropologia da religião com foco em religiões afro-brasileiras. E-mail: [email protected]

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Os Percursos Da Comida No Candomblé De Salvador

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  • Miriam C. M. Rabelo. Os Percursos Da Comida No Candombl De Salvador. Papeles de Trabajo, Ao 7, N 11, mayo de 2013, pp. 86-108.

    Papeles de Trabajo. Revista electrnica del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de General San Martn. ISSN 1851-2577. Ao 7, N 11, Buenos Aires, mayo de 2013. Dossier: Materialidad y agencia: un debate con la obra de Tim Ingold.

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    Os Percursos Da Comida No Candombl De Salvador

    Miriam C. M. Rabelo

    Resumo O presente texto reflete sobre o papel central da comida no candombl de Salvador, Bahia. A partir da descrio de eventos que tm a comida como foco mostra como esta chave importante para se entender o tipo de relacionalidade que vigora no candombl - uma relacionalidade que envolve misturas, transformaes, fluxos. Em seguida argumenta que alm de oferecer entrada ontologia do candombl, a comida tambm porta de acesso tica que lhe prpria: o preparo, oferta, distribuio e consumo do alimento so definidores da complexa dinmica de cuidado que modula a vida de um terreiro. Ateno a estas atividades mostra que no candombl o cuidado inseparvel do envolvimento e apreciao sensvel a tica e a sensibilidade esto fortemente imbricadas. Tambm ilumina a rotina de trabalho necessria para fazer circular e comida e discute o campo de ao tica que aberto por esta rotina. Palavras chaves: candombl, comida, transformao, tica Abstract The present paper discusses the central role of food in the candombl of Salvador, Bahia. Starting with the description of ritual events that focus on food, it shows how the latter offers an important key to understanding the type of relatedness operating in the candombl one that involves mixtures, transformations and fluxes. It then argues that besides shedding light on the ontology of the candombl, food also offers an interesting perspective into the ethics of Afro-Brazilian religion: the preparation, distribution and consumption of food define a complex dynamics of care that modulates everyday life in the candombl cult house. Attention to these activities shows that in the candombl care is inseparable from sensitive involvement and appreciation ethics and sensibility are closely related. Keywords: candombl, food, transformation, ethics

    Introduo

    O Candombl uma religio afro-brasileira em que so cultuados deuses

    africanos os orixs mas tambm entidades brasileiras conhecidas como caboclos.

    Orixs (tambm referidos como santos) e caboclos tem caractersticas distintas, mas

    ambos se apossam dos corpos de alguns de seus filhos humanos e ambos gostam de

    comer. A comida desempenha de fato um papel importante nas casas de candombl,

    Professora do Departamento de Sociologia e Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pesquisadora do ECSAS (Ncleo de Estudos em Corporalidades, Sociabilidades e Ambientes). Faz pesquisa no campo da antropologia da religio com foco em religies afro-brasileiras. E-mail: [email protected]

  • Miriam C. M. Rabelo. Os Percursos Da Comida No Candombl De Salvador. Papeles de Trabajo, Ao 7, N 11, mayo de 2013, pp. 86-108.

    Papeles de Trabajo. Revista electrnica del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de General San Martn. ISSN 1851-2577. Ao 7, N 11, Buenos Aires, mayo de 2013. Dossier: Materialidad y agencia: un debate con la obra de Tim Ingold.

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    conhecidas como terreiros1. O visitante que vem assistir s festas pblicas a realizadas

    logo percebe isso. No final de qualquer festa, um caprichoso repasto, com comidas

    relacionadas aos orixs homenageados, distribudo entre os presentes. Mas, s vezes,

    durante a festa mesma, tigelas de alimento oferecidas s entidades circulam em

    procisso pelo barraco, para serem, em seguidas depositadas nos quartos em que esto

    assentados orixs ou, a depender do caso, para serem compartilhadas pelos presentes.

    Quando os adeptos iniciados dirigem-se para receber sua poro da oferenda,

    imediatamente so tomados pelos seus orixs.

    O visitante no demora a se dar conta do tempo, trabalho e dedicao gastos na

    cozinha do terreiro. Mas s vezes lhe escapa o quanto o preparo, circulao e

    distribuio de comida define a vida no candombl. A comem (e devem ser

    alimentados) no s humanos, orixs e caboclos, mas tambm a cabea (ori), o cho, os

    tambores, os colares de contas usados pelos adeptos. A comida distingue os seres e os

    coloca em relao. Comida dos orixs e comida de humanos diferem, assim como difere

    o que comem os adeptos quando esto em obrigao no terreiro e o que comem no seu

    dia a dia. As divindades distinguem-se por suas predilees alimentares, a cozinha

    abarca um vasto receiturio das iguarias prediletas de cada um dos deuses. E a comida

    circula, no s distingue como tambm traa equivalncias e rene os integrantes de um

    terreiro em eventos de comensalidade generalizada.

    A presena conspcua da comida no terreiro aponta para a centralidade da

    transformao no candombl. Ateno s atividades de preparo, distribuio e consumo

    do alimento permite-nos entender, alm do mais, como a transformao cultivada no

    terreiro reveste-se de dimenses estticas e ticas. Essas atividades mostram-nos, de

    fato, como tica e sensibilidade esto estreitamente imbricadas no candombl. Na

    discusso que se segue pretendo desenvolver esses pontos em mais detalhe. Para isto

    apresento trs situaes que tm a comida como foco. Embora recorra a informaes

    obtidas em diferentes terreiros de Salvador, bem como a estudos realizados por outros

    pesquisadores do candombl, a maioria das descries apresentadas (retiradas de meu

    dirio de campo) oriunda de pesquisa realizada junto ao Il Ax Ala Keykosan,

    1 Entre os trabalhos que tratam de aspectos da comida no candombl convm destacar Elbein dos Santos, 1976; Augras, 1987; Lody, 1998; Bastide, 2000; Cossard, 2006; Sousa Jr, 2008 e Lima, 2010, entre outros.

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    liderado pela iyalorix2 Maria Beatriz dos Santos, conhecida como Me Beata. Trata-se

    de terreiro de mdio porte, situado fora do eixo das antigas casas tradicionais3.

    O Eb

    Eb oferenda. Entre os ebs, esto aqueles destinados a limpar o corpo, a

    descarregar as energias negativas que o cercam. Abaixo, cito dois relatos retirados do

    meu dirio de campo: Por volta das 8:30h. da noite, estavam todos vestidos de branco, prontos para ir a praia, fazer uma oferenda Iemanj, orix feminino que reina sobre os mares. O eb foi presidido por uma ebomi4, filha de Iemanj. Na praia, o grupo que estava dando o eb foi instrudo a ajoelhar, prximo gua, onde quebravam as ondas. Os demais ficaram de p, ao redor, e comearam a cantar para Iemanj. A ebomi derramou ajeb sobre as cabeas das pessoas ajoelhadas, espalhando com a mo feito de quiabo o ajeb um lquido viscoso. Pode ser oferecido a qualquer orix e to logo tiveram suas cabeas molhadas, os rodantes5 foram tomados por seus orixs. A ebomi prosseguiu com a oferenda ela e seus ajudantes passaram diferentes comidas nos corpos ajoelhados. A comida despejada caa (ou escorria, a depender dos ingredientes) pelo corpo e era recolhida pelas ondas. Quando a oferenda foi concluda, Iemanj apossou-se da ebomi; sua presena foi anunciada por um grito fino, que se prolongou enquanto o corpo largo da ebomi balanava de um lado para outro. Algum disse baixinho que Iemanj havia aceitado a oferenda sua vinda indicava isso. Uma das equedes assistiu na sua partida, pousando a mo gentilmente sobre o ombro da ebomi possuda. Pouco depois o grupo foi instrudo a se banhar nas ondas, antes de retornar ao terreiro. Quando cheguei ao terreiro, o material do eb estava sendo preparado. Repolho branco e repolho roxo estavam sendo cortados em tiras bem finas; uma abbora e alguns chuchus eram picados em cubinhos. Uma filha de santo descascava gros de fava aferventada, outra amassava com as mos o inhame cozido para fazer bolinhos redondos. Bolinhos eram tambm feitos com arroz cozido e outros com farinha de mandioca molhada. Pequenas pores de cada comida abbora, repolho, milho branco cozido, caroos de milho amarelo, milho alpiste, sementes de girassol, arroz, bolinhos de arroz, de inhame e de farinha, fava cozida e temperada com camaro seco, diferentes tipos de feijo, pipoca eram distribudas separadamente em pratos (cuja quantidade era estabelecida com base no nmero dos participantes). O eb era oferecido aos eguns (espritos de mortos). O grupo, composto de homens e mulheres, vestia branco. Metades abertas de berinjela, dispostas como sandlias no cho, delimitavam o local em que os ps descalos deveriam pisar. Na frente de cada par de calado, uma gamela de barro. A me

    2 Os sacerdotes do candombl so chamados de mes/ pais de santo, ou ainda, no correspondente yorub ialorixs ou babalorixs. 3 Estas foram o foco principal das pesquisas clssicas sobre candombl, preocupadas com a questo da preservao da religio africana no Brasil. 4 Ebomi o adepto snior de um terreiro, que j cumpriu as obrigaes rituais relativas aos sete anos de iniciao. Antes o adepto iniciado ia. 5 Nem todos os adeptos do candombl vivenciam a possesso pelo seu orix. Aqueles que so possudos so chamados de rodantes. Os demais adeptos iniciados dividem-se nas categorias de equede (mulheres) e ogs (homens) e tm funes especficas no terreiro.

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    de santo puxava os cantos e era secundada por um grupo de filhas de santo que se acercara para ajudar. Aqueles que estavam fazendo o eb receberam, cada qual, dois bolinhos de farinha molhada, para segurar em suas mos fechadas. As ajudantes entregavam os pratinhos com a comida me de santo que os passava em torno de seus corpos, comeando pela cabea, movimentando de baixo para cima, e de frente para trs. Parte do contedo era derramada sobre a cabea, e o restante lanado na gamela de barro. Quando o procedimento era concludo com uma das comidas, dava-se incio seguinte, at todo o contedo ser utilizado. Cada um teve uma vela e, em seguida, um ovo passados no corpo; depois quebrados e jogados na gamela. Ao final foram instrudos a jogar na gamela os bolinhos de farinha amassados. Saram ento de seus calados de berinjela, para o sacudimento de folhas: tronco, costas e ombros receberam o impacto dos galhos que a me de santo segurava e movimentava vigorosamente em volta deles. Do sacudimento foram para o banho de folhas. Enquanto a me de santo cuidava do grupo, uma de suas filhas de santo recolhia os restos de comida que havia cado no cho, utilizando galhos como vassoura. O contedo do eb seria depois despachado no mato. No eb a comida no consumida, passada e derramada nos participantes. Os

    gros caem, o ajeb e o ovo quebrado escorrem, pores ficam retidas nos cabelos. A

    comida no destinada a uma parte do corpo, feita percorrer toda sua extenso. Neste

    percurso, a comida (e no o corpo) quem age absorvendo as energias negativas nele

    retidas. Talvez seja melhor dizer que corpo e comida se misturam (as fronteiras entre

    eles so temporariamente afrouxadas). H uma semelhana com a alimentao (onde

    domina a mistura), mas diferente do que ocorre quando comemos, no eb a ao no se

    d dentro do corpo, mas fora dele, ao longo de sua superfcie. O corpo mobilizado

    como uma vasta superfcie ttil, mas diferente de suas (nossas) experincias tteis

    costumeiras, no eb o corpo ttil no explora seu entorno, mas explorado por ele, ou

    melhor, pela comida que cai em impactos mnimos, beliscando, coando, ou que

    escorre, viscosa, deixando um rastro por onde passa. Essa passividade do corpo talvez

    ajude a faz-lo com a comida, parte da comida que se faz presente, viva, ao percorrer

    sua extenso.

    Mas entre corpo e comida h ainda um terceiro termo que o eb aciona o orix a

    quem o eb destinado, que receber a comida e cuja fora mobilizada pela comida

    em favor da pessoa que faz a oferenda. A comida passada no corpo e depois oferecida a

    Iemanj, no s limpa e descarrega, como tambm cria um elo entre a pessoa e Iemanj.

    Os pratos utilizados nos ebs relacionam-se com os orixs (ou eguns) cuja participao

    espera-se despertar a pipoca de Obalua (orix da doena e da cura), o milho branco

    de Oxal (orix da criao), a farofa de dend de Exu (orix dos caminhos e

    mediaes). Diz-se, no caso do eb de egun, que os espritos de mortos, atrados pela

  • Miriam C. M. Rabelo. Os Percursos Da Comida No Candombl De Salvador. Papeles de Trabajo, Ao 7, N 11, mayo de 2013, pp. 86-108.

    Papeles de Trabajo. Revista electrnica del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de General San Martn. ISSN 1851-2577. Ao 7, N 11, Buenos Aires, mayo de 2013. Dossier: Materialidad y agencia: un debate con la obra de Tim Ingold.

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    comida, seguem o carrego, livrando a pessoa de sua influncia negativa.

    O Bori

    O bori o rito de dar de comer cabea ou ori, entidade sagrada no candombl,

    cultuada como lcus da individualidade. Fortalece o ori e, assim, firma a cabea do

    indivduo, trazendo o equilbrio necessrio para a sua sade e, quando for o caso, para

    que receba seu orix (antecede assim o processo de iniciao). Envolve uma sequncia

    de oferendas ao ori, incluindo a noz de cola, obi, seu alimento por excelncia. Segue

    trecho de meu dirio de campo:

    O bori teve incio noite. Vestidos de branco, os novios sentaram numa esteira com as pernas estendidas e mos abertas sobre as pernas, palmas viradas para cima. Atrs de cada um estava a pessoa escolhida como sua madrinha ou padrinho de bori. Comeados os cantos, padrinhos e madrinhas puseram-se a lavar as cabeas de seus afilhados, derramando sobre elas uma infuso de folhas frescas e cheirosas o amaci. Ento se posicionaram na frente destes, segurando uma bacia esmaltada chamada de ib ori (bacia da cabea) - que o duplo do ori no outro mundo (orum). Uma tigela grande com fatias de frutas foi trazida. A me de santo retirou duas fatias e as movimentou ao redor do corpo da primeira novia, antes de coloc-las dentro da bacia. A mesma operao foi repetida para cada um dos novios e com diferentes comidas alm das frutas, pratinhos com bolinhos de inhame, bolinhos de arroz e gros diversos. Antes de ter seu contedo despejado no ib ori, cada pratinho circulou ao redor do corpo do novio, marcando as direes de frente e trs, acima (cabea) e abaixo (ps), direita e esquerda6. Quando toda a comida foi coletada nas bacias do ori, estas foram deixadas sobre o colo dos novios. Os padrinhos e madrinhas trouxeram, ento, quartinhas com gua e pratinhos de barro contendo obi (um para cada novio). A me de santo aproximou-se da primeira novia do grupo, pegou o obi e cortou algumas fatias finas. O restante ela dividiu em duas partes, sobre as quais aspergiu um pouco de gua da quartinha, antes de lan-las sobre o prato, para assegurar-se de que a oferenda foi aceita pelo ori7. A me de santo entregou, ento, uma fatia do obi `a novia para que mastigasse sem engolir, ela e a madrinha fizeram o mesmo. Depois recolheu os obis mascados, que foram cuspidos em sua mo, e ps a pasta sobre o cocuruto da novia. Notei que alguns novios contraiam as feies com o gosto amargo do obi. Enquanto repetia a mesma operao para cada novio, a me de santo dizia: Obi paz, obi calma, obi tranquilidade. Outros ingredientes foram agregados pasta de obi sobre as cabeas, entre elas uma poro de milho branco cozido. Neste momento foram trazidos os pombos para serem sacrificados e oferecidos ao ori (um para cada novio). Um pouco do sangue do pombo foi derramado sobre vrios pontos do corpo, seguindo as direes j mencionadas: ps,

    6 Como j observado por vrios pesquisadores (Elbein dos Santos, 1976; Verger, 1981; Vogel et al., 1993; Rocha, 1995) estas direes tm um significado prprio no candombl. A frente do corpo a nascente, o futuro; as costas, o poente, o passado. Frente e costas so em geral igualados a acima e abaixo, cabea e ps. A cabea recebe os orixs, os ps fazem a ligao com os ancestrais. O lado direito do corpo representa os elementos herdados do pai e dos ancestrais masculinos; o lado esquerdo, da me e ancestrais femininos. Assim atravs dos gestos da me de santo, um elo vital estabelecido e renovado entre estes princpios. 7 Quando as duas metades caem com as cascas sobre o prato a resposta feliz (alafia)

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    pulsos, cocuruto, tmporas direita e esquerda, nuca e ombros. Penas foram fixadas, com o sangue, em alguns destes pontos. O sangue foi tambm derramado sobre o ib ori. Penas dos pombos foram colocadas em torno desta bacia, enfiadas decorativamente em meio s comidas que ali foram recolhidas. As madrinhas amarraram com firmeza uma faixa de pano branco em volta da cabea de seus afilhados, para a reter a oferenda. Estes foram ento instrudos a deitarem-se de bruos e foram completamente cobertos por lenis. gua de colnia foi aspergida sobre eles e caroos de milho branco cozidos foram lanados em volta das esteiras delimitando o local de repouso. Logo o silncio reinou. Parte dos materiais usados no bori foi, ento, arrumada em uma bancada atrs das esteiras onde dormiam os novios borizados: pombo cozido com farofa, tigelas com muitas frutas. Manjar branco e aca completavam o conjunto. As cabeas dos pombos foram dispostas nos pratos com as quartinhas, em meio a arranjos de sangue e penas. No dia seguinte, os novios deram incio ao consumo dos alimentos. A comida foi tambm partilhada com outros adeptos do terreiro, que contavam com a generosidade do grupo recolhido e vinham pedir um pouco de comida para si. J quase ao cair da noite a me de santo veio suspender (encerrar) o bori: desamarrou a faixa de pano que retinha as oferendas de comida na cabea, recolheu os gros de milho numa bacia e lavou a cabea de seus filhos com uma infuso de folhas frescas. Estes foram ento instrudos a tomar banho. Ao final, receberam um conjunto de prescries comportamentais e alimentares que deveriam seguir por um perodo de duas semanas, como parte do resguardo. Depois de um excesso de atividade o corpo estava frgil, precisava ser protegido (res-guardado) de tudo que pudesse ameaar o equilbrio conquistado. A proibio de certas comidas e recomendao de outras era fundamental para o sucesso deste empreendimento. No bori, a comida recolhida na cabea do novio e na bacia (ib ori) que este

    segura entre as mos. Assim como o ib ori, a cabea tambm ela recipiente e uma

    equivalncia estabelecida entre duas. Ao mesmo tempo em que destacam e

    individualizam uma parte do corpo a cabea os procedimentos do rito projetam-na

    para fora a bacia. O corpo dividido e expandido num movimento que expe a

    natureza mltipla e composta da pessoa.

    Mas tambm come o novio e convm refletirmos um pouco mais sobre esta

    experincia. No bori, comer essencial para a restaurao da fora e do equilbrio. A

    disponibilidade de certas comidas e proibio de outras define o lugar dos novios.

    Durante o perodo de recolhimento ps-performance domina a comida branca de

    Iemanj (orix protetor do ori): milho branco, manjar branco, aca e frutas.

    A comida no apenas consumida pelos borizados, compartilhada e circula

    entre os integrantes do terreiro. Embora os novios controlem a extenso e quantidade

    da partilha afinal o bori deles espera-se que sejam generosos. Assim, se por um

    lado o rito suspende o tempo cotidiano gerido pela preocupao com os outros (filhos,

    companheiros, parentes) a comida deve consumida livremente sem considerao com

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    os dias vindouros por outro, tambm posiciona seus participantes em circuitos de

    reciprocidade, que cabe a eles manter preciso atender aos pedidos dos visitantes,

    distribuir e fazer circular a comida.

    Distribuda com generosidade, mas s vezes tambm retida, consumida como

    meio para refazer as foras, mas tambm como objeto de pura fruio, a comida pe em

    movimento relaes entre os integrantes do terreiro. Comer parte da dinmica

    relacional mais ampla do candombl. Vista de perto enquanto experincia visceral,

    sensvel , em si mesma, atividade relacional.

    No bori, comer aciona diferentes nveis de relao, fazendo continuamente

    deslizar as posies de sujeito e objeto, eu e outro, dentro e fora. Comecemos pelo

    exemplo do obi (noz de cola) usado na performance noturna, cortado em lascas e

    oferecido novia, sua madrinha e sua me de santo. Mastigado sem ser engolido, o

    obi difunde seu gosto amargo pela boca. Faz contrair as faces dos menos acostumados.

    O obi tambm comanda a cena, estabelece o tom (ou o sabor) da experincia. Evento

    ordinariamente privado, transcorrido ao interior do corpo (na boca) a mastigao do obi

    se prolonga e se realiza na atividade de outras duas pessoas e se completa na juno

    visvel, palpvel do material mastigado, cuspido na mo da me de santo e levado a

    cabea. Mastigar obi no rito atividade de um ns: cada uma contribui com a

    preparao do alimento do ori, juntando a ele seus fluidos.

    A comida ofertada ao ori recolhida na cabea, sentida (experimentada) como

    substncia concentrada, retida sob a presso do pano amarrado. No dia que se segue

    performance noturna, o repasto da cabea se estende e se complementa no repasto dos

    novios que tambm comem alimento relacionado ao ori. Da mesma forma o repasto

    dos novios se prolonga no repasto dos demais membros do terreiro, a quem a comida

    doada, distribuda, e que so incorporados pelo ato de comer, numa rede intricada de

    vnculos.

    No bori a reversibilidade de posies acentuada. Opera em nveis interligados.

    Primeiro, j vimos, h uma reversibilidade entre o sujeito que come e o alimento

    ingerido: o novio masca a fatia de obi, mas o gosto forte e amargo do obi se espalha

    pela boca, e aos poucos se impe sobre o corpo, definindo a experincia. Mas h

    tambm cruzamento e imbricao entre os sentidos, entre o gosto do alimento que o

    novio come e a presso da faixa de pano branco que retm o alimento da cabea e entre

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    o calor do sangue que rega o topo da cabea e a viso do sangue regando a bacia do ori.

    Gosto, tato e viso se comunicam, emprestam qualidades uns aos outros, compem uma

    cena total em que novio e cabea, cabea e ib (bacia) se equivalem comem todos os

    trs. Por fim, h troca e contaminao entre a experincia do novio e a experincia da

    me de santo, ambos mastigando o obi, e ainda entre a experincia individual do comer

    e a experincia de comer junto. O novio se v espelhado na me de santo, cujo ato de

    mastigar obi desenha e objetiva o seu prprio, projetando-o para fora. Mais tarde v sua

    situao nica de sujeito (que alvo de cuidados e a quem a comida oferecida) de

    novo projetada para fora desta vez nos outros que comem junto com ele e que

    pedem, disputam e apreciam a comida.

    Annemarie Mol (2008) observa que comer envolve muita atividade, mas pouco

    controle. No comer a agncia distribuda entre o sujeito que come e a coisa comida,

    mas tambm entre os rgos que processam o alimento (e sobre cujo funcionamento o

    eu exerce pouco ou nenhum comando). Nas atividades de comer transcorridas durante

    o bori a agncia no s distribuda ao interior do corpo, mas, como vimos, entre os

    diferentes sentidos, entre o novio, a madrinha e a me de santo, entre o novio e o ori,

    entre os borizados e outros membros do terreiro.

    O assentamento do orix

    No candombl, j observei, os orixs comem. Cada um dos deuses africanos tem

    suas preferncias alimentares, no apenas predileo por certos ingredientes, como

    tambm por certos modos de prepar-los e exibi-los. A comunicao com os orixs

    mediada pela oferta da comida que os agrada, que os mobiliza e os coloca nos circuitos

    de proteo e ajuda que a me de santo ativa em favor dos seus filhos e clientes. Mas a

    comida no apenas o veculo de pedidos humanos, portadora de ax, da energia vital

    que precisa ser acumulada e renovada para assegurar a vida do terreiro e dos diversos

    seres que se fazem presentes no terreiro, incluindo os orixs.

    H dois tipos de comida oferecidos aos orixs: as comidas secas (pratos, s vezes

    bastante elaborados, feitos com espcies vegetais) e as comidas que envolvem sacrifcio

    animal (referido como matana). As primeiras so arreadas como pedidos, depositadas

    nos quartos dos santos e depois no mato ou na gua, a depender do orix. Mas as

    comidas secas acompanham tambm a oferenda de animais sacrificados. Estas ltimas

  • Miriam C. M. Rabelo. Os Percursos Da Comida No Candombl De Salvador. Papeles de Trabajo, Ao 7, N 11, mayo de 2013, pp. 86-108.

    Papeles de Trabajo. Revista electrnica del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de General San Martn. ISSN 1851-2577. Ao 7, N 11, Buenos Aires, mayo de 2013. Dossier: Materialidad y agencia: un debate con la obra de Tim Ingold.

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    so fundamentais para a renovao do ax dos deuses, pois, conforme explica Lpine

    (1982: 33), o sangue um poderoso veculo de se, que dever restituir aos ris8 a

    fora que despendem neste mundo e qual devemos a existncia. Dar de comer ao

    orix fundamentalmente aliment-lo com o sangue do animal sacrificado9.

    A oferenda de sangue fundamental para fixar na pedra (ot) o orix da pessoa

    que ser iniciada no terreiro. No candombl, vale lembrar, cada pessoa tida como filha

    de um orix, dono de sua cabea. Na iniciao, o orix fixado na cabea do novio; o

    orix enquanto energia ou princpio geral nasce enquanto orix daquela pessoa

    (variante nico e individual de um modelo mtico geral), que tambm nasce enquanto

    filha do orix. A iniciao faz tanto a pessoa quanto o orix, ou melhor, faz cada um

    na relao nica com o outro: o orix assentado na cabea fruto deste mesmo processo

    de feitura (Goldman, 1987).

    A feitura do orix na cabea acompanhada s vezes precedida pelo

    assentamento do orix no terreiro. O orix individual fixado numa pedra o ot que

    guardada ao interior de uma sopeira ou vasilha (ib) de loua ou barro a depender do

    orix. Bzios e pequenas ferramentas de metal, insgnias do orix, so tambm

    dispostos no ib, que usualmente colocado no centro de um alguidar rodeado por

    pratos usados para oferendas, e o conjunto, disposto sobre uma jarra comprida

    (quartinho), guardado em aposentos de acesso restrito (os quartos do santo). O

    assentamento do orix assim a consagrao da pedra em que este vai residir e essa

    consagrao requer o sacrifcio de sangue. Abaixo narro o assentamento do Oxal de

    um adepto que aconteceu no contexto de um bori e que foi antecedido por uma oferenda

    Iemanj do terreiro: Chegou o momento de cortar para Iemanj, protetora do ori. A ateno foi desviada do lugar onde estavam os novios borizados para o centro do barraco onde havia sido colocado assentamento da Iemanj. As aves foram trazidas para o barraco: galinhas brancas, patos, galinhas dangola. A me de santo presidiu o sacrifcio, auxiliada pelo axogun da casa, o adepto responsvel pela matana. Cantou-se primeiro para Ogum, orix do ferro, que precisa ser honrado antes que se use a faca. As aves oferecidas Iemanj tiveram suas cabeas cortadas, folhas cobriam seus olhos. Depois os ps foram cortados e colocados junto com os corpos sem vida, aos ps dos atabaques. Sangue foi derramado na bacia e na sopeira para alimentar o ot. Pores de fava, arroz, gro de milho cozido, mel e azeite de oliva foram tambm despejados na bacia. Os ps das aves junto com algumas penas

    8 A autora utiliza as convenes grficas do yorub (em portugus, os termos so ax e orix). 9 Augras conclui, assim, que as trocas reparadoras de ax incluem forosamente... a realizao do sacrifcio (1987: 72).

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    foram enfiados na comida, apontando para cima; as penas formaram uma coroa rodeando todo o contedo da bacia. Aca e manjar branco completaram a oferenda. Flores foram usadas para decorar. Em seguida foi consagrado o assento do Oxal de um novio que em breve seria iniciado. Uma certa combinao de substncias foi derramada na sopeira, ot foi lavado com uma infuso de ervas, coberto de gua e mel. Um grande caramujo branco (igbin), muito apreciado por Oxal foi includo no sacrifcio. Galinhas, patos e pombos, todas fmeas e brancas, tiveram as cabeas cortadas; o sangue, carregado de ax, regou o ot, foi derramado sobre a bacia e tambm sobre a cabea do novio. A bacia foi preenchida com milho branco, aca, manjar, fatias de obi e depois enfeitada com penas, ps das aves e flores. Muita ateno foi dispensada ao detalhe: tudo foi disposto e arrumado para dar uma impresso geral de proporo e beleza. Assim como no bori em que comem a cabea (ori) e seu portador humano, no

    ritual do assentamento do orix, come a pedra (ot) e a cabea do novio, ambos

    regados com sangue, e transformados em assento (lugar onde reside o orix do novio e

    onde ele baixa em ocasies especiais). O sangue borra limites, consagra cabea e pedra

    e as aproxima, refazendo ambas como assento do orix.

    A comida, o fluxo e a transformao

    No comer, poderamos simplesmente dizer, destaca-se a transformao. Se

    recuarmos o olhar de modo a situar os eventos rituais em que comem os orixs, o ori e

    os adeptos humanos em um quadro um pouco mais amplo de atividades que envolvem

    desde o preparar a oferenda de comida at o recolher e dispor da oferenda feita, ou

    ainda, se deslocarmos nossa ateno, do ato de comer, para as comidas que so

    preparadas e ofertadas, encontramos a mesma visibilidade da transformao10 - tema

    fortemente acentuado no candombl. H uma vantagem especial no exerccio deste

    recuo: permite-nos passar de uma discusso do ritual para uma reflexo acerca da

    dinmica cotidiana do terreiro, ou melhor, de uma anlise dos grandes eventos pblicos

    para uma descrio dos pequenos ritos que pontuam o dia a dia.

    Nas festas pblicas, visitantes e gente da casa comem juntos pratos com iguarias

    dos orixs homenageados. Antes da festa, os orixs comeram. Sangue do animal

    sacrificado foi recolhido numa bacia, misturado a um preparado de azeite e ervas e

    ento derramado sobre o assento. Partes internas do bicho corao, moela, sobrecu e a

    ponta do pescoo foram retirados para serem refogados no azeite com camaro seco.

    Compem o ax do animal, deitado num pratinho aos ps do assento (o resto foi 10 Vale notar: qualquer situao de preparo, circulao e consumo de comida traz a baila o tema da transformao e do fluxo, no dia a dia de um terreiro, entretanto, estes sentidos so ressaltados.

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    reservado para ser depois preparado e comido pelos membros da casa).

    Oferendas de comida fazem parte da rotina das mes e filhos de santo, marcam o

    cotidiano de um terreiro, desde as mais simples um pratinho de milho branco cozido

    para Oxal, pipoca para Obalua at as mais elaboradas, que envolvem diversos

    materiais e preparativos mais trabalhosos. As comidas ofertadas para os orixs,

    depositadas aos ps dos assentamentos, so feitas com os ingredientes prediletos de

    cada um e exibidas em belas composies de cor e textura, que no raro desenham

    algum elemento distintivo da divindade. Alm das comidas dos orixs temos tambm a

    comida que usada em ritos de limpeza e descarrego, realizados com relativa

    frequncia para atender demandas de clientes e filhos da casa. Estes combinam por

    vezes uma srie de pratos diferentes, resultantes de atividades variadas como cozinhar,

    descascar, refogar, cortar em fatias, amassar, picar em pedaos pequenos, mnimos,

    arrumar.

    O milho branco fica trs dias no quarto de Oxal, at ser recolhido. Os pratinhos

    preparados para a limpeza so feitos circular, em uma sequncia determinada, ao redor

    do corpo da cliente. Seu contedo ento despejado sobre a cabea, e coletado do cho

    varrido com galhos colocado junto com os demais materiais utilizados em uma

    alguidar de barro, para, mais tarde, ser arriado em local apropriado. No quarto do santo,

    arrumada, fica a comida do orix, at ser recolhida e arriada, um dia depois.

    Preparar, ofertar, recolher, arriar (mas tambm adquirir cultivar, catar, comprar)

    so parte importante central mesmo do trabalho que se desenrola no terreiro e que

    constitui a um s tempo cuidado com os santos e cuidado com os seus filhos humanos.

    H alguns pontos importantes a notar sobre a participao da comida e das espcies

    vegetais e animais que provm comida no trabalho do terreiro, sobre sua presena to

    conspcua no dia a dia de uma casa de candombl. L esto em contnua transformao.

    Suas trajetrias marcam a extenso dos eventos transcorridos, realizados numa casa

    (que se prolonga no cheiro da comida azedando, na presena fsica do alguidar com a

    oferenda no meio do barraco ou no quarto do santo, do couro do bode secando na

    parede). Servem de medida para o comprometimento da filha de santo e de marcadoras

    para a memria da me de santo. Mas a relao das comidas com os eventos no

    externa elas no so entidades fixas, marcadores materiais mais ou menos resistentes

    aos eventos que se desenrolam ao seu redor: so integrantes destes eventos. Ou melhor,

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    esto elas mesmas enredados em eventos, em uma multiplicidade de duraes11.

    Aqueles que esto envolvidos no trabalho da cozinha esto atentos para as

    diferentes duraes dos materiais a utilizados (o tempo em que permanecem frescos,

    comeam a secar ou apodrecer, o tempo necessrio para que amoleam, descansem,

    esfriem). Contam com estas duraes embora tenham pouca interferncia sobre elas.

    Tambm esto atentos para as duraes referentes s atividades do preparo

    propriamente dito, sobre as quais detm mais controle descascar, cortar, moer,

    cozinhar (incluindo-se a os tempos de cozimento e os pontos das diferentes comidas).

    Essas duraes se engatam com outras - a descida do orix no corpo em reposta a

    comida ofertada, por exemplo e da cozinha conduzem ao barraco onde as oferendas

    desfilam em um cortejo de adeptos. E esto inseridas em duraes maiores dar de

    comer para o santo que englobam atividades que vo da aquisio e preparo da

    comida sua oferta e desta ao despacho final na encruzilhada, no mato, ou na gua.

    Mas, embora sejam parte de duraes mais abrangentes, que definem seu propsito

    geral, as vrias pequenas duraes que se sobrepem, se relacionam, e se sucedem no

    trabalho de preparar o alimento demandam, cada qual, formas prprias de engajamento

    e ateno: no se pode esquecer o tempo de vida da folha catada, o tempo de deixar a

    fava de molho, de mexer o mingau, de deixar que o vatap atinja o ponto, etc. se se quer

    honrar o orix com a oferenda bem feita. Neste sentido, pode-se dizer que o candombl

    no apenas ressalta e cultiva a transformao fato bastante visvel na centralidade que

    assumem, nesta religio, atividades relacionadas comida mas que no terreiro cultiva-

    se a ateno e a sensibilidade s vrias e diferentes (s vezes bastante pequenas)

    duraes em que os materiais (e as pessoas) se transformam.

    Em um artigo instigante Ingold (2007) desenvolve um argumento em favor de

    uma reorientao significativa nos estudos de cultura material: de uma nfase na

    materialidade das coisas rumo a uma ateno aos materiais e seus fluxos. Para Ingold,

    materialidade permanece um conceito por demais abstrato cujo emprego termina por

    levar os estudiosos a perder contato com o mundo mesmo que habitam: um mundo de 11 Durao um conceito proposto por Whitehead para tratar da natureza e do tempo, ou melhor, da natureza como processo ou passagem. Para o filsofo cada durao contm duraes menores e , ela mesma, parte de outras, mais longas. Diferentes duraes podem tambm se sobrepor parcialmente e se concatenar. Whitehead insiste que uma durao no pode ser confundida com a sucesso de instantes idnticos, pois duraes tm espessura (Stengers, 2011), so da ordem do qualitativo. A utilizao de Whitehead neste captulo foi inspirada por um texto de Iara Souza (2010) em que o conceito de durao exposto e aplicado discusso dos laboratrios de cincia.

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    materiais, suas transformaes, e as possibilidades de ao que elas proporcionam. O

    conceito de materialidade evoca uma essncia mais ou menos fixa dos objetos (talvez

    por isso, nota Ingold, os estudos de cultura material tendam a privilegiar o consumo

    sobre a produo) e conduz a uma viso do mundo como sendo formado de amplos

    espaos ocos (entre as coisas encerradas em sua materialidade). Desta maneira seu

    emprego permite que a teoria siga separando a materialidade das coisas da

    imaterialidade da mente. Segundo o autor, o quadro muda quando passamos a

    privilegiar os materiais e suas propriedades: restitumos as coisas aos fluxos de

    materiais dos quais brotam, e com elas, restitumos os humanos, tambm eles (ou ns),

    ao vasto oceano de materiais em que estamos imersos ambos (humanos e no

    humanos) compartilhando participando - dos processos de gerao e regenerao do

    mundo. Restitumos ambos histria.

    As coisas so vivas e ativas no porque so dotadas de esprito seja (esprito) na ou da matria mas porque as substncias de que so compostas seguem sendo arrastadas nas circulaes dos media que lhes cercam, que alternativamente preveem sua dissoluo ou caracteristicamente com seres animados garantem sua regenerao. (Ingold, 2007: 12)12 O candombl j observei cultiva a transformao. No difcil perceber que,

    a, a materialidade das coisas cede lugar ao fluxo dos materiais. Ingold observa que as

    propriedades dos materiais no so atributos fixos da matria, mas processuais e

    relacionais. Descrever estas propriedades contar suas histrias. Esta afirmativa prov

    uma chave importante para entendermos a histria que se tece no dia a dia dos terreiros:

    no lugar de uma histria humana que encontra suporte nas coisas, que inscrita,

    condensada nos objetos, tem-se uma histria em que humanos e coisas, ou melhor, seres

    diversos, se fazem se afetam e se transformam nas suas relaes. Mas convm ainda

    precisar essa afirmativa geral: contar a histria que se faz no terreiro no tratar de um

    fluxo nico, ininterrupto: exige dar conta das diferentes duraes que comandam a

    ateno, o engajamento e a sensibilidade dos adeptos.

    12 Traduo minha. No original: Things are alive and active not because they are possessed of spirit whether in or of matter but because the substances which they comprise continue to be swept up in circulations of the surrounding media that alternately portend their dissolution or characteristically with animate beings ensure their regeneration.

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    A tica ordinria da comida

    Com a comida assegura-se a renovao do ax dos orixs, o fortalecimento do ori,

    a sade e o equilbrio de adeptos e clientes. Ao seguirmos os percursos da comida no

    candombl somos confrontados com uma complexa dinmica de cuidado: no terreiro h

    sempre algum sendo cuidado e algum cuidando e os adeptos passam, muitas vezes, de

    uma a outra destas duas posies ao longo de suas trajetrias. Embora cuidar dos santos

    e de seus filhos humanos exija a realizao rotineira uma srie de atividades, aquelas

    relacionadas comida ocupam boa parte do tempo daqueles que se engajam no trabalho

    do cuidado. Assim, importante observar que estes percursos nos conduzem a um

    campo de conduta tica. Compreender essa dimenso tica fundamental da vida no

    candombl requer direcionar a ateno para as prticas que a se desenrolam. Mas exige

    tambm uma reorientao terica - mais especificamente, uma abordagem tica como

    assentada na prtica, na sensibilidade e no engajamento com outros.

    Na concluso de seu livro Os Candombls de So Paulo, Reginaldo Prandi

    (1991) argumenta que a vitalidade do candombl est em sua capacidade de responder

    s novas demandas e anseios gerados na modernidade avanada como religio atica

    ajusta-se bem sociedade contempornea ps-tica (tendo, no passado, falado

    satisfatoriamente a uma sociedade pr-tica). O candombl no julga as inclinaes

    pessoais de cada um e no procura submet-las a uma lgica nica, dominante oferece

    tanto um espao para a livre expresso destes anseios quanto meios (mgicos) para que

    a pessoa possa realiza-los no mundo. Enfim, trata-se de uma religio que respeita e

    cultiva a individualidade. No me interessa aqui discutir em que medida o terreiro

    acolhe livremente as diferenas e constitui um espao para sua expresso. Quero antes

    discutir o conceito de tica subjacente ao argumento de Prandi.

    A fonte, me parece, Weber (1991), ou melhor, a concepo weberiana de

    religies ritualsticas e sua conexo com a formao de uma orientao tica. Weber

    define o ritualismo como uma continuao da magia as religies ritualsticas esto

    tipicamente preocupadas com o desempenho correto do rito, a observao rigorosa dos

    procedimentos estabelecidos para a invocao e mobilizao das divindades. Nas

    religies ticas propriamente ditas a observao da frmula ritual correta substituda

    pelo comprometimento com valores ltimos (explicitamente articulados como

    compondo um domnio superior de sentido associado seja a uma divindade pessoal

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    tica, seja a uma ordem divina impessoal).

    A questo de Weber diz respeito tanto sistematizao da tica nas religies

    quanto influncia dos sistemas ticos assim constitudos sobre a conduta prtica dos

    fiis. Este enquadramento parece ter estabelecido os termos das anlises posteriores

    (independente da questo abordada). Assim o candombl foi definido como uma

    religio atica porque no dotado de um sistema de princpios ticos articulados (i.e.,

    destacados da prtica), porque enfatiza a observao de procedimentos rituais corretos

    (no lugar da conduta eticamente correta) e porque, dominado pela magia, prov meios

    para que os indivduos realizem seus desejos, deixando estes mesmos desejos livres de

    uma avaliao tica conduzida independente da situao particular.

    Ao invs de examinar cada uma destas assertivas quero antes propor um

    enquadramento diferente, que a nvel terico concebe a tica como intrnseca prtica

    (para ento examinar alguns aspectos da prtica no candombl). Esta reorientao tem

    marcado o trabalho de autores preocupados em refletir sobre os processos pelos quais,

    em seu dia a dia, as pessoas se constituem como sujeitos ticos e contribuem para a

    constituio de outros. Na introduo da coletnea Ordinary Ethics, Michael Lambek

    define assim as bases deste projeto:

    A frase tica ordinria sinaliza vrias coisas. Em primeiro lugar os autores argumentam que a tica parte da condio humana, os seres humanos no podem evitar estar sujeitos tica, falar e agir com consequncias ticas, avaliar suas aes e as de outros, reconhecer e recusar reconhecimento, cuidar e tomar conta, mas tambm estar cientes do fracasso de fazer isso de modo consistente (Lambek, 2010a: 1) 13.. Ao falarem de uma tica ordinria, os autores da coletnea voltam sua ateno

    para uma tica que relativamente tcita, fundada mais em acordo do que em regra, na

    prtica do que no conhecimento ou crena, e que opera sem chamar ateno

    desnecessria para si mesma (Lambek, 2010a: 2). Na religio, essa tica implcita

    particularmente saliente nas performances rituais, observa Lambek. Em um nvel geral,

    todo ritual implica comprometimento: ao participar de uma performance, os membros

    comprometem-se tanto com os efeitos que ela produz (efeitos que reconhecem e frente 13 Traduo minha. No original: The phrase ordinary ethics signals several things. First contributors argue that ethics is part of the human condition; human beings cannot avoid being subject to ethics, speaking and acting with ethical consequences, evaluating our actions and those of others, acknowledging and refusing acknowledgement, caring and taking care, but also being aware of our failure to do so consistently.

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    aos quais se orientam subsequentemente) quanto com os critrios estabelecidos pelo

    ritual para a avaliao destes efeitos (Lambek, 2010b: 45). Assumem responsabilidade

    por conduzir a contento o processo de transformao iniciado e frequentemente tambm

    por lidar com as consequncias deste processo uma vez findada a performance.

    Comprometimento, reconhecimento, responsabilidade so intrnsecos prtica ritual

    (independente dela estar ou no associada com uma tica explcita).

    No difcil perceber essa dimenso tica no candombl: quando participam dos

    ritos em que so alimentados orixs, ori (cabea) e humanos, os adeptos de um terreiro

    no s se comprometem com as relaes que so assim despertadas e desenvolvidas,

    como tambm assumem responsabilidade pelos desdobramentos dessa relao na vida

    do terreiro. No candombl a feitura (iniciao) e o cuidado so, de fato, aspectos de um

    mesmo processo fazer uma pessoa e um santo sempre tambm cuidar para que uma

    relao seja firmada e desenvolvida. E cuidar de um filho ou irmo de santo no

    apenas assumir responsabilidade pelo seu bem-estar e satisfao; fundamentalmente

    comprometer-se e contribuir com sua constituio. A comida desempenha papel central

    nesse processo.

    A mudana de orientao proposta por Lambek em Ordinary Ethics tambm

    de carter metodolgico de uma posio que concebe a tica como um domnio

    discreto da vida social e que procura no s delimitar esse domnio como tambm

    investigar suas relaes com outros domnios discretos como a economia e a religio,

    para outra que entende a tica como dimenso sempre presente da vida social, e que se

    volta para examinar a tica implcita em eventos de conversao, deliberao e ao.

    Essa reorientao permite-nos colocar a questo da tica no candombl em termos

    diferentes daqueles assumidos por Prandi j no se trata de encontrar um sistema tico

    explicitamente formulado, seno de redescrever as prticas cotidianas do terreiro sob o

    ponto de vista da tica que elas articulam (ou das consequncias e escolhas ticas a que

    conduzem).

    Ao procurar circunscrever o conceito de tica ordinria, Lambek destaca a

    conversao, como espao tico por excelncia - sempre que participamos de uma

    conversa somos chamados a tomar uma posio frente a outros que reconhecemos como

    interlocutores. Nas atividades relacionadas comida h muita conversa: instruo dos

    mais novos, troca de receitas e fofocas. Mas a arte da conversao a temperada por

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    um engajamento sensvel uma ateno aos cheiros, sabores e modos de apresentao

    do alimento, a qualidade dos ingredientes, ao tempo do preparo. A tica ordinria do

    candombl tambm est assentada nesse engajamento. Em outras palavras, o mesmo

    movimento que conduz o debate sobre a tica aos eventos de conversao precisa

    tambm conduzi-lo ao campo da sensibilidade. A tica do candombl no s est

    implcita na fala, como tambm enraizada na sensibilidade.

    De fato, ser sensvel a algo implica no s reconhecer este algo, como tambm

    participar e comprometer-se com sua existncia. Dizemos que somos sensveis ao

    sofrimento de outro e tambm que respondemos sensorialmente a beleza evocada por

    um certo arranjo de formas, cores e texturas, um certo perfume, gosto ou melodia.

    Usualmente entendemos essas experincias como bastante distintas: a primeira

    relacionada a uma posio moral, as outras a uma questo de apreciao esttica. Mas

    ser capaz de comover-se com o sofrimento de outro sentir imaginativamente este

    sofrimento como uma experincia que pode ecoar no meu corpo e comover-se com a

    beleza de uma configurao sensvel ser capaz de responder a situao em que ela est

    ancorada e de envolver-se no seu destino.

    Os circuitos da comida no candombl produzem corpos sensveis, mas a

    sensibilidade produzida, como no exemplo acima, um modo de envolvimento e

    comprometimento com o destino de outros. Um bom exemplo deste vnculo entre tica

    e sensibilidade so as quizilas - interditos a que a pessoa est sujeita em virtude da

    relao com o orix, dono de sua cabea. Uma vez iniciada a filha de santo deve abster-

    se de uma srie de alimentos: tanto aqueles que seu que seu orix rejeita, quanto dos que

    esto ligados estreitamente ao orix, seja porque constituem sua oferenda votiva, seja

    porque desempenham papel importante na sua histria mtica (Augras, 1987). A quizila

    no apenas a regra previamente fixada a que a filha de santo deve obedecer (e que

    frequentemente ela transgride) tambm o vnculo confirmado, testado, reafirmado e

    descoberto (no corpo) ao longo de uma histria. H uma longa e varivel lista de

    interditos alimentares no candombl; ao adepto iniciado so ensinados alguns destes,

    outros ele aprende com o tempo e a convivncia no terreiro. Mas seu aprendizado

    tambm descoberta das quizilas do seu santo individual (manifestao nica e

    intransfervel do orix geral): alimentos que seu corpo passa a rejeitar, que lhe fazem

    mal, mas que no fazem parte da lista das quizilas conhecidas daquele orix.

  • Miriam C. M. Rabelo. Os Percursos Da Comida No Candombl De Salvador. Papeles de Trabajo, Ao 7, N 11, mayo de 2013, pp. 86-108.

    Papeles de Trabajo. Revista electrnica del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de General San Martn. ISSN 1851-2577. Ao 7, N 11, Buenos Aires, mayo de 2013. Dossier: Materialidad y agencia: un debate con la obra de Tim Ingold.

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    Desenrolando-se atravs uma histria de aproximaes e distanciamentos, retomadas e

    descobertas, o aprendizado da quizila tambm o amadurecimento gradual da relao

    nica entre a pessoa e o santo14. Esta histria mostra que o comprometimento com o

    orix inseparvel da formao de uma sensibilidade: via um conjunto de pequenas

    conexes sensveis se faz a conexo tica com o orix.

    O traado desta conexo requer discernimento e muito trabalho. Me Beata uma

    vez comentou que seu pai Loguned um santo devagar, quieto. No pede nem para

    comer ela nota que nunca se esquece de cortar (oferecer sacrifcio animal) para

    Loguned, mas caso esquecesse sabe que ele tambm no se queixaria. Por isso morre

    de vergonha de lhe fazer um pedido e, quando o faz, sempre meio sem jeito, toda

    encabulada. Com Ians, seu segundo orix, bem diferente. Para Ians ela pede com

    vontade; afinal, Ians tambm sabe pedir.

    Me Beata fala da reciprocidade que opera entre o santo e sua filha e que, como

    vimos, envolve mediao fundamental da comida a filha que cuida do santo, dando-

    lhe de comer, espera poder contar com sua proteo e interveno favorvel em

    momentos de preciso. Mas essa expectativa geral assume contornos prprios em cada

    caso particular. Me Beata ajusta-se aos temperamentos dos seus santos, aprendeu a

    dialogar com eles. Ao longo de sua trajetria no candombl aprendeu tambm a

    dispensar-lhes os cuidados que requerem: insiste que no suporta nada mal feito para o

    santo. Fazer bem feito adotar o procedimento correto, usar os ingredientes corretos

    para oferenda. Mas tambm garantir a comida bem preparada, a oferenda arrumada

    em ricos arranjos. Cuidar dos orixs requer ateno para o detalhe, preocupao com a

    beleza, sensibilidade para compor e combinar cores, materiais e formas. Muita variao

    possvel no campo daquilo que considerado o padro correto, e observando-se os

    gostos de cada orix; em geral as variaes esto orientadas para gerar um efeito

    esttico, para agradar o santo e envolver os humanos na sua esfera de influncia. Cuidar

    engaja a filha de santo no trabalho repetitivo e sempre recomeado de preparar o

    alimento (selecionar os ingredientes, arrumar e arrear a oferenda, tratar os bichos

    sacrificados, cozinhar, etc), mas tambm de costurar, arrumar, lavar. Molda seu corpo

    14 Observa Augras: A identificao das quizilas de cada filho-de-santo momento importante da iniciao. Acresce que, no decorrer da vida religiosa, vo-se desenhar de modo cada vez mais preciso, quais so as quizilas da pessoa, no apenas como filho deste ou daquele orix, mas tambm de modo individualizado, como quizila deste filho, desta qualidade deste orix, nesta situao (1987: 77).

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    para um certo tipo de desempenho prtico posturas, gestos, ritmos. Tambm molda

    uma sensibilidade esttica e abre lugar para o exerccio da criatividade. E constitui a

    pessoa que cuida como um sujeito tico.

    Cuidar no candombl d trabalho no s para a liderana, como tambm para

    todos que esto sob seu comando. Certa vez presenciei a conversa de uma filha de santo

    iniciada h menos de um ano com um rapaz que ia dar seu primeiro bori no terreiro de

    Me Beata. A moa desejava explicar ao rapaz algo sobre o candombl e possivelmente

    tambm prepar-lo para a vida de adepto. Sua breve exposio foi resumida numa frase

    evocativa: o candombl uma religio muito laboriosa. A frase iluminava para o

    novato algo de que ele teria uma experincia direta durante o bori, quando seria

    beneficiado pelo trabalho minucioso da me e filhos de santo do terreiro. Mas, caso

    depois viesse a integrar o terreiro como adepto, o trabalho fatalmente iria envolv-lo

    tambm como agente, quando chegasse o momento de cuidar de outros.

    A fala da filha de santo lembrou-me de outra, proferida por uma ebomi (adepto

    snior). Depois de muitos anos de envolvimento no candombl foi iniciada quando

    criana Dona Jandira, passou a manter uma distncia crtica, mas respeitosa, da

    religio dos orixs:

    O candombl, deixo de ladinho15. As meninas dizem assim: Mas Jandira, voc maluca?, Ah! Maluca o qu! Qual maluca!? Eu vou ficar no candombl s trabalhando pra fazer comida pra santo, a vida toda...? No, que eu no dou pra esse negcio, no. A vida do candombl s pra quem adora, quem adora e que pode t em cima de galo, de bobe e de coqum (galinha dangola), de pombo, mas eu no posso, eu no posso. Uma que eu no tenho com o que, entendeu? No posso esbanjar o pouquinho [de dinheiro] que eu recebo, eu tenho que comprar meu medicamento e meu alimento. Se eu for mexer em candombl, eu estou lenhada, com que eu vou comprar? (...) Ah porque vai comer o santo fulano, no quer saber que voc no tem, voc tem que comprar, quer dizer, voc compra fiado, faz dvida. No, isso eu no aceito, orix que me perdoe, mas ele sabe que essa filha dele no aceita isso. (...) Quando nego entra no candombl, quem entrou, no saia, porque tambm quem tiver c fora, que no v l, no v l! Quem t fora no entre, porque quem t dentro no sai no, viu. Eu no vou sair, mas estou de banda. No posso sair, [ento] estou de banda, n? Dona Jandira e a filha de santo de Me Beata falam de lugares bem diferentes.

    Uma tem dcadas de iniciao, a outra (na poca do evento narrado) menos de um ano

    de feitura. Uma autoridade ebomi posio que em si mesma j implica boa dose de

    15 Com a expresso deixar de ladinho, Dona Jandira descreve um modo de envolvimento parcial no candombl, nem a pertena plena (que exige muita submisso e sacrifcio) e o total rompimento (que implica abandono aos orixs).

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    autonomia; a outra vive o tempo de submisso e falta de autonomia que caracteriza os

    iniciados que ainda no galgaram essa posio. Uma assume uma distncia crtica, um

    distanciamento regulado do candombl; a outra se mostra totalmente comprometida

    com o terreiro que a fez junto com seu santo. Ambas, entretanto, tratam da mesma

    questo: aludem ao duro trabalho de cuidar dos santos.

    Dois aspectos deste trabalho ressaltados por Dona Jandira tm especial

    importncia para a nossa discusso da tica. Em primeiro lugar, as muitas obrigaes e

    sacrifcios implicados no cuidado com os santos. Em sua fala Dona Jandira enumera as

    atividades da filha de santo no terreiro e reitera seu carter repetitivo. Chama ateno

    para o ciclo sem fim do cuidado, nunca concludo, sempre em curso e para a resignao

    e entrega que exige dos adeptos. No argumento de Dona Jandira, o tempo gasto com o

    santo o tempo roubado de si, assim como o dinheiro gasto para agradar o santo o

    dinheiro subtrado do cuidado consigo mesma, o dinheiro que fora seu endividamento.

    Dona Jandira quer por em relevo a assimetria da situao o sacrifcio exigido demais

    para justificar sua posio atual. J presenciei argumento semelhante ser usado entre

    iniciados com um propsito bem diferente para enfatizar o valor do compromisso

    assumido candombl colocar o santo na frente. Na prtica as relaes so bem mais

    nuanadas que essas duas posies sugerem - como em qualquer relao h sempre

    ganhos e perdas e a avaliao com base no clculo em geral por outro tipo de

    avaliao que apela e considera a fora dos vnculos estabelecidos. Dona Jandira no

    exceo. Ela explica que por mais que deseje se afastar completamente do candombl,

    sabe que no pode. Diria que ela sente o peso da relao: j est comprometida, o

    vnculo j foi constitudo, j amadureceu por muitos anos. Por isso toma a nica posio

    que lhe parece possvel manter-se de banda, no mais atrelada ao ciclo de demandas

    do terreiro, mas ainda sensvel ao apelo dos orixs, que ela segue cuidando (alimenta e

    limpa regularmente os assentamentos guardados agora em sua casa).

    Dona Jandira tambm pe em relevo a perda da autonomia que advm da

    participao nos circuitos do cuidado (vai comer o santo fulano, no quer saber que

    voc no tem, voc tem que comprar). No candombl os adeptos no apenas se

    submetem a vontade e agncia dos orixs, como tambm ao mando de seus mais velhos

    (com mais tempo de iniciao), especialmente de sua me ou pai de santo. Quanto mais

    novo no santo, menor sua margem de manobra. Dona Jandira se diz cansada dessa

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    trajetria de submisso. O que ela no diz (ou apenas sugere) que a submisso no

    candombl tambm experincia de estar nas mos de outros, de deixar que outros

    decidam em meu lugar e confiar que eles sabem melhor que eu. Neste sentido exige um

    esforo para aceitar (e lidar com) a diminuio da agncia e entregar-se agncia dos

    outros. Demanda um trabalho sobre si que tambm trabalho de constituio de si

    como sujeito tico (que confia e se entrega)16.

    Remetendo ao tema do cuidado, os percursos da comida iluminam um campo de

    ao tica. Conforme vimos, os participantes das intricadas redes de cuidado que

    operam no terreiro movem-se em meio a vnculos contrados, expectativas de

    retribuio e responsabilidades assumidas. Neste campo se delineiam possibilidades de

    exerccio de autonomia (o deixar de ladinho, assumido por Dona Jandira uma destas

    possibilidades) e de realizao das aspiraes individuais17. A comida tem a um lugar

    central faz-la circular tanto sacrifcio e obrigao quanto condio para a criao

    dos vnculos que fortalecem a pessoa.

    Mas no candombl a dimenso tica da comida no se resume ao seu papel de

    intermedirio nas trocas operantes no terreiro. Diz respeito aos tipos de conexo que ela

    promove. Vale a pena voltarmos aos trs eventos descritos na primeira seo deste

    artigo para esclarecermos este ponto: o eb, o bori, o assentamento. Estes eventos

    mostram que a comida o veculo por excelncia pelo qual se fazem pessoas e santos

    (ou pessoas com seus santos), pelo qual se promovem participaes e transformaes no

    candombl. A comida vincula borrando fronteiras, instituindo reversibilidade entre

    dentro e fora, humano e orix, cabea e corpo. A tica que ela implica menos da

    ordem da conexo entre seres j constitudos do que da transformao e do fluxo.

    Remete ao vnculo entre seres que se constituem juntos atravs de processos que em

    grande medida escapa ao seu controle. O comprometimento e a responsabilidade que

    este vnculo produz so menos da ordem do acordo do que da cumplicidade e

    16 A dificuldade que sentem muitos filhos de santo de se moldarem s demandas de sujeio vigentes no terreiro evidencia a necessidade deste trabalho. 17 Prandi no est errado em dizer que o candombl fortalece o indivduo para perseguir suas aspiraes. Mas, conforme nos mostram os circuitos da comida, tambm situa o indivduo em uma densa rede de obrigaes (que limita sua autonomia e o submete ao mando de outros). Pode variar bastante o modo como estas duas dimenses (e a tenso potencial entre eles) so vividas pelos filhos de santo e administradas pelo terreiro, mas em qualquer caso a perseguio de interesses via a mobilizao de parceiros divinos no se d em um vazio tico mas em meio ao apelo de compromissos contrados (ou herdados), ao peso de responsabilidades assumidas, a necessidade de emitir julgamentos e tomar posies.

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    participao. Remetem s possibilidades abertas a seres que se afetaram e que muito

    provavelmente continuaro a faz-lo ao longo de uma histria.

    Este ponto ajuda-nos a entender melhor a questo da agncia discutida acima a

    partir da fala de Dona Jandira. Alimentar envolve promover a contento uma srie de

    transformaes. Requer esforo e trabalho. Ser alimentado recuperar energia via

    participao em fluxos que outros iniciaram, potencializaram ou canalizaram em sua

    (minha) direo. abdicar (temporariamente) da agncia, entregar-se, confiando que

    outros agentes sabero como conduzir a situao a um desfecho feliz ou simplesmente

    deixar-se levar por um fluxo que no se pode controlar totalmente.

    Concluso

    Neste texto refleti sobre os percursos da comida no candombl. Na primeira parte,

    inspirada em Ingold, procurei mostrar que a comida chave importante para

    entendermos o tipo de relacionalidade que vigora no candombl - uma relacionalidade

    que envolve misturas, transformaes, fluxos. Em seguida argumentei que alm de

    oferecer entrada ontologia do candombl, a comida tambm porta de acesso tica

    que lhe prpria: afinal o preparo, oferta, distribuio e consumo do alimento so

    definidores da complexa dinmica de cuidado que modula a vida no terreiro. Ateno a

    estas atividades mostra que no candombl o cuidado inseparvel do envolvimento e

    apreciao sensvel a tica e a sensibilidade esto fortemente imbricadas. Tambm

    ilumina a rotina de trabalho necessria para assegurar que as transformaes postas em

    marcha no terreiro sejam conduzidas a contento. Conforme vimos, os percursos da

    comida delineiam um campo de ao tica em que fruio esttica e julgamento moral,

    exerccio da agncia e submisso, dispndio de energia e entrega passiva so dimenses

    entrelaadas e reversveis.

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