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 Obras Completas

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Um Grande Santo Missionario

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Obras Completas

So Francisco Xavier

Obras Completas

Editorial A. O. Braga

Edies Loyola So Paulo, Brasil

Capa: Traduo e organizao: Paginao: Impresso e Acabamentos: Depsito Legal n ISBN (Editorial A. O.) ISBN (Edies Loyola)

Virglio Cunha Editorial A. O. Francisco de Sales Baptista, S.J. Editorial A. O. Braga Fabigrfica Pousa Barcelos 240692/06 972-39-0659-7 85-15-03211-2 Abril de 2006 Com todas as licenas necessrias

SECRETARIADO NACIONALDO APOSTOLADO DA ORAOL. das Teresinhas, 5 4714-504 BRAGA

Tel.: 253 201 220 * Fax: 253 201 [email protected]; www.jesuitas.pt/ao

EDIES LOYOLASo Paulo, Brasil, 2006Rua 1822 n 347 Ipiranga 04216-000 So Paulo, SPCaixa Postal 42.335 04218-970 So Paulo, SP Tel.: (11) 6914-1922 Fax: (11) 6163-4275 [email protected] www.loyola.com.br

NDICE GERAL

DEDICATRIA JUBILAR (P. Nuno Gonalves)...................................... APRESENTAO DA EDIO (P. Francisco de Sales Baptista) ............. INTRODUO GERAL (P. Mrio Martins)............................................ ESCRITOS XAVIERANOS 1535 A Juan de Azpilcueta, Paris 25 de Maro ...........................................

11 13 17

1.

41

2.

1539 Declarao dos primeiros jesutas sobre o voto de obedincia, Roma 15 de Abril ........................................................................................ 46 1540 Determinao da Companhia de Jesus, Roma 4 de Maro ................. Declarao, voto, votos, Roma 15 de Maro ...................................... Aos Padres Incio de Loyola e Pedro Codcio, Bolonha 31de Maro. Aos Padres Incio de Loyola e Nicolau Bobadilla, Lisboa 23 de Julho Aos Padres Incio de Loyola e Pedro Codcio, Lisboa 26 de Julho .... A Martin de Azpilcueta, Lisboa 28 de Setembro ................................ Aos Padres Pedro Codcio e Incio de Loyola, Lisboa 22 de Outubro A Martin de Azpilcueta, Lisboa 4 de Novembro ................................ 1541 Aos Padres Incio de Loyola e Joo Coduri, Lisboa 18 de Maro....... Aos Padres Cludio Jaio e Diogo Lanez, Lisboa 18 de Maro ........... 1542 Aos seus companheiros residentes em Roma, Moambique 1 de Janeiro Doutrina crist (Catecismo breve), Goa Maio .................................... Aos seus companheiros residentes em Roma, Goa 20 de Setembro .... Ao Padre Incio de Loyola, Goa 20 de Setembro............................... Ao Padre Incio de Loyola, Goa 20 de Setembro............................... Licena para rezar o Brevirio novo, Goa 21 de Setembro ..................

3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.

49 51 54 58 65 69 72 75

11. 12.

78 84

13. 14. 15. 16. 17. 18.

95 98 104 114 121 127

6 19.

ndice Geral Ao Padre Incio de Loyola, Tuticorim 28 de Outubro ...................... 128 1544 Aos seus companheiros residentes em Roma, Cochim 15 de Janeiro.. A Francisco Mansilhas, Punicale 23 de Fevereiro............................... Ao mesmo, Manapar 14 de Maro .................................................... Ao mesmo, Manapar 20 de Maro .................................................... Ao mesmo, Manapar 27 de Maro .................................................... Ao mesmo, Manapar 8 de Abril......................................................... Ao mesmo, Livar 23 de Abril............................................................. Ao mesmo, Nar 1 de Maro .............................................................. Ao mesmo, Tuticorim 14 de Maio .................................................... Ao mesmo, Virapandyanpatanam 11 de Junho.................................. Ao mesmo, Manapar 16 de Junho ..................................................... Ao mesmo, Manapar 30 de Junho ..................................................... Ao mesmo, Manapar 1 de Agosto...................................................... Ao mesmo, Manapar 3 de Agosto...................................................... Ao mesmo, Manapar 19 de Agosto.................................................... Ao mesmo, Manapar 20 de Agosto.................................................... Ao mesmo, Punicale 29 de Agosto..................................................... Ao mesmo, Alendale 5 de Setembro .................................................. Ao mesmo, Alendale 5 de Setembro .................................................. Ao mesmo, Trichandur 7 de Setembro .............................................. Ao mesmo, Manapar 10 de Setembro................................................ Ao mesmo, Manapar 11 de Setembro................................................ Ao mesmo, Manapar 12 de Setembro................................................ Ao mesmo, Tuticorim 20 de Setembro.............................................. Ao mesmo, Manapar 10 de Novembro.............................................. Ao mesmo, Cochim 18 de Dezembro................................................

20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45.

134 150 152 154 156 158 160 162 163 165 167 169 171 173 176 178 180 183 185 187 190 192 195 198 200 203

1545 46. A D. Joo III, Cochim 20 de Janeiro ................................................. 46bis. Graas e indulgncias que peo, princpios de 1545 ........................ 47. Ao P. Incio de Loyola, Cochim 27 de Janeiro .................................. 48. Aos seus companheiros residentes em Roma, Cochim 27 de Janeiro.. 49. Ao P. Simo Rodrigues, Cochim 27 de Janeiro.................................. 50. Ao P. Francisco Mansilhas, Negapato 7 de Abril.............................. 51. Ao Mestre Diogo e a Micer Paulo, Meliapor 8 de Maio..................... 52. Aos seus companheiros da Europa, Malaca 10 de Novembro.............

208 215 217 221 228 233 238 249

ndice Geral 53. 54.

7

Instruo para os catequistas da Companhia de Jesus, Malaca 10 de Novembro......................................................................................... 254 Aos seus companheiros residentes em Goa, Malaca 16 de Dezembro. 258 1546 Aos seus companheiros da Europa, Amboino 10 de Maio.................. Aos seus companheiros residentes na ndia, Amboino 10 de Maio..... A D. Joo III, Amboino 16 de Maio.................................................. Explicao do smbolo da f, Ternate Agosto-Setembro ....................... 1548 Aos seus companheiros residentes em Roma, Cochim 20 de Janeiro.. Ao P. Incio de Loyola, Cochim 20 de Janeiro .................................. A D. Joo III, Cochim 20 de Janeiro ................................................. Ao mesmo, Cochim 20 de Janeiro ..................................................... Ao P. Simo Rodrigues, Cochim 20 de Janeiro.................................. Instruo para os missionrios jesutas da Pescaria e Travancor, Manapar Fevereiro ..................................................................................... A Diogo Pereira, Goa 2 de Abril........................................................ Modo de rezar e salvar a alma, Goa .................................................... Orao pela converso dos gentios ..................................................... Ao P. Francisco Henriques, Punicale-Cochim 22 de Outubro........... Os Padres Fernandes, Xavier, Antnio do Casal, Joo de Vila do Conde a D. Joo III, rei de Portugal, Cochim 22 de Outubro.................. 1549 Ao P. Incio de Loyola, Cochim 12 de Janeiro .................................. Ao mesmo, Cochim 14 de Janeiro ..................................................... Ao mesmo, Cochim 14 de Janeiro ..................................................... Ao P. Simo Rodrigues, Cochim 20 de Janeiro.................................. Ao mesmo, Cochim 20 de Janeiro ..................................................... Memria para o P. Pedro Fernandes Sardinha, Cochim c. 20 de Janeiro Ao P. Simo Rodrigues, Cochim 25 de Janeiro.................................. A D. Joo III, Cochim 26 de Janeiro ................................................. Ao P. Simo Rodrigues, Cochim 1 de Fevereiro ................................ Ao mesmo, Cochim 2 de Fevereiro.................................................... Instruo para o Padre Barzeu ............................................................ Instruo para o Padre Paulo.............................................................. Instruo para o Padre Joo da Beira com os seus companheiros, Malaca 20 de Junho................................................................................

55. 56. 57. 58.

262 278 284 288

59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69.

303 322 325 334 341 346 352 356 370 371 375

70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82.

379 392 398 401 408 411 413 415 419 421 434 450 459

8 83. 84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94.

ndice Geral A D. Joo III, Cochim 26 de Janeiro ................................................. Aos PP. Paulo Camerte, Antnio Gomes e Baltasar Gago, Malaca 20-22 de Junho ................................................................................. Companhia de Jesus na Europa, Malaca 22 de Junho .................... Ao P. Simo Rodrigues, Malaca 23 de Junho .................................... A D. Joo III, Malaca 23 de Junho.................................................... Aos PP. Paulo Camerino e Antnio Gomes, Malaca 23 de Junho...... Instruo ao novio Joo Bravo, Malaca 23 de Junho ......................... Aos seus companheiros residentes em Goa, Kagoshima 5 de Novembro Aos PP. Gaspar Barzeu, Baltasar Gago e Ir. Domingos Carvalho, Kagoshima 5 de Novembro ................................................................... Ao P. Paulo Camerino, Kagoshima 5 de Novembro .......................... Ao P. Antnio Gomes, Kagoshima 5 de Novembro........................... A D. Pedro da Silva, Kagoshima 5 de Novembro .............................. 465 469 482 490 493 495 498 502 533 535 539 545

95.

1551 Ao P. Francisco Prez, Singapura c. 24 de Dezembro ........................ 549 1552 Aos seus companheiros da Europa, Cochim 29 de Janeiro ................. Ao P. Incio de Loyola, Cochim 29 de Janeiro .................................. Ao P. Simo Rodrigues, Cochim 30 de Janeiro.................................. A D. Joo III, Cochim 31 de Janeiro ................................................. Ao P. Paulo Camerino, Cochim 4 de Fevereiro ................................. Patente e Instruo ao P. Belchior Nunes Barreto, Goa 29 de Fevereiro Ao P. Gonalo Rodrigues, Goa 22 de Maro..................................... Ao P. Simo Rodrigues, Goa 27 de Maro ........................................ Ao P. Belchior Nunes Barreto, Goa 3 de Abril .................................. Patente e Instruo para o P. Barzeu, Goa 6 de Abril .......................... Cdula de sucesso do Vice-provincial por morte, Goa 6 de Abril ....... Ao P. Simo Rodrigues ou reitor do colgio de S. Anto (Lisboa), Goa 7 de Abril .......................................................................................... Ao P. Simo Rodrigues, Goa 8 de Abril............................................. A D. Joo III, Goa 8 de Abril ............................................................ Ao P. Incio de Loyola, Goa 9 de Abril ............................................. Nomeao do procurador M. Alves Barradas, Goa 12 de Abril ........... Mandato ao P. Barzeu........................................................................ Ao P. Alfonso Cipriano, Goa 6 / 14 de Abril ..................................... Instruo I ao P. Barzeu sobre administrao temporal, Goa 6 / 14 de Abril..................................................................................................

96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113. 114.

551 578 586 591 599 607 611 616 618 622 627 629 637 641 646 653 658 660 664

ndice Geral 115. 116. 117. 118. 119. 120. 121. 122. 123. 124. 125. 126. 127. 128. 129. 130. 131. 132. 133. 134. 135. 136. 137. Instruo II ao P. Barzeu sobre governo, Goa 6/14 de Abril .............. Instruo III ao P. Barzeu sobre humildade, Goa 6/14 de Abril.......... Instruo IV ao P. Barzeu sobre o modo de proceder, Goa 6/14 de Abril Instruo V ao P. Barzeu sobre evitar escndalos, Goa 6/14 de Abril .. Ao P. Gaspar Barzeu, Cochim 24 de Abril......................................... Instruo ao P. Antnio de Herdia, Cochim c. 24 de Abril............... Libelo suplicatrio ao vigrio de Malaca Joo Soares, Malaca Junho.... A Diogo Pereira, Malaca 25 de Junho ............................................... Ao P. Gaspar Barzeu, Malaca 13 de Julho.......................................... Ao mesmo, Malaca 16 de Julho ......................................................... Ao mesmo, Singapura 21 de Julho..................................................... Ao P. Joo da Beira, Singapura 21 de Julho ....................................... Ao P. Gaspar Barzeu, Singapura 22 de Julho ..................................... A Joo Japo, Singapura 22 de Julho ................................................. A Diogo Pereira, Singapura 22 de Julho ............................................ Mandato ao P. Francisco Prez, Sancho 22 de Outubro ................... Ao mesmo, Sancho 22 de Outubro.................................................. A Diogo Pereira, Sancho 25 de Outubro ......................................... Ao P. Gaspar Barzeu, Sancho 25 de Outubro .................................. Mandato ao P. Francisco Prez, Sancho 12 de Novembro ................ Ao mesmo, Sancho 12 de Novembro............................................... A Diogo Pereira, Sancho 12 de Novembro ...................................... Aos PP. Prez e Barzeu, Sancho 13 de Novembro ...........................

9 671 674 677 692 695 703 707 711 714 717 719 725 727 729 731 735 737 742 745 749 751 756 760 767 785 809 815

CRONOLOGIA DA VIDA DE XAVIER.................................................. NDICE DE PESSOAS, LUGARES E COISAS ........................................ NDICE DE ESPIRITUALIDADE ........................................................... BIBLIOGRAFIA.........................................................................................

DEDICATRIA JUBILAR

Celebram-se, em 2006, 450 anos da morte de Santo Incio de Loiola e 500 anos do nascimento de dois dos seus primeiros companheiros, ambos co-fundadores da Companhia de Jesus: S. Francisco Xavier e o Beato Pedro Fabro. Deste modo, num nico ANO JUBILAR, temos a alegria de evocar trs companheiros que a si mesmos se designavam como amigos no Senhor. Alm de outras iniciativas, com destaque para a publicao da Autobiografia de Santo Incio de Loiola, a Editorial Apostolado da Orao associa-se celebrao deste jubileu, ao editar, pela primeira vez em lngua portuguesa, as Obras Completas de S. Francisco Xavier. Com esta edio, que se fica a dever preparao cuidadosa do P. Francisco de Sales Baptista, temos, a partir de agora, acesso facilitado a um verdadeiro tesouro espiritual que nos permitir um conhecimento mais aprofundado da vida e espiritualidade de S. Francisco Xavier. De facto, a leitura da sua correspondncia o melhor meio para comungarmos do seu entusiasmo missionrio, para admirarmos a amizade profunda que, apesar da distncia, o mantinha unido aos seus companheiros jesutas, em especial a Santo Incio de Loiola, para testemunharmos o esprito de servio mas no de subservincia que o ligava ao rei D. Joo III e para recordarmos que a eficcia do anncio da Palavra de Deus depende, tambm, do conhecimento aprofundado daqueles a quem nos dirigimos. A palavra latina magis (mais) indissocivel da espiritualidade inaciana e do modo como S. Francisco Xavier a encarnou. Se a ligao a Portugal, o Pas que o enviara para o Oriente, foi marcante para Xavier, a espiritualidade do magis, assimilada na escola dos Exerccios Espirituais de Santo Incio de Loiola, no podia ficar condicionada a qualquer nacionalidade e exigia um servio que no

12

Dedicatria jubilar

conhecia fronteiras. A radicalidade que a palavra magis expressa e condensa significava para Francisco Xavier ir em busca do maior fruto no trabalho evangelizador. Esse desejo de maior servio traduz-se em vrias expresses que encontramos repetidamente nos seus escritos: fazer muito fruto; fazer infinito fruto; acrescentar muito os limites da Santa Madre Igreja; fazer muito servio a Deus Nosso Senhor; acrescentar a nossa santa f; acrescentar a lei de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em tempos em que, tantas vezes, surge a tentao de nos deixarmos condicionar pela mediania, estas palavras, com a sua exigncia e radicalidade, mantm toda a actualidade. Neste ano jubilar, aceitemos o convite a sermos, tambm ns, destinatrios das cartas de S. Francisco Xavier. No seu servio missionrio sem fronteiras, inseparvel do dilogo inter-religioso e do conhecimento aprofundado do outro, todos continuamos a ter muitos motivos para nos sentirmos interpelados pela sua figura mpar e exemplar.

Nuno da Silva Gonalves S.J. Provincial

APRESENTAO DA EDIO

Apresentamos em portugus a edio completa das cartas e outros escritos de S. Francisco Xavier, recolhidos e autenticados na edio crtica da Monumenta Historica Societatis Iesu com o ttulo Epistolae S. Francisci Xaverii aliaque eius scripta, Roma 1944-1945 levada a cabo por G. SCHURHAMMER, S.I. e I. WICKI,S.I. A partir dessa edio crtica, j existia entre ns uma pequena seleco de Cartas e escritos de S. Francisco Xavier, Porto 1952, organizada por Mrio Martins, S.I. Completamo-la agora, conservando a magnfica Introduo geral aos escritos do santo, que reproduzimos a seguir. Nessa edio orientava-se o autor pelo seguinte critrio:(Dos escritos em castelhano ou latim) no hesitmos em desarticular os perodos longos e embrulhados. Porm, no pusemos em estilo, como antigamente se dizia, o que fora escrito sem pretenses literrias de espcie alguma. As cartas no eram nossas. Ficaram, pois, na rudeza primitiva das obras mal desbastadas, s vezes um pouco confusas e sem gramtica, mas com a beleza das coisas verdadeiras. (Os escritos em portugus) ficaram na sua estrutura antiga, no ritmo dos perodos ou na falta dele. Estavam na nossa lngua, no podamos traduzi-los. S modernizmos a ortografia. No substitumos os vocbulos arcaicos. Porm, pusemos, em nota, o significado dessas palavras fora de uso, muito poucas por sinal. E prevenimos, desde j, que nem sempre fcil entender estas pginas ditadas e escritas pressa (Mrio Martins).

Ns procuramos seguir um critrio, nem to livre quanto aos escritos a traduzir do castelhano ou latim, nem to rgido quanto aos escritos em original portugus. Mas, uns e outros, transpomo-los da edio crtica o mais letra possvel, para facilitar pequenos ajustamentos e retoques em

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Apresentao da Edio

edies futuras. Dentro da maior fidelidade, conservando at o prprio giro de frase em que nos chegaram, queremos torn-los facilmente legveis a qualquer leitor. Por isso: A pontuao no temos especial escrpulo em aperfeio-la, pois antigamente era pouco cuidada. At o P. Vieira no olhava muito a isso. A concordncia gramatical dentro de cada frase, tambm afinada sempre que valer a pena. O vocabulrio desconhecido substitudo, ou conservado explicando-o em nota. Cremos que no deve haver tanta rigidez em reproduzir exactamente a verso primitiva porque j existe uma edio crtica para isso (a da MHSI); alm disso, porque a maior parte das cartas no so autgrafas, mas cpias feitas por outros e em diversas lnguas. Dos 137 documentos escritos que se conservam de Xavier, so: Autgrafos: doc. 4, 5, 7, 8, 9, 11, 51, 97 = 8 Originais ditados a um secretrio (em portugus, ou castelhano): 3, 46 bis, 56, 57, 62, 68, 69, 77, 81, 82, 91, 96, 99, 100, 104, 106, 107, 110, 112, 113, 118, 125, 126, 128, 130, 133, 135 = 27 Cpias em segunda mo (em portugus, espanhol ou latim): os restantes. Como dissemos, no pretendemos substituir a edio crtica, dificilmente supervel e sempre necessria pela extraordinria riqueza de dados que encerra. dificilmente supervel, como nota Robert Ricard, especialista em Histria da espiritualidade e das misses portuguesas e espanholas:Nunca, a meu parecer, a coleco Monumenta Historica mereceu com tanta justia o seu nome, como com esta nova edio da correspondncia de S. Francisco Xavier. Porque estes dois volumes so um monumento no pleno sentido da palavra, um monumento admirvel de pacincia, de trabalho, de saber e de honradez. Tudo foi buscado, tudo foi feito, tudo foi esquadrinhado e estudado. No se pode pedir mais a um empreendimento humano (Arch. Hist. Soc. Iesu 15 (1946) 177).

Apresentao da Edio

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E sempre necessria, pela sua riqueza de dados, como faz notar o reeditor da obra, Francisco Zurbano, S.I.:A cada carta ou documento fazem preceder uma introduo especial com 7 apartados: I. Bibliografia; II. Autores que tratam da carta ou seu contedo; III. Textos. Enumeram-se e descrevem-se os distintos manuscritos da carta e respectiva histria e os impressos que derivam dos manuscritos perdidos. Os textos so ordenados cronologicamente e divididos em famlias, examinando as relaes entre uns e outros. So indicados o amanuense e as vias (ou naus) por onde foi enviada a carta. Estuda-se o papel, a filigrana ou marca de gua e as notas dos arquivistas; IV. Impressos: principais coleces onde se edita a carta ou suas tradues; V. Histria dos impressos: fontes dos textos impressos e suas mtuas relaes; VI. Dia: indicam-se as datas falsas atribudas aos manuscritos e fixam-se as verdadeiras; VII. Declara-se qual dos textos se edita; antepe-se-lhe um sumrio e indica-se no aparato crtico as variantes dos restantes textos. Geralmente publica-se um s texto de cada carta; se possvel, o melhor de todos. Se h dois de igual valor, o mais antigo. Os erros do texto corrigem-se, indicando a leitura falsa no aparato crtico. Publica-se o texto intacto, pondo unicamente os acentos e sinais de pontuao necessrios. As abreviaturas resolvem-se. As lacunas preenchem-se indicando as suas fontes se as h; se no, d-se razo do que se faz. O que se acrescenta vai entre parntesis quadrados. O aparato crtico negativo, quer dizer que, contanto que se no diga o contrrio, os outros textos aduzidos no aparato coincidem com o texto editado (Epistolae S. F. Xaverii Roma, 1996: I, p. L).

Muito agradecidos estamos, portanto, ao Instituto Histrico da Companhia de Jesus pelas Notas que nos permitiu transcrever da edio crtica. Que elas sirvam para adivinhar a restante riqueza daquela edio e saber onde buscar o que nos falta. Francisco de Sales Baptista, S.J.

INTRODUO GERAL

Na Histria de Deus, S. Francisco Xavier foi o maior conquistador do Oriente, embora no fosse o primeiro. E o terrbil Albuquerque ( 1515), domador de povos, assegurando o policiamento das estradas martimas e alicerando o nosso imprio da sia, recebera de Deus uma funo quase messinica: preparar os caminhos asiticos, para o arauto do Grande Rei. Sem os portugueses, a vida do santo jesuta poderia ter sido grande; mas tinha, forosamente, de ser diferente. E o seu aspecto mais simptico, para ns, consiste, precisamente, nisso no ritmo paralelo da sua vida com a gesta martima dos nossos argonautas e mercadores. Neles se apoiava S. Francisco Xavier, sobre o dorso inquieto do mar. Por isso, ao vermos os nossos barcos a transport-lo, atravs das ondas indomveis, recordamos a figura tradicional de S. Cristvo, a vadear as guas, com o Menino Jesus s cavaleiras. De facto, Portugal foi o Hrcules que o levou, carinhosamente, por todos os oceanos. Ainda mais. Se a aco missionria de S. Francisco Xavier subiu to alto e abrangeu to vastos horizontes, porque ele ia na crista herica duma vaga que percorria, ento, o sul da sia, desde a embocadura do Mar Vermelho s costas da China: o desbravamento do paganismo, pelos portugueses, ao longo das rotas martimas e comerciais, que se iam abrindo. Quando ele chegou ndia, j o sol do catolicismo brilhava alto, no cu da sia. Frades de S. Francisco, dominicanos, padres seculares, capites e comerciantes de alma aberta ao ideal cristo, tinham-se espalhado ao longo da costa, desde Ormuz ao canal de Singapura, e mais alm. Foram eles que fundaram igrejas, instituram misericrdias e ergueram hospitais em Ormuz, Goa, Cochim e outras terras. Organizavam-

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Introduo Geral

-se confrarias, como a de Cananor1, e os procos governavam as suas parquias, melhor ou pior, como em todos os tempos. Mas, havia-os bons. Em Cochim, por exemplo, morou muitos anos o vigrio Sebastio Pires, no primeiro quartel de quinhentos, que nos emsinou e doutrinou asy a ns como a nosas molheres, filhos e servidores, asy bem como compria e era posivell o bem fazer em seu cargo, e asy a toda a outra jemte christa que na terra vive, e em seu tempo se tornaram muytos christaos2. Em 1510, Afonso de Albuquerque dava um missal grande ao vigrio de Ormuz, um tal Frei Pedro3. E, dois anos mais tarde, pedia que lhe enviassem um pano da Paixo de Nosso Senhor, para o mandar Etipia, e que fosse igual ao que tinha ido para Malaca4. Ele mesmo, Afonso de Albuquerque, procurou converter o rei de Cochim5, alegando todas as razes que podem tornar um homem gentio f de Nosso Senhor. Nada conseguiu. Mas a sua atitude marca um estilo portugus de aco ultramarina, bem diverso do da Holanda ou da Inglaterra. Os nossos reis mandavam, para o Oriente, remessas sucessivas de livros piedosos e catecismos muito antes de Joo de Barros ter escrito a sua famosa Cartinha para aprender a ler, que tanta influncia havia de exercer no catecismo de S. Francisco Xavier. Aos mosteiros da ndia entregou D. Manuel I uma boa quantidade de obras espirituais e de teologia. Os franciscanos de Cochim, em 1518, receberam bastantes: um Decreto, umas Decretais, uma Vita Christi em latim, outra em portugus, um Ricardo (talvez alguma obra deA. DA SILVA REGO, Documentao para a histria das misses do padroado portugus do Oriente, t. I, Lisboa, 1947, pgs. 67, 94; sobre a aco missionria dos portugueses, na ndia, antes de S. Francisco Xavier, cf., tambm, ANTNIO DA SILVA REGO, Histria das misses do padroado portugus do Oriente, t. I, Lisboa, 1949. 2 A. DA SILVA REGO, Documentao para a histria das misses do padroado portugus do Oriente, t. I., ed. cit., pg. 375. 3 Ib., pg. 86. 4 Ib., pg. 169. 5 Ib., pgs. 228-231.1

Introduo Geral

19

Ricardo de S. Vitor), dois Sacramentais, trs Evangelhos, quatro Flos sanctorum, as Vitae Patrum, cinco saltrios, a Morte de S. Jernimo, dez missais romanos, muitos livros de liturgia, trs Espelhos de conscincia, uma Bblia, trs Sumas de S. Toms, trinta e quatro obras em latim, vinte Livros de Horas, em portugus, sete catecismos, cento e cinquenta cartilhas (cada uma delas com a doutrina crist) quatro Boscos deleitosos, um Speculum minorum, o De Trinitate, de S. Agostinho, etc.6. Pouco depois, em 1521, nova remessa, desta vez para Goa, por ordem de D. Duarte de Meneses: cinquenta cartilhas, cinco Flos sanctorum e quatro evangelhos para os moos aprenderem a ler por eles7. Foi isto a 2 de Novembro. Pois bem, a 29 de Dezembro do mesmo ano, o nmero de livros a entregar ao feitor de Goa aumentava notavelmente: eram duzentas cartilhas, cinco Flos sanctorum e trinta e quatro livros de rezar8. Tudo isto serve para explicar como S. Francisco Xavier, ajudado pela graa de Deus, pde imprimir ao catolicismo, na sia, um desenvolvimento enorme. que outros tinham marchado sua frente, abrindo veredas, atravs da floresta sombria e pag, na preparao dos caminhos do Senhor. S. Francisco Xavier foi o primeiro a entusiasmar-se, generosamente. Goa pareceu-lhe toda crist: uma cidade toda de cristos, coisa para se ver. H um mosteiro, com muitos frades, da ordem de S. Francisco, uma S muito honrada e com muitos cnegos, alm de muitas outras igrejas. motivo para dar muitas graas a Deus Nosso Senhor ver como o nome de Cristo floresce de tal modo, em terras to apartadas e no meio de tantos infiis9.

Ib., pgs. 336-338. Ib., pg. 419. 8 Ib., pg. 420. 9 Xavier-doc. 15,5.6 7

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Introduo Geral

As cristandades espalhavam-se, ao longo da costa, de Ormuz Indonsia. Em Malaca, a centenas de lguas da ndia, escreve o Santo, tinha ele uma bela igreja para pregar e um hospital para dormir10. Porm, antes de ele l chegar, j os portugueses comunicavam as converses, em massa, das regies de Macar, na parte sul da ilha de Celebes, para onde os capites das nossas fortalezas da Malsia se apressaram a enviar alguns clrigos11. Antnio Galvo, governador das Molucas, volta de 1536, tudo fizera para implantar o cristianismo nestas ilhas, quando S. Francisco Xavier ainda estava na Itlia. Vale a pena deter-nos um pouco, diante desta figura to rica de soldado, administrador e homem de letras, que fundou um colgio-seminrio, para indgenas, em Ternate12, e mereceu o cognome de Apstolo das Molucas. Conta Joo de Barros que Antnio Galvo mandou o clrigo Ferno Vinagre conquistar a ilha de Moro. E ele fez muitos cristos, depois de pacificar a terra. Vendo to bom sucesso, Galvo o tornou l mandar, para ganhar a vontade daquelas gentes e os persuadir se convertessem F de Cristo; o qual, com sua pregao e persuases, fez muitos mais cristos, cujos filhos trouxe consigo a Ternate, para se a criarem entre os portugueses. Os quais Antnio Galvo mandava doutrinar nas cousas da F, e ensin-los a ler e escrever; e para os nossos serem mais seguros com os filhos daqueles homens nobres que tinha como arrefns de sua cristandade e amizade, aos pais, quando os vinham ver, dava peas e ddivas. Pelo que era Antnio Galvo to acreditado com aquelas gentes, por a justia e equidade com que procedia com os homens, que entendiam que o Deus que ele adorava era o que se havia de crer e a religio que ele professava se havia de seguir: tanta eficcia tem a virtude e o bom exemplo do que quer incitar ou converter a outros a bem viver.Xavier-doc. 52,1. Xavier-doc. 48,5. 12 ANTNIO GALVO, Tratado dos descobrimentos, Porto, 1944, pg. 53; JOO DE BARROS, Dcadas da sia, dec. 4, liv. 9, cap. 21, para o fim.10 11

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Sobre a converso destes gentios houve outras muitas ocasies que Antnio Galvo buscou, porque a todos negcios a que mandava, sempre encomendava em primeiro lugar o de salvar almas. Como foi quando mandou Diogo Lopes de Azevedo, capito-mor do mar de Maluco []. Indo Diogo Lopes ao longo daquela costa, assentou paz e amizade com toda a gente dela; e aos moradores de trs lugares que se chamam Ativ, Matelo e Nucivel, fez tornar-se cristos. E destas partes trouxe consigo um irmo del-Rei de Ternate, que l andava retrado do tempo de Tristo de Atade, que o perseguia; e a Cachil Vaidua, a que D. Jorge de Meneses mandara afrontar, como atrs dissemos. Naquele mesmo tempo, vieram a Ternate dois irmos macaares, homens nobres, que se fizeram cristos, de que um se chamou Antnio Galvo, como seu padrinho, e outro Miguel Galvo. Estes tornaram sua terra; e, querendo depois vir visitar seu padrinho, trouxeram certos navios carregados de sndalo e algum ouro e mercadorias, que disseram havia nas suas ilhas e nas dos Celebes, aonde, se os portugueses fossem, se converteriam muitos e fariam proveito em suas mercadorias. Com estes vinham alguns mancebos fidalgos, com teno de se fazerem cristos, como de feito fizeram. Vendo Antnio Galvo que de um caminho se podiam ganhar almas e fazenda, mandou quelas partes um cavaleiro honrado, chamado Francisco de Castro, e com ele dois sacerdotes []. Partido Francisco de Castro de Ternate [], soube que aquela [ilha] a que aportou se chamava Satigano, cujo puvo e rei eram gentios. Assentou logo Francisco de Castro com ele amizade e, para firmeza dela, se sangraram ambos no brao, ao costume daquela terra, e bebeu um o sangue do outro. EI-Rei se fez cristo da a poucos dias, e com eles se baptizaram a Rainha e um seu filho, e trs irmos del-Rei e muitos fidalgos e gente popular; e gastando nisso vinte e dois dias, se partiu Francisco de Castro, deixando a todos muita saudade; e, passando ao longo da ilha de Mindanau, chegou a um rio, ao longo do qual estava uma cidade chamada Soligano, cujo rei se fez cristo, e com ele a Rainha

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e duas filhas suas, e muitas pessoas outras. Na mesma ilha, se fez cristo el-Rei de Butuano (a que chamaram el-Rei D. Joo o Grande) e el-Rei de Pimilarano, que tomou o mesmo nome de D. Joo; e el-Rei de Casimino, que se chamou D. Francisco, e assim se converteram as mulheres e filhos destes reis, e muita parte de seus vassalos. Querendo Francisco de Castro passar desta ilha de Macar, foi-lhe o vento to contrrio, que se houvera de perder, [] e voltou para Ternate com muitos filhos daqueles que se tornaram cristos. Para os quais ordenou e fundou Antnio Galvo, com muito gasto de sua fazenda, um seminrio, que foi o primeiro de todas aquelas partes orientais, em que, criando-se os moos no leite e doutrina crist, pudessem vir a servir na converso de seus naturais, meio que, para a reformao de toda a Igreja Catlica, o Sagrado Conclio de Trento depois aprovou e escolheu13. No seu Tratado dos descobrimentos, Antnio Galvo fala-nos tambm disto, numa escassa meia pgina14, e o mesmo faz Diogo do Couto. Infelizmente, diz este, como os ministros evanglicos eram mui poucos, ficaram estes tenros filhos da Igreja destetados, por no haver quem os fosse sustentando com o leite da doutrina de Cristo e de seu sagrado Evangelho, ficando cristos s nos nomes15. Diogo do Couto escrevia isto muitos anos depois de S. Francisco Xavier tambm ter passado pelas ilhas da Malsia. Mas, j no tempo do grande jesuta, havia algumas aldeias espiritualmente um pouco abandonadas, pelo menos em Ambono, onde me ocupei, diz ele, em baptizar muitas crianas que estavam por baptizar, falta de padres, pois um, que deles tinha cuidado, morrera havia j muitos dias16. Porm, existiam, ainda, lugares inteiros de cristos. Quanto ao Japo, no h notcia de nenhum padre que l tivesse aportado, antes de Xavier. No entanto, j alguns comerciantes portuJOO DE BARROS, Dcadas da sia, dc. 4, liv. 6, cap. 21. ANTNIO GALVO, Tratado dos descobrimentos, Porto, 1944, pg. 256. 15 DIOGO DO COUTO, Dcadas da sia, dc. 5, liv. 6, cap. 5. 16 Xavier-doc. 59,1.13 14

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gueses tinham chegado quele arquiplago e falaram certamente da religio crist, pois trouxeram consigo um japons, para este se confessar a S. Francisco Xavier17. Envolvamos, pois, no mesmo olhar de gratido, todos estes frades, padres seculares, mercadores e capites que, antes do grande jesuta, espalharam o reino de Deus pelo vasto mundo. E agora, falemos do arauto do Grande Rei aquele que trouxe s cristandades do Oriente o sangue novo duma nova ordem religiosa e alargou, na sia, os caminhos de Deus, abertos pelos portugueses. S. Francisco Xavier viera ao mundo a 7 de Abril de 1506, numa tera-feira santa. A me, D. Maria de Azpilcueta, havia de gostar dessa criana, por ser o ltimo rebento que ela daria ao tronco fidalgo da sua casa. Se ela, ento, lesse no futuro, talvez sentisse alguma pena do seu menino, perdido pelo mundo, com os ps sujos da poeira de todos os caminhos e levando, nos ouvidos, o marulho de todos os mares. Porm, D. Maria de Azpilcueta morreu, antes de o filho embarcar nas caravelas portuguesas. Assim, no viu o seu sofrimento nem contemplou a sua glria, quando S. Francisco Xavier se tornou uma candeia que alumia a ndia toda, conforme escrevia o seu amigo Fr. Vicente de Lagos18. Todos gostavam dele: se ia a alguma casa e lhe davam de comer, comia; e se gracejavam com ele, gracejava, por se no mostrar hipcrita ou o no terem por escndalo; e quando se queria ir, sempre fazia uma consolao espiritual19. Os testemunhos, neste sentido, sucedem-se uns aos outros, como se os portugueses da ndia concordassem em fazer dele o homem de mais bom modo daquele tempo: no falava com os homens seno com a boca muito cheia de riso, e por bem e boas palavras alcanava deles quanto queria20. Isto afirmava Francisco Lopes de Almeida, portugus de CoXavier-doc. 59,15. J. WICKI, Documenta Indica, t. 1, Roma, 1948, p. 453. 19 Bibl. Nac. de Lisboa, Fundo Geral, ms. 6183, fl. 2. 20 Monumenta Xaveriana, t. 2, Madrid, 1912, p. 291.17 18

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chim. E Cristvo de Carvalho acentuava o mesmo ponto: com a boca sempre cheia de riso e da graa de Deus21. Joo da Cruz repete a mesma frase e recorda o jeito de S. Francisco Xavier para arranjar amigos: Chegava-se ao p dum portugus de mau viver e dizia-lhe: Foo (Fulano), eu vou jantar convosco!22 E acabava por traz-lo ao bom caminho. Em casa dos outros, aceitava o que lhe punham diante. Quando estava s, no comia po nem bebia vinho. Alimentava-se, ento, de peixe e leite azedo, misturado com arroz, ou de arroz simples e mal temperado23. Na ndia, trazia uma cabaia muito velha remendada, um saio e, na cabea, um barrete muito safado24. Deitava-se num catre de coiro e gostava muito de rezar de noite25. Desta forma, Deus e os homens amavam-no imensamente. Mestre Francisco Xavier sempre anda buscando trabalhos onde receba martrio, por terras estranhas26, escreve Toms Lobo, em 1548. E deste homem to cheio de renncia, pde afirmar o Pe. Paulo Camerte, ao v-lo a ponto de embarcar para a Japo: todos os moos e moas, escravos e escravas ficam por ele perdidos, pela grande saudade que dele tm27. Que densidade humana devia ter este santo, para assim ficar, duma vez para sempre, no corao da gente! Num romance famoso de Elizabeth Goudge, Green Dolphin Country, o capito dum barco aventureiro fala com duas crianas (um rapaz e uma rapariguita). Trs coisas principais nos tornam superiores a um animal selvagem, diz ele: as terras por onde a vida nos leva; as pessoas com quem lidamos; finalmente, as coisas que a gente nunca pde ter.Ib., p. 306. Ib., p. 310. 23 Ib., p. 376. 24 Ibidem. 25 Ib., p. 201 26 J. WICKI., Donumenta Indica, t. 1, Roma, 1948, p. 271. 27 Ib., p. 347.21 22

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Talvez que este filho do mar e da aventura tivesse certa razo, dentro da sua filosofia. Por quantos caminhos andou, tambm, S. Francisco Xvier, desde os lados do Cantbrico at s ilhas japonesas! Com quantos homens teve ele de falar reis, santos, professores e filhos do povo, homens de desvairadas gentes, aristocratas, comerciantes e soldados, adoradores de todas as religies, intelectuais de culturas estranhas e milenrias. Enfim, quantas coisas ele nunca pde conseguir, impotente para salvar toda a sia, at Deus o pr de lado, naquela ilha perdida, em frente da China inviolada! E deste mundo, quantas coisas nem sequer procurou, pobre vagabundo, sem eira nem beira, a caminhar, sempre, para a realizao do reino de Deus! E por tudo isto, foi superior aos outros por tudo isto e pela graa de Deus. Talvez pudssemos dividir as cartas de S. Francisco Xavier em quatro espcies: cartas de trazer por casa, se nos permitem a expresso; geralmente curtas, tratam de assuntos caseiros ou de interesse local; cartas-regulamentos, cheias de experincia e reveladoras de funda psicologia; esto escritas no estilo de quem tem o direito de mandar, ao modo dum livro de regras (e quase no passam disso): cartas de amizade decerto as mais belas, como documento humano; finalmente, as cartas que chamaremos de tendncia ecumnica, quer pela vasta universalidade dos seus problemas e notcias, quer por se dirigirem a um pblico numeroso (jesutas da Europa) ou a pessoas de largos horizontes e muita influncia (D. Joo III, S. Incio de Loiola, ete.), capazes de medidas de grande alcance. No entanto, qualquer diviso precria. Conto classificar, por exemplo, a epstola 99, ao rei de Portugal? Supe uma funda amizade entre ambos, e nela se apoia, procura igualmente recomendar ao rei alguns dos defensores de Malaca e tem, ao mesmo tempo, o alcance duma comunicao destinada a guiar a administrao pblica, a respeito dalguns portugueses do Oriente. Como tudo o que humano, no podemos classific-la rigorosamente. Contudo, em quase todas as cartas de S. Francisco Xavier, escutamos uma nota dominante, enquanto as outras se fazem ouvir, unicamente,

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em surdina. essa nota dominante que permite agrupar estas pginas em classes mais ou menos homogneas. Do primeiro tipo, podemos isolar as cartas escritas a Francisco Mansilhas e no so poucas. Ao todo, 26, e todas elas na nossa lngua. Embora S. Francisco Xavier o despedisse da Companhia, em 1548, Francisco Mansilhas ( 1565) conservou-as, piedosamente, at que morreu, em Cochim28. S. Francisco Xavier no passava bem sem as notcias de Mansilhas e do seu apostolado e pede-lhe, frequentemente, que lhe escreva29. Fora disto, pouco implora para si, pobre homem perdido na selva imensa dos povos asiticos. Porm, deixa cair estas palavras humanssimas: Lembrai-vos de mim, pois vs nunca me esqueceis30. Fala de tudo: dinheiro a dar ou a receber, ordens para o meirinho cobrar um fano (25 ris do tempo) de multa, por cada mulher que ande a beber vinho de palma, notcias de dous sombreiros enviados pelo Pe. Francisco Coelho, pedidos do papel que ficou na caixa principalmente conselhos e normas de apostolado. E ameaas, tambm. Alguns patangatins e um tal Antnio Fernandes, o Gordo, queriam pr fora os habitantes de Cael Velho, para eles irem l viver? Pois bem! Tanto ao Gordo como aos patangatins lhes mando eu que no vo povoar Cael Velho, seno que eles mo pagaro muito bem pago! E que os patangatins aproveitem melhor o dinheiro que gastam em bailadeiras mal gastado31. Mateus, intrprete e catequista, que seja bom filho, se quiser boa paga dele, Xavier! E Mansilhas d-lhe tudo o que precisar e trate-o com, muito amor, que assim fazia eu, quando comigo estava, por amor que no me deixasse32. E que fale alto, ao povo! De contrrio, no o ouvem.MRIO MARTINS, As cartas de S. Francisco Xavier a Francisco Mansilhas em Brotria, 54 (1952) pp. 512-520. 29 Xavier-doc. 21,1; 22,1; 26,1. 30 Xavier-doc. 23,1. 31 Xavier-doc. 22,2; 27,2; 33,4; 32,3; 42,2. 32 Xavier-doc. 24,3.28

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Quanto a Francisco Mansilhas, tenha pacincia com essa gente rude e faa de conta que j est no purgatrio. Trate o povo com muito amor, porque, continua ele, se o povo vos ama e est bem convosco muito servio fareis a Deus. E baptize todos os meninos, j que os grandes no querem ir ao paraso. A litania de recomendaes continua, pelo mesmo estilo: diga a Manuel da Cruz que no deixe os cristos das suas aldeias beber vinho de palma e a Francisco Coelho que venha cedo que o digo eu. As crianas, em suas oraes, se alembrem de rogar a Deus por mim e Nicolau Barbosa proba aos cristos arrenegados de ir pescar chancos, pois no justo que tais homens gozem do fruito do nosso mar33. Que lhe mandem o seu caixozinho, decerto algum caixote com coisas suas, e que os cristos da Pescaria tenham cuidado, perseguidos como andavam! Ponham vigias, pois tenho muito medo que de noite, com este luar, venham a esta praia e roubem a estes cristos34. Poucas vezes a lua branca, a boiar na noite calma, fez sofrer tanto um corao humano! De 23 de Fevereiro a 7 de Abril do ano seguinte, Xavier escrevera a Francisco Mansilhas nada menos de 26 cartas, um record de respeito, para um homem que tinha sobre os ombros boa parte da evangelizao da ndia! E em todas elas, escritas umas atrs das outras, ofegantes e ansiosas, revela-se a forte e afirmativa personalidade deste jesuta ardente e bom, incapaz, como diria Newman, de guiar os outros pelo canal da insignificncia, entre Cila e Carbdis, entre o sim e o no. Passemos, agora, s cartas-regulamentos. Temo-las, por exemplo, nas instrues ao Pe. Gaspar Barzeu35, a Antnio Herdia36 e a um novio chamado Joo Bravo. De manh, recomenda ele a Joo Bravo, deveis meditar meia hora, seguindo as meditaes dos Exerccios Espirituais. E acabai tudo com aXavier-doc. 28,2; 29; 30,3; 43; 44,2. Xavier-doc. 33,4. 35 Xavier-doc. 80; 81; 114; 115; 116; 117; 118. 36 Xavier-doc. 120.33 34

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renovao dos votos religiosos (pobreza, obedincia e castidade). Depois de jantar, repousareis um pouco e tornareis por espao de meia hora, ou uma, a meditar e repetir a mesma contemplao que contemplastes pela manh. noite, depois de cear, recolhendo-vos em alguma parte, examinareis vossa conscincia das coisas que, aquele dia, por vs passaram, acerca dos pensamentos, falas e obras que no presente dia tendes errado contra Nosso Deus e Senhor, examinando vossa conscincia com muita diligncia, como se vos houvsseis de confessar das culpas que aquele dia fizestes, e de todas elas pedireis a Nosso Senhor Jesus Cristo perdo, prometendo a emenda de vossa vida; e no fim, direis um pater noster37 e uma ave-maria; e depois disto acabado, vos deitareis, ocupando o pensamento como vos haveis de emendar o dia seguinte38. Vencei-vos em tudo, procurai as humilhaes e abatimentos, pois nesta mnima Companhia no perseveram os soberbos, por serem gente que nunca acompanhou bem com ningum. Para Gaspar Barzeu, o estilo outro menos ntimo. So normas seguras de vida missionria, ao todo umas trinta e sete: Antes de tudo, que Mestre Gaspar atenda a Deus e sua conscincia. Ensine a doutrina aos meninos, forros e escravos, confesse, pregue e visite os presos da cadeia. E d esmolas aos irmos da Misericrdia, para eles distriburem pelos Pobres. Com os amigos, porte-se como se eles, um dia, viessem a ser inimigos e assim, ter mais cuidado consigo. Repreenda s em particular as pessoas que tm mando na terra. E porqu? Porque estes homens so muito perigosos, em lugar de se emendar se fazem piores, quando os repreendem pblicamente. E sejam estas repreenses quando com eles tiverdes amizade: e se for muita a amizade, repreend-los-eis muito, se pouca for, pouco os repreendereis. De maneira que as repreenses sero com o rosto alegre, e palavras mansas e de amor, e no de rigor39.Pai-nosso. Xavier-doc. 89,5. 39 Xavier-doc. 80,10.37 38

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Na confisso, Gaspar Barzeu no deve meter medo, antes que eles acabem de dizer seus pecados. Nessa altura, fale-lhes da misericrdia de Deus e faa leve o que, bem considerado, muito grave e isto at que acabem de confessar. E se algum tiver vergonha, por serem grandes os seus pecados, diga-lhes que h outros muito maiores e acrescente que, tambm ele, foi pecador40. Seja muito amigo do vigrio: e quando, chegardes lhe beijareis a mo, posto de joelhos no cho, e com sua licena pregareis e confessareis, e ensinareis as demais obras espirituais, e por nenhuma coisa quebrareis com ele; e trabalhai muito de ser seu amigo, a fim de lhe dardes os exerccios, ao menos os da primeira semana. E ao capito, obedea igualmente: por nenhuma coisa quebrareis com ele, ainda que vejais que faz coisas mui mal feitas. E quando sentirdes que ele vosso amigo, com muito amor, doendo-vos de sua alma e honra, com muita humildade e com rosto alegre, lhe direis o que de fora se diz dele; e isto quando virdes que pode aproveitar41. Aos que tiverem vocao para a Companhia de Jesus, ensine-os a servir na cadeia ou no hospital da Misericrdia. Enfim, experimente-os de qualquer modo. Porm, olhe s foras espirituais e, segundo a virtude que neles virdes, assim sejam as mortificaes. Que elas no sejam maiores que a virtude e perfeio daquele que as h-de fazer42. Nas confisses, Gaspar Barzeu encontraria gente de tal maneira metida neste mundo que pouco lhe aproveitaria falar no amor de Deus ou nas penas do inferno carecem deste temor, assim como carecem de amor. A tais pessoas, diga-lhes que Deus bem pode castig-las nesta vida, encurtando-lhes os anos, mandando-lhes doenas, tirando-lhes honras e riquezas ou fazendo-as padecer naufrgios e o mais pelo mesmo estilo. Ai de ns! Muitos se afligem mais com isto do que com o inferno ou o amor de Deus!43Xavier-doc. 80,12.13. Xavier-doc. 80,16.17. 42 Xavier-doc. 80,27. 43 Xavier-doc. 80,30.40 41

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Seria longo acompanhar S. Francisco Xavier, atravs destas pginas, em que o corao do homem tantas vezes aparece, na nudez da sua misria. Algumas pessoas, declara ele, portam-se mal e convidam o padre para jantar. Querem ter a sua amizade, a fim de porem um cadeado na boca do sacerdote. Desses tais, nada receba, a no ser gua, fruta ou coisas assim de nenhum valor. E se enviarem presentes a casa de Barzeu, este que os leve ao hospital ou cadeia: Saiba o mundo que estas coisas pequenas que tomais as dais, porque desta maneira se edificaro mais que no nas tomando, porque tomam por afronta, quando so coisas pequenas, no tomar o que vos do: porque os portugueses da ndia escandalizam-se no lhes tomando nada44. Sobretudo, abra os olhos, sua volta, estude os costumes dos homens, veja como eles procedem e o que fazem. Numa palavra, leia no livro da vida: Isto ler por livros que ensinam coisas que, em livros mortos escritos, no achareis45. Converse com os pecadores, se quiser aprender, pois eles so os livros vivos por que haveis de estudar46. E, por fim, esta frase digna do sc. XX: a experincia vos ensinar, pois me de todas as coisas47. Mais comoventes so as cartas de amizade, uma delas dirigida a Diogo Pereira, ao v-lo arruinado por no o deixarem partir, na embaixada da China. Obriguei-vos a gastar mais de quatro mil pardaus, escreve o Santo, e agora no tenho coragem de olhar para vs. O que me salva ter sido boa a minha inteno. Se no fosse isso, de paixo morreria48! Esta nota profundamente humana, ouvimo-la um pouco por toda a parte, sobretudo na carta para Joane Japo, meu filho49. De facto, S. Francisco Xavier era capaz de se interessar pelos outros, dum modoXavier-doc. 80,37. Xavier-doc. 80,33. 46 Xavier-doc. 80,35. 47 Xavier-doc. 80,37. 48 Xavier-doc. 122,2. 49 Xavier-doc. 128.44 45

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extraordinrio. Nada lhe agradava tanto como ler as notcias que chegavam nas naus da ndia50. E de Malaca, suplicava aos padres de Goa que lhe contassem tudo miudamente: dos Irmos que vierem de Portugal me escrevereis quantos so, e quantos padres vm e quantos leigos, e se vm alguns pregadores e quem so: tudo muito largamente me escrevereis em duas ou trs folhas de papel51. Di-lhe estar longe de S. Incio de Loiola. Ao receber, em Malaca, uma carta do seu antigo companheiro de Paris, larga-se a chorar, lendo esta linha carregada de saudade: Todo vosso, sem poder esquecer-me em tempo algum, Incio52. Era assim para todos. Pedia notcias dos frades de S. Francisco e de S. Domingos53. Preocupava-se com a pobreza duma rapariga de boa famlia, que morava em Goa, em companhia da me, viva. E quando Cristvo de Carvalho, mercador rico e muito considerado, lhe falou em tomar estado, pois j estava farto de correr mundo, lembrou-se, logo, da filha de D. Violante Ferreira e pediu ao comerciante para casar com ela. E com efeito, numa carta para dois jesutas de Goa, acrescenta: rogo-vos que faais de maneira por que se acabe este casamento, porque receberei eu nisso muito gosto e contentamento em ver esta rf, to boa filha, amparada e nossa me descansada54. No nos deteremos muito nas epstolas a que poderemos chamar ecumnicas, onde S. Francisco Xavier, encarando os grandes problemas da expanso catlica na sia, revela o mximo da sua envergadura, rasgando, aos nossos olhos, largos horizontes. Nessas pginas, surge-nos como um raro conhecedor da psicologia colectiva das naes asiticas, o que faria dele, noutras circunstncias, um bom especialista das questes internacionais do Oriente. S. Francisco Xavier escrevia as suas cartas, sobre o Japo, h cerca de quatrocentosXavier-doc. 49,4. Xavier-doc. 84,4. 52 Xavier-doc. 97,1. 53 Xavier-doc. 84,13. 54 Xavier-doc. 88,5. Me era D. Violante Ferreira.50 51

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anos. Desde ento, muita gua correu debaixo das pontes. Contudo, os seus modos de ver, acerca do temperamento e carcter dos japoneses, permanecem ainda de p. A uma enorme distncia, ele descobriu as possibilidades imensas daquele povo. Seria bom que os portugueses de hoje lessem por extenso estas cartas enviadas da ilha de Moambique, das terras da ndia, do formigueiro da Malsia, do arquiplago japons e das praias da China a bela adormecida. Tais cartas lembram, por vezes, as de S. Paulo, ditadas e escritas apressadamente, de linguagem comprimida, um pouco embrulhada e sem transies. um estilo objectivo, que diz logo o que tem a dizer, mergulhando directamente no objecto, sem desperdcio de palavras. Recordamos, ento, esta splica dum poeta espanhol: Pensamiento, dame el sentido ntimo de las cosas. Que mi palabra sea la cosa misma S. Francisco Xavier revela-se fundamentalmente incapaz de compor um discurso acadmico. Neste ponto, s temos de dar graas a Deus, embora os manes de Maffei e Torsellini sofram com isso, e prefiram, como natural, as suas bem penteadas verses latinas das cartas que Xavier mandou do Oriente. O leitor ainda no se esqueceu desta frase que James Saxon Childers ps nos lbios dum criado universitrio de Oxford: Os americanos so impacientes. Chegam aqui falando de diplomas e em busca de uma educao esquematizada. Querem saber quando comeam as aulas, quais os livros adoptados Nada disso temos aqui. Oxford, Senhor, uma norma de vida que no se adquire nas aulas ou em estudos convencionais. Vai-se absorvendo at que se aprende o que bom e verdadeiro. Como em Oxford, tambm no encontramos metdicos esquemas nas epstolas de S. Francisco Xavier nem, muito menos, sistemas doutrinais de espiritualidade. uma atmosfera que se respira, at que se aprende o que bom e verdadeiro. Vale a pena percorrer tais cartas, ao menos as que esto em portugus, mais de metade. Escutamos a linguagem dos soldados e navegadores, com quem Xavier falava, nas viagens intrminas e no recinto das cidades

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amuralhadas. Ouvimos dizer que os portugueses so muito inclinados a tudo o que piedoso e bom e que, na ndia, so os senhores do mar55. Maus? Sim, tambm os havia, naquele abandono em que viviam. Era preciso sab-los levar, porque, com estes homens da ndia, por rogos muito se acaba e por fora nenhuma coisa56. Ainda assim, ele e todos os da Companhia de Jesus deviam imenso a todos os portugueses, pelo muito que lhes queriam57. E de Malaca, numa carta para D. Joo III, Xavier escreve estas linhas sintticas: E certo, Senhor, que posso dizer com verdade que nunca homem veio ndia que tantas honras e mercs recebesse dos portugueses da ndia como eu58. Queria que os japoneses, idos para Goa, ficassem a gostar tanto da nossa gente como Paulo da Santa F, que to boas novas semeou, no Japo, das muitas virtudes dos portugueses. Por conseguinte, continua ele, tratem muito bem os japoneses, para eles voltarem dizendo tanto bem dos portugueses, como diz Paulo59. Para S. Francisco Xavier, o nosso prestgio e o do Cristianismo era tudo um. O Gesta Dei per francos podia adaptar-se deste modo: Gesta Dei per lusitanos (Os feitos de Deus pelos portugueses). Sofria muito, por no ter gente para to grande seara e escutamos, ainda hoje, nas suas cartas, o grande clamor da sua voz, que tentava chegar s universidades europeias. Vivia, nele, uma forte recordao da Sorbona. Gostava dos japoneses, por serem inteligentes e letrados. Mandem-lhe, pois, missionrios instrudos e bons dialcticos (sofistas, diz ele), que possam disputar com os japoneses e saibam alguma coisa de astronomia60. Bem exercitados em sofistaria, poderiam pregar nos centrosXavier-doc. 7,3; 17,6. Xavier-doc. 118,5. 57 Xavier-doc. 84,11. 58 Xavier-doc. 83,4. 59 Xavier-doc. 94,8. 60 Xavier-doc. 110,6.55 56

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universitrios do Japo61. Era uma gente muito avisada e discreta, achegada razo e desejosa de saber62. Sofrera bastante, para chegar quelas ilhas dos confins do mundo, numa viagem perigosa, de grandes tempestades, de muitos baixos e de muitos ladres63. Partiam trs navios e, se voltavam dois, j era ter sorte! Por isso, recomendara-se s oraes da benta Companhia do Nome de Jesus64 e abalara sobre o dorso incerto do mar sem misericrdia. Mas, fizera-o por inspirao de Deus: Nosso Senhor quis dar-me a sentir dentro em minha alma ser ele servido de ir a Japo65. Fora, sobretudo, Paulo de Santa F que o ajudara a compreender, fundamente, a alma to rica da Terra dos Crisntemos, onde tambm desabrochava a flor sangrenta do haraquiri. Num esforo maravilhoso para pr os japoneses em contacto com o corao da Catolicidade, Xavier envia alguns deles ndia, para da passarem a Lisboa e a Roma: L vo Mateus e Bernardo, japes de nao, os quais vieram comigo de Japo ndia, com inteno de ir a Portugal e a Roma, a ver a Cristandade, para depois, tornando a suas terras, dar f do que viram, aos japes66. De nada se esquece e revela, at, um slido sentido comercial, em proveito do prximo. O navio que vier com os missionrios, de Goa para Sacai, escreve ele, no traga mais de oitenta bares de pimenta. Se ela for pouca, ho-de vend-la muito bem no Japo e ganharo muito dinheiro67. Conhecia as rotas dos mares e avisou o rei de Castela, para no mandar os barcos por tal ou tal parte, na costa do Japo, porque perdiam-seXavier-doc. 107,2; 98,2. Xavier-doc. 85,4. 63 Xavier-doc. 85,12. 64 Xavier-doc. 85,15. 65 Xavier-doc. 85,8. 66 Xavier-doc. 108,1. 67 Xavier-doc. 93,9.61 62

Introduo Geral

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nas restingas que l havia68. Inspiravam-lhe compaixo tantos naufrgios e escrevia: tenho piedade. Aqui est uma frase que o define. Um dia, sentiu que devia abalar para a China, desamarrado de todo favor humano69. E escreve ao Pe. Gaspar Barzeu: Nosso Senhor nos ajunte na glria do paraso, que ser com maior descanso do que nesta vida temos70. L morreu, s portas de Canto, na madrugada de 3 de Dezembro, de 1552. Faz agora quatrocentos anos71. Na agonia, Antnio de Santa F ps-lhe a vela acesa na mo e a sua bendita alma partiu-se desta vida, quase sem nenhum trabalho. Meteram-no num caixo de madeira e enterraram-no, como diz Ferno Mendes Pinto, um tiro de pedra acima da praia72. E ficaria bem ali. Poucos apstolos caminharam tanto sobre as vagas inquietas. Era o filho de todos os mares. Mas, ao recordarmos esta cena humilde e meio solitria do enterro dum dos maiores heris da gesta crist, atravs do mundo, sentimos estar bem longe das homricas pompas dos funerais de Heitor o domador de cavalos!7374

Mrio Martins, S.J.

Xavier-doc. 108,2.4. Xavier-doc. 125,4. 70 Xavier-doc. 125,10. 71 Escrevia em 1952 72 Peregrinao, cap. 216. 73 Ilada, XXIV, 804. 74 Segue-se a Apresentao editorial da anterior seleco de cartas e escritos de Xavier (1952), que substitumos pela Apresentao desta edio completa.68 69

EUROPA

INTRODUO AOS ESCRITOS 1-12

D. Francisco de Jassu y Javier, como lhe chamavam no seu meio de nobreza, nasceu em 1506 no castelo de Xavier, quando o reino de Navarra era ainda independente. Era o quinto filho do Dr. Joo de Jassu e de D. Maria de Azpilcueta, senhores dos domnios de Xavier y Idocin. Em 1525 estudava j na Universidade de Paris, onde em 1530, juntamente com o seu amigo Pedro Fabro obteve o grau de Mestre em Artes (Filosofia). Trs anos mais tarde, Incio de Loyola, que pouco antes se lhes juntara como companheiro de estudos, conquista-o para o seu grupo de amigos e leva-o a uma profunda transformao espiritual que lhe faz mudar o rumo de vida. A 15 de Agosto de 1534, com Incio e mais 5 amigos (Pedro Fabro, Simo Rodrigues, Diogo Lanez, Alfonso Salmeron e Nicolau Bobadilla), na capela do santurio de Montmartre, fazem voto de perptua castidade para serem sacerdotes, voto de pobreza para viverem maneira de Jesus e voto de irem para a Terra Santa continuar o que falta misso de Cristo como diria S. Paulo. Em Maro de 1535, Incio, por motivos de sade tem de passar uns tempos por Espanha, antes de partirem para a Terra Santa, e Xavier entrega-lhe uma carta para seu irmo Joo de Azpilcueta em que lho recomenda e mostra quanto deve a este grande amigo (Xavier-doc. 1). Em princpios de 1537, o grupo de Paris agora aumentado com mais trs companheiros (Jayo, Codure e Broet) parte para Veneza, onde j se encontrava Incio regressado de Espanha e, enquanto esperam embarque para a Palestina, ali mesmo recebem todos a ordenao sacerdotal que tanto desejavam, a 24 de Junho. Como, porm, ao longo de todo o ano 1537-38, por causa da guerra com os turcos, no houve passagem para a Terra Santa e eles tinham prometido no seu voto que, se lhes no fosse possvel realizar esse sonho no prazo de um ano, se iriam oferecer ao servio do Vigrio de Cristo, assim o fizeram. Em Abril de 1538 partiram para Roma e puseram-se disponibilidade do Papa. Este comeou logo a dispor deles, mandando dois a Sena na Quaresma de 1539, e preparava-se j para destinar outros a diversas misses. Prevendo a disperso de todos, entraram em deliberaes sobre que organizao dariam ao grupo, para alm da amizade e ideal que os unia. J tinham voto de castidade para serem sacerdotes, j tinham voto de pobreza para viverem maneira do Senhor, deliberaram ligar-se tambm por voto de obedincia a um Superior para se organizarem em instituto (Xavier-doc. 2). Redigido um Iderio ou Regra constitucional do que pretendiam instituir, apresentaram o projecto a Paulo III que o aprovou provisoriamente de viva voz em 3 de Setembro de 1539. Continuando a dispor do grupo, enviou Salmeron

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Introduo aos Escritos 1-12

e Codure Irlanda e, a pedido do Rei de Portugal D. Joo III, destinou Simo Rodrigues e Bobadilla s misses do Padroado portugus no Oriente. ltima hora, porm, impedido Bobadilla de fazer viagem por doena, foi substitudo por Xavier que logo se prontificou. Foi ento que, antes de partirem, assinaram uma Declarao em que delegavam nos companheiros que se pudessem congregar em Roma a deciso de tudo o que interessasse Companhia de Jesus (Xavier-doc. 3). E, para quando o Instituto fosse oficialmente aprovado por Bula papal, deixou tambm Xavier uma Declarao de estar por tudo o que legislassem legitimamente os companheiros que ficavam, juntou-lhe em carta fechada o seu voto para a eleio do futuro Superior Geral e redigida a frmula dos seus Votos de profisso religiosa (Xavier-doc. 4). Partiu de Roma na comitiva do embaixador de Portugal e, ao parar em Bolonha, escreveu dali a Incio a dar conta de recados que levava para aquela cidade (Xavier-doc. 5). Depois de longa viagem por terra, atravs dos Alpes, Frana, norte de Espanha, sem passar pela famlia, chegou a Lisboa onde j se encontrava Simo Rodrigues que partira mais cedo por mar. Da sua actividade sacerdotal em Lisboa, enquanto esperava naus para a ndia, escreveu cinco cartas (Xavier-doc. 6; 7; 9; 11; 12), alm de outras duas ao seu famoso parente, Prof. de Direito na Universidade de Coimbra, Dr. Martin de Azpilcueta, mais conhecido por Doutor Navarro, que o desejava ver (Xavier-doc. 8 e 10).

1 A JOO DE AZPILCUETA (OBANOS1)Paris, 25 de Maro 1535 Duma cpia em castelhano, feita no sculo XVII SUMRIO: 1-3. Amor e gratido a seu irmo; penria em que se encontra. 4-5. Vinda do padre Fr. Vear e delaes levantadas contra si. 6-7. Defende, louva e recomenda mestre Incio. 8. Anuncia a viagem de Incio a Almazn e aconselha a servir-se dele para lhe mandar dinheiro para Paris. 9. Fuga de seu primo e heresia em Frana.

Senhor: 1. Por muitas vias, nos dias passados, escrevi a v. merc por causa de muitos respeitos. E o principal, que estava a mover-me a escrever-lhe tantas vezes, a grande dvida que a v. merc devo, tanto por ser eu menor e v. merc meu senhor2, como pelas muitas mercs que tenho recebido. 2. E para que v. merc no me tenha por desconhecedor e ingrato de mercs to extremadas, todas as vezes que encontrar portador no deixarei de escrever-lhe. E se as minhas cartas, por o caminho ser to longo, no as receber to a mide como as escrevo, suplico a v. merc que deite a culpa aos muitos obstculos que h desde Paris a Obanos. Porque eu, de no receber as suas cartas to a mide como v. merc me as escreve, em resposta s muitas que escrevo, deito aObanos, vila com ayuntamiento, no vale de Ilzarbe, Navarra; partido judicial de Pamplona, a 3 lguas e meia (Madoz XII 202). Dista de Pamplona 22 km para sul. 2 Francisco Xavier era o menor de trs irmos: Miguel, Joo e Francisco.1

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A Joo de Azpilcueta

culpa ao longo caminho, em que muitas cartas de v. merc e minhas se perdem. 3. De maneira que da sua parte no h falta de amor, mas antes mui crescido, pois as minhas necessidades e trabalhos no estudo no menos as [pres]sente v. merc em sua casa, onde [alis] tem muito larga o que precisa3, do que eu em Paris, onde sempre me falta o necessrio4: e isto, no por outro motivo seno por no estar v. merc ao par dos meus trabalhos. Mas todos os sofro com esperana muito certa que, logo que v. merc por muito averiguado o souber, com a sua muita liberalidade tero fim as minhas misrias. 4. Senhor, nos dias passados esteve nesta universidade o reverendo padre Fr. Vear, o qual me deu a entender certas queixas que v. merc tinha de mim, as quais me contou muito longamente; e a ser assim, como ele mo deu a entender, em senti-lo v. merc tanto, sinal e argumento muito grande do amor e afeio muito entranhvel que me tem. 5. O muito que eu, senhor, nesta parte sentia, era considerar a grande pena que v. merc recebia por informaes de alguns homens maus e de ruim porte: a esses muito desejo conhecer s claras, para lhes dar a paga que merecem. Porque aqui todos se fazem muito meus amigos, -me difcil saber quem so. Deus sabe a pena que sinto em demorar-lhes a paga da pena que merecem! Mas s isto me d consolao: que o que se adia no se exclui. 6. E para que v. merc conhea s claras quanta merc Nosso Senhor me fez em ter conhecido o senhor mestre Iigo5, por esta lheJoo de Azpilcueta, tinha casado em 1528 com Joana de Arbizu, nobre viva riqussima, senhora dos territrios de Sots e Aoz, com palcio em Obanos e outros dois em Undiano e Muruzbal, alm de casas em Puente la Reyna. (cf. CROS, Doc.Nouv. I 296-299; Vie I 118-119). Era o irmo mais rico da famlia. 4 Com a anexao do reino de Navarra ao reino de Castela, a famlia de Xavier foi despojada de cargos e bens de nobreza que tinha no Estado anterior. Por isso teve dificuldades em sustentar Francisco nos seus estudos. 5 Incio de Loyola, nsceu no solar de Loyola, Azpeitia (Guipzcoa) em 1491, morreu em 1556, sendo Superior Geral da Companhia de Jesus (1541-1556). No3

Doc. 1 25 de Maro de 1535

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prometo minha f que [nunca] em minha vida poderia satisfazer o muito que lhe devo, quer por ter-me favorecido muitas vezes com dinheiros e amigos nas minhas necessidades, quer em ter sido causa de que eu me apartasse de ms companhias, as quais eu, pela minha pouca experincia, no conhecia6. E agora que estas heresias passaram por Paris7, no quereria ter tido companhia com eles, por todas as coisas do mundo: e s isto, no sei eu quando o poderei pagar ao senhor mestre Iigo, pois ele foi causa de que eu no tivesse trato nem conhecimento com pessoas que por fora mostravam ser boas, e por dentro estavam cheias de heresias, como por obras se mostrou. Portanto suplico a v. merc que lhe preste aquele acolhimento que me faria minha mesma pessoa8, pois com as suas boas obras em tanta obrigao me deixou. E creia v. merc que, se ele fosse tal qual o informaram, no iria a casa de v. merc9 entregar-se nas suas mos; porque nenhum malfeitor se entrega em poder daquele a quem

baptismo recebeu o nome de Inigo que, posteriormente, em muitos documentos escrito castelhana por Iigo. Mais tarde, o prprio mudou o nome para Incio (Sobre o nome, v. MENCHACA, Ep. S. Ignatii p. XI-XVII). 6 Fundados nesta vaga insinuao, alguns autores protestantes disseram que Xavier, antes da converso, foi sequaz ou pelo menos simpatizante dos Reformadores. Mas sem fundamento, como a seguir refere o prprio Xavier (cf. BROU, Saint Franois Xavier I 39-40). 7 Para entender a aluso de Xavier, podem ver-se: H. BOHMER, Studien zur Geschichte der Gesellschaft Jesu: Loyola (Bonn 1914) 159-163; CROS, Doc. Nouv. I 425-344; SCHURHAMMER, Der hl. Franziskus Xaverius. Blicke in seine Seele (Aachen 1920) 16-18. 8 Incio, por motivos de sade, teve de voltar sua terra. Aproveitando a ocasio, visitou as famlias de alguns companheiros que se tinham juntado ao seu grupo de adeptos em Paris, para desfazer boatos que corriam acerca deles e tratar de assuntos que lhe encarregaram: Xavier, ante cujo irmo tinha sido difamado como hereje, Lanez e Salmern (MI, Scripta I 87-88; 90). 9 No ms de Julho, Incio saiu de Loyola para Pamplona, para da ir a Obanos, onde residia Joo, irmo de Xavier. No passou pelo castelo de Xavier, residncia do irmo mais velho Miguel, como pensa DUDON (237-241).

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A Joo de Azpilcueta

ofendeu; e s por isto pode v. merc verificar com toda a clareza ser falso tudo o que a v. merc informaram acerca do senhor mestre Iigo. 7. E suplico-lhe muito encarecidamente que no deixe de comunicar e conversar com o senhor Iigo, e confiar em tudo o que ele lhe disser, pois creia que com seus conselhos e conversas se achar muito bem, por ele ser uma pessoa to de Deus e de vida to boa. E isto lhe torno a pedir, por merc: no deixe de o fazer. E em tudo o que de minha parte a v. merc disser o senhor mestre Iigo, por me fazer merc lhe d tanto crdito como minha prpria pessoa daria. E dele se poder v. merc informar acerca das minhas necessidades e trabalhos, melhor do que de qualquer outra pessoa do mundo, por ele estar ao par das minhas misrias e dificuldades mais que ningum no mundo. 8. E se v. merc me quiser fazer a merc de aliviar a minha muita pobreza, poder dar, o que v. merc me mandar, ao senhor Iigo, portador da presente. Porque ele h de ir a Almazn10, e leva certas cartas de um estudante muito meu amigo11 o qual estuda nesta universidade, e natural de Almazn, e muito bem provido, e por via muito segura o qual escreve a seu pai que, se o senhor Iigo lhe der alguns dinheiros para certos estudantes de Paris12, os envie juntamente com os seus e na mesma moeda. E j que se oferece via to segura, suplico a v. merc que tenha memria de mim.10 De Obanos seguiu Incio para Almazn (Soria), onde viviam os pais de Lanez, e dali foi a Toledo visitar os familiares de Salmern (MI Scripta I 90). 11 Diogo Lanez, nascido em Almazn em 1512, foi estudar para Paris em 1533, onde se juntou ao grupo de Incio. Morreu em 1565, como Superior Geral da Companhia de Jesus (1558-1565), cargo que assumira logo a seguir ao Fundador. Seus pais eram Joo Lanez e Isabel Gmez de Len (Lainii Mon. I p.VII-XII). 12 Alm de Xavier e Lanez tinham-se juntado ao grupo de Incio at quele ano de 1535: o saboiano Pedro Fabro, o portugus Simo Rodrigues e os espanhis Afonso Salmern e Nicolau Bobadilha. A estes dois ltimos se refere principalmente Xavier.

Doc. 1 25 de Maro de 1535

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9. De c, no sei que mais dar a saber a v. merc a no ser que o nosso caro sobrinho13 fugiu desta Universidade e que fui atrs dele at Nossa Senhora de Cleri, que est a trinta e quatro lguas de Paris. Suplico a v. merc que me faa saber se ele chegou a Navarra, porque dele muito me temo que nunca ser bom. Das coisas de c, em que pararam estas heresias, o senhor mestre Iigo, portador da presente, dir quanto eu por carta poderia escrever. Assim acabo, beijando por mil vezes as mos de v. merc e da senhora; cujas vidas de v. mercs nosso Senhor acrescente por muitos anos, como desejo dos mui nobres coraes de v. mercs. De Paris, a 25 de Maro De v. merc mui certo servidor e menor irmo FRANCS14 DE XAVIER15

No foi ainda possvel identificar o sobrinho a que se refere Xavier. Esta forma do nome Francisco era bastante usada em Navarra. Mesmo num interrogatrio de testemunhas ocorrido em 1551, ainda aparece essa forma (CROS, Doc. Nouv. I 38; 82; II 262; II 230). 15 Xavier era a forma nominal mais usada pela famlia e em Navarra, antes da anexao do reino (cf. CROS, Doc. Nouv. I 217; 254; EX I 13, n.18). Javier a forma castelhana.13 14

2 DECLARAO DOS PRIMEIROS JESUITAS SOBRE O VOTO DE OBEDINCIA QUE HAVIAM DE FAZERRoma, 15 de Abril 1539 Duma cpia em latim, feita no sec.XVI HISTRIA Os companheiros de Incio de Loyola deixaram Paris em 1536 para se dirigirem a Veneza e a prepararem a peregrinao Terra Santa a que se tinham obrigado por voto em Montmartre (Paris). Impedidos pela guerra com os turcos, dirigiram-se a Roma, para se oferecerem ao servio do Papa. Mas, como o Papa quisesse comear a mandar alguns para diversas partes, os companheiros, antes de se dispersarem, quiseram deliberar sobre o seu futuro como grupo. Por isso, desde meados da Quaresma de 1539, fizeram essas deliberaes que, terminadas em 24 de Julho, seriam o fundamento do primeiro esboo de Constituies da Companhia de Jesus que viriam a fundar. Um relatrio contemporneo dessas deliberaes, escrito por mo de Antnio de Estrada, conservou-se (MI Const. I 2-7; cf. p. XXXV-XL). Na primeira noite foi proposta a dvida, se convinha ou no que os companheiros se organizassem num corpo. Resolvida esta dvida pela afirmativa, passaram a outra mais difcil: se, alm dos votos que j tinham feito, de castidade e pobreza, convinha fazerem um terceiro o de obedincia. Depois de termos discutido, por muitos dias, os prs e contras, conclumos, sem discordncia absolutamente de nenhum, que a soluo da dvida era: ser para ns mais vantajoso e at necessrio, prestar obedincia a algum dos nossos (ib. 7).

Eu N., abaixo assinado, declaro, em presena de Deus omnipotente, da beatssima Virgem Maria e de toda a corte celestial, que, tendo feito antes orao a Deus e pensado maduramente o assunto, livremente determinei ser, a meu juzo, mais conducente glria de Deus e perpetuidade da Companhia, que houvesse nela voto de obedincia, e deliberadamente me ofereci, mas sem voto nem obrigao alguma, a entrar na Companhia, se o Papa, por concesso do Senhor, vier a confirm-la; para memria desta deliberao

Doc. 2 15 de Abril de 1539

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[que por dom de Deus reconheo ter assumido], me acerco agora sacratssima comunho, embora indignssimo, com essa mesma deliberao. Tera-feira, quinze de Abril 1539 CCERES1, JOO CODURI2, LANEZ3, SALMERN4, BOBADILLA5, PASCSIO BROET6, PEDRO FABRO7, FRANDiogo de Cceres, espanhol, amigo de Incio em Paris, cujo instituto determinara seguir (POLANCO, Chron I 33; 50), chegara em princpios de 1539 a Roma, onde veio a participar nas deliberaes dos companheiros. Nesse mesmo ano, regressou a Paris, onde continuou os estudos com outros estudantes da Companhia e foi ordenado sacerdote. Mas em 1541 deixou a Companhia de Jesus e passou ao servio de Francisco I, rei de Frana (Epp. Mixtae I 15-16; 61; 63; 66; 68; 70; 72-73; V 628; Fabri Mon. 105; Lainii Mon. I 8; MI Scripta II 3; Epp. I 133; TACCHI VENTURI II 197, n.2; Xav. Epp. 12,4). No confundir este Diogo de Cceres com outro companheiro de Incio em Alcal, Lope de Cceres (natural de Segvia), num grupo que j se tinha desfeito (MI Epp. I 88-89, n.6; POLANCO, Chron. I 33). 2 Joo Codure, nascido em Seyne (Provence) em 1508 ou 1509, juntou-se em Paris ao grupo de Incio em 1536, e veio a morrer em Roma em 1541 (Epp Broeti 409-413; TACCHI VENTURI, II 123-124; KOCH 344). 3 Diogo Lanez (cf. doc 1). 4 Afonso Salmern, nascido em Toledo em 1515, juntou-se em Paris aos companheiros de Incio em 1533 e morreu em Npoles em 1585 (Epp. Salmer. I p.V-XIX; TACCHI VENTURI II 143-144; KOCH 1585). 5 Nicolau Afonso de Bobadilla, nascido em Bobadilla del Camino (Palencia) em 1508 ou 1509, chegou a Paris em 1533, onde se juntou aos companheiros de Incio, e morreu em Loreto (Itlia) em 1590 (Bobad. Mon. p. VI-VIII 613-617; TACCHI VENTURI II 133-136; KOCH 219). 6 Pascsio Broet, nascido em Bertrancourt (Picardia), cerca do ano 1500, chegou a Paris em 1534, onde se juntou aos companheiros de Incio em 1536 e a veio a morrer em 1562 (Epp. Broeti 9-11; TACCHI VENTURI II 134; KOCH 266). 7 Pedro Fabro (Lefvre), nascido em Villaret (Sabia) em 1506, chegou a Paris em 1525 onde foi primeiro, companheiro de colgio com Incio e Xavier e, em 1531 passou a ser companheiro do grupo de Incio. Morreu em Roma em 1546 e foi beatificado em 1872 (Fabri Mon. 490-498; TACCHI VENTURI II 104-110; KOCH 1413.1

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Declarao sobre o voto de obedincia

CISCO8, IGNACIO9, SIMO RODRIGUES10, CLAUDIO JAYO11.

Francisco Xavier. Incio de Loyola. 10 Simo Rodrigues de Azevedo, nascido em Vouzela (Beira Alta) em 1510, chegou a Paris em 1527, juntou-se aos companheiros de Incio em 1532, morreu em Lisboa em 1579. Foi fundador e primeiro Superior da Provncia portuguesa da Companhia de Jesus (Epp. Broeti 455-509; RODRIGUES, Histria da Companhia de Jesus na Assistncia de Portugal I/1, 41-97; TACCHI VENTURI II 125-127; KOCH 1553). 11 Cludio Jaio (Le Jay), nascido em Mieussy (Alta Sabia) entre 1500 e 1504, chegou a Paris em 1534, onde se juntou aos companheiros de Incio em 1535. Morreu em Viena em 1552 (Epp. Broeti 258-264; TACCHI VENTURI II 127-133; KOCH 1090).8 9

3 DETERMINAO DA COMPANHIA DE JESUSRoma, 4 de Maro 1540 Traduo do original escrito pelo P. Coduri HISTRIA No dia 24 de Julho de 1539, Incio e os seus companheiros davam fim s deliberaes preparatrias sobre as Constituies da Companhia ou Ordem religiosa que iriam fundar (MI Const. I 9-14). No ms de Agosto, j estava redigido o primeiro Sumrio ou frmula do Instituto da Companhia de Jesus (ib. 16-20) e, a 3 de Setembro, era aprovado de viva voz por Paulo III (ib. 21-22). Nas mencionadas deliberaes tinha-se estabelecido que, em todas as coisas em que se houvesse de decretar sobre toda a Companhia, principalmente sobre as suas Constituies, se devia ater ao voto da maioria (ib. 13). No Sumrio do Instituto dizia-se mais expressamente: nas coisas de maior importncia e perptuas decida a maioria de toda a Companhia que puder ser comodamente convocada pelo Superior dela (ib. 17). Naquela altura, os companheiros s tinham sido enviados pelo Papa a terras de Itlia: em Maio de 1539, os Padres Rodrigues e Broet a Sena; em Junho, Fabro e Lanez a Parma e, Coduri, a Velletri; no Outono, Bobadilha ao reino de Npoles. Como, porm, os restantes quatro companheiros iriam ser enviados para fora de Itlia, a expresso maioria necessitou de nova declarao. Por esse o motivo foi redigido o documento que a seguir publicamos.

Jesus, Maria Se acontecer, como piedosamente cremos, por disposio de Deus infinitamente bom e grande, que, por mandato do Sumo Pontfice, cabea de toda a Igreja, venhamos a ser distribudos por diversas partes do mundo, e essas longnquas1; considerando ns, os que nos juntmos em corpo, que podem sobrevir muitas coisas que podero1 Rodrigues e Bobadilha estavam destinados ndia (Bobd. Mon. 618), Coduri e Salmern Irlanda (Epp. Broeti, 418-419; Bobad. Mon. 22). Os votos de Rodrigues e Coduri foram escritos em 5 de Maro (Epp. Broeti 520; 418).

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Determinao da Companhia de Jesus

tocar no bem de toda a Companhia, como a de fazer Constituies e outras quaisquer; pareceu-nos a todos os que neste momento nos encontramos em Roma, e assim o determinamos, e em sinal de ser assim verdade, abaixo assinamos por prprio punho e letra os nossos nomes, que todas estas coisas se deixem ao juzo e deciso do maior nmero de votos daqueles da nossa corporao que, morando na Itlia, possam ser convocados ou serem-lhes pedidos os votos por cartas dos que se encontrarem em Roma; e vista assim a maior parte dos votos dos que, como se disse, estiverem nessa ocasio em Itlia, podero decidir acerca das coisas sobreditas, pertencentes a toda a nossa Companhia, como se toda ela estivesse presente; assim pareceu a todos e o tiveram por bem no Senhor. A 4 de Maro de 1540 IIGO, SIMO RODRIGUES2, JOO CODURI3, ALFONSO SALMERN, CLAUDIO JAYO4, FRANCISCO5

Simo Rodrigues tinha sido chamado pouco antes de Sena a Roma (RODRIGUES, Hist. I/1, 228, n.4); no dia 5 de Maro saiu de Roma para Lisboa (ib. 230). 3 Para a expedio Irlanda, tinham sido escolhidos primeiro Coduri e Salmern; morto inesperadamente Coduri em 1541, foi substitudo por Broet (Epp. Broeti 418-433). No Outono de 1541 foi a partida (Epp. Salm. I, p. VII 2-10). 4 Jaio (Le Jay) foi enviado a Bagnorea a 17 de Abril. 5 Xavier. Faltam as assinaturas de 4 dos 10 primeiros companheiros: Fabro e Lanez estavam ainda em Parma (Fabri Mon. 498), Broet em Sena (Epp. Broeti 509-513), e Bobadilla s a 13 ou 14 de Maro chegou a Roma (Bobad. Mon. 22).2

4 DECLARAO, VOTO, VOTOSAutgrafo de Xavier HISTRIA Bobadilha estava destinado para a ndia e devia partir de Roma a 15 de Maro com D. Pedro de Mascarenhas, embaixador portugus na cidade eterna. Como, porm, a 13 ou 14 de Maro tinha chegado de Npoles a Roma cheio de febre e a juzo do mdico estava incapaz de fazer viagem, foi Xavier destinado ndia, quase ltima hora (cf. Bobad. Mon. 22; RODRIGUES, Hist. I/1, 227-230). No estando ento a Companhia ainda juridicamente fundada, nem o Superior Geral ainda eleito, Xavier, antes da sua partida, deixou estas trs declaraes que a seguir publicamos. Nelas, d a sua aprovao s futuras Constituies que forem feitas quando a Companhia vier a ser confirmada por Bula pontifcia, d o seu voto para a futura eleio do Superior Geral e subscreve a frmula dos votos religiosos que haver de fazer nas mos do Superior Geral. SUMRIO: 1. Declarao de Xavier acerca das Constituies da Companhia de Jesus. 2. Voto para a eleio do Superior Geral. 3. Os seus votos religiosos simples.

1. Eu, Francisco, digo assim: que concedendo Sua Santidade o nosso modo de viver1, estou por tudo aquilo que a Companhia ordenar acerca de todas as nossas Constituies, regras e modo de viver, juntando-se em Roma os que a Companhia puder comodamente convocar e chamar; e, uma vez que Sua Santidade envia muitos de ns a diversas partes fora de Itlia, os quais no podero todos juntar-se, por esta digo e prometo estar por tudo aquilo que ordenarem os que se puderem juntar, quer sejam dois, quer sejam trs, ou osA Companhia de Jesus foi aprovada por Paulo III com a Bula Regimini militantis Ecclesiae a 27 de Setembro de 1540 (cf. MI, Const. I 24-32).1

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Declarao, voto, votos

que forem: e assim, por esta, assinada por minha mo, digo e prometo estar por tudo aquilo que eles fizerem2. Escrita em Roma no ano 1540, a 15 de Maro FRANCISCO 2. Do mesmo modo, eu, Francisco, digo e afirmo que, de modo nenhum persuadido por homem, julgo que aquele que h de ser eleito por Superior da nossa Companhia, ao qual todos havemos de obedecer3, parece-me, falando conforme me assegura a minha conscincia, que seja o prelado nosso antigo e verdadeiro pai Dom Incio, o qual, uma vez que nos juntou a todos com no poucos trabalhos, no sem eles nos saber melhor conservar, governar e aumentar de bem em melhor, por estar mais ao par de cada um de ns; e depois da sua morte, falando segundo o que a minha alma sente, como se tivesse de morrer por isto, digo que seja o padre micer4 Pedro Fabro5; e, nisto, Deus me testemunha de que no digo outra coisa do que sinto; e porque verdade, ponho a minha assinatura por prpria mo. Escrita em Roma no ano 1540, 15 de Maro FRANCISCOEm 4 de Maro de 1541, Incio, Jaio, Lanez, Broet, Salmern e Codure juntaram-se em Roma em nome tambm dos ausentes que nos tinham dado os seus votos e encarregaram Incio e Codure de estudarem os assuntos da Companhia de forma a serem interpretados segundo a Bula de confirmao etc. (MI Const. I 34). 3 No dia 4 de Abril de 1541, Incio foi eleito Superior Geral (cf. relatrio em MI Scripta II 4-9). Os votos dos 6 companheiros presentes e os restantes dos ausentes (Xavier e Rodrigues em Portugal, Fabro na Alemanha) permaneceram trs dias na urna fechada (ib. 4; cf. 9). O documento pblico da eleio, que refere tambm o voto de Xavier, foi redigido em 22 de Abril de 1541 (ib. 8-9). 4 Micer quer dizer meu Senhor. Tinha sido, antigamente, um ttulo honorfico da coroa de Arago e, no sculo XVIII, ainda se aplicava, por exemplo, aos letrados e legistas, nas ilhas Baleares. Micer Paulo, que aparece muitas vezes nos escritos seguintes, o P. Paulo Camerte ou de Camerino. 5 A amizade entre Xavier e Fabro muito conhecida. O voto de Fabro era em primeiro lugar para Incio e em segundo lugar para Xavier (MI Const. I 32-33; Fabri Mon. 51-53).2

Doc. 4 15 de Maro de 1540

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3. Assim mesmo, depois de a Companhia se ter juntado e eleito o Superior, eu, Francisco, prometo agora, para ento, perptua obedincia, pobreza e castidade; e assim, padre meu em Cristo carssimo Lanez, vos rogo por servio de Deus Nosso Senhor que, na minha ausncia, vs, por mim, apresenteis esta minha vontade, com os trs votos de religio, ao Superior que elegerdes, porque desde agora, para o dia em que se fizerem, os prometo guardar6; e, porque verdade, ponho a presente assinatura, feita por minha prpria mo. Escrita em Roma no ano 1540, a 15 de Maro7. FRANCISCO

A profisso solene dos primeiros companheiros foi feita em 22 de Abril de 1541, na baslica romana de S. Paulo extra muros (MI Const. I 67-68; Scripta II 6-9; Fontes Narr. I 16-22). 7 Naquele mesmo dia partiu Xavier de Roma com o embaixador portugus D. Pedro de Mascarenhas (RODRIGUES, Hist. I/1, 229-230).6

5 AOS PADRES INCIO DE LOYOLA E PEDRO CODCIOBolonha, 31 de Maro 1540 Autgrafo de Xavier em castelhano SUMRIO: 1. Alegra-se com as cartas recebidas dos companheiros no dia de Pscoa e promete escrever frequentemente e ao modo como lhe indicam. 2. Benevolncia do cardeal Bonifcio Ferreri para com Xavier e a Companhia de Jesus nascente. 3. Fervor do Embaixador portugus e da sua comitiva durante a viagem. 4. Manda consolar em seu nome a senhora Faustina Ancolina pelo assassnio de seu filho. 5. Trabalhos pastorais em Bolonha.

IHUS. A graa e amor de Cristo Nosso Senhor seja sempre em nossa ajuda e favor. 1. No dia de Pscoa1 recebi umas cartas vossas2, num embrulho que vinha para o senhor Embaixador3 e, com elas, tanto gozo e consolao quanto Nosso Senhor sabe. E j que, s por cartas creio que

Dia 28 de Maro. Incio enviou duas cartas a Xavier no dia 21 de Maro: uma de recomendao para o seu irmo Beltro residente em Loyola, escrita em 20 de Maro de 1540 (ed. MI Epp. I 155); outra, que se perdeu, para o prprio Xavier. 3 D. Pedro de Mascarenhas, senhor de Palma, nascido em 1483, Embaixador portugus em Roma em 1538-1541, Vice-rei da ndia em 1554-1555, amicssima da Companhia de Jesus, morreu em Goa em 1555 (RODRIGUES, Hist. I/1, 212-216; COUTO 7, 1, 12; a data do seu nascimento encontra-se em CC 1-94-74). A carta de Incio era de 21 de Maro (MX II 134 = Q 528). A sua resposta a Incio era de 31 de Maro 1540.1 2

Doc. 5 31 de Maro de 1540

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nesta vida nos veremos, e na outra cara a cara4 com muitos abraos, resta que, neste pouco tempo que desta vida nos fica, por frequentes cartas nos vejamos. Eu assim o farei, como acabais de mo mandar: quanto ao de escrever a mide cumprindo a ordem das folhazitas5 [aparte]. 2. Com o cardeal Ibrea6 falei muito a meu prazer, pela ordem que me escrevestes. Recebeu-me muito humanssimamente, oferecendo-se muito a favorecer-nos em tudo o que ele pudesse7. O bom velho, j quando me despedia dele, comeou a abraar-me ao beijar-lhe eu as mos. E, a meio do arrazoado que lhe fiz, pus-me de joelhos e, em nome de toda a Companhia, beijei-lhe as mos: pelo que ele me respondeu, e eu acredito, ele est muito bem com o nosso modo de proceder. 3. O senhor Embaixador faz-me tantos regalos, que no poderia acabar de os descrever. E no sei como poderia suport-los, se no pensasse e tivesse quase por certo que, entre os ndios, com no menos que a vida, se haveriam de pagar. Em Nossa Senhora do Loreto, no domingo de Ramos, confessei-o e dei-lhe a comunho a ele e a muitos da sua casa: na capela de Nossa Senhora8 disse Missa, e o bom Embaixador fez que, juntamente com ele, comungassemCf. 1Cor 13,12. Folhazita era uma carta adjunta principal, em que se escreviam os assuntos de carcter reservado ou especial, no comunicveis a todos (cf. MI, Epp. I 236-238 e Cartas de S. Ignacio I 147-151). 6 Bonifcio Ferreri, nascido em Vercelli, foi designado cardeal de Ibrea em 1517, cidade de que j fora bispo em 1488-1509 e de novo em 1511-1518. Nomeado Legado de Bolonha em 1539, morreu em 1543 (VAN GULIK-EUBEL, Hierachia Catholica III 17 230; 351). 7 Para demover o cardeal Guidiccioni da sua forte oposio aprovao da Companhia de Jesus, Incio implorou nessa altura a intercesso de pessoas da grande influncia, entre as quais at a do duque de Ferrara, a do arcebispo de Sena, a da cidade de Parma e, como indica esta carta, a do Legado de Bolonha (TACCHI VENTURI II 317, n.2). 8 Santa Casa.4 5

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Aos Padres Incio de Loyola e Pedro Codcio

todos os de sua casa dentro da capela. E depois, no dia de Pscoa, confessei-o e dei-lhe a comunho outra vez, [a ele] e outros devotos da sua casa. O capelo do senhor Embaixador recomenda-se muito s oraes de todos, e tem-me dado promessas de ir connosco para as ndias9. 4. senhora Faustina Ancolina10 dareis as minhas recomendaes: dizei-lhe que disse Missa pelo seu Vincencio11 e meu, e que direi amanh outra por ele; e que tenha por certo que eu nunca me esquecerei dela, mesmo quando estiver nas ndias. E da minha parte, micer Pedro12, irmo meu carssimo, fazei-lhe lembrar que me mantenha a promessa que me fez de se confessar e comungar, e que me faa saber se o tem feito e quantas vezes. E se quer dar prazer ao seu e meu Vincencio, dizei-lhe da minha parte que perdoe aos que mataram o seu filho13, pois por eles roga muito Vincencio no cu.No foi possvel encontrar o seu nome; mas no chegou a ir para a ndia. Faustina de Jancolini, viva de Ubaldo de Ubaldis, nobilssima matrona romana, faleceu em Roma em 1556. No testamento, redigido em 23 de Dezembro de 1539, deixou por sua morte Companhia de Jesus a sua casa, junto aos terrenos da actual Piazza Colona (TACCHI VENTURI , Storia della Compagnia di Ges in Itlia I/2, 223-229; II 353-360). 11 A dor que lhe ficou do seu filho assas