o paraguai de stroessner

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  • O Paraguai de Stroessner no Cone Sul da Segurana Nacional

    Enrique Serra Padrs/UFRGS

    Resumo: O presente texto visa realizar uma aproximao histria recente paraguaia a partir da anlise da ditadura Stroessner, sua dinmica interna e sua insero no contexto latino-americano da Guerra Fria. Para tanto, procura avaliar a constituio do processo autoritrio paraguaio entre os anos 50 e 80 destacando o projeto poltico-econmico. Aponta-se para o relacionamento da ditadura Stroessner com outras que se estabelecem no Cone Sul, desde 1964, destacando os aspectos ideolgico-doutrinrios, o enquadramento repressivo e a vinculao com os Estados Unidos (EUA) assim como a aproximao com a ditadura brasileira. A coero poltica, a corrupo e o enriquecimento ilcito da cpula no poder, a cumplicidade do Partido Colorado e um feroz sistema repressivo policial acabam sendo marcas da especificidade repressiva paraguaia no Cone Sul da Segurana Nacional. Palavras Chaves: Paraguai, Ditadura Stroessner, Arquivos do Terror

    Especificidades do caso paraguaio O caso paraguaio tem muitas semelhanas com as experincias de ditaduras de segurana nacional que marcaram o Cone Sul, em dcadas recentes; entretanto, apresenta tambm, especificidades que precisam ser apreendidas para sua correta insero no mosaico regional do perodo da Guerra Fria. Uma primeira singularidade refere-se ao fato de que o golpe que leva Stroessner ao poder ocorreu em maio de 1954, ou seja, em uma conjuntura prematura se formos pensar em termos de concatenao com os golpes que, no Cone Sul, impuseram as ditaduras de segurana nacional no transcorrer dos anos 60 e 70. De qualquer forma, no podemos esquecer que essa conjuntura da primeira metade dos anos 50 marcada por fortes movimentos de direita que concluem em golpes e intervenes, como no caso do fim da Revoluo Boliviana (1952), da violenta interrupo do programa de reformas que vinha sendo aplicado na Guatemala de Jacob Arbenz (1954) (com particular participao dos Estados Unidos e da empresa multinacional United Fruit) assim como dos golpes que foraram a sada de cena de Getlio Vargas, no Brasil (1954) e de Juan Domingo Pern, na Argentina (1955). Portanto, colocada nessa perspectiva, a ascenso de Stroessner no Paraguai, independente das questes especficas da poltica interna do pas, est emoldurado por uma dinmica de instabilidade que se projeta sobre a regio, particularmente pelas presses dos interesses dos EUA assim como pela disputa de influncia entre Argentina e Brasil (envolvendo fatores econmicos agrcolas e industriais, como processamento de algodo ou de sementes oleaginosas, e frigorficos - e geopolticos). No foi fortuito que, nos momentos

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  • 2 de gestao do golpe, Stroessner se reunisse em Lima com representantes do Comando Estratgico no Caribe e que, um ms aps tomar o poder, firmasse um pacto secreto com representantes dos EUA e do Brasil, sob os auspcios da embaixada dos EUA, alijando a Argentina.

    Paradoxalmente, o golpe que derrubou o ditador do poder ocorreu somente em fevereiro de 1989, o que de por si assinala uma outra caracterstica da experincia autoritria paraguaia, a longa durao dessa administrao que, inegavelmente, independente de outras caractersticas mais concretas, apresenta traos especiais de administrao personalista e caudilhesca. O fim dessa administrao ocorre quando todos os pases da regio, com exceo do Chile de Pinochet, j se encontravam em um estgio mais avanado de transio democrtica. Nesse sentido, trata-se de um perodo discricionrio que durou 35 anos e que afetou vrias geraes de cidados, simultaneamente e sucessivamente. Uma segunda particularidade implica em reconhecer que a chegada de Stroessner ao poder difere da perspectiva de uma reao abrupta ou de evoluo pontual de determinada conjuntura, como se pode considerar em relao aos casos do Uruguai e do Chile, nos anos 70. Da mesma forma, ela no interrompe uma continuidade democrtica e constitucional parte de uma cultura poltica republicana e respeitosa de liberdades consolidadas. Ao contrrio disso, a experincia poltica paraguaia mostra, por longos perodos, a presena de governos fortes onde o autoritarismo e a inconstitucionalidade pautam a relao deles com a sociedade civil. Por isso, pode-se afirmar que a ditadura de Stroessner deu prosseguimento a uma dinmica poltica marcada por regimes autoritrios. Efetivamente, a histria do Paraguai est pautada por uma longa sucesso de governos autoritrios e militaristas. O imobilismo e a averso por reformas de cunho modernizadoras e participativas foram marca registrada do regime desse longo regime. A falta de densidade poltica global ajuda a entender as dificuldades de toda e qualquer oposio ao tentar se pronunciar como alternativa ou ao sinalizar sadas que acabam, muitas vezes, contaminadas pelas vicissitudes decorrentes dessa ausncia de cultura democrtica, o que redunda em uma democracia de baixa qualidade e ciclicamente questionada no perodo de transio ps-Stroessner. Uma terceira caracterstica do governo Stroessner que, embora tenha, gradativamente, incorporado as premissas centrais da Doutrina de Segurana Nacional e seus mtodos repressivos (como as ditaduras vizinhas), manteve, permanentemente, a determinao de aparentar a existncia de uma fachada democrtica e institucional. A tentativa de convencer a

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  • 3 opinio pblica internacional da legalidade da estabilidade institucional do pas implicou na manuteno totalmente controlada dos poderes do Estado e na convocao rotineira de eleies que, sistematicamente e sob acintosa forma fraudulenta, confirmaram, sempre, expressivos resultados eleitorais favorveis ao Partido Colorado e a seu eterno candidato reeleio, o prprio general Alfredo Stroessner. Na prtica, existiu uma enorme rede de leis e instituies apoiadas pela fora bruta para direcionar o voto do cidado comum. A mquina stronista controlava a entrega dos ttulos de eleitor, a recepo dos votantes junto s mesas eleitorais, a contagem das cdulas, a superviso parcial e global do processo eleitoral, etc. Todo o esforo era direcionado para a escolha dos candidatos do Partido Colorado, a estrutura partidria de sustentao do regime e correia de transmisso de mecanismos de cooptao poltica, reproduo de quadros e marco visvel da constituio de uma fictcia liberdade poltica de atuao e fachada democrtica do regime.

    Traos gerais da evoluo do regime No final dos anos 50, um grupo de militantes colorados descontentes com o personalismo de Stroessner, organizou o Movimiento Popular Colorado (MOPOCO). O questionamento dentro do mesmo partido, combinado com uma conjuntura de inflao, deteriorao social e represso nas ruas, levou Stroessner a abandonar a fachada constitucionalista da administrao e fechou o Congresso, exilou centenas de opositores e imps, de novo, o estado de stio. Impactada pela influncia da Revoluo Cubana, a sociedade paraguaia comea a reagir e novas organizaes de oposio vo se multiplicando, inclusive com o surgimento de organizaes armadas, algumas com suporte campons, como a Frente Unida de Libertao Nacional (FULNA) e sua coluna Yoror e o Movimento 14 de Maio, todos duramente reprimidos. Desde setores mais moderados tambm se pressionou o governo. Foi o que ocorreu com manifestaes que desde o exlio ou da clandestinidade faziam chegar os partidos Liberal e Febrerista y o Movimento Social Cristo Democrtico. Contra todas essas foras se desencadeou violenta onda repressiva que atingiu, tambm, os estudantes e suas organizaes e o Partido Comunista, bastante fragilizado por questionamentos internos e de outros setores da esquerda diante da ineficincia em amalgamar o movimento operrio com a luta camponesa e o movimento estudantil. No incio dos anos 60, aps avaliao do quadro de descontentamentos existentes no pas e em sintonia com as orientaes da Aliana para o Progresso, Stroessner apresentou a

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  • 4 campanha de Segunda Reconstruo Nacional. Seu objetivo era preciso: distender as zonas rurais, deslocar populaes de reas de tenso em regies de grandes proprietrios aliados do governo, desorganizar o campesinato militante com a proposta de um esboo de reforma agrria, fomentar o surgimento de um pequeno grupo de pequenos proprietrios que conformassem uma estrutura poltica contra-revolucionria. Em poucos anos foram criadas umas duzentas colnias agrcolas em reas inspitas e sem infra-estrutura; paralelamente, os grandes proprietrios, donos dessas terras, fizeram bons negcios ao vend-las por preos superfaturados. A maior parte das colnias faliram em situaes dramticas. Outro aspecto da divulgada reconstruo nacional foi uma srie de concesses ao capital estrangeiro nas reas de produo pecuria, agrcola e petroleira alterando, inclusive, o estatuto de no vender terras a estrangeiros na zona de fronteira seca (historicamente medo da penetrao brasileira). No plano internacional, a ditadura se associa aos EUA na interveno contra a Repblica Dominicana, em 1965. Desde a ascenso autoritria no Brasil, o Paraguai comea a alinhar-se dentro de uma perspectiva regional na qual o anticomunismo genrico se projeta com vigor no continente cercando, inclusive, as comunidades exiladas em pases vizinhos. Em relao a isto se deve apontar para um forte ncleo paraguaio na Argentina e no Uruguai, pases onde h uma intensa vida poltica e a experincia de uma convivncia latino-americana com a populao local e com as comunidades exiladas de outros pases. No final dos anos 60, a Igreja comea a ganhar maior protagonismo ao acolher as denncias de arbitrariedades cometidas contra a populao do campo e os movimentos sociais urbanos. Uma conscincia de direitos humanos passa a ganhar corpo diante das ondas repressivas originadas desde a cpula do poder. Organizaes catlicas tambm estavam interditadas quanto participao poltica; era o caso do Partido Democrata Cristo, da Central Crist de Trabalhadores e das Ligas Agrrias. Paralelamente, as orientaes do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), sob o guarda-chuva do Conclio Vaticano II, funcionavam como foras propulsoras da divulgao do mal-estar vivido no interior de um pas sobre o qual pouco se sabia fora das suas fronteiras. As denncias sobre a existncia de presos polticos e as condies de recluso eram repercutidas atravs de uma latino-americana rede de solidria que pouco a pouco se consolidava. Como resultado deste novo protagonismo, o conflito entre tais setores e o regime foi se intensificando. Censura, advertncias e ameaas comearam a recair sobre os quadros religiosos mais engajados. O

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  • 5 pedido de anistia geral passou a ser esgrimido com maior intensidade. Entretanto, a resposta da ditadura foi maior represso contra os trabalhadores do campo e as Ligas Agrrias. A combinao de terror e represso preventiva assinalaram o contedo de classe do regime, cada vez mais arbitrrio posicionado em termos de ser garantia dos interesses de determinados grupos econmicos. Na virada para os anos 70, a corrupo, os privilgios, o imobilismo poltico, a irrupo dos narco-negcios e um acentuado quadro repressivo eram as caractersticas mais evidentes de uma ditadura que incorporava, cada vez mais, as orientaes da Doutrina de Segurana Nacional, adequando-se, rapidamente, aos novos ventos que se consolidavam na regio. Os anos 70 foram marcados pela crescente vinculao ao Brasil. Itaipu foi o carro-chefe do processo de integrao subordinada em gestao. O tratado consagrado em 1973, dava seguimento a uma negociao inicial realizada em 1964, sobre o uso conjunto das quedas do Guair. A confirmao de Itaipu alijou a Argentina de uma disputa sobre as guas comuns com o Paraguai. Cabe lembrar que, no perodo, Argentina e Brasil disputavam com muita intensidade a denominada Geopoltica da Bacia do Prata. Como desdobramento dessa tendncia, o Brasil implantou bancos, companhias de seguro, indstrias e outros empreendimentos que servissem para a infra-estrutura demandada pela colossal construo. Em todo caso, tais investimentos, acabaram servindo de base de presso e consolidao para a influncia do Brasil junto aos setores dominantes paraguaios. Para o regime, os acordos alcanados com o Brasil lhe deram suporte interno e um certo protagonismo modernizador diante das dimenses da construo da usina.

    Mesmo assim, os conflitos internos no desapareceram. Em 1976, por exemplo, a feroz atuao das foras armadas, assessoradas pelo Departamento de Investigaes e pela Direo de Assuntos Tcnicos permitiu destruir o importante foco de oposio da Organizao Poltico Militar (OPM), executando muitos quadros e prendendo centenas de integrantes. A persistncia repressiva acabou se transformando, porm, em um dos principais problemas internacionais que a ditadura teve de enfrentar nesse perodo. A segunda metade dos anos 70 esteve marcada pelo distanciamento relativo da administrao dos EUA. O governo Carter, crtico em relao violncia contra os direitos humanos, um dos eixos da sua poltica externa e orientao central nas relaes com o Cone Sul, produziu um distanciamento de polticos crticos ao regime stronista, mas que, de certa forma, lhe davam legitimidade (caso do grupo ao qual era vinculado o deputado Domingo Lano). Diante do crescimento interno da

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  • 6 oposio, ecoando a presso externa pela abertura poltica, o regime responde com o fechamento da rdio andut e do jornal ABC color. De qualquer forma, nesse perodo que o regime de Stroessner ganha maior evidncia regional, particularmente no que diz respeito ao peso que detm na estruturao da conexo repressiva da Operao Condor. Os anos 80, embora o quadro de distenso relativa vivida na regio, encontram o Paraguai em uma espcie de limbo poltico, como se pudesse continuar autarquicamente, no meio de uma regio onde as mobilizaes sociais acuavam os setores que historicamente se haviam escudado detrs dos regimes ditatoriais. O clima interno de medo e represso permanecia. Havia paraguaios proibidos de voltar ao pas; outros eram expulsos; outros, no podiam sair. Entretanto, de certa forma, comea a ser visvel o desgaste de um regime que no consegue mais dar respostas diversionistas ou manter a eficincia dos mecanismos tradicionais de administrao e controle. A crise do stronismo comeava a definir-se como definitiva; o crescimento de questionamento, tanto nos setores polticos e sociais de dominao quanto, evidentemente, de oposio, mostraram-se irreversveis. A dinamizao econmica advinda dos anos 70 formou novos setores empresariais, os quais passaram a procurar formas de melhor insero internacional. Associados ao capital estrangeiro, no tinham a mesma relao de subordinao em relao ao regime como ocorrera com as geraes anteriores, de certa forma, tributrias pela segurana que lhes garantia o regime. As presses por abertura poltica, fomentadas pela opinio pblica internacional, em um quadro geral de aberturas polticas, impeliu aqueles empresrios a apoiarem sadas confiveis que permitissem desvencilhar-se do incmodo fardo stronista. Por outro lado, a expanso econmica estimulara o crescimento da classe trabalhadora e de suas organizaes, colocando outra dinmica para dirimir conflitos e marcando distncia das velhas prticas repressivas. Fator especial de tenso constituiu a entrada de empresas brasileiras na rea de fronteira, importando dezenas de milhares de trabalhadores brasileiros (que se somaram presena dos brasiguaios, remanescentes da construo de Itaipu). Tal processo produziu, conseqentemente, o deslocamento massivo de camponeses paraguaios e, em decorrncia, produziu sua proletarizao forada ou sua transformao em trabalhadores sem-terra.

    Derivadas dessas questes, o regime se isola gradualmente. O desgaste atinge setores historicamente vinculados ao regime; setores mdios, civis e militares, comeam a mostrar desconformidade com a persistncia de uma liderana cujo questionamento coloca em risco a

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  • 7 prpria estabilidade das estruturas de dominao. A segunda metade dos anos 80 assinalada pela necessidade de encontrar uma sada que permita desvencilhar-se de Stroessner e o grupo mais prximo ao seu entorno, preservando o controle do pas, por parte dos setores que, historicamente, interagiram com a ditadura. O desfecho do regime mostra essas contradies, ambigidades e disputas internas. Stroessner cair, porm, o stronismo permanecer e com ele, as mazelas que caracterizaram suas quase quatro dcadas de domnio: corrupo, autoritarismo, negcios ilcitos, impunidade, violncia estatal e medo.

    Os arquivos do terror Um captulo especfico da histria recente paraguaia est relacionado com a descoberta

    dos arquivos da polcia (Arquivo do Horror), em 1992. Tal fato permitiu verificar as conexes comprometedoras entre os pases do Cone Sul no grande esquema repressivo denominado Operao Condor.

    No final de 1992, no Paraguai, o professor e ex-preso poltico Martn Almada, acompanhado de representantes do Poder Judicirio, encontrou em Lambar, subrbio de Assuno, um enorme arquivo policial com documentao sobre a represso durante a ditadura Stroessner, assim como informaes a respeito das outras ditaduras do Cone Sul e da cooperao norte-americana com as mesmas. O arquivo possui cerca de 700 mil folhas referentes atuao da ditadura Stroessner, 740 livros encadernados e classificados, 115 livros de Novedades de Guardia, 204 caixas de papelo com documentos diversos, 574 pastas (com informaes sobre partidos polticos, sindicatos, mapas, controles), duas mil carteiras de identidade e passaportes, umas 10 mil fotografias (de detidos, atos polticos, acontecimentos familiares, perseguies) e 543 fitas cassetes com gravaes de palestras, conferncias, discursos, programas de rdio e escutas grampeadas.

    Desde que esses arquivos se tornaram pblicos, a documentao ali contida tem permitido desdobramentos essenciais para o que diz respeito recuperao de informaes sobre eventos ocorridos na regio assim como se tornaram fatores a disposio de fundamentos pedaggicos quanto ao carter conscientizador que sua divulgao desencadeia.

    Diversos autores que se debruaram sobre essa documentao tm ressaltado a importncia dessa documentao e de como o seu acesso pblico, constitue fundamental contribuio cidad para as sociedades que foram vtimas da lgica que produziram os fatos ali registrados. Um primeiro aspecto a destacar o valor deste arquivo no sentido jurdico.

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  • 8 Processos judiciais h muito tempo paralisados, foram destravados e inmeros repressores acabaram presos ou tiveram que se refugiar em outros pases (caso do prprio Stroessner, asilado no Brasil at a sua morte, em 2006). No plano internacional, os Arquivos do Terror serviram de suporte documental a inmeros juzos realizados contra repressores argentinos e chilenos pela participao no desaparecimento de pessoas no contexto da Operao Condor. Por outro lado, para centenas de paraguaios vtimas da polcia stronista, estes arquivos se constituram em uma possibilidade real de documentar sua deteno e os anos derivados da mesma. Em segundo lugar, h o valor histrico dos mesmos. Eles registram dcadas de histria oculta do Paraguai autoritrio, aquela parte da ao administrativa que a histria e o discurso oficial no assumem, no divulgam (as orientaes doutrinrias, a metodologia repressiva, a hierarquizao e responsabilidade concreta das autoridades, etc.). Em terceiro lugar, h o aspecto poltico de tal descoberta e utilizao. Inegavelmente, h um impacto poltico que gera indignao, exigncia de explicaes, demanda de justia e, conseqentemente, maior conscincia sobre o passado recente e sobre as carncias que devem ser supridas para que tais eventos possam ser combatidos no futuro o que implica em refletir sobre o carter da democracia, do funcionamento da justia, dos direitos cidados. Do ponto de vista documental e tcnico, o arquivo se mostrou fundamental para avanar o conhecimento e as pesquisas sobre o funcionamento e as dimenses complexas do Operativo Condor. Finalmente, em quinto lugar, h o aspecto pedaggico, representado e explcito nas posies defendidas, j h algum tempo, pela organizao Arquivistas sem Fronteiras, ou seja, a necessidade de dar um tratamento diferenciado para os arquivos repressivos, particularmente reconhecer a sua unicidade e a urgncia que eles simbolizam quanto possibilidade dos indivduos poderem utiliz-los para exigir indenizaes outras demandas cabveis; a simbologia do efeito bumerangue, ou seja, tendo sido feitos para reprimir cidados, tais documentos, agora, podem servir para mostrar sua inocncia e que foram vtimas de uma determinada lgica repressiva. Tal reconhecimento especialmente fundamentado quando sabemos da ainda ausncia de boa parte dos arquivos repressivos da regio, o que , relativamente minimizado, pela existncia dos arquivos do Condor, no Paraguai.

    Reflexes Finais

  • 9 Entre 1954 e 1989, o general Alfredo Stroessner governou o Paraguai atravs de uma

    das ditaduras mais brutais que j sofreu a Amrica Latina. Durante a mesma, dezenas de milhares de paraguaios foram detidos e deportados ou empurrados para o exlio (perto de 1/3 da populao, segundo organizaes de direitos humanos). Nmeros imprecisos indicam que alguns milhares de cidados podem ter sido assassinados pelo regime.

    Apoiado no governo, no Exrcito e no Partido Colorado e utilizando por longos perodos o recurso do estado de stio, o discurso anticomunista do ditador, to til durante a Guerra Fria, encobriu negcios esprios vinculados corrupo, ao trfico de armas e de drogas, roubo de automveis e contrabando de produtos eletrnicos.

    Utilizando uma fachada eleitoral de cartas marcadas e diante de uma oposio brutalmente impedida de manifestar-se Stroessner acumulou reeleies ilegais. A longevidade do seu regime repressivo fez com que vrias geraes de paraguaios sofressem a violncia estatal. Organizaes camponesas, intelectuais, partidos polticos de oposio e at espordicos focos guerrilheiros foram esmagados inapelavelmente. O abandono das garantias individuais foi acompanhado da militarizao das estruturas policiais e de controle da sociedade. Uma espcie de exlio interno tomou conta de importantes contingentes populacionais que foram segregados diante da desconfiana e da falta de solidariedade de uma sociedade profundamente marcada pelo medo frente violncia estatal.

    No comeo dos anos 70, houve importante fluxo de dlares originados da exportao de algodo e de soja alm dos capitais derivados da construo da gigantesca represa hidroeltrica de Itaipu, construda em sociedade com o Brasil. Alis, a ditadura brasileira, em geral, emprestou importante apoio ditadura de Stroessner.

    Ainda nos anos 70, a ditadura de Stroessner participou da Operao Condor, a coordenao repressiva integrada pelas ditaduras da Argentina, Bolvia, Brasil, Chile e Uruguai (e apoiada pelos EUA), que tinha como objetivo a eliminao de opositores polticos e o intercmbio de informao. Em territrio paraguaio foram seqestrados e desaparecidos diversos cidados platinos assim como unidades paraguaias agiram em territrio argentino e boliviano.

    Finalmente, aps ser derrubado do poder, em 1989, Stroessner conseguiu asilo poltico no Brasil, onde viveu os ltimos 17 anos. Morreu longe da justia do seu pas. Os inmeros crimes cometidos contra os direitos humanos e contra o patrimnio do povo paraguaio

  • 10 acabaram esquecidos. O ditador Stroessner acabou seus ltimos dias envolvido pelo manto da impunidade e protegido num verdadeiro asilo dourado.

    Bibliografia BOCCIA PAZ, Alfredo; GONZLEZ, Myrian; PALAU, Rosa. Es mi informe. Los Archivos Secretos de la Polica de Stroessner. Asuncin: Servilibros, 2006.

    BOCCIA PAZ, Alfredo; PALAU, Rosa; SALERNO, Osvaldo. Paraguay: Los Archivos del Terror. Asuncin: Centro de Documentacin y Archivo para la Defensa de los Derechos Humanos, 2007.

    CALLONI, Stella. Operacin Cndor: los aos del lobo. Buenos Aires: Pea Lillo, 1999.

    DAZ DE ARCE, Omar. O Paraguai contemporneo (1925-1975). IN: GONZLEZ CASANOVA, Pablo (org.). Amrica Latina: histria de meio sculo. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1988.

    LEWIS, Paul H. Paraguay bajo Stroessner. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1986.

    MARIANO, Nilson C. Operacin Cndor. Terrorismo de Estado en el Cono Sur. Buenos Aires: Lohl-Lumen, 1998.

    MIRANDA, Anibal. Stroessner. Asuncin: Ediciones ltima Hora, 2004.