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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE O MODELO DAS COMPETÊNCIAS E O PERFIL PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DO TERCIÁRIO DE FORTALEZA: ENTRE AS REPRESENTAÇÕES TEÓRICAS E A REALIDADE Por Maria José Camelo Maciel Fortaleza, Ceará Julho/2002

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

O MODELO DAS COMPETÊNCIAS E O PERFIL PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DO TERCIÁRIO DE FORTALEZA: ENTRE AS

REPRESENTAÇÕES TEÓRICAS E A REALIDADE

Por Maria José Camelo Maciel

Fortaleza, Ceará

Julho/2002

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MARIA JOSÉ CAMELO MACIEL

O MODELO DAS COMPETÊNCIAS E O PERFIL PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DO TERCIÁRIO DE FORTALEZA: ENTRE AS REPRESENTAÇÕES TEÓRICAS E A REALIDADE

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Acadêmico em Políticas

Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará como requisito

parcial para obtenção do título de Mestra em Políticas Públicas e Sociedade.

Orientadora: Profª Dra. Francisca Rejane Bezerra Andrade

Fortaleza, Ceará

Julho/2002

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DEDICATÓRIA

Às minhas filhas Marília e Camila, as quais impus a minha presença ausente durante o

desenvolvimento deste trabalho e as mesmas aceitaram numa pura demonstração de amor e carinho.

Ao meu parceiro Henrique, pela força que me dá e por sempre apostar em mim.

Ao meu pai José Firmino, (in memorian), que, com o seu exemplo, procurou sempre me ensinar os

valores mais caros do ser humano: ser justo e honesto.

À minha mãe Osmarina, que para mim é o melhor exemplo do que é ser mulher.

À minha irmã Socorro Maciel (nossa Corrinha), que com sua suavidade elegante, sempre me passa

tranqüilidade e a certeza de que vou conseguir atingir meus objetivos.

Ao mano Maciel, com o qual posso contar sempre, inclusive para resolver os problemas de ordem da

tecnologia informacional.

À mana Lana, com a qual estabeleço sempre relações de cumplicidade.

À professora Rejane Bezerra, que mais do que orientadora, se mostrou amiga e acolhedora; e sempre

que se fez necessário agir com rigor o fez de modo questionador, para que eu descobrisse e

reconstruísse meus conhecimentos. E o fez com a sutileza que só ela sabe ter.

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AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou indireta de muitas pessoas.

Manifestamos nossa gratidão a todas elas e de forma particular:

Ao imbatível professor Horácio Frota, que com a sua teimosa determinação, tornou possível a

concretização do Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade da UECE.

Ao presidente do Senac, Sr. Luiz Gastão, por ter de bom grado me liberado de minhas atividades

nessa instituição para que eu realizasse este mestrado.

À professora Germana Firmeza, que sempre soube reconhecer a importância do estudo e da

pesquisa para a qualidade da educação profissional.

A todos os amigos do Senac, que me apoiaram e me incentivaram na minha investida na formação

intelectual.

A todos os amigos do mestrado: Jeanette, Mônica, Socorrinha, Fátima, Sena, Rejane, Magda, Sílvio,

Giuseppe, Augusto, Marcos, Tulius e, em especial, à Vitória, a qual agradeço de coração, pela sua

disponibilidade para comigo.

Aos professores Filomeno, Ubiracy, Josênio, e às professoras Suzana Jimenes, Inês e Celeste pela

contribuição teórica que nos deram neste mestrado.

Ao professor Erasmo Miessa, que aceitou de muito bom grado participar da banca de defesa desta

dissertação e pelo qual tenho muita admiração.

Ao professor Werner Markert, que desde o princípio deste trabalho, me fez acreditar que é possível

pensar as competências para além dos marcos do mercado de trabalho capitalista.

A todos os amigos que acreditam sempre na nossa teimosia de romper com as determinações do

cotidiano para buscar novos conhecimentos e em especial ao meu amigo Macário, por estar sempre

disposto a me ouvir e pelas sugestões sempre sinceras e grande valia teórica.

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TERMO DE APROVAÇÃO

MARIA JOSÉ CAMELO MACIEL

O MODELO DAS COMPETÊNCIAS E O PERFIL PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DO TERCIÁRIO DE FORTALEZA: ENTRE AS REPRESENTAÇÕES TEÓRICAS E A REALIDADE

COMISSÃO JULGADORA

DISSERTAÇÃO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

Presidente e orientadora:

Profª Dra. Francisca Rejane Bezerra Andrade _____________________________________

2º Examinador:

Prof. Dr. Werner Markert

_______________________________________________________

3º Examinador:

Prof. Dr. Erasmo Miessa Ruiz___________________________________________________

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“Aos esfarrapados do mundo

e aos que neles se descobrem e, assim

descobrindo-se, com eles

sofrem, mas, sobretudo,

com eles lutam.”

Paulo Freire

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD - Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento

CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos Econômicos

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IED – Investimento Externo Direto

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério da Educação e Cultura

MTb – Ministério do Trabalho Brasileiro

OIT – Organização Internacional do Trabalho

PEA – População Economicamente Ativa

PME – Pesquisa Mensal do Emprego

PNAD – Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

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RESUMO

“O modelo de competências e o perfil profissional dos trabalhadores do

terciário de Fortaleza: entre as representações teóricas e a realidade” aborda a

noção de competências no contexto de recomposição da hegemonia capitalista,

no quadro da reforma da educação profissional brasileira, à luz das

transformações operadas nos planos político, econômico, cultural, produtivo e

trabalhista, bem como à luz das novas formas de organização curricular do

modelo de competências na educação profissional do Senac. O trabalho destaca

as especificidades do terciário e as relações do modelo de competências na

gestão do trabalho nesse setor. Compara as representações teóricas, que

apontam para a necessidade de formação de um novo perfil de trabalhador

mediante a gestão do trabalho por competências nos setores produtivos e sua

inadequação para dar conta do movimento que ocorre no terciário de Fortaleza.

PALAVRAS-CHAVE: Globalização, neoliberalismo, crise do capital, Estado de bem-estar, Estado mínimo, modelo de produção flexível, educação profissional, modelo de competências, perfil profissional, qualificação, setor terciário de Fortaleza.

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RESUMEN

“El modelo de competencias y el perfil profesional de los trabajadores del

sector terciario de la Fortaleza: entre las representaciones teoricas e la realidad”

aborda la noción de competencias en lo contexto de recomposicion de la

hegemonia capitalista, en lo marco de la reforma de la educacion profesional

brasileña, a la luz de las transformaciones operadas en los proyectos político,

economico, cultural, productivo y laboral, asi como, a la luz de las nuevos modos

de organización curricular del modelo de la competencias na educacion

profesional del Senac. El trabajo sobresala las caracteristicas del terciario y las

relaciones del modelo del competencias en la gestión del trabajo en el sector.

Compara las representaciones teoricas que hacen a afirmación de la necesidad

de la formación del uno nuovo perfil de trabajador para la gestión del trabajo

baseyada en las competencias en los sectores productivos y la sua inadecuación

para responder el movimiento que acontece en lo terciario del Fortaleza.

PALABRAS PRINCIPALES: Globalización, neoliberalismo, crises del capital, Estado proteccionista, Estado mínimo, modelo del produción flexible, educación profesional, modelo del competencias, perfil profesional, cualificación, sector terciario del Fortaleza.

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO 11

1.1.OBJETIVO E ÂMBITO DO TRABALHO 11 1.2. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO E ESTRUTURA DO TEXTO 14

CAPÍTULO I - GLOBALIZAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E MERCADO DE TRABALHO 166

1.1. CONJUNTURA - ESTRUTURA SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA 166 1.1.1. COMPETÊNCIA: UM CONCEITO POLISSÊMICO 166

1.1.2. A POSIÇÃO OCUPADA PELOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NA NOVA “ORDEM MUNDIAL” 20

1.1.3. REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO NO ÂMBITO DA CRISE DO CAPITAL 23

1.2. MERCADO DE TRABALHO GLOBALIZADO 33 1.2.1 - MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL 33

1.2.2. A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL E SUA CRÍTICA 42

CAPÍTULO II - A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA REFORMA EDUCACIONAL BRASILEIRA DOS ANOS 90 E NO MODELO PEDAGÓGICO DO SENAC, TENDO COMO EIXO A NOÇÃO DE COMPETÊNCIAS 577

2.1. DETERMINANTES SOCIAIS, ECONÔMICOS E POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO 577 2.1.1. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COMO CATEGORIA MEDIADORA ENTRE O TRABALHO E A CULTURA 57

2.1.2. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO ENFOQUE NEOLIBERAL E ECONOMICISTA 60

2.2.POLÊMICAS E MODELOS SUBJACENTES À REFORMA DO ENSINO COM FOCO NAS COMPETÊNCIAS IMPLEMENTADA NO BRASIL NOS ANOS 90 70 2.3. AS COMPETÊNCIAS E O MODELO CURRICULAR DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO SENAC 86 2.3.1. FORMAÇÃO PROFISSIONAL SENAC: UMA PROPOSTA PARA O SETOR COMÉRCIO E SERVIÇOS 86

2.3.2. REFERENCIAIS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL SENAC - 2001 98

III - O MODELO DAS COMPETÊNCIAS NA GESTÃO DO TRABALHO E SUA ARTICULAÇÃO NA DEFINIÇÃO DO PERFIL PROFISSIONAL DO TRABALHADOR DO SETOR DE COMÉRCIO DE BENS E SERVIÇOS DE FORTALEZA. 118

3.1. A NOÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA GESTÃO DO TRABALHO E NO TERCIÁRIO - DICOTOMIAS ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA. 118 3.1.1 - A GESTÃO DO TRABALHO POR COMPETÊNCIA NA INDÚSTRIA. 118

3.1.2. A RACIONALIDADE NO TERCIÁRIO E AS COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS 122

3.2. MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS NO TERCIÁRIO - O CASO DO COMÉRCIO VAREJISTA 131 3.3. RELAÇÕES DO CURRÍCULO POR COMPETÊNCIA COM O PERFIL DO TRABALHADOR DO TERCIÁRIO EM FORTALEZA 136 3.3.1. A MUDANÇA DO TRABALHO POR SETORES E NA COMPOSIÇÃO ORGANIZACIONAL 136

3.3.2. PERFIL PROFISSIONAL EXIGIDO AO TRABALHADOR DO TERCIÁRIO EM FORTALEZA 143

IV - CONCLUSÃO 154 V- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 161

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O modelo de competências e o perfil profissional dos trabalhadores do terciário de Fortaleza: entre as representações teóricas e a realidade

1. Apresentação

1.1.Objetivo e âmbito do trabalho

O objetivo do presente estudo é estabelecer uma comparação entre as

representações teóricas da educação profissional centrada no modelo de

competências e o que, no setor terciário de Fortaleza, se faz perceber em termos de

exigências por tais requisitos no perfil profissional dos trabalhadores.

Temos um interesse especial por esta temática, uma vez que ela se associa

ao trabalho que desenvolvemos no SENAC - CE, enquanto coordenadora do Núcleo

de Planejamento, Avaliação e Supervisão Pedagógica. Nesse trabalho nos

colocamos constantemente em contato com a problemática da adoção do novo

modelo de formação profissional centrado na noção de competências, o que nos tem

suscitado muitos questionamentos acerca das contradições existentes no âmbito das

novas exigências feitas à educação profissional e à realidade configurada no

terciário de Fortaleza. Isso acabou por nos levar a adotar tal problemática como

objeto de análise do presente estudo.

Acreditamos que esta investigação trará uma importante contribuição

acadêmica para a reflexão acerca do que é idealizado e do que é exigido por este

setor com relação às competências profissionais modernas, principalmente no que

se refere à necessidade de evidenciar as dicotomias que atualmente surgem entre o

modelo de educação profissional voltado para o desenvolvimento de competências e

a realidade do mercado de trabalho do setor terciário de Fortaleza.

No desenvolvimento do estudo, buscamos abordar os nexos da formação

profissional centrada no modelo de competências a partir das relações sociais que

se estabelecem no movimento de recomposição da hegemonia capitalista, no

contexto da crise do capitalismo mundial dos anos setenta. Neste movimento,

apreendemos sua configuração nas relações entre capital e trabalho, nas suas

conseqüências para a relação entre trabalho e educação e no seu sentido enquanto

categoria mediadora entre o trabalho e a cultura.

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Para apreender a educação profissional orientada para o modelo de

competências nas relações entre capital e trabalho, e entre trabalho e educação,

buscamos situar a abordagem em três movimentos fundamentais: o primeiro liga-se

ao seu surgimento no mundo empresarial a partir dos anos oitenta, no contexto da

crise estrutural do capitalismo que se configura, nos países centrais, no início da

década de setenta. É desse primeiro movimento emergem novas concepções

gerenciais consoantes com as novas formas de produção flexível e de novos modos

de gerenciamento da organização do trabalho e do saber do trabalhador.

Como desdobramento, o segundo movimento refere-se à introdução, no

Brasil, da concepção de educação profissional orientada para as competências, o

que se deu na década de 90. Nesse período, a noção de competências foi

incorporada no âmbito da reforma educacional e nos referenciais curriculares do

Senac. Essa iniciativa se deu no intuito de que o trabalhador brasileiro passasse a

ser formado dentro dos requisitos feitos ao perfil e às qualidades delineadas pelo

discurso empresarial mundializado.

Nessa perspectiva, a educação profissional parte da premissa de que nos

setores produtivos, inclusive no terciário, estaria ocorrendo um rompimento com o

paradigma produtivo taylorista/fordista e a implementação da chamada produção

flexível. Isso romperia com o conceito de qualificação para o posto de trabalho e

implicaria na formação voltada para as competências com foco no trabalhador.

Diante dessa premissa, identificamos algumas implicações do uso da noção

de competências numa perspectiva meramente ideológica, o que resulta em

contradições que se colocam na homogeneização de sua aplicação em contextos

com características diferenciadas, ou seja, na ideologia da empregabilidade, por

exemplo, se usa a mesma concepção de competências de forma unificada, tanto

para o setor industrial, quanto para o terciário, sem se levar em conta que as

racionalidades em cada contexto são diferenciadas. Numa palavra, o ponto central

da questão é o fim a qual a mesma serve e não os meios para os quais é utilizada.

Neste âmbito, vamos apreender que as reformas implementadas no campo

educativo-formativo realizaram-se também em conformidade com o estabelecimento

de um novo padrão ideal de vivência das relações sócio-econômico-políticas que

estruturam a sociedade. Isso nos leva também a apreender que a formação

profissional tem nesse movimento, um sentido especial como categoria mediadora

entre o trabalho e a cultura.

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A partir desse entendimento é possível constatar que a formação profissional

aqui claramente entendida como relação social, exerce uma função especialmente

importante na formação e na transformação cultural, atendendo aos interesses do

capital, pois é o mercado de trabalho capitalista quem define as tendências e os

requisitos dessa qualificação.

O terceiro movimento se refere às contradições detectadas entre o que o

modelo de competências se propõe a realizar e o que se efetiva na prática. Assim

buscamos apreender essas contradições desde a sua regulamentação na educação

profissional brasileira, passando pela proposta do Senac que se volta para a

formação do trabalhador terciário, terminando na análise do tipo de perfil profissional

que o terciário de Fortaleza requer.

Essas contradições são diversas e se revelam em vários aspectos, como, por

exemplo, no anacronismo do Decreto 2.208/97 que implanta o modelo de

competências na educação profissional brasileira baseado no movimento que vem

ocorrendo nos países do centro capitalista, porém, adotando uma estratégia que

demarca cada vez mais o atraso de seu sistema educacional em relação aos desses

países nos quais se inspira.

A contradição mais crítica por nós identificada na implantação desse modelo,

refere-se aos aspectos que estão relacionados à definição do perfil profissional de

conclusão dos cursos. Detectamos que os mesmos seguem a lógica da matriz

funcionalista que, por sua vez, vai nos permitir identificar que além de empobrecer a

prática da educação profissional, ainda segue uma lógica que não se aplica no

terciário de Fortaleza, sequer para o emprego formal.

Dentro dessa orientação funcionalista, de forma geral, as competências

investigadas no processo de trabalho são transpostas de forma linear para o

currículo, formulando-se as competências a serem construídas como intermináveis

listas de atividades e comportamentos, limitando o saber ao desempenho específico

das tarefas. A concepção da autonomia dos sujeitos fica, assim, restrita e prescrita

pelas atividades e tarefas. Sua perspectiva economicista, individualista,

descontextualizada e a-histórica limita o currículo e estreita a formação do

trabalhador.

Quando estabelecemos a comparação da perspectiva de educação

profissional acima destacada com as exigências do terciário de Fortaleza acerca do

perfil profissional dos trabalhadores, revelou-se um imenso descompasso entre

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ambas. Neste embate demarcamos a importância de se (re)significar os discursos

das propostas de educação que se colocam em curso como solução para a

empregabilidade, nos quais fica subentendido que a perspectiva de inserção no

mercado de trabalho depende da predisposição que o trabalhador tenha para se

qualificar.

A análise empreendida em todo o trabalho nos dá conta de que o substrato

epistemológico de tais propostas não resistem a generalizações e, quando situadas

no contexto geral da sociedade atual, dão sinal de sua incapacidade de considerar a

totalidade das relações sociais.

1.2. Procedimento metodológico e estrutura do texto

O objeto aqui enfocado não pode ser tratado isoladamente do contexto

histórico em que emerge, tampouco é evidente em si mesmo. Por isso procuramos

enfocá-lo no seu em-si — quando fomos buscar os números, as observações, os

referenciais curriculares do Senac e as determinações do terciário de Fortaleza,

como também na teia de relações que mantém com a totalidade social e histórica

contemporânea. Assim, pois, a metodologia apropriada para apanhar este objeto na

sua imanência e no seu movimento não poderia ser outra senão a Dialética.

• As múltiplas relações do objeto de estudo com o contexto sócio-histórico foram

devidamente compreendidas a partir da exploração de uma literatura básica sobre o

assunto tais como as obras de Neise Deluiz, Werner Markert, Phillipe Zarifian,

Márcio Pochmann, Robert Castel, Francisco de Oliveira, Gaudêncio Frigotto, Ricardo

Antunes, Philippe Perenoud, Lucie Tanguy, Manoel Malaguti, Pablo Gentilli,

Dermeval Saviani, Acácia Kuenzer, Marise Ramos dentre outros(as).

• Através de pesquisa bibliográfica e documental buscamos esclarecer os nexos ou

contradições entre a teoria, em termos de desenvolvimento curricular com foco nas

competências a partir dos documentos que contemplam a proposta pedagógica do

Senac e o que se faz notar na definição do perfil profissional dos cursos de formação

profissional.

• Lançamos mão dos dados colhidos na pesquisa “Banco de Dados - Trabalho e

Emprego” através dos classificados dos jornais, desenvolvida pelo SENAC em todas

as capitais brasileiras, da qual utilizamos os dados referentes a Fortaleza com o fim

de verificar as exigências feitas ao perfil profissional do trabalhador do terciário.

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O texto encontra-se estruturado em três capítulos e mais a conclusão. No

primeiro capítulo trilhamos o seguinte caminho: num primeiro momento,

reconstituímos um referencial teórico que nos permitiu analisar as condições do

mercado de trabalho atual, dentro das determinações da estrutura social,

econômica, política e cultural contemporânea. Assim procedemos a fim de melhor

explicitar como se dá o fenômeno da inclusão/exclusão dos trabalhadores.

Extraímos daí uma reflexão de como se idealiza a formação profissional do

trabalhador a partir da incorporação do modelo de competências e da implicação

ideológica desta perspectiva para amenizar as pressões que possam pesar contra o

sistema pela responsabilidade com a exclusão social.

No segundo capítulo, analisamos como e por que as demandas do setor

produtivo acabam tornando-se política do Estado, quando resgatamos a questão das

políticas educacionais gestadas no Brasil atualmente. Políticas essas que

institucionalizam as competências a exemplo do movimento que vem ocorrendo nos

países do centro capitalista. Em seguida analisamos também como se concebe as

competências para o terciário através da análise do modelo de educação

profissional do sistema Senac.

Neste primeiro esforço conceitual, buscamos no referencial teórico

reconstruído, esclarecimentos aos seguintes questionamentos: que demandas

passaram a exigir que a formação do trabalhador brasileiro e do trabalhador terciário

passe a se realizar tendo como base as novas formas de realização da atividade

produtiva, características do paradigma de acumulação flexível?

À luz deste direcionamento, no terceiro capítulo captamos o que se realiza no

campo empírico do terciário de Fortaleza acerca das exigências ao perfil profissional

do trabalhador, onde se evidenciou uma descontinuidade entre as representações

teóricas sobre as competências profissionais e o que se verifica nesse setor da

economia.

A conclusão, de caráter mais utópico, irá apontar para a (re)significação das

propostas de educação profissional em curso, para além do reducionismo, do caráter

pragmático, fragmentado e tecnicista que historicamente tem se agregado à

educação profissional.

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CAPÍTULO I - Globalização, reestruturação produtiva e mercado de trabalho

1.1. Conjuntura - estrutura social, econômica e política

1.1.1. Competência: um conceito polissêmico

No campo educacional, é unânime na teorização acerca da noção de

competência, a afirmação de que se trata de um termo polissêmico.

Perrenoud1, cujas teorias têm servido como referencial para se refletir a

questão das competências na escola brasileira, ao afirmar que são múltiplos os

significados da noção de competência, assim se expressa, acerca da definição

dessa noção: “Eu a definirei como sendo uma capacidade de agir eficazmente em

um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem se limitar a

eles.” Para enfrentar uma situação da melhor maneira possível, esclarece o autor,

deve-se, via de regra, por em ação e em sinergia vários recursos cognitivos

complementares, entre os quais estão os conhecimentos.

Para este autor, etimologicamente a palavra competência é derivada do latim,

competentia, possuindo a mesma raiz que a palavra competir, competere. Assim, o

termo competência abriga vários sentidos, apresentando-se, portanto como um

conceito polissêmico.

Vale dizer que essa polissemia se origina das diferentes noções teóricas que

estão ancoradas em matrizes epistemológicas diversas e que expressam interesses,

expectativas e aspirações dos diferentes sujeitos coletivos, que possuem propostas

e estratégias sociais diferenciadas e buscam a hegemonia de seus projetos políticos.

O conceito das competências, se analisado somente sob o ângulo de suas

determinações para uma nova concepção pedagógica, tendo por base um

pressuposto epistemológico que imprime uma nova relação entre o sujeito e objeto

do conhecimento, como no caso da matriz construtivista, tão em voga nas defesas

do modelo das competências, certamente traz algumas positividades ao fazer

pedagógico na educação profissional, pois isso implica numa ruptura com as

tendências tecnicistas e seu pressuposto empirista ainda tão presentes nesta

modalidade de ensino.

1 PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. p. 7

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Partindo-se do entendimento de que competência remete à articulação de

conhecimentos, habilidades e valores na realização de uma determinada tarefa ou

atividade, isso, por sua vez, remeteria, nos processos de ensino, a uma importante

valorização dos conhecimentos e experiências já acumulados pelos alunos, que

seriam fundamentais na construção de novos saberes e competências. Para

Alcântara2, além desses saberes, também devem ser considerados a multiplicidade

de saber fazer do sujeito, os componentes afetivos e motivacionais de sua ação no

mundo e principalmente a diversidade de suas atitudes, formas de agir e reagir que

podem ser transferidos para diferentes contextos.

Porém, é no bojo da gestação hegemônica de um novo projeto político

econômico e cultural e nas relações que aí se travam, onde podemos melhor

compreender a disputa de uma significação para o conceito de competências.

Nos argumentos das políticas de recursos humanos das empresas, a

competência viria a representar um fator de diferenciação do trabalhador, o que o

tornaria mais apto a lidar com a imprevisibilidade característica das novas formas de

realização do trabalho e o tornaria mais competitivo.

Esse direcionamento rumo a noção de competência se alia as necessidades

advindas com a crise do modelo taylorista e o advento do toyotismo, quando muitos

centros de recursos humanos procuraram atualizar seus modelos para atender a um

tipo de formação muito mais complexa, que abarca muito mais fatores subjetivos do

que a anteriormente necessária.

Surgiram, nessa nova abordagem da formação, muitas novas técnicas de

levantamento e avaliação de competências, como a análise funcional, o método

DACUM, ainda ligadas à análise comportamental e outros métodos mentalistas

como o de mapeamento mental, os protocolos verbais, o método algo-heurístico,

métodos construtivistas, e assim por diante.

No bojo das discussões relacionadas com o novo modelo surgiu a questão da

superação da qualificação. O conceito de qualificação estaria ligado à formação

prescritiva para um determinado posto de trabalho, característica do modelo da

abordagem científica da produção em série. O novo modelo necessitava de uma

formação com padrão exigido, para uma atuação flexível em tarefas rotacionais bem

mais complexas.

2 ALCÂNTARA, Mariana. Competência: um conceito em construção. Mimeo. 2002

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O que se buscava não era mais aquela cadeia linear de operações e passos

que podiam facilmente ser transformados em um manual programado de instrução.

Necessitava-se agora de preparo bem mais amplo, com fundamentos básicos mais

sólidos, que levassem o trabalhador aos níveis de desempenho dentro do padrão

exigido de produtividade internacional. O que se buscava, enfim, era criar o

trabalhador de nível de excelência, ou dito de outro modo, o trabalhador competente.

Assim, a apreensão do conceito de competências e suas implicações no

estabelecimento de novas relações sociais de trabalho deve ser feita, além do que

se estabelece no espaço da educação profissional, mas, principalmente nas

determinações atuais do âmbito capital e trabalho, pois é nesse âmbito que se

definem os usos que se fará da noção de competência.

Portanto, analisar o modelo de competências que atualmente norteia os

currículos e programas de educação profissional no Brasil e o perfil ocupacional dos

trabalhadores do terciário de Fortaleza, nos remete a apreender como se estabelece

hoje a relação trabalho-educação face às exigências do capital mundializado.

Conduz-nos portanto, ao resgate da especificidade da escola, num primeiro

momento, não a partir dela, mas das determinações fundamentais: as relações

sociais de trabalho, as relações sociais de produção3, pois

Sem a paciência da investigação da conjuntura, a análise dialética se

resume na monótona afirmação de uma identidade, na procura obcecada

dos traços definitórios do capital, do salário ou do imperialismo, sem

levar em conta que uma forma se efetiva criando determinações opostas.

(...) (Gianotti apud Frigotto,1995. p. 22)4

O modelo de competências profissionais, na verdade, começa a ser discutido

no mundo empresarial a partir dos anos oitenta, no contexto da crise estrutural do

capitalismo que se configura, nos países centrais, no início da década de setenta.

Esta crise se expressa pelo esgotamento do padrão de acumulação

taylorista/fordista; pela hipertrofia da esfera financeira na nova fase do processo de

internacionalização do capital; por uma acirrada competição intercapitalista, com

tendência crescente à concentração de capitais devido às fusões entre as empresas

3 FRIGOTTO, Gaudêncio [et al.]. Trabalho e Conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 1995. p.18 4 Idem.

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19

monopolistas e oligopolistas; pela desregulamentação dos mercados e da força de

trabalho, resultantes da crise da organização assalariada e do contrato social.

As respostas do capital à sua crise estrutural podem ser dimensionadas pelas

reestruturações empreendidas no próprio processo produtivo, por meio de

constituição das formas de produção flexíveis, da inovação científico-tecnológica

aplicada aos processos produtivos e de novos modos de gerenciamento da

organização do trabalho e do saber do trabalhador. Este amplo processo de

reestruturação teve como objetivos não só reorganizar em termos capitalistas o

processo produtivo tendo em vista a retomada de seu patamar de acumulação, mas

gestar um projeto de recuperação da hegemonia do capital não só na esfera da

produção, mas nas diversas esferas da sociabilidade,5 que se confrontasse ao

contra poder que emergia das lutas sociais e sindicais dos anos 60 e 70.

As novas concepções gerenciais que surgem no bojo desse processo de

reestruturação empresarial estão ancoradas, assim, numa lógica de recomposição

da hegemonia capitalista e das relações capital-trabalho e têm como objetivos

racionalizar, otimizar e adequar a força de trabalho face as demandas do sistema

produtivo. Na década de 90, o aprofundamento da globalização das atividades

capitalistas e a crescente busca de competitividade levaram ao alinhamento

definitivo das políticas de recursos humanos às estratégias empresariais,

incorporando à prática organizacional o conceito de competência, como base do

modelo para se gerenciarem pessoas, apontado para novos elementos na gestão do

trabalho. Apreender, pois, suas relações e desdobramentos no contexto mais amplo,

é nossa primeira tarefa.

Iniciaremos, portanto, esta dissertação por desenvolver uma breve reflexão

acerca dos desdobramentos do movimento de superação da crise atual do capital e

das metamorfoses na produção de bens e serviços nas últimas três décadas. Nesse

movimento vamos apreender que os fenômenos relacionados à mundialização

econômica do capital, à adoção de novos padrões de administração e de novas

formas de gestão da força de trabalho, a redefinição do papel do Estado e às

inovações tecnológicas incorporadas aos setores produtivos, têm configurado uma

transformação radical na estrutura social, econômica e política das sociedades

capitalistas e têm mudado também a face do trabalho neste novo século.

5 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo

Editorial, 2000. p. 48.

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20

1.1.2. A posição ocupada pelos países em desenvolvimento na nova “ordem mundial”

O processo de mundialização da economia tem intensificado e aprofundado

mudanças na dinâmica do capitalismo internacional através de um intenso e rápido

fluxo de capitais, bens e serviços, viabilizado pelo avanço das telecomunicações e

da rapidez dos transportes, consolidando a internacionalização da economia e a

crescente integração dos mercados. Para Milton Santos, 6

o que é representativo do sistema de técnicas atuais é a chegada da

técnica da informação, por meio da cibernética, da informática, da

eletrônica. Ela vai permitir duas grandes coisas: a primeira é que as

diversas técnicas existentes passam a se comunicar entre elas. A

técnica da informação assegura esse comércio, que antes não era

possível. Por outro lado, ela tem um papel determinante sobre o uso do

tempo, permitindo, em todos os lugares, a convergência dos momentos,

assegurando a simultaneidade das ações e, por conseguinte, acelerando

o processo histórico.

Ao contrário do que se pode pensar, o processo de mundialização do capital

não é um fenômeno novo7, a humanidade sempre sonhou em romper as barreiras

da caverna, dos guetos e da província e isto tem sido uma busca constante na

construção histórica do ser humano,8 se assume feição de novo, isso se dá devido à

sua velocidade, abrangência e, particularmente, a uma nova dimensão de tempo e

de espaço. Todavia, alia-se a tal fenômeno, a exclusão social em escala jamais

sonhada nos países do dito primeiro mundo e nos países periféricos como o Brasil,

onde sempre houve a exclusão social em alta escala, atualmente esta se apresenta

com novos ingredientes, antes inexistentes.

Octávio Ianni (1993) destaca que a mundialização do capitalismo esboça-se

desde os seus primórdios, porém que se desenvolve de maneira mais aberta,

particularmente no Séc. XX quando adquire novas características no segundo pós-

6 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Record, 2001, p.25. 7 Objeto das reflexões de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, escrito há 153 anos atrás, a globalização, na sociedade capitalista, é abordada como a “ necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos o que impele a burguesia para todo o globo terrestre. Ela deve estabelecer-se em toda parte, instalar-se em toda parte, criar vínculos em toda parte”. ( Marx e Engels, 1993: 69). 8 FRIGOTTO, Gaudêncio. Globalização e Crise do Emprego. In: Boletim Técnico do Senac. V. 25, n. 2, maio/ago.,1999.

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guerra, a partir da emergência de estruturas mundiais de poder, decisão e influência

que anunciam a redefinição e o declínio do Estado-Nação.

As características da marcha da globalização incluem a

internacionalização da produção, a globalização das finanças e seguros

comerciais, a mudança na divisão internacional do trabalho, o vasto

movimento migratório do Sul para o Norte e a competição ambiental que

acelera esses processos.9

O termo “nova ordem” mundial, neste contexto, vem sendo largamente

utilizado para designar o cenário sócio-político e econômico desencadeado no

mundo a partir da marcha da mundialização do capitalismo, que tem como impacto

mais expressivo a diluição da identidade nacional dos países, expressa na definição

de novos campos de atuação que independem dos limites geopolíticos

anteriormente definidos. Emerge na cena internacional, novos atores, que Chomski

(1993) denomina de os “novos senhores do mundo”, personalizados através dos

organismos financeiros internacionais e de grupos de países já hegemônicos.

Nessa nova ordem, a bipolarização, expressão da contraposição entre países

do Ocidente e do Leste Europeu, que até o final dos anos 80 se manifestou através

da “Guerra Fria”, cedeu lugar a uma multipolarização, em que a hegemonia dos

países do Norte está claramente presente na definição do G-8, que, por suposto,

detém o controle dos organismos financeiros internacionais e impõe diretrizes aos

demais. Nesta nova configuração do globo, acentua-se cada vez mais a

dependência do Sul (países em desenvolvimento) em relação ao Norte (países

desenvolvidos) e ampliam-se as desigualdades entre Norte e Sul. Tal fenômeno é

fortalecido a partir da unicidade da técnica que torna possível a existência de uma

fiança universal, principal responsável pela imposição a todo o globo terrestre de

uma mais-valia mundial. Nesse movimento, “quando um determinado ator não tem

as condições para mobilizar as técnicas consideradas mais avançadas, torna-se, por

isso mesmo, um ator de menor importância no período atual.” 10

A conseqüência mais grave de tal movimento para os mercados de trabalho

dos países em desenvolvimento é o papel submisso que esses países passam a

desempenhar em relação aos países centrais e, por conseguinte, o aprofundamento

cada vez mais acentuado, da inferioridade, em termos de capacidade produtiva e

tecnológica desses países em desenvolvimento.

9 Robert W. Cox, apud Ianni, 1993, p.p. 24, 25

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A nova divisão internacional do trabalho é paradigmática desta inferioridade,

onde os países desenvolvidos, centro da economia mundial, representam o locus

do poder de comando através das atividades de controle do excedente das cadeias

produtivas, bem como de produção e difusão de novas tecnologias, restando ao

grupo dos países em desenvolvimento, o papel de subordinação às lógicas

financeiras e creditícias e a absorção tecnológica. Em análise feita por Márcio

Pochmann,11 temos que:

A constituição de cadeias produtivas mundiais encontra-se dividida em

dois níveis distintos. No primeiro nível assumem maior importância as

atividades produtivas vinculadas ao processo de concepção do produto,

definição do design, marketing, comercialização, administração,

pesquisa e tecnologia e aplicação das finanças empresariais. Por ser

atividades de comando e elaboração, são partes do processo produtivo

vinculadas aos serviços de apoio à produção, com tecnologias mais

avançadas, demandando crescentemente mão-de-obra mais qualificada,

que recebe maior salário e com condições mais favoráveis de trabalho.

Não causa espanto, no entanto, saber que a parte majoritária dos

investimentos em ciência e tecnologia são de responsabilidade dos

países do centro capitalista.

O lugar destinado aos países da periferia como o Brasil, na economia

mundializada, é, em muitas análises, suavizado em decorrência da sua atribuição

aos aspectos subjetivos da produção. A introdução de novas tecnologias e de novas

formas de organização do trabalho no Brasil nestes últimos anos no interior do setor

industrial brasileiro – o qual se realiza no quadro do processo de abertura externa da

economia e do conseqüente acirramento da competição inter-empresarial tanto no

contexto nacional como no internacional –, passou a destacar que o fator de entrave

dos ganhos de produtividade e qualidade dos produtos, no que se refere ao aspecto

subjetivo da produção (desempenho da força de trabalho), é a baixa capacitação –

ou “qualidade” – do trabalhador nacional em geral, a qual, por sua vez, encontrar-se-

ia intimamente ligada aos baixos e precários níveis de escolarização deste último.

Desse entendimento decorre que é urgente a necessidade de dotar os

trabalhadores brasileiros de novas competências que sejam consoantes com o novo

paradigma científico-tecnológico da produção mundializada.

10 SANTOS, Milton. Idem p. 25 11 POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização. São Paulo, Boitempo Editorial, 2001

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Porém, havemos de conceber que esta relação não é assim tão linear, pois,

cada passo dado na introdução da automação contemporânea abriu espaço a uma

concentração de capitais sem precedentes nas mãos dos grandes grupos

econômicos, que se beneficiam tanto da destruição das formas anteriores de relação

contratual de trabalho, como das novas possibilidades de extração da mais-valia sob

a combinação de procedimentos diversos de exploração da mão-de-obra.

Chesnais12, assinala que princípios como o de lean production, desde a origem de

sua aplicação, tem servido aos grandes grupos, que emitem pedidos a empresas

“terceiras”, para fazer recair sobre estas últimas os imprevistos conjunturais e para

impor aos seus assalariados o peso da precariedade contratual, combinado com

níveis salariais bem inferiores. Tal perspectiva traz imensas vantagens aos países

do centro capitalista, pois como se expressa o autor acima citado:

O efeito combinado das novas tecnologias e das modificações impostas

à classe operária, no tocante à intensidade do trabalho e à precariedade

do emprego, foi proporcionar aos grupos americanos e europeus a

possibilidade de construir com a ajuda dos seus Estados, zonas de baixo

salário e de reduzida proteção social(...).

A mundialização do capital, resulta de dois movimentos conjuntos,

interrelacionados, mas, ao mesmo tempo, distintos. O primeiro pode ser

caracterizado pela fase ininterrupta de acumulação do capital desde 1914 e o

segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de

desregulamentação e de desmantelamento das conquistas sociais e democráticas,

que foram aplicadas desde o início de 1980 pelos governos Thatcher e Reagan,

inicialmente.13

1.1.3. Redefinição do papel do Estado no âmbito da crise do capital

No movimento gerado pela mundialização do capital, o papel do Estado nos

países ocidentais sofre profundas redefinições, onde se verifica a confluência de um

conjunto de determinantes históricos que tocam, sobremaneira o tema das políticas

sociais nesse novo século. Nessa perspectiva, podemos verificar que ao longo da

década de 70, tanto os países desenvolvidos quanto aqueles em desenvolvimento,

dentre eles, os países da América Latina, vivenciaram uma profunda redefinição do

papel do Estado no campo social.

12 CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã,1996. p. 35. 13 CHESNAIS. François. Op. cit

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A gênese de tal movimento está associada à crise do Welfare State e a uma

profunda redefinição do papel do Estado, onde, através desta se constituiu uma

agenda de reformas de inspiração neoliberal, que aponta para novas formas de

resolução da crise do capitalismo contemporâneo.

Nesse direcionamento vem-se concretizando a dissolução do velho conceito

de Estado Nacional e a sua perda da capacidade financiadora. A estrutura de

classes da sociedade industrial formada nos últimos 200 anos, que ensejou o Estado

de Direito mediador da estabilidade social, sofre alterações qualitativas importantes.

Inclusive nos países capitalistas desenvolvidos, o Estado de Direito tradicional já tem

dificuldades para responder às condições necessárias de desenvolvimento

requeridas pelo capital financeiro que tutela a chamada terceira revolução científico-

tecnológica apoiado nas grandes corporações transnacionais, que precisa cada vez

mais de agilidade e rapidez para fluir, condições já quase insuportáveis pela

superestrutura jurídica. Nesse embate, a resposta que vem sendo dada é a

desregulamentação, a perda de credibilidade das constituições que garantem

direitos sociais e “a propagação de um subjetivismo e de um individualismo

exacerbados, dos quais a cultura ‘pós-moderna’ é expressão, animosidade direta

contra qualquer proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital”.14

Para melhor compreendermos, o período que ora vivenciamos na história do

capitalismo, é importante termos presente que a evolução histórica do capitalismo

“pode ser dividida em períodos, pedaços de tempo (marcados por certa coerência

entre as suas variáveis mais significativas, que evoluem diferentemente, mas dentro

de um sistema”15), sempre antecedidos e sucedidos por crises.

Nesse movimento, o processo de reorganização da base produtiva capitalista

atual se dá como estratégia de resposta do capital a mais uma de suas crises, o que

nos leva, seguindo a análise de Mészáros16, a apreender que as fases de

capitalismo organizado, não estão em nenhum sentido menos sobrecarregadas por

crises do que o assim chamado capitalismo de crise, e que assim sendo, o

aperfeiçoamento dos métodos de administração das crises emergem em resposta

direta às pressões de uma crise em aprofundamento.

Nesse sentido, cumpre observar que o esgotamento do padrão de

acumulação da organização da produção industrial taylorista/fordista, baseado na

14 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho...p. 61 15 SANTOS, Milton. Ib idem p. 61

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produção em série e no consumo de massa, e de um modelo de gestão da mão-de-

obra baseado na extrema divisão do trabalho e na fragmentação do saber,

decorrentes do parcelamento das tarefas e da separação entre concepção e

execução, se deu no auge do aprofundamento da crise do capitalismo nos anos 70,

quando se buscou como método de administração de tal crise a adoção de um novo

paradigma de produção denominado de flexível, que redimensiona a demanda de

trabalho e afeta diretamente os trabalhadores, pela intensa concorrência que se

efetiva por formas de racionalização na produção e na gestão.

O trabalho, nessa perspectiva, passa por um processo de redefinição em

função da competitividade mundial por parte dos mercados consumidores, onde o

conhecimento ajudado pelas tecnologias da informação, em especial pelas redes

virtuais de comunicação, tem contribuído de forma significativa na construção dessa

nova ordem econômica, na qual, assume papel primordial.

Segundo Hirata:

O modelo da especialização flexível representaria o incremento das

inovações organizacionais e tecnológicas, a descentralização e a

abertura ao mercado internacional. Ela teria como figura emblemática, no

plano da organização da produção, a fábrica flexível; no plano da

hierarquia das qualificações, o operário prudhoniano; e, no plano da

mobilidade dos trabalhadores, o trabalhador temporário, isto é, a

possibilidade de variar o emprego e o tempo de trabalho em função da

conjuntura. 17

Isso se dá no movimento produzido no âmago da crise do capital que findou

por levar ao fim o período do capitalismo monopolista de Estado, cujo modelo se

assentava na organização fordista da produção de bens e serviços; em políticas

econômicas de base keynesiana – em que o Estado detinha um papel de regulador

das atividades econômicas, intervindo diretamente na economia e garantindo o

pleno emprego e um conjunto de políticas sociais que tinham por finalidade

amenizar as desigualdades sociais, constituindo o Welfare State.

Impõe-se agora uma nova abordagem de Estado que vai produzir

conseqüências nefastas sobre o emprego nos países do terceiro mundo, conforme

abordaremos no item sobre mercado de trabalho globalizado.

16 MÉSZÁROS, István. Produção destrutiva e Estado capitalista.... p. 96 17 HIRATA, Helena. Da polarização das qualificações ao modelo da competência. In Novas tecnologias, trabalho e educação...p.125

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Essa abordagem da natureza do Estado, na verdade, é um retorno renovado

ao liberalismo econômico, no qual, através da tese do livre mercado, a noção geral

era de que o jogo entre a oferta e a procura dava como resultado o equilíbrio de

interesses, compondo preços justos para os produtores e consumidores. Com isso,

os investimentos na produção seriam recompensados pelo mercado, que por sua

vez seria satisfeito nas suas necessidades, criando uma espiral econômica de

prosperidade. Sobre essa perspectiva, Gramsci18 alerta que a atividade econômica,

ao contrário de ser resultado de forças livres do mercado e de uma racionalidade

puramente técnica, resulta cada vez mais, da atividade política. Crises econômicas

redundam em crises do Estado e vice-versa.

Na evolução histórica das crises no âmbito do Estado capitalista, temos

mostras de que essas sempre têm uma mesma gênese: a natureza das relações

sociais capitalistas, embora que a cada vez tragam uma materialidade específica.

Nessa direção, a história nos mostra que os movimentos de redefinição do Estado,

sempre estiveram associados aos métodos adotados para a superação das crises

do modo de produção capitalista. Em reforço, se analisarmos o ocorrido nos anos

30, temos que quando a tendência do livre mercado começou a ser questionada, o

mundo industrializado atravessava uma profunda crise que, de acordo com Frigotto19

foi uma crise de superprodução e, portanto, uma ameaça de asfixiamento do sistema

que não consegue realizar as mercadorias produzidas.

Nesse contexto, o Estado voltou à cena econômica e passou a ser aceita a

idéia de que ele deveria controlar alguns componentes básicos da economia (como

moeda e inflação) bem como promover investimentos, como estratégia para o

enfrentamento da crise.

Quem melhor expôs a necessidade de intervenção do Estado na atividade

econômica foi o economista Jonh Maynard Keynes (1883 - 1946). A proposição

central da sua análise econômica é de que em certos momentos da economia o

mercado é incapaz de absorver todos os bens produzidos: em conseqüência, os

investimentos se retraem e a produção diminui, provocando mais desemprego e,

com isso, nova redução do consumo e da produção, aprofundando a crise. Keynes

propõe que o Estado regule o mercado, sustentando a moeda, mantendo os juros

baixos e estimulando novos investimentos, com o objetivo de resolver a crise de 29

18 GRAMSCI, apud Frigotto, Educação e a crise do capitalismo real ... p. 74 19 FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo, Cortez, 2000.

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do capitalismo por via de uma melhor distribuição e não por sua superação, na

perspectiva de provar que nesse modo de produção há possibilidade de se atender

condições básicas sem se fazer uma revolução socialista para alcançar as

reivindicações sociais.

Naquele momento, o Estado de Bem-Estar, encontrou no cenário do pós

Segunda Guerra o contexto ideal para dar corpo às idéias de Jonh Keynes sobre o

papel de um Estado interventor e gerador de políticas compensatórias, enquanto

possibilidade de recuperar os níveis perdidos de produtividade no período da guerra,

e os regimes sociais-democratas como “alternativa” ao capitalismo “selvagem” e aos

projetos socialista e comunista e no plano supra-estrutural, o desenvolvimento da

idéia de Estado-Nação (totalitário e democrático).

Na evolução histórica do sistema capitalista e de suas crises, o Estado tem

produzido um movimento semelhante a um pingue-pongue, ora no Estado Máximo,

ora no Estado Mínimo. Parece-nos que o grande dilema que se tem colocado no

âmbito da economia capitalista em suas crises estruturais no último século tem se

centrado em torno do dilema: “Estado ou não Estado: Eis a questão”. Nesta

perspectiva, Frigotto20 esclarece que:

a entrada do Estado como imposição necessária no enfrentamento da

crise de 29 foi, ao mesmo tempo, um mecanismo de superação da

virulência da crise e um agravador da mesma nas séries subseqüentes.

A volta às teses monetaristas e mercantilistas protagonizadas pelo

ideário neoliberal explicita a ilusão de que o problema crucial esteja nos

processos de planejamento e, portanto, de interferência do Estado na

economia.

O certo é que mais uma vez, a lógica das crises do modo de produção

capitalista escapa ao controle dos planejadores e o papel assumido pelo Estado no

cenário do segundo pós-guerra, o de Estado Máximo – empresário e produtor;

gerador das primeiras "incubadoras de empresas" em escala nacional mediante

subsídios e estímulos diretos e indiretos pelo fundo público à produção e

incorporação de tecnologia; responsável pelas políticas salariais, sanitárias e de

seguridade social voltadas para o desenvolvimento e a consolidação de um mercado

interno capaz de demandar e absorver a nova produção nacional, torna-se

extremamente questionado.

20 FRIGOTTO, op. Cit

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Esse modelo, embora tenha assumido feições em regiões distintas, no que

tange à promoção de políticas públicas – mormente entre países desenvolvidos, em

desenvolvimento e subdesenvolvidos, que a bem da verdade, nestes últimos sequer

chegou a se efetivar, logrou de aprovação no sistema social durante

aproximadamente três décadas.

Não obstante, por volta dos anos 70, quando a economia capitalista

experimenta mais uma de suas crises, Antunes21 assinala que a saída encontrada

como resposta a sua própria crise, foi:

um longo processo de reorganização do capital e de seu sistema

ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes

foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a

desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor

produtivo estatal, da qual a era Thatcher - Reagan foi expressão mais

forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação

da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental

necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores.

Portanto, nesse novo patamar de crise do capital, desta vez de natureza

histórica mais complexa, que é “ao mesmo tempo, um período e uma crise, isto é, a

presente fração do tempo histórico constitui uma verdadeira superposição entre

período e crise, revelando características de ambas essas situações”22, o Estado de

Bem-Estar não mais se coaduna com a almejada plena liberdade para o capital

financeiro. Vale destacar que o Estado, nessa perspectiva, torna-se mínimo apenas

no que se refere à promoção de gastos sociais; forte, porém, quanto à capacidade

de controle. Hobsbawn (1999) enfatiza que alguns acontecimentos desencadeados

a partir da década de 1960 evidenciam que a tendência anterior, onde o Estado

alargou o espectro de suas intervenções e assumiu mais responsabilidades chega

ao seu limite. Mas não no sentido do poder adquirido, pois o poder do Estado não foi

restringido, sua capacidade de acompanhar o que acontece em seu território e de

mantê-lo sob controle tornou-se maior do que nunca.

O certo é que na última década do século passado, livre da preocupação de

conter a ameaça socialista, o mundo capitalista passa por uma nova fase que se

coaduna com a almejada plena liberdade para o capital financeiro,

desnacionalização da indústria e índices de desemprego crescentes coincidentes

com o aumento da produção.

21 Ver Antunes, op. cit. p.31

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No que concerne ao questionamento do poder de regulação do Estado

brasileiro, Weinberg 23 alega os seguintes fatores de insatisfação das novas elites

empresariais modernas com modelo de Estado que vigorou no mundo ocidental até

as décadas de 70/80:

- Algumas indústrias necessitavam de subsídios permanentes e não eram

capazes de exportar de forma competitiva;

- A dependência da intervenção estatal para o desenvolvimento de diversos

setores da economia gerava atitudes especulativas que desconsideravam a

pertinência da tecnologia, da qualidade dos produtos, das necessidades e

preferências do consumidor, da competitividade internacional e, em geral, dos níveis

de produtividade e eficiência;

- Outros países em desenvolvimento estavam alcançando um crescimento

industrial extraordinário com o emprego de estratégias de desenvolvimento

orientadas para fora, baseadas em incentivos do mercado e contando com uma forte

participação do setor privado.

Era, portanto, dentro dessa perspectiva, imperativo que a submissão do país

a tríade do ajuste neoliberal: liberalização do comércio, privatização e

desregulamentação.

Essa submissão veio a se consolidar mais demarcadamente por volta do

início dos anos 90, quando o país, juntamente com os outros países da América

Latina chegavam ao ápice do aprofundamento da crise dos anos 70/80, deparando-

se com o agravamento de uma série de problemas como o da dívida externa, com

os quais os desinvestimentos, devido à crescente fuga de capitais tanto estrangeiros

quanto nacionais, conjugavam-se, carreando a estagnação econômica em meio de

um incontrolável processo inflacionário.

Essa crise, que começava a afetar seriamente os interesses dos Estados

Unidos ao reduzir na América Latina a capacidade de importar e atender ao serviço

da dívida externa, levou o Instituto for International Economics a promover uma

conferência em Washington, para o qual economistas de oito países latino-

americanos - Argentina, Brasil, Chile, México, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia,

foram convidados com a finalidade de formular um diagnóstico e sugerir medidas de

22 Ver Milton Santos. Op. cit. p.33 23 WEINBERG, Pedro Daniel. A construção de uma nova institucionalidade para a educação. In Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro, n. 22,1996.

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ajustamento para a sua superação. Naquela ocasião, o economista norte-americano

Jonh Williamson apresentou um documento contendo dez propostas de reforma

econômica, o qual gozou de amplo consenso tanto da parte dos membros do

Congresso e da Administração, quanto entre os tecnocratas das instituições

financeiras internacionais, agências econômicas do governo norte-americano. As

propostas, visando à estagnação monetária e ao pleno reestabelecimento das leis

de mercado consistiam em disciplina fiscal, mudanças das prioridades nos gastos

públicos, reforma tributária, taxas de juros positivas, taxas de câmbio de acordo com

as leis de mercado, liberalização do comércio, fim das restrições aos investimentos

estrangeiros, privatização das empresas estatais, desregulamentação das atividades

econômicas e garantia dos direitos de propriedade.

A adesão a medidas como a liberalização unilateral do comércio, privatização

das empresas estatais e desregulamentação da economia se constituiria em

condição sine qua non para que os países da América Latina pudessem renegociar

suas dívidas externas e – receber qualquer recurso financeiro das agências

financeiras internacionais. Nessa perspectiva, o apelo feito é um retorno à política

econômica abstencionista, onde devem acontecer a redução do papel do Estado

enquanto regulador do mercado e promotor do bem-estar social, a liberação do

capital para explorar ao máximo seus investimentos, a privatização de amplos

setores do investimento estatal e a redução dos custos sociais que recaiam sobre o

Estado (aposentadorias, Seguro-Desemprego, auxílio aos carentes, assistência

médico-hospitalar).

O Estado brasileiro, fundado e sustentado sob inspiração patrimonialista, da

qual o corporativismo é expressão mais marcante, sofre tal processo de redefinições

de forma bem mais complexa do que nos países com estruturas ditas democráticas

em que o sistema político se torna mais sensível e permeável às demandas

sociais.24

Na disputa pela redemocratização do país, na década de 1990, assistiu-se a

um verdadeiro embate travado entre a defesa de interesses corporativistas e dos

que advogavam a defesa dos interesses comuns da nação. Nesse terreno é que se

tem consubstanciado um arranjo político-institucional maquiado com uma frágil capa

democrática e recheado de interesses particulares de grupos privados que se fazem

representar pela elite política brasileira.

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Cunha25 observa que em processos simultâneos e até articulados com essas

mudanças políticas, o setor produtivo também sofreu alterações profundas, que não

parecem ter chegado a seu termo, pois

um conjunto de fatores esgarça as bases de sustentação do Estado

desenvolvimentista e do pacto federalista que o sustentou. Nas últimas

décadas, ocorreu um efetivo processo de desconcentração produtiva,

com a emergência de novas elites regionais modernas que, conectadas

diretamente com o exterior, questionam o poder de regulação do Estado

Nacional e de sua expressão política, o Governo Federal.26

O certo é que a conjugação de duas transições – uma econômica e a outra

político-social – fruto do processo de reestruturação do capitalismo mundial, acabou

possibilitando no desfecho da transição política brasileira uma posição bastante

favorável ao esvaziamento do frágil projeto democrático que se colocava na

redemocratização do país em oposição ao Estado autoritário.

Algumas análises mostram que o movimento de inserção do Brasil neste novo

cenário tem resultado num enorme esforço e sacrifício nacional para colocar a

economia brasileira no páreo do mercado mundial, pois se de um lado temos um

mercado de trabalho caracterizado por grande fragilidade tecnológica e

organizacional quando confrontada com o quadro internacional, por outro lado, a

carência de investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, leva o país a

uma posição bastante medíocre no contexto da competitividade intercapitalista.

No que concerne a reorganização da base produtiva, vários estudos mostram

que a modernização das empresas brasileiras vem-se dando principalmente, pela

adoção de novos métodos de gestão do trabalho, como os programas do tipo 5 “S”,

círculos de controle de qualidade, benchmarketing, fabricação just in time, uso de

minifábricas ou células de trabalho. Mesmo com a introdução dos círculos de

qualidade ou das várias formas de trabalho em equipe, ainda subsiste o monopólio

da regulação técnica e do trabalho em reduzido núcleo de profissionais e

trabalhadores qualificados que concentram decisões técnicas e trabalho criativo.27

Emerge assim no cenário produtivo brasileiro, uma mistura de modelos, pois

se de um lado temos os modelos taylorista e fordista, ainda presentes em larga

24 CUNHA, Luiz Antônio. O ensino Profissional na irradiação do industrialismo. S. Paulo: Ed. UNESP, 2000. p.214 25 Ver Cunha. Op. cit. p.215

26 Cunha, Apud Arretche, Op. cit. , p. 215

27 SOARES, Rosemary Dore et all. Política de Formação Profissional em Minas Gerais. In: Boletim Técnico do Senac, 2000.

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escala; de outro, algumas empresas já se proclamam flexibilizadas e isto se constitui

em objetivo do empresariado diante das novas formas de mercado concorrencial. De

qualquer forma, faz-se perceber que emerge também deste cenário o anúncio da

morte do fordismo e o aparecimento de um novo modelo que alguns teóricos

convencionaram em denominá-lo de neo-fordismo.

A premissa do fim do fordismo só seria verdadeira se considerássemos

apenas a passagem de uma etapa em que prevaleceu uma certa hegemonia no

processo produtivo relacionada à concentração industrial, à produção em massa, ao

assalariamento direto, etc. a esta nova etapa, que agora se desenvolve, sob uma

nova articulação fenomênica de elementos ainda essenciais e permanentes da

produção e reprodução de capital. A chamada “flexibilização da produção” que teve

em seu início o modelo toyotista japonês como exemplo massivamente divulgado

demonstra-se, na realidade, um retorno ao “não-modelo” recorrente de articulação

de dinâmicas organizacionais e produtivas diversas, subjugadas à unidade sistêmica

e de comando dos processos industriais de produção e reprodução de capital.

Nesse sentido, o “pós-fordismo” ou a época da produção flexível, não é apenas um

Neo-fordismo, pois este apresenta muitas diferenças em relação àquele modelo de

regulação social, político e econômico, não se constituindo como um paradigma

unificado, mas justamente como a liberdade em relação a modelos. O que o capital

readquire é justamente a liberdade em relação a qualquer forma determinada que o

limite em sua capacidade de articulação e exploração do trabalho sob

procedimentos diversos, onde quando aplicado numa estrutura social já desigual e

excludente como a do Brasil, contribui muito mais para ampliar o desemprego e as

formas precárias de trabalho, tais como trabalho sem carteira, trabalho em tempo

parcial e o de elevada rotatividade, entre outras.

As questões até aqui levantadas nos permitem antecipar uma breve

apreensão da diversidade histórica e da contradição fundamental que se coloca

entre capital e trabalho. Os desdobramentos dessa contradição nas relações de

trabalho serão captadas no resgate que se fará do mercado de trabalho globalizado,

onde buscaremos elementos que elucidem sua estrutura hoje no Brasil, tendo em

vista que os fatores destacados anteriormente apontam, de um lado para o

estabelecimento de um novo paradigma produtivo e por novas formas da

organização do trabalho, e de outro, para o esfacelamento do Estado como

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mediador das relações de trabalho, tendo como comandante desse movimento a

competitividade regida pelo capital mundializado.

Pretendemos, portanto, diante das alterações produzidas no mercado de

trabalho, apreender que saídas podemos vislumbrar para a questão do desemprego

no Brasil e como se articulam os limites e as possibilidades da educação

profissional, sob o enfoque das competências, enquanto instrumento capaz de

potencializar o acesso dos trabalhadores a ocupações nesse mercado.

1.2. Mercado de trabalho globalizado

1.2.1 - Mercado de trabalho no Brasil

A tessitura da conjuntura, brevemente pinçada no item anterior, trouxe

implicações muito marcantes ao mercado de trabalho brasileiro, uma vez que tem

contribuído enormente para o agravamento do desemprego e para a precarização

do emprego no Brasil, principalmente nas duas últimas décadas passadas quando o

país experimenta uma situação de retrocesso na sua economia que perdeu a

dinâmica de crescimento econômico sustentado na geração de empregos. Os

empregos foram reduzidos em parte pela ampliação das importações, pela ausência

de novos investimentos e pela reformulação do setor público, além das baixas taxas

de expansão do produto interno28.

Também, há de se considerar que, ao contrário de se responsabilizar

exclusivamente a incorporação de novas tecnologias pelo desemprego, deve-se

considerar que o desemprego decorre antes do deslocamento dos investimentos

para a área financeira no plano internacional do que das inovações em tecnologia e

gestão.

No tocante a essa situação, dois momentos mais recentes da economia

brasileira vêm a ser mais contundentes no agravamento da crise do emprego. O

intervalo de 1990 a 1992, quando se iniciou no Brasil um vigoroso processo de

abertura da economia aliado a quedas absolutas do PIB, que em análise feita por

Malaguti,29 tal processo é analisado nos seguintes termos:

Em economias subdesenvolvidas como a do Brasil, a abertura comercial,

sem controle da inflação, conduz apenas a um processo de falências, absorções e

28 POCHMANN, Márcio. Op. cit. 29 MALAGUTI, Manoel Luiz. Crítica a razão informal: A imaterialidade do salariado. S. Paulo: Boitempo, 2001

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34

fusões empresariais, incentivando uma crescente monopolização do parque

produtivo instalado no país.

De acordo com o referido autor, boa parte do capital produtivo das empresas

não-monopolistas dirige-se para o mercado financeiro, evitando riscos

desnecessários em investimentos de médio ou longo prazo. Isso leva às unidades

monopolistas a retardarem a modernização dos seus equipamentos, o progresso

tecnológico e os novos investimentos que por sua vez enfraquece as possibilidades

do Estado intervir nos processos de mercado e sustentar uma demanda de capitais

declinantes.

Assim, ante aos processos de falências, de desemprego, de desinvestimento

produtivo, de maiores prazos de renovação dos equipamentos, de inibição das

receitas fiscais e tributárias juntamente com os reflexos da progressiva

monopolização dos principais setores econômicos acontece uma estagnação da

economia e o recrudescimento da inflação.

O outro momento em destaque é o iniciado em 1994 com o Plano Real que

tinha por objetivo manter a estabilidade dos preços e permitir o crescimento

econômico. É nesse momento que os mentores do Plano vão apregoar que uma

eficiente combinação de variações nas taxas de juros e no câmbio estão permitindo

o controle dos preços internos, a modernização do parque produtivo nacional e o

crescimento auto-sustentado da economia brasileira. Para tanto, conforme nos

mostra Malaguti,30 a modernização do parque produtivo brasileiro, decorre do

barateamento das importações e de uma considerável abertura da economia

brasileira, onde, nestas circunstâncias, fez-se necessário

destruir todo, ou quase todo o instrumental protecionista que permitiu e

sustentou o processo de Substituições de Importações e a

industrialização brasileira (1930 a 1980): de 1990 a 1994 as alíquotas de

importação brasileiras desceram de um patamar médio de 33% para

outro de 14%. Esta destruição associa-se com a desativação de uma

série de instituições estatais de regulação econômica e com a

privatização de um conjunto de empresas públicas criadas com o intuito

de fornecer os insumos e a infra-estrutura necessários às indústrias

então nascentes. Esse processo pode ser percebido, por exemplo, pela

crescente despreocupação do Estado com a constituição e a defesa do

principal insumo nacional: a força de trabalho.

30 MALAGUTI, Manoel Luiz. Idem, p. 28

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Os efeitos desses processos pelos quais passa a economia brasileira desde

os anos 90 têm produzido reflexos muitos profundos na configuração do mercado de

trabalho e na capacidade de geração de emprego no país, a exemplo das

modificações decorrentes da superação do tradicional modelo produtivo

taylorista/fordista, com a relação entre capital e trabalho mediada pelo Estado de

acordo com o modelo de bem-estar, onde se reduzem os investimentos dos Estados

Nacionais na geração de empregos e os poucos que ainda são gerados, acontecem

no setor mais dinâmico, aquele que vem substituindo a força de trabalho por

tecnologia, enquanto imperativo da competitividade.

No tocante à questão da competitividade, diante da integração do país à

economia globalizada e da posição que os países do terceiro mundo ocupam na

nova Divisão Internacional do Trabalho, adverte Pochmann31:

“o Brasil precisa rever urgentemente sua estratégia de integração

passiva e subordinada à economia mundial, sob pena de continuar

regredindo ainda mais nas posições anteriormente conquistadas pelo

trabalho.”

A advertência do autor é muito pertinente, pois temos assistido,

concomitantemente aos processos de transformação ocorridas na organização

econômica, social e política, a uma triste performance do Brasil no que se refere ao

mundo do trabalho. Os números mostram que o país em 1999 ocupou a terceira

posição no ranking mundial do desemprego, possuindo, segundo dados da PNAD e

do IBGE, 7,6 milhões de pessoas sem trabalho, num quadro em que detêm apenas

3% da PEA global contra 5,6% do total do desemprego mundial.

Na verdade, tal índice, a considerar pela metodologia utilizada para medir o

tamanho do desemprego, é subavaliado, podendo ainda ser mais elevado, pois

como nos mostra Piquet,32 o IBGE, por meio da Pesquisa Mensal do Emprego –

PME – que procura acompanhar o desemprego em seis regiões metropolitanas mas

só considera desempregado o trabalhador que além de ter procurado emprego

durante o período de referência da pesquisa, se encontrava apto ao exercício

imediato de uma vaga, sem ter trabalhado nem mesmo uma hora durante a semana

da pesquisa. Assim, aquele que exerceu qualquer trabalho por mais de 60 minutos,

31 Ver Pochmann, p.40. op. cit 32 PIQUET, Rosélia. Emprego metropolitano e mudança ocupacional. In: Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.27, n.2, maio/ago., 2001.

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durante o período da pesquisa passa a ser considerado ocupado, o que pode

perfeitamente estar mascarando índices ainda mais sombrios.

A questão do desemprego, nos marcos da configuração societal atual, não

nos deixa alimentar nenhuma perspectiva mais otimista quanto à sua superação,

pois, não há mais como sonhar com o “pleno emprego”, porque o crescimento

econômico já não é compatível com tal expectativa. Como regra, não se poderia

esperar isto do sistema capitalista, mas houve época em que se ensaiou esta

esperança, em momentos muito específicos e fugazes, como a retomada do

crescimento europeu após a Segunda Guerra Mundial. Confiava-se, inclusive, que a

intervenção do Estado poderia ter este resultado importante do ponto de vista social

e mesmo próceres do sistema, como Keynes, sempre defendeu-se isso. Assim,

embora sendo o capitalismo um sistema excludente intrinsecamente, poderia ter

como consolo a produção do emprego, que permitiria um modo estrutural de

subsistir. Essa rota tornou-se um beco sem saída.

Também, tampouco se pode sonhar mais com a volta de níveis perdidos de

emprego, ou as taxas tidas por razoáveis de desemprego, porque isso somente seria

possível dentro de um retorno a modos obsoletos de produtividade econômica e que

não se sustentariam na globalização atual. Não se imagina um ponto final no

desemprego, pelo menos por enquanto, sendo difícil predizer até onde seria tragável

no sistema. Até os países do centro também estão sentindo o furor dessa evolução,

porquanto torna-se cada vez mais difícil sustentar com o excedente econômico os

que não conseguem inserir-se no mercado formal de trabalho. 33

Diante de tal perspectiva se torna muito complexo se pensar a possibilidade

de saídas para a crise do emprego e da exclusão social no Brasil nos marcos da

configuração atual, seja porque as modificações citadas anteriormente têm

desmantelado o modelo econômico levado avante pelo país entre 1930 e 1980,

fundado na ampla difusão do emprego assalariado, numa proporção de para cada

dez empregos criados, apenas dois não eram assalariados e sete apresentavam

registro formal, o qual vem sendo substituído desde 1990 por uma outra relação em

que para cada dez empregos criados, somente dois são assalariados, porém sem

registro formal. Ou seja porque nos países periféricos como o Brasil, onde o Estado

de bem-estar nunca assegurou direitos sociais a maioria da população, as

33 DEMO, Pedro. Educação Profissional. In Trabalho Inédito sobre Teleducação. Brasília, UnB, abril, 1997.

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desigualdades de todas as ordens existem, sendo inclusive usadas no contexto atual

para justificar as dificuldades de acesso ao trabalho para grandes contingentes de

trabalhadores, conforme irá se verificar no que se refere à ideologia da

empregabilidade e trabalhabilidade.

Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Econômicos), o

próprio mercado (que agora é quem dita as regras) revela às pessoas que, na atual

estrutura econômica, as chances de se conseguir trabalho variam de acordo com a

sua escolaridade. Ao mesmo tempo, as pesquisas também revelam escores muito

inferiores na escolaridade do trabalhador quando comparado a outros países, como

é o caso da pesquisa do PNAD/IBGE realizada em 1995, onde tínhamos que, em

média, 67% da PEA ocupada possuem apenas quatro anos de escolaridade, um dos

piores escores apresentados na América Latina.

Mediante as exigências da propalada “sociedade do conhecimento”, temos

que em conjunturas sociopolíticas como a do Brasil, em confronto com as novas

demandas produtivas, põe em cheque o descaso histórico do poder público com a

educação de seus trabalhadores, onde o fator baixa escolaridade confrontado com

estas as novas demandas, constitui-se em argumento de restrição ao acesso do

novo e restrito mercado de trabalho.

A questão acima citada, aliada a índices de desemprego tão alarmantes não

podem passar despercebido em nenhuma instância social. No entanto, o que se

percebe atualmente é que mesmo ocorrendo uma crescente atenção de diversos

segmentos sociais a esses temas, principalmente dos meios de comunicação, que já

tornou de domínio público vários aspectos das profundas transformações no

mercado de trabalho brasileiro, de um modo geral o tratamento dispensado a essa

questão ameniza e simplifica a gravidade os impactos sociais das mudanças em

curso. Para Piquet (Op. cit):

Nessas abordagens, o desemprego é tratado como um fenômeno

localizado em que o principal impacto social parece resumir-se nas

dificuldades de adaptação da mão-de-obra às novas exigências

profissionais, o que seria contornado com (re)treinamento ou com

mudanças de ramo ou de lugar.34

Tal abordagem liga-se à premissa de que a reorganização do setor produtivo,

seja autônoma ou incentivada pela introdução de novas tecnologias, traz também à

34

Piquet, idem

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38

agenda nacional novas questões e exigências para a educação como um todo.

Ganha relevo assim a exigência por um maior nível de escolaridade dos

trabalhadores, passando a ser fundamental que além da expansão da escolaridade

mínima, se processe uma reorganização no sistema educacional que contemple o

preparo de pessoas capazes de utilizar, difundir e produzir conhecimento científico

necessário à competitividade dos setores produtivos.

Na realidade, encontramo-nos diante de um fenômeno que, ao mesmo tempo

em que a demanda de ampliação das atividades educacionais se intensifica, o

incremento da racionalização da organização da produção e do trabalho, elimina a

necessidade de um grande número de trabalhadores. As novas tecnologias e formas

organizacionais do trabalho demandam uma qualificação superior da força de

trabalho, o que poderá ser feito com a parcela dos ainda incluídos. Há, assim, no ar

um ressuscitar da teoria do capital humano construída nos anos 60; os trabalhadores

incluídos no processo de trabalho vão necessitar de novas capacidades intelectuais

e comportamentais e a educação passa a se constituir no pilar fundamental do novo

padrão de desenvolvimento econômico.

Por outro lado, a saída que tem sido buscada pensando nos excluídos,

fundamenta-se na prerrogativa de que não havendo mais solução para o emprego, é

preciso inventar trabalho, seja no mercado formal e não formal, sobretudo no campo

dos serviços, que é o setor com grande crescimento; em termos práticos, os que não

têm emprego precisam encontrar alguma forma de vender para os que têm

emprego, serviços ou bens; é o que faz, paradigmaticamente, o biscateiro. O

mercado não formal tem escamoteado fortemente o desemprego, ajudado pelo

baixo nível escolar da população, que não se coloca maiores pretensões, nem é

capaz de manejar a idéia em si essencial do direito ao trabalho. 35

Tal perspectiva reforça o terreno ideológico em que se justifica a crescente

precarização e exclusão do mercado de trabalho enquanto conseqüência natural

que seleciona e exclui os trabalhadores de acordo com suas diferenças pessoais.

Neste contexto, Enguita36 já assinava há mais de dez anos que:

nossa sociedade nutre uma imagem de existência de oportunidades para

todos que não corresponde à realidade, motivo pelo qual e apesar do

qual o efeito para a maioria é a sensação de fracasso, a perda de estima

35 DEMO. Pedro op. cit. 36 ENGUITA, Mariano Fernández. A face oculta da escola: Educação e Trabalho no Capitalismo. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989.

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e auto-culpabilização. A suposição da igualdade de oportunidades

converte a todos, automaticamente, em ganhadores e perdedores,

triunfadores e fracassados. Não é por acaso que a cultura dos Estados

Unidos, suposta “terra de oportunidades”, classifica obsessivamente as

pessoas em winners e losers. Diferentemente dos do passado, cuja

posição era atribuída a seu “bom berço” ou a sua “origem humilde”, os

ricos e os pobres, os poderosos e os desvalidos de hoje não apenas

devem suportar sua condição, mas ainda devem ser considerados e

considerar-se eles próprios responsáveis por ela.

Nesse sentido, os limites e possibilidades da educação profissional diante do

contexto analisado tem-se traduzido na adoção do modelo de competências, que por

sua vez, na visão de diversos estudiosos, tem servido muito mais para reforçar o

terreno ideológico, o qual acabamos de nos referir, do que para potencializar

trabalho e emprego aos trabalhadores. O surgimento das ideologias da

empregabilidade e trabalhabilidade corroboram com o que se acabou de afirmar.

O modelo da competência adotado na Educação Profissional sugere que a

qualificação de um indivíduo está posta menos no seu conjunto de conhecimentos

e habilidades, mas principalmente em sua capacidade de agir, intervir, decidir em

situações nem sempre previstas ou previsíveis.

Essa capacidade implicaria a mobilização de competências adquiridas ou

construídas mediante aprendizagem, no decurso da vida ativa, tanto em situações

de trabalho como fora deste.

Neste terreno, o desenvolvimento da trabalhabilidade, enquanto necessidade

de se inventar trabalho numa sociedade sem empregos é a grande inspiração das

propostas de Educação Profissional. Funcionam como solução indicada para o

desenvolvimento das competências profissionais atualmente exigidas à

empregabilidade do trabalhador, onde as questões de natureza sócio-política e

epistemológica são abordadas em termos de melhoria de gestão e eficiência,

ignorando os múltiplos interesses e condicionantes subjacentes ao conhecimento.

Requisitos comportamentais como iniciativa, curiosidade, motivação,

atenção, responsabilidade, criatividade, vontade de aprender, abertura às

mudanças são indispensáveis de serem desenvolvidos na perspectiva da formação

do novo trabalhador, onde dominar um conjunto de habilidades e competências é

ter empregabilidade ou trabalhabilidade.

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O termo empregabilidade, que tende a firmar-se como emblema das

transformações em curso, designa a capacidade de o trabalhador qualificar-se e

requalificar-se de forma permanente, visando ingressar, permanecer e progredir

num mundo do trabalho em constante mutação.

A trabalhabilidade liga-se a outras formas que existem do trabalhador

ingressar na vida produtiva: o auto-emprego, o micro e pequeno empreendimento,

o trabalho cooperativo e outras alternativas nessa linha. Tudo isso, conforme

pressupõe-se, exige do trabalhador um nova cultura, uma nova visão do mundo do

trabalho muito diferente daquela adotada no modelo taylorista/fordista.

Nesta perspectiva, a ideologia da empregabilidade ganha corpo nos

pareceres e diretrizes da Educação Profissional, baseada em argumentos para

uma perspectiva individualista de formação técnico-profissional estruturada a partir

de um banco ou carteira de habilidades e competências.

Os conceitos de empregabilidade ou trabalhabilidade, criados para se referir

ao desgaste do emprego na organização produtiva atual, nas atuais políticas

públicas de geração de emprego e renda, também têm servido para reforçar uma

interpretação invertida da responsabilidade pelo emprego que desloca seu eixo dos

aspectos sócio-político-econômicos implícitos na realidade social atual para o

indivíduo. Nesse sentido, a defesa de que a qualificação profissional é o passaporte

para o sucesso, ganha corpo em diversos discursos.

Na análise de estudiosos como Kuenzer37, a empregabilidade deve ser

entendida como adequação aos postos de trabalho ainda existentes, o que cada vez

mais depende da diferenciação e diversificação de trajetórias, a partir de uma base

comum de conhecimentos.

Segundo a mesma autora, na dinamicidade conferida ao processo produtivo

pelo ritmo dos avanços científicos tecnológicos, a empregabilidade acima referida

fica condicionada à substituição da rigidez pela flexibilidade, no sentido de

capacidade de adaptação a novas situações, o que dadas as características

excludentes da acumulação flexível, passa a significar para a grande maioria dos

trabalhadores, conformidade a situações mais precárias, em todos os sentidos.

Em decorrência, temos assistido na questão da formação do trabalhador a

uma ênfase na trabalhabilidade, em detrimento de empregabilidade. Ou seja,

37 KUENZER, Acácia Zeneida. Educação Profissional: Categorias para uma nova pedagogia do trabalho. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.25, n.2, maio/ago., 1999.

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valoriza-se mais o desenvolvimento e aprimoramento de competências e habilidades

para o desempenho e atuação profissional no mundo do trabalho, em detrimento da

formação para ocupação de postos específicos no mercado de trabalho. Essa

formação alia-se com “uma flexibilidade e um alcance suficientes para que se possa

enfrentar o emprego, o desemprego e o auto-emprego” – de modo a “permitir

rápidas reconversões e reprofissionalizações ao longo da vida”.38

Nesse sentido, a qualificação profissional volta-se para a formação do novo

trabalhador que deverá ser polivalente e flexível, isto quer dizer que ele deverá

estar apto a ocupar não apenas um, mas um conjunto de postos de trabalho em

seu setor de atividade e, ao mesmo tempo, ter capacidade de adaptar-se a novas

situações, que o mercado vai criar com freqüência cada vez maior desenvolvendo

as habilidades para, se necessário, transitar de um setor para o outro.

Quanto aos inimpregáveis, vulneráveis e desempregados, o Estado brasileiro

através do Ministério do Trabalho - MTb, vem implementando intervenções que

visam focar resultados nas conseqüências do desemprego estrutural, como é o caso

da política do PLANFOR/PEQ, que se constitui de oferta de cursos de natureza

bastante variadas. A observação a seguir, feita por Frigotto a esses cursos,

caricaturiza muito bem a sua diversidade:

os cursos podem ser para emitir passagens, fazer velas ou aquilo que

uma revista de seita religiosa indica como solução para o desemprego -

treinar os desempregados para oferecer serviços de catar piolho, cuidar

de cachorros, catar minhocas - cursos que se centram em tecnologia de

última geração ou a perspectivas mais amplas vinculadas aos interesses

dos trabalhadores (...) que por si mesmos não têm a capacidade de criar

empregos.39

Kuenzer40, nos chama atenção para uma questão que é central acerca da

qualificação dos trabalhadores nas atuais circunstâncias do capitalismo que não

considera o trabalhador coletivo voltando-se para um tratamento diferenciado entre

os incluídos e os excluídos:

A flexibilização enquanto capacidade de criar, descobrir, articular

conhecimentos, aprender novos conteúdos, desenvolver novas

38 PAIVA, Vanilda. Desmistificação das profissões : quando as competências reais moldam as formas de inserção no mundo do trabalho. Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 117-133, maio 1997. 39 FRIGOTTO, Gaudêncio. Globalização e Crise do Emprego: Mistificações e perspectivas da formação técnico profissional. In: Boletim Técnico do Senac. V. 25, n. 2, maio/ago.,1999. 40 KUENZER, Acácia Zeneida. Educação Profissional: Categorias para uma nova pedagogia do trabalho. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.25, n.2, maio/ago., 1999.

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performances, enfim, educar-se permanentemente para adequar-se à

dinamicidade da vida social e produtiva no sentido positivo, passa a ser

privilégio dos poucos que mantêm-se no topo da pirâmide do trabalhador

coletivo ou da concentração de renda.

Dentre as transformações pelas quais vem passando o emprego na nova

fase da economia capitalista, uma tendência tem-se manifestado marcadamente: o

declínio do emprego no setor industrial apresentado em boa parte das sociedades

contemporâneas contrasta com um incremento relativo do emprego no setor de

serviços, motivo pelo qual se sustenta a suposição de que é preciso investir na

trabalhabilidade, enquanto possibilidade de o trabalhador protagonizar situações de

trabalho no terciário informal.

Nessa perspectiva, também surgem novas interpretações do movimento de

expansão do terciário e de suas exigências ao perfil do trabalhador, nas quais se

vislumbra apenas uma parcela de trabalhadores em desconsideração ao trabalhador

coletivo.

1.2.2. A Sociedade Pós-industrial e sua crítica

Um dos fenômenos comuns aos países capitalistas a partir dos anos 70 tem

sido o crescimento do setor terciário, tanto no que se refere ao volume total de

empregos que o setor apresenta quanto no aumento de sua participação na

formação do PIB nos países centrais.

Muitos estudos demonstram uma tendência à redução da oferta de emprego

nos setores primário e secundário da produção, deslocando as ocupações para o

setor terciário, mais especificamente o setor de serviços, que analisado

separadamente do comércio, tem sido o responsável pela absorção de mão-de-obra.

No Brasil, o processo de terciarização está intimamente relacionado ao modo

como se deu a implantação do parque industrial e a expansão das atividades de

comércio ligadas à indústria, a partir dos anos 50. Mais recentemente, essa

expansão é observada em função do processo de mundialização da economia,

acompanhando o movimento realizado pelos países de capitalismo avançado,

embora de forma, ainda, dependente.

Desse modo, percebemos que, embora, atualmente, haja uma forte tendência

em direção ao Estado mínimo defendido pela doutrina liberal, uma série de serviços

continuará sendo encargo do Estado. Ou seja, o movimento de privatização não

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envolve o cumprimento das funções para a estrutura de conflitos políticos, que cabe

ao Estado mediar.

Para além do que essas funções representam, há um movimento do capital

que interfere na oferta e demanda de serviços, especialmente aqueles que estão

vinculados à produção de bens e aqueles que dão suporte ao próprio processo de

multinacionalização das indústrias. Chesnais (Op. Cit.) identifica uma acentuação no

processo de internacionalização dos serviços, desde o decênio 1965-75, tendo em

vista os interesses dos grupos industriais com sede nos países de capitalismo

avançado, em manterem sua ascendência sobre algumas atividades mais

significativas desse setor.

Dessa forma, desde aquele momento, já começava um movimento de

expansão e multinacionalização das empresas de serviços, principalmente os de

auditoria, publicidade e consultoria de gestão empresarial, paralelamente ao

processo de expansão e multinacionalização das empresas do setor produtivo.

Há que se observar, ainda, que, no que se refere aos serviços, grande parte

do investimento gira em torno das atividades de comércio exterior, de modo que

essa ênfase acentua o crescimento não apenas das atividades de distribuição, mas

também de atividades ligadas aos serviços financeiros, de seguros e imobiliários.

As novas tecnologias, em especial as de base microinformática e de

telecomunicações, auxiliam o atual movimento do capital, marcado pela expansão

do setor privado e pela desregulamentação dos serviços públicos:

Visto sob o ângulo das necessidades do capital concentrado, o duplo

movimento de desregulamentação e de privatização dos serviços públicos constitui

uma exigência que as novas tecnologias (a teleinformática, as infovias) vieram

atender sob medida. Atualmente, é no movimento de transferência, para a esfera

mercantil, de atividades que até então eram estritamente regulamentadas ou

administradas pelo Estado, que o movimento de mundialização do capital encontra

suas maiores oportunidades de investir. A desregulamentação dos serviços

financeiros num primeiro tempo; depois, nos anos 80, o início da desregulamentação

e privatização dos grandes serviços públicos (em particular, os transportes aéreos,

as telecomunicações e os grandes meios de comunicação de massa) representam a

única nova fronteira aberta para o IED (Investimento Externo Direto), sobre a base

das atuais relações entre países e entre classes sociais. Enquanto o setor

manufatureiro entra em choque com o aumento brutal do desemprego, com a

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44

marginalização do comércio exterior em muitos países e com a repartição desigual

do poder aquisitivo, atividades como as indústrias multimídias são as únicas que

oferecem possibilidades de expansão.

Entretanto, ao lado desse movimento, também se expandem no terciário as

atividades precárias que tendem a servir como amortecedor para a questão do

desemprego.

Para o MTb, existem três fatores explicativos para a queda do emprego

industrial e, conseqüentemente, o aumento do setor de serviços:41 O primeiro refere-

se a substituição da produção doméstica de bens comercializáveis

internacionalmente por importados; o segundo fator seria endógeno ao processo de

abertura comercial, repousando-se nos ganhos de produtividade que a indústria de

transformação teve de obter para fazer frente aos concorrentes externos e internos.

Neste caso, os ganhos de produtividade derivaram mais da adoção de inovações

tecnológicas e organizacionais, tendo tido correlação negativa com a geração de

empregos. O terceiro fator refere-se ao deslocamento dos serviços industriais para

empresas terceirizadas, deslocando postos de trabalho para o setor terciário (formal

e informal). Tal fator justificaria em parte o aumento de trabalhadores no setor de

serviços.

Esse processo de terciarização ou deslocamento dos trabalhadores para o

setor de serviços, entretanto, encerra determinadas particularidades. Ao mesmo

tempo em que se ampliam e diversificam os serviços voltados ao atendimento das

camadas de média e alta rendas urbanas, associados aos serviços de apoio ao

processo produtivo,42 observa-se também a expansão de atividades precárias.

Incluída na ampla gama de atividades classificadas como informais e que

representam uma perda da qualidade do emprego. Outra particularidade observada

em relação a este deslocamento refere-se à perda do poder aquisitivo: salários em

serviços são mais baixos do que na indústria.

Junto à tendência do aumento do grau de informalidade do mercado de

trabalho observa-se também outras tendências , como a do aumento de serviços

concentrado nos segmentos de limpeza, hospedagem e alimentação, o que se

justificaria em parte, ante o fato de que muitos investimentos têm sido feitos no setor

41 Emprego no Brasil: Diagnósticos e Políticas. Brasília, MTb, Assessoria Especial do Ministro. 1998. pp. 9/10 42Segundo tipologia de Singelman(1978), se referem a bancos, seguros, imóveis, engenharia, contabilidade, serviços profissionais diversos e serviços de assessoria jurídica.

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de turismo. Novos investimentos geram mais empregos: Segundo o jornal Gazeta

Mercantil, “para cada novo apartamento na rede hoteleira, 8 a 9 empregos, entre

diretos e indiretos, são criados.” (Gazeta Mercantil, 14/07/01)

Também observa-se o crescimento de ocupações nas atividades de

comércio, serviços de reparação, pessoais, domiciliares e de diversão. Segundo o

IBGE, esse setor empregava, em 1997, 12 milhões de brasileiros, o que corresponde

a 25% dos trabalhadores urbanos. Esse crescimento refletiria não uma mudança no

vetor das atividades, mas sim na forma como eles são realizados e por quem, por

exemplo, a mercantilização de trabalhos antes realizadas no âmbito doméstico.

Ante as estatísticas, é inconteste que o setor de serviços vem ganhando

relevante importância na sociedade e tem um peso preponderante no produto

interno dos países. O advento do declínio do emprego no setor industrial

apresentado em boa parte das sociedades contemporâneas, contrasta com um

incremento relativo do emprego no setor de serviços, ainda que o balanço nem

sempre seja positivo. Em Fortaleza, o percentual do emprego no setor terciário

corresponde a quase 75%, sendo que 54% deste percentual corresponde ao setor

de serviços.

Porém, para além da sua importância numérica, temos a convergência de

diversos olhares a respeito da atividade produtiva de modo geral, que vão perceber

o setor de serviços desde de celeiro da informalidade (Malaguti, 2001), até ao modo

das teorias da sociedade pós-industrial, que acreditam na emergência da era do

tempo livre e da sociedade do lazer, cuja dinâmica econômica, social e política

estaria centrada nos serviços e nas novas profissões.

A carga ideológica associada a segunda percepção é evidente conforme se

pode perceber a partir da formulação teórica da sociedade de serviços. Alguns

estudiosos, associando tal movimento de expansão do terciário ao desenvolvimento

das tecnologias da informação e da comunicação, formulam novas teorias acerca

dos modelos de organização da sociedade, onde defendem que estaríamos

passando da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial ou de serviços.

Castells43, por exemplo, ao se referir à passagem de um modelo societal ao

outro, assinala que na sociedade industrial, quanto maior fosse o número de

trabalhadores ocupados em atividades da produção industrial, mais desenvolvida

era considerada a sociedade. A presença de muitos trabalhadores no terciário, ao

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contrário, era vista de forma negativa pois evidenciava a dificuldade de implantação

de um projeto capitalista avançado.

Agora, pois, ao contrário da crença anterior, quanto mais avançada é a

economia, mais seu mercado de trabalho e sua produção serão concentrados em

serviços. Nesta perspectiva, novas formulações teóricas cuidam de desenvolver o

conceito de “sociedade pós-industrial” ou “sociedade de serviços” e caracterizam-na

em três planos: No plano econômico, pela mudança da economia produtora de bens

para uma economia de serviços; no plano ocupacional, pela proeminência de

profissionais liberais e técnicos e, no campo da tomada de decisões, pela difusão da

“tecnologia intelectual”.

Entre os teóricos que vêem com otimismo a expansão dos serviços, existe a

expectativa de que este setor possa absorver a mão-de-obra que é dispensada do

setor industrial, funcionando assim, como amortecedor da crise do emprego. Há

ainda a fé de que o aumento da produtividade no setor secundário, propiciará a

elevação da renda média da população, que buscará no setor terciário, novas

realizações de consumo, fazendo aumentar a demanda por novos tipos de serviços

e conseqüentemente o crescimento do número de pessoas empregadas.

Sinteticamente, a teoria do pós-industrialismo combina três elementos-chave:

a) a produtividade e crescimento residem na geração de conhecimentos,

estendidos a todas as esferas da atividade econômica mediante o

processamento da informação;

b) a atividade econômica desloca-se da produção de bens para a prestação

de serviços: o declínio do emprego industrial corresponderia ao aumento do

emprego em serviços;

c) a nova economia aumentaria a importância das profissões com grande

conteúdo de informação e conhecimento: as profissões administrativas,

especializadas e técnicas cresceriam muito rápido e constituiriam o cerne da

nova estrutura social.44

Também, não se pode deixar de perceber o duplo aspecto deste movimento,

manifesto em contradições que se expressam sob diversas formas. Sobre tais

contradições, Enéas Arrais Neto45, assim se expressa:

43 CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999. Pág. 46. 44 Castells, M. Op. Cit. Pag. 225. 45 NETO, Enéas Arrais. Desqualificação global do trabalho: a excentricidade de uma visão unitária da classe-que-vive-do-trabalho. CD Room: 24ª Reunião da ANPED, 2001

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47

“De maneira geral, nos momentos de expansão da fronteira industrial, a

força de trabalho se expande como massa total e, no entanto, se contrai,

relativamente, enquanto massa de trabalho efetivamente incorporada à

produção. Por outro lado, nos momentos de crescimento para dentro,

isto é, de aprofundamento da produção e extração de mais-valia pelo

adensamento do tempo de trabalho, pela extensão da jornada e pelo

revolucionamento tecnológico, o desemprego estrutural se agrava e faz

reverberar com mais intensidade os aspectos de exclusão e o caráter

socialmente destrutivo do capital, num processo em que a valorização do

capital determina as regras do jogo de “inclusão subalterna versus

exclusão integrada.“46

No que pese as regras de tal jogo no Brasil, temos assistido à ocorrência de

uma expansão dos empregos em serviços possibilitando a absorção de

trabalhadores oriundos do setor industrial. Contudo, o setor de serviços também tem

sido afetado pela reestruturação produtiva, o que acarreta uma redução no ritmo do

seu crescimento e na ampliação dos índices de desemprego, como no caso do setor

bancário e da privatização do serviço público.

Por outro lado, grande parte dessa expansão acima mencionada, deveu-se

ao processo de transferência da produção intensiva em utilização de mão-de-obra

no sentido da periferia integrada ao sistema. Desindustrialização em uma ponta

acarreta industrialização em outra, com o dueto do desemprego no centro associado

à criação de “novos” postos de trabalho na periferia. A complexidade dos processos

encerra, inclusive, a possibilidade de casos em que os dois lados não são

efetivamente equivalentes.

Em análise feita por Manuel Castells,47, ele afirma que, se por um lado temos

um aumento na demanda por profissionais superqualificados, por outro, a sociedade

abre espaço para a participação (via setor de serviços) de pessoas com baixo nível

de qualificação. Segundo o autor, o prognóstico mais comum, original da dita teoria

pós-industrial, prevê apenas a expansão das profissões ricas em informação, como

os cargos de administradores, profissionais especializados e técnicos, não

considerando o crescimento das profissões em serviços mais simples e não-

46 Expressão utilizada por Neto para definir a compreensão de que a exclusão dos trabalhadores dos ambientes produtivos, sendo cíclica, flexiva, parcial ou definitiva, faz parte do processo de composição da força de trabalho, inclusive enquanto constituição do Exército Industrial de Reserva, elemento fundamental na definição das condições de vida e trabalho dos “incluídos” diretamente. 47 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2. ed. São Paulo : Paz e Terra,1999. p. 226

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48

qualificados, leia-se excluídos e precarizados, que por sua vez, permite a existência

de um processo de dualização ocupacional.

Neste aspecto, pode-se perceber que o sentido da utilização da tecnologia,

conseqüentemente, fica privado da possibilidade humanamente positiva de sua

evolução:

Mesmo a facilitação do trabalho torna-se um meio de tortura, já que a

máquina não livra o trabalhador do trabalho, mas seu trabalho de

conteúdo. Toda produção capitalista, à medida que ela não é apenas

processo de trabalho, mas ao mesmo tempo processo de valorização do

capital, tem em comum o fato de que não é o trabalhador quem usa as

condições de trabalho, mas, que, pelo contrário, são as condições de

trabalho que usam o trabalhador 48

Neste sentido, até mesmo a suposta elevação da qualificação demandada

para as ocupações ricas em informações,(as quais se refere Castells), estabelecida

pela polivalência fica desnudada em sua intenção e efetivação pois apesar de ser

criação humana,

... a máquina, na mão do capitalista, transforma-se no meio objetivo e

sistematicamente aplicado de espremer mais trabalho no mesmo espaço

de tempo. Isto ocorre de duas maneiras: mediante aceleração das

máquinas e ampliação da maquinaria a ser supervisionada pelo mesmo

operário ou de seu campo de trabalho. A construção mais aperfeiçoada

da maquinaria é, em parte, necessária para exercer maior pressão sobre

o trabalhador (...)49

Na análise feita por Castells,

o que é mais distintivo em termos históricos entre as estruturas

econômicas da primeira e da segunda metade do século XX é a

revolução nas tecnologias da informação e sua difusão em todas as

esferas de atividade social e econômica, incluindo sua contribuição no

fornecimento da infra-estrutura para a formação de uma economia

global.

Por essa razão, prefere chamar o período em foco de informacional.

48MARX, apud Neto, op. cit. 49 MARX, apud Neto, op. cit

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49

Porém é mister reconstituir unificadamente dois aspectos da análise de Marx

em O Capital: o da unidade da inserção produtiva do trabalho e o da unidade

dialética entre inclusão como força ativa de trabalho e exclusão enquanto exército

industrial de reserva.

A constatação da unidade nas formas múltiplas e aparentemente dissociadas

da inclusão produtiva também é determinada com clareza já há mais de um século.

Este trecho de Marx desmistifica a idéia de um setor de manipuladores de

informação que já não seriam trabalhadores:

O produto transforma-se, sobretudo, do produto direto do produtor

individual em social, em produto comum de um trabalhador coletivo, isto

é, de um pessoal combinado de trabalho, cujos membros se encontram

mais perto ou mais longe da manipulação do objeto de trabalho. Com o

caráter cooperativo do próprio processo de trabalho amplia-se, portanto,

necessariamente, o conceito de trabalho produtivo e de seu portador, do

trabalho produtivo. Para trabalhar produtivamente, já não é necessário,

agora, pôr pessoalmente a mão na obra; basta ser órgão do trabalhador

coletivo, executando qualquer uma de suas subfunções. A determinação

original, acima, de trabalho produtivo, derivada da própria natureza da

produção material, permanece sempre verdadeira para o trabalhador

coletivo, considerado como coletividade. Mas ela já não é válida para

cada um de seus membros, tomados isoladamente.50

Nesse contexto, e a partir dessa compreensão ampla da unidade do trabalho,

em oposição à unidade do capital, se torna necessário se pensar em propostas de

qualificação que considere a totalidade do “trabalhador coletivo”. Isso significa, de

princípio, negar a concepção de que vivenciamos atualmente a elevação da

qualificação dos trabalhadores, observando apenas os setores incluídos na

produção em detrimento de outros que se desqualificam, os supostos “excluídos”.

Para tanto, necessário se faz entendermos as determinações do processo de

produção capitalista globalizado no mercado de trabalho atual em suas novas

nuanças, considerando que a combinação de alta tecnologia e mão-de-obra barata

estabelece uma relação em que se determina caso a caso visando à redução de

custos e aumento da produtividade, com o incremento da extração de mais-valia.

Neste caso, a contribuição de Ricardo Antunes quando analisa as dimensões da

diversidade, heterogeneidade e complexidade da classe trabalhadora atual é muito

50 Idem

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50

importante para refletirmos as conseqüências de tal processo para o “Trabalhador

Coletivo”, ou para usar um termo do próprio Antunes, para a classe que vive do

trabalho:

Tem sido uma tendência freqüente a redução do proletariado industrial,

fabril, tradicional, manual, estável e especializada, herdeiro da era da

indústria verticalizada. Esse proletariado se desenvolveu intensamente

na vigência do binômio taylorismo/fordismo e vem diminuindo com a

reestruturação produtiva do capital, o desenvolvimento da ‘lean

production’ a expansão ocidental do toyotismo e das formas de

horizontalização do capital produtivo, a flexibilização e desconcentração

(e muitas vezes, a desterritorialização) do espaço físico produtivo. Ou

ainda motivado pela introdução da máquina informatizada, com a

telemática (...)

Há, por um lado, um enorme incremento do novo proletariado fabril e de

serviços, que se traduz pelo impressionante crescimento, em escala

mundial, do que a vertente crítica tem denominado trabalho precarizado

(...). São os “terceirizados”, subcontratados, part-time, entre tantas outras

formas assemelhadas, que proliferam em inúmeras partes do mundo. 51

Antunes assinala que as metamorfoses no interior do mundo do trabalho além

de se manifestarem em diversas clivagens entre os trabalhadores estáveis e

precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos e

negros, qualificados e desqualificados, incluídos e excluídos, e tantos outros que

corroboram para a estratificação e fragmentação do trabalho também se acentuam

em função do processo crescente de internacionalização do capital, manifestando-se

portanto:

1) dentro de um grupo particular ou segmento do trabalho;

2) entre diferentes grupos de trabalhadores pertencentes a mesma

comunidade nacional;

3) entre conjuntos de trabalhadores de diversas nações, opostos entre si

no contexto da competição capitalista internacional;(...)52

4) [entre] a força de trabalho dos países capitalistas avançados -

relativamente beneficiados pela divisão capitalista global do trabalho -

em oposição à força de trabalho relativamente mais explorada do

“terceiro mundo”;

51 ANTUNES, Ricardo. Op. cit. p.p. 104 e 105

52 Idem. p. 117

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51

5) [entre] o trabalhador empregado, separado e oposto aos interesses

objetivamente diferenciados - e geralmente política e

organizacionalmente não articulados - e “os não assalariados” ou

desempregados, inclusive, os crescentemente vitimados pela “segunda

revolução industrial”53

Assim temos como uma das conseqüências mais sérias para o conjunto dos

trabalhadores diante da diversidade do trabalho atual a sua fragmentação e

desintegração enquanto classe, aliada a uma violenta desigualdade e exclusão

social que se intensifica ainda mais através da precarização do mercado e das

condições de trabalho.

Para se pensar a posição que estes trabalhadores ocupam na estrutura do

mercado de trabalho, é válida a apreensão que faz Harvey,54 de que o mercado de

trabalho passou, na vigência da acumulação flexível, a estruturar-se em dois

grandes segmentos: o dos trabalhadores centrais e o dos trabalhadores periféricos.

O centro contaria com trabalhadores que gozam de maior segurança, de vantagens

como pensão, seguros, etc. e que têm perspectivas de promoção e de

enriquecimento funcional e qualificativo; seriam estes, trabalhadores em tempo

integral e que ocupam posição essencial na empresa não sendo facilmente

descartados (é o grupo composto basicamente pelos gerentes). A periferia

subdivide-se em dois subgrupos: O primeiro formado por empregados em tempo

integral e com habilidades facilmente encontradas no mercado. É o caso do “pessoal

do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho

manual menos especializado”. Caracteriza-se pela alta taxa de rotatividade; o

segundo formado por “empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal

com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinandos com

subsídio público”, tendo ainda menos segurança do que aqueles que ocupam o

primeiro subgrupo periférico. O autor assinala ainda que a tendência é pela

diminuição dos trabalhadores centrais e o aumento dos periféricos, principalmente

os do segundo subgrupo periférico. Perambulando por fora do mercado estaria um

crescente contingente de desempregados estruturais. Estes fazem parte de um

exército de reserva diferente, já que não contam mais com possibilidades efetivas de

realocação no interior do mercado — mesmo este extremamente precarizado.

53 MÉSZÁROS apud Antunes. Op. cit. p.117 54 HARVEY David. Condição pós- moderna. São Paulo: Loyola 1992

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52

Para Ramos55, no Brasil, os técnicos de nível médio podem ser associados ao

primeiro grupo da periferia do mercado de trabalho descrito por Harvey, pois estes

são, por um lado, submetidos à elevação da rotatividade, mas, por outro, dispõem de

títulos e das próprias competências como parâmetros negociáveis no mercado de

trabalho.

Aos desempregados estruturais, resta a esperança do mercado de trabalho

informal, desde que aprendam a ser empreendedores. Quanto à informalidade

Malaguti analisa nos seguintes termos:

Constata-se hoje, corriqueiramente, que a informalidade não é um

celeiro de empreendedores, de pessoas ativas e enérgicas, mas sim o

refúgio dos sem opção. Na medida em que o tema da informalidade não

pode mais ser evitado, pois atinge quase todas as famílias, de maneira

mais ou menos direta, desvenda-se sua verdadeira face.

Mediante tal configuração do mercado de trabalho, para nós é evidente que

nos encontramos diante de um fenômeno que, se de um lado exacerba a

precarização do mercado de trabalho, de outro, eleva os níveis de produtividade,

com o incremento da extração de mais-valia, a patamares jamais experimentados na

história do capitalismo.

A relação trabalho-educação dentro desse quadro surge decorrente de uma

preocupação central, da qual compartilham muitos educadores: a formulação de

uma proposta educacional na qual deve ser formado o perfil comportamental e os

requisitos cognitivos necessários ao trabalhador no patamar de produção

contemporâneo. Tal entendimento do perfil ideal de qualificação da força de trabalho

conforme às novas necessidades postas pelos processos de produção e

organização do trabalho típicos das unidades industriais de ponta trata-se, no

entendimento de Nosella56, de uma sugestão de “abstratas pedagogias de formação

de mão-de-obra para o mercado de trabalho”, pois talvez os excluídos “não

consigam entrar no mercado de trabalho porque lhes falta um preparo técnico e

cívico adequados. Daí a preocupação de melhorar a “embalagem” dessa

mercadoria, mão-de-obra que ninguém quer”.

55 RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: Autonomia ou adaptação? S. Paulo: Cortez, 2001. p. 159 56 NOSELLA, Paolo...[et al.]. Trabalho e Conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez; 1995. p.39

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53

Decorrente dessa preocupação, as políticas educacionais no Brasil se

centram no modelo de competências partindo do pressuposto de que é premente a

necessidade das pessoas terem novas habilidades cognitivas para responderem

com eficiência às demandas do mercado de trabalho; e tendo como referência a

dificuldade de criação de novos postos de trabalho, concebem a educação

profissional como política pública de emprego e renda, na perspectiva de que esta

possa contribuir para desenvolver novas habilidades nas pessoas, para que possam

pelo menos, ter a oportunidade de responder as demandas do mercado.

Isto posto, nos permite antecipar que ante a configuração do mercado de

trabalho, não resta dúvida de que a educação não seja instrumento capaz de, por si

só, potencializar a trabalhabilidade, além do mais, quando se remete essa

perspectiva ao contexto do terciário, tido como o alvo para absorver ao excedente

da mão-de-obra da indústria, percebemos a sua escassa possibilidade de considerar

o trabalhador coletivo. Resta-nos, portanto, apreender o seu significado para a

empregabilidade, o que nos remete ao questionamento do tipo de demanda do setor

produtivo brasileiro que passou a exigir que a formação do trabalhador se realize

tendo como base as novas formas de realização da atividade produtiva,

características do paradigma de acumulação flexível. Portanto, nos remete a

apreensão do contexto de reestruturação produtiva do Brasil, em um âmbito mais

geral e mais particular, ao contexto de reestruturação produtiva do terciário de

Fortaleza, onde se situa o nosso objeto.

Isto porque, mesmo que a questão da qualificação pareça estar

absolutamente subsumida à lógica capitalista, não se trata de uma questão tão

linear. O que é perceptível é que há uma íntima e complexa relação entre as

mudanças dos setores produtivos, tanto em termos de incorporação de novas

tecnologias como em termos de assimilação das técnicas de gestão e organização

do trabalho que acompanham tais mudanças e o perfil ocupacional demandado ao

trabalhador. Porém, nessa relação complexa que o capital produz, surgem

contradições entre o perfil de trabalhador que é exigido e o que é necessário à sua

reprodução. Essas contradições irão se revelar tanto no que se refere às diferenças

nos estágios de desenvolvimento produtivo entre países, regiões e setores

produtivos e mesmo entre as diferenças de cultura das organizações empresariais.

Sabemos que os países periféricos vivem, de forma mais conturbada, a

racionalização econômica que se processa em escala mundial. O caso brasileiro

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54

experimentou a incorporação de novas tecnologias num contexto de crise

econômica e transição política. Demanda interna contraída, necessidade de

ampliação do mercado externo legitimam uma política econômica voltada para a

exportação. Tal política trata de adequar a indústria nacional aos novos padrões

internacionais de competitividade que compreendem a incorporação de novas

tecnologias como condição de garantia de qualidade, precisão e flexibilidade de

produção.

Importa ressaltar a especificidade da incorporação do novo modelo em nossa

realidade. A introdução, assimilação e disseminação de tecnologias inovadoras não

se dão de forma homogênea, em razão do caráter diferenciado do desenvolvimento

econômico que inviabiliza a adoção das tecnologias por parte de muitas empresas,

ou, mesmo, admite esta adoção sem as adequadas mudanças na organização do

trabalho.

Em primeiro lugar, convém ressaltar que a noção das competências hoje

institucionalizada na educação profissional é importada dos países do centro do

capitalismo, onde a institucionalização das competências ocorre a partir do

movimento da organização das empresas que passam a colocar um novo desafio à

qualificação dos trabalhadores que irão protagonizar novas situações de trabalho em

postos dentro destas mesmas empresas, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde

o Estado imprime a lógica das competências à formação do trabalhador, sem

necessariamente isto se tratar de uma pressão do movimento empresarial, uma vez

que são mínimas as empresas que adotam a gestão por competência, e, por outro

lado, uma grande maioria dos trabalhadores estão marcados mesmo é a viverem

situações de trabalho cada vez mais precarizadas na informalidade ou mesmo no

terciário.

É farto o número de produções teóricas que tratam do movimento das

transformações em nível global pelas quais passam as forças produtivas do capital

que estariam conduzindo a questionar ou até mesmo reverter algumas tendências

fundamentais que caracterizaram o desenvolvimento do processo de trabalho

capitalista desde a manufatura. Castillo (1997:56) ressalta que essa idéia de ruptura

no conteúdo do trabalho ligada às novas condições produtivas, se daria, por

exemplo, a partir da incorporação de novos conceitos na produção, freqüentemente

tratados na literatura da sociologia do trabalho como “sistemofatura” (Hoffman e

Kaplinsky 1988), “quarto estágio” (Schmitz 1985), “era pós-industrial ou cibernética”

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55

(Hirschhorn 1984), “especialização flexível” (Piore e Sabel 1984), “novo paradigma

tecnológico” (Freeman e Pérez 1988). Todas essas denominações fazem referência

à novidade da situação atual, a um ponto de inflexão em relação a situação anterior.

Para Castillo (1997:56), as identidades na literatura vão além de assinalar

estas transformações. Encontramo-nos também com um certo acordo de interpretá-

las como uma melhora nas condições de trabalho. “Nos processos automatizados

haveria uma humanização do trabalho (....), o trabalho já não estaria estritamente

prescrito e as atividades humanas seriam valorizadas.”

Em contraponto, algumas análises, como faz, por exemplo, Márcio Pochman

(2000), mostram que o movimento de inserção do Brasil no cenário competitivo de

mundialização do capital, tem resultado numa reiterada submissão e integração

passiva da economia nacional ao mercado mundial, pois se de um lado temos um

mercado de trabalho caracterizado por grande fragilidade tecnológica e

organizacional quando confrontada com o quadro internacional, por outro lado, a

carência de investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, leva o país a

uma posição bastante medíocre no contexto da nova divisão internacional do

trabalho.

No que concerne à reorganização da base produtiva, sabemos que foi só a

partir dos anos 90 que começou a se evidenciar a modernização das empresas

brasileiras. Isso de dava ao mesmo tempo em que ocorriam diversas crises

econômicas e momentos recessivos. Como ilustração, Abramo57, em estudos

realizados no final dos anos 80 acerca da incorporação de novas tecnologias nos

processos produtivos e sua difusão setorial, apontava para o baixo nível de difusão

de inovações técnicas e organizacionais no tecido industrial brasileiro, mantendo

exceção apenas para alguns setores de ponta.

Entretanto, a abertura do mercado e as estratégias adotadas para

incrementar a exportação, contribuíram para que as empresas brasileiras

passassem a rever suas estratégias de competitividade, introduzindo novos modelos

de organização do trabalho e da produção. Em parte devido às crises enfrentadas

ao longo da década de 90, a modernização está mais concentrada na adoção de

inovações organizacionais como a adoção de programas do tipo 5 “S”, círculos de

controle de qualidade, benchmarketing, fabricação just in time, uso de minifábricas

57 ABRAMO, Laís. Novas tecnologias, difusão setorial, emprego e trabalho no Brasil: um balanço. In: Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 1990, n. 30. segundo semestre.

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56

ou células de trabalho, do que na introdução de novos equipamentos. Embora nas

empresas ditas “de ponta” esse aspecto não tenha sido desprezado.

Porém, mesmo com a introdução dos círculos de qualidade ou das várias

formas de trabalho em equipe, ainda subsiste, em grande parte das empresas, o

monopólio da regulação técnica e do trabalho em reduzido núcleo de profissionais e

trabalhadores qualificados que concentram decisões técnicas e trabalho criativo e a

cultura das organizações não se alterou em relação ao novo modelo produtivo,

portanto, para grande maioria, o trabalho ainda continua sendo prescrito.

Esse quadro nos dá mostras de que o modelo de competências não é uma

exigência unificada no movimento que ocorre nos processos produtivos brasileiros.

Portanto, para o objeto desse estudo achamos também importante apreender as

outras lógicas de uso social que sustentam a sua adoção na educação profissional,

onde passaremos a analisar o novo redimensionamento das relações trabalho-

educação e o papel da educação profissional como categoria mediadora entre o

trabalho e a cultura, bem como o determinismo econômico que a ela se impõe. Isso,

na perspectiva de apreender como as determinações processadas nas esferas

econômicas e políticas são decisivas nas políticas educacionais e, conseqüente-

mente, no uso social que se fará da noção de competências incorporada à educação

profissional.

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57

CAPÍTULO II - A educação profissional na reforma educacional brasileira dos anos 90 e no modelo pedagógico do Senac, tendo como eixo a noção de competências

2.1. Determinantes sociais, econômicos e políticos da educação

2.1.1. A educação profissional como categoria mediadora entre o trabalho e a cultura

A educação por ser socialmente determinada e, ao mesmo tempo,

determinante das relações sociais, vai sofrer ingerências diretas das transformações

ocorridas no contexto sócio-político-econômico analisadas no capítulo anterior. Por

conseguinte, essas transformações fizeram com que a década 90 fosse fértil em

reformas educacionais no Brasil. Essas reformas, que abrangem o conjunto do

sistema educacional, inclui profundas transformações na educação técnico-

profissional. Tais transformações estão crivadas por determinantes de caráter

político, social e econômico daquele contexto mais amplo que interferem no sistema

educacional e se combinam de diversas maneiras e em graus diversos.

Os determinantes de caráter político mais decisivos na reforma do sistema

educacional relacionam-se ao papel ideológico do Estado nas mudanças que se

concretizam através de uma política educacional voltada para formação da força de

trabalho adequada às transformações correntes na base produtiva.

Nessa direção, o perfil e as qualidades delineadas pelo discurso empresarial

mundializado, respeitantes ao trabalhador adaptado às novas demandas do mundo

da produção, apresentam-se também como os elementos formais norteadores das

iniciativas do Estado no referido campo. Tais elementos vão fazer com que as

reformas implementadas no campo educativo-formativo realizem-se em

conformidade, tanto das necessidades do sistema produtivo na formação de uma

força de trabalho adaptada às transformações ora correntes na base da produção

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econômica nacional, como do estabelecimento de um novo padrão ideal de vivência

das relações sócio-econômico-políticas que estruturam a sociedade.

Os rumos que são dados à educação, portanto, são significativos para a

compreensão dos seus reflexos sobre a produção e reprodução da força de trabalho

e, principalmente, para a compreensão do sentido que a qualificação profissional

tem nesse movimento, como categoria mediadora entre o trabalho e a cultura.

Parece ser possível afirmar que a qualificação – aqui claramente entendida

como relação social –, exerce uma função especialmente importante na formação e

transformação cultural, atendendo aos interesses do capital, pois é o mercado de

trabalho capitalista quem define as tendências e os requisitos dessa qualificação.

A qualificação é um princípio simbólico-cultural da sociedade capitalista e é

também elemento fundamental de negociação para a força de trabalho que se

relaciona com o capital como mercadoria.

Assim sendo, como mediadora da relação social que se estabelece entre

capital e trabalho, é ela que oculta a dominação que o primeiro exerce sobre o

segundo, no contexto cultural que se forma a partir do fetichismo da mercadoria.

Subjaz assim, às políticas implementadas pelo Estado, uma forte base

teórico-ideológica que tenta ocultar as implicações do profundo processo de

transformação sob a hegemonia do capital para o trabalho e para o trabalhador.

Isso, é claro, não nega a presença e a possibilidade de outras forças que buscam

resistir a essa hegemonia e superá-la, mediante uma nova conformação social, com

outras bases, métodos e finalidades.

Sobre essa questão Oliveira58 assim se expressa:

a formação do trabalhador cidadão referido na retórica do MEC, diz respeito

na verdade ao próprio campo das relações ideológico-políticas necessárias

à generalização do sistema de produção flexível, onde deve-se promover

mudanças nas condições sociais e nos costumes e hábitos individuais, diz

respeito, portanto, à questão da hegemonia.

A hegemonia, neste sentido, se concretiza através da “necessidade de um

controle do Estado no sentido de incrementar o nível técnico-cultural da população e

responder assim às exigências do desenvolvimento das forças produtivas”.[Piotte,

apud Mochcovitch, 1992:36]

58 OLIVEIRA, Ramon. Ensino médio e educação profissional - Reformas excludentes. CD Room: 24ª Reunião da ANPED, 2001.

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Dessa forma é que vão sendo organizados os meios e processos através dos

quais a classe social no poder integra à sua concepção de mundo as "massas",

assegurando a aceitação por estas dos conteúdos ideológicos conformadores de tal

visão de mundo.

Portanto, decorre daí a fabricação do consenso. Para Oliveira (Idem, 2001),

uma classe ou fração de classe no poder torna-se efetivamente hegemônica a partir

do momento em que consegue obter, tanto por parte das classes aliadas quanto por

parte das classes subalternas, uma identificação destas com o seu projeto ideológico

de dominação; quando sua visão de mundo particular universaliza-se, sendo

compartilhada como própria pelas demais classes. A obtenção de um consenso

“espontâneo” daqueles sobre os quais se exerce a direção/domínio (hegemonia),

significa a sua transformação em agentes de propagação (com maior ou menor

consciência de tal papel) das diretivas elaboradas pelo Estado, as quais deveriam

tornar-se normas de conduta para os outros.

Uma das principais funções do Estado, nesta perspectiva, seria então

exatamente a “produção” de novos tipos de homens: aqueles conformes (tanto no

sentido físico-psicológico quanto no ideológico-político - aliás, intrínsecos) ao grau

de desenvolvimento do conjunto das relações de produção e, portanto, conforme ao

grau de complexificação da sociedade:

... cada Estado tende a criar e a manter certo tipo de civilização e de

cidadão (e, portanto, de convivência e de relações individuais), tende a

fazer desaparecer certos costumes e hábitos e a difundir outros, ... o Estado

deve ser concebido como “educador”, desde que tende a criar um novo tipo

ou nível de civilização. Missão educativa e formativa do Estado, cujo fim é

sempre criar novos e mais elevados tipos de civilização, adequar a

“civilização” e a moralidade das mais amplas massas populares às

necessidades do desenvolvimento continuado do aparelho econômico de

produção, portanto elaborar também fisicamente tipos novos de

humanidade. [Gramsci, apud Oliveira, op. cit.: 2001]

Dessa forma, o processo de criação do trabalhador flexível, tendo como ponto

de partida uma “iniciativa privada” (modelo de produção flexível nas empresas)

coloca a necessidade da construção de um conjunto de mecanismos ideológicos

visando à adaptação da força de trabalho no espaço da vivência externa à empresa,

termina por se transformar em política do Estado.

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Nesse contexto, Ramos59 alerta que a hegemonia das classes empresariais

tem motivado a emergência de novas categorias, pretensamente mais adequadas

para expressar as demandas requeridas pelos sistemas produtivos sob o modo de

produção capitalista. Demonstração inequívoca disso é a relevância que adquire o

modelo de competências frente ao conceito de qualificação.

2.1.2. A educação profissional no enfoque neoliberal e economicista

Nesses tempos de globalização e neoliberalismo, as reformas processadas

no âmbito educacional brasileiro, é claro, também ocorreram perfeitamente em

consonância com as teses do Estado mínimo e das leis do mercado. Especialmente

as que se referem à formação técnico-profissional que estão claramente predefinidas

como estratégia particular do denominado ajuste estrutural que implica as reformas

do Estado no plano político-institucional e no plano econômico-administrativo.

O bloco do poder que governa hoje o Brasil, antes mesmo de assumir o

governo, como nos mostra Cunha60, já tinha um projeto alinhado com a filosofia

neoliberal para ser implantado na sociedade.

A nova LDB (Lei 9393/96), reflexo deste projeto, como mostra Saviani61,

possui um caráter minimalista e desregulamentador que se coaduna tanto à

estratégia de impor pelo alto um projeto preconcebido, quanto à tese do Estado

mínimo com a tríade do ajuste estrutural: desregulamentação, descentralização e

privatização. Ou seja, como observa Saviani, isso deixa o caminho livre para a

apresentação de reformas pontuais, tópicas, localizadas, traduzidas em medidas

como a lei de reforma do ensino profissional e técnico.

Sob a égide do Estado mínimo, os ajustes realizados no âmbito da sociedade

brasileira, como afirma Melo62, imprimem um status privilegiado à iniciativa privada,

à livre concorrência e às leis de mercado e dão realce a uma agenda de reformas

de inspiração neoliberal a ser cumprida no setor educacional.

Se em momentos anteriores, o que marcou o caráter das políticas

educacionais no Brasil foi a vinculação das mesmas aos projetos

desenvolvimentistas implementados em diversos governos. No momento atual, o

59 RAMOS, Marise Nogueira. Op. cit., 2001. p. 37 60 CUNHA, L. A. Educação brasileira: Projetos em disputa. São Paulo: Cortez,1995. 61 SAVIANI, D. A nova lei de educação: LDB, trajetória, limites e perspectiva. Campinas/SP: Autores Associados,1997. 62 MELO, Marcus André B. C. Desenvolvimento sustentável, ajuste estrutural e política social: as estratégias das OMS/OPS e do Banco Mundial para a atenção à saúde, Brasília, IPEA, n.11, 1995. p. 193.

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teor destas políticas passa a ser definido pelo caráter de reestruturação do Estado,

bem como da adaptação do sistema educacional aos ditames do processo de

globalização. Contudo, ainda que com características distintas, nesta nova fase das

políticas educacionais, constata-se o incremento da influência de organismos

internacionais, fortalecendo o seu poder de definir, direta e indiretamente, os rumos

que devem ser seguidos pelo governo brasileiro nessa área.

Nesse sentido, Cunha63 nos chama a atenção sobre um artigo produzido por

David Wilson sobre o estado da arte da reforma da educação técnico-profissional na

América Latina, onde este assinala a orientação do BIRD como fazendo parte de

uma concepção “econocêntrica” das agências financeiras internacionais, muito

difundida na região. Na década de 90, essa concepção se expressou por três

vetores nas mudanças observadas: descentralização, setorização e privatização da

educação técnico-profissional na América Latina.

Em adição a essas tendências, Cunha (Op. cit.) assinala a de “diferenciação

para cima” da educação técnico-profissional na América Latina, desde o nível

secundário até o pós-secundário para técnicos e tecnólogos. Ele aponta, ainda, que

essas mudanças todas teriam sido determinadas pela globalização da economia,

com o conseqüente abandono das políticas protecionistas e a abertura dos

mercados nacionais a uma competição internacional cada vez mais acirrada. Para

enfrentar a competição num mercado progressivamente mais globalizado, os

governos dos países latino-americanos decidiram, entre outras providências,

modificar os modos como qualificam sua força de trabalho, em especial para a

indústria e os serviços, que, por sua vez, passam a utilizar tecnologias mais

sofisticadas, exigentes de trabalhadores dotados de diferentes qualificações e/ou

competências.

Tal decisão, por sua vez, se deve essencialmente da constatação de que a

ausência da posse de patamares mínimos de escolarização por parte de um

significativo contingente da força de trabalho industrial nacional acaba por

representar um importante fator de custo para a própria realização do processo

produtivo. Isto porque, o movimento de disseminação das propostas de

reorganização do trabalho e/ou a introdução das novas tecnologias de base

microeletrônica no âmbito do setor industrial brasileiro, ocorrido de forma mais

63CUNHA, Luiz Antônio. O ensino Profissional na irradiação do industrialismo. S. Paulo: Ed. UNESP, 2000. p.214

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constante a partir de meados da década de oitenta, trouxe consigo uma demanda

por uma maior capacidade de interpretação e comunicação dos trabalhadores que

ocupam as posições básicas na realização da produção.

A educação nesse sentido é marcada por um forte determinismo econômico,

mormente a educação profissional, pelo papel que lhe é atribuído no cenário

contemporâneo, como um elemento importante na composição dos fatores que

regem a competitividade dos países, das organizações e dos indivíduos. Esse

posicionamento, como é identificado por Frigotto64 sendo uma reedição da teoria do

capital humano, tem levado alguns países a destinarem uma parcela significativa de

seu orçamento para qualificação e reconversão de sua força de trabalho e a

traçarem planos e políticas educacionais que visem a capacitar os indivíduos para

lidarem com os novos parâmetros tecnológicos e prepará-los para o mercado de

trabalho e/ou para o desenvolvimento de alguma atividade que lhes possibilite

subsistência.

A segunda perspectiva é o alvo a que mais se visa no Brasil, haja vista a

internacionalização de algumas ocupações e a implementação de novos formatos de

trabalho não terem ampliado o número de postos de trabalho, nem a mobilidade dos

trabalhadores, pois a globalização dos postos de trabalho só contempla uma

pequena parcela da classe trabalhadora, para a grande maioria ela se apresenta sob

a forma de trabalho precarizado.

Aliás, a nova conformação do mundo do trabalho, além de inibir a mobilidade

social, restringe a capacidade de atuação coletiva dos trabalhadores, já que só um

pequeno grupo possui as condições ideais para negociar seu conhecimento de

forma autônoma e para desenvolver uma carreira.

No entanto, os propositores das políticas educacionais detectam que no

interior dos processos de trabalho, ocorre um redimensionamento das qualificações

que passam a privilegiar as atividades simbólicas e de abstração em detrimento das

atividades ditas concretas e passíveis de codificação. Esse deslocamento provoca

desqualificação de parte da força de trabalho, mas, diversamente dos períodos

anteriores, uma parcela significativa dos profissionais desabilitados não consegue

recolocação em outros segmentos da economia, levando a um consenso quanto à

64 FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1996. 231 p.

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necessidade de implementação de ações direcionadas à reconversão e à

qualificação profissional.

Todavia, os apelos à educação continuada e à reconversão profissional

parecem relacioná-las a um esforço individual e não a um conjunto de fatores que

vão desde a capacidade cognitiva do sujeito à sua realidade sócio-econômica.

Esquece-se de que a qualificação é um processo histórico, e como tal não pode ser

analisado desvinculado dos fatores que concorrem para sua construção. É

resultante de um processo de interatividade, não pode ser construído solitariamente,

depende do acesso efetivo a informações e processos referentes à qualificação

desejada. Nesse sentido, a possibilidade de um indivíduo se qualificar está mais

próxima da sua história de vida e de suas relações materiais de acesso do que de

um desejo individual.

No entanto, a entrada em cena do conhecimento nas organizações, a qual

remete à Teoria do Capital Humano, se apresenta sob duas perspectivas. Primeiro,

na perspectiva de uma mão-de-obra mais qualificada. E segundo, no

autodesenvolvimento pelo trabalhador de um capital pessoal levando à

empregabilidade. Essa teoria, que é uma derivação da teoria econômica

neoclássica, e seu ressurgimento, em parte, se deve à crise do modelo taylorista e,

por outro lado, à redefinição das relações de trabalho e do papel do sistema

educacional. A sua crítica na década de 70 já apontava o utilitarismo imediatista

decorrente de sua aceitação irrestrita.

Vivenciamos, pois, o determinismo econômico do sistema educacional, que

se dá sob a tirania do mercado e o signo da inovação, um momento de

redimensionamento do papel do ser humano nas organizações, etiquetada de

"capital humano", "capital intelectual" e "inteligência competitiva". A perspectiva

humana vê a organização como um conjunto de indivíduos e grupos que têm

objetivos de auto-realização. Essa perspectiva concentra-se na ligação do indivíduo

com o trabalho, ressaltando os fatores de motivação, liderança e demais aspectos

psicossociais, de onde se abstrai que para lidar com informação relevante para os

objetivos organizacionais, as pessoas necessitarão de mais conhecimento.

Reconhece-se, portanto, o papel do conhecimento no trabalho só que o

papel do trabalho na vida do indivíduo e da sociedade é um dos aspectos no qual a

sociedade moderna mais escamoteia neste momento.

Para Kuenzer, esse é um paradoxo que assim se coloca:

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Quando finalmente as exigências de competitividade econômica

reclamam o uso intensivo do conhecimento e da educação, estreitando

as relações entre educação e trabalho, desaparece a especificidade do

vínculo formal com o emprego, transferindo-se a tensão para outro

ponto: embora educação para a cidadania e para o trabalho se

confundam, ela é para poucos; cada vez para menos (Kuenzer, apud

Ramos, 2001, p. 134)

O papel central atribuído ao conhecimento ancora-se na crença de que ele é

fundamental para o crescimento e para a criação de empregos. Hoje o conhecimento

exerce um papel central no processo econômico. Indivíduos com mais conhecimento

obtêm empregos mais bem remunerados. Empresas com mais conhecimento são

mais bem-sucedidas em seus mercados. Nações com mais conhecimento são mais

produtivas. Esse papel estratégico estaria por trás dos investimentos crescentes em

conhecimento por parte dos indivíduos, empresas e países. As economias mais

desenvolvidas estariam tornando-se cada vez mais baseadas em conhecimento.

Para as empresas ditas mais inovadoras, o conhecimento coletivo já é

reconhecido como uma competência fundamental para a performance

organizacional, e se baseia nas habilidades e experiências individuais em relação ao

trabalho realizado. É comum encontrar, na literatura especializada, essas questões

associadas a organizações do aprendizado, reengenharia de processos,

corporações virtuais, universidades corporativas, novas formas de organização,

educação para o trabalho, criatividade, inovação e tecnologia da informação. Isso

porque, no contexto do mercado de trabalho globalizado, faz parte da

competitividade substituir a “força” de trabalho pela “inteligência” no trabalho,

sobretudo através de processos informatizados.65

Existe entre as agências multilaterais (Banco Mundial, BID, UNESCO,

CEPAL, OIT, etc.) a concordância que o maior investimento na educação básica

representa a única possibilidade real de reversão das desigualdades sociais.

Contudo, contraditoriamente, a defesa de uma maior atenção à educação por parte

destas instituições não vem acompanhada de uma reflexão crítica sobre as

conseqüências nefastas advindas da internacionalização econômica, na qual a

maioria das nações do Terceiro Mundo participa subordinadamente. Desta forma, a

apologia à competitividade – desenvolvida por essas instituições – expressa uma

65 DEMO. Pedro op. cit.

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saída ideológica para uma situação de difícil resolução nas nações em

desenvolvimento.

O trecho a seguir, extraído do relatório da Organização Internacional do

Trabalho de 2000, é concorrente com o a defesa da educação voltada para o

desenvolvimento econômico:

Os trabalhadores necessitarão novas e mais elevadas capacitações e

competências para poderem fazer explodir todo o seu próprio potencial

produtivo com as novas tecnologias avançadas, especialmente no

âmbito da informação e das comunicações. Necessitarão também de

novas capacitações em matéria de comportamento, trabalho em equipe

e de hábitos sociais que lhes ajudem a se reajustar e a renovar seus

instrumentos visto que – à medida que se acentua a evolução dos

mercados, da tecnologia, da organização e das oportunidades de

trabalho – os conhecimentos e as capacitações ficam rapidamente

superados e têm de ser continuamente renovados. Desta forma, o

grande feito consiste em ampliar as oportunidades (obter o

financiamento necessário) de aprendizagem para toda vida e conseguir

que os trabalhadores tenham o seu devido acesso. (Relatório da

Reunião da OIT, Genebra, 2000)

Em comum acordo com o discurso que tende a universalizar-se, essas

instituições retomam o discurso presente na década de 60 de que a

profissionalização – pela via da escolarização – garantiria aos indivíduos as

condições para competirem no mercado de trabalho e melhorarem suas condições

econômicas. Esse pensamento veiculado pelas agências internacionais que

interferem na política educacional brasileira – como a CEPAL e o Banco Mundial –,

se já foi duramente criticado por Frigotto66 há mais de uma década, mostra-se outra

vez passível de contestação.

Segundo Frigotto, para compreender a Teoria do Capital Humano faz-se

necessário não só apreender o seu processo de construção, mas antes, entender

como esta se articula com o desenvolvimento do sistema capitalista. Em outras

palavras, para o autor não é possível apreender o seu conteúdo se não se buscar

uma articulação entre o que se dá no âmbito da infra-estrutura (economia), com o

que se dá no campo superestrutural. A teoria como uma formadora de pensamento,

66 FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômica social e capitalista. São Paulo: Cortez, 1989.

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e sendo formulada para justificar as contradições do sistema capitalista, tem como

objetivo a manutenção das relações de força e de desigualdade existentes. Pois,

como já diziam Marx e Engels, idéias dominantes numa determinada época são

aquelas formuladas pelas classes dominantes.67

A Teoria do Capital Humano, por apresentar um viés empiricista e por sua

construção pautar-se num referencial epistemológico nitidamente positivista,

constrói-se dentro de um modelo de análise que não consegue visualizar a

totalidade dos fatores que determinam as relações sociais. Considera os fatores

isoladamente e busca na sua somatória, a complexidade dos fatores explicativos de

uma totalidade maior. Este tipo de abordagem de caráter marginalista baseia-se

numa concepção de que o homo economicus é um ser dotado de uma racionalidade

tal, que é capaz de escolher, livre das pressões externas, quais devem ser os

melhores caminhos traçados para a alcançar o seu sucesso econômico. Trata-se de

uma teoria incapaz de fazer algum tipo de explicação real do sistema capitalista, e

termina por ser apologética do mesmo.

O substrato epistemológico do qual se origina a Teoria do Capital Humano,

determinará diretamente a capacidade desta de resistir a certas generalizações. Em

outras palavras, a sua incapacidade de mostrar, em nível macro-estrutural, a sua

cientificidade, a fará procurar, dentro de análises mais micro-econômicas, a

comprovação de seu conteúdo.

Como contraponto a esta teoria, há de ser visto que a produtividade não

decorre só e nem primordialmente do aumento da qualificação, mas principalmente

da automatização do processo produtivo. É bom que se observe, como chama

atenção Frigotto,68 que o sistema capitalista busca, cada vez mais, retirar do

trabalhador o controle do seu processo de trabalho.

A Teoria do Capital Humano afirma que uma maior escolarização contribui

diretamente para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, em função de um

aumento de renda que decorre, diretamente, da sua melhor qualificação para o

desempenho no mercado de trabalho. Em outras palavras, o incremento da

produtividade – decorrente do aumento da capacitação – levaria a que o indivíduo

também se beneficiasse pelo aumento dos seus salários.

67 4 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-omega, [s.d.]. v. 1.p. 13-46. 68 FRIGOTTO, Gaudêncio. (1989) op. cit.

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67

A referida teoria, que agora ressurge acompanhada de todo o substrato que

dá sustentação à produção flexível, bem como das recomendações de eficiência e

produtividade presentes no referencial neoliberal. Fruto deste ressurgimento, mais

uma vez, Frigotto69 retoma a crítica a essa teoria, mostrando o quanto este

reaparecimento está ligado à crise pela qual passa o capital na sua versão

globalizada.

A teoria do capital humano estrutura-se a partir de uma leitura do sistema

capitalista na qual não se apreende que a história é feita dentro de relações sociais

conflituosas, determinadas pela apropriação desigual da riqueza. A leitura a-histórica

desenvolvida por estes teóricos não consegue captar que os fatos sociais não

ocorrem no âmbito de particularidades individuais e não são apenas expressões de

uma racionalidade humana. A história humana há de ser compreendida por uma

totalidade maior que determina o conjunto das ações dos indivíduos.

Frigotto mostra que os vários conceitos considerados portadores de novos

significados operam como instrumentos ideológicos, cujo objetivo é ocultar o

exacerbamento da exploração capitalista no final de século XX.

O autor parte do pressuposto de que as novas categorias fundantes do atual

discurso educacional, como qualidade total, formação abstrata e polivalente,

flexibilidade, participação, autonomia e descentralização impõem, ao sistema

educacional, uma verdadeira fragmentação. Essas categorias não aparecem por

acaso, mas decorrem da própria mudança que se vai estabelecendo no

desenvolvimento do sistema capitalista, em que a concepção neoliberal, articulada

com as teorizações pós-modernas em conjunto com a defesa do fim da sociedade

do trabalho, tenta impor ao sistema educacional sua subordinação aos interesses

imediatos do capital. Nesse mesmo patamar se situa a incorporação da noção de

competências no discurso educacional, em que as competências dos trabalhadores

são mobilizadas para a obtenção dos resultados produtivos compatíveis com as

normas de qualidade ou os critérios de desempenho solicitados pelas áreas

produtivas, o que remete ao utilitarismo estreito de uma educação que prioriza o útil

à produção em detrimento de outros conhecimentos necessários ao

desenvolvimento de outras dimensões humanas.

69 Id. Os delírios da razão: crise do capital e metamorfose conceitual no campo educacional In: GENTILI, Pablo (Org.) Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995b. p. 77-108.

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No campo educacional, ainda em acordo com Frigotto, a interferência de

medidas que propugnam a diminuição da interferência da intervenção estatal não

poderia deixar de levar a um maior anacronismo do sistema educacional,

principalmente em países em desenvolvimento, marcados já pela forte exclusão

social. Dentro desta nova racionalidade, em que são valorizadas a eficiência e a

produtividade, procura-se impor ao sistema educacional uma dinâmica semelhante à

do setor produtivo.

Sob a influência das agências internacionais, as políticas educacionais são

desenvolvidas objetivando o fortalecimento da reprodução do capital.

Contudo, como demonstrou este autor, para haver um maior acesso à riqueza

produzida por parte da população, não basta apenas o investimento na formação e

qualificação da força de trabalho. A possibilidade de distribuição desta riqueza

depende, exclusivamente, de uma mudança das relações de poder e de uma

modificação radical do sistema de produção.

No contexto atual, no qual há uma forte diminuição do poder político dos

Estados-nações, decorrentes do "fenômeno" da globalização, o capital busca uma

nova interpretação ideológica, capaz de justificar as relações de poder e de

exploração. Neste sentido, como uma continuidade da Teoria do Capital Humano,

mas englobando novas características, próprias de uma economia globalizada,

surge o discurso de que vivemos numa "sociedade do conhecimento" e que, por

conseguinte, neste novo contexto, são exigidas dos trabalhadores novas

competências e habilidades que lhes permitam inserir-se no mercado de trabalho,

competindo de forma igualitária com outras pessoas.

Estas novas habilidades e comportamentos, tais como flexibilidade,

capacidade de comunicação, participação, são considerados fundamentais dentro

de um modelo de produção que busca superar a rigidez do modelo taylorista.

Espera-se ter a escola capacidade de garantir uma educação básica que possibilite

ao educando, e futuro trabalhador, apropriar-se de novos conhecimentos e ajustar-

se, da melhor forma possível, à flexibilidade do novo padrão de produção. Para

Frigotto, neste campo, a relevância da noção de competência é a expressão de uma

metamorfose do conceito de qualificação na sua conotação produtivista.

Esse direcionamento nos leva a perceber que o uso social que se faz da

noção de competências, a partir das exigências da "sociedade do conhecimento" e

da necessidade de novas habilidades dos trabalhadores – buscando com isso

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regular a política educacional –, na prática, serve mais uma vez como mecanismo

ideológico que tenta ocultar as relações de exploração e de aprofundamento das

desigualdades sociais que estamos vivendo neste final de século.

Portanto, aos que acreditam que a “sociedade do conhecimento” articulada

com o modelo de acumulação flexível seja capaz de, através de uma nova relação

entre homem e conhecimento, alterar a distribuição desigual do capital material e

cultural, basta lançar um olhar mais atencioso à realidade para perceber que ao

contrário do que se pensa, o cenário atual aponta é para o crescente

aprofundamento das desigualdades, pois com o crescente aprofundamento da crise

do emprego e da exclusão social, mesmo que haja elevação dos padrões

educacionais dos que vivem do trabalho, a configuração político-econômico em

curso contraria a defesa dos que apostam na “sociedade do conhecimento” como

sinal de avanço democrático.

Para Kuenzer70, nesta nova realidade

se exige formação de novo tipo, a integrar ciência, tecnologia e trabalho,

para os privilegiados ocupantes dos poucos postos que não correm risco de

precarização, que “nasceram competentes para estudar” e que certamente

não são os pobres. Realiza-se a recomendação do Banco Mundial, para

que não se invista em formação especializada, custosa e prolongada, para

uma população que viverá com poucos direitos, na informalidade e que

ironicamente, “gozará de autonomia para fazer suas escolhas, ter seu

próprio negócio, definir seu ritmo e horário de trabalho e seu tempo livre.

Diante da nova configuração da relação trabalho e educação sob o enfoque

economicista, em tela, Deluiz71, destaca que a partir do protagonismo dos

organismos internacionais, as reformas educacionais no Brasil começaram a tomar

forma sob a alegativa de que era necessário articular e subordinar a produção

educacional às necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho e a

necessidade de estabelecer mecanismos de controle e avaliação da qualidade dos

serviços educacionais. Esse também, além do enfoque ideológico neoliberal e

economicista, foi um dos motivos pelo qual a reforma educacional implementada no

Brasil em 1996 assumiu como concepção norteadora o modelo das competências.

70 KUENZER, Acácia Zeneida. Educação Profissional: Categorias para uma nova pedagogia do trabalho. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.25, n.2, maio/ago., 1999. 71 DELUIZ, Neise. O modelo das competências profissionais no mundo do trabalho e da educação: implicações para o currículo. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.27, n.3, set/dez., 2001.

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70

2.2.Polêmicas e modelos subjacentes à reforma do ensino com foco nas competências implementada no Brasil nos anos 90

Nesse ponto, após a apreensão feita anteriormente dos determinantes que se

colocaram na adoção do modelo das competências na educação profissional,

pretendemos agora abordá-lo resgatando as contradições que encerram, as suas

conseqüências para o esvaziamento de propostas de educação profissional que

articulem teoria e prática, os modelos que inspiraram sua concepção e as

implicações de sua institucionalização no Brasil.

A reforma da educação no Brasil nos anos 90, como já analisada

anteriormente, trouxe consigo uma série de novas exigências no que se refere à

implementação de propostas e programas de educação mais funcionais à

transformação cultural necessária ao novo estágio de desenvolvimento das forças

produtivas do capital.

A educação, nesta perspectiva, é encarada como fator de promoção e

desenvolvimento das novas capacidades requeridas ao trabalhador, e, portanto,

reveste-se de uma nova importância para o desenvolvimento das mencionadas

capacidades, ganhando centralidade nas reformas educacionais. De acordo com

Roggero,

as mudanças culturais desejadas pelo capital são tão profundas, nesse

momento histórico, que até a educação infantil passa a ser considerada

parte do sistema educacional abrangido pela nova Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (Lei 9.394/96); o mercado de trabalho estabelece as

habilidades que devem ser desenvolvidas na formação do perfil de

profissional necessário à transição para o novo modelo de desenvolvimento

desde o ensino fundamental; o ensino médio e o ensino superior passam

por reformas viscerais.

A Educação profissional ganha uma nova institucionalidade e um lugar de

destaque no conjunto das reformas implementadas. Tanto que, pela primeira vez, na

Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ganha um capítulo exclusivo, sendo definida

como complementar ao ensino médio.

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71

Dentre todas as alterações imprimidas à estrutura da educação brasileira, a

distinção compulsória entre o ensino médio e o ensino técnico é uma das mais

polêmicas.

Esta distinção anuncia que pretende pôr fim na dualidade que historicamente

se construiu entre esses dois níveis de ensino na educação brasileira e mais

especificamente, na institucionalização gerada a partir de 1971 quando foi

promulgada a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1 º e 2 º Graus (nº. 5.692).

O contraditório na proposta atual de reforma do ensino médio e

profissionalizante contemplada na LDB 9.394/96, encontra-se exatamente na

identidade que se cria para cada uma destas modalidades de ensino. Enquanto para

o ensino médio é atribuído um papel central no desenvolvimento de competências

fundamentais ao exercício da cidadania e à inserção no mercado de trabalho, o

ensino profissional é considerado apenas como espaço preparatório para o mercado

de trabalho. Ou seja, ao definir a educação profissionalizante como complementar, é

assegurado apenas para o ensino médio o potencial de aglutinar os conhecimentos

que historicamente os trabalhadores vêm perseguindo.

O ensino médio é apresentado na lei, também, como tendo a finalidade de

propiciar “a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos

produtivos”. No mesmo sentido, a LDB-96 determina que os conteúdos e as formas

de avaliação serão organizados de tal forma que, ao final do ensino médio, o

educando demonstre “domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem

a produção moderna”.

Na perspectiva de articulação entre o ensino médio (com a duração mínima

de três anos) e o ensino técnico (com duração indeterminada), a resolução do

Conselho Nacional de Educação que estabeleceu as diretrizes curriculares para o

primeiro abriu a possibilidade de que as escolas avancem a preparação básica de

seus alunos para certos cursos técnicos, propiciando a aquisição de competências

básicas, sem que, todavia, introduzam disciplinas propriamente profissionais.

Embora a partir dessa medida, o discurso oficial afirme o fim da dicotomia

entre estas duas modalidades de ensino, a distinção assegurada na lei reforça mais

do que nunca a sua existência. Esta dualidade se torna muito mais evidente e

anacrônica quando observamos que, por terem se tornado ramos distintos do

sistema educacional, quase deixam de manter alguma articulação.

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72

No nosso entender, uma das conseqüências mais sérias da separação do

ensino médio da educação profissional é que os setores em situação

economicamente desfavorável passarão a viver diante do impasse de inserir-se no

ensino médio e esperar mais três anos para adquirir alguma certificação ou, de

imediato, buscar adquirir certificações que os habilite a disputar uma vaga no

mercado de trabalho.

Como sabemos que a clientela das escolas públicas de ensino médio é

predominantemente do curso noturno e os alunos matriculados neste horário são

majoritariamente trabalhadores, fica evidente que, dificilmente ocorrerá destes

disporem da possibilidade física e material para aglutinar novas formações no seu

currículo.

Na verdade, o suposto fim da dualidade entre o ensino acadêmico e o

profissionalizante só beneficiou de fato os setores economicamente em vantagem,

que poderão desfrutar dos “avanços” produzidos pela reforma no ensino médio.

O que ocorre no momento é a existência de duas redes de ensino,

direcionadas para setores diferentes da sociedade. Uma, voltada preferencialmente

para a garantia da formação básica necessária ao ingresso no ensino superior e

outra, fragmentada e esvaziada de conteúdos fundamentais para a solidificação de

uma consciência mais crítica da realidade existente. O ensino técnico pós-médio

representa também um mecanismo que esvazia a procura dos setores populares

pelo ensino superior. A pressão exercida pela inserção de novos contingentes

populacionais no nível médio que representaria também uma maior procura pelo

ensino superior, levou o Estado a canalizar esforços buscando diminuir a sua

procura e, para tanto, buscou assegurar que a educação profissional de nível técnico

representasse a terminalidade dos estudos para os setores populares.

A reforma implementada no sistema de educação profissional, retirando do

seu interior o ensino acadêmico, não só mantém a dualidade histórica no sistema

educacional, como, ao mesmo tempo, torna cada vez mais distante para os setores

populares a concretização de um modelo educacional articulando teoria e prática,

objetivando formar o homem na sua dimensão omnilateral, sendo essa uma outra

conseqüência muito séria dessa reforma.

Na prática, o conhecimento, na sociedade capitalista, é mais um instrumento

de dominação de classes e grupos, às elites econômicas reservam-se poderes

fundamentais ao exercício da dominação política e econômica.

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73

Saviani72, reforçando a idéia de que a dualidade entre educação profissional e

educação geral deve ser compreendida a partir das relações capitalistas de

produção, explicita que a fragmentação existente no processo educacional é a

própria expressão da apropriação desigual da produção material existente. Da

mesma forma que se observa uma divisão entre proprietários e não proprietários dos

meios de produção, estabelece-se também no processo de ensino uma dualidade

entre o ensino para aqueles que devem comandar (ensino científico-intelectual) e o

ensino profissional para os que devem ser comandados.

A união entre trabalho intelectual e trabalho manual só poderá se

realizada baseando-se na superação da apropriação privada dos meios

de produção; com a socialização dos meios de produção, colocando todo

o processo produtivo a serviço da coletividade, do conjunto da

sociedade.

Sabemos que as debilidades nas escolas públicas, tais como a precariedade

de suas estruturas físicas, a formação precária de professores e os seus baixos

salários asseguram apenas para um pequeno estrato da sociedade os

conhecimentos historicamente construídos. Em outras palavras, as anormalidades

no rendimento do sistema educacional, são perfeitamente funcionais aos interesses

das elites econômicas brasileiras.

Para Kuenzer73, a dicotomia presente na educação brasileira provocou que as

propostas pedagógicas sejam caracterizadas, de um lado, por um academicismo

vazio e, de outro, por uma profissionalização estreita. Enquanto o primeiro não

consegue incorporar os princípios elementares da ciência contemporânea, o

segundo se caracteriza, quando muito, por ensinar os educandos a internalizarem a

execução de algumas atividades sem o aprendizado dos princípios científicos e

metodológicos que as constituem.

Esta segunda característica, que entendemos estar presente na educação

profissional de nível básico e nos cursos modulares de nível técnico, é a expressão,

segundo esta autora, do movimento que ocorre no interior do processo fabril – por

72 SAVIANI, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro, FIOCRUZ. Politécnico de Saúde Joaquim Venâncio. 1987. P. 15 73 KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino de 2º grau: O trabalho como princípio educativo. S. Paulo: Cortez, 1998.

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74

ela denominado pedagogia da fábrica –, posto que aos trabalhadores é reservada

uma aprendizagem desconexa, sem o domínio das tarefas na sua totalidade.

Estas características da escola, tanto no seu aspecto generalista, quanto no

seu aspecto profissional, estão longe de satisfazer os interesses dos trabalhadores.

Entretanto, segundo ela, mesmo reconhecendo o caráter classista da escola não

significa que se deva abandonar a escola como uma alternativa de distribuição do

saber, mesmo desigual, porque esta é a sua função no capitalismo. Ao contrário,

deve-se reivindicar a democratização de sua proposta e a expansão de sua oferta,

em todos os níveis, a toda a população.74

Se a bem da verdade, historicamente a relação ensino propedêutico e técnico

profissional nunca se estabeleceu nos sistemas de ensino, minimamente no contexto

do enfraquecimento da ditadura militar, a função propedêutica do ensino de 2º grau

foi restabelecida a partir da política educacional implementada por volta de 1995,

que reservou um lugar especial ao ensino técnico. No entanto, agora com a total

falta de articulação entre o ensino médio e profissionalizante que a Lei 9.394/96

instituiu, esse pequeno avanço se esvaiu, o que significou uma derrota para a ala

dos educadores que defendem uma educação omnilateral.

Outro aspecto contraditório detectado na legislação da educação profissional

é o observado por Martins,75 que destaca existir um anacronismo latente ao Decreto

2.208/97, pois o mesmo, ao separar o ensino médio da rede regular de ensino da

rede não regular de formação técnico-profissional, atende à realidade econômica

pautada no modelo de produção taylorista fordista e não ao modelo atual que

aponta, na formação dos trabalhadores, na direção de uma integração entre ensino

profissional e propedêutico, mesmo para otimizar os resultados dentro da lógica do

mercado. Porém, destaca que isso não significa que a regulamentação do ensino

profissional no Brasil ocorreu em desacordo com a lógica imposta pelo capital

internacional. Pelo contrário, ela

apresenta-se em profunda sintonia com os ditames da “nova ordem”,

tendo em vista que estabelece papéis diferentes às nações, a saber:

algumas poucas, as mais desenvolvidas, são as protagonistas e o

restante, as empobrecidas, as figurantes. Para essas últimas, não há

razão para construírem sistemas de ensino-aprendizagem em

74 Idem. p. 33

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75

consonância com o desenvolvimento econômico. Por desempenharem

papéis secundários nesse cenário, essas nações empobrecidas devem

somente aplicar a ciência e a tecnologia desenvolvidas pelos

protagonistas. Logo, essa regulamentação do ensino profissional está

em sintonia com a “nova ordem” mundial, porque coloca o Brasil

enquanto mais um dos muitos submissos às exigências dos países

capitalistas centrais, mas é anacrônica, uma vez que limita nosso

sistema de ensino profissional a lógicas produtivas ultrapassadas.

O projeto de reestruturação da educação profissional no ensino de nível

médio foi também de responsabilidade do MTb em parceira com o MEC. Essa

reestruturação do Ensino Médio teria como objetivo desarticular a educação geral da

educação profissional, dando a esta última um caráter pós-secundário. No âmbito do

MTb, iniciou-se em 1995 um amplo processo de discussão que depois incorporou

variados setores a fim, resultando na elaboração de um documento denominado

Questões Críticas da Educação Brasileira. Este documento abordava a problemática

da educação profissional dentro da perspectiva da competitividade nacional,

apontava para a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro e para a

consolidação do processo democrático e forjava como público alvo os

desempregados e demais excluídos.

Estes objetivos foram materializados em proposta real de reforma através do

Projeto de Lei 1.603/96, mas que, de fato, só se tornaria concreto no âmbito legal

com o Decreto 2.208/97, que regulamentou alguns artigos da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional concernentes aos currículos do ensino médio e da

educação profissional.

Para a educação profissional, que deveria se consolidar com o foco no

mercado, seria necessário, de acordo com Cunha76, a construção e a consolidação

de um novo enfoque conceitual e metodológico.

As ações implementadas pelo MEC e Ministério do Trabalho atingiram várias

instâncias sociais e políticas de forma a garantir, pelo processo de formação para o

trabalho, o duplo objetivo de conquistar uma economia mais competitiva e promover

novas estratégias para trabalhadores e desempregados vislumbrarem a

75 MARTINS, Marcos Francisco. Ensino técnico e globalização: cidadania ou submissão. Campinas, SP: Autores Associados, 2000. p. 84 76 CUNHA, Luiz Antônio. Op. cit

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possibilidade de permanência ou inserção no mercado de trabalho, o que,

conseqüentemente, provocaria um desenvolvimento social com maior eqüidade.

Sabemos que o principal agente público responsável pela formação de mão-

de-obra para as áreas tecnológicas continua sendo o Ministério da Educação. Este

mantém-se responsável pelas instituições formadoras de técnicos nas escolas

técnicas, agrotécnicas e CEFETs espalhadas por todo o Brasil, bem como de

profissionais com graduação e pós-graduação nas universidades federais e

CEFETs. Portanto, além de a este Ministério estar resguardada a responsabilidade

por uma parcela tão importante de instituições de formação profissional, foi-lhe

atribuído também o papel de coordenar e propagar ações visando atingir um maior

número de pessoas que, na visão deste ministério – em virtude de terem um nível de

escolarização muito baixo –, são excluídas duplamente. Assim, as políticas traçadas

no âmbito do MTb, terminaram por influenciar as reformas de todo o Sistema

Nacional de Educação Profissional.

A partir daí então, a política educacional implementada desde 1995 reservou

um lugar especial ao ensino técnico, partindo do pressuposto da necessidade

econômica da formação de profissionais de nível médio, como exigência do

desenvolvimento tecnológico em todos os setores.

Ao pressupor que no mundo moderno há uma necessidade de as pessoas

terem novas habilidades cognitivas para responderem, com eficiência, às demandas

do mercado de trabalho; e tendo como referência a dificuldade de criação de novos

postos de trabalho, o MTb definiu como estratégia de política pública de emprego e

renda o desenvolvimento de novas habilidades no conjunto da população, de forma

que a mesma possa, pelo menos, ter a oportunidade de responder aos requisitos e

demandas do mercado.

De acordo com o Ministério do Trabalho, além da necessidade de o sistema

de educação profissional ser reestruturado de forma a atender os setores em "risco

social", ele necessita readequar-se para capacitar melhor os novos profissionais, de

acordo com as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho.

Embora o MTb reconhecesse a existência de uma malha de instituições

responsáveis pela formação profissionalizante – algumas delas, como SENAI,

SENAC e outras ligadas ao governo federal, de excelência comprovada –, constatou

que as mesmas não conseguiam responder a contento às demandas impostas pelo

processo de reconversão industrial. Para tanto, constatou ser necessário reestruturar

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este sistema, não só garantindo uma maior democratização ao seu acesso mas, ao

mesmo tempo, permitindo que o mesmo possa contribuir para o desenvolvimento

sustentado, não só numa perspectiva de qualidade dos serviços, mas também em

eficiência. Em outras palavras, deveriam responder ao que é demandado pelo setor

produtivo.

Em função das mudanças existentes no âmbito do Estado, da economia, das

novas exigências das empresas e das novas habilidades necessárias para o

trabalhador, o MTb assim sintetiza suas críticas às instituições de formação

profissional: tais mudanças explicitaram ou tornaram mais aguda a crise de modelos

tradicionais de EP (Educação Profissional), em particular os mais antigos e

consolidados, como o SENAI, SENAC e escolas técnicas federais. Defrontaram-se

com um novo perfil de trabalho e qualificação exigido pelo setor produtivo, no

contexto de democratização e participação, mas também de crise econômica e

debilidade do modelo de emprego tradicional. Estavam preparadas para ministrar

uma formação única, sólida até, para um bom e estável emprego; não para a

mudança, a flexibilidade, a polivalência cobradas pelo setor produtivo. Sabiam

disciplinar para a assiduidade, pontualidade e obediência; não para a iniciativa, o

imprevisto, a decisão e a responsabilidade. Muitas dispunham de laboratórios,

oficinas e técnicos de primeiro mundo, adequados a um setor de ponta cada vez

mais enxuto; não concebiam abrir tudo isso à massa crescente de trabalhadores e

produtores "informais". Dominavam tecnologias de produção de currículos e

materiais didáticos pedagogicamente corretos, mas fora da lógica do setor produtivo.

Formavam premiados "operários-padrão", bons técnicos e ótimos vestibulandos;

mas não tinham estratégias para formar cidadãos77.

Decorrente da compreensão de que a rede de ensino técnico

profissionalizante no Brasil mostrava-se incapaz de atender aos requisitos postos

pelo mundo do trabalho, o MTb, ao definir-se como pólo irradiador das mudanças na

educação profissional brasileira, articula-se com outras instâncias públicas e

privadas, inclusive o MEC, objetivando criar uma estrutura de educação profissional

capaz de flexibilizar-se e garantir um novo modelo de formação de competências,

centradas no mercado e capazes de garantir as habilidades básicas, específicas e

gerenciais que permitam aos indivíduos conquistar um emprego.

77 CUNHA, Luiz Antônio. Op. cit

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O projeto de reforma da educação profissional, tendo como locus de

formulação o MTb, passou a demarcar uma nova institucionalidade para a Educação

Profissional no Brasil e automaticamente levou as instituições que lidam com esta

modalidade de educação a reverem seus modelos pedagógicos, conforme se

analisará sua concretitude na proposta de educação profissional do Senac.

A partir do Decreto 2.208/97, fortemente inspirado nos pressupostos do MTb,

a Educação Profissional passa a estruturar-se em três níveis: o básico, o técnico e

o tecnológico.

O nível básico é dirigido para a massa de trabalhadores, jovens e adultos,

independentemente da escolarização anterior, mas certamente igual ou inferior ao

ensino fundamental, que tem como objetivo qualificar requalificar ou

profissionalizar.

O nível técnico, com uma organização curricular independente, destinado a

matriculados ou egressos do ensino médio. Aqui situa-se a pressão e a direção

rumo à flexibilização dos currículos adaptando-os às competências demandadas

pelo mercado. Trata-se de um currículo modular, fundado na perspectiva das

habilidades básicas e específicas de conhecimento, atitudes e de gestão da

qualidade, construtoras de competências polivalentes, e geradoras da

empregabilidade.

Por fim, o nível tecnológico, destinado a egressos do ensino médio e técnico,

para a formação de tecnólogos em nível superior em diferentes especialidades.

Também, a partir da orientação do decreto 2.208/97, a prática pedagógica a

ser generalizada no âmbito da base escolar brasileira deve realizar-se referenciada

nas necessidades novas postas pelas mudanças contemporâneas dos processos de

trabalho, particularmente no que diz respeito aos requisitos funcionais ideais que os

futuros componentes da força de trabalho nacional devem imprescindivelmente

possuir, motivo pelo qual, tornava imprescindível incorporar na educação profissional

a noção de competência.

É importante destacar que o direcionamento da educação profissional

brasileira rumo às competências, espelha-se no movimento que vem ocorrendo nos

países do centro capitalista que estão sendo convocados a atuar determinadamente

na reestruturação dos seus sistemas de formação profissional, apropriando-se da

noção de competência.

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Essa ocorrência se dá em virtude de que o setor produtivo vem solicitando à

área educacional um modelo de educação que contemple a nova conformação do

mundo do trabalho. Nesse sentido, tanto o modelo educacional alemão, quanto o

modelo de qualificação japonês são identificados como paradigmas de sucesso, em

virtude do desempenho econômico desses países e de sua capacidade de prover o

setor produtivo com trabalhadores quase sob medida, não obstante serem estes

modelos eqüidistantes e estarem calcados em raízes socioculturais próprias, com as

quais se articulam em função de um projeto societário negociado entre o Estado, a

sociedade e o setor privado, situação esta, diametralmente oposta ao Brasil.

O reconhecimento da competência (certificação) dos trabalhadores alemães é

o elemento determinante de sua classificação profissional e de sua remuneração, o

que se deve à confiabilidade que caracteriza os certificados e diplomas emitidos pelo

sistema educacional alemão. O custo e a organização do sistema de educação

neste país é dividido entre o Estado e o setor privado. Tal divisão implica uma

formação em que os saberes teóricos são desenvolvidos na escola e, em paralelo,

os saberes práticos na empresa, de onde advém sua característica dual. Essa

divisão garante aos empresários influência sobre o sistema de formação profissional,

e ao indivíduo uma educação de qualidade, posto que a qualificação no modelo

alemão é do trabalhador e não da empresa, o que lhe proporciona mobilidade e evita

sua desqualificação.78

Nesses países o sucesso na escola é um fator importante, senão

determinante, para o sucesso profissional, uma vez que a probabilidade de ser

absorvido por uma empresa que ofereça perspectivas de desenvolvimento

profissional e emprego permanente está vinculada ao desempenho escolar. Assim,

as organizações calcam seu recrutamento e seleção na capacidade e

disponibilidade do candidato "ao aprendizado, o que pode ser lido através das

carreiras escolares individuais".79

As diferenças entre os dois modelos — alemão e japonês — tornam qualquer

transposição delicada em virtude das condições políticas, econômicas e

socioculturais em que estão inseridos. No setor produtivo esta transposição pode

ocorrer em função de uma cultura organizacional, que muitas vezes pode não estar

78 MARKET, Werner. (Org.). Teorias de educação do iluminismo, conceitos de trabalho e do sujeito. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Brasileiro, 1994. p. 113-129: Novas tecnologias e formação profissional: o sistema dual de formação. 79 GEORG, Walter. (1994) op. cit.

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comprometida com o projeto social e educacional da sociedade em que atua. Isto

não exclui as possibilidades de ganho para o trabalhador, na forma de (um) aumento

de qualificação — aperfeiçoamento, reciclagem, requalificação —, pois pela primeira

vez o clamor por uma educação de cunho teórico passa a ser entoado pelo

empresariado, concomitantemente com os trabalhadores e com suas entidades

representativas.

A fim de atender a lógica do novo modelo econômico, países como Inglaterra

e França vêm reformulando seu sistema educacional. Essas reformas visam,

principalmente, a aumentar o nível de escolaridade da população, ampliar as

oportunidades de educação continuada e aproximar a educação escolar da dinâmica

do setor produtivo.80

Em 1975 o governo francês deu início à reformulação do sistema educacional,

priorizando, entre outros fatores, sua adequação à dinâmica do processo produtivo e

à valorização da educação geral. No ensino superior também foram introduzidas

mudanças, visando a aproximá-lo da dinâmica do setor produtivo.

A educação básica francesa contempla as diferenças individuais,

possibilitando ao indivíduo desenvolver-se de acordo com sua capacidade e seu

ritmo. Contudo é o desempenho escolar do indivíduo durante o ensino obrigatório

(que dura em média dez anos) que vai determinar suas possibilidades de acesso ao

ensino superior. O aluno é submetido a uma série de avaliações durante seu

desenvolvimento escolar, que visam a garantir a uniformidade e a qualidade do

ensino e avaliar o conhecimento do aluno. Um aluno que não apresente

desempenho escolar satisfatório dificilmente terá acesso a uma formação de nível

superior, o que vincula, no imaginário coletivo, o ensino profissional ao fracasso

escolar.81

Vale salientar que ambas as reformas (inglesa e francesa) reconhecem a

importância de uma educação geral sólida para a articulação dos indivíduos no

futuro, tanto no que diz respeito a flexibilidade e mobilidade no mundo do trabalho,

quanto à formação de indivíduos aptos à educação continuada, ao aprendizado

autônomo e a otimizarem seu potencial de aprendizagem no processo produtivo.

80 SOUZA, Donaldo Bello de. Aspectos gerais do sistema inglês de qualificações profissionais nacionais. Rio de Janeiro: SENAI-DN, 1996. 26 p. 81 ROPÉ, Françoise; TANGUY, Lucie. (Org.) Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. Campinas: Papirus, 1997a. p. 201-207

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Os dois sistemas educacionais contemplam em sua dinâmica a requalificação

dos trabalhadores. Todavia, no que tange à educação continuada, é importante

destacar que a legislação trabalhista francesa permite ao trabalhador uma licença

individual de formação, isto é, a oportunidade de o indivíduo se qualificar mantendo

os laços empregatícios. Além disso o governo francês articula, junto ao setor

privado, através de subsídios e isenções tributárias, programas de qualificação e

requalificação profissional para jovens e desempregados.

A partir da tese da requalificação para adequação de trabalhadores ao novo

modelo econômico, surge o modelo da competência que, ao contrário do modelo de

qualificações, seria mais adequado ao novo padrão produtivo que valoriza a atuação

individual. O termo competência teria origem em estudos econômicos e históricos

sobre o desemprego e trabalhadores regulares para, mais tarde, ser apropriado

pelas empresas de acordo com suas políticas de recrutamento, seleção, treinamento

e, sobretudo, de organização do processo de trabalho.

Arruda,82 apreendendo o conceito de competência destaca a definição de

Desaulniers que define competência como:

a capacidade para resolver um problema em uma situação dada, o que

significa dizer que a mensuração desse processo baseia-se

essencialmente nos resultados, implicando um refinamento dos

mecanismos e instrumentos utilizados na sua respectiva avaliação.

Na definição destacada de Isambert-Jamati, a competência se apresenta

desvinculada da formação profissional, de forma individual e contextualizada,

remetendo ao sujeito e à sua capacidade de realizar as tarefas que lhe são

destinadas. Poderíamos dizer também que se horizontaliza, na medida em que deixa

de ser um atributo exclusivo dos que ocupam posição de comando.

Já para Stroobants, na apreensão que faz Arruda, a competência é ação,

realização, movimento, velocidade. Representa a valorização da experiência

profissional, do savoir-faire oriundo da vivência pessoal, da experiência no trabalho e

das atitudes comportamentais em contraposição ao saber adquirido na escola.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Profissional de Nível Técnico,83

82 ARRUDA, Maria da Conceição Calmon. "http://www.senac.br/"Home Page Senac Nacional

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entende-se por competência profissional a capacidade de articular,

mobilizar e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades

necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades

requeridas pela natureza do trabalho.

A competência, portanto, diz respeito a ação, ao agir humano em situações

de trabalho, essa ação extrapolaria o ato de realizar uma tarefa mecanicamente,

pelo habitus, sem atribuir-lhe significado e incorporaria a capacidade de abstrair,

relacionar e transferir saberes, experiências e conhecimentos científicos de outros

contextos para sua ação. Implica, portanto, na capacidade humana de antecipar

mentalmente a sua ação e a ela imprimir intencionalidade e significado.

Nesse ponto, é importante abrir um parêntesis para destacar que a noção de

competências fora do contexto do projeto político que define seus fins, traz uma

importante perspectiva de valorização do saber do trabalhador, o que remete a uma

contradição do sistema produtivo e que deve ser melhor analisada e aproveitada a

favor deste.

No entanto, situando o discurso, temos no texto das Diretrizes Curriculares

para a Educação Profissional de Nível Técnico, que a qualificação de um indivíduo

está posta menos no seu conjunto de conhecimentos e habilidades, mas

principalmente em sua capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem

sempre previstas ou previsíveis. Textualmente declarada:

que alguém tem competência profissional quando constitui, articula e

mobiliza valores, conhecimentos e habilidades para a resolução de

problemas não só rotineiros, mas também inusitados em seu campo de

atuação profissional. Assim, age eficazmente diante do inesperado e do

inabitual, superando a experiência acumulada transformada em hábito e

liberando o profissional para a criatividade e a atuação transformadora.

(Brasil, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de

Nível Técnico)

Evidencia-se nessa perspectiva a valorização do saber ser do trabalhador,

porém, ao mesmo tempo, quando o documento continua discorrendo sobre a

finalidade da importância do indivíduo ser competente, fica evidente também o apelo

83 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico: Parecer CNE/CEB nº 16/99 (Texto original).

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83

a uma “psicologização das relações sociais84” a ser imprimida no campo trabalho-

educação, quando remete automaticamente a competência para a questão da

trabalhabilidade. Para o MEC,

o desenvolvimento de competências profissionais deve proporcionar

condições de laborabilidade, de forma que o trabalhador possa manter-

se em atividade produtiva e geradora de renda em contextos sócio-

econômicos cambiantes e instáveis. Traduz-se pela mobilidade entre

múltiplas atividades produtivas, imprescindível numa sociedade cada vez

mais complexa e dinâmica em suas descobertas e transformações.

(Brasil, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional

de Nível Técnico)

Assim, a educação profissional centra-se na determinação de uma formação

de caráter polivalente e flexível, isto quer dizer que o trabalhador deverá estar apto

a ocupar não apenas um, mas um conjunto de postos de trabalho em seu setor de

atividade e, ao mesmo tempo, ter capacidade de adaptar-se a novas situações, que

o mercado vai criar com freqüência cada vez maior desenvolvendo as habilidades

para, se necessário transitar de um setor para o outro.

Nesse direcionamento, ocorre um deslocamento da noção de qualificação

com foco no emprego, para a noção de competência, com foco no trabalhador, nos

seus valores que se expressam

no saber ser, na atitude relacionada com o julgamento da pertinência da

ação, com a qualidade do trabalho, a ética do comportamento, a

convivência participativa e solidária e outros atributos humanos, tais

como a iniciativa e a criatividade. (Brasil, Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico)

De acordo com Hirata,85 empregabilidade e competência são termos que, no

contexto francês, podem ser encarados como sinônimos, pois ambos se centram no

indivíduo e em suas "qualificações". Entretanto, a partir de uma visão político-

ideológica, a empregabilidade estaria vinculada a uma responsabilização do

trabalhador por não conseguir emprego, na medida em que este não teria efetuado

84 Termo utilizado por Marise Nogueira Ramos para se referir a organização do trabalho escolar, com vistas à adaptação dos sujeitos às instabilidades da sociedade contemporânea.

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84

as escolhas corretas para sua capacitação ou teria uma qualificação inadequada,

cabendo-lhe, portanto, o ônus pela sua exclusão do mundo do trabalho e,

conseqüentemente, da vida social.

Assim, enquanto a qualificação remete ao posto de trabalho, ao salário, às

tarefas, a competência remete à subjetividade, à multifuncionalidade, à imprecisão.

O indivíduo passa a ser remunerado por sua capacidade, por seu desempenho, e

não pelo cargo que ocupa. O modelo da competência possibilita os instrumentos

necessários para efetuar uma ruptura com a noção de posto de trabalho e com o

enquadramento e a remuneração conseqüentes, visto que a fragmentação do

trabalho já não atende à lógica do novo padrão produtivo, impondo um forte

componente de individualização, orientado para a gratificação individual, pelo

alcance das metas propostas ou pelo aprofundamento de questões e estudos

compatíveis com os interesses e objetivos da organização.

Esse novo modelo de qualificação profissional não só rompe com o

paradigma de qualificação anterior, que privilegiava a especialização, como também

com o modelo comportamental requerido ao trabalhador. O silêncio e a

fragmentação de tarefas dão lugar à comunicação e à interatividade. Identifica-se a

definição de um novo patamar de qualificação, vinculado ao savoir-faire dos

trabalhadores e ao ambiente subjetivo do sujeito: abstração, criatividade, dinamismo,

comunicação etc.

Neste sentido, cumpre observar que enquanto nos países centrais os fatores

subjetivos do trabalhador, tanto são usados dentro das empresas para orientar a

gratificação individual, o alcance das metas propostas ou o aprofundamento de

questões e estudos compatíveis com os interesses e objetivos da organização,

quanto atribuir ao trabalhador a responsabilidade pelo o ônus de sua exclusão do

mundo do trabalho e, conseqüentemente, da vida social. No Brasil, o uso desses

fatores se realiza de uma forma incompleta em relação ao observado nos países

centrais, pois este, está muito mais situado num tipo de implicação subjetiva para

reforçar a lógica de justificação dos critérios de exclusão do mercado do que ao

movimento do interior das empresas que supostamente tenderam a substituir o

conceito de qualificação pela noção de competência. Até porque não se pode

afirmar de uma maneira predominante tal movimento, dentro das empresas

85 HIRATA, Helena. Da polarização das qualificações ao modelo da competência. In: FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1996.

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85

brasileiras, principalmente, no terciário, onde se situa a maior parte dos

trabalhadores brasileiros.

Com relação às ações institucionais de países como o Brasil, Ramos86

identifica que enquanto nos países mais industrializados o enfoque de competência

profissional se origina a partir das mudanças experimentadas nos paradigmas de

organização e gestão empresarial, na América Latina são alguns Estados e

instituições de formação profissional que levam o tema adiante. Na avaliação dos

técnicos da OIT, esse fato tem relação com o estilo secular da região, onde,

historicamente, o Estado tem desempenhado um papel diretor ao qual se apegam os

atores privados. Isso caracterizaria um problema para a realidade regional, qual seja:

a falta de experiência dos diversos atores quanto aos novos papéis que devem

assumir para o desenvolvimento de políticas ativas no mercado de trabalho. O

desafio, segundo a autora, consiste em saber o momento em que o Estado deve ser

protagonista e impulsionar atividades de formação, e em que momento deve deixar

essa iniciativa ao setor privado.

Nesse sentido, o Brasil, ao transpor o modelo de competências de outros

países para a sua realidade, o faz de forma descontextualizada, pois a realidade que

se configura nos seus sistemas produtivos são bastante diferentes da nossa. Assim

ao invés de no Brasil, o sistema educacional se voltar ao atendimento das

demandas empresariais por um novo perfil profissional do trabalhador que irá

protagonizar situações de trabalho em empresas que adotam o sistema de gestão

do trabalho por competências, se volta a atender as demandas ideológicas da

estrutura política econômica de ocultar a sua responsabilidade pela questão do

emprego.

Cabe evidenciar que se nos países do centro capitalista observa-se cada vez

mais uma valorização da ênfase mais propeudêutica na formação profissional, pela

importância dessa dimensão à realização dos novos processos produtivos, no Brasil

ela se apresenta anacrônica à realidade atual, já que desconsidera a articulação

entre teoria e prática, mesmo para satisfazer as próprias necessidades da estrutura

econômica do capitalismo atual.

Portanto, a partir dessas distorções verificadas, queremos nos apoiar na

crítica ao uso social que se faz da noção de competências no Brasil e das inversões

86 RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?. São Paulo: Cortez, 2001

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86

que ocorrem a partir de sua transposição de países com particularidades totalmente

diferentes das nossas, conforme se destacou anteriormente.

O quadro que se configura a partir das apreensões da reforma da educação

profissional, nos dá mostras que a proposta institucionalizada no Brasil, está

perpassada de contradições. Essas contradições se revelam tanto no sentido de não

atender a sua reivindicação fundamental explícita, qual seja, formar um perfil

profissional adequado ao novo patamar do desenvolvimento produtivo, pois ao

desintegrar teoria e prática na educação profissional, termina por impor ao sistema

de educação profissional uma proposta de ensino que se afina muito mais com o

paradigma taylorista/fordista. Tendo presente que esta perspectiva acaba por

estreitar a profissionalização através da exclusão dos princípios científicos e

metodológicos que a constitui.

Para nós, esses novos rumos que são dados à educação profissional no

Brasil têm servido muito bem a um fim: desvinculam a problemática do desemprego

da estrutura política e econômica existente – colocando sobre os indivíduos a

responsabilidade de adaptação competitiva à realidade –, institui uma compreensão

fragmentada e pouco crítica da realidade concreta. Sua interpretação oculta a

estrutura atual do sistema social, cujo balizamento é a lógica do mercado, e não, um

desenvolvimento econômico fundamentado no social.

Portanto, diante da diversidade do mercado de trabalho brasileiro, do enfoque

dado à educação e das contradições detectadas na proposta de educação

profissional brasileira, e partindo da premissa que a realidade mundial exige mesmo

um novo perfil de trabalhador, nos remetemos ao questionamento de como se

articulam dentro das instituições formadoras o movimento rumo à formação desse

perfil para o setor terciário, ou seja, de como se concebe a partir de tais exigências,

o currículo de educação profissional do Senac e que nexos tem este currículo com a

realidade do trabalhador do terciário de Fortaleza.

2.3. As competências e o modelo curricular de educação profissional do Senac

2.3.1. Formação Profissional Senac: uma proposta para o setor comércio e serviços

O Senac, enquanto agente implicado no conjunto de proposições do MEC e

do MTb, no ano de 2000, promoveu uma revisão dos referenciais curriculares que

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87

norteiam seu trabalho pedagógico com o objetivo de incorporar a nova

institucionalidade posta à educação profissional.

Porém, essa revisão, na realidade, apenas promoveu alguns realinhamentos

em sua proposta, pois, desde 1994, o Senac já havia reformulado seu modelo

pedagógico de educação profissional, adotando um novo referencial para respaldar

suas ações, numa defesa de que

a educação profissional extrapola a simples correlação com o mercado

de trabalho, uma vez que busca a formação do cidadão, torna-se

necessário refletir sobre as conseqüências para o futuro do trabalhador

na adoção do modelo de educação profissional baseado nas

competências hoje requeridas pelo mercado”87.

Nesta premissa, não se trataria apenas de qualificar para o trabalho em si,

nem de formar simplesmente para a vida produtiva na qual também se insere o

trabalho, que no caso das sociedades capitalistas, não tem como foco a existência

humana.

Assim a revisão feita em 1994 se colocava como necessária ao

redimensionamento das ações educativas desenvolvidas até então pelo Senac, uma

vez que valorizavam apenas o conteúdo específico da ocupação, visando ao

domínio das técnicas de trabalho, não valorizando, portanto, aspectos como

qualidade dos serviços prestados, ética profissional, trabalho em equipe, entre

outros que passaram a ser tidos como necessários à formação de um profissional,

que além de lidar com as novas bases produtivas, deveria exercer sua cidadania.

Partindo do pressuposto de que o mercado passava a exigir um profissional

qualificado “polivalente”, que conseguisse cumprir várias tarefas relacionadas à sua

profissão, seria necessário mudar a então prática pedagógica por uma que formasse

esse novo perfil profissional. Além de dominar conhecimentos e habilidades relativos

à sua área de trabalho, ele precisava desenvolver outras competências, tais como a

capacidade de se relacionar, argumentar, negociar e trabalhar em equipe, precisava,

também, estar preparado para lidar com as novas tecnologias e com a ameaça do

desemprego.

Para dar conta do desenvolvimento dessas novas competências, o Senac

elaborou uma nova proposta de educação profissional, a qual está contida no

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documento intitulado Formação Profissional Senac: uma proposta para o setor

comércio e serviços, que se baseia no princípio da polivalência.

Para o Senac, o novo perfil exigido do trabalhador requer que a formação

profissional extrapole os conhecimentos específicos de uma determinada profissão.

A polivalência é, na defesa do Senac, uma proposta de educação profissional que

melhor se adequa à capacitação de recursos humanos num contexto de

transformação da organização do trabalho. Além de atentar para as competências

técnico-operacionais, a formação polivalente privilegia o desenvolvimento das

competências cognitivas e sócio-comunicativas.

Destaca ainda, nessa defesa, que a discussão acerca do termo formação

polivalente tem sido abordado na literatura sobre educação como uma proposta

adequada para o ensino médio, mas que a partir da década de 90, vem-se fazendo

presente nas discussões dos organismos internacionais como uma proposta

aplicável à formação profissional. Nestas discussões, o conceito de polivalência

assume o sentido de multifuncionalidade, numa perspectiva de adaptação, conforme

próprio termo utilizado na citação destacada sobre polivalência contida em

documento do Cinterfor - OIT, onde aparece a seguinte definição:

Modalidade de formação destinada a dar aos participantes a mais ampla

formação em vários ofícios relacionados a profissão escolhida, a fim de

ajudá-los a adaptar-se as características específicas do trabalho.

Também tem por objeto prepará-los a adaptar-se à evolução técnica

futura, assim como a outras oportunidades profissionais que poderão

apresentar-se e abrir-lhes perspectivas de carreira.

Nesse sentido, a passagem do tecnicismo para a polivalência não deixa de

ser funcional ao capitalismo, até porque seria ingênuo acreditar que no âmbito de

uma instituição como o Senac, em que ocorre intensamente a disputa de

concepções antagônicas entre educadores e representantes da iniciativa privada,

pudesse se dar um rompimento total com o atrelamento à lógica empresarial.

Consideramos importante, portanto, destacar que a polivalência aqui tratada,

não se confunde com a politecnia e nem se pauta numa concepção de trabalho

como princípio educativo, até porque seu pressuposto implicaria numa ruptura com a

lógica de apropriação privada dos meios de produção.

87 Referenciais para a Educação profissional do Senac, 2001.

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89

Na visão de Saviani,88 polivalência deriva do trabalho como princípio

educativo que toda a educação organizada se dá a partir do conceito do fato do

trabalho, portanto, do entendimento e da realidade do trabalho, pois para o autor:

O que define a existência humana, o que caracteriza a realidade humana é

exatamente o trabalho. O homem se constrói como tal, à medida que

necessita produzir continuamente a sua própria existência. É isso que

diferencia o homem dos animais: os animais têm a sua existência garantida

pela natureza; o homem tem que fazer o contrário, ele se constitui no

momento em que necessita adaptar a natureza a si, não sendo mais

suficiente adaptar-se à natureza. Ajustar a natureza às necessidades, às

finalidades humanas, é o que é feito através do trabalho. Trabalhar não é

outra coisa senão agir sobre a natureza e transformá-la.

Nesse entendimento, sendo o trabalho que constitui a realidade humana e

sendo a formação do homem centrada no trabalho enquanto processo pelo qual o

homem produz a sua existência, é também o trabalho que define a existência

histórica dos homens. Através do trabalho o homem vai produzindo as condições da

sua existência, vai transformando a natureza e, portanto, vai criando a cultura e

criando um mundo humano se que vai ampliando progressivamente com o passar

dos tempos.

Para Saviani,89 na formação dos homens, há de se levar em conta o grau

atingido pelo desenvolvimento da humanidade. Conforme se modifica o modo de

produção da existência humana, o modo como ele trabalha, produz-se a modificação

das formas pelas quais os homens existem.

Nesse pressuposto, seria papel da escola, explicitar o modo como o trabalho

se desenvolve e está organizado na sociedade moderna. Aí então entra a questão

da politecnia.

Nessa concepção, o princípio da polivalência apoiando na noção de

politecnia, implicaria na superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho

intelectual, entre instrução geral e instrução profissional e a concepção de trabalho

estaria posta para além dos limites estreitamente econômicos que sempre dirigiram

a educação profissional.

Porém, isso não significa que no projeto de educação profissional do Senac

não se coloquem elementos que sejam do interesse do trabalhador, até porque ele é

88 SAVIANI, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Op. cit. 1987. 89 Idem.

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disputado entre o determinismo econômico que se coloca na sua ordenação e as

diversas concepções dos educadores que nele interferem a favor de uma proposta

de educação emancipatória dos trabalhadores.

Por outro lado, desprezar as contradições que se colocam na apropriação

capitalista dos saberes do trabalhador não nos faria avançar para além da

constatação do determinismo econômico que perpassa essa apropriação.

Sobre essa contradição, ainda de acordo com Saviani,90 ela se manifesta no

fato de que sendo a sociedade capitalista baseada na propriedade privada dos

meios de produção, a maximização dos recursos produtivos do homem é acionada

em benefício da parcela que detém a propriedade dos meios de produção. O

conhecimento do trabalhador é também, neste sentido, convertido em força

produtiva e, portanto, em meio de produção. No entanto, esse conhecimento não

pode ser propriedade privada daqueles que detêm os meios de produção, haja vista

que sem conhecimento, o trabalhador não produziria e por conseguinte, não

acrescentaria valor ao capital.

Neste sentido, vale a pena insistir numa formação mais ampla do trabalhador

em que as dimensões histórica e política se façam presentes, para que este se

reconheça como sujeito e agente de transformação. Essa dimensão não deixou de

estar implícita na proposta do Senac.

O conceito de trabalho que embasa a revisão das ações educacionais do

Senac é, assim expresso, através de

Uma abordagem que privilegie a sua dimensão crítica e criativa. O

resgate da dimensão humana do trabalho é uma opção, na medida que

possibilita a intervenção consciente no processo produtivo, fortalecendo

o exercício da cidadania.

Nessa direção, a proposta de polivalência assumida para o Senac se coloca

com base no entendimento de que não se pretende preparar os indivíduos para o

desempenho de múltiplos ofícios, mas objetiva o domínio, por parte do aluno, da

técnica em nível intelectual, mediante o conhecimento das bases técnico-científicas

que fundamentam sua prática. Assim, a educação profissional que se pretende

implementar estaria referendada na linha de pensamento de Enguita, caracterizada

como uma formação que

capacite para desempenhar uma família de empregos qualificados e,

sobretudo, para compreender as bases gerais, científico-técnicas e sócio-

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econômicas da produção em seu conjunto; que reúna a aquisição de

habilidades e destrezas genéricas e específicas com o desenvolvimento de

capacidades intelectuais e estéticas; que unifique, em definitivo, formação

teórica e prática. (Enguita, apud Plantamura)91

A partir da revisão que incorporou o termo polivalência conforme a concepção

acima descrita, foi construído um quadro referencial para implementação de

mudanças de ordem pedagógica, incidindo mais particularmente sobre modelo e

estrutura curricular e conteúdos e procedimentos de ensino.

Assim, o propósito de repensar o currículo na educação profissional do

Senac, dentro do espírito de uma concepção de formação profissional polivalente,

traz, segundo a defesa apresentada no documento que deu base à reestruturação

de sua proposta pedagógica em 1994, a necessidade de superar o esquema teórico

dos paradigmas de currículo dominantes na área de planejamento curricular no

Brasil, quais sejam: técnico-linear, circular consensual e dinâmico-dialógico.

Segundo o referido documento, Domingues e MacDonald apreendem estes

paradigmas como predominantes no Brasil e destacam que cada um deles estaria

ligado a uma proposta pedagógica específica: o paradigma técnico-linear, estaria

vinculado à pedagogia tecnicista onde o currículo visa ao controle do processo de

aprendizagem, a partir de objetivos prévia e rigidamente estabelecido por

especialistas; o modelo circular-consensual, próprio da pedagogia nova, enfatizaria

experiências e necessidades dos alunos, com os quais construíriam seus próprios

currículos e, através da reflexão, gerariam significados sobre si mesmos, os outros e

o mundo; o modelo dinâmico dialógico, que estaria associado às pedagogias críticas

referindo-se a um currículo histórica e culturalmente situado, concebido como

explicação de uma proposta política e emancipatória.

Assim, para o Senac, do ponto de vista teórico, importa abandonar o

reducionismo e o maniqueísmo que o esquema classificatório obrigatoriamente

acarreta. Afirma ainda, que importa adotar um referencial analítico que, resgatando a

coerência presente no pensamento de Habermas, incorpore os interesses cognitivos

numa perspectiva de unidade e totalidade do fazer pedagógico.

No documento em análise, encontramos a referência aos interesses

cognitivos que orientam a produção do conhecimento na concepção de Habermas,

90 SAVIANI, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Op. cit. 1987. 91 PLANTAMURA, Vitangelo. A questão do trabalho no Senac e a compreensão de mundo. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, jan./abr. 1995. p.26.

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quais sejam: o interesse técnico, o de consenso e o emancipatório — que

corresponderiam às três dimensões fundamentais da vida humana.

O interesse técnico orientaria a pesquisa empírico-analítica, relacionar-se-ia

ao trabalho, considerado a primeira das dimensões fundamentais do homem, a qual

lhe permitiria a manipulação do meio físico e social.

O interesse consensual, que orientaria a pesquisa histórico-hermenêutica, se

relacionaria à linguagem, seria a dimensão que permite a transmissão da cultura de

forma institucionalizada, o consenso, a compreensão e a interpretação do significado

de ações, textos e da própria vida do sujeito.

O interesse emancipatório, que orientaria a pesquisa praxiológica,

corresponderia à dimensão pela qual os homens desenvolvem a consciência crítica,

de modo a se libertarem dos condicionamentos, com vistas à emancipação e

autonomia.

Partindo dessa definição de Habermas acerca dos distintos interesses que

orientam a pesquisa, chega-se à conclusão de que essa distinção dos interesses

não implica na separação entre os campos do saber, como interpretam os

defensores do esquema classificatório.

Segundo essa apreensão do pensamento de Habermas, entende-se que o

interesse das ciências empírico-analíticas seria o controle estratégico da natureza e

das intenções sociais, enquanto o das histórico-hermenêuticas estaria voltado para a

interação e comunicação humanas. Ambos os interesses convergeriam para a

unidade existente na própria vida.

O interesse emancipatório não diria respeito a um objeto do saber, mas a uma

racionalidade que visaria à emancipação do homem diante do mundo natural e da

dominação social.

Conhecimento e interesse, na perspectiva habermasiana, guardariam estreita

relação, assim como os campos do saber. O conhecimento instrumental libertaria o

homem da natureza exterior e o conhecimento comunicativo, da repressão social.

Os dois, portanto, estariam a serviço da emancipação.

Nesse sentido, seria necessário encarar os interesses, não como orientações

excludentes, mas como possíveis dimensões do currículo que deveriam estar

integradas e articuladas num todo coerente.

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O Senac, portanto, entende que, na raiz da concepção polivalente da

formação profissional, já se encontra explícito um modelo curricular no qual estão

presentes, de forma integrada, essas três dimensões ou interesses, uma vez que a

polivalência prevê uma formação mais sólida e abrangente, obtida pela apropriação

de conhecimentos gerais técnico-científicos; pelo desenvolvimento das capacidades

de abstração, de reflexão e das competências sócio-comunicativas; e pela

compreensão das relações sociais, políticas e econômicas que regem o mundo do

trabalho.

Assim, o modelo curricular adotado pelo Senac, por pressupor uma estrutura

curricular passível de múltiplas combinações, envolveria os interesses relativos às

diferentes dimensões do humano – o interesse técnico, o de consenso e o

emancipatório. Sua incorporação ao sistema de formação profissional traduziria a

intenção de um trabalho educacional destinado à preparação de profissionais que

possuam o domínio dos fundamentos de sua prática e sejam capazes de intervir

crítica e criativamente no processo produtivo.

A concepção teórica que fundamenta a visão de sujeito e de sociedade do

modelo pedagógico do Senac, portanto, filia-se as formulações teóricas de

Habermas, para o qual a sociedade constitui-se de um todo formado de estruturas

objetivas e de intersubjetividades produzidas através da linguagem e da ação.

Deluiz92, analisando as formulações teóricas de Habermas sobre os

processos de formação do sujeito, nos oferece importantes subsídios para o

entendimento da concepção de homem e de sociedade presentes no modelo

pedagógico do Senac.

Na análise de Deluiz, diante da nova realidade do capitalismo tardio,

Habermas defende que se torna necessário reconstruir o materialismo histórico

retornando ao seu ponto de partida, ou seja, torna-se necessário revisar as

categorias analíticas de Marx, mesmo, acreditando que seu potencial de estímulo

ainda não se esgotou.

A reconstrução dessas categorias apontam para a articulação das estruturas

normativas do desenvolvimento do “eu” e a lógica de desenvolvimento das

92 DELUIZ., Neise. Formação do sujeito e a questão democrática em Habermas. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, jan./abr. 1995. p.p.17/18.

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sociedades, buscando homologias entre modelos de conformação histórica das

identidades coletivas.

Para Habermas, no entendimento de Deluiz, o processo evolutivo da

sociedade não se apóia, como indicava Marx, na contradição dialética entre forças

produtivas e relações de produção e na luta de classes, mas sim no

desenvolvimento das forças produtivas e no amadurecimento das formas de

integração social (relações de produção) que se daria de acordo com a capacidade

dos sujeitos em duas dimensões: a do saber e do agir estratégico (do trabalho) e a

do saber e agir prático, moral e comunicativo (da interação). O processo evolutivo da

sociedade dependeria, pois, do desenvolvimento das capacidades e competências

dos indivíduos que a ela pertencem.

Assim, de acordo com a autora referida, Habermas abandona a filosofia da

história, na perspectiva marxiana, em direção a uma teoria da evolução social

entendida como uma análise reconstrutiva da lógica própria do desenvolvimento da

aprendizagem humana. O processo de emancipação do sujeito, que Marx havia

ancorado na crítica da economia política, que lhe fornecia critérios historicamente

determinados, os quais tornavam possível uma diferenciação entre interesses

legitimamente humanos e os interesses que impediam a desalienação, passa a ser

entendido por Habermas como um processo de comunicação.

Portanto, a comunicação lingüística, o diálogo sem coações externas

constituiriam a saída para a alienação, para a perda da individualidade do sujeito e

para a recuperação da autonomia na sociedade.

Habermas abandonaria assim o paradigma da filosofia da consciência (que

enfatiza o conhecimento dos objetos pelo sujeito e o poder que resulta desse

conhecimento), baseado na práxis produtiva e na classe social, substituindo-o pelo

paradigma da comunicação (que enfatiza o entendimento intersubjetivo, entre

sujeitos capazes de falar e agir), buscando potenciais de emancipação na esfera da

interação: no mundo vivido, no mundo cultural.

Deluiz destaca que Habermas argumentando que Marx teria enfatizado a

construção do sujeito a partir do trabalho, das forças produtivas, minimizando o

desenvolvimento do “eu”, propõe que a institucionalização da identidade do sujeito, a

autoconsciência – o processo de formação do espírito e da espécie –, seja

concebido como resultante de ambos os processos: do trabalho e da luta pelo

reconhecimento (interação).

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95

Destaca também que enfatizando o potencial emancipatório da esfera

cultural, onde se dão os processos de interação, em detrimento da esfera do

trabalho – regido pelas regras de uma racionalidade instrumental – Habermas

aponta para a formação do sujeito, da identidade do “eu”, como um processo de

aquisição de uma competência interativa, que constituiria na capacidade de

participar em sistemas de ação cada vez mais complexos, onde, poderia questionar

as pretensões de validade embutidas na linguagem institucionalizada, através da

argumentação, e buscar o entendimento (consenso) sobre a validade das normas

sociais.

A direção do desenvolvimento no processo de formação é marcada por uma

crescente autonomia em termos da independência com que o “eu” resolve os

problemas. O “eu” autônomo e competente é aquele que reage à coerção da

sociedade, opondo-se à heteronomia imposta pelo social. Assim, ainda de acordo

com Deluiz, para Habermas, o “eu” socialmente competente refere-se ao sujeito que

atingiu, cognitivamente, o estágio do pensamento hipotético-dedutivo (na acepção

de Piaget); lingüisticamente, o estágio da fala argumentativa; moralmente o estágio

pós-convencional; e interativamente a habilidade de assumir a perspectiva dos

outros, examinando sua própria ação e interação à luz da reciprocidade de direitos e

deveres.

Assim, na perspectiva habermasiana, os sujeitos dotados de competência

interativa (tanto cognitiva, como lingüística, moral e motivacional) seriam capazes de

reconstruir as leis que regem o mundo natural através da busca argumentativa e

processual da verdade; de questionar o sistema de normas que vigora na sociedade;

de buscar novos princípios para a ação individual e coletiva a base do melhor

argumento e, consequentemente, de reorganizar sua sociedade em bases justas e

igualitárias.

Deluiz também destaca que Habermas, após questionar os potenciais

emancipatórios do proletariado - concebido como sujeito da história -; de abandonar

o modelo da alienação e da reapropriação das forças produtivas; de indagar sobre a

validade e as possibilidades de alterações revolucionárias nas condições atuais do

capitalismo tardio, propõe, como conteúdo político da formação do sujeito, não a

formação da consciência de classe – na medida que esta, no sentido marxiano, para

ele já não existe – mas a formação de “eus” competentes, que atuam em espaços

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institucionalizados do Estado de direito democrático, onde a comunicação possibilita

a sua individualização como sujeitos membros da sociedade.

Na concepção do Senac, a partir de sua proposta de educação profissional

polivalente, o profissional que fosse por ele preparado possuiria uma visão mais

ampla do seu campo de atuação, de modo a estar apto para lidar com as mudanças

e inovações do atual mundo do trabalho, além de atuar na sociedade, dotado de

uma competência comunicativa, negociando, buscando o consenso em torno dos

interesses da maioria.

Vamos tomar como exemplo prático a formação profissional de um

cabeleireiro, por ser esta uma das ocupações mais demandadas pelo terciário de

Fortaleza, conforme se abordará na análise empírica sobre este setor.

A formação desse profissional deve prepará-lo para executar, com eficiência,

técnicas de embelezamento e tratamento do cabelo. Mas essa formação também

deve prepará-lo para ter postura ética em seu dia-a-dia de trabalho; prestar

atendimento de qualidade ao cliente; opinar quanto a um tratamento de cabelo do

cliente; e outros aspectos mais gerais relacionados ao exercício da profissão, como,

por exemplo, manter limpo o local de trabalho; limpar e esterilizar os instrumentos;

ter um bom relacionamento com colegas e superiores; solicitar a compra de

equipamentos; controlar o estoque dos produtos que utiliza.

Esses e tantos outros aspectos vão exigir do cabeleireiro uma série de

conhecimentos, competências e habilidades que precisam ser levados em conta, na

hora de definir o que será tratado na formação desse profissional.

Considerando, então, esses requisitos, a formação do cabeleireiro no novo

modelo de educação profissional do Senac passou a contemplar: conhecimentos

mais gerais, que vão dar a ele os fundamentos necessários à sua prática na área de

moda e beleza, tais como: história da arte; o estudo da cor e da forma; ética

profissional; realização de trabalho em equipe; a prestação de um serviço de

qualidade; conhecimentos mais específicos da ocupação de cabeleireiro, como:

padrões de beleza; saúde; relação entre saúde e beleza; estrutura e funcionamento

de um salão de beleza; conhecimentos práticos, habilidades e atitudes diretamente

relacionados ao embelezamento e tratamento dos cabelos, incluindo aí um estágio

que vai possibilitar uma adequação dos conteúdos estudados à realidade

profissional do cabeleireiro.

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Com esses conhecimentos, de acordo com a defesa que faz o Senac, o

cabeleireiro estará habilitado para executar as técnicas específicas do seu trabalho,

mas, antes de tudo, ele terá adquirido os fundamentos de sua prática profissional e,

daí, terá um amplo domínio do que vai executar. Só assim, o Senac acredita, ele

deixará de realizar as tarefas mecanicamente e poderá exercitar sua criatividade,

sua capacidade de crítica; poderá identificar problemas, buscar soluções, adaptar-se

a situações novas e transferir conhecimentos de uma situação para outra. Poderá

também exercitar sua competência comunicativa nos contextos de trabalho e na

sociedade.

A questão da trabalhabilidade estaria também garantida, como o Senac

defende, pois, com esses conhecimentos o cabeleireiro também estará capacitado

para, por exemplo, associar-se a um colega e abrir um salão de beleza. Ou, quem

sabe, realizar um trabalho autônomo, prestando atendimentos a domicílio, voltados

para idosos ou noivas. Portanto, a formação oferecida ao cabeleireiro também vai

prepará-lo a enfrentar qualquer nova situação, no mercado de trabalho, bem como

aproveitar oportunidades de trabalho, tanto por conta própria como associando-se a

outros. Assim, ele estará buscando meios para enfrentar a falta de emprego que

cresce a cada dia, a redução dos postos de trabalho ou a perda de conquistas

sociais, entre outros.

Toda a revisão efetuada pelo Senac em relação ao que se exige hoje do

cabeleireiro e ao que deve ser oferecido a ele, em sua formação profissional,

também foi feita para várias outras ocupações do setor terciário. E, assim, a

Instituição promoveu amplas mudanças nos cursos que oferecia, repensando seus

objetivos, currículos e metodologias.

A partir daí, então, o Senac reestruturou as suas áreas de formação e passou

a oferecer um conjunto de cursos para cada uma dessas áreas.93

A utilização desse modelo no planejamento das ações de educação

profissional deveriam resultar em uma estrutura curricular constituída de disciplinas

que, em virtude do papel desempenhado no processo de formação, se distribuiriam

em três grupos distintos, a saber:

93 As áreas profissionais, antes da nova reestruturação decorrente da reforma da educação profissional, eram assim definidas: Administração, Comunicação e Artes, Informática, Conservação e Zeladoria, Moda e Beleza, Saúde, e Turismo e Hotelaria.

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Núcleo básico da área – Disciplinas que corresponderiam aos conhecimentos gerais,

de caráter técnico-científico e sócio-econômico que fundamentam uma área de

formação. Aqui o aluno trabalha com as disciplinas que envolvem conhecimentos

gerais e conceituais, e que precisam ser do domínio de todos os profissionais de

determinada área. Normalmente a abordagem se referia a Ética e trabalho,

Qualidade em prestação de serviços e Negociação para o trabalho em equipe.

Núcleo da subárea – Disciplinas que compreendem as competências cognitivas,

sócio-comunicativas e técnico-operacionais próprias de uma família ocupacional.

Nesse grupo estão as disciplinas que envolvem conhecimentos teóricos e práticos, e

que devem ser trabalhadas pelos profissionais de um grupo de ocupações que têm

afinidades entre si;

Parte específica – As disciplinas desse último grupo englobam conhecimentos

práticos, habilidades e atitudes específicos de uma determinada ocupação, e que

precisam ser trabalhadas por um determinado profissional, especificamente.

Desse modo, os educadores idealizaram esse modelo de formação

profissional acreditavam que se uma pessoa fosse realizar um curso qualquer

oferecido pelo Senac, em qualquer área de formação, ela deveria cursar algumas

disciplinas do primeiro grupo, outras tantas do segundo grupo e mais outras do

terceiro grupo. Nessas disciplinas ela vai trabalhar conteúdos de ensino que incluem

conhecimentos e habilidades específicas da ocupação que escolheu. Mas também

vai lidar com conceitos, idéias, processos, princípios e leis, habilidades mais

genéricas, métodos de compreensão e aplicação do conhecimento, hábitos de

estudo e de convivência, valores e atitudes – conteúdos imprescindíveis à realização

de uma proposta de formação polivalente.

2.3.2. Referenciais para a Educação Profissional Senac - 2001

As modificações processadas no modelo de educação Profissional do Senac

a partir das novas diretrizes da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação em

1996, resultou na elaboração de um novo documento intitulado Referenciais para a

Educação Profissional Senac - 2001, o qual contém os referenciais que servirão de

base para a elaboração dos projetos pedagógicos das diferentes unidades que

integram o Sistema Senac.

Os princípios que fundamentaram o conjunto de orientações, expressaram a

versão atualizada do Projeto Senac de Educação Profissional, publicado pelo

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Departamento Nacional, em 1995, no documento intitulado Formação Profissional

Senac: uma proposta para o setor comércio e serviços, do qual apresentamos sua

síntese anteriormente.

As linhas gerais para a elaboração deste novo documento em 2000 foram

definidas, de forma participativa, por representantes do Departamento Nacional do

Senac e dos Departamentos Regionais de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro,

Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Pernambuco e Pará, que compõem o

Comitê Consultivo instituído com o objetivo de operacionalizar o projeto de

adaptação das linhas norteadoras da prática pedagógica do Sistema Senac às

tendências do mundo do trabalho e aos dispositivos da Lei 9.394/96, que

regulamenta a educação profissional no país.

Os referenciais contidos no documento de 2000, na defesa do grupo

responsável pela sua elaboração, foram traçados com base em exigências e

necessidades apontadas por três diferentes eixos.

O primeiro deles, de natureza normativa, se refere à nova institucionalidade

da educação profissional garantida pela Lei 9.394/96 – Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – e sua regulamentação, através do Decreto Federal 2.208/97.

Desse disciplinamento jurídico decorrem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Profissional de Nível Técnico, instituídas pela Câmara de Educação

Básica do Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução 04/99, nos

termos do Parecer 16/99.

O segundo, de natureza conjuntural, diz respeito à ênfase na identidade e

utilidade dos cursos oferecidos pelo Sistema frente ao mundo do trabalho e ao

compromisso da Instituição com a qualificação do trabalhador. Sobre essa questão,

os educadores que participaram de sua formulação, frisam que não se distanciaram

do propósito de (re)significar a noção de educação profissional para bem mais além

da dimensão estritamente instrumental, de enfoque centrado exclusivamente no

desenvolvimento de competências técnico-operacionais. Defendem que suas ações

educativas expressam uma preocupação com uma formação mais abrangente, de

natureza sistêmica e totalizante do cidadão trabalhador.

O terceiro eixo, de natureza institucional, está relacionado, de acordo com

seus idealizadores, ao comprometimento e empenho do Senac em dar resposta ao

que está explicitado em sua missão

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desenvolver pessoas e organizações para o mundo do trabalho através

de ações educacionais e disseminação de conhecimentos em comércio

e serviços, contribuindo para o desenvolvimento do País.

O grupo considera que as bases conceituais que fundamentam a concepção

de educação profissional proposta pela reforma educacional do MEC encontram-se,

em sua essência, muito afinadas com os princípios filosóficos que norteiam o projeto

pedagógico em vigor no Senac desde 1994. A partir de então, defendem, que o

Senac tem buscado formar profissionais que reunam em seu perfil, além dos

conhecimentos de natureza técnica, competências e valores relacionados à

dimensão humana, essenciais à vida e à atuação consciente e participativa na

sociedade civil.

No entanto, reconhecem que a implantação do modelo de competências, nos

moldes da legislação em vigor, supõe, sem dúvida, a revisão conceitual de algumas

diretrizes pedagógicas definidas no documento acima mencionado – Formação

Profissional Senac: uma proposta para o setor comércio e serviços. Essa revisão

remete para a necessidade de realização de um duplo movimento que, a um só

tempo, implica continuidade e aprofundamento das concepções defendidas naquela

ocasião.

Continua-se, portanto, a defender uma proposta pedagógica que,

fundamentada numa concepção crítica das relações existentes entre educação,

sociedade e trabalho, inspire a implementação de uma prática educativa

transformadora e participativa, centrada na construção do conhecimento e na

aprendizagem crítica e ativa de conteúdos vivos, significativos e atualizados.

Nesse sentido, o grupo entende que ficam inalterados os pressupostos

teóricos anteriormente definidos em relação aos conceitos de aprendizagem e de

ensino. Isso significa referendar as teorias cognitivas da aprendizagem, entendida

como um processo interno do indivíduo, embora necessariamente interativo. É o

aluno que, por meio dos desafios proporcionados pelas trocas com seus colegas,

professores e com os materiais didáticos, constrói seu próprio conhecimento.

Significa, ainda, continuar a compreender o ensino como um processo organizado

para favorecer essas trocas e propor desafios, buscando criar oportunidades para a

sistematização dos conhecimentos, para a reflexão, e para o aprofundamento da

relação entre teoria e prática.

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Permanecem, portanto, atuais as recomendações de, ao selecionar os

conteúdos de ensino, levar em consideração as seguintes dimensões: as teorias da

aprendizagem, a realidade social e o estágio de desenvolvimento cognitivo dos

alunos; o caráter científico e sistemático das informações transmitidas; o caráter

histórico dos fenômenos e processos estudados, além, é claro, de privilegiar, nessa

escolha, aspectos relevantes para a vida social e para a prática profissional dos

alunos. É importante ressaltar, também, a pertinência das recomendações gerais

relativas à seleção de métodos de ensino, circunscritas à criação de condições para

que os alunos desenvolvam as capacidades de abstração e reflexão sobre as

atividades realizadas.

Ainda que esse referencial mais geral seja mantido, o grupo acredita que a

adoção do modelo de competências implica, sem dúvida, um aprofundamento das

dimensões mais estritamente pedagógicas, na medida em que a própria concepção

de competência proposta na legislação e, principalmente, as mudanças introduzidas

no plano da organização curricular colocam novas questões para a prática docente.

Entre esses referenciais construídos em 2000, interessa-nos analisar aqui os

que estão relacionados à organização curricular e à seleção de conteúdos. Isso

porque aqui se situa concretamente a intencionalidade da ação pedagógica e,

portanto, nos permite esclarecer o nosso objeto de análise para depois remetê-lo as

especificidades do setor terciário de Fortaleza, a fim de apreender as identidades e

contradições que se colocam entre o perfil profissional formado pelo Senac e o

demandado pelo referido setor produtivo.

No documento “Referenciais para a Educação Profissional Senac – 2001”,

estão colocadas os seguintes pressupostos para a organização curricular no modelo

baseado em competências:

- A formação dos trabalhadores passa a ter como objetivo o desenvolvimento

de competências.

- Na perspectiva das competências, a formação assume como finalidade

capacitar indivíduos para que tenham condições de disponibilizar durante seu

desempenho profissional, os atributos adquiridos na vida social, escolar, pessoal e

laboral, preparando-os para lidar com a incerteza, com a flexibilidade e rapidez na

resolução de problemas. (Referenciais Senac, apud Kuenzer, 2001)

- Considerando que a Lei focaliza a dimensão da competência quando diz

que “não se limita ao conhecer, vai mais além, porque envolve o agir numa

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determinada situação”. Conclui que as competências são, assim, as capacidades ou

os saberes em uso, que envolvem conhecimentos, habilidades e valores.

- Assinala que a LDB explicita que alguém é competente quando “constitui,

articula, mobiliza valores, conhecimentos e habilidades para a resolução de

problemas não só rotineiros, mas também inusitados em seu campo de atuação”. E

que assim, o indivíduo competente seria aquele que age com eficácia diante do

inesperado, superando a experiência acumulada e partindo para uma atuação

transformadora e criadora.

Daí, conclui que o planejamento curricular baseado no modelo de

competências deve ser um espelho do projeto pedagógico da escola, fruto de um

esforço sistematizado, com a efetiva participação de todos os docentes, e deve

incidir, mais particularmente, sobre alguns componentes pedagógicos, tais como: a

identificação e a definição dos blocos de competências, associados ao itinerário

profissional, e a seleção de situações de aprendizagem (projetos, situações-

problema), previstas nos módulos, e/ou nas etapas de formação, que têm as

disciplinas como suporte.

Isso implicaria, de acordo com o que está definido no documento, que o

planejamento deve ter como ponto de partida a definição do perfil de conclusão da

habilitação ou da qualificação prefigurada. Os perfis são definidos a partir da análise

das ocupações que compõem as áreas profissionais (ou de grupos de ocupações

afins a um processo ou atividade produtiva) e das competências gerais dos

profissionais da área. Deve atender às demandas do cidadão, do mercado e da

sociedade, além de levar em conta as condições locais e regionais, e a vocação e a

capacidade de atendimento da instituição. Na definição do perfil, deve-se considerar

também que o profissional, além do domínio operacional de um determinado fazer e

do saber tecnológico, precisa ter uma compreensão global do processo de trabalho,

ser capaz de transitar com desenvoltura em uma área profissional, atendendo a

várias demandas dessa área. Nessa perspectiva, ele não fica restrito a uma

qualificação/habilitação vinculada especificamente a um posto de trabalho.

Faz menção que na definição do perfil profissional de conclusão dos cursos

de nível técnico, deve-se, por exigência legal, considerar tanto as competências

profissionais gerais estabelecidas nas Diretrizes Curriculares por área profissional,

anexas à Resolução 04/99 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional

de Educação, como as competências específicas da habilitação profissional.

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Enquanto as competências específicas definem a identidade do curso, as

competências gerais garantem a polivalência do profissional. Deve-se ainda buscar

responder às seguintes questões: O que esse profissional precisa saber (que

conhecimentos são fundamentais)? O que ele precisa saber fazer (que habilidades

são necessárias para o desempenho de sua prática de trabalho)? O que ele precisa

saber ser (que valores, atitudes, ele deve desenvolver)? O que ele precisa saber

para agir (que atributos são indispensáveis à tomada de decisões)?

Assim, defende que a educação profissional deve, então, propiciar ao

trabalhador

o fomento da criatividade, da iniciativa, da autonomia e da liberdade de

expressão, abrindo espaços para incorporação de atributos como o

respeito pela vida, a postura ética nas relações humanas e a valorização

da convivência em sociedade e nas relações profissionais, contribuindo

para a percepção de seu trabalho como uma forma concreta de

cidadania.

Acredita-se que para dar conta da gama de atributos necessários ao perfil

desse trabalhador que se pretende formar, o Senac deverá estruturar e grupar em

quatro tipos as competências profissionais:

- Competências básicas – constituem o foco da educação básica (Resolução

CNE/CEB n.º 03/98), como a capacidade de expressão, de compreensão do que se

lê, de interpretação de representações e de realização de operações lógico-

matemáticas.

- Competências interprofissionais – necessárias a qualquer trabalhador. Estão

relacionadas com as questões e desafios do mundo do trabalho, a pesquisa de

dados, a utilização dos recursos tecnológicos, a preservação do meio ambiente, a

ética das relações humanas, a saúde e segurança no trabalho, o direito individual e

o dever para com o coletivo.

- Competências gerais – são aquelas comuns a uma área profissional. Para os

cursos técnicos, elas estão definidas na Resolução CNE/CEB n.º 04/99.

- Competências específicas - relativas à preparação para o exercício de atividades

profissionais próprias a um segmento profissional. São definidas pela instituição

formadora (no caso do Senac, pelas unidades operativas), de acordo com a

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identidade da qualificação ou habilitação e com base nos Referenciais Curriculares

por área profissional, publicados pelo MEC.

Os cursos de qualificação básica oferecidos pelo Sistema Senac serão

estruturados pelas respectivas unidades operativas, com base nos Referenciais

definidos nos Documentos Norteadores das áreas.

Quanto ao sistema modular, o documento destaca que a nova legislação para

a educação profissional prevê que os currículos dos cursos devem ser construídos

pela própria escola, em torno de competências gerais por área, acrescidas de

competências específicas para cada habilitação. Essa estrutura implica uma

permanente atualização do currículo de acordo com as transformações que vão se

processando no mercado de trabalho.

Esse modelo, por sua vez também suporia a adoção de um novo paradigma

pedagógico, no qual a atenção se desloca do ensino para o processo de

aprendizagem. A prática pedagógica orientadora desse paradigma deveria se pautar

na valorização das experiências pessoais do aluno, sejam elas acadêmicas ou de

vida. Nesse sentido, a responsabilidade das instituições de educação profissional se

ampliaria, porque esse modelo exige novas formas de organização curricular, novos

conteúdos, e metodologias que coloquem o aluno como sujeito ativo do processo de

aprendizagem.

A ênfase na competência implicaria, portanto, rupturas na dinâmica interna

dos espaços das instituições educacionais, pois, acredita-se que não se

desenvolvem competências profissionais a partir da mera aplicação instrumental dos

conteúdos (bases tecnológicas) ou sem incluir o exercício de atividades concretas de

trabalho. Ao mesmo tempo, não podemos prescindir dos conteúdos como meios

para atingir as competências pretendidas. Os conteúdos precisam ser significativos e

atualizados, vistos como recursos e não finalidade da educação, assimilados pelos

alunos de forma crítica e dinâmica e mobilizados para a solução de situações

concretas de trabalho.

A modularização, de acordo com a defesa apresentada no documento, é uma

das formas de flexibilizar e organizar um currículo centrado na aprendizagem do

aluno e na ampliação de competências. Os módulos podem ser entendidos como um

conjunto de conhecimentos profissionais que, estruturados pedagogicamente,

respondem a uma etapa do processo de formação. Eles representam uma fase

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significativa do processo de aprendizagem e/ou constituem unidades básicas para a

avaliação.

A Resolução de nº 04/99 que institui as diretrizes curriculares nacionais para

a educação profissional de nível técnico, ao estabelecer que os programas de

educação profissional devem estar aliados ao contexto das novas necessidades

postas pelo movimento de reestruturação produtiva, que vem expandindo-se no

âmbito do setor produtivo brasileiro nos últimos anos, no que se refere ao perfil da

força de trabalho adequada às características gestionárias e tecnológicas que

conformam aquele movimento, define no seu Art. 3.º, que os princípios norteadores

da educação profissional de nível técnico, entre outros, deve voltar-se ao

desenvolvimento de competências para a laborabilidade; se pautar pela

flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização e pela identidade dos perfis

profissionais de conclusão de curso;

Para o Senac a estruturação modular, nesse sentido, deve garantir a relação

entre os conhecimentos teóricos e práticos necessários ao desempenho competente

da ocupação e que o movimento de adequação estrutural do currículo por

competências e a concepção dos módulos devem perseguir os três princípios

propostos na Resolução de nº 04/99: flexibilidade, interdisciplinaridade e

contextualização.

Segundo o exposto, o princípio da flexibilidade deve se refletir na construção

dos currículos em diferentes perspectivas: na oferta dos cursos, na organização de

conteúdos por módulos, disciplinas, atividades nucleadoras, projetos. A flexibilidade

curricular permite que os alunos construam itinerários diversificados, segundo seus

interesses e possibilidades, não só para fases circunscritas de formação, como

também com vistas à educação continuada, simultânea ou alternadamente a fases

do exercício profissional.

O princípio da interdisciplinaridade já estaria implícito ao primeiro princípio,

uma vez que se afirma a organização curricular flexível trazer em sua raiz a

interdisciplinaridade, proposta que pretende romper com a fragmentação do

conhecimento e a segmentação presentes na organização linear-disciplinar adotada

anteriormente.

O princípio da contextualização, por sua vez, garantiria estratégias favoráveis

à construção de significações. Um plano de curso elaborado em consonância com o

contexto, com a realidade do aluno e do mundo do trabalho possibilitaria a

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realização de aprendizagens que façam sentido para o aluno. Essa contextualização

deveria ocorrer, também, no próprio processo de aprendizagem, integrando a teoria

à vivência do aluno e à sua prática profissional.

No desenho dos itinerários profissionais – seqüência de módulos ordenada

pedagogicamente, cujo fim é capacitar para o desempenho de uma ocupação –

recomenda-se a definição de módulos em que se desenvolvam os seguintes tipos

de competências: profissionais gerais; profissionais específicas de uma ocupação,

assim como as relacionadas aos processos de trabalho e aquelas trazidas da

educação básica.

De acordo com a legislação vigente, os módulos que compõem os diferentes

itinerários profissionais podem ter as seguintes características:

Módulos com terminalidade – preparam o aluno para exercer algum tipo de

atividade profissional, para ocupar uma função reconhecidamente existente no

mercado de trabalho. A identidade desses módulos deve ser definida claramente,

visando à possibilidade de incluir no processo de aprendizagem situações concretas

de trabalho relativas à ocupação escolhida. Ao completar o módulo da qualificação,

o aluno terá direito à certificação e estará apto a ingressar no mercado de trabalho.

O conjunto de certificados de competência equivalente a todos os módulos que

integram uma habilitação profissional dará direito ao diploma de técnico, desde que

o aluno tenha concluído o ensino médio;

Módulos sem terminalidade – desenvolvem competências de caráter geral,

que fundamentam o processo de trabalho e permitem a “navegabilidade” na área

profissional. Essas competências devem enfatizar, ainda, a formação e a

consolidação das competências da educação básica e aquelas relacionadas à

formação da cidadania. Constituem, também, uma preparação para o mundo do

trabalho, transcendendo à formação estrita a uma ocupação.

A duração dos módulos dependerá da natureza das competências que se

pretendem desenvolver e eles devem permitir a construção de itinerários

diversificados, tanto na formação inicial como nos processos de educação

continuada.

Porém, a suposição de que a organização modular dos currículos da

educação profissional corresponda às profissões efetivamente existentes no

mercado de trabalho é questão complicada e tem merecido críticas.

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Para Martins,(op. cit. 2000) a questão da modularização dos cursos técnicos

com seus devidos itinerários profissionais confirmam a tese sobre o anacronismo do

Decreto 2.208/97.

Está disposto neste decreto, de acordo com o seu artigo 8º que

os currículos do ensino técnico serão estruturados em disciplinas, que

poderão ser agrupadas sob a forma de módulos.

O seu parágrafo 3º dispõe que nos currículos organizados em módulos,

para obtenção de habilitação, estes poderão ser cursados em diferentes

instituições credenciadas pelos sistemas federal e estaduais, desde que

o prazo entre a conclusão do primeiro e do último módulo não exceda

cinco anos.

Para o autor acima mencionado, essa fragmentação proposta parece voltar-

se a um público que, fora do mercado de trabalho, necessita de um treinamento

emergencial para novamente apresentar-se apto ao mercado. Não se constitui, pois,

em uma proposta integrada e articulada de formação profissional, mas uma iniciativa

cujo objetivo visa setores específicos, onde o desemprego chega com força sobre os

trabalhadores, despreparados ante as novas tecnologias.

No entanto, mesmo sendo a intenção da proposta de modularização voltada

ao atendimento desses setores específicos, ela o faz de maneira equivocada. “Essa

fragmentação só possibilitará um treinamento parcial, que logo será superado pela

dinâmica do mercado, hoje altamente cambiante em suas formas de produção.94”

Assim, de nada adiantará treinar um trabalhador em uma função específica, pois que

a constante alteração do processo produtivo fará essa função para qual ele foi

treinado ser totalmente reordenada, de forma tal a ele não estar mais preparado

para executá-la em pouco tempo.

Quanto ao desenho curricular de um curso, nos Referenciais para a Educação

Profissional Senac-2001, recomenda-se que na sua definição, é fundamental

observar as ações propostas pela Coordenação Geral de Educação Profissional da

Secretaria de Educação Média e Tecnológica da Educação (CGEP/SEMTEC/MEC),

transcritas a seguir.

94 MARTINS, Marcos Francisco. Op cit.

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- Definição de terminalidades por conjunto de competências articuladas

(associadas às ocupações, aos contextos e/ou às funções e

subfunções da área profissional);

- Desenho dos módulos do currículo, considerando o conjunto de

competências articuladas;

- Definição dos itinerários profissionais; critérios de acesso aos módulos

e ao curso; saídas intermediárias e finais; certificados e diplomas;

- Definição e planejamento dos projetos integradores para o

desenvolvimento dos módulos; formulação de problemas desafiadores;

- Planejamento dos insumos requeridos em cada projeto; definição do

professor, coordenador de cada projeto;

- Definição de estágio supervisionado, quando necessário;

- Definição de estratégias e recursos de aprendizagem;

- Definição do processo de avaliação da aprendizagem e dos critérios de

aproveitamento de estudos; instrumentos de acompanhamento e

avaliação.

- Organização de tempo, horários, ambientes de aprendizagem, espaços

e pessoas envolvidas.

Recomenda-se ainda que cabe incluir uma outra ação intermediária ao

desenho dos módulos e à definição dos itinerários profissionais: a seleção de

conteúdos de ensino como um elemento importante para o desenvolvimento das

competências. Aqui faz-se um destaque que os conteúdos devem ser significativos,

atualizados e construídos dinâmica e criticamente. Além dessa seleção, o desenho

dos módulos envolve a organização dos conteúdos, que pode ser feita de dois

modos: por disciplinas, ou por unidades temáticas e/ou blocos temáticos que reúnam

conhecimentos de diferentes áreas, articulados por competências afins.

Assim, para a organização curricular, seria suficiente identificar apenas as

diversas competências exigidas para o profissional que se pretende formar. Já para

a organização do plano de aula – organização específica da aprendizagem –, seria

conveniente esmiuçar as competências em seus principais elementos (conhecimen-

tos, habilidades, valores e atitudes), bem como fazer um planejamento detalhado

para a realização do trabalho interdisciplinar.

Nesta perspectiva, as potencialidades e desafios da implantação do modelo

de currículo baseado em competências se colocariam nos seguintes termos:

A consideração de que o modelo de competências exige a criação de

condições para que os indivíduos articulem saberes para enfrentar os problemas e

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as situações inusitadas encontradas em seu trabalho, atuando, a partir de uma visão

de conjunto, de modo inovador e responsável.

Que a articulação de saberes supõe a realização de operações mentais que

vão das mais simples e concretas (comparação, classificação e seriação, por

exemplo) até aquelas mais complexas e abstratas, que compreendem análises,

sínteses, analogias, associações, generalizações. E que no processo de

desenvolvimento dessas formas superiores de raciocínio, dessas operações mentais

de nível superior, o sujeito vai ampliando sua autonomia e seu senso crítico.

Nesse sentido, formar para o desenvolvimento de competências significaria,

também, educar para a autonomia, para a capacidade de iniciativa e de auto-

avaliação, para a responsabilidade, para a ampliação da capacidade de trabalho, de

concepção e realização de tarefas e projetos.

Acredita-se que esse modo de conceber e realizar a formação pode trazer

novas possibilidades para o trabalhador. Atuar criticamente, tomar decisões, ser

autônomo, criativo e responsável são aprendizagens que extrapolam o espaço de

trabalho e podem ser ampliadas para todas as esferas sociais em que o sujeito atua

como cidadão. Assim, é possível afirmar que, ao romper com as delimitações

impostas pelo mero fazer, estamos formando não só um trabalhador de um novo

tipo, mas também tornando possível a formação de um cidadão mais atuante.

Portanto, é feita a advertência, que essas novas potencialidades e

possibilidades que o modelo de competências traz para a ampliação da cidadania e

da capacidade de trabalho do sujeito estão, evidentemente, na dependência de uma

série de cuidados relativos à prática pedagógica. Em primeiro lugar, adverte-se de

que é fundamental entender que os conteúdos de ensino são meios e não finalidade

da aprendizagem. Que se deve também evitar limitar o saber ao desempenho

específico de tarefas, à aplicação instrumental dos conteúdos, empobrecendo e

reduzindo a formação a um mero saber fazer. Que é necessário ainda adotar

metodologias que permitam a simulação ou realização de situações concretas de

trabalho, propiciando a integração dos conhecimentos e o desenvolvimento de níveis

de raciocínio mais complexos. Assim, chama-se atenção para a importância de se

ter em mente o fato de que a organização de um currículo por competências não

garante, em princípio, a mudança de paradigma educacional. Esta depende, antes

de mais nada, dos objetivos que se pretende atingir e do modo como se

compreende e implementa a proposta educativa.

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De fato, reconhecemos que aqui se situa o desafio mais complexo,

considerando que todo o referencial teórico, os instrumentos e materiais de muitos

dos Departamentos Regionais do Senac, ainda são marcadamente aqueles que

apoiavam a proposta tecnicista e que, por outro lado, os instrutores, na sua maioria

são profissionais recrutados no mercado de trabalho, para ministrar uma disciplina

ou um curso, através de contrato de trabalho temporário. Esses profissionais, além

de não terem formação pedagógica, pois são especialistas nas suas áreas, não

dispõem de tempo suficiente no Senac para apreenderem a filosofia de sua proposta

pedagógica, o que torna difícil assegurar princípios como interdisciplinaridade dentre

outros, tidos como necessários à execução da proposta das competências.

Assim, o desafio presente no modelo de competências através da integração

do conhecimento, acaba por acontecer de forma separada entre as competências

profissionais gerais e específicas, e o módulo específico, muitas vezes, se restringe

ao ensino de tarefas, desarticulado de um contexto mais amplo.

Contrariamente, no documento, adverte-se que é necessário considerar,

como o faz a ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação sobre o PNE – no seu Plano Nacional de Educação, que a proposta de

constituição do Sistema Modular do MEC já traz em si grandes riscos de propiciar

uma formação profissional fragmentada. Isso porque, alunos que cumprem uma

trajetória de formação diferenciada, cursando módulos mal-organizados em

diferentes instituições, terão certamente dificuldades para integrar os conhecimentos

construídos. Assim, é possível considerar como pertinente a advertência presente no

Manifesto, no qual se afirma que:

esperar que através de conteúdos dispersos, ministrados em diferentes

estabelecimentos, o aluno, individualmente, efetue a desejada integração

(entre conteúdos gerais e específicos), é confiar uma tarefa de alta

complexidade pedagógica apenas a uma dinâmica espontânea e

altamente imprevisível do aprendiz.

Afirma-se ser conveniente enfatizar também que o próprio Sistema Modular,

apesar de suas potencialidades, traz o risco de segmentar a educação profissional,

aprofundando as diferenças entre os trabalhadores brasileiros. Assim, de um lado

seria possível ter, poucos e bons, profissionais capazes de atuar com consistência

na área profissional escolhida, porque contam com uma educação básica sólida e

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completam os módulos relativos a todo um percurso (ou vários percursos)

formativos. De outro lado, existiriam trabalhadores com formação profissional

reduzida, aligeirada, por possuírem nível de escolaridade mais baixo e cursarem

apenas módulos cujas competências estão voltadas somente para um posto de

trabalho, sem uma visão mais global ou fundamentada de uma área profissional.

É feito o destaque também, que nessa perspectiva, vários autores como

Kuenzer e Bello de Souza chamam atenção para o modo como o Sistema Modular

está sendo inserido e implantado no país, tornando possível o aprofundamento da

segmentação social e a diferenciação da formação do trabalhador brasileiro. É

necessário, portanto, ter consciência disso, pois se a modularização não for feita

com a responsabilidade que lhe é exigida, poderá vir a contribuir sobremaneira para

a fragmentação do processo formativo do trabalhador e aprofundar ainda mais as

desigualdades sociais no Brasil.

Porém, reconhece-se que, ao contrário do risco citado anteriormente, com

propostas sérias e cuidadosas, que assegurem ao aluno o desenvolvimento de

competências com base em um conhecimento integrado e articulado, seria possível

tirar partido das possibilidades formativas desse Sistema. Segundo a apreensão do

pensamento de Bello de Souza, acredita-se que o sistema modular, apesar das

críticas, tem sido apontado como possuidor de algumas potencialidades que o

tornam um modelo mais aberto do que os demais, tais como:

a valorização da diferenciação pessoal; o respeito aos ritmos de

aprendizagem do aluno; a emergência do aluno enquanto gestor de seu

próprio percurso de formação sistemática; a facilidade na progressão do

aluno.

Esse sistema ainda viabilizaria uma maior flexibilidade, na medida em que

o aluno dispõe de múltiplas entradas e saídas do sistema, podendo

interromper ou retornar seu itinerário formativo quantas vezes lhe seja

possível e, ainda, aproveitar suas experiências pregressas na forma de

crédito – tanto as experiências obtidas nos sistemas formais de ensino,

quanto aquelas derivadas da própria vivência prática no mundo do

trabalho.

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Quanto à organização e seleção dos conteúdos, considerando que o modelo

de competências supõe que os conteúdos sejam encarados como um dos recursos

a serem mobilizados pelo aluno em situações concretas de trabalho, durante a

seleção de conteúdos, recomenda-se que devem ser privilegiados aqueles que

possam ser utilizados como instrumentos teórico-práticos, capazes de orientar a

tomada de decisões nos diferentes enfrentamentos da vida profissional. Nesse

processo, entretanto, seria fundamental realizar uma escolha que, por incorporar

conteúdos científicos, universais e amplos, evitasse o empobrecimento da formação,

ou seja, evite uma formação atrelada ao ensino de tarefas e desempenhos

específicos, prescritos e observáveis, garantindo, assim, que o ensino não se limite à

simples aplicação instrumental dos conteúdos.

É feito uma menção ao modelo de competências, enquanto algo que traz uma

importante implicação para a compreensão do processo de organização dos

conteúdos de ensino: a necessidade de propiciar uma perspectiva globalizante do

conhecimento. O fato de as competências mobilizarem múltiplos saberes (saberes

para a ação) faz com que os conhecimentos aprendidos devam ser construídos em

estreita relação com os contextos em que são utilizados. Por isso mesmo, nessa

menção, torna-se impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais

presentes nesse processo. A formação dos alunos deve, então, ser encarada como

um processo global e complexo, no qual conhecer e intervir na realidade não se

dissociem.

Sendo justamente o desenvolvimento dessa visão globalizante que a

organização dos conteúdos deveria favorecer, estando ou não estruturados em

disciplinas. Essa visão global poderia ser viabilizada, no caso da manutenção das

disciplinas, pela implementação de uma proposta de currículo interdisciplinar (por

oposição a uma proposta de organização linear-disciplinar). No caso da supressão

das disciplinas, essa visão global poderia ser garantida pela adoção de um currículo

integrado.

Nessa perspectiva, é feita a defesa de que o currículo interdisciplinar

favoreceria a construção do conhecimento, uma vez que os conceitos, os contextos

teóricos e as práticas se organizam em torno de unidades globais, de estruturas

conceituais e metodológicas compartilhadas pelas várias disciplinas. Além disso,

propiciaria a transferência da aprendizagem, capacitando o aluno a enfrentar

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problemas que transcendem os limites de uma disciplina concreta, e a detectar,

analisar e solucionar problemas novos e sob diferentes perspectivas.

Por sua vez, o currículo integrado teria sido defendido com base na idéia de

que a integração de conteúdos, não organizados em disciplinas, favorece a

modificação das estruturas das diferentes áreas do conhecimento, originando a

constituição de uma nova estrutura do conhecimento.

O currículo integrado também teria sido defendido em função da idéia de que

todo o currículo deve propiciar a compreensão da realidade social em que se vive,

além de se colocar como um meio para desenvolver aptidões, tanto técnicas quanto

sociais, que favoreçam aos indivíduos posicionar-se como cidadãos e trabalhadores.

Assim, o currículo integrado traria a possibilidade de explorar questões que se

encontram além dos limites convencionais das matérias e das áreas de

conhecimento tradicionais.

Por fim, é realçado que independentemente da opção que se faça por uma ou

outra abordagem da organização dos conteúdos no currículo, o importante é garantir

uma visão mais global e integradora dos conhecimentos construídos no processo de

ensino-aprendizagem. Uma concepção globalizante que permita analisar problemas,

situações e acontecimentos dentro de um contexto abrangente, utilizando, para isso,

conhecimentos organizados ou não em disciplinas, além, é claro, da experiência

social, cultural e laboral dos alunos.

No que pese o esforço do Senac para romper a fragmentação e o

esvaziamento dos conteúdos curriculares, já vale rumo ao rompimento das fronteiras

historicamente construídas e reforçadas por um tipo de escola que se centra na

função de desenvolver o intelecto e repassar um saber imediatista indispensável ao

progresso material da sociedade capitalista, isolando os saberes e os separando da

totalidade do conhecimento.

Por outro lado, temos presente que a educação profissional, por força de sua

vinculação histórica ao sistema produtivo é muito mais permeável as suas

demandas que qualquer outra modalidade de ensino, e que, por assim ser, o

reducionismo, a visão pragmática, fragmentada e tecnicista ainda se colocam como

predominantes em suas concepções. No entanto, também não se pode deixar de

perceber os espaços contraditórios que se gestam em seu seio e que podem ser

convertidos a favor do trabalhador, pois mesmo não aderindo às concepções

teóricas de Habermas, mas acreditando que estas não estejam calcadas na

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perspectiva liberal, vislumbramos que no desenvolvimento das competências

profissionais, por estas trazerem em si a possibilidade de ultrapassagem do cunho

puramente instrumental para a revelação do subjetivo no sentido da

autoconsciência humana é possível confirmar-se uma vinculação da dimensão

política à dimensão profissional na formação dos trabalhadores.

Por outro lado, concordando com Kuenzer, defendemos que as contradições

que se manifestam na disputa capital-conhecimento não devem ser desprezadas.

Hoje, mais do que nunca, a máxima aprender a aprender parece se impor à máxima

aprender determinados conteúdos. Isso significa novas demandas para a educação

profissional, em que se destacam os conteúdos que façam sentido para o momento

de vida presente e que ao mesmo tempo favoreçam o aprendizado de que o

processo de aprender é permanente. Nesta perspectiva, Kuenzer, (2000) assim se

manifesta:

As mudanças ocorridas no mundo do trabalho, quando apontam, mesmo

que por contradição, para uma nova relação entre homem e trabalho,

mediada pelo conhecimento científico, tecnológico e sócio-histórico –

enquanto conteúdo e método – passam a demandar uma educação

profissional de novo tipo, que combine conhecimentos sistematizados,

experiências e comportamentos de modo a substituir a rigidez derivada

da incorporação de respostas provisórias como definitivas pela

capacidade de usar conhecimentos científicos e saberes tácitos, razão e

emoção, racionalidade e utopia, experimentação e intuição, para

conviver com o caráter dinâmico e revolucionário do atual estágio de

desenvolvimento, de modo a usufruir das positividades e construir novas

respostas para enfrentar as negatividades, buscando a construção de

relações sociais e produtivas menos perversas.

Esta constatação aponta para o desafio da (re)significação do projeto político-

pedagógico da educação profissional, reconhecidamente anacrônico em face da

realidade do final do século, marcada pelas contradições de um modelo que ao

mesmo tempo produz conhecimento, riqueza e exclusão em proporções e

velocidade jamais vistas em outras etapas.

No que tange as modificações de natureza jurídico-normativas, referentes à

nova institucionalidade da educação profissional garantida pela Lei 9.394/96 –

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – e sua regulamentação, a nova proposta

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de educação profissional do Senac está inteiramente afinada com as suas

orientações, portanto nos deteremos a tecer alguns resgatar alguns elementos que

achamos importante para evidenciar as matrizes teóricos conceituais que perpassam

o modelo de competências adotado na educação profissional no Brasil.

Em primeiro lugar, convém destacar que são diversas as concepções que

perpassam o modelo de competências, assim também são várias as matrizes

teórico-conceituais que orientam a definição e construção de competências, e

direcionam a formulação e a organização dos currículos.

Essas matrizes estão ancoradas em modelos epistemológicos que as

fundamentam, e podem ser identificadas como a matriz condutivista ou behaviorista;

a funcionalista; a construtivista e a crítico-emancipatória.

O Senac situava sua proposta curricular na matriz construtivista, uma vez que

buscava a construção das competências não só a partir da função do setor ou da

empresa que está vinculada ao mercado, mas concede igual importância às

percepções e contribuições do trabalhador diante dos seus objetivos e

potencialidades, em termos de sua formação.

Porém identificamos uma incoerência teórica quando incorpora as

determinações do MEC que se situam em outra matriz, e acaba por ser determinante

na forma como se apreende e se realiza a formação por competência.

Isso porque, partir das recomendações e direcionamentos dados para se

definir o perfil profissional, encontramos evidências que o MEC utiliza-se da análise

funcional para tal definição.

A análise funcional apesar de ser da mesma raiz da análise ocupacional, é

considerada superior a esta.

A ocupação, na análise funcional, é tomada como agrupamento de atividades

profissionais pertencentes a diferentes postos de trabalho com características

comuns - normas, técnicas e instrumentos semelhantes - correspondendo a um

mesmo nível de qualificação.

A matriz funcionalista utiliza a análise funcional como método e esta se realiza

a partir da identificação da função estratégica do setor ou da empresa e dos

resultados esperados na atuação dos trabalhadores para que a função estratégica

seja cumprida. A análise funcional procura responder as seguintes perguntas: quais

são os objetivos principais da organização e da área de ocupação? Sua lógica de

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construção de competências é dedutiva, partindo-se das funções mais gerais para

as específicas.

Os resultados das análises funcionais dão origem às normas de

competências de trabalho, que são descrições de resultados laborais que se devem

alcançar em uma área de trabalho determinada. A característica da análise funcional

reside no fato de que se descrevem produtos e não processos, importa os resultados

e não como se fazem as coisas, por isso mesmo, descrevem-se as funções em

unidades de competências, seguindo o princípio de descrever em cada nível o

produto esperado.

Alguns métodos são utilizados para a identificação e definição das

competências laborais com o objetivo de identificar necessidades de capacitação

profissional, planejar programas de formação e determinar critérios de avaliação. Um

destes métodos é o DACUM95 (Developing a curriculum), que compreende a função

como uma área ampla de responsabilidades que está conformada por várias tarefas.

Busca identificar, a partir de pequenos grupos de trabalhadores peritos ou

experientes, as tarefas que devem ser realizadas em um posto de trabalho ou em

área ocupacional.

A principal crítica feita a essas metodologias, de acordo com Ramos (Op. cit.

2001, p. 93/94), é a de que as tarefas especificadas e detalhadas por elas acabam

se convertendo nas próprias competências, que seriam construídas a partir da

observação direta do desempenho. O currículo seria construído a partir das funções

e tarefas especificadas nas normas de competências e a aprendizagem se

restringiria às atividades e não aos seus fundamentos tecnológicos.

Nesse sentido, é possível estabelecer um estreitamento de relações entre a

matriz funcionalista e a condutivista/behaviorista, ambas estritamente ligadas à ótica

do mercado e limitadas à descrição de funções e tarefas dos processos produtivos.

A partir da investigação dos processos de trabalho realizados com estas

orientações, os objetivos de ensino são formulados em termos de condutas ou

desempenhos observáveis orientados para os resultados. De forma geral, as

competências investigadas no processo de trabalho são transpostas de forma linear

para o currículo, formulando-se as competências a serem construídas como

intermináveis listas de atividades e comportamentos, limitando o saber ao

95 Em 2000, o Departamento Nacional do Senac promoveu um seminário sobre este método, ministrado por uma professora de Canadá para representantes da equipe técnico-pedagógica de todos os Departamentos Regionais.

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desempenho específico das tarefas. A concepção da autonomia dos sujeitos fica,

assim, restrita e prescrita pelas atividades e tarefas. Sua perspectiva economicista,

individualista, descontextualizada e a-histórica limita o currículo e estreita a formação

do trabalhador. Assim temos ao mesmo tempo uma reedição do capital humano no

que se refere ao atrelamento direto da educação ao desenvolvimento econômico e

no que se refere à definição de objetivos educacionais em termos de condutas ou

desempenho observáveis orientados para resultados, uma reedição do tecnicismo

ou um neo-tecnicismo.

Nesse sentido, vale destacar que a proposta de organização curricular do

Senac, anterior a esta, era muito mais adequada à formação do perfil profissional

dos paradigmas produtivos atuais, pois, não se limitava ao estritamente necessário à

ocupação, não correndo assim o risco de empobrecer a formação do trabalhador

com as exigências de setores produtivos que ainda adotam estratégias de trabalho

extremamente arcaicas.

No modelo anterior, o Senac ao selecionar os conteúdos de ensino, levava

em consideração o caráter científico e sistemático das informações transmitidas, o

caráter histórico dos fenômenos e processos estudados e os aspectos relevantes

para a vida social e para a prática profissional dos alunos. Aliado a isso também a

preocupação com a seleção de métodos de ensino que facilitassem aos alunos

desenvolver as capacidades de abstração e reflexão sobre as atividades realizadas.

Assim, diante das alterações demandadas pelo MEC e numa preocupação de

ordem mais prática, colocam-se os seguintes questionamentos: Será que as

empresas do setor terciário de Fortaleza, de um modo que seja considerado

predominante, têm definida a sua estratégia competitiva ao modo da Teoria dos

Sistemas e têm a devida clareza sobre as competências profissionais que a esta

estratégia serão necessárias? Por outra, estarão as gerências de recursos humanos

dessas empresas com suas práticas estruturadas para avaliar as competências de

seus trabalhadores. Tornando ainda mais complexo o nosso questionamento: Qual a

validade das competências para as ocupações do setor informal ou dos serviços

domiciliares?

À luz desses questionamentos, buscaremos no capítulo seguinte apreendê-

los no movimento que se concretiza no terciário.

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III - O modelo das competências na gestão do trabalho e sua articulação na definição do perfil profissional do trabalhador do setor de comércio de bens e serviços de Fortaleza.

3.1. A noção de competências na gestão do trabalho e no terciário - Dicotomias entre a teoria e a prática.

3.1.1 - A gestão do trabalho por competência na indústria.

A gestão por competência dos processos de trabalho tem seu fundamento

metodológico técnico na Teoria dos Sistemas Sociais. Nesta teoria, parte-se da

visão de que a empresa não é um sistema fechado e, portanto, não deve ser

analisada somente como um sistema em si, mas com relação entre o sistema e seu

entorno.

Nesta perspectiva, os objetivos e funções da empresa devem ser formulados

em termos de relação com o ambiente externo, isto é, com o mercado, a tecnologia

e as relações sociais e institucionais. Como conseqüência, a função de cada

trabalhador na organização deve ser entendida em sua relação com o entorno da

empresa e com os subsistemas dentro da empresa, onde cada função é o entorno

da outra.96 As competências do trabalhador são traçadas em função da estratégia

competitiva da empresa.

Os estudos empíricos que apreendem a gestão do trabalho por competência

têm destacado que esse modelo de gestão é mais freqüentemente observado na

organização do trabalho das grandes empresas, principalmente nas multinacionais,

onde se identifica um distanciamento da noção de posto de trabalho e de tarefa em

função da valorização da flexibilização funcional e da polivalência. Como

conseqüência, os laços entre qualificação profissional e salário se enfraquecem, as

descrições de cargos se tornam mais genéricas, ou seja, mais calcadas em

qualificações tácitas do que em conhecimentos sedimentados pela qualificação

profissional. Este distanciamento torna compreensível a valorização, pelas

96 RAMOS, Marise. Op. cit. 2001. p. 91

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organizações, do conhecimento tácito dos trabalhadores, já que este potencializa a

flexibilização funcional e sedimenta o processo de integração.

As organizações passam a adotar estratégias que viabilizem a absorção do

conhecimento tácito dos trabalhadores, assim como políticas de remuneração e

treinamento que incentivem a educação continuada e o aperfeiçoamento

permanente do processo de trabalho.

Contudo, o aumento do trabalho abstrato não é diretamente proporcional a

uma maior complexidade do trabalho, podendo estabelecer dois grupos de

trabalhadores distintos, no que tange à qualificação profissional. O primeiro, apesar

de desenvolver tarefas com maior grau de abstração, não tem um enriquecimento

no conteúdo do trabalho, nem maior autonomia na realização deste, estando

subordinado a um tempo informático de essência taylorista. Já o segundo grupo

conta com trabalhadores mais qualificados, os quais desenvolvem funções que

exigem maior qualificação e competência, com uma carga maior de abstração e

complexidade no conteúdo do trabalho. Esses trabalhadores são parte integrante

da organização flexível, a qual, em função de sua estratégia corporativa, estabelece

projetos de incentivo, motivação e treinamento que os incluem.

Porém, a gestão do trabalho por competência apresenta nuanças muitos

complexas, principalmente no que se refere a identificação e avaliação das

competências dos trabalhadores. Calmon (Op.cit) identifica num estudo de Tanguy,

a observação de que a opção pela avaliação da capacidade de resposta do

indivíduo a uma situação de trabalho está relacionada à impossibilidade de se

desenvolver um sistema de avaliação capaz de identificar todas as nuanças e

multiplicidades que envolvem as novas qualificações para o trabalho, e não a um

rigor metodológico. Pois, como individualizar e avaliar objetivamente comunicação,

comprometimento, autonomia, responsabilidade etc., bastiões do modelo da

competência, sem tender para o subjetivo e para a personalização?

A análise de Tanguy, destacada por Calmon, é que tal lógica é desigual, pois

tenta estabelecer um comportamento homogêneo para a subjetividade em uma

situação dada, no caso, o ambiente de trabalho, não levando em conta as

diferenças na formação dos indivíduos, suas oportunidades etc. A opção pelo

modelo da competência seria uma forma de naturalizar as diferenças salariais,

transferindo para o indivíduo a responsabilidade pela desigualdade salarial:

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"Qualquer que seja o método adotado, o objetivo permanece, com efeito,

o mesmo, tornar socialmente aceitáveis as diferenças salariais. A ‘lógica

das competências’ tende, como indica seu nome, a fazer com que se

aceitem essas diferenças como resultado de propriedades e de ações

individuais, na medida em que a avaliação é apresentada como uma

auto-avaliação" (Tanguy, apud Calmon. Op. Cit)

Calmon destaca ainda que a visão de Dubar, neste sentido, é concorrente.

Destaca que segundo esse autor o modelo da competência traz subjacente a

construção de um novo padrão de identidade, de reconhecimento e valorização do

trabalho, que substitui e neutraliza os valores constituídos sobre o modelo de

qualificação anterior, tanto no que diz respeito à identidade funcional e salarial,

quanto à qualificação profissional, num movimento fortemente personalizado.

Mas ao atribuir ao empenho individual capacidades como inovação, mobilidade e

flexibilidade, o modelo da competência ignora o fato de que até o momento não foram

desenvolvidos modelos pedagógicos que possibilitem ao trabalhador essa adaptabilidade

e, apesar de as ciências cognitivas sinalizarem com a possibilidade de mobilidade de

conhecimento para áreas correlatas, a mobilidade dos indivíduos de um campo a outro do

conhecimento não está subordinada, unicamente, ao esforço individual, mas sim a um

pesado investimento em qualificação e reconversão profissional:

"... a transferência para outros domínios ou outras disciplinas é quase

impossível, exceto ao preço de um treinamento muito oneroso, que se

situa no nível metacognitivo dos sistemas de processamento de

informação. As práticas instauradas com esse fim, nas instituições de

educação e de formação, em termos de métodos gerais, denominados

‘educabilidade cognitiva’, permanecem eminentemente discutíveis..."

(Dubar, apud Calmon. Op. cit.)

Ainda de acordo com Calmon, as organizações parecem calcar suas

contratações em perfis cada vez mais abstratos. Apesar da pressão exercida pelo

setor produtivo dos países centrais para formação de profissionais capazes de

atuar em sintonia com o novo padrão produtivo, este privilegia, no recrutamento e

seleção, saberes vinculados à biografia do indivíduo e à capacidade deste em

transferi-los com eficiência para a organização.

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Se o movimento rumo a gestão do trabalho por competência, no cerne das

grandes empresas, já cria diferenciações entre os trabalhadores e complexidade na

forma de gerenciá-la, no interior do terciário, portanto, torna-se muito complicado

apreender seu movimento, primeiro devido a sua complexidade e segundo, porque

é bem escassa a produção teórica sobre o assunto.

Porém, de um modo geral, há a crença de que, mesmo em setores com baixo

nível de automação, como o terciário, há a necessidade de elevação do patamar de

qualificação em virtude do processo de reestruturação produtiva. Essa elevação é

resultante de um interrelacionamento da cadeia produtiva, no sentido de que as

organizações vinculadas, direta ou indiretamente, ao mercado externo irradiam as

inovações organizacionais e tecnológicas para o mercado interno.

O desempenho do terciário no desenvolvimento econômico tem sido

analisado na literatura econômica, levando em conta, fundamentalmente, o

desenvolvimento industrial e o processo de urbanização das sociedades.

É certo que a passagem da sociedade agrária para a sociedade industrial

envolve a concentração de pessoas e atividades nas cidades, reorganizando o

processo produtivo e proporcionando o aumento da produção e do consumo das

atividades terciárias. Entretanto, o papel dessas atividades no desenvolvimento da

economia é pouco claro, a menos que seja visto numa atuação conjunta e

concomitante com o setor secundário.

Nesse sentido Roggero (Op. cit) destaca que com a partir das mudanças

organizacionais no interior da indústria, as demandas não atendidas internamente,

passaram a sê-lo externamente, com a difusão de uma rede de serviços de alto nível

e de um novo processo, tendo em vista que muitas atividades, antes internas às

indústrias, passaram a ser externas e a fazer parte do setor de serviços.

Essa nova etapa no desenvolvimento industrial, de acordo com a autora

citada, afetou o processo de multinacionalização, que sofisticou-se, a partir da

década de 80, deslocando capital para países que pudessem oferecer mão-de-obra

melhor qualificada e boa infra-estrutura de serviços de apoio – agora,

preferencialmente, informatizados – aos processos produtivos.

No entanto, a autora assinala que essa exposição linear do processo de

desenvolvimento dos serviços ligados à indústria não dá conta nem da

complexidade do setor terciário, nem tampouco do tipo de perfil profissional

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necessário a sua reprodução, bem como das formas de gestão dessa força de

trabalho, como um todo.

Isto posto, remete à contradição das representações teóricas que dão

sustentação ao modelo das competências na educação profissional do Senac e a

sua finalidade, qual seja qualificar profissionalmente os trabalhadores para o setor

de comércio de bens e serviços.

3.1.2. A racionalidade no terciário e as competências necessárias à prestação de serviços

Existem algumas dificuldades de caracterização do que realmente seja o

setor de serviços, conforme nos mostra Salerno,97 a classificação da atividade

econômica em setores industrial e de serviços tem pouco poder explicativo sobre a

dinâmica do trabalho e da produção nas empresas contemporâneas. Para mostrar

essa dificuldade, o autor apresenta várias situações, tais como:

Uma empresa metalúrgica no seu processo de terceirização desfaz-se de seu

setor de manutenção, passando a contratar uma firma especializada para realizar a

atividade. A firma contratada presta serviços de manutenção, é uma empresa

classificada no setor de serviços da economia, que vai estar atuando dentro da

indústria.

No caso da compra de um bem como um automóvel, o que se compra de fato

é um bem conjuntamente com um pacote de serviços – garantia, assistência técnica,

financiamento. Ou seja, a própria indústria incorpora cada vez mais nos seus

negócios e na sua estratégia competitiva, um pacote de serviços associado a seus

produtos.

Apreendemos também no estudo de Roggero (Op. Cit), que grandes desafios

metodológicos se colocam para a compreensão das questões quantitativas e

qualitativas que envolvem o terciário, pois, de modo geral, os estudos que abordam

o setor terciário da economia tendem a apresentar inúmeras discrepâncias

conceituais, que dificultam a compreensão de sua estrutura e de sua dinâmica

interna.

O fato de agregar uma gama muito ampla de atividades, muitas delas

derivadas do setor produtivo secundário, faz com que a característica predominante

do setor de serviços seja a heterogeneidade. Tal característica transcende o aspecto

97 SALERNO, Mário Sérgio. (org.) Relação de serviço - Produção e avaliação. São Paulo: Editora Senac, 2001. p. 11

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relativo ao número e variação das atividades, aplicando-se também ao modo como

elas surgem e interagem com as atividades pertinentes aos demais setores, não só

do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista social e cultural.

Uma tentativa de caracterização ou identidade ao setor terciário foi formulada

por Claus Offe98, onde este autor, a partir de uma visão do funcionamento social,

define o trabalho em serviços em contraposição complementar ao trabalho produtivo:

o setor de serviços abrangeria a totalidade de funções envolvidas no processo de

reprodução social e na forma de circulação das mercadorias que garantem a

reprodução material da sociedade.

Quanto ao tipo de trabalho envolvido no setor de serviços, Offe afirma que se

trata de um trabalho reflexivo ou metatrabalho, cuja racionalidade orienta-se por uma

lógica da eficácia em contraposição à lógica da eficiência, típica do trabalho em

produção.

A utilidade de tal abordagem se justifica pelas questões relativas à

racionalização e à maneira como funciona o mercado e o rendimento do trabalho no

setor de serviços, fatores que possibilitam o entendimento do terciário como

metatrabalho ou como trabalho reflexivo, visto que a finalidade das atividades de

serviços não reside na sua prestação, mas na manutenção de uma disponibilidade à

sua prestação.

Nesta concepção, sendo o trabalho em serviços mais indeterminado, menos

previsível, mais sujeito a confrontação com eventos aleatórios, exigiria dos

trabalhadores maior autonomia e capacidade de resolução de problemas.

Neste sentido, sendo a autonomia uma competência atitudinal fundamental a

natureza do trabalho no terciário, percebemos que o modelo de competências

conforme a matriz funcionalista não dá conta de sua formação. Pois, dentro dessa

orientação funcionalista, as competências investigadas no processo de trabalho são

transpostas de forma linear para o currículo, formulando-se as competências a

serem construídas como intermináveis listas de atividades e comportamentos,

limitando o saber ao desempenho específico das tarefas. A concepção da autonomia

dos sujeitos fica, assim, restrita e prescrita pelas atividades e tarefas.

Por outro lado, esse fator já coloca em xeque as análises da categoria

trabalho apenas pelo enfoque do trabalho concreto típico da indústria, até o início da

98 OFFE, Claus. O crescimento do trabalho no setor serviços. Quatro explicações sociológicas. In Trabalho e Sociedade. Vol. II. Rio de Janeiro; Ed. Perspectivas; 1991. p.59

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124

automação. Conseqüentemente, também altera as análises acerca da qualificação

e, sobretudo, acerca do significado que todo esse movimento tem para o indivíduo

como ser social.

Roggero (Op. cit) esclarece que, antes de possibilitar qualquer especulação

sobre o quanto o setor terciário vale do ponto de vista econômico, os estudos de

Offe apontam para uma possibilidade interpretativa em relação às transformações

culturais que se operam nesse setor e se expandem socialmente. Portanto, esta

caracterização funcional do terciário não lhe atribui nenhum valor econômico, em si

mesmo, se comparada às atividades produtivas em geral, porque, quanto ao recurso

à disponibilidade para a prestação de serviços, prevalece a incerteza quanto ao

volume, tipo, clientes, etc., que serão demandados. Ou seja, não se parte da idéia

ingênua de que o setor terciário absorva a força de trabalho disponibilizada pelo

setor de produção de bens, equilibrando oferta e demanda de empregos.

É fundamental para a compreensão desses estudos e para o objetivo aqui

proposto, entender que a questão da racionalização do setor terciário pode ser

entendida pelo fato de que o componente predominante nas atividades de prestação

de serviços é o que Offe chama de “função acauteladora,”(Offe, apud Roggero, Op.

cit) já que todos os serviços têm que ser dotados de maior ou menor disponibilidade,

como algo estabelecido de maneira preventiva, mas que nem sempre é

concretamente utilizado.

Se essa função acauteladora não existisse, a prestação de serviços estaria

ameaçada, o que explica a necessidade estrutural da manutenção de seu

superdimensionamento.

Estabelecida uma analogia com a produtividade industrial, nota-se que os

serviços não acompanham o mesmo conceito de produtividade, devido à sua

disponibilidade excedente e à sua função social de absorção de incertezas, ou seja,

os serviços devem ser prestados quando, onde, como e por quem são demandados,

e não há parâmetros absolutos para medir ou prever tal demanda.

Outro aspecto que o diferencia do setor industrial, diz respeito às questões de

mercado de trabalho e rendimento do trabalho, cujo valor só se realiza quando da

sua utilização pelo consumidor. Entretanto, a freqüência de utilização não possui

instrumentos de controle pela organização da prestação de serviços. Por razões

estruturais, portanto, o resultado dos serviços, na maior parte das vezes, sequer é

conhecido. Em decorrência disso, uma vinculação da remuneração desses trabalhos

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125

às suas competências, como no caso da gestão do trabalho por competências, não

só feriria os critérios estabelecidos de justiça social, como também – e

principalmente – teria graves conseqüências quanto à capacidade de funcionamento

da produção do serviço, já que a incerteza da demanda por trabalho na sua

prestação seria descarregada sobre as pretensões de renda dos indivíduos.

O desenvolvimento do setor terciário, nas sociedades capitalistas industriais

avançadas, embora se atrele aos interesses, afasta-se da lógica da produção de

bens, apresentando uma composição interna também diferenciada. Ainda de acordo

com Roggero, Offe define essa composição a partir das especificidades sócio-

estruturais da prestação de serviços, classificando-os em: serviços comerciais,

serviços internos à organização e serviços públicos e estatais.

Os serviços comerciais são prestados por empresas autônomas que se

encarregam de gerá-los e vendê-los comercialmente, e estão submetidos às

decisões do consumidor quanto ao tipo, momento e local da prestação do serviço.

Os serviços internos à organização consistem nas atividades realizadas no

interior das empresas produtivas, voltadas ao preenchimento de funções

necessárias ao acompanhamento do processo de produção.

Os serviços públicos e estatais dependem de decisões políticas - que

abrangem premissas da economia de mercado, por um lado, e necessidades de

utilização, por outro - quanto à sua alocação e valor de uso.

Embora não apresente, por princípio, um consumo monetário rentável, a

demanda por serviços não pode ser negligenciada por estar ligada às estruturas

formais da vida social (transportes, saúde e educação, por exemplo). Isso faz com

que os serviços sejam determinados pelos critérios econômicos empresariais que os

geram e pela sistematicidade da demanda de sustentação do ordenamento.

Nesta análise, Roggero mostra que Offe identifica três aspectos funcionais,

típicos do desenvolvimento do setor terciário: as funções para clientes da produção

de serviços, as funções para a força de trabalho no setor de serviços e as funções

para a estrutura de conflitos políticos. As funções para clientes são decorrentes da

defasagem da produtividade, que ameaça a rentabilidade ou a base financeira do

trabalho em serviços. Dessa forma, transfere-se aos consumidores os custos

relativos mais elevados, numa estratégia de "externalização", inserindo-os, desse

modo, na produção dos serviços. A reorganização do comércio varejista no sentido

do auto-serviço, as atividades de manutenção e conserto por conta própria de

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eletrodomésticos, automóveis, etc., o recolhimento de encomendas transportadas

pelos correios por conta do destinatário, entre outros, são exemplos desse tipo de

função, cujo custo é absorvido pelo cliente ou consumidor.

As funções para a força de trabalho no setor de serviços relacionam-se,

basicamente, aos requerimentos atitudinais, como lealdade ou dedicação,

solicitados dos empregados como necessários ao controle de situações não

burocratizadas de trabalho.

As funções para a estrutura de conflitos políticos estão ligadas a um

movimento cíclico e constante entre privatização e estatização na organização da

oferta de serviços, considerando que sua produção organizada pelo Estado não

representa uma alternativa para a oferta comercial, porque os modos da produção

de serviços e os critérios de racionalidade econômica e político-administrativa

privados e estatais, embora diferentes, mantêm um certo grau de dependência entre

si.

Zarifian99 identifica que estaria havendo uma evolução convergente entre a

industria e os serviços: “o setor industrial descobre e incorpora a noção de serviços,

o setor dos serviços industrializa seus modos de funcionamento”.

Entretanto, Roggero (Op.Cit) adverte que as relações entre os setores

secundário e terciário não se dão de maneira tão linear ou mecânica, tendo em vista

o aspecto relacional que caracteriza, em geral, as atividades que compõem esse

último. Devido a esse caráter relacional, questões como persuasão e até coerção

entram em jogo no processo interativo entre quem oferece e quem procura

determinados tipos de serviços.

Esse dado sugere rever o significado que determinados aspectos têm para a

qualificação da força de trabalho do terciário, porque assim como suas atividades

são marcadas pela heterogeneidade e pela complexidade, a qualificação

demandada por essas atividades também guarda alterações significativas na

compreensão das relações sociais no trabalho.

No entanto, Zarifian (Op. Cit.) considerando o interrelacionamento da indústria

com os serviços, propõe o desenvolvimento de um novo conceito para incorporar

este: a noção de produção industrial de serviço que é definida da seguinte forma: “O

serviço é uma organização e uma mobilização, o mais eficiente possível, de recursos

99 ZARIFIAN, Philippe. Relação de serviço - Produção e avaliação. São Paulo: Editora Senac, 2001. p. 69

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para interpretar, compreender e gerar a mudança perseguida nas condições de

atividade do destinatário do serviço.” Nesse sentido é também:

∗ Um processo que transforma as condições de existência de um indivíduo ou

organização;

∗ Atuante sobre as condições de uso ou de vida do destinatário;

∗ Responde as necessidades e expectativas dos indivíduos de uma maneira

julgada, por eles, positivamente; e

∗ Produz um julgamento sobre a qualidade do efeito do serviço sobre a sua

situação de vida.

Esse conceito poderia ser aplicado tanto para a indústria quanto para os

serviços, que mantêm uma relação direta com a transformação: os serviços de

saúde, por exemplo, têm por objetivo transformar as condições de saúde da

população, os serviços telefônicos buscam transformar as condições de

comunicação.

Encontra-se, portanto, implícito na concepção de produção industrial de

serviço, o conhecimento das expectativas e necessidades dos clientes/usuários de

forma que os serviços prestados possam, efetivamente, fornecer as respostas

esperadas.

Nesta convergência entre indústria e serviços, confrontam-se duas lógicas

diferentes: a primeira origina-se da produção industrial nos moldes fordistas (a

racionalização dos custos ou a lógica da eficácia definida por Offe), e a segunda

origina-se na lógica de serviços, onde desenvolver soluções é o ponto de partida

para quaisquer produções. Nesta lógica, o cliente assume um papel muito

importante, dado que cabe a ele realizar o julgamento de qualidade quanto ao

serviço recebido.

Assim, enquanto a referência estratégica do trabalho na produção industrial

consiste na apropriação e transformação da natureza para produzir a riqueza social

e sua racionalidade se objetiva em critérios de eficiência e eficácia, a referência

estratégica do trabalho em serviços é a garantia do ordenamento institucional e das

demais condições funcionais para o andamento do trabalho na produção, e sua

racionalidade é determinada pela garantia quanto à prevenção de efeitos

perturbadores ao processo produtivo.

A chave da eficiência do serviço se daria na maneira como se combinam

essas duas lógicas nas diferentes instâncias de produção dos serviços. Zarifian (Op.

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Cit.), considera três destas instâncias ou universos presentes nas indústrias e nos

serviços:

a) O universo da concepção de novas tecnologias e de novos produtos ou serviços

(neste universo encontrar-se-ia um grande número de pesquisadores e pessoal de

qualificações mais altas)

b) O universo dos grandes sistemas técnicos, assegurando a produção material

destes produtos ou serviços (as fábricas na indústria, as unidades técnicas em

serviço); neste concentra-se um elevado percentual de pessoal de nível técnico; e

c) O universo da relação direta com o cliente ou usuário, que permite o contato direto

com o público (as agências comerciais e redes comerciais), concentrando o pessoal

de venda e suporte.

A organização do trabalho em cada um desses universos é diferenciada, com

seus ofícios profissionais próprios e necessidades de produção específicas. O

primeiro e segundo universos estão mais sujeitos ao processo de racionalização

típica do fordismo ou pós-fordismo, o qual pode ser mais intensificado graças à

utilização das tecnologias de informação, permitindo a redução dos custos. Já no

terceiro universo a lógica que tem predominado é a desconcentração e

descentralização, com multiplicação das unidades comerciais assegurando a

proximidade com os clientes e acrescentando conhecimentos sobre seus hábitos,

usos locais dos produtos e serviços, permitindo, assim, o desenvolvimento de

estratégias locais de venda adaptada.

Esse duplo movimento pode ser observado em vários serviços, sendo que os

bancos são paradigmáticos: concentram-se a parte de processamento, gestão e

descentralizam as agências, chegando à proposta de uma agência na casa de cada

cliente, via Internet.

Para Zarifian100, a competência humana profissional se revela decisiva na

eficiência de uma produção de serviço, pois é preciso interpretar e compreender as

expectativas do cliente-usuário quanto aos resultados a ser gerados. Para este

autor, também é preciso ter acesso ao conhecimento da atividade do destinatário

para agir com pertinência sobre as condições de execução dela. Seria, pois, nessa

interação social que se situa a especificidade da atividade e da responsabilidade

humana e nenhum maquinário poderia substituí-la.

100 ZARIFIAN, Philippe. Op. cit. 2001. p. 119

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Nessa linha, ele afirma que visualizar e conhecer a atividade do cliente-

usuário; interpretar e compreender; desenvolver as condições de compreensão;

produzir uma solução; e gerar a transformação são situações em a competência

profissional exerce um papel decisivo.

Assim, as competências do profissional do terciário se ancoram na

capacidade de ação, como amálgama das estratégias de cuidados preventivos

racionais dos trabalhos em serviços, é preciso conceder uma certa autonomia ao

empregado, a quem caberá decidir o que fazer diante dos imprevistos. Essa é mais

uma diferença existente entre o trabalhador da indústria tradicional e o trabalhador

em serviços, além de ser um fator que complexifica as relações, no âmbito de

qualquer atividade do setor.

Roggero (Op. Cit) chama a atenção de que pode ser válida a hipótese de que

o setor terciário guarda uma racionalidade que interessa ao capital do ponto de vista

de revisão, manutenção ou alteração dos conteúdos culturais das sociedades.

Desse ponto de vista, não importa o quanto tal setor possa ser economicamente

rentável – até porque a produção de bens continua sendo –, o que importa é que ele

se mostra útil às transformações culturais que possibilitem a produção e reprodução

do capital.

Nesse sentido, conforme as observações da autora citada, a formação

profissional no contexto do desemprego se encaixa nessa perspectiva, quando se

observa que os profissionais considerados desqualificados pelo mercado, que não

oferece mais postos de trabalho nas atividades para os quais estavam preparados,

são instados a se requalificarem. Entretanto, não há novas demandas por uma

qualificação específica, mas sim novos requisitos de qualificação que colocam em

pauta aspectos predominantemente atitudinais, em substituição à demanda por

preparo técnico para o exercício de determinadas funções, como no modelo de

desenvolvimento anterior.

Vale também destacar que a prestação de serviços está sempre relacionada

com atividades que garantam condições sociais normais. A questão da normalidade

– como objeto do trabalho em serviços – é entendida como estando sujeita não só a

um critério de qualidade, que se refere à individualidade e peculiaridade da situação,

mas também subordinada a determinadas regras, critérios, concepções de ordem e

valores em geral. Isso torna o sucesso do trabalho em serviços dependente de um

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tipo de equilíbrio, conseguido mediante adaptação recíproca, entre a peculiaridade

do caso e a generalidade da norma referencial.

Esse argumento leva à compreensão de que o trabalho em serviços seja

encarado como trabalho sintetizador, trabalho mediador ou trabalho normalizador,

por estar situado entre a racionalidade de intermediação e a racionalidade técnica da

economia industrial.

Essa abordagem sustenta que o crescimento do terciário se justificaria pelo

crescimento da necessidade de serviços relacionados às funções sintetizadoras e

normalizadoras dos sistemas sociais, que necessitam concentrar-se em "papéis

especializados de trabalho".

Daí, de acordo com Roggero, pode-se observar:

- que a expansão dos trabalhos em serviços representa... a satisfação da

demanda continuamente renovada de funções de intermediação de

todos os tipos (comércio, serviço de informações, proteção policial e

militar, justiça, bancos, seguros). Nesta argumentação sobre a

complexidade orientada pela demanda é característico que o

crescimento das funções terciárias... [se dê por] um processo que ocorre

simultaneamente com o desdobramento do modo de produção industrial

capitalista, apresentando-se até mesmo, em parte, como condição prévia

dele;

- que a relação de concorrência, associada ao risco permanente de

sobrevivência econômica, leva as diversas unidades econômicas a

instalar quadros de serviços, que perseguem a finalidade estratégica da

percepção, absorção e prevenção dos riscos condicionados pela

concorrência;

- que o conflito entre o trabalho assalariado e o capital exige esforços

permanentes de regulação e controle, tanto no nível da organização

como no estatal;

- que a execução destas tarefas no quadro de estruturas sociais

capitalistas só é imaginável na forma especial de monopólios de

competências.

As abordagens existentes para explicar o crescimento do setor de serviços,

apesar de conterem uma lógica aplicável a certas situações e circunstâncias, são

insuficientes quanto à abrangência de aspectos sociológicos macro e

microorganizacionais, o que mantém a dimensão de complexidade teórico-

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metodológica para a compreensão do terciário e da diversidade das relações de

trabalho que ali se travam.

No entanto, de uma forma geral, Zarifian, (Op. cit) nos fornece interessantes

pistas sobre a importância da competência humana na racionalidade do setor

terciário. Mas, como o movimento do real demonstra que este setor está muito mais

ancorado na lógica da produção industrial nos moldes fordistas (a racionalização dos

custos ou a lógica da eficácia definida por Offe), do que na perspectiva de

desenvolver soluções, o movimento que ocorre no setor nega, pelo menos no caso

por nós apreendido, esse direcionamento à competência humana, conforme se verá

a partir das mudanças organizacionais operadas no comércio varejista.

3.2. Mudanças organizacionais no terciário - o caso do comércio varejista

Quanto as mudanças organizacionais ocorridas no interior do terciário, vamos

nos deter a destacar as principais que se observa no comércio varejista, por ser este

setor que agrega a ocupação de vendedor, a mais demandado no nosso

levantamento de dados sobre as ocupações mais requeridas pelo terciário de

Fortaleza.

Várias mudanças de natureza organizacional e a introdução das novas

tecnologias de informação ocorreram no comércio varejista, em particular nos

grandes magazines e nos supermercados, provocando uma profunda transformação

nesse setor da economia. A introdução do auto-serviço no setor modificou de forma

profunda as estratégias e as técnicas de comercialização bem como a organização

do trabalho. Assim como a introdução das novas tecnologias de informação

provocou alterações marcantes nas rotinas dos serviços e na logística das

empresas. Tal processo de mudanças teria tido continuidade, conforme nos mostra

Trindade101, numa nova etapa: a terceirização como coroamento de um projeto que

busca a racionalidade dos processos e a economia de custos como metas

indispensáveis para manter-se no mercado.

A estrutura organizacional dos grandes magazines, assinala Trindade (Idem),

tradicionalmente consistia de vários departamentos que funcionavam como

pequenos negócios. Cada uma dessas repartições era gerenciada por uma pessoa

101 TRINDADE, J.T.P. , SEGRE, L.M. Inovação tecnológica no setor de serviços: o caso da grande distribuição. In: ENGEPI, XV / CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENGENHARIA INDUSTRIAL, I, Anais... São Carlos: UFSCar, 1995. v.2, p. 765-769.

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132

(o vendedor) que desenvolvia uma série de tarefas relativas a esse espaço. Entre

outras, era responsável por: pedidos; recebimento e exposição das mercadorias;

promoções de todo gênero; controle do caixa e livros contábeis e a organização do

trabalho. Essa forma de organização dava ao vendedor toda a responsabilidade na

gestão de vendas. Além do que o formato de venda assistida obrigava-o a um

contato estreito com o cliente, bem como com o fornecedor, já que era responsável

também pelo aprovisionamento as mercadorias.

Com as mudanças de natureza organizacional seguidas pela introdução das

tecnologias de informação que levaram à automação de todas as operações

comerciais, modificou-se gestão de trabalho desse profissional.

A centralização das decisões e as mudanças na estrutura de vendas

acabaram com o modo de organização do trabalho até então vigente. A grande

novidade foi a introdução do auto-serviço substituindo a modalidade de venda

assistida ao cliente. A justificativa para tais alterações foi de natureza econômica:

para poder continuar competitiva no mercado a empresa precisava baixar custos e o

auto-serviço foi uma das soluções adotadas. A partir daí as grandes lojas passaram

a estruturar-se em semelhança a um supermercado: ao invés dos vários caixas

espalhados pelos departamentos, foi instalada uma barreira de caixas na saída da

loja para onde os clientes levam as mercadorias escolhidas e efetuam o pagamento,

sem contato ou interferência de ninguém. Assim, a venda assistida foi quase que

completamente eliminada neste tipo de organização.

Em outras grandes lojas vai também se observar também que ao invés do

layout estilo supermercado foi adotado o sistema de ilhas, que funcionam da

seguinte maneira: no interior de dois ou três setores colocaram uma, duas ou três

caixas, de acordo com o ponto de maior ou menor importância da loja, como é o

caso das Lojas Americanas e C&A. Isso também alterou mais uma vez o modo de

trabalho, pois no caso das ilhas, o responsável fica num ponto focal onde, além do

serviço de caixa, desenvolve também outros trabalhos. Como não é um caixa fixo,

eventualmente tem que se ausentar para prestar algum serviço ao cliente.

Os impactos e as conseqüências dessas mudanças de natureza

organizacional e a introdução das novas tecnologias de informação repercutiram

fortemente na profissionalidade dos vendedores, até então considerados gestores

de vendas. Estes foram expropriados de sua profissão, já que sua qualificação era

desnecessária na nova realidade. Passaram a ser "simples operários de venda",

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mesmo no caso da adoção do sistema de ilhas, em lugar do auto-serviço puro.

Numa certa medida tal sistema proporcionou um retorno à multifuncionalidade que

tinha o vendedor no antigo sistema. Entretanto agora essa multifuncionalidade

tornara-se pobre, fora destituída das responsabilidades e criatividade pelo sistema

informático implantado juntamente com as mudanças organizacionais.

A inovação tecnológica proporcionou a centralização das decisões. A gestão

e a logística passaram das mãos do vendedor para a direção centralizada da

empresa, isso porque com a implantação dos terminais de ponto de venda (caixas

eletrônicos ligados à rede de computadores) juntamente com a identificação das

mercadorias por códigos em barras para leitura óptica, as informações, que antes

eram de domínio do vendedor passaram a ser manipuladas pelo sistema informativo

computadorizado. Através de cruzamentos das informações de todos os sistemas

(vendas, compras, contabilidade, pessoal, estoques, etc.) é possível ter o domínio

da situação: planejar, gerir de forma centralizada. Tal centralização acabou também

por eliminar uma das funções importantes do vendedor de outrora: o contato com o

fornecedor. Hoje trabalha-se de forma centralizada, com base em relatórios emitidos

pelo sistema de controle de vendas e de estoques.

Vale destacar que a incorporação de novas tecnologias pode se dar numa

visão antropocêntrica ou numa perspectiva tecnocêntrica102. A primeira implica o

esfacelamento da estrutura básica do processo produtivo taylorista-fordista, leia-se

a superação do parcelamento das ocupações em tarefas. Numa perspectiva

tecnocêntrica, ao contrário, a introdução das inovações tecnológicas não traz

consigo alterações na organização do trabalho. A perspectiva tecnocêntrica,

portanto, supõe a implementação de avanços tecnológicos sem modificar o padrão

de trabalho e sem incentivar o investimento na ampliação da base educacional e no

aprendizado continuado. Conforme enfatiza Deluiz,103 disto resulta a expansão do

controle técnico sobre o conteúdo e o ritmo do trabalho.

No que tange as análises da introdução das tecnologias de informação no

terciário brasileiro, constata-se que isso aconteceu, como era inevitável, porém sem

grandes preocupações por parte da empresa de preparar adequadamente seu

pessoal (talvez porque na verdade nem se julgasse absolutamente necessário).

102 SENAC/Departamento Nacional. A nova concepção de Formação profissional do Senac. In Boletim Técnico do Senac. n.21. maio/ago. 1995 103 DELUIZ, Neise. Mudanças no conteúdo do trabalho do setor terciário: implicações para a educação. Boletim tëcnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 19, n.2, maio/ago. 1993. p. 12

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Ensinou-se o básico, o essencial para que as informações fluíssem proporcionando

um controle centralizado maior da organização por parte da direção. Nada que

incluísse um bom entendimento das mudanças pelas quais a empresa estava

passando.

Claramente, a transferência de funções desenvolvidas pelo trabalhador para o

aparato tecnológico acarretou um empobrecimento daquele trabalho de venda e

gestão dos espaços. Por outro lado, isso não significou também que o aparato

tecnológico tenha eliminado por vez a ocorrência de problemas. Por conta de certa

rigidez do sistema, existem problemas no tratamento das informações de vendas

que muitas vezes podem falhar. Tal rigidez é notada nos casos de ocorrência de

vendas extraordinárias e também quanto ao formato fixo de pedido de reposição de

mercadorias. São sistemas que funcionam bem se tudo estiver dentro de um padrão

de normalidade. Pequenos desvios quebram o frágil equilíbrio do sistema, o que não

aconteceria se houvesse possibilidade de interferência do pessoal de vendas.

Por outro lado, a automação dos sistemas de frente de caixa proporcionou

que se conhecesse o resultado das vendas diárias e o desencadeamento de

pedidos sem interferência do profissional de vendas. Mas isso, às vezes, leva a

procedimentos errôneos, por causa de erros na digitação das entradas e furtos

dentro da loja, provocando refornecimento de mercadorias existentes e não

refornecimento de mercadorias que faltam. Daí o entendimento de que a introdução

das tecnologias sem o devido envolvimento dos trabalhadores não é o melhor

sequer para a empresa, pois, se os espaços fossem geridos pelas vendedoras como

era antes, certamente esses problemas seriam evitados.

Quanto à questão da terceirização, que é outra grande alteração que está se

processando no interior das grandes lojas de magazine, a qual consiste na cessão

de espaços dentro da loja para terceiros, mais uma vez contribui para o objetivo da

empresa em buscar alcançar a tão perseguida “sobrevivência” frente às novas

exigências do mercado competitivo.

Esse processo de terceirização consiste na empresa ceder um espaço, na

forma de aluguel, no interior de sua loja, para que uma outra empresa instale ali um

posto de venda de seus produtos. O espaço é gerido autonomamente pela empresa

contratante. Isso inclui a contratação de pessoal, a organização da jornada de

trabalho, a remuneração, etc. As regras contratuais são diferentes do restante do

pessoal da loja, embora desempenhe funções semelhantes.

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A política de terceirização no interior desse tipo de loja, conforme Trindade

(Ibidem) observa, vai servir a quatro propósitos: economia de custos (diminuição do

pessoal orgânico e publicidade por conta da empresa terceira); fragmentação na

organização dos trabalhadores (os contratos diferenciados a que são submetidos os

trabalhadores terceirizados, já que não pertencem à categoria do comércio e sim

àquela de origem da empresa terceira, o que acaba por quebrar a unidade do

trabalho na organização); a imagem (o nome da empresa é utilizado nos produtos

vendidos nos espaços alugados, portanto, sua imagem está sempre ligada a tais

produtos em qualquer campanha de marketing dos mesmos); custo zero para a

empresa (alugar espaços significa uma receita segura, praticamente sem riscos).

A sanha da competitividade observada no comércio varejista tende a

reafirmar as regras do jogo no panorama econômico mundial. Nessa alteração,

defende-se que o perfil do profissional recrutado, tende igualmente a modificar-se

pela exigência de profissionais melhor qualificados.

Nesse sentido, não é a tecnologia determinante de maior ou menor

qualificação profissional, mas sim o modo como ela é apropriada pelas empresas:

É a forma como o trabalho é organizado para absorver as novas tecnologias

que determina a demanda por trabalhadores com capacidade de julgamento

e iniciativa ou por trabalhadores envolvidos em atividades rotineiras,

mecânicas ou destituídas de significado. (SENAC/Departamento Nacional

apud Zibas. Op. cit)

Diante dos apelos que são feitos a educação profissional para adaptar suas

ações educativas às mudanças ocorridas no mundo do trabalho no sentido de

formar as aptidões necessárias aos empregos dos setores produtivos, situa-se a

nossa preocupação com a adequação das ações do Senac às exigências feitas pelo

terciário ao perfil do trabalhador.

Isso porque o que percebemos a partir da análise que acabamos de fazer é

que mesmo havendo um espaço por excelência no terciário, de manifestação da

competência humana, as formas que assume a gestão do trabalho no interior da

produção de serviços neste setor, esvaziam o trabalho de conteúdo e se apegam

muito mais a um “saber ser” espúrio, que não perturbe a lógica da economia dos

custos para otimizar o lucro.

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136

Nesse sentido, é concorrente a ressalva de Hirata, citando Lerolle (1994:129),

de que a referência às aptidões pessoais necessárias aos empregos não é

certamente uma novidade. Parece entretanto, que a parte destas capacidades

gerais e mal-definidas tende a crescer com a aceleração das variações da

organização e das distribuições (de cargos). Quanto menos os empregos são

estáveis e mais caracterizados por objetivos gerais, mais as qualificações são

substituídas por ‘saber ser’” (Lerolle apud Hirata)

3.3. Relações do currículo por competência com o perfil do trabalhador do terciário em Fortaleza

3.3.1. A mudança do trabalho por setores e na composição organizacional

Neste ponto, faz-se necessário, para o nosso objeto de análise, entender com

mais profundidade que características assumem as formas de trabalho diante as

mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho terciário Fortalezense.

Assim, nos deteremos mais a buscar captar as contradições que estão em

seu cerne, apontando possíveis tendências do tecido produtivo e das formas de

trabalho que ali se realizam na perspectiva de compreender como se forja hoje o

perfil do trabalhador demandado por esse setor em Fortaleza, para estabelecer o

confronto entre essa demanda e o perfil profissional que o Senac volta-se a formar.

De acordo com Piquet (Op. Cit), a controvérsia sobre os efeitos decorrentes

do processo de modernização empresarial sobre o perfil da mão-de-obra não

constitui fato novo. É sabido que a introdução de novas práticas produtivas vêm

acompanhadas por uma nova base de conhecimentos para o exercício do trabalho,

o que provoca alterações na estrutura de emprego, no padrão de remuneração e no

perfil da demanda por mão-de-obra.

As sociedades do mundo desenvolvido experimentaram nas últimas décadas

o processo de transferência de emprego das atividades produtoras de bens

materiais para as que provêem bens imateriais ou serviços. Esse crescimento do

setor terciário, que chega a empregar entre metade a dois terços de trabalhadores,

segundo o país ou região, passa a ser considerado um indicador positivo do

progresso econômico e da evolução para uma sociedade do bem-estar, conforme já

se mostrou nesse trabalho, a partir da análise da teoria da sociedade pós-industrial.

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137

Essas teorizações que associam o crescimento do setor terciário ao

desenvolvimento econômico, são fortemente contestadas, conforme já se mostrou,

por serem incapazes de dar conta dos diferentes processos que convergem para o

crescimento acelerado dos serviços.

De fato, o crescimento dos serviços nos países pouco desenvolvidos ocorre

num processo em que o terciário atua como um setor refúgio, capaz de absorver os

excedentes de mão-de-obra, mediante a expansão de atividades pouco

capitalizadas e de baixa produtividade, com ocupações pouco qualificadas e de

escassa retribuição, como é o caso do comércio varejista, dos serviços pessoais e

domésticos, entre outros bastante comuns no tipo de países acima referidos que

apresentam graves problemas de emprego.

No comportamento do emprego, vamos perceber que em Fortaleza, a

categoria que mais cresce é o emprego de baixa qualificação, com escassas

exigências de formação, de caráter precário ou autônomo.

Segundo Piquet (Op. cit), algumas grandes áreas metropolitanas, tanto dos

países centrais quanto dos periféricos, não são apenas centros de funções

econômicas de alto nível, mas igualmente, centros que vivem do trabalho

clandestino e mal-remunerado, alimentados por uma mão-de-obra minguante. Em

conseqüência, a autora demarca que, dentro das áreas metropolitanas coexistem

mudanças contrastantes e espaços que evidenciam trajetórias opostas: a espaços

fabris degradados se contrapõem novas paisagens empresariais de fisionomia

bastante diferenciada da tradicional.

Portanto, ela vai demarcar que as mudanças do seio produtivo, apreendidas

globalmente, afetam o mercado de trabalho como um todo e repercutem na

estrutura das ocupações – alguns postos de trabalho deixam de existir, enquanto

outros são criados – repercutindo também sobre a qualificação dos trabalhadores.

No estudo realizado por esta autora, sobre o comportamento do emprego

formal em quatro regiões metropolitanas brasileiras, entre elas Fortaleza, visando

indicar o sentido do trabalho e da evolução do emprego e da estrutura ocupacional

nessas metrópoles, destacaremos as informações referente a Fortaleza, por ser o

locus do nosso objeto de estudo, comparado ao Brasil como um todo, a fim de

melhor compreendermos as transformações operadas neste mercado de trabalho.

No quadro 1, podemos observar o comportamento do emprego formal na Região

Metropolitana de Fortaleza e no Brasil, conforme os dados a seguir:

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138

Quadro 1 - Postos de trabalho por setores da atividade econômica em Fortaleza e no

Brasil e variação absoluta e percentual dos postos de trabalho

RM Fortaleza Brasil Variação RM

Fortaleza

Variação Brasil

Setores da Atividade

Econômica

1989 1998 1989 1998 Absoluta % Absoluta %

Extrativa Mineral

Indústria de Transformação

Serviços Industriais de Utilidade

Pública

Construção Civil

Comércio

Serviços

Administração Pública

Agropecuária, Extração vegetal,

Caça e Pesca

Outros

1.295

89.970

6.945

21.680

54.756

116.029

120.132

6.144

5.609

921

85.969

5.449

24.897

63.378

144.998

131.967

5.463

107

149.264

6.151.639

315.006

1.078.332

3.165.017

6.997.232

5.539.313

385.967

704.738

104.956

4.476.380

311.894

1.139.957

3.759.970

7.828.335

5.853.155

1.008.925

8.063

-373

-4.001

-1493

3.217

8.622

28.969

11.835

-701

-5.502

-28,88

-4,45

-21,51

14,84

15,75

24,97

9,85

-11,37

-98,09

-44.308

-1.675.259

-3.112

61.625

594.953

831.103

313.842

622.958

-696.720

-29,68

-27,23

-0,99

5,71

18,80

11,88

5,67

161,40

-98,86

Total 422.577 463.149 24.486.553 24.491.635 40.572 9,60 5.082 0,02

FONTE: RAIS, MTb. Tabulação Rosélia Piquet

Os dados analisados mostram que a indústria de transformação, no período

enfocado, perde importância como mercado de trabalho do Brasil como um todo,

porém

“Fortaleza é a única região metropolitana do país que mostra menor

queda na oferta do emprego industrial e que apresenta incremento geral

na oferta global de postos de trabalho” (Piquet, ibidem).

De acordo com Piquet, esse desempenho favorável é associado ao fato de

que o Ceará insere-se entre os estados que mais se desenvolveram no país. De

1990 para cá, o Estado do Ceará tem apresentado crescimento de 6,5% ao ano,

índice este superior a mais do dobro da média nacional. Para a autora:

A crescente busca de competitividade internacional assumida pela

política econômica brasileira transformou o Ceará em excelente opção

locacional, pois para quem quer exportar são menos três dias de navio

até a Europa ou aos Estados Unidos, em comparação ao Sul. Além do

mais, os baixos custos salariais vigentes em todo o Nordeste, vêm

funcionando como grande atrativo aos setores que empregam mão-de-

obra de forma intensiva. Não por acaso o Ceará constitui o segundo

parque têxtil do país, responsável por 17% da produção nacional, e para

quem se instala no interior há ainda o benefício de prazos mais largos

para o recolhimento do ICMS.

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139

O crescimento do Estado, baseado em indústrias tradicionais e em baixos

salários, do modo como vem-se realizando, leva alguns críticos a afirmar que no

Ceará só se cria emprego de salário mínimo. Um estudo realizado por Moreira104,

nos mostra o caso do trabalho cooperativado, (neste tipo de trabalho, é alimentada

no trabalhador a falsa ilusão de que ele trabalha para si próprio e não para a

indústria) que é comum no Estado, onde juntamente com os baixos salários se

concretizam relações de trabalho extremamente degradantes devido ao fato de que

esses trabalhadores não têm muita escolha entre se submeter a tais condições de

trabalho ou não, pois, a obtenção de meios de vida é para ele ou ela inseparável da

aceitação da exploração de seu trabalho.105 Assim é que aceitam trabalhar por

menos do que um salário mínimo, sem carteira assinada, sem proteção aos riscos

de acidentes, sem férias, sem direito a faltar em caso de doença, nem mesmo

mediante à apresentação de atestado médico, sendo que os critérios disciplinares

são extremamente arbitrários, conforme de pode ver:

1ª falta - Perde um dia de remuneração mais multa de 20%

2ª falta - Perde dois dias de remuneração mais multa de 30%

3ª falta - Perde três dias de remuneração mais parcela fixa, ficando sujeito à

exclusão.

No entanto, nos chama a atenção Piquet para o fato de que como as fábricas

instaladas são novas, modernas e mais produtivas, o estado garantirá alguma

vantagem no cenário competitivo atual.

Também analisando-se os dados do quadro 1, é perceptível que o setor de

serviços tem apresentado o maior crescimento entre todos os setores no estado, o

que é também observado em todo o país, ainda mais se lhe agregar os dados do

setor de comércio, teremos um total de 35.591 novos postos de trabalho no período.

Este acréscimo é superior às quantidades das perdas observadas na indústria,

contrariamente ao que acontece no Brasil como um todo.

Esse dado confirma a tendência observada sobre o crescimento dos serviços

nos países pouco desenvolvidos, sobre a expansão de atividades pouco

capitalizadas e de baixa produtividade, com ocupações pouco qualificadas bastante

104 MOREIRA, Maria Vilma Coelho. Cooperativismo e Desenvolvimento, In Globalização e Mercado de Trabalho no Estado do Ceará. Fortaleza: Ed. Unifor, 1999. 105 Para Enguita, esse trabalhador, por outro lado, sabe que a conservação de seu posto de trabalho depende de maneira direta (dada a possibilidade de demissão) e indireta (dado o risco de quebra da empresa) de sua produtividade. Sabe também, ademais, que a obtenção de meios de vida é para ele ou ela inseparável da aceitação da exploração de seu trabalho, em comparação, por exemplo, com a posição do servo, que pode trabalhar intensamente para si e não fazê-lo para o senhor.

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140

comuns nos países em desenvolvimento que apresentam graves problemas de

emprego, bem como a afirmam a coexistência de mudanças contrastantes e

espaços que evidenciam trajetórias opostas de ocupações, conforme se vai observar

no destaque a seguir.

Quanto à estrutura ocupacional na região Metropolitana de Fortaleza, o

estudo realizado por Piquet nos oferece dados sobre o emprego, segundo sua

classificação por ocupação, conforme se pode observar no quadro 2:

Quadro 2- Distribuição das ocupações* no total dos setores da atividade econômica e

suas variações absolutas e percentuais na RM de Fortaleza e no Brasil no período de

1989 a 1998

RM Fortaleza Brasil Variação RM

Fortaleza

Variação Brasil

Grupos ocupacionais 1989 1998 1989 1998 Absolut

a

% Absoluta %

Técnicos

Gestão superior

Administração

Compra e venda

Atividades de apoio

Produção

Ignorado

78.125

5.139

98.249

22.512

51.653

119.345

47.554

72.155

10.390

125.629

29.418

101.137

121.756

2.531

3.414.769

647.664

5.163.693

1.577.980

3.438.261

8.219.510

2.024.676

3.375.557

966.528

5.507.799

2.036.822

5.001.631

6.900.114

703.184

-5.970

5.251

27.380

6.906

49.484

2.411

-45.023

-7,64

102,18

27,87

30,68

95,80

2,02

-94,68

-39.212

318.864

344.106

458.842

1.563.370

-1.319.396

-1.321.492

-1,15

49,23

6,66

29,08

45,47

-16,05

-65,27

Total 422.577 463.016 24.486.553 24.491.635 40.439 9,57 5.082 0,02

FONTE: RAIS, MTb. Tabulação Rosélia Piquet

(*) Critérios utilizados: Classificação Brasileira da Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego, segundo os grandes

grupos:

Técnicos: Grandes Grupos de 0 a 1 da CBO, englobando as profissões científicas, técnicas, artísticas e trabalhadores

assemelhados;

Gestão superior: Grande Grupo 2 da CBO, englobando membros do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, funcionários

públicos superiores, diretores de empresas e trabalhadores assemelhados;

Administração: Grande Grupo 3 da CBO, englobando trabalhadores de serviços administrativos e trabalhadores assemelhados;

Compra e venda: Grande Grupo 4 da CBO, englobando trabalhadores do comércio e trabalhadores assemelhados;

Atividades de apoio: Grandes Grupos 5 e 6 da CBO, englobando trabalhadores de serviços de turismo, hospedagem,

serventia, higiene e embelezamento, segurança, auxiliares de saúde, trabalhadores agropecuários, trabalhadores florestais, da

pesca e trabalhadores assemelhados;

Produção: Grandes Grupos 7, 8 e 9 da CBO, englobando trabalhadores da produção industrial, operadores de máquinas,

condutores de veículos e trabalhadores assemelhados;

Os dados chamam a atenção para o fato de que houve uma grande queda

nas atividades técnicas, significando uma perda de 5.970 postos de trabalho.

Tal fato pode revelar, segundo a análise de Piquet, a substituição do

fenômeno das funções especializadas para funções de múltiplas tarefas, onde na

primeira tendência que ocorre nas empresas organizadas de acordo com os

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141

princípios da gerência científica, as tarefas parciais são distribuídas por funcionários

especializados em desenvolver funções específicas, agrupados em seções e

departamentos separados uns dos outros, requerendo um expressivo contingente de

supervisores, chefes e subchefes, assistentes e gerentes para conferir unidade ao

trabalho atomizado vem agora sendo substituída por processos automatizados da

segunda tendência, na qual são reorganizados e suprimidos postos de trabalho no

“chão da fábrica”.

Um estudo realizado por Teixeira106 nos dá maiores esclarecimentos quanto à

ocorrência de tal fenômeno nas indústrias que passaram por processos de

inovações tecnológicas e organizacionais no Estado, onde de acordo com os dados

analisados pelo autor, numa pesquisa a estas empresas, em 26,92% destas ocorreu

uma diminuição no número de chefias aliada ao aumento de tarefas para os

trabalhadores que permaneceram. Esse aumento se expressou pela incorporação

de antigas tarefas e pela inclusão de novas.

No caso do terciário, tal movimento é melhor esclarecido a partir do estudo de

Almeida (Op. cit) que analisa este setor, no qual é detectado que ocorreu redução

dos postos de trabalho de níveis superiores com a eliminação de algumas diretorias,

enquanto os postos de nível intermediário, como encarregados e supervisores,

foram os mais atingidos, deixando de existir dentro da nova estrutura de cargos. O

fato é indicativo de que a reengenharia se faz presente também no terciário de

Fortaleza, ainda mais porque no processo da economia competitiva, pode-se

constatar o fenômeno de concentração de capitais por parte de concorrentes

estrangeiros e de outros estados de estruturas econômicas mais desenvolvidas.

Quanto à gestão superior, os dados revelam um crescimento de 102,18%

nesta categoria na Região Metropolitana de Fortaleza, o que pode representar

também o incremento da economia competitiva, intensiva de conhecimento, embora

que seja decrescentemente empregadora de mão-de-obra é a mais consistente do

ponto de vista produtivo; com tendência a predominar, por imposição da

globalização crescente. No entanto, dada a complexidade de características desse

grande grupo ocupacional, que engloba membros do Poder Executivo, Legislativo e

Judiciário, funcionários públicos superiores, diretores de empresas e trabalhadores

assemelhados, fica difícil fazer qualquer afirmação mais categórica.

106 TEIXEIRA, Francisco José Soares. Globalização e reestruturação produtiva: Transformações estruturais e relações de trabalho na economia cearense. In Globalização e Mercado de Trabalho no Estado do Ceará. Fortaleza: Ed. Unifor, 1999.

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142

Outro ponto em que os dados nos chamam atenção é no crescimento das

atividades de apoio, o que nos leva a perceber que contrariamente à tendência

anterior de demanda por ocupações modernas mais intensivas de conhecimento,

estas não são o que se poderia chamar de ocupações modernas. Quanto a este

fenômeno, é valida a observação de Paul Singer107 que:

hoje no Brasil o exército de reserva é mais terciário do que industrial e

não se compõe apenas dos que são vítimas do desemprego aberto

(aqueles que estão ativamente procurando emprego), mas dos

socialmente excluídos, que se sustentam por meio de ocupações

precárias e que são candidatos potenciais a empregos no setor formal da

economia.

Neste aspecto, não nos parece adequada a apreensão de que a qualificação

demandada pelo setor industrial, geralmente utilizada como referência para se

pensar a qualificação do trabalhador, possa ser aplicada à formação do trabalhador

do setor de comércio de bens e serviços, pois as tarefas realizadas pela maioria dos

trabalhadores continuam a ser simples. Isso, porém, não nos permite negar que o

terciário não encerra uma racionalidade que comporte as competências

comportamentais humanas, conforme já destacado.

Porém, conforme se pode constatar concretamente na análise dos dados

sobre o estrutura ocupacional na região Metropolitana de Fortaleza, as ocupações

que mais cresceram são as que comportam atividades de natureza mais simples,

onde predominam um tipo de conhecimento que pode ser denominado de prático-

operativo, o qual consiste em habilidades técnicas, como fazer pacotes, colocar ou

dobrar roupas adequadamente, separar mercadorias na hora do empacotamento e

operar caixa, esta última um pouco mais complexa que os exemplos anteriores.

(Almeida, 1997)

De acordo com Maria da Conceição Calmon Arruda, um estudo realizado por

Dugué oferece um diagnóstico que as práticas da competência estariam mais

relacionadas à mobilidade do trabalhador no emprego do que ao conteúdo das

atividades e ao conhecimento formal que este requer. Essa necessidade de

mobilidade funcional explicaria a ênfase em saberes não profissionais: comunicação,

criatividade, capacidade de inovação etc., e sinalizaria um deslocamento em direção

à valorização de "comportamentos úteis à empresa" em detrimento da qualificação

profissional. A autora destaca como ponto positivo do modelo da competência a

107 SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998

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143

valorização da ação do trabalhador, ressaltando, contudo, que ações específicas e

pontuais (situações de trabalho) não representam um terreno fértil para a

sedimentação de saberes, principalmente no que diz respeito aos trabalhadores

menos qualificados, que têm mais dificuldade em "pensar sua ação e sustentar os

comportamentos designados como competentes"

3.3.2. Perfil profissional exigido ao trabalhador do terciário em Fortaleza

Trazendo a presente discussão para o perfil profissional exigido pelo mercado

de trabalho terciário de Fortaleza, fica um tanto complexo se pensar o

desenvolvimento de uma proposta educativa que tanto se paute nas atitudes

comportamentais valorizadas por este setor quanto no pressuposto de coletivizar tal

proposta, uma vez que elementos como não estudar, não ter filhos, ser solteiro, ter

boa aparência, entre outros bastante requisitados neste setor, não nos parecem

adequados para tratamento numa proposta educativa.

A constatação desses atributos requeridos ao trabalhador, nos é favorecida

pela Pesquisa Banco de Dados: Trabalho e emprego através dos classificados108, a

qual analisou as dez ocupações mais demandadas pelo terciário em Fortaleza

durante o ano de 1999 e o perfil profissional exigido pelos empregadores para estas

ocupações.

A composição do Banco de Dados se deu a partir da leitura dos anúncios de

emprego nos jornais de maior circulação nas capitais brasileiras e a seleção para

análise apenas das ocupações do setor terciário. Feita esta seleção, os campos que

compunham o Banco de Dados eram preenchidos.

Esses campos foram criados para possibilitar a aferição de aspectos

fundamentais para a compreensão da dinâmica de transformações das demandas

do mercado de trabalho. Dessa forma, os campos que compunham a base do Banco

de Dados auxiliaram na observação das ocupações que estavam sendo

disponibilizadas, onde verificou-se as mais demandadas e os atributos, ou seja,

aquilo que de um modo geral caracterizam e especificam cada uma dessas

ocupações na compreensão do empregador. Os campos são: ocupação,

especificação, exigências, tarefas e perfil, sendo que destes, o campo exigências

108 Pesquisa desenvolvida pelo Senac que visa acompanhar mensalmente a demanda por ocupações no setor terciário, evidenciadas nos classificados de jornais de 18 capitais dos Estados brasileiros - Dados de 1999. ( Análise de 1.264 registros em Fortaleza)

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144

desdobra-se em outros campos como idade, sexo, escolaridade, experiência,

conhecimentos de informática, salário, referências pessoais, entre outros.

Para o que nos interessa aqui neste trabalho, vamos apresentar os dados

referentes a Fortaleza. Desta capital, foi utilizado o jornal Diário do Nordeste, por

conter mais anúncios de oferta de empregos. As informações referem-se aos

anúncios publicados em um domingo por cada mês, no período de março a

dezembro de 1999.

Para efeitos de tabulação, foram agrupadas as ocupações semelhantes entre

si. As ocupações mais demandadas, em ordem decrescente de freqüência foram,

vendedor (25,47%), cobrador (15,98%), doméstica (5,70%), motorista (4,75%),

costureira (4,27%), gerente de marketing (3,48%), manicura (2,93%), cabeleireiro

(2,37%), cozinheiro (2,29%) e representante comercial (1,90%).

A partir das exigências ao perfil profissional para cada uma dessas ocupações

não foi percebido nenhum indicativo de demandas por um trabalhador de novo tipo

no setor em foco. As exigências mais expressivas nos dados analisados se

configuraram conforme a tabela a seguir:

Tabela 3 - Perfil profissional das ocupações mais demandadas no setor de comércio e

serviços em Fortaleza, 1999

Ocupação Especificação Tarefas Exigências feitas ao

perfil profissional

Vendedor Interno; Externo;

Artigos de

vestuário;

Veículos;

Alimentos; Loja;

Bebidas;

Informática;

Assistência

Médica; Gráfica.

Trabalhar com vendas em geral (internas

e externas), venda a varejo,

telemarketing, vendas nos setores

alimentícios e de bebidas, revendas,

vendas de consórcios e móvéis; Saber

lidar com o cliente em geral; Atuar como

promotor de vendas, em stands, na área

de higiene e limpeza, comercial e gráfica,

Trabalhar com serviços, autopeças e

acessórios para veículos, material de

construção; Trabalhar em supermercados

e lojas;

Gerenciar equipes de vendas; Vender e

conhecer produtos e serviços de

informática.

Dinamismo, boa

aparência,

disponibilidade para

viajar, facilidade de

comunicação, fluência

verbal, ambição, carteira

de clientes, habilitação,

disponibilidade de

horário, possuir telefone,

fax, celular.

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145

Entregador

/

Cobrador

Transportadora;

Pizzaria;

Entrega de

documentos;

Cobrança;

Drogaria;

Mototáxi

Restaurante;

Telentrega;

Vendas;

Prestação de

serviços

Fazer entregas rápidas de documentos,

refeições, pizzas, pastéis, gás, revistas,

jornais e produtos diversos. Atuar como

vendedor, fazer cobranças, coletas e ter

conhecimento em rotina contábil, serviços

gerais e pré-vendas.

Habilitação para moto,

conhecimento das ruas,

dinamismo,

responsabilidade, boa

apresentação, possuir

bip ou celular,

disponibilidade de

horário, disponibilidade

para viajar, comunicativo,

boa redação.

Doméstica Diarista;

Arrumadeira;

Governanta;

Agência de

emprego;

Residência;

Supermercado;

Para trabalhar

com idosos;

Chácara; Casa de

praia;

Pousada.

Fazer todo serviço de casa; Cozinhar;

Lavar; Passar; Cuidar de crianças;

Arrumar;

Fazer Limpeza em geral; Administrar

casa; Acompanhar e fazer serviços

domésticos para idoso;

Cozinhar trivial variado.

Dormir no emprego, não

fumar, gostar de

crianças, cozinhar bem,

não estudar, não ter

filhos, ser caprichosa, ser

responsável, não ter

vícios, solteira.

Motorista Caminhão;

carreteiro;

particular;

diretoria; ônibus;

Classe D;

Entregas;

Ônibus Escolar;

Kombi;

Manobrista.

Fazer serviço de entrega; Trabalhar em

ônibus; Dirigir caminhão, carro particular,

coletivo; Dirigir para a diretoria; Caminhão

Mercedes; Trabalhar em transportadora,

distribuidora de bebidas e em construção

civil.

Possuir habilitação D,

possuir habilitação E,

aposentado, possuir

habilitação C,

Disponibilidade para

viagens, boa

apresentação, Possuir

habilitação B,

disponibilidade de

horário, dinamismo,

habilitação.

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146

Costureira Overloquista;

Colaretista;

Arrematadeira;

Retista; Cortador;

Galoneira;

Bordador; Auxiliar

de costura;

Modelista;

Bracista;

Acabadeira.

Experiência em alta costura, sapataria,

arremates, bordados a mão e máquina

(pedraria); Tirar medidas, modelagem,

corte e costura, Conserto de roupas

finas; Moda jovem; íntima; infantil e

outras; Conhecimento em pesquisa de

moda e tecidos.

Dinamismo, capacidade

de produção, não

fumante, rápida, diarista,

eficiente, disponibilidade

de horário, facilidade de

contato com o público,

caprichosa, organização,

saber inglês.

Gerente de

marketing

Assinaturas de

jornais, revistas e

TV; Assistência

Médica; Material

de Informática;

Produtos de

limpeza e

descartáveis;

Empresa de

informática;

Empresa de

prestação de

serviços; Escola

de Informática;

Gráfica;

Alimentos em

geral.

Atuar como operador ativo e passivo

com conhecimento em marketing,

pesquisa, comercialização direta,

rotinas administrativas de vendas,

contabilidade, departamento pessoal,

cobrança e negociação; Experiência na

função e conhecimento de todo o

produto a ser vendido; Coordenar e

Supervisionar equipes.

Dinamismo, boa dicção,

fluência verbal,

comunicativo,

disponibilidade de

horário, boa

apresentação,

determinação, inglês,

liderança, criatividade,

desembaraço.

Cabeleireiro /

Manicure

Auxiliar de

cabeleireiro;

Escovista;

Barbeiro;

Implantista;

Unissex;

Tinturista; Infantil;

Maquiador;

Trancista;

Instrutor (para

cursos).

Experiência em escova, alisamento,

tintura, depilação, manicura, chapa,

tranças, megahair, implante, linha afro,

bob, aplicação de química, reflexo de

papel e cortes modernos; Que seja

massagista; Ajudar o cabeleireiro no

corte.

Boa apresentação,

possuir clientela,

dinamismo, garra,

simpatia, não-fumante,

disponibilidade de

horário, desembaraço,

jovem, rapidez.

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147

Cozinheiro Padeiro; Salgadeiro;

Ajudante de cozinha;

Copeira; Saladeira;

Confeiteiro;

Açougueiro;

Pizzaiolo; Pasteleiro;

Sushiman, Chapista.

Cozinha:

Internacional; alemã,

nordestina,

capixaba, oriental,

italiana, mineira.

Restaurante;

Lanchonete;

Restaurante de

hospital; de hotel;

Quentinhas para

obra; Refeitório

industrial; Creche;

Pensão; Quiosque;

Fazenda; Fábrica de

doces; Gráfica e

casa de família.

Confeccionar bolos, tortas, salgados e

doces (confeitados); Utilizar faca elétrica;

Saber fazer fast food; Cortar carnes;

Ajudar no serviço de cozinha; Abrir pizza;

Fazer comida trivial; cozinhar para buffet;

Trabalhar com forno e fogão; Fazer

massas; Fazer pratos à la carte; Saber

fazer a limpeza e os serviços gerais da

cozinha; lavar pratos; Fazer massa

folheada; Montar cesta; Operar forno de

padaria; Fazer salgados e doces finos;

Arrumar e decorar pratos; Fazer

sobremesa.

Dormir no emprego,

não fumar,

disponibilidade de

horário, jovem, não

estar estudando,

solteiro e não ter

filhos, dinâmico, ser

responsável, boa

apresentação,

espírito de

liderança.

Representante

comercial

Alimentos; Artigos

de Informática;

Gráfica; Roupas e

Acessórios; Auto-

peças; Material de

construção;

Cosméticos;

Embalagens;

Farmácia e

Utilidades

domésticas.

Conhecimento do mercado consumidor

para atuar junto à agropecuárias,

veterinárias, construtoras, arquitetos,

decoradores, lojas de móveis,

supermercados, logística, madeireiras,

metalúrgica, papelaria, gráfica, indústria,

frigorífico, ferragens e magazines;

Atendimento ao cliente, indicação de

novos negócios, abertura de novos

clientes; Boa apresentação na área de

atuação e experiência com o produto a

ser vendido, com vendas externas, como

balconista e representante.

Possuir telefone,

dinâmico, possuir

empresa

constituída, carteira

de clientes,

disponibilidade para

viagens, habilidade

e facilidade de

comunicação, boa

apresentação,

possuir fax, possuir

empresa de

representação,

espírito

empreendedor.

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148

Os dados em evidência apontam para uma dicotomia entre as reais

exigências do mercado de trabalho e muitas das representações teóricas a seu

respeito. Como a noção de competência não possui um fim em si mesma, ela só

ganha sentido quando assumida pelos grupos e agentes que participam e interferem

nas práticas formativas para o trabalho. Neste caso, a análise nos mostra que não

existe de fato, do ponto de vista dos empregadores, maiores exigências por

qualificação profissional, sendo que o apelo forte é mesmo para aspectos

comportamentais que não nos possibilitam perceber a valorização do saber do

trabalhador.

Neste aspecto, é possível supor que no setor terciário de Fortaleza, como

esclarece Dugué (Dugué apud Calmon, Op. Cit) a necessidade de mobilidade

funcional explicaria a ênfase em saberes não profissionais: comunicação,

criatividade, capacidade de inovação etc., e sinalizaria um deslocamento em direção

à valorização de "comportamentos úteis à empresa" em detrimento da qualificação

profissional. Essa suposição é possível através da constatação de uma polivalência

espúria que se observa na descrição das tarefas.

Além disso, é possível também que este setor está também ancorado na

lógica da produção industrial ou da eficácia definida por Offe, a partir do que se

observa nas ocupações como a de costureira, cozinheiro e cabeleireiro que

evidenciam a forte fragmentação das atividades que as compõem, apontando

mesmo para o modo taylorista/fordista de organização do trabalho.

Se percebe que, além de insignificante, (quase ausente) a referência a

qualquer tipo de exigência por qualificação mais específica, ainda existe uma forte

valorização de aspectos como apresentação pessoal, dinamismo, de não fumar, de

não estudar e até mesmo de aspectos da vida mais íntima das pessoas, como não

ser casado e não ter filhos.

Diante dessas incoerências que se revelam acerca das representações

teóricas sobre a noção de competências incorporada à educação profissional e o

terciário de Fortaleza, se faz necessário destacar que tais incoerências ocorrem

devido a um fator: as demandas produtivas para formar o perfil profissional

necessário à reprodução do capitalismo no novo paradigma produtivo não se tratam

de uma nova estratégia política assumida pelos agentes que demandam a produção

e reprodução da força de trabalho.

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149

A pesquisa em foco, mesmo que se considerando apenas como parcial em

relação realidade em que emerge, nos revela, por isso mesmo de modo parcial, que

ainda não se encontra solidificado de uma maneira mais geral neste setor, uma

ambiência cultural propícia ao florescimento de uma nova forma de convivência

social consoante com os novos imperativos do desenvolvimento produtivo atual.

Portanto, ao se buscar resgatar os reflexos do crescimento do terciário em

Fortaleza, como fenômeno do movimento contemporâneo do capital na qualificação

profissional, é mister ter em mente que o movimento do capital não é igual nem em

todos os setores e, principalmente, em todos os lugares.

Assim pois, a noção de competência nos moldes em que é pensada, não dá

conta de toda e qualquer realidade em todos os lugares. Ela é relativa tanto à teoria

como à realidade. Se tratada isoladamente do contexto em que emerge, corre o

risco de negar pelo movimento do pensamento, o movimento do real.

Fica claro que o atrelamento da educação profissional à heterogeneidade do

terciário – nos moldes que é idealizada a partir da nova LDB – é muito complicado,

pois além de empobrecer de conteúdos a educação profissional, ainda

didaticamente a tornaria inviável, pois se tornaria muito difícil, ou por que não dizer,

impossível, incorporar numa proposta educativa certos elementos referentes ao

“saber ser” do trabalhador exigido no nesse setor.

Diante disso, para nós se confirma que os usos sociais que se faz desta

perspectiva de formação num contexto perpassado por ideologias de legitimação

das desigualdades sociais, apenas contribui para perpetuar o sistema em que se

tecem as desigualdades e a exclusão em detrimento da formação do sujeito agente

de transformações, conforme apontam as propostas pedagógicas.

Nesse ponto, reconhecemos que a proposta educativa do Senac antes da

reforma da educação profissional era muito mais adequada à formação do

trabalhador do terciário, pois partia de princípios cientificamente comprovados como

necessários à formação, extrapolando as meras exigências do mercado de trabalho.

Assim buscava formar um trabalhador que dotado de uma base geral de

conhecimentos técnico-científicos; de competências sócio-comunicativas e da

compreensão das relações sociais, políticas e econômicas que regem o país,

pudessem intervir como sujeitos nos processos produtivos.

A pesquisa “Banco de dados: trabalho e emprego através dos classificados”,

também nos permite perceber a exacerbada existência da polarização das

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150

competências existente no mercado de trabalho, onde a partir da qual fica

evidenciado que algumas ocupações para cargos administrativos e gerenciais

exigem um alto grau de escolaridade, porém são ocupações pouco demandadas,

enquanto que a demanda maior é por outras ocupações que exigem uma série de

requisitos comportamentais, apesar de um baixo nível de escolaridade.

Esse dado também evidencia a importância de se (re)significar os discursos

das propostas de educação que se colocam em curso como solução para a

empregabilidade, onde fica subentendido que a perspectiva de inserção no mercado

de trabalho depende da predisposição que o trabalhador tenha para se qualificar.

Para tanto, se faz necessário situar tais propostas no contexto geral da

sociedade atual, numa percepção de que os indivíduos e os grupos não satisfazem

suas necessidades com um grau de esforço variável, dependendo tão-somente da

maior ou menor qualificação para protagonizar combinações diversas de trabalho e

consumo. Até porque, a questão da liberdade nos marcos da sociedade capitalista é

muito restrita em todos os sentidos. Neste aspecto, Enguita analisa que, se a

organização do sistema produtivo hoje não deixa muita escolha ao trabalhador:

O trabalhador da economia de subsistência tampouco tinha muita escolha,

dada sua escassa tecnologia, mas não podia viver isto como uma falta de

opções, pois a escolha entre trabalhar ou não, entre caçar ou pescar, entre

semear ou tecer, era tão simples quanto a entre comer ou não, alimentar-se

ou vestir-se, etc. O trabalhador moderno, em troca, vê estender-se diante

de si uma amplíssima panóplia de opções teóricas e imaginárias, mas muito

poucas possibilidades práticas. A liberdade não é algo absoluto, mas

relativo à realidade que nos rodeia.109

Diante do que se evidencia a partir dos dados analisados, concluímos até

aqui, que as justificativas apresentadas para a incorporação da noção das

competências na educação profissional, quando submetidas ao movimento das

relações sociais que ocorrem nas diversas situações concretas apreendidas neste

trabalho, apontam para uma abordagem equivocada.

A educação profissional, sob o enfoque das competências, enquanto

instrumento capaz de potencializar o acesso dos trabalhadores a ocupações no

mercado de trabalho, em confronto com as alterações produzidas nesse mercado,

não nos permitiu, é claro, apreendê-la como saída para a questão do desemprego

no Brasil.

109 ENGUITA, Mariano. Op. cit

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151

Na perspectiva de formar um perfil profissional tendo como base as novas

formas de realização da atividade produtiva, características do paradigma de

acumulação flexível em confronto com o contexto de reestruturação produtiva do

Brasil, também mostrou diversos pontos controversos, pois os estágios de

desenvolvimento produtivo são diferentes entre países, regiões e setores produtivos

e mesmo entre as culturas das organizações empresariais.

Essas controvérsias foram constatadas a partir da bibliografia consultada, que

nos dá mostras que apesar da introdução dos círculos de qualidade ou das várias

formas de trabalho em equipe, ainda subsiste, em grande parte das empresas

brasileiras, o monopólio da regulação técnica e do trabalho. As decisões técnicas e

o trabalho criativo se concentram em reduzido núcleo de profissionais e

trabalhadores qualificados e a cultura das organizações não se alterou em relação

ao novo modelo produtivo, portanto, para grande maioria, o trabalho ainda continua

sendo prescrito.

Portanto, entendemos que a reforma da educação profissional, além de

apontar para um forte apelo ideológico, está perpassada de contradições nefastas

ao trabalhador, pois ao desintegrar teoria e prática na educação profissional, termina

por estreitar a profissionalização através da exclusão dos princípios científicos e

metodológicos que a constituem.

O apanhado teórico que fizemos foi bastante recorrente para esclarecer a

nossa hipótese principal sobre a incoerência da adequação das ações do Senac aos

atributos comportamentais que o mercado de trabalho terciário faz ao perfil do

trabalhador.

Isso porque, diante do que acabamos de constatar na análise dos dados

colhidos dos classificados, a prerrogativa das competências implícitas no aparato

legal, quando remetida ao contexto do terciário de Fortaleza já nos deixa antever

que no mínimo trata-se de uma transposição, além de perversa, totalmente

descontextualizada da situação real de trabalho que ali ocorre.

Perversa porque, não se pode apreender neste setor nenhum sinal rumo a

uma ruptura com as situações anteriores de trabalho, onde o que se faz notar

mesmo é que nas situações de trabalho real nada, ou muito pouco mudou, porém

nos procedimentos de exploração do trabalho, as mudanças são substanciais e o

uso social que se faz da lógica das competências, corrobora com um novo aporte

ideológico no qual se sugere implicitamente que os desvalidos de hoje não apenas

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devem suportar sua condição, mas ainda devem ser considerados e considerar-se

eles próprios responsáveis por ela. (Enguita, Op. cit)

Descontextualizada porque, no que tange as análises do crescimento

econômico por setores, poucas têm sido as que se voltam para o setor terciário.

Assim, a perspectiva do novo perfil ocupacional a ser formado na educação

profissional, está muito mais baseado nas demandas gerais do setor industrial dos

países centrais.

Portanto, cabe-nos afirmar que existe uma dicotomia latente entre as

representações teóricas sobre as competências e o que percebe na realidade, pois

enquanto a teorização supõe que o setor produtivo demanda a formação de

profissionais capazes de atuar em sintonia com o novo padrão produtivo, onde o

mesmo teria passado a valorizar as dimensões saber, saber ser, saber fazer, do

trabalhador, muitos dos setores do terciário Fortalezense privilegiam, no

recrutamento e seleção, aspectos que se identificam muito mais com uma fidelidade

canina, do que com saberes concretos que permitam aos trabalhadores

reconstruírem seu conhecimento profissional.

Assim, a educação profissional submetida à lógica do mercado, supostamente

reunindo interesses e necessidades dos trabalhadores, empresários, comunidades,

contribui para que as relações capital/trabalho ocorram marcadas por uma

opacidade que confunde os interesses, fazendo-os parecerem, muitas vezes,

convergentes.

Entretanto, são as condições estruturais presentes na formação cultural e no

próprio interior da lógica capitalista, assim como o infinito potencial do valor de uso

da força de trabalho, que possibilitam entrever perspectivas de superação da face

perversa dessa lógica – embora, não sem contradições, como a da

pseudoconvergência de interesses apontada.

Em contraponto às propostas educacionais que se apresentam como solução

indicada para a empregabilidade e trabalhabilidade, se faz importante a defesa de

uma educação para o trabalho que conforme a generalidade do homem, como o faz

Macário110, pois se, “o indivíduo humano só encontra sentido na sua existência em

conexão com o gênero”, portanto o homem para realizar a sua humanidade precisa

110 MACÁRIO, Epitácio. Determinações ontológicas da educação: uma leitura à luz da categoria trabalho. CD

Room: 24ª reunião da ANPED, 2001.

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apropriar-se do patrimônio cultural realizado pela humanidade tanto no trato social

como com o meio social. Assim é que tal educação:

Enquanto complexo social que medeia o indivíduo com o gênero e, por

outro lado, responde a necessidades do metabolismo social (...) tem um

objeto sem o qual seria impossível sua entificação (...). Se seu papel

precípuo é colocar o indivíduo em relação ativa, consciente com as

objetivações genéricas do homem, para que delas se aproprie, resta

óbvio que seu objeto constitui-se das conquistas humanas

materializadas em saberes, conhecimentos, métodos, técnicas. Educar

é, pois, colocar esse patrimônio cultural à disposição dos indivíduos de

modo que deles se apropriem, e, assim, possam atuar na ambiência

social (que é sua natureza) como sujeitos livres. (Macário, 2001)

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154

IV - Conclusão

Ao analisarmos a proposta curricular do Senac, com foco nas competências, é

possível destacar que:

a) A realização da revisão dos referenciais curriculares, tendo por base as

orientações da nova legislação da educação profissional, descaracteriza-

ram a coerência entre o referencial teórico e o paradigma curricular que

antes era adotado nessa instituição, acabando por imprimir a este um neo

tecnicismo;

b) Não se pode afirmar um processo linear de formação de competências no

modelo anterior a revisão, mas era possível vislumbrar neste, uma

perspectiva de educação continuada, onde estavam presentes as

oportunidades oferecidas aos trabalhadores através de experiências que

contribuem para a formação de valores fundamentais no estágio atual do

capitalismo;

c) Apesar de a formação de competências ser uma exigência das empresas,

a passagem da qualificação para a competência como estava definida

antes da incorporação das orientações da legislação atual da educação

profissional, possibilitava repensar a educação geral na questão da

dicotomia entre educação e formação profissional;

d) Exercita o uso de habilidades, conhecimentos e atitudes em tarefas

operacionais;

e) Apesar do seu atrelamento à lógica do mercado, que determina sua

finalidade última, abordava a questão da polivalência no desenvolvimento

do saber-ser, saber-fazer e saber-agir;

Entretanto, ao buscarmos vislumbrar na proposta, a possibilidade de

construção da dimensão política na formação dos trabalhadores, através do

desenvolvimento de competências para que o indivíduo possa refletir criticamente

sobre a esfera da produção; sobre o conteúdo (inclusive ético) do seu trabalho;

sobre seus direitos e deveres como trabalhador; sobre as relações de produção

capitalistas e sobre tendências mais gerais do desenvolvimento do capitalismo

mundial e de seus reflexos no país, é oportuno destacar que:

As propostas de formação para o trabalho, centradas nas demandas exigidas

pelo novo paradigma técnico-científico, resultam de processos reguladores macro-

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155

-sociais que atuam como modelo de legitimação e, principalmente,

“disciplinamento” dos atores no contexto de reestruturação produtiva.

Ao tentarmos identificar se a referida proposta comporta a possibilidade de

situações que aprofundem o desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica dos

indivíduos, a partir de situações concretas do mundo do trabalho e do mundo

social, relacionando os diferentes conteúdos temáticos que interligam as várias

disciplinas, elaborando e redefinindo quadros conceituais para análise das

situações vividas, numa perspectiva de compreensão da realidade social se faz

presente observar que:

A noção de competências em análise se desenvolve no quadro de uma

pedagogia científica, de natureza dogmática e positivista que legitima um discurso

identificado como instrumental, em que o problema da formação sócio-profissional

(e educacional) é cada vez mais identificado com um tipo de raciocínio funcional

que tende a supervalorizar o papel dos meios e das metodologias em detrimento

dos fins da ação educativa, reificando assim o papel do conhecimento técnico-

científico nas sociedades modernas.

Ao nos perguntarmos qual seria a dimensão política da formação do

trabalhador, frente às condições objetivas e subjetivas dos novos condicionantes

técnicos, sociais e econômicos do capitalismo atual concluímos que:

Mais do que nunca, é preciso refletir seriamente sobre a educação

profissional que se oferece “democraticamente”, sob os signos da tecnocidadania,

tentando apreender como o capitalismo atual “educa” e “forma” os indivíduos, numa

época de conformismo generalizado e de crescimento da insignificância.

Portanto a dimensão – que pergunta pelo sentido da prática educativa, cujo

papel é humanizar o homem – se faz fundamental numa proposta educativa voltada

para a mudança social.

Concluímos que os limites da sociabilidade que é construída dentro da

racionalidade moderna se reflete também na proposta de educação profissional do

Senac. Entretanto, é possível vislumbrar dentro deste, um espaço contraditório que

pode se reverter no desenvolvimento de um projeto autônomo de gestão da

sociedade.

Este espaço contraditório se revela exatamente no cerne das mudanças

ocorridas no mundo do trabalho, que apontam para uma nova relação entre homem

e trabalho, mediada pelo conhecimento científico, tecnológico e sócio-histórico,

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156

enquanto conteúdo e método. Isso passa a demandar uma educação profissional de

novo tipo, que combine conhecimentos sistematizados, experiências e

comportamentos de modo a substituir a rigidez derivada da incorporação de

respostas provisórias como definitivas pela capacidade de usar conhecimentos

científicos e saberes tácitos, razão e emoção, racionalidade e utopia,

experimentação e intuição, para conviver com o caráter dinâmico e revolucionário do

atual estágio de desenvolvimento. Diante disso se coloca possível redimensionar

esta perspectiva, revertendo sua finalidade última de reprodução das relações

sociais capitalistas, de modo a construir dentro de outra intencionalidade, novas

respostas para a construção de relações sociais e produtivas menos perversas.

Ao detectarmos as descontinuidades entre o que se teoriza sobre as

competências, a sua aplicabilidade tendo como base a matriz funcionalista na

definição dos currículos da educação profissional brasileira, e o que se efetiva na

prática em termos de exigências feitas ao perfil profissional do trabalhador terciário,

fica evidente a sua incapacidade de dar conta da totalidade do movimento real que

ocorre no interior dos processos capitalistas de produção.

Mesmo sabendo que as novas concepções pedagógicas não nascem tão-

-somente das idéias dos intelectuais, mas sim, que elas são determinadas pelas

mudanças ocorridas no mundo do trabalho, que apresentam diferentes demandas a

cada etapa do desenvolvimento das forças produtivas e que a noção de

competência se dá em função das características que assume a divisão social e

técnica do trabalho, elas não deixam, por isso mesmo, de apresentar contradição

com referência a estas características, que por sua vez, dependendo de vários

fatores, combinam diversas estratégias produtivas e organizacionais, desde as mais

avançadas até as consideradas mais arcaicas em relação ao novo paradigma.

Na verdade, conforme nos mostra Vásquez (1986), a teoria depende da

prática que é, para ela, fonte e finalidade. A teoria encontra seu fundamento na

prática, porquanto esta “amplia com suas exigências o horizonte de problemas e

soluções da teoria.” Além disso, a prática é finalidade da teoria, enquanto esta

antecipa, de forma ideal, a prática que não existe. Entretanto, não é menos verdade

o fato de que a prática “não existe sem um mínimo de ingredientes teóricos.” E, por

seu turno, a teoria possui uma autonomia relativa quanto à prática, porquanto, não

depende totalmente dela.

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Neste movimento, achamos possível afirmar que as matrizes teóricas que dão

sustentação ao modelo das competências por apresentarem um viés epistemológico

nitidamente positivista-funcionalista, não poderiam visualizar a totalidade dos fatores

que determinam as relações sociais, uma vez que tais teorias têm também como

princípio ser formadoras de pensamento e são formuladas para justificar as

contradições do sistema capitalista. Nesse sentido, deliberadamente elas vão se

distanciar da prática em seus aspectos mais contraditórios, a fim de ocultar

determinados aspectos que deporiam contra o sistema capitalista.

Portanto, na educação esse viés há de ser contestado pela sua associação a

uma perspectiva não-crítica da educação, e sobretudo, por está sintonizado com os

processos de controle dos conteúdos a serem ensinados, e, por conseguinte, do

controle do trabalho docente.

Isso deixa evidente a necessidade de se repensar as propostas de educação

profissional em curso, colocando-se outras propostas, como alternativa às de caráter

conservador que hoje são predominantes.

Acreditamos que nos campos de resistências e conflitos que se estabelecem

no interior de cada instituição educacional se colocam os espaços para ressignificar

os princípios instituídos oficialmente e revertê-los a favor dos interesses dos

trabalhadores.

Isso significaria enfocar os processos produtivos não somente pelo viés de

seu conteúdo científico-tecnológico e seu potencial econômico, mas sob a ótica da

unidade entre epistemologia e metodologia, tendo o trabalho como princípio

educativo.

Isso nos leva a inferir que competência diz respeito à ação, ao agir humano

em situações de trabalho. Por isso mesmo, no nosso conceito, o termo competência

deve ser substituído por ação produtora humana.

Nesta concepção, o indivíduo é aquele que Marx afirma:

O indivíduo é um ser social. A exteriorização da sua vida - ainda que não

apareça na forma imediata de uma exteriorização de vida coletiva,

cumprida em união e ao mesmo tempo com os outros - é pois, uma

exteriorização e confirmação da vida social. A vida individual e a vida

genérica do homem não são distintas, por mais que, necessariamente, o

modo de existência da vida individual seja um modo mais particular ou

mais geral da vida genérica, ou quanto mais a vida genérica seja uma

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vida individual mais particular ou geral. (MARX, apud Ramos. Op. cit.

2001. p. 26)

Portanto, a nossa posição acerca da ação produtora humana, certamente se

situa num referencial teórico contrário ao adotado no plano oficial.

Neste enfoque, os processos educativos serão encarados, tanto como

momentos históricos quanto com relações políticas e sociais concretas, que

possuem cientificidade e historicidade. As competências dos trabalhadores serão

concebidas como ação produtora humana, o que agrega as diversas dimensões do

homem: política, técnica, estética, cultural e que se constitui, portanto, em ação

social complexa e criativa que envolve, além de conhecimento científico, tecnológico

e político, as objetivações genéricas do homem. Esse agir ultrapassa a forma

unicamente determinada pela necessidade de subsistência, embora nela também se

manifeste.

A educação teria como papel precípuo, aquele que Macário (Op. cit) defende:

colocar o indivíduo em relação ativa, consciente com as objetivações genéricas do

homem, para que delas se aproprie, resta óbvio que seu objeto constitui-se das

conquistas humanas materializadas em saberes, conhecimentos, métodos, técnicas.

Educar é, pois, colocar esse patrimônio cultural à disposição dos indivíduos de modo

que deles se apropriem, e, assim, possam atuar na ambiência social (que é sua

natureza) como sujeitos livres.

Portanto, defendemos um modelo de educação profissional que conceba as

atividades de trabalho e educação como integrantes de um único processo, com

articulação entre teoria e prática. A exemplo da educação politécnica, através da

qual serão transmitidos os princípios gerais e de caráter científico de todo o

processo de produção, além de uma iniciação e manejo das ferramentas

elementares das diversas profissões, onde Marx e Engels acreditavam que seriam

atingidos três objetivos: a intensificação da produção social, a produção de homens

plenamente desenvolvidos e a obtenção de poderosos meios de transformação da

sociedade capitalista.111

Essa possibilidade não está colocada no modelo de competências, pois que

este se dá condicionado pelas relações de força e poder que se estabelecem entre o

capital, por meio das estratégias da gerência de controle da mão-de-obra e extração

111 MCHADO, Lucília R. de Souza. Politecnia , escola unitária e trabalho.... p.p. 88-89

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159

da mais-valia, e o trabalho, traduzidas na busca de maior decisão e intervenção no

processo produtivo. A concepção de competência, nesse sentido, se reduz à

execução de tarefas e atividades relacionadas ao trabalho na dimensão técnico-

instrumental.

No entanto, considerando que diferentes concepções que perpassam o modelo

das competências sinalizando para a existência de várias matrizes teórico-

conceituais que orientam a identificação, definição e construção de competências, e

direcionam a formulação e a organização do currículo, há como se pensar o modelo

das competências para além do que está posto nas diretrizes legais para a

educação profissional. Estas matrizes estão ancoradas em modelos epistemológicos

que as fundamentam, e podem ser identificadas como a matriz condutivista ou

behaviorista; a funcionalista; a construtivista e a crítico-emancipatória.

A título de defesa de um modelo de competências identificamos a matriz

crítico-emancipatória como o mais coerente com a formação do trabalhador que tem

como fundamento último a transformação social.

De acordo com Deluiz112a matriz crítico-emancipatória ainda está em

construção e tem seus fundamentos teóricos no pensamento crítico-dialético. Essa

matriz pretende não só ressignificar a noção de competência, atribuindo-lhe um

sentido que atenda aos interesses dos trabalhadores, mas apontar princípios

orientadores para a investigação dos processos de trabalho, para a organização do

currículo e para uma proposta de educação profissional ampliada.

Considera a noção de competência como "multidimensional, envolvendo

facetas que vão do individual ao sóciocultural, situacional (contextual-organizacional)

e processual. Por tudo isso, não pode ser confundida com mero desempenho".113

Neste sentido, a noção de competência profissional engloba não só a dimensão

individual, de caráter cognitivo, relativa aos processos de aquisição e construção de

conhecimentos produzidos pelos sujeitos diante das demandas das situações

concretas de trabalho, mas envolve uma outra dimensão: a de ser uma construção

balizada por parâmetros socioculturais e históricos. A noção de competência está,

assim, situada e referida aos contextos, espaços e tempos socioculturais e ancorada

112 DELUIZ, Neise. O modelo das competências profissionais no mundo do trabalho e da educação: implicações para o

currículo. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.27, n.3, set/dez., 2001. 113 Deluiz, apud Manfredi. Idem.

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160

em dimensões macrosocioculturais de classe social, gênero, etnias, grupos

geracionais, entre outras.

Nesta perspectiva, a identificação, definição e construção de competências

profissionais não se pauta pelas necessidades e demandas estritas do mercado, na

ótica do capital, mas leva em conta a dinâmica e as contradições do mundo do

trabalho, os contextos macroeconômicos e políticos, as transformações técnicas e

organizacionais, os impactos socioambientais, os saberes do trabalho, os laços

coletivos e de solidariedade, os valores e as lutas dos trabalhadores. Desta forma,

investiga as competências no mundo do trabalho a partir dos que vivem as situações

de trabalho, ou seja, dos próprios trabalhadores, identificando os seus saberes

formais e informais, as suas formas de cultura e o patrimônio de recursos por eles

acumulado (aprendizados multidimensionais, transferências, reutilizações) nas

atividades de trabalho.

Considera as competências humanas contextualizadas, historicamente

definidas, e individual e coletivamente constituídas. Desenvolve a idéia de

competência profissional ampliada, que não pode ser somente técnica, pois está

ligada a todo um patrimônio de experiências coletivas, animada no seu interior pela

consciência dos trabalhadores. Busca fazer a transposição das competências

investigadas no processo e nas relações de trabalho de modo a estabelecer, no

currículo, o diálogo dos conhecimentos já formalizados nas disciplinas e a

experiência do trabalho. A aprendizagem dos saberes disciplinares é acompanhada

da aprendizagem dos saberes gerados nas atividades de trabalho: conhecimentos,

valores, histórias e saberes da experiência.

Atribui enorme importância à dimensão social da construção do conhecimento,

entendendo a relação entre os homens e dos homens com o mundo como

fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem. Enfatiza a

construção de competências para a autonomia e para a emancipação de relações

de trabalho alienadas, para a compreensão do mundo e para a sua transformação.

Busca, assim, construir competências para uma ação autônoma e capaz nos

espaços produtivos mas, igualmente, voltada para o desenvolvimento de princípios

universalistas – igualdade de direitos, justiça social, solidariedade e ética – no

mundo do trabalho e da cidadania. Pretende desenvolver uma formação integral e

ampliada, articulando sua dimensão profissional com a dimensão sócio-política.

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