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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
O MODELO DAS COMPETÊNCIAS E O PERFIL PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DO TERCIÁRIO DE FORTALEZA: ENTRE AS
REPRESENTAÇÕES TEÓRICAS E A REALIDADE
Por Maria José Camelo Maciel
Fortaleza, Ceará
Julho/2002
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MARIA JOSÉ CAMELO MACIEL
O MODELO DAS COMPETÊNCIAS E O PERFIL PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DO TERCIÁRIO DE FORTALEZA: ENTRE AS REPRESENTAÇÕES TEÓRICAS E A REALIDADE
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Acadêmico em Políticas
Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará como requisito
parcial para obtenção do título de Mestra em Políticas Públicas e Sociedade.
Orientadora: Profª Dra. Francisca Rejane Bezerra Andrade
Fortaleza, Ceará
Julho/2002
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DEDICATÓRIA
Às minhas filhas Marília e Camila, as quais impus a minha presença ausente durante o
desenvolvimento deste trabalho e as mesmas aceitaram numa pura demonstração de amor e carinho.
Ao meu parceiro Henrique, pela força que me dá e por sempre apostar em mim.
Ao meu pai José Firmino, (in memorian), que, com o seu exemplo, procurou sempre me ensinar os
valores mais caros do ser humano: ser justo e honesto.
À minha mãe Osmarina, que para mim é o melhor exemplo do que é ser mulher.
À minha irmã Socorro Maciel (nossa Corrinha), que com sua suavidade elegante, sempre me passa
tranqüilidade e a certeza de que vou conseguir atingir meus objetivos.
Ao mano Maciel, com o qual posso contar sempre, inclusive para resolver os problemas de ordem da
tecnologia informacional.
À mana Lana, com a qual estabeleço sempre relações de cumplicidade.
À professora Rejane Bezerra, que mais do que orientadora, se mostrou amiga e acolhedora; e sempre
que se fez necessário agir com rigor o fez de modo questionador, para que eu descobrisse e
reconstruísse meus conhecimentos. E o fez com a sutileza que só ela sabe ter.
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AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou indireta de muitas pessoas.
Manifestamos nossa gratidão a todas elas e de forma particular:
Ao imbatível professor Horácio Frota, que com a sua teimosa determinação, tornou possível a
concretização do Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade da UECE.
Ao presidente do Senac, Sr. Luiz Gastão, por ter de bom grado me liberado de minhas atividades
nessa instituição para que eu realizasse este mestrado.
À professora Germana Firmeza, que sempre soube reconhecer a importância do estudo e da
pesquisa para a qualidade da educação profissional.
A todos os amigos do Senac, que me apoiaram e me incentivaram na minha investida na formação
intelectual.
A todos os amigos do mestrado: Jeanette, Mônica, Socorrinha, Fátima, Sena, Rejane, Magda, Sílvio,
Giuseppe, Augusto, Marcos, Tulius e, em especial, à Vitória, a qual agradeço de coração, pela sua
disponibilidade para comigo.
Aos professores Filomeno, Ubiracy, Josênio, e às professoras Suzana Jimenes, Inês e Celeste pela
contribuição teórica que nos deram neste mestrado.
Ao professor Erasmo Miessa, que aceitou de muito bom grado participar da banca de defesa desta
dissertação e pelo qual tenho muita admiração.
Ao professor Werner Markert, que desde o princípio deste trabalho, me fez acreditar que é possível
pensar as competências para além dos marcos do mercado de trabalho capitalista.
A todos os amigos que acreditam sempre na nossa teimosia de romper com as determinações do
cotidiano para buscar novos conhecimentos e em especial ao meu amigo Macário, por estar sempre
disposto a me ouvir e pelas sugestões sempre sinceras e grande valia teórica.
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TERMO DE APROVAÇÃO
MARIA JOSÉ CAMELO MACIEL
O MODELO DAS COMPETÊNCIAS E O PERFIL PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DO TERCIÁRIO DE FORTALEZA: ENTRE AS REPRESENTAÇÕES TEÓRICAS E A REALIDADE
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Presidente e orientadora:
Profª Dra. Francisca Rejane Bezerra Andrade _____________________________________
2º Examinador:
Prof. Dr. Werner Markert
_______________________________________________________
3º Examinador:
Prof. Dr. Erasmo Miessa Ruiz___________________________________________________
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“Aos esfarrapados do mundo
e aos que neles se descobrem e, assim
descobrindo-se, com eles
sofrem, mas, sobretudo,
com eles lutam.”
Paulo Freire
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos Econômicos
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IED – Investimento Externo Direto
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MTb – Ministério do Trabalho Brasileiro
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PEA – População Economicamente Ativa
PME – Pesquisa Mensal do Emprego
PNAD – Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
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RESUMO
“O modelo de competências e o perfil profissional dos trabalhadores do
terciário de Fortaleza: entre as representações teóricas e a realidade” aborda a
noção de competências no contexto de recomposição da hegemonia capitalista,
no quadro da reforma da educação profissional brasileira, à luz das
transformações operadas nos planos político, econômico, cultural, produtivo e
trabalhista, bem como à luz das novas formas de organização curricular do
modelo de competências na educação profissional do Senac. O trabalho destaca
as especificidades do terciário e as relações do modelo de competências na
gestão do trabalho nesse setor. Compara as representações teóricas, que
apontam para a necessidade de formação de um novo perfil de trabalhador
mediante a gestão do trabalho por competências nos setores produtivos e sua
inadequação para dar conta do movimento que ocorre no terciário de Fortaleza.
PALAVRAS-CHAVE: Globalização, neoliberalismo, crise do capital, Estado de bem-estar, Estado mínimo, modelo de produção flexível, educação profissional, modelo de competências, perfil profissional, qualificação, setor terciário de Fortaleza.
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RESUMEN
“El modelo de competencias y el perfil profesional de los trabajadores del
sector terciario de la Fortaleza: entre las representaciones teoricas e la realidad”
aborda la noción de competencias en lo contexto de recomposicion de la
hegemonia capitalista, en lo marco de la reforma de la educacion profesional
brasileña, a la luz de las transformaciones operadas en los proyectos político,
economico, cultural, productivo y laboral, asi como, a la luz de las nuevos modos
de organización curricular del modelo de la competencias na educacion
profesional del Senac. El trabajo sobresala las caracteristicas del terciario y las
relaciones del modelo del competencias en la gestión del trabajo en el sector.
Compara las representaciones teoricas que hacen a afirmación de la necesidad
de la formación del uno nuovo perfil de trabajador para la gestión del trabajo
baseyada en las competencias en los sectores productivos y la sua inadecuación
para responder el movimiento que acontece en lo terciario del Fortaleza.
PALABRAS PRINCIPALES: Globalización, neoliberalismo, crises del capital, Estado proteccionista, Estado mínimo, modelo del produción flexible, educación profesional, modelo del competencias, perfil profesional, cualificación, sector terciario del Fortaleza.
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SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO 11
1.1.OBJETIVO E ÂMBITO DO TRABALHO 11 1.2. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO E ESTRUTURA DO TEXTO 14
CAPÍTULO I - GLOBALIZAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E MERCADO DE TRABALHO 166
1.1. CONJUNTURA - ESTRUTURA SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA 166 1.1.1. COMPETÊNCIA: UM CONCEITO POLISSÊMICO 166
1.1.2. A POSIÇÃO OCUPADA PELOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NA NOVA “ORDEM MUNDIAL” 20
1.1.3. REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO NO ÂMBITO DA CRISE DO CAPITAL 23
1.2. MERCADO DE TRABALHO GLOBALIZADO 33 1.2.1 - MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL 33
1.2.2. A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL E SUA CRÍTICA 42
CAPÍTULO II - A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA REFORMA EDUCACIONAL BRASILEIRA DOS ANOS 90 E NO MODELO PEDAGÓGICO DO SENAC, TENDO COMO EIXO A NOÇÃO DE COMPETÊNCIAS 577
2.1. DETERMINANTES SOCIAIS, ECONÔMICOS E POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO 577 2.1.1. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COMO CATEGORIA MEDIADORA ENTRE O TRABALHO E A CULTURA 57
2.1.2. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO ENFOQUE NEOLIBERAL E ECONOMICISTA 60
2.2.POLÊMICAS E MODELOS SUBJACENTES À REFORMA DO ENSINO COM FOCO NAS COMPETÊNCIAS IMPLEMENTADA NO BRASIL NOS ANOS 90 70 2.3. AS COMPETÊNCIAS E O MODELO CURRICULAR DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO SENAC 86 2.3.1. FORMAÇÃO PROFISSIONAL SENAC: UMA PROPOSTA PARA O SETOR COMÉRCIO E SERVIÇOS 86
2.3.2. REFERENCIAIS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL SENAC - 2001 98
III - O MODELO DAS COMPETÊNCIAS NA GESTÃO DO TRABALHO E SUA ARTICULAÇÃO NA DEFINIÇÃO DO PERFIL PROFISSIONAL DO TRABALHADOR DO SETOR DE COMÉRCIO DE BENS E SERVIÇOS DE FORTALEZA. 118
3.1. A NOÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA GESTÃO DO TRABALHO E NO TERCIÁRIO - DICOTOMIAS ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA. 118 3.1.1 - A GESTÃO DO TRABALHO POR COMPETÊNCIA NA INDÚSTRIA. 118
3.1.2. A RACIONALIDADE NO TERCIÁRIO E AS COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS 122
3.2. MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS NO TERCIÁRIO - O CASO DO COMÉRCIO VAREJISTA 131 3.3. RELAÇÕES DO CURRÍCULO POR COMPETÊNCIA COM O PERFIL DO TRABALHADOR DO TERCIÁRIO EM FORTALEZA 136 3.3.1. A MUDANÇA DO TRABALHO POR SETORES E NA COMPOSIÇÃO ORGANIZACIONAL 136
3.3.2. PERFIL PROFISSIONAL EXIGIDO AO TRABALHADOR DO TERCIÁRIO EM FORTALEZA 143
IV - CONCLUSÃO 154 V- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 161
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O modelo de competências e o perfil profissional dos trabalhadores do terciário de Fortaleza: entre as representações teóricas e a realidade
1. Apresentação
1.1.Objetivo e âmbito do trabalho
O objetivo do presente estudo é estabelecer uma comparação entre as
representações teóricas da educação profissional centrada no modelo de
competências e o que, no setor terciário de Fortaleza, se faz perceber em termos de
exigências por tais requisitos no perfil profissional dos trabalhadores.
Temos um interesse especial por esta temática, uma vez que ela se associa
ao trabalho que desenvolvemos no SENAC - CE, enquanto coordenadora do Núcleo
de Planejamento, Avaliação e Supervisão Pedagógica. Nesse trabalho nos
colocamos constantemente em contato com a problemática da adoção do novo
modelo de formação profissional centrado na noção de competências, o que nos tem
suscitado muitos questionamentos acerca das contradições existentes no âmbito das
novas exigências feitas à educação profissional e à realidade configurada no
terciário de Fortaleza. Isso acabou por nos levar a adotar tal problemática como
objeto de análise do presente estudo.
Acreditamos que esta investigação trará uma importante contribuição
acadêmica para a reflexão acerca do que é idealizado e do que é exigido por este
setor com relação às competências profissionais modernas, principalmente no que
se refere à necessidade de evidenciar as dicotomias que atualmente surgem entre o
modelo de educação profissional voltado para o desenvolvimento de competências e
a realidade do mercado de trabalho do setor terciário de Fortaleza.
No desenvolvimento do estudo, buscamos abordar os nexos da formação
profissional centrada no modelo de competências a partir das relações sociais que
se estabelecem no movimento de recomposição da hegemonia capitalista, no
contexto da crise do capitalismo mundial dos anos setenta. Neste movimento,
apreendemos sua configuração nas relações entre capital e trabalho, nas suas
conseqüências para a relação entre trabalho e educação e no seu sentido enquanto
categoria mediadora entre o trabalho e a cultura.
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Para apreender a educação profissional orientada para o modelo de
competências nas relações entre capital e trabalho, e entre trabalho e educação,
buscamos situar a abordagem em três movimentos fundamentais: o primeiro liga-se
ao seu surgimento no mundo empresarial a partir dos anos oitenta, no contexto da
crise estrutural do capitalismo que se configura, nos países centrais, no início da
década de setenta. É desse primeiro movimento emergem novas concepções
gerenciais consoantes com as novas formas de produção flexível e de novos modos
de gerenciamento da organização do trabalho e do saber do trabalhador.
Como desdobramento, o segundo movimento refere-se à introdução, no
Brasil, da concepção de educação profissional orientada para as competências, o
que se deu na década de 90. Nesse período, a noção de competências foi
incorporada no âmbito da reforma educacional e nos referenciais curriculares do
Senac. Essa iniciativa se deu no intuito de que o trabalhador brasileiro passasse a
ser formado dentro dos requisitos feitos ao perfil e às qualidades delineadas pelo
discurso empresarial mundializado.
Nessa perspectiva, a educação profissional parte da premissa de que nos
setores produtivos, inclusive no terciário, estaria ocorrendo um rompimento com o
paradigma produtivo taylorista/fordista e a implementação da chamada produção
flexível. Isso romperia com o conceito de qualificação para o posto de trabalho e
implicaria na formação voltada para as competências com foco no trabalhador.
Diante dessa premissa, identificamos algumas implicações do uso da noção
de competências numa perspectiva meramente ideológica, o que resulta em
contradições que se colocam na homogeneização de sua aplicação em contextos
com características diferenciadas, ou seja, na ideologia da empregabilidade, por
exemplo, se usa a mesma concepção de competências de forma unificada, tanto
para o setor industrial, quanto para o terciário, sem se levar em conta que as
racionalidades em cada contexto são diferenciadas. Numa palavra, o ponto central
da questão é o fim a qual a mesma serve e não os meios para os quais é utilizada.
Neste âmbito, vamos apreender que as reformas implementadas no campo
educativo-formativo realizaram-se também em conformidade com o estabelecimento
de um novo padrão ideal de vivência das relações sócio-econômico-políticas que
estruturam a sociedade. Isso nos leva também a apreender que a formação
profissional tem nesse movimento, um sentido especial como categoria mediadora
entre o trabalho e a cultura.
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A partir desse entendimento é possível constatar que a formação profissional
aqui claramente entendida como relação social, exerce uma função especialmente
importante na formação e na transformação cultural, atendendo aos interesses do
capital, pois é o mercado de trabalho capitalista quem define as tendências e os
requisitos dessa qualificação.
O terceiro movimento se refere às contradições detectadas entre o que o
modelo de competências se propõe a realizar e o que se efetiva na prática. Assim
buscamos apreender essas contradições desde a sua regulamentação na educação
profissional brasileira, passando pela proposta do Senac que se volta para a
formação do trabalhador terciário, terminando na análise do tipo de perfil profissional
que o terciário de Fortaleza requer.
Essas contradições são diversas e se revelam em vários aspectos, como, por
exemplo, no anacronismo do Decreto 2.208/97 que implanta o modelo de
competências na educação profissional brasileira baseado no movimento que vem
ocorrendo nos países do centro capitalista, porém, adotando uma estratégia que
demarca cada vez mais o atraso de seu sistema educacional em relação aos desses
países nos quais se inspira.
A contradição mais crítica por nós identificada na implantação desse modelo,
refere-se aos aspectos que estão relacionados à definição do perfil profissional de
conclusão dos cursos. Detectamos que os mesmos seguem a lógica da matriz
funcionalista que, por sua vez, vai nos permitir identificar que além de empobrecer a
prática da educação profissional, ainda segue uma lógica que não se aplica no
terciário de Fortaleza, sequer para o emprego formal.
Dentro dessa orientação funcionalista, de forma geral, as competências
investigadas no processo de trabalho são transpostas de forma linear para o
currículo, formulando-se as competências a serem construídas como intermináveis
listas de atividades e comportamentos, limitando o saber ao desempenho específico
das tarefas. A concepção da autonomia dos sujeitos fica, assim, restrita e prescrita
pelas atividades e tarefas. Sua perspectiva economicista, individualista,
descontextualizada e a-histórica limita o currículo e estreita a formação do
trabalhador.
Quando estabelecemos a comparação da perspectiva de educação
profissional acima destacada com as exigências do terciário de Fortaleza acerca do
perfil profissional dos trabalhadores, revelou-se um imenso descompasso entre
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ambas. Neste embate demarcamos a importância de se (re)significar os discursos
das propostas de educação que se colocam em curso como solução para a
empregabilidade, nos quais fica subentendido que a perspectiva de inserção no
mercado de trabalho depende da predisposição que o trabalhador tenha para se
qualificar.
A análise empreendida em todo o trabalho nos dá conta de que o substrato
epistemológico de tais propostas não resistem a generalizações e, quando situadas
no contexto geral da sociedade atual, dão sinal de sua incapacidade de considerar a
totalidade das relações sociais.
1.2. Procedimento metodológico e estrutura do texto
O objeto aqui enfocado não pode ser tratado isoladamente do contexto
histórico em que emerge, tampouco é evidente em si mesmo. Por isso procuramos
enfocá-lo no seu em-si — quando fomos buscar os números, as observações, os
referenciais curriculares do Senac e as determinações do terciário de Fortaleza,
como também na teia de relações que mantém com a totalidade social e histórica
contemporânea. Assim, pois, a metodologia apropriada para apanhar este objeto na
sua imanência e no seu movimento não poderia ser outra senão a Dialética.
• As múltiplas relações do objeto de estudo com o contexto sócio-histórico foram
devidamente compreendidas a partir da exploração de uma literatura básica sobre o
assunto tais como as obras de Neise Deluiz, Werner Markert, Phillipe Zarifian,
Márcio Pochmann, Robert Castel, Francisco de Oliveira, Gaudêncio Frigotto, Ricardo
Antunes, Philippe Perenoud, Lucie Tanguy, Manoel Malaguti, Pablo Gentilli,
Dermeval Saviani, Acácia Kuenzer, Marise Ramos dentre outros(as).
• Através de pesquisa bibliográfica e documental buscamos esclarecer os nexos ou
contradições entre a teoria, em termos de desenvolvimento curricular com foco nas
competências a partir dos documentos que contemplam a proposta pedagógica do
Senac e o que se faz notar na definição do perfil profissional dos cursos de formação
profissional.
• Lançamos mão dos dados colhidos na pesquisa “Banco de Dados - Trabalho e
Emprego” através dos classificados dos jornais, desenvolvida pelo SENAC em todas
as capitais brasileiras, da qual utilizamos os dados referentes a Fortaleza com o fim
de verificar as exigências feitas ao perfil profissional do trabalhador do terciário.
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O texto encontra-se estruturado em três capítulos e mais a conclusão. No
primeiro capítulo trilhamos o seguinte caminho: num primeiro momento,
reconstituímos um referencial teórico que nos permitiu analisar as condições do
mercado de trabalho atual, dentro das determinações da estrutura social,
econômica, política e cultural contemporânea. Assim procedemos a fim de melhor
explicitar como se dá o fenômeno da inclusão/exclusão dos trabalhadores.
Extraímos daí uma reflexão de como se idealiza a formação profissional do
trabalhador a partir da incorporação do modelo de competências e da implicação
ideológica desta perspectiva para amenizar as pressões que possam pesar contra o
sistema pela responsabilidade com a exclusão social.
No segundo capítulo, analisamos como e por que as demandas do setor
produtivo acabam tornando-se política do Estado, quando resgatamos a questão das
políticas educacionais gestadas no Brasil atualmente. Políticas essas que
institucionalizam as competências a exemplo do movimento que vem ocorrendo nos
países do centro capitalista. Em seguida analisamos também como se concebe as
competências para o terciário através da análise do modelo de educação
profissional do sistema Senac.
Neste primeiro esforço conceitual, buscamos no referencial teórico
reconstruído, esclarecimentos aos seguintes questionamentos: que demandas
passaram a exigir que a formação do trabalhador brasileiro e do trabalhador terciário
passe a se realizar tendo como base as novas formas de realização da atividade
produtiva, características do paradigma de acumulação flexível?
À luz deste direcionamento, no terceiro capítulo captamos o que se realiza no
campo empírico do terciário de Fortaleza acerca das exigências ao perfil profissional
do trabalhador, onde se evidenciou uma descontinuidade entre as representações
teóricas sobre as competências profissionais e o que se verifica nesse setor da
economia.
A conclusão, de caráter mais utópico, irá apontar para a (re)significação das
propostas de educação profissional em curso, para além do reducionismo, do caráter
pragmático, fragmentado e tecnicista que historicamente tem se agregado à
educação profissional.
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CAPÍTULO I - Globalização, reestruturação produtiva e mercado de trabalho
1.1. Conjuntura - estrutura social, econômica e política
1.1.1. Competência: um conceito polissêmico
No campo educacional, é unânime na teorização acerca da noção de
competência, a afirmação de que se trata de um termo polissêmico.
Perrenoud1, cujas teorias têm servido como referencial para se refletir a
questão das competências na escola brasileira, ao afirmar que são múltiplos os
significados da noção de competência, assim se expressa, acerca da definição
dessa noção: “Eu a definirei como sendo uma capacidade de agir eficazmente em
um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem se limitar a
eles.” Para enfrentar uma situação da melhor maneira possível, esclarece o autor,
deve-se, via de regra, por em ação e em sinergia vários recursos cognitivos
complementares, entre os quais estão os conhecimentos.
Para este autor, etimologicamente a palavra competência é derivada do latim,
competentia, possuindo a mesma raiz que a palavra competir, competere. Assim, o
termo competência abriga vários sentidos, apresentando-se, portanto como um
conceito polissêmico.
Vale dizer que essa polissemia se origina das diferentes noções teóricas que
estão ancoradas em matrizes epistemológicas diversas e que expressam interesses,
expectativas e aspirações dos diferentes sujeitos coletivos, que possuem propostas
e estratégias sociais diferenciadas e buscam a hegemonia de seus projetos políticos.
O conceito das competências, se analisado somente sob o ângulo de suas
determinações para uma nova concepção pedagógica, tendo por base um
pressuposto epistemológico que imprime uma nova relação entre o sujeito e objeto
do conhecimento, como no caso da matriz construtivista, tão em voga nas defesas
do modelo das competências, certamente traz algumas positividades ao fazer
pedagógico na educação profissional, pois isso implica numa ruptura com as
tendências tecnicistas e seu pressuposto empirista ainda tão presentes nesta
modalidade de ensino.
1 PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. p. 7
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Partindo-se do entendimento de que competência remete à articulação de
conhecimentos, habilidades e valores na realização de uma determinada tarefa ou
atividade, isso, por sua vez, remeteria, nos processos de ensino, a uma importante
valorização dos conhecimentos e experiências já acumulados pelos alunos, que
seriam fundamentais na construção de novos saberes e competências. Para
Alcântara2, além desses saberes, também devem ser considerados a multiplicidade
de saber fazer do sujeito, os componentes afetivos e motivacionais de sua ação no
mundo e principalmente a diversidade de suas atitudes, formas de agir e reagir que
podem ser transferidos para diferentes contextos.
Porém, é no bojo da gestação hegemônica de um novo projeto político
econômico e cultural e nas relações que aí se travam, onde podemos melhor
compreender a disputa de uma significação para o conceito de competências.
Nos argumentos das políticas de recursos humanos das empresas, a
competência viria a representar um fator de diferenciação do trabalhador, o que o
tornaria mais apto a lidar com a imprevisibilidade característica das novas formas de
realização do trabalho e o tornaria mais competitivo.
Esse direcionamento rumo a noção de competência se alia as necessidades
advindas com a crise do modelo taylorista e o advento do toyotismo, quando muitos
centros de recursos humanos procuraram atualizar seus modelos para atender a um
tipo de formação muito mais complexa, que abarca muito mais fatores subjetivos do
que a anteriormente necessária.
Surgiram, nessa nova abordagem da formação, muitas novas técnicas de
levantamento e avaliação de competências, como a análise funcional, o método
DACUM, ainda ligadas à análise comportamental e outros métodos mentalistas
como o de mapeamento mental, os protocolos verbais, o método algo-heurístico,
métodos construtivistas, e assim por diante.
No bojo das discussões relacionadas com o novo modelo surgiu a questão da
superação da qualificação. O conceito de qualificação estaria ligado à formação
prescritiva para um determinado posto de trabalho, característica do modelo da
abordagem científica da produção em série. O novo modelo necessitava de uma
formação com padrão exigido, para uma atuação flexível em tarefas rotacionais bem
mais complexas.
2 ALCÂNTARA, Mariana. Competência: um conceito em construção. Mimeo. 2002
18
O que se buscava não era mais aquela cadeia linear de operações e passos
que podiam facilmente ser transformados em um manual programado de instrução.
Necessitava-se agora de preparo bem mais amplo, com fundamentos básicos mais
sólidos, que levassem o trabalhador aos níveis de desempenho dentro do padrão
exigido de produtividade internacional. O que se buscava, enfim, era criar o
trabalhador de nível de excelência, ou dito de outro modo, o trabalhador competente.
Assim, a apreensão do conceito de competências e suas implicações no
estabelecimento de novas relações sociais de trabalho deve ser feita, além do que
se estabelece no espaço da educação profissional, mas, principalmente nas
determinações atuais do âmbito capital e trabalho, pois é nesse âmbito que se
definem os usos que se fará da noção de competência.
Portanto, analisar o modelo de competências que atualmente norteia os
currículos e programas de educação profissional no Brasil e o perfil ocupacional dos
trabalhadores do terciário de Fortaleza, nos remete a apreender como se estabelece
hoje a relação trabalho-educação face às exigências do capital mundializado.
Conduz-nos portanto, ao resgate da especificidade da escola, num primeiro
momento, não a partir dela, mas das determinações fundamentais: as relações
sociais de trabalho, as relações sociais de produção3, pois
Sem a paciência da investigação da conjuntura, a análise dialética se
resume na monótona afirmação de uma identidade, na procura obcecada
dos traços definitórios do capital, do salário ou do imperialismo, sem
levar em conta que uma forma se efetiva criando determinações opostas.
(...) (Gianotti apud Frigotto,1995. p. 22)4
O modelo de competências profissionais, na verdade, começa a ser discutido
no mundo empresarial a partir dos anos oitenta, no contexto da crise estrutural do
capitalismo que se configura, nos países centrais, no início da década de setenta.
Esta crise se expressa pelo esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista; pela hipertrofia da esfera financeira na nova fase do processo de
internacionalização do capital; por uma acirrada competição intercapitalista, com
tendência crescente à concentração de capitais devido às fusões entre as empresas
3 FRIGOTTO, Gaudêncio [et al.]. Trabalho e Conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 1995. p.18 4 Idem.
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monopolistas e oligopolistas; pela desregulamentação dos mercados e da força de
trabalho, resultantes da crise da organização assalariada e do contrato social.
As respostas do capital à sua crise estrutural podem ser dimensionadas pelas
reestruturações empreendidas no próprio processo produtivo, por meio de
constituição das formas de produção flexíveis, da inovação científico-tecnológica
aplicada aos processos produtivos e de novos modos de gerenciamento da
organização do trabalho e do saber do trabalhador. Este amplo processo de
reestruturação teve como objetivos não só reorganizar em termos capitalistas o
processo produtivo tendo em vista a retomada de seu patamar de acumulação, mas
gestar um projeto de recuperação da hegemonia do capital não só na esfera da
produção, mas nas diversas esferas da sociabilidade,5 que se confrontasse ao
contra poder que emergia das lutas sociais e sindicais dos anos 60 e 70.
As novas concepções gerenciais que surgem no bojo desse processo de
reestruturação empresarial estão ancoradas, assim, numa lógica de recomposição
da hegemonia capitalista e das relações capital-trabalho e têm como objetivos
racionalizar, otimizar e adequar a força de trabalho face as demandas do sistema
produtivo. Na década de 90, o aprofundamento da globalização das atividades
capitalistas e a crescente busca de competitividade levaram ao alinhamento
definitivo das políticas de recursos humanos às estratégias empresariais,
incorporando à prática organizacional o conceito de competência, como base do
modelo para se gerenciarem pessoas, apontado para novos elementos na gestão do
trabalho. Apreender, pois, suas relações e desdobramentos no contexto mais amplo,
é nossa primeira tarefa.
Iniciaremos, portanto, esta dissertação por desenvolver uma breve reflexão
acerca dos desdobramentos do movimento de superação da crise atual do capital e
das metamorfoses na produção de bens e serviços nas últimas três décadas. Nesse
movimento vamos apreender que os fenômenos relacionados à mundialização
econômica do capital, à adoção de novos padrões de administração e de novas
formas de gestão da força de trabalho, a redefinição do papel do Estado e às
inovações tecnológicas incorporadas aos setores produtivos, têm configurado uma
transformação radical na estrutura social, econômica e política das sociedades
capitalistas e têm mudado também a face do trabalho neste novo século.
5 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2000. p. 48.
20
1.1.2. A posição ocupada pelos países em desenvolvimento na nova “ordem mundial”
O processo de mundialização da economia tem intensificado e aprofundado
mudanças na dinâmica do capitalismo internacional através de um intenso e rápido
fluxo de capitais, bens e serviços, viabilizado pelo avanço das telecomunicações e
da rapidez dos transportes, consolidando a internacionalização da economia e a
crescente integração dos mercados. Para Milton Santos, 6
o que é representativo do sistema de técnicas atuais é a chegada da
técnica da informação, por meio da cibernética, da informática, da
eletrônica. Ela vai permitir duas grandes coisas: a primeira é que as
diversas técnicas existentes passam a se comunicar entre elas. A
técnica da informação assegura esse comércio, que antes não era
possível. Por outro lado, ela tem um papel determinante sobre o uso do
tempo, permitindo, em todos os lugares, a convergência dos momentos,
assegurando a simultaneidade das ações e, por conseguinte, acelerando
o processo histórico.
Ao contrário do que se pode pensar, o processo de mundialização do capital
não é um fenômeno novo7, a humanidade sempre sonhou em romper as barreiras
da caverna, dos guetos e da província e isto tem sido uma busca constante na
construção histórica do ser humano,8 se assume feição de novo, isso se dá devido à
sua velocidade, abrangência e, particularmente, a uma nova dimensão de tempo e
de espaço. Todavia, alia-se a tal fenômeno, a exclusão social em escala jamais
sonhada nos países do dito primeiro mundo e nos países periféricos como o Brasil,
onde sempre houve a exclusão social em alta escala, atualmente esta se apresenta
com novos ingredientes, antes inexistentes.
Octávio Ianni (1993) destaca que a mundialização do capitalismo esboça-se
desde os seus primórdios, porém que se desenvolve de maneira mais aberta,
particularmente no Séc. XX quando adquire novas características no segundo pós-
6 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Record, 2001, p.25. 7 Objeto das reflexões de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, escrito há 153 anos atrás, a globalização, na sociedade capitalista, é abordada como a “ necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos o que impele a burguesia para todo o globo terrestre. Ela deve estabelecer-se em toda parte, instalar-se em toda parte, criar vínculos em toda parte”. ( Marx e Engels, 1993: 69). 8 FRIGOTTO, Gaudêncio. Globalização e Crise do Emprego. In: Boletim Técnico do Senac. V. 25, n. 2, maio/ago.,1999.
21
guerra, a partir da emergência de estruturas mundiais de poder, decisão e influência
que anunciam a redefinição e o declínio do Estado-Nação.
As características da marcha da globalização incluem a
internacionalização da produção, a globalização das finanças e seguros
comerciais, a mudança na divisão internacional do trabalho, o vasto
movimento migratório do Sul para o Norte e a competição ambiental que
acelera esses processos.9
O termo “nova ordem” mundial, neste contexto, vem sendo largamente
utilizado para designar o cenário sócio-político e econômico desencadeado no
mundo a partir da marcha da mundialização do capitalismo, que tem como impacto
mais expressivo a diluição da identidade nacional dos países, expressa na definição
de novos campos de atuação que independem dos limites geopolíticos
anteriormente definidos. Emerge na cena internacional, novos atores, que Chomski
(1993) denomina de os “novos senhores do mundo”, personalizados através dos
organismos financeiros internacionais e de grupos de países já hegemônicos.
Nessa nova ordem, a bipolarização, expressão da contraposição entre países
do Ocidente e do Leste Europeu, que até o final dos anos 80 se manifestou através
da “Guerra Fria”, cedeu lugar a uma multipolarização, em que a hegemonia dos
países do Norte está claramente presente na definição do G-8, que, por suposto,
detém o controle dos organismos financeiros internacionais e impõe diretrizes aos
demais. Nesta nova configuração do globo, acentua-se cada vez mais a
dependência do Sul (países em desenvolvimento) em relação ao Norte (países
desenvolvidos) e ampliam-se as desigualdades entre Norte e Sul. Tal fenômeno é
fortalecido a partir da unicidade da técnica que torna possível a existência de uma
fiança universal, principal responsável pela imposição a todo o globo terrestre de
uma mais-valia mundial. Nesse movimento, “quando um determinado ator não tem
as condições para mobilizar as técnicas consideradas mais avançadas, torna-se, por
isso mesmo, um ator de menor importância no período atual.” 10
A conseqüência mais grave de tal movimento para os mercados de trabalho
dos países em desenvolvimento é o papel submisso que esses países passam a
desempenhar em relação aos países centrais e, por conseguinte, o aprofundamento
cada vez mais acentuado, da inferioridade, em termos de capacidade produtiva e
tecnológica desses países em desenvolvimento.
9 Robert W. Cox, apud Ianni, 1993, p.p. 24, 25
22
A nova divisão internacional do trabalho é paradigmática desta inferioridade,
onde os países desenvolvidos, centro da economia mundial, representam o locus
do poder de comando através das atividades de controle do excedente das cadeias
produtivas, bem como de produção e difusão de novas tecnologias, restando ao
grupo dos países em desenvolvimento, o papel de subordinação às lógicas
financeiras e creditícias e a absorção tecnológica. Em análise feita por Márcio
Pochmann,11 temos que:
A constituição de cadeias produtivas mundiais encontra-se dividida em
dois níveis distintos. No primeiro nível assumem maior importância as
atividades produtivas vinculadas ao processo de concepção do produto,
definição do design, marketing, comercialização, administração,
pesquisa e tecnologia e aplicação das finanças empresariais. Por ser
atividades de comando e elaboração, são partes do processo produtivo
vinculadas aos serviços de apoio à produção, com tecnologias mais
avançadas, demandando crescentemente mão-de-obra mais qualificada,
que recebe maior salário e com condições mais favoráveis de trabalho.
Não causa espanto, no entanto, saber que a parte majoritária dos
investimentos em ciência e tecnologia são de responsabilidade dos
países do centro capitalista.
O lugar destinado aos países da periferia como o Brasil, na economia
mundializada, é, em muitas análises, suavizado em decorrência da sua atribuição
aos aspectos subjetivos da produção. A introdução de novas tecnologias e de novas
formas de organização do trabalho no Brasil nestes últimos anos no interior do setor
industrial brasileiro – o qual se realiza no quadro do processo de abertura externa da
economia e do conseqüente acirramento da competição inter-empresarial tanto no
contexto nacional como no internacional –, passou a destacar que o fator de entrave
dos ganhos de produtividade e qualidade dos produtos, no que se refere ao aspecto
subjetivo da produção (desempenho da força de trabalho), é a baixa capacitação –
ou “qualidade” – do trabalhador nacional em geral, a qual, por sua vez, encontrar-se-
ia intimamente ligada aos baixos e precários níveis de escolarização deste último.
Desse entendimento decorre que é urgente a necessidade de dotar os
trabalhadores brasileiros de novas competências que sejam consoantes com o novo
paradigma científico-tecnológico da produção mundializada.
10 SANTOS, Milton. Idem p. 25 11 POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização. São Paulo, Boitempo Editorial, 2001
23
Porém, havemos de conceber que esta relação não é assim tão linear, pois,
cada passo dado na introdução da automação contemporânea abriu espaço a uma
concentração de capitais sem precedentes nas mãos dos grandes grupos
econômicos, que se beneficiam tanto da destruição das formas anteriores de relação
contratual de trabalho, como das novas possibilidades de extração da mais-valia sob
a combinação de procedimentos diversos de exploração da mão-de-obra.
Chesnais12, assinala que princípios como o de lean production, desde a origem de
sua aplicação, tem servido aos grandes grupos, que emitem pedidos a empresas
“terceiras”, para fazer recair sobre estas últimas os imprevistos conjunturais e para
impor aos seus assalariados o peso da precariedade contratual, combinado com
níveis salariais bem inferiores. Tal perspectiva traz imensas vantagens aos países
do centro capitalista, pois como se expressa o autor acima citado:
O efeito combinado das novas tecnologias e das modificações impostas
à classe operária, no tocante à intensidade do trabalho e à precariedade
do emprego, foi proporcionar aos grupos americanos e europeus a
possibilidade de construir com a ajuda dos seus Estados, zonas de baixo
salário e de reduzida proteção social(...).
A mundialização do capital, resulta de dois movimentos conjuntos,
interrelacionados, mas, ao mesmo tempo, distintos. O primeiro pode ser
caracterizado pela fase ininterrupta de acumulação do capital desde 1914 e o
segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de
desregulamentação e de desmantelamento das conquistas sociais e democráticas,
que foram aplicadas desde o início de 1980 pelos governos Thatcher e Reagan,
inicialmente.13
1.1.3. Redefinição do papel do Estado no âmbito da crise do capital
No movimento gerado pela mundialização do capital, o papel do Estado nos
países ocidentais sofre profundas redefinições, onde se verifica a confluência de um
conjunto de determinantes históricos que tocam, sobremaneira o tema das políticas
sociais nesse novo século. Nessa perspectiva, podemos verificar que ao longo da
década de 70, tanto os países desenvolvidos quanto aqueles em desenvolvimento,
dentre eles, os países da América Latina, vivenciaram uma profunda redefinição do
papel do Estado no campo social.
12 CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã,1996. p. 35. 13 CHESNAIS. François. Op. cit
24
A gênese de tal movimento está associada à crise do Welfare State e a uma
profunda redefinição do papel do Estado, onde, através desta se constituiu uma
agenda de reformas de inspiração neoliberal, que aponta para novas formas de
resolução da crise do capitalismo contemporâneo.
Nesse direcionamento vem-se concretizando a dissolução do velho conceito
de Estado Nacional e a sua perda da capacidade financiadora. A estrutura de
classes da sociedade industrial formada nos últimos 200 anos, que ensejou o Estado
de Direito mediador da estabilidade social, sofre alterações qualitativas importantes.
Inclusive nos países capitalistas desenvolvidos, o Estado de Direito tradicional já tem
dificuldades para responder às condições necessárias de desenvolvimento
requeridas pelo capital financeiro que tutela a chamada terceira revolução científico-
tecnológica apoiado nas grandes corporações transnacionais, que precisa cada vez
mais de agilidade e rapidez para fluir, condições já quase insuportáveis pela
superestrutura jurídica. Nesse embate, a resposta que vem sendo dada é a
desregulamentação, a perda de credibilidade das constituições que garantem
direitos sociais e “a propagação de um subjetivismo e de um individualismo
exacerbados, dos quais a cultura ‘pós-moderna’ é expressão, animosidade direta
contra qualquer proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital”.14
Para melhor compreendermos, o período que ora vivenciamos na história do
capitalismo, é importante termos presente que a evolução histórica do capitalismo
“pode ser dividida em períodos, pedaços de tempo (marcados por certa coerência
entre as suas variáveis mais significativas, que evoluem diferentemente, mas dentro
de um sistema”15), sempre antecedidos e sucedidos por crises.
Nesse movimento, o processo de reorganização da base produtiva capitalista
atual se dá como estratégia de resposta do capital a mais uma de suas crises, o que
nos leva, seguindo a análise de Mészáros16, a apreender que as fases de
capitalismo organizado, não estão em nenhum sentido menos sobrecarregadas por
crises do que o assim chamado capitalismo de crise, e que assim sendo, o
aperfeiçoamento dos métodos de administração das crises emergem em resposta
direta às pressões de uma crise em aprofundamento.
Nesse sentido, cumpre observar que o esgotamento do padrão de
acumulação da organização da produção industrial taylorista/fordista, baseado na
14 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho...p. 61 15 SANTOS, Milton. Ib idem p. 61
25
produção em série e no consumo de massa, e de um modelo de gestão da mão-de-
obra baseado na extrema divisão do trabalho e na fragmentação do saber,
decorrentes do parcelamento das tarefas e da separação entre concepção e
execução, se deu no auge do aprofundamento da crise do capitalismo nos anos 70,
quando se buscou como método de administração de tal crise a adoção de um novo
paradigma de produção denominado de flexível, que redimensiona a demanda de
trabalho e afeta diretamente os trabalhadores, pela intensa concorrência que se
efetiva por formas de racionalização na produção e na gestão.
O trabalho, nessa perspectiva, passa por um processo de redefinição em
função da competitividade mundial por parte dos mercados consumidores, onde o
conhecimento ajudado pelas tecnologias da informação, em especial pelas redes
virtuais de comunicação, tem contribuído de forma significativa na construção dessa
nova ordem econômica, na qual, assume papel primordial.
Segundo Hirata:
O modelo da especialização flexível representaria o incremento das
inovações organizacionais e tecnológicas, a descentralização e a
abertura ao mercado internacional. Ela teria como figura emblemática, no
plano da organização da produção, a fábrica flexível; no plano da
hierarquia das qualificações, o operário prudhoniano; e, no plano da
mobilidade dos trabalhadores, o trabalhador temporário, isto é, a
possibilidade de variar o emprego e o tempo de trabalho em função da
conjuntura. 17
Isso se dá no movimento produzido no âmago da crise do capital que findou
por levar ao fim o período do capitalismo monopolista de Estado, cujo modelo se
assentava na organização fordista da produção de bens e serviços; em políticas
econômicas de base keynesiana – em que o Estado detinha um papel de regulador
das atividades econômicas, intervindo diretamente na economia e garantindo o
pleno emprego e um conjunto de políticas sociais que tinham por finalidade
amenizar as desigualdades sociais, constituindo o Welfare State.
Impõe-se agora uma nova abordagem de Estado que vai produzir
conseqüências nefastas sobre o emprego nos países do terceiro mundo, conforme
abordaremos no item sobre mercado de trabalho globalizado.
16 MÉSZÁROS, István. Produção destrutiva e Estado capitalista.... p. 96 17 HIRATA, Helena. Da polarização das qualificações ao modelo da competência. In Novas tecnologias, trabalho e educação...p.125
26
Essa abordagem da natureza do Estado, na verdade, é um retorno renovado
ao liberalismo econômico, no qual, através da tese do livre mercado, a noção geral
era de que o jogo entre a oferta e a procura dava como resultado o equilíbrio de
interesses, compondo preços justos para os produtores e consumidores. Com isso,
os investimentos na produção seriam recompensados pelo mercado, que por sua
vez seria satisfeito nas suas necessidades, criando uma espiral econômica de
prosperidade. Sobre essa perspectiva, Gramsci18 alerta que a atividade econômica,
ao contrário de ser resultado de forças livres do mercado e de uma racionalidade
puramente técnica, resulta cada vez mais, da atividade política. Crises econômicas
redundam em crises do Estado e vice-versa.
Na evolução histórica das crises no âmbito do Estado capitalista, temos
mostras de que essas sempre têm uma mesma gênese: a natureza das relações
sociais capitalistas, embora que a cada vez tragam uma materialidade específica.
Nessa direção, a história nos mostra que os movimentos de redefinição do Estado,
sempre estiveram associados aos métodos adotados para a superação das crises
do modo de produção capitalista. Em reforço, se analisarmos o ocorrido nos anos
30, temos que quando a tendência do livre mercado começou a ser questionada, o
mundo industrializado atravessava uma profunda crise que, de acordo com Frigotto19
foi uma crise de superprodução e, portanto, uma ameaça de asfixiamento do sistema
que não consegue realizar as mercadorias produzidas.
Nesse contexto, o Estado voltou à cena econômica e passou a ser aceita a
idéia de que ele deveria controlar alguns componentes básicos da economia (como
moeda e inflação) bem como promover investimentos, como estratégia para o
enfrentamento da crise.
Quem melhor expôs a necessidade de intervenção do Estado na atividade
econômica foi o economista Jonh Maynard Keynes (1883 - 1946). A proposição
central da sua análise econômica é de que em certos momentos da economia o
mercado é incapaz de absorver todos os bens produzidos: em conseqüência, os
investimentos se retraem e a produção diminui, provocando mais desemprego e,
com isso, nova redução do consumo e da produção, aprofundando a crise. Keynes
propõe que o Estado regule o mercado, sustentando a moeda, mantendo os juros
baixos e estimulando novos investimentos, com o objetivo de resolver a crise de 29
18 GRAMSCI, apud Frigotto, Educação e a crise do capitalismo real ... p. 74 19 FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo, Cortez, 2000.
27
do capitalismo por via de uma melhor distribuição e não por sua superação, na
perspectiva de provar que nesse modo de produção há possibilidade de se atender
condições básicas sem se fazer uma revolução socialista para alcançar as
reivindicações sociais.
Naquele momento, o Estado de Bem-Estar, encontrou no cenário do pós
Segunda Guerra o contexto ideal para dar corpo às idéias de Jonh Keynes sobre o
papel de um Estado interventor e gerador de políticas compensatórias, enquanto
possibilidade de recuperar os níveis perdidos de produtividade no período da guerra,
e os regimes sociais-democratas como “alternativa” ao capitalismo “selvagem” e aos
projetos socialista e comunista e no plano supra-estrutural, o desenvolvimento da
idéia de Estado-Nação (totalitário e democrático).
Na evolução histórica do sistema capitalista e de suas crises, o Estado tem
produzido um movimento semelhante a um pingue-pongue, ora no Estado Máximo,
ora no Estado Mínimo. Parece-nos que o grande dilema que se tem colocado no
âmbito da economia capitalista em suas crises estruturais no último século tem se
centrado em torno do dilema: “Estado ou não Estado: Eis a questão”. Nesta
perspectiva, Frigotto20 esclarece que:
a entrada do Estado como imposição necessária no enfrentamento da
crise de 29 foi, ao mesmo tempo, um mecanismo de superação da
virulência da crise e um agravador da mesma nas séries subseqüentes.
A volta às teses monetaristas e mercantilistas protagonizadas pelo
ideário neoliberal explicita a ilusão de que o problema crucial esteja nos
processos de planejamento e, portanto, de interferência do Estado na
economia.
O certo é que mais uma vez, a lógica das crises do modo de produção
capitalista escapa ao controle dos planejadores e o papel assumido pelo Estado no
cenário do segundo pós-guerra, o de Estado Máximo – empresário e produtor;
gerador das primeiras "incubadoras de empresas" em escala nacional mediante
subsídios e estímulos diretos e indiretos pelo fundo público à produção e
incorporação de tecnologia; responsável pelas políticas salariais, sanitárias e de
seguridade social voltadas para o desenvolvimento e a consolidação de um mercado
interno capaz de demandar e absorver a nova produção nacional, torna-se
extremamente questionado.
20 FRIGOTTO, op. Cit
28
Esse modelo, embora tenha assumido feições em regiões distintas, no que
tange à promoção de políticas públicas – mormente entre países desenvolvidos, em
desenvolvimento e subdesenvolvidos, que a bem da verdade, nestes últimos sequer
chegou a se efetivar, logrou de aprovação no sistema social durante
aproximadamente três décadas.
Não obstante, por volta dos anos 70, quando a economia capitalista
experimenta mais uma de suas crises, Antunes21 assinala que a saída encontrada
como resposta a sua própria crise, foi:
um longo processo de reorganização do capital e de seu sistema
ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes
foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a
desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor
produtivo estatal, da qual a era Thatcher - Reagan foi expressão mais
forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação
da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental
necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores.
Portanto, nesse novo patamar de crise do capital, desta vez de natureza
histórica mais complexa, que é “ao mesmo tempo, um período e uma crise, isto é, a
presente fração do tempo histórico constitui uma verdadeira superposição entre
período e crise, revelando características de ambas essas situações”22, o Estado de
Bem-Estar não mais se coaduna com a almejada plena liberdade para o capital
financeiro. Vale destacar que o Estado, nessa perspectiva, torna-se mínimo apenas
no que se refere à promoção de gastos sociais; forte, porém, quanto à capacidade
de controle. Hobsbawn (1999) enfatiza que alguns acontecimentos desencadeados
a partir da década de 1960 evidenciam que a tendência anterior, onde o Estado
alargou o espectro de suas intervenções e assumiu mais responsabilidades chega
ao seu limite. Mas não no sentido do poder adquirido, pois o poder do Estado não foi
restringido, sua capacidade de acompanhar o que acontece em seu território e de
mantê-lo sob controle tornou-se maior do que nunca.
O certo é que na última década do século passado, livre da preocupação de
conter a ameaça socialista, o mundo capitalista passa por uma nova fase que se
coaduna com a almejada plena liberdade para o capital financeiro,
desnacionalização da indústria e índices de desemprego crescentes coincidentes
com o aumento da produção.
21 Ver Antunes, op. cit. p.31
29
No que concerne ao questionamento do poder de regulação do Estado
brasileiro, Weinberg 23 alega os seguintes fatores de insatisfação das novas elites
empresariais modernas com modelo de Estado que vigorou no mundo ocidental até
as décadas de 70/80:
- Algumas indústrias necessitavam de subsídios permanentes e não eram
capazes de exportar de forma competitiva;
- A dependência da intervenção estatal para o desenvolvimento de diversos
setores da economia gerava atitudes especulativas que desconsideravam a
pertinência da tecnologia, da qualidade dos produtos, das necessidades e
preferências do consumidor, da competitividade internacional e, em geral, dos níveis
de produtividade e eficiência;
- Outros países em desenvolvimento estavam alcançando um crescimento
industrial extraordinário com o emprego de estratégias de desenvolvimento
orientadas para fora, baseadas em incentivos do mercado e contando com uma forte
participação do setor privado.
Era, portanto, dentro dessa perspectiva, imperativo que a submissão do país
a tríade do ajuste neoliberal: liberalização do comércio, privatização e
desregulamentação.
Essa submissão veio a se consolidar mais demarcadamente por volta do
início dos anos 90, quando o país, juntamente com os outros países da América
Latina chegavam ao ápice do aprofundamento da crise dos anos 70/80, deparando-
se com o agravamento de uma série de problemas como o da dívida externa, com
os quais os desinvestimentos, devido à crescente fuga de capitais tanto estrangeiros
quanto nacionais, conjugavam-se, carreando a estagnação econômica em meio de
um incontrolável processo inflacionário.
Essa crise, que começava a afetar seriamente os interesses dos Estados
Unidos ao reduzir na América Latina a capacidade de importar e atender ao serviço
da dívida externa, levou o Instituto for International Economics a promover uma
conferência em Washington, para o qual economistas de oito países latino-
americanos - Argentina, Brasil, Chile, México, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia,
foram convidados com a finalidade de formular um diagnóstico e sugerir medidas de
22 Ver Milton Santos. Op. cit. p.33 23 WEINBERG, Pedro Daniel. A construção de uma nova institucionalidade para a educação. In Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro, n. 22,1996.
30
ajustamento para a sua superação. Naquela ocasião, o economista norte-americano
Jonh Williamson apresentou um documento contendo dez propostas de reforma
econômica, o qual gozou de amplo consenso tanto da parte dos membros do
Congresso e da Administração, quanto entre os tecnocratas das instituições
financeiras internacionais, agências econômicas do governo norte-americano. As
propostas, visando à estagnação monetária e ao pleno reestabelecimento das leis
de mercado consistiam em disciplina fiscal, mudanças das prioridades nos gastos
públicos, reforma tributária, taxas de juros positivas, taxas de câmbio de acordo com
as leis de mercado, liberalização do comércio, fim das restrições aos investimentos
estrangeiros, privatização das empresas estatais, desregulamentação das atividades
econômicas e garantia dos direitos de propriedade.
A adesão a medidas como a liberalização unilateral do comércio, privatização
das empresas estatais e desregulamentação da economia se constituiria em
condição sine qua non para que os países da América Latina pudessem renegociar
suas dívidas externas e – receber qualquer recurso financeiro das agências
financeiras internacionais. Nessa perspectiva, o apelo feito é um retorno à política
econômica abstencionista, onde devem acontecer a redução do papel do Estado
enquanto regulador do mercado e promotor do bem-estar social, a liberação do
capital para explorar ao máximo seus investimentos, a privatização de amplos
setores do investimento estatal e a redução dos custos sociais que recaiam sobre o
Estado (aposentadorias, Seguro-Desemprego, auxílio aos carentes, assistência
médico-hospitalar).
O Estado brasileiro, fundado e sustentado sob inspiração patrimonialista, da
qual o corporativismo é expressão mais marcante, sofre tal processo de redefinições
de forma bem mais complexa do que nos países com estruturas ditas democráticas
em que o sistema político se torna mais sensível e permeável às demandas
sociais.24
Na disputa pela redemocratização do país, na década de 1990, assistiu-se a
um verdadeiro embate travado entre a defesa de interesses corporativistas e dos
que advogavam a defesa dos interesses comuns da nação. Nesse terreno é que se
tem consubstanciado um arranjo político-institucional maquiado com uma frágil capa
democrática e recheado de interesses particulares de grupos privados que se fazem
representar pela elite política brasileira.
31
Cunha25 observa que em processos simultâneos e até articulados com essas
mudanças políticas, o setor produtivo também sofreu alterações profundas, que não
parecem ter chegado a seu termo, pois
um conjunto de fatores esgarça as bases de sustentação do Estado
desenvolvimentista e do pacto federalista que o sustentou. Nas últimas
décadas, ocorreu um efetivo processo de desconcentração produtiva,
com a emergência de novas elites regionais modernas que, conectadas
diretamente com o exterior, questionam o poder de regulação do Estado
Nacional e de sua expressão política, o Governo Federal.26
O certo é que a conjugação de duas transições – uma econômica e a outra
político-social – fruto do processo de reestruturação do capitalismo mundial, acabou
possibilitando no desfecho da transição política brasileira uma posição bastante
favorável ao esvaziamento do frágil projeto democrático que se colocava na
redemocratização do país em oposição ao Estado autoritário.
Algumas análises mostram que o movimento de inserção do Brasil neste novo
cenário tem resultado num enorme esforço e sacrifício nacional para colocar a
economia brasileira no páreo do mercado mundial, pois se de um lado temos um
mercado de trabalho caracterizado por grande fragilidade tecnológica e
organizacional quando confrontada com o quadro internacional, por outro lado, a
carência de investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, leva o país a
uma posição bastante medíocre no contexto da competitividade intercapitalista.
No que concerne a reorganização da base produtiva, vários estudos mostram
que a modernização das empresas brasileiras vem-se dando principalmente, pela
adoção de novos métodos de gestão do trabalho, como os programas do tipo 5 “S”,
círculos de controle de qualidade, benchmarketing, fabricação just in time, uso de
minifábricas ou células de trabalho. Mesmo com a introdução dos círculos de
qualidade ou das várias formas de trabalho em equipe, ainda subsiste o monopólio
da regulação técnica e do trabalho em reduzido núcleo de profissionais e
trabalhadores qualificados que concentram decisões técnicas e trabalho criativo.27
Emerge assim no cenário produtivo brasileiro, uma mistura de modelos, pois
se de um lado temos os modelos taylorista e fordista, ainda presentes em larga
24 CUNHA, Luiz Antônio. O ensino Profissional na irradiação do industrialismo. S. Paulo: Ed. UNESP, 2000. p.214 25 Ver Cunha. Op. cit. p.215
26 Cunha, Apud Arretche, Op. cit. , p. 215
27 SOARES, Rosemary Dore et all. Política de Formação Profissional em Minas Gerais. In: Boletim Técnico do Senac, 2000.
32
escala; de outro, algumas empresas já se proclamam flexibilizadas e isto se constitui
em objetivo do empresariado diante das novas formas de mercado concorrencial. De
qualquer forma, faz-se perceber que emerge também deste cenário o anúncio da
morte do fordismo e o aparecimento de um novo modelo que alguns teóricos
convencionaram em denominá-lo de neo-fordismo.
A premissa do fim do fordismo só seria verdadeira se considerássemos
apenas a passagem de uma etapa em que prevaleceu uma certa hegemonia no
processo produtivo relacionada à concentração industrial, à produção em massa, ao
assalariamento direto, etc. a esta nova etapa, que agora se desenvolve, sob uma
nova articulação fenomênica de elementos ainda essenciais e permanentes da
produção e reprodução de capital. A chamada “flexibilização da produção” que teve
em seu início o modelo toyotista japonês como exemplo massivamente divulgado
demonstra-se, na realidade, um retorno ao “não-modelo” recorrente de articulação
de dinâmicas organizacionais e produtivas diversas, subjugadas à unidade sistêmica
e de comando dos processos industriais de produção e reprodução de capital.
Nesse sentido, o “pós-fordismo” ou a época da produção flexível, não é apenas um
Neo-fordismo, pois este apresenta muitas diferenças em relação àquele modelo de
regulação social, político e econômico, não se constituindo como um paradigma
unificado, mas justamente como a liberdade em relação a modelos. O que o capital
readquire é justamente a liberdade em relação a qualquer forma determinada que o
limite em sua capacidade de articulação e exploração do trabalho sob
procedimentos diversos, onde quando aplicado numa estrutura social já desigual e
excludente como a do Brasil, contribui muito mais para ampliar o desemprego e as
formas precárias de trabalho, tais como trabalho sem carteira, trabalho em tempo
parcial e o de elevada rotatividade, entre outras.
As questões até aqui levantadas nos permitem antecipar uma breve
apreensão da diversidade histórica e da contradição fundamental que se coloca
entre capital e trabalho. Os desdobramentos dessa contradição nas relações de
trabalho serão captadas no resgate que se fará do mercado de trabalho globalizado,
onde buscaremos elementos que elucidem sua estrutura hoje no Brasil, tendo em
vista que os fatores destacados anteriormente apontam, de um lado para o
estabelecimento de um novo paradigma produtivo e por novas formas da
organização do trabalho, e de outro, para o esfacelamento do Estado como
33
mediador das relações de trabalho, tendo como comandante desse movimento a
competitividade regida pelo capital mundializado.
Pretendemos, portanto, diante das alterações produzidas no mercado de
trabalho, apreender que saídas podemos vislumbrar para a questão do desemprego
no Brasil e como se articulam os limites e as possibilidades da educação
profissional, sob o enfoque das competências, enquanto instrumento capaz de
potencializar o acesso dos trabalhadores a ocupações nesse mercado.
1.2. Mercado de trabalho globalizado
1.2.1 - Mercado de trabalho no Brasil
A tessitura da conjuntura, brevemente pinçada no item anterior, trouxe
implicações muito marcantes ao mercado de trabalho brasileiro, uma vez que tem
contribuído enormente para o agravamento do desemprego e para a precarização
do emprego no Brasil, principalmente nas duas últimas décadas passadas quando o
país experimenta uma situação de retrocesso na sua economia que perdeu a
dinâmica de crescimento econômico sustentado na geração de empregos. Os
empregos foram reduzidos em parte pela ampliação das importações, pela ausência
de novos investimentos e pela reformulação do setor público, além das baixas taxas
de expansão do produto interno28.
Também, há de se considerar que, ao contrário de se responsabilizar
exclusivamente a incorporação de novas tecnologias pelo desemprego, deve-se
considerar que o desemprego decorre antes do deslocamento dos investimentos
para a área financeira no plano internacional do que das inovações em tecnologia e
gestão.
No tocante a essa situação, dois momentos mais recentes da economia
brasileira vêm a ser mais contundentes no agravamento da crise do emprego. O
intervalo de 1990 a 1992, quando se iniciou no Brasil um vigoroso processo de
abertura da economia aliado a quedas absolutas do PIB, que em análise feita por
Malaguti,29 tal processo é analisado nos seguintes termos:
Em economias subdesenvolvidas como a do Brasil, a abertura comercial,
sem controle da inflação, conduz apenas a um processo de falências, absorções e
28 POCHMANN, Márcio. Op. cit. 29 MALAGUTI, Manoel Luiz. Crítica a razão informal: A imaterialidade do salariado. S. Paulo: Boitempo, 2001
34
fusões empresariais, incentivando uma crescente monopolização do parque
produtivo instalado no país.
De acordo com o referido autor, boa parte do capital produtivo das empresas
não-monopolistas dirige-se para o mercado financeiro, evitando riscos
desnecessários em investimentos de médio ou longo prazo. Isso leva às unidades
monopolistas a retardarem a modernização dos seus equipamentos, o progresso
tecnológico e os novos investimentos que por sua vez enfraquece as possibilidades
do Estado intervir nos processos de mercado e sustentar uma demanda de capitais
declinantes.
Assim, ante aos processos de falências, de desemprego, de desinvestimento
produtivo, de maiores prazos de renovação dos equipamentos, de inibição das
receitas fiscais e tributárias juntamente com os reflexos da progressiva
monopolização dos principais setores econômicos acontece uma estagnação da
economia e o recrudescimento da inflação.
O outro momento em destaque é o iniciado em 1994 com o Plano Real que
tinha por objetivo manter a estabilidade dos preços e permitir o crescimento
econômico. É nesse momento que os mentores do Plano vão apregoar que uma
eficiente combinação de variações nas taxas de juros e no câmbio estão permitindo
o controle dos preços internos, a modernização do parque produtivo nacional e o
crescimento auto-sustentado da economia brasileira. Para tanto, conforme nos
mostra Malaguti,30 a modernização do parque produtivo brasileiro, decorre do
barateamento das importações e de uma considerável abertura da economia
brasileira, onde, nestas circunstâncias, fez-se necessário
destruir todo, ou quase todo o instrumental protecionista que permitiu e
sustentou o processo de Substituições de Importações e a
industrialização brasileira (1930 a 1980): de 1990 a 1994 as alíquotas de
importação brasileiras desceram de um patamar médio de 33% para
outro de 14%. Esta destruição associa-se com a desativação de uma
série de instituições estatais de regulação econômica e com a
privatização de um conjunto de empresas públicas criadas com o intuito
de fornecer os insumos e a infra-estrutura necessários às indústrias
então nascentes. Esse processo pode ser percebido, por exemplo, pela
crescente despreocupação do Estado com a constituição e a defesa do
principal insumo nacional: a força de trabalho.
30 MALAGUTI, Manoel Luiz. Idem, p. 28
35
Os efeitos desses processos pelos quais passa a economia brasileira desde
os anos 90 têm produzido reflexos muitos profundos na configuração do mercado de
trabalho e na capacidade de geração de emprego no país, a exemplo das
modificações decorrentes da superação do tradicional modelo produtivo
taylorista/fordista, com a relação entre capital e trabalho mediada pelo Estado de
acordo com o modelo de bem-estar, onde se reduzem os investimentos dos Estados
Nacionais na geração de empregos e os poucos que ainda são gerados, acontecem
no setor mais dinâmico, aquele que vem substituindo a força de trabalho por
tecnologia, enquanto imperativo da competitividade.
No tocante à questão da competitividade, diante da integração do país à
economia globalizada e da posição que os países do terceiro mundo ocupam na
nova Divisão Internacional do Trabalho, adverte Pochmann31:
“o Brasil precisa rever urgentemente sua estratégia de integração
passiva e subordinada à economia mundial, sob pena de continuar
regredindo ainda mais nas posições anteriormente conquistadas pelo
trabalho.”
A advertência do autor é muito pertinente, pois temos assistido,
concomitantemente aos processos de transformação ocorridas na organização
econômica, social e política, a uma triste performance do Brasil no que se refere ao
mundo do trabalho. Os números mostram que o país em 1999 ocupou a terceira
posição no ranking mundial do desemprego, possuindo, segundo dados da PNAD e
do IBGE, 7,6 milhões de pessoas sem trabalho, num quadro em que detêm apenas
3% da PEA global contra 5,6% do total do desemprego mundial.
Na verdade, tal índice, a considerar pela metodologia utilizada para medir o
tamanho do desemprego, é subavaliado, podendo ainda ser mais elevado, pois
como nos mostra Piquet,32 o IBGE, por meio da Pesquisa Mensal do Emprego –
PME – que procura acompanhar o desemprego em seis regiões metropolitanas mas
só considera desempregado o trabalhador que além de ter procurado emprego
durante o período de referência da pesquisa, se encontrava apto ao exercício
imediato de uma vaga, sem ter trabalhado nem mesmo uma hora durante a semana
da pesquisa. Assim, aquele que exerceu qualquer trabalho por mais de 60 minutos,
31 Ver Pochmann, p.40. op. cit 32 PIQUET, Rosélia. Emprego metropolitano e mudança ocupacional. In: Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.27, n.2, maio/ago., 2001.
36
durante o período da pesquisa passa a ser considerado ocupado, o que pode
perfeitamente estar mascarando índices ainda mais sombrios.
A questão do desemprego, nos marcos da configuração societal atual, não
nos deixa alimentar nenhuma perspectiva mais otimista quanto à sua superação,
pois, não há mais como sonhar com o “pleno emprego”, porque o crescimento
econômico já não é compatível com tal expectativa. Como regra, não se poderia
esperar isto do sistema capitalista, mas houve época em que se ensaiou esta
esperança, em momentos muito específicos e fugazes, como a retomada do
crescimento europeu após a Segunda Guerra Mundial. Confiava-se, inclusive, que a
intervenção do Estado poderia ter este resultado importante do ponto de vista social
e mesmo próceres do sistema, como Keynes, sempre defendeu-se isso. Assim,
embora sendo o capitalismo um sistema excludente intrinsecamente, poderia ter
como consolo a produção do emprego, que permitiria um modo estrutural de
subsistir. Essa rota tornou-se um beco sem saída.
Também, tampouco se pode sonhar mais com a volta de níveis perdidos de
emprego, ou as taxas tidas por razoáveis de desemprego, porque isso somente seria
possível dentro de um retorno a modos obsoletos de produtividade econômica e que
não se sustentariam na globalização atual. Não se imagina um ponto final no
desemprego, pelo menos por enquanto, sendo difícil predizer até onde seria tragável
no sistema. Até os países do centro também estão sentindo o furor dessa evolução,
porquanto torna-se cada vez mais difícil sustentar com o excedente econômico os
que não conseguem inserir-se no mercado formal de trabalho. 33
Diante de tal perspectiva se torna muito complexo se pensar a possibilidade
de saídas para a crise do emprego e da exclusão social no Brasil nos marcos da
configuração atual, seja porque as modificações citadas anteriormente têm
desmantelado o modelo econômico levado avante pelo país entre 1930 e 1980,
fundado na ampla difusão do emprego assalariado, numa proporção de para cada
dez empregos criados, apenas dois não eram assalariados e sete apresentavam
registro formal, o qual vem sendo substituído desde 1990 por uma outra relação em
que para cada dez empregos criados, somente dois são assalariados, porém sem
registro formal. Ou seja porque nos países periféricos como o Brasil, onde o Estado
de bem-estar nunca assegurou direitos sociais a maioria da população, as
33 DEMO, Pedro. Educação Profissional. In Trabalho Inédito sobre Teleducação. Brasília, UnB, abril, 1997.
37
desigualdades de todas as ordens existem, sendo inclusive usadas no contexto atual
para justificar as dificuldades de acesso ao trabalho para grandes contingentes de
trabalhadores, conforme irá se verificar no que se refere à ideologia da
empregabilidade e trabalhabilidade.
Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Econômicos), o
próprio mercado (que agora é quem dita as regras) revela às pessoas que, na atual
estrutura econômica, as chances de se conseguir trabalho variam de acordo com a
sua escolaridade. Ao mesmo tempo, as pesquisas também revelam escores muito
inferiores na escolaridade do trabalhador quando comparado a outros países, como
é o caso da pesquisa do PNAD/IBGE realizada em 1995, onde tínhamos que, em
média, 67% da PEA ocupada possuem apenas quatro anos de escolaridade, um dos
piores escores apresentados na América Latina.
Mediante as exigências da propalada “sociedade do conhecimento”, temos
que em conjunturas sociopolíticas como a do Brasil, em confronto com as novas
demandas produtivas, põe em cheque o descaso histórico do poder público com a
educação de seus trabalhadores, onde o fator baixa escolaridade confrontado com
estas as novas demandas, constitui-se em argumento de restrição ao acesso do
novo e restrito mercado de trabalho.
A questão acima citada, aliada a índices de desemprego tão alarmantes não
podem passar despercebido em nenhuma instância social. No entanto, o que se
percebe atualmente é que mesmo ocorrendo uma crescente atenção de diversos
segmentos sociais a esses temas, principalmente dos meios de comunicação, que já
tornou de domínio público vários aspectos das profundas transformações no
mercado de trabalho brasileiro, de um modo geral o tratamento dispensado a essa
questão ameniza e simplifica a gravidade os impactos sociais das mudanças em
curso. Para Piquet (Op. cit):
Nessas abordagens, o desemprego é tratado como um fenômeno
localizado em que o principal impacto social parece resumir-se nas
dificuldades de adaptação da mão-de-obra às novas exigências
profissionais, o que seria contornado com (re)treinamento ou com
mudanças de ramo ou de lugar.34
Tal abordagem liga-se à premissa de que a reorganização do setor produtivo,
seja autônoma ou incentivada pela introdução de novas tecnologias, traz também à
34
Piquet, idem
38
agenda nacional novas questões e exigências para a educação como um todo.
Ganha relevo assim a exigência por um maior nível de escolaridade dos
trabalhadores, passando a ser fundamental que além da expansão da escolaridade
mínima, se processe uma reorganização no sistema educacional que contemple o
preparo de pessoas capazes de utilizar, difundir e produzir conhecimento científico
necessário à competitividade dos setores produtivos.
Na realidade, encontramo-nos diante de um fenômeno que, ao mesmo tempo
em que a demanda de ampliação das atividades educacionais se intensifica, o
incremento da racionalização da organização da produção e do trabalho, elimina a
necessidade de um grande número de trabalhadores. As novas tecnologias e formas
organizacionais do trabalho demandam uma qualificação superior da força de
trabalho, o que poderá ser feito com a parcela dos ainda incluídos. Há, assim, no ar
um ressuscitar da teoria do capital humano construída nos anos 60; os trabalhadores
incluídos no processo de trabalho vão necessitar de novas capacidades intelectuais
e comportamentais e a educação passa a se constituir no pilar fundamental do novo
padrão de desenvolvimento econômico.
Por outro lado, a saída que tem sido buscada pensando nos excluídos,
fundamenta-se na prerrogativa de que não havendo mais solução para o emprego, é
preciso inventar trabalho, seja no mercado formal e não formal, sobretudo no campo
dos serviços, que é o setor com grande crescimento; em termos práticos, os que não
têm emprego precisam encontrar alguma forma de vender para os que têm
emprego, serviços ou bens; é o que faz, paradigmaticamente, o biscateiro. O
mercado não formal tem escamoteado fortemente o desemprego, ajudado pelo
baixo nível escolar da população, que não se coloca maiores pretensões, nem é
capaz de manejar a idéia em si essencial do direito ao trabalho. 35
Tal perspectiva reforça o terreno ideológico em que se justifica a crescente
precarização e exclusão do mercado de trabalho enquanto conseqüência natural
que seleciona e exclui os trabalhadores de acordo com suas diferenças pessoais.
Neste contexto, Enguita36 já assinava há mais de dez anos que:
nossa sociedade nutre uma imagem de existência de oportunidades para
todos que não corresponde à realidade, motivo pelo qual e apesar do
qual o efeito para a maioria é a sensação de fracasso, a perda de estima
35 DEMO. Pedro op. cit. 36 ENGUITA, Mariano Fernández. A face oculta da escola: Educação e Trabalho no Capitalismo. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989.
39
e auto-culpabilização. A suposição da igualdade de oportunidades
converte a todos, automaticamente, em ganhadores e perdedores,
triunfadores e fracassados. Não é por acaso que a cultura dos Estados
Unidos, suposta “terra de oportunidades”, classifica obsessivamente as
pessoas em winners e losers. Diferentemente dos do passado, cuja
posição era atribuída a seu “bom berço” ou a sua “origem humilde”, os
ricos e os pobres, os poderosos e os desvalidos de hoje não apenas
devem suportar sua condição, mas ainda devem ser considerados e
considerar-se eles próprios responsáveis por ela.
Nesse sentido, os limites e possibilidades da educação profissional diante do
contexto analisado tem-se traduzido na adoção do modelo de competências, que por
sua vez, na visão de diversos estudiosos, tem servido muito mais para reforçar o
terreno ideológico, o qual acabamos de nos referir, do que para potencializar
trabalho e emprego aos trabalhadores. O surgimento das ideologias da
empregabilidade e trabalhabilidade corroboram com o que se acabou de afirmar.
O modelo da competência adotado na Educação Profissional sugere que a
qualificação de um indivíduo está posta menos no seu conjunto de conhecimentos
e habilidades, mas principalmente em sua capacidade de agir, intervir, decidir em
situações nem sempre previstas ou previsíveis.
Essa capacidade implicaria a mobilização de competências adquiridas ou
construídas mediante aprendizagem, no decurso da vida ativa, tanto em situações
de trabalho como fora deste.
Neste terreno, o desenvolvimento da trabalhabilidade, enquanto necessidade
de se inventar trabalho numa sociedade sem empregos é a grande inspiração das
propostas de Educação Profissional. Funcionam como solução indicada para o
desenvolvimento das competências profissionais atualmente exigidas à
empregabilidade do trabalhador, onde as questões de natureza sócio-política e
epistemológica são abordadas em termos de melhoria de gestão e eficiência,
ignorando os múltiplos interesses e condicionantes subjacentes ao conhecimento.
Requisitos comportamentais como iniciativa, curiosidade, motivação,
atenção, responsabilidade, criatividade, vontade de aprender, abertura às
mudanças são indispensáveis de serem desenvolvidos na perspectiva da formação
do novo trabalhador, onde dominar um conjunto de habilidades e competências é
ter empregabilidade ou trabalhabilidade.
40
O termo empregabilidade, que tende a firmar-se como emblema das
transformações em curso, designa a capacidade de o trabalhador qualificar-se e
requalificar-se de forma permanente, visando ingressar, permanecer e progredir
num mundo do trabalho em constante mutação.
A trabalhabilidade liga-se a outras formas que existem do trabalhador
ingressar na vida produtiva: o auto-emprego, o micro e pequeno empreendimento,
o trabalho cooperativo e outras alternativas nessa linha. Tudo isso, conforme
pressupõe-se, exige do trabalhador um nova cultura, uma nova visão do mundo do
trabalho muito diferente daquela adotada no modelo taylorista/fordista.
Nesta perspectiva, a ideologia da empregabilidade ganha corpo nos
pareceres e diretrizes da Educação Profissional, baseada em argumentos para
uma perspectiva individualista de formação técnico-profissional estruturada a partir
de um banco ou carteira de habilidades e competências.
Os conceitos de empregabilidade ou trabalhabilidade, criados para se referir
ao desgaste do emprego na organização produtiva atual, nas atuais políticas
públicas de geração de emprego e renda, também têm servido para reforçar uma
interpretação invertida da responsabilidade pelo emprego que desloca seu eixo dos
aspectos sócio-político-econômicos implícitos na realidade social atual para o
indivíduo. Nesse sentido, a defesa de que a qualificação profissional é o passaporte
para o sucesso, ganha corpo em diversos discursos.
Na análise de estudiosos como Kuenzer37, a empregabilidade deve ser
entendida como adequação aos postos de trabalho ainda existentes, o que cada vez
mais depende da diferenciação e diversificação de trajetórias, a partir de uma base
comum de conhecimentos.
Segundo a mesma autora, na dinamicidade conferida ao processo produtivo
pelo ritmo dos avanços científicos tecnológicos, a empregabilidade acima referida
fica condicionada à substituição da rigidez pela flexibilidade, no sentido de
capacidade de adaptação a novas situações, o que dadas as características
excludentes da acumulação flexível, passa a significar para a grande maioria dos
trabalhadores, conformidade a situações mais precárias, em todos os sentidos.
Em decorrência, temos assistido na questão da formação do trabalhador a
uma ênfase na trabalhabilidade, em detrimento de empregabilidade. Ou seja,
37 KUENZER, Acácia Zeneida. Educação Profissional: Categorias para uma nova pedagogia do trabalho. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.25, n.2, maio/ago., 1999.
41
valoriza-se mais o desenvolvimento e aprimoramento de competências e habilidades
para o desempenho e atuação profissional no mundo do trabalho, em detrimento da
formação para ocupação de postos específicos no mercado de trabalho. Essa
formação alia-se com “uma flexibilidade e um alcance suficientes para que se possa
enfrentar o emprego, o desemprego e o auto-emprego” – de modo a “permitir
rápidas reconversões e reprofissionalizações ao longo da vida”.38
Nesse sentido, a qualificação profissional volta-se para a formação do novo
trabalhador que deverá ser polivalente e flexível, isto quer dizer que ele deverá
estar apto a ocupar não apenas um, mas um conjunto de postos de trabalho em
seu setor de atividade e, ao mesmo tempo, ter capacidade de adaptar-se a novas
situações, que o mercado vai criar com freqüência cada vez maior desenvolvendo
as habilidades para, se necessário, transitar de um setor para o outro.
Quanto aos inimpregáveis, vulneráveis e desempregados, o Estado brasileiro
através do Ministério do Trabalho - MTb, vem implementando intervenções que
visam focar resultados nas conseqüências do desemprego estrutural, como é o caso
da política do PLANFOR/PEQ, que se constitui de oferta de cursos de natureza
bastante variadas. A observação a seguir, feita por Frigotto a esses cursos,
caricaturiza muito bem a sua diversidade:
os cursos podem ser para emitir passagens, fazer velas ou aquilo que
uma revista de seita religiosa indica como solução para o desemprego -
treinar os desempregados para oferecer serviços de catar piolho, cuidar
de cachorros, catar minhocas - cursos que se centram em tecnologia de
última geração ou a perspectivas mais amplas vinculadas aos interesses
dos trabalhadores (...) que por si mesmos não têm a capacidade de criar
empregos.39
Kuenzer40, nos chama atenção para uma questão que é central acerca da
qualificação dos trabalhadores nas atuais circunstâncias do capitalismo que não
considera o trabalhador coletivo voltando-se para um tratamento diferenciado entre
os incluídos e os excluídos:
A flexibilização enquanto capacidade de criar, descobrir, articular
conhecimentos, aprender novos conteúdos, desenvolver novas
38 PAIVA, Vanilda. Desmistificação das profissões : quando as competências reais moldam as formas de inserção no mundo do trabalho. Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 117-133, maio 1997. 39 FRIGOTTO, Gaudêncio. Globalização e Crise do Emprego: Mistificações e perspectivas da formação técnico profissional. In: Boletim Técnico do Senac. V. 25, n. 2, maio/ago.,1999. 40 KUENZER, Acácia Zeneida. Educação Profissional: Categorias para uma nova pedagogia do trabalho. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.25, n.2, maio/ago., 1999.
42
performances, enfim, educar-se permanentemente para adequar-se à
dinamicidade da vida social e produtiva no sentido positivo, passa a ser
privilégio dos poucos que mantêm-se no topo da pirâmide do trabalhador
coletivo ou da concentração de renda.
Dentre as transformações pelas quais vem passando o emprego na nova
fase da economia capitalista, uma tendência tem-se manifestado marcadamente: o
declínio do emprego no setor industrial apresentado em boa parte das sociedades
contemporâneas contrasta com um incremento relativo do emprego no setor de
serviços, motivo pelo qual se sustenta a suposição de que é preciso investir na
trabalhabilidade, enquanto possibilidade de o trabalhador protagonizar situações de
trabalho no terciário informal.
Nessa perspectiva, também surgem novas interpretações do movimento de
expansão do terciário e de suas exigências ao perfil do trabalhador, nas quais se
vislumbra apenas uma parcela de trabalhadores em desconsideração ao trabalhador
coletivo.
1.2.2. A Sociedade Pós-industrial e sua crítica
Um dos fenômenos comuns aos países capitalistas a partir dos anos 70 tem
sido o crescimento do setor terciário, tanto no que se refere ao volume total de
empregos que o setor apresenta quanto no aumento de sua participação na
formação do PIB nos países centrais.
Muitos estudos demonstram uma tendência à redução da oferta de emprego
nos setores primário e secundário da produção, deslocando as ocupações para o
setor terciário, mais especificamente o setor de serviços, que analisado
separadamente do comércio, tem sido o responsável pela absorção de mão-de-obra.
No Brasil, o processo de terciarização está intimamente relacionado ao modo
como se deu a implantação do parque industrial e a expansão das atividades de
comércio ligadas à indústria, a partir dos anos 50. Mais recentemente, essa
expansão é observada em função do processo de mundialização da economia,
acompanhando o movimento realizado pelos países de capitalismo avançado,
embora de forma, ainda, dependente.
Desse modo, percebemos que, embora, atualmente, haja uma forte tendência
em direção ao Estado mínimo defendido pela doutrina liberal, uma série de serviços
continuará sendo encargo do Estado. Ou seja, o movimento de privatização não
43
envolve o cumprimento das funções para a estrutura de conflitos políticos, que cabe
ao Estado mediar.
Para além do que essas funções representam, há um movimento do capital
que interfere na oferta e demanda de serviços, especialmente aqueles que estão
vinculados à produção de bens e aqueles que dão suporte ao próprio processo de
multinacionalização das indústrias. Chesnais (Op. Cit.) identifica uma acentuação no
processo de internacionalização dos serviços, desde o decênio 1965-75, tendo em
vista os interesses dos grupos industriais com sede nos países de capitalismo
avançado, em manterem sua ascendência sobre algumas atividades mais
significativas desse setor.
Dessa forma, desde aquele momento, já começava um movimento de
expansão e multinacionalização das empresas de serviços, principalmente os de
auditoria, publicidade e consultoria de gestão empresarial, paralelamente ao
processo de expansão e multinacionalização das empresas do setor produtivo.
Há que se observar, ainda, que, no que se refere aos serviços, grande parte
do investimento gira em torno das atividades de comércio exterior, de modo que
essa ênfase acentua o crescimento não apenas das atividades de distribuição, mas
também de atividades ligadas aos serviços financeiros, de seguros e imobiliários.
As novas tecnologias, em especial as de base microinformática e de
telecomunicações, auxiliam o atual movimento do capital, marcado pela expansão
do setor privado e pela desregulamentação dos serviços públicos:
Visto sob o ângulo das necessidades do capital concentrado, o duplo
movimento de desregulamentação e de privatização dos serviços públicos constitui
uma exigência que as novas tecnologias (a teleinformática, as infovias) vieram
atender sob medida. Atualmente, é no movimento de transferência, para a esfera
mercantil, de atividades que até então eram estritamente regulamentadas ou
administradas pelo Estado, que o movimento de mundialização do capital encontra
suas maiores oportunidades de investir. A desregulamentação dos serviços
financeiros num primeiro tempo; depois, nos anos 80, o início da desregulamentação
e privatização dos grandes serviços públicos (em particular, os transportes aéreos,
as telecomunicações e os grandes meios de comunicação de massa) representam a
única nova fronteira aberta para o IED (Investimento Externo Direto), sobre a base
das atuais relações entre países e entre classes sociais. Enquanto o setor
manufatureiro entra em choque com o aumento brutal do desemprego, com a
44
marginalização do comércio exterior em muitos países e com a repartição desigual
do poder aquisitivo, atividades como as indústrias multimídias são as únicas que
oferecem possibilidades de expansão.
Entretanto, ao lado desse movimento, também se expandem no terciário as
atividades precárias que tendem a servir como amortecedor para a questão do
desemprego.
Para o MTb, existem três fatores explicativos para a queda do emprego
industrial e, conseqüentemente, o aumento do setor de serviços:41 O primeiro refere-
se a substituição da produção doméstica de bens comercializáveis
internacionalmente por importados; o segundo fator seria endógeno ao processo de
abertura comercial, repousando-se nos ganhos de produtividade que a indústria de
transformação teve de obter para fazer frente aos concorrentes externos e internos.
Neste caso, os ganhos de produtividade derivaram mais da adoção de inovações
tecnológicas e organizacionais, tendo tido correlação negativa com a geração de
empregos. O terceiro fator refere-se ao deslocamento dos serviços industriais para
empresas terceirizadas, deslocando postos de trabalho para o setor terciário (formal
e informal). Tal fator justificaria em parte o aumento de trabalhadores no setor de
serviços.
Esse processo de terciarização ou deslocamento dos trabalhadores para o
setor de serviços, entretanto, encerra determinadas particularidades. Ao mesmo
tempo em que se ampliam e diversificam os serviços voltados ao atendimento das
camadas de média e alta rendas urbanas, associados aos serviços de apoio ao
processo produtivo,42 observa-se também a expansão de atividades precárias.
Incluída na ampla gama de atividades classificadas como informais e que
representam uma perda da qualidade do emprego. Outra particularidade observada
em relação a este deslocamento refere-se à perda do poder aquisitivo: salários em
serviços são mais baixos do que na indústria.
Junto à tendência do aumento do grau de informalidade do mercado de
trabalho observa-se também outras tendências , como a do aumento de serviços
concentrado nos segmentos de limpeza, hospedagem e alimentação, o que se
justificaria em parte, ante o fato de que muitos investimentos têm sido feitos no setor
41 Emprego no Brasil: Diagnósticos e Políticas. Brasília, MTb, Assessoria Especial do Ministro. 1998. pp. 9/10 42Segundo tipologia de Singelman(1978), se referem a bancos, seguros, imóveis, engenharia, contabilidade, serviços profissionais diversos e serviços de assessoria jurídica.
45
de turismo. Novos investimentos geram mais empregos: Segundo o jornal Gazeta
Mercantil, “para cada novo apartamento na rede hoteleira, 8 a 9 empregos, entre
diretos e indiretos, são criados.” (Gazeta Mercantil, 14/07/01)
Também observa-se o crescimento de ocupações nas atividades de
comércio, serviços de reparação, pessoais, domiciliares e de diversão. Segundo o
IBGE, esse setor empregava, em 1997, 12 milhões de brasileiros, o que corresponde
a 25% dos trabalhadores urbanos. Esse crescimento refletiria não uma mudança no
vetor das atividades, mas sim na forma como eles são realizados e por quem, por
exemplo, a mercantilização de trabalhos antes realizadas no âmbito doméstico.
Ante as estatísticas, é inconteste que o setor de serviços vem ganhando
relevante importância na sociedade e tem um peso preponderante no produto
interno dos países. O advento do declínio do emprego no setor industrial
apresentado em boa parte das sociedades contemporâneas, contrasta com um
incremento relativo do emprego no setor de serviços, ainda que o balanço nem
sempre seja positivo. Em Fortaleza, o percentual do emprego no setor terciário
corresponde a quase 75%, sendo que 54% deste percentual corresponde ao setor
de serviços.
Porém, para além da sua importância numérica, temos a convergência de
diversos olhares a respeito da atividade produtiva de modo geral, que vão perceber
o setor de serviços desde de celeiro da informalidade (Malaguti, 2001), até ao modo
das teorias da sociedade pós-industrial, que acreditam na emergência da era do
tempo livre e da sociedade do lazer, cuja dinâmica econômica, social e política
estaria centrada nos serviços e nas novas profissões.
A carga ideológica associada a segunda percepção é evidente conforme se
pode perceber a partir da formulação teórica da sociedade de serviços. Alguns
estudiosos, associando tal movimento de expansão do terciário ao desenvolvimento
das tecnologias da informação e da comunicação, formulam novas teorias acerca
dos modelos de organização da sociedade, onde defendem que estaríamos
passando da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial ou de serviços.
Castells43, por exemplo, ao se referir à passagem de um modelo societal ao
outro, assinala que na sociedade industrial, quanto maior fosse o número de
trabalhadores ocupados em atividades da produção industrial, mais desenvolvida
era considerada a sociedade. A presença de muitos trabalhadores no terciário, ao
46
contrário, era vista de forma negativa pois evidenciava a dificuldade de implantação
de um projeto capitalista avançado.
Agora, pois, ao contrário da crença anterior, quanto mais avançada é a
economia, mais seu mercado de trabalho e sua produção serão concentrados em
serviços. Nesta perspectiva, novas formulações teóricas cuidam de desenvolver o
conceito de “sociedade pós-industrial” ou “sociedade de serviços” e caracterizam-na
em três planos: No plano econômico, pela mudança da economia produtora de bens
para uma economia de serviços; no plano ocupacional, pela proeminência de
profissionais liberais e técnicos e, no campo da tomada de decisões, pela difusão da
“tecnologia intelectual”.
Entre os teóricos que vêem com otimismo a expansão dos serviços, existe a
expectativa de que este setor possa absorver a mão-de-obra que é dispensada do
setor industrial, funcionando assim, como amortecedor da crise do emprego. Há
ainda a fé de que o aumento da produtividade no setor secundário, propiciará a
elevação da renda média da população, que buscará no setor terciário, novas
realizações de consumo, fazendo aumentar a demanda por novos tipos de serviços
e conseqüentemente o crescimento do número de pessoas empregadas.
Sinteticamente, a teoria do pós-industrialismo combina três elementos-chave:
a) a produtividade e crescimento residem na geração de conhecimentos,
estendidos a todas as esferas da atividade econômica mediante o
processamento da informação;
b) a atividade econômica desloca-se da produção de bens para a prestação
de serviços: o declínio do emprego industrial corresponderia ao aumento do
emprego em serviços;
c) a nova economia aumentaria a importância das profissões com grande
conteúdo de informação e conhecimento: as profissões administrativas,
especializadas e técnicas cresceriam muito rápido e constituiriam o cerne da
nova estrutura social.44
Também, não se pode deixar de perceber o duplo aspecto deste movimento,
manifesto em contradições que se expressam sob diversas formas. Sobre tais
contradições, Enéas Arrais Neto45, assim se expressa:
43 CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999. Pág. 46. 44 Castells, M. Op. Cit. Pag. 225. 45 NETO, Enéas Arrais. Desqualificação global do trabalho: a excentricidade de uma visão unitária da classe-que-vive-do-trabalho. CD Room: 24ª Reunião da ANPED, 2001
47
“De maneira geral, nos momentos de expansão da fronteira industrial, a
força de trabalho se expande como massa total e, no entanto, se contrai,
relativamente, enquanto massa de trabalho efetivamente incorporada à
produção. Por outro lado, nos momentos de crescimento para dentro,
isto é, de aprofundamento da produção e extração de mais-valia pelo
adensamento do tempo de trabalho, pela extensão da jornada e pelo
revolucionamento tecnológico, o desemprego estrutural se agrava e faz
reverberar com mais intensidade os aspectos de exclusão e o caráter
socialmente destrutivo do capital, num processo em que a valorização do
capital determina as regras do jogo de “inclusão subalterna versus
exclusão integrada.“46
No que pese as regras de tal jogo no Brasil, temos assistido à ocorrência de
uma expansão dos empregos em serviços possibilitando a absorção de
trabalhadores oriundos do setor industrial. Contudo, o setor de serviços também tem
sido afetado pela reestruturação produtiva, o que acarreta uma redução no ritmo do
seu crescimento e na ampliação dos índices de desemprego, como no caso do setor
bancário e da privatização do serviço público.
Por outro lado, grande parte dessa expansão acima mencionada, deveu-se
ao processo de transferência da produção intensiva em utilização de mão-de-obra
no sentido da periferia integrada ao sistema. Desindustrialização em uma ponta
acarreta industrialização em outra, com o dueto do desemprego no centro associado
à criação de “novos” postos de trabalho na periferia. A complexidade dos processos
encerra, inclusive, a possibilidade de casos em que os dois lados não são
efetivamente equivalentes.
Em análise feita por Manuel Castells,47, ele afirma que, se por um lado temos
um aumento na demanda por profissionais superqualificados, por outro, a sociedade
abre espaço para a participação (via setor de serviços) de pessoas com baixo nível
de qualificação. Segundo o autor, o prognóstico mais comum, original da dita teoria
pós-industrial, prevê apenas a expansão das profissões ricas em informação, como
os cargos de administradores, profissionais especializados e técnicos, não
considerando o crescimento das profissões em serviços mais simples e não-
46 Expressão utilizada por Neto para definir a compreensão de que a exclusão dos trabalhadores dos ambientes produtivos, sendo cíclica, flexiva, parcial ou definitiva, faz parte do processo de composição da força de trabalho, inclusive enquanto constituição do Exército Industrial de Reserva, elemento fundamental na definição das condições de vida e trabalho dos “incluídos” diretamente. 47 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2. ed. São Paulo : Paz e Terra,1999. p. 226
48
qualificados, leia-se excluídos e precarizados, que por sua vez, permite a existência
de um processo de dualização ocupacional.
Neste aspecto, pode-se perceber que o sentido da utilização da tecnologia,
conseqüentemente, fica privado da possibilidade humanamente positiva de sua
evolução:
Mesmo a facilitação do trabalho torna-se um meio de tortura, já que a
máquina não livra o trabalhador do trabalho, mas seu trabalho de
conteúdo. Toda produção capitalista, à medida que ela não é apenas
processo de trabalho, mas ao mesmo tempo processo de valorização do
capital, tem em comum o fato de que não é o trabalhador quem usa as
condições de trabalho, mas, que, pelo contrário, são as condições de
trabalho que usam o trabalhador 48
Neste sentido, até mesmo a suposta elevação da qualificação demandada
para as ocupações ricas em informações,(as quais se refere Castells), estabelecida
pela polivalência fica desnudada em sua intenção e efetivação pois apesar de ser
criação humana,
... a máquina, na mão do capitalista, transforma-se no meio objetivo e
sistematicamente aplicado de espremer mais trabalho no mesmo espaço
de tempo. Isto ocorre de duas maneiras: mediante aceleração das
máquinas e ampliação da maquinaria a ser supervisionada pelo mesmo
operário ou de seu campo de trabalho. A construção mais aperfeiçoada
da maquinaria é, em parte, necessária para exercer maior pressão sobre
o trabalhador (...)49
Na análise feita por Castells,
o que é mais distintivo em termos históricos entre as estruturas
econômicas da primeira e da segunda metade do século XX é a
revolução nas tecnologias da informação e sua difusão em todas as
esferas de atividade social e econômica, incluindo sua contribuição no
fornecimento da infra-estrutura para a formação de uma economia
global.
Por essa razão, prefere chamar o período em foco de informacional.
48MARX, apud Neto, op. cit. 49 MARX, apud Neto, op. cit
49
Porém é mister reconstituir unificadamente dois aspectos da análise de Marx
em O Capital: o da unidade da inserção produtiva do trabalho e o da unidade
dialética entre inclusão como força ativa de trabalho e exclusão enquanto exército
industrial de reserva.
A constatação da unidade nas formas múltiplas e aparentemente dissociadas
da inclusão produtiva também é determinada com clareza já há mais de um século.
Este trecho de Marx desmistifica a idéia de um setor de manipuladores de
informação que já não seriam trabalhadores:
O produto transforma-se, sobretudo, do produto direto do produtor
individual em social, em produto comum de um trabalhador coletivo, isto
é, de um pessoal combinado de trabalho, cujos membros se encontram
mais perto ou mais longe da manipulação do objeto de trabalho. Com o
caráter cooperativo do próprio processo de trabalho amplia-se, portanto,
necessariamente, o conceito de trabalho produtivo e de seu portador, do
trabalho produtivo. Para trabalhar produtivamente, já não é necessário,
agora, pôr pessoalmente a mão na obra; basta ser órgão do trabalhador
coletivo, executando qualquer uma de suas subfunções. A determinação
original, acima, de trabalho produtivo, derivada da própria natureza da
produção material, permanece sempre verdadeira para o trabalhador
coletivo, considerado como coletividade. Mas ela já não é válida para
cada um de seus membros, tomados isoladamente.50
Nesse contexto, e a partir dessa compreensão ampla da unidade do trabalho,
em oposição à unidade do capital, se torna necessário se pensar em propostas de
qualificação que considere a totalidade do “trabalhador coletivo”. Isso significa, de
princípio, negar a concepção de que vivenciamos atualmente a elevação da
qualificação dos trabalhadores, observando apenas os setores incluídos na
produção em detrimento de outros que se desqualificam, os supostos “excluídos”.
Para tanto, necessário se faz entendermos as determinações do processo de
produção capitalista globalizado no mercado de trabalho atual em suas novas
nuanças, considerando que a combinação de alta tecnologia e mão-de-obra barata
estabelece uma relação em que se determina caso a caso visando à redução de
custos e aumento da produtividade, com o incremento da extração de mais-valia.
Neste caso, a contribuição de Ricardo Antunes quando analisa as dimensões da
diversidade, heterogeneidade e complexidade da classe trabalhadora atual é muito
50 Idem
50
importante para refletirmos as conseqüências de tal processo para o “Trabalhador
Coletivo”, ou para usar um termo do próprio Antunes, para a classe que vive do
trabalho:
Tem sido uma tendência freqüente a redução do proletariado industrial,
fabril, tradicional, manual, estável e especializada, herdeiro da era da
indústria verticalizada. Esse proletariado se desenvolveu intensamente
na vigência do binômio taylorismo/fordismo e vem diminuindo com a
reestruturação produtiva do capital, o desenvolvimento da ‘lean
production’ a expansão ocidental do toyotismo e das formas de
horizontalização do capital produtivo, a flexibilização e desconcentração
(e muitas vezes, a desterritorialização) do espaço físico produtivo. Ou
ainda motivado pela introdução da máquina informatizada, com a
telemática (...)
Há, por um lado, um enorme incremento do novo proletariado fabril e de
serviços, que se traduz pelo impressionante crescimento, em escala
mundial, do que a vertente crítica tem denominado trabalho precarizado
(...). São os “terceirizados”, subcontratados, part-time, entre tantas outras
formas assemelhadas, que proliferam em inúmeras partes do mundo. 51
Antunes assinala que as metamorfoses no interior do mundo do trabalho além
de se manifestarem em diversas clivagens entre os trabalhadores estáveis e
precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos e
negros, qualificados e desqualificados, incluídos e excluídos, e tantos outros que
corroboram para a estratificação e fragmentação do trabalho também se acentuam
em função do processo crescente de internacionalização do capital, manifestando-se
portanto:
1) dentro de um grupo particular ou segmento do trabalho;
2) entre diferentes grupos de trabalhadores pertencentes a mesma
comunidade nacional;
3) entre conjuntos de trabalhadores de diversas nações, opostos entre si
no contexto da competição capitalista internacional;(...)52
4) [entre] a força de trabalho dos países capitalistas avançados -
relativamente beneficiados pela divisão capitalista global do trabalho -
em oposição à força de trabalho relativamente mais explorada do
“terceiro mundo”;
51 ANTUNES, Ricardo. Op. cit. p.p. 104 e 105
52 Idem. p. 117
51
5) [entre] o trabalhador empregado, separado e oposto aos interesses
objetivamente diferenciados - e geralmente política e
organizacionalmente não articulados - e “os não assalariados” ou
desempregados, inclusive, os crescentemente vitimados pela “segunda
revolução industrial”53
Assim temos como uma das conseqüências mais sérias para o conjunto dos
trabalhadores diante da diversidade do trabalho atual a sua fragmentação e
desintegração enquanto classe, aliada a uma violenta desigualdade e exclusão
social que se intensifica ainda mais através da precarização do mercado e das
condições de trabalho.
Para se pensar a posição que estes trabalhadores ocupam na estrutura do
mercado de trabalho, é válida a apreensão que faz Harvey,54 de que o mercado de
trabalho passou, na vigência da acumulação flexível, a estruturar-se em dois
grandes segmentos: o dos trabalhadores centrais e o dos trabalhadores periféricos.
O centro contaria com trabalhadores que gozam de maior segurança, de vantagens
como pensão, seguros, etc. e que têm perspectivas de promoção e de
enriquecimento funcional e qualificativo; seriam estes, trabalhadores em tempo
integral e que ocupam posição essencial na empresa não sendo facilmente
descartados (é o grupo composto basicamente pelos gerentes). A periferia
subdivide-se em dois subgrupos: O primeiro formado por empregados em tempo
integral e com habilidades facilmente encontradas no mercado. É o caso do “pessoal
do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho
manual menos especializado”. Caracteriza-se pela alta taxa de rotatividade; o
segundo formado por “empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal
com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinandos com
subsídio público”, tendo ainda menos segurança do que aqueles que ocupam o
primeiro subgrupo periférico. O autor assinala ainda que a tendência é pela
diminuição dos trabalhadores centrais e o aumento dos periféricos, principalmente
os do segundo subgrupo periférico. Perambulando por fora do mercado estaria um
crescente contingente de desempregados estruturais. Estes fazem parte de um
exército de reserva diferente, já que não contam mais com possibilidades efetivas de
realocação no interior do mercado — mesmo este extremamente precarizado.
53 MÉSZÁROS apud Antunes. Op. cit. p.117 54 HARVEY David. Condição pós- moderna. São Paulo: Loyola 1992
52
Para Ramos55, no Brasil, os técnicos de nível médio podem ser associados ao
primeiro grupo da periferia do mercado de trabalho descrito por Harvey, pois estes
são, por um lado, submetidos à elevação da rotatividade, mas, por outro, dispõem de
títulos e das próprias competências como parâmetros negociáveis no mercado de
trabalho.
Aos desempregados estruturais, resta a esperança do mercado de trabalho
informal, desde que aprendam a ser empreendedores. Quanto à informalidade
Malaguti analisa nos seguintes termos:
Constata-se hoje, corriqueiramente, que a informalidade não é um
celeiro de empreendedores, de pessoas ativas e enérgicas, mas sim o
refúgio dos sem opção. Na medida em que o tema da informalidade não
pode mais ser evitado, pois atinge quase todas as famílias, de maneira
mais ou menos direta, desvenda-se sua verdadeira face.
Mediante tal configuração do mercado de trabalho, para nós é evidente que
nos encontramos diante de um fenômeno que, se de um lado exacerba a
precarização do mercado de trabalho, de outro, eleva os níveis de produtividade,
com o incremento da extração de mais-valia, a patamares jamais experimentados na
história do capitalismo.
A relação trabalho-educação dentro desse quadro surge decorrente de uma
preocupação central, da qual compartilham muitos educadores: a formulação de
uma proposta educacional na qual deve ser formado o perfil comportamental e os
requisitos cognitivos necessários ao trabalhador no patamar de produção
contemporâneo. Tal entendimento do perfil ideal de qualificação da força de trabalho
conforme às novas necessidades postas pelos processos de produção e
organização do trabalho típicos das unidades industriais de ponta trata-se, no
entendimento de Nosella56, de uma sugestão de “abstratas pedagogias de formação
de mão-de-obra para o mercado de trabalho”, pois talvez os excluídos “não
consigam entrar no mercado de trabalho porque lhes falta um preparo técnico e
cívico adequados. Daí a preocupação de melhorar a “embalagem” dessa
mercadoria, mão-de-obra que ninguém quer”.
55 RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: Autonomia ou adaptação? S. Paulo: Cortez, 2001. p. 159 56 NOSELLA, Paolo...[et al.]. Trabalho e Conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez; 1995. p.39
53
Decorrente dessa preocupação, as políticas educacionais no Brasil se
centram no modelo de competências partindo do pressuposto de que é premente a
necessidade das pessoas terem novas habilidades cognitivas para responderem
com eficiência às demandas do mercado de trabalho; e tendo como referência a
dificuldade de criação de novos postos de trabalho, concebem a educação
profissional como política pública de emprego e renda, na perspectiva de que esta
possa contribuir para desenvolver novas habilidades nas pessoas, para que possam
pelo menos, ter a oportunidade de responder as demandas do mercado.
Isto posto, nos permite antecipar que ante a configuração do mercado de
trabalho, não resta dúvida de que a educação não seja instrumento capaz de, por si
só, potencializar a trabalhabilidade, além do mais, quando se remete essa
perspectiva ao contexto do terciário, tido como o alvo para absorver ao excedente
da mão-de-obra da indústria, percebemos a sua escassa possibilidade de considerar
o trabalhador coletivo. Resta-nos, portanto, apreender o seu significado para a
empregabilidade, o que nos remete ao questionamento do tipo de demanda do setor
produtivo brasileiro que passou a exigir que a formação do trabalhador se realize
tendo como base as novas formas de realização da atividade produtiva,
características do paradigma de acumulação flexível. Portanto, nos remete a
apreensão do contexto de reestruturação produtiva do Brasil, em um âmbito mais
geral e mais particular, ao contexto de reestruturação produtiva do terciário de
Fortaleza, onde se situa o nosso objeto.
Isto porque, mesmo que a questão da qualificação pareça estar
absolutamente subsumida à lógica capitalista, não se trata de uma questão tão
linear. O que é perceptível é que há uma íntima e complexa relação entre as
mudanças dos setores produtivos, tanto em termos de incorporação de novas
tecnologias como em termos de assimilação das técnicas de gestão e organização
do trabalho que acompanham tais mudanças e o perfil ocupacional demandado ao
trabalhador. Porém, nessa relação complexa que o capital produz, surgem
contradições entre o perfil de trabalhador que é exigido e o que é necessário à sua
reprodução. Essas contradições irão se revelar tanto no que se refere às diferenças
nos estágios de desenvolvimento produtivo entre países, regiões e setores
produtivos e mesmo entre as diferenças de cultura das organizações empresariais.
Sabemos que os países periféricos vivem, de forma mais conturbada, a
racionalização econômica que se processa em escala mundial. O caso brasileiro
54
experimentou a incorporação de novas tecnologias num contexto de crise
econômica e transição política. Demanda interna contraída, necessidade de
ampliação do mercado externo legitimam uma política econômica voltada para a
exportação. Tal política trata de adequar a indústria nacional aos novos padrões
internacionais de competitividade que compreendem a incorporação de novas
tecnologias como condição de garantia de qualidade, precisão e flexibilidade de
produção.
Importa ressaltar a especificidade da incorporação do novo modelo em nossa
realidade. A introdução, assimilação e disseminação de tecnologias inovadoras não
se dão de forma homogênea, em razão do caráter diferenciado do desenvolvimento
econômico que inviabiliza a adoção das tecnologias por parte de muitas empresas,
ou, mesmo, admite esta adoção sem as adequadas mudanças na organização do
trabalho.
Em primeiro lugar, convém ressaltar que a noção das competências hoje
institucionalizada na educação profissional é importada dos países do centro do
capitalismo, onde a institucionalização das competências ocorre a partir do
movimento da organização das empresas que passam a colocar um novo desafio à
qualificação dos trabalhadores que irão protagonizar novas situações de trabalho em
postos dentro destas mesmas empresas, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde
o Estado imprime a lógica das competências à formação do trabalhador, sem
necessariamente isto se tratar de uma pressão do movimento empresarial, uma vez
que são mínimas as empresas que adotam a gestão por competência, e, por outro
lado, uma grande maioria dos trabalhadores estão marcados mesmo é a viverem
situações de trabalho cada vez mais precarizadas na informalidade ou mesmo no
terciário.
É farto o número de produções teóricas que tratam do movimento das
transformações em nível global pelas quais passam as forças produtivas do capital
que estariam conduzindo a questionar ou até mesmo reverter algumas tendências
fundamentais que caracterizaram o desenvolvimento do processo de trabalho
capitalista desde a manufatura. Castillo (1997:56) ressalta que essa idéia de ruptura
no conteúdo do trabalho ligada às novas condições produtivas, se daria, por
exemplo, a partir da incorporação de novos conceitos na produção, freqüentemente
tratados na literatura da sociologia do trabalho como “sistemofatura” (Hoffman e
Kaplinsky 1988), “quarto estágio” (Schmitz 1985), “era pós-industrial ou cibernética”
55
(Hirschhorn 1984), “especialização flexível” (Piore e Sabel 1984), “novo paradigma
tecnológico” (Freeman e Pérez 1988). Todas essas denominações fazem referência
à novidade da situação atual, a um ponto de inflexão em relação a situação anterior.
Para Castillo (1997:56), as identidades na literatura vão além de assinalar
estas transformações. Encontramo-nos também com um certo acordo de interpretá-
las como uma melhora nas condições de trabalho. “Nos processos automatizados
haveria uma humanização do trabalho (....), o trabalho já não estaria estritamente
prescrito e as atividades humanas seriam valorizadas.”
Em contraponto, algumas análises, como faz, por exemplo, Márcio Pochman
(2000), mostram que o movimento de inserção do Brasil no cenário competitivo de
mundialização do capital, tem resultado numa reiterada submissão e integração
passiva da economia nacional ao mercado mundial, pois se de um lado temos um
mercado de trabalho caracterizado por grande fragilidade tecnológica e
organizacional quando confrontada com o quadro internacional, por outro lado, a
carência de investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, leva o país a
uma posição bastante medíocre no contexto da nova divisão internacional do
trabalho.
No que concerne à reorganização da base produtiva, sabemos que foi só a
partir dos anos 90 que começou a se evidenciar a modernização das empresas
brasileiras. Isso de dava ao mesmo tempo em que ocorriam diversas crises
econômicas e momentos recessivos. Como ilustração, Abramo57, em estudos
realizados no final dos anos 80 acerca da incorporação de novas tecnologias nos
processos produtivos e sua difusão setorial, apontava para o baixo nível de difusão
de inovações técnicas e organizacionais no tecido industrial brasileiro, mantendo
exceção apenas para alguns setores de ponta.
Entretanto, a abertura do mercado e as estratégias adotadas para
incrementar a exportação, contribuíram para que as empresas brasileiras
passassem a rever suas estratégias de competitividade, introduzindo novos modelos
de organização do trabalho e da produção. Em parte devido às crises enfrentadas
ao longo da década de 90, a modernização está mais concentrada na adoção de
inovações organizacionais como a adoção de programas do tipo 5 “S”, círculos de
controle de qualidade, benchmarketing, fabricação just in time, uso de minifábricas
57 ABRAMO, Laís. Novas tecnologias, difusão setorial, emprego e trabalho no Brasil: um balanço. In: Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 1990, n. 30. segundo semestre.
56
ou células de trabalho, do que na introdução de novos equipamentos. Embora nas
empresas ditas “de ponta” esse aspecto não tenha sido desprezado.
Porém, mesmo com a introdução dos círculos de qualidade ou das várias
formas de trabalho em equipe, ainda subsiste, em grande parte das empresas, o
monopólio da regulação técnica e do trabalho em reduzido núcleo de profissionais e
trabalhadores qualificados que concentram decisões técnicas e trabalho criativo e a
cultura das organizações não se alterou em relação ao novo modelo produtivo,
portanto, para grande maioria, o trabalho ainda continua sendo prescrito.
Esse quadro nos dá mostras de que o modelo de competências não é uma
exigência unificada no movimento que ocorre nos processos produtivos brasileiros.
Portanto, para o objeto desse estudo achamos também importante apreender as
outras lógicas de uso social que sustentam a sua adoção na educação profissional,
onde passaremos a analisar o novo redimensionamento das relações trabalho-
educação e o papel da educação profissional como categoria mediadora entre o
trabalho e a cultura, bem como o determinismo econômico que a ela se impõe. Isso,
na perspectiva de apreender como as determinações processadas nas esferas
econômicas e políticas são decisivas nas políticas educacionais e, conseqüente-
mente, no uso social que se fará da noção de competências incorporada à educação
profissional.
57
CAPÍTULO II - A educação profissional na reforma educacional brasileira dos anos 90 e no modelo pedagógico do Senac, tendo como eixo a noção de competências
2.1. Determinantes sociais, econômicos e políticos da educação
2.1.1. A educação profissional como categoria mediadora entre o trabalho e a cultura
A educação por ser socialmente determinada e, ao mesmo tempo,
determinante das relações sociais, vai sofrer ingerências diretas das transformações
ocorridas no contexto sócio-político-econômico analisadas no capítulo anterior. Por
conseguinte, essas transformações fizeram com que a década 90 fosse fértil em
reformas educacionais no Brasil. Essas reformas, que abrangem o conjunto do
sistema educacional, inclui profundas transformações na educação técnico-
profissional. Tais transformações estão crivadas por determinantes de caráter
político, social e econômico daquele contexto mais amplo que interferem no sistema
educacional e se combinam de diversas maneiras e em graus diversos.
Os determinantes de caráter político mais decisivos na reforma do sistema
educacional relacionam-se ao papel ideológico do Estado nas mudanças que se
concretizam através de uma política educacional voltada para formação da força de
trabalho adequada às transformações correntes na base produtiva.
Nessa direção, o perfil e as qualidades delineadas pelo discurso empresarial
mundializado, respeitantes ao trabalhador adaptado às novas demandas do mundo
da produção, apresentam-se também como os elementos formais norteadores das
iniciativas do Estado no referido campo. Tais elementos vão fazer com que as
reformas implementadas no campo educativo-formativo realizem-se em
conformidade, tanto das necessidades do sistema produtivo na formação de uma
força de trabalho adaptada às transformações ora correntes na base da produção
58
econômica nacional, como do estabelecimento de um novo padrão ideal de vivência
das relações sócio-econômico-políticas que estruturam a sociedade.
Os rumos que são dados à educação, portanto, são significativos para a
compreensão dos seus reflexos sobre a produção e reprodução da força de trabalho
e, principalmente, para a compreensão do sentido que a qualificação profissional
tem nesse movimento, como categoria mediadora entre o trabalho e a cultura.
Parece ser possível afirmar que a qualificação – aqui claramente entendida
como relação social –, exerce uma função especialmente importante na formação e
transformação cultural, atendendo aos interesses do capital, pois é o mercado de
trabalho capitalista quem define as tendências e os requisitos dessa qualificação.
A qualificação é um princípio simbólico-cultural da sociedade capitalista e é
também elemento fundamental de negociação para a força de trabalho que se
relaciona com o capital como mercadoria.
Assim sendo, como mediadora da relação social que se estabelece entre
capital e trabalho, é ela que oculta a dominação que o primeiro exerce sobre o
segundo, no contexto cultural que se forma a partir do fetichismo da mercadoria.
Subjaz assim, às políticas implementadas pelo Estado, uma forte base
teórico-ideológica que tenta ocultar as implicações do profundo processo de
transformação sob a hegemonia do capital para o trabalho e para o trabalhador.
Isso, é claro, não nega a presença e a possibilidade de outras forças que buscam
resistir a essa hegemonia e superá-la, mediante uma nova conformação social, com
outras bases, métodos e finalidades.
Sobre essa questão Oliveira58 assim se expressa:
a formação do trabalhador cidadão referido na retórica do MEC, diz respeito
na verdade ao próprio campo das relações ideológico-políticas necessárias
à generalização do sistema de produção flexível, onde deve-se promover
mudanças nas condições sociais e nos costumes e hábitos individuais, diz
respeito, portanto, à questão da hegemonia.
A hegemonia, neste sentido, se concretiza através da “necessidade de um
controle do Estado no sentido de incrementar o nível técnico-cultural da população e
responder assim às exigências do desenvolvimento das forças produtivas”.[Piotte,
apud Mochcovitch, 1992:36]
58 OLIVEIRA, Ramon. Ensino médio e educação profissional - Reformas excludentes. CD Room: 24ª Reunião da ANPED, 2001.
59
Dessa forma é que vão sendo organizados os meios e processos através dos
quais a classe social no poder integra à sua concepção de mundo as "massas",
assegurando a aceitação por estas dos conteúdos ideológicos conformadores de tal
visão de mundo.
Portanto, decorre daí a fabricação do consenso. Para Oliveira (Idem, 2001),
uma classe ou fração de classe no poder torna-se efetivamente hegemônica a partir
do momento em que consegue obter, tanto por parte das classes aliadas quanto por
parte das classes subalternas, uma identificação destas com o seu projeto ideológico
de dominação; quando sua visão de mundo particular universaliza-se, sendo
compartilhada como própria pelas demais classes. A obtenção de um consenso
“espontâneo” daqueles sobre os quais se exerce a direção/domínio (hegemonia),
significa a sua transformação em agentes de propagação (com maior ou menor
consciência de tal papel) das diretivas elaboradas pelo Estado, as quais deveriam
tornar-se normas de conduta para os outros.
Uma das principais funções do Estado, nesta perspectiva, seria então
exatamente a “produção” de novos tipos de homens: aqueles conformes (tanto no
sentido físico-psicológico quanto no ideológico-político - aliás, intrínsecos) ao grau
de desenvolvimento do conjunto das relações de produção e, portanto, conforme ao
grau de complexificação da sociedade:
... cada Estado tende a criar e a manter certo tipo de civilização e de
cidadão (e, portanto, de convivência e de relações individuais), tende a
fazer desaparecer certos costumes e hábitos e a difundir outros, ... o Estado
deve ser concebido como “educador”, desde que tende a criar um novo tipo
ou nível de civilização. Missão educativa e formativa do Estado, cujo fim é
sempre criar novos e mais elevados tipos de civilização, adequar a
“civilização” e a moralidade das mais amplas massas populares às
necessidades do desenvolvimento continuado do aparelho econômico de
produção, portanto elaborar também fisicamente tipos novos de
humanidade. [Gramsci, apud Oliveira, op. cit.: 2001]
Dessa forma, o processo de criação do trabalhador flexível, tendo como ponto
de partida uma “iniciativa privada” (modelo de produção flexível nas empresas)
coloca a necessidade da construção de um conjunto de mecanismos ideológicos
visando à adaptação da força de trabalho no espaço da vivência externa à empresa,
termina por se transformar em política do Estado.
60
Nesse contexto, Ramos59 alerta que a hegemonia das classes empresariais
tem motivado a emergência de novas categorias, pretensamente mais adequadas
para expressar as demandas requeridas pelos sistemas produtivos sob o modo de
produção capitalista. Demonstração inequívoca disso é a relevância que adquire o
modelo de competências frente ao conceito de qualificação.
2.1.2. A educação profissional no enfoque neoliberal e economicista
Nesses tempos de globalização e neoliberalismo, as reformas processadas
no âmbito educacional brasileiro, é claro, também ocorreram perfeitamente em
consonância com as teses do Estado mínimo e das leis do mercado. Especialmente
as que se referem à formação técnico-profissional que estão claramente predefinidas
como estratégia particular do denominado ajuste estrutural que implica as reformas
do Estado no plano político-institucional e no plano econômico-administrativo.
O bloco do poder que governa hoje o Brasil, antes mesmo de assumir o
governo, como nos mostra Cunha60, já tinha um projeto alinhado com a filosofia
neoliberal para ser implantado na sociedade.
A nova LDB (Lei 9393/96), reflexo deste projeto, como mostra Saviani61,
possui um caráter minimalista e desregulamentador que se coaduna tanto à
estratégia de impor pelo alto um projeto preconcebido, quanto à tese do Estado
mínimo com a tríade do ajuste estrutural: desregulamentação, descentralização e
privatização. Ou seja, como observa Saviani, isso deixa o caminho livre para a
apresentação de reformas pontuais, tópicas, localizadas, traduzidas em medidas
como a lei de reforma do ensino profissional e técnico.
Sob a égide do Estado mínimo, os ajustes realizados no âmbito da sociedade
brasileira, como afirma Melo62, imprimem um status privilegiado à iniciativa privada,
à livre concorrência e às leis de mercado e dão realce a uma agenda de reformas
de inspiração neoliberal a ser cumprida no setor educacional.
Se em momentos anteriores, o que marcou o caráter das políticas
educacionais no Brasil foi a vinculação das mesmas aos projetos
desenvolvimentistas implementados em diversos governos. No momento atual, o
59 RAMOS, Marise Nogueira. Op. cit., 2001. p. 37 60 CUNHA, L. A. Educação brasileira: Projetos em disputa. São Paulo: Cortez,1995. 61 SAVIANI, D. A nova lei de educação: LDB, trajetória, limites e perspectiva. Campinas/SP: Autores Associados,1997. 62 MELO, Marcus André B. C. Desenvolvimento sustentável, ajuste estrutural e política social: as estratégias das OMS/OPS e do Banco Mundial para a atenção à saúde, Brasília, IPEA, n.11, 1995. p. 193.
61
teor destas políticas passa a ser definido pelo caráter de reestruturação do Estado,
bem como da adaptação do sistema educacional aos ditames do processo de
globalização. Contudo, ainda que com características distintas, nesta nova fase das
políticas educacionais, constata-se o incremento da influência de organismos
internacionais, fortalecendo o seu poder de definir, direta e indiretamente, os rumos
que devem ser seguidos pelo governo brasileiro nessa área.
Nesse sentido, Cunha63 nos chama a atenção sobre um artigo produzido por
David Wilson sobre o estado da arte da reforma da educação técnico-profissional na
América Latina, onde este assinala a orientação do BIRD como fazendo parte de
uma concepção “econocêntrica” das agências financeiras internacionais, muito
difundida na região. Na década de 90, essa concepção se expressou por três
vetores nas mudanças observadas: descentralização, setorização e privatização da
educação técnico-profissional na América Latina.
Em adição a essas tendências, Cunha (Op. cit.) assinala a de “diferenciação
para cima” da educação técnico-profissional na América Latina, desde o nível
secundário até o pós-secundário para técnicos e tecnólogos. Ele aponta, ainda, que
essas mudanças todas teriam sido determinadas pela globalização da economia,
com o conseqüente abandono das políticas protecionistas e a abertura dos
mercados nacionais a uma competição internacional cada vez mais acirrada. Para
enfrentar a competição num mercado progressivamente mais globalizado, os
governos dos países latino-americanos decidiram, entre outras providências,
modificar os modos como qualificam sua força de trabalho, em especial para a
indústria e os serviços, que, por sua vez, passam a utilizar tecnologias mais
sofisticadas, exigentes de trabalhadores dotados de diferentes qualificações e/ou
competências.
Tal decisão, por sua vez, se deve essencialmente da constatação de que a
ausência da posse de patamares mínimos de escolarização por parte de um
significativo contingente da força de trabalho industrial nacional acaba por
representar um importante fator de custo para a própria realização do processo
produtivo. Isto porque, o movimento de disseminação das propostas de
reorganização do trabalho e/ou a introdução das novas tecnologias de base
microeletrônica no âmbito do setor industrial brasileiro, ocorrido de forma mais
63CUNHA, Luiz Antônio. O ensino Profissional na irradiação do industrialismo. S. Paulo: Ed. UNESP, 2000. p.214
62
constante a partir de meados da década de oitenta, trouxe consigo uma demanda
por uma maior capacidade de interpretação e comunicação dos trabalhadores que
ocupam as posições básicas na realização da produção.
A educação nesse sentido é marcada por um forte determinismo econômico,
mormente a educação profissional, pelo papel que lhe é atribuído no cenário
contemporâneo, como um elemento importante na composição dos fatores que
regem a competitividade dos países, das organizações e dos indivíduos. Esse
posicionamento, como é identificado por Frigotto64 sendo uma reedição da teoria do
capital humano, tem levado alguns países a destinarem uma parcela significativa de
seu orçamento para qualificação e reconversão de sua força de trabalho e a
traçarem planos e políticas educacionais que visem a capacitar os indivíduos para
lidarem com os novos parâmetros tecnológicos e prepará-los para o mercado de
trabalho e/ou para o desenvolvimento de alguma atividade que lhes possibilite
subsistência.
A segunda perspectiva é o alvo a que mais se visa no Brasil, haja vista a
internacionalização de algumas ocupações e a implementação de novos formatos de
trabalho não terem ampliado o número de postos de trabalho, nem a mobilidade dos
trabalhadores, pois a globalização dos postos de trabalho só contempla uma
pequena parcela da classe trabalhadora, para a grande maioria ela se apresenta sob
a forma de trabalho precarizado.
Aliás, a nova conformação do mundo do trabalho, além de inibir a mobilidade
social, restringe a capacidade de atuação coletiva dos trabalhadores, já que só um
pequeno grupo possui as condições ideais para negociar seu conhecimento de
forma autônoma e para desenvolver uma carreira.
No entanto, os propositores das políticas educacionais detectam que no
interior dos processos de trabalho, ocorre um redimensionamento das qualificações
que passam a privilegiar as atividades simbólicas e de abstração em detrimento das
atividades ditas concretas e passíveis de codificação. Esse deslocamento provoca
desqualificação de parte da força de trabalho, mas, diversamente dos períodos
anteriores, uma parcela significativa dos profissionais desabilitados não consegue
recolocação em outros segmentos da economia, levando a um consenso quanto à
64 FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1996. 231 p.
63
necessidade de implementação de ações direcionadas à reconversão e à
qualificação profissional.
Todavia, os apelos à educação continuada e à reconversão profissional
parecem relacioná-las a um esforço individual e não a um conjunto de fatores que
vão desde a capacidade cognitiva do sujeito à sua realidade sócio-econômica.
Esquece-se de que a qualificação é um processo histórico, e como tal não pode ser
analisado desvinculado dos fatores que concorrem para sua construção. É
resultante de um processo de interatividade, não pode ser construído solitariamente,
depende do acesso efetivo a informações e processos referentes à qualificação
desejada. Nesse sentido, a possibilidade de um indivíduo se qualificar está mais
próxima da sua história de vida e de suas relações materiais de acesso do que de
um desejo individual.
No entanto, a entrada em cena do conhecimento nas organizações, a qual
remete à Teoria do Capital Humano, se apresenta sob duas perspectivas. Primeiro,
na perspectiva de uma mão-de-obra mais qualificada. E segundo, no
autodesenvolvimento pelo trabalhador de um capital pessoal levando à
empregabilidade. Essa teoria, que é uma derivação da teoria econômica
neoclássica, e seu ressurgimento, em parte, se deve à crise do modelo taylorista e,
por outro lado, à redefinição das relações de trabalho e do papel do sistema
educacional. A sua crítica na década de 70 já apontava o utilitarismo imediatista
decorrente de sua aceitação irrestrita.
Vivenciamos, pois, o determinismo econômico do sistema educacional, que
se dá sob a tirania do mercado e o signo da inovação, um momento de
redimensionamento do papel do ser humano nas organizações, etiquetada de
"capital humano", "capital intelectual" e "inteligência competitiva". A perspectiva
humana vê a organização como um conjunto de indivíduos e grupos que têm
objetivos de auto-realização. Essa perspectiva concentra-se na ligação do indivíduo
com o trabalho, ressaltando os fatores de motivação, liderança e demais aspectos
psicossociais, de onde se abstrai que para lidar com informação relevante para os
objetivos organizacionais, as pessoas necessitarão de mais conhecimento.
Reconhece-se, portanto, o papel do conhecimento no trabalho só que o
papel do trabalho na vida do indivíduo e da sociedade é um dos aspectos no qual a
sociedade moderna mais escamoteia neste momento.
Para Kuenzer, esse é um paradoxo que assim se coloca:
64
Quando finalmente as exigências de competitividade econômica
reclamam o uso intensivo do conhecimento e da educação, estreitando
as relações entre educação e trabalho, desaparece a especificidade do
vínculo formal com o emprego, transferindo-se a tensão para outro
ponto: embora educação para a cidadania e para o trabalho se
confundam, ela é para poucos; cada vez para menos (Kuenzer, apud
Ramos, 2001, p. 134)
O papel central atribuído ao conhecimento ancora-se na crença de que ele é
fundamental para o crescimento e para a criação de empregos. Hoje o conhecimento
exerce um papel central no processo econômico. Indivíduos com mais conhecimento
obtêm empregos mais bem remunerados. Empresas com mais conhecimento são
mais bem-sucedidas em seus mercados. Nações com mais conhecimento são mais
produtivas. Esse papel estratégico estaria por trás dos investimentos crescentes em
conhecimento por parte dos indivíduos, empresas e países. As economias mais
desenvolvidas estariam tornando-se cada vez mais baseadas em conhecimento.
Para as empresas ditas mais inovadoras, o conhecimento coletivo já é
reconhecido como uma competência fundamental para a performance
organizacional, e se baseia nas habilidades e experiências individuais em relação ao
trabalho realizado. É comum encontrar, na literatura especializada, essas questões
associadas a organizações do aprendizado, reengenharia de processos,
corporações virtuais, universidades corporativas, novas formas de organização,
educação para o trabalho, criatividade, inovação e tecnologia da informação. Isso
porque, no contexto do mercado de trabalho globalizado, faz parte da
competitividade substituir a “força” de trabalho pela “inteligência” no trabalho,
sobretudo através de processos informatizados.65
Existe entre as agências multilaterais (Banco Mundial, BID, UNESCO,
CEPAL, OIT, etc.) a concordância que o maior investimento na educação básica
representa a única possibilidade real de reversão das desigualdades sociais.
Contudo, contraditoriamente, a defesa de uma maior atenção à educação por parte
destas instituições não vem acompanhada de uma reflexão crítica sobre as
conseqüências nefastas advindas da internacionalização econômica, na qual a
maioria das nações do Terceiro Mundo participa subordinadamente. Desta forma, a
apologia à competitividade – desenvolvida por essas instituições – expressa uma
65 DEMO. Pedro op. cit.
65
saída ideológica para uma situação de difícil resolução nas nações em
desenvolvimento.
O trecho a seguir, extraído do relatório da Organização Internacional do
Trabalho de 2000, é concorrente com o a defesa da educação voltada para o
desenvolvimento econômico:
Os trabalhadores necessitarão novas e mais elevadas capacitações e
competências para poderem fazer explodir todo o seu próprio potencial
produtivo com as novas tecnologias avançadas, especialmente no
âmbito da informação e das comunicações. Necessitarão também de
novas capacitações em matéria de comportamento, trabalho em equipe
e de hábitos sociais que lhes ajudem a se reajustar e a renovar seus
instrumentos visto que – à medida que se acentua a evolução dos
mercados, da tecnologia, da organização e das oportunidades de
trabalho – os conhecimentos e as capacitações ficam rapidamente
superados e têm de ser continuamente renovados. Desta forma, o
grande feito consiste em ampliar as oportunidades (obter o
financiamento necessário) de aprendizagem para toda vida e conseguir
que os trabalhadores tenham o seu devido acesso. (Relatório da
Reunião da OIT, Genebra, 2000)
Em comum acordo com o discurso que tende a universalizar-se, essas
instituições retomam o discurso presente na década de 60 de que a
profissionalização – pela via da escolarização – garantiria aos indivíduos as
condições para competirem no mercado de trabalho e melhorarem suas condições
econômicas. Esse pensamento veiculado pelas agências internacionais que
interferem na política educacional brasileira – como a CEPAL e o Banco Mundial –,
se já foi duramente criticado por Frigotto66 há mais de uma década, mostra-se outra
vez passível de contestação.
Segundo Frigotto, para compreender a Teoria do Capital Humano faz-se
necessário não só apreender o seu processo de construção, mas antes, entender
como esta se articula com o desenvolvimento do sistema capitalista. Em outras
palavras, para o autor não é possível apreender o seu conteúdo se não se buscar
uma articulação entre o que se dá no âmbito da infra-estrutura (economia), com o
que se dá no campo superestrutural. A teoria como uma formadora de pensamento,
66 FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômica social e capitalista. São Paulo: Cortez, 1989.
66
e sendo formulada para justificar as contradições do sistema capitalista, tem como
objetivo a manutenção das relações de força e de desigualdade existentes. Pois,
como já diziam Marx e Engels, idéias dominantes numa determinada época são
aquelas formuladas pelas classes dominantes.67
A Teoria do Capital Humano, por apresentar um viés empiricista e por sua
construção pautar-se num referencial epistemológico nitidamente positivista,
constrói-se dentro de um modelo de análise que não consegue visualizar a
totalidade dos fatores que determinam as relações sociais. Considera os fatores
isoladamente e busca na sua somatória, a complexidade dos fatores explicativos de
uma totalidade maior. Este tipo de abordagem de caráter marginalista baseia-se
numa concepção de que o homo economicus é um ser dotado de uma racionalidade
tal, que é capaz de escolher, livre das pressões externas, quais devem ser os
melhores caminhos traçados para a alcançar o seu sucesso econômico. Trata-se de
uma teoria incapaz de fazer algum tipo de explicação real do sistema capitalista, e
termina por ser apologética do mesmo.
O substrato epistemológico do qual se origina a Teoria do Capital Humano,
determinará diretamente a capacidade desta de resistir a certas generalizações. Em
outras palavras, a sua incapacidade de mostrar, em nível macro-estrutural, a sua
cientificidade, a fará procurar, dentro de análises mais micro-econômicas, a
comprovação de seu conteúdo.
Como contraponto a esta teoria, há de ser visto que a produtividade não
decorre só e nem primordialmente do aumento da qualificação, mas principalmente
da automatização do processo produtivo. É bom que se observe, como chama
atenção Frigotto,68 que o sistema capitalista busca, cada vez mais, retirar do
trabalhador o controle do seu processo de trabalho.
A Teoria do Capital Humano afirma que uma maior escolarização contribui
diretamente para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, em função de um
aumento de renda que decorre, diretamente, da sua melhor qualificação para o
desempenho no mercado de trabalho. Em outras palavras, o incremento da
produtividade – decorrente do aumento da capacitação – levaria a que o indivíduo
também se beneficiasse pelo aumento dos seus salários.
67 4 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-omega, [s.d.]. v. 1.p. 13-46. 68 FRIGOTTO, Gaudêncio. (1989) op. cit.
67
A referida teoria, que agora ressurge acompanhada de todo o substrato que
dá sustentação à produção flexível, bem como das recomendações de eficiência e
produtividade presentes no referencial neoliberal. Fruto deste ressurgimento, mais
uma vez, Frigotto69 retoma a crítica a essa teoria, mostrando o quanto este
reaparecimento está ligado à crise pela qual passa o capital na sua versão
globalizada.
A teoria do capital humano estrutura-se a partir de uma leitura do sistema
capitalista na qual não se apreende que a história é feita dentro de relações sociais
conflituosas, determinadas pela apropriação desigual da riqueza. A leitura a-histórica
desenvolvida por estes teóricos não consegue captar que os fatos sociais não
ocorrem no âmbito de particularidades individuais e não são apenas expressões de
uma racionalidade humana. A história humana há de ser compreendida por uma
totalidade maior que determina o conjunto das ações dos indivíduos.
Frigotto mostra que os vários conceitos considerados portadores de novos
significados operam como instrumentos ideológicos, cujo objetivo é ocultar o
exacerbamento da exploração capitalista no final de século XX.
O autor parte do pressuposto de que as novas categorias fundantes do atual
discurso educacional, como qualidade total, formação abstrata e polivalente,
flexibilidade, participação, autonomia e descentralização impõem, ao sistema
educacional, uma verdadeira fragmentação. Essas categorias não aparecem por
acaso, mas decorrem da própria mudança que se vai estabelecendo no
desenvolvimento do sistema capitalista, em que a concepção neoliberal, articulada
com as teorizações pós-modernas em conjunto com a defesa do fim da sociedade
do trabalho, tenta impor ao sistema educacional sua subordinação aos interesses
imediatos do capital. Nesse mesmo patamar se situa a incorporação da noção de
competências no discurso educacional, em que as competências dos trabalhadores
são mobilizadas para a obtenção dos resultados produtivos compatíveis com as
normas de qualidade ou os critérios de desempenho solicitados pelas áreas
produtivas, o que remete ao utilitarismo estreito de uma educação que prioriza o útil
à produção em detrimento de outros conhecimentos necessários ao
desenvolvimento de outras dimensões humanas.
69 Id. Os delírios da razão: crise do capital e metamorfose conceitual no campo educacional In: GENTILI, Pablo (Org.) Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995b. p. 77-108.
68
No campo educacional, ainda em acordo com Frigotto, a interferência de
medidas que propugnam a diminuição da interferência da intervenção estatal não
poderia deixar de levar a um maior anacronismo do sistema educacional,
principalmente em países em desenvolvimento, marcados já pela forte exclusão
social. Dentro desta nova racionalidade, em que são valorizadas a eficiência e a
produtividade, procura-se impor ao sistema educacional uma dinâmica semelhante à
do setor produtivo.
Sob a influência das agências internacionais, as políticas educacionais são
desenvolvidas objetivando o fortalecimento da reprodução do capital.
Contudo, como demonstrou este autor, para haver um maior acesso à riqueza
produzida por parte da população, não basta apenas o investimento na formação e
qualificação da força de trabalho. A possibilidade de distribuição desta riqueza
depende, exclusivamente, de uma mudança das relações de poder e de uma
modificação radical do sistema de produção.
No contexto atual, no qual há uma forte diminuição do poder político dos
Estados-nações, decorrentes do "fenômeno" da globalização, o capital busca uma
nova interpretação ideológica, capaz de justificar as relações de poder e de
exploração. Neste sentido, como uma continuidade da Teoria do Capital Humano,
mas englobando novas características, próprias de uma economia globalizada,
surge o discurso de que vivemos numa "sociedade do conhecimento" e que, por
conseguinte, neste novo contexto, são exigidas dos trabalhadores novas
competências e habilidades que lhes permitam inserir-se no mercado de trabalho,
competindo de forma igualitária com outras pessoas.
Estas novas habilidades e comportamentos, tais como flexibilidade,
capacidade de comunicação, participação, são considerados fundamentais dentro
de um modelo de produção que busca superar a rigidez do modelo taylorista.
Espera-se ter a escola capacidade de garantir uma educação básica que possibilite
ao educando, e futuro trabalhador, apropriar-se de novos conhecimentos e ajustar-
se, da melhor forma possível, à flexibilidade do novo padrão de produção. Para
Frigotto, neste campo, a relevância da noção de competência é a expressão de uma
metamorfose do conceito de qualificação na sua conotação produtivista.
Esse direcionamento nos leva a perceber que o uso social que se faz da
noção de competências, a partir das exigências da "sociedade do conhecimento" e
da necessidade de novas habilidades dos trabalhadores – buscando com isso
69
regular a política educacional –, na prática, serve mais uma vez como mecanismo
ideológico que tenta ocultar as relações de exploração e de aprofundamento das
desigualdades sociais que estamos vivendo neste final de século.
Portanto, aos que acreditam que a “sociedade do conhecimento” articulada
com o modelo de acumulação flexível seja capaz de, através de uma nova relação
entre homem e conhecimento, alterar a distribuição desigual do capital material e
cultural, basta lançar um olhar mais atencioso à realidade para perceber que ao
contrário do que se pensa, o cenário atual aponta é para o crescente
aprofundamento das desigualdades, pois com o crescente aprofundamento da crise
do emprego e da exclusão social, mesmo que haja elevação dos padrões
educacionais dos que vivem do trabalho, a configuração político-econômico em
curso contraria a defesa dos que apostam na “sociedade do conhecimento” como
sinal de avanço democrático.
Para Kuenzer70, nesta nova realidade
se exige formação de novo tipo, a integrar ciência, tecnologia e trabalho,
para os privilegiados ocupantes dos poucos postos que não correm risco de
precarização, que “nasceram competentes para estudar” e que certamente
não são os pobres. Realiza-se a recomendação do Banco Mundial, para
que não se invista em formação especializada, custosa e prolongada, para
uma população que viverá com poucos direitos, na informalidade e que
ironicamente, “gozará de autonomia para fazer suas escolhas, ter seu
próprio negócio, definir seu ritmo e horário de trabalho e seu tempo livre.
Diante da nova configuração da relação trabalho e educação sob o enfoque
economicista, em tela, Deluiz71, destaca que a partir do protagonismo dos
organismos internacionais, as reformas educacionais no Brasil começaram a tomar
forma sob a alegativa de que era necessário articular e subordinar a produção
educacional às necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho e a
necessidade de estabelecer mecanismos de controle e avaliação da qualidade dos
serviços educacionais. Esse também, além do enfoque ideológico neoliberal e
economicista, foi um dos motivos pelo qual a reforma educacional implementada no
Brasil em 1996 assumiu como concepção norteadora o modelo das competências.
70 KUENZER, Acácia Zeneida. Educação Profissional: Categorias para uma nova pedagogia do trabalho. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.25, n.2, maio/ago., 1999. 71 DELUIZ, Neise. O modelo das competências profissionais no mundo do trabalho e da educação: implicações para o currículo. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.27, n.3, set/dez., 2001.
70
2.2.Polêmicas e modelos subjacentes à reforma do ensino com foco nas competências implementada no Brasil nos anos 90
Nesse ponto, após a apreensão feita anteriormente dos determinantes que se
colocaram na adoção do modelo das competências na educação profissional,
pretendemos agora abordá-lo resgatando as contradições que encerram, as suas
conseqüências para o esvaziamento de propostas de educação profissional que
articulem teoria e prática, os modelos que inspiraram sua concepção e as
implicações de sua institucionalização no Brasil.
A reforma da educação no Brasil nos anos 90, como já analisada
anteriormente, trouxe consigo uma série de novas exigências no que se refere à
implementação de propostas e programas de educação mais funcionais à
transformação cultural necessária ao novo estágio de desenvolvimento das forças
produtivas do capital.
A educação, nesta perspectiva, é encarada como fator de promoção e
desenvolvimento das novas capacidades requeridas ao trabalhador, e, portanto,
reveste-se de uma nova importância para o desenvolvimento das mencionadas
capacidades, ganhando centralidade nas reformas educacionais. De acordo com
Roggero,
as mudanças culturais desejadas pelo capital são tão profundas, nesse
momento histórico, que até a educação infantil passa a ser considerada
parte do sistema educacional abrangido pela nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (Lei 9.394/96); o mercado de trabalho estabelece as
habilidades que devem ser desenvolvidas na formação do perfil de
profissional necessário à transição para o novo modelo de desenvolvimento
desde o ensino fundamental; o ensino médio e o ensino superior passam
por reformas viscerais.
A Educação profissional ganha uma nova institucionalidade e um lugar de
destaque no conjunto das reformas implementadas. Tanto que, pela primeira vez, na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ganha um capítulo exclusivo, sendo definida
como complementar ao ensino médio.
71
Dentre todas as alterações imprimidas à estrutura da educação brasileira, a
distinção compulsória entre o ensino médio e o ensino técnico é uma das mais
polêmicas.
Esta distinção anuncia que pretende pôr fim na dualidade que historicamente
se construiu entre esses dois níveis de ensino na educação brasileira e mais
especificamente, na institucionalização gerada a partir de 1971 quando foi
promulgada a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1 º e 2 º Graus (nº. 5.692).
O contraditório na proposta atual de reforma do ensino médio e
profissionalizante contemplada na LDB 9.394/96, encontra-se exatamente na
identidade que se cria para cada uma destas modalidades de ensino. Enquanto para
o ensino médio é atribuído um papel central no desenvolvimento de competências
fundamentais ao exercício da cidadania e à inserção no mercado de trabalho, o
ensino profissional é considerado apenas como espaço preparatório para o mercado
de trabalho. Ou seja, ao definir a educação profissionalizante como complementar, é
assegurado apenas para o ensino médio o potencial de aglutinar os conhecimentos
que historicamente os trabalhadores vêm perseguindo.
O ensino médio é apresentado na lei, também, como tendo a finalidade de
propiciar “a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos”. No mesmo sentido, a LDB-96 determina que os conteúdos e as formas
de avaliação serão organizados de tal forma que, ao final do ensino médio, o
educando demonstre “domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem
a produção moderna”.
Na perspectiva de articulação entre o ensino médio (com a duração mínima
de três anos) e o ensino técnico (com duração indeterminada), a resolução do
Conselho Nacional de Educação que estabeleceu as diretrizes curriculares para o
primeiro abriu a possibilidade de que as escolas avancem a preparação básica de
seus alunos para certos cursos técnicos, propiciando a aquisição de competências
básicas, sem que, todavia, introduzam disciplinas propriamente profissionais.
Embora a partir dessa medida, o discurso oficial afirme o fim da dicotomia
entre estas duas modalidades de ensino, a distinção assegurada na lei reforça mais
do que nunca a sua existência. Esta dualidade se torna muito mais evidente e
anacrônica quando observamos que, por terem se tornado ramos distintos do
sistema educacional, quase deixam de manter alguma articulação.
72
No nosso entender, uma das conseqüências mais sérias da separação do
ensino médio da educação profissional é que os setores em situação
economicamente desfavorável passarão a viver diante do impasse de inserir-se no
ensino médio e esperar mais três anos para adquirir alguma certificação ou, de
imediato, buscar adquirir certificações que os habilite a disputar uma vaga no
mercado de trabalho.
Como sabemos que a clientela das escolas públicas de ensino médio é
predominantemente do curso noturno e os alunos matriculados neste horário são
majoritariamente trabalhadores, fica evidente que, dificilmente ocorrerá destes
disporem da possibilidade física e material para aglutinar novas formações no seu
currículo.
Na verdade, o suposto fim da dualidade entre o ensino acadêmico e o
profissionalizante só beneficiou de fato os setores economicamente em vantagem,
que poderão desfrutar dos “avanços” produzidos pela reforma no ensino médio.
O que ocorre no momento é a existência de duas redes de ensino,
direcionadas para setores diferentes da sociedade. Uma, voltada preferencialmente
para a garantia da formação básica necessária ao ingresso no ensino superior e
outra, fragmentada e esvaziada de conteúdos fundamentais para a solidificação de
uma consciência mais crítica da realidade existente. O ensino técnico pós-médio
representa também um mecanismo que esvazia a procura dos setores populares
pelo ensino superior. A pressão exercida pela inserção de novos contingentes
populacionais no nível médio que representaria também uma maior procura pelo
ensino superior, levou o Estado a canalizar esforços buscando diminuir a sua
procura e, para tanto, buscou assegurar que a educação profissional de nível técnico
representasse a terminalidade dos estudos para os setores populares.
A reforma implementada no sistema de educação profissional, retirando do
seu interior o ensino acadêmico, não só mantém a dualidade histórica no sistema
educacional, como, ao mesmo tempo, torna cada vez mais distante para os setores
populares a concretização de um modelo educacional articulando teoria e prática,
objetivando formar o homem na sua dimensão omnilateral, sendo essa uma outra
conseqüência muito séria dessa reforma.
Na prática, o conhecimento, na sociedade capitalista, é mais um instrumento
de dominação de classes e grupos, às elites econômicas reservam-se poderes
fundamentais ao exercício da dominação política e econômica.
73
Saviani72, reforçando a idéia de que a dualidade entre educação profissional e
educação geral deve ser compreendida a partir das relações capitalistas de
produção, explicita que a fragmentação existente no processo educacional é a
própria expressão da apropriação desigual da produção material existente. Da
mesma forma que se observa uma divisão entre proprietários e não proprietários dos
meios de produção, estabelece-se também no processo de ensino uma dualidade
entre o ensino para aqueles que devem comandar (ensino científico-intelectual) e o
ensino profissional para os que devem ser comandados.
A união entre trabalho intelectual e trabalho manual só poderá se
realizada baseando-se na superação da apropriação privada dos meios
de produção; com a socialização dos meios de produção, colocando todo
o processo produtivo a serviço da coletividade, do conjunto da
sociedade.
Sabemos que as debilidades nas escolas públicas, tais como a precariedade
de suas estruturas físicas, a formação precária de professores e os seus baixos
salários asseguram apenas para um pequeno estrato da sociedade os
conhecimentos historicamente construídos. Em outras palavras, as anormalidades
no rendimento do sistema educacional, são perfeitamente funcionais aos interesses
das elites econômicas brasileiras.
Para Kuenzer73, a dicotomia presente na educação brasileira provocou que as
propostas pedagógicas sejam caracterizadas, de um lado, por um academicismo
vazio e, de outro, por uma profissionalização estreita. Enquanto o primeiro não
consegue incorporar os princípios elementares da ciência contemporânea, o
segundo se caracteriza, quando muito, por ensinar os educandos a internalizarem a
execução de algumas atividades sem o aprendizado dos princípios científicos e
metodológicos que as constituem.
Esta segunda característica, que entendemos estar presente na educação
profissional de nível básico e nos cursos modulares de nível técnico, é a expressão,
segundo esta autora, do movimento que ocorre no interior do processo fabril – por
72 SAVIANI, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro, FIOCRUZ. Politécnico de Saúde Joaquim Venâncio. 1987. P. 15 73 KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino de 2º grau: O trabalho como princípio educativo. S. Paulo: Cortez, 1998.
74
ela denominado pedagogia da fábrica –, posto que aos trabalhadores é reservada
uma aprendizagem desconexa, sem o domínio das tarefas na sua totalidade.
Estas características da escola, tanto no seu aspecto generalista, quanto no
seu aspecto profissional, estão longe de satisfazer os interesses dos trabalhadores.
Entretanto, segundo ela, mesmo reconhecendo o caráter classista da escola não
significa que se deva abandonar a escola como uma alternativa de distribuição do
saber, mesmo desigual, porque esta é a sua função no capitalismo. Ao contrário,
deve-se reivindicar a democratização de sua proposta e a expansão de sua oferta,
em todos os níveis, a toda a população.74
Se a bem da verdade, historicamente a relação ensino propedêutico e técnico
profissional nunca se estabeleceu nos sistemas de ensino, minimamente no contexto
do enfraquecimento da ditadura militar, a função propedêutica do ensino de 2º grau
foi restabelecida a partir da política educacional implementada por volta de 1995,
que reservou um lugar especial ao ensino técnico. No entanto, agora com a total
falta de articulação entre o ensino médio e profissionalizante que a Lei 9.394/96
instituiu, esse pequeno avanço se esvaiu, o que significou uma derrota para a ala
dos educadores que defendem uma educação omnilateral.
Outro aspecto contraditório detectado na legislação da educação profissional
é o observado por Martins,75 que destaca existir um anacronismo latente ao Decreto
2.208/97, pois o mesmo, ao separar o ensino médio da rede regular de ensino da
rede não regular de formação técnico-profissional, atende à realidade econômica
pautada no modelo de produção taylorista fordista e não ao modelo atual que
aponta, na formação dos trabalhadores, na direção de uma integração entre ensino
profissional e propedêutico, mesmo para otimizar os resultados dentro da lógica do
mercado. Porém, destaca que isso não significa que a regulamentação do ensino
profissional no Brasil ocorreu em desacordo com a lógica imposta pelo capital
internacional. Pelo contrário, ela
apresenta-se em profunda sintonia com os ditames da “nova ordem”,
tendo em vista que estabelece papéis diferentes às nações, a saber:
algumas poucas, as mais desenvolvidas, são as protagonistas e o
restante, as empobrecidas, as figurantes. Para essas últimas, não há
razão para construírem sistemas de ensino-aprendizagem em
74 Idem. p. 33
75
consonância com o desenvolvimento econômico. Por desempenharem
papéis secundários nesse cenário, essas nações empobrecidas devem
somente aplicar a ciência e a tecnologia desenvolvidas pelos
protagonistas. Logo, essa regulamentação do ensino profissional está
em sintonia com a “nova ordem” mundial, porque coloca o Brasil
enquanto mais um dos muitos submissos às exigências dos países
capitalistas centrais, mas é anacrônica, uma vez que limita nosso
sistema de ensino profissional a lógicas produtivas ultrapassadas.
O projeto de reestruturação da educação profissional no ensino de nível
médio foi também de responsabilidade do MTb em parceira com o MEC. Essa
reestruturação do Ensino Médio teria como objetivo desarticular a educação geral da
educação profissional, dando a esta última um caráter pós-secundário. No âmbito do
MTb, iniciou-se em 1995 um amplo processo de discussão que depois incorporou
variados setores a fim, resultando na elaboração de um documento denominado
Questões Críticas da Educação Brasileira. Este documento abordava a problemática
da educação profissional dentro da perspectiva da competitividade nacional,
apontava para a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro e para a
consolidação do processo democrático e forjava como público alvo os
desempregados e demais excluídos.
Estes objetivos foram materializados em proposta real de reforma através do
Projeto de Lei 1.603/96, mas que, de fato, só se tornaria concreto no âmbito legal
com o Decreto 2.208/97, que regulamentou alguns artigos da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional concernentes aos currículos do ensino médio e da
educação profissional.
Para a educação profissional, que deveria se consolidar com o foco no
mercado, seria necessário, de acordo com Cunha76, a construção e a consolidação
de um novo enfoque conceitual e metodológico.
As ações implementadas pelo MEC e Ministério do Trabalho atingiram várias
instâncias sociais e políticas de forma a garantir, pelo processo de formação para o
trabalho, o duplo objetivo de conquistar uma economia mais competitiva e promover
novas estratégias para trabalhadores e desempregados vislumbrarem a
75 MARTINS, Marcos Francisco. Ensino técnico e globalização: cidadania ou submissão. Campinas, SP: Autores Associados, 2000. p. 84 76 CUNHA, Luiz Antônio. Op. cit
76
possibilidade de permanência ou inserção no mercado de trabalho, o que,
conseqüentemente, provocaria um desenvolvimento social com maior eqüidade.
Sabemos que o principal agente público responsável pela formação de mão-
de-obra para as áreas tecnológicas continua sendo o Ministério da Educação. Este
mantém-se responsável pelas instituições formadoras de técnicos nas escolas
técnicas, agrotécnicas e CEFETs espalhadas por todo o Brasil, bem como de
profissionais com graduação e pós-graduação nas universidades federais e
CEFETs. Portanto, além de a este Ministério estar resguardada a responsabilidade
por uma parcela tão importante de instituições de formação profissional, foi-lhe
atribuído também o papel de coordenar e propagar ações visando atingir um maior
número de pessoas que, na visão deste ministério – em virtude de terem um nível de
escolarização muito baixo –, são excluídas duplamente. Assim, as políticas traçadas
no âmbito do MTb, terminaram por influenciar as reformas de todo o Sistema
Nacional de Educação Profissional.
A partir daí então, a política educacional implementada desde 1995 reservou
um lugar especial ao ensino técnico, partindo do pressuposto da necessidade
econômica da formação de profissionais de nível médio, como exigência do
desenvolvimento tecnológico em todos os setores.
Ao pressupor que no mundo moderno há uma necessidade de as pessoas
terem novas habilidades cognitivas para responderem, com eficiência, às demandas
do mercado de trabalho; e tendo como referência a dificuldade de criação de novos
postos de trabalho, o MTb definiu como estratégia de política pública de emprego e
renda o desenvolvimento de novas habilidades no conjunto da população, de forma
que a mesma possa, pelo menos, ter a oportunidade de responder aos requisitos e
demandas do mercado.
De acordo com o Ministério do Trabalho, além da necessidade de o sistema
de educação profissional ser reestruturado de forma a atender os setores em "risco
social", ele necessita readequar-se para capacitar melhor os novos profissionais, de
acordo com as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho.
Embora o MTb reconhecesse a existência de uma malha de instituições
responsáveis pela formação profissionalizante – algumas delas, como SENAI,
SENAC e outras ligadas ao governo federal, de excelência comprovada –, constatou
que as mesmas não conseguiam responder a contento às demandas impostas pelo
processo de reconversão industrial. Para tanto, constatou ser necessário reestruturar
77
este sistema, não só garantindo uma maior democratização ao seu acesso mas, ao
mesmo tempo, permitindo que o mesmo possa contribuir para o desenvolvimento
sustentado, não só numa perspectiva de qualidade dos serviços, mas também em
eficiência. Em outras palavras, deveriam responder ao que é demandado pelo setor
produtivo.
Em função das mudanças existentes no âmbito do Estado, da economia, das
novas exigências das empresas e das novas habilidades necessárias para o
trabalhador, o MTb assim sintetiza suas críticas às instituições de formação
profissional: tais mudanças explicitaram ou tornaram mais aguda a crise de modelos
tradicionais de EP (Educação Profissional), em particular os mais antigos e
consolidados, como o SENAI, SENAC e escolas técnicas federais. Defrontaram-se
com um novo perfil de trabalho e qualificação exigido pelo setor produtivo, no
contexto de democratização e participação, mas também de crise econômica e
debilidade do modelo de emprego tradicional. Estavam preparadas para ministrar
uma formação única, sólida até, para um bom e estável emprego; não para a
mudança, a flexibilidade, a polivalência cobradas pelo setor produtivo. Sabiam
disciplinar para a assiduidade, pontualidade e obediência; não para a iniciativa, o
imprevisto, a decisão e a responsabilidade. Muitas dispunham de laboratórios,
oficinas e técnicos de primeiro mundo, adequados a um setor de ponta cada vez
mais enxuto; não concebiam abrir tudo isso à massa crescente de trabalhadores e
produtores "informais". Dominavam tecnologias de produção de currículos e
materiais didáticos pedagogicamente corretos, mas fora da lógica do setor produtivo.
Formavam premiados "operários-padrão", bons técnicos e ótimos vestibulandos;
mas não tinham estratégias para formar cidadãos77.
Decorrente da compreensão de que a rede de ensino técnico
profissionalizante no Brasil mostrava-se incapaz de atender aos requisitos postos
pelo mundo do trabalho, o MTb, ao definir-se como pólo irradiador das mudanças na
educação profissional brasileira, articula-se com outras instâncias públicas e
privadas, inclusive o MEC, objetivando criar uma estrutura de educação profissional
capaz de flexibilizar-se e garantir um novo modelo de formação de competências,
centradas no mercado e capazes de garantir as habilidades básicas, específicas e
gerenciais que permitam aos indivíduos conquistar um emprego.
77 CUNHA, Luiz Antônio. Op. cit
78
O projeto de reforma da educação profissional, tendo como locus de
formulação o MTb, passou a demarcar uma nova institucionalidade para a Educação
Profissional no Brasil e automaticamente levou as instituições que lidam com esta
modalidade de educação a reverem seus modelos pedagógicos, conforme se
analisará sua concretitude na proposta de educação profissional do Senac.
A partir do Decreto 2.208/97, fortemente inspirado nos pressupostos do MTb,
a Educação Profissional passa a estruturar-se em três níveis: o básico, o técnico e
o tecnológico.
O nível básico é dirigido para a massa de trabalhadores, jovens e adultos,
independentemente da escolarização anterior, mas certamente igual ou inferior ao
ensino fundamental, que tem como objetivo qualificar requalificar ou
profissionalizar.
O nível técnico, com uma organização curricular independente, destinado a
matriculados ou egressos do ensino médio. Aqui situa-se a pressão e a direção
rumo à flexibilização dos currículos adaptando-os às competências demandadas
pelo mercado. Trata-se de um currículo modular, fundado na perspectiva das
habilidades básicas e específicas de conhecimento, atitudes e de gestão da
qualidade, construtoras de competências polivalentes, e geradoras da
empregabilidade.
Por fim, o nível tecnológico, destinado a egressos do ensino médio e técnico,
para a formação de tecnólogos em nível superior em diferentes especialidades.
Também, a partir da orientação do decreto 2.208/97, a prática pedagógica a
ser generalizada no âmbito da base escolar brasileira deve realizar-se referenciada
nas necessidades novas postas pelas mudanças contemporâneas dos processos de
trabalho, particularmente no que diz respeito aos requisitos funcionais ideais que os
futuros componentes da força de trabalho nacional devem imprescindivelmente
possuir, motivo pelo qual, tornava imprescindível incorporar na educação profissional
a noção de competência.
É importante destacar que o direcionamento da educação profissional
brasileira rumo às competências, espelha-se no movimento que vem ocorrendo nos
países do centro capitalista que estão sendo convocados a atuar determinadamente
na reestruturação dos seus sistemas de formação profissional, apropriando-se da
noção de competência.
79
Essa ocorrência se dá em virtude de que o setor produtivo vem solicitando à
área educacional um modelo de educação que contemple a nova conformação do
mundo do trabalho. Nesse sentido, tanto o modelo educacional alemão, quanto o
modelo de qualificação japonês são identificados como paradigmas de sucesso, em
virtude do desempenho econômico desses países e de sua capacidade de prover o
setor produtivo com trabalhadores quase sob medida, não obstante serem estes
modelos eqüidistantes e estarem calcados em raízes socioculturais próprias, com as
quais se articulam em função de um projeto societário negociado entre o Estado, a
sociedade e o setor privado, situação esta, diametralmente oposta ao Brasil.
O reconhecimento da competência (certificação) dos trabalhadores alemães é
o elemento determinante de sua classificação profissional e de sua remuneração, o
que se deve à confiabilidade que caracteriza os certificados e diplomas emitidos pelo
sistema educacional alemão. O custo e a organização do sistema de educação
neste país é dividido entre o Estado e o setor privado. Tal divisão implica uma
formação em que os saberes teóricos são desenvolvidos na escola e, em paralelo,
os saberes práticos na empresa, de onde advém sua característica dual. Essa
divisão garante aos empresários influência sobre o sistema de formação profissional,
e ao indivíduo uma educação de qualidade, posto que a qualificação no modelo
alemão é do trabalhador e não da empresa, o que lhe proporciona mobilidade e evita
sua desqualificação.78
Nesses países o sucesso na escola é um fator importante, senão
determinante, para o sucesso profissional, uma vez que a probabilidade de ser
absorvido por uma empresa que ofereça perspectivas de desenvolvimento
profissional e emprego permanente está vinculada ao desempenho escolar. Assim,
as organizações calcam seu recrutamento e seleção na capacidade e
disponibilidade do candidato "ao aprendizado, o que pode ser lido através das
carreiras escolares individuais".79
As diferenças entre os dois modelos — alemão e japonês — tornam qualquer
transposição delicada em virtude das condições políticas, econômicas e
socioculturais em que estão inseridos. No setor produtivo esta transposição pode
ocorrer em função de uma cultura organizacional, que muitas vezes pode não estar
78 MARKET, Werner. (Org.). Teorias de educação do iluminismo, conceitos de trabalho e do sujeito. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Brasileiro, 1994. p. 113-129: Novas tecnologias e formação profissional: o sistema dual de formação. 79 GEORG, Walter. (1994) op. cit.
80
comprometida com o projeto social e educacional da sociedade em que atua. Isto
não exclui as possibilidades de ganho para o trabalhador, na forma de (um) aumento
de qualificação — aperfeiçoamento, reciclagem, requalificação —, pois pela primeira
vez o clamor por uma educação de cunho teórico passa a ser entoado pelo
empresariado, concomitantemente com os trabalhadores e com suas entidades
representativas.
A fim de atender a lógica do novo modelo econômico, países como Inglaterra
e França vêm reformulando seu sistema educacional. Essas reformas visam,
principalmente, a aumentar o nível de escolaridade da população, ampliar as
oportunidades de educação continuada e aproximar a educação escolar da dinâmica
do setor produtivo.80
Em 1975 o governo francês deu início à reformulação do sistema educacional,
priorizando, entre outros fatores, sua adequação à dinâmica do processo produtivo e
à valorização da educação geral. No ensino superior também foram introduzidas
mudanças, visando a aproximá-lo da dinâmica do setor produtivo.
A educação básica francesa contempla as diferenças individuais,
possibilitando ao indivíduo desenvolver-se de acordo com sua capacidade e seu
ritmo. Contudo é o desempenho escolar do indivíduo durante o ensino obrigatório
(que dura em média dez anos) que vai determinar suas possibilidades de acesso ao
ensino superior. O aluno é submetido a uma série de avaliações durante seu
desenvolvimento escolar, que visam a garantir a uniformidade e a qualidade do
ensino e avaliar o conhecimento do aluno. Um aluno que não apresente
desempenho escolar satisfatório dificilmente terá acesso a uma formação de nível
superior, o que vincula, no imaginário coletivo, o ensino profissional ao fracasso
escolar.81
Vale salientar que ambas as reformas (inglesa e francesa) reconhecem a
importância de uma educação geral sólida para a articulação dos indivíduos no
futuro, tanto no que diz respeito a flexibilidade e mobilidade no mundo do trabalho,
quanto à formação de indivíduos aptos à educação continuada, ao aprendizado
autônomo e a otimizarem seu potencial de aprendizagem no processo produtivo.
80 SOUZA, Donaldo Bello de. Aspectos gerais do sistema inglês de qualificações profissionais nacionais. Rio de Janeiro: SENAI-DN, 1996. 26 p. 81 ROPÉ, Françoise; TANGUY, Lucie. (Org.) Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. Campinas: Papirus, 1997a. p. 201-207
81
Os dois sistemas educacionais contemplam em sua dinâmica a requalificação
dos trabalhadores. Todavia, no que tange à educação continuada, é importante
destacar que a legislação trabalhista francesa permite ao trabalhador uma licença
individual de formação, isto é, a oportunidade de o indivíduo se qualificar mantendo
os laços empregatícios. Além disso o governo francês articula, junto ao setor
privado, através de subsídios e isenções tributárias, programas de qualificação e
requalificação profissional para jovens e desempregados.
A partir da tese da requalificação para adequação de trabalhadores ao novo
modelo econômico, surge o modelo da competência que, ao contrário do modelo de
qualificações, seria mais adequado ao novo padrão produtivo que valoriza a atuação
individual. O termo competência teria origem em estudos econômicos e históricos
sobre o desemprego e trabalhadores regulares para, mais tarde, ser apropriado
pelas empresas de acordo com suas políticas de recrutamento, seleção, treinamento
e, sobretudo, de organização do processo de trabalho.
Arruda,82 apreendendo o conceito de competência destaca a definição de
Desaulniers que define competência como:
a capacidade para resolver um problema em uma situação dada, o que
significa dizer que a mensuração desse processo baseia-se
essencialmente nos resultados, implicando um refinamento dos
mecanismos e instrumentos utilizados na sua respectiva avaliação.
Na definição destacada de Isambert-Jamati, a competência se apresenta
desvinculada da formação profissional, de forma individual e contextualizada,
remetendo ao sujeito e à sua capacidade de realizar as tarefas que lhe são
destinadas. Poderíamos dizer também que se horizontaliza, na medida em que deixa
de ser um atributo exclusivo dos que ocupam posição de comando.
Já para Stroobants, na apreensão que faz Arruda, a competência é ação,
realização, movimento, velocidade. Representa a valorização da experiência
profissional, do savoir-faire oriundo da vivência pessoal, da experiência no trabalho e
das atitudes comportamentais em contraposição ao saber adquirido na escola.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional de Nível Técnico,83
82 ARRUDA, Maria da Conceição Calmon. "http://www.senac.br/"Home Page Senac Nacional
82
entende-se por competência profissional a capacidade de articular,
mobilizar e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades
necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades
requeridas pela natureza do trabalho.
A competência, portanto, diz respeito a ação, ao agir humano em situações
de trabalho, essa ação extrapolaria o ato de realizar uma tarefa mecanicamente,
pelo habitus, sem atribuir-lhe significado e incorporaria a capacidade de abstrair,
relacionar e transferir saberes, experiências e conhecimentos científicos de outros
contextos para sua ação. Implica, portanto, na capacidade humana de antecipar
mentalmente a sua ação e a ela imprimir intencionalidade e significado.
Nesse ponto, é importante abrir um parêntesis para destacar que a noção de
competências fora do contexto do projeto político que define seus fins, traz uma
importante perspectiva de valorização do saber do trabalhador, o que remete a uma
contradição do sistema produtivo e que deve ser melhor analisada e aproveitada a
favor deste.
No entanto, situando o discurso, temos no texto das Diretrizes Curriculares
para a Educação Profissional de Nível Técnico, que a qualificação de um indivíduo
está posta menos no seu conjunto de conhecimentos e habilidades, mas
principalmente em sua capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem
sempre previstas ou previsíveis. Textualmente declarada:
que alguém tem competência profissional quando constitui, articula e
mobiliza valores, conhecimentos e habilidades para a resolução de
problemas não só rotineiros, mas também inusitados em seu campo de
atuação profissional. Assim, age eficazmente diante do inesperado e do
inabitual, superando a experiência acumulada transformada em hábito e
liberando o profissional para a criatividade e a atuação transformadora.
(Brasil, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de
Nível Técnico)
Evidencia-se nessa perspectiva a valorização do saber ser do trabalhador,
porém, ao mesmo tempo, quando o documento continua discorrendo sobre a
finalidade da importância do indivíduo ser competente, fica evidente também o apelo
83 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico: Parecer CNE/CEB nº 16/99 (Texto original).
83
a uma “psicologização das relações sociais84” a ser imprimida no campo trabalho-
educação, quando remete automaticamente a competência para a questão da
trabalhabilidade. Para o MEC,
o desenvolvimento de competências profissionais deve proporcionar
condições de laborabilidade, de forma que o trabalhador possa manter-
se em atividade produtiva e geradora de renda em contextos sócio-
econômicos cambiantes e instáveis. Traduz-se pela mobilidade entre
múltiplas atividades produtivas, imprescindível numa sociedade cada vez
mais complexa e dinâmica em suas descobertas e transformações.
(Brasil, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional
de Nível Técnico)
Assim, a educação profissional centra-se na determinação de uma formação
de caráter polivalente e flexível, isto quer dizer que o trabalhador deverá estar apto
a ocupar não apenas um, mas um conjunto de postos de trabalho em seu setor de
atividade e, ao mesmo tempo, ter capacidade de adaptar-se a novas situações, que
o mercado vai criar com freqüência cada vez maior desenvolvendo as habilidades
para, se necessário transitar de um setor para o outro.
Nesse direcionamento, ocorre um deslocamento da noção de qualificação
com foco no emprego, para a noção de competência, com foco no trabalhador, nos
seus valores que se expressam
no saber ser, na atitude relacionada com o julgamento da pertinência da
ação, com a qualidade do trabalho, a ética do comportamento, a
convivência participativa e solidária e outros atributos humanos, tais
como a iniciativa e a criatividade. (Brasil, Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico)
De acordo com Hirata,85 empregabilidade e competência são termos que, no
contexto francês, podem ser encarados como sinônimos, pois ambos se centram no
indivíduo e em suas "qualificações". Entretanto, a partir de uma visão político-
ideológica, a empregabilidade estaria vinculada a uma responsabilização do
trabalhador por não conseguir emprego, na medida em que este não teria efetuado
84 Termo utilizado por Marise Nogueira Ramos para se referir a organização do trabalho escolar, com vistas à adaptação dos sujeitos às instabilidades da sociedade contemporânea.
84
as escolhas corretas para sua capacitação ou teria uma qualificação inadequada,
cabendo-lhe, portanto, o ônus pela sua exclusão do mundo do trabalho e,
conseqüentemente, da vida social.
Assim, enquanto a qualificação remete ao posto de trabalho, ao salário, às
tarefas, a competência remete à subjetividade, à multifuncionalidade, à imprecisão.
O indivíduo passa a ser remunerado por sua capacidade, por seu desempenho, e
não pelo cargo que ocupa. O modelo da competência possibilita os instrumentos
necessários para efetuar uma ruptura com a noção de posto de trabalho e com o
enquadramento e a remuneração conseqüentes, visto que a fragmentação do
trabalho já não atende à lógica do novo padrão produtivo, impondo um forte
componente de individualização, orientado para a gratificação individual, pelo
alcance das metas propostas ou pelo aprofundamento de questões e estudos
compatíveis com os interesses e objetivos da organização.
Esse novo modelo de qualificação profissional não só rompe com o
paradigma de qualificação anterior, que privilegiava a especialização, como também
com o modelo comportamental requerido ao trabalhador. O silêncio e a
fragmentação de tarefas dão lugar à comunicação e à interatividade. Identifica-se a
definição de um novo patamar de qualificação, vinculado ao savoir-faire dos
trabalhadores e ao ambiente subjetivo do sujeito: abstração, criatividade, dinamismo,
comunicação etc.
Neste sentido, cumpre observar que enquanto nos países centrais os fatores
subjetivos do trabalhador, tanto são usados dentro das empresas para orientar a
gratificação individual, o alcance das metas propostas ou o aprofundamento de
questões e estudos compatíveis com os interesses e objetivos da organização,
quanto atribuir ao trabalhador a responsabilidade pelo o ônus de sua exclusão do
mundo do trabalho e, conseqüentemente, da vida social. No Brasil, o uso desses
fatores se realiza de uma forma incompleta em relação ao observado nos países
centrais, pois este, está muito mais situado num tipo de implicação subjetiva para
reforçar a lógica de justificação dos critérios de exclusão do mercado do que ao
movimento do interior das empresas que supostamente tenderam a substituir o
conceito de qualificação pela noção de competência. Até porque não se pode
afirmar de uma maneira predominante tal movimento, dentro das empresas
85 HIRATA, Helena. Da polarização das qualificações ao modelo da competência. In: FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1996.
85
brasileiras, principalmente, no terciário, onde se situa a maior parte dos
trabalhadores brasileiros.
Com relação às ações institucionais de países como o Brasil, Ramos86
identifica que enquanto nos países mais industrializados o enfoque de competência
profissional se origina a partir das mudanças experimentadas nos paradigmas de
organização e gestão empresarial, na América Latina são alguns Estados e
instituições de formação profissional que levam o tema adiante. Na avaliação dos
técnicos da OIT, esse fato tem relação com o estilo secular da região, onde,
historicamente, o Estado tem desempenhado um papel diretor ao qual se apegam os
atores privados. Isso caracterizaria um problema para a realidade regional, qual seja:
a falta de experiência dos diversos atores quanto aos novos papéis que devem
assumir para o desenvolvimento de políticas ativas no mercado de trabalho. O
desafio, segundo a autora, consiste em saber o momento em que o Estado deve ser
protagonista e impulsionar atividades de formação, e em que momento deve deixar
essa iniciativa ao setor privado.
Nesse sentido, o Brasil, ao transpor o modelo de competências de outros
países para a sua realidade, o faz de forma descontextualizada, pois a realidade que
se configura nos seus sistemas produtivos são bastante diferentes da nossa. Assim
ao invés de no Brasil, o sistema educacional se voltar ao atendimento das
demandas empresariais por um novo perfil profissional do trabalhador que irá
protagonizar situações de trabalho em empresas que adotam o sistema de gestão
do trabalho por competências, se volta a atender as demandas ideológicas da
estrutura política econômica de ocultar a sua responsabilidade pela questão do
emprego.
Cabe evidenciar que se nos países do centro capitalista observa-se cada vez
mais uma valorização da ênfase mais propeudêutica na formação profissional, pela
importância dessa dimensão à realização dos novos processos produtivos, no Brasil
ela se apresenta anacrônica à realidade atual, já que desconsidera a articulação
entre teoria e prática, mesmo para satisfazer as próprias necessidades da estrutura
econômica do capitalismo atual.
Portanto, a partir dessas distorções verificadas, queremos nos apoiar na
crítica ao uso social que se faz da noção de competências no Brasil e das inversões
86 RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?. São Paulo: Cortez, 2001
86
que ocorrem a partir de sua transposição de países com particularidades totalmente
diferentes das nossas, conforme se destacou anteriormente.
O quadro que se configura a partir das apreensões da reforma da educação
profissional, nos dá mostras que a proposta institucionalizada no Brasil, está
perpassada de contradições. Essas contradições se revelam tanto no sentido de não
atender a sua reivindicação fundamental explícita, qual seja, formar um perfil
profissional adequado ao novo patamar do desenvolvimento produtivo, pois ao
desintegrar teoria e prática na educação profissional, termina por impor ao sistema
de educação profissional uma proposta de ensino que se afina muito mais com o
paradigma taylorista/fordista. Tendo presente que esta perspectiva acaba por
estreitar a profissionalização através da exclusão dos princípios científicos e
metodológicos que a constitui.
Para nós, esses novos rumos que são dados à educação profissional no
Brasil têm servido muito bem a um fim: desvinculam a problemática do desemprego
da estrutura política e econômica existente – colocando sobre os indivíduos a
responsabilidade de adaptação competitiva à realidade –, institui uma compreensão
fragmentada e pouco crítica da realidade concreta. Sua interpretação oculta a
estrutura atual do sistema social, cujo balizamento é a lógica do mercado, e não, um
desenvolvimento econômico fundamentado no social.
Portanto, diante da diversidade do mercado de trabalho brasileiro, do enfoque
dado à educação e das contradições detectadas na proposta de educação
profissional brasileira, e partindo da premissa que a realidade mundial exige mesmo
um novo perfil de trabalhador, nos remetemos ao questionamento de como se
articulam dentro das instituições formadoras o movimento rumo à formação desse
perfil para o setor terciário, ou seja, de como se concebe a partir de tais exigências,
o currículo de educação profissional do Senac e que nexos tem este currículo com a
realidade do trabalhador do terciário de Fortaleza.
2.3. As competências e o modelo curricular de educação profissional do Senac
2.3.1. Formação Profissional Senac: uma proposta para o setor comércio e serviços
O Senac, enquanto agente implicado no conjunto de proposições do MEC e
do MTb, no ano de 2000, promoveu uma revisão dos referenciais curriculares que
87
norteiam seu trabalho pedagógico com o objetivo de incorporar a nova
institucionalidade posta à educação profissional.
Porém, essa revisão, na realidade, apenas promoveu alguns realinhamentos
em sua proposta, pois, desde 1994, o Senac já havia reformulado seu modelo
pedagógico de educação profissional, adotando um novo referencial para respaldar
suas ações, numa defesa de que
a educação profissional extrapola a simples correlação com o mercado
de trabalho, uma vez que busca a formação do cidadão, torna-se
necessário refletir sobre as conseqüências para o futuro do trabalhador
na adoção do modelo de educação profissional baseado nas
competências hoje requeridas pelo mercado”87.
Nesta premissa, não se trataria apenas de qualificar para o trabalho em si,
nem de formar simplesmente para a vida produtiva na qual também se insere o
trabalho, que no caso das sociedades capitalistas, não tem como foco a existência
humana.
Assim a revisão feita em 1994 se colocava como necessária ao
redimensionamento das ações educativas desenvolvidas até então pelo Senac, uma
vez que valorizavam apenas o conteúdo específico da ocupação, visando ao
domínio das técnicas de trabalho, não valorizando, portanto, aspectos como
qualidade dos serviços prestados, ética profissional, trabalho em equipe, entre
outros que passaram a ser tidos como necessários à formação de um profissional,
que além de lidar com as novas bases produtivas, deveria exercer sua cidadania.
Partindo do pressuposto de que o mercado passava a exigir um profissional
qualificado “polivalente”, que conseguisse cumprir várias tarefas relacionadas à sua
profissão, seria necessário mudar a então prática pedagógica por uma que formasse
esse novo perfil profissional. Além de dominar conhecimentos e habilidades relativos
à sua área de trabalho, ele precisava desenvolver outras competências, tais como a
capacidade de se relacionar, argumentar, negociar e trabalhar em equipe, precisava,
também, estar preparado para lidar com as novas tecnologias e com a ameaça do
desemprego.
Para dar conta do desenvolvimento dessas novas competências, o Senac
elaborou uma nova proposta de educação profissional, a qual está contida no
88
documento intitulado Formação Profissional Senac: uma proposta para o setor
comércio e serviços, que se baseia no princípio da polivalência.
Para o Senac, o novo perfil exigido do trabalhador requer que a formação
profissional extrapole os conhecimentos específicos de uma determinada profissão.
A polivalência é, na defesa do Senac, uma proposta de educação profissional que
melhor se adequa à capacitação de recursos humanos num contexto de
transformação da organização do trabalho. Além de atentar para as competências
técnico-operacionais, a formação polivalente privilegia o desenvolvimento das
competências cognitivas e sócio-comunicativas.
Destaca ainda, nessa defesa, que a discussão acerca do termo formação
polivalente tem sido abordado na literatura sobre educação como uma proposta
adequada para o ensino médio, mas que a partir da década de 90, vem-se fazendo
presente nas discussões dos organismos internacionais como uma proposta
aplicável à formação profissional. Nestas discussões, o conceito de polivalência
assume o sentido de multifuncionalidade, numa perspectiva de adaptação, conforme
próprio termo utilizado na citação destacada sobre polivalência contida em
documento do Cinterfor - OIT, onde aparece a seguinte definição:
Modalidade de formação destinada a dar aos participantes a mais ampla
formação em vários ofícios relacionados a profissão escolhida, a fim de
ajudá-los a adaptar-se as características específicas do trabalho.
Também tem por objeto prepará-los a adaptar-se à evolução técnica
futura, assim como a outras oportunidades profissionais que poderão
apresentar-se e abrir-lhes perspectivas de carreira.
Nesse sentido, a passagem do tecnicismo para a polivalência não deixa de
ser funcional ao capitalismo, até porque seria ingênuo acreditar que no âmbito de
uma instituição como o Senac, em que ocorre intensamente a disputa de
concepções antagônicas entre educadores e representantes da iniciativa privada,
pudesse se dar um rompimento total com o atrelamento à lógica empresarial.
Consideramos importante, portanto, destacar que a polivalência aqui tratada,
não se confunde com a politecnia e nem se pauta numa concepção de trabalho
como princípio educativo, até porque seu pressuposto implicaria numa ruptura com a
lógica de apropriação privada dos meios de produção.
87 Referenciais para a Educação profissional do Senac, 2001.
89
Na visão de Saviani,88 polivalência deriva do trabalho como princípio
educativo que toda a educação organizada se dá a partir do conceito do fato do
trabalho, portanto, do entendimento e da realidade do trabalho, pois para o autor:
O que define a existência humana, o que caracteriza a realidade humana é
exatamente o trabalho. O homem se constrói como tal, à medida que
necessita produzir continuamente a sua própria existência. É isso que
diferencia o homem dos animais: os animais têm a sua existência garantida
pela natureza; o homem tem que fazer o contrário, ele se constitui no
momento em que necessita adaptar a natureza a si, não sendo mais
suficiente adaptar-se à natureza. Ajustar a natureza às necessidades, às
finalidades humanas, é o que é feito através do trabalho. Trabalhar não é
outra coisa senão agir sobre a natureza e transformá-la.
Nesse entendimento, sendo o trabalho que constitui a realidade humana e
sendo a formação do homem centrada no trabalho enquanto processo pelo qual o
homem produz a sua existência, é também o trabalho que define a existência
histórica dos homens. Através do trabalho o homem vai produzindo as condições da
sua existência, vai transformando a natureza e, portanto, vai criando a cultura e
criando um mundo humano se que vai ampliando progressivamente com o passar
dos tempos.
Para Saviani,89 na formação dos homens, há de se levar em conta o grau
atingido pelo desenvolvimento da humanidade. Conforme se modifica o modo de
produção da existência humana, o modo como ele trabalha, produz-se a modificação
das formas pelas quais os homens existem.
Nesse pressuposto, seria papel da escola, explicitar o modo como o trabalho
se desenvolve e está organizado na sociedade moderna. Aí então entra a questão
da politecnia.
Nessa concepção, o princípio da polivalência apoiando na noção de
politecnia, implicaria na superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho
intelectual, entre instrução geral e instrução profissional e a concepção de trabalho
estaria posta para além dos limites estreitamente econômicos que sempre dirigiram
a educação profissional.
Porém, isso não significa que no projeto de educação profissional do Senac
não se coloquem elementos que sejam do interesse do trabalhador, até porque ele é
88 SAVIANI, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Op. cit. 1987. 89 Idem.
90
disputado entre o determinismo econômico que se coloca na sua ordenação e as
diversas concepções dos educadores que nele interferem a favor de uma proposta
de educação emancipatória dos trabalhadores.
Por outro lado, desprezar as contradições que se colocam na apropriação
capitalista dos saberes do trabalhador não nos faria avançar para além da
constatação do determinismo econômico que perpassa essa apropriação.
Sobre essa contradição, ainda de acordo com Saviani,90 ela se manifesta no
fato de que sendo a sociedade capitalista baseada na propriedade privada dos
meios de produção, a maximização dos recursos produtivos do homem é acionada
em benefício da parcela que detém a propriedade dos meios de produção. O
conhecimento do trabalhador é também, neste sentido, convertido em força
produtiva e, portanto, em meio de produção. No entanto, esse conhecimento não
pode ser propriedade privada daqueles que detêm os meios de produção, haja vista
que sem conhecimento, o trabalhador não produziria e por conseguinte, não
acrescentaria valor ao capital.
Neste sentido, vale a pena insistir numa formação mais ampla do trabalhador
em que as dimensões histórica e política se façam presentes, para que este se
reconheça como sujeito e agente de transformação. Essa dimensão não deixou de
estar implícita na proposta do Senac.
O conceito de trabalho que embasa a revisão das ações educacionais do
Senac é, assim expresso, através de
Uma abordagem que privilegie a sua dimensão crítica e criativa. O
resgate da dimensão humana do trabalho é uma opção, na medida que
possibilita a intervenção consciente no processo produtivo, fortalecendo
o exercício da cidadania.
Nessa direção, a proposta de polivalência assumida para o Senac se coloca
com base no entendimento de que não se pretende preparar os indivíduos para o
desempenho de múltiplos ofícios, mas objetiva o domínio, por parte do aluno, da
técnica em nível intelectual, mediante o conhecimento das bases técnico-científicas
que fundamentam sua prática. Assim, a educação profissional que se pretende
implementar estaria referendada na linha de pensamento de Enguita, caracterizada
como uma formação que
capacite para desempenhar uma família de empregos qualificados e,
sobretudo, para compreender as bases gerais, científico-técnicas e sócio-
91
econômicas da produção em seu conjunto; que reúna a aquisição de
habilidades e destrezas genéricas e específicas com o desenvolvimento de
capacidades intelectuais e estéticas; que unifique, em definitivo, formação
teórica e prática. (Enguita, apud Plantamura)91
A partir da revisão que incorporou o termo polivalência conforme a concepção
acima descrita, foi construído um quadro referencial para implementação de
mudanças de ordem pedagógica, incidindo mais particularmente sobre modelo e
estrutura curricular e conteúdos e procedimentos de ensino.
Assim, o propósito de repensar o currículo na educação profissional do
Senac, dentro do espírito de uma concepção de formação profissional polivalente,
traz, segundo a defesa apresentada no documento que deu base à reestruturação
de sua proposta pedagógica em 1994, a necessidade de superar o esquema teórico
dos paradigmas de currículo dominantes na área de planejamento curricular no
Brasil, quais sejam: técnico-linear, circular consensual e dinâmico-dialógico.
Segundo o referido documento, Domingues e MacDonald apreendem estes
paradigmas como predominantes no Brasil e destacam que cada um deles estaria
ligado a uma proposta pedagógica específica: o paradigma técnico-linear, estaria
vinculado à pedagogia tecnicista onde o currículo visa ao controle do processo de
aprendizagem, a partir de objetivos prévia e rigidamente estabelecido por
especialistas; o modelo circular-consensual, próprio da pedagogia nova, enfatizaria
experiências e necessidades dos alunos, com os quais construíriam seus próprios
currículos e, através da reflexão, gerariam significados sobre si mesmos, os outros e
o mundo; o modelo dinâmico dialógico, que estaria associado às pedagogias críticas
referindo-se a um currículo histórica e culturalmente situado, concebido como
explicação de uma proposta política e emancipatória.
Assim, para o Senac, do ponto de vista teórico, importa abandonar o
reducionismo e o maniqueísmo que o esquema classificatório obrigatoriamente
acarreta. Afirma ainda, que importa adotar um referencial analítico que, resgatando a
coerência presente no pensamento de Habermas, incorpore os interesses cognitivos
numa perspectiva de unidade e totalidade do fazer pedagógico.
No documento em análise, encontramos a referência aos interesses
cognitivos que orientam a produção do conhecimento na concepção de Habermas,
90 SAVIANI, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Op. cit. 1987. 91 PLANTAMURA, Vitangelo. A questão do trabalho no Senac e a compreensão de mundo. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, jan./abr. 1995. p.26.
92
quais sejam: o interesse técnico, o de consenso e o emancipatório — que
corresponderiam às três dimensões fundamentais da vida humana.
O interesse técnico orientaria a pesquisa empírico-analítica, relacionar-se-ia
ao trabalho, considerado a primeira das dimensões fundamentais do homem, a qual
lhe permitiria a manipulação do meio físico e social.
O interesse consensual, que orientaria a pesquisa histórico-hermenêutica, se
relacionaria à linguagem, seria a dimensão que permite a transmissão da cultura de
forma institucionalizada, o consenso, a compreensão e a interpretação do significado
de ações, textos e da própria vida do sujeito.
O interesse emancipatório, que orientaria a pesquisa praxiológica,
corresponderia à dimensão pela qual os homens desenvolvem a consciência crítica,
de modo a se libertarem dos condicionamentos, com vistas à emancipação e
autonomia.
Partindo dessa definição de Habermas acerca dos distintos interesses que
orientam a pesquisa, chega-se à conclusão de que essa distinção dos interesses
não implica na separação entre os campos do saber, como interpretam os
defensores do esquema classificatório.
Segundo essa apreensão do pensamento de Habermas, entende-se que o
interesse das ciências empírico-analíticas seria o controle estratégico da natureza e
das intenções sociais, enquanto o das histórico-hermenêuticas estaria voltado para a
interação e comunicação humanas. Ambos os interesses convergeriam para a
unidade existente na própria vida.
O interesse emancipatório não diria respeito a um objeto do saber, mas a uma
racionalidade que visaria à emancipação do homem diante do mundo natural e da
dominação social.
Conhecimento e interesse, na perspectiva habermasiana, guardariam estreita
relação, assim como os campos do saber. O conhecimento instrumental libertaria o
homem da natureza exterior e o conhecimento comunicativo, da repressão social.
Os dois, portanto, estariam a serviço da emancipação.
Nesse sentido, seria necessário encarar os interesses, não como orientações
excludentes, mas como possíveis dimensões do currículo que deveriam estar
integradas e articuladas num todo coerente.
93
O Senac, portanto, entende que, na raiz da concepção polivalente da
formação profissional, já se encontra explícito um modelo curricular no qual estão
presentes, de forma integrada, essas três dimensões ou interesses, uma vez que a
polivalência prevê uma formação mais sólida e abrangente, obtida pela apropriação
de conhecimentos gerais técnico-científicos; pelo desenvolvimento das capacidades
de abstração, de reflexão e das competências sócio-comunicativas; e pela
compreensão das relações sociais, políticas e econômicas que regem o mundo do
trabalho.
Assim, o modelo curricular adotado pelo Senac, por pressupor uma estrutura
curricular passível de múltiplas combinações, envolveria os interesses relativos às
diferentes dimensões do humano – o interesse técnico, o de consenso e o
emancipatório. Sua incorporação ao sistema de formação profissional traduziria a
intenção de um trabalho educacional destinado à preparação de profissionais que
possuam o domínio dos fundamentos de sua prática e sejam capazes de intervir
crítica e criativamente no processo produtivo.
A concepção teórica que fundamenta a visão de sujeito e de sociedade do
modelo pedagógico do Senac, portanto, filia-se as formulações teóricas de
Habermas, para o qual a sociedade constitui-se de um todo formado de estruturas
objetivas e de intersubjetividades produzidas através da linguagem e da ação.
Deluiz92, analisando as formulações teóricas de Habermas sobre os
processos de formação do sujeito, nos oferece importantes subsídios para o
entendimento da concepção de homem e de sociedade presentes no modelo
pedagógico do Senac.
Na análise de Deluiz, diante da nova realidade do capitalismo tardio,
Habermas defende que se torna necessário reconstruir o materialismo histórico
retornando ao seu ponto de partida, ou seja, torna-se necessário revisar as
categorias analíticas de Marx, mesmo, acreditando que seu potencial de estímulo
ainda não se esgotou.
A reconstrução dessas categorias apontam para a articulação das estruturas
normativas do desenvolvimento do “eu” e a lógica de desenvolvimento das
92 DELUIZ., Neise. Formação do sujeito e a questão democrática em Habermas. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, jan./abr. 1995. p.p.17/18.
94
sociedades, buscando homologias entre modelos de conformação histórica das
identidades coletivas.
Para Habermas, no entendimento de Deluiz, o processo evolutivo da
sociedade não se apóia, como indicava Marx, na contradição dialética entre forças
produtivas e relações de produção e na luta de classes, mas sim no
desenvolvimento das forças produtivas e no amadurecimento das formas de
integração social (relações de produção) que se daria de acordo com a capacidade
dos sujeitos em duas dimensões: a do saber e do agir estratégico (do trabalho) e a
do saber e agir prático, moral e comunicativo (da interação). O processo evolutivo da
sociedade dependeria, pois, do desenvolvimento das capacidades e competências
dos indivíduos que a ela pertencem.
Assim, de acordo com a autora referida, Habermas abandona a filosofia da
história, na perspectiva marxiana, em direção a uma teoria da evolução social
entendida como uma análise reconstrutiva da lógica própria do desenvolvimento da
aprendizagem humana. O processo de emancipação do sujeito, que Marx havia
ancorado na crítica da economia política, que lhe fornecia critérios historicamente
determinados, os quais tornavam possível uma diferenciação entre interesses
legitimamente humanos e os interesses que impediam a desalienação, passa a ser
entendido por Habermas como um processo de comunicação.
Portanto, a comunicação lingüística, o diálogo sem coações externas
constituiriam a saída para a alienação, para a perda da individualidade do sujeito e
para a recuperação da autonomia na sociedade.
Habermas abandonaria assim o paradigma da filosofia da consciência (que
enfatiza o conhecimento dos objetos pelo sujeito e o poder que resulta desse
conhecimento), baseado na práxis produtiva e na classe social, substituindo-o pelo
paradigma da comunicação (que enfatiza o entendimento intersubjetivo, entre
sujeitos capazes de falar e agir), buscando potenciais de emancipação na esfera da
interação: no mundo vivido, no mundo cultural.
Deluiz destaca que Habermas argumentando que Marx teria enfatizado a
construção do sujeito a partir do trabalho, das forças produtivas, minimizando o
desenvolvimento do “eu”, propõe que a institucionalização da identidade do sujeito, a
autoconsciência – o processo de formação do espírito e da espécie –, seja
concebido como resultante de ambos os processos: do trabalho e da luta pelo
reconhecimento (interação).
95
Destaca também que enfatizando o potencial emancipatório da esfera
cultural, onde se dão os processos de interação, em detrimento da esfera do
trabalho – regido pelas regras de uma racionalidade instrumental – Habermas
aponta para a formação do sujeito, da identidade do “eu”, como um processo de
aquisição de uma competência interativa, que constituiria na capacidade de
participar em sistemas de ação cada vez mais complexos, onde, poderia questionar
as pretensões de validade embutidas na linguagem institucionalizada, através da
argumentação, e buscar o entendimento (consenso) sobre a validade das normas
sociais.
A direção do desenvolvimento no processo de formação é marcada por uma
crescente autonomia em termos da independência com que o “eu” resolve os
problemas. O “eu” autônomo e competente é aquele que reage à coerção da
sociedade, opondo-se à heteronomia imposta pelo social. Assim, ainda de acordo
com Deluiz, para Habermas, o “eu” socialmente competente refere-se ao sujeito que
atingiu, cognitivamente, o estágio do pensamento hipotético-dedutivo (na acepção
de Piaget); lingüisticamente, o estágio da fala argumentativa; moralmente o estágio
pós-convencional; e interativamente a habilidade de assumir a perspectiva dos
outros, examinando sua própria ação e interação à luz da reciprocidade de direitos e
deveres.
Assim, na perspectiva habermasiana, os sujeitos dotados de competência
interativa (tanto cognitiva, como lingüística, moral e motivacional) seriam capazes de
reconstruir as leis que regem o mundo natural através da busca argumentativa e
processual da verdade; de questionar o sistema de normas que vigora na sociedade;
de buscar novos princípios para a ação individual e coletiva a base do melhor
argumento e, consequentemente, de reorganizar sua sociedade em bases justas e
igualitárias.
Deluiz também destaca que Habermas, após questionar os potenciais
emancipatórios do proletariado - concebido como sujeito da história -; de abandonar
o modelo da alienação e da reapropriação das forças produtivas; de indagar sobre a
validade e as possibilidades de alterações revolucionárias nas condições atuais do
capitalismo tardio, propõe, como conteúdo político da formação do sujeito, não a
formação da consciência de classe – na medida que esta, no sentido marxiano, para
ele já não existe – mas a formação de “eus” competentes, que atuam em espaços
96
institucionalizados do Estado de direito democrático, onde a comunicação possibilita
a sua individualização como sujeitos membros da sociedade.
Na concepção do Senac, a partir de sua proposta de educação profissional
polivalente, o profissional que fosse por ele preparado possuiria uma visão mais
ampla do seu campo de atuação, de modo a estar apto para lidar com as mudanças
e inovações do atual mundo do trabalho, além de atuar na sociedade, dotado de
uma competência comunicativa, negociando, buscando o consenso em torno dos
interesses da maioria.
Vamos tomar como exemplo prático a formação profissional de um
cabeleireiro, por ser esta uma das ocupações mais demandadas pelo terciário de
Fortaleza, conforme se abordará na análise empírica sobre este setor.
A formação desse profissional deve prepará-lo para executar, com eficiência,
técnicas de embelezamento e tratamento do cabelo. Mas essa formação também
deve prepará-lo para ter postura ética em seu dia-a-dia de trabalho; prestar
atendimento de qualidade ao cliente; opinar quanto a um tratamento de cabelo do
cliente; e outros aspectos mais gerais relacionados ao exercício da profissão, como,
por exemplo, manter limpo o local de trabalho; limpar e esterilizar os instrumentos;
ter um bom relacionamento com colegas e superiores; solicitar a compra de
equipamentos; controlar o estoque dos produtos que utiliza.
Esses e tantos outros aspectos vão exigir do cabeleireiro uma série de
conhecimentos, competências e habilidades que precisam ser levados em conta, na
hora de definir o que será tratado na formação desse profissional.
Considerando, então, esses requisitos, a formação do cabeleireiro no novo
modelo de educação profissional do Senac passou a contemplar: conhecimentos
mais gerais, que vão dar a ele os fundamentos necessários à sua prática na área de
moda e beleza, tais como: história da arte; o estudo da cor e da forma; ética
profissional; realização de trabalho em equipe; a prestação de um serviço de
qualidade; conhecimentos mais específicos da ocupação de cabeleireiro, como:
padrões de beleza; saúde; relação entre saúde e beleza; estrutura e funcionamento
de um salão de beleza; conhecimentos práticos, habilidades e atitudes diretamente
relacionados ao embelezamento e tratamento dos cabelos, incluindo aí um estágio
que vai possibilitar uma adequação dos conteúdos estudados à realidade
profissional do cabeleireiro.
97
Com esses conhecimentos, de acordo com a defesa que faz o Senac, o
cabeleireiro estará habilitado para executar as técnicas específicas do seu trabalho,
mas, antes de tudo, ele terá adquirido os fundamentos de sua prática profissional e,
daí, terá um amplo domínio do que vai executar. Só assim, o Senac acredita, ele
deixará de realizar as tarefas mecanicamente e poderá exercitar sua criatividade,
sua capacidade de crítica; poderá identificar problemas, buscar soluções, adaptar-se
a situações novas e transferir conhecimentos de uma situação para outra. Poderá
também exercitar sua competência comunicativa nos contextos de trabalho e na
sociedade.
A questão da trabalhabilidade estaria também garantida, como o Senac
defende, pois, com esses conhecimentos o cabeleireiro também estará capacitado
para, por exemplo, associar-se a um colega e abrir um salão de beleza. Ou, quem
sabe, realizar um trabalho autônomo, prestando atendimentos a domicílio, voltados
para idosos ou noivas. Portanto, a formação oferecida ao cabeleireiro também vai
prepará-lo a enfrentar qualquer nova situação, no mercado de trabalho, bem como
aproveitar oportunidades de trabalho, tanto por conta própria como associando-se a
outros. Assim, ele estará buscando meios para enfrentar a falta de emprego que
cresce a cada dia, a redução dos postos de trabalho ou a perda de conquistas
sociais, entre outros.
Toda a revisão efetuada pelo Senac em relação ao que se exige hoje do
cabeleireiro e ao que deve ser oferecido a ele, em sua formação profissional,
também foi feita para várias outras ocupações do setor terciário. E, assim, a
Instituição promoveu amplas mudanças nos cursos que oferecia, repensando seus
objetivos, currículos e metodologias.
A partir daí, então, o Senac reestruturou as suas áreas de formação e passou
a oferecer um conjunto de cursos para cada uma dessas áreas.93
A utilização desse modelo no planejamento das ações de educação
profissional deveriam resultar em uma estrutura curricular constituída de disciplinas
que, em virtude do papel desempenhado no processo de formação, se distribuiriam
em três grupos distintos, a saber:
93 As áreas profissionais, antes da nova reestruturação decorrente da reforma da educação profissional, eram assim definidas: Administração, Comunicação e Artes, Informática, Conservação e Zeladoria, Moda e Beleza, Saúde, e Turismo e Hotelaria.
98
Núcleo básico da área – Disciplinas que corresponderiam aos conhecimentos gerais,
de caráter técnico-científico e sócio-econômico que fundamentam uma área de
formação. Aqui o aluno trabalha com as disciplinas que envolvem conhecimentos
gerais e conceituais, e que precisam ser do domínio de todos os profissionais de
determinada área. Normalmente a abordagem se referia a Ética e trabalho,
Qualidade em prestação de serviços e Negociação para o trabalho em equipe.
Núcleo da subárea – Disciplinas que compreendem as competências cognitivas,
sócio-comunicativas e técnico-operacionais próprias de uma família ocupacional.
Nesse grupo estão as disciplinas que envolvem conhecimentos teóricos e práticos, e
que devem ser trabalhadas pelos profissionais de um grupo de ocupações que têm
afinidades entre si;
Parte específica – As disciplinas desse último grupo englobam conhecimentos
práticos, habilidades e atitudes específicos de uma determinada ocupação, e que
precisam ser trabalhadas por um determinado profissional, especificamente.
Desse modo, os educadores idealizaram esse modelo de formação
profissional acreditavam que se uma pessoa fosse realizar um curso qualquer
oferecido pelo Senac, em qualquer área de formação, ela deveria cursar algumas
disciplinas do primeiro grupo, outras tantas do segundo grupo e mais outras do
terceiro grupo. Nessas disciplinas ela vai trabalhar conteúdos de ensino que incluem
conhecimentos e habilidades específicas da ocupação que escolheu. Mas também
vai lidar com conceitos, idéias, processos, princípios e leis, habilidades mais
genéricas, métodos de compreensão e aplicação do conhecimento, hábitos de
estudo e de convivência, valores e atitudes – conteúdos imprescindíveis à realização
de uma proposta de formação polivalente.
2.3.2. Referenciais para a Educação Profissional Senac - 2001
As modificações processadas no modelo de educação Profissional do Senac
a partir das novas diretrizes da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação em
1996, resultou na elaboração de um novo documento intitulado Referenciais para a
Educação Profissional Senac - 2001, o qual contém os referenciais que servirão de
base para a elaboração dos projetos pedagógicos das diferentes unidades que
integram o Sistema Senac.
Os princípios que fundamentaram o conjunto de orientações, expressaram a
versão atualizada do Projeto Senac de Educação Profissional, publicado pelo
99
Departamento Nacional, em 1995, no documento intitulado Formação Profissional
Senac: uma proposta para o setor comércio e serviços, do qual apresentamos sua
síntese anteriormente.
As linhas gerais para a elaboração deste novo documento em 2000 foram
definidas, de forma participativa, por representantes do Departamento Nacional do
Senac e dos Departamentos Regionais de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro,
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Pernambuco e Pará, que compõem o
Comitê Consultivo instituído com o objetivo de operacionalizar o projeto de
adaptação das linhas norteadoras da prática pedagógica do Sistema Senac às
tendências do mundo do trabalho e aos dispositivos da Lei 9.394/96, que
regulamenta a educação profissional no país.
Os referenciais contidos no documento de 2000, na defesa do grupo
responsável pela sua elaboração, foram traçados com base em exigências e
necessidades apontadas por três diferentes eixos.
O primeiro deles, de natureza normativa, se refere à nova institucionalidade
da educação profissional garantida pela Lei 9.394/96 – Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – e sua regulamentação, através do Decreto Federal 2.208/97.
Desse disciplinamento jurídico decorrem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Profissional de Nível Técnico, instituídas pela Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução 04/99, nos
termos do Parecer 16/99.
O segundo, de natureza conjuntural, diz respeito à ênfase na identidade e
utilidade dos cursos oferecidos pelo Sistema frente ao mundo do trabalho e ao
compromisso da Instituição com a qualificação do trabalhador. Sobre essa questão,
os educadores que participaram de sua formulação, frisam que não se distanciaram
do propósito de (re)significar a noção de educação profissional para bem mais além
da dimensão estritamente instrumental, de enfoque centrado exclusivamente no
desenvolvimento de competências técnico-operacionais. Defendem que suas ações
educativas expressam uma preocupação com uma formação mais abrangente, de
natureza sistêmica e totalizante do cidadão trabalhador.
O terceiro eixo, de natureza institucional, está relacionado, de acordo com
seus idealizadores, ao comprometimento e empenho do Senac em dar resposta ao
que está explicitado em sua missão
100
desenvolver pessoas e organizações para o mundo do trabalho através
de ações educacionais e disseminação de conhecimentos em comércio
e serviços, contribuindo para o desenvolvimento do País.
O grupo considera que as bases conceituais que fundamentam a concepção
de educação profissional proposta pela reforma educacional do MEC encontram-se,
em sua essência, muito afinadas com os princípios filosóficos que norteiam o projeto
pedagógico em vigor no Senac desde 1994. A partir de então, defendem, que o
Senac tem buscado formar profissionais que reunam em seu perfil, além dos
conhecimentos de natureza técnica, competências e valores relacionados à
dimensão humana, essenciais à vida e à atuação consciente e participativa na
sociedade civil.
No entanto, reconhecem que a implantação do modelo de competências, nos
moldes da legislação em vigor, supõe, sem dúvida, a revisão conceitual de algumas
diretrizes pedagógicas definidas no documento acima mencionado – Formação
Profissional Senac: uma proposta para o setor comércio e serviços. Essa revisão
remete para a necessidade de realização de um duplo movimento que, a um só
tempo, implica continuidade e aprofundamento das concepções defendidas naquela
ocasião.
Continua-se, portanto, a defender uma proposta pedagógica que,
fundamentada numa concepção crítica das relações existentes entre educação,
sociedade e trabalho, inspire a implementação de uma prática educativa
transformadora e participativa, centrada na construção do conhecimento e na
aprendizagem crítica e ativa de conteúdos vivos, significativos e atualizados.
Nesse sentido, o grupo entende que ficam inalterados os pressupostos
teóricos anteriormente definidos em relação aos conceitos de aprendizagem e de
ensino. Isso significa referendar as teorias cognitivas da aprendizagem, entendida
como um processo interno do indivíduo, embora necessariamente interativo. É o
aluno que, por meio dos desafios proporcionados pelas trocas com seus colegas,
professores e com os materiais didáticos, constrói seu próprio conhecimento.
Significa, ainda, continuar a compreender o ensino como um processo organizado
para favorecer essas trocas e propor desafios, buscando criar oportunidades para a
sistematização dos conhecimentos, para a reflexão, e para o aprofundamento da
relação entre teoria e prática.
101
Permanecem, portanto, atuais as recomendações de, ao selecionar os
conteúdos de ensino, levar em consideração as seguintes dimensões: as teorias da
aprendizagem, a realidade social e o estágio de desenvolvimento cognitivo dos
alunos; o caráter científico e sistemático das informações transmitidas; o caráter
histórico dos fenômenos e processos estudados, além, é claro, de privilegiar, nessa
escolha, aspectos relevantes para a vida social e para a prática profissional dos
alunos. É importante ressaltar, também, a pertinência das recomendações gerais
relativas à seleção de métodos de ensino, circunscritas à criação de condições para
que os alunos desenvolvam as capacidades de abstração e reflexão sobre as
atividades realizadas.
Ainda que esse referencial mais geral seja mantido, o grupo acredita que a
adoção do modelo de competências implica, sem dúvida, um aprofundamento das
dimensões mais estritamente pedagógicas, na medida em que a própria concepção
de competência proposta na legislação e, principalmente, as mudanças introduzidas
no plano da organização curricular colocam novas questões para a prática docente.
Entre esses referenciais construídos em 2000, interessa-nos analisar aqui os
que estão relacionados à organização curricular e à seleção de conteúdos. Isso
porque aqui se situa concretamente a intencionalidade da ação pedagógica e,
portanto, nos permite esclarecer o nosso objeto de análise para depois remetê-lo as
especificidades do setor terciário de Fortaleza, a fim de apreender as identidades e
contradições que se colocam entre o perfil profissional formado pelo Senac e o
demandado pelo referido setor produtivo.
No documento “Referenciais para a Educação Profissional Senac – 2001”,
estão colocadas os seguintes pressupostos para a organização curricular no modelo
baseado em competências:
- A formação dos trabalhadores passa a ter como objetivo o desenvolvimento
de competências.
- Na perspectiva das competências, a formação assume como finalidade
capacitar indivíduos para que tenham condições de disponibilizar durante seu
desempenho profissional, os atributos adquiridos na vida social, escolar, pessoal e
laboral, preparando-os para lidar com a incerteza, com a flexibilidade e rapidez na
resolução de problemas. (Referenciais Senac, apud Kuenzer, 2001)
- Considerando que a Lei focaliza a dimensão da competência quando diz
que “não se limita ao conhecer, vai mais além, porque envolve o agir numa
102
determinada situação”. Conclui que as competências são, assim, as capacidades ou
os saberes em uso, que envolvem conhecimentos, habilidades e valores.
- Assinala que a LDB explicita que alguém é competente quando “constitui,
articula, mobiliza valores, conhecimentos e habilidades para a resolução de
problemas não só rotineiros, mas também inusitados em seu campo de atuação”. E
que assim, o indivíduo competente seria aquele que age com eficácia diante do
inesperado, superando a experiência acumulada e partindo para uma atuação
transformadora e criadora.
Daí, conclui que o planejamento curricular baseado no modelo de
competências deve ser um espelho do projeto pedagógico da escola, fruto de um
esforço sistematizado, com a efetiva participação de todos os docentes, e deve
incidir, mais particularmente, sobre alguns componentes pedagógicos, tais como: a
identificação e a definição dos blocos de competências, associados ao itinerário
profissional, e a seleção de situações de aprendizagem (projetos, situações-
problema), previstas nos módulos, e/ou nas etapas de formação, que têm as
disciplinas como suporte.
Isso implicaria, de acordo com o que está definido no documento, que o
planejamento deve ter como ponto de partida a definição do perfil de conclusão da
habilitação ou da qualificação prefigurada. Os perfis são definidos a partir da análise
das ocupações que compõem as áreas profissionais (ou de grupos de ocupações
afins a um processo ou atividade produtiva) e das competências gerais dos
profissionais da área. Deve atender às demandas do cidadão, do mercado e da
sociedade, além de levar em conta as condições locais e regionais, e a vocação e a
capacidade de atendimento da instituição. Na definição do perfil, deve-se considerar
também que o profissional, além do domínio operacional de um determinado fazer e
do saber tecnológico, precisa ter uma compreensão global do processo de trabalho,
ser capaz de transitar com desenvoltura em uma área profissional, atendendo a
várias demandas dessa área. Nessa perspectiva, ele não fica restrito a uma
qualificação/habilitação vinculada especificamente a um posto de trabalho.
Faz menção que na definição do perfil profissional de conclusão dos cursos
de nível técnico, deve-se, por exigência legal, considerar tanto as competências
profissionais gerais estabelecidas nas Diretrizes Curriculares por área profissional,
anexas à Resolução 04/99 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação, como as competências específicas da habilitação profissional.
103
Enquanto as competências específicas definem a identidade do curso, as
competências gerais garantem a polivalência do profissional. Deve-se ainda buscar
responder às seguintes questões: O que esse profissional precisa saber (que
conhecimentos são fundamentais)? O que ele precisa saber fazer (que habilidades
são necessárias para o desempenho de sua prática de trabalho)? O que ele precisa
saber ser (que valores, atitudes, ele deve desenvolver)? O que ele precisa saber
para agir (que atributos são indispensáveis à tomada de decisões)?
Assim, defende que a educação profissional deve, então, propiciar ao
trabalhador
o fomento da criatividade, da iniciativa, da autonomia e da liberdade de
expressão, abrindo espaços para incorporação de atributos como o
respeito pela vida, a postura ética nas relações humanas e a valorização
da convivência em sociedade e nas relações profissionais, contribuindo
para a percepção de seu trabalho como uma forma concreta de
cidadania.
Acredita-se que para dar conta da gama de atributos necessários ao perfil
desse trabalhador que se pretende formar, o Senac deverá estruturar e grupar em
quatro tipos as competências profissionais:
- Competências básicas – constituem o foco da educação básica (Resolução
CNE/CEB n.º 03/98), como a capacidade de expressão, de compreensão do que se
lê, de interpretação de representações e de realização de operações lógico-
matemáticas.
- Competências interprofissionais – necessárias a qualquer trabalhador. Estão
relacionadas com as questões e desafios do mundo do trabalho, a pesquisa de
dados, a utilização dos recursos tecnológicos, a preservação do meio ambiente, a
ética das relações humanas, a saúde e segurança no trabalho, o direito individual e
o dever para com o coletivo.
- Competências gerais – são aquelas comuns a uma área profissional. Para os
cursos técnicos, elas estão definidas na Resolução CNE/CEB n.º 04/99.
- Competências específicas - relativas à preparação para o exercício de atividades
profissionais próprias a um segmento profissional. São definidas pela instituição
formadora (no caso do Senac, pelas unidades operativas), de acordo com a
104
identidade da qualificação ou habilitação e com base nos Referenciais Curriculares
por área profissional, publicados pelo MEC.
Os cursos de qualificação básica oferecidos pelo Sistema Senac serão
estruturados pelas respectivas unidades operativas, com base nos Referenciais
definidos nos Documentos Norteadores das áreas.
Quanto ao sistema modular, o documento destaca que a nova legislação para
a educação profissional prevê que os currículos dos cursos devem ser construídos
pela própria escola, em torno de competências gerais por área, acrescidas de
competências específicas para cada habilitação. Essa estrutura implica uma
permanente atualização do currículo de acordo com as transformações que vão se
processando no mercado de trabalho.
Esse modelo, por sua vez também suporia a adoção de um novo paradigma
pedagógico, no qual a atenção se desloca do ensino para o processo de
aprendizagem. A prática pedagógica orientadora desse paradigma deveria se pautar
na valorização das experiências pessoais do aluno, sejam elas acadêmicas ou de
vida. Nesse sentido, a responsabilidade das instituições de educação profissional se
ampliaria, porque esse modelo exige novas formas de organização curricular, novos
conteúdos, e metodologias que coloquem o aluno como sujeito ativo do processo de
aprendizagem.
A ênfase na competência implicaria, portanto, rupturas na dinâmica interna
dos espaços das instituições educacionais, pois, acredita-se que não se
desenvolvem competências profissionais a partir da mera aplicação instrumental dos
conteúdos (bases tecnológicas) ou sem incluir o exercício de atividades concretas de
trabalho. Ao mesmo tempo, não podemos prescindir dos conteúdos como meios
para atingir as competências pretendidas. Os conteúdos precisam ser significativos e
atualizados, vistos como recursos e não finalidade da educação, assimilados pelos
alunos de forma crítica e dinâmica e mobilizados para a solução de situações
concretas de trabalho.
A modularização, de acordo com a defesa apresentada no documento, é uma
das formas de flexibilizar e organizar um currículo centrado na aprendizagem do
aluno e na ampliação de competências. Os módulos podem ser entendidos como um
conjunto de conhecimentos profissionais que, estruturados pedagogicamente,
respondem a uma etapa do processo de formação. Eles representam uma fase
105
significativa do processo de aprendizagem e/ou constituem unidades básicas para a
avaliação.
A Resolução de nº 04/99 que institui as diretrizes curriculares nacionais para
a educação profissional de nível técnico, ao estabelecer que os programas de
educação profissional devem estar aliados ao contexto das novas necessidades
postas pelo movimento de reestruturação produtiva, que vem expandindo-se no
âmbito do setor produtivo brasileiro nos últimos anos, no que se refere ao perfil da
força de trabalho adequada às características gestionárias e tecnológicas que
conformam aquele movimento, define no seu Art. 3.º, que os princípios norteadores
da educação profissional de nível técnico, entre outros, deve voltar-se ao
desenvolvimento de competências para a laborabilidade; se pautar pela
flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização e pela identidade dos perfis
profissionais de conclusão de curso;
Para o Senac a estruturação modular, nesse sentido, deve garantir a relação
entre os conhecimentos teóricos e práticos necessários ao desempenho competente
da ocupação e que o movimento de adequação estrutural do currículo por
competências e a concepção dos módulos devem perseguir os três princípios
propostos na Resolução de nº 04/99: flexibilidade, interdisciplinaridade e
contextualização.
Segundo o exposto, o princípio da flexibilidade deve se refletir na construção
dos currículos em diferentes perspectivas: na oferta dos cursos, na organização de
conteúdos por módulos, disciplinas, atividades nucleadoras, projetos. A flexibilidade
curricular permite que os alunos construam itinerários diversificados, segundo seus
interesses e possibilidades, não só para fases circunscritas de formação, como
também com vistas à educação continuada, simultânea ou alternadamente a fases
do exercício profissional.
O princípio da interdisciplinaridade já estaria implícito ao primeiro princípio,
uma vez que se afirma a organização curricular flexível trazer em sua raiz a
interdisciplinaridade, proposta que pretende romper com a fragmentação do
conhecimento e a segmentação presentes na organização linear-disciplinar adotada
anteriormente.
O princípio da contextualização, por sua vez, garantiria estratégias favoráveis
à construção de significações. Um plano de curso elaborado em consonância com o
contexto, com a realidade do aluno e do mundo do trabalho possibilitaria a
106
realização de aprendizagens que façam sentido para o aluno. Essa contextualização
deveria ocorrer, também, no próprio processo de aprendizagem, integrando a teoria
à vivência do aluno e à sua prática profissional.
No desenho dos itinerários profissionais – seqüência de módulos ordenada
pedagogicamente, cujo fim é capacitar para o desempenho de uma ocupação –
recomenda-se a definição de módulos em que se desenvolvam os seguintes tipos
de competências: profissionais gerais; profissionais específicas de uma ocupação,
assim como as relacionadas aos processos de trabalho e aquelas trazidas da
educação básica.
De acordo com a legislação vigente, os módulos que compõem os diferentes
itinerários profissionais podem ter as seguintes características:
Módulos com terminalidade – preparam o aluno para exercer algum tipo de
atividade profissional, para ocupar uma função reconhecidamente existente no
mercado de trabalho. A identidade desses módulos deve ser definida claramente,
visando à possibilidade de incluir no processo de aprendizagem situações concretas
de trabalho relativas à ocupação escolhida. Ao completar o módulo da qualificação,
o aluno terá direito à certificação e estará apto a ingressar no mercado de trabalho.
O conjunto de certificados de competência equivalente a todos os módulos que
integram uma habilitação profissional dará direito ao diploma de técnico, desde que
o aluno tenha concluído o ensino médio;
Módulos sem terminalidade – desenvolvem competências de caráter geral,
que fundamentam o processo de trabalho e permitem a “navegabilidade” na área
profissional. Essas competências devem enfatizar, ainda, a formação e a
consolidação das competências da educação básica e aquelas relacionadas à
formação da cidadania. Constituem, também, uma preparação para o mundo do
trabalho, transcendendo à formação estrita a uma ocupação.
A duração dos módulos dependerá da natureza das competências que se
pretendem desenvolver e eles devem permitir a construção de itinerários
diversificados, tanto na formação inicial como nos processos de educação
continuada.
Porém, a suposição de que a organização modular dos currículos da
educação profissional corresponda às profissões efetivamente existentes no
mercado de trabalho é questão complicada e tem merecido críticas.
107
Para Martins,(op. cit. 2000) a questão da modularização dos cursos técnicos
com seus devidos itinerários profissionais confirmam a tese sobre o anacronismo do
Decreto 2.208/97.
Está disposto neste decreto, de acordo com o seu artigo 8º que
os currículos do ensino técnico serão estruturados em disciplinas, que
poderão ser agrupadas sob a forma de módulos.
O seu parágrafo 3º dispõe que nos currículos organizados em módulos,
para obtenção de habilitação, estes poderão ser cursados em diferentes
instituições credenciadas pelos sistemas federal e estaduais, desde que
o prazo entre a conclusão do primeiro e do último módulo não exceda
cinco anos.
Para o autor acima mencionado, essa fragmentação proposta parece voltar-
se a um público que, fora do mercado de trabalho, necessita de um treinamento
emergencial para novamente apresentar-se apto ao mercado. Não se constitui, pois,
em uma proposta integrada e articulada de formação profissional, mas uma iniciativa
cujo objetivo visa setores específicos, onde o desemprego chega com força sobre os
trabalhadores, despreparados ante as novas tecnologias.
No entanto, mesmo sendo a intenção da proposta de modularização voltada
ao atendimento desses setores específicos, ela o faz de maneira equivocada. “Essa
fragmentação só possibilitará um treinamento parcial, que logo será superado pela
dinâmica do mercado, hoje altamente cambiante em suas formas de produção.94”
Assim, de nada adiantará treinar um trabalhador em uma função específica, pois que
a constante alteração do processo produtivo fará essa função para qual ele foi
treinado ser totalmente reordenada, de forma tal a ele não estar mais preparado
para executá-la em pouco tempo.
Quanto ao desenho curricular de um curso, nos Referenciais para a Educação
Profissional Senac-2001, recomenda-se que na sua definição, é fundamental
observar as ações propostas pela Coordenação Geral de Educação Profissional da
Secretaria de Educação Média e Tecnológica da Educação (CGEP/SEMTEC/MEC),
transcritas a seguir.
94 MARTINS, Marcos Francisco. Op cit.
108
- Definição de terminalidades por conjunto de competências articuladas
(associadas às ocupações, aos contextos e/ou às funções e
subfunções da área profissional);
- Desenho dos módulos do currículo, considerando o conjunto de
competências articuladas;
- Definição dos itinerários profissionais; critérios de acesso aos módulos
e ao curso; saídas intermediárias e finais; certificados e diplomas;
- Definição e planejamento dos projetos integradores para o
desenvolvimento dos módulos; formulação de problemas desafiadores;
- Planejamento dos insumos requeridos em cada projeto; definição do
professor, coordenador de cada projeto;
- Definição de estágio supervisionado, quando necessário;
- Definição de estratégias e recursos de aprendizagem;
- Definição do processo de avaliação da aprendizagem e dos critérios de
aproveitamento de estudos; instrumentos de acompanhamento e
avaliação.
- Organização de tempo, horários, ambientes de aprendizagem, espaços
e pessoas envolvidas.
Recomenda-se ainda que cabe incluir uma outra ação intermediária ao
desenho dos módulos e à definição dos itinerários profissionais: a seleção de
conteúdos de ensino como um elemento importante para o desenvolvimento das
competências. Aqui faz-se um destaque que os conteúdos devem ser significativos,
atualizados e construídos dinâmica e criticamente. Além dessa seleção, o desenho
dos módulos envolve a organização dos conteúdos, que pode ser feita de dois
modos: por disciplinas, ou por unidades temáticas e/ou blocos temáticos que reúnam
conhecimentos de diferentes áreas, articulados por competências afins.
Assim, para a organização curricular, seria suficiente identificar apenas as
diversas competências exigidas para o profissional que se pretende formar. Já para
a organização do plano de aula – organização específica da aprendizagem –, seria
conveniente esmiuçar as competências em seus principais elementos (conhecimen-
tos, habilidades, valores e atitudes), bem como fazer um planejamento detalhado
para a realização do trabalho interdisciplinar.
Nesta perspectiva, as potencialidades e desafios da implantação do modelo
de currículo baseado em competências se colocariam nos seguintes termos:
A consideração de que o modelo de competências exige a criação de
condições para que os indivíduos articulem saberes para enfrentar os problemas e
109
as situações inusitadas encontradas em seu trabalho, atuando, a partir de uma visão
de conjunto, de modo inovador e responsável.
Que a articulação de saberes supõe a realização de operações mentais que
vão das mais simples e concretas (comparação, classificação e seriação, por
exemplo) até aquelas mais complexas e abstratas, que compreendem análises,
sínteses, analogias, associações, generalizações. E que no processo de
desenvolvimento dessas formas superiores de raciocínio, dessas operações mentais
de nível superior, o sujeito vai ampliando sua autonomia e seu senso crítico.
Nesse sentido, formar para o desenvolvimento de competências significaria,
também, educar para a autonomia, para a capacidade de iniciativa e de auto-
avaliação, para a responsabilidade, para a ampliação da capacidade de trabalho, de
concepção e realização de tarefas e projetos.
Acredita-se que esse modo de conceber e realizar a formação pode trazer
novas possibilidades para o trabalhador. Atuar criticamente, tomar decisões, ser
autônomo, criativo e responsável são aprendizagens que extrapolam o espaço de
trabalho e podem ser ampliadas para todas as esferas sociais em que o sujeito atua
como cidadão. Assim, é possível afirmar que, ao romper com as delimitações
impostas pelo mero fazer, estamos formando não só um trabalhador de um novo
tipo, mas também tornando possível a formação de um cidadão mais atuante.
Portanto, é feita a advertência, que essas novas potencialidades e
possibilidades que o modelo de competências traz para a ampliação da cidadania e
da capacidade de trabalho do sujeito estão, evidentemente, na dependência de uma
série de cuidados relativos à prática pedagógica. Em primeiro lugar, adverte-se de
que é fundamental entender que os conteúdos de ensino são meios e não finalidade
da aprendizagem. Que se deve também evitar limitar o saber ao desempenho
específico de tarefas, à aplicação instrumental dos conteúdos, empobrecendo e
reduzindo a formação a um mero saber fazer. Que é necessário ainda adotar
metodologias que permitam a simulação ou realização de situações concretas de
trabalho, propiciando a integração dos conhecimentos e o desenvolvimento de níveis
de raciocínio mais complexos. Assim, chama-se atenção para a importância de se
ter em mente o fato de que a organização de um currículo por competências não
garante, em princípio, a mudança de paradigma educacional. Esta depende, antes
de mais nada, dos objetivos que se pretende atingir e do modo como se
compreende e implementa a proposta educativa.
110
De fato, reconhecemos que aqui se situa o desafio mais complexo,
considerando que todo o referencial teórico, os instrumentos e materiais de muitos
dos Departamentos Regionais do Senac, ainda são marcadamente aqueles que
apoiavam a proposta tecnicista e que, por outro lado, os instrutores, na sua maioria
são profissionais recrutados no mercado de trabalho, para ministrar uma disciplina
ou um curso, através de contrato de trabalho temporário. Esses profissionais, além
de não terem formação pedagógica, pois são especialistas nas suas áreas, não
dispõem de tempo suficiente no Senac para apreenderem a filosofia de sua proposta
pedagógica, o que torna difícil assegurar princípios como interdisciplinaridade dentre
outros, tidos como necessários à execução da proposta das competências.
Assim, o desafio presente no modelo de competências através da integração
do conhecimento, acaba por acontecer de forma separada entre as competências
profissionais gerais e específicas, e o módulo específico, muitas vezes, se restringe
ao ensino de tarefas, desarticulado de um contexto mais amplo.
Contrariamente, no documento, adverte-se que é necessário considerar,
como o faz a ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação sobre o PNE – no seu Plano Nacional de Educação, que a proposta de
constituição do Sistema Modular do MEC já traz em si grandes riscos de propiciar
uma formação profissional fragmentada. Isso porque, alunos que cumprem uma
trajetória de formação diferenciada, cursando módulos mal-organizados em
diferentes instituições, terão certamente dificuldades para integrar os conhecimentos
construídos. Assim, é possível considerar como pertinente a advertência presente no
Manifesto, no qual se afirma que:
esperar que através de conteúdos dispersos, ministrados em diferentes
estabelecimentos, o aluno, individualmente, efetue a desejada integração
(entre conteúdos gerais e específicos), é confiar uma tarefa de alta
complexidade pedagógica apenas a uma dinâmica espontânea e
altamente imprevisível do aprendiz.
Afirma-se ser conveniente enfatizar também que o próprio Sistema Modular,
apesar de suas potencialidades, traz o risco de segmentar a educação profissional,
aprofundando as diferenças entre os trabalhadores brasileiros. Assim, de um lado
seria possível ter, poucos e bons, profissionais capazes de atuar com consistência
na área profissional escolhida, porque contam com uma educação básica sólida e
111
completam os módulos relativos a todo um percurso (ou vários percursos)
formativos. De outro lado, existiriam trabalhadores com formação profissional
reduzida, aligeirada, por possuírem nível de escolaridade mais baixo e cursarem
apenas módulos cujas competências estão voltadas somente para um posto de
trabalho, sem uma visão mais global ou fundamentada de uma área profissional.
É feito o destaque também, que nessa perspectiva, vários autores como
Kuenzer e Bello de Souza chamam atenção para o modo como o Sistema Modular
está sendo inserido e implantado no país, tornando possível o aprofundamento da
segmentação social e a diferenciação da formação do trabalhador brasileiro. É
necessário, portanto, ter consciência disso, pois se a modularização não for feita
com a responsabilidade que lhe é exigida, poderá vir a contribuir sobremaneira para
a fragmentação do processo formativo do trabalhador e aprofundar ainda mais as
desigualdades sociais no Brasil.
Porém, reconhece-se que, ao contrário do risco citado anteriormente, com
propostas sérias e cuidadosas, que assegurem ao aluno o desenvolvimento de
competências com base em um conhecimento integrado e articulado, seria possível
tirar partido das possibilidades formativas desse Sistema. Segundo a apreensão do
pensamento de Bello de Souza, acredita-se que o sistema modular, apesar das
críticas, tem sido apontado como possuidor de algumas potencialidades que o
tornam um modelo mais aberto do que os demais, tais como:
a valorização da diferenciação pessoal; o respeito aos ritmos de
aprendizagem do aluno; a emergência do aluno enquanto gestor de seu
próprio percurso de formação sistemática; a facilidade na progressão do
aluno.
Esse sistema ainda viabilizaria uma maior flexibilidade, na medida em que
o aluno dispõe de múltiplas entradas e saídas do sistema, podendo
interromper ou retornar seu itinerário formativo quantas vezes lhe seja
possível e, ainda, aproveitar suas experiências pregressas na forma de
crédito – tanto as experiências obtidas nos sistemas formais de ensino,
quanto aquelas derivadas da própria vivência prática no mundo do
trabalho.
112
Quanto à organização e seleção dos conteúdos, considerando que o modelo
de competências supõe que os conteúdos sejam encarados como um dos recursos
a serem mobilizados pelo aluno em situações concretas de trabalho, durante a
seleção de conteúdos, recomenda-se que devem ser privilegiados aqueles que
possam ser utilizados como instrumentos teórico-práticos, capazes de orientar a
tomada de decisões nos diferentes enfrentamentos da vida profissional. Nesse
processo, entretanto, seria fundamental realizar uma escolha que, por incorporar
conteúdos científicos, universais e amplos, evitasse o empobrecimento da formação,
ou seja, evite uma formação atrelada ao ensino de tarefas e desempenhos
específicos, prescritos e observáveis, garantindo, assim, que o ensino não se limite à
simples aplicação instrumental dos conteúdos.
É feito uma menção ao modelo de competências, enquanto algo que traz uma
importante implicação para a compreensão do processo de organização dos
conteúdos de ensino: a necessidade de propiciar uma perspectiva globalizante do
conhecimento. O fato de as competências mobilizarem múltiplos saberes (saberes
para a ação) faz com que os conhecimentos aprendidos devam ser construídos em
estreita relação com os contextos em que são utilizados. Por isso mesmo, nessa
menção, torna-se impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais
presentes nesse processo. A formação dos alunos deve, então, ser encarada como
um processo global e complexo, no qual conhecer e intervir na realidade não se
dissociem.
Sendo justamente o desenvolvimento dessa visão globalizante que a
organização dos conteúdos deveria favorecer, estando ou não estruturados em
disciplinas. Essa visão global poderia ser viabilizada, no caso da manutenção das
disciplinas, pela implementação de uma proposta de currículo interdisciplinar (por
oposição a uma proposta de organização linear-disciplinar). No caso da supressão
das disciplinas, essa visão global poderia ser garantida pela adoção de um currículo
integrado.
Nessa perspectiva, é feita a defesa de que o currículo interdisciplinar
favoreceria a construção do conhecimento, uma vez que os conceitos, os contextos
teóricos e as práticas se organizam em torno de unidades globais, de estruturas
conceituais e metodológicas compartilhadas pelas várias disciplinas. Além disso,
propiciaria a transferência da aprendizagem, capacitando o aluno a enfrentar
113
problemas que transcendem os limites de uma disciplina concreta, e a detectar,
analisar e solucionar problemas novos e sob diferentes perspectivas.
Por sua vez, o currículo integrado teria sido defendido com base na idéia de
que a integração de conteúdos, não organizados em disciplinas, favorece a
modificação das estruturas das diferentes áreas do conhecimento, originando a
constituição de uma nova estrutura do conhecimento.
O currículo integrado também teria sido defendido em função da idéia de que
todo o currículo deve propiciar a compreensão da realidade social em que se vive,
além de se colocar como um meio para desenvolver aptidões, tanto técnicas quanto
sociais, que favoreçam aos indivíduos posicionar-se como cidadãos e trabalhadores.
Assim, o currículo integrado traria a possibilidade de explorar questões que se
encontram além dos limites convencionais das matérias e das áreas de
conhecimento tradicionais.
Por fim, é realçado que independentemente da opção que se faça por uma ou
outra abordagem da organização dos conteúdos no currículo, o importante é garantir
uma visão mais global e integradora dos conhecimentos construídos no processo de
ensino-aprendizagem. Uma concepção globalizante que permita analisar problemas,
situações e acontecimentos dentro de um contexto abrangente, utilizando, para isso,
conhecimentos organizados ou não em disciplinas, além, é claro, da experiência
social, cultural e laboral dos alunos.
No que pese o esforço do Senac para romper a fragmentação e o
esvaziamento dos conteúdos curriculares, já vale rumo ao rompimento das fronteiras
historicamente construídas e reforçadas por um tipo de escola que se centra na
função de desenvolver o intelecto e repassar um saber imediatista indispensável ao
progresso material da sociedade capitalista, isolando os saberes e os separando da
totalidade do conhecimento.
Por outro lado, temos presente que a educação profissional, por força de sua
vinculação histórica ao sistema produtivo é muito mais permeável as suas
demandas que qualquer outra modalidade de ensino, e que, por assim ser, o
reducionismo, a visão pragmática, fragmentada e tecnicista ainda se colocam como
predominantes em suas concepções. No entanto, também não se pode deixar de
perceber os espaços contraditórios que se gestam em seu seio e que podem ser
convertidos a favor do trabalhador, pois mesmo não aderindo às concepções
teóricas de Habermas, mas acreditando que estas não estejam calcadas na
114
perspectiva liberal, vislumbramos que no desenvolvimento das competências
profissionais, por estas trazerem em si a possibilidade de ultrapassagem do cunho
puramente instrumental para a revelação do subjetivo no sentido da
autoconsciência humana é possível confirmar-se uma vinculação da dimensão
política à dimensão profissional na formação dos trabalhadores.
Por outro lado, concordando com Kuenzer, defendemos que as contradições
que se manifestam na disputa capital-conhecimento não devem ser desprezadas.
Hoje, mais do que nunca, a máxima aprender a aprender parece se impor à máxima
aprender determinados conteúdos. Isso significa novas demandas para a educação
profissional, em que se destacam os conteúdos que façam sentido para o momento
de vida presente e que ao mesmo tempo favoreçam o aprendizado de que o
processo de aprender é permanente. Nesta perspectiva, Kuenzer, (2000) assim se
manifesta:
As mudanças ocorridas no mundo do trabalho, quando apontam, mesmo
que por contradição, para uma nova relação entre homem e trabalho,
mediada pelo conhecimento científico, tecnológico e sócio-histórico –
enquanto conteúdo e método – passam a demandar uma educação
profissional de novo tipo, que combine conhecimentos sistematizados,
experiências e comportamentos de modo a substituir a rigidez derivada
da incorporação de respostas provisórias como definitivas pela
capacidade de usar conhecimentos científicos e saberes tácitos, razão e
emoção, racionalidade e utopia, experimentação e intuição, para
conviver com o caráter dinâmico e revolucionário do atual estágio de
desenvolvimento, de modo a usufruir das positividades e construir novas
respostas para enfrentar as negatividades, buscando a construção de
relações sociais e produtivas menos perversas.
Esta constatação aponta para o desafio da (re)significação do projeto político-
pedagógico da educação profissional, reconhecidamente anacrônico em face da
realidade do final do século, marcada pelas contradições de um modelo que ao
mesmo tempo produz conhecimento, riqueza e exclusão em proporções e
velocidade jamais vistas em outras etapas.
No que tange as modificações de natureza jurídico-normativas, referentes à
nova institucionalidade da educação profissional garantida pela Lei 9.394/96 –
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – e sua regulamentação, a nova proposta
115
de educação profissional do Senac está inteiramente afinada com as suas
orientações, portanto nos deteremos a tecer alguns resgatar alguns elementos que
achamos importante para evidenciar as matrizes teóricos conceituais que perpassam
o modelo de competências adotado na educação profissional no Brasil.
Em primeiro lugar, convém destacar que são diversas as concepções que
perpassam o modelo de competências, assim também são várias as matrizes
teórico-conceituais que orientam a definição e construção de competências, e
direcionam a formulação e a organização dos currículos.
Essas matrizes estão ancoradas em modelos epistemológicos que as
fundamentam, e podem ser identificadas como a matriz condutivista ou behaviorista;
a funcionalista; a construtivista e a crítico-emancipatória.
O Senac situava sua proposta curricular na matriz construtivista, uma vez que
buscava a construção das competências não só a partir da função do setor ou da
empresa que está vinculada ao mercado, mas concede igual importância às
percepções e contribuições do trabalhador diante dos seus objetivos e
potencialidades, em termos de sua formação.
Porém identificamos uma incoerência teórica quando incorpora as
determinações do MEC que se situam em outra matriz, e acaba por ser determinante
na forma como se apreende e se realiza a formação por competência.
Isso porque, partir das recomendações e direcionamentos dados para se
definir o perfil profissional, encontramos evidências que o MEC utiliza-se da análise
funcional para tal definição.
A análise funcional apesar de ser da mesma raiz da análise ocupacional, é
considerada superior a esta.
A ocupação, na análise funcional, é tomada como agrupamento de atividades
profissionais pertencentes a diferentes postos de trabalho com características
comuns - normas, técnicas e instrumentos semelhantes - correspondendo a um
mesmo nível de qualificação.
A matriz funcionalista utiliza a análise funcional como método e esta se realiza
a partir da identificação da função estratégica do setor ou da empresa e dos
resultados esperados na atuação dos trabalhadores para que a função estratégica
seja cumprida. A análise funcional procura responder as seguintes perguntas: quais
são os objetivos principais da organização e da área de ocupação? Sua lógica de
116
construção de competências é dedutiva, partindo-se das funções mais gerais para
as específicas.
Os resultados das análises funcionais dão origem às normas de
competências de trabalho, que são descrições de resultados laborais que se devem
alcançar em uma área de trabalho determinada. A característica da análise funcional
reside no fato de que se descrevem produtos e não processos, importa os resultados
e não como se fazem as coisas, por isso mesmo, descrevem-se as funções em
unidades de competências, seguindo o princípio de descrever em cada nível o
produto esperado.
Alguns métodos são utilizados para a identificação e definição das
competências laborais com o objetivo de identificar necessidades de capacitação
profissional, planejar programas de formação e determinar critérios de avaliação. Um
destes métodos é o DACUM95 (Developing a curriculum), que compreende a função
como uma área ampla de responsabilidades que está conformada por várias tarefas.
Busca identificar, a partir de pequenos grupos de trabalhadores peritos ou
experientes, as tarefas que devem ser realizadas em um posto de trabalho ou em
área ocupacional.
A principal crítica feita a essas metodologias, de acordo com Ramos (Op. cit.
2001, p. 93/94), é a de que as tarefas especificadas e detalhadas por elas acabam
se convertendo nas próprias competências, que seriam construídas a partir da
observação direta do desempenho. O currículo seria construído a partir das funções
e tarefas especificadas nas normas de competências e a aprendizagem se
restringiria às atividades e não aos seus fundamentos tecnológicos.
Nesse sentido, é possível estabelecer um estreitamento de relações entre a
matriz funcionalista e a condutivista/behaviorista, ambas estritamente ligadas à ótica
do mercado e limitadas à descrição de funções e tarefas dos processos produtivos.
A partir da investigação dos processos de trabalho realizados com estas
orientações, os objetivos de ensino são formulados em termos de condutas ou
desempenhos observáveis orientados para os resultados. De forma geral, as
competências investigadas no processo de trabalho são transpostas de forma linear
para o currículo, formulando-se as competências a serem construídas como
intermináveis listas de atividades e comportamentos, limitando o saber ao
95 Em 2000, o Departamento Nacional do Senac promoveu um seminário sobre este método, ministrado por uma professora de Canadá para representantes da equipe técnico-pedagógica de todos os Departamentos Regionais.
117
desempenho específico das tarefas. A concepção da autonomia dos sujeitos fica,
assim, restrita e prescrita pelas atividades e tarefas. Sua perspectiva economicista,
individualista, descontextualizada e a-histórica limita o currículo e estreita a formação
do trabalhador. Assim temos ao mesmo tempo uma reedição do capital humano no
que se refere ao atrelamento direto da educação ao desenvolvimento econômico e
no que se refere à definição de objetivos educacionais em termos de condutas ou
desempenho observáveis orientados para resultados, uma reedição do tecnicismo
ou um neo-tecnicismo.
Nesse sentido, vale destacar que a proposta de organização curricular do
Senac, anterior a esta, era muito mais adequada à formação do perfil profissional
dos paradigmas produtivos atuais, pois, não se limitava ao estritamente necessário à
ocupação, não correndo assim o risco de empobrecer a formação do trabalhador
com as exigências de setores produtivos que ainda adotam estratégias de trabalho
extremamente arcaicas.
No modelo anterior, o Senac ao selecionar os conteúdos de ensino, levava
em consideração o caráter científico e sistemático das informações transmitidas, o
caráter histórico dos fenômenos e processos estudados e os aspectos relevantes
para a vida social e para a prática profissional dos alunos. Aliado a isso também a
preocupação com a seleção de métodos de ensino que facilitassem aos alunos
desenvolver as capacidades de abstração e reflexão sobre as atividades realizadas.
Assim, diante das alterações demandadas pelo MEC e numa preocupação de
ordem mais prática, colocam-se os seguintes questionamentos: Será que as
empresas do setor terciário de Fortaleza, de um modo que seja considerado
predominante, têm definida a sua estratégia competitiva ao modo da Teoria dos
Sistemas e têm a devida clareza sobre as competências profissionais que a esta
estratégia serão necessárias? Por outra, estarão as gerências de recursos humanos
dessas empresas com suas práticas estruturadas para avaliar as competências de
seus trabalhadores. Tornando ainda mais complexo o nosso questionamento: Qual a
validade das competências para as ocupações do setor informal ou dos serviços
domiciliares?
À luz desses questionamentos, buscaremos no capítulo seguinte apreendê-
los no movimento que se concretiza no terciário.
118
III - O modelo das competências na gestão do trabalho e sua articulação na definição do perfil profissional do trabalhador do setor de comércio de bens e serviços de Fortaleza.
3.1. A noção de competências na gestão do trabalho e no terciário - Dicotomias entre a teoria e a prática.
3.1.1 - A gestão do trabalho por competência na indústria.
A gestão por competência dos processos de trabalho tem seu fundamento
metodológico técnico na Teoria dos Sistemas Sociais. Nesta teoria, parte-se da
visão de que a empresa não é um sistema fechado e, portanto, não deve ser
analisada somente como um sistema em si, mas com relação entre o sistema e seu
entorno.
Nesta perspectiva, os objetivos e funções da empresa devem ser formulados
em termos de relação com o ambiente externo, isto é, com o mercado, a tecnologia
e as relações sociais e institucionais. Como conseqüência, a função de cada
trabalhador na organização deve ser entendida em sua relação com o entorno da
empresa e com os subsistemas dentro da empresa, onde cada função é o entorno
da outra.96 As competências do trabalhador são traçadas em função da estratégia
competitiva da empresa.
Os estudos empíricos que apreendem a gestão do trabalho por competência
têm destacado que esse modelo de gestão é mais freqüentemente observado na
organização do trabalho das grandes empresas, principalmente nas multinacionais,
onde se identifica um distanciamento da noção de posto de trabalho e de tarefa em
função da valorização da flexibilização funcional e da polivalência. Como
conseqüência, os laços entre qualificação profissional e salário se enfraquecem, as
descrições de cargos se tornam mais genéricas, ou seja, mais calcadas em
qualificações tácitas do que em conhecimentos sedimentados pela qualificação
profissional. Este distanciamento torna compreensível a valorização, pelas
96 RAMOS, Marise. Op. cit. 2001. p. 91
119
organizações, do conhecimento tácito dos trabalhadores, já que este potencializa a
flexibilização funcional e sedimenta o processo de integração.
As organizações passam a adotar estratégias que viabilizem a absorção do
conhecimento tácito dos trabalhadores, assim como políticas de remuneração e
treinamento que incentivem a educação continuada e o aperfeiçoamento
permanente do processo de trabalho.
Contudo, o aumento do trabalho abstrato não é diretamente proporcional a
uma maior complexidade do trabalho, podendo estabelecer dois grupos de
trabalhadores distintos, no que tange à qualificação profissional. O primeiro, apesar
de desenvolver tarefas com maior grau de abstração, não tem um enriquecimento
no conteúdo do trabalho, nem maior autonomia na realização deste, estando
subordinado a um tempo informático de essência taylorista. Já o segundo grupo
conta com trabalhadores mais qualificados, os quais desenvolvem funções que
exigem maior qualificação e competência, com uma carga maior de abstração e
complexidade no conteúdo do trabalho. Esses trabalhadores são parte integrante
da organização flexível, a qual, em função de sua estratégia corporativa, estabelece
projetos de incentivo, motivação e treinamento que os incluem.
Porém, a gestão do trabalho por competência apresenta nuanças muitos
complexas, principalmente no que se refere a identificação e avaliação das
competências dos trabalhadores. Calmon (Op.cit) identifica num estudo de Tanguy,
a observação de que a opção pela avaliação da capacidade de resposta do
indivíduo a uma situação de trabalho está relacionada à impossibilidade de se
desenvolver um sistema de avaliação capaz de identificar todas as nuanças e
multiplicidades que envolvem as novas qualificações para o trabalho, e não a um
rigor metodológico. Pois, como individualizar e avaliar objetivamente comunicação,
comprometimento, autonomia, responsabilidade etc., bastiões do modelo da
competência, sem tender para o subjetivo e para a personalização?
A análise de Tanguy, destacada por Calmon, é que tal lógica é desigual, pois
tenta estabelecer um comportamento homogêneo para a subjetividade em uma
situação dada, no caso, o ambiente de trabalho, não levando em conta as
diferenças na formação dos indivíduos, suas oportunidades etc. A opção pelo
modelo da competência seria uma forma de naturalizar as diferenças salariais,
transferindo para o indivíduo a responsabilidade pela desigualdade salarial:
120
"Qualquer que seja o método adotado, o objetivo permanece, com efeito,
o mesmo, tornar socialmente aceitáveis as diferenças salariais. A ‘lógica
das competências’ tende, como indica seu nome, a fazer com que se
aceitem essas diferenças como resultado de propriedades e de ações
individuais, na medida em que a avaliação é apresentada como uma
auto-avaliação" (Tanguy, apud Calmon. Op. Cit)
Calmon destaca ainda que a visão de Dubar, neste sentido, é concorrente.
Destaca que segundo esse autor o modelo da competência traz subjacente a
construção de um novo padrão de identidade, de reconhecimento e valorização do
trabalho, que substitui e neutraliza os valores constituídos sobre o modelo de
qualificação anterior, tanto no que diz respeito à identidade funcional e salarial,
quanto à qualificação profissional, num movimento fortemente personalizado.
Mas ao atribuir ao empenho individual capacidades como inovação, mobilidade e
flexibilidade, o modelo da competência ignora o fato de que até o momento não foram
desenvolvidos modelos pedagógicos que possibilitem ao trabalhador essa adaptabilidade
e, apesar de as ciências cognitivas sinalizarem com a possibilidade de mobilidade de
conhecimento para áreas correlatas, a mobilidade dos indivíduos de um campo a outro do
conhecimento não está subordinada, unicamente, ao esforço individual, mas sim a um
pesado investimento em qualificação e reconversão profissional:
"... a transferência para outros domínios ou outras disciplinas é quase
impossível, exceto ao preço de um treinamento muito oneroso, que se
situa no nível metacognitivo dos sistemas de processamento de
informação. As práticas instauradas com esse fim, nas instituições de
educação e de formação, em termos de métodos gerais, denominados
‘educabilidade cognitiva’, permanecem eminentemente discutíveis..."
(Dubar, apud Calmon. Op. cit.)
Ainda de acordo com Calmon, as organizações parecem calcar suas
contratações em perfis cada vez mais abstratos. Apesar da pressão exercida pelo
setor produtivo dos países centrais para formação de profissionais capazes de
atuar em sintonia com o novo padrão produtivo, este privilegia, no recrutamento e
seleção, saberes vinculados à biografia do indivíduo e à capacidade deste em
transferi-los com eficiência para a organização.
121
Se o movimento rumo a gestão do trabalho por competência, no cerne das
grandes empresas, já cria diferenciações entre os trabalhadores e complexidade na
forma de gerenciá-la, no interior do terciário, portanto, torna-se muito complicado
apreender seu movimento, primeiro devido a sua complexidade e segundo, porque
é bem escassa a produção teórica sobre o assunto.
Porém, de um modo geral, há a crença de que, mesmo em setores com baixo
nível de automação, como o terciário, há a necessidade de elevação do patamar de
qualificação em virtude do processo de reestruturação produtiva. Essa elevação é
resultante de um interrelacionamento da cadeia produtiva, no sentido de que as
organizações vinculadas, direta ou indiretamente, ao mercado externo irradiam as
inovações organizacionais e tecnológicas para o mercado interno.
O desempenho do terciário no desenvolvimento econômico tem sido
analisado na literatura econômica, levando em conta, fundamentalmente, o
desenvolvimento industrial e o processo de urbanização das sociedades.
É certo que a passagem da sociedade agrária para a sociedade industrial
envolve a concentração de pessoas e atividades nas cidades, reorganizando o
processo produtivo e proporcionando o aumento da produção e do consumo das
atividades terciárias. Entretanto, o papel dessas atividades no desenvolvimento da
economia é pouco claro, a menos que seja visto numa atuação conjunta e
concomitante com o setor secundário.
Nesse sentido Roggero (Op. cit) destaca que com a partir das mudanças
organizacionais no interior da indústria, as demandas não atendidas internamente,
passaram a sê-lo externamente, com a difusão de uma rede de serviços de alto nível
e de um novo processo, tendo em vista que muitas atividades, antes internas às
indústrias, passaram a ser externas e a fazer parte do setor de serviços.
Essa nova etapa no desenvolvimento industrial, de acordo com a autora
citada, afetou o processo de multinacionalização, que sofisticou-se, a partir da
década de 80, deslocando capital para países que pudessem oferecer mão-de-obra
melhor qualificada e boa infra-estrutura de serviços de apoio – agora,
preferencialmente, informatizados – aos processos produtivos.
No entanto, a autora assinala que essa exposição linear do processo de
desenvolvimento dos serviços ligados à indústria não dá conta nem da
complexidade do setor terciário, nem tampouco do tipo de perfil profissional
122
necessário a sua reprodução, bem como das formas de gestão dessa força de
trabalho, como um todo.
Isto posto, remete à contradição das representações teóricas que dão
sustentação ao modelo das competências na educação profissional do Senac e a
sua finalidade, qual seja qualificar profissionalmente os trabalhadores para o setor
de comércio de bens e serviços.
3.1.2. A racionalidade no terciário e as competências necessárias à prestação de serviços
Existem algumas dificuldades de caracterização do que realmente seja o
setor de serviços, conforme nos mostra Salerno,97 a classificação da atividade
econômica em setores industrial e de serviços tem pouco poder explicativo sobre a
dinâmica do trabalho e da produção nas empresas contemporâneas. Para mostrar
essa dificuldade, o autor apresenta várias situações, tais como:
Uma empresa metalúrgica no seu processo de terceirização desfaz-se de seu
setor de manutenção, passando a contratar uma firma especializada para realizar a
atividade. A firma contratada presta serviços de manutenção, é uma empresa
classificada no setor de serviços da economia, que vai estar atuando dentro da
indústria.
No caso da compra de um bem como um automóvel, o que se compra de fato
é um bem conjuntamente com um pacote de serviços – garantia, assistência técnica,
financiamento. Ou seja, a própria indústria incorpora cada vez mais nos seus
negócios e na sua estratégia competitiva, um pacote de serviços associado a seus
produtos.
Apreendemos também no estudo de Roggero (Op. Cit), que grandes desafios
metodológicos se colocam para a compreensão das questões quantitativas e
qualitativas que envolvem o terciário, pois, de modo geral, os estudos que abordam
o setor terciário da economia tendem a apresentar inúmeras discrepâncias
conceituais, que dificultam a compreensão de sua estrutura e de sua dinâmica
interna.
O fato de agregar uma gama muito ampla de atividades, muitas delas
derivadas do setor produtivo secundário, faz com que a característica predominante
do setor de serviços seja a heterogeneidade. Tal característica transcende o aspecto
97 SALERNO, Mário Sérgio. (org.) Relação de serviço - Produção e avaliação. São Paulo: Editora Senac, 2001. p. 11
123
relativo ao número e variação das atividades, aplicando-se também ao modo como
elas surgem e interagem com as atividades pertinentes aos demais setores, não só
do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista social e cultural.
Uma tentativa de caracterização ou identidade ao setor terciário foi formulada
por Claus Offe98, onde este autor, a partir de uma visão do funcionamento social,
define o trabalho em serviços em contraposição complementar ao trabalho produtivo:
o setor de serviços abrangeria a totalidade de funções envolvidas no processo de
reprodução social e na forma de circulação das mercadorias que garantem a
reprodução material da sociedade.
Quanto ao tipo de trabalho envolvido no setor de serviços, Offe afirma que se
trata de um trabalho reflexivo ou metatrabalho, cuja racionalidade orienta-se por uma
lógica da eficácia em contraposição à lógica da eficiência, típica do trabalho em
produção.
A utilidade de tal abordagem se justifica pelas questões relativas à
racionalização e à maneira como funciona o mercado e o rendimento do trabalho no
setor de serviços, fatores que possibilitam o entendimento do terciário como
metatrabalho ou como trabalho reflexivo, visto que a finalidade das atividades de
serviços não reside na sua prestação, mas na manutenção de uma disponibilidade à
sua prestação.
Nesta concepção, sendo o trabalho em serviços mais indeterminado, menos
previsível, mais sujeito a confrontação com eventos aleatórios, exigiria dos
trabalhadores maior autonomia e capacidade de resolução de problemas.
Neste sentido, sendo a autonomia uma competência atitudinal fundamental a
natureza do trabalho no terciário, percebemos que o modelo de competências
conforme a matriz funcionalista não dá conta de sua formação. Pois, dentro dessa
orientação funcionalista, as competências investigadas no processo de trabalho são
transpostas de forma linear para o currículo, formulando-se as competências a
serem construídas como intermináveis listas de atividades e comportamentos,
limitando o saber ao desempenho específico das tarefas. A concepção da autonomia
dos sujeitos fica, assim, restrita e prescrita pelas atividades e tarefas.
Por outro lado, esse fator já coloca em xeque as análises da categoria
trabalho apenas pelo enfoque do trabalho concreto típico da indústria, até o início da
98 OFFE, Claus. O crescimento do trabalho no setor serviços. Quatro explicações sociológicas. In Trabalho e Sociedade. Vol. II. Rio de Janeiro; Ed. Perspectivas; 1991. p.59
124
automação. Conseqüentemente, também altera as análises acerca da qualificação
e, sobretudo, acerca do significado que todo esse movimento tem para o indivíduo
como ser social.
Roggero (Op. cit) esclarece que, antes de possibilitar qualquer especulação
sobre o quanto o setor terciário vale do ponto de vista econômico, os estudos de
Offe apontam para uma possibilidade interpretativa em relação às transformações
culturais que se operam nesse setor e se expandem socialmente. Portanto, esta
caracterização funcional do terciário não lhe atribui nenhum valor econômico, em si
mesmo, se comparada às atividades produtivas em geral, porque, quanto ao recurso
à disponibilidade para a prestação de serviços, prevalece a incerteza quanto ao
volume, tipo, clientes, etc., que serão demandados. Ou seja, não se parte da idéia
ingênua de que o setor terciário absorva a força de trabalho disponibilizada pelo
setor de produção de bens, equilibrando oferta e demanda de empregos.
É fundamental para a compreensão desses estudos e para o objetivo aqui
proposto, entender que a questão da racionalização do setor terciário pode ser
entendida pelo fato de que o componente predominante nas atividades de prestação
de serviços é o que Offe chama de “função acauteladora,”(Offe, apud Roggero, Op.
cit) já que todos os serviços têm que ser dotados de maior ou menor disponibilidade,
como algo estabelecido de maneira preventiva, mas que nem sempre é
concretamente utilizado.
Se essa função acauteladora não existisse, a prestação de serviços estaria
ameaçada, o que explica a necessidade estrutural da manutenção de seu
superdimensionamento.
Estabelecida uma analogia com a produtividade industrial, nota-se que os
serviços não acompanham o mesmo conceito de produtividade, devido à sua
disponibilidade excedente e à sua função social de absorção de incertezas, ou seja,
os serviços devem ser prestados quando, onde, como e por quem são demandados,
e não há parâmetros absolutos para medir ou prever tal demanda.
Outro aspecto que o diferencia do setor industrial, diz respeito às questões de
mercado de trabalho e rendimento do trabalho, cujo valor só se realiza quando da
sua utilização pelo consumidor. Entretanto, a freqüência de utilização não possui
instrumentos de controle pela organização da prestação de serviços. Por razões
estruturais, portanto, o resultado dos serviços, na maior parte das vezes, sequer é
conhecido. Em decorrência disso, uma vinculação da remuneração desses trabalhos
125
às suas competências, como no caso da gestão do trabalho por competências, não
só feriria os critérios estabelecidos de justiça social, como também – e
principalmente – teria graves conseqüências quanto à capacidade de funcionamento
da produção do serviço, já que a incerteza da demanda por trabalho na sua
prestação seria descarregada sobre as pretensões de renda dos indivíduos.
O desenvolvimento do setor terciário, nas sociedades capitalistas industriais
avançadas, embora se atrele aos interesses, afasta-se da lógica da produção de
bens, apresentando uma composição interna também diferenciada. Ainda de acordo
com Roggero, Offe define essa composição a partir das especificidades sócio-
estruturais da prestação de serviços, classificando-os em: serviços comerciais,
serviços internos à organização e serviços públicos e estatais.
Os serviços comerciais são prestados por empresas autônomas que se
encarregam de gerá-los e vendê-los comercialmente, e estão submetidos às
decisões do consumidor quanto ao tipo, momento e local da prestação do serviço.
Os serviços internos à organização consistem nas atividades realizadas no
interior das empresas produtivas, voltadas ao preenchimento de funções
necessárias ao acompanhamento do processo de produção.
Os serviços públicos e estatais dependem de decisões políticas - que
abrangem premissas da economia de mercado, por um lado, e necessidades de
utilização, por outro - quanto à sua alocação e valor de uso.
Embora não apresente, por princípio, um consumo monetário rentável, a
demanda por serviços não pode ser negligenciada por estar ligada às estruturas
formais da vida social (transportes, saúde e educação, por exemplo). Isso faz com
que os serviços sejam determinados pelos critérios econômicos empresariais que os
geram e pela sistematicidade da demanda de sustentação do ordenamento.
Nesta análise, Roggero mostra que Offe identifica três aspectos funcionais,
típicos do desenvolvimento do setor terciário: as funções para clientes da produção
de serviços, as funções para a força de trabalho no setor de serviços e as funções
para a estrutura de conflitos políticos. As funções para clientes são decorrentes da
defasagem da produtividade, que ameaça a rentabilidade ou a base financeira do
trabalho em serviços. Dessa forma, transfere-se aos consumidores os custos
relativos mais elevados, numa estratégia de "externalização", inserindo-os, desse
modo, na produção dos serviços. A reorganização do comércio varejista no sentido
do auto-serviço, as atividades de manutenção e conserto por conta própria de
126
eletrodomésticos, automóveis, etc., o recolhimento de encomendas transportadas
pelos correios por conta do destinatário, entre outros, são exemplos desse tipo de
função, cujo custo é absorvido pelo cliente ou consumidor.
As funções para a força de trabalho no setor de serviços relacionam-se,
basicamente, aos requerimentos atitudinais, como lealdade ou dedicação,
solicitados dos empregados como necessários ao controle de situações não
burocratizadas de trabalho.
As funções para a estrutura de conflitos políticos estão ligadas a um
movimento cíclico e constante entre privatização e estatização na organização da
oferta de serviços, considerando que sua produção organizada pelo Estado não
representa uma alternativa para a oferta comercial, porque os modos da produção
de serviços e os critérios de racionalidade econômica e político-administrativa
privados e estatais, embora diferentes, mantêm um certo grau de dependência entre
si.
Zarifian99 identifica que estaria havendo uma evolução convergente entre a
industria e os serviços: “o setor industrial descobre e incorpora a noção de serviços,
o setor dos serviços industrializa seus modos de funcionamento”.
Entretanto, Roggero (Op.Cit) adverte que as relações entre os setores
secundário e terciário não se dão de maneira tão linear ou mecânica, tendo em vista
o aspecto relacional que caracteriza, em geral, as atividades que compõem esse
último. Devido a esse caráter relacional, questões como persuasão e até coerção
entram em jogo no processo interativo entre quem oferece e quem procura
determinados tipos de serviços.
Esse dado sugere rever o significado que determinados aspectos têm para a
qualificação da força de trabalho do terciário, porque assim como suas atividades
são marcadas pela heterogeneidade e pela complexidade, a qualificação
demandada por essas atividades também guarda alterações significativas na
compreensão das relações sociais no trabalho.
No entanto, Zarifian (Op. Cit.) considerando o interrelacionamento da indústria
com os serviços, propõe o desenvolvimento de um novo conceito para incorporar
este: a noção de produção industrial de serviço que é definida da seguinte forma: “O
serviço é uma organização e uma mobilização, o mais eficiente possível, de recursos
99 ZARIFIAN, Philippe. Relação de serviço - Produção e avaliação. São Paulo: Editora Senac, 2001. p. 69
127
para interpretar, compreender e gerar a mudança perseguida nas condições de
atividade do destinatário do serviço.” Nesse sentido é também:
∗ Um processo que transforma as condições de existência de um indivíduo ou
organização;
∗ Atuante sobre as condições de uso ou de vida do destinatário;
∗ Responde as necessidades e expectativas dos indivíduos de uma maneira
julgada, por eles, positivamente; e
∗ Produz um julgamento sobre a qualidade do efeito do serviço sobre a sua
situação de vida.
Esse conceito poderia ser aplicado tanto para a indústria quanto para os
serviços, que mantêm uma relação direta com a transformação: os serviços de
saúde, por exemplo, têm por objetivo transformar as condições de saúde da
população, os serviços telefônicos buscam transformar as condições de
comunicação.
Encontra-se, portanto, implícito na concepção de produção industrial de
serviço, o conhecimento das expectativas e necessidades dos clientes/usuários de
forma que os serviços prestados possam, efetivamente, fornecer as respostas
esperadas.
Nesta convergência entre indústria e serviços, confrontam-se duas lógicas
diferentes: a primeira origina-se da produção industrial nos moldes fordistas (a
racionalização dos custos ou a lógica da eficácia definida por Offe), e a segunda
origina-se na lógica de serviços, onde desenvolver soluções é o ponto de partida
para quaisquer produções. Nesta lógica, o cliente assume um papel muito
importante, dado que cabe a ele realizar o julgamento de qualidade quanto ao
serviço recebido.
Assim, enquanto a referência estratégica do trabalho na produção industrial
consiste na apropriação e transformação da natureza para produzir a riqueza social
e sua racionalidade se objetiva em critérios de eficiência e eficácia, a referência
estratégica do trabalho em serviços é a garantia do ordenamento institucional e das
demais condições funcionais para o andamento do trabalho na produção, e sua
racionalidade é determinada pela garantia quanto à prevenção de efeitos
perturbadores ao processo produtivo.
A chave da eficiência do serviço se daria na maneira como se combinam
essas duas lógicas nas diferentes instâncias de produção dos serviços. Zarifian (Op.
128
Cit.), considera três destas instâncias ou universos presentes nas indústrias e nos
serviços:
a) O universo da concepção de novas tecnologias e de novos produtos ou serviços
(neste universo encontrar-se-ia um grande número de pesquisadores e pessoal de
qualificações mais altas)
b) O universo dos grandes sistemas técnicos, assegurando a produção material
destes produtos ou serviços (as fábricas na indústria, as unidades técnicas em
serviço); neste concentra-se um elevado percentual de pessoal de nível técnico; e
c) O universo da relação direta com o cliente ou usuário, que permite o contato direto
com o público (as agências comerciais e redes comerciais), concentrando o pessoal
de venda e suporte.
A organização do trabalho em cada um desses universos é diferenciada, com
seus ofícios profissionais próprios e necessidades de produção específicas. O
primeiro e segundo universos estão mais sujeitos ao processo de racionalização
típica do fordismo ou pós-fordismo, o qual pode ser mais intensificado graças à
utilização das tecnologias de informação, permitindo a redução dos custos. Já no
terceiro universo a lógica que tem predominado é a desconcentração e
descentralização, com multiplicação das unidades comerciais assegurando a
proximidade com os clientes e acrescentando conhecimentos sobre seus hábitos,
usos locais dos produtos e serviços, permitindo, assim, o desenvolvimento de
estratégias locais de venda adaptada.
Esse duplo movimento pode ser observado em vários serviços, sendo que os
bancos são paradigmáticos: concentram-se a parte de processamento, gestão e
descentralizam as agências, chegando à proposta de uma agência na casa de cada
cliente, via Internet.
Para Zarifian100, a competência humana profissional se revela decisiva na
eficiência de uma produção de serviço, pois é preciso interpretar e compreender as
expectativas do cliente-usuário quanto aos resultados a ser gerados. Para este
autor, também é preciso ter acesso ao conhecimento da atividade do destinatário
para agir com pertinência sobre as condições de execução dela. Seria, pois, nessa
interação social que se situa a especificidade da atividade e da responsabilidade
humana e nenhum maquinário poderia substituí-la.
100 ZARIFIAN, Philippe. Op. cit. 2001. p. 119
129
Nessa linha, ele afirma que visualizar e conhecer a atividade do cliente-
usuário; interpretar e compreender; desenvolver as condições de compreensão;
produzir uma solução; e gerar a transformação são situações em a competência
profissional exerce um papel decisivo.
Assim, as competências do profissional do terciário se ancoram na
capacidade de ação, como amálgama das estratégias de cuidados preventivos
racionais dos trabalhos em serviços, é preciso conceder uma certa autonomia ao
empregado, a quem caberá decidir o que fazer diante dos imprevistos. Essa é mais
uma diferença existente entre o trabalhador da indústria tradicional e o trabalhador
em serviços, além de ser um fator que complexifica as relações, no âmbito de
qualquer atividade do setor.
Roggero (Op. Cit) chama a atenção de que pode ser válida a hipótese de que
o setor terciário guarda uma racionalidade que interessa ao capital do ponto de vista
de revisão, manutenção ou alteração dos conteúdos culturais das sociedades.
Desse ponto de vista, não importa o quanto tal setor possa ser economicamente
rentável – até porque a produção de bens continua sendo –, o que importa é que ele
se mostra útil às transformações culturais que possibilitem a produção e reprodução
do capital.
Nesse sentido, conforme as observações da autora citada, a formação
profissional no contexto do desemprego se encaixa nessa perspectiva, quando se
observa que os profissionais considerados desqualificados pelo mercado, que não
oferece mais postos de trabalho nas atividades para os quais estavam preparados,
são instados a se requalificarem. Entretanto, não há novas demandas por uma
qualificação específica, mas sim novos requisitos de qualificação que colocam em
pauta aspectos predominantemente atitudinais, em substituição à demanda por
preparo técnico para o exercício de determinadas funções, como no modelo de
desenvolvimento anterior.
Vale também destacar que a prestação de serviços está sempre relacionada
com atividades que garantam condições sociais normais. A questão da normalidade
– como objeto do trabalho em serviços – é entendida como estando sujeita não só a
um critério de qualidade, que se refere à individualidade e peculiaridade da situação,
mas também subordinada a determinadas regras, critérios, concepções de ordem e
valores em geral. Isso torna o sucesso do trabalho em serviços dependente de um
130
tipo de equilíbrio, conseguido mediante adaptação recíproca, entre a peculiaridade
do caso e a generalidade da norma referencial.
Esse argumento leva à compreensão de que o trabalho em serviços seja
encarado como trabalho sintetizador, trabalho mediador ou trabalho normalizador,
por estar situado entre a racionalidade de intermediação e a racionalidade técnica da
economia industrial.
Essa abordagem sustenta que o crescimento do terciário se justificaria pelo
crescimento da necessidade de serviços relacionados às funções sintetizadoras e
normalizadoras dos sistemas sociais, que necessitam concentrar-se em "papéis
especializados de trabalho".
Daí, de acordo com Roggero, pode-se observar:
- que a expansão dos trabalhos em serviços representa... a satisfação da
demanda continuamente renovada de funções de intermediação de
todos os tipos (comércio, serviço de informações, proteção policial e
militar, justiça, bancos, seguros). Nesta argumentação sobre a
complexidade orientada pela demanda é característico que o
crescimento das funções terciárias... [se dê por] um processo que ocorre
simultaneamente com o desdobramento do modo de produção industrial
capitalista, apresentando-se até mesmo, em parte, como condição prévia
dele;
- que a relação de concorrência, associada ao risco permanente de
sobrevivência econômica, leva as diversas unidades econômicas a
instalar quadros de serviços, que perseguem a finalidade estratégica da
percepção, absorção e prevenção dos riscos condicionados pela
concorrência;
- que o conflito entre o trabalho assalariado e o capital exige esforços
permanentes de regulação e controle, tanto no nível da organização
como no estatal;
- que a execução destas tarefas no quadro de estruturas sociais
capitalistas só é imaginável na forma especial de monopólios de
competências.
As abordagens existentes para explicar o crescimento do setor de serviços,
apesar de conterem uma lógica aplicável a certas situações e circunstâncias, são
insuficientes quanto à abrangência de aspectos sociológicos macro e
microorganizacionais, o que mantém a dimensão de complexidade teórico-
131
metodológica para a compreensão do terciário e da diversidade das relações de
trabalho que ali se travam.
No entanto, de uma forma geral, Zarifian, (Op. cit) nos fornece interessantes
pistas sobre a importância da competência humana na racionalidade do setor
terciário. Mas, como o movimento do real demonstra que este setor está muito mais
ancorado na lógica da produção industrial nos moldes fordistas (a racionalização dos
custos ou a lógica da eficácia definida por Offe), do que na perspectiva de
desenvolver soluções, o movimento que ocorre no setor nega, pelo menos no caso
por nós apreendido, esse direcionamento à competência humana, conforme se verá
a partir das mudanças organizacionais operadas no comércio varejista.
3.2. Mudanças organizacionais no terciário - o caso do comércio varejista
Quanto as mudanças organizacionais ocorridas no interior do terciário, vamos
nos deter a destacar as principais que se observa no comércio varejista, por ser este
setor que agrega a ocupação de vendedor, a mais demandado no nosso
levantamento de dados sobre as ocupações mais requeridas pelo terciário de
Fortaleza.
Várias mudanças de natureza organizacional e a introdução das novas
tecnologias de informação ocorreram no comércio varejista, em particular nos
grandes magazines e nos supermercados, provocando uma profunda transformação
nesse setor da economia. A introdução do auto-serviço no setor modificou de forma
profunda as estratégias e as técnicas de comercialização bem como a organização
do trabalho. Assim como a introdução das novas tecnologias de informação
provocou alterações marcantes nas rotinas dos serviços e na logística das
empresas. Tal processo de mudanças teria tido continuidade, conforme nos mostra
Trindade101, numa nova etapa: a terceirização como coroamento de um projeto que
busca a racionalidade dos processos e a economia de custos como metas
indispensáveis para manter-se no mercado.
A estrutura organizacional dos grandes magazines, assinala Trindade (Idem),
tradicionalmente consistia de vários departamentos que funcionavam como
pequenos negócios. Cada uma dessas repartições era gerenciada por uma pessoa
101 TRINDADE, J.T.P. , SEGRE, L.M. Inovação tecnológica no setor de serviços: o caso da grande distribuição. In: ENGEPI, XV / CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENGENHARIA INDUSTRIAL, I, Anais... São Carlos: UFSCar, 1995. v.2, p. 765-769.
132
(o vendedor) que desenvolvia uma série de tarefas relativas a esse espaço. Entre
outras, era responsável por: pedidos; recebimento e exposição das mercadorias;
promoções de todo gênero; controle do caixa e livros contábeis e a organização do
trabalho. Essa forma de organização dava ao vendedor toda a responsabilidade na
gestão de vendas. Além do que o formato de venda assistida obrigava-o a um
contato estreito com o cliente, bem como com o fornecedor, já que era responsável
também pelo aprovisionamento as mercadorias.
Com as mudanças de natureza organizacional seguidas pela introdução das
tecnologias de informação que levaram à automação de todas as operações
comerciais, modificou-se gestão de trabalho desse profissional.
A centralização das decisões e as mudanças na estrutura de vendas
acabaram com o modo de organização do trabalho até então vigente. A grande
novidade foi a introdução do auto-serviço substituindo a modalidade de venda
assistida ao cliente. A justificativa para tais alterações foi de natureza econômica:
para poder continuar competitiva no mercado a empresa precisava baixar custos e o
auto-serviço foi uma das soluções adotadas. A partir daí as grandes lojas passaram
a estruturar-se em semelhança a um supermercado: ao invés dos vários caixas
espalhados pelos departamentos, foi instalada uma barreira de caixas na saída da
loja para onde os clientes levam as mercadorias escolhidas e efetuam o pagamento,
sem contato ou interferência de ninguém. Assim, a venda assistida foi quase que
completamente eliminada neste tipo de organização.
Em outras grandes lojas vai também se observar também que ao invés do
layout estilo supermercado foi adotado o sistema de ilhas, que funcionam da
seguinte maneira: no interior de dois ou três setores colocaram uma, duas ou três
caixas, de acordo com o ponto de maior ou menor importância da loja, como é o
caso das Lojas Americanas e C&A. Isso também alterou mais uma vez o modo de
trabalho, pois no caso das ilhas, o responsável fica num ponto focal onde, além do
serviço de caixa, desenvolve também outros trabalhos. Como não é um caixa fixo,
eventualmente tem que se ausentar para prestar algum serviço ao cliente.
Os impactos e as conseqüências dessas mudanças de natureza
organizacional e a introdução das novas tecnologias de informação repercutiram
fortemente na profissionalidade dos vendedores, até então considerados gestores
de vendas. Estes foram expropriados de sua profissão, já que sua qualificação era
desnecessária na nova realidade. Passaram a ser "simples operários de venda",
133
mesmo no caso da adoção do sistema de ilhas, em lugar do auto-serviço puro.
Numa certa medida tal sistema proporcionou um retorno à multifuncionalidade que
tinha o vendedor no antigo sistema. Entretanto agora essa multifuncionalidade
tornara-se pobre, fora destituída das responsabilidades e criatividade pelo sistema
informático implantado juntamente com as mudanças organizacionais.
A inovação tecnológica proporcionou a centralização das decisões. A gestão
e a logística passaram das mãos do vendedor para a direção centralizada da
empresa, isso porque com a implantação dos terminais de ponto de venda (caixas
eletrônicos ligados à rede de computadores) juntamente com a identificação das
mercadorias por códigos em barras para leitura óptica, as informações, que antes
eram de domínio do vendedor passaram a ser manipuladas pelo sistema informativo
computadorizado. Através de cruzamentos das informações de todos os sistemas
(vendas, compras, contabilidade, pessoal, estoques, etc.) é possível ter o domínio
da situação: planejar, gerir de forma centralizada. Tal centralização acabou também
por eliminar uma das funções importantes do vendedor de outrora: o contato com o
fornecedor. Hoje trabalha-se de forma centralizada, com base em relatórios emitidos
pelo sistema de controle de vendas e de estoques.
Vale destacar que a incorporação de novas tecnologias pode se dar numa
visão antropocêntrica ou numa perspectiva tecnocêntrica102. A primeira implica o
esfacelamento da estrutura básica do processo produtivo taylorista-fordista, leia-se
a superação do parcelamento das ocupações em tarefas. Numa perspectiva
tecnocêntrica, ao contrário, a introdução das inovações tecnológicas não traz
consigo alterações na organização do trabalho. A perspectiva tecnocêntrica,
portanto, supõe a implementação de avanços tecnológicos sem modificar o padrão
de trabalho e sem incentivar o investimento na ampliação da base educacional e no
aprendizado continuado. Conforme enfatiza Deluiz,103 disto resulta a expansão do
controle técnico sobre o conteúdo e o ritmo do trabalho.
No que tange as análises da introdução das tecnologias de informação no
terciário brasileiro, constata-se que isso aconteceu, como era inevitável, porém sem
grandes preocupações por parte da empresa de preparar adequadamente seu
pessoal (talvez porque na verdade nem se julgasse absolutamente necessário).
102 SENAC/Departamento Nacional. A nova concepção de Formação profissional do Senac. In Boletim Técnico do Senac. n.21. maio/ago. 1995 103 DELUIZ, Neise. Mudanças no conteúdo do trabalho do setor terciário: implicações para a educação. Boletim tëcnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 19, n.2, maio/ago. 1993. p. 12
134
Ensinou-se o básico, o essencial para que as informações fluíssem proporcionando
um controle centralizado maior da organização por parte da direção. Nada que
incluísse um bom entendimento das mudanças pelas quais a empresa estava
passando.
Claramente, a transferência de funções desenvolvidas pelo trabalhador para o
aparato tecnológico acarretou um empobrecimento daquele trabalho de venda e
gestão dos espaços. Por outro lado, isso não significou também que o aparato
tecnológico tenha eliminado por vez a ocorrência de problemas. Por conta de certa
rigidez do sistema, existem problemas no tratamento das informações de vendas
que muitas vezes podem falhar. Tal rigidez é notada nos casos de ocorrência de
vendas extraordinárias e também quanto ao formato fixo de pedido de reposição de
mercadorias. São sistemas que funcionam bem se tudo estiver dentro de um padrão
de normalidade. Pequenos desvios quebram o frágil equilíbrio do sistema, o que não
aconteceria se houvesse possibilidade de interferência do pessoal de vendas.
Por outro lado, a automação dos sistemas de frente de caixa proporcionou
que se conhecesse o resultado das vendas diárias e o desencadeamento de
pedidos sem interferência do profissional de vendas. Mas isso, às vezes, leva a
procedimentos errôneos, por causa de erros na digitação das entradas e furtos
dentro da loja, provocando refornecimento de mercadorias existentes e não
refornecimento de mercadorias que faltam. Daí o entendimento de que a introdução
das tecnologias sem o devido envolvimento dos trabalhadores não é o melhor
sequer para a empresa, pois, se os espaços fossem geridos pelas vendedoras como
era antes, certamente esses problemas seriam evitados.
Quanto à questão da terceirização, que é outra grande alteração que está se
processando no interior das grandes lojas de magazine, a qual consiste na cessão
de espaços dentro da loja para terceiros, mais uma vez contribui para o objetivo da
empresa em buscar alcançar a tão perseguida “sobrevivência” frente às novas
exigências do mercado competitivo.
Esse processo de terceirização consiste na empresa ceder um espaço, na
forma de aluguel, no interior de sua loja, para que uma outra empresa instale ali um
posto de venda de seus produtos. O espaço é gerido autonomamente pela empresa
contratante. Isso inclui a contratação de pessoal, a organização da jornada de
trabalho, a remuneração, etc. As regras contratuais são diferentes do restante do
pessoal da loja, embora desempenhe funções semelhantes.
135
A política de terceirização no interior desse tipo de loja, conforme Trindade
(Ibidem) observa, vai servir a quatro propósitos: economia de custos (diminuição do
pessoal orgânico e publicidade por conta da empresa terceira); fragmentação na
organização dos trabalhadores (os contratos diferenciados a que são submetidos os
trabalhadores terceirizados, já que não pertencem à categoria do comércio e sim
àquela de origem da empresa terceira, o que acaba por quebrar a unidade do
trabalho na organização); a imagem (o nome da empresa é utilizado nos produtos
vendidos nos espaços alugados, portanto, sua imagem está sempre ligada a tais
produtos em qualquer campanha de marketing dos mesmos); custo zero para a
empresa (alugar espaços significa uma receita segura, praticamente sem riscos).
A sanha da competitividade observada no comércio varejista tende a
reafirmar as regras do jogo no panorama econômico mundial. Nessa alteração,
defende-se que o perfil do profissional recrutado, tende igualmente a modificar-se
pela exigência de profissionais melhor qualificados.
Nesse sentido, não é a tecnologia determinante de maior ou menor
qualificação profissional, mas sim o modo como ela é apropriada pelas empresas:
É a forma como o trabalho é organizado para absorver as novas tecnologias
que determina a demanda por trabalhadores com capacidade de julgamento
e iniciativa ou por trabalhadores envolvidos em atividades rotineiras,
mecânicas ou destituídas de significado. (SENAC/Departamento Nacional
apud Zibas. Op. cit)
Diante dos apelos que são feitos a educação profissional para adaptar suas
ações educativas às mudanças ocorridas no mundo do trabalho no sentido de
formar as aptidões necessárias aos empregos dos setores produtivos, situa-se a
nossa preocupação com a adequação das ações do Senac às exigências feitas pelo
terciário ao perfil do trabalhador.
Isso porque o que percebemos a partir da análise que acabamos de fazer é
que mesmo havendo um espaço por excelência no terciário, de manifestação da
competência humana, as formas que assume a gestão do trabalho no interior da
produção de serviços neste setor, esvaziam o trabalho de conteúdo e se apegam
muito mais a um “saber ser” espúrio, que não perturbe a lógica da economia dos
custos para otimizar o lucro.
136
Nesse sentido, é concorrente a ressalva de Hirata, citando Lerolle (1994:129),
de que a referência às aptidões pessoais necessárias aos empregos não é
certamente uma novidade. Parece entretanto, que a parte destas capacidades
gerais e mal-definidas tende a crescer com a aceleração das variações da
organização e das distribuições (de cargos). Quanto menos os empregos são
estáveis e mais caracterizados por objetivos gerais, mais as qualificações são
substituídas por ‘saber ser’” (Lerolle apud Hirata)
3.3. Relações do currículo por competência com o perfil do trabalhador do terciário em Fortaleza
3.3.1. A mudança do trabalho por setores e na composição organizacional
Neste ponto, faz-se necessário, para o nosso objeto de análise, entender com
mais profundidade que características assumem as formas de trabalho diante as
mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho terciário Fortalezense.
Assim, nos deteremos mais a buscar captar as contradições que estão em
seu cerne, apontando possíveis tendências do tecido produtivo e das formas de
trabalho que ali se realizam na perspectiva de compreender como se forja hoje o
perfil do trabalhador demandado por esse setor em Fortaleza, para estabelecer o
confronto entre essa demanda e o perfil profissional que o Senac volta-se a formar.
De acordo com Piquet (Op. Cit), a controvérsia sobre os efeitos decorrentes
do processo de modernização empresarial sobre o perfil da mão-de-obra não
constitui fato novo. É sabido que a introdução de novas práticas produtivas vêm
acompanhadas por uma nova base de conhecimentos para o exercício do trabalho,
o que provoca alterações na estrutura de emprego, no padrão de remuneração e no
perfil da demanda por mão-de-obra.
As sociedades do mundo desenvolvido experimentaram nas últimas décadas
o processo de transferência de emprego das atividades produtoras de bens
materiais para as que provêem bens imateriais ou serviços. Esse crescimento do
setor terciário, que chega a empregar entre metade a dois terços de trabalhadores,
segundo o país ou região, passa a ser considerado um indicador positivo do
progresso econômico e da evolução para uma sociedade do bem-estar, conforme já
se mostrou nesse trabalho, a partir da análise da teoria da sociedade pós-industrial.
137
Essas teorizações que associam o crescimento do setor terciário ao
desenvolvimento econômico, são fortemente contestadas, conforme já se mostrou,
por serem incapazes de dar conta dos diferentes processos que convergem para o
crescimento acelerado dos serviços.
De fato, o crescimento dos serviços nos países pouco desenvolvidos ocorre
num processo em que o terciário atua como um setor refúgio, capaz de absorver os
excedentes de mão-de-obra, mediante a expansão de atividades pouco
capitalizadas e de baixa produtividade, com ocupações pouco qualificadas e de
escassa retribuição, como é o caso do comércio varejista, dos serviços pessoais e
domésticos, entre outros bastante comuns no tipo de países acima referidos que
apresentam graves problemas de emprego.
No comportamento do emprego, vamos perceber que em Fortaleza, a
categoria que mais cresce é o emprego de baixa qualificação, com escassas
exigências de formação, de caráter precário ou autônomo.
Segundo Piquet (Op. cit), algumas grandes áreas metropolitanas, tanto dos
países centrais quanto dos periféricos, não são apenas centros de funções
econômicas de alto nível, mas igualmente, centros que vivem do trabalho
clandestino e mal-remunerado, alimentados por uma mão-de-obra minguante. Em
conseqüência, a autora demarca que, dentro das áreas metropolitanas coexistem
mudanças contrastantes e espaços que evidenciam trajetórias opostas: a espaços
fabris degradados se contrapõem novas paisagens empresariais de fisionomia
bastante diferenciada da tradicional.
Portanto, ela vai demarcar que as mudanças do seio produtivo, apreendidas
globalmente, afetam o mercado de trabalho como um todo e repercutem na
estrutura das ocupações – alguns postos de trabalho deixam de existir, enquanto
outros são criados – repercutindo também sobre a qualificação dos trabalhadores.
No estudo realizado por esta autora, sobre o comportamento do emprego
formal em quatro regiões metropolitanas brasileiras, entre elas Fortaleza, visando
indicar o sentido do trabalho e da evolução do emprego e da estrutura ocupacional
nessas metrópoles, destacaremos as informações referente a Fortaleza, por ser o
locus do nosso objeto de estudo, comparado ao Brasil como um todo, a fim de
melhor compreendermos as transformações operadas neste mercado de trabalho.
No quadro 1, podemos observar o comportamento do emprego formal na Região
Metropolitana de Fortaleza e no Brasil, conforme os dados a seguir:
138
Quadro 1 - Postos de trabalho por setores da atividade econômica em Fortaleza e no
Brasil e variação absoluta e percentual dos postos de trabalho
RM Fortaleza Brasil Variação RM
Fortaleza
Variação Brasil
Setores da Atividade
Econômica
1989 1998 1989 1998 Absoluta % Absoluta %
Extrativa Mineral
Indústria de Transformação
Serviços Industriais de Utilidade
Pública
Construção Civil
Comércio
Serviços
Administração Pública
Agropecuária, Extração vegetal,
Caça e Pesca
Outros
1.295
89.970
6.945
21.680
54.756
116.029
120.132
6.144
5.609
921
85.969
5.449
24.897
63.378
144.998
131.967
5.463
107
149.264
6.151.639
315.006
1.078.332
3.165.017
6.997.232
5.539.313
385.967
704.738
104.956
4.476.380
311.894
1.139.957
3.759.970
7.828.335
5.853.155
1.008.925
8.063
-373
-4.001
-1493
3.217
8.622
28.969
11.835
-701
-5.502
-28,88
-4,45
-21,51
14,84
15,75
24,97
9,85
-11,37
-98,09
-44.308
-1.675.259
-3.112
61.625
594.953
831.103
313.842
622.958
-696.720
-29,68
-27,23
-0,99
5,71
18,80
11,88
5,67
161,40
-98,86
Total 422.577 463.149 24.486.553 24.491.635 40.572 9,60 5.082 0,02
FONTE: RAIS, MTb. Tabulação Rosélia Piquet
Os dados analisados mostram que a indústria de transformação, no período
enfocado, perde importância como mercado de trabalho do Brasil como um todo,
porém
“Fortaleza é a única região metropolitana do país que mostra menor
queda na oferta do emprego industrial e que apresenta incremento geral
na oferta global de postos de trabalho” (Piquet, ibidem).
De acordo com Piquet, esse desempenho favorável é associado ao fato de
que o Ceará insere-se entre os estados que mais se desenvolveram no país. De
1990 para cá, o Estado do Ceará tem apresentado crescimento de 6,5% ao ano,
índice este superior a mais do dobro da média nacional. Para a autora:
A crescente busca de competitividade internacional assumida pela
política econômica brasileira transformou o Ceará em excelente opção
locacional, pois para quem quer exportar são menos três dias de navio
até a Europa ou aos Estados Unidos, em comparação ao Sul. Além do
mais, os baixos custos salariais vigentes em todo o Nordeste, vêm
funcionando como grande atrativo aos setores que empregam mão-de-
obra de forma intensiva. Não por acaso o Ceará constitui o segundo
parque têxtil do país, responsável por 17% da produção nacional, e para
quem se instala no interior há ainda o benefício de prazos mais largos
para o recolhimento do ICMS.
139
O crescimento do Estado, baseado em indústrias tradicionais e em baixos
salários, do modo como vem-se realizando, leva alguns críticos a afirmar que no
Ceará só se cria emprego de salário mínimo. Um estudo realizado por Moreira104,
nos mostra o caso do trabalho cooperativado, (neste tipo de trabalho, é alimentada
no trabalhador a falsa ilusão de que ele trabalha para si próprio e não para a
indústria) que é comum no Estado, onde juntamente com os baixos salários se
concretizam relações de trabalho extremamente degradantes devido ao fato de que
esses trabalhadores não têm muita escolha entre se submeter a tais condições de
trabalho ou não, pois, a obtenção de meios de vida é para ele ou ela inseparável da
aceitação da exploração de seu trabalho.105 Assim é que aceitam trabalhar por
menos do que um salário mínimo, sem carteira assinada, sem proteção aos riscos
de acidentes, sem férias, sem direito a faltar em caso de doença, nem mesmo
mediante à apresentação de atestado médico, sendo que os critérios disciplinares
são extremamente arbitrários, conforme de pode ver:
1ª falta - Perde um dia de remuneração mais multa de 20%
2ª falta - Perde dois dias de remuneração mais multa de 30%
3ª falta - Perde três dias de remuneração mais parcela fixa, ficando sujeito à
exclusão.
No entanto, nos chama a atenção Piquet para o fato de que como as fábricas
instaladas são novas, modernas e mais produtivas, o estado garantirá alguma
vantagem no cenário competitivo atual.
Também analisando-se os dados do quadro 1, é perceptível que o setor de
serviços tem apresentado o maior crescimento entre todos os setores no estado, o
que é também observado em todo o país, ainda mais se lhe agregar os dados do
setor de comércio, teremos um total de 35.591 novos postos de trabalho no período.
Este acréscimo é superior às quantidades das perdas observadas na indústria,
contrariamente ao que acontece no Brasil como um todo.
Esse dado confirma a tendência observada sobre o crescimento dos serviços
nos países pouco desenvolvidos, sobre a expansão de atividades pouco
capitalizadas e de baixa produtividade, com ocupações pouco qualificadas bastante
104 MOREIRA, Maria Vilma Coelho. Cooperativismo e Desenvolvimento, In Globalização e Mercado de Trabalho no Estado do Ceará. Fortaleza: Ed. Unifor, 1999. 105 Para Enguita, esse trabalhador, por outro lado, sabe que a conservação de seu posto de trabalho depende de maneira direta (dada a possibilidade de demissão) e indireta (dado o risco de quebra da empresa) de sua produtividade. Sabe também, ademais, que a obtenção de meios de vida é para ele ou ela inseparável da aceitação da exploração de seu trabalho, em comparação, por exemplo, com a posição do servo, que pode trabalhar intensamente para si e não fazê-lo para o senhor.
140
comuns nos países em desenvolvimento que apresentam graves problemas de
emprego, bem como a afirmam a coexistência de mudanças contrastantes e
espaços que evidenciam trajetórias opostas de ocupações, conforme se vai observar
no destaque a seguir.
Quanto à estrutura ocupacional na região Metropolitana de Fortaleza, o
estudo realizado por Piquet nos oferece dados sobre o emprego, segundo sua
classificação por ocupação, conforme se pode observar no quadro 2:
Quadro 2- Distribuição das ocupações* no total dos setores da atividade econômica e
suas variações absolutas e percentuais na RM de Fortaleza e no Brasil no período de
1989 a 1998
RM Fortaleza Brasil Variação RM
Fortaleza
Variação Brasil
Grupos ocupacionais 1989 1998 1989 1998 Absolut
a
% Absoluta %
Técnicos
Gestão superior
Administração
Compra e venda
Atividades de apoio
Produção
Ignorado
78.125
5.139
98.249
22.512
51.653
119.345
47.554
72.155
10.390
125.629
29.418
101.137
121.756
2.531
3.414.769
647.664
5.163.693
1.577.980
3.438.261
8.219.510
2.024.676
3.375.557
966.528
5.507.799
2.036.822
5.001.631
6.900.114
703.184
-5.970
5.251
27.380
6.906
49.484
2.411
-45.023
-7,64
102,18
27,87
30,68
95,80
2,02
-94,68
-39.212
318.864
344.106
458.842
1.563.370
-1.319.396
-1.321.492
-1,15
49,23
6,66
29,08
45,47
-16,05
-65,27
Total 422.577 463.016 24.486.553 24.491.635 40.439 9,57 5.082 0,02
FONTE: RAIS, MTb. Tabulação Rosélia Piquet
(*) Critérios utilizados: Classificação Brasileira da Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego, segundo os grandes
grupos:
Técnicos: Grandes Grupos de 0 a 1 da CBO, englobando as profissões científicas, técnicas, artísticas e trabalhadores
assemelhados;
Gestão superior: Grande Grupo 2 da CBO, englobando membros do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, funcionários
públicos superiores, diretores de empresas e trabalhadores assemelhados;
Administração: Grande Grupo 3 da CBO, englobando trabalhadores de serviços administrativos e trabalhadores assemelhados;
Compra e venda: Grande Grupo 4 da CBO, englobando trabalhadores do comércio e trabalhadores assemelhados;
Atividades de apoio: Grandes Grupos 5 e 6 da CBO, englobando trabalhadores de serviços de turismo, hospedagem,
serventia, higiene e embelezamento, segurança, auxiliares de saúde, trabalhadores agropecuários, trabalhadores florestais, da
pesca e trabalhadores assemelhados;
Produção: Grandes Grupos 7, 8 e 9 da CBO, englobando trabalhadores da produção industrial, operadores de máquinas,
condutores de veículos e trabalhadores assemelhados;
Os dados chamam a atenção para o fato de que houve uma grande queda
nas atividades técnicas, significando uma perda de 5.970 postos de trabalho.
Tal fato pode revelar, segundo a análise de Piquet, a substituição do
fenômeno das funções especializadas para funções de múltiplas tarefas, onde na
primeira tendência que ocorre nas empresas organizadas de acordo com os
141
princípios da gerência científica, as tarefas parciais são distribuídas por funcionários
especializados em desenvolver funções específicas, agrupados em seções e
departamentos separados uns dos outros, requerendo um expressivo contingente de
supervisores, chefes e subchefes, assistentes e gerentes para conferir unidade ao
trabalho atomizado vem agora sendo substituída por processos automatizados da
segunda tendência, na qual são reorganizados e suprimidos postos de trabalho no
“chão da fábrica”.
Um estudo realizado por Teixeira106 nos dá maiores esclarecimentos quanto à
ocorrência de tal fenômeno nas indústrias que passaram por processos de
inovações tecnológicas e organizacionais no Estado, onde de acordo com os dados
analisados pelo autor, numa pesquisa a estas empresas, em 26,92% destas ocorreu
uma diminuição no número de chefias aliada ao aumento de tarefas para os
trabalhadores que permaneceram. Esse aumento se expressou pela incorporação
de antigas tarefas e pela inclusão de novas.
No caso do terciário, tal movimento é melhor esclarecido a partir do estudo de
Almeida (Op. cit) que analisa este setor, no qual é detectado que ocorreu redução
dos postos de trabalho de níveis superiores com a eliminação de algumas diretorias,
enquanto os postos de nível intermediário, como encarregados e supervisores,
foram os mais atingidos, deixando de existir dentro da nova estrutura de cargos. O
fato é indicativo de que a reengenharia se faz presente também no terciário de
Fortaleza, ainda mais porque no processo da economia competitiva, pode-se
constatar o fenômeno de concentração de capitais por parte de concorrentes
estrangeiros e de outros estados de estruturas econômicas mais desenvolvidas.
Quanto à gestão superior, os dados revelam um crescimento de 102,18%
nesta categoria na Região Metropolitana de Fortaleza, o que pode representar
também o incremento da economia competitiva, intensiva de conhecimento, embora
que seja decrescentemente empregadora de mão-de-obra é a mais consistente do
ponto de vista produtivo; com tendência a predominar, por imposição da
globalização crescente. No entanto, dada a complexidade de características desse
grande grupo ocupacional, que engloba membros do Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário, funcionários públicos superiores, diretores de empresas e trabalhadores
assemelhados, fica difícil fazer qualquer afirmação mais categórica.
106 TEIXEIRA, Francisco José Soares. Globalização e reestruturação produtiva: Transformações estruturais e relações de trabalho na economia cearense. In Globalização e Mercado de Trabalho no Estado do Ceará. Fortaleza: Ed. Unifor, 1999.
142
Outro ponto em que os dados nos chamam atenção é no crescimento das
atividades de apoio, o que nos leva a perceber que contrariamente à tendência
anterior de demanda por ocupações modernas mais intensivas de conhecimento,
estas não são o que se poderia chamar de ocupações modernas. Quanto a este
fenômeno, é valida a observação de Paul Singer107 que:
hoje no Brasil o exército de reserva é mais terciário do que industrial e
não se compõe apenas dos que são vítimas do desemprego aberto
(aqueles que estão ativamente procurando emprego), mas dos
socialmente excluídos, que se sustentam por meio de ocupações
precárias e que são candidatos potenciais a empregos no setor formal da
economia.
Neste aspecto, não nos parece adequada a apreensão de que a qualificação
demandada pelo setor industrial, geralmente utilizada como referência para se
pensar a qualificação do trabalhador, possa ser aplicada à formação do trabalhador
do setor de comércio de bens e serviços, pois as tarefas realizadas pela maioria dos
trabalhadores continuam a ser simples. Isso, porém, não nos permite negar que o
terciário não encerra uma racionalidade que comporte as competências
comportamentais humanas, conforme já destacado.
Porém, conforme se pode constatar concretamente na análise dos dados
sobre o estrutura ocupacional na região Metropolitana de Fortaleza, as ocupações
que mais cresceram são as que comportam atividades de natureza mais simples,
onde predominam um tipo de conhecimento que pode ser denominado de prático-
operativo, o qual consiste em habilidades técnicas, como fazer pacotes, colocar ou
dobrar roupas adequadamente, separar mercadorias na hora do empacotamento e
operar caixa, esta última um pouco mais complexa que os exemplos anteriores.
(Almeida, 1997)
De acordo com Maria da Conceição Calmon Arruda, um estudo realizado por
Dugué oferece um diagnóstico que as práticas da competência estariam mais
relacionadas à mobilidade do trabalhador no emprego do que ao conteúdo das
atividades e ao conhecimento formal que este requer. Essa necessidade de
mobilidade funcional explicaria a ênfase em saberes não profissionais: comunicação,
criatividade, capacidade de inovação etc., e sinalizaria um deslocamento em direção
à valorização de "comportamentos úteis à empresa" em detrimento da qualificação
profissional. A autora destaca como ponto positivo do modelo da competência a
107 SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998
143
valorização da ação do trabalhador, ressaltando, contudo, que ações específicas e
pontuais (situações de trabalho) não representam um terreno fértil para a
sedimentação de saberes, principalmente no que diz respeito aos trabalhadores
menos qualificados, que têm mais dificuldade em "pensar sua ação e sustentar os
comportamentos designados como competentes"
3.3.2. Perfil profissional exigido ao trabalhador do terciário em Fortaleza
Trazendo a presente discussão para o perfil profissional exigido pelo mercado
de trabalho terciário de Fortaleza, fica um tanto complexo se pensar o
desenvolvimento de uma proposta educativa que tanto se paute nas atitudes
comportamentais valorizadas por este setor quanto no pressuposto de coletivizar tal
proposta, uma vez que elementos como não estudar, não ter filhos, ser solteiro, ter
boa aparência, entre outros bastante requisitados neste setor, não nos parecem
adequados para tratamento numa proposta educativa.
A constatação desses atributos requeridos ao trabalhador, nos é favorecida
pela Pesquisa Banco de Dados: Trabalho e emprego através dos classificados108, a
qual analisou as dez ocupações mais demandadas pelo terciário em Fortaleza
durante o ano de 1999 e o perfil profissional exigido pelos empregadores para estas
ocupações.
A composição do Banco de Dados se deu a partir da leitura dos anúncios de
emprego nos jornais de maior circulação nas capitais brasileiras e a seleção para
análise apenas das ocupações do setor terciário. Feita esta seleção, os campos que
compunham o Banco de Dados eram preenchidos.
Esses campos foram criados para possibilitar a aferição de aspectos
fundamentais para a compreensão da dinâmica de transformações das demandas
do mercado de trabalho. Dessa forma, os campos que compunham a base do Banco
de Dados auxiliaram na observação das ocupações que estavam sendo
disponibilizadas, onde verificou-se as mais demandadas e os atributos, ou seja,
aquilo que de um modo geral caracterizam e especificam cada uma dessas
ocupações na compreensão do empregador. Os campos são: ocupação,
especificação, exigências, tarefas e perfil, sendo que destes, o campo exigências
108 Pesquisa desenvolvida pelo Senac que visa acompanhar mensalmente a demanda por ocupações no setor terciário, evidenciadas nos classificados de jornais de 18 capitais dos Estados brasileiros - Dados de 1999. ( Análise de 1.264 registros em Fortaleza)
144
desdobra-se em outros campos como idade, sexo, escolaridade, experiência,
conhecimentos de informática, salário, referências pessoais, entre outros.
Para o que nos interessa aqui neste trabalho, vamos apresentar os dados
referentes a Fortaleza. Desta capital, foi utilizado o jornal Diário do Nordeste, por
conter mais anúncios de oferta de empregos. As informações referem-se aos
anúncios publicados em um domingo por cada mês, no período de março a
dezembro de 1999.
Para efeitos de tabulação, foram agrupadas as ocupações semelhantes entre
si. As ocupações mais demandadas, em ordem decrescente de freqüência foram,
vendedor (25,47%), cobrador (15,98%), doméstica (5,70%), motorista (4,75%),
costureira (4,27%), gerente de marketing (3,48%), manicura (2,93%), cabeleireiro
(2,37%), cozinheiro (2,29%) e representante comercial (1,90%).
A partir das exigências ao perfil profissional para cada uma dessas ocupações
não foi percebido nenhum indicativo de demandas por um trabalhador de novo tipo
no setor em foco. As exigências mais expressivas nos dados analisados se
configuraram conforme a tabela a seguir:
Tabela 3 - Perfil profissional das ocupações mais demandadas no setor de comércio e
serviços em Fortaleza, 1999
Ocupação Especificação Tarefas Exigências feitas ao
perfil profissional
Vendedor Interno; Externo;
Artigos de
vestuário;
Veículos;
Alimentos; Loja;
Bebidas;
Informática;
Assistência
Médica; Gráfica.
Trabalhar com vendas em geral (internas
e externas), venda a varejo,
telemarketing, vendas nos setores
alimentícios e de bebidas, revendas,
vendas de consórcios e móvéis; Saber
lidar com o cliente em geral; Atuar como
promotor de vendas, em stands, na área
de higiene e limpeza, comercial e gráfica,
Trabalhar com serviços, autopeças e
acessórios para veículos, material de
construção; Trabalhar em supermercados
e lojas;
Gerenciar equipes de vendas; Vender e
conhecer produtos e serviços de
informática.
Dinamismo, boa
aparência,
disponibilidade para
viajar, facilidade de
comunicação, fluência
verbal, ambição, carteira
de clientes, habilitação,
disponibilidade de
horário, possuir telefone,
fax, celular.
145
Entregador
/
Cobrador
Transportadora;
Pizzaria;
Entrega de
documentos;
Cobrança;
Drogaria;
Mototáxi
Restaurante;
Telentrega;
Vendas;
Prestação de
serviços
Fazer entregas rápidas de documentos,
refeições, pizzas, pastéis, gás, revistas,
jornais e produtos diversos. Atuar como
vendedor, fazer cobranças, coletas e ter
conhecimento em rotina contábil, serviços
gerais e pré-vendas.
Habilitação para moto,
conhecimento das ruas,
dinamismo,
responsabilidade, boa
apresentação, possuir
bip ou celular,
disponibilidade de
horário, disponibilidade
para viajar, comunicativo,
boa redação.
Doméstica Diarista;
Arrumadeira;
Governanta;
Agência de
emprego;
Residência;
Supermercado;
Para trabalhar
com idosos;
Chácara; Casa de
praia;
Pousada.
Fazer todo serviço de casa; Cozinhar;
Lavar; Passar; Cuidar de crianças;
Arrumar;
Fazer Limpeza em geral; Administrar
casa; Acompanhar e fazer serviços
domésticos para idoso;
Cozinhar trivial variado.
Dormir no emprego, não
fumar, gostar de
crianças, cozinhar bem,
não estudar, não ter
filhos, ser caprichosa, ser
responsável, não ter
vícios, solteira.
Motorista Caminhão;
carreteiro;
particular;
diretoria; ônibus;
Classe D;
Entregas;
Ônibus Escolar;
Kombi;
Manobrista.
Fazer serviço de entrega; Trabalhar em
ônibus; Dirigir caminhão, carro particular,
coletivo; Dirigir para a diretoria; Caminhão
Mercedes; Trabalhar em transportadora,
distribuidora de bebidas e em construção
civil.
Possuir habilitação D,
possuir habilitação E,
aposentado, possuir
habilitação C,
Disponibilidade para
viagens, boa
apresentação, Possuir
habilitação B,
disponibilidade de
horário, dinamismo,
habilitação.
146
Costureira Overloquista;
Colaretista;
Arrematadeira;
Retista; Cortador;
Galoneira;
Bordador; Auxiliar
de costura;
Modelista;
Bracista;
Acabadeira.
Experiência em alta costura, sapataria,
arremates, bordados a mão e máquina
(pedraria); Tirar medidas, modelagem,
corte e costura, Conserto de roupas
finas; Moda jovem; íntima; infantil e
outras; Conhecimento em pesquisa de
moda e tecidos.
Dinamismo, capacidade
de produção, não
fumante, rápida, diarista,
eficiente, disponibilidade
de horário, facilidade de
contato com o público,
caprichosa, organização,
saber inglês.
Gerente de
marketing
Assinaturas de
jornais, revistas e
TV; Assistência
Médica; Material
de Informática;
Produtos de
limpeza e
descartáveis;
Empresa de
informática;
Empresa de
prestação de
serviços; Escola
de Informática;
Gráfica;
Alimentos em
geral.
Atuar como operador ativo e passivo
com conhecimento em marketing,
pesquisa, comercialização direta,
rotinas administrativas de vendas,
contabilidade, departamento pessoal,
cobrança e negociação; Experiência na
função e conhecimento de todo o
produto a ser vendido; Coordenar e
Supervisionar equipes.
Dinamismo, boa dicção,
fluência verbal,
comunicativo,
disponibilidade de
horário, boa
apresentação,
determinação, inglês,
liderança, criatividade,
desembaraço.
Cabeleireiro /
Manicure
Auxiliar de
cabeleireiro;
Escovista;
Barbeiro;
Implantista;
Unissex;
Tinturista; Infantil;
Maquiador;
Trancista;
Instrutor (para
cursos).
Experiência em escova, alisamento,
tintura, depilação, manicura, chapa,
tranças, megahair, implante, linha afro,
bob, aplicação de química, reflexo de
papel e cortes modernos; Que seja
massagista; Ajudar o cabeleireiro no
corte.
Boa apresentação,
possuir clientela,
dinamismo, garra,
simpatia, não-fumante,
disponibilidade de
horário, desembaraço,
jovem, rapidez.
147
Cozinheiro Padeiro; Salgadeiro;
Ajudante de cozinha;
Copeira; Saladeira;
Confeiteiro;
Açougueiro;
Pizzaiolo; Pasteleiro;
Sushiman, Chapista.
Cozinha:
Internacional; alemã,
nordestina,
capixaba, oriental,
italiana, mineira.
Restaurante;
Lanchonete;
Restaurante de
hospital; de hotel;
Quentinhas para
obra; Refeitório
industrial; Creche;
Pensão; Quiosque;
Fazenda; Fábrica de
doces; Gráfica e
casa de família.
Confeccionar bolos, tortas, salgados e
doces (confeitados); Utilizar faca elétrica;
Saber fazer fast food; Cortar carnes;
Ajudar no serviço de cozinha; Abrir pizza;
Fazer comida trivial; cozinhar para buffet;
Trabalhar com forno e fogão; Fazer
massas; Fazer pratos à la carte; Saber
fazer a limpeza e os serviços gerais da
cozinha; lavar pratos; Fazer massa
folheada; Montar cesta; Operar forno de
padaria; Fazer salgados e doces finos;
Arrumar e decorar pratos; Fazer
sobremesa.
Dormir no emprego,
não fumar,
disponibilidade de
horário, jovem, não
estar estudando,
solteiro e não ter
filhos, dinâmico, ser
responsável, boa
apresentação,
espírito de
liderança.
Representante
comercial
Alimentos; Artigos
de Informática;
Gráfica; Roupas e
Acessórios; Auto-
peças; Material de
construção;
Cosméticos;
Embalagens;
Farmácia e
Utilidades
domésticas.
Conhecimento do mercado consumidor
para atuar junto à agropecuárias,
veterinárias, construtoras, arquitetos,
decoradores, lojas de móveis,
supermercados, logística, madeireiras,
metalúrgica, papelaria, gráfica, indústria,
frigorífico, ferragens e magazines;
Atendimento ao cliente, indicação de
novos negócios, abertura de novos
clientes; Boa apresentação na área de
atuação e experiência com o produto a
ser vendido, com vendas externas, como
balconista e representante.
Possuir telefone,
dinâmico, possuir
empresa
constituída, carteira
de clientes,
disponibilidade para
viagens, habilidade
e facilidade de
comunicação, boa
apresentação,
possuir fax, possuir
empresa de
representação,
espírito
empreendedor.
148
Os dados em evidência apontam para uma dicotomia entre as reais
exigências do mercado de trabalho e muitas das representações teóricas a seu
respeito. Como a noção de competência não possui um fim em si mesma, ela só
ganha sentido quando assumida pelos grupos e agentes que participam e interferem
nas práticas formativas para o trabalho. Neste caso, a análise nos mostra que não
existe de fato, do ponto de vista dos empregadores, maiores exigências por
qualificação profissional, sendo que o apelo forte é mesmo para aspectos
comportamentais que não nos possibilitam perceber a valorização do saber do
trabalhador.
Neste aspecto, é possível supor que no setor terciário de Fortaleza, como
esclarece Dugué (Dugué apud Calmon, Op. Cit) a necessidade de mobilidade
funcional explicaria a ênfase em saberes não profissionais: comunicação,
criatividade, capacidade de inovação etc., e sinalizaria um deslocamento em direção
à valorização de "comportamentos úteis à empresa" em detrimento da qualificação
profissional. Essa suposição é possível através da constatação de uma polivalência
espúria que se observa na descrição das tarefas.
Além disso, é possível também que este setor está também ancorado na
lógica da produção industrial ou da eficácia definida por Offe, a partir do que se
observa nas ocupações como a de costureira, cozinheiro e cabeleireiro que
evidenciam a forte fragmentação das atividades que as compõem, apontando
mesmo para o modo taylorista/fordista de organização do trabalho.
Se percebe que, além de insignificante, (quase ausente) a referência a
qualquer tipo de exigência por qualificação mais específica, ainda existe uma forte
valorização de aspectos como apresentação pessoal, dinamismo, de não fumar, de
não estudar e até mesmo de aspectos da vida mais íntima das pessoas, como não
ser casado e não ter filhos.
Diante dessas incoerências que se revelam acerca das representações
teóricas sobre a noção de competências incorporada à educação profissional e o
terciário de Fortaleza, se faz necessário destacar que tais incoerências ocorrem
devido a um fator: as demandas produtivas para formar o perfil profissional
necessário à reprodução do capitalismo no novo paradigma produtivo não se tratam
de uma nova estratégia política assumida pelos agentes que demandam a produção
e reprodução da força de trabalho.
149
A pesquisa em foco, mesmo que se considerando apenas como parcial em
relação realidade em que emerge, nos revela, por isso mesmo de modo parcial, que
ainda não se encontra solidificado de uma maneira mais geral neste setor, uma
ambiência cultural propícia ao florescimento de uma nova forma de convivência
social consoante com os novos imperativos do desenvolvimento produtivo atual.
Portanto, ao se buscar resgatar os reflexos do crescimento do terciário em
Fortaleza, como fenômeno do movimento contemporâneo do capital na qualificação
profissional, é mister ter em mente que o movimento do capital não é igual nem em
todos os setores e, principalmente, em todos os lugares.
Assim pois, a noção de competência nos moldes em que é pensada, não dá
conta de toda e qualquer realidade em todos os lugares. Ela é relativa tanto à teoria
como à realidade. Se tratada isoladamente do contexto em que emerge, corre o
risco de negar pelo movimento do pensamento, o movimento do real.
Fica claro que o atrelamento da educação profissional à heterogeneidade do
terciário – nos moldes que é idealizada a partir da nova LDB – é muito complicado,
pois além de empobrecer de conteúdos a educação profissional, ainda
didaticamente a tornaria inviável, pois se tornaria muito difícil, ou por que não dizer,
impossível, incorporar numa proposta educativa certos elementos referentes ao
“saber ser” do trabalhador exigido no nesse setor.
Diante disso, para nós se confirma que os usos sociais que se faz desta
perspectiva de formação num contexto perpassado por ideologias de legitimação
das desigualdades sociais, apenas contribui para perpetuar o sistema em que se
tecem as desigualdades e a exclusão em detrimento da formação do sujeito agente
de transformações, conforme apontam as propostas pedagógicas.
Nesse ponto, reconhecemos que a proposta educativa do Senac antes da
reforma da educação profissional era muito mais adequada à formação do
trabalhador do terciário, pois partia de princípios cientificamente comprovados como
necessários à formação, extrapolando as meras exigências do mercado de trabalho.
Assim buscava formar um trabalhador que dotado de uma base geral de
conhecimentos técnico-científicos; de competências sócio-comunicativas e da
compreensão das relações sociais, políticas e econômicas que regem o país,
pudessem intervir como sujeitos nos processos produtivos.
A pesquisa “Banco de dados: trabalho e emprego através dos classificados”,
também nos permite perceber a exacerbada existência da polarização das
150
competências existente no mercado de trabalho, onde a partir da qual fica
evidenciado que algumas ocupações para cargos administrativos e gerenciais
exigem um alto grau de escolaridade, porém são ocupações pouco demandadas,
enquanto que a demanda maior é por outras ocupações que exigem uma série de
requisitos comportamentais, apesar de um baixo nível de escolaridade.
Esse dado também evidencia a importância de se (re)significar os discursos
das propostas de educação que se colocam em curso como solução para a
empregabilidade, onde fica subentendido que a perspectiva de inserção no mercado
de trabalho depende da predisposição que o trabalhador tenha para se qualificar.
Para tanto, se faz necessário situar tais propostas no contexto geral da
sociedade atual, numa percepção de que os indivíduos e os grupos não satisfazem
suas necessidades com um grau de esforço variável, dependendo tão-somente da
maior ou menor qualificação para protagonizar combinações diversas de trabalho e
consumo. Até porque, a questão da liberdade nos marcos da sociedade capitalista é
muito restrita em todos os sentidos. Neste aspecto, Enguita analisa que, se a
organização do sistema produtivo hoje não deixa muita escolha ao trabalhador:
O trabalhador da economia de subsistência tampouco tinha muita escolha,
dada sua escassa tecnologia, mas não podia viver isto como uma falta de
opções, pois a escolha entre trabalhar ou não, entre caçar ou pescar, entre
semear ou tecer, era tão simples quanto a entre comer ou não, alimentar-se
ou vestir-se, etc. O trabalhador moderno, em troca, vê estender-se diante
de si uma amplíssima panóplia de opções teóricas e imaginárias, mas muito
poucas possibilidades práticas. A liberdade não é algo absoluto, mas
relativo à realidade que nos rodeia.109
Diante do que se evidencia a partir dos dados analisados, concluímos até
aqui, que as justificativas apresentadas para a incorporação da noção das
competências na educação profissional, quando submetidas ao movimento das
relações sociais que ocorrem nas diversas situações concretas apreendidas neste
trabalho, apontam para uma abordagem equivocada.
A educação profissional, sob o enfoque das competências, enquanto
instrumento capaz de potencializar o acesso dos trabalhadores a ocupações no
mercado de trabalho, em confronto com as alterações produzidas nesse mercado,
não nos permitiu, é claro, apreendê-la como saída para a questão do desemprego
no Brasil.
109 ENGUITA, Mariano. Op. cit
151
Na perspectiva de formar um perfil profissional tendo como base as novas
formas de realização da atividade produtiva, características do paradigma de
acumulação flexível em confronto com o contexto de reestruturação produtiva do
Brasil, também mostrou diversos pontos controversos, pois os estágios de
desenvolvimento produtivo são diferentes entre países, regiões e setores produtivos
e mesmo entre as culturas das organizações empresariais.
Essas controvérsias foram constatadas a partir da bibliografia consultada, que
nos dá mostras que apesar da introdução dos círculos de qualidade ou das várias
formas de trabalho em equipe, ainda subsiste, em grande parte das empresas
brasileiras, o monopólio da regulação técnica e do trabalho. As decisões técnicas e
o trabalho criativo se concentram em reduzido núcleo de profissionais e
trabalhadores qualificados e a cultura das organizações não se alterou em relação
ao novo modelo produtivo, portanto, para grande maioria, o trabalho ainda continua
sendo prescrito.
Portanto, entendemos que a reforma da educação profissional, além de
apontar para um forte apelo ideológico, está perpassada de contradições nefastas
ao trabalhador, pois ao desintegrar teoria e prática na educação profissional, termina
por estreitar a profissionalização através da exclusão dos princípios científicos e
metodológicos que a constituem.
O apanhado teórico que fizemos foi bastante recorrente para esclarecer a
nossa hipótese principal sobre a incoerência da adequação das ações do Senac aos
atributos comportamentais que o mercado de trabalho terciário faz ao perfil do
trabalhador.
Isso porque, diante do que acabamos de constatar na análise dos dados
colhidos dos classificados, a prerrogativa das competências implícitas no aparato
legal, quando remetida ao contexto do terciário de Fortaleza já nos deixa antever
que no mínimo trata-se de uma transposição, além de perversa, totalmente
descontextualizada da situação real de trabalho que ali ocorre.
Perversa porque, não se pode apreender neste setor nenhum sinal rumo a
uma ruptura com as situações anteriores de trabalho, onde o que se faz notar
mesmo é que nas situações de trabalho real nada, ou muito pouco mudou, porém
nos procedimentos de exploração do trabalho, as mudanças são substanciais e o
uso social que se faz da lógica das competências, corrobora com um novo aporte
ideológico no qual se sugere implicitamente que os desvalidos de hoje não apenas
152
devem suportar sua condição, mas ainda devem ser considerados e considerar-se
eles próprios responsáveis por ela. (Enguita, Op. cit)
Descontextualizada porque, no que tange as análises do crescimento
econômico por setores, poucas têm sido as que se voltam para o setor terciário.
Assim, a perspectiva do novo perfil ocupacional a ser formado na educação
profissional, está muito mais baseado nas demandas gerais do setor industrial dos
países centrais.
Portanto, cabe-nos afirmar que existe uma dicotomia latente entre as
representações teóricas sobre as competências e o que percebe na realidade, pois
enquanto a teorização supõe que o setor produtivo demanda a formação de
profissionais capazes de atuar em sintonia com o novo padrão produtivo, onde o
mesmo teria passado a valorizar as dimensões saber, saber ser, saber fazer, do
trabalhador, muitos dos setores do terciário Fortalezense privilegiam, no
recrutamento e seleção, aspectos que se identificam muito mais com uma fidelidade
canina, do que com saberes concretos que permitam aos trabalhadores
reconstruírem seu conhecimento profissional.
Assim, a educação profissional submetida à lógica do mercado, supostamente
reunindo interesses e necessidades dos trabalhadores, empresários, comunidades,
contribui para que as relações capital/trabalho ocorram marcadas por uma
opacidade que confunde os interesses, fazendo-os parecerem, muitas vezes,
convergentes.
Entretanto, são as condições estruturais presentes na formação cultural e no
próprio interior da lógica capitalista, assim como o infinito potencial do valor de uso
da força de trabalho, que possibilitam entrever perspectivas de superação da face
perversa dessa lógica – embora, não sem contradições, como a da
pseudoconvergência de interesses apontada.
Em contraponto às propostas educacionais que se apresentam como solução
indicada para a empregabilidade e trabalhabilidade, se faz importante a defesa de
uma educação para o trabalho que conforme a generalidade do homem, como o faz
Macário110, pois se, “o indivíduo humano só encontra sentido na sua existência em
conexão com o gênero”, portanto o homem para realizar a sua humanidade precisa
110 MACÁRIO, Epitácio. Determinações ontológicas da educação: uma leitura à luz da categoria trabalho. CD
Room: 24ª reunião da ANPED, 2001.
153
apropriar-se do patrimônio cultural realizado pela humanidade tanto no trato social
como com o meio social. Assim é que tal educação:
Enquanto complexo social que medeia o indivíduo com o gênero e, por
outro lado, responde a necessidades do metabolismo social (...) tem um
objeto sem o qual seria impossível sua entificação (...). Se seu papel
precípuo é colocar o indivíduo em relação ativa, consciente com as
objetivações genéricas do homem, para que delas se aproprie, resta
óbvio que seu objeto constitui-se das conquistas humanas
materializadas em saberes, conhecimentos, métodos, técnicas. Educar
é, pois, colocar esse patrimônio cultural à disposição dos indivíduos de
modo que deles se apropriem, e, assim, possam atuar na ambiência
social (que é sua natureza) como sujeitos livres. (Macário, 2001)
154
IV - Conclusão
Ao analisarmos a proposta curricular do Senac, com foco nas competências, é
possível destacar que:
a) A realização da revisão dos referenciais curriculares, tendo por base as
orientações da nova legislação da educação profissional, descaracteriza-
ram a coerência entre o referencial teórico e o paradigma curricular que
antes era adotado nessa instituição, acabando por imprimir a este um neo
tecnicismo;
b) Não se pode afirmar um processo linear de formação de competências no
modelo anterior a revisão, mas era possível vislumbrar neste, uma
perspectiva de educação continuada, onde estavam presentes as
oportunidades oferecidas aos trabalhadores através de experiências que
contribuem para a formação de valores fundamentais no estágio atual do
capitalismo;
c) Apesar de a formação de competências ser uma exigência das empresas,
a passagem da qualificação para a competência como estava definida
antes da incorporação das orientações da legislação atual da educação
profissional, possibilitava repensar a educação geral na questão da
dicotomia entre educação e formação profissional;
d) Exercita o uso de habilidades, conhecimentos e atitudes em tarefas
operacionais;
e) Apesar do seu atrelamento à lógica do mercado, que determina sua
finalidade última, abordava a questão da polivalência no desenvolvimento
do saber-ser, saber-fazer e saber-agir;
Entretanto, ao buscarmos vislumbrar na proposta, a possibilidade de
construção da dimensão política na formação dos trabalhadores, através do
desenvolvimento de competências para que o indivíduo possa refletir criticamente
sobre a esfera da produção; sobre o conteúdo (inclusive ético) do seu trabalho;
sobre seus direitos e deveres como trabalhador; sobre as relações de produção
capitalistas e sobre tendências mais gerais do desenvolvimento do capitalismo
mundial e de seus reflexos no país, é oportuno destacar que:
As propostas de formação para o trabalho, centradas nas demandas exigidas
pelo novo paradigma técnico-científico, resultam de processos reguladores macro-
155
-sociais que atuam como modelo de legitimação e, principalmente,
“disciplinamento” dos atores no contexto de reestruturação produtiva.
Ao tentarmos identificar se a referida proposta comporta a possibilidade de
situações que aprofundem o desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica dos
indivíduos, a partir de situações concretas do mundo do trabalho e do mundo
social, relacionando os diferentes conteúdos temáticos que interligam as várias
disciplinas, elaborando e redefinindo quadros conceituais para análise das
situações vividas, numa perspectiva de compreensão da realidade social se faz
presente observar que:
A noção de competências em análise se desenvolve no quadro de uma
pedagogia científica, de natureza dogmática e positivista que legitima um discurso
identificado como instrumental, em que o problema da formação sócio-profissional
(e educacional) é cada vez mais identificado com um tipo de raciocínio funcional
que tende a supervalorizar o papel dos meios e das metodologias em detrimento
dos fins da ação educativa, reificando assim o papel do conhecimento técnico-
científico nas sociedades modernas.
Ao nos perguntarmos qual seria a dimensão política da formação do
trabalhador, frente às condições objetivas e subjetivas dos novos condicionantes
técnicos, sociais e econômicos do capitalismo atual concluímos que:
Mais do que nunca, é preciso refletir seriamente sobre a educação
profissional que se oferece “democraticamente”, sob os signos da tecnocidadania,
tentando apreender como o capitalismo atual “educa” e “forma” os indivíduos, numa
época de conformismo generalizado e de crescimento da insignificância.
Portanto a dimensão – que pergunta pelo sentido da prática educativa, cujo
papel é humanizar o homem – se faz fundamental numa proposta educativa voltada
para a mudança social.
Concluímos que os limites da sociabilidade que é construída dentro da
racionalidade moderna se reflete também na proposta de educação profissional do
Senac. Entretanto, é possível vislumbrar dentro deste, um espaço contraditório que
pode se reverter no desenvolvimento de um projeto autônomo de gestão da
sociedade.
Este espaço contraditório se revela exatamente no cerne das mudanças
ocorridas no mundo do trabalho, que apontam para uma nova relação entre homem
e trabalho, mediada pelo conhecimento científico, tecnológico e sócio-histórico,
156
enquanto conteúdo e método. Isso passa a demandar uma educação profissional de
novo tipo, que combine conhecimentos sistematizados, experiências e
comportamentos de modo a substituir a rigidez derivada da incorporação de
respostas provisórias como definitivas pela capacidade de usar conhecimentos
científicos e saberes tácitos, razão e emoção, racionalidade e utopia,
experimentação e intuição, para conviver com o caráter dinâmico e revolucionário do
atual estágio de desenvolvimento. Diante disso se coloca possível redimensionar
esta perspectiva, revertendo sua finalidade última de reprodução das relações
sociais capitalistas, de modo a construir dentro de outra intencionalidade, novas
respostas para a construção de relações sociais e produtivas menos perversas.
Ao detectarmos as descontinuidades entre o que se teoriza sobre as
competências, a sua aplicabilidade tendo como base a matriz funcionalista na
definição dos currículos da educação profissional brasileira, e o que se efetiva na
prática em termos de exigências feitas ao perfil profissional do trabalhador terciário,
fica evidente a sua incapacidade de dar conta da totalidade do movimento real que
ocorre no interior dos processos capitalistas de produção.
Mesmo sabendo que as novas concepções pedagógicas não nascem tão-
-somente das idéias dos intelectuais, mas sim, que elas são determinadas pelas
mudanças ocorridas no mundo do trabalho, que apresentam diferentes demandas a
cada etapa do desenvolvimento das forças produtivas e que a noção de
competência se dá em função das características que assume a divisão social e
técnica do trabalho, elas não deixam, por isso mesmo, de apresentar contradição
com referência a estas características, que por sua vez, dependendo de vários
fatores, combinam diversas estratégias produtivas e organizacionais, desde as mais
avançadas até as consideradas mais arcaicas em relação ao novo paradigma.
Na verdade, conforme nos mostra Vásquez (1986), a teoria depende da
prática que é, para ela, fonte e finalidade. A teoria encontra seu fundamento na
prática, porquanto esta “amplia com suas exigências o horizonte de problemas e
soluções da teoria.” Além disso, a prática é finalidade da teoria, enquanto esta
antecipa, de forma ideal, a prática que não existe. Entretanto, não é menos verdade
o fato de que a prática “não existe sem um mínimo de ingredientes teóricos.” E, por
seu turno, a teoria possui uma autonomia relativa quanto à prática, porquanto, não
depende totalmente dela.
157
Neste movimento, achamos possível afirmar que as matrizes teóricas que dão
sustentação ao modelo das competências por apresentarem um viés epistemológico
nitidamente positivista-funcionalista, não poderiam visualizar a totalidade dos fatores
que determinam as relações sociais, uma vez que tais teorias têm também como
princípio ser formadoras de pensamento e são formuladas para justificar as
contradições do sistema capitalista. Nesse sentido, deliberadamente elas vão se
distanciar da prática em seus aspectos mais contraditórios, a fim de ocultar
determinados aspectos que deporiam contra o sistema capitalista.
Portanto, na educação esse viés há de ser contestado pela sua associação a
uma perspectiva não-crítica da educação, e sobretudo, por está sintonizado com os
processos de controle dos conteúdos a serem ensinados, e, por conseguinte, do
controle do trabalho docente.
Isso deixa evidente a necessidade de se repensar as propostas de educação
profissional em curso, colocando-se outras propostas, como alternativa às de caráter
conservador que hoje são predominantes.
Acreditamos que nos campos de resistências e conflitos que se estabelecem
no interior de cada instituição educacional se colocam os espaços para ressignificar
os princípios instituídos oficialmente e revertê-los a favor dos interesses dos
trabalhadores.
Isso significaria enfocar os processos produtivos não somente pelo viés de
seu conteúdo científico-tecnológico e seu potencial econômico, mas sob a ótica da
unidade entre epistemologia e metodologia, tendo o trabalho como princípio
educativo.
Isso nos leva a inferir que competência diz respeito à ação, ao agir humano
em situações de trabalho. Por isso mesmo, no nosso conceito, o termo competência
deve ser substituído por ação produtora humana.
Nesta concepção, o indivíduo é aquele que Marx afirma:
O indivíduo é um ser social. A exteriorização da sua vida - ainda que não
apareça na forma imediata de uma exteriorização de vida coletiva,
cumprida em união e ao mesmo tempo com os outros - é pois, uma
exteriorização e confirmação da vida social. A vida individual e a vida
genérica do homem não são distintas, por mais que, necessariamente, o
modo de existência da vida individual seja um modo mais particular ou
mais geral da vida genérica, ou quanto mais a vida genérica seja uma
158
vida individual mais particular ou geral. (MARX, apud Ramos. Op. cit.
2001. p. 26)
Portanto, a nossa posição acerca da ação produtora humana, certamente se
situa num referencial teórico contrário ao adotado no plano oficial.
Neste enfoque, os processos educativos serão encarados, tanto como
momentos históricos quanto com relações políticas e sociais concretas, que
possuem cientificidade e historicidade. As competências dos trabalhadores serão
concebidas como ação produtora humana, o que agrega as diversas dimensões do
homem: política, técnica, estética, cultural e que se constitui, portanto, em ação
social complexa e criativa que envolve, além de conhecimento científico, tecnológico
e político, as objetivações genéricas do homem. Esse agir ultrapassa a forma
unicamente determinada pela necessidade de subsistência, embora nela também se
manifeste.
A educação teria como papel precípuo, aquele que Macário (Op. cit) defende:
colocar o indivíduo em relação ativa, consciente com as objetivações genéricas do
homem, para que delas se aproprie, resta óbvio que seu objeto constitui-se das
conquistas humanas materializadas em saberes, conhecimentos, métodos, técnicas.
Educar é, pois, colocar esse patrimônio cultural à disposição dos indivíduos de modo
que deles se apropriem, e, assim, possam atuar na ambiência social (que é sua
natureza) como sujeitos livres.
Portanto, defendemos um modelo de educação profissional que conceba as
atividades de trabalho e educação como integrantes de um único processo, com
articulação entre teoria e prática. A exemplo da educação politécnica, através da
qual serão transmitidos os princípios gerais e de caráter científico de todo o
processo de produção, além de uma iniciação e manejo das ferramentas
elementares das diversas profissões, onde Marx e Engels acreditavam que seriam
atingidos três objetivos: a intensificação da produção social, a produção de homens
plenamente desenvolvidos e a obtenção de poderosos meios de transformação da
sociedade capitalista.111
Essa possibilidade não está colocada no modelo de competências, pois que
este se dá condicionado pelas relações de força e poder que se estabelecem entre o
capital, por meio das estratégias da gerência de controle da mão-de-obra e extração
111 MCHADO, Lucília R. de Souza. Politecnia , escola unitária e trabalho.... p.p. 88-89
159
da mais-valia, e o trabalho, traduzidas na busca de maior decisão e intervenção no
processo produtivo. A concepção de competência, nesse sentido, se reduz à
execução de tarefas e atividades relacionadas ao trabalho na dimensão técnico-
instrumental.
No entanto, considerando que diferentes concepções que perpassam o modelo
das competências sinalizando para a existência de várias matrizes teórico-
conceituais que orientam a identificação, definição e construção de competências, e
direcionam a formulação e a organização do currículo, há como se pensar o modelo
das competências para além do que está posto nas diretrizes legais para a
educação profissional. Estas matrizes estão ancoradas em modelos epistemológicos
que as fundamentam, e podem ser identificadas como a matriz condutivista ou
behaviorista; a funcionalista; a construtivista e a crítico-emancipatória.
A título de defesa de um modelo de competências identificamos a matriz
crítico-emancipatória como o mais coerente com a formação do trabalhador que tem
como fundamento último a transformação social.
De acordo com Deluiz112a matriz crítico-emancipatória ainda está em
construção e tem seus fundamentos teóricos no pensamento crítico-dialético. Essa
matriz pretende não só ressignificar a noção de competência, atribuindo-lhe um
sentido que atenda aos interesses dos trabalhadores, mas apontar princípios
orientadores para a investigação dos processos de trabalho, para a organização do
currículo e para uma proposta de educação profissional ampliada.
Considera a noção de competência como "multidimensional, envolvendo
facetas que vão do individual ao sóciocultural, situacional (contextual-organizacional)
e processual. Por tudo isso, não pode ser confundida com mero desempenho".113
Neste sentido, a noção de competência profissional engloba não só a dimensão
individual, de caráter cognitivo, relativa aos processos de aquisição e construção de
conhecimentos produzidos pelos sujeitos diante das demandas das situações
concretas de trabalho, mas envolve uma outra dimensão: a de ser uma construção
balizada por parâmetros socioculturais e históricos. A noção de competência está,
assim, situada e referida aos contextos, espaços e tempos socioculturais e ancorada
112 DELUIZ, Neise. O modelo das competências profissionais no mundo do trabalho e da educação: implicações para o
currículo. In Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.27, n.3, set/dez., 2001. 113 Deluiz, apud Manfredi. Idem.
160
em dimensões macrosocioculturais de classe social, gênero, etnias, grupos
geracionais, entre outras.
Nesta perspectiva, a identificação, definição e construção de competências
profissionais não se pauta pelas necessidades e demandas estritas do mercado, na
ótica do capital, mas leva em conta a dinâmica e as contradições do mundo do
trabalho, os contextos macroeconômicos e políticos, as transformações técnicas e
organizacionais, os impactos socioambientais, os saberes do trabalho, os laços
coletivos e de solidariedade, os valores e as lutas dos trabalhadores. Desta forma,
investiga as competências no mundo do trabalho a partir dos que vivem as situações
de trabalho, ou seja, dos próprios trabalhadores, identificando os seus saberes
formais e informais, as suas formas de cultura e o patrimônio de recursos por eles
acumulado (aprendizados multidimensionais, transferências, reutilizações) nas
atividades de trabalho.
Considera as competências humanas contextualizadas, historicamente
definidas, e individual e coletivamente constituídas. Desenvolve a idéia de
competência profissional ampliada, que não pode ser somente técnica, pois está
ligada a todo um patrimônio de experiências coletivas, animada no seu interior pela
consciência dos trabalhadores. Busca fazer a transposição das competências
investigadas no processo e nas relações de trabalho de modo a estabelecer, no
currículo, o diálogo dos conhecimentos já formalizados nas disciplinas e a
experiência do trabalho. A aprendizagem dos saberes disciplinares é acompanhada
da aprendizagem dos saberes gerados nas atividades de trabalho: conhecimentos,
valores, histórias e saberes da experiência.
Atribui enorme importância à dimensão social da construção do conhecimento,
entendendo a relação entre os homens e dos homens com o mundo como
fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem. Enfatiza a
construção de competências para a autonomia e para a emancipação de relações
de trabalho alienadas, para a compreensão do mundo e para a sua transformação.
Busca, assim, construir competências para uma ação autônoma e capaz nos
espaços produtivos mas, igualmente, voltada para o desenvolvimento de princípios
universalistas – igualdade de direitos, justiça social, solidariedade e ética – no
mundo do trabalho e da cidadania. Pretende desenvolver uma formação integral e
ampliada, articulando sua dimensão profissional com a dimensão sócio-política.
161
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