o justo josé

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  • 8/18/2019 O Justo José

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    O JUSTO JOSÉ

    Março 18, 2016 

    1. Celebramos hoje, dia 19 de Março, a Solenidade de S. José, Esposo da Virgem Santa

    Maria. Sempre me encantou esta humaníssima e sensibilíssima figura de José, que oEvangelho de Mateus, hoje proclamado aos nossos ouvidos (Mateus 1,16-24), qualificacomo «justo» (Mateus, 1,19). O termo «justiça» enche este Evangelho, fazendo-se neleouvir por sete vezes (Mateus 3,15; 5,6.10.20; 6,1.33; 21,32), e traduz o plano divino desalvação e a adequação da nossa vontade à vontade de Deus. Neste Evangelho, osdiscípulos nunca são declarados «justos», mas são chamados à «justiça», a andar no«caminho da justiça» (Mateus 21,32), auto-destituindo-se, libertando-se dos seuspróprios projetos, e sabendo dizer sempre SIM a Deus de forma concreta, andando nosseus caminhos. O termo «justos», no plural, ouve-se várias vezes, sobretudo em textosde colorido parabólico, para qualificar os fazedores do bem (Mateus 13,43.49;25,37.46), sempre em contraponto com os fazedores da iniquidade. «Justo», no singular,neste Evangelho de Mateus, só se aplica a José (Mateus 1,19) e a Jesus (Mateus 27,19).

    2. Aí está, então, diante de nós o sensibilíssimo «justo» José sintonizado em altafidelidade, em Hi-Fi, com Deus. É assim que, em bicos de pés, no limiar do silêncio,passa discretamente da cena «pública» para o «segredo» (láthra) (Mateus 1,19).Fantástico. Até Deus entende e respeita este silêncio, este «segredo» de José, e é demansinho, em um sonho (Mateus 1,20), que põe José a par dos seus planos, que passampela maternidade divina de Maria e pela missão esponsal e paternal de José. É o quepodemos chamar, neste Evangelho de Mateus 1,18-24, de «Anunciação do Anjo aJosé».

    3. Este homem manso, sossegado e silencioso (quando surge em cena, somando todosos textos em que aparece, não se lhe ouve uma única palavra!) lembra o outro José, ohomem dos sonhos (Génesis 37,19), que surge no Livro do Génesis, e que com sonhos eserena sabedoria se ocupa (Génesis 37; 40; 41). Também este José sabe ler a sua históriaem dois teclados, distinguindo bem as coisas humanas das divinas (ou entrançando bemas coisas humanas e as divinas?!). Veja-se a forma sublime como se apresenta,desvendando-se, aos seus irmãos mais do que atónitos: «Eu sou José, vosso irmão, quevós vendestes para o Egipto. Mas agora não vos entristeçais nem vos aflijais por meterdes vendido para cá, porque foi para salvar as vossas vidas que Deus me enviouadiante de vós. Deus enviou-me adiante de vós para assegurar a permanência da vossa

    raça na terra e salvar as vossas vidas para uma grande libertação. Assim, não fostes vósque me enviastes para cá, mas Deus» (Génesis 45,4-8). Leitura sublime.

    4. A missão paternal de José fica clara no facto de ser José a dar o nome ao filho que vainascer de Maria. O nome do menino será Jesus, que surge logo explicado «porquesalvará o seu povo dos seus pecados» (Mateus 1,21). E aqui se começa a abrir umagrande avenida que atravessa o inteiro Evangelho de Mateus: a avenida do PERDÃO.Esta nota soa vezes sem fim, como obra bela de Deus que nós, seus filhos, devemosimitar, perdoando também. São tantas as vezes que seria fastidioso citá-las todas aqui.Deixo só a pérola do dito de Jesus sobre o cálice: «Isto é o meu sangue da aliança, pelosmuitos derramado, para perdão dos pecados» (26,28). O inciso «para perdão dos

    pecados» é um exclusivo de Mateus!

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    5. E é assim, descendo ao nosso nível e assumindo ou abraçando tudo o que é nosso,sem deixar nada nem ninguém esquecido ou de lado, que Jesus é «Deus connosco»(Mateus 1,23), e «connosco fica todos os dias até ao fim do mundo» (Mateus 28,20).Princípio e fim do Evangelho de Mateus. Inclusão literária. Inclusão literária e inclusãototal, porque descendo ao nosso chão e ao nosso coração para ficar connosco sempre,

    sofre, absorve e absolve o nosso pecado, faz-se nosso irmão, torna-se mesmo o nossofamiliar mais próximo, e somos nós todos a dar-lhe o nome de Emanuel.

    6. A lição do Segundo Livro de Samuel 7,4-16 mostra-nos Deus a prometer a David,através do profeta Natã, que construirá uma ponte de bênção e de paz, pura graça, entreDavid e o filho que lhe suceder, Salomão. Mas Deus acaba por relançar a sua promessapara sempre, indo, portanto, esta ponte de graça muito para além de Salomão, de filhoem filho, até ao filho que será também filho de Deus: «Eu serei para ele um Pai, e eleserá para mim um filho» (2 Samuel 7,14). Anda por aqui o «Filho de David», queatravessa as Escrituras. Anda por aqui Jesus. É a boa interpretação que Paulo faz nasinagoga de Antioquia da Pisídia: «Da sua descendência é que Deus, conforme

    prometera, fez sair para Israel um salvador, Jesus» (Atos 13,23). A tanto conduz odesejo intenso de Deus vir habitar no meio de nós. Não num Templo de pedra, mas numTemplo de tempo, podendo assim caminhar connosco sempre, como já fez com David,e quer continuar a fazer connosco. É usual, de resto, dizer-se que nós construímos oespaço, enquanto os judeus construíram o tempo!

    7. S. Paulo escreve aos Romanos (4,13-22) e retrata a figura de Abraão, constituídoherdeiro pela fé, e não pela lei. Pela fé, e não pela lei, para que a herança fosse vistacomo dom de Deus para todos, e não apenas para alguns. Por isso, todos nos sentimosna senda de Abraão e agradecidos a Deus. Sim, Jesus veio para todos, para nós também.

    8. É por isso que a hora é de cantar. O tema é, claro está, a bondade e a graça de Deus,que desceu até nós numa história que também foi e vai tecendo por amor, sobretudo asua fidelidade à promessa feita a David. O Salmo 89 insinua-se-nos nas cordas docoração, e não nos deixa parar de cantar. O seu centro de convergência é a promessafeita a David, que acabámos de ver em 2 Samuel 7.

    António Couto