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THEOLOGICA XAVERIANA - VOL. 58 NO. 165 (19-50). ENERO-JUNIO DE 2008. BOGOTÁ, COLOMBIA. ISSN 0120-3649 O Desvalido no Caminho (Lc 10, 25-37): da audição à recitação pela decisão* RAMIRO DÉLIO BORGES DE MENESES** RESUMO N a parábola do Bom Samaritano há uma correlação direta entre a audição (fé), a decisão (caridade) e a recitação (esperança). O conto narrado por Jesus Cristo assenta nestes três pilares dialeticamente, que definem, por um lado, uma aretologia plesiológica e, por outro, sugere uma forma de ética poiética, que tem seu fundamento numa deliberação esplancnofânica, como se elabora a partir do comentário exegético na parábola do Homo Viator. Palavras-chave: Bom Samaritano, parábola, audição, recitação e decisão. * Este texto apresenta-se como resumo da Tese de Mestrado defendida, na Faculdade de Teologia, U.C.P., Centro Regional do Porto, com o título: O Desvalido no Caminho (Lc 10, 25- 37), O Bom Samaritano como paradigma da humanização em saúde. Fecha de recibo: 1o. de febrero de 2008. Fecha de evaluación: 22 de febrero de 2008. Fecha de aprobación: 26 de marzo de 2008. ** Investigador do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa - Porto e Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Saúde do Norte-Gandra e Famalicão, Portugal. Doutorando em Éticas Aplicadas pela Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa - Centro Regional de Braga (Companhia de Jesus, S.J.). Correo electrónico: [email protected]

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  • THEOLOGICA XAVERIANA - VOL. 58 NO. 165 (19-50). ENERO-JUNIO DE 2008. BOGOT, COLOMBIA. ISSN 0120-3649

    1919

    O Desvalido no Caminho (Lc 10, 25-37):

    da audio recitao pela deciso*

    RAMIRO DLIO BORGES DE MENESES**

    RESUMO

    N a parbola do Bom Samaritano h uma correlao direta entrea audio (f), a deciso (caridade) e a recitao (esperana).O conto narrado por Jesus Cristo assenta nestes trs pilaresdialeticamente, que definem, por um lado, uma aretologiaplesiolgica e, por outro, sugere uma forma de tica poitica,que tem seu fundamento numa deliberao esplancnofnica,como se elabora a partir do comentrio exegtico na parbolado Homo Viator.

    Palavras-chave: Bom Samaritano, parbola, audio, recitao edeciso.

    * Este texto apresenta-se como resumo da Tese de Mestrado defendida, na Faculdade deTeologia, U.C.P., Centro Regional do Porto, com o ttulo: O Desvalido no Caminho (Lc 10, 25-37), O Bom Samaritano como paradigma da humanizao em sade. Fecha de recibo: 1o. defebrero de 2008. Fecha de evaluacin: 22 de febrero de 2008. Fecha de aprobacin: 26 demarzo de 2008.

    ** Investigador do Instituto de Biotica da Universidade Catlica Portuguesa - Porto e ProfessorAdjunto do Instituto Politcnico de Sade do Norte-Gandra e Famalico, Portugal. Doutorandoem ticas Aplicadas pela Faculdade de Filosofia da Universidade Catlica Portuguesa - CentroRegional de Braga (Companhia de Jesus, S.J.). Correo electrnico: [email protected]

  • O DESVALIDO NO CAMINHO (LC 10,25-37) RAMIRO DLIO BORGES DE MENESES

    2020

    THE HELPLESS AT THE ROADSIDE (LC 10,25-37): FROM AUDITIONTO RECITATION THROUGH DECISION

    Abstract

    In the parable of the Good Samaritan there is a directrelationship between audition (faith), decision (mercy) andrecitation (hope). The story narrated by Jesus Christ isdialectically founded upon these three pillars which define, onone side, a plesiologic aretology and, on the other, suggests aform of poetic ethics, that has its foundation on a deliberativecompassion, as it is elaborated on the basis of the exgeticalcommentary on the parable of the Homo Viator.

    Key words: Good Samaritan, parable, audition, recitation,decision.

    EL DESVALIDO EN EL CAMINO (LC 10, 25-37): DE LA AUDICINA LA RECITACIN POR LA DECISIN

    Resumen

    En la parbola del buen samaritano hay una correlacin directaentre la audicin (fe), la decisin (caridad) y la recitacin(esperanza). La narracin hecha por Jesucristo en est parbolase asienta en tres pilares dialcticos, que definen, por un ladouna aretologa plesiolgica y, por otro, sugiere una estructuratica y potica, la cual tiene su fundamento en una liberacinesplancnofnica, la cual se elabora desde el comentarioexegtico en la parbola del Homo Viator.

    Palabras clave: Buen Samaritano, parbola, audicin, recitacin,decisin.

  • THEOLOGICA XAVERIANA - VOL. 58 NO. 165 (19-50). ENERO-JUNIO DE 2008. BOGOT, COLOMBIA. ISSN 0120-3649

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    INTRODUO

    A vida nova da parbola tem um objetivo plesiolgico, implicando uma

    personagem secundrio no Samaritano, dado que, pela teoria das formas e

    pelo mtodo histrico-crtico, o Desvalido no Caminho (Homo Viator) Jesus

    Cristo, apresentando-se como a grande personagem da parbola..

    A aretologia plesiolgica possui uma teologia, que se denomina de

    audio, recitao e deciso, onde se encontra o verdadeiro valor da parbola,

    no aspecto teolgico do agir e das condutas humanas, como Teologia

    Plesiolgica.

    A audio exprime-se pela f, a deciso est na caridade e a recitao

    aparece como elemento elpidofnico, onde o Samaritano aguarda o apelo:

    eis-me aqui e cuida de mim!... H a espera plesiolgica de um Samaritano,

    que se autodetermina na prestao de cuidados.

    Todos os personagens da parbola experimentam formas de audio,

    de recitao e de deciso, para encontrar o valor plesiolgico do Desvalido,

    ora na ausncia poitica (Sacerdote e Levita), ora na presena poitica

    (Samaritano).

    Porm, o elemento mais importante, que nos oferece a parbola, tem

    a ver com a deciso plesiolgica, que radica na caridade pelo amor ao

    prximo. a parbola mais plesiolgica de Jesus, marcadamente agnstica,

    a partir do incio do conto exemplar e provocante.

    No mbito da viagem de Jesus Cristo para Jerusalm, este conto

    exemplar de Lc 10, 29-37 encontra-se relacionado com a anterior passagem

    de Lucas (10, 25-28), por meio da pergunta do Legista: De quem sou eu

    prximo? Jesus respondeu-lhe com uma narrativa puramente plesiolgica,

    que se apresenta como exclusiva de Lucas.

    Porm, no considerando o versculo introdutrio, que parede ser de

    concepo lucana, criada para unir os dois episdios, o relato foi introduzido

    pelo evangelista por meio da fonte L. Somente, num segundo momento se

    uniu ao episdio anterior (Lc 10,25-29), dado que no responde directamente

    segunda pergunta do Doutor da Lei.

    Na verdade, a narrativa uma das parbolas da misericrdia, carac-

    teristca importante do terceiro evangelho, que lhe confere uma tonalidade

  • O DESVALIDO NO CAMINHO (LC 10,25-37) RAMIRO DLIO BORGES DE MENESES

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    prpria como o anncio soteriolgico esplancnofnico de Cristo Jesus. Do

    ponto de vista da Histria das Formas, a passagem define-se frequentemente

    como parbola. Com efeito, o texto no a coloca expressamente dentro dessa

    categoria, tal como habitual em Lucas (Lc 12,6; 13, 6; 15,3; 18, 9; 19,11).

    Contudo, teremos que a interpretar no mbito da parabol. Este aspecto poder

    contribuir para entender esta narrativa, de forma indireta, como se fosse

    uma parbola, tal como ficou na tradio da Igreja, pela exegese alegrica,

    conhecida pela parbola do Bom Samaritano.

    Comparando com outras narrativas lucanas (Lc 12, 16-21; 16, 19-31; 18,

    9-14), poderamos consider-la como um exemplo provocante e exemplar,

    sob a forma literria do conto. O leitmotiv do conto de Jesus reside no na

    tristeza metafsica dos outros personagens da parbola, mas antes na alegria

    da misericrdia, que traz a redeno dos oprimidos da histria e tem como

    tema principal da Teologia Plesiolgica a axiologia plesiolgica sob a forma

    aretolgica do dom (misericrdia) num prximo comprometido. O valor da

    palavra prximo, na pergunta do jurista, difere consideravelmente do

    significado, desse mesmo termo, no exemplo proposto por Jesus. Natural-

    mente, o Doutor da Lei perguntou pelo conceito de prximo, no mbito da

    Torah (instruo), que mandava amar entranhadamente o prximo como a

    ns mesmos.

    Tanto na citao do Pentateuco, quer judaico, quer samaritano, quanto

    na pergunta do Legista, o prximo seria o destinatrio de um ato de convulo

    das vsceras.

    No pde-se negar que a parbola defina, indirectamente, certa

    resposta pergunta colocada. O teu prximo ser necessrio, perante a

    pergunta colocada, o necessitado, que encontr-se no caminho, tal como

    todos os deserdados, aqueles que foram vtimas da injustia na histria, ao

    longo dos sculos e de gerao em gerao e que vivem na tristeza

    metafsica do existir e do fazer.

    A histria multisecular da exegese desta passagem-conto oferece

    abundantes testemunhos de orientaes interpretativas, sendo de predo-

    minncia alegrica. Desde os Origens, em S. Agostinho e Martinho Lutero

    foi frequente uma leitura cristolgica ao referirem a Cristo como o Bom

    Samaritano ou, no mbito eclesiolgico, ao salientarem na pousada como

    smbolo da Igreja. Todas estas leituras foram no sentido de uma soteriologia

  • THEOLOGICA XAVERIANA - VOL. 58 NO. 165 (19-50). ENERO-JUNIO DE 2008. BOGOT, COLOMBIA. ISSN 0120-3649

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    extrnseca em oposio plesiologia soteriolgica, revelada pela Paixo de

    Cristo. Muitos, tambm, em sentido alegrico consideraram a parbola do

    Bom Samaritano como um midrs relativamente a Os 6,6: quero a

    misericrdia e no os sacrifcios. Certos comentadores pensam na possibi-

    lidade de Lucas ter elaborado a narrao de Marcos para transformar-a numa

    introduo parbola do Desvalido no Caminho, como se designara pela

    tradio crist. Porm, outros especialistas no Evangelho de Lucas, pensam,

    de forma mais adequada, pela substituio que Lucas ter feito do episdio

    de Marcos numa formulao distinta, que algumas passagens j teriam sido

    usadas por Mateus, para reelaborar a sua verso dos episdios de Marcos.

    Do ponto de vista da Histria das Formas, o episdio, tal como aparece

    na narrao evanglica de Lucas, ser uma declarao de Jesus, sobre os

    acontecimentos da flagelao e crucifixo diante do Procurador Romano,

    representante de Tibrio, na Palestina. A verso de Marcos Mc 12, 28-34 )

    est formulada em termos de debate de escola, que conclui pela retificao

    das respostas de Jesus. Todavia, a redao de Lucas, composta sob a forma

    de dilogo, possui carcter de controvrsia, dado que a primeira resposta de

    Jesus , na realidade, uma contraofensiva, que provoca uma nova interveno

    do Doutor da Lei, de forma apodtica. Muitas surpresas esperam-nos se

    entrarmos, na companhia do Samaritano bom, naquela estrada que vai de

    Jerusalm para Jeric, ou das nossas casas para o nosso local de trabalho.

    Estamos to habituados a viver de molde a realizar os nossos projectos e

    desejos, que urge satisfazer a todo o custo que, se ousssemos passar um

    dia a dar prioridade ao Outro, seriam tantas as surpresas, que seguramente

    nem ns conheceramos a ns mesmos.

    Mas, seria nesse dia que verdadeiramente ns encontraramos, a Deus

    e naturalmente seramos encontrados por Ele, que solenemente declara:

    Todas as vezes que o fizestes a um destes meus irm