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1 Índice PREFÁCIO ....................................................................................................................................................................... 3 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................. 5 1.1 ENQUADRAMENTO METODOLOGICO ......................................................................................................................... 8 1.2 UMA PESQUISA SITUADA ........................................................................................................................................ 12 1.3 DEMARCAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO.................................................................................................................... 14 2. UM BAIRRO SÓCIO ESPACIALMENTE CARACTERIZADO ......................................................................... 18 2.1 UM TERRITÓRIO LONGAMENTE SEGREGADO........................................................................................................... 19 2.2 UM BAIRRO POPUPLAR ............................................................................................................................................ 22 2.3 A IDADE DAS TRANSFORMAÇÕES ........................................................................................................................... 25 3. AS INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS E O OLHAR ANTROPOLÓGICO .................................................... 29 3.1 A ACÇÃO SOBRE O ESPAÇO PUBLICO....................................................................................................................... 31 3.2 A INTERVENÇÃO SOBRE O CONTEXTO SOCIAL ........................................................................................................ 33 3.3 O DISCURSO DO PATRIMÓNIO E DA CRIAÇÃO DE UMA IDENTIDADE......................................................................... 35 4. OS PLANOS DE INTERVENÇÃO NA MOURARIA ............................................................................................ 38 4.1 REDEVELOPING THE PAST TO BUILD THE FUTURE: QREN MOURARIA .................................................................... 39 4.1.1 O PA QREN................................................................................................................................................... 40 4.1.2 Do papel à rua ............................................................................................................................................... 42 4.1.3 Dentro do plano ............................................................................................................................................. 45 4.2 DESDE O URBANOPARA O SOCIAL”: PLANO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITARIO DA MOURARIA ................ 47 4.2.1 O Plano de Desenvolvimento Comunitario da Mouraria .............................................................................. 48 4.2.2 Fase I: O grupo e os seus valores .................................................................................................................. 52 4.2.3 Fase II: a avaliação do territorio ................................................................................................................... 54 4.2.4 Fase III: a definição dos objectivos ............................................................................................................... 57 5. A ANÁLISE DOS PLANOS: METODOS, IDEIAS E SIGNIFICADOS DAS INTERVENÇÕES ..................... 65 5.1 OS EIXOS DAS INTERVENÇÕES ................................................................................................................................. 65 5.1.1 A (re-)definição das fronteiras ....................................................................................................................... 66 5.1.2 A prática do espaço público .......................................................................................................................... 68 5.1.3 A composição sócio-económica .................................................................................................................... 72 5.1.4 Patrimonialização e identidade................................................................................................................... 75 5.2 A “ABERTURA.................................................................................................................................................... 77 5.2.1 As linhas da “abertura”................................................................................................................................. 78 5.2.2 O enfoque da participação ............................................................................................................................. 80 5.2.3 Participação, arte e “abertura” .................................................................................................................... 83 5.2.4 O paradigma da “abertura”: para uma hemenêutica do processo de reforma ............................................. 86 6. VIVER A REFORMA: EXPECTATIVAS, MUDANÇAS E VIDA QUOTIDIANA NO BAIRRO.................... 92 6.1 A MUDANÇA DO ESPAÇO PÚBLICO .......................................................................................................................... 93 6.2 A MUDANÇA DO CONTEXTO SOCIAL ....................................................................................................................... 95 6.3 A MOURARIA ENTRE FADO E MULTICULTURALIDADE”: ALGUMAS DEFINIÇÕES ENDÓGENAS ............................... 97 6.4 A ABERTURA NOS DISCURSOS DOS MORADORES..................................................................................................... 99 CONCLUSÕES ............................................................................................................................................................. 101 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................................... 105 SITES CONSULTADOS .............................................................................................................................................. 111 NOTÍCIAS EM JORNAIS, BOLETINS INFORMATIVOS, REVISTAS .............................................................. 111 REFERÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS ................................................................................................................ 112 ANEXO I / II .......................................................................................................................................................... 113/118

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Índice

PREFÁCIO ....................................................................................................................................................................... 3

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................. 5

1.1 ENQUADRAMENTO METODOLOGICO ......................................................................................................................... 8 1.2 UMA PESQUISA SITUADA ........................................................................................................................................ 12

1.3 DEMARCAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO .................................................................................................................... 14

2. UM BAIRRO SÓCIO ESPACIALMENTE CARACTERIZADO ......................................................................... 18

2.1 UM TERRITÓRIO LONGAMENTE SEGREGADO........................................................................................................... 19 2.2 UM BAIRRO POPUPLAR ............................................................................................................................................ 22 2.3 A IDADE DAS TRANSFORMAÇÕES ........................................................................................................................... 25

3. AS INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS E O OLHAR ANTROPOLÓGICO .................................................... 29

3.1 A ACÇÃO SOBRE O ESPAÇO PUBLICO....................................................................................................................... 31 3.2 A INTERVENÇÃO SOBRE O CONTEXTO SOCIAL ........................................................................................................ 33 3.3 O DISCURSO DO PATRIMÓNIO E DA CRIAÇÃO DE UMA IDENTIDADE ......................................................................... 35

4. OS PLANOS DE INTERVENÇÃO NA MOURARIA ............................................................................................ 38

4.1 REDEVELOPING THE PAST TO BUILD THE FUTURE: QREN MOURARIA .................................................................... 39 4.1.1 O PA QREN................................................................................................................................................... 40 4.1.2 Do papel à rua ............................................................................................................................................... 42 4.1.3 Dentro do plano ............................................................................................................................................. 45

4.2 DESDE O “URBANO” PARA O “SOCIAL”: PLANO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITARIO DA MOURARIA ................ 47 4.2.1 O Plano de Desenvolvimento Comunitario da Mouraria .............................................................................. 48 4.2.2 Fase I: O grupo e os seus valores .................................................................................................................. 52 4.2.3 Fase II: a avaliação do territorio ................................................................................................................... 54 4.2.4 Fase III: a definição dos objectivos ............................................................................................................... 57

5. A ANÁLISE DOS PLANOS: METODOS, IDEIAS E SIGNIFICADOS DAS INTERVENÇÕES ..................... 65

5.1 OS EIXOS DAS INTERVENÇÕES ................................................................................................................................. 65 5.1.1 A (re-)definição das fronteiras ....................................................................................................................... 66 5.1.2 A prática do espaço público .......................................................................................................................... 68 5.1.3 A composição sócio-económica .................................................................................................................... 72 5.1.4 Patrimonialização e identidade ................................................................................................................... 75

5.2 A “ABERTURA” .................................................................................................................................................... 77 5.2.1 As linhas da “abertura” ................................................................................................................................. 78 5.2.2 O enfoque da participação ............................................................................................................................. 80 5.2.3 Participação, arte e “abertura” .................................................................................................................... 83 5.2.4 O paradigma da “abertura”: para uma hemenêutica do processo de reforma ............................................. 86

6. VIVER A REFORMA: EXPECTATIVAS, MUDANÇAS E VIDA QUOTIDIANA NO BAIRRO .................... 92

6.1 A MUDANÇA DO ESPAÇO PÚBLICO .......................................................................................................................... 93 6.2 A MUDANÇA DO CONTEXTO SOCIAL ....................................................................................................................... 95 6.3 A MOURARIA ENTRE FADO E “MULTICULTURALIDADE”: ALGUMAS DEFINIÇÕES ENDÓGENAS ............................... 97 6.4 A ABERTURA NOS DISCURSOS DOS MORADORES ..................................................................................................... 99

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................................. 101

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................................... 105

SITES CONSULTADOS .............................................................................................................................................. 111

NOTÍCIAS EM JORNAIS, BOLETINS INFORMATIVOS, REVISTAS .............................................................. 111

REFERÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS ................................................................................................................ 112

ANEXO I / II .......................................................................................................................................................... 113/118

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La città vecchia (A cidade velha)

Nei quartieri dove il sole del buon dio non dà i suoi raggi,

ha già troppi impegni per scaldar la gente d’altri paraggi;

Una bimba canta la canzona antica della donnaccia:

“Quel che ancor non sai tu lo imparerai tra le mie braccia”;

[...]Una gamba qua, una gamba là gonfi di vino,

Quattro pensionati mezzo avvelenati al tavolino;

Li troverai là col tempo che fa, estate e inverno,

A stracannar, a stramaledir: le donne, il tempo e il governo;

[...] Se ti inoltrerai lungo le calate dei vecchi moli,

In quell’aria spessa carica di sali, gonfia di odori;

Lì ci troverai i ladri, gli assassini e il tipo strano:

Quello che ha venduto per tremila lire sua madre a un nano.

Se tu penserai e giuducherai da buon borghese,

Li condannerai a cinquemila anni, più le spese;

Ma se capirai e li cercherai fino in fondo,

Se non sono gigli, son pur sempre figli,

Vittime di questo mondo.

(F. De André 1965)

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Prefácio

Pouco passava do meio-dia quando a Jaipur Maharaja Brass Band cruzou aquele

pequeno largo através do qual a Rua Marquês Ponte de Lima desemboca no Largo do

Terreirinho. Um pequeno grupo de homens e mulheres desfilava entre uma confusão de

percussões e flautas em frente de uma multitude de faces surpresas e curiosa.

Quando me comecei a interessar pela Mouraria estavam a começar as Festas

Populares naquele largo, desde os becos às esquinas, e por entre seus arredores

ressoavam palavras, cheiros e sons de uma tradição cheia de costumes para mim

«exóticos» e desconhecidos. Pelas ruas gargalhadas cruzavam-se com berros enquanto as

sardinhas a grelhar em cada esquina deixavam um rasto de odor ao som da música pimba

propagada através das janelas e portas sempre abertas. Dois meses depois, naquele

mesmo largo, os mesmos sentidos vinham estimulados por cores e sons diferentes,

provocados por uma comitiva de indianos, residentes e estrangeiros, que desfilavam

através das ruas ao ritmo de uma fanfarra.

Como pode mudar a ideia que nós temos de um lugar? O que é que muda o aspecto

de um sítio em tão pouco tempo? Será a transformação da sua estrutura arquitectónica?

Será a alternação dos tipos de pessoas que lá moram ou que costumam utiliza-lo no dia-a-

dia? Ou dependerá talvez da mudança face às representações e aos significados que lhe

vem atribuídos pelas instituições que o governam e as pessoas que o visitam, ou pelo

contrario, por quem lá mora e constrói lá a sua existência quotidiana?

O tipo de desorientação que eu tive, jovem italiano que escolheu estudar em Lisboa,

frente a duas situações completamente diferentes que aconteceram a distância de pouco

tempo, no bairro de Mouraria, provocou a minha curiosidade e estimulou o meu

imaginário. A uma primeira visão característica que tinha da Mouraria, referida aos

Santos Populares, aos arraiais e ao Fado, se puntava-se uma outra, tão diferente quanto

fortemente caracterizada. Decidi então começar a investigar sobre este bairro, e cruzei-

me logo com um importante processo de mudança que estava a acontecer.

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Desde o Outono do 2011 até ao Verão do 2012, o bairro da Mouraria e os seus

arredores estão envolvidos numa radical acção de intervenção a nível urbanístico que

pretende restaurar o tecido arquitectónico e reorganizar o cenário económico e social do

território. Ela age principalmente no espaço público no qual pretende dar início a uma

melhoria da qualidade dos equipamentos ao mesmo tempo que pretende requalificá-los

sob diferentes significados identitários e culturais que fazem referência ao lugar. Para

além disso, a acção tenta incutir novas práticas de utilização e apropriação do espaço

público, através do envolvimento de novas e diferentes forças sociais, actividades

artísticas e culturais e novos padrões de desenvolvimento económico. Este projecto de

reforma articulado é implementado através das obras de dois planos principais: o QREN

Mouraria e o PDCM. O primeiro aponta para a requalificação do espaço público, a

reabilitação de prédios de interesse histórico e cultural e a disposição e capacitação do

conjunto territorial para a sustentação de um novo e massivo processo turístico. O

segundo complementa-se com o primeiro desenvolvendo importantes projectos de acção

social, desde a prevenção de fenómenos de risco e pobreza que caracterizam o território

até a promoção de eventos e actividades artísticas que apontam para o envolvimento da

população numa renovada forma de participação na vida pública do bairro.

A análise destes dois planos levou-me a considerar a existência de importantes

visões e conceptualizações que inspiram a acção e as práticas políticas de alguns modelos

de reforma urbanística que tentam intervir no território para implementar determinadas

dinâmicas de mudanças sociais e representativas que definem (endogena e

exogenamente) um bairro.

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1. Introdução

Applied anthropology is philosophy in action.

(Godin 2005: 111)

A investigação pretendeu fazer uma análise sobre os planos de reforma sócio-

urbanística1 que se estão a desenvolver no bairro da Mouraria. No contexto de estudo da

antropologia aplicada, que é a especialização deste mestrado, o presente trabalho tenta

estudar de uma perspectiva crítica os eixos de intervenção, as práticas e as acções sobre

as quais se implementam estes planos. Procura-se analisar quais serão os focos da

reforma e as operações de produção de sentido que legitimam tais intervenções. Tenta-se

portanto perceber como através das peculiaridades sociais, económicas e “culturais” de

um bairro, os planos de reforma sócio-urbanística tentam implementar dinâmicas de

mudança social e económica no território e como tais dinâmicas serão suportadas pela

construção e a introdução de novas imagens e valores caracterizados do bairro. Em

segundo lugar, a pesquisa tenta perceber como e em que medida esta obra de reforma terá

sido concebida a partir do ponto de vista dos moradores, qual será o grau de

envolvimento deles no processo de planificação e actuação, qual será o nível de

1 Neste trabalho decidiu-se utilizar a locução “reforma sóciourbanística” em referência ao conjunto de planos,

estratégias e tipologias de intervenção que pretenderam implementar uma mudança social ou espacial no bairro da

Mouraria. Como se verá no capítulo 3, no âmbito dos programas de intervenção das políticas urbana dos últimos vinte

anos, procedeu-se a uma categorização das especificidades que distinguiam objectivos e métodos de implementação das

diferentes obras de intervenção no contexto urbano. Deste enquadramento saíram quatro tipos de intervenção (p. 29).

Com o substantivo “reforma” no entanto, não se entende identificar um preciso critério de intervenção, mas um um

mais amplo conjunto de métodos e planos implementados ao fim de uma mudança urbana e social do território,

enquanto esta resumem dentro de si estratégias e intervenções de diferente orientação.

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concordância entre as acções dos planos e as reais necessidades expressadas pelos

habitantes do bairro e, por fim, como foi vivido por eles todos o período de

implementação da obra.

Para tentar alcançar estes objectivos o trabalho foi desenvolvido através das

seguintes fases operativas:

1) Perceber a estruturação dos planos de reforma assim como as suas componentes

institucionais e associativas: as entidades envolvidas e os papéis que elas desenvolvem no

bairro.

2) Através da observação participativa no processo de planificação, identificar as

questões, os temas e as soluções destacadas pelos diferentes actores sociais que fazem

parte da implementação dos planos.

3) Evidenciar as questões, os temas e as soluções propostas pelos indivíduos e os

grupos sociais que moram ou vivem quotidianamente no bairro e que, no entanto, não

foram abrangidas na estruturação dos planos.

4) Identificar temas e focos de actuação da obra de reforma para tentar definir as

ideias subjacentes através das quais foram implementadas as acções e as intervenções dos

diferentes planos.

5) Viver a obra de mudança em contacto com a população do bairro para entender

como ela é percebida pelos moradores, de que forma condiciona a suas vidas e se ela

respeita as suas expectativas e necessidades.

Este trabalho é elaborado no âmbito do Mestrado em Antropologia Aplicada,

domínio que está desenquadrado do tradicional contexto académico para experimentar

um novo tipo de enfoque dirigido à acção e à implementação dos conhecimentos

antropológicos, onde estes possam ser um contributo nos processos de planificação de

mudança sociocultural.

Segundo a definição de Georg Foster (1969), esta perspectiva identifica aquele

campo antropológico que sai das teorizações do contexto académico para participar em

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programas sociais que têm por objectivo a mudança de determinados comportamentos

humanos, ou a procura da melhoria de problemas sociais ou económicos contemporâneos

que afectam determinados grupos humanos. Esta perspectiva, como argumenta Erve

Chambers, define o complexo conjunto de perspectivas teóricas, métodos e estratégias

dirigido à aplicação das práticas e dos dados antropológicos ao estudo e á resolução dos

problemas sociais contemporâneos (Chambers 1989). Aliás, John Barnes identifica-a

como um tipo de “disciplina” que parte das teorias, dos métodos e das práticas

etnográficas da ciência antropológica para entrar de maneira “activa” e propositada nas

problemáticas que envolvem os diferentes contextos humanos (Barnes 1977).

Delineia-se assim um tipo de disciplina que se afasta, pela sua necessidade de agir

em contexto, dos métodos e das finalidades da antropologia clássica formada no âmbito

académico. Para Satish Kedia e John Van Willigem (2005), a antropologia aplicada

representa uma perspectiva multidisciplinar, com metodologias rápidas para dar respostas

a problemas que precisam de uma acção imediata. Por sua vez, Marcial Gondar (2003)

afirma que a antropologia aplicada é outro tipo de antropologia, uma linha autónoma com

diferentes objectos, teorias, papéis, métodos e intenções.

Fora do âmbito académico, o papel da antropologia transforma-se e integra-se nas

dinâmicas contemporáneas que dantes só estudava. Com ela, modifica-se também o papel

do antropólogo que troca de referentes na entrega dos resultados dos seus estudos. Como

explica Chambers (1989), o “antropólogo aplicado”, encontra-se mais dependente de

contratos do que de subsídios, como acontece na antropologia académica. Assim os seus

interlocutores tornam-se os governos, as organizações não-governamentais, associações

culturais, tribais e étnicas, etc.

As tipologias de estudos que se podem desenvolver a partir desta perspectiva são,

portanto, múltiplas. Van Willigem (1993) resume-as em dois grupos principais:

intervention antrhropology e political research studies. O primeiro grupo identifica as

actividades de pesquisa referidas aos campos da cooperação ao desenvolvimento, a

mediação cultural e o marketing social. Neste grupo entra também um enfoque

antropológico particular definido sob o nome de “antropologia activa”. Esta perspectiva

de análise, como explicam Kirstem e Elsass, não se limita à pesquisa e à divulgação das

informações, mas contribui e colabora com os sujeitos estudados para promover, apoiar

ou defender as suas revindicações e as suas necessidades (Kirstem & Elsass 1990). Esta

“linha” dos estudos aplicados pode ser também definida com o nome de antropologia

defensiva ou representativa, o seu papel é aquilo que Sol Tax (1975) define como

advocacy anthropology ou seja o de uma antropologia que se torna porta-voz e

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representante dos problemas locais que afectam as comunidades em contextos de

reivindicações ou negociação em particulares dinâmicas de mudança.

No segundo grupo identificado por Van Willigen (1993) entram aqueles estudos de

investigação trabalhados no âmbito da avaliação e implementação de políticas sociais,

nomeadamente os estudos de verificação de politicas públicas como os relacionados com

o desenvolvimento tecnológico de um grupo social ou com a gestão dos recursos

culturais de um território. Por exemplo, os estudos de impacto social que apontam para a

investigação do tipo de adaptação e integração num dado contexto social de dinâmicas de

mudança particulares desenvolvidas através de políticas de reforma.

A vertente aplicada desta pesquisa decorre principalmente do facto de sair de

questões de natureza prática, como a reforma sócio urbanística de um bairro, para

problematizar de forma crítica alguns dos temas do “enfoque aplicado” aqui em cima

indicados. Em particular, ao longo deste trabalho deu-se grande importância a perceber e

considerar o ponto de vista dos locais no decorrer do processo de reforma; analisar e

avaliar a implementação de uma política urbana num determinado contexto socio-

espacial.

Como temos considerado, a figura do antropólogo aplicado é assim “utilizada” em

processos de diferente natureza que o envolvem em dinâmicas particulares de intervenção

sobre contextos sociais, económicos ou culturais específicos. Apesar disso, este trabalho

não se apresenta como uma pesquisa comissionada por uma instituição o por um

programa específico de desenvolvimento ou intervenção num contexto de mudança

sociocultural, antes pelo contrario, diferencia-se por ser um trabalho produzido dentro de

contexto académico. Neste sentido, a perspectiva da antropologia aplicada foi utilizada

como ponto de partida para um estudo sobre um plano de reforma sócio-urbanística, que

implicava a projectação e a implementação de processos de mudança social de um

território. Neste trabalho, tentou-se estudar de perto os mecanismos e as dinâmicas que

subjazem à organização e à planificação de um programa de reforma, assim entendido

pelas instituições e as entidades promotoras; ao mesmo tempo que se analisavam os

resultados desta reforma e o seu impacto na população.

O trabalho de campo então esteve baseado na participação nas fases de projecto e

divulgação do plano implementadas pelas instituições e as entidades associativas que o

promoviam e também por uma prolongada presença no território de estudo, que tentou

definir eventuais relações de poder ou dinâmicas de subalternidades entre os agentes

implicados no processo de reforma. Isto trousse a estabelecer profundas e amistosas

relações com os diferentes actores que protagonizaram este processo de mudança:

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representantes e lideres das associações, moradores e pessoas envolvidas na vida

socioeconómica e cultural do bairro no intuito de tentar definir como este processo age no

contexto social local.

1.1 Enquadramento metodologico

O procedimento adoptado neste trabalho foi o de observar elementos provenientes

tanto da teoria como da observação empírica, sem recusar um desvio pela história social a

partir de certos elementos capazes de contribuir para a compreensão e a explicação dos

fenómenos estudados na particularidade do seu contexto social. Assim, servimo-nos de

diversos mecanismos e processos metodológicos de forma a assegurar o trabalho de

recolha, de organização e de análise dos materiais.

Na primeira fase do trabalho, optou-se pela pesquisa no terreno a partir de algumas

técnicas que se consideraram fundamentais: a observação participante; a entrevista

centrada sobre um determinado tema; a entrevista livre sobre um tema geral, ou até

mesmo a conversa informal que se revelou muito enriquecedora, permitindo encontrar

chaves de leitura que, de outra forma, não seriam encontradas. Através destas entrevistas,

os informantes exprimiram as suas ideias, contaram a suas experiências e relembraram

momentos da própria vida que definiram as suas relações com o local. Porém, mais do

que registar os discursos dos inquiridos e quantifica-los, procurou-se descobrir os

significados, as visões e as concepções que estavam atrás dos seus discursos. Porém,

sobretudo pelo que se refere a alguns discursos institucionais, teve-se em conta que, por

vezes, o que estava dito podia aparecer uma tentativa de encobrir aquilo que era

fundamental. Mas, como refere Moisés Espírito Santo, é na descoberta dos verdadeiros

porquês que reside o papel da ciência que é, por definição, um combate sobre as

aparências e um questionamento do senso comum (Geertz 1999). Para atingir ao

verdadeiro significado de determinados discursos políticos ou sociais, produzidos na

construção de uma reforma sócio - urbanísticas, é necessário reconhecer o sistema de

valores em que estas se enraízam.

A observação participante em alguns acontecimentos, nomeadamente as fases de

projecto desenvolvidas pelas entidades institucionais e as associações que operam no

território e as realidades de vida quotidiana desenvolvidas pelos moradores, revelou-se

fundamental porque permitiu a recolha de informações pertinentes. Neste sentido,

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privilegiou-se a observação participante porque permitiu perceber a complexidade das

interacções sociais definidas no interior do processo de planeamento. Além disso, a

observação participante resultou a técnica mais apropriada para perceber o significado

emocional de muitos discursos feitos sobre o lugar, que identificavam posições e

conceptualizações diferentes nas escolhas das estratégias que deviam definir uma

intervenção sobre este lugar.

Outro aspecto que resultou da observação foram os contrastes internos com os quais

os discursos das associações, dos moradores e das instituições tentavam descrever o

contexto social do bairro e condicionar as estratégias politicas e sociais para implementar.

Isto resolveu-se num processo de mediação entre as diferentes sugestões e ideologias,

sem no entanto excluir dinâmicas hierarquizadas referidas aos processos decisionais e ao

controlo de poder. É nestas situações que volta se volta a definir a grande tarefa do

etnógrafo, a qual consiste, como afirma Claude Lévi-Strauss, em evitar idealizações

preconcebidas para que as categorias sociais sejam explicadas desde o interior e não

sejam definidas a priori (Lévi-Strauss 1978).

A conjugação de diferentes técnicas permitiu-nos obter dados sobre valores,

sentimentos, reacções emotivas (ou aparentemente racionais) dos indivíduos envolvidos

na experiência de mudança do bairro onde vivem. A selecção dos informantes teve em

conta as diferentes classes etárias, de género, de status politico ou social, que

representassem as diferentes categorias implicadas no processo de mudança.

Uma segunda fase do trabalho insere-se uma “metodologia da interpretação”, onde

se dedicou importante espaço à análise e à avaliação do material recolhido. Como refere

Bernardo Bernardi, “o trabalho de análise representa a cúpula do trabalho científico. Da

fase ‘gráfica’ da recolha passa-se à fase ‘lógica’ e comparativa” (Bernardi 1974:147).

Passa-se assim da fase técnica ligada à observação e à recolha no trabalho de campo, para

a fase principal da descrição e da explicação dos materiais recolhidos. Esta explicação,

perante material tão diversificado, acabou por basear-se numa análise comparativa e

multidimensional. A simples observação etnográfica cumpre a importante função de nos

auxiliar a compreender o modo como as dinâmicas sociais se realizam no contexto de

estudo situado. O propósito da investigação científica é, no entanto, ir além da descrição

e procurar uma explicação. Um tal nível de análise poderá tentar descortinar os porquês

da implementação deste programa de reforma, a sua função (casos existam algumas) e as

condições segundo as quais serão perpetuadas e modificadas. Por isso é importante saber,

como defende Evans-Pritchard (1978), os significados que os indivíduos lhe atribuem.

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Na definição do tema de estudo, foram consultados diferentes autores que abordam

os diferentes temas que saíram da análise da reforma. A operação de focalização teórica,

no enquadramento da pesquisa, não se revelou simples enquanto tal reforma abrangia

diferentes aspectos sociais, económicos e culturais, cada um dos quais representa

peculiares objectos de estudos da ciência antropológica. O intento principal do trabalho

foi descrever os processos de mudança que envolvem um bairro. Partiu-se então da

definição de bairro, através das significações sociais às quais isto remetia. Tentou-se

depois aprofundar os temas e as dinâmicas que vinham a desenvolver-se dentro das obras

de reforma urbanística, tendo em consideração a especificidade do contexto no qual se

desenvolviam. Para fazer isso, foi importante aprofundar o conhecimento sobre o

contexto social no qual se verificavam as dinâmicas investigadas. A este respeito foram

consultados diferentes documentos, monografias, artigos e imprensas locais, os quais

constituíram fontes importantes para o fornecimento de dados socioculturais e históricos

relevantes para o desenvolvimento da investigação.

Resumindo, o procedimento adoptado no desenvolvimento desta investigação foi o

de observar elementos provenientes tanto da teoria como da observação empírica,

recorrendo à monografia intensiva, ao exercício da interdisciplinaridade e à análise

estatística. A observação participante, a entrevista estruturada ou semi-estruturada e a

interpretação dos dados recolhidos serão, pois, as técnicas privilegiadas no

desenvolvimento desta investigação. Teve-se em consideração a observação feita por

Roberto da Matta quando diz que “a nada vale um conjunto de técnicas muito sofisticadas

se o pesquisador não esta preparado para observar a realidade, transformando as

experiências vividas em dados sociológicos” (da Matta 1986:92). Ao mesmo tempo teve-

se em consideração também a posição de Henri Mendras quando afirma que a observação

dos factos sociais não pode ser iniciada sem um mínimo de teoria (Mendras 2000). A

mesma ideia é retomada, entre os outros, por Evans-Pritchard ao referir que a

investigação antropológica não se pode levar a cabo sem teorias e sem hipóteses, pois as

coisas só se encontram se se procuram, embora muitas vezes se encontre algo diferente

do que se pretendia encontrar (Evans-Pritchard 1978). Daì a importância de um quadro

teórico e conceptual que sustente, mas ao mesmo tempo problematize, os dados

recolhidos. Porém, não podemos esquecer, como nos lembrava o mesmo autor, que uma

teoria bem fundamentada não é mais que uma generalização obtida a partir da

experiência e por ela confirmada.

No passado considerava-se que os documentos eram a matéria-prima necessária ao

investigador social. Hoje, a matéria-prima são os próprios processos sociais. Durante esta

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investigação, procurou-se participar de forma mais cuidada, nas fases de projectação da

obra de renovação. Participando das suas diferentes fases, dentro e fora do contexto

tentou-se perceber como estas constituiam o complexo conjunto de práticas e valores que

remetiam para o desejo/necessidade de mudança de um bairro. A pesquisa de campo

revelou intenções, pontos de vista e conceptualizações de como um determinado território

devia ser modificado, segundo as exigências das diferentes componentes sociais que lá

actuam.

1.2 Uma pesquisa situada

Esta pesquisa situa-se num espaço e tempo particulares.

O espaço é o bairro da Mouraria, ou melhor, aquele novo território que está sendo

definido pela reforma sócio - urbanística, como sendo Mouraria. É um espaço amplo e

variado seja nas suas especificidades urbanísticas seja nos diferentes contextos sociais

pelas quais as diferentes partes do território são caracterizadas.

Nessa Mouraria moram portugueses de velha geração, alguns lisboetas de gerações,

outros imigrados do norte do país há cinquenta, sessenta anos. Eles compõem o estrado

social que se identifica (e é identificado) culturalmente através da revivificação, em

particulares momentos do ano, de ritos e de práticas ligadas à tradição popular. Estes

habitantes do bairro identificam-se sócio – espacialmente numa “zona histórica” do

bairro, dentro aquilo que uma vez era considerado o “arrabalde mouro” e agora vem mais

bem referido como o “berço do Fado”.

Mas essa Mouraria é também um território fortemente implicado em dinâmicas de

imigração. A componente chinesa no bairro, conta com um vasto número de indivíduos

que, na sua maioria, geram actividades económicas ligadas à importação de produtos

têxteis e alimentários. Em particular esta gere os dois lugares símbolos do comercio na

Mouraria: O “Centro Comercial da Mouraria” e o “Centro Comercial de Martim Moniz”.

A comunidade bengali, de recente instalação, representa uma outra componente

socioeconómica e cultural muito forte dentro do bairro. Esta trata em particular das

actividades económicas ligadas às lojas de internet-point e minimercados. Esta representa

uma entidade bastante coesa e definida dentro do bairro uma vez que se se organiza numa

comunidade que se identifica através da partilha de determinados espaços de culto (a

mesquita), e a a organização de eventos que reafirmam as próprias tradições e práticas

culturais. Outras minorias são compostas pelos indianos, africanos e ciganos que

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desenvolvem uma estreita convivência na parte norte do bairro, nos arredores do Largo

do Intendente.

A forte presença de imigração junto com a recente chegada de novos indivíduos

provenientes de outros bairros sociais recentemente requalificados complexificou

algumas problemáticas de exclusão social já condicionadas por precedentes dinâmicas

ligadas à venda e ao consumo de substâncias estupefacientes.

É por isso que no cenário social do território regista-se a forte presença de

associações e entidades não institucionais que agem nas diferentes dinâmicas sociais que

caracterizam o bairro. Muitas destas operam no contexto da luta contra a exclusão social

com projectos de suporte das faixas sociais mais debeis, acções de prevenção dos

fenómenos de risco e de marginalidade, ou incluso a promoção de iniciativas lúdicas ou

culturais para jovem ou idosos da zona. Outras operam na promoção e na valorização

cultural do território que fundam as suas obras na organização de eventos folclóricos e

nas actividades abertas à “comunidade”. Os promotores e os “funcionários” destas

associações muitas vezes não moram no bairro, nem cresceram nisso, mas tem uma longa

experiência feita de actividades e iniciativas desenvolvidas no território e conhecem

muito bem os diferentes contextos e as dinâmicas sociais sobre as quais actuam dentro do

bairro.

Pensar estudar a Mouraria é como pensar observar um caleidoscópio: cada olhar

tem mil tons, cada movimento determina a aparição de outros olhares. O horizonte

humano tinge-se de tons variegados na paisagem de têmpera do bairro; e o tecido social

revela-se denso e particular.

O tempo da pesquisa inscreve-se dentro dos doze meses nos quais se organizou,

implementou e acabou a primeira parte do plano de reforma que envolve o bairro da

Mouraria. Este tempo foi caracterizado pela sucessão de rápidos eventos. Sendo a obra de

reforma baseada sobre dois planos concebido e planejados em alturas diferentes,

conseguiu-se observar no campo tanto as fases de projectação de um, como as fases de

implementação do outro. A observação no território definiu-se então através de um

“antes”, um “durante” e um “depois” da obra de reforma. Muito embora os limites da

pesquisas fossem aqueles interlocutores e “informadores” diferentes ao longo desta

unidade de tempo. Se no “antes”, nas fases de planeamento, os interlocutores

privilegiados foram os indivíduos das associações e das entidades institucionais que

promoviam os planos da reforma; nas fases “durante” e “depois” do cumprimento das

obras, os interlocutores privilegiados foram os moradores e as pessoas ligadas ao bairro

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profissionalmente ou emotivamente. Isto comportou um bocado um desequilíbrio, em

sentido cronológico, dos dados e das referências recolhidas no curso da pesquisa, sendo,

os dados recolhidos num primeiro tempo, de matriz diferente respeito aos recolhidos num

segundo. Muito embora esta dinâmica fosse condicionada pelo feito que o

desenvolvimento rápido dos acontecimentos induzia a definir algumas prioridades sobre

onde concentrar no dado momento a própria atencão. Este trabalho apresenta-se então

como um collage temporal de factos e acontecimentos desenvolvidos dentro de um

diversificado contexto social.

1.3 Demarcação do campo de estudo

Se pensarmos na Mouraria descrita por Marluci Menezes (2003, 2004, 2005) , ou

aquela dos arraiais dos Santos Populares, a zona à qual nos referíamos não é maior do

que aquele rectângulo sombrio que encontra o seu centro entre a rua do Capelão e a rua

da Guia, chegando, talvez, aos Lagares, mas não fora das velhas construções do arrabalde

mouro. Pelo contrário, os projectos que estão actualmente a decorrer, os dois planos de

renovação socio-urbanística, estendem o território do bairro de uma maneira exponencial,

delineando novos limites e abrangendo novas zonas.

“Tentar definir como o bairro da Mouraria se inscreve no espaço da cidade a partir

de um perímetro constituído por limites e fronteiras visíveis, pode ser um problema de

difícil resolução, bem como encontrar uma consciência colectiva e homogénea que possa

ser o confim de um bairro, pode tornar-se uma busca sem fim” (Menezes 2004:131). Este

problema revela-se frequente nos estudos sobre os bairros populares de Lisboa, cujos

limites apresentam-se como fruto de construções sociais mais ou menos dinâmicas. Se

pomos como exemplo alguns estudos precedentes sobre outros bairros populares

nomeadameente a Bica (Cordeiro 1997), a Madragoa e Alfama (Costa 1999), estes

evidênciam a maleabilidade dos contornos territoriais que aparecem como territórios

geográficos e sociais aproximativos2.

De uma perspectiva dinâmica e estrutural, “estes territórios aproximativos são

considerados como núcleos de referencia identitária ligados a pertenças sociais, culturais,

físicas e espaciais; mais como demarcações face à outros bairros da cidade, do que

propriamente por uma configuração rígida dos seus limites e fronteiras” (Costa; in

Menezes 2004:132). Então, as dificuldades em trabalhar com as noções de limite e

2 O conceito de territórios geográficos e sociais aproximativos foi expressado pela primeira vez por Olivier Brachet e

pode-se encontrar também na obra de Graça Índia Cordeiro sobre o bairro da Bica.

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fronteira também vão ao encontro de uma questão bastante actual para a própria teoria

antropológica: a reflexão sobre a noção de lugar. Dito isto, é sempre importante

lembrarmo-nos que os caminhos e as estratégias que um pesquisador poderia tomar na

resolução da controvérsia sobre a definição deste assunto, facilmente poderiam resultar

múltiplos e diferentes. O estudo sobre a demarcação de um campo poderia ser expressado

através da sua distribuição territorial, ou das narrativas e dos discursos nele implícitos;

através dos seus limites ou das conceptualizações e representações dos seus habitantes

(como dos que o vêem desde fora); através das relações sociais ou das práticas que se

desenvolvem nele. Este olhar caleidoscópico arrisca-se a minar ou tornar vão o trabalho

do pesquisador, que se confunde com múltiplas vozes e se perde na relatividade do tempo

e do espaço. A produção do conhecimento sobre as dinâmicas de demarcação

socioespacial de um bairro então, aparece como um processo de fazer e desfazer uma

enorme manta de retalhos para a qual não se sabe que agulha utilizar.

Talvez será melhor começar a considerar a questão a partir do mesmo contexto

bidimensional no qual se situa um bairro. A integração do tempo com o espaço define por

si as construções geográficas e sociais que definem um território. Se a Mouraria na época

mourisca não era mais que um cunho sombrio ao pé de duas colinas, depois de uma

primeira abertura para a cidade o seu território já se expandia de poucos metros, os

suficientes para abraçar a zona das Olarias e criar um primeiro precedente de

reivindicações e estigmatização. A época tinha mudado o curso e o espaço tinha alargado

os seus horizontes. Este fenómeno aconteceu cada vez que a Mouraria esteve envolvida

em processos de mudança arquitectónica e territorial que coincidiam com as necessidades

de a cidade se relacionar com ela de maneiras diferentes. Um território então modifica a

sua forma e o seus limites em relação com os outros territórios, sofre aberturas e

restrições ligadas aos contextos políticos e sociais decorrentes nessa altura e isto muda

também as percepções e as construções símbólicas e cognitivas, (emic e etic), que se

fazem dele.

No caso da Mouraria contemporânea este tipo de olhar assume um significado

evidente. A paisagem urbana está sendo condicionada mais uma vez pelo interesse das

entidades administrativas, e o bairro começa a viver uma época de profundas

transformações urbanísticas (e sociais), dentro de planos geográfico-territoriais bem

circunscritos. Através da análise destes planos, da rede de relações entre os sujeitos

implicados, dos eixos de acção entre instituições e associações, e das iniciativas e

políticas que através deles são promovidas no território, podem-se reconstruir os novos

limites e a nova estrutura do bairro. O bairro, a partir deste olhar, pode ser interpretado

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como o conjunto daqueles espaços que adquirem umas mesmas circunstâncias políticas

num continuum territorial e local. A Figura 1 (pagina seguinte), por exemplo, descreve o

território da Mouraria segundo a Câmara Municipal e os eixos de actuação do projecto de

reforma urbana no triénio 2010-2013. Aparece aqui uma nova visão do território da

Mouraria, uma concepção ampliada e alargada até aos limites extremos que ainda podem

conter esta palavra. Limites e território completamente arbitrários que não têm em conta

o contexto local, as dinâmicas internas, as diferentes realidades de vida que se

desenvolvem dentro (e fora) dele, mas que aparecem como linhas geométricas traçadas

aproximadamente para compor uma figura que se torne funcional ao tempo e ao lugar.

Por outro lado, a Mouraria está habituada a ver o seu território definido pelo exterior,

visto que nunca teve uma unidade administrativa homogénea e as percepções dos seus

moradores remetiam sempre a um cenário dividido e irregular.

As questões resultantes do meu trabalho surgem do contexto e dos

acontecimentos que envolvem a Mouraria nesta exacta época histórica; e daquela porção

de território que, com ou sem um sentido prévio, definirá uma mesma condição de

mudança para as pessoas e os lugares envolvidos. Foram traçados então limites

arbitrários, mas foram também estabelecidos destinos comuns. Não posso, pelo menos

perante os objectivos que me proponho nesta tese, subtrair-me então à visão e à descrição

expressada pelos agentes que estão a pôr em acção na Mouraria uma profunda mudança

territorial.

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Figura 13

3 Mapa das intervenções do projecto QREN Mouraria

Fonte: Jornal “Rosa Maria”, Ass. Renovar a Mouraria, Outubro 2011

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2. Um bairro sócio espacialmente caracterizado

“Lisboa plebeia, quer se revista de resignação, quer se tome de revolta, tem

sempre uma coisa boa na desgraça das suas Mourarias …”

(Araújo[1931]1991:27 vol.3)

“Mouraria rima com chungaria”

(trabalhador no Centro Comercial da Mouraria 1997)4

“Vale dos Vencidos”, “Horta”, “Olaria”, são muitos os epítetos conferidos na

história a esta porção de território da cidade de Lisboa. Vale alagadiço, terra ribeirinha: a

morfologia desta zona foi o motor caracterizador do seu desenvolvimento histórico,

político e social. E pensar que, há séculos atrás, ao pé da Mouraria desembarcavam os

navios5! Da série de ribeiros existentes naquela zona, serpenteavam as águas que

regavam os terrenos férteis de hortas, prados e quintas, que mais de uma vez deram de

comer à população de toda a cidade. A mesma água serviu na implementação da sublime

arte da olaria, criada pelos romanos e continuada pelos mouros. Cunho pendurado que

sobe as encostas das duas colinas primogénitas da cidade, funil capotado: também a sua

forma, bem clara nas visões das pessoas que a habitam e a conhecem, se esclarece com o

advento dos acontecimentos e das épocas históricas. A Mouraria liga a sua fisionomia ao

passado mourisco. Da permanência desse povo “estrangeiro” têm vindo uma série de

características peculiares e uma estruturação particular feita de ruas sinuosas, vielas,

becos sem saida, mas também hortas e casais, num espaço público organizado em função

dessa vida social e religiosa. Escreve Vera Mendes “[Mouraria] nasce depois da

conquista de Lisboa aos mouros por D. Afonso Henriques e testemunha uma história de

cercos, guerras e conquistas que pela benevolência do nosso primeiro Rei irrompe como

4 Frase transcrita durante uma conversa e relatada no trabalho de campo de Marluci Menezes na tese de doutoramento

da mesma autora, intitulada “Entre o mito da Severa e o Martim Moniz, Estudo antropológico sobre o campo de

significações imaginárias de um bairro típico de Lisboa”, UNL-FCSH 2003 5 “Defendem alguns autores que as relíquias de S.Vicente, mandadas trazer por D. Afonso Henriques, teriam

desembarcado no cais situado onde até a pouco tempo se erguia Arco do Marques do Alegrete” [hoje a Praça Martim

Moniz] (1996:13). MENDES V. “Socorro, uma Freguesia Mourisca”, Câmara Municipal, 1996

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albergue da população mourisca, autorizada a permanecer na cidade mas em território

próprio” (Mendes 1996:16). Deste passado tão autêntico ainda hoje se preserva uma

toponímia perpetuada no tempo e nos lugares: Rua da Mouraria, Beco do Jasmim,

Borratém (de Ber-Atten, Poço da Figueira), conferem os nomes às ruas estreitas e

sinuosas e aos becos ocultos que se desdobram no labiríntico tecido urbano, que de forma

espontânea organizava o arrabalde mouro.

2.1 Um território longamente segregado

De certo modo, como escreve Marluci Menezes (2004), a Mouraria é uma invenção

datada e instituída, através do foral do 1170. Esta origem formal repercutiu,

inclusivamente, na própria materialidade e visibilidade do arrabalde que, inventado como

um espaço segregado para os “mouros vencidos”, teve limites e fronteiras que na época

eram exactos e reconhecíveis. Inicialmente o arrabalde era amuralhado e a sua entrada

facultada por portas com horários de abertura e fecho (Brito J.P. 1999). A Mouraria,

nome que remonta mesmo a esta época, aparecia como um gueto isolado do resto da

cidade. Mas esse primeiro período formativo e constitutivo seria ultrapassado com o

decorrer das circunstâncias sociais, económicas e urbanas, de modo que o território

transbordou as suas próprias muralhas e estendeu-se pelas áreas circundantes, aquelas do

Norte e do Oriente. Devido à intensa actividade económica que ali se desenvolvia (em

particular comercial e artesanal), o arrabalde acabou para atrair segmentos cristãos da

população, que viram a instalar-se na envolvência próxima do bairro (Araujo

[1931]1991). Contudo o bairro continuaria fora das muralhas da cidade, “constituindo-se

como uma espécie de espaço intersticial que, mesmo após a extensão da cidade, com a

urbanização dos campos e o derrube da Cerca Fernandina, condicionou-o do ponto de

vista simbólico e urbano à elaboração de um complexo processo de estigmatização

territorial” (Menezes 2003: 81).

O bairro sempre se caracterizou pela sua pobreza e precariedade habitacional

atraindo, ao longo da sua história, sobretudo segmentos da população com dificuldades

socioeconómicas. Tais características ficaram particularmente evidenciadas a partir do

século XV, com a crescente tendência da cidade de voltar-se para o rio e com aumento da

sua população em função de movimentos migratórios oriundos das zonas rurais do país.

A partir do século XVIII a até meados do século XX, assistiu-se a um exponencial

aumento de população da cidade de Lisboa, pelo que o bairro da Mouraria atingiu a sua

capacidade de ocupação e, em decorrência da sua precariedade socioeconómica e

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funcional passou, juntamente com outros bairros, a ser conhecido como o bairro pobre da

cidade (Cordeiro 1997). Nos últimos cinquenta anos o território foi atingido por um

fenómeno massivo de imigração de indivíduos provenientes da Índia, da China e de

África que estabeleceram lá o centro das suas vidas económicas e sociais. Isto veio

reforçar a “ideia” de a zona ser um lugar “acolhedor da diversidade” e aumentou os

preconceitos ligados a questões de falta de segurança e perigo. Durante a sua existência, a

Mouraria conviveu com a má fama e a estigmatização dado o seu contexto socioespacial.

A história urbana e social da Mouraria mostra como “o bairro foi inventado e

posicionado de forma a estar depois ou a seguir a algum outro elemento ou referencial

com mais representatividade urbana: nas traseiras do castelo de São. Jorge, por detrás da

zona ribeirinha, atrás da Baixa, etc. À par dos processos sucessivos de mudanças, a

Mouraria continúa a ser indicada como um bairro que está nos lugares traseiros da

cidade”. (Menezes 2005:34). Isto leva-nos a considerarmos a Mouraria como um

território fortemente construído a nível social e espacial face a uma condição de

segregação. De facto, como afirma Van Kempem, o conceito de segregação urbana

implica concentração territorial (Van Kempen & Őzuekren 1998). que, no caso da

Mouraria, nasceu de um espaço demarcado por limites bem definidos que remetiam para

um determinado território, à concentração de aspectos ligados ao “outro” e à diferença.

Tal caracterização determinou a presença de um grupo social particular marcado por uma

divisão espacial, social e cultural.

A própria palavra segregação remete para a ideia de separação de determinados

grupos sociais no espaço das sociedades, como reflexo ou manifestação das relações

sociais que se estabelecem a partir da estrutura e das estratificações sociais (Machado

2009). A história da Mouraria esteve sempre caracterizada por ser um lugar subordinado

ao estabelecimento de determinados grupos sociais e socioeconómicos, bairro que

hospedava as diferenças e os problemas de uma sociedade rigidamente estratificada

socioculturalmente. Nascido como gueto, foi depois território “ocupado” por imigrantes

portugueses e estrangeiros. Ainda hoje, a estigmatização e segregação social da Mouraria

passam pelos conceitos de pobreza e de fenómenos ligados à prostituição, à vadiagem e

ao alcoolismo. Uma estratificação social que se expressava - e ainda se expressa - não só

através da diversidade socioeconómica, mas também através da exclusão no âmbito do

pleno desenvolvimento e acessibilidade aos recursos presentes nas melhores zonas da

cidade.

A segregação é entendida como um fenómeno espacial (Healey 2000). As figuras

históricas que representam o poder e a sua ideologia inscrevem-se no espaço promovendo

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diferentes valores e manipulando o imaginário socioespacial. A identificação da Mouraria

como lugar traseiro da cidade, a sua conformação urbana, constituíram portanto uns dos

elementos da sua segregação.

O presente trabalho pretende partir da base que o fenómeno da segregação responde

a um processo socioespacial inerente ao exercício de dominação política e à apropriação

desigual tanto dos recursos do espaço como do trabalho, apontando para as relações

dialécticas entre espaço e sociedade (Machado 2009). Ela revela-se na perspectiva crítica

presente na abordagem utilizada para a análise dos planos de requalificação urbana que

pretendem intervir no território, visto que, ainda hoje, bairros como a Mouraria são

naturalmente omissos e inexistentes na estrutura política e administrativa da cidade, nas

estatísticas por freguesia, em registos escritos e documentais de vários tipos (Cordeiro

1997).

No enfoque desta tese a perspectiva dos estudos sobre a segregação ajudar-nos-á a

entender os processos socioespaciais responsáveis pela estruturação do território e a

compreender os mecanismos produtores de relações de integração entre diferentes grupos

e classes sociais. Neste sentido, torna-se essencial termos em conta a importância das

políticas urbanas que são consideradas neste estudo, pois ao mesmo tempo que procuram

encontrar soluções que promovam uma maior mistura socioeconómica e um maior acesso

aos recursos podem, também, vir a revelar mecanismos produtores de uma nova

segregação.

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Figura 26

2.2 Um bairro popuplar

A condição histórica e as características sociais da Mouraria proporcionaram-lhe

sempre uma posição privilegiada na construção de um imaginário colectivo

continuamente recriado dentro e fora do bairro. Seja qual for o território que ela defina, o

nome Mouraria evoca idealizações referidas a lugares, indivíduos e acções bem

determinadas no espaço e no tempo. O seu passado histórico convidou - e continua a

convidar - a uma estigmatização ligada à “alteridade”, à “pobreza” e ao “perigo”. O seu

estar “de costas viradas” relativo aos outros lugares da cidade, o seu ser segregador de

condição humana e “terra de conquista” de povos extrangeiros - antes os mouros, do qual

vem o nome, e hoje os imigrados - definiu sempre sentimentos fortes e contrastantes

respeito a este território.

6 Mapa da cidade de Lisboa por como definida das duas cercas de muralhas que delimitavam a sua extensão em duas

diferentes épocas históricas. A porção de território à direita do leitor representa o espaço da Cerca Moura (construída

por Dom Afonso Henrique no 1147, logo depois a conquista da cidade). Na parte esquerda do desenho é representada a

sucessiva extensão da cidade definida pela Cerca Fernandina (1373-1375). Mouraria em nenhuma das duas fases

aparece integrada na cidade e o seu território, na época, devia corresponder à parte do desenho onde aparece a escrita do

título.

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A estigmatização do seu contexto social enraizou-se no tempo com a peculiaridade

de algumas formas artísticas que lá se desenvolveram predominantemente. É assim que,

algures no século XIX, a Mouraria foi “socialmente construída como um bairro que

detinha algumas tradições,” (Menezes 2005:71) No tentativa de descobrir os precedentes

que justificam essa tipicidade e tradição, torna-se necessário ir ao encontro de um sistema

de representações em que se desenvolve numa complexa rede de elementos culturais,

sociais, históricos, urbanos e rurais, sonhos, mitos e idealizações. Nasce assim a

construção social do Fado7, arte musical que canta a poética dos marinheiros que vão por

mar; amor, saudades e vida quotidiana de uma classe pobre e excluída. Nasce neste

período o mito da Severa, que vinculava a tradição do Fado à realidade social da

Mouraria, sendo ela prostituta e cantora que conseguiu casar com um nobre e melhorar a

sua condição humana - sonho e perspectivas comuns entre aquela gente - mas que morreu

cedo com 27 anos, tornando o conto tragédia e a história lenda. Se desenvolve assim a

criação de uma tradição popular, ligada ao povo e à realidade social do lugar, que

introduzia símbolos e representações e reificava um denso e articulado imaginário

colectivo. Mais uma vez este imaginário era produzido e reproduzido quer num contexto

interno ao bairro quer nas representações que a cidade tinha deste.

Durante a época do Estado Novo, estas representações sofreram uma ulterior

marcação e a sua reprodução foi institucionalizada. A tradição popular se convertiu num

veículo de valores e símbolos representativos de uma cultura (Costa 1999). Nasceram as

Festas Populares, através das quais esta tradição é expressada e reproduzida. O processo

de “institucionalização” da cultura popular leva à instituição das marchas populares onde

através da competição e o encontro/confronto entre os diferentes bairros era construído e

fortalecido um discurso sobre a identidade. Identidade, cultura e tradição que

permanecem hoje em dia e se revivificam no período de Junho, quando cada ano se

repetem as celebrações para os Santos Populares e o seu poder tipificatorio revive nos

arraiais, nas marchas, e nos cantos da tradição. Como afirma Graça Cordeiro, “Nos dias

de hoje essas tradições diferenciam esses bairros e a sua gente dos outros locais e dos

outros bairros da cidade por causa de uma herança cultural que continua a afirmar-se

através de sistemas culturais locais, […] como se tivessem incorporado uma cultura local

com traços de continuidade com o passado” (Cordeiro 1997:163). Entre estigmatização

política e representação popular – continua Cordeiro - estes bairros são com certeza

7 Durante o período de escritura desta tese, o Fado foi declarado pela UNESCO, património imaterial da humanidade.

Isto obriga a que o nome deste tipo de música (e tradição musical) seja tratado publicamente com a letra maiúscula.

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percorridos por um sentimento de pertença que se gera em quem lá vive, e que se revela

em situações diárias mais ou menos ritualizadas (Cordeiro 1997).

A Mouraria hoje em dia é caracterizada por a tipicidade dos seus cenários de vida

quotidiana, coloridos e “castiços”. “A Mouraria do presente pode ser descrita pela

vivencia de rua, as roupas estendidas nas janelas e pátios, as crianças a brincar, os

edifícios históricos e degradados, as conversas à soleira da porta ou à janela, os homens a

conversar nas esquinas, largos e travessas, as sardinhas a assar em braseiros colocados na

rua; como também, pelos arraiais dos Santos Populares e as marchas” (Menezes

2005:73). Todos estes elementos contribuem a produzir uma ideia caracterizada do lugar,

que continua, ao mesmo tempo, a lidar com uma forte heterogeneidade social e as velhas

dinâmicas de pobreza. “O Fado, as severas e marialvas, as tascas, as peixeiras, os

operários, os (i)migrantes, os visitantes, os desempregados, os reformados coexistem com

as lojas e as mercearias chinesas, os cabeleireiros luso-africanos, os bazares indianos,

[…] os toxicodependentes e os sem-abrigo” (Menezes 2005:73). Ali se cruzam

indivíduos e situações que tornam o lugar numa extraordinária amálgama humana e

social.

A idealização da Mouraria como bairro popular, foi sempre reiterada no curso das

épocas. As suas tradições e representações, social e historicamente construídas, foram

sempre renovadas e promovidas pelas instituições e as entidades às quais era atribuída a

tarefa de a governar, controlar, e valorizar. A construção do imaginário por ela contido é

sistematicamente reproduzido em relação ao contexto cultural da cidade pois estes

lugares se encarregam de ser as paisagens de fundo de uma imaginação colectiva,

símbolos de emoções e sentimentos de uma comunidade e uma cidade enaltecidas

(Cordeiro 1997). Ele é utilizado muitas vezes na promoção turística e económica do

território e como motor inspirador de políticas de valorização e patrimonialização. Apesar

disso, ao longo das épocas, a construção de um imaginário “bom para pensar” e a

invenção da tradição foram elementos funcionais na mistificação dos problemas reais que

aquele território tem em relacão com a cidade. Com base na promoção do carácter

identitário desenvolveram-se numerosas intervenções sócio-urbanísticas que derrubaram

aquele conjunto urbano e a sociedade segregada que o habitava. A intervenção no espaço

e o desenvolvimento de dinâmicas e políticas sociais, ambos carregados de significados

simbólicos e representativos, representaram a rotina para a existência deste bairro nos

últimos cem anos. Neste trabalho tentaremos mostrar como os planos actuais de

renovação do bairro se apoiam, mais uma vez, nos elementos da tradição popular para

legitimar as intervenções a nível sócio-urbanístico. Ao mesmo tempo que, através de

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políticas sociais e práticas socioespaciais, esta tradição quer ser mais uma vez renovada e

reinventada com o fim de criar novos caracteres identidatários fundados sobre velhos e

novos valores, símbolos e idealizações.

2.3 A idade das transformações

Antes de entrar no tema do nosso trabalho, gostaria de continuar esta reflexão

introdutoria revelando como, no decorrer da história, as relações entre a cidade de Lisboa

e o território da Mouraria estiveram sempre caracterizadas por uma certa

complementaridade coerciva, onde a primeira - a cidade - impunha a própria dimensão

valorativa sobre a segunda, determinando a modificação social e espacial daquele

aglomerado urbano. Desde a sua criação, como ja foi visto, o bairro sofreu diferentes

transformações socioespaciais e, neste parágrafo, trataremos daquelas que aconteceram

no último século em que a Mouraria foi objecto particular do interesse das políticas

urbanas. Perceber a hermenêutica das obras desenvolvidas no tempo sobre o território,

ajudar-nos-á a contextualizar as intervenções que se pretende pôr em prática hoje em dia,

visto que a história da Mouraria passa também através dos planos que projectaram e

definiram a sua mudança no tempo.

A configuração urbana da Mouraria, com a articulação mourisca das suas ruas e dos

becos, resistiu praticamente inalterada até a metade do século XIX. Nem o terremoto do

1775, conseguiu derrubar aquele conjunto “sem ordem” de prédios e casas populares,

embora tenha destruído grandes áreas da cidade. Contudo, com o começo do novo século,

foi manifestado, por parte das instituições administradoras da cidade, a intenção de

intervir no bairro de forma a conciliar o ideal modernizador da época com uma

concepção estética de embelezamento e higenização da cidade. As obras principais deste

período concentraram-se na parte baixa do bairro com o intuito de tentar abrir uma

conexão entre o centro e a zona norte da cidade8. De facto, é só durante o Estado Novo

que se vai implementar uma efectiva intervenção reformadora sobre este território guiada

por uma atitude demolidora.

Entre as décadas de 30 e 60, procedeu-se à demolição total da parte baixa da

Mouraria - hoje constituída pela Praça Martim Moniz - pondo fim àquele “entrelaçar de

8 Com este objectivo se implementa a criação da Rua Nova da Palma, que, mais tarde, condicionou o sentido da Av. dos

Anjos, e da futura Almirante Reis. Outra obra significativa foi desenvolvida esta vez na parte alta do bairro com a

criação da Rua Marquês de Ponte Lima que implicou a criação de um eixo meridional que se desenvolvesse até o

interior da zona do Castelo.

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ruas, prédios antigos e igrejas, etc.” (Andrade 1998:15) e deixando um espaço vazio, que

já desde aquela época foi intitulado de Martim Moniz9.

Com a ajuda do Largo Martim Moniz, pretendia-se reconverter a Mouraria em

território de passagem e de monstra, composto por avenidas grandes, prédios modernos e

prestigiados a custo de isolar na periferia da cidade os moradores que pudessem vir a

comprometer o ideal de modernização e higienização. Além da intervenção do espaço, foi

apresentada uma primeira intervenção da composição social desse núcleo urbano

favorecendo a expulsão de indivíduos “socialmente incompatíveis” com os valores e os

ideais que a cidade - através das suas expressões de poder - cunhava para esse lugar.

Contudo, o Estado Novo não conseguiu fazer muito mais e a Mouraria continuou a ser

aquele conjunto socioespacial de segregação e estigmatização pelo qual todos o

conheciam. Só no fim do Estado Novo, viriam a ser identificadas mais e novos olhares

políticos de intervenção sobre o território.

Entre as décadas de 70 e 80 do século XX, o bairro e as áreas adjacentes ainda se

tornaram focos de interesse de políticas de modernização da cidade. Os espaços vagos

deixados pela destruição ainda estavam à espera de uma reconversão na sua edificação

que se manifestou através da construção dos dois centros comerciais, emblemas de uma

nova representação social da Mouraria: o Centro Comercial da Mouraria e o Centro

Comercial Martim Moniz10

. Com eles, as dinâmicas urbanas, sociais, culturais e

económicas do território viram-se alteradas, o que facilitou a instalação de um comércio

grossista que reuniu, ao longo das épocas, comerciantes provenientes da Índia, da China e

de África.

No entanto, como refere Menezes, “face à degradação do parque edificado local,

em muitos casos em risco de ruína iminente ou consumada - situação ainda mais

agravada pela precariedade socioeconómica local e pela dificuldade de implementação de

actividades que permitissem a dinamização económica e cultural da área” (Menezes

2005:73) - no ano 1985 foi instituído o Gabinete Local da Mouraria. Com isto abre-se um

período de profunda redefinição da relação histórica entre o território e a cidade. É

reconsiderado, por um lado, o papel que ele representa no contexto urbano e, por outro, o

dirigido pelas intervenções que apontam para o seu desenvolvimento e é redireccionada a

atenção para os pormenores na reconstrução social da realidade simbólica e da imagem

9 A atribuição dada ao largo (que se tinha criado), do nome de Martim Moniz, soldado cristão que sacrificou a sua vida

na reconquista da cidade, representa a vontade expressada pelo poder da época de reafirmar a simbologia e as

refigurações ligadas à reconquista e a victoria crista sobre os mouros. Ao mesmo tempo esta reafirma também a história

social da Mouraria, marcando mais uma vez os aspectos de diferença que o caracterizam. 10

A intervenção que deu a Martim Moniz o aspecto que conhecemos actualmente, remonta a um projecto do 1997,

quando se recuperou a ideia de transformar o largo numa praça com estacionamento subterrâneo.

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urbana do bairro. Como afirma Costa, o bairro define-se como objecto de reabilitação

urbana (Costa 1999), o que constitui uma quebra significativa das antigas concepções

sociourbanísticas e de intervenção: “esta nova política urbana é movida pelos ideais de

reabilitação, requalificação, revitalização sociocultural, económica e urbana, e

recuperação do património arquitectónico” (Andrade 1998:22).

A este respeito, os objectivos deste novo modelo de intervenção visam a “fixação e

a melhoria das condições de vida dos residentes, proporcionando melhores condições de

habitabilidade, reconvertendo e criando novos equipamentos. Pretende-se deste modo a

revitalização económica, estimulando a população residente a participar neste processo

global”11

. Aparecem assim, novos e importantes olhares nas estratégias de intervenção da

cidade sobre o bairro. Já não se aponta para a destruição mas sim para a requalificação do

tecido urbano, com particular interesse na implementação de equipamentos funcionais

para o melhoramento dos recursos sociais oferecidos pelo território e, consequentemente,

o aumento das possibilidades disponibilizadas pelos habitantes. Desenvolve-se um novo

interesse no social, também desde o ponto de vista do desenvolvimento económico,

referido aos fluxos de investimentos e actividades comerciais que aí convergem. Em fim,

constitui-se um novo olhar, baseado na participação da população nos eventos de

mudança do bairro, quebrando a barreira segregativa e trabalhando para uma maior

emancipação sócio e económica da população. O bairro assim tem estado envolvido num

longo e moroso processo de realização de obras que ao mesmo tempo que motiva

mudanças territoriais, “exige da população uma capacidade de readaptação continuada ao

seu próprio quotidiano” (Menezes 2004:61).

Como veremos a seguir, estes parâmetros de acção foram reafirmados nos actuais

planos de reforma que iremos analisar neste trabalho, pois a Mouraria é também

redefinida exogenamente no seu território de acordo com os interesses políticos e sociais

em vigor. A Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística da Mouraria,

definida pelo Gabinete Local12

, traça novos eixos de pertença, englobando parte da colina

do Castelo de São Jorge e alastrando o território para o Norte e o Oeste, compreendendo

a Graça, o Castelo, Alfama e o Martim Moniz. Esta visão territorial permanece até hoje,

embora possa vir a ser posteriormente redefinida pela aplicação dos planos a acontecerem

11

Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria (PUNHM), 1996, vol. 4:1 12

O Gabinete Local da Mouraria foi fundado pela Câmara Municipal de Lisboa no 1985. Nasceu de uma experiência

precedente que viu alguns cidadãos técnicos e autarcas das freguesias da Alfama juntar-se para começar um debate

sobre a necessidade da conservação e a reabilitação desse bairro. Desta forma, constituiu-se o Gabinete Local da

Mouraria cujo objectivo primário era identificar uma primeira Área Critica de Intervenção para uma requalificação do

territóro.

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na actualidade. Como se tem visto, a Mouraria, ou o território definido por este nome, foi

um lugar longamente emblematizado na sua relação com a cidade, já que da

estigmatização, da pobreza e da segregação urbana foi, ao longo do tempo, “reabilitado”

para diferentes usos sociais. Hoje em dia, a Mouraria é considerada um lugar estratégico

para a implementação de novos modelos de reforma urbana e de novas formas de

socialização no espaço, naturalmente em função das políticas de desenvolvimento

socioeconómico da cidade.

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3. As intervenções urbanísticas e o olhar antropológico

O bairro não é uma entidade isolada e imutável mas participa das transformações

gerais que envolvem as cidade e experimenta diferentes eixos de mudança ao longo do

tempo (Ledrut 1978). Pode ser o caso de uma nova população que se estabelece no

bairro, ou um programa de intervenção que modifica a sua função e o seu destino de uso.

A mudança de um bairro implica processos complexos, considerado a vasta variedade de

elementos e factores contextuais que compõem as suas dinamicas (Hannerz 1980). Nos

processos de mudança de um bairro actuam assim múltiplos factores (físicos,

económicos, políticos e sociais) (Zajczyk in Borlini & Memo 2008).

No plano das políticas urbanas dos últimos vinte anos, importantes programas de

requalificação e luta contra a exclusão social promovidas em campo comunitário, ou mais

em geral, o desenvolvimento de concepções participativas de planeamento e intervenção,

tem conferido atenção à ideia de que o bairro è um terreno de acção e atenção central, no

qual se activam sinergias nos assuntos sociais, económicos e ambientais (Paquot 2009,

Galster 2001, Smith 2002, Savage M., Bagnal G. & Longhurst B. 2005). Compoem-se

assim, práticas e estratégias dedicadas às temáticas sobre a acessibilidade, as infra-

estruturas, os equipamentos locais, bem como à necessidade de mudanças significativas

do espaços público (Portas 2003), à qual se junta um “renovado olhar de intervenção

sobre os contextos socais e culturais que caracterizam o território” (Peixoto 2009: 47). De

acordo com Marluci Menezes (2005) ao conjunto de programas e projectos de

intervenção urbana sobre o bairro que se vão cada vez desenvolver, viria gradualmente a

associar-se um conjunto de noções que, começadas por “re-”, expressam aquilo que se

considera importante para a mudança de um territoro urbano: reabilitar, revitalizar,

requalificar, renovar. Associadas a modos de intervenção no/sobre o espaço público, a

vida socio-económica e os aspectos culturais que tendem a qualificar um conjunto

urbano, estas noções acentuam também a importância de reflectir sobre a dimensão

temporal enquanto recurso de construção e legitimação desses mesmos modos de

actuação (Menezes 2005).

Nesta perspectiva assume particular sentido no contexto português o importante

documento elaborado no âmbito do “Primeiro Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação

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Urbana”13

, que define tais conceitos para a implementação das actuais e das futuras

políticas urbanas.

a) Renovação Urbana

Acção que implica a demolição das estruturas morfológicas e tipológicas existentes

numa área urbana degradada e a sua consequente substituição por um novo padrão

urbano, com novas edificações (construídas seguindo tipologias arquitectónicas

contemporâneas), atribuindo uma nova estrutura funcional a essa área.

b) Reabilitação urbana

Estratégia de gestão urbana que procura requalificar a cidade existente através de

intervenções múltiplas destinadas a valorizar as potencialidades sociais, económicas e

funcionais a fim de melhorar a qualidade de vida das populações residentes; isso exige o

melhoramento das condições físicas do parque construído pela sua reabilitação e

instalação de equipamentos, infra-estruturas, espaços públicos, mantendo a identidade e

as características da área da cidade a que dizem respeito.

c) Revitalização urbana

Acçao que engloba operações destinadas a relançar a vida económica e social de uma

parte da cidade em decadência. Esta noção, próxima da reabilitação urbana, aplica-se a

todas as zonas da cidade com identidade e características marcadas.

d) Requalificação urbana

Aplica-se sobretudo a locais funcionais da “habitação”; tratam-se de operações

destinadas a tornar a dar uma actividade adaptada a esse local e no contexto actual.

Além da estratégia de “renovação”, que vem desenvolvida em presencia de “tecidos

urbanos degradados, aos quais não se reconhece valor como património arquitectónico ou

conjunto urbano a preservar”14

, nas noções acima referidas as acções de intervenção vêm

implementadas no contexto urbano existente, sobretudo nas suas áreas degradadas e mais

decadentes, em termos de uma vitalidade social, económica e cultural. As dinâmicas, os

processos e as problemáticas que induzem tais modelos de intervenção no contexto do

bairro, podem acontecer, como explica Francesca Zajczyk (2008), por causa de diferentes

dinâmicas que agem no território urbano e que às vezes se revelam ser complementares

ou consequenciais. Estas por exemplo podem ser as “tendências à policentralidade” dos

13

I Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana, Lisboa 1995; Acta I: “O interesse manifestado por algumas

cidades brasileiras, pelo processo de reabilitação urbana implementado em Lisboa, levou ao início de uma reflexão

conjunta que, iniciada no I Encontro de Reabilitação Urbana em Lisboa, em Março de 1993, foi continuada no Rio de

Janeiro em Abril de 1994, tendo o, realizado em Lisboa, em Outubro de 1995, constituído uma etapa decisiva que

permitiu chegar a conclusões úteis para os dois países. No Plenário de encerramento deste encontro foi aprovada, por

aclamação, uma proposta segundo a qual deveriam as respectivas conclusões ser consagradas na Carta da Reabilitação

Urbana Integrada - Carta de Lisboa. Esta Carta tem por finalidade, para além de foliar uma linguagem comum, com as

necessárias adaptações nacionais, o estabelecimento dos grandes princípios que deverão nortear as intervenções, bem

como dos caminhos para a sua aplicação”.

14

Carta da reabilitação Urbana Integrada – Carta de Lisboa p.1 Art. 1

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antigos centros urbanos, no quadro de um alargamento incessante da malha urbana e da

consequente produção de novos centros e novas margens; a consolidação de um mercado

urbano de lazer construído à volta da ideia de espaço público; a importância de factores

representacionais e imagéticos, assim como de intervenções urbanísticas arquitectónicas

que concretizam no espaço símbolos de afirmação e identificação (Zajczyk 2008).

Contudo, como afirma Paulo Peixoto, a génese da locução de palavras como re-

qualificar ou re-abilitar submete-se aos processos de urbanização e aos efeitos que eles

induzem nas urbes. O carácter aleatório destas não deixa de esconder uma determinada

visão política do que tem que ser a cidade, remetendo para velhas questões tal como o

enobrecimento urbano (Rubino 2009), higienização e haussmanizaçao15

(Peixoto 2009),

mas também à construção de novos contextos simbólicos e espaciais, e à valorização de

discursos identitários específicos ou tradicionais (Menezes, 2005).

3.1 A acção sobre o espaço publico.

As formas e os métodos através dos quais se concretizam as diferentes tipologias de

intervenções no contexto urbano apontam para uma profunda acção sobre o território

desenvolvida em níveis diferentes e contextuais (Fortuna C. & Leite R.P. 2009). A

intenção de fundo destas operações (que em muitos casos, como estamos a considerar,

dirige-se a porções definidas e limitadas das cidade, como por exemplo um bairro) aponta

para uma reconversão profunda do território tanto desde o ponto de vista arquitectónico

quanto desde o ponto de vista social e económico. Neste trabalho, se tenteara abordar as

intervenções sobre o urbano baixo os diferentes aspectos que as caracterizam.

A intervenção de requalificação urbana, por exemplo, define um modelo de

intervenção dirigido a operações urbanas de larga escada, para a reconversão funcional de

um dado espaço público (Peixoto 2009). Por espaço público, no contexto urbano,

entende-se um espaço físico caracterizado por um uso social e colectivo (AAVV 2005).

Saindo de uma perspectiva estreitamente urbanística, para abordar concepções mais

socioantropologias, é importante focalizar a atenção sobre os aspectos sociais do espaço

público, que se revelam estreitamente ligados às práticas e às relações sociais que neste

15

A “haussmanização refere-se a uma politica de demolição, levada a cabo em Paris por Georges-Eugebne

Haussmann, na segunda metade do século XIX, que pretende intervir no espaço urbano de modo a controlar, disciplinar

e higienizar os comportamentos, assim como a criar referencias e marcadores do espaço através da monumentalização”

(Peixoto 2009:41).

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se desenvolvem, mas também às concepções políticas que, através da modificação deste,

as condicionam e as influenciam.

De acordo com Pier Luigi Crosta, o carácter “público” de um espaço não vem

conferido só pelo “uso em comum” que se faz deste, mas também “define-se público um

espaço onde experiências diferentes de uso e apropriação aprendem, através da interacção

social, a lidar e conviver com a diversidade” (Crosta 2010:6). O espaço público, então,

apresenta-se como o cenário físico onde se desenvolvem as interacções e as práticas

sociais (Giddens 1990). Considerar “público” um espaço que é definido pela interacção

social, remete para um paradigma que tomarei em consideração enquanto me proponho

analisar o carácter finalístico das estratégias de intervenção no contexto urbano. Este

paradigma remete para a consideração de que “o espaço é o uso que se faz deste”

(Preteceille 1974; Calabi e Indovina 1973)16

.

Esta concepção permite partir de uma orientação prática que considera o espaço em

função das transformações que agem sobre ele. O espaço deixa de ser considerado

somente pela sua condição físico-geografica, para passar a ser considerado como uma

construção, um produto social (Lefebvre 1974), sendo definido pelo conjunto de regras

(socialmente definidas), que orientam, finalizam, dão sentido e governam as relações de

uso e as interacções sociais que aí se desenvolvem. Parafraseando um termo cunhado por

Michel Foucault (1994), o espaço é um “dispositivo social”. Tal “dispositivo”, pode ser

codificado através da análise da sua organização e dos significados que este quer

comunicar (Rappoport 1980). A este propósito Edward Soja (1989) afirma que a

“produção social do espaço” e a sua organização, são produtos de práticas que mudam, se

reproduzem e vêm continuamente significadas, em relação com os contextos históricos e

sociais onde são produzidas. Isto implicaria que as figuras históricas que gerem a

sociedade, dirigindo as acções sobre o espaço, promovam também diferentes valores e

manipulem a sua construção socio-espacial (Low 2000).

No entanto, seria redutor considerar o espaço público como simples resultado de

práticas induzidas e construídas hierarquicamente. Assim como afirmou Michel de

Certau (1980) que os indivíduos ao agir nos espaços públicos desenvolvem práticas

criativas que lhe permitem formas de re-apropriação do espaço, fora daquelas que são os

constructos sociais, também o espaço público não pode ser considerado como mero

receptor das ideologias políticas e urbanas que agem sobre isso (Menezes 2004). De

16

Este paradigma foi cunhado nos anos setenta a partir de algumas análises sociológicas sobre as maneiras com as quais

as instituições entendiam utilizar (no sentido mais comum de explorar), um território e o significados que estas lhe

queriam conferir nas suas especificidades sociais, económicas e culturais. A variante mais fundamental deste enfoque

de análise foi aquela chamada do “uso capitalístico do território”.

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qualquer forma, uma análise de um processo de reforma sócio – urbanística qualquer, tem

que considerar, pelo menos em parte, um enfoque de tipo funcionalista, enquanto se

propõe descodificar ideias, concepções, fins e significados de uma acção política

implementada sobre o espaço publico. Se considerará então a intervenção urbanistica

sobre o espaço público a partir da atribuição de imagens e significados que se definem

sobre este, e através das formas de utilização e apropriação que neste se querem difundir

na construção de uma ideia de bairro re-qualificado.

A este respeito, um aspecto central, que também se apresentará na reforma socio-

urbanística por mim analisada, é o tema da “acessibilidade”. Paulo Peixoto, voltando à

definição de requalificação urbana, afirma que o fim último deste modelo de intervenção

é “introduzir novas qualidades urbanas de acessibilidades a um dado território” (Peixoto

2009:42). A acessibilidade representa, nos estudos urbanísticos, um factor essencial para

a qualidade ambiental urbana. Esta é entendida como a possibilidade de se atingir um

lugar, estando relacionada com a disponibilidade de infra-estrutura, de sistema de

transporte e de recursos para cobrir tempos e distâncias (Crosta 2010). Nos estudos

sociológicos sobre a cidade, este termo alarga o próprio significado, pois é considerado

como o complexo de possibilidades que os indivíduos e os grupos sociais possuem na

negociação e na apropriação dos espaços fundamentais para as suas vidas quotidianas, de

modo a cumprir as práticas e manter as relações que eles consideram significativas para a

própria vida social (Borlini B. & Memo F. 2009). Neste ámbito, o conceito de

“acessibilidade” mais uma vez remete para as relações que se determinam no espaço

entre as acções de planejamento e regulação do território e as práticas de re-apropriação

do espaço que os grupos sociais desenvolvem no contexto local.

3.2 A intervenção sobre o contexto social

Na análise dos modelos de intervenção no espaço urbano, (e em particular pelo que

se refere às intervenções sobre o bairro), não se pode ignorar o aspecto que estes

implicam nas mudança dos contextos sócio - económicos onde actuam. De acordo com

Nuno Portas estas formas de intervenção na cidade passam a considerar, além dos

contextos físico-espaciais, também os contextos económicos e sociais, intervindo na

trama de relações sociais e de actividades que aquelas estruturas físicas suportam e

reflectem (Portas 2003). A intervenção urbanística contempla então uma intervenção

desde o ponto de vista socioeconómico.

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Na acção de intervenção de revitalização urbana por exemplo, nota-se como esta

contempla a reforma do território através da revitalização das actividades comerciais e

dos serviços tradicionais, tendo em consideração a presença de uma população residente,

mas definindo ao mesmo tempo um diferente acesso aos recursos para tornar o lugar mais

atractivo para novos estratos da população, sejam eles visitantes, ou novos residentes

vindos de fora (Peixoto 2009). Revitalizar, significa, na prática dinamizar as actividades

económicas de uma parte da cidade, para dinamizar o afluxo de novas classes sociais

dentro deste.

Numa perspectiva estritamente sociológica, este tipo de intervenção urbana

desenvolve um papel fundamental nos fenómenos de conversão ou mudança dos

contextos sociais onde agem (Frùgoli 2007). Isto a partir de uma série de factores

contingentes. Em primeiro lugar a atracção de novos visitantes vem muitas vezes

perseguida através do desenvolvimento de uma actividade turística ex novo, ou diferente

respeito àquela anterior, induzindo a uma reconversão da economia local no sector

terciário (Ley 1996). Isto comporta de alguma maneira uma desnaturalização do tecido

económico da zona, que ao contrario, perderia o seu carácter originário em favor de uma

condição de “mercantilização do seu territorio” (Borlini & Memo 2008). Contudo, as

novas possibilidades económicas disponibilizadas pela zona em questão, chamariam ao

estabelecimento de novos estratos socioeconómicos da população implicando uma

mudança demográfica, e uma profunda diversificação do tecido social local (Galster,

Cutsinger & Lim 2007).

Nos estudos da antropologia urbana esta temática reflecte-se na análise das

problemáticas relativas à expulsão de alguns estratos da população mais

socioeconomicamente “debeis” e discriminados das zonas centrais e históricas da cidade

(Rubino 2009). Este fenómeno foi tratado sob o nome de gentrification17

.

Embora a alternância de população numa zona de cidade tivesse sido há um tempo

considerada como “factor ecológico” (Park, Burgess & McKenzie 1925) e, mais

recentemente, as mudanças sócio - urbanísticas como dinâmicas contextuais de um

sistema económico (Smith 2002), parece evidente, olhando para as políticas actuais de

17

Este termo, cunhado pela primeira vez por Ruth Glass no 1964, se refere a um processo de transformação gradual,

principalmente em em contexto urbano, de uma zona popular numa zona com um mais alto nível de capital

socioeconómico e cultural. Este fenómeno de enobrecimento urbano porta frequentemente à descaracterização

sociocultural do bairro e ao desaparecimento do antigo tecido populacional.

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algumas cidades europeias, que em alguns casos, alguns processos de intervenção

seguem exactamente planos de acção precisos e definidos. Em particular nos contextos de

imigração e “delinquência” nas zonas centrais de algumas cidades, parecem actuar

modelos de desenvolvimento e “revitalização” que seguem estratégias e padrões bem

codificados. Poderá ser este o caso da obra de “revitalização” do bairro Ravál de

Barcelona (Horta 2010), ou daquele da Goute d’Or em Paris (Palumbo in De Biase &

Rossi 2006). Que tipo de cenários estes processos gerarão, só o tempo e as dinâmicas

socio - espaciais os poderão revelar, mas o que se apresenta claro é que através de

algumas dinâmicas de inclusão (e exclusão) social, se chega à mudança do contexto

social e urbano do território.

3.3 O discurso do património e da criação de uma identidade

Na análise das estratégias de reforma sócio urbanística, é importante adiantar outro

tipo de consideração que remete para a construção de uma nova imagem do bairro através

da valorização dos caracteres culturais que o identificam para a produção de novos

sentidos identitários. Volta-se em parte, neste assunto, a discutir a relação intrínseca que

subsiste entre a acção sobre o espaço e os significados a esta atribuídos (Bourdin 1984),

mas também à valorização de práticas e aspectos que remetem para supostos valores e

tradições que representam um lugar. De acordo com António Arantes, um bairro define-

se por ser um agregado de marcos territoriais, culturais e históricos. Assim, o papel da

intervenção revela-se um importante factor para compreender a dimensão patrimonial que

o caracteriza (Arantes 2007). Tomando como exemplo a definição de reabilitação

urbana, Paulo Peixoto (2009) afirma que esta reproduz um modelo de intervenção urbana

baseada em obras de diferente natureza orientadas para a conservação da identidade e das

características peculiares do lugar. Configura-se então uma certa analogia entre a

estratégia de reabilitação e a constituição de um património cultural que liga o lugar

(bairro, território) às complexas estruturas de representatividade e identidade

sociocultural relacionadas com um dado contexto social (Vicente 2009).

José Gonçalves (2002) afirma que a intervenção sobre a estrutura urbana, revela

importantes assuntos relativos à representatividade de um lugar, tentando se fundar na

criação de uma memória e uma identidade. A ligação entre a estrutura urbana e a

identidade é retomada por António Arantes quando afirma que “os grupos humanos

atribuem valor diferenciado à estruturas edificadas e elementos da natureza que balizam

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os seus territórios, ancoram – a estes – as suas visões do mundo, materializam crenças ou

testemunham episódios marcantes da memória colectiva” (Arante 2009:11).

Este tipo de conceptualização deriva em parte da mudança do discurso sobre a

patrimonialização, que a partir das últimas décadas do século passado começou a atribuir

ao conceito de património arquitectónico, (antes apenas identificado na esfera da

produção arquitectónica e monumental), uma nova caracterização feita de dimensões

físicas e sociais, simbólicas e culturais, nos contextos de intervenção no urbano (Bourdin

1984, Choay 1992, Arantes 2007, Vicente 2009). Ao mesmo tempo a criação do conceito

de património cultural, ampliou esta visão atribuindo tal significado a todos os bens e os

valores culturais que são expressão da identidade de uma comunidade, tais como a

tradição, os costumes e o conjunto de bens materiais e imateriais que possuem um

particular interesse histórico, artístico, arquitectónico, urbano, mas também a todas e as

manifestações, os produtos e as representações da cultura popular18

.

De acordo com Françoise Choay (Choay 1992) o discurso sobre a

patrimonialização, no fundamental, remete para uma questão de atribuição de valores e

construção de sentidos. Analisar então os processos de reabilitação a acontecer na cidade,

significa analisar os significados que vêm atribuídos por parte das entidades

“reabilitadoras” aos espaços reabilitados mas também ao conjunto de praticas tradicionais

que nesses se propõem desenvolver. A relação entre o património e as formas de

intervenção que o suportam revela-se então como construção social, que reflecte ideias e

concepções dos processos de urbanização a se desenvolver (Peixoto 2009). No entanto os

parâmetros e as estratégias de atribuição de valor patrimonial a determinados edifícios ou

aspectos representativos referidos a um lugar abre a importantes reflexões em quanto “os

diálogos e as lutas em torno do que seja o verdadeiro património são lutas pela guarda de

fronteiras, do que pode ou não receber o nome de património, uma metáfora que sugere

sempre unidade no espaço e continuidade no tempo no que se refere à identidade e

memória de um indivíduo ou de um grupo” (Gonçalves 2002: 121-122).

No entanto Firmino da Costa salienta a existência de uma certa atitude, por parte

das “entidades reabilitadoras” para efectuar “operações de selecção” (Costa 1999) nas

18

Extrapolado do cap.III do Text of the Convention for the Safeguarding of Intangible Cultural Heritage, UNESCO

Convention, Paris 29 de Stermbro – 17 Outubro 2003

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37

acções intervenção sobre lugares e espaços, que podem incorporar significados

representativos e identitários para uma colectividade. As operações de reabilitação do

urbano revelam-se marcadas por preocupações relativas à procura e à construção de uma

certa ideia de autenticidade. A reabilitação urbana passa através de um processo de

“revisitação da preexistência”, sendo como escreve Yanez Casal, que o mesmo prefixo

“re”, remete para uma promessa de reordenação do presente através do reencontro com o

passado (Yanez Casal 1994). Marluci Menezes, afirma a importância que o discurso

sobre o património assume nos contextos urbanos, na construção social de uma

especificidade que advém de determinadas formas culturais e simbólicas utilizadas na

construção de um estatuto de tradição a salvaguardar ou reabilitar (Menezes 2005).

Contudo, do confronto com perspectivas de intervenção urbana que se apoiam no

prefixo “re” para aludir àquilo que é necessário “fazer pelo património”, importa

questionar em que medida nelas se encontra plasmada uma reflexão aturada, e em que

medida informada, sobre as múltiplas implicações que as intenções de reabilitar,

revitalizar, requalificar, ou renovar, podem ter nas dinâmicas socioculturais. O urbano

define-se não apenas pelas especificidades da sua fisionomia arquitectónica e urbana, mas

também pelos modos como determinadas dinâmicas socioculturais se encontram

territorializadas, continuadamente assistindo-se a processos de (re-)produção e (re-)

configuração das mesmas (Arantes 2009). Embora como, afirma José Gonçalves, o

património cultural representa uma estratégia por meio da qual os grupos sociais e os

indivíduos narram a sua memória e sua identidade, buscando para si um lugar público de

reconhecimento (José Gonçalves 2002), é importante questionar que muitas vezes as

representações simbólicas que sustentam as intervenções no espaço urbano não são

propriamente construídas pelos colectivos sociais endógenos do território de intervenção,

mas decorrem de dinâmicas protagonizadas por agentes e processos, muitas vezes,

exógenos.

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38

4. Os planos de intervenção na Mouraria

“The city is malleble and waiting for a brand identity.

Decide who you are, and the city will again assume a fixed form around you.”

(Jonathan Raban)

“Se vai depressa vai sozinho, se vai devagar, vamos todos.”

(Provérbio africano. Morador da Mouraria, 2011)

“Cada cidade, na sua história, sofreu épocas de profundas modificações urbanísticas e

arquitectónicas, de requalificações territoriais, e de reestruturação ou desmantelamento de

amplas áreas edificáveis. Isso pode acontecer para reconstruir uma zona fortemente

danificada da cidade, (por exemplo por causa de um evento natural ou o propagar de um

incêndio), para estender os limites da cidade e ampliar os seus espaços de

aproveitamento, ou mesmo para renovar e requalificar uma zona que até esse momento

foi, segundo a opinião das autoridades e as administrações que a governam naquele

momento, aproveitada em maneira pouco eficaz, ou pelo menos não partilhada”(Borlini

& Memo 2008). No entanto, territórios, zonas, espaços das cidades vivem e

experimentam mudanças que vão bem além da modificação paisagística, e que afectam

os tecidos sociais dos grupos de pessoas que vivem e habitam aqueles espaços.

“Requalificar” ou “reabilitar” um território da cidade, entende-se como um agir sobre

uma determinada zona para mudar as suas qualidades peculiares e substitui-las por outras

capazes de caracterizar um outro grau de juízo sobre esta. Neste processo, a acção de

“requalificação” não distingue entre as qualidades urbanísticas e sociais, (esta pode

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39

acontecer através da inserção de uma nova população num dado território, ou um

programa de requalificação que modifica a função e as finalidades de uso do bairro), mas

muitas vezes se foca numa mudança estrutural tanto do espaço como das pessoas. Se

presenta então como um argumento complexo, pela vasta variedade de elementos e

factores contextuais dos quais se tem que ter em conta.

No contexto da Mouraria contemporânea, a mudança do território dá-se através de

dois planos de obras, que tentam complementar-se na profunda acção de mudança

urbanística e social do bairro. Os dois explicitam uma visão própria do que deve ser a

Mouraria, em relação aos outros bairros e ao resto da cidade, qual a sua função actual e

aquela que deverá assumir no futuro, quais os problemas para resolver e as questões para

levantar, em sume: qual mudança aquele conjunto de casas e cidadãos deve sofrer, e qual

o futuro este território deve acolher.

4.1 Redeveloping the past to build the future: QREN Mouraria19

No começo do outono de 2011, (quando teve inicio esta tese), o bairro da Mouraria

vê-se envolvido num projecto de renovação territorial, com objectivos ambiciosos e

grandes quantidades de dinheiro: o QREN Mouraria. O QREN Mouraria é um programa

de requalificação urbana e social que decorre de um empréstimo da União Europeia. Isto

faz parte do Quadro de Referência Estratégico Nacional mais amplo que constitui o

enquadramento para a aplicação da política comunitária de coesão económica e social

em Portugal, em particular no período 2007-201320

. Os objectivos fundamentais deste

plano, (que bem ilustram a visão da Câmara Municipal de Lisboa - CML), apontam para

produzir uma Requalificação do espaço público e do ambiente urbano (Operação 1)21

,

uma valorização do património histórico e cultural, com destaque para a promoção da

identidade, memória e tradição e para a valorização sociocultural e turística (Operação

4)22

do território. Para conseguir os fins estabelecidos, o plano QREN Mouraria se

baseará num sistema de cooperação entre diferentes entidades parceiras, cada uma das

quais desenvolverá o seu próprio papel na actuação dos objectivos do plano. Como

precisa a CML, o envolvimento conjunto destas entidades possibilita uma

19

Slogan promocional que aparece nos pamphletes ilustrativos do plano Qren Mouraria 20

Dados fornecidos pelo site www.qren.pt, Outubro 2011. 21

Dados fornecidos pelo site www.cm-lisboa.pt, Março 2012. 22

Dados fornecidos pelo site www.cm-lisboa.pt, Março 2012.

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40

operacionalização de acções que, em diversos níveis, garantem a intervenção no

edificado, no espaço público e no ambiente urbano, no sector social, nas actividades

económicas e nos sectores turístico e cultural23

.

Isto apresenta-se como um plano bastante ambicioso, através do qual, além da

necessidade de colaboração da população residente, revelar-se-á também necessário

estabelecer de maneira firme uma série de etapas dentro das quais os problemas e os

desconfortos deverão ser subordinados ao tempo de realização. Obras como esta parecem

quase faraónicas no contexto de Mouraria, onde durante décadas nada, de facto, foi

mexido: como demonstra a escavadora abandonada durante muitos anos no topo das

Escadinhas da Saúde. Nuno Franco, presidente da Associação Renovar a Mouraria parece

ter razão quando interpreta o estado de espírito dos vizinhos, que parecem estar cheios de

vontade para que as obras comecem.

4.1.1 O PA QREN

O Plano de Acção (PA) do QREN Mouraria, aprovado o 11 de Agosto do 2009, tem

um prazo de três anos repartidos em duas partes: um ano para submissão dos dossiers de

candidatura das operações; dois anos para a realização das obras e das actividades. Este

prazo só em parte foi respeitado na sua primeira fase, sendo que as obras começaram só

em Setembro 2011. O Plano de Acção define o modus operandi do QREN Mouraria, a

suas linhas gerais, as perspectivas ideais e o conjunto de acções urbanísticas e materiais

através das quais se constitui o plano. O Plano de Acção estrutura-se em cinco eixos

operativos agrupados em dois eixos estruturantes e três eixos instrumentais.

Os eixos estruturantes do PA QREN Mouraria centram-se sobre aqueles aspectos

pensados como desencadeadores de novas oportunidades de mudança e de

desenvolvimento24

para o bairro. Estes afirmam-se como operações de reorganização do

espaço veicular, em particular pelo que se refere aos aspectos de gestão, manutenção e

optimização das formas de mobilidades e acessibilidades ao território. Juntamente com

isto revela-se central a recuperação de um edifício assinado a pólo de desenvolvimento

económico e social do “bairro”. Os eixos instrumentais, são definidos como agentes

integradores dos valores de identidade, memória e tradição25

e articulam-se através do

equipamento de estruturas destinada a um uso social e da promoção do património

histórico e cultural da zona.

23

Ibidem. 24

Dados fornecidos pelo site www.cm-lisboa.pt, Março 2012 25

Ibidem.

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41

Eixos estruturantes e instrumentais como definida pelo documento oficial do

Plano de Acção QREN Mouraria26

Eixos estruturantes

Operação 1: Requalificação do espaço público e do ambiente urbano

Acção 1.1 Requalificação do Espaço Público

Acção 1.2 Melhoria de Acessibilidade e Mobilidade

Acção 1.3 Sinalética

Acção 1.4 Estrutura de Gestão e Manutenção do Espaço Público

Operação 2: Refuncionalização e reabilitação do Quarteirão dos Lagares para criação do

Centro de Inovação da Mouraria.

Eixos instrumentais

Operação 3: Valoração das Artes e dos Ofícios

Acção 3.1 Extensão das Instalações da Junta de Freguesia de São Cristóvão e São Lourenço

em _________edifício no Largo dos Trigueiros

Acção 3.2 Extensão das Instalações da Junta de Freguesia do Socorro em edifício na Rua da

Guia

Acção 3.3 Residências Universitárias

Acção 3.4 Sítio do Fado na Casa da Severa

Acção 3.5 Acções de Redução de Riscos e de Minimização de Danos de

Toxicodependência

Acção 3.6 Conhecimento e Criatividade

Acção 3.7 Publicação Gastronomia da Mouraria

Operação 4: Valorização Sócio-Cultural e Turística

Acção 4.1 Restauro de Troço da Cerca Fernandina

Acção 4.2 Reabilitação da Igreja de São Lourenço

Acção 4.3 Corredor Intercultural

Acção 4.4 Festival Multicultural Há Mundos na Mouraria

Acção 4.5 Percurso Turístico-Cultural

Acção 4.6 Visitas Guiadas ao Património Histórico e Cultural da Mouraria

Acção 4.7 Publicação História da Mouraria em banda desenhada

Acção 4.8 Edição em CD de música com referência à Mouraria

Acção 4.9 Jornal Bimestral sobre a Mouraria

Operação 5: Plano de Divulgação e Comunicação do Programa de Acção

Tabela 1

26

Ibi.

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42

O PA QREN Mouraria assenta num Protocolo de Parceria Local concebido como

um processo estruturado e formal de cooperação entre as entidades que se propõem

implementá-lo, sendo que cada parceiro tem que desempenhar um contributo concreto e

relevante para a sua execução27

. A comissão de parceiros desempenha um rol

representativo e de responsabilidade sobre a evolução das obras e os objectivos

aprovados pelo projecto do plano. Este grupo operativo convergiu na estrutura do GABIP

(Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária), um aparado que coordena e

organiza os diferentes planos a actuar no território. Quem constitui esta commisão de

parceiros são as entidades institucionais locais, representadas pelas juntas de freguesias

da area, a Câmara Municipal de Lisboa, a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa

(EPUL), uma empresa de turismo de Lisboa, um instituto para a prevenção da saúde e das

toxicodependências e duas associações sem fins lucrativos locais das mais conhecidas no

território.

Grupo de parceiros:

-Associação Casa da Achada - Centro Mário Dionísio (CMD)

-Associação Renovar a Mouraria (ARM)

-Associação de Turismo de Lisboa - Visitors and Convention Bureau (ATL)

-Câmara Municipal de Lisboa (CML) – GABIP

-Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL)

-Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT)

juntas de freguesia:

-Anjos (JFA)

-Graça (JFG)

-Santa Justa (JFSJ)

-São Cristóvão e São Lourenço (JFSCSL)

-Socorro (JFS)

4.1.2 Do papel à rua

O carácter principal da obra do plano é constituído pelas intervenções no espaço

público. As obras são o elemento mais caracteristico do plano QREN Mouraria e

representam o fulcro da acção de renovação urbana que este quer implementar. Aliás, as

obras de intervenção no espaço publico, através do seu factor visual, representam o plano

a actuar no território, e determinam frente à população a prova evidente do efectivo

27

Dados fornecidos pelo site www.cm-lisboa.pt, Março 2012

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43

desenvolvimento deste. Estas são dirigidas através de diferentes aspectos de intervenção e

condicionamento físico, em quatros fases operativas que “empenham”o território desde o

Outono 2011 até o Verão 2012. Ao longo destas quatro fases as obras intervêm sobre um

conjunto de espaços, estruturas, lugares e monumentos que apontam para a mudança do

aspecto fisionómico (em múltiplos aspectos) da zona. As intervenções sobre o espaço

público vão interessar primariamente obras de reabilitação de ruas, largos e praças.

Estão neste momento a reabilitar-se:

Ruas: Rua das Farinhas, Rua Marquês Ponte de Lima, Rua da Guia, Rua do Capelão, Rua

de João

de Outeiro, Rua de Bemformoso

Largos: Largo Adelino Amaro da Costa, o Largo dos Trigueiros, o Largo da Achada, o

Largo da

Rosa, o Largo João de Outeiro, o Largo da Severa, Largo do Intendente.

Praças: Praça Martim Moniz (só numa fase sucessiva)

Outro tipo de reabilitação do espaço público é feito através da restruturação ou mesmo da

edificação de edifícios definidos de interesse patrimonial, seja na sua acepção material

como naquela imaterial. Neste se efectua:

- Reabilitação da igreja de São Lourenço

- Restruturação da Cerca Fernandina

- Renovação da Praça Martim Moniz

- Edificação da Casa da Severa

- Recuperação do Quarteirão dos Lagares

Outros tipos de intervenções são realizados através do estabelecimento e da restruturação

de sítios de importância estratégica na gestão e no apoio social, tal como, equipamentos

sociais, apartamentos e parques de estacionamento28

:

- Equipamento social no Largo do Trigueiros para actividades com jovens e idosos

- Equipamento social na Rua da Guia para actividades com jovens e idosos

- Parque sénior e infantil na Rua do Capelão

28

Este tipo de “divisão conceitual” das obras é concebido pelo autor, enquanto as diferentes intervenções vêm

desenvolvidas por programas diferentes sem uma necessária ordem de continuidade. Todas, entretanto, pertencem ao

conjunto projectual do QREN Mouraria.

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- Reabilitação de diferentes edificíos de habitação para um total de 36 fogos

- Adaptação do Antigo Mercado do Chão do Loureiro para silo automóvel e

supermercado

Poder-se-ia vislumbrar nesta altura como as obras de renovamento urbano, físico e

espacial retomam o sentido estruturante dos objectivos fundamentais expressos pelo

plano: a requalificação do espaço público, a valorização do património histórico-cultural

e uma atenção particular às questões de carácter social. Mas o QREN Mouraria chega

mais à frente no desenvolvimento da sua obra de renovação territorial. Através das suas

entidades parceiras, o plano desenvolve de maneira mais articulada iniciativas e

estratégias para o cumprimento dos objectivos fundamentais. Se as obras incidiram no

espaço físico, este segundo tipo de iniciativas incidem num contexto mais representativo

e simbólico do lugar. A valorização da identidade da memória e da tradição consegue-se

através da produção e publicação de material cultural, (um livro em banda desenhada

sobre a história de Mouraria, um livro sobre a gastronomia tradicional da Mouraria, um

CD de Fado com referência à Mouraria)29

, e a organização de eventos artísticos e

culturais, (iniciativa Leitura Furiosa, sessões regulares dec inema ao ar livre, realização

do festival Há Mundos na Mouraria)30

.

Outro objectivo da fase de planeamento é a questão ligada à promoção turística do

território. Esta tarefa é cumprida através da instituição de um Percurso Turístico-Cultural

que se desdobra longo todo o “sentido geografico” das obras. São depois promovidas

visitas guiadas ao património histórico e cultural da Mouraria e um guia cultural de

edição bimestral. Ao mesmo tempo o plano empenha-se também em tratar através das

suas iniciativas, as sérias questões de carácter social que afligem a toda a zona. Dado o

equipamento de novas estruturas e o apoio das parcerias locais, serão desenvolvidos

programas de prevenção e redução dos fenómenos de risco ligados às toxicodependências

e aos casos de marginalidade social.

29

Estas produções serão realizadas pela Associação Renovar a Mouraria.

30

Estas iniciativas serão realizadas pela Associação Casa da Achada - Centro Mário Dionísio. Para o que

concerne o festival de cultura e música do mundo Há Mundos na Mouraria, a sua realização é obra de uma parceria

entre as várias entidades do plano.

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45

4.1.3 Dentro do plano

As intervenções de tipo urbanístico, dirigidas a alterar de maneira significativa a

paisagem actual do bairro, são, como visto anteriormente, implementadas a partir da

melhoria das condições de acessibilidade e mobilidade no bairro, em função das quais se

operará uma profunda requalificação do espaço público. A este propósito foi definido

como princípio estratégico a criação de “espaços exteriores de qualidade,

multifuncionais, com soluções conceptuais adequadas ao tecido histórico, urbanístico e

patrimonial da Mouraria, atentas às necessidades da população residente (e dos seus

visitantes)”31

. O plano QREN Mouraria então, entende requalificar o espaço público

mais além do que uma simples renovação de infra-estruturas, mas como uma

revitalização do património cidadão e a requalificação da imagem urbana. A este respeito,

junto com as obras, vem-se delinear um Percurso Turístico-Cultural, que envolve os

visitantes na observação das mudanças em acto, e constrói, por isto, pontos de interesse

históricos e arquitectónicos. O conceito de mobilidade e acessibilidade assume então um

sentido mais amplo e completo em relação à simples acepção ligada ao trânsito de

veículos. Se por um lado é evidente que se irão efectuar profundas reformas na gestão e

regulamentação do tráfico, (sinalética, proibições, lugares de estacionamento), por outro

as iniciativas do plano implicam o envolvimento de velhos e a criação de novos lugares

de interesse artísticos, cultural e social. Com isto, a criação de redes espaciais de conexão

entre os diferentes pontos de interesse promovem a afluência de indivíduos em lugares

até agora “fechados” ao aproveitamento turístico. Mobilidade e acessibilidade assumem

no projecto do QREN um significado ligado sobretudo à capacidade das reformas em

criar novas formas de movimentação e apropriação das ruas, dos largos e das praças, seja

para a população residente, seja em particular para os novos agentes externos atraídos

pela zona. Esta visão, como se verá mais adiante, desemboca naquele sentido mais amplo

de abertura que guia e condiciona a obra do plano.

Dentro da recuperação e da edificação de novos lugares desencadeadores de novas

oportunidades de mudança e de desenvolvimento identificam-se numerosos imóveis

públicos e privados e a criação de importantes centros de inovação para o

desenvolvimento social e cultural do bairro. Serão estabelecidos dois equipamentos

sociais para actividades com jovens e idosos e um parque sénior e infantil; serão

instituidos um sítio temático sobre o Fado na antiga Casa da Severa, e um edifício

multifuncional que servirá como Centro da Inovação da Mouraria, no antigo Quarteirão

31

Dados fornecidos pelo site www.aimouraria.cm-lisboa.pt, Outubro 2011.

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dos Lagares; se operarão obras de revitalização da Praça Martim Moniz e do Largo do

Intendente. As obras que o plano QREN Mouraria quer estabelecer não se limitam ao

renovamento urbano, mas têm a ver mais com a ideia de construção de uma nova imagem

do bairro: quebrando a estigmatização e dando-lhe um novo papel caracterizador nas suas

relações com os cidadãos e com a cidade. A este respeito revela-se a atitude do plano de

agir sobre os temas caros à tradição do bairro, e os que mais o caracterizam ou o

mistificam. Nota-se então a atenção sobre o discurso do Fado e os seus lugares de

representação, sobre o passado mourisco e a sua herança arquitectónica, sobre o

fenómeno da imigração e da convivência intercultural. Assim, nas linhas gerais do

Programa de Acção, identificam-se lugares e actividades que compõem a “estrutura

identitária do bairro”32

.

Os financiamentos do QREN serão também usados para a promoção de visitas

guiadas ao património histórico e cultural da Mouraria, dentro do qual se destaca um

“Corredor Intercultural” localizado entre a rua dos Cavaleiros e a rua do Bemformoso.

Concentram-se aqui pequenos comércios ligados à gastronomia e aos hábitos culturais de

comunidades de matriz cultural e religiosa não portuguesa33

. Serão financiadas, também,

as publicações de um livro em banda desenhada sobre a “história da Mouraria” e sobre a

“gastronomia tradicional da Mouraria”; a promoção de um concurso de Fado (e a relativa

edição de um CD), e a realização de um festival “multicultural” que vai ser intitulado

“Há Mundos em Mouraria!”. Parece então manifestar-se através da requalificação do

espaço público, (e consequente requalificação da imagem urbana), a vontade de atribuir

ao bairro novos impulsos identitários, bem definidos e facilmente reconhecíveis. Esta

vontade opera em dois níveis separados mas complementares. Por um lado, através da

construção de lugares que representem e renovem estes “impulsos”, tornando-os

acessíveis aos residentes através da acção quotidiana no território. Por outro, através da

criação de linhas temáticas facilmente reconhecíveis por um público visitante, que possa

assim aceder ao bairro através dos aspectos pelos quais este se caracteriza.

O orçamento do QREN para estas obras é de cerca de sete milhões de euros e o tempo

estimado para as realizar não mais de doze meses, (do começo das obras). A isto se

juntam no mesmo prazo, as intervenções urbanas promovidas pela Câmara Municipal de

Lisboa. As obras municipais integram-se neste cenário de “revolução urbana”,

promovendo a reabilitação de oito edifícios de habitação (para um total de trinta e seis

32

Ibidem.. 33

Ibi.

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47

fogos)34

e a adaptação na zona de São Cristóvão, do Antigo Mercado do Chão do

Loureiro para um silo automóvel com supermercado e restaurante de luxo. A Câmara

Municipal em particular tomou como foco da obra reabilitadora o Largo do Intendente,

uma zona que só há pouco tempo, estava “fechada” ao aproveitamento da maior parte da

população da cidade. Depois de um longo período caracterizado pela prostituição, pelo

tráfico e o consumo de droga, o Largo é aberto repentinamente à vista da cidade, à

apropriação dos seus lugares e à promoção de numerosas iniciativas de desenvolvimento

social. Uma entre outras é a designação de um edifício que hospedará ateliers e

apartamentos para artistas vocacionados a trabalhar sobre o bairro. O projecto

denominado LARGO propõe-se como uma ferramenta de produção artística e social no

novo contexto do bairro. Mas o Largo do Intendente vai se revelar também como núcleo

de um novo centro para estudantes (com a abertura de residências para Erasmus) e lugar

de importantes edifícios institucionais. Foi decisão do presidente da Câmara Municipal

de Lisboa, António Costa, estabelecer o seu Gabinete nesta praça para conferir maior

visibilidade ao papel das instituições, e talvez, como ele explica, “para gerar a confiança

necessária para a população e para o desenvolvimento de outras iniciativas que tragam

uma contribuição à revitalização social do bairro”35

. Sempre por decisão da Câmara

Municipal, será estabelecido nesta praça, cenário da mais baixa marginalização social, o

gabinete do Alto Comissariado para a Imigração e o Dialogo Intercultural das Nações

Unidas.

4.2 Desde o “urbano” ao “social”: Plano de Desenvolvimento Comunitário da

Mouraria

Na teia emaranhada dos processos de recuperação urbanística e social do bairro,

avançou timidamente um projecto de potencial relevância que volta assuas atenções para

a nomeada questão social e procura recrear um consenso alargado e partilhado nas

relações com os moradores. Tal projecto pretende complementar as mudanças do

território com algumas reformas de carácter social que irão ser aplicadas dentro do

contexto “comunitario” que vê mudar as suas antigas referências e suas dinâmicas

quotidianas. Na transformação de um bairro, não se pode apenas mudar suas ruas, mas é

necessário a preocupação com, e a dedicação às problemáticas da vida das pessoas

envolvidas nisso. Assim, a ideia que prevaleceu no projecto parte do princípio de que a

34

Dados fornecidos pelo pamphlete de presentação das obras, A Mouraria vai mudar para melhor. 35

Extraído do comunicado do presidente da Câmara Municipal de Lisboa António Costa, no pamphlete de

presentação das obras, A Mouraria vai mudar para melhor.

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liberdade e a cidadania plena só se atingem com o desenvolvimento integral dos

indivíduos e das comunidades e que o desenvolvimento político, económico, social e

cultural tem no combate à exclusão social e na promoção da qualidade de vida uma

prioridade36

. Nasce assim ideia de desenvolver um plano que assista e reforce as obras de

reabilitação urbana com projectos e respostas que se foquem na melhoria de vida dos

moradores e tentem acabar com alguns problemas de estigmatização social do bairro.

Além disso, a sugestão deste novo projecto parece acolher os numerosos protestos que

criticaram o QREN Mouraria, querendo estabelecer uma estrutura acêntrica,

desverticalizada, e que actue conforme às “decisões comunitárias”. Na discussão pública

do assunto, (e como afirma também o relatório final PDCM), o bairro da Mouraria é

considerado cheio de questões sociais37

e pessoas necessitadas38

. Portanto, este plano

aponta para a criação de uma rede de parceiros “endógenos” do território que ajudem a

identificar os problemas e as questões mais urgentes do bairro, e colaborem na

implementação de projectos e iniciativas que sirvam à resolução destes. É assim que

nasce o Plano de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM).

Este segundo plano como se entenderá pelo texto, nascerá e desenvolver-se-á ao

longo de mais do que um ano depois da aprovação do Plano de Acção QREN Mouraria.

Isto determina o facto de que ainda hoje o Plano de Desenvolvimento Comunitário da

Mouraria não tenha um plano de acção próprio, mas tão só um relatório final onde são

indicadas algumas iniciativas e os objectivos finais. Entretanto, o percurso de

constituição, planeamento e avaliação deste plano coincidiu por inteiro com a altura do

meu trabalho de campo. Serão então aqui descritas detalhadamente as fases de formação

deste plano a partir da minha experiência de campo.

4.2.1 O Plano de Desenvolvimento Comunitario da Mouraria

O Plano de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM) tem uma

paternidade definida e uma série de parceiros que o representam e se encargam dele.

Como declara Nuno Franco, O Plano de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria é

36

Relatório final PDCM pag. 3 37

Embora cheia de potencialidades e recursos endógenos, a Mouraria é historicamente um território composto

por vulnerabilidades sociais, designadamente grupos em risco ou em situação de pobreza ou exclusão social, baixos

índices de qualidade de vida, algumas inseguranças, e níveis de “guetização territorial” acima do comum desejável

Brano extraído do Relatório Final PDCM pag. 5 38

“Especificamente, alguns dos desafios actuais tem a ver com um elevado número de pessoas em situação de

prostituição, toxicodependências e sem-abrigo, com a consequência de uma população envelhecida, com a forte

presença de comunidades imigrantes (e itinerantes), com o trafico de droga, com um certo fechamento face ao exterior

e com alguma degradação urbana e de espaço público” Ibi.

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49

uma encomenda do Doutor António Costa39

. O projecto nasce por volta de Setembro de

2010, quando já estavam alocados os fundos do QREN Mouraria e no horizonte se viam

as obras começar. Foi naquela altura que o presidente da Câmara Municipal contactou o

então Director Municipal do Gabinete de Acção Social, João Menezes. A indicação era a

de sondar o território da Mouraria a partir das suas instituições representativas, na

tentativa de constituir um grupo de parceiros interessados num programa sustentado de

reforma social no bairro. O plano, nas suas primeiras fases, teria consertado as entidades,

(associações de base local e externas, juntas de freguesias e paróquias), e aprofundado

um “levantamento dos objectivos, das metodologias e dos âmbitos dos projectos” que

actuavam na Mouraria. Afirma a história que, ouvidas as águas a mexer-se, o Nuno

Franco, presidente da Associação Renovar a Mouraria, pessoa estimada, conhecido e

conhecedor do bairro, começou a mobilizar umas quantas associações que operavam no

terreno, ao mesmo tempo que João Menezes40

procurava informações.

Eu, que ando no terreno todos os dias, tinha vindo conhecer ao longo destes três anos

muitos grupos da sociedade civil, e de algumas associações aqui do bairro.. Comecei a

perceber que por exemplo os Médicos do Mundo não conheciam as pessoas do ACIDI

[Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural ndr], as pessoas da Santa

Casa [da Misericórdia ndr] não conheciam o Contacto Cultural, o Contacto Cultural não

conhecia as Irmãs Oblatas.. Havia uma seria de movimentos que trabalhavam todos no

mesmo território, (e quando estamos a falar de território estamos a falar de um espaço

que vai desde o Intendente até a zona de São Cristóvão), mas não se conheciam entre si.

(Nuno Franco) 41

Foi assim que, com a intenção de se informar e conectar em rede os agentes locais do

bairro, a Associação Renovar a Mouraria, por obra do seu presidente, convocou no dia 7

de Novembro de 2010, uma reunião introdutória para dar a possibilidade às diferentes

componentes associativas de se apresentarem e se conhecer. Foi uma daquelas

coincidências da vida que fez com que a equipa presidida por João Menezes chegasse a

saber que nesse dia do 7 de Novembro, se teriam reunido por sua conta as associações da

Mouraria. Através de um dos funcionários da Câmara Municipal foi então contactado

Nuno Franco e foi-lhe perguntado se não havia inconveniente na participação de uma

figura institucional a tal assembleia. Como contou ainda o mesmo Nuno Franco:

39

Dados extraídos dà entrevista a Nuno Franco. 14 Novembro 2011 40

João Menezes é o actual presidente do GABIP (Gabinete Apoio Bairro Intervenção Prioritária), na altura dos

acontecimentos era presidente do Gabinete de Acção Social da Câmara Municipal como revelado também na entrevista

com Nuno Franco. 41

Citação retomada dà entrevista a Nuno Franco. 14 Novembro 2011

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50

Eu marquei uma reunião com todos os elementos que conheci ao longo destes anos para

uma determinada data: e a primeira data acontece o dia 7 de Novembro de 2010. Uns

dias antes da reunião, o Doutor João Menezes, sempre por intermédio de uma equipa

com a qual ele já trabalhava há algum tempo, (que era a equipa que tratava do QREN

Mouraria), que era a Sra. Teresa Duarte (...), souberam que havia esta reunião com toda

esta gente, comentaram com o Doutor João Menezes, deram-lhe o meu número, e o

Doutor João Menezes tornou para mim a perguntar se não havia inconveniente em que

ele, que era Director Municipal da Acção Social, viesse à reunião. Evidentemente eu

disse que não havia inconveniente nenhum! Pelo contrario, até achava muito bem! O que

acontece aqui é curioso, e é que nem eu conhecia ao Doutor João Menezes, nem o

Doutor João Menezes me conhecia a mim! E então eu, ao fim e ao cabo, andava a

preparar o terreno que ele também queria preparar! Então houve aqui uma união de

esforços. (Nuno Franco)42

João Menezes, na qualidade de Director Municipal do Gabinete de Acção Social,

participou naquela reunião que ficou como a primeira sessão oficial do Plano de

Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM). Naquela ocasião, o então Director

da Acção Social, apresentou aos participantes as ideias constitutivas do projecto do

presidente da Câmara Municipal. Num primeiro tempo o projecto não tinha nome e as

sessões centravam-se no levantamento de informações que podiam ajudar a delinear os

objectivos.43 Sem forma e sem conteúdo, a ideia de base que isto queria expressar era

complementar o QREN Mouraria com um plano que se ocupasse das questões (definidas)

sociais que afectavam o bairro. No entanto, tratava-se de criar um projecto capaz de

intervir nos “problemas do bairro”, curar as “fraquezas”, e assistir desde o “ponto de vista

social”, o programa de renovação urbanística que teria acontecido em seguida. Difícil

saber se sem a existência do QREN Mouraria, teria existido um “plano de

desenvolvimento comunitário”: provavelmente não; mas há muito tempo se somavam nos

escritórios municipais os pedidos de assistência das associações que operam no bairro, e

teria sido difícil ignorar as questões sociais no momento em que toda a opinião pública

estava olhar para a Mouraria e para o seu enorme programa de requalificação.

42

Ibi. 43

A denominação de Plano de Desenvolvimento Comunitário é fruto da consertação entre os parceiros. Estes

identificaram no adjectivo comunitário uma qualifica central da entidade desse plano. No entanto, nos primeiros

tempos, o plano carecia de um acrónimo definitivo e as documentações as vezes vinham assinadas baixo do título de

Plano de Desenvolvimento Social. Será Cristina Silva, funcionária do GABIP, a explicar o feito e a motivação da

existência de numerosos documentos assinados com um título diferente daquilo original. Retomando as suas palavras:

se optou para a denominação de “Comunitário” porque era comum, entre os parceiros, a ideia que um plano de

desenvolvimento da Mouraria devesse abranger mais genericamente todas as temáticas e as questões da vida da

população que mora na Mouraria; as quais iam muito além do simples aspecto social. Além disso a característica

distintiva do plano é que tudo que esteja feito, seja em parceria com a comunidade. (Cristina Silva, 7 Dezembro 2011).

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51

Durante a escrita desta tese, passou mais ou menos um ano e um mês daquele

primeiro apontamento colectivo. Desde então contam-se mais oito reuniões plenárias44

,

uma reunião com o presidente da Câmara Municipal45

, um jantar de grupo46

e mais três

reuniões extraordinárias abertas ao confronto com os moradores47

, além de umas quantas

supervisões efectuadas no bairro à procura de lugares e espaços idóneos para o projecto.

Hoje em dia o PDCM é uma entidade real dentro do contexto de renovação do bairro e

nas acções da política municipal. Este tem estratégias precisas e modelos de intervenção,

um grupo definido de parceiros e uma série de projectos para actuar, um financiamento e

uma data para acabar. Se tudo acabar bem, este projecto terá também alguns

beneficiados. Por enquanto, ainda antes de ter redigido o seu Plano de Acção, a vida deste

plano no seu primeiro ano de idade pode dividir-se em três fases organizativas e

preparativas à sua futura implementação. Os primeiros meses ocuparam uma fase

diagnóstica do projecto, onde se procedeu a um levantamento das instituições e

associações envolvidas na Mouraria: uma espécie de mapping dos agentes sociais e dos

objectivos e das metodologias com que estes actuam na tentativa da identificação de um

plano de trabalho comum e partilhado. Isto significou juntar entidades e concepções

diferentes e avaliar um nível de concordância interna48

sobre diversos temas. Uma

segunda fase, no entanto, dedicou-se à implementação de um diagnóstico social do bairro

que delineou as vulnerabilidades e os problemas do território e analisou os diferentes

projectos a ser envolvidos neste. Esta fase foi protagonizada por uma prática muito

aproveitada no contexto das políticas sociais, que consiste na reutilização de padrões e

modelos de intervenção já implementados em outros contextos. A última parte deste

planejamento operativo, foi dedicada à definição das principais forças e fraquezas do

contexto social, à identificação dos principais eixos de intervenção e públicos alvos e

finalmente à organização das estratégias, dos objectivos e da equipa de trabalho. Esta foi

paradoxalmente a fase mais rápida e ao mesmo tempo mais densa de todo o

planejamento, mas como se perceberá mais afrente esta condição foi devida ao longo

44

7 Novembro 2010 - Associação Irmãs Oblatas

17 Novembro 2010 - Casa do Minho

2 Decembro 2010 - C.E.M.

6 Janeiro 2011 - Associação Con Tacto Cultural

14 Março 2011 - Associação Renovar a Mouraria

5 Abril 2011 - Grupo das Irmãs Adoradoras

11 Abril 2011 - Junta de Freguesia dos Anjos

19 Abril 2011 - Junta de Freguesia dos Anjos 45

Em data 12 Abril 2011 46

Em data 14 Janeiro 2011 47

Outubro 2011 – Casa da Achada

17 Novembre 2011 – Centro Desportivo da Mouraria

21 Novembro 2011 – Grupo Gente Nova 48

Relatório final PDCM pag. 7

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52

procedimento de “aproximação ao território”. Ir-se-á agora descrever fase por fase as

etapas que caracterizaram o primeiro ano do plano.

4.2.2 Fase I: O grupo e os seus valores

Desde que começaram as reuniões plenárias no Outono de 2010, as entidades

envolvidas no plano de desenvolvimento começaram a desenvolver um trabalho de

conexão e partilha dos conhecimentos e das competências que cada uma daquelas tinha

relativamente ao bairro. Tentou-se o mais possível cruzar as sabedorias e confrontar os

métodos com os quais se abordavam diferentemente as questões daquele conjunto

territorial. Associações e colectividades eram procuradas e convidadas na tentativa de não

deixar a descoberto nenhum assunto relativo ao contexto social do bairro. A primeira

parte da vida deste plano resumiu-se evidentemente numa trabalhosa colagem de pessoas

e ideias. E de qualquer maneira, pessoas e ideias ainda continuam a reunir-se

esclarecendo ou talvez complexificando o cenário projectual que se tenta dar ao plano.

Para falar verdade, todo o procedimento de convocação e coordenação entre as várias

associações e instituições do bairro apareceu como a resolução de um puzzle complicado,

onde sempre parecem avançar pedaços mas ao mesmo tempo sempre aparecem outros

pedaços para encaixar.

Lista dos parceiros do PDCM49

Tabela 2

49

A lista está actualizada ao Janeiro 2012. Entretanto outros grupos e associações se juntaram a esta comissão.

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53

Foi tão importante conectar os grupos, quanto necessário começar a delinear

algumas linhas gerais que baseassem as acções e as intenções dos grupos dentro do plano,

e do plano dentro do bairro. Desde o primeiro momento o PDCM quis-se manifestar

como um plano dirigido horizontalmente, onde as decisões e as problemáticas fossem

discutidas e resolvidas de maneira colectiva. Está claro que as decisões precisam de ser

tomadas, da mesma maneira que é necessário definir umas linhas de actuação, por tanto é

inevitável que se chegue a escolhas onde prevaleça uma maioria respeito a uma minoria.

Mas parece evidente que a prerrogativa do plano foi sempre a de estimular um diálogo

plural onde saissem as opiniões mais diferentes. Aliás, aparte de uns casos que veremos

mais à frente, as pessoas que trabalham no território têm bem presente o que valoriza e o

que danifica o bairro. Assim, na maioria das vezes, (em relação às decisões tomadas com

as associações e os grupos de voluntariado), os assuntos tratados tiveram sempre um

consenso plenário. Foi assim que de maneira “espontânea” surgiu uma análise geral de

crenças partilhadas e comum aos indivíduos e aos grupos que constituíam aquelas

reuniões iniciais. Esta primeira prova de “colaboração projectual” apresenta uma atitude

muito clara com a qual os grupos se queriam envolver no plano, e como, por sua vez, este

último devia aparecer na forma e nos conteúdos. Importa explicitar aqui o conjunto de

visões e concepções que as entidades detêm sobre o bairro e o foco de análise que estas

entendem actuar.

A análise geral de crenças elaborada pelos parceiros desenvolve-se nestes dez

pontos50

:

-A autonomia e a liberdade (de escolha) das pessoas e das comunidades;

-Assumir uma perspectiva safety e não security na promoção da segurança na Mouraria

(i.e. adoptar uma estratégia de promoção da segurança assente no uso colectivo do espaço

público, descentralizada e assente nos cidadãos, e não em forças de seguranças e na

repressão);

-Promover o acesso a equipamentos e reconhecer as actuais respostas no terreno e não

tanto promover a proliferação de novas respostas (redundantes);

-A participação / processo de desenvolvimento “de-baixo-para-cima”;

-A adopção de modelos de intervenção holísticos, integrados, globais;

-As parcerias e a optimização dos recursos disponíveis;

-A possibilidade de uso do espaço público de forma acessível e criativa;

-A especificidade/adaptação das respostas face aos diferentes problemas e públicos-alvo e

a sua eficácia no combate à exclusão social e à pobreza;

-A diversidade;

-A inovação e o empreendedorismo social nas respostas aos desafios sociais.

50

Dados fornecidos pelo Relatório final PDCM pag. 13

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54

4.2.3 Fase II: a avaliação do territorio

Estabelecido o conjunto de valores ontológicos a alcançar, o plano entrou na sua

segunda fase. Tratava-se de redigir um diagnóstico social da Mouraria onde identificar

as principais vulnerabilidades e os problemas do bairro a necessitar de respostas. A isto

juntava-se um trabalho da identificação dos projectos e dos recursos no terreno onde se

enumeraram os projectos e as iniciativas já existentes no território com os recursos

humanos, materiais e financeiros que estes envolviam. Era de facto a única maneira para

perceber quantos e quais recursos-se podiam partilhar dentro do programa comum e quais

faziam falta e precisavam de um aprofundamento.

Na tentativa de um diagnóstico social do terreno, tentou-se de ter acesso à

multiplicidade de informações e dados elaborados sobre este, tentando criar um quadro

coerente e suficientemente representativo. Esta não foi tarefa fácil sobretudo porque a

zona da qual se está a falar representa uma porção de cidade espalhada no território de

cinco autarquias diferentes, cada qual com uma sua condição e um seu representante.

Então, só para atingir aos dados públicos e institucionais (que deveriam estar certos e

confiáveis), revelou-se oportuna uma verificação e uma avaliação do material obtido.

Como explícita também o Relatório final PDCM: realizar um diagnóstico social com

base na informação disponível não é tarefa fácil - dada a escassez, a falta de qualidade e

as contradições a nível de informação existente, e dado o carácter

dinâmico/diverso/complexo das realidades sociais51

. Embora fossem muitas e

provenientes por vários meios, as informações raramente encaixavam uma com outra,

deixando enormes buracos de compreensão, e também nos casos onde estas excedessem,

muitas vezes acabavam para se desacreditar uma à outra. Começou-se em primeiro lugar

a recensear a população do bairro e o número de habitantes que beneficiavam de

prestações sociais.

51

Relatório final PDCM pag. 27

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55

Tabela relativa à percentual de prestações sociais proporcionadas ao território em

questão52

Tabela 3

Como já se tem referido, metade do território da Mouraria (também alargando os

seus limites ao extremo), fica sob à administração da Junta de Freguesia do Socorro. Isto

significa que se podem considerar totalmente os dados pertencentes àquela freguesia. O

mesmo não se pode fazer para as outras freguesias, em particular para aquela muito

povoada dos Anjos. A Freguesia dos Anjos declara quinze mil habitantes, mas só a

esquina de Rua de Bemformoso e o Largo de Intendente fazem parte da zona sujeita às

obras de reforma. Esta é uma zona muito pequena que nem sequer chega a mil

moradores, mas os dados da Freguesia de Anjos foram recolhidos enquanto entre os

parceiros do PDCM, aparecem uns grupos com sede no Mercado do Forno do Tijolo, (já

sede da Junta de Freguesia dos Anjos), que trabalham no território com um público muito

mais vasto daquele que compõe só a Mouraria. E' imaginável, de qualquer maneira, que

sendo uma tabela sobre o uso das prestações sociais, a percentajem mais alta de

indivíduos que usufruem destas, seja provavelmente constutuido por indivíduos que

moram na zona considerada pelo plano, ou pelo menos nas zonas limítrofes (o mesmo

vale no caso da freguesia de Santa Justa). No entanto, isto faz perceber duas questões: por

um lado como estes dados não representam uma situação real, (se se pensa que também

52

Dados fornecidos pelo Ministerio do trabalho e da Solidariedade Social.

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56

não aparece Graça)53

, mas só um quadro hipotético e representativo. Por outro, que o

PDCM, da mesma forma que o QREN Mouraria, concebe o território e os recursos a ele

acessíveis, de maneira alargada e dinâmica, abrindo ao envolvimento de associações até

agora externas às dinâmicas territòriais.

Esta análise colectiva baseada nas informações dos parceiros trouxe-nos um outro

dado muito interessante mas novamente incerto. A Tabela 4 exemplifica o quadro das

problemáticas sociais incorporado pelas pessoas que vivem e frequentam o bairro.

Segundo os dados fornecidos54

, na zona de interesse do PDCM resultaram 222

toxicodependentes (entre residentes e frequentadores do bairro), 34 sem abrigos (entre

homens e mulher numa faixa de idade inclusiva desde os 24-74 anos) e um total de 111

mulheres a exercer a prostituição que sobem a 200, se se contam aquelas que exercem na

zona compreendida entre Martim Moniz e a Praça de Figueira. A completar o quadro são

os dados relativos à outras problemáticas sociais consideradas, como a imigração, o

envelhecimento, a sobrelotação habitacional, o insucesso escolar e a ausência de espaços

colectivos.

53

A tabela apresentada chama a atenção num factor determinante: aparecem só quatros Juntas de Freguesia sobre

cinco. Revela-se logo como não apareçam na tabela os dados referidos à Junta de Freguesia de Graça. A ausência da

Junta de Freguesia de Graça nas fases estratégicas do PDCM é devida a uma questão que poderia ser considerada

marginal e um bocado “castiça”, mas leva dentro precisas razões políticas. Graça através da representação da sua junta

não quis presenciar às reuniões do PDCM. Esta decisão é devida (como explica numa entrevista Cristina Silva do

GABIP, Câmara Municipal de Lisboa), às posições políticas contrastantes que dividem o Presidente da Junta e o

Presidente da Câmara Municipal e a uma sorte de vingança pessoal que o primeiro perpetua contra o plano. De facto a

Junta de Freguesia de Graça faz parte dos parceiros do projecto QREN Mouraria. Agora, (sempre segundo as

infirmações obtidas por Cristina Silva), parece que enquanto o QREN Mouraria não actua nenhum tipo de investimento

dentro do território da freguesia, o Presidente da Junta decidiu-se a não participar às reuniões do novo plano. Com ele

nenhum, (até agora), funcionário ou perito da freguesia apareceu em algum apontamento do PDCM.

54

Relatório final PDCM pag. 27

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57

Tabela 4

Um momento importante da segunda fase foi quando se traçou um “mapa” dos

projectos e das actividades já existentes no território. Cada parceiro apresentou a sua

função no território, a sua área de actuação, os projectos a implementar e os recursos dos

quais possuía e dispunha a partilhar. Apareceu assim em cenário denso de objectivos e

conteúdos que disponibilizavam capacidade e experiência para as linhas estratégicas do

plano. A partir deste criou-se uma trama de pessoas e materiais, recursos e

conhecimentos, que concretizavam as intenções e as ideias geradoras da obra. O PDCM

começava a tomar corpo e substância. Os meios e os recursos identificaram

possibilidades e necessidades ao mesmo tempo que os objectivos apareceram mais claros.

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58

Georeferenciação do conjunto de problemas e de respostas para afrontar, dividido

por zonas e juntas de freguesias55

.

Tabela 556

4.2.4 Fase III: a definição dos objectivos

A terceira parte da análise estratégica começou com uma síntese das principais

forças, fraquezas, ameaças e possibilidades que se apresentavam ao plano à luz das

considerações saídas até esse momento. Implementou-se então uma analise SWOT. A

analise SWOT (Strenghts - Weaknesses - Opportunities - Threats) é um instrumento de

planificação estratégica utilizado para avaliar decisões e objectivos de um projecto. A

prática, surjida já ao final dos anos sessenta, é ainda muito utilizada nos contextos das

organizações no-profit e dos programas governativos, em projectos a decorrer e na

planificação preventiva de fenómenos de crise. As considerações que saíram no contexto

da Mouraria descrevem a situação desenhada pelos parceiros do PDCM e podem resumir-

se nesta tabela.

55

Pode-se observar como mais uma vez não apareça a Junta de Freguesia de Graça. 56

Relatório final PDCM pag. 35

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59

Análise SWOT da Mouraria57

Tabela 6

Como descreve este quadro, muitos dos pontos de força do território são

potencialmente também pontos de fraquezas. O facto da Mouraria (ou a zona considerada

por esta), ser um território heterogéneo enquanto contexto social e cultural, pode

promover um tipo de desenvolvimento rico e articulado mas também, como muitas vezes

aconteceu, pode ser causa de uma forte fragmentação social junta com uma “guetização

cultural”. A exclusão social e o tráfico de droga são fenómenos que podem ser

combatidos através da implicação do território em iniciativas lúdicas e culturais e, como

já temos visto, com a abertura deste a um turismo definido e massivo. E' importante

também relatar como os parceiros do PDCM consideraram a eventualidade ameaçadora

de uma intervenção invasiva do mercado e da especulação, juntamente com o respeito das

57

Dados fornecidos pelo Relatório final PDCM pag. 40

Forças Fraquezas -Área com boa dimensão (15 mil habitantes)

-População bastante heterogénea

-Instituições da sociedade civil bastante actuantes

e empenhadas

-Território muito próximo do centro de Lisboa (e

com facilidade de acesso)

-Existência de edifícios devolutos (disponíveis

-Forte identidade histórica (ex. Fado, Marchas

Populares)

-Boa rede de transportes públicos

-Boas áreas em espaços públicos (ex. Largo do

Intendente, Martim Moniz, fontanário, etc.,)

-Beleza de alguns edifícios e espaço públicos

-Insegurança associada ao tráfico de droga

-População bastante heterogénea (fragmentação

cultural e social)

-Envelhecimento da população

-Degradação urbana e elevados números de

prédios devolutos

-Território disperso

-População com elevada rotação/mobilidade

-Falta de qualidade de vida

-Proliferação de fenómenos de exclusão social e

pobreza

-Falta de espaços disponíveis para novos projectos

de urbanismo

-Ausência de oferta lúdica e cultural ancora e

consistente

-Estigma/má imagem

Oportunidades Ameaças -Aposta do actual executivo da CML,

designadamente do presidente

-Projecto de reabilitação urbana QREN Mouraria

e outras iniciativas da CML (Festival Todos,

BIP/ZIP)

-Sobrelotação (lúdica e cultural) do bairro alto e

de outras zonas de Lisboa

-Aumento do turismo em Lisboa

-Ganhos decorrentes de uma maior articulação

entre os agentes sociais locais

-Especulação imobiliária e aumento do preço da

habitação, empurrando para fora da Mouraria os

seus habitantes

-Má ou deficiente gestão urbanística por parte da

CML, comprometer os objectivos sociais

pretendidos, devido actuação contraproducente

dos agentes privados no território

-Concorrência de outros bairros histórico e da

zona ribeirinha

-O executivo da CML alterar o seu compromisso

relativamente a este território

-Conjugação do tráfico de droga e afluência de

novos públicos

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tarefas por parte da Câmara Municipal, o que é o factor mais condicionante do sucesso do

plano.

A terceira fase continua com a definição de linhas de orientação estratégicas que

vão definir os principais eixos de intervenção e os públicos-alvo. Este foi um trabalho

incessante que perdurou ao longo de todas as sessões, sendo de facto o primeiro passo

para estabelecer uma futura aplicação. Os públicos-alvo e os eixos de actuação

prioritários foram sistematizados dentro de um esquema que definiu as questões

correntes. Os parceiros concordaram com os pontos que mais exigiam prioridade e

aqueles que de momento podiam ser subordinados. A combinação das questões

prioritárias definiu indutivamente a criação de seis linhas de orientação estratégicas para

o PDCM.

Esquema analitico das seis linhas estrategicas de acção58

Tabela 7

A Tabela 759

evidencia treze eixos de intervenção prioritários, ou seja, questões

relevantes nas quais se deviam concentrar as primeiras acções do plano. Estas acções

intervem sobre questões ligadas à promoção da Saúde para grupos como as prostitutas, os

sem-abrigo e os toxicodependentes.; à Educação, à Formação e à Empregabilidade para

grupos sociais tais como os imigrantes os jovens, (e mais uma vez as prostitutas e os

toxicodependentes). Acções catalogadas sob o título de Cultura e Desporto definem

58

Como indicado pelo Relatório final PDCM, as fronteiras entre eixos de actuação e grupos-alvo nem sempre

foram fáceis de traçar, dado o carácter holístico das pessoas e dos territórios, e dado o carácter desejavelmente integrado

das acções a desenvolver.

59

Dados fornecidos pelo Relatório final PDCM pag. 42

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61

iniciativas relativas aos contextos familiares e de “comunidade”. Finalmente, destacam-se

dois temas fundamentais que envolvem todos os grupos sociais considerados, e

distinguem o particular enfoque do modelo operativo do plano. Estas são as acções

referidas à Boas Práticas no Espaço Publico e à Segurança, que trataremos mais em

detalhe no próximo capítulo. O quadro completa-se com a voz atribuída à Coordenação e

à Capacitação de todas estas iniciativas, as quais competem às instituições locais. Uma

vez individualizadas as questões prioritárias, procedeu-se agrupando-as por afinidades de

temas e de âmbitos. Surgirá assim a definição de seis linhas de orientação estratégicas,

que finalmente resumiam os focos de intervenção do PDCM.

Esta fase continuou com a explanação dos sentimentos e das motivações que

inspiravam e definiam o plano. A comissão de parceiros resumiu através de um consenso

alargado a Missão, a Visão e os Valores que iam realizar através a sua acção60

.

Missão: Contribuir decisivamente para a valorização da Mouraria e para a felicidade e a

liberdade dos seus habitantes, promovendo a coesão social e a qualidade de vida.

Visão: A população da Mouraria circula, usufruiu e participa amplamente nos processos

de desenvolvimento do território, é o principal actor do seu destino e do lugar, e está

capacitada para fazer face a oportunidades de mobilidade social. A Mouraria é

cosmopolita e aberta à cidade de Lisboa.

Valores: Capacitação, Participação “de baixo para cima”, Mobilizar, Diversidade,

Parceria, Empreendedorismo e inovação social.

O trabalho de concordância dos sentimentos e das intenções que deviam inspirar a

acção comum dos agentes envolvidos, realizou-se ao longo das sessões, através de longas

e participadas discussões de grupo, onde cada parceiro promovia os pontos para ele mais

sentidos e contratava com os outros os assuntos fundamentais. Como já se disse, as

vontades dos parceiros foram sempre bastante concordantes nas modalidades de acção e

de significação que o plano tinha que implementar. A vida no terreno e obra que estes

levam cada dia nisso, não deixam muita margem para a interpretação dos problemas e de

diferentes soluções. O quadro estava bem visível a todos, e basicamente se tratou de

explica-lo de maneira detalhada e coerente aos representantes da Câmara Municipal.

Através destas discussões de grupo chegou-se à identificação dos objectivos do futuro

PDCM. Tendo a pretensão de ser um plano social, (ou seja um plano que pretende

implementar um processo de mudança nas condições e nas práticas sociais do território),

é evidente que os resultados procurados pelo PDCM, não representem obras que se

60

Dados Fornecidos pelo Relatório final PDCM pag. 46

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62

possam evidenciar a curto prazo. No entanto os projectos que se pretende implementar

precisam de anos para que os resultados se possam identificar. A melhoria das condições

de vida de um bairro necessitado, não é coisa que se alcance de um dia para outro. O

PDCM entende plantar as sementes, mas demorará tempo para que os frutos possam ser

colhidos. Com esta ideia se procedeu com a designação de dois momentos diferentes para

a implementação dos objectivos. Os dois momentos representam fases diferentes da

futura vida do bairro e tentam-se sobrepor a duas etapas significativas do processo de

renovação urbanística que envolve a cidade de Lisboa nos próximos dez anos. Como

objectivos a médio prazo foram considerados objectivos que se tentará satisfazer dentro

do final do 2013. Este é o prazo do qual dispõe também o projecto QREN Mouraria, para

finalizar as obras planeadas. Com este detalhe se sublinha a vontade estratégica e política

de associar os dois planos a um mesmo “destino temporal” e facilitar a sua

complementaridade. O ano de 2013, segundo os planos da actual Junta Municipal,

deveria ser o ano das grandes transformações (pelo menos estéticas e físicas) da

Mouraria, ponto de início para um novo curso histórico desse território e momento

conclusivo de aquele tempo de semeadura ao qual aludi pouco antes. Para 2013 prevêem-

se a finalização dos equipamentos necessários e o avanço daqueles planos cívicos e

sociais que permitiriam um desenvolvimento completo do território.

Nesta situação o QREN Mouraria dá um forte apoio ao PDCM, enquanto o fornecimento

dos equipamentos necessários ao PDCM vem das obras desse plano. Não se descreverá

neste trabalho quais e em que maneira os lugares restaurados pelo QREN serão utilizados

pelo PDCM, mas só para dar uma ideia, a sede do plano de desenvolvimento da

Mouraria, e dos projectos a este associados, será no futuro Centro de Inovação da

Mouraria no Quarteirão dos Lagares61

. O ano de 2013 então é uma etapa importante para

este território e um teste para superar para o PDCM, que até àquela data beneficia de um

financiamento já avaliado e atribuído. Os objectivos a longo prazo (ou finais), pelo

contrário, apontam para a criação de um cenário inclusivo, onde seja objectiva a melhoria

da vida social e comunitária no bairro, aportando forte equidade, integração e

desenvolvimento económico em toda a área. Estes objectivos aparecem muito ambiciosos

dada a sua abrangência, mas se integrarão num contexto mais geral que verá a futura

cidade de Lisboa transformada por um complexo de reformas urbanas e territoriais. A

data fixada para a satisfação destas finalidades é 2020. Nessa altura a cidade de Lisboa

estará redesenhando a sua paisagem urbana modificando a sua estrutura habitacional,

61

Veja-se a secção sobre o QREN Mouraria cap. 4.1.2.

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63

ambiental, cultural e de mobilidade62

, e nesta, o bairro da Mouraria representará um foco

importante nas formas de apropriação do centro da cidade. Em baixo são relatados os dois

tipos de objectivos, que os parceiros do PDCM concordaram estabelecer63

.

Objectivos intermédios (Até final 2013)

Objectivos finais (Até 2020)

A) Maiores possibilidades de emprego;

B) Maior formação e qualificação;

C) Maior acesso à saúde;

D) Maior capital social e participação;

E) Maior utilização e fruição do espaço

publico (para moradores e visitantes);

F) Promoção da identidade e valorização da

Mouraria (interna e externa);

G) Capacitação das instituições da sociedade

civil a actuar na Mouraria;

H) Maior coesão social e qualidade de vida na

Mouraria;

I) Maior auto-estima da população (individual

e colectiva)

J) Maior sentimento de segurança (por parte

de moradores e visitantes);

K) Maior diversidade socioeconómica da

população da Mouraria (moradora e

visitante);

L) Instituições da sociedade civil mais

robustas e participativas;

Tabela 8

O procedimento de determinação dos alvos desenvolve-se como uma estrutura de

caixas chinesas onde cada factor encaixa dentro do outro e completa a sua definição.

Neste caso, as linhas de orientação estratégicas, constituíram o núcleo essencial das

práticas de intervenção, os objectivos intermédios definiram a sua forma, e os objectivos

a longo prazo, se conseguidos, deveriam constituir a moldura final do plano, e representar

as intervenções em frente da opinião pública. A Tabela 964

mostra nos o desenvolvimento

deste processo tripartido. Em amarelo aparecem as seis loe, enquanto as letras alfabéticas

representam os diferentes objectivos seguindo a representação da tabela aqui em cima.

62

“Estratégia de reabilitação urbana de Lisboa 2011/2024, Câmara Municipal de Lisboa” , Documento da

Câmara Municipal de Lisboa – Direcção Municipal de Gestão Urbanística 63

Dados fornecidos pelo Relatório final PDCM pag. 47 64

Relatório Final PDCM pag. 48

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64

Tabela 9

Esta outra tabela mostra de outra maneira as relações que ocorrem entre os dois tipos de

objectivos.

65

Tabela 10

65

Relatório final PDCM pag. 49

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65

5. A análise dos planos: métodos, ideias e significados das intervenções

“As sociedades de bairro [...]

são atravessadas por significativos processos de mudança

que se constituem enquanto cenários de múltiplas intersecções

de carácter estrutural, institucional, relacional e cultural”

(Cordeiro & Costa 1999)

5.1 Os eixos das intervenções

Os dois planos a cima descritos apontam para a requalificação territorial através de

reformas de tipo urbano e social. Como já vimos, o primeiro enfoca a sua acção

principalmente na recuperação do edificado e no fornecimento de novos equipamentos. O

segundo concentra a sua obra na construção e promoção de redes de suporte,

potenciamento e capacitação dos recursos territoriais para uma melhoria das condições

sociais de vida na zona. Os dois planos são estruturados para ser complementares seja no

aspecto temporal seja no fornecimento de equipamentos e serviços. A reforma socio-

urbanística da Mouraria passa por um processo diversificado e articulado que vai

abranger diferentes perspectivas de intervenção. No entanto através de uma análise dos

projectos, das concepções e estratégias desenvolvidas e das ideias expressadas pelo seus

protagonistas, sobressai periodicamente um conceito fundamental que parece traçar as

linhas guias desta obra de “renovação”: o conceito de abertura. Na primeira parte deste

capítulo analisaremos os eixos e as estratégias de intervenção pelos quais se realiza a obra

de reforma. Na segunda parte, consideraremos como o conceito de abertura aparece e se

estrutura dentro de tal obra, convertendo-se em ideia chave das suas intenções e definindo

em si mesmo um termo de reflexão para uma “hermenêutica da reforma”.

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66

5.1.1 A (re-)definição das fronteiras

Como mostraram os diferentes planos de acção (Figura 1), o interesse

demonstrado pela obra de renovação envolve um território muito vasto, comparado com

o que definiu a Mouraria socio-espacialmente até hoje em dia66

. Como já foi descrito no

capítulo 2, a questão da demarcação do terreno é fundamental para definir qualquer tipo

de análise, estudo ou intervenção: os dois planos, que apontam entre outras coisas, para a

definição de uma nova ideia identitária e cultural da Mouraria67

, expandem o território

do bairro exponencialmente, delineando novos limites e abrangendo novas zonas. Passa-

se a englobar por inteiro a freguesia de São Cristóvão e circunda amplamente os

arredores do Largo do Intendente. Entre estas duas zonas, o território abrange a Praça

Martim Moniz, enquanto na sua vertente vertical, sobe até o topo da colina prolongando

os dois lados até às bases do Castelo de São Jorge e ao Miradouro da Graça. O território

aparece assim claramente situado no meio de três focos fundamentais na construção de

um lugar, “bom para pensar e bom para viver” no contexto da cidade de Lisboa.

Como já foi referido no capitulo 3, as intervenções da Câmara Municipal

concentraram-se em duas zonas em particular: o Largo do Intendente e os arredores da

igreja de São Cristóvão, zonas que nunca pertenceram nem culturalmente (se este termo

faz sentido), nem por composição socio-económica, ao território definido até agora como

Mouraria. A este respeito é fruto da minha experiência de campo saber que São Cristovão

e o Intendente, nunca foram consideradas Mouraria antes da implementação destes

planos. A este propósito vou referir duas anedotas. A primeira é aquela da Eduarda

Dionísio, gerente da Casa da Achada, lugar social e cultural situado no Largo da Achada

(Freguesia de São Cristóvão - São Lourenço), que num debate com o presidente do

GABIP João Menezes, afirma “eu não vivo na Mouraria! Se digo aos meus vizinhos que

são da Mouraria, eles zangam-se comigo!”68

. Isto dá para ver como São Cristóvão, desde

66

Este território apresenta-se mais vasto também daquele redefinido pela Area Crítica de Recuperação e

Reconversão Urbanística da Mouraria, estabelecido pelo Gabinete Local da Mouraria no 1985. 67

Dados fornecidos pelo site www.cm-lisboa.pt, Março 2012 68

No final de Outubro de 2011, aconteceu em Lisboa uma conferência internacional de antropologia sobre os

estudos de carácter urbanìstico (SICYUrb). Nessa ocasião foi organizado um workshop com o título A

interculturalidade nas estratégias de intervenção local. Para abordar este tema foi tomado como exemplo o caso actual

da Mouraria. A este respeito foram convidadas a falar três figuras públicas do bairro que participam em conjunto como

parceiros do plano QREN Mouraria. Cada uma destas pessoas, representa a sua maneira uma posição diferente sobre o

processo de mudança que está a acontecer no território. O primeiro convidado, João Menezes, foi o coordenador do

GABIP, (Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária), o gabinete instituido pela Câmara Municipal que

supervisiona as obras do QREN e coordena os vários projectos em curso no bairro. A segunda convidad foi Eduarda

Dionísio, filha do escritor e pintor Mário Dionísio, gerente no Largo da Achada de um espaço que se propõe ser centro

artístico e cultural a disposição dos residentes e da cidadania em geral. A Casa da Achada (assim se chama o local)

partecipa na commissão de parceiros dos dois planos. A fazer de pacificador entre as duas figuras está Nuno Franco,

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67

as suas escadinhas que descem para a Baixa até às calçadas que sobem até ao Castelo, é

uma zona que não partilha nenhum sentido identitário com a Mouraria, para além da

proximidade geográfica

A segunda anedota refere-se à impossibilidade de encontrar nenhum material que

ligue o Largo do Intendente com a Mouraria. Estes acontecimentos remontam ao verão de

2011, quando estava à procura de material sobre o PDCM. Como descrito pela Divisão

Administrativa de Freguesias69

(e dos mostruários e das bandeiras nas esquinas das ruas)

o Largo do Intendente pertence à Freguesia dos Anjos. Por duas vezes andei à procura de

documentação naquele edifício moderno que é da Junta de Freguesia dos Anjos, e por

duas vezes voltei sem ter encontrado nada. É de referir que cada vez que pronunciava o

nome “Mouraria”, a secretária mandava-me calar, excluindo qualquer relação entre eles e

o bairro da Mouraria. Nenhum documento, nem uma folha, mas só uma frase: “Aqui não

é Mouraria!”

A redefinição territorial expressada pelos planos tem a ver com o contexto político-

económico no qual estes desenvolvem. Na altura em que os planos (em partcular o

QREN Mouraria) apresentaram o seus projectos, a Câmara Municipal encontrou-se na

situação de ter que justificar o pedido de uma grande quantidade de dinheiro para resolver

os problemas socio-económicos e urbanísticos de uma zona bastante pequena do centro

cidade. Tomou-se então a decisão de intervir numa zona mais ampla onde tais problemas

só se apresentavam numa parte de um território muito maior que iria ser requalificado e

tornado mais apetecível ao aproveitamento do sector turístico e imobiliário.

A este respeito a Eduarda tinha razão quando afirmava que ela não era da Mouraria,

acrescentando que, “a Mouraria -esta da qual se fala agora- foi criada mais ou menos há

três anos, quando chegou aquele dinheiro da Europa”70

. É sem nenhuma hipocrisia que o

coordenador do GABIP revela que a definição e a demarcação territoriais desta zona são

funcionalmente instrumentais. Tratou-se de uma conveniência prática para a intervenção

no espaço público, onde um território mais amplo podia ser identificado através de uma

zona “antiga” e “tradicional” cujo centro estava incluido dentro deste território. A

definição destas novas fronteiras, e o facto de incluir na Mouraria zonas que desde

sempre não lhe pertenceram foi então meramente instrumental. Como concluiu também

presidente da renomada Associação Renovar a Mouraria. O debate foi um óptimo momento para confrontar várias

visões dos acontecimentos e traçar as linhas para o começo de uma reflexão teórica.

O brano é extraído do discurso da senhora Eduarda Dionísio, Workshop: A interculturalidade nas

estratégias de intervenção local. O caso da Mouraria, 12 de Outubro 2011. 69

Câmara Municipal de Lisboa, Divisão Administrativa de Lisboa, Lisboa, C.M.L. 70

Extraído do discurso de Eduarda Dionísio, Workshop: A interculturalidade nas estratégias de intervenção

local. O caso da Mouraria, 12 de Outubro 2011.

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68

João Menezes, “...então nós alargamos as fronteiras da Mouraria: mas é verdade também

que a Mouraria nunca teve fronteiras né!?”71

Não se pode contrariar o coordenador do

GABIP por ter feito esta afirmação; embora seja uma opinião um pouco arriscada, aquela

da Câmara Municipal, de pensar que as zonas adjacentes ao núcleo propriamente dito

Mouraria, não sofram uma estigmatização negativa (pelo menos auto-induzida). Nuno

Franco, presidente da Associaçao Renovar a Mouraria, apoia esta ideia, acrescentando

que os mouros também se estabeleceram à volta do seu arrabalde, e que de qualquer

forma, esta zona constitui um bairro aberto no sentido do movimento interno das pessoas,

onde os indivíduos de São Cristóvão participam nas actividades da zona do Socorro,

tendo também estes últimos interesses frequentes no Largo do Intendente.

Seja qual for a interpretação que se dê a esta acção, a redefinição territorial da

Mouraria traz consigo importantes significados simbólicos e sócio-espaciais. A quebra

das barreiras que antes “confinavam” a Mouraria, acaba com aquela ideia de segregação

de bairro fechado, retraído e pouco inclinado ao “aproveitamento” do seu espaço; esta,

pelo contrário, renova a introdução de uma acção exógena, que favorece novos modelos

de apropriação dos recursos materiais e imateriais que o bairro tem. Ao mesmo tempo a

dilatação das fronteiras, expande um “universo simbólico-representativo” já definido

sobre outros territórios, tentando atribuir-lhes novos discursos identitários enquanto se

constroem novas representações do lugar. No entanto, esta dilatação sugere uma certa

concepção sobre o facto de que a (re-)definição apriorística dos contornos da Mouraria

crie uma nova entidade dentro da qual os seus habitantes reproduzem práticas e

representações que definem o bairro. Surgem aqui algumas perguntas de carácter

epistemológico ligadas a esta redefinição instrumental dos limites do bairro. Em que

modo a população viverá esta recolocação espaço - identitária? Será que se ampliará,

junto com as fronteiras, também o tipo de ligação geográfica e sentimental que intercede

entre os moradores e o bairro onde moram?

5.1.2 A prática do espaço público

Na articulada obra de reforma que os planos desenvolvem resultou ser central a

intervenção operada a nível espacial, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista

social. O QREN Mouraria, aponta precisamente para a uma intervenção no espaço

público para constituir uma maior acessibilidade e mobilidade dentro e em redor do

71

Extraído do discurso do coordenador do GABIP João Menezes, Workshop: A interculturalidade nas

estratégias de intervenção local. O caso da Mouraria, 12 de Outubro 2011.

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69

bairro. Ao mesmo tempo, a reabilitação física do bairro, com a criação de novos edifícios

e equipamentos deveria contribuir para estimular novas formas de uso e aproveitamento

do espaço. Como aparece descrito no PA QREN, “a requalificação do espaço público será

a intervenção de maior visibilidade e indutora de novos comportamentos”72

. A

reabilitação do espaço é acompanhada do desejo de criar impulsos para novas formas de

sociabilidade e apropriação no espaço publico. Neste sentido a participação e o

envolvimento dos indivíduos e das entidades sociais nas estratégias de organização,

revela-se importante para sensibibilizar e induzir novos padrões e práticas

comportamentais. Das reuniões desenvolvidas nas fases de planeamento do PDCM

resultou fundamental e de interesse comum a todos os grupos sociais consultados, a

resolução de temas relativos às “boas práticas no espaço público” e a um maior grau de

segurança no bairro.

A acessibilidade ao bairro e a maior liberdade de movimentação dentro do seu

território constituem factores que promovem a possibilidade de desenvolver uma série de

opções mais diversificadas de utilização e aproveitamento do espaço público, entendido

como o conjunto de edifícios, ruas, praças, jardins. Entretanto, os novos modelos de

comportamento auspicados nos objectivos dos dois planos são suportados por uma série

de normas que regulamentam as práticas que se querem implementar dentro do espaço

público. Parece quase indicar, por um lado, a aquisição de um direito, (nova fruição e

reapropriação dos lugares), e, pelo outro, a consideração de um dever (o respeito de

novos códigos nas formas de apropriação e realização da sociabilidade). Cristina Silva,

funcionária do GABIP Mouraria, explica como o tema das “boas práticas no espaço

público” incorpora mais características logísticas do que um aviso social.

As boas práticas no espaço publico já faziam parte dos objectivos para a candidatura

QREN e retomam um modelo europeu. Estas práticas consistem principalmente em fazer

intervenções sustentáveis, que respeitem as leis de mobilidade, de acessibilidade, etc. etc.

Estas têm muito a ver com a parte física, não tem nada a ver com o "social". Portanto

consistem em escolher materiais que respeitem o património histórico do território, a

sustentabilidade das reformas.....Claro que isto comporta as normas sociais também: a

acessibilidade é uma questão social...Civismo, esta é uma questão muito controversa

porque a Câmara não multa individuos e actividades que têm um comportamento “anti

cívico”, há pessoas que acham que se deveria multar.. [por comportamento anti cívicos a

funcionaria do GABIP se refere ao respeito dos tempos e dos lugares de entrega do lixo e

do higiene dos cães ndr] Então o que a Câmara pretende com “boas práticas” são

realmente acções de sensibilização e de instrução dos moradores sobre as práticas

correctas de convivência. (Cristina Silva)73

72

www.aimouraria.cm-lisboa.pt, Outubro 2011. 73

Extrato dà entrevista a Cristina Silva. 7 Dezembro 2011

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70

A questão referida às “boas práticas no espaço público” inclui o tema do civismo. Com a

intenção de se referir aquelas atitudes e comportamentos que no dia-a-dia manifestam os

cidadãos na defesa de certos valores e práticas assumidas como fundamentais para a vida

colectiva, visando a preservação da sua harmonia e o facto de melhorar o bem-estar de

todos. Este termo pertence então à esfera da cultura política, tanto que em alguns casos é

“manipulado” pelos governos municipais para promover reformas do ordenamento cívico

e leis de comportamento público. Neste caso, no entanto, o civismo é considerado como

uma prática à qual se precisa aceder através da informação e da persuasão da

colectividade e não através de uma acção punitiva.

Mas uma maior acessibilidade e liberdade de movimentação favorecem também

uma melhor gestão do espaço público, desde o ponto de vista do acesso aos recursos, até

ao ponto de vista do controlo e a regulação que se pode impor sobre este. Como referido,

algumas das zonas abrangidas pela acção dos planos, é cenário de práticas de ilegalidade

e fenómenos considerados de “degradação social”. Ainda presente no território é um

difuso tráfico de substâncias estupefacientes, seja na venda, seja no consumo ao ar livre;

existe um número considerável de pessoas a exercer a prostituição e sem-abrigo, muitos

casos de alcoolismo e de vadiajem (Tabea 4). Estas seguramente não entram na

concepção ideal das “boas práticas no espaço público”, além disso representam uma

questão social e um problema político. É assim que apareceu, nos discursos dos

moradores, das instituições e das associações, o tema da segurança.

Desde muitas partes, durante o levantamento de dados e a obra de sensibilização

dos planos, levantaram-se vozes e pedidos de maior protecção e de intervenção contra os

fenómenos de violência ou mal-estar que aumentam a sensação de insegurança. É preciso

especificar que a Mouraria não é um lugar violento, mas é compreensível que alguns

tipos de pessoas, por exemplo idosas ou famílias, não se sintam confortáveis em ruas

frequentadas por toxicodepentes. Na verdade, este tipo de sentimento (segundo a

percepção de quem escreve, adquirida no trabalho de campo), está maioritariamente

presente na zona norte do bairro, onde é mais evidente a presença de indivíduos

estrangeiros e de comunidades imigrantes. Por outro lado, as queixas e os pedidos não se

registam pelos moradores que moram no centro do bairro, onde é estabelecida uma parte

consistente do tráfico de droga, e os residentes são na maioria portugueses. É evidente

então que o sentimento de segurança (assim como o de insegurança), é um tema denso de

significados humanos e sociais, que associam ou distanciam indivíduos e grupos. Assim,

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71

desde o ponto de vista da prática política, o tema da segurança é um discurso complicado

de afrontar, que, muito frequentemente, é manipulado para desfavorecer os mais fracos.

Todavia, esta não parece ser a linha inspiradora das estratégias do PDCM. Já na

análise geral de crenças foi posto como segundo ponto um modelo ideal de como deve

ser entendida a segurança no próprio plano. Através da colaboração de alguns estudiosos

e dos parceiros foi assim definida uma linha teórica que dividia o conceito de segurança

em dois “universos significativos” diferentes: aquele da security e aquele da safety74

.

Security identifica aquele modelo de segurança baseado no controle e na

autoridade sobre o território. A protecção em alguns casos pode estar condicionada à falta

parcial de liberdade e identifica um sistema que privilegia a proibição e a repressão dos

direitos e das diversidades. O conceito de safety por outro lado identifica um modelo

contrário, onde a segurança é fruto do bem-estar e das práticas cívicas dos cidadãos. O

conceito de safety vai mais além do proteger um estado situacional predefinido, mas

entende a segurança como fruto da prevenção dos fenómenos de risco. Esta visão abrange

a trezentos sessenta e cinco graus o tema da segurança e não o considera apenas uma

questão ligada à legalidade, senão à saúde e aos direitos. Portanto a safety actua no

âmbito da criação de ambientes que assegurem o bem-estar das pessoas e salvaguardem

as suas condições físicas, sociais, espirituais, políticas, emocionais, psicológicas,

ocupacionais, etc. Como escrevem os parceiros no Relatório final PDCM, trata-se de

adoptar uma estratégia de promoção da segurança ausente no uso colectivo do espaço

público, decentralizada e ausente nos cidadãos75

. Este discurso é retomado também por

Cristina Silva, a qual comenta: “a ideia não é por um polícia em cada esquina: é tornar o

espaço público agradável, para que as pessoas se sintam seguras neste e porque práticas

marginais não dominem o espaço público” (Cristina Silva)76

.

Volta mais uma vez o tema do espaço público, das suas novas formas de

apropriação e as boas práticas de uso. Junto com isto, aparece mais uma vez o factor

74

Security and safety, assim como referidos neste contexto, identificam dois conceitos cunhados ao final dos anos

oitenta para qualificar tipologias diferentes de políticas de intervenção relativas à protecção dos indivíduos no espaço

público. Segundo a definição de Bruce Schneier “security identifica uma acção dirigida ao contraste dos perigos, dos

danos, das perdas, e dos crimes que ameaçam os indivíduos e os seus bens. Ou seja uma forma de protecção que põe ao

centro da questão os riscos e os perigos e que tende a proteger indivíduos e os lugares em quanto considerados bens

públicos ou privados” (Bruce Schneier, Beyond Fear: Thinking Sensibly about Security in an Uncertain World,

Copernicus Books, pp. 26-27) . O conceito de safety, ao contrario, põe ao centro o indivíduo, e refere-se à condição de

estar protegido contra os aspectos físicos, sociais, espirituais, financeiros, políticos, emocionais, profissionais,

psicológicos, educacionais, ou das consequências do dano, falha, erro, acidentes ou qualquer outro evento que possa ser

considerado não-desejável. Safety pode também ser definido como um conceito referido ao controlo dos perigos

reconhecidos para atingir um nível aceitável de risco. Isto pode assumir a forma de protecção do indivíduo a partir do

evento ou da exposição a algo que cause a perda de saúde ou da sua condição económica (Oakes 2005). 75

Relatório final PDCM pag. 13 76

Citação retomada dà entrevista a Cristina Silva. 7 Dezembro 2011

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72

participativo, (aqui expresso pelo adjectivo “colectivo”), a reafirmar a dimensão

multidimesional e compartilhada nos processos de apropriação e organização. Neste caso,

é através de estratégias de gestão e salvaguarda do espaço público que se prevêem,

(segundo a ideia da Câmara Municipal), formas de decadência urbana ao mesmo tempo

que se promove o bem-estar da comunidade. Através de conceitos como “práticas

cívicas”, ou “uso colectivo do espaço”, reforça-se a ideia de que o espaço, além de uma

entidade física, é uma realidade produzida por, e produtora de dinâmicas sociais. Na

visão dos planos, o fenómeno espacial assume um significado decisivo dentro da mesma

construção do conceito de comunidade. Um espaço mais seguro, (segundo o enfoque

teórico sugerido), novos modelos de comportamentos cívicos e renovadas práticas de

sociabilidade no contexto urbano, qualificam-se como os catalizadores sociais e os

referentes identitários do auspiciado desenvolvimento comunitário. No entanto, é licito

levantar umas questões sobre: que forma tomará este processo de “colectivização” do

espaço? De que modo o espaço reformado será reapropriado pelos diferentes grupos e

indivíduos? Continuarão a manter-se as práticas de apropriação do espaço que hoje em

dia caracterizam as relaçoes sócio-simbolicas dos grupos do bairro, ou estas serão

constrangidas a mudar? Como e através de que formas será garantido e disponibilizado o

acesso aos recursos tendo presente a variedade de componentes sociais, internas e

externas ao bairro, que negociarão o seu uso? Por fim, de que modo será implementada a

acessibilidade ao território?

5.1.3 A composição sócio-económica

Um bairro caracterizado para ser lugar de segregação, território turvo e arriscado,

rede labiríntica de entradas seguras mas de saídas incertas, não pode utilizar outra forma,

para voltar a apresentar-se à cidade e a si mesmo, se não a de se se apropriar outra vez

das esquinas, dos becos e dos largos até agora esquecidos. Lança-se então un facho de luz

que esclarece os pontos até agora inacessíveis, para dissipar não só o estigma mas

também qualquer sombra de ilegalidade e atribuir ao contexto sócio-espacial um sentido

de protecção e segurança. Como num set cinematográfico quando se prepara a cena,

também neste bairro se pretende colocar reflectores a iluminar o contexto e os detalhes. A

acção é determinada, endereçada, ou, (para ficar dentro da metáfora), dirigida, através de

uma série de acções, comportamentos e práticas codificadas, (produtoras e produzidas)

por aquele set. Bem tendo o set (o bairro) e o roteiro (as práticas no espaço), na produção

deste filme ainda falta contratar os actores. E esta é outra tarefa à qual os planos de

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73

renovação do território não se subtraíram. Tanto no QREN Mouraria como no PDCM é

tratada a questão social desde o ponto de vista dos actores: ou seja das forças e das

componentes sociais que actuam no bairro.

Aparece então, nos discursos dos protagonistas da renovação, o conceito de

“balanceamento social”77

. O “balanceamento social” è aquela estratégia socioeconómica

(e política) que pretende “balançar o potenciamento dos recursos endógenos, com novos

recursos exógenos”78

. Interpretado com outras palavras, este conceito entende

complementar o velho substrato social residente, com novas classes sociais extra-locais.

Este envolvimento de novas categorias sociais, no tecido urbano do bairro pode verificar-

se através do estabelecimento “interno” de novos estratos de população no território

como também limitar-se a uma simples participação económica de entidades “extenas” a

investir no bairro. Nos objectivos da Câmara Municipal, a reabilitação socio-espacial do

território deveria implicar o advento físico de novos estratos de população dentro dos

prédios desabitados de algumas zonas do “bairro”, em particular daquelas mais estimadas

ou frescas de reforma. Mas a introdução dos recursos exógenos pode verificar-se também

através de uma contribuição mais “passiva”, ou seja através de investimentos económicos

de privados que invistam em empresas e actividades comerciais; ou favorecendo o

aproveitamento das ofertas socioculturais disponibilizada pelo território, para específicas

tipologias e grupos socioeconómicos, como por exemplo os estudantes Erasmus. O

“balanceamento social”, apresenta-se então como um mecanismo para atrair novos

segmentos de população mais jovens e ricos ao bairro e simultaneamente preservar a dos

residentes originários.

Mas “balançar”, “complementar”, “envolver”, são palavras que alguns

representantes das associações que actuam no território não gostam. Por exemplo, a

solidariedade que Eduarda Dionísio expressa com os vizinhos da zona de São Cristóvão

compele-a a dizer que não será o “balanceamento social” a mudar para melhor as

condições sócio-ecónomicas no bairro: “Com todos os milhões de gastos para este plano,

poder-se-ia melhorar substancialmente a vida dos residentes: por exemplo, restaurando as

77

A ambiguidade e a grande genericidade deste termo constringe-nos a definir melhor a sua entidade e as suas

significações. Infelizmente não há fontes tão oficiais que possam legitimar tal tarefa. O substantivo “balanceamento”

deriva de uma palavra de origem luso-brasileira, enquanto a locução “balanceamento social” não aparece em algum

dicionário ou revista especializada do sector. Tal expressão, é então referida assim como adquirida pelos discursos dos

operadores e dos indivíduos que tomaram parte no processo de planeamento e implementação da obra de reforma. Em

particular este termo foi adquirido pela primeira vez de um discurso do coordenador do GABIP João Menezes, que “se

atribuiu a tarefa” de defini-lo nas suas especificidades e significações. 78

Extraído do discurso do coordenador do GABIP João Menezes, Workshop: A interculturalidade nas

estratégias de intervenção local. O caso da Mouraria, 12 de Outubro 2011.

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74

casas.”, afirma a gestora da Casa da Achada79

.

Esta estratégia económica e social de facto, não deixa de despertar dúvidas e

estimular questões sobre os reais riscos que esse tipo de operação, tal como é feita,

comporta para o tecido social do bairro. Tomarei como exemplo a zona de São Cristóvão,

onde o “balanceamento social” se manifesta através da restruturação do Antigo Mercado

do Chão do Loureiro. Este será reconvertido num silo automóvel de dois andares, com

um supermercado e um restaurante de “alto nível” com vista panorâmica. A operação

deveria “requalificar” a zona em vista do interesse dos investimentos privados. Após

algumas objecções, a Câmara Municipal afirmou que teria vigiado que não se

verificassem casos de especulação imobiliária ou fenómenos de gentrification. No

entanto, este tipo de garantia não exclui a questão que surge quando num particular

contexto socioeconómico local se introduz a presença de novas forças económicas

dominantes

Baseandome nas características do contexto local em questão, o aumento dos preços

das casas é apenas um dos aspectos do fenómeno de especulação económica que pode

acontecer. Isto porque, a condicionar o equilíbrio socioeconómico de uma pessoa no lugar

de residência, não é só o custo da casa80

, mas uma série de factores contextuais que têm a

ver com o acesso aos recursos (especialmente primários) que o lugar lhe fornece. Por

isso, embora os preços dos alojamentos possam não mudar, o custo de vida muda em

geral. Assim, no exemplo aqui citado, a abertura ao turismo e às classes sociais de

consumo e costumes diferentes, suplanta as velhas tascas e os velhos restaurantes

económicos em troca de lojas e bares com outro público alvo; o supermercado torna mais

difícil a actividade dos minimercados, talhos e padarias que providenciam ao

abastecimento local; e, finalmente, o novo parque de estacionamento pratica preços

demasiados elevados para os residentes da zona81

. Demonstrar-se-á assim a previsão da

Eduarda quando afirma que de todo o dinheiro investido nas intervenções no bairro, nada

corresponde aos benefícios dos quais poderia aproveitar a actual população residente. A

questão então fica pendente entre as linhas dos projectos para se desenvolver. Nem sequer

Nuno Franco, presidente da Associação Renovar a Mouraria se demonstra capaz de

fornecer ideias para evitar o risco da propagação epidémica deste processo no território.

79

Extraído do discurso de Eduarda Dionísio, Workshop: A interculturalidade nas estratégias de intervenção

local. O caso da Mouraria, 12 de Outubro 2011. 80

Em Lisboa muitos residentes são também proprietários dos alojamentos onde moram, ou pagam rendas fixas

da época do Estado Novo. 81

Esta situação verificou-se mesmo depois da abertura do parque em questão, e foi interesse dos últimos

tempos do trabalho de campo.

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75

Este nem consegue imaginar o que significaria tal cenário no bairro onde vive há trinta

anos, entre toxicodependentes, traficantes e a deterioração urbana. Ele só quer é que as

obras vão para frente.

Assim, além do “envolvimento de recursos exógenos” no território, os discursos de

muitas associações envolvidas no PDCM interessam também o desenvolvimento dos

“recursos endógenos”. Numa perspectiva sócio-económica, conforme as ideias da

Câmara Municipal, esta concepção explicita-se na criação de novas formas de emprego e

na formação e capacitação do substrado populacional originário. Estas iniciativas

explicitam-se através da criação de cursos de formação, abertura de fundos de

empréstimos ad hoc, criação de cooperativas de trabalho, estabelecimento de novas

formas de contratos sociais e económicos entre os residentes e as instituições. Ao mesmo

tempo, quer-se actuar no potenciamento das formas de inclusão social: criação de novos

grupos associativos, intensificação da obra de assistência e suporte às pessoas

necessitadas, realização de laboratórios e oficinas de trabalho intergeracional e o

aumento da oferta de bens e serviços abertos a toda a população. A melhoria da condição

socioeconómica do bairro então, não é entendida só como produto dos salários medios

dos seus habitantes, mas também como resultado da qualidade de vida, do accesso aos

recursos e das oportunidades de empreendimento que estes podem aceder. Este tipo de

tarefa implementa-se através da colaboração com as entidades associativas que operam

no território.

No entanto fica pendente, para uma análise que poderá ser desenvolvida num futuro mais

próximo, a questão de como este balanceamento social será afinal implementado no

bairro. Como a introdução de novas classes sociais pode conviver com um processo de

emancipação dos estratos mais indigentes da população residente. Isto porque espaços e

serviços disponibilizados para satisfazer as necessidades dos diferentes grupos

socioeconómicos, são muito diferentes e isto determina a possibilidade que se criem

pequenos guetos residenciais dentro do mesmo bairro, destabilizando assim o já instável

equilíbrio social que o caracteriza.

5.1.4 Patrimonialização e identidade

Outro aspecto no qual a intervenção conjunta dos planos insiste é a questão da

patrimonialização e da promoção de uma identidade compartilhada, baseada na

reprodução de elementos históricos, sociais e culturais. Este aspecto reconduz à

construção sociocultural que se fez da Mouraria nas épocas anteriores. Retomam-se então

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os mitos e os significados ligados a este nome. Mouraria, como já foi referido, representa

uma entidade à qual correspondem visões, imagens, construções mentais e preconceitos,

instituidos e reafirmados ao longo das épocas. Representa então um nome denso de

significado que pode, no entanto, ser sempre modificado e manipulado. Mouraria nesta

ideia apresenta-se como o pass-partout conceitual através do qual se desenvolve o plano

de reforma.

A produção e a construção social do espaço, apoia-se então sobre a idealização de

determinadas tradições que procuram basear-se num passado pensado como histórico.

Assim, a intervenção no espaço público das obras, aponta para requalificar e instituir

espaços considerados como próprios a uma estrutura identitária82

da zona, que possam

assumir e remeter ao seu património cultural e “tradicional”. A requalificação de lugares

designados à produção cultural (Casa do Fado, Quarteirão dos Lagares), e à criação de

percursos temáticos (corredor Intercultural, percurso Turístico-Cultural), entendem

realizar esta intenção. Como já vimos a produção do património, no fundamental, é uma

questão de atribuição de valores e construção de sentidos. Na Mouraria estes apanham os

contornos da antiga tradição popular e da mais recente convivência intercultural.

Volta-se então aos discursos referidos à cultura bairrista, à tradição popular, àquela

ideia de “genuinidade” e “autenticidade folclórica” própria de uma determinada história e

sociedade do bairro. A esta junta-se a construção de uma Mouraria assumida como

símbolo do convívio “multiétnico” e/ou “multicultural” criada nas ultimas décadas mas

que se liga “coerentemente” ao seu mito de fundação e à origem mourisca. Ao mesmo

tempo continua constante o trabalho de quebra da estigmatização que longamente definiu

(exogenamente) este território como o primo pobre83

dos outros bairros da cidade. Chega

então a reflectir-se aquele particular jogo de espelhos que reproduz imagens que

transitam entre as ideias de típico, tradicional, popular, multicultural, multiétnico

(Menezes 2004).

Mas a criação de uma identidade sociocultural vai mais além de uma política de

patrimonialização. A ideia de identidade expressa pelos planos, parece acompanhar-se da

ideia de construção de uma comunidade sociocultural. Isto revela-se em particular nas

iniciativas sociais que os planos desenvolvem. Através das associações parceiras do

82

PA QREN Mouraria, www.aimouraria.cm-lisboa.pt 83

Num trabalho escrito por Marluci Menezes sobre a questão da patrimoniaização da Mouraria ela reporta que,

em diversas e variadas conversas com distintos indivíduos foi possível notar que, muitas vezes, o bairro da Mouraria

era referido como sendo o “primo pobre” dos outros bairros típicos e populares da cidade, enquanto Alfama era

referida como a “menina dos olhos” (MENEZES M., 2005, Património Urbano: por onde passa a sua salvaguarda e

reabilitação?).

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77

PDCM desenvolvem-se numerosas iniciativas destinadas à produção de sociabilidade:

através da realização de trabalhos de grupo, criação de colectividades, laboratórios de

solidariedades intergeracional e intercâmbio cultural, mas também através produções

artísticas baseadas sobre a realidade local. Através da participação produzem-se reflexões

sobre o uso colectivo dos recursos, da pluralidade, do local e em parte sobre uma ideia de

comunidade. Aliás, foi o próprio PDCM a querer definir-se comunitário numa acepção

que integra todas as diferentes realidades sócioculturais do território em práticas, valores

e direitos partilhados.

A obra dos planos envolve-se, assim, de uma forte significação representativa. O

passado tradicional, tipificado em práticas, símbolos e significados sócio-espaciais é

acompanhado pela construção de novos sentidos “histórico-culturais”, tentando criar um

padrão coerente na produção de imagens e conceitos de uma narrativa identitária. Ao

mesmo tempo, a construção simbólica (e espacial) da identidade, é suportada pela

construção social de uma realidade comunitária, que vive de precisos atributos sociais,

(económicos) e culturais. No intanto surgem algumas reflexões sobre como a construção

deste processo identitário será recebido pelos diferentes grupos socioculturais que

convivem no bairro? Concordará com as representações e as construções identitárias

definidas pela população? Através de que políticas se tentará construir uma estrutura

comunitaria? Serão as políticas de marco multiculturalista aptas para a criação de uma

comunidade igualitária e solidária?

5.2 A “Abertura”

O que estimulou o meu real interesse na Mouraria, não foi o facto de se verificar,

ou não, um plano de reforma sociourbanística que modificasse através de vários aspectos

o território; antes pelo contrario, foi uma atracção pessoal devido à tentativa de codificar

e explicar a grande e variada quantidade de projectos e realidades que estavam a

estabelecer-se na zona e que a tornam um cenário dinâmico e articulado.

O conceito de abertura nasce de uma análise etnográfica e a assunção de tal deriva

das entrevistas e dos diálogos com os interlocutores, enquanto que o conceito surgiu da

análise dos planos. Porém, o trabalho de campo demonstrou como este conceito -

partilhado a nível teórico e conceitual - é construído, utilizado e elaborado de maneiras

diferentes, às vezes até antitéticas, entre todas as entidades envolvidas no processo de

mudança do bairro.

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A abertura não é só um conceito identificador da nova imagem que se quer dar ao

bairro. Ao mesmo tempo este não teve nenhum tipo de matriz epistemológica no

desenvolvimento da pesquisa. No entanto, caracterizou-se por ser um “termoindicador”

através do qual foram considerados, quando possível, os processos de mudança que

envolvem o bairro e os seus residentes. Nesta pesquisa o conceito de abertura constituiu

então um olhar caracterizador ao mesmo tempo que caracterizado considerado como o

motor conceitual da obra de reforma sociourbanística do bairro na sua complexidade e

contraditoriedade.

De acordo com o que afirmam os anúncios publicitários e as palavras dos políticos

nas conferências de imprensa, o projecto do QREN tem por objectivo apresentar a

Mouraria à cidade e ao mundo inteiro. Exemplo disto é o discurso de António Costa84

no

qual a Mouraria é tratada com o apelativo de bairro histórico da cidade ao qual se

seguem os adjectivos fechado e desconhecido. “A antiga Mouraria, com os seus segredos

e a sua história, deve tornar-se orgulhosa e brilhante aos olhos da comunidade moderna”

(Antonio Costa 2011).

Partindo das informações adquiridas no trabalho de campo, que se tornaram um

proveitoso factor explicativo, revelou-se um conceito recorrente que numa palavra

conseguia resumir as formas e os conteúdos desta obra de intervenção. A análise dos

planos, as entrevistas feitas aos seus responsáveis, os encontros informais e as conversas

com os representantes das associações, identificaram e definiram o conceito de abertura.

O conceito de “abertura” representa um ponto extremamente importante no

enquadramento do sistema de intervenção que estamos a analisar visto que permite

perceber as estratégias desenvolvidas e ler os possíveis significados a elas atribuídos.

Através do conceito de abertura as reflexões expostas neste capítulo parecem encontrar

uma ordem conceitual.

5.2.1 As linhas da “abertura”

A definição territorial operada pelo QREN Mouraria desenhou os limites da

intervenção definindo um território conceitualmente abstracto ao mesmo tempo que

espacialmente circunscrito. Porém, isto não parece corresponder ao território que

identificava a Mouraria nas atribuições espaciais que até há pouco tempo lhe conferiam

as instituições, as administrações locais, os estudos, a literatura e até os próprios

84

Extraído do discurso do presidente da Câmara Municipal de Lisboa António Costa, Reunião com a população

na Casa de Lafões, 23 de Setembro 2011.

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79

moradores que nele situam ainda hoje representações e práticas rituais. Pelo contrário, ela

define um território muito mais vasto que abrange e interliga zonas e lugares diferentes.

Neste procedimento de redefinição - ampliação territorial - é possível identificar o

primeiro nível do conceito de abertura.

Como já foi referido, esta operação compoem-se de dois factores principais: a

ampliação de um território espacialmente estigmatizado, através do “englobamento” das

zonas mais próximas dele e a construção de percursos temático-culturais que abrangem e

interligam significativamente as diferentes partes envolvidas no território. Isto é, por um

lado quer definir-se uma área vasta, densa e integrada no centro da cidade, acessível e em

contínua ligação com os outros pontos da cidade, um lugar de conjunções entre vários

eixos económicos e culturais, ou seja um lugar inserido numa rede de lugares; e por

outro, quer planificar-se rotas e percursos turísticos que representem uma nova unidade

territorial, compacta e coerente, através da reutilização de velhos discursos identitários e

da construção de novos significados simbólicos.

Esta abertura de tipo territorial corresponde a uma intenção de envolver o bairro

num fluxo contínuo de movimentos de pessoas, actividades e mercadorias. Na visão do

QREN Mouraria, a abertura é percebida como a melhoria dos percursos e dos eixos de

entrada, saída e atravessamento do bairro por um trânsito regulamentado e ruas em

ordem. Concretamente, este plano aponta para a intervenção no espaço público de molde

a constituir uma maior acessibilidade e mobilidade dentro e em redor do bairro. Ao

mesmo tempo, a reabilitação física do território, com a criação de novos prédios e

equipamentos contribui para o estimulo de novas formas de uso e aproveitamento do

espaço, seja pela população residente seja por um público que o visita ou o transita.

A redefinição do território e a requalificação do espaço público constituem o

objectivo em reabilitar a imagem urbana do bairro que deveria constituir um motivo de

atracção para um novo tipo de capital social. A abertura consiste também em criar os

pressuupostos para o estabelecimento no bairro de novas classes sociais, com uma melhor

condição socioeconómica e diferentes interesses culturais. O processo que foi definido

como “balançamento social” refere-se ao envolvimento de novos grupos sociais no

contexto socioespacial do território na esperança de que eles tragam novos e diferentes

investimentos, recursos, iniciativas económicas e que dêem um maior impulso ao

desenvolvimento socioeconómico e cultural do bairro. A abertura de novos espaços -

sociais, culturais e económicos - coincide com a abertura para novas pessoas - sociais,

culturais e económicas.

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80

O conceito de abertura é expressado de formas diferentes pelos seus interlocutores

embora lhe seja atribuído o mesmo significado. De maneira física ou conceitual, a

abertura é vista como a possibilidade de aceder ao bairro, poder entrar e sair dele,

atravessá-lo de uma ponta a outra, torná-lo num território de passagem, de

transitoriedade, de confluência – quer de pessoas quer de mercadorias - na prática,

segundo uma certa ideia, “re-territorializá-lo”.

A obra de abertura pode ser entendida, numa primeira instância, como a

descaracterização do bairro pois ao redefinir os seus contornes e diversificar o seu tecido

social a abertura pretende quebrar a estigmatização socioespacial pela qual é conhecido.

No entanto, ela não pressupõe minar as construções e as representações que o

caracterizam na relação identitária que tem com a cidade. Permanecem assim tanto os

significados ligados à tradição popular como os que remetem a uma “imagem positiva”

do bairro, mas, ao mesmo tempo, tenta-se construir novas representações caracterizadas

através da diversificação da oferta cultural e económica que ela propõe.

5.2.2 O enfoque da participação

Como já foi visto, estão a ser implementados no bairro dois planos de impostação

complementar. O conceito de abertura foi-se revelando inicialmente na recolha de dados

do QREN Mouraria, pois aparecia como palavra-chave nos discursos do seu

planificadores. Por outro lado, na medida em que o PDCM começava a definir a sua obra

eram também delineadas as ideias e estruturas conceituais de um plano que entendia o

conceito de reforma de uma maneira diferente.

Uma das questões fundamentais que caracterizaram o PDCM na sua evolução foi

um tema que surgiu muitas vezes ao longo das reuniões e que caracterizou um argumento

de profundo debate durante as fases organizativas: a participação da população. Desde o

primeiro momento foi claro, do ponto de vista das associações parceiras, o tipo de

orientação que devia seguir o desenvolvimento do plano. Já na “análise geral de crenças”

foram estabelecidos pontos bem explícitos sobre este ponto. A participação entende-se

como um processo que se desenvolve “de baixo-para cima”, e que “assenta na

diversidade e no respeito das escolhas e das posições de todas as partes envolvidas”85

.

Uma maneira de agir atenta então à especificidade de cada contexto e à consideração e

respeito de todas as forças em campo. O PDCM, não é construído, à diferença do QREN

85

Analise geral das crenças, Relatorio Final PDCM pag.13

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81

Mouraria, como uma entidade externa ao território mas nasce precisamente das forças e

da sua capacidade para criar novas energias e recursos.

O PDCM baseia o seu trabalho na ideia que “a participação dos cidadãos não é

simplesmente a oferta voluntária de tempo ou recursos, mas resulta da sua participação

nos processos de decisão a favor da comunidade. A participação comunitária não se

resume a um suporte ou ajuda entre membros de um determinado grupo, envolve o

contributo efectivo nas decisões, com impacto na mudança social, o que pode acontecer

segundo diversas formas como, a qualidade de vida nos bairros, questões ambientais,

segurança e prevenção da violência interpessoal”86 (Dalton 2002). Um envolvimento que

interessa a população em múltiplos aspectos e que, em consequência, a torna responsável

em questões de gestão, salvaguarda e produção dos recursos internos, nomeadamente nas

práticas no espaço público, resultado de um uso colectivo e participativo, e o tema da

segurança.

A participação é orientada através da obra das associações empenhadas no dia-a-dia

no território. O programa e as estratégias assim como as actividades e as iniciativas são

individualizadas através do trabalho conjunto e da colaboração dos parceiros do PDCM,

que fazem propostas e disponibilizam recursos e conhecimentos. Delineiam-se assim uma

série de estratégias que apontam para o envolvimento de uma numerosa quantidade de

habitantes e ao aproveitamento de espaços e recursos do território. O envolvimento da

população manifesta-se concretamente nas dinâmicas de produção artística, económica e

cultural, o que, segundo a linha do projecto, proporcionará um “forte impulso ao resgate e

à emancipação de uma numerosa faixa social da população de Mouraria”87

(Cristina

Silva).

86

DALTONet al. 2001 cit. por ORNELAS, “Participação, empowerment e liderança comunitária”, 2002, pag. 6 87

Extrato dà entrevista a Cristina Silva. 7 Dezembro 2011

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82

Estratégias para o envolvimento e a participação da população

Tabela 11

A tabela mostra os projectos constituídos no âmbito do tema do envolvimento e da

participação. Nela é possível ver como os objectivos intermédios põem algumas questões

fundamentais na acção do PDCM.

Em primeiro lugar, aparece o factor social e socioeconómico desenvolvido através

da implementação de numerosas formas de inclusão social: a criação de novos grupos

associativos que apontam para a intensificação da obra de assistência e suporte às pessoas

carenciadas, à realização de laboratórios e de oficinas de trabalho intergeracional e o

aumento do fornecimento de bens e serviços abertos a toda a comunidade. Em segundo

lugar, o factor económico desenvolvido através da criação de uma caixa de crédito local

que dará a possibilidade às pessoas de usufruirem de prestações e fundos “evitando” os

vínculos monetários e criando, ao mesmo tempo, novas formas de contratos sociais (e

económicos).

Outro aspecto fundamental é aquele que está ligado à apropriação do espaço

público. O espaço é adquirido através da promoção de actividades lúdicas e de desporto,

que envolvem as pessoas na participação activa e no convívio pessoal e de grupo. As

ruas, as praças e os largos do território voltarão a ser o cenário das actividades da e para a

comunidade e, através também das obras de requalificação urbana, deverão tornar-se

lugares acolhedores para o lazer e a recriação dos grupos sociais. A produção artística

será encorajada através de uma vasta gama de acções e actividades na interelação entre

pessoas e espaços.

Evidencia-se nesta planificação um outro tema importante na definição do carácter

ontológico e conceitual do plano pois ela pega nos contornos da promoção de um

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83

identidade ligada ao lugar (endógena ou exógena). Dentro deste tipo de orientação, a

participação é entendida como veículo através do qual se desenvolvem discursos

identitários. Ou seja, nas intenções do PDCM é suposto acompanhar a promoção de um

substrato social coeso e solidário com um sentimento identitário plural e coerente com

uma reformada ideia de comunidade local. Para este fim parecem ser úteis as iniciativas

inter-religiosas e intergeracionais e a realização do documentário sobre os aspectos

tradicionais da Mouraria. A participação desenvolve-se nas estruturas de produção

cultural criadas para a população onde se renovam modelos e práticas sociais de

integração comunitária. Por sua vez, ela vem inserida em eventos e iniciativas ligadas à

representação da tradição para uma renovada caracterização cultural do bairro.

5.2.3 Participação, arte e “abertura”

A tentativa de envolver os indivíduos e os grupos do bairro na produção das

actividades economicas e sociais representa um ponto de ruptura fundamental a respeito

da ideia que caracterizava o território como lugar de segregação onde as necessidades

estavam submetidas às possibilidades. A requalificação do território, com a obra do

PDCM, passa também por formas de emancipação económica e pela melhoria do acesso

aos recursos sustentáveis seja individual ou colectiva. Além disso, a participação e o

envolvimento da população como objecto de uma reforma social do bairro, desenvolve-se

através de linhas e temáticas “poliédricas” que muitas das vezes desembocam num

variado conjunto de projectos artísticos e culturais. A participação coincide com a

assunção das problemáticas e das questões remetidas pelos indivíduos a partir da própria

vida diária o que significa então fazer voltar os planos de um contexto exógeno e

histórico para um endógeno e quotidiano, já que muitos destes projectos tentam revelar e

reactualizar a dimensão subjectiva como factor socialmente fundamental na definição de

um bairro.

“Companhia limitada” é o nome de um projecto desenvolvido pela associação SOU

– Movimento e Arte, parceira do PDCM. O projecto centra-se na vida e nos problemas

dos idosos que não podem sair de casa, confinados às paredes simbólicas e reais de uma

sociedade indiferente e descuidada. Como foi decrito no projecto, “um grupo de

estudantes/artistas visitaram sete dessas pessoas, que vivem entre a Mouraria e a Baixa

antiga de Lisboa: Belmiro, Olga, Natalina, Silvina, Florinda, Barros e Sofia.

Conheceram-se e conversaram. Encontraram ideias no meio de palavras e suspiros.

Trabalharam essas ideias e materializaram-nas em movimento e música. Sete

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84

espectáculos curtos surgiram entre as suas mãos. Vão ser apresentados em quartos,

cozinhas, escritórios ou pequenos espaços em frente da casa, para quem já não possa sair

para ás compras”88

. A Directora do projecto, Madalena Vitorino – ex-programadora do

Festival Todos89

- trabalha em múltiplas iniciativas para dar voz às subjectividades e às

diferenças das quais o bairro é inexaurível divulgador.

Dar espaço à expressão de uma subjectividade vinculada ao lugar serve para

reafirmar e assistir a uma dimensão íntima e privada muitas vezes esquecida nos grandes

projectos urbanísticos ao mesmo tempo que se pode utilizar para tentar desenvolver uma

análise experiencial da mudança.

Hélène Veiga Gomes é doutoranda em antropologia e investiga as representações

da paisagem urbana a partir de contextos em transição como é o caso da Mouraria. No

seu projecto “Intendente(s)” convidou para participar um pequeno grupo de pessoas

residentes ou frequentadores da zona do Intendente e pediu-lhes que retratassem, através

da fotografia, o seu espaço diário exterior de forma a dar vida a uma reflexão sobre as

imagens subjectivas da cidade em transformação. O trabalho, que culminará numa

instalação artística no largo recém-renovado, brinca com as imagens, as visões e as

representações de um território visto com os olhos de quem o vive para depois compará-

lo e justapó-lo às imagens oficiais e publicitárias que o definem como uma representação

exógena. Como afirma a Hélène, “o projecto desenvolve-se sobre dois níveis: mostrar as

imagens do Intendente através dos olhares de quem vive lá; cruzar estas com as imagens

institucionais que são propostas, para operar uma decostrução da imagética do lugar boa

para re-discutir o tema da representação”90

.

As visões e as representações do lugar remetem para a descoberta de novas

subjectividades ao mesmo tempo que podem ser usadas para desenvolver novos discursos

sobre a identificação e a ideia de identidade, seja endógena ou exógenamente definida.

Neste sentido, a jovem coreógrafa catalã Ainhoa Vidal dirigiu uma peça de teatro

protagonizada pelos habitantes do bairro da Mouraria. Os actores eram as crianças, os

velhos, as mulheres, os homens, portugueses, indianos, africanos e todos os elementos

que compõem o variado estrato social da zona. A peça chama-se “Macondo”, nome com

88

PROJECTO COMPAMHIA LIMITADA, Associação SOU – Movimento e Arte

soumovimentoearte.wordpress.com Maio 2012 89

Todos – caminhada de culturas. II edição, Mouraria 8, 9, 10 e 11 de Setembro 2011 90

Declaração extrapolada de uma conversa informal com a amiga Hélène Veiga Gomes

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85

o qual Gabriel García Márquez baptizou a aldeia do seu Cien años de soledad, e foi

representada no Beco do Jasmim, um dos largos mais “autênticos” da “velha Mouraria do

berço do Fado”, que a seguir foi palco das obras de requalificação. Tal como a Macondo,

Mouraria representa uma comunidade. Como afirma a autora, “Macondo é uma aldeia

que aparece e desaparece. Um lugar levantado por um homem e uma mulher ao fugirem

do terror de uma superstição . Macondo é um estado de paixão, de guerra, de traição, de

descobrimento, de milagre, de beleza, de crença, de solidão e de morte. É uma roda que

gira geração após geração, numa pequena humanidade, tão como deve ser a Mouraria”91

.

Subjectividade e comunidade, representações e identidade são os temas através dos

quais se desenvolvem as práticas participativas concebidas nos planos, nomeadamente no

PDCM. A análise das estratégias e das formas de participação promovidas pelos planos

remetem-nos às considerações feitas sobre o tema da abertura. O apoio fornecido às

pessoas carenciadas ou com necessidades mais urgentes, o envolvimento de indivíduos

nas redes sociais e nas colectividades, o suporte económico e os incentivos ao

empreendedorismo e uma gestão colectiva do espaço público92

são medidas que apontam

para romper aquele isolamento social que distinguiu o bairro ao longo das épocas.

Perdeu-se a ideia de que a Mouraria, ou o territorio que por ela vem codificado, sofreu

um continuado tempo de segregação socioespacial, pois se a segregação espacial foi

definida pela sua caracterização geográficomorfológica, a segregação social referiu-se

sempre à condição humana dos seus habitantes privados das mais diversas oportunidades

de desenvolvimento. Envolver então a população nos processos de desenvolvimento, no

acesso e na gestão dos recursos locais revela-se uma ruptura da segregação que da passo

a uma forma de abertura.

Conjuntamente com isto, as formas de envolvimento e de participação manifestam-

se de forma concreta através da produção de eventos artísticos e culturais, pois é através

da sua implementação que as diferentes estratégias de participação nas quais os

indivíduos podem expressar as suas próprias subjectividades ao tornarem-se

protagonistas da realidade social que os circunda torna-se possível. Assim, o

envolvimento da população é por si próprio um fenómeno de abertura. Então, como se

91

Discurso de presentação da obra Macondo. Ainhoa Vidal, 10 de Setembro 2011 92

Veja-se o parágrafo A pratica do espaço publico (5.1.2)

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86

poderia chamar ao facto de a senhora Florinda, depois de muitos anos, aparecer à janela

para assistir ao seu espectáculo93

?

5.2.4 O paradigma da “abertura”: para uma hemenêutica do processo de reforma

Consideramos antes a abertura como uma estratégia de requalificação

sóciourbanística que se manifesta através de uma redefinição tanto territorial como social

e representacional do lugar. Caracterizada, como exposto no plano QREN Mouraria, pela

explicitação de uma dinâmica de tipo exógeno, quer dizer, por uma dinâmica onde a

implementação da mudança social, a atribuição de novos valores e os esforços

económicos disponibilizados procedem fora do contexto urbano em questão. Por outro

lado, o papel do PDCM revela a intenção de criar uma maior estruturação do tecido

comunitário a partir da obra das entidades endógenas do território que é suposto

desenvolverem um trabalho recíproco na relação com a população ao envolvé-las nas

propostas, nas actividades e nos projectos a implementar no bairro.

No decorrer da minha tese, e à medida em que obtinha os dados e tentava compor

um quadro de análise sobre os planos, apercebi-me de que a acção complementar dos

dois planos se articulava de maneira clara e distinta nas formas em que eles agiam e nos

conceitos que representavam. Durante muito tempo considerei o QREN Mouraria e o

PDCM como duas entidades diferentes, alternativas, até antagónicas pelas ideias e as

concepções que desenvolviam. Foi claro desde o primeiro momento, graças às discussões

e as entrevistas com os seus protagonistas, que ambos desenvolviam um trabalho de tipo

complementar. Embora me pareceia que esta complementariedade não constituia uma

certa compenetração entre os planos, mas sim agia como uma forma de “balançamento de

estratégias”, onde às propostas reformadoras de um se contrapunham as propostas

reformadoras do outro. Surgia assim, portanto, na minha opinião, uma sorte de dicotomia

sobre a qual se fundamentava a obra de reforma sociourbanística da Mouraria. Nesta

dupla imagem havia, por um lado, o plano do QREN com a sua intervenção externa

caracterizada por movimentos e vectores que seguem eixos “de fora para dentro”

(turismo, investimentos, obras e interesses extra locais); e por outro, o PDCM, onde a

93

O dia 15 de Junho 2012, a pé das Escadinhas da Saúde, o grupo de trabalho “Companhia Limitada” encenou o

“espectáculo pessoal” dedicado a senhora Florinda. Ela é uma mulher de oitenta e seis anos que por causa de problemas

de motricidade não sai de casa há mais de cinco anos. Nesse dia ela, através da sua janela observou um pequeno grupo

de pessoas, entre artistas e simples curiosos, chegados até alì para lhe dedicar uma peça de teatro, e coisa mais

importante: um pouco de atenção.

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estruturação era puramente interna e a obra era dirigida para a formação, capacitação e

promoção social do território. Os conceitos através dos quais os dois planos se

implementavam, segundo a minha ideia original, eram: para o QREN Mouraria o

conceito de abertura; para o PDCM o de participação.

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88

Figura 394

94

Esquema gráfico que tentava descrever a obra de reforma sócio urbanística implementada na Mouraria através da

análise dos termos de abertura e participação. Extraído do caderno de campo: produzido no Abril do 2012.

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Como mostra o esquema produzido durante o meu trabalho de campo, tentei

analisar os dois planos através dos conceitos que os representavam aos olhos do seus

promotores e participantes. O conceito de abertura e o de partecipação, destacam-se

como palavras-chave aos lados da tabela e desdobram-se uma série de temas e estratégias

de intervenção que definem uma estrutura dicotómica. Como foi descrito acima, a minha

primeira intuição foi a de entender as acções dos dois planos através de uma espécie de

“balançamento”. As estratégias e as políticas de reformas de um correspondiam às

estratégias e às políticas do outro marcando uma certa reciprocidade entre proposta e

contra-proposta, projecto e contra-projecto, visão e contra-visão. No entanto, esta

dualidade, que distinguiu as formas e as práticas de accão dos dois planos converge na

hora de definir os focos de acção da obra de renovação.

Como descrito no capitulo 5.1 a análise da obra de reforma sociourbanística da

Mouraria, revelou quatro eixos principais: uma redefinição territorial apriorística e

instrumental; uma profunda intervenção sobre o espaço público, quer seja do ponto de

vista arquitectónico quer seja da constituição de novas formas de aproveitamento; uma

consistente alteração do tecido socioeconómico do território ao promoverem a introdução

de novas classes sociais, mas favorendo também a capacitação e o desenvolvimento de

uma economia interna; uma constante obra de sensibilização, impregnada de símbolos e

discursos que remetem para a construção de conceitos como “identidade” e

“comunidade”.

Na visão que acompanhou o meu trabalho de campo, estes quatro objectivos eram

atingidos através das obras dos planos, que eram por sua vez codificadas pelos dois

conceitos analisados. Com o passar do tempo, e com os planos que começavam a

materializar-se nas ruas o do QREN, nos projectos abertos à população o do PDCM -

comecei a focar o meu trabalho sobre alguns aspectos menos aparentes que

caracterizavam esta obra de reforma com a intenção de também pôr em evidência as

questões um pouco equívocas e não tão visíveis que minavam a minha construção

dicotómica. O trabalho de campo, mais uma vez, confirmou que não se pode inscrever

num diagrama um processo de mudança social ainda em construção, nomeadamente a

obra de reforma sociourbanística da Mouraria, e que não era possível esclarecer este

através de um gráfico dicotómico, apesar da abertura e participação serem dois

conceitos que surgiram precisamente do trabalho de campo. Então, como sintetizá-los

para criar um sistema explicativo?

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A conclusão à qual cheguei foi que abertura e participação são dois conceitos

existentes na obra de renovação da Mouraria, porém 1) cada conceito não corresponde

necessariamente a um só dos dois planos e por isso não pode definir completamente

qualquer acção de um destes; 2) os dois conceitos agem a níveis diferentes, dentro da

obra de implementação.

Em primeiro lugar, a construção dicotómica vem rejeitar a constatação de os

conceitos de abertura e participacção não agirem em correspondência com um plano

específico, mas vem demonstrar que elas se encontram presentes em formas e momentos

diferenciados na obra de renovação. A abertura não é um conceito do QREN Mouraria

da mesma forma que a participação não é um conceito exclusivo do PDCM. Por exemplo

no PDCM, os projectos dedicados ao envolvimento da população promovem a construção

de uma identidade do bairro, quer seja endógena quer seja exógena95

. A participação

neste contexto é utilizada para promover uma caracterização do bairro em função da sua

relação com o exterior, com a cidade (abertura). Delineia-se assim uma

complementariedade e uma inter-penetração que entrelaça tais conceitos em ambos os

planos. Complementariedade e inter-penetração que se expressa também na mesma

constituição dos planos. O LARGO Resindências é um projecto do QREN, que

remodelou um prédio no Largo do Intendente e o disponibilizou para artistas e

associações que trabalham no bairro. Nele trabalha a Associação SOU e outras entidades

que fazem parte do PDCM. A requalificação do Quartierão dos Lagares é uma obra

financiada com os fundos do QREN e que se transformará no Centro de Inovação da

Moraria onde estabelecer-se-ão associações e actividades relacionadas com o PDCM.

Assumido que os dois conceitos estão interligados dentro da obra de reforma,

voltamos a considerar que as formas de participação através das quais se desenvolvem

alguns projectos, constituem por si próprias uma forma (social) de abertura. Isto significa

que embora os dois conceitos existam complementarmente não se estruturam num

mesmo nível. A abertura define conceitualmente a obra de reforma, expressa as ideias e

as concepções através das quais se desenvolvem as estratégias e as práticas de reforma.

Com o seu carácter de “intenção” constitui antes o fim da acção dos planos. No entanto, a

participação resulta de uma forma de gestão e organização da obra de reforma.

Representa em si própria uma estratégia de implementação, que é desenvolvida

conforme alguns temas e momentos da intervenção. Com o seu carácter de “prática”

define melhor um meio de acção dos planos. Os dois conceitos agem então em níveis

95

Tabela n. 11

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91

diferentes: um como método de desenvolvimento da acção, outro como resultado final da

intervenção.

O fim da obra de reforma sociourbanística é a abertura do bairro. Ela é orientada

através de eixos de influência determinados. Na implementação destes eixos são

desenvolvidas práticas e estratégias diferentes das quais a participação é o motor

conceitual das intenções do PDCM. A participação revela-se não só como um modelo de

reforma mas como uma prática utilizada na operacionalização de projectos específicos. A

obra de reforma da Mouraria, atinge a abertura do território: que poderá acontecer com

ou sem o envolvimento de processos de participação.

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6. Viver na reforma: expectativas, mudanças e vida quotidiana no bairro

Ao longo deste ano de campo, acompanhou-se a obra de reforma do bairro seguindo

as diferentes fases que a caracterizaram, tentando definir os pontos de vista das

instituições que a implementaram, das associações que nesta se envolveram e da

população que, na sua quotidianidade de vida no lugar, a “sofreu”. Em particular

procurou-se estar em estreito contacto com os habitantes do território envolvido nas obras

para perceber quais eram os significados que estes davam ao próprio bairro, mas também

quais fossem as aspirações e os desejos que estes expressavam sobre à mudança que

haveriam podiam caracterizá-lo. Ao mesmo tempo, com o progredir das obras, tentou-se

verificar durante o trabalho de campo, eventuais formas de mudanças nas vidas das

pessoas e nas representações que estas faziam do seu bairro. Tentou-se então “viver no

campo” o processo de mudança, questionando-o, a par das entidades promotoras, também

com as pessoas que moram, trabalham ou ligam as suas existências quotidianas ao

território implicado.

Como já foi dito, o território envolvido por este processo de reforma engloba

diferentes realidades sócio - territoriais, assim como acolhe a presença de diferentes

grupos sócio - culturais, cada um dos quais vivendo de maneiras diferentes e às vezes

contrastantes o bairro. Por isso partiu-se da ideia de que a criação de uma nova imagem

do bairro, representava um factor de mudança sócio - espacial, económica e simbólica

que envolvia de maneira variada as diferentes pessoas que (em termos de idade, sexo,

profissão, área residencial, pertença social ou cultural), povoam a Mouraria. O trabalho

desenvolvido com os habitantes do território ajudou então a fazer uma análise desta

reforma assim como sair de um ponto de vista endógeno. Através desta análise tentou-se

perceber se a obra de requalificação espacial e revitalização económica do bairro,

implicava as mudanças esperadas e era bem acolhida por parte da população, e de que

maneira a redefinição de novos significados simbólicos e culturais ligados ao território,

tinham uma certa coerência com as construções e as definições expressadas pelos seus

habitantes.

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6.1 A mudança do espaço público

Durante o ano em que se desenvolveu o trabalho de campo, o cenário da Mouraria

aparecia completamente perturbado: as ruas estavam cheias de terra, os largos já não

existiam e enormes buracos descobriam canais subterrâneos onde corria a água, a

electricidade e também os esgotos da cidade. A vida no dia-a-dia das obras revelou-se

muito dura para os seus habitantes que de formas diferentes sofriam os condicionamentos

das obras. Muitos queixavam-se pela desaparição de lugares de estacionamento, outros

pela impossibilidade de passar por alguns lugares ou a dificuldade em sair de casa. O

António, gerente da renomada tasquinha Os Amigos da Severa, situada na Rua do

Capelão naquela altura afirmava: “Está-se a viver um bocado mal. Por exemplo aqui

nesta rua que é Rua do Capelão, se quiser passar por cá, eu que por exemplo aqui vou a

trabalhar tenho que passar por cima desta porta que cobre um buraco de dois metros, e

isto cria muitos problemas às pessoas!”96

A Maria do Livramento, cabo-verdiana que há

trinta e dois anos gere o Restaurante São Cristóvão também confirmava: “Todo isto é

muito mal, tudo está destruído, parece uma guerra, aqui já não se vê ninguém!”97

.

As obras mudaram rapidamente o aspecto exterior do bairro e em menos de cinco

meses já se podia notar a mudança que estas trouxeram ao espaço público. As praças

foram renovadas com nova iluminação e pavimentação. Ao mesmo tempo que

desapareciam os lugares de estacionamento e os buracos no chão, apareciam bancos,

árvores e fontes. Assim como mudavam as opiniões das pessoas. A mesma Maria do

Livramento só um mês meio depois da primeira entrevista voltava a afirmar: “Agora este

lugar é mais lindo, parece quase mais fresco, limpo até mais aberto, pois esta [Rua de São

Cristóvão] já parece uma avenida!”98

.

Tentou-se perceber no curso dos inquéritos e das conversas com os informadores se

as obras mudaram espaços onde eles costumavam passar o tempo e desenvolviam as

próprias relações sociais. Para todos eles estes espaços caracterizavam o cenário da

própria vida quotidiana, mas todos ficaram felizes por vê-los mudados assim como

apareciam. Moin é um jovem bengali que trabalha como mediador intercultural e mora na

Rua Marques Ponte de Lima. Ele referiu:

96

Extrato dà entrevista a Antonio Gomes. 15 de Março 2012 97

Extrato dà entrevista a Maria do Livramento. 23 de Março 2012 98

Extrato dà entrevista a Maria do Livramento. 7 de Maio 2012

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É muito bom como está a mudar [a Mouraria], sinto-me mais confortável e acho que

haverá mais possibilidade para poder aproveitar destes espaços. É cedo para dizer se

isto mudará alguma coisa nos costumes das pessoas ma já vejo muitos amigos [refere-se

aos amigos bengali que moram no bairro], ir a passar o tempo na praça Martim Moniz99

e no Largo do Intendente.100

O António confirma: “Quando eu puder, espero poder aproveitar mais destes espaços,

pois antes não. Já as vezes vou sentar nos bancos aqui do Largo da Severa, mas também

gosto de ir em outros sítios que eu já não ia há muito tempo”.101

As perguntas sobre a mudança do espaço público levaram a questionar como

estavam a mudar práticas comportamentais que antes eram desenvolvidas nestes espaços,

e como, ao mesmo tempo, começavam a aparecer novas formas de uso e gestão do

espaço público. Em particular começou-se a investigar a partir do tema da segurança e

das boas práticas do espaço público, como eram consideradas pelos moradores. A Rosa,

por exemplo, é uma galega que mora na Rua de Bemformoso há 47 anos, onde possui

uma actividade de lavandaria:

Eu nunca me senti insegura aqui no Intendente, tive sempre fortes relações com as

pessoas que costumavam viver no bairro, de qualquer maneira é evidente que ao mudar

o bairro, mudam também as pessoas, porque as pessoas querem estar num sitio onde lhe

seja permitido fazer o que costumam fazer. Neste sentido, as ruas mais iluminadas

fizeram com que as pessoas que queriam estar num lugar ‘mais escuro’ tivessem que se

afastar daqui. As obras no espaço fizeram com que todo o ambiente se modificou e isto

também tem qualquer aspecto com a segurança.102

A opinião da senhora Rosa é retomada pela maioria dos sujeitos consultados: para quase

a totalidade destes a Mouraria não é um lugar inseguro, ou pelo menos já foi bem pior.

De qualquer maneira o tema da mudança do “ambiente” (social) ao mudar do espaço

público retorna periodicamente nos discursos dos moradores. Moin por exemplo afirma:

“O ambiente é mais lindo, estão a desaparecer os jogadores de cartas e a droga em muitos

99

Uma das anotações tomadas nos dados de campo foi referida à observação de uma sempre maior presença de jovens

de origem bengali na requelificada praça de Martim Moniz. Estes costumam passar longas horas da tarde jogando a

cricket ou brincando com as instalações de água recentemente construídas. 100

Extrato dà entrevista a Moin. 27 de Maio 2012 101

Extrato dà entrevista a Antonio Gomes. 28 de Maio 2012 102

Extrato dà entrevista a Rosa. 2 de Junio 2012

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lugares. Sinto-me mais seguro porque eu chego tarde a noite do trabalho e algumas vezes

encontrava bêbedos que te pediam qualquer coisa e agora não os estou a ver”.103

Quanto a novas práticas de gestão e organização do espaço, no final das obras

consultaram-se alguns residentes sobre a eventual aparição de regulamentações de ordem

cívica ou comportamental. A Isabel, moradora da Freguesia de Socorro afirma: “Agora

tem regras para o lixo; tem que se por o lixo fora só depois da sete horas da tarde e cada

dia tem que se por o lixo certo, depois eles vão fazer a diferenciação. Antes cada um

punha o lixo a qualquer hora e era um bocado uma confusão”. A uma seguinte pergunta

ela responde: “Por enquanto ninguém controla isto, mas as pessoas estão-se a portar

melhor, pois eu acho que se um lugar é limpo e arrumadinho as pessoas até gostam de

mantê-lo assim; de outra forma antes, que estava tudo sujo e desarrumado, as pessoas não

cuidavam dele”.104

No que se refere a esta última afirmação, algumas situações

observadas na pesquisa de campo confirmaram esta concepção, tendo observado mais de

uma vez moradores ou negociantes a limpar o espaço em frente da própria loja ou

habitação, de qualquer tipo de sujidade presente na rua recentemente renovada.

6.2 A mudança do contexto social

Nas entrevistas com os moradores e a população do bairro pretendeu-se também

investigar eventuais fenómenos de mudanças relativos ao tecido socioeconómico do

território envolvido na reforma.

Começou-se a investigar se dentro do bairro apareceram novos moradores,

frequentadores habituais ou se algum privado tinha comprado novos ou velhos

alojamentos. A resposta de todos os entrevistados foi similar neste sentido. Nas diferentes

zonas do território envolvidas nas obras, apareceram novos compradores que invistiram

em prédios recentemente reestruturados. O António não tinha dúvidas: “Compraram sim

senhor! Até aqui em frente já se vendeu um: esteve vinte anos para se vender e há uma

semana vendeu-se!”.105

Outros confirmaram a chegada de novos vizinhos. Ana Rita,

moradora do Largo do Trigueiros confirma: “Já se vieram novos vizinhos, é gente de

fora: franceses etc… Alguns deles também compraram espaços para fazer aqui

comércio…”.106

Quanto à pergunta sobre se algum deles sabia se tinha aumentado a

103

Extrato dà entrevista a Moin. 27 de Maio 2012 104

Extrato dà entrevista a Isabel Silva. 15 de Maio 2012 105

Extrato dà entrevista a Antonio Gomes. 28 de Maio 2012

106

Extrato dà entrevista a Ana Rita Botelho. 3 de Maio 2012

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renda dos imóveis na zona, o mesmo António voltou a referir: “Sim , as rendas é possível

que tenham subido não é! Porque aproveitam a influencia do bairro para tentar

aumentar”.107

De qualquer maneira nenhum morador entrevistado viu aumentar a renda

da sua casa, nem referiu saber se alguém dos actuais vizinhos da zona se foi embora nos

últimos tempos. No entanto a Rosa refere como na zona do Intendente se verificou um

exponencial aumento de frequentadores e residentes: “Já sei que muitas pessoas vieram a

morar para aqui. Vê o caso do Intendente, no passado no largo estavam a morar uma

vintena de pessoas, não mais, agora só com aquele novo prédio chegaram a viver mais do

sessenta - cem pessoas108

: e tu podes imaginar os impactos que têm mais cem pessoas no

bairro!”.109

Tentou-se num segundo momento averiguar se as obras de reabilitação trouxeram

mais turistas dentro do território envolvido. As respostas de todos os entrevistados, (em

particular, por este assunto, comerciantes), foi que sim, começaram aparecer mais

turistas! Shiblee, negociante de tecidos na Rua de Bemformoso comentou: “Agora há

mais pessoas a passar por aqui, eu gosto porque é diferente, há mais variedade”.110

Como

ele responderam assim todos os inqueridos entrevistados nas diferentes zonas do bairro

desde São Cristóvão até o Intendente. O Zé Maria, proprietário de um restaurante na zona

da Severa afirma: “Agora sente-se melhor as coisas, porque outras pessoas já começam a

visitar este bairro. Pessoas de vários pontos, até mesmo da cidade e também mais turistas

que tem curiosidade para conhecer este bairro.”111

Outro aspecto investigado foi tentar perceber a existência de algumas conexões

entre o aparecimento dos turistas e a de eventuais serviços públicos implementados no

território. A este respeito questionou-se a população sobre a aparição de uma obra publica

de limpeza, e foi confirmada a presença e a regularidade dos homens do lixo que

ajudavam a gerir, mais do que uma vez, a ordem e as condições higiénicas do bairro.

Com o mesmo propósito investigou-se nos últimos tempos se os indivíduos tinham

observado uma maior presença policial na zona em que viviam. As respostas a este

107

Extrato dà entrevista a Antonio Gomes. 28 de Maio 2012

108

A entrevistada refere-se ao novo prédio posto em função pela Câmara Municipal e denominado LARGO. Tal prédio

vem posto a disposição para artistas e estudantes que trabalham sobre a Mouraria/Intendente, aos quais vem dada a

possibilidade de alugar quartos e residir no edifício que se situa em frente da praça recentemente renovada. Além deste

prédio a Câmara Municipal criou no Largo do Intendente uma residência para estudantes Erasmus e estrangeiros que

estudam em Lisboa. 109

Extrato dà entrevista a Rosa. 2 de Junio 2012 110

Extrato dà entrevista a Sheblee. 3 de Junio 2012 111

Extrato dà entrevista a Zé Maria. 13 de Maio 2012

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inquérito foram discordantes, enquanto na maioria dos casos as respostas foram

negativas; deve-se excluir destas os residentes de Rua de Bemformoso que notaram uma

maior presença policial, a causa também das frequentes operações acontecidas nos

últimos tempos, que trouxeram à detenção de algumas pessoas declarada como imigrada

irregularmente.

No entanto este tipo de processos poder-se-íam revelar evidentes só ao tomar em

consideração uma unidade de tempo maior respeito àquela considerada nesta pesquisa.

6.3 A Mouraria entre Fado e “multiculturalidade”: algumas definições endógenas

Na obra de reforma sócio - urbanística do bairro da Mouraria, assumiu um aspecto

importante a valorização de uma imagem caracterízada do lugar. Detrás desta está uma

identificação de valores e símbolos, que remetem às questões sobre o património e

servem para a construção de uma imagem do bairro límpida e coerente para o

acolhimento de um publico exógeno. Esta atribuição de valores sócio – culturais, não se

conforma às objectivas matrizes históricas ou as efectivas condições sociais ligadas ao

território, mas é utilizada de maneira deterministica para delimitar novas fronteiras e

construir uma nova entidade espacial e representacional da cidade. A este propósito

tentou-se desenvolver com indivíduos de diferentes extractos sócio – culturais, nas

diferentes partes do território implicado nesta reforma, uma discussão sobre qual seria,

partindo de um próprio ponto de vista pessoal, (ligado a factores experienciais e

emotivos), a própria definição de Mouraria. Em particular foram feitas a seguintes

perguntas: “O que lhe faz pensar o nome Mouraria? Você mora na Mouraria? Para

identificar o bairro onde mora como o descreveria? O que é que caracteriza o barro onde

mora?”.

A maioria dos entrevistados aos quais se puseram estas perguntas deram respostas

que, cada uma na sua particularidade, remetiam para uma mesma visão de fundo. Os

entrevistados saíram da análise do nome Mouraria para explicar o contexto histórico e

social que originou e definiu esta parte da cidade. Muitos revelaram conhecer a história e

as especificidades que caracterizaram a vida deste bairro. Muito embora, à pergunta,

“Você mora na Mouraria?”, os indivíduos especificaram diferentes classificações sócio –

espaciais do território onde viviam. Os moradores de São Cristóvão reivindicaram a

pertença à própria freguesia, os de Rua de Benformoso à mesma rua, enquanto só aqueles

que moravam nos arredores do berço antigo do bairro se qualificavam como residentes na

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Mouraria. No entanto a descrição que estes faziam do próprio bairro e as caracterizações

que lhe conferiam, assumiam contornos extremamente subjectivos que iam além de

qualquer visão espacialmnte definida.

Respostas diferentes foram obtidas nas perguntas que tentavam codificar as ideias

dos moradores relativas a morar num território que se identificava por ser lugar de Fado e

“multicultural”. Aqui todas as pessoas entrevistadas demonstraram identificar-se

fortemente detrás destas duas realidades. Em particular, no caso do Fado, todos os

indivíduos, sem excepção de zonas habitacionais ou grupos étnicos, qualificaram o lugar

onde moravam como lugar de tradição fadista. A Maria, moradora cabo-verdiana da

Freguesia de São Cristóvão afirmou: “Este lugar é ligado ao Fado! Pois na Mouraria é

que nasceram os maiores fadistas como a Severa ou Fernando Maurício...!”.112

O Sr.

Carvalho, guardião do edifício da associação Os amigos do Minho, situado na Rua de

Bemformoso ao número 144, também declarou: “...Claro que este lugar é ligado ao Fado,

porque é ligado à Mouraria! Antigamente muitas pessoas que frequentavam o Fado na

Mouraria, navegantes e qualquer tipo de pessoas…, depois vinham para aqui a passar o

tempo, a fazer os seus negócios”.113

Aparece evidente como a questão do Fado remete

para algumas reclassificações de pertença e identidade ligadas ao território. Quando se

fala de Mouraria, os entrevistados identificam um pequeno conjunto urbano situado num

delimitado espaço marcado por antigas especificidades de origem histórica. Mas quando

se fala de Fado, a Mouraria torna-se, nas concepções expressas pelos vizinhos, como uma

entidade mais ampla e evolvente, dificilmente determinável sócio - espacialmente, e

completamente irredutível aos factos e às caracterizações históricas.

Um outro tema que viu os diferentes inquiridos responder sem hesitações de uma

mesma forma, foi aquele relativo à pergunta: “Achas que vives num bairro

multicultural?”. Todos os entrevistados, sem excepções relativas a zonas habitacionais ou

grupos sociais, acharam o bairro onde viviam um bairro “multicultural”, ou seja um

bairro onde existiam diferentes culturas, cada uma das quais levava para afrente as

próprias especificações, não sem, às vezes, problemas de convivência. Aqui também a

ideia de “território multicultural” parece ser entendida e assumida pelos moradores e as

pessoas que vivem quotidianamente o bairro, tanto no seu significado conceitual, como

na sua definição espacial.

112

Extrato dà entrevista a Maria do Livramento. 23 de Março 2012 113

Extrato dà entrevista ao Sr. Carvalho. 24 de Março de 2012

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99

6.4 A abertura nos discursos dos moradores

Enquanto se estavam a delinear os objectivos da reforma, e as ideias e as

concepções que guiavam as instituições e as associações que os promoviam, as conversas

com os informadores tentavam decifrar como, e se, estes estavam a atingir, condicionar

ou modificar a quotidianidade das pessoas do bairro. Em particular, tendo analisado o

conceito de abertura, tentou-se perceber se isto se podia repropor em forma endógena

nos discursos e nos aspectos da vida quotidiana dos moradores. Algumas declarações,

neste sentido foram bastante esclarecedoras.

Por exemplo, a Rosa, da lavandaria de Rua de Bemformoso, um dia declarou:

Outro dia encontrei uma pessoa que fazia muitos anos que não via. É uma senhora que

agora já é maior e que conheci há muito tempo, quando acabei de chegar…. Fazia como

vinte anos que não a via, já pensei que tinha mudado de bairro, e outro dia a encontro

pouco mais ao fundo nesta mesma rua….. Já se começam ver algumas pessoas que por

muito tempo não saíram à rua porque talvez não se sentiam confortável e que não

estavam bem na zona onde moravam.114

A Rosa revelou-se um dos informadores mais “interessantes” e foi decisivo muitas vezes

poder colher o seu ponto de vista, e considerar as suas experiências. Um dia perguntei-lhe

se havia lugares recentemente renovados que não costumava frequentar mas onde agora

teria gostado de passar o seu tempo. Ela respondeu: “A zona da Mouraria [arrabalde

mouro] é um sítio onde eu não ia. Fui acho prà ai dez vezes em quarenta anos. Agora

apetece-me lá ir, por causa também que conheci uns amigos que moram lá, e gostarei

passear por aí!”115

No discurso da Rosa podem-se revelar alguns aspectos que

caracterizam a ideia de uma abertura. O facto de voltar a ver uma pessoa que durante

anos não saiu do seu apartamento, e que se pensou ter mudado de bairro mas que agora

reaparece na rua e recomeça a viver o espaço público; a nova vontade de se deslocar

dentro das áreas requalificadas, saindo dos percursos que delimitavam os espaços da

própria quotidianidade, para diversificar e ampliar espaços e acções da própria vida

social; e também o facto de ter feito novas amizades, são todas questões que remetem

para a ideia de uma abertura simultaneamente social e espacial na vida de uma pessoa.

114

Extrato dà entrevista a Rosa. 2 de Junio 2012 115

Ibidem

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100

Outra discussão que fez pensar no conceito de abertura como concebido pelos

planos, foi quando a Maria afirmou: “Agora este bairro aparece mais aberto, mais

luminoso, e isto faz com que passem mais pessoas. E nos, não nos sentimos tão isolados,

tão angustiados para não ver pessoas. É bom ver pessoas passar num espaço aberto!”116

O

mesmo conceito foi retomado pelo Zé Maria: “Estamo-nos a sentir mais aproximados a

tantas pessoas, a mais gente, vindo mais gente de toda parte do mundo a visitar o nosso

bairro…. E eu gosto de vê-los tanto no bairro como aqui [a praça em frente da sua casa]

que é a minha casa.”117

Este tipo de concepções surgiram de uma análise feita com alguns

moradores sobre a presença de mais turistas e estrangeiros no bairro. Evidentemente a

abertura ao turismo foi um dos resultados mais imediatos da obra de reforma, e os

indivíduos interpelados sobre este tema foram na sua maioria negociantes, que facilmente

viam de maneira positiva esta nova situação. De qualquer maneira isto representa um

outro aspecto através do qual o conceito abertura, entendida como fim da obra de

reforma, se repropõe no contexto local e na vida da população que mora no bairro.

Para concluir este capítulo limitar-me-ei a afirmar a importância que tiveram para

este trabalho os discursos desenvolvidos pelos moradores, através dos quais se tentou

perceber como os objectivos do plano de reforma sócio - urbanística vinham a se

manifestar na intimidade da vida quotidiana das pessoas; de que maneira os conceitos

expressos pelos planos correspondiam às reais concepções que os moradores faziam

sobre o próprio bairro; e de que maneira tais objectivos coincidiam com as expectativas e

os desejos que os moradores esperavam para a melhoria das suas vidas quotidianas.

116

Extrato dà entrevista a Maria do Livramento. 7 de Maio 2012 117

Extrato dà entrevista a Zé Maria. 13 de Maio 2012

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Conclusões

O presente trabalho analisou o complexo projecto de reforma sócio - urbanística

que está a envolver o bairro da Mouraria desde o outono 2011 até o verão 2012. Este

tenta criar uma nova imagem do bairro a partir de uma série de intervenções que tendem

a modificar o aspecto espacial, social e económico do território em questão. Isto

desenvolveu-se num processo que, de maneiras e em tempos diferentes, envolveu

instituições, associações e moradores. O trabalho foi desenvolvido em dois níveis

temporalmente sequenciais: um estudo sobre as fases de projecto dos dois planos que

constituem a obra de reforma; e uma pesquisa de terreno para avaliar as consequências de

tal reforma no contexto social local.

No primeiro nível identificaram-se os dois planos a ser implementados, um

promovido pelas instituições outro pelas associações que operam no território. Com este

objectivo procedeu-se ao estudo das estratégias e ao acompanhamento no campo das

fases de projecto a se desenvolver. Depois da análise e da discussão dos resultados

obtidos, à pergunta de partida: “Como as políticas urbanas agem sobre a mudança social

e as representações de um bairro?”, chegou-se à conclusão que no contexto da Mouraria

esta construção está a acontecer através de quatro estratégias fundamentais:

1. Uma primeira é uma redefinição territorial que amplia as fronteiras espaciais e

representacionais da Mouraria através da criação de percursos histórico e culturais que

unem geograficamente zonas e lugares diferentes na construção de novos sentidos na

perspectiva de um renovado desenvolvimento turístico do território.

2. Uma segunda ao nível de segurança, que intervém-se sobre o espaço público,

onde se pretende induzir novas práticas de gestão e apropriação, a partir de renovadas

estratégias de securitarias e de luta à exclusão social. A requalificação do espaço é

desenvolvida para uma maior acessibilidade, mobilidade e recursos no território, que

comportaria uma amplia e variada “afluência” de indivíduos sociais e diferentes tipos de

aproveitamento dos espaços e dos equipamentos disponíveis.

3. Uma terceira que age para uma “revitalização económica” do bairro. A

disponibilidade dada pelos novos recursos, a construção de novas representações e

imagens da cidade, favoreceria a aparição de novos estratos da população mais

economicamente disponíveis, e de actividades comerciais (incluso aquela imobiliária),

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com um renovado interesse económico. Este processo mira a ser complementado com

uma política de apoio, crédito e formação para as actividades económicas já existentes na

zona e para os indivíduos residentes que queiram lá implementar o próprio comércio.

4. Por ultima, a tentativa de criar uma ideia de identidade endógena e exogenamente

definida. Retomam-se então os discursos identitários sobre o Fado, que representa um

forte carácter identitário por parte da população do território, e o discurso sobre a

multiculturalidade e a “convivência cultural” que inspira visões e imagens para um

público que vem de fora. A isso se juntam uma ampla variedade de projectos artísticos e

culturais que apontam, através do envolvimento da população, para a elaboração de temas

da tradição do lugar e da convivência social, na tentativa de criar uma renovada ideia de

identidade.

Apesar das expectativas, os planos de reforma não têm em conta as variáveis sociais

existentes no território nem as construções valorativas e simbólicas que definem um

bairro pelos indivíduos e os grupos sociais que lá moram. Esta “Nova Mouraria” é um

território recriado, que forja a sua imagem em discursos reinventados, sobre uma

profunda renovação do contexto social anterior.

Num segundo tempo tentou-se aprender qual era o nível de concordância entre as

acções dos planos e as reais necessidades expressas pelos habitantes do bairro. Esta

operação foi desenvolvida durante o período de implementação e finalização das obras,

que permitia aos moradores ter uma visão mais concreta das mudanças que estavam a

acontecer e referir eventuais alterações já ocorridas no contexto sócio - espacial.

Sobre os aspectos dos espaços publico os moradores evidenciaram um forte grau de

concordância com as obras implementadas. Todos elogiaram o tipo de requalificação e

admitiram uma sensação de conforto no viver e utilizar o espaço. Alguns hábitos pessoais

foram mudando, com algumas pessoas que começavam a utilizar ou aproveitar espaços

onde não costumavam estar. Com isso alguns moradores referiram a mudança de algumas

práticas de gestão do espaço público com uma maior atenção para higiene e a limpeza das

ruas, tanto nos serviços oferecidos como por parte da população. Ao mesmo tempo a

maioria dos sujeitos entrevistados referiu ter tido contacto com novos indivíduos sociais,

fossem residentes ou visitantes. No que se refere a este segundo grupo, a maioria dos

entrevistados vê com bons olhos esta nova condição, auspiciando uma melhoria da

própria condição económica, ou em geral uma melhoria para a imagem do bairro.

Muito interessante também se revelou o aspecto ligado à atribuição de valores que

os moradores conferiram ao território onde vivem. A imagem de um bairro ligado à

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tradição fadista foi amplamente confirmada pelas diferentes pessoas com as quais se

desenvolveram entrevistas e que acompanharam o trabalho de campo. Todas estas

reconheciam um carácter peculiar do território ligado a um particular passado histórico e

a determinadas tradições culturais. Ao mesmo tempo, nas suas multiplicidades, os

moradores assumiam introspectivamente a ideia que o seu bairro fosse caracterizado na

contemporaneidade como um território onde tomavam lugar práticas e dinâmicas

“multiculturais”.

O estudo de campo permitiu revelar esta reforma desde o seu ponto de vista

conceptual, onde as acções, as estratégias e as práticas (espaciais, sociais e simbólicas),

vinham resumidas e inspiradas, pelo conceito de abertura. A abertura representa o motor

inspirador, o conceito guia, através do qual se desenvolve toda a obra de reforma; assim

como representa o fim último dos seus objectivos. Através deste conceito, chega-se a

compreender como cada tipo de intervenção feita no âmbito da cidade ou do bairro inclui

valores, imagens, construções conceptuais que inspiram a sua acção e codificam o seu

objectivo.

O conceito de abertura remete para concepção política e social de dar vida a um

processo de incorporação do bairro na cidade. Isto, embora assumido pelas diferentes

componentes sociais que tomaram parte nas fases do projecto, é considerado de maneira

diferente entre as entidades que desenvolvem a obra. As instituições consideram a

abertura como um processo de incorporação do bairro na cidade, através da entrada da

Mouraria nas rotas turísticas urbanas e o envolvimento de novos estrados da população

externos à realidade do bairro, desenvolvendo assim uma dinâmica “de-fora para-dentro”.

Ao contrário, a visão expressa pelas associações que tomam parte no projecto de reforma,

identifica um conceito de abertura como um processo de emancipação da população e de

fornecimento de novos equipamentos para a resolução das problemáticas dinâmicas

sociais que estigmatizam o bairro no contexto urbano, tentando desenvolver assim uma

dinâmica “de-dentro para-fora”.

Em tudo isto cabe a construção de uma renovada ideia do bairro, que parte das

antigas construções sócio espaciais e representativas da Mouraria como bairro segregado,

pobre e perigoso. Interessante foi constatar, ao longo do trabalho como esta concepção se

reificava também nos discursos e nas visões dos seus moradores.

Muito embora esta obra de reforma, que depois de um ano deixa só os fundamentos

para algumas futuras mudanças sóciourbanísticas do território, não deixa de afastar

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dúvidas sobre os reais tipo de processos de mudanças que esta pode comportar num

difícil e articulado contexto social daquilo que é a Mouraria. Em particular referindo-nos

aos três eixos de actuação que inspiraram a reforma, cabe aqui perguntar-nos: poderá a

modifica do espaço público, limitar, contrastar, modificar práticas precedentemente

definidas como ilegais ou de exclusão social, que anteriormente se desenvolviam nas ruas

e nas praças do bairro? Que tipo de dinâmicas produzirá a entrada massiva no contexto

social do bairro, de novos indivíduos e grupos sociais, atraídos por novas possibilidades

de “exploração” e portadores de diferentes práticas de apropriação do espaço? Neste

sentido, como será gerida a implementação de novos equipamentos? Será garantida a

acessibilidade para os diferentes grupos sociais presentes no território? Estamos perante

de uma explícita tentativa de gentrificação? E, finalmente: será possível criar uma

identidade comunitária referida a esta nova entidade territorial? Tenter-se-á alcançar este

processo através de genéricas políticas multiculturalistas e à construção de artificiais

tradições e discursos identitários, ou tem-se um verdadeiro interesse em valorizar e

expressar as diferenças presentes nos diversos grupos socioculturais que povoam este

bairro?

Todas estas questões remetem para um futuro mais próximo no qual o bairro da

Mouraria inscreverá uma outra etapa da sua longa e particular história. Quanto aos

aspectos antropológicos, esta obra de reforma introduziu novos temas e questões de

análise sobre um bairro que sempre se revelou de particular interesse nas pesquisas

antropológicas. No âmbito da antropologia aplicada em particular, este estudo tentou

revelar como determinados tipos de políticas urbanas tentem implementar processos de

mudança socioeconómica de um território, como estas mudanças sejam aceites pela

população e que grado de impacto social, económico ou cultural estas comportem no

contexto considerado

Em conclusão; com esta obra de reforma, a Mouraria reafirma mais uma vez, a

importância que ela tem no cenário político e social do contexto urbano e renova, como

sempre fez no passado, a profunda ligação que une a sua história àquela da cidade de

Lisboa.

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«Recomeçou a demolição dos predios no Largo Martim Moniz» 03.04.1948

«Para fazer da velha Mouraria um dos mais belos centros de Lisboa» 21.04.49

«No sítio da velha Mouraria das lendas e mouras encantadas vai surgir um grandioso

bairro integrado no estilo arquitectonico da futura cidade de Lisboa» 06.11.49

Correio da Manhã

«Chineses ‘roubam’ clientes aos feirantes ciganos» 20. 06.1999

«Miúdos aprendem a ser bairristas» 21.06.1999

«Centro Comercial arde na Mouraria» 25.05.2001

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Publico

« Largo do Intendente tão diferente quanto arido faz festa para chamar os fregueses»

05.07.2012

« Martim Moniz vai ter rum restaurante e um mercado intercultural» 10-05.2012

«A dança vai fazer “companhia limitada” aos velhos que estão presos em casa»

10.04.2012

«Câmara de Lisboa quer limitar animação nocturna nos bairro historicos de Lisboa»

29.03.2012

«Associação Oninho contra prostíbulo camarario na Mouraria» 01.03.2012

«A cantar é como se espera a decisão do UNESCO no Museu do Fado» 26.11.2011

«Lisboetas decidiram dar um milhão para ajudar a Mouraria» 08.10.211

«Antonio Costa levou ministra ao Intendente para monstrar que a reabilitação já

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«A orquestra que é um mundo tem o som da nova Lisboa» 11.09.2011

«Obras no Largo do Intendente arrancam até o fim de Setembro» 07-09.2011

Rosa Maria, Jornal Trimestral da Mouraria

«O Fado nasceu na Mouraria» Junho-Agosto 2010

«A casa da Severa» Junho-Agosto 2010

«O lado aristocratico da Mouraria» Junho-Agosto 2010

«Mouraria uma filha da tolerância» Junho-Agosto 2010

«O Ramadão na Mouraria» Setembro-Novembro 2010

«A politica das grades» Setembro-Novembro 2010

«Do “Boy Formoso” à carne halal» Setembro-Novembro 2010

«Mouraria e Republica» Setembro-Novembro 2010

«Mouraria moderniza o seu labirinto» Junho-Agosto 2011

«Um manifesto em forma de edificio» Junho-Agosto 2011

«Fado renovado» Junho-Agosto 2011

«A casa accada por acaso» Junho-Agosto 2011

«O pequeno punjab» Junho-Agosto 2011

«A tradição serà feita no futuro» Dezembro-Março 2011-12

«O Pai Natal no Intendente» Dezembro-Março 2011-12

Referências cinematográficas

La comunidad (2000), dir. Alex de la Iglesia

La Zona (2007), dir. Rodrigo Plà

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Anexo I

1. O mapa das intervenções delimita uma 2. Cada intervenção vem sinalizada com

zona mais vasta comparada com a que definiu os marcos das instituições e dos projectos que

Mouraria socio-espacialmente até hoje em dia. a promovem.

3. Um momento das intervenções 4. Um momento das intervenções

no Largo dos Trigueiros. na Rua do Capelão.

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5. Obras de reabilitação no Largo do Intendente 6. Obras na Rua de Bemformoso, cenário do

futuro “Corredor Intercultural”.

7. Edificando a “Casa da Severa”, Largo da Severa. 8. O Largo da Rosa foi completamente re-

qualificado, com o fornecimento de novos

equipamentos e uma nova viabilidade.

9. Obras acabadas na Rua de São Cristovão,

para a altura dos Santos Populares.

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10. Durante uma reunião do PDCM, com a 11. A sede da “Casa da Achada”, centro cultural

participação das associações e dos moradores. que participou como entidade parceira nas fases

de planeamento do QREN Mouraria e do PDCM.

12. Novas lojas aparecem ao longo do renovado 13. Novas ordens de desalojamento aparecem

percurso turístico, Rua São Cristovão. Nas portas de alguns prédios do bairro,Socorro.

14. Graffiti dedicado à tradição fadista da 15. O Fado ao centro do discurso identitario

Mouraria, São Cristovão. sobre o bairro.

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16. Um grupo de mulheres chinesas prepara um 17. Uma multitude variada de pessoas assiste

espectaculo nos dias antes o Fim de Ano Chines. a um jogo de futbol na Praça Martim Moniz.

18. Descansando em Martim Moniz. 19. Uma familia indiana espera em frente

do Centro Comercial da Mouraria.

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20. A senhora Maria do Livramento, 21. O senhor Antonio, gerente da tasca

proprietaria do Restaurante São “Os Amigos da Severa” na Rua do

Cristovão na Rua São Cristovão. Capelão.

22. Nuno Franco, representante da

“Associação Renovar a Mouraria”.

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Anexo II

A) Mapa da Freguesia do Socorro: em amarelo são marcadas as fronteiras da freguesia;

a encarnado é indicado o territorio socio- espacialmente atribuido à Mouraria.

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B) Mapa da Freguesia de Graça: em preto são indicadas as fronteiras da freguesia;

a encarnado é indicado o territorio considerado parte da Mouraria.

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C) Mapa da Freguesia de Santa Justa: em amarelo são indicadas as fronteiras da freguesia;

a encarnado é indicado o territorio historicamente pertencente à Mouraria (Praça Martim Moniz,

Centro Comercial da Mouraria, Rua da Palma).

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D) Mapa da Freguesia dos Anjos: a encarnado o territorio socio-espacialmente atribuido ao bairro

da Mouraria; em amarelo, a extensão maxima das intervenções de reabilitação.