miranda bliss - amor à segunda vista

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8/16/2019 Miranda Bliss - Amor à Segunda Vista http://slidepdf.com/reader/full/miranda-bliss-amor-a-segunda-vista 1/94 AMOR À SEGUNDA VISTA Cooking Up Murder  MIRANDA BLISS  Amor na dose certa... Existem duas coisas nomundodaqual Annie Capshaw quer distância: culináriae romance. Uma vez, já quase incendioua casa por esquecer uma chaleira no fogo e, há um ano, seumaridoa trocoupor outra mulher. Desde então, tudooque quer da vida é viver sozinha epedir comida pronta... Até que suamelhor amigaresolve inscrever ambas num curso de culinária. Não haveria nada de tão especial nisso se, logo na primeira aula, Annie nãopresenciasse uma discussãoentre dois colegas de curso, e um deles aparecesse morto no estacionamento... Curiosa, ela decide investigar por conta própria o assassinato. Para Annie, mais doque a emoção por tentar desvendar aquele mistério, o que vale é fazê-losob oolharatentodeseuinstrutordeculinária, ocharmosoJim MacDonald. Determinado a ajudá-la na investigação, Jimnão esconde a admiração e a poderosa atração que sente por ela. Oproblema é que Annie e seu delicioso e irresistível professor precisam tomar cuidado, pois eles podem se tornar as próximas vítimas... DIGITALIZAÇÃO: SILVIACRIKA REVISÃO: CLAUDIA

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AMOR À SEGUNDA VISTACooking Up Murder 

 MIRANDA BLISS

 Amor na dose certa...

Existem duas coisas no mundo da qual Annie Capshaw quer distância: culinária eromance. Uma vez, já quase incendiou a casa por esquecer uma chaleira no fogo e, há umano, seu marido a trocou por outra mulher. Desde então, tudo o que quer da vida é viversozinha e pedir comida pronta... Até que sua melhor amiga resolve inscrever ambas numcurso de culinária. Não haveria nada de tão especial nisso se, logo na primeira aula, Annienão presenciasse uma discussão entre dois colegas de curso, e um deles aparecesse morto

no estacionamento... Curiosa, ela decide investigar por conta própria o assassinato.Para Annie, mais do que a emoção por tentar desvendar aquele mistério, o que vale é

fazê-lo sob o olhar atento de seu instrutor de culinária, o charmoso Jim MacDonald.Determinado a ajudá-la na investigação, Jim não esconde a admiração e a poderosa atraçãoque sente por ela. O problema é que Annie e seu delicioso e irresistível professor precisamtomar cuidado, pois eles podem se tornar as próximas vítimas...

DIGITALIZAÇÃO: SILVIACRIKA

REVISÃO: CLAUDIA

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MIRANDA BLISS AMOR Á SEGUNDA VISTA SABRINA 1570

Querida leitora,Recém-saída de um casamento fracassado, Annie está com a autoestima em

frangalhos. Incentivada por uma grande amiga — e apesar de sua patente falta dehabilidade na cozinha — concorda em fazer um curso de culinária para movimentar suavida social e espantar a solidão. Certa de que o maior perigo que corre é uma eventual ereles queimadura no forno, logo Annie descobre que não existe nada mais eficiente paracurar as feridas do que um apetitoso instrutor de culinária... E que cozinhar pode sermuito, muito perigoso...

Divirta-se com esta história deliciosa!Leonice Pomponio Editora

Copyright ©2006 por Miranda BlissOriginalmente publicado em 2006 por The Berkley Publishing Group

PUBLICADO SOB ACORDO COM THE BERKLEY PUBLISHING GROUP NY. NYUSA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoasvivas ou mortas terá sido mera coincidência.TÍTULO ORIGINAL: COOKING UP MURDER

EDITORA Leonice PomponioASSISTENTES EDITORIAIS

Patricia Chaves Paula Rotta Vania Canto BuchalaEDIÇÃO/TEXTO

Tradução: Zeca NunesRevisão: Giacomo LeoneARTE Mônica Maldonado

ILUSTRAÇÃO © Vincent Besnault/zefa/CorbisMARKETING/COMERCIAL Andrea Riccelli

PRODUÇÃO GRÁFICA Sonia SassiPAGINAÇÃO Andrea Carmassi

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CAPÍTULO I 

Eu fervia água para fazer um chá, quando a campainha da portaria soou anunciandouma visita. Logo Eve irrompeu pela porta de meu apartamento com seu jeito jovial.Preparei-me para receber seu abraço, pois abraçar a todos é para minha amiga uma coisatão natural quanto perguntar “como vai?”.

Entretanto, justamente naquele dia, quando eu necessitava de uma oportunidadepara dizer que não me sentia feliz, ela não fez nenhuma das duas coisas. Ao contrário,ergueu o nariz e aspirou o ar.

 — Que cheiro é esse? — Perguntou preocupada com seu indisfarçável sotaquesulista, que mesmo em Arlington Virgínia, não passava despercebido, apesar de este

estado pertencer ao Sul.Eve é alta e esguia. Bem mais alta que eu, principalmente usando sandálias de salto

combinadas com saia justa. Naquele dia, também usava um top que acentuava seu corpode formas elegantes. Duas vezes por semana, ela vai ao salão de beleza para se assegurarque o cabelo liso se mantenha impecável como o de uma modelo de capa da Vogue.

Meu cabelo cacheado, ao contrário, desafia qualquer cabeleireiro na recusa em seajustar a um corte mais moderno, e, assim, termino sempre fazendo um coque no topo dacabeça.

Minha cabeleira indomável somada à minha estatura baixa e olhos castanhos não

formam uma combinação que me destaque na multidão. Enquanto os homens se referem àEve como uma mulher “linda”, para mim eles usam o adjetivo, “simpática”, o que nadamais é do que uma maneira educada de dizer que não tenho nada de especial.

Essa diferença entre nós duas, nunca abalou nossa amizade, nem produziusentimentos desconfortáveis. E tenho de reconhecer, ao menos um homem me consideroumais do que “simpática”: meu ex-marido Peter.

—Tem algo queimando no fogão? — Perguntou Eve, lembrando-me da água para ochá.

Subitamente, o aroma de metal esturricado invadiu minhas narinas. Corremos para a

cozinha e, apesar de eu não ter os movimentos graciosos de minha amiga, fui mais rápida.A água havia evaporado na chaleira, mas, felizmente, nada de grave ocorrera.

Apaguei o fogo e, ao me virar para Eve, ela me fitava com um olhar de reprovação.Quando fiz menção de levar a panela para a pia, e colocá-la sob a água para resinar, minhamelhor amiga me segurou o braço.

— Cuidado! Não tem uma luva? — Eficiente, apanhou um pano de prato e, em uminstante, colocou a panela sob a torneira.

Essa era outra diferença entre mim e Eve: enquanto eu refletia e pensava muito antesde agir, ela era uma mulher de ação, que não hesitava em tomar iniciativas.

— Deve estar no mundo da lua para deixar a água evaporar assim — admoestou emtom afetuoso.

— Estou tentando recuperar a autoestima desde que Peter me disse que não sabia o

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que era amor até conhecer aquela mulher na lavanderia... — Resolvi assumir. — Acho queo que aconteceu depois, a nossa separação e minha luta para aceitar os fatos, tem roubadominha concentração.

— Peter é um imbecil — afirmou Eve, tomando minha mão e me conduzindo até amesa. Em seguida, retirou uma barra de chocolate da geladeira, abriu o armário para

pegar o pote de pasta de amendoim e veio se sentar. — O que importa é...— É o que eu penso, eu sei. No fundo, estou melhor sozinha do que com ele —

terminei com a boca cheia.— Sem dúvida.— Além do mais... — Tentei continuar, mas engolir o chocolate me fez perceber o nó

que tinha na garganta, então desisti de me mostrar forte. — Quer saber? Eu me sintosozinha e miserável — admiti abaixando o olhar, e fazendo um esforço para engolir o doceque no momento, tinha um sabor amargo.

— Deixe disso — pediu Eve em tom carinhoso, estendendo o braço para tocar meu

ombro. — Você ainda tem muito a usufruir. Inclusive outros homens.— Não. — repliquei levantando-me. — Você diz isso porque não é divorciada. E

mesmo que fosse os homens fariam fila para disputá-la.— Por que pensa que seu caso é diferente?Suspirei, dando de ombros.— Não importa. Sei que poderei encontrar o homem de minha vida a qualquer hora...

Meu príncipe encantado montado em um cavalo branco.— Nada de cavalos brancos — retrucou Eve sorrindo.— O homem de sua vida vai aparecer em um jaguar vermelho. Elegante, charmoso, e

com nádegas fortes e musculosas como você gosta!Cruzei os braços, desanimada.— Não pretendo me envolver com nenhum outro homem e, muito menos, tornar a

me casar. Uma vez já chega.— Annie, você fala como se sua vida tivesse terminado — ralhou Eve. — É loucura!

Você só tem trinta e três anos!— Trinta e cinco — corrigi, sabendo que ela tentava levantar meu moral.Mas não era o que eu queria no momento. Tudo que eu desejava era mergulhar no

sofrimento, como se tem vontade às vezes.

— Sou uma mulher divorciada de trinta e cinco anos, caixa de banco, tenho uma vidaentediante e, hoje em dia, nem tenho uma luva para lidar com uma panela quente —terminei já com os olhos úmidos.

Eve, porém, não pareceu se incomodar com meu arroubo emocional.— Tenho algo que a fará se sentir melhor. — Ela interrompeu meus pensamentos

após engolir outro bocado de chocolate com pasta de amendoim.— Uma luva de cozinha?...— Não. — Ela devolveu, sem fazer conta de minha ironia. Ato contínuo ergueu-se

para buscar a bolsa que havia deixado na sala, e despejou seu conteúdo sobre a mesa.

Escova de cabelo, batom, perfume, lencinho de seda, carteirinha de endereços, chaveiro etantos outros artigos fizeram minha mesa parecer o balcão de uma loja de cosméticos, ou

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de um bazar.— Aqui está. — Ela separou um papel que parecia uma nota fiscal. — E não

necessitará tirar folga, pois é algo para fazer à noite. Dez sessões, em dez noitesconsecutivas.

—Um grupo de discussão literária?

—Uma mulher com a minha vida social não tem tempo para ler!—Diárias em um SPA, então?—Dez sessões em um SPA? Quem me dera...—O que é então? Ah, já sei. Descobriu o endereço onde Peter vive com a nova

mulher. Vamos nos aproximar quando houverem saído, encharcamos a casa com gasolinae...

—Nada disso Annie. Vamos aceitar os fatos, lembra-se? Este papel é o recibo dainscrição em um curso de culinária, que paguei para nós duas.

Eu teria rido ante o absurdo da proposta, não fosse à expressão séria e confiante de

minha amiga. Um curso de culinária para uma pessoa como eu, que não conseguia ferverágua sem queimar a panela?

—Será que preciso dizer o óbvio? — Foi meu comentário.—Você vive de comida comprada pronta, e eu não sou capaz de ferver água sem

quase provocar um incêndio.—Ótimas razões para termos aulas de culinária — argumentou Eve, colocando o

papel sobre a mesa.“Dez Pratos para o Jantar Perfeito”, dizia o recibo. Afora isto, explicava que as aulas

seriam ministradas no andar superior da Bonne Cuisine, uma fina loja de artigos para

cozinha. A loja ficava no bairro de Clarendon, uma das regiões mais chiques de Arlington,que combinava mansões multimilionárias com lojas e butiques refinadas.

Eu conhecia a região, não por frequentar seus finos estabelecimentos, ou fazer parteda elite local, mas porque estivera na loja por causa do Vavoom: um tempero composto deuma mistura secreta de especiarias importadas, vendido exclusivamente naqueleestabelecimento. O Vavoom se transformara em uma coqueluche na culinária, não só doschiques e famosos, mas de todos que podiam se dar ao luxo de comprá-lo, considerandoque custavam os olhos da cara.

A julgar pelo preço do tempero, e pelo refinamento da loja, o curso que Eve arranjara

para nós devia ter custado uma fortuna.—Pode esquecer — falei colocando o recibo sobre a mesa. — Você não tem dinheiro

para custear um curso de culinária desses. Aliás, pelo que deve ter custado, creio que nãotêm fundos nem para pagá-lo para si própria.

—Nada disso! — Exclamou Eve decidida. — O preço do curso não importa. Já disse,muitas vezes, que não devemos nos preocupar com as necessidades básicas da vida, poisde alguma forma, sempre damos um jeito de conseguir o essencialmente necessário. O queconta são nos permitirmos certos luxos, capazes de tornar a vida mais interessante; ou queao menos ajudem a resolver nossos problemas. No momento, o mais importante é você

esquecer Peter; e esse curso vai ajudar, tenho certeza.—Não! Você vai pedir para devolverem o dinheiro da inscrição.

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—Impossível. Uma das cláusulas é que uma vez feita à inscrição, não há devolução.Se desistirmos, perderei o dinheiro. Aliás, essa foi uma das razões que me fizeram decidir.

—Quer que eu passe vergonha na frente dos outros? Sabe que sou uma nulidade nacozinha! Fritar um ovo é um enorme desafio para mim.

—Não seja tola — argumentou Eve, já caminhando em direção à sala e indicando que

ia partir. — Vão lhe enviar um e-mail, antes de cada aula, com a lista dos ingredientes quedeve levar. É o mesmo sistema para todos os alunos. Compre coisas boas e frescas. E não sepreocupe com o transporte, pois passarei para pegá-la aqui. Estamos combinadas,segunda-feira, às seis e quinze.

Eve partiu sem dizer mais nada, e eu sabia que fazia isso por saber que eucontinuaria reclamando, caso ela não fosse embora.

Aulas de culinária, pensei, balançando a cabeça. Nunca tinha conseguido ir além deespaguete à bolonhesa, omeletes e umas saladas simples. Minha maior conquista haviasido aprender a assar um bolo de chocolate de que Peter gostava muito; mas eu comprava

a massa pronta e só tinha de acrescentar ovos, manteiga e levar ao forno.Um pouco mais calma afinal, percebi que por ser minha melhor amiga, o objetivo de

Eve era mesmo levantar o meu astral. Assim, o mínimo que eu podia fazer era cooperar.Como minha vida social era praticamente inexistente, ter as próximas dez noites

ocupadas não atrapalharia em nada.Chegamos atrasadas à primeira aula e, é bom que se diga, não por minha culpa. Eu já

estava em casa às cinco e meia, pois o expediente no banco só vai até mais tarde às sextas-feiras.

As vinte para as seis já havia checado a correspondência do dia, resistindo ao

impulso de jogar fora as cartas que ainda chegavam para Peter. Sem saber como alunos deum curso culinário se vestem, troquei o vestido sério que usara no trabalho por calças jeanse uma camiseta branca de manga comprida. Afinal, branca era a cor dos chefs de cozinha.

O e-mail de um cara da Bonne Cuisine, chamado Jim, especificara os ingredientesnecessários para a primeira aula, e eu havia aproveitado a pausa do almoço para ir aosupermercado. Peito de frango, brócolis, cenoura, queijo parmesão, creme de leite,manteiga e cebolinhas espanholas. Certificando-me de que tinha comprado tudo, tomei osaco com as compras e desci para esperar Eve na calçada, cinco minutos antes da horamarcada.

Entretanto, ela só apareceu meia hora mais tarde, brecando o carro com espalhafato efazendo um gesto para eu me apressar.

— Tinha me esquecido de fazer as compras — foi logo explicando, enquanto eu mesentava e colocava o cinto de segurança. — Precisei passar no supermercado, por isso meatrasei. — Colocou o carro em movimento, da mesma maneira brusca como freara aochegar. — Não conseguia encontrar couve-flor!

— O e-mail pedia brócolis e não couve-flor — expliquei pacientemente.— Ah! Sempre confundo as duas coisas.— Não se preocupe, tenho o suficiente para nós duas.

O trânsito de Arlington não era dos mais fáceis. Assim como o de toda a região deWashington, capital do país. Quando conseguimos chegar à Bonne Cuisine, e estacionar o

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carro em uma rua lateral, faltava dez minutos para a aula começar, o que significava queteríamos de correr para chegar à loja e arrumar nossas coisas.

Assim que estacionamos, retirei o cinto imediatamente, agarrei o saco com ascompras, que havia colocado no banco traseiro, e saí do carro. Eve, porém, não pareceu terpressa, pois resolveu ajeitar o cabelo e aplicar batom nos lábios.

Desnecessário dizer que eu não me sentia nada relaxada quando atingimos nossodestino. Quando ergui a mão para girar a maçaneta, a porta de vidro da loja se abriu comtamanho ímpeto, que me assustei. O homem que apareceu era alto e forte, tinha cabelosescuros e um rosto exótico. Parecia irritado, para não dizer furioso. A jaqueta de couro queusava, além da cara de poucos amigos, dava-lhe um ar ameaçador.

O fato de parecer nem mesmo notar minha presença não me causou estranheza. Eve,contudo, de minissaia azul-marinho, salto alto e blusa cor-de-rosa acentuando o corpoesbelto, não deveria passar despercebida. O charmoso estrangeiro, porém, também não anotou, o que confirmava o fato de estar totalmente possuído pela ira. Pisando duro, ele

caminhou para a BMW estacionada logo ali e, em menos de trinta segundos, já dava apartida e ganhava a rua, sem checar se havia transeuntes ou veículos se aproximando.

— Tenha um bom dia! — Exclamou Eve indignada.Uma reação bastante diferente da minha. Em geral, ao enfrentar descortesias, eu

tendia a me intimidar e não reagia, temendo criar conflitos.Eve naturalmente, não receava enfrentar quem quer que fosse, e não se importava em

reagir à altura de como a tratavam. Sendo esta uma das razões que me faziam gostar dela.Sorri, satisfeita por ela ter tomado a atitude que eu não tomara.

Ao entrarmos na loja, não havia ninguém. O ambiente era familiar, pois eu estivera ali

diversas vezes para comprar o tempero Vavoom. A loja era o paraíso das cozinhas elegan-tes, com talheres de design diferenciado, panelas de tampas transparentes, copos coloridosimportados, e outras coisas que podem ser encontradas nas cozinhas e salas de jantar dasmansões. A cozinha de meu apartamento, naturalmente, não tinha nada disso. Eu jamaiscomprara nada naquela loja, a não ser o famoso tempero; e não era de surpreender que odono no momento ocupado em arrumar o balcão, não me reconhecesse. Jacques Lavoie era o proprietário da Bonne Cuisine, e criador do tempero. Era

também um astro da publicidade, pois sua imagem aparecia nas propagandas queinfestavam os ônibus e estações de metrô. Sua face se encontrava estampada até na

embalagem do Vavoom, e a mensagem era sempre a mesma: “Você precisa experimentareste magnífico tempero!”.

Zeloso com a própria imagem usava um elegante avental de linho branco, como umchef de cozinha do restaurante de um hotel cinco-estrelas.

— Monsieur Lavoie? — Chamei, pois ele parecia totalmente concentrado em arrumaralguns artigos sobre o balcão. O dono da loja, entretanto, não me deu atenção.

— Monsieur Lavoie... — Intercedeu Eve em voz mais alta.— Oh, me desculpem! — Ele finalmente percebeu nossa presença. — Estou tão

ocupado, que nem notei que havia clientes.

— E quanto ao homem que acabou de sair? Aliás, tão atabalhoadamente que quasetrombou com minha amiga — observou Eve sem diplomacia.

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— Alguns clientes querem ser tratados de forma especial e exigem uma atenção quenão merecem — explicou monsieur Lavoie contrafeito. Então se conteve e sorriu. — Masnão creio que tenham vindo para ouvir minhas reclamações — continuou, saindo detrásdo balcão e se aproximando. — Vieram para o curso de culinária, não é?

— Sim — concordou minha amiga. — Sou Eve Decateur, e esta é minha amiga Annie

Capshaw.— Ah. Mademoiselle Decateur e mademoiselle Capshaw. Acabei de conferir a lista de

alunos e observei que não haviam chegado. Acompanhem-me, por favor — pediu ele, fa-zendo um gesto para que o seguíssemos em direção à escada no fundo da loja.

Atravessamos uma sucessão de artigos de design, expostos em prateleiras de madeiranobre, e não pude deixar de notar uma coleção de luvas para lidar com utensílios quentes. Justamente o que faltava em minha cozinha. Eram lindas, e pensei que talvez valesse apena comprar uma.

Até notar o preço na etiqueta. Horrorizada, refleti que seria melhor comprar a do

supermercado.— Os outros já subiram — contou Lavoie, parando ao pé da escada em espiral, a qual

levava ao segundo andar. — Melhor se apressarem, pois não creio que queiram perder oinício da aula.

— Claro que não. — Respondeu Eve, enquanto o homem teclava uma senha em umpequeno aparelhinho acoplado ao corrimão. — Mantenho a porta que leva ao salão supe-rior sempre fechada para evitar que fregueses não inscritos em nossos cursos subam.Quando chegarem lá em cima, a porta estará aberta. Ser precavido nunca é demais.

— Principalmente a julgar pelo humor de clientes como o do que acabamos de cruzar

— Eve retornou ao assunto. — Está tudo bem com o senhor?— Claro que sim, cherie — assegurou Lavoie. — Agora subam e se preparem para

adentrar o mundo maravilhoso da culinária sofisticada. Depois do amor, cozinhar é aaventura mais excitante que existe. — Beijou as pontas dos dedos com um estalo.

A porta, de fato estava aberta quando atingimos o topo da escada. Eve entrouprimeiro e, antes de prosseguir, ainda me virei para Lavoie, que permanecera no andarinferior. Com um sorriso artificial, ele inclinou o corpo em uma reverência que me pareceupouco adequada à situação. Mas quem era eu para criticar as maneiras de franceses acostu-mados a lidar com gente fina?

O salão que se descortinou à minha frente parecia saído da revista Vogue, dascozinhas. Uma das paredes era inteira de vidro, dando vista para a rua. Uma enorme mesade mármore dominava o centro do ambiente e, nas paredes laterais, havia fogões quepareciam fazer parte de uma estação espacial. Cada um deles era acompanhado por duasmesas de vidro fumê, uma a cada lado, indicando que se prestava a dois alunos. Umenorme lustre de cristal dominava o ambiente, em um contraste de bom gosto com o aço,alumínio e vidros do resto da equipagem. Quanto aos objetos como talheres, pratos,panelas e travessas, pareciam mais fazer parte da coleção de um palácio, do que de umacozinha, tomando fácil compreender por que a Bonne Cuisine era o templo culinário dos

ricos e famosos.Os alunos se encontravam dividido em duplas distribuídas pelos diversos fogões.

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Como haviam chegado com antecedência, já tinham colocado os ingredientes nas mesasdestinadas a cada um. Em atitude de espera, pareciam normais e não arrogantes como euimaginara.

A única nota destoante era uma mulher, que se mantinha separada dos demaisobservando a rua através da parede de vidro. Como se tivesse um sexto sentido, ela se

virou e fitou a mim e Eve quando entramos. Seu cabelo negro contrastava com a pelemuito alva. Os olhos eram penetrantes, e pareceram reagir com suspeita ao me verem.

Naturalmente era bobagem eu pensar assim. No instante seguinte ela suavizou oolhar. Com um gesto que me pareceu um tanto nervoso, entretanto, tornou a fitar a rua láfora, como se averiguasse algo, e então deu meia-volta, caminhou para um dos fogões, e secolocou na mesma posição de espera do resto do grupo.

Eve e eu seguimos para o último fogão disponível, situado mais ao fundo. Tantomelhor, pensei, pois estaria distante dos olhos do instrutor e isso me deixaria mais àvontade.

— Não disse que seria maravilhoso? — Falou Eve, dispersando meus pensamentosquando atingimos nossa estação de trabalho. Soou excitada e isso desculpou o uso dapalavra um tanto exagerada.

Depois de inspirar fundo, como quem diz “mãos à obra”, passou a retirar seusingredientes para depositá-los sobre a mesa que lhe cabia. Com seu jeito vivaz, em uminstante retirou todas as compras, com exceção da couve-flor, claro.

Havia quatro homens no grupo, e aquilo não passou despercebido à minha espertaamiga, pois, no instante seguinte, ela me cutucava com o cotovelo.

— Não avisei que seria um bom local para conhecer pessoas? — Comentou,

enfatizando a última palavra.— Não estou receptiva a “conhecer pessoas” — respondi em voz baixa.— O que não quer dizer que não haja pessoas desejando conhecê-la — devolveu Eve,

fitando, um de cada vez, os quatro representantes do sexo masculino.Dois deles estavam juntos, no mesmo fogão e, a julgar pelas mãos dadas, tratava-se

de um casal gay. Não pareceram dar atenção à minha presença, mas a maneira comofitavam Eve sugeria que analisavam as roupas que ela usava e sua combinação de cores.Quanto aos outros dois homens, era difícil ter certeza. Um deles tinha uma expressãoindefinida e comum, e fingiu não notar quando olhei em sua direção. O último rapaz era

uma mistura de lutador de sumô japonês e incrível Hulk. O tipo de cozinheiro do qualninguém jamais recusaria comer a comida, por mais intragável que esta fosse.

Olhei ao redor. A parede do fundo do salão era um mural ilustrando um típico caféfrancês, com o titulo: Café Jacques.

Uma porta em um dos cantos se abriu de repente, e um rapaz alto apareceu. Jim,deduzi. O nome que assinava o e-mail com a lista de ingredientes para a aula. Eve tornou ame cutucar para se assegurar que eu percebera a nova presença masculina.

Talvez seja melhor eu explicar que minha amiga e eu temos preferências diferentes notocante aos homens. Eve gosta de homens grandes, fortes, com muito pelo no corpo e

dinheiro para gastar. Quanto a mim, dou mais atenção a características de personalidade,além da aparência física.

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Havia pouco tempo eu tinha criado um perfil em um website para marcar encontrose “conhecer pessoas interessantes”. Por insistência de Eve naturalmente, e minhaspreferências especificavam atributos como bom humor, trabalho estável, confiabilidade elealdade. Tais predicados me eram mais importantes em um homem do que o carro quedirigia ou os bares e restaurantes que frequentava. Não sou uma pessoa superficial e me

orgulho disso.Mas, naturalmente, não pensem que não aprecio a beleza física e hábitos capazes de

diferenciar homens atraentes de outros não tão especiais.Após fitar Jim por um instante, virei-me para Eve e meneei a cabeça em sinal de

aprovação. Ela sorriu satisfeita. Pelo visto, desta vez concordávamos.Na verdade era impossível não admitir que nosso instrutor fosse um homem lindo. E,

a julgar pelo ar de excitação que tomou conta do ambiente, não éramos as únicas quereconheciam um Adônis ao avistar um.

— Boa noite — disse ele ao parar ao lado do fogão principal, em um local de

destaque. Sua mesa era maior que as demais. Acima dela e na parede, de modo que paranossa sorte, seus movimentos pudessem ser observados, havia espelhos. — Meu nome é Jim MacDonald e sou o instrutor desta oficina culinária.

— Meu Deus — Eve sussurrou. — Além de ser lindo, tem sotaque escocês!Apesar de ser mais discreta que minha amiga, eu não pude deixar de lhe dar razão.

 Jim MacDonald era alto, e suas pernas tinham músculos que os jeans não dissimulavam. Ocabelo escuro contrastava com os olhos que, se a distância não me enganava, eram da cordo mel. Seus bíceps musculosos se harmonizavam perfeitamente com a dimensão dascoxas, e sua voz era grave. O jeito masculino exalava testosterona, e seu sorriso era desses

de fazer as mulheres derreter.Tudo somado, certamente não havia uma representante feminina no salão que não

houvesse sucumbido ao sex-appeal do instrutor. E, certamente, também era esse o caso docasal gay, que fazia parte do grupo.

— Agora que me conhecem, faremos uma rodada para se apresentarem — elecontinuou simpático. — Por favor, digam seu nome, a razão pela qual estão aqui, e quetipos de pratos gostam de preparar. Ah, digam também algo interessante a respeito de si.

Algo interessante a meu respeito? Pensei com um calafrio. Horrorizada com aperspectiva de ter de me apresentar dessa forma, foi difícil me concentrar no que os outros

diziam.De qualquer maneira, consegui ouvir alguma coisa. O casal gay eram Jared e Ben,

que apreciavam pratos com frutos do mar e praticavam alpinismo. A moça e a senhoramais idosa, no fogão oposto ao nosso, eram mãe e filha. Suas especialidades eram doces,petit-fours e tortas. O homem de face inexpressiva se chamava John e trabalhava comocontador em um escritório, o que não surpreendia. Coerentemente, gostava de cozinharpratos com batatas e legumes.

A mulher de pele alva, cabelos negros foi a seguinte a falar:— Beyla — ela se apresentou. Sua voz era grave e soava com um sotaque do leste da

Europa, algo que para mim era fácil de reconhecer, pois o banco em que eu trabalhavatinha vários clientes oriundos dessa parte do mundo. — Estou aqui porque a culinária é

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importante para mim. Sei cozinhar bem, assim como todos em minha família, mas desejome aprimorar.

— Pode nos contar algo interessante a seu respeito? — Pediu Jim, fazendo Beylacorar. Meio na defensiva, ela entrelaçou os dedos longos e finos.

— Como eu disse, sei cozinhar bem. Na Romênia de onde venho, os amigos

elogiavam meus dotes culinários. Mas quero melhorar e aprender mais sobre a cozinhanorte-americana.

— Eu também — brincou Jim, e todos riram.Em seguida, chegou à vez de Eve.— Já fui miss Arlington de nosso estado Virgínia, mas não vou contar a quanto

tempo. — Ela sorriu travessa. — Quanto à razão de eu estar aqui...Virou-se para me fitar e eu gelei. Não era possível que fosse contar a meu respeito,

sobre a minha separação de Peter, sobre minha necessidade de recuperar minhaautoestima. Não iria contar que eu vivia encorajada, vendo a vida passar, e que este curso

fora sua tentativa de me fazer recuperar um pouco o prazer pelas coisas.— Ora bolas, eu estou aqui para conhecer vocês — elaborou com um enorme sorriso.

— Aprender a cozinhar é um bônus.Todos sorriram de volta, comprovando que minha amiga sabia como marcar presença

de uma forma simpática.Era minha vez de falar. E era hora de eu começar uma mudança em mim.Sim, era uma chance de eu fazer algo por mim mesma.Respirando fundo, decidi que não deixaria passar a oportunidade de iniciar minha

trajetória rumo a um futuro com novos horizontes e prazeres.

Engoli em seco. Tinha sido erigida à posição de centro das atenções, pois todos mefitavam agora; incluindo Jim. A coisa mais linda que a Escócia produzira depois de MelGibson, o astro do cinema.

— Algo interessante a meu respeito? — Comecei com a garganta seca, sabendo quenão podia esperar mais. — Talvez o que me diferencie de todos aqui é que sou a piorcozinheira do mundo.

* * *Quarenta minutos de aula, e eu ainda não havia queimado nada. Depois de dourar a

cebola e refogar o frango, fatiei as cenouras da maneira como Jim explicara, e as coloquei

para fritar na manteiga.Até agora tudo bem, pensei mais relaxada.Caminhando de fogão em fogão, o lindo instrutor fornecia conselhos e sugestões, e

agora chegava minha vez.— As cenouras estão prontas? — Perguntou-me, mas Eve pensou que ele falava com

ela. Melhor assim pensei, pois eu preferia não me expor.A aparência das cenouras de Eve não era nada boa. Ela as havia cortado de forma

irregular e deixara que juntassem água. Agora estas pareciam moles demais e se desfaziamnas pontas.

Eve o fitou com aquele sorriso doce e olhar de flerte que eu conhecia tão bem, e nãotitubeou em responder que tudo corria às mil maravilhas.

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Entretanto, foi fácil perceber que a tática de sedução não impressionou o professor,pois Jim conservou o tom profissional e as mãos enfiadas no bolso do jeans justo queusava.

Ele se virou para mim, o que me fez corar instantaneamente.— Sabe o nome do tempero francês que indiquei?

— Mirepoix — respondi, aliviada por ter lido o rótulo no frasco da especiaria. Jim sorriu e meneou a cabeça em aprovação. Mais confiante, sorri de volta com

coragem suficiente para fitá-lo nos olhos, confirmando que era cor de mel.— E para que se usa o mirepoix?— Para vegetal de gosto suave como a cenoura — expliquei, começando a sentir certo

orgulho de mim mesma.Não sei se por causa disso, ou pela luz suave do início da noite, banhando o céu que

se avistava pela parede transparente, minha mente começou a criar fantasias e me imagineisentada com nosso instrutor em um café francês, envolta pela atmosfera romântica de

Paris. Ele tomaria minha mão, abriria um lindo sorriso e...— Por quanto tempo se deve refogar a cenoura? — Jim perguntou, interrompendo

minha fantasia.— Cinco minutos — respondi prontamente, lembrando-me da instrução que nos fora

dada, e rezando para não revelar o que me impregnava a alma no momento. Aquelehomem era uma perdição, pensei surpresa por reagir a ele como jamais reagira a meupróprio marido. — Então se junta à cenoura às cebolas já douradas, antes de se colocar ofrango cozido antecipadamente.

— Muito bem — ele elogiou com um sorriso terno que, aliás, não usara com Eve.

Ou será que eu estava imaginando coisas? Para meu desalento, nosso instrutor seguiuem frente para dar atenção a outros alunos. Mais calma e confiante, contudo, eu o observeiconversar com John antes de prosseguir para conferir a panela de Beyla, a mulher romena,à qual ele reagiu com um gesto de aprovação. Em seguida, Jim foi ter com mãe e filha nofogão oposto ao nosso.

Nesse momento, senti o aroma de algo queimando. Ao fitar minhas cenouras, atéentão perfeitas, descobri horrorizada, que a maior parte tinha queimado.

— Não é o fim do mundo — afirmou Eve ao dar partida no carro e ganhar a rua parairmos para casa.

Era um bom conselho; todavia, difícil de ser seguido.— Não foi você quem fez o papelão — retruquei mal humorada. Tudo correra bem

até eu queimar as cenouras, o que me obrigou a começar tudo de novo.— Jim falou para você não se preocupar. Garantiu que essas coisas acontecem com

qualquer um.— Disse isso só para ser gentil.— Não se culpe Anne. Um instrutor tão sexy como o nosso faz qualquer mulher se

distrair... Você reagiu como qualquer mulher reagiria. Anime-se e pare de se culpar. Nãoera assim até aquele idiota do Peter rejeitá-la, sabia? O que você precisa é parar de dar

tanto valor ao que os outros pensam a seu respeito.— Acha que estou preocupada com a opinião de Jim sobre mim? Você é que estava

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tentando, impressioná-lo...— Eu? — Replicou Eve com genuína surpresa, demonstrando que aquilo não lhe

passara pela cabeça. — Não estava flertando com ele, se é isto o que está insinuando.Limpei a garganta com exagero e Eve riu.— Ele não é meu tipo Annie. E você sabe que não me interessaria por um instrutor

culinário, mesmo ele sendo sexy. Sabe o que estou pensando? Que você se entusiasmoucom o professor.

— Claro que não. Homens lindos e charmosos como Jim não se interessam por umamulher como eu.

Minha melhor amiga balançou a cabeça, inconformada.— Compreende agora o que digo a respeito de recuperar sua autoestima? Se pensar

assim a respeito de si própria, homem algum se interessará por você.Eu sabia que Eve tinha razão, mas recuperar a autoestima não é coisa fácil.— Droga! — Ela reclamou. — Esqueci meu relógio na Bonne Cuisine — disse,

mostrando o pulso nu. — Retirei para lavar as mãos no final da aula e o deixei sobre a pia.— Não se preocupe, estará lá amanhã, quando voltarmos — assegurei, lembrando-

me da porta que monsieur Lavoie mantinha fechada, e que só abria com a senha secreta.— Eu sei, mas vou almoçar com Clint amanhã. Foi ele quem me deu o relógio.Não era fácil acompanhar a vida amorosa de Eve. Tive de fazer um esforço para

identificar a quem ela se referia. Finalmente, lembrei-me do joalheiro que minha amiga co-nhecera havia algum tempo, e com o qual iniciara um caso.

— Basta explicar que esqueceu o relógio na aula de culinária, ora.— Prática como sempre — reagiu ela. — Se eu disser que o esqueci, Clint vai pensar

que não gosto dele.— O que é verdade — repliquei, pensando na conversa que tivéramos havia alguns

dias, quando Eve reclamara acerca de tudo do pobre rapaz: desde o aroma da loção pós- barba, até a maneira como caminhava ou os assuntos que escolhia para conversar.

— Mas eu jamais teria coragem de ferir os sentimentos dele — lamentou-a. — Em breve colocarei um fim neste caso, e não quero dar mais motivos para Clint se ressentir.

Decidida, Eve virou à direita, começando a retornar para a Bonne Cuisine.Resignada, preferi não discutir e, pouco depois, chegávamos à loja outra vez. Agora

nos aproximávamos vindas de outra direção, e Eve estacionou nos fundos da loja.

Ao sairmos do carro, a primeira coisa que ouvimos foi uma voz feminina falando altoe com irritação:

— Não vou lhe dar ouvidos e muito menos mudar de opinião. Sabe muito bem o queeu quero.

— É Beyla — reconheci, percebendo o sotaque estrangeiro de nossa colega de pelealva e olhos escuros. Parada ao lado da porta dos fundos da loja, ela discutiaacaloradamente com um homem. Apesar de parecer responder de forma também muitoirritada, ele falava em tom mais baixo, e não consegui compreender o que dizia. A maneiracomo gesticulava, indicava que a conversa não tinha nada de amigável.

— Como pode dizer uma coisa dessas? — Vociferou Beyla com ódio e ergueu oqueixo em desafio. — Mato você Drago. Juro que faço isso!

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Nesse momento, Eve me puxou para o lado para nos escondermos atrás do tronco deuma árvore na calçada.

— E aquele homem forte que quase trombou com você quando chegamos —sussurrou curiosa. — E parece estar mais nervoso ainda. Por que será que estão brigando?

— Algo me diz que não devemos nos envolver. É melhor irmos embora.

— E perder a oportunidade de nos divertirmos? Aposto que eram amantes antes devir para cá. Os dois têm o mesmo sotaque e devem ter se conhecido na Europa.

Ao ouvir a voz de Drago, que agora soava mais alta, coloquei o rosto para fora dotronco para poder observar. Ele era um homem enorme, de ombros largos, e se eu estivessena posição de Beyla, sem dúvida me intimidaria. Entretanto, ela o enfrentava sem temor.

— Não me parece que sejam resquícios de uma relação amorosa. Será que devemoschamar a polícia?

— Para dizer que um homem, que não sabemos quem é, está discutindo com umamulher, a qual mal conhecemos, sobre algo de que também não temos ideia do que se

trata? A polícia tem coisas mais importantes a fazer.— Ela disse que ia matá-lo.— E maneira de dizer, não uma ameaça verdadeira.— Então talvez seja melhor entrarmos na loja e avisar monsieur Lavoie do que está

acontecendo aqui nos fundos — insisti, tomando o braço de Eve. — Mesmo porque se nãocorrermos, a loja vai fechar e você não poderá pegar o relógio. Já se esqueceu do almoçocom Clinton, amanhã?

— Você é uma estraga prazeres — reclamou Eve, sabendo que eu tinha razão.Devagar, saímos de trás da árvore e nos esgueiramos até a esquina, dando a volta em

direção à entrada da loja.A Bonne Cuisine se encontrava com quase todas as luzes já apagadas, mas Lavoie

continuava perto do caixa, provavelmente se aprontando para fechar o estabelecimento.Depois de batermos duas vezes na porta já trancada, ele afinal notou nossa presença e veionos receber.

— O que foi? — Perguntou.Eu ia contar o que acontecia entre Beyla e Drago, mas Eve se adiantou.— Esqueci meu relógio no salão culinário — explicou entrando na loja. — Espero que

não se incomode de termos voltado para buscá-lo. Esse relógio é importante para mim e eu

ficaria devastada se, por algum motivo, não o encontrasse amanhã.Monsieur Lavoie não fez questão de esconder que não apreciava nossa presença ali

naquele momento e, por um instante, achei que ia se recusar a nos ajudar. Parecendopreocupado, ele fitou o balcão de soslaio, sobre o qual havia uma série de pequenos potesdestampados e um funil. Em seguida tomou a nos olhar e então meneou a cabeça.

— Podem subir — concedeu, rumando conosco em direção à escada. — Jim foiembora e já arrumamos tudo lá em cima. Também tenho de partir rapidamente, mas sevocês se apressarem...

Agradecemos e subimos os degraus, adentrando o salão superior. As luzes estavam

apagadas, mas a claridade da rua passando pela parede de vidro era suficiente para quepudéssemos nos movimentar. Mergulhado em sombras, o ambiente perdera o brilho dos

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metais, dos vidros e do mármore da mesa central, transformando-se em um local mis-terioso, que produzia uma sensação de insegurança.

— Sei exatamente onde deixei meu relógio — assegurou Eve, tomando a dianteira emdireção a pia, em um dos cantos.

Eu a segui de perto, pois não queria ser deixada para trás naquele espaço deserto,

escuro e silencioso.— Aqui está! — Minha amiga colocou o relógio no pulso.— Nossa a noite passou rápido — disse ao apertar o pequenino botão, que iluminava

os ponteiros. — Já é nove e meia.Incrível que o mesmo período de tempo pudesse passar rápido para alguém, e

parecer interminável para outra pessoa. Para mim, a aula tinha sido longa e, no final, eunão via a hora de partir. Porém, eu sabia que minha percepção do tempo era influenciadapelo desconforto em me expor ao grupo, principalmente depois de haver queimado ascenouras.

Aflita, comecei a pensar na aula que enfrentaria no dia seguinte e no que teríamos depreparar: salgadinhos para aperitivo.

— Vamos? — Convidou Eve se adiantando para sair. — Se quiser, podemos tomarum café antes de ir para casa — sugeriu enquanto descíamos a escada.

— Tomar café há esta hora? Se fizer isso, terei dificuldade para dormir, e amanhãpreciso chegar cedo ao trabalho.

Quando atingimos o andar térreo, não havia sinal de monsieur Lavoie. Por um brevemomento, quase entrei em pânico ao pensar que talvez estivéssemos trancadas ali dentro.

Nesse instante, uma porta lateral abriu e ele apareceu.

— Encontraram o que procuravam? — Perguntou com um sorriso que não tinha nadade convincente, já se adiantando para nos conduzir para fora.

— Sim, o relógio estava onde o deixei — explicou Eve.— Nós nos veremos amanhã, então. — Ele abriu a porta para a rua rapidamente. —

Boa noite — completou enquanto saíamos.Eu ainda ia me virar para me despedir, mas monsieur Lavoie fechou a porta sem me

dar nenhuma chance.— Que comportamento estranho — falei, enquanto dávamos a volta na loja e

seguíamos para o carro. — Parece que ele não via a hora de nos ver pelas costas!

— Talvez tenha um encontro marcado com alguma mulher — imaginou Eve em tommalicioso e, nesse momento, ouvimos o ruído de um carro arrancando com rapidez, vindodo estacionamento atrás da loja. — Não disse? — Ela continuou, deduzindo que era Lavoiequem partia. — Ele estava mesmo com pressa.

— Seja o que for este lugar fica muito estranho à noite — falei com um arrepio aocomeçarmos a atravessar o estacionamento em direção à rua lateral. A não ser por nósduas, o local se encontrava totalmente deserto, e aquilo me deixou ainda maisdesconfortável.

Nesse momento, percebi algo escuro sobre o chão, um pouco adiante. Eve também

notou.— O que é aquilo? — Perguntou franzindo o cenho. — Não posso acreditar que

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alguém tenha tido o desplante de largar um saco cheio de lixo no meio do estacionamento!— E grande demais para ser um saco de lixo — ponderei curiosa.— O que mais poderia ser? — Retrucou Eve. Enxerida como era, ela me puxou para

averiguarmos o que era.O que parecia ser um saco de lixo era, na verdade, um casaco de couro. E, mais

surpreendente ainda: Drago estava dentro dele! Aquele homem que não conhecíamos, masque por duas vezes cruzara nosso caminho naquela noite encontrava-se agora caído nochão.

Ao nos aproximarmos, com a luz de um dos postes iluminando seu rosto, notamosque tinha a face pálida. Além disso, seu rosto estava banhado em suor e ostentava umaexpressão de dor.

— Annie? — Eve apertava meu braço com tanta força, que deixaria uma marca roxa.— Está pensando o mesmo que eu? Este é o homem que...

Engolindo em seco, eu sabia que necessitava manter o controle, pois entrar em pânico

não ajudaria. Além do mais, o tom de voz de minha amiga demonstrava que ela estavamais perturbada do que eu.

— Não sei se estamos pensando a mesma coisa, mas este é o tal Drago — falei,tentando soar mais calma do que me sentia. Sem hesitar, ajoelhei-me e tomei o pulso deDrago.

— A pulsação é fraca, mas está vivo — constatei. — Chame o serviço de emergência,rápido!

— Serviço de emergência? — Eve repetiu atônita. — Talvez seja melhor sairmosdaqui o quanto antes. Beyla disse que ia matá-lo e, pelo visto, não perdeu tempo. E se ela

vier atrás de nós? — Completou, olhando em torno de si.Entrar em pânico e sair correndo seria fácil, mas não apropriado. Eve necessitava ser

tranquilizada, e eu era a única pessoa que podia ajudá-la no momento.— Ninguém virá atrás de nós e, independentemente do que tenha dito, não foi Beyla

quem fez isto — assegurei, tornando a fitar Drago. — Creio que ele sofreu um ataque docoração, e Beyla não poderia ser a responsável, não é? Não podemos sair correndo Eve,temos de ajudá-lo. Passe-me seu celular. Ele ainda está vivo, mas poderá morrer se nãoagirmos rapidamente. Temos de chamar uma ambulância.

— O celular — repetiu ela, apenas começando a sair do estupor. — Mas eu o deixei

no carro.— Vá buscá-lo então.— Sim — balbuciou minha amiga por fim, dando meia volta e começando a correr na

direção do carro.Nesse momento, Drago exclamou algo incompreensível.— Drago? — Tomei a me ajoelhar a seu lado, embora relutante em me aproximar

demais de um estranho, mesmo que em agonia. Em um impulso, belisquei seu braço paraver como reagia. Ele tomou a murmurar algo, o que era bom sinal. — Meu nome é Annie.Minha amiga foi chamar uma ambulância. Não se preocupe, providenciaremos ajuda o

mais rápido possível.Ele abriu os olhos de repente, e moveu a cabeça, fitando os fundos da loja, depois o

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céu que agora se encontrava totalmente escuro e salpicado de estrelas.Rememorar os fatos da última meia hora me fez sentir um calafrio que aumentou

ainda mais quando Drago fixou a atenção em mim. Em um gesto que parecia demandarenorme esforço, ele ergueu a mão e tocou meu braço de uma maneira como se não fossever o dia de amanhã. E, pelo que eu pressentia, era isso que ia acontecer.

— Al... Bas... Tru — murmurou em voz fraca, e com um sotaque mais carregado queo de Beyla.

— Alabastro? — Tentei ajudá-lo, dizendo a primeira palavra que me ocorreu. Mas oque significaria aquilo?

— Alba... Stru. — Sua voz não era mais que um suspiro e, com enorme empenho, eleergueu o braço e tocou meu rosto.

Seus dedos estavam frios como gelo e, em uma reação automática, afastei a face. Agirassim, porém, me deu uma enorme sensação de culpa. Era um ser humano em agonia,lembrei.

— Alba Stru? É o nome de alguém? Não conheço ninguém chamado assim, masprometo que encontrarei essa pessoa, se é o que você quer — assegurei, sem conseguir evi-tar pensar que aquelas podiam ser suas últimas palavras. — É melhor não se preocuparcom isso, agora, e resguardar suas forças. A ajuda chegará num instante.

Subitamente, a face morena se contraiu ainda mais, denunciando uma pontada dedor. Com a respiração acelerando de repente, Drago abaixou o braço, tentando alcançar o bolso da jaqueta para retirar dele um papel.

— E importante — disse, entregando-o a mim.Ao aceitá-lo, percebi, mesmo com a fraca iluminação, que se tratava da nota fiscal de

uma refeição em um restaurante chamado Bucareste, o nome da capital da Romênia. O queele pretendia ao me dar aquilo?

Eu me preparava para perguntar, quando Drago soltou um murmúrio grave eprofundo. Aflita, guardei o papel no bolso da calça e tornei a apertar sua mão. Então, sentique a mão dele perdia a pouca força que restava, até finalmente se tornar inerte.

— Drago! — Chamei aflita, mas não houve resposta. — Está me ouvindo? — Repetiem tom mais alto. — Tem de resistir — pedi, temendo o pior.

Entretanto, seus olhos me fitaram sem vida.Não sei por quanto tempo permaneci ajoelhada a seu lado. Não lembro se eu chorei

ou o que fiz. Só me recordo da imensa sensação de impotência que me invadiu.Somente ao perceber que Eve se aproximava correndo, soltei sua mão e me ergui.— Tarde demais — murmurei, sem coragem de fitá-la. — Ele morreu Eve. — Ouvi o

som distante de uma sirene.Logo o estacionamento atrás da Bonne Cuisine ficou inundado de paramédicos. A

luz vermelha pulsando, intermitente, dava uma atmosfera irreal à situação.Os profissionais tentaram de tudo: injeção reanimadora, máscara de oxigênio e

choques de desfibrilador. Os minutos passavam: cinco, dez, quinze. E Drago não voltava asi. Finalmente, um dos médicos afirmou que não adiantava fazer mais nada.

Nesse momento, ao perceber que Eve chorava baixinho, aproximei-me e coloquei o braço sobre seu ombro, puxando-a para mim. Esgotada, notei que a intensa atividade dos

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paramédicos deixava de ser frenética, e que eles ganhavam um ar de resignação.De repente, comecei a me questionar se de fato havíamos feito o que devíamos; se

tínhamos agido com presteza ou perdido preciosos momentos, os quais haviam custado àvida de Drago.

— Nunca vi ninguém morrer — falou Eve de repente.

Angustiada, notei que ela tremia.— Eu também não. — Ecoei, embora, sabendo que estritamente falando, Eve não

havia presenciado a morte do estrangeiro como eu. — É muito triste.— Beyla provavelmente planejou as coisas assim — Eve murmurou.Aquilo era tolice, mas eu não ia dizer tal coisa, principalmente em um momento

como aquele. Apesar da aparência de mulher forte, minha amiga era extremamentesensível. Se a proximidade com a morte tinha aquele efeito nela, uma perspectiva real deassassinato certamente seria capaz de desestruturá-la.

— Beyla não tem nada a ver com o que aconteceu — afirmei, notando que cobriam o

corpo de Drago com um pano.Um paramédico estava próximo a nós, carregando uma prancheta e anotando algo no

que devia ser um relatório. Chamando sua atenção, fiz um gesto pedindo que seaproximasse.

— Ele mencionou o nome de alguém — informei quando o rapaz chegou mais perto.— Um nome de mulher, eu suponho. Creio que queria que a chamássemos por que...

— Foi você quem chamou a ambulância? — O jovem interrompeu com suavidade.— Fui eu quem telefonou — disse Eve. — Fiz o que devia fazer, não fiz?— Sem dúvida — assegurou. Tinha uma tarjeta pendurada no pescoço onde se lia

seu nome: Sean. — Não é fácil manter a cabeça fria em uma situação como esta.— Não conseguiria observar um ser humano sofrer sem tomar nenhuma iniciativa.

Tenho certeza de que compreende o que quero dizer, senão não teria escolhido esta profis-são tão nobre — disse Eve, fazendo-me arregalar os olhos. Ela estava flertando com oparamédico!

— Não vamos nos esquecer de “Alba” — disse eu para interromper aquilo, e ambosme olharam sem compreender.

— Foi o nome que Drago mencionou antes de morrer — expliquei.— Drago — confirmou o rapaz, consultando o relatório na prancheta. — Drago

Kravic. Era este o nome na carteira de motorista que encontramos em seu bolso.Conheciam o falecido?

— Não — Eve se apressou a dizer, sem me dar chance de explicar sobre o curso deculinária e sobre a discussão que presenciáramos entre Beyla e Drago. — Ele disse seunome instante antes de morrer. — continuou ela, fitando- me como quem diz "mantenha a boca fechada”.

Felizmente, Sean tornou a escrever no relatório e nada percebeu.— Não o conhecíamos — Eve tornou a afirmar nervosa. — Estávamos cruzando o

estacionamento em direção ao nosso carro, quando nos deparamos com o corpo caído.

Que coisa horrível! Não vou conseguir dormir esta noite...— Alba também não vai conseguir dormir quando ouvir o noticiário — disse eu,

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tentando interromper mais uma vez o rumo que minha amiga insistia em querer imprimirà conversa. — Alba Stru. Creio que foi o nome que ele mencionou.

— Encontramos sua carteira com toda a informação essencial — assegurou o rapaz.— Se essa Alba for uma pessoa próxima, vamos encontrá-la. Não se preocupe, o necessárioserá feito — continuou Sean, fazendo um gesto para levarem o corpo.

Nesse instante, alguém o chamou, mas antes de caminhar em direção à ambulância, oparamédico nos fitou novamente.

— Obrigado senhoritas.— Somos nós que lhe agradecemos — replicou Eve com um lindo sorriso, pouco

adequado à ocasião.— Não é uma hora muito apropriada para flertar — censurei, assim que nos vimos a

sós. — Além do mais, por que inventou que Drago nos disse seu nome antes de morrer, enão contou sobre a discussão entre ele e Beyla?

Um carro de polícia se aproximou e parou a poucos metros.

— Você não afirmou que Beyla não tem nada a ver com o sucedido? — Retrucou Eve,empertigando o ombro em preparação para receber o agente que viria ter conosco. —Alémdo mais, a história se torna mais atraente com esse detalhe do homem que diz suas últimaspalavras para as mulheres que o acudiram.

— A mulher — repliquei enfatizando o singular, pois afinal, estava sozinha quandoDrago falecera.

Eu me preparava para esclarecer sobre as consequências de mentir para umparamédico, quando percebi a alteração na expressão do rosto de minha amiga. Eve fitavaa viatura policial, cuja porta acabava de abrir, e era difícil dizer se a transformação em sua

expressão significava surpresa, raiva ou outra coisa. Ela agarrou meu braço de repente, oque significaria outra mancha roxa.

Ao virar-me, vi que uma agente uniformizada saltava do veículo. Apesar do quepe,notava-se que era uma ruiva muito bonita. Tinha um nariz delicado, lábios carnudos e umrosto de capa de revista. E seu corpo não exibia nenhuma gordura extra.

— O que foi? — Perguntei, notando a tensão de Eve, mas ela não respondeu. Em vezdisso, seus lábios se curvaram em um sorriso pretensamente natural, mas que eu sabia serfalso. Em um instante, a policial feminina se aproximou.

— Oficial Kaitlin Sands... Que coincidência!

Ao ouvir o nome, compreendi a razão do comportamento de minha amiga. Talvez eudevesse explicar agora, se ainda não adivinharam que a vida amorosa de Eve era deverasintensa. Clint, Joe, Michael, Scott... Eu já perdera a conta. A verdade é que os homens seinteressavam por ela à primeira vista, e Eve retribuía da mesma maneira.

Da última vez, o noivado e consequente rompimento tinham sido com Tyler Cooper.Tyler era um bem cotado investigador na polícia de Arlington, tendo elucidado casos queganharam as páginas dos jornais e o fizeram aparecer em entrevistas de televisão. Era umafigura razoavelmente conhecida e, por vezes, noticiavam algo a respeito de sua vidaprivada. Foi assim que ficamos sabendo que ele noivara havia pouco tempo com uma

agente policial. A mesma que agora estava bem à nossa frente.— O que ela tem que eu não tenho?

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 Já era a noite do dia seguinte. Estávamos de volta à llonne Cuisine, e Eve seguiaobcecada com a agente Kaitlin Sands, noiva de Tyler.

Claro que eu me importava com as vicissitudes românticas de minha amiga, mastudo tem um limite. Preferindo me calar, enfiei o rosto no saco de compras e comecei a reti-rar os ingredientes para a aula daquele dia.

— O que é que ela tem que eu não tenho? — Repetiu Eve.— Um revólver? — Perguntei com ironia.— Não tem graça — ela replicou organizando o bacon, o queijo gorgonzola e o

salpicão sobre a mesinha. — Tem de haver uma razão para Tyler ter me deixado por causade Kaitlin.

Desta vez soltei um suspiro que demonstrava minha irritação. Eu já estava cansadade suportar Eve reprisando o mesmo assunto desde a noite anterior, e, além disso, sentia-me desconfortável por ela ter mentido para o paramédico que veio ter conosco após amorte de Drago. Pior ainda, Eve repetira a mesma falsa versão dos fatos para a agente

Sands, só que de uma maneira bem sintética, por não querer falar mais do que oestritamente necessário com a suposta rival.

Entretanto, mentir para uma policial era algo grave; mesmo havendo um ex-namorado entre as duas.

— Já falamos disso antes — continuei, sem parar de arrumar meus ingredientes. —Tyler não a deixou por causa de Kaitlin, pois rompeu o noivado de vocês antes de conhecê-la. — Tentei colocar as coisas de forma suave, mas sem deixar de sentir dor no coração aofitar minha querida e fiel amiga. — Ele não sabe o que está perdendo.

Eve sorriu e apertou minha mão agradecida.

Nesse momento, Beyla adentrou o salão.— Acha que ela sabe? — Perguntou minha amiga em um sussurro.— Sobre Drago? — Falei também em voz baixa e grave. Há algo sobre a morte que

nos torna solene quando a mencionamos.Beyla estava toda de preto, mas isso não significava muita coisa, pois, no dia anterior,

também se vestira assim. A saia era tradicional, um pouco abaixo dos joelhos, e o sapatotinha ponta aberta, deixando aparecer os dedos. A blusa de manga comprida era simples, eela não usava joia ou maquiagem. Era dessas mulheres que ficam elegantes com qualquerroupa, e não parecia incomodada ou perturbada.

— Os mais suspeitos são aqueles que agem de forma neutra e natural — filosofouEve.

— Suspeitos? — Falei mais alto do que pretendia.Nossos colegas de curso, porém, não pareceram notar meu arroubo. A não ser Beyla,

que me fitou imediatamente, estreitando os olhos escuros como se tentasse ler minhamente.

— Esqueça Eve. Beyla não tem nada a ver com a morte de Drago, a não ser que possafazer mágicas capazes de produzir um ataque do coração.

— Mas estavam discutindo, lembra-se? E quando as pessoas discutem, a pressão sobe

e o coração acelera.Desnecessário dizer que, sendo amiga de Eve havia tantos anos, eu conhecia sua

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tendência para inventar teorias de complôs, e enxergar intrigas onde não havia.— Vamos perguntar a ela sobre Drago — ela disse, puxando-me pela mão.Beyla não pareceu surpresa ao ver que nos aproximávamos. Ao contrário, continuou

retirando os ingredientes da sacola e dispondo-os sobre a mesa.— Oh, Beyla... — Começou Eve, tocando-a no braço para chamar sua atenção, pois

até então à mulher nos ignorava.Ela interrompeu o que fazia e nos fitou.— Ficamos sabendo do que aconteceu pelo noticiário, e queríamos dizer que

sentimos muito.— Sobre o que estão falando? — Indagou com ar surpreso.— Sobre Drago — explicou Eve pesarosa. — Sei que é difícil enfrentar a morte de

alguém próximo, e que você tenta demonstrar naturalidade, mas...Eve ainda tocava o braço de Beyla, mas a estrangeira se afastou com um gesto brusco.— Ainda não compreendo o que estão falando — disse visivelmente desconfortável.

— Creio que Beyla não deseja conversar sobre isso.— Quem é esse “Drago”? — Ela prosseguiu com irritação. — E por que resolveram

falar comigo sobre isso? Não conheço esse homem.Eve ergueu o queixo, fazendo-me crer que nos colocaria em uma encrenca.— Então por que discutia com ele no estacionamento, nos fundos da loja, ontem à

noite?Beyla mordeu o lábio, mas também ergueu o queixo, mostrando-se pronta a enfrentar

minha amiga.— Não costumo discutir em estacionamentos, nem conversar com homens que não

conheço. E, como já disse, desconheço esse Drago a quem se referem.— Então não teve nada a ver com a morte dele? — Insistiu Eve, dando-me vontade de

sair correndo.— Sentimos muito se o falecimento de Drago a afetou de alguma maneira —

intercedi diplomaticamente, antes que a conversa deteriorasse ainda mais. Na verdade,desejava que o chão se abrisse e engolisse para eu escapar àquela situação constrangedora.—Agora, se nos dá licença, temos de terminar de arrumar nossas coisas — finalizei,puxando Eve.

— Se Beyla não é culpada, por que age de maneira tão inocente? — perguntou minha

amiga, quando retornamos ao nosso fogão.— Se é inocente, como deveria se comportar, então? — Perguntei.— Presenciamos a discussão dos dois.— Talvez não fosse Beyla.— Ou talvez ela esteja mentindo — Eve argumentou.— Não temos nada a ver com essa história! — Eu disse impaciente.— E se ela o assassinou?— Beyla pode ser inocente.— Talvez seja culpada e não queira criar suspeitas.

— Drago faleceu de ataque cardíaco, não se lembra? — Rebati.— Ou talvez, Beyla soubesse que ele tinha um coração fraco, e por isso o enfureceu,

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tentando provocar o ataque.— Não esqueça de que também Lavoie discutiu com Drago — ponderei.— Sim, mas isso ocorreu muito antes de ele bater com as botas. E a discussão com

Beyla foi minutos antes de Drago sofrer o ataque. Aposto que ela disse algo com a intençãode irritá-lo, sabendo que jamais suspeitariam que um ataque cardíaco fosse, na verdade,

um assassinato.— Ou talvez...— Com licença senhoritas.Ao escutar o pedido de Jim, percebi que tínhamos ido tão longe naquele assunto, que

nem havíamos notado que ele desejava começar a aula. Sentindo o rosto corar, abaixei oolhar e me virei para o fogão.

— Agora que temos a atenção de todos... — Prosseguiu Jim, e notei o tom divertidoem sua voz.

Envergonhada, tornei a olhar nosso professor, percebendo que ele fitava Eve com um

sorriso.Claro, pensei desacorçoada. Entre eu e minha amiga, Jim certamente só teria olhos

para Eve.— Salgadinhos — ele anunciou. — Quantos de vocês compram batatas chips e

amendoim por não saberem preparar algo para acompanhar uma bebida? Como sabem, agordura desses produtos não é boa para a saúde — lembrou, fazendo eu me sentir péssimapor todas as vezes que deixara de jantar algo decente para matar a fome com bobagens. —É muito fácil preparar algo apetitoso sem gorduras saturadas, que aumentam o colesterolruim. Hoje vamos aprender como. Mas vou complicar um pouco as coisas — ele

arrematou com um sorriso matreiro. — Vocês vão trocar de parceiro — disse, provocandoum murmúrio no grupo. — Não há motivo para se preocuparem. Se vocês podemcozinhar com os amigos, podem cozinhar com qualquer um. Portanto, vamos trocar delugares. Você fica com ela — decidiu, apontando o incrível Hulk e a senhora que cozinhavaao lado da filha. — E você com ela — prosseguiu, tomando um dos rapazes gays pelo braço e levando-o até a filha, que ficara sozinha.

Não pôde indicar um novo parceiro para Eve, pois John o contador, já se aproximara,demonstrando que a havia escolhido, e começava a afastar meus ingredientes parasubstituí-los pelos dele. Eve o recebeu com um sorriso e em um segundo, já conversavam

como se fossem velhos amigos.— Quanto a você Anne... — Continuou Jim, voltando-se em minha direção com um

estranho brilho no olhar. — Vai trabalhar com Beyla.Ao fitar Beyla horrorizada, percebi que ela não olhava para mim. Seus pensamentos

também não deviam ser nada agradáveis. Mas talvez fosse uma chance para eu consertaras coisas.

Tentando me convencer de que aquilo era possível, apanhei minhas coisasrapidamente e caminhei em direção ao fogão de Beyla. Ao me aproximar, ela me recebeucom uma expressão neutra.

— Melhor irmos para seu fogão — disse.— Está ocupado por Eve e John.

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— Usaremos outro fogão qualquer — ela insistiu.— Não há nenhum outro fogão disponível.— Então é melhor assumirmos que não podemos trabalhar juntas — decidiu ela de

repente.Eu não podia culpar Beyla por não querer cozinhar comigo. Embora tivesse me

olhado de uma maneira diferente, Jim felizmente, não parecia ter percebido o que sepassava entre nós, pois se ocupava em preparar suas coisas para a aula. Resignada,permaneci calada, dando espaço a Beyla decidir o que queria. Incerta do que fazer, resolviacender o fogo, notando que ela se afastava.

Virei o controle do moderno fogão, que acendia automaticamente.E o fogão explodiu em minha face.Ao me recuperar do susto, percebi que estava sentada no chão. Felizmente, a

explosão não fora grande e, embora eu tivesse caído não me queimei.Meus ouvidos zuniam, minha cabeça latejava, e o salão parecia girar ao meu redor.

Tudo ocorrera em segundos, e agora era como se o tempo houvesse parado, pois, ao menospara mim, tudo estava imóvel e silencioso.

No instante seguinte, entretanto, as coisas se transformaram completamente. Todoscorreram para me acudir e, em um segundo, Eve abria caminho e se ajoelhava ao meulado.

— Annie! Você está bem? — Perguntou aflita.Eu acenei com um gesto de cabeça, tentando dizer que não me machucara, mas o

movimento aumentou o latejar em minha testa.— Annie? — Tornei a ouvir, mas desta vez a voz era grave, ainda que tivesse o

mesmo tom de preocupação. Jim também se ajoelhara ao meu lado. — O que aconteceu?— Não sei — respondi confusa. — Tudo que fiz foi acender o fogo.— Eu vi — Ele tocou meus braços carinhosamente. — Se aquele infeliz do Lavoie não

fez a manutenção do equipamento... — Começou irritado, mas então percebeu que nãousava uma linguagem adequada e se conteve. — Você está bem?

— Sim — assegurei, não conseguindo deixar de pensar que o toque dele já erasuficiente para me fazer sentir melhor. — Mas estou meio surda. Sinto muito por ter danifi-cado o fogão.

— Não foi culpa sua. Não deixe que isso a desencoraje. — Ele fez um gesto para os

outros se afastarem e me ajudou a levantar. — O importante é que não tenha semachucado.

O calor do corpo forte atiçou meus sentidos e, aturdida por meu corpo, que reagia aocontato imediatamente. Jim me amparou por alguns minutos, a respiração levementeacelerada. Tratei de atribuir a reação à sua preocupação com meu bem-estar e recuei umpasso, ainda cambaleante. Ele soltou o ar, algo constrangido.

— Estou bem — assegurei confusa com meus sentimentos. Até então me julgavaincapaz de me sentir atraída por outro homem depois de tão pouco tempo após o fracassode meu casamento com Peter. — Não estraguei nada?

— Claro que não. Como eu disse, a única coisa que importa é que esteja bem — elereiterou, ainda me olhando nos olhos. Depois fitou o grupo. — Annie não se machucou e

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vamos consertar o fogão — disse em voz alta, de modo que todos o ouvissem. — Ela eBeyla trabalharão comigo esta noite. Mas antes de recomeçar, quero testar todos os fogõespara garantir que não teremos outra surpresa desagradável.

Ainda perplexa com a reação de nosso instrutor ao meu acidente, sorri discretamentepara Eve, que acompanhava a tudo com um misto de curiosidade e satisfação no rosto

 bonito. Então, dirigi-me para o fogão de Jim, perto da entrada. Já estava quase lá quando me lembrei de que havia deixado meus ingredientes na

mesa de Beyla, e voltei para pegá-los.Meu saco de compras tinha as pontas chamuscadas, mas dentro dele tudo seguia

intacto. Para não deixar um rastro de cinzas pelo chão, comecei a retirar as coisas eempilhar nos braços. Antes de terminar, notei um pequeno pedaço de papel caído a meuspés. Curiosa, e com a sensação de que aquilo era importante, interrompi o que fazia e meinclinei para apanhá-lo.

O papel também estava chamuscado, demonstrando que estivera próximo a mim

quando ocorreu a explosão. Continha algumas palavras, mas a primeira linha se queimara,e não era possível ler o que dizia.

A segunda linha, contudo, estava clara. Ao lê-la, senti o sangue gelar nas veias.“Você será a próxima”, era o que dizia.

CAPÍTULO II 

— A nota era para mim ou para Beyla? E o que significava exatamente?Apesar de já estarmos na noite seguinte, estas questões ainda ocupavam minha

mente. A explosão não me causara dano maior, mas a dor de cabeça persistia, apesar demais leve. Talvez por isso, ou por minha inabilidade, os salgadinhos que preparei na noiteanterior não haviam ficado bons. Pelo visto, o jeito era seguir comprando batatas chips eamendoim.

O tema da aula daquele dia eram as saladas, e Jim iniciara dizendo que o frescor dos

vegetais constituía o maior segredo.— Você está bem? — Perguntou Eve, ao ver-me massageando as têmporas.— Um pouco de dor de cabeça, nada mais.— Parece preocupada.— Impressão sua — repliquei, sem parecer convencê-la.O fogão que explodira havia sido consertado e brilhava outra vez como se fosse novo.

Beyla, porém afirmou que não o usaria mais, e que o incrível Hulk tomaria seu lugar.Agora, a mulher e seu companheiro de cozinha, John, trabalhavam próximos a mim e Eve.

— Estive pensando — Eve começou. Felizmente, dessa vez ela se comportava de

maneira discreta, falando em voz baixa.— Eu também — emendei, passando a lhe contar sobre a nota que achara no chão.— E Beyla continua se comportando de maneira suspeita — opinou Eve quando

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terminei.— Não concordo. — Fitei a romena de cabelos negros que calma e distraída, também

lidava com os ingredientes para a salada.Eve meneou a cabeça, mostrando que não se influenciava pelo que eu dizia, e me

fazendo concluir que não havia sido boa ideia lhe contar sobre a nota. Era verdade que eu

encontrara o papel, assim como era fato que o fogão explodira; mas não havia nada querelacionasse as duas coisas.

Ou será que eu me recusava a ver a relação entre os dois incidentes? Se dissesse amim mesma que estavam relacionados, teria de admitir que, me encontrava em perigo, eisso não era uma perspectiva agradável.

Entretanto, eu sabia que nossa mente nos leva a crer naquilo em que queremosacreditar. Acidentes acontecem, e nada indicava que a explosão não fora um acidente.Quanto à nota, podia ter caído do bolso de alguém e significar muitas coisas diferentes,pois o “você” escrito no papel podia ser uma brincadeira com alguém cujo aniversário se

aproximava, por exemplo.Mesmo que minha mente estivesse dando voltas para não enfrentar a verdade, ainda

assim era difícil crer que Beyla planejasse me molestar.— Não há nada dizendo que a nota era destinada a mim — eu disse para Eve,

cortando as verduras como Jim instruíra, e notando nervosa, que ele começava a caminharpelo salão para ver como trabalhávamos.

— Aposto que Beyla tem uma caneta na bolsa — retrucou Eve.— Você também tem — repliquei, vendo as fantasias de minha amiga ir longe

demais, a ponto de transformar fatos naturais em pistas para comprovar sua mirabolante

teoria.Ela deu de ombros, arrumando na travessa a escarola que cortara em tiras bem

fininhas.— Talvez Beyla não tenha escrito a mensagem. Mas, se escreveu, por que não... — De

repente calou, fazendo-me pensar que algo errado ocorrera com a salada que preparava.Ao virar-me, porém, notei que o que interrompera Eve fora a súbita entrada de um homemno recinto; alguém que eu não esperaria ver em nosso salão culinário: Tyler Cooper.

— Meu cabelo está horroroso! — Ela arrumou o rabo-de-cavalo. —Aposto que Kaitlincontou a ele que me viu aqui... Tyler não daria o braço a torcer a ponto de ir me ver lá em

casa.Obviamente as deduções de minha amiga não eram realistas, mas eu não iria lhe

dizer isso. Tanto quanto suas teorias sobre Beyla, eu sabia que Eve tinha a tendência dedispor os fatos de maneira a demonstrar o que ela desejava que fosse verdade.

Sendo investigador, ninguém mais qualificado que Tyler para encontrar uma pessoa,caso o desejasse. Afora isto, era óbvio que ele a procuraria em casa se quisesse, ou telefona-ria para marcar um encontro.

Mas como convencer Eve de fatos tão simples?— Senhoras e senhores — anunciou Jim, batendo a colher em um copo para chamar a

atenção de todos. — Temos visita — continuou, virando-se para o ex-noivo de Eve. — Esteé o agente Tyler Cooper, do departamento de polícia de Arlington. Ele veio aqui...

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— Para me ver — sussurrou minha amiga.— Para dar notícias não muito boas — finalizou Jim.Imediatamente, Eve me fitou com uma expressão que misturava confusão,

incredulidade e desapontamento.Tyler pigarreou e se adiantou alguns passos. Tenho de admitir que jamais, consegui

saber o que Eve via em Tyler. Havia algo nele de que eu não gostava apesar de não saberexatamente o que era. Sem dúvida, tratava-se de um homem bonito com seus olhos clarose ombros largos... Entretanto tinha um ar convencido e arrogante, como se fosse o dono daverdade.

— Acredito que saibam que um homem morreu no estacionamento desta loja há doisdias — principiou ele e, pela reação de algumas pessoas, notei que nem todos estavam apar do ocorrido. Beyla sequer piscou. — Ele se chamava Drago Kravic. Algum de vocês oconhecia?

Inspirando, me senti a ponto de revelar o que sabia, pois doze anos de escola católica

me haviam ensinado que mentir era pecado. Eve, no entanto, notou minha disposição, eme olhou de uma maneira que dizia que eu devia permanecer de boca fechada. Quanto aBeyla, prosseguia imóvel e estava claro que não tomaria a iniciativa de revelar queconhecia Drago.

— Não importa se o conheciam ou não. — Continuou Tyler, percorrendo nosso grupocom aquele olhar frio e duro como aço, que me incomodava. — Em um primeiro momen-to, a morte de Kravic foi diagnosticada como resultado de um ataque do coração, mas,depois da autópsia, descobrimos que foi assassinado.

“Assassinado”?

A palavra ecoou em minha cabeça enquanto um burburinho tomava conta do salão.Se realmente Drago Kravic fora assassinado, a nota que achei no chão ganhava um novosignificado. Justamente o significado que eu preferia que não tivesse.

— Talvez alguém de vocês tenha visto ou ouvido algo — prosseguiu o policial. — E épor isto que estou aqui. Podem continuar seus afazeres enquanto passo de um em um paraver se têm como ajudar nas investigações.

— Vou ao toalete retocar o batom — decidiu Eve, fazendo-me sentir um imensodesejo de acompanhá-la, embora sairmos juntas dali naquele momento pudesse parecersuspeito.

Sem alternativa, observei minha amiga se afastar, e então tornei a lidar com a saladaque agora, era a última coisa à qual eu desejava dar atenção. Com o rabo dos olhos, noteique Tyler começava a percorrer o salão para falar com meus colegas de curso, um de cadavez. Felizmente, Eve voltou logo, os lábios brilhando com o batom retocado.

— Tyler já passou por aqui? — Perguntou sem me fitar, observando os movimentosdo investigador. Seguindo seu olhar, vi que Tyler agora conversava com Beyla, fazendoperguntas que ela respondia de maneira neutra e tranquila. Como falavam baixo, eraimpossível ouvir o que conversavam, mas algo me dizia que ela repetia o que nos disserana noite anterior: que não conhecia Drago e jamais o tinha visto.

Pouco depois chegou a nossa vez. Quando Tyler se aproximou, foi impossível nãosentir a atmosfera carregada que imediatamente se criou entre ele e Eve.

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— Vejam quem está aqui — comentou o investigador, virando-se em seguida, parame fitar. — Eve Decateur e Annie Capshaw, as duas amigas inseparáveis.

— Por acaso conheço o senhor? — Perguntou Eve com ironia. Tyler sabia ser irônico,mas minha amiga o suplantava no sarcasmo. — Talvez já nos tenhamos visto — elacontinuou com um sorriso. — Não me passou uma multa de estacionamento proibido

certa vez?— Jamais trabalhei no departamento de trânsito — Tyler respondeu em tom

estritamente profissional. — Pelo que sei vocês duas estavam com Drago Kravic quandoele morreu.

— Kaitlin Sands já passou o relatório, não é? Tenho certeza de que aquele docinho demulher lhe conta tudo. Mas quem sou eu para julgar? Afinal, contar tudo é importantepara manter a saúde da relação de um casal que se ama de verdade... Perdão, sobre o quefalávamos mesmo?

— Drago Kravic — respondeu Tyler, deixando claro que não achava a menor graça

nos comentários de Eve.— Sabem algo a respeito dele?— Nada — replicou Eve, mas desta vez eu não estava disposta a permitir que

mentisse.— Sabemos sim — afirmei decidida. — Nós o vimos conversando com Beyla, pouco

antes de ele falecer.Eve arregalou os olhos, porém, sua reação foi incapaz de abalar minha certeza de que

agia corretamente. Ter ficado quieta quando falamos com Kaitlin não era tão reprovável,pois naquele momento acreditávamos que Drago morrera de um ataque cardíaco. Porém, o

fato de ele ter sido assassinado mudava tudo, e era meu dever contar o que sabia.— Você viu Kravic com Beyla? — Perguntou Tyler, virando-se para fitar nossa colega

estrangeira, que, ao lado de John o contador, ocupava-se com a salada, como se nadaestivesse acontecendo. — Ela acabou de me dizer que não o conhecia.

— Então mentiu — assegurou Eve, provavelmente também concluindo que o assuntoera grave, e demandava que fossemos sinceras. Para dizer a verdade, sua teoria culpandoBeyla agora começava a fazer sentido para mim.

— Beyla e Drago discutiram acaloradamente pouco antes de ele falecer.— Você confirma isso? — Tyler me perguntou, sem dúvida por saber que Eve tendia

a exagerar as coisas.Concordei com um gesto de cabeça.— E que horas eram exatamente?— Pouco depois das nove — assegurei, lembrando-me bem do que ocorrera naquela

noite. — Sei disso porque Eve esqueceu o relógio aqui e voltamos para buscar. Aoestacionarmos nos fundos da loja, ouvimos Beyla e Drago discutindo em voz alta. Quandosubimos para buscar o relógio, Eve comentou que eram nove e vinte e cinco ao colocá-lo nopulso.

— Impossível — intrometeu-se John, o contador de repente. Apesar de falarmos em

voz baixa, aparentemente ele nos escutara, e decidira vir participar da conversa.— Beyla e eu fomos tomar uma bebida em um bar depois da aula naquela noite, e às

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nove e meia estávamos juntos. Naturalmente, é impossível uma pessoa estar em dois luga-res ao mesmo tempo.

— Eve consultou o relógio e me disse que horas eram — repeti com firmeza.— Creio que ainda tenho a conta do que consumimos — contrapôs John, começando

a procurar nos bolsos da calça, em seguida, da camisa amarela que usava abotoada até o

colarinho. — Talvez esteja no bolso da jaqueta que eu usava naquela noite —contemporizou, desistindo ao não conseguir produzir a prova. — Mas poderei passar nodistrito policial para mostrar, pois a conta do caixa traz a hora marcada — continuou,fitando Tyler. — Beyla e eu chegamos ao bar por volta de nove horas, e já passava das dezquando saímos. Assim, é impossível que estas senhoritas a tenham visto discutindo com ofalecido no horário em que afirmam.

Depois de agradecer, Tyler pediu que John se retirasse, e então tornou a se virar paranós.

— Como diziam... — Insistiu, incitando-nos a falar.

— Estávamos contando o que realmente aconteceu — disse Eve com firmeza. — Seprestasse atenção, você saberia que...

— Que você adoraria ver trocando os pés pelas mãos nesta investigação — Tyler disseirritado. — E não me diga que não é verdade Eve. Kaitlin me contou que você não coo-perou quando ela veio encontrá-las. Disse que você estava com má vontade, e falou omínimo possível, dando a impressão de que deixara de lado informações importantes.

— Dissemos tudo o que era necessário no momento — intercedi, crendo que eramelhor distorcer um pouco os fatos do que observar calada a discussão dos dois. Apesarde não estarem gritando, já havia alterado a voz o suficiente para chamar a atenção de

algumas pessoas do grupo, que haviam parado com o que faziam para nos observar.— Mas não mencionaram que haviam visto Drago com Beyla — lembrou Tyler,

tornando a baixar a voz. — Sabem que a agente Sands fazia seu trabalho, e mentir parauma policial em serviço pode ter consequências. O fato é que agora afirmam o que nãoafirmaram antes. Ao mesmo tempo, Beyla diz que não o conhecia e, se é que nãoperceberam, ela tem um álibi. Como é que vocês, subitamente se recordam de algo que nãomencionaram antes? Sinto muito Eve, mas é difícil acreditar no que dizem — completouTyler aborrecido. — Será que não têm nada melhor a fazer do que ir para casa depois deobservarem um homem morrer, e criar uma história maluca somente para dificultar a

minha vida?— Não é nada disso — replicou Eve. — Não mencionamos Beyla para Kaitlin por

que... — Ela se calou. Obviamente não pretendia confessar que nada dissera para a agenteSands pelo fato de ter ciúmes da relação que a policial agora tinha com seu ex-noivo.

— Há algo mais — Resolvi mudar o rumo da conversa.— Drago mencionou um nome antes de morrer: Alba Stru.— Claro que sim — replicou Tyler com um sorriso complacente, como uma mãe que

sabe que o filho pequeno está inventando histórias. — O que mais ele disse?— Nada mais. Mencionou Alba e foi tudo. Pensávamos que estava tendo um ataque

do coração, e jamais podíamos imaginar que se tratasse de um assassinato.— Exatamente o que o assassino desejava que todos pensassem. Drago foi

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envenenado com quinino, cujos sintomas se assemelham aos de um ataque cardíaco.Quinino, pensei, lembrando-me da droga extraída da árvore “quina” desde a

Antiguidade. A substância sempre fora utilizada como medicamento, mas dependendo daconcentração, toma-se fatal quando ingerida.

— Temos certeza absoluta que vimos Beyla discutindo com Drago — retomou Eve. —

Da mesma maneira como sabemos que Drago também discutiu com monsieur Lavoienaquela noite, antes de nossa aula começar.

— Já está inventando outra história? Pare com isso Eve. Por que não admite, de umavez, que não conseguiu superar o fato de eu ter rompido nosso noivado, e agora quer difi-cultar minha vida profissional para se vingar, mesmo significando introduzir informaçãofalsa em uma investigação policial? Não pense que vai obter algo bom com isso; e muitomenos que me terá de volta!

Pude imaginar como aquelas palavras feriam minha amiga, e já me preparava paradizer a Tyler para ter mais educação, quando Eve me tocou o braço.

— Tem razão — ela falou com um suspiro. — Eu queria lhe pregar uma peça,querido, mas você percebeu. Eu devia imaginar que não seria fácil de enganá-lo... Nuncavimos Beyla e Drago discutindo, e também inventamos a respeito da briga entre Drago e ofrancês dono desta loja. Mas, você tem de compreender que somos apenas duas garotastentando dar um pouco mais de emoção à vida sem graça que levamos... Pode meperdoar? — Terminou com um muxoxo.

Tyler nada respondeu e se afastou.— Deus do Céu, por que fez isso? — Perguntei, assim que nos vimos a sós. — Beyla e

Drago discutiram, e também presenciamos a maneira furiosa como ele saiu da loja.

— Eu sei — replicou Eve com um sorriso, assegurando-se de que Tyler estavadistante e não nos ouviria. Entretanto, tal preocupação já não era necessária, pois apóstrocar as últimas palavras com Jim, o policial deixou o salão. — Não se lembra do que eledisse quando rompeu o noivado comigo? Que iria me deixar porque eu não era inteligenteo suficiente para viver a seu lado.

— Então agora você mente para provar que é inteligente? Não compreendo.— Não seja tola. Mentir não me tornaria mais inteligente. O que tenho em mente é

um plano para mostrar a Tyler Cooper como ele é idiota. E você vai me ajudar.— Como? — Eu quis saber.

— É simples: vamos resolver o mistério da morte de Drago, descobrindo quem foi oassassino.

— Está louca. — Ri sem vontade.— Talvez. Mas, pretendo fazê-lo e você me ajudará.— Não. Descobrir assassinos é trabalho da polícia.— Ora bolas Annie. A polícia não nos dá ouvidos, e Beyla está mentindo. Aliás,

mente tanto quanto John. Será que isso não basta para lhe dar vontade de descobrir o querealmente está acontecendo?

— Não. — Respondi e estava sendo sincera. — Há profissionais pagos para

desvendar esses casos, os quais contam com meios adequados e têm uma experiência quenão temos.

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Eve tornou a sorrir e se virou para se ocupar outra vez com a salada.Impotente, eu sabia que ela já não me ouvia mais, provavelmente formulando os

detalhes do plano que tinha na cabeça.Sabendo que não adiantaria dizer mais nada no momento, resolvi também retornar à

minha salada. Mesmo porque Jim já recomeçava a caminhar pelo salão para conferir o

resultado de nosso trabalho, e meu coração ameaçava sair pela boca.

Ao retornar para o banco, fui ao refeitório, onde almoçara antes de ir aosupermercado, e abri outra vez meu e-mail, para checar se havia comprado todos osingredientes para a aula daquela noite. Eu sabia que tinha adquirido o necessário, masfazia isso para desviar meus pensamentos da morte de Drago e do plano absurdo de Eveem nos transformar em detetives amadores. Ao terminar, ainda sobravam vinte minutosda pausa para o almoço, sem ter mais o que fazer, resolvi sair e caminhar para espairecer.

Entretanto, quando eu me levantava do computador, Eve apareceu no refeitório.

Todos em meu trabalho a conheciam, e sabiam que era minha melhor amiga.— Temos muito a fazer — foi logo dizendo, antes mesmo de me beijar o rosto. Em

seguida, colocou uma pasta sobre a mesa e começou a retirar papéis, como se fosse umamulher de negócios. — Tomei nota de algumas coisas importantes, e comecei a levantarinformações relevantes para solucionar nosso caso.

“Nosso caso”? Pelo visto, minha amiga mal começara, e já estava indo longe demais.— Não é “nosso caso”, Eve. E não posso crer que tenha “tomado nota” de nada, pois

sei que cursou a escola secundária inteira sem jamais fazer anotações.— Agora tenho um bom motivo para isso — ela garantiu com um sorriso. —

Conduzir uma investigação não é tarefa fácil e, como tenho o dia livre hoje, aproveitei paracolocar as coisas no papel. Aqui está uma lista do que sabemos até o momento — explicou,mostrando-me algo escrito à mão.

— O que temos a fazer é provar que Beyla teve acesso ao veneno e...— Anda assistindo muitos seriados policiais na televisão, Eve. Não podemos fazer

isso, pois acabaremos atrapalhando o trabalho da polícia.Minha amiga não pareceu me ouvir, e muito menos assimilar o conteúdo de minha

colocação.— Lembra-se do que Tyler Cooper, aquele paspalho, frio e insensível, disse a respeito

de Drago ter sido envenenado com quinino? Pois bem. Estive na biblioteca esta manhã, eum rapaz muito simpático me ajudou a obter informações. Você sabia que o quinino eraconhecido como “elixir das bruxas”?

Eu não sabia, e muito menos compreendia, que importância aquilo tinha. O fato deque Eve houvesse pesquisado a respeito, porém, me impressionava por ser algo contrário asua maneira de ser. Entretanto, a súbita transformação de minha amiga não seria suficientepara me convencer a ir adiante com aquela história absurda de investigar um crime.

— Esqueça essa história Eve.Com um gesto de mão, ela anulou meu protesto.

— Vê onde estou chegando? — Prosseguiu, incontinenti. — O rapaz da biblioteca,uma pessoa agradabilíssima, imprimiu uma foto de pó de quinino para que eu visse como

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é. — Retirou um papel de dentro da pasta. Nele se via um pó escuro, que lembrava ostemperos exóticos que Jim nos ensinava a utilizar, e dos quais havia vários frascos nas pra-teleiras, acima dos fogões do salão culinário.

E, por falar em Jim, conforme o tempo passava, eu me sentia cada vez mais atraídapor ele. O mais estranho era que não me lembrava de ter reagido assim a homem algum;

nem mesmo quando conhecera Peter. Ficar perto de nosso instrutor nas aulas de culináriatransformara-se em um exercício de autocontrole que eu temia, se revelasse outro fiascopara mim. Cada vez que ele se aproximava para verificar o que eu fazia, sentia os joelhosamolecerem e um calor que nada tinha a ver com o fogão à minha frente...

— Tony tirou a pausa do almoço mais cedo para que pudéssemos caminhar noparque — continuou Eve, explicando sobre o “simpático e agradável” rapaz da biblioteca earrancando-me de meus devaneios. — A propósito, marcamos de almoçar juntos,amanhã... De qualquer maneira, ele explicou que o quinino não é difícil de se obter,podendo ser encontrado em certas casas especializadas em ervas medicinais, apesar de a

venda ser controlada. Percebe o que isto significa, não é? Beyla pode ter conseguido oquinino, e arrumado uma maneira de fazer Drago ingeri-lo sem perceber.

Pelo visto, minha amiga estava sendo coerente em seu plano investigativo. Ainda queeu não quisesse me envolver na história, não podia deixar de reconhecer que Eve levantaradados importantes.

Observei-a retirar dois outros pequeninos livros da pasta.Em um deles se lia “Sintomas e Características de Envenenamento por Quinino”, e o

outro se intitulava “História Curta da Feitiçaria”. Eve me passou o livro sobre quinino, eeu o abri na página marcada. Em poucos parágrafos, esta explicava que as propriedades

medicinais daquela droga tinham sido oficialmente descobertas no final do século dezoito,apesar de ela ser utilizada na medicina popular de vilarejos europeus havia muito tempo.A seguir, explanava que as primeiras pessoas a utilizar a substância tinham sido as bruxase que durante muito tempo, a simples posse da droga, quando descoberta, era suficientepara incriminar alguém de feitiçaria.

— Não está pensando que Beyla é...— Uma bruxa? Claro que sim — admitiu Eve. — Estou convencida disso, o que

explicaria o fato de ela só usar roupas pretas.— Naturalmente — repliquei com ironia. — Isso se não levarmos em consideração

que as roupas pretas são chiques e elegantes, e que Beyla fica linda ao usar essa cor, poisesta contrasta com sua pele alva e tem o mesmo tom de seu cabelo. Sem contar que o pretoé a melhor cor básica para ter no guarda-roupa, pois combina com tudo. Aliás, é vocêquem sempre diz isso.

Não havia nada melhor para atrair a atenção de Eve do que uma conversa sobreassuntos de moda. Mas desta vez, ela não se interessou, indicando que o plano deinvestigar a morte de Drago realmente começava a transformar a maneira de ser de minhaamiga.

— Tudo que temos a fazer é provar que Beyla conseguiu obter quinino.

— Se fosse tão simples, os investigadores já teriam chegado à mesma conclusão.— Não está levando em consideração que Beyla é esperta e sem dúvida, escondeu as

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pistas que poderiam incrimina-la. Não esqueça de que ela afirmou não conhecer Drago.— Tem razão — fui obrigada a admitir, sabendo que Beyla mentira ao afirmar que

desconhecia o morto. Mesmo a contragosto, eu também tinha de reconhecer a existência deoutros fatos estranhos. — Sabemos que monsieur Lavoie conhecia Drago, poispresenciamos a maneira furiosa como este saiu da loja quando viemos para a primeira

aula. Como não havia mais ninguém lá dentro, só se pode concluir que ele discutiu comLavoie. E John o contador também mente, pois afirmou estar com Beyla em um bar,quando sabemos que ela discutia com Drago naquele horário.

— Exatamente! — Exclamou Eve satisfeita, e só então percebi que também eu medeixava levar pelo ímpeto investigatório, dando ainda mais ânimo à minha amiga.

— Eve não podemos... — Resolvi retomar minha posição inicial.— Annie, está disposta a me ajudar a acertar as contas com Tyler, não está? Não vai

me recriminar por eu fazer tudo para provar que não sou a mulher tola e burra que ele mediz ser. E nem vai permitir que ele passe o resto da vida zombando de mim em suas

conversas com Kaitlin Sands. Sendo minha melhor amiga, você tem de...— Está bem! Eu a ajudarei — concordei, sabendo que não tinha escapatória. — Mas

será só por alguns dias, e não farei nada arriscado ou perigoso.— Jamais lhe pediria que se arriscasse para me ajudar. Tudo que pensei é que poderia

me ajudar a pesquisar na internet, para ver o que mais descobrimos, pois não sou boa comcomputadores.

A humildade de Eve me enterneceu. Consultei o relógio na parede do refeitório.— Ainda tenho alguns minutos.Em um instante, Eve puxava uma cadeira e se acomodava ao meu lado. O

computador do refeitório encontrava-se conectado à internet como um “bônus extra” queo banco oferecia aos empregados, para que pudessem, por exemplo, ler os e-mails pessoaisna hora do almoço.

O computador, porém, era lento. Quase ninguém o utilizava, pois, em geral, todostinham um aparelho melhor em casa. Para iniciar a pesquisa, digitei o nome “DragoKravic” em um site de busca. Surpreendentemente, em questão de segundos o siteproduziu um link no qual se lia “Arta”, especificando que se tratava de uma galeria dearte.

— Arta. — Li, clicando no link oferecido. — Drago tinha alguma relação com uma

galeria de arte.Alguns segundos depois, a página inicial da “Arta — Galeria de Arte

Contemporânea” aparecia. Ali constava que Drago Kravic era o proprietário.Excitada, Eve aproximou a face da tela e começou a ler em voz alta.— A galeria fica em Georgetown, perto daqui! Sabe o que teremos de fazer, não sabe?Sim, eu sabia o que ela tinha em mente: ir a Georgetown visitar a tal galeria. Portanto,

naquela tarde faríamos uma excursão para os arredores de Arlington, antes de nos dedi-carmos às couves-de-bruxelas pedidas por Jim.

Eu não acreditava que a galeria de Drago fosse estar aberta, pois afinal, ele falecerahavia poucos dias. Entretanto, eu me enganara e, em vez de uma placa na porta, anuncian-

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do que o estabelecimento se encontrava fechado por motivo de luto, a galeria funcionavanormalmente.

Para ser sincera, eu tinha concordado em acompanhar Eve por crer que a galeriaestaria fechada e que em meia hora, estaríamos de volta. Tinha a esperança de que isso aconvencesse de que era tolice insistir na investigação, pois não tínhamos meios adequados

para tanto.Além do mais, eu ainda necessitava passar no supermercado para comprar os

ingredientes para a aula.Paramos um momento, do outro lado da rua, para observar a galeria. Apesar de

aberta, estava vazia, a não ser por um homem lá nos fundos.Notei a placa com o nome da rua e algo subitamente me ocorreu: tratava-se do

endereço escrito à mão atrás da conta de restaurante, a qual o Drago me entregara poucoantes de morrer! Excitada, retirei minha carteira da bolsa para apanhar o papel que desdeentão, guardava ali.

— Veja só. — Mostrei o endereço para Eve.— Sabe o que isto prova, não sabe? — Ela falou satisfeita. — Prova que ele queria que

viéssemos aqui — Eve explicou, misturando excitação e paciência com minha lentidão emtirar conclusões. Em seguida, tomou-me pela mão e me fez atravessar a rua.

Um instante depois, abríamos a porta da galeria. Os quadros abstratos, penduradosna parede chamaram minha atenção, apesar de eu não ter a menor ideia do que significa-vam. No fundo do recinto, o mesmo homem que eu percebera lá de fora observava umapilha de pedras sobre o chão, que decerto, era outra obra de arte moderna. Não parecia serum freguês, mesmo porque não havia mais ninguém, portanto, devia ser a pessoa que

atendia os clientes. Apesar de o sininho ter soado ao entrarmos, ele não se virou para nosreceber, e prosseguiu fitando as pedras. Provavelmente teria nos ignorado até darmosmeia-volta e partir, mas Eve tomou à dianteira e caminhou em sua direção.

— Boa tarde — disse em alto e bom som.— Olá — acrescentei aproximando-me. — Somos decoradoras de interiores —

elaborei, sem saber de onde tirara tal ideia. — Estamos renovando uma casa em Arlington— continuei consciente de que não sabia mentir tão bem quanto minha amiga, mas crendoque soava convincente.

— Procuramos um quadro para a sala de jantar, e gostaríamos de ver se vocês têm

algo apropriado.— Impossível — disse o homem, e imediatamente notei que tinha um sotaque tão

carregado quanto o de Drago. — Só atendemos clientes com hora marcada. Agora, se medão licença — terminou em um tom de quem dava o assunto por encerrado, e fazendo umgesto na direção da porta.

Pelo pouco que conhecia do mundo das artes, eu sabia que as galerias funcionavamassim: era necessário ligar antes para ser atendida. Entretanto, esta me parecia uma ma-neira estranha de fazer negócios, ou verdadeiramente, de perder a oportunidade de fazê-los!

— Creio que não compreende nossa intenção — insisti, notando que apesar deindignada com a arrogância do sujeito, Eve não sabia o que dizer. — Queremos olhar as

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pinturas e pretendemos comprar algo, não importando o preço.— Sim, sim — falou ele com um sorriso ameno, que não o tornou mais amigável. —

Mas necessitam entender que é esta a maneira como funcionamos, e não poderei atendê-las se não marcaram hora com antecedência.

— Mas nós o fizemos — repliquei, com um súbito estalo de esperteza. — Ou, ao

menos, nos disseram para passar aqui hoje — menti, mostrando o papel que ainda tinhana mão, com o endereço da galeria escrito na parte de trás.

— Encontramos o Sr. Kravic recentemente em um restaurante, e ele nos convidou.Como vê, anotou o endereço na conta do jantar. Se o senhor fizer a gentileza de informá-loque estamos aqui, tenho certeza que nos receberá.

— Infelizmente é impossível — disse o homem, tentando retirar o papel dos meusdedos. Mais rápida, certifiquei- me de que ele vira o endereço na parte de trás, e tomei aguardá-lo rapidamente no bolso.

Antes de continuar, o sujeito pigarreou, e então me fitou com expressão grave.

— Sinto muito, mas Drago Kravic não está.— Podemos esperar por ele.— Você não compreende. Drago não voltará mais, pois faleceu.Eve e eu fingimos surpresa, apesar de eu não ser tão boa atriz quanto minha amiga, o

desconhecido pareceu acreditar em nosso pesar. Após esperar alguns segundos,continuou:

— Sinto muito por dar esta notícia. Sou Yuri Grul, sócio de Drago. É um momentotriste para todos nós, e se há algo que eu possa fazer para ajudá-las...

— Sim, há algo que poderia fazer — disse Eve, olhando ao redor como se interessada

nos quadros. — O Sr. Kravic mencionou uma pintura que talvez sirva para o que temos emmente. Talvez não seja o momento mais adequado para falarmos de negócios, mas estamosterrivelmente ocupadas com vários projetos simultâneos, e não sei dizer quando teriatempo de retornar. Pelo que o Sr. Kravic nos explicou, essa gravura é perfeita para o quenecessitamos. Claro que, se o senhor disser que não deseja trabalhar em um momentocomo este...

Eve falava de uma maneira tão convincente, que até mesmo eu teria acreditado, casonão soubesse a verdadeira razão de estarmos ali. Por um instante, tive a impressão de queYuri se negaria a nos atender e isso me aliviou, pois estava louca para ir embora. Após um

instante de hesitação, entretanto, ele pareceu se interessar.— Qual o nome da pintura?— Como era mesmo? — Eve indagou de maneira convincente. — Tenho certeza de

que recordarei, se me mostrar os quadros que tem.— Naturalmente — aceitou Yuri, fazendo um gesto para nos aproximarmos de uma

das longas paredes brancas que ostentavam diversas obras de arte contemporânea.Na verdade, isso era algo que Eve e eu havíamos acertado no caminho para

Georgetown: ela pediria assistência para fazer uma ronda, olhando os quadros que agaleria tinha a oferecer e, enquanto isso, eu tentaria descobrir pistas ou informações

relevantes para o caso. Sabendo que minha amiga ficaria furiosa se eu não cumprisse ocombinado, levei o plano adiante.

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— Se me dão licença — falei, tentando soar embaraçada. — Poderia me indicar ondeé o toalete?

— Naturalmente — respondeu Yuri, apontando uma porta nos fundos.Sempre desembaraçada, Eve entrelaçou o braço no dele, e o puxou para iniciar a

ronda das pinturas à venda.

Sem hesitar, caminhei para os fundos, mas naturalmente, não entrei no toalete. Aover que Eve mantinha o homem de costas para mim, concluí que era minha chance detentar descobrir algo. Sabia, porém, que não teria muito tempo, pois ela não conseguiriamantê-lo ocupado por mais que alguns minutos.

Percebendo outra porta entreaberta depois do toalete, fui averiguar aonde levava.Apesar de não ter ideia do que procurava, notei com satisfação que se tratava da entradado escritório, o local onde Drago trabalhava quando vivo. Se conseguisse entrar ali eaveriguar, talvez conseguisse pistas indicando quem assassinara Drago Kravic, apesar deEve ter certeza de que Beyla era a culpada.

Para ser sincera, eu ainda não concordava com minha amiga, e não enxergava nossacolega de curso como suspeita, apesar de ela ter mentido para a polícia. Com o coraçãoacelerado, e consciente de que não tinha talento para detetive ou espiã, abri a portadevagar, para não fazer barulho, não sem antes me certificar de que Eve mantinha Yuriocupado e de costas para mim.

Sentindo o coração bater ainda mais apressado, entrei furtivamente no escritório,lembrando a mim mesma que Drago me dissera ao passar o papel com o endereço: “E im-portante”.

Talvez Eve tivesse mesmo razão ao dizer que a intenção de Kravic era que viéssemos

à galeria, e talvez eu conseguisse achar algo importante.Isso se Yuri não me percebesse bisbilhotando antes, refleti preocupada. Porém, eu

agora tinha de correr o risco, pois já estava dentro do escritório.Um pouco surpresa, eu notei que as gavetas dos três arquivos se encontravam

escancaradas; algumas totalmente vazias.Havia muitos papéis e documentos espalhados sobre a mesa de trabalho, em cima

das cadeiras e sobre o chão, sendo fácil deduzir que se tratava de documentos retiradosdas gavetas. Havia também um cofre embutido na parede, que também estava aberto etotalmente vazio.

Apesar de não ter vocação para ladra, sei reconhecer quando alguém produz uma bagunça, querendo encontrar algo valioso.

Chegaram aqui antes de nós, refleti. Pelo visto, tal pessoa fosse quem fosse, tinhauma vantagem sobre eu e Eve, pois devia saber exatamente o que buscava. E a julgar pelamaneira como manuseara os documentos, obviamente estivera preparada para fazer o quefosse necessário.

Contrabando, falsificação de quadros, falsificação de antiguidades.Eve e eu passamos o caminho de volta tentando aventar possíveis falcatruas, nas

quais a galeria estivesse envolvida. Como nossa visita não produzira nenhuma pista

relevante, voltávamos de mãos vazias, e, mesmo naquele momento, com a aula já iniciada,seguíamos pensando no que poderia ser.

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— Talvez não tenha nada a ver com arte — sussurrou Eve, ocupada com as avelãs,que também constavam dos pratos que faríamos naquele dia.

— Drago deu a entender que a galeria era importante — repliquei. — Por isso temosde nos concentrar em assuntos de arte. A menos que ele não estivesse envolvido em nadailegal — afirmei, ocorrendo-me subitamente que nada indicava que Drago fosse

necessariamente um vilão.— Talvez fosse mero espectador de coisas que se passavam a seu redor sem, contudo,

se envolver com elas.— Creio que não. — Opinou Eve. — Nós o vimos furioso em mais de uma ocasião, o

que indica que se envolvia em problemas.— Não me parecem muito concentradas em cozinhar — a voz grave e profunda de

 Jim soou de repente.Preocupadas em tirar conclusões, nem havíamos percebido que ele se aproximara, e a

repentina interrupção me fez levar um susto e derrubar as avelãs. Em um gesto auto-

mático, inclinei-me para recolhê-las, mas Jim fez o mesmo e, inadvertidamente nossasmãos se tocaram.

Sem saber a razão, o fato é que ambos permanecemos imóveis um instante, até eufinalmente me afastar.

— Desculpe — eu disse sem conseguir disfarçar meu embaraço.— Não foi nada — ele assegurou, recolhendo as castanhas que haviam rolado mais

longe, com um sorriso que o tornou ainda mais sensual.Engoli em seco. Era impressão minha ou os olhos dele estavam fixos na minha boca?

De repente me imaginei enlaçando-o pelo pescoço, colando os lábios aos dele e beijando-o

com volúpia até prendê-lo contra a parede. Correria as mãos pelo peito largo e arrancariaaquele avental inútil, para depois...

Soltei o ar, assustada com o rumo dos meus pensamentos. Estava carente, era isso.No entanto, percebi que Jim ainda me olhava com um brilho nos olhos, a despeito

dos alunos que continuavam concentrados em seus pratos, distraídos. Era como se hou-vesse captado o meu desejo e ansiasse por retribuí-lo de alguma forma.

Essa impressão não durou muito, pois ele logo se ergueu, colocou as avelãs sobre amesa, e retomou seu ar profissional.

— Como vão as coisas por aqui? — Quis saber, a voz saindo estranhamente rouca e

sensual.— Bem. Só estávamos distraídas, especulando sobre a morte de Drago — explicou

Eve sem o menor pudor.Senti o sangue subir às faces. Beyla e John trabalhavam agora no fogão ao nosso lado,

e era possível que a tivessem escutado.— Ou seja, uma bobagem, não é Eve? — Tentei remediar. — Afinal, nem mesmo

conhecíamos esse Drago. Na verdade, conversávamos sobre assuntos de mulher — menti,tentando brecar outros possíveis questionamentos de Jim.

— Como, por exemplo, como são interessantes as aulas aqui na Bonne Cuisine... —

Provocou minha amiga em um tom significativo, fazendo-me corar até a raiz dos cabelos.Para minha surpresa, Jim também enrubesceu.

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— Melhor deixarem tais assuntos para depois da aula, então — aconselhou ele,embora com aquele sorriso que tinha o poder de me derreter por dentro, e que me faziaferver mais do que o cozido dentro da panela.

Na noite seguinte, ao começar a preparar minhas coisas para o início da aula, eurefletia sobre as tantas questões sem resposta que se acumulavam. Eve deixara um recado

em minha secretária eletrônica, dizendo que não poderia passar para me pegar, pois jáestava atrasada. Sozinha, eu repassava as informações que tínhamos, tentando estabelecerrelações entre elas.

Na noite anterior, eu dissera que não podíamos confiar nem mesmo em Jim, mas algome dizia que ele era uma pessoa confiável. Ou talvez pensasse assim por me sentir atraídapor ele. Sentia-me cada vez mais fascinada por sua delicadeza, por sua paciência ao nosensinar o passo a passo dos pratos mais simples... Com o modo como me olhava vez ououtra, como se não houvesse mais ninguém no salão além de mim.

Aquilo era inédito em minha vida. Nunca me considerara uma pessoa interessante.

Muito menos alguém que pudesse atrair a atenção de um homem tão bonito e viril como Jim. O que, afinal, ele vira em mim?

De repente, me vi preocupada com o que vestir e com que perfume usar após oexpediente no banco. As aulas de culinária tinham se tomado o momento mais importantedo dia para mim, e não apenas devido ao que ocorrera com Drago nos arredores da BonneCuisine. Algo me dizia que eu estava apaixonada por meu instrutor, por mais ridículo queisso pudesse parecer.

Sacudi a cabeça, tentando afastar aquela ideia. Havia outras questões maisimportantes a considerar. Qual a relação de monsieur Lavoie com Drago Kravic, e por que

haviam discutido? Porque Beyla mentira e porque John corroborava com suas inverdades?Depois do contador, ter vindo participar de nossa conversa com Tyler, eu tinha a impressãode que ele me observava constantemente; mas não podia garantir que não fosse paranoiade minha parte.

Algo mais a considerar era o fato de que o escritório da galeria de Drago havia sidorevistado, como se procurassem algo.

O que seria e quem o teria feito? Será que haviam encontrado o que procuravam?Como se tudo isto não bastasse, eu ficara sabendo de outra coisa importante naquela

tarde, e não via a hora de Eve chegar para poder comentar.

— O que foi? — Ela perguntou em voz baixa tão logo apareceu, certamente notandoque eu estava aflita para dizer algo.

— Fui à biblioteca na pausa do almoço — informei também em voz baixa, para queBeyla e John não ouvissem. — Veja o que encontrei — comecei, retirando disfarçadamenteum papel da bolsa e, colocando-me de costas para Beyla e John, passei-o para Eve.

— É Beyla! — Ela exclamou, felizmente sem erguer a voz.— Sim. Trata-se da impressão da foto de uma notícia de jornal arquivada na

 biblioteca — expliquei. A nota anunciava a abertura da galeria alguns anos atrás, e ali sevia que Beyla encontrava-se presente à inauguração.

— Mais uma mentira — deduziu Eve.Aflita, notei que tanto Beyla como John haviam escutado, e interrompiam o que

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faziam para nos fitar.— Cuidado — repliquei, fazendo um gesto discreto para indicar que ela devia manter

a voz baixa.— Beyla estava lá — continuou Eve, após estudar a foto alguns instantes. — Isso

prova que conhecia Drago e, portanto, mentiu para nós e para Tyler. Vou lá agora mesmo

e... Jim se aproximou, impedindo-a de continuar. Aliviada, refleti que ao menos por

enquanto, o confronto com Beyla seria evitado.

Na noite anterior, havíamos terminado a aula preparando molho para pasta. Jimexplicara que certas comidas ganham mais sabor no dia seguinte e, ao chegar, pediu paraexperimentar o molho que Eve preparara.

— Excelente — elogiou com um sorriso. Por alguma razão, deu-me a impressão deque, mais do que o molho, eram os dotes físicos de Eve que o impressionavam. E isso, pela

primeira vez, me afetou de uma maneira que jamais tinha acontecido antes.Percebendo uma ponta de ciúme em minha reação, recobrei a razão, dizendo a mim

mesma que era natural que os homens se encantassem com a beleza de minha amiga. Eu jáestava acostumada com isso, mas jamais sentira ciúmes, e agora me perguntava por quereagia assim ao ver Jim sorrir.

Quando ele indicou que também queria provar o molho que eu preparara, usei umacolher para apanhar uma porção do líquido denso e vermelho, e, sem pensar duas vezes,aproximei-a de sua boca. Ao notar que adotara um gesto íntimo demais, fiquei nervosa eminha mão começou a tremer. A consequência foi que, comprovando minha eterna

inabilidade em assuntos de cozinha, terminei derramando molho sobre a camisa branca de Jim.

— Ah, eu sinto muito! — Exclamei, agarrando um pedaço de papel absorvente paralimpar o estrago. Minha ação, só piorou as coisas, pois tornei a mancha ainda maior.

— Oh, meu Deus! — Lamentei mortificada.— Não se preocupe. — Jim retirou o papel de minhas mãos e sorriu. — É só colocar a

camisa na máquina e ela ficará limpa.— Posso fazer isso para você — ofereci envergonhada.— Seria um prazer — ele respondeu em voz baixa. — Mas é uma camisa velha, e me

preocupo menos com esta mancha do que me preocupo com você, eu garanto.Arregalei os olhos, sem acreditar que um homem tão charmoso e atraente gastasse

seu tempo se preocupando comigo.— Preocupo-me que isto a faça ficar nervosa e a impeça de aproveitar a aula — ele

explicou, parecendo constrangido com o que revelara.Sem saber o que fazer, terminei recolocando a colher na panela e retirando outro

 bocado de molho para ele experimentar. Desta vez, Jim não se arriscou e retiroudelicadamente a colher de minha mão antes de prová-lo.

— Exagerou um pouco no açúcar — disse, e eu soube que ele havia se esforçado para

não fazer uma careta ao provar do meu molho.Eu não tivera a intenção de colocar muito açúcar, mas, ao vê-lo se aproximar em

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determinado momento, acabara despejando mais do que o desejável ao inclinar o frascosobre a panela.

— Tenho certeza de que se sairá melhor da próxima vez — assegurou Jim e para aminha decepção, seguiu caminho em direção a Jared e Ben, o casal gay.

A aula prosseguiu sem maiores incidentes e, mais tarde, quando nosso professor

anunciou que faríamos uma pausa, Eve retirou da bolsa o telefone celular.— Tenho de ligar para Tony. O rapaz da biblioteca lembra-se? — Explicou ao ver

minha confusão. — Almoçamos juntos hoje, e combinamos de tomar algo quando eusaísse da aula. Vou ligar para marcar onde nos encontraremos, mas falarei rápido paratermos tempo de questionar Beyla antes de a pausa terminar.

Meneei a cabeça concordando, sabendo que, embora tivesse me oposto inicialmente ainvestigar a morte de Drago, eu agora me sentia envolvida no assunto. Desejava ver areação de Beyla ao provarmos que ela mentia ao dizer que não o conhecia.

Afastando-se rapidamente, Eve saiu do salão para telefonar, e eu comecei a arrumar

minha mesa para a segunda parte da aula, pensando em como deveríamos abordar o as-sunto com Beyla. Subitamente, percebi que ela se aproximava com um sorriso nos lábios euma colher na mão.

— Veja se gosta do molho que preparei — disse, erguendo a colher.— Não creio que devo fazê-lo — reagi, afastando-me em uma reação espontânea, sem

a menor intenção de provar algo oferecido por alguém que talvez lidasse com venenos. — Jim sempre diz que não devemos nos comparar com os outros alunos, pois cada um temseu próprio estilo culinário — expliquei, lutando para soar convincente ao buscar umarazão para justificar a recusa. — De qualquer forma, estou certa que seu molho está muito

 bom — afirmei tentando sorrir. — Todos têm elogiado o que você cozinha.— Mas eu gostaria muito de saber sua opinião — Beyla insistiu, erguendo mais a

colher.Engoli em seco. Como faria para não deixá-la notar meu receio de ser envenenada?— Não acha que está envenenado, não é? — Ela indagou.— Claro que não. — Protestei, fingindo indignação. — Estou certa de que seu molho

está delicioso, mas já expliquei por que não quero prová-lo.— Coloquei um ingrediente especial — tornou a insistir Beyla, aproximando a colher

de minha boca de tal forma, que me deixou sem escapatória.

No momento em que, mesmo não querendo eu começava a abrir a boca, a colhervoou da mão dela e foi ao chão.

— Oh, sinto muito — Eve desculpou-se por ter se aproximado por trás e dado umforte esbarrão em Beyla. — Sou tão desastrada, que tropecei em meus próprios pés.

— Naturalmente — replicou Beyla com olhar frio, afastando-se imediatamente.— Obrigada — agradeci, assim que nos vimos a sós. — Pode parecer tolice pensar

que ela quisesse me envenenar na frente do grupo inteiro, mas...— Algo mais para ser limpo? — Indagou Jim, acabando de retornar da pausa e se

aproximando de nós, provavelmente por haver presenciado o incidente. Depois de fitar o

molho e a colher que Beyla não fizera questão de recolher do chão, ele tomou a erguer oolhar. — Gostaria de convidá-las para sairmos e bebermos algo... Preferiria fazê-lo hoje,

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mas tenho um compromisso. Talvez amanhã, depois da aula.Apesar de o convite ter sido feito em tom natural para todas, percebi que ele me

olhara de um jeito diferente. Jim, entretanto, se afastou antes que pudéssemos responder.Eve e eu trocamos um olhar indicativo de que pensávamos a mesma coisa: eu devia

ficar excitada com o convite de nosso atraente instrutor... Ou aquele era outro motivo para

nos preocuparmos?Do fundo do coração, eu não queria que Jim fosse um dos vilões da história, pois ele

era maravilhoso demais para ter de acertar contas com a Justiça. Além disso, seria penacolocarem um homem tão sexy e envolvente na prisão. Entretanto, caso seu convite nãoescondesse alguma intenção nefasta, teria então uma razão óbvia, era um pretexto para seaproximar de Eve e não de mim.

Convencida disso, refleti que talvez fosse melhor que o colocassem atrás das grades.Soltei um longo suspiro. Pensar que Jim estivesse genuinamente interessado em mim

era ridículo. Eu não passava de uma representante comum do sexo feminino. Estava longe

de ser a mulher bonita, sensual e sofisticada que ele merecia. Mesmo assim, caprichei naprodução, vestindo meu jeans mais apertado e a blusa mais decotada que tinha noarmário. Os cabelos soltos, surpreendentemente comportados naquele dia, somados a umtoque de gloss e de perfume francês deram um pouco mais de glamour à minha insossaaparência, o que me fez sentir quase segura.

A aula daquele dia versava sobre “Pães Caseiros”. Como a massa necessitavadescansar, Jim reservara o sábado para esse tema, pois ninguém tinha de trabalhar epoderíamos começar mais cedo. Enquanto preparávamos a massa de acordo com suasinstruções, ele caminhava pelo salão, verificando como fazíamos.

— Não precisa amassar com tanta força — disse, ao notar o enorme ímpeto com queeu movia meus dedos enfarinhados. — Só necessita integrar os ingredientes úmidos comos secos. Não precisa usar tanta energia, pode ser mais suave — continuou com umsorriso. — Engraçado, jamais pensei em você como uma pessoa agressiva.

Ele havia pensado em mim?— Não sou agressiva, sou eficiente — repliquei bem-humorada.— Agressividade é uma coisa, eficiência é outra — garantiu Jim, juntando as mãos às

minhas delicadamente, e começando ele mesmo, a misturar a massa de maneira maissuave. — Está preocupada demais com a maneira correta de fazer isto, o que a torna tensa

e a faz usar força desnecessária... Relaxe respire fundo e não se esgote.Sentir os dedos dele tocando os meus em meio à mistura teve o efeito de um raio em

meu corpo. Havia algo de erótico em seu gesto, ou então era a minha cabeça me pregandopeças outra vez.

Um pouco incerta, ainda mais porque ele agora usava aquele sorriso que amoleciameus joelhos, vi que não tinha alternativa senão tentar proceder da maneira como elepedira. Depois de expirar para esvaziar os pulmões, eu literalmente “coloquei as mãos namassa”, e também junto às mãos dele, agora de forma mais suave.

— Continue expirando devagar — Jim instruiu com voz rouca e, ao fazer como ele

dizia, eu de fato me senti diferente.Mas não calma e relaxada, como ele apregoara, e sim tomada por uma excitação que

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havia muito não sentia. Se é que a sentira alguma vez!— Deixe sua personalidade determinar como proceder — continuou Jim, os olhos cor

de mel fixo no meu. — Não se obrigue a seguir tudo o que dizem os livros, e descubra oseu próprio estilo. Como prefere fazer as coisas, de maneira forte ou suave?

Obviamente, a pergunta me levou a pensar em algo que não se relacionava à cozinha,

e um calor intenso subiu por meus membros embora o fogão estivesse desligado.Rapidamente, tratei de alterar o rumo de meus pensamentos e me concentrei na massa. Jim pareceu fazer o mesmo, como se também percebesse o rumo perigoso que tomavaaquela conversa.

— O pão é nosso alimento cotidiano — prosseguiu mais concentrado no que fazia. —Dizem que é a substância da vida. Misture a massa delicadamente, até os ingredientes se juntarem por completo. Não se esqueça de que há fermento nela, e o fermento é algo vivo.

— Algo vivo que mataremos ao colocar para assar — falei sem pensar,envergonhando-me imediatamente do comentário inoportuno. Por que dissera uma coisa

tão estúpida? — Desculpe, foi tolice dizer isso — emendei, tentando me corrigir. Jim sorriu os olhos cor de mel tornando a pousar na minha boca, depois, mais

ousados, no decote da blusa.De repente, o embaraço que eu sentira pelo comentário estapafúrdio se transferiu

para as roupas que eu usava: as calças jeans me pareceram demasiadamente apertadas e a blusa apesar do decote, completamente fora de propósito para a ocasião. Sabendo queagora não tinha alternativa, desviei o olhar, fingindo observar o resto do grupo. E tive aimpressão de que, ao contrário de mim, todos pareciam sé movimentar de forma tãograciosa como bailarinas em uma apresentação de gala.

— Beyla e John não vieram hoje — comentei, tentando outra vez desviar o rumo demeus pensamentos, e dirigindo-me também a Eve, que também lidava com sua massa.

— Telefonaram avisando que não poderiam vir — Jim explicou. — John tinha detrabalhar e Beyla não se sentia bem.

— Aposto que não. — comentou Eve, virando a massa sobre a mesa como sehouvesse trabalhado em uma padaria em uma vida anterior. — Afinal, matar pessoas nãodeve dar uma boa sensação.

— Será que não? — Perguntou Jim, fitando-a sem nenhuma surpresa.— Acha que a massa já está boa? — Resolvi intervir antes de Eve fazer outros

comentários inoportunos, que poderiam comprometer nossa investigação.Sem pensar, tomei a enfiar as mãos na massa, sem me dar conta de que Jim ainda a

misturava para mim. Nossos dedos tornaram a se tocar e um novo choque me cortou dospés à cabeça.

Após ter expirado profundamente para me acalmar, entrelaçar meus dedos aos deleme fez enrijecer outra vez. Jim, porém, não retirou as mãos.

— Suavemente, lembra-se? — Repetiu, fitando-me com aquele olhar que eu jáconhecia tão bem e que ultimamente, povoava meus sonhos. Não sei se para me mostrarcomo devia fazer, ou se por outro motivo, tomou minhas mãos entre as dele dentro da

massa e, para meu desespero, me conduziu a misturá-la de maneira delicada. — Continueassim enquanto vou olhar como os outros estão indo — falou com voz rouca, afastando-se

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finalmente.Falar era fácil, pensei ao vê-lo se afastar. Decididamente, o contato não fora algo que

me fizesse relaxar.— Muito bem! — Disse Eve quando nos vimos a sós.— Não me comportei como uma idiota? — Perguntei.

— Nunca foi idiota — ela replicou, como se me desse um puxão de orelha.— Jim me vê como uma imbecil.— Claro que não! Se fosse assim, não teria nos convidado para sair depois da aula.— Fez isso para ter chance de conversar com você em uma situação mais social —

afirmei, fazendo Eve parar de lidar com a massa e me fitar com um olhar de reprovação.Antes que minha amiga pudesse dizer algo, ele recomeçou a falar com o grupo.— Impossível dizer quanto tempo a massa necessita descansar para crescer, pois

depende da temperatura e da qualidade do fermento utilizado. Uma coisa é certa: a massavai se ressentir se houver corrente de ar, portanto assegurem- se de que a embrulham bem.

Agora faremos uma pausa, e podem sair para comer algo se quiserem.Depois de proteger minha mistura de acordo com as instruções, convidei Eve a me

acompanhar para tomarmos um iogurte na lanchonete de comida natural. Mas elarecusou, dizendo que tinha algo marcado.

— Vou encontrar Tony — explicou, referindo-se ao rapaz da biblioteca, e já retirandoo telefone celular da bolsa.

O grupo se dispersou rapidamente e logo depois, Eve também partia. Jim entrara nacozinha contígua ao salão, e, como eu não queria parecer patética, indo procurá-lo, resolviusar o tempo para prosseguir com meu trabalho de detetive. Aproveitando o fato de não

haver mais ninguém no local, fui averiguar o fogão utilizado por Beyla e John, mas nãoencontrei nada de estranho. Em seguida, investiguei o fogão de Jim, apesar de nãoacreditar que encontraria algo que o comprometesse. Um bom detetive, porém, tinha deinvestigar todas as possibilidades.

Como também não encontrei nada no fogão do professor, resolvi tentar encontrar oúnico outro suspeito da Bonne Cuisine, monsieur Lavoie, o dono da loja.

Lavoie não se encontrava no andar inferior, nem na seção lateral, onde vendia artigospara salas de jantar. Sua ausência me pareceu estranha, pois era sábado à tarde e as ruasestavam repletas; sem contar que esta era uma área turística, e havia visitantes de fora.

Qualquer dono de loja que se prezasse, não deixaria seu estabelecimento às moscas emuma tarde assim.

Eu já começava a pensar que nada mais me restava, senão tomar o iogurte nalanchonete, quando ouvi um ruído de vidro se espatifando. Percebendo que o som provi-nha do lado de fora da porta dos fundos, a mesma porta que dava para o estacionamentoonde Drago morrera, resolvi investigar.

Achando melhor me precaver, sobretudo por se tratar daquele local fatídico, pegueium rolo para amassar macarrão, exposto em uma das prateleiras, antes de seguir adiantecom cautela. Ao aproximar da porta, encostei o ouvido para ouvir com atenção. O ruído de

vidro sendo quebrado continuava, mas não havia sons de luta ou algo assim. Devagar,girei a maçaneta com cuidado e ao espiar, surpreendi-me ao me deparar com monsieur

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Lavoie a poucos metros, ao lado de um contêiner no qual se atirava vidro para ser reci-clado. Estranhamente, Lavoie não jogava o vidro fora simplesmente, mas o estilhaçavaantes.

— Monsieur?Ele se virou imediatamente ao ouvir minha voz e pareceu consternado. Sem que eu

soubesse a razão, escondeu as mãos atrás das costas.— É hora do intervalo? — Perguntou com o sorriso amarelo de alguém pego fazendo

o que não deve. — Seus colegas estão com você?— Estou só — respondi, sem compreender a razão da agitação do francês. Sem que

ele notasse, recostei o rolo de amassar macarrão na parede do lado de dentro. — Escutei o barulho de vidro quebrando e vim ver se alguém estava machucado. Algo errado?

— Não, nada. O que poderia estar errado em um dia tão lindo como hoje?— Tem razão — respondi, ainda estranhando que mantivesse as mãos escondidas. —

Vou à lanchonete, quer que eu traga algo?

— Não, obrigado.— Até logo, então — falei, sem encontrar assunto para prolongar a conversa.Sem alternativa adentrei o estacionamento onde poucos dias antes havia presenciado

a discussão entre Beyla e Drago, e onde este morrera pouco tempo depois.Ainda me virei antes de dobrar a esquina, mas o dono da Bonne Cuisine permanecia

com as mãos escondidas, dando-me a certeza de que esperava eu sumir de vista para reto-mar o que fazia. Decididamente, Lavoie não desejava que outras pessoas vissem o queestava atirando no contêiner.

Quando retornei ao salão culinário, Eve já me esperava ao lado do fogão. Parecendo

impaciente, pressenti que tinha algo a me contar. Assim que me aproximei, ela olhou ao re-dor, como se conferindo se havia alguém por perto que pudesse nos ouvir.

— Tenho algo para lhe dizer.— Eu também — repliquei, resolvendo me adiantar. — Creio que monsieur Lavoie

está escondendo algo. Ele fez de tudo para que eu não visse o que tinha nas mãos, mas seique estava quebrando vidro e jogando no contêiner.

— O que eu descobri é mais importante — assegurou Eve, erguendo um frascotransparente à altura do meu rosto. Ela o aproximara tanto, que tive de recuar paraconseguir ver o que se tratava. Afinal, tomei o frasco em minhas mãos, e examinei com

atenção.— Quinino? — Arrisquei, lembrando-me da foto do pó escuro que o rapaz da

 biblioteca havia fornecido.— O que mais poderia ser? — Perguntou Eve triunfante. — O veneno que matou

Drago Kravic!— Está pensando em usar isto contra alguém? — Brinquei.Eve não parecia estar com humor para piadas.— Ela o deixou ali — explicou, apontando uma das gavetas de um pequenino

armário, ao lado do fogão de Beyla.

Imediatamente recriminei-me por não ter pesquisado o conteúdo do armário quandoinvestiguei o fogão de Beyla e John. Reconheci que não teria coragem de bisbilhotar

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armários alheios, apesar de me lembrar com desconforto, de minha incursão ao escritórioda galeria de arte de Drago.

— Valeu a pena conferir o que Beyla guardava no armário — continuou Eve, fazendo-me pensar outra vez que eu tinha perdido uma grande chance de avançar em nossasinvestigações.

— Por que acredita que seja quinino?— O que mais poderia ser? Aposto que Beyla tentou envenenar você ontem, ao pedir

que experimentasse o molho para pasta.O comentário de minha amiga me produziu um calafrio e imediatamente, devolvi o

frasco.— Ela não seria tola a ponto de deixar o veneno aqui.— Por que não? Beyla jamais pensaria que alguém ia abrir a gaveta e encontrá-lo,

mesmo porque isto se parece com os outros temperos que usamos na aula.— Como faremos para ter certeza de que é quinino? — Perguntei, e Eve se tornou

repentinamente pensativa.— Não podemos experimentar.— Obvio que não.— Talvez alguém de nosso grupo saiba dizer?— Não podemos correr o risco de perguntar.— Já sei! — Ela exclamou após alguns instantes. — Conheço a pessoa exata para nos

ajudar, e iremos encontrá-la depois da aula.— Não poderemos ir hoje — afirmei, fazendo um gesto na direção de Jim que neste

momento, entrava no salão.

— É verdade — concordou Eve. — Esqueci que combinamos de sair com Jim depoisda aula.

Eu não havia me esquecido, pois apesar daquele encontro suspeito com Lavoie, aperspectiva de tomar algo na companhia de meu lindo professor continuava meprovocando ansiedade e nervosismo. Mesmo crendo que a razão de ele nos convidar erauma aproximação com Eve fora da aula, e que Jim me chamara somente por uma questãode educação, sentia um frio no estômago ao me imaginar sentada em um bar a seu lado.

E meu incômodo nervosismo vinha acompanhado de fantasias, nas quais eu meimaginava caminhando de mãos dadas com ele em uma praia deserta, como duas pessoas

enamoradas que sabiam ter um futuro inteiro pela frente.Pare de sonhar, disse para mim mesma, afastando as imagens românticas que

insistiam em povoar minha mente. É uma mulher divorciada, cheia de manias e sem graça. Jim ao contrário, é solteiro, desimpedido e cheio de planos. Por que iria incluí-la neles,quando pode ter a mulher que quiser a seus pés?

Certa de que era melhor encarar a realidade, refleti que a única outra razão para meuprofessor nos ter convidado era descobrir mais a respeito da morte de Drago. E isso porcausa dos comentários que às vezes, eu e Eve deixávamos escapar. Ainda assim, não pudeevitar que meu coração batesse descompassado, ao vê-lo se movimentar com a graça de

um felino pela cozinha equipada, os olhos cor de mel se voltando, vez ou outra, em minhadireção, os lábios bem feitos, que eu ansiava tanto por provar, se curvando em um sorriso.

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Temendo revelar minhas emoções, desviei o olhar para Eve, ao ver que ela haviadesembrulhado a massa do pão que preparara, resolvi fazer o mesmo.

A mistura de minha amiga havia crescido e dobrado de tamanho. Quandodesembrulhei a que eu havia preparado, percebi desanimada, que esta não somente nãoaumentara como ainda havia murchado e parecia uma panqueca insossa.

— Pare de se mexer! Relaxe!— Não consigo encontrar uma posição confortável — repliquei, ajeitando-me pela

enésima vez sobre o assento. Jim se sentara do outro lado da mesa, exatamente à minha frente, mas nos deixara

por alguns momentos para ir buscar os drinques.— Pare de se preocupar, ele não a está examinando!— Claro que não. Está interessado em você.Eve revirou os olhos.

Sabendo que eu necessitava me acalmar, comecei a respirar fundo. A técnicarapidamente deu resultado, pois a tensão se dissipou.

Pouco depois Jim reaparecia, trazendo a cerveja light que Eve escolhera, e uma taçade vinho para mim.

— E se ele quiser conversar sobre cozinha? — Perguntei discretamente, sentindo omedo voltar ao vê-lo retomar ao bar para buscar sua própria bebida. Lembrei-me do pãoque produzira naquele dia, parecia uma rocha vinda da lua e não algo comestível.

— Você ouviu o que Jim disse no fim da aula, assar um bom pão depende de prática,e quase ninguém acerta na primeira vez. O meu ficou bom porque tive sorte, nada mais

que isso.Pela maneira como fitei minha amiga devo ter demonstrado não estar convencida.

Mais que isso, meus olhos certamente revelavam que eu me sentia péssima.— Você tem de sair dessa — ralhou Eve. — O estrago que Peter causou para sua

autoestima foi um crime.Após tomar um gole de vinho, estiquei o pescoço para ver se conseguia avistá-lo. Não

tive sucesso, pois havia muitas pessoas aglomeradas no balcão.O comentário de Eve me fez lembrar o assunto que nos ocupava ultimamente, e

tornei a fitá-la.

— Não acha que Jim está envolvido na morte de Drago, acha?— Creio que não. É amigável demais para cometer um crime.— Mas talvez se comporte tão amigavelmente para conquistar nossa confiança e

descobrir o que sabemos.— Estão conversando sobre assuntos culinários? — Soou de repente a voz de nosso

instrutor, que acabava de se aproximar com uma cerveja escura. Jim não podia ser um vilão, refleti ao ver o sorriso em seus lábios. Uma vez mais,

senti o sangue correr mais rápido pelas veias e um calor gostoso que torci, não houvessetingido de vermelho meu rosto.

— Estamos conversando sobre o assassinato.Eve sempre colocava as cartas na mesa sem rodeios. Jim tomou um gole da cerveja e a

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fitou.— Acreditam que Beyla matou Drago?— Ninguém disse isso — corri a explicar, sabendo que devíamos ter cuidado para

não dizer algo do que nos arrependêssemos depois. — Não acusamos Beyla de nada.— Claro que achamos que foi ela! — Exclamou Eve. — Beyla odiava aquele homem.

— Como sabem disso? — Ele perguntou, colocando a cerveja sobre a mesa.— Não sabemos que relação Beyla tinha com Drago — contemporizei, antes que Eve

prosseguisse. — Só sabemos que ela mentiu ao dizer que não o conhecia, pois presencia-mos os dois discutindo pouco antes de ele morrer. Temos prova também, de que ela já oconhecia bem antes daquela noite fatídica. Jim nada comentou; somente tomou um gole da cerveja. Ao recolocar o copo sobre a

mesa, sua expressão reflexiva demonstrava que considerava o que eu acabara de dizer.— Fiz algumas investigações a respeito — continuei, apesar de temer que Jim achasse

que além de ser uma nulidade na cozinha, eu também era uma bisbilhoteira. — Em uma

visita à biblioteca, encontrei uma foto da inauguração da galeria de Drago.— Beyla estava presente — corroborou Eve. — Aparece ao lado de Drago na foto.— Sua investigação rendeu bons frutos — surpreendeu-se ele, olhando em meus

olhos. — Tomou sozinha a iniciativa de investigar a respeito de Beyla?O comentário me causou uma ponta de preocupação, pois se Jim contasse a Beyla o

que acabara de ouvir, ela poderia me processar. Entretanto, ele tomou a abrir seu fantásticosorriso, fazendo-me crer que eu não precisava me preocupar com alguém que sorriadaquela forma.

De repente, seus olhos cor de mel me fitaram de uma maneira estranha, quase terna.

Seu olhar límpido e honesto de repente me deu a certeza, Jim não faria ou diria nada queme pudesse prejudicar.

Talvez insensatamente, a verdade é que deixei a preocupação de lado e resolvicontinuar revelando o que sabia.

— Descobrimos que Drago era dono de uma galeria de arte.— E fomos lá investigar — completou Eve.— Não creio que tenha sido boa ideia — ele afirmou com uma sombra de

preocupação no rosto bonito. — Se Drago tinha estado envolvido em algo ilegal, não éseguro averiguar seus negócios.

Eu pensara a mesma coisa quando Eve sugerira que visitássemos a galeria, mas,mesmo assim, o comentário de Jim me fez tomar uma posição defensiva.

— Não encontramos nada na galeria. O único fato relevante foi termos conhecido osócio de Drago — expliquei, para demonstrar que não havíamos feito nada de mais.

— Mas descobrimos que o escritório de Drago havia sido revistado — Evemurmurou. — Havia papéis e documentos espalhados por todo canto, e claro que alguémse adiantou a nós, procurando algo que não sabemos.

— É mesmo? — Replicou Jim ainda mais pensativo. — Realmente fizeram um bomtrabalho, pois descobriram mais do que eu.

O comentário me causou espanto, pois Jim era professor de culinária e não detetive.Entretanto, imediatamente me ocorreu que Eve e eu também não éramos investigadoras, e

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mesmo assim, havíamos nos lançado naquela empreitada.— Também está investigando a morte de Drago? — Perguntei hesitante, e ele riu.— “Investigando” não é a maneira como eu descreveria. Mas admito estar curioso.

Afinal, não é todo dia que um homem é assassinado no estacionamento do local onde tra- balhamos.

 Jim se ajeitou na cadeira e no gesto, tocou meus joelhos com os dele. Estremeci nomesmo instante. Senti um calor se espalhando pelas pernas e me vi ansiando por tocar asmãos dele por sobre a mesa. Queria sentir a pele coberta de pelos sedosos de seus braços...

Como se consciente disso, Jim curvou os lábios em um sorriso discreto. Após sefixarem em minha boca por alguns segundos, seus olhos ousaram descer por meu decote,quase em uma carícia.

Incomodada, agarrei o copo de vinho.— Para ser sincero, cheguei a me perguntar se vocês não estariam envolvidas nessa

morte.

Eu teria rido ao ouvir tal comentário, mas acabei me engasgando com a bebida.— Nós? — Indaguei finalmente, ao conseguir respirar outra vez, ajudada pelos

tapinhas que Eve me deu nas costas. — Acredita que temos algo a ver com o assassinato deDrago?

— Não foi o que eu disse — explicou Jim. — Mas têm de admitir que estão secomportando de maneira suspeita nos últimos tempos; incluindo aquele incidente com omolho de Beyla. Eu vi o que aconteceu, e sei que Eve deu um encontrarão em Beyla depropósito.

— Ela queria envenenar Annie. — Minha amiga tentou me defender.

— Também disseram algo à polícia que é diferente do que contam agora —continuou Jim, demonstrando estar mais bem informado do que eu supunha.

— Porque a “polícia” neste caso é o investigador Tyler Cooper, o maior idiota doestado da Virgínia. Ele é meu ex-noivo; alguém que disse que não sou tão inteligentequanto Kaitlin Sands, uma agente sem graça com a qual ele vai se casar e...

Sabendo que tinha de dizer algo para brecar o desabafo de Eve, eu a interrompi:— Não mentimos para a polícia — afirmei, retornando ao assunto original. —

Dissemos a verdade, mas o agente Cooper não nos deu ouvidos.— Então decidimos investigar sozinhas — adicionou Eve, em tom de orgulho pela

decisão que ambas sabíamos, pertencia exclusivamente a ela.— Estão se saindo muito bem — concluiu Jim. — Descobriram muita coisa. Eu tentei

colher informação, mas não sabia por onde começar. Estão fazendo um bom trabalho. Fuium tolo pensando que vocês tinham culpa, e por isso agiam de forma suspeita. Jamaisimaginei que estivessem investigando. Sabia que a vi olhando o fogão de Beyla? — Fitou-me nos olhos. — Eu havia retornado ao salão, mas você não notou. Para não dar na vista,tornei a sair silenciosamente quando fez menção de se virar.

Imediatamente, corei como um pimentão. Jamais imaginara que estivesse sendoobservada enquanto averiguava o fogão de Beyla. Graças aos Céus Jim saíra em seguida,

pois do contrário, teria visto que o fogão seguinte que eu investigara fora o dele!O telefone celular de Eve tocou.

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— Estou perto daí e poderei chegar em quinze minutos — ela falou instantes apósatender, então se virou para nós. — Tenho de ir. Vou encontrar Tony, um amigo. Obrigadapelo drinque. — Agarrou a bolsa em seguida.

— Não se esqueça de que amanhã é domingo e não há aula — Jim ainda disse, masnão foi possível saber se Eve o escutara, pois ela já saía apressada.

Subitamente intimidada a me ver a sós com nosso instrutor, tomei outro gole devinho. Jim me fitou com doçura no olhar. Ou será que eu imaginava coisas?

— Aposto que também vai embora — arrisquei sem coragem de olhá-lo.— Quer que eu vá embora?— Claro que não. — Repliquei tão rápido, que me senti corar. — Quero dizer,

imagino que agora que Eve foi embora, você...— Acredita que eu as convidei para tomar algo somente porque queria ter mais

contato com Eve?— É o que sempre acontece.

— Verdade? — Jim replicou espantado. — E por que acha que é assim?— Porque Eve é linda — expliquei, cedendo a um súbito desejo de ser sincera.— Ela é muito simpática — concordou ele, fazendo-me arregalar os olhos ao ouvir

que ele se referira a minha amiga com um tipo de comentário que os homens reservavampara mim.

— Eve é engraçada e bem-humorada. E também é espontânea.— Tem razão. Mas creio que você também possa ser espontânea, desde que esteja

com a pessoa certa... — Seus olhos tinham um brilho que eu não soube definir. — Noteique é um pouco tímida Anne. Se me permite dizer, talvez não perceba que é tão especial

quanto Eve.Meu coração ameaçou sair pela boca novamente.— Meu ex-marido me deixou por uma garota que encontrou na lavanderia. — Eu me

ouvi dizendo, sem medir as consequências de me expor daquela maneira.— Imaginava que houvesse sido algo assim — afirmou Jim, terminando a cerveja.

Então desviou olhar do meu rosto para olhar ao redor. — Sabe que também servem coisaspara comer aqui? Que tal pedirmos algo? Enquanto comemos, pode me contar o que sepassou entre você e seu ex-marido.

Mordi o lábio, preocupada. Começava a crer que havia algo surgindo realmente entre

nós dois e não sabia, ao certo, se estava preparada para aquilo.Enquanto comíamos hambúrguer acompanhado de batatas fritas e salada, contei a

 Jim sem entrar em detalhes, a história de minha relação com Peter.— E desde então? Não tornou a se envolver com outro homem? Não pensa em se

casar outra vez?A pergunta aconteceu no exato momento em que eu colocava uma batatinha na boca,

mas, desta vez, felizmente não engasguei.Para ser honesta, eu havia considerado a possibilidade de tomar a me casar, mas não

esperava que ele me fizesse tal pergunta.

— Não estou pronta para me casar novamente.— Mas, faz mais de um ano que se separou.

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Dei de ombros e tomei outro gole de vinho. Aliás, a segunda taça que ingeria.— E você... E comprometido? — Perguntei mais relaxada pelo tom franco que se

estabelecera entre nós.— Não, nunca fui. Não tive essa sorte — ele respondeu. — Nunca encontrei a mulher

certa para mim... Pelo menos até agora. E trabalho tanto que quase não tenho tempo para

pensar nisso.— É um excelente professor Jim — disfarcei tensa. — É fácil perceber que gosta do

que faz.— E você? Não aprecia seu trabalho?— Sou caixa de um banco — revelei, outra vez sentindo que Jim era uma pessoa que

inspirava confiança. — Sou bancária desde que me formei no ensino médio. É um bomtrabalho, mas...

— Mas que não a deixa feliz.— Não disse isso — repliquei, limpando os lábios com o guardanapo. — Sou boa no

que faço.— Tenho certeza que sim.— Trata-se de um bom emprego. Sinto-me segura.— Mas também fica entediada, não é?Abaixei o olhar outra vez. Os perspicazes comentários de Jim me confrontavam com

questões que eu preferia evitar.— Confesso que ando me sentindo insatisfeita com meu trabalho, admiti a

contragosto. — De qualquer forma, há muita gente em pior situação e não posso reclamar.— Mas sabe que há algo mais para viver e conquistar.

— Também deseja mais da vida? — Perguntei, mudando o rumo da conversa paratorná-lo o centro da atenção.

Parecendo se surpreender, desta vez foi Jim quem desviou o olhar. Passado uminstante, ele tomou um gole da cerveja.

— Se não me desvencilhar de monsieur Lavoie em breve, creio que acontecerá umsegundo assassinato na Bonne Cuisine.

— Ele é um pouco estranho — concordei com um sorriso cúmplice.— Trata-se de um bom emprego, como o seu. Mas não é o que desejo.— O que é que realmente deseja? — Perguntei, e Jim tomou outro gole de cerveja

antes de responder e me olhar nos olhos.Engoli em seco, certa de que já obtinha a resposta. Uma vez mais, tentei dispersar o

que julgava ser apenas outra fantasia.— Quero abrir meu próprio restaurante — ele respondeu afinal, e me vi tomada pela

decepção. — O irmão mais velho de minha mãe, tio Agnus, possui um restaurante emAlexandria, um povoado turístico perto daqui. Meu tio é o proprietário há muitos anos, eparou de investir para melhorar o negócio. Eu gostaria de adquirir o restaurante e renová-lo, de criar uma nova imagem para ele. Quero me especializar em uma culináriadiferenciada, que utilize produtos orgânicos, garantindo um ótimo sabor para conquistar

um público que não faça questão de pagar mais para ter qualidade garantida.Os olhos de Jim brilhavam enquanto ele expunha seu desejo, demonstrando que

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falava de um sonho acalentado com carinho.— Necessitarei trabalhar muito se quiser ter meu próprio negócio. Mas trabalhar não

me assusta e já comecei a juntar dinheiro para o investimento inicial — ele explicou comose lesse meus pensamentos.

— Agora posso compreender o que o faz trabalhar na Bonne Cuisine.

— O local não é ruim, mas não posso dizer que Lavoie seja um excelente patrão.Nunca notou algo estranho a respeito dele?

— Algo estranho? — Perguntei rindo. — Não saberia por onde começar a descrever oque me parece estranho naquele francês.

— Por vezes penso que está tramando algo — disse Jim, após engolir o último bocadodo hambúrguer. — Não sei o que é, mas há algo naquele homem que não o faz pareceruma pessoa cem por cento honesta.

— Será que foi ele quem assassinou Drago? — Perguntei, achando que Jim ia reagircom uma gargalhada.

Em vez disso, ele me fitou com olhar sério.— Considerei essa possibilidade. Lavoie foi à única pessoa a permanecer na loja

depois de eu ir embora naquela noite, portanto, podia estar por perto no momento em queocorreu o assassinato.

— Isso lhe dá a oportunidade, mas não o motivo. Claro que se Beyla tinha uma razãopara assassinar Drago, também a desconhecemos. Mas sabemos que ela mente e, algo queainda não lhe contei, sabemos também que ela tem quinino: a substância que envenenouDrago. Talvez Eve e eu devêssemos fazer outra visita à galeria Arta, para ver se en-contramos algo desta vez.

— Tem consciência do que está dizendo? — Jim me interpelou com uma expressãopreocupada. — Pode até ser divertido especular sobre algo que aconteceu, e conversar arespeito com amigos. Mas você e Eve estão levando as investigações a sério, e isso mepreocupa. Ainda mais porque parecem estar gostando.

— Não estamos nos divertindo exatamente. Mas é que se trata de um desses quebra-cabeças que não nos deixam em paz enquanto não o solucionamos.

— Eu compreendo Annie. Mas você tem de entender que isso já custou à vida de umhomem. Alguém mais pode se ferir.

— Acha que...

— Não acho, tenho certeza! Lembra-se da explosão de seu fogão? Eu acreditava quetivesse sido acidente, mas, depois do que me contou esta noite, não posso deixar de pensarque vocês estão na trilha de algo importante. E que alguém não gosta disso, pois parecempróximas de resolver o mistério.

— Honestamente, não imaginava que nossa investigação estivesse no rumo certo, enem que houvéssemos descoberto coisas importantes. Talvez Eve e eu sejamos melhoresdetetives do que imaginávamos.

— Quero que me prometa algo Annie — disse ele após um instante. — Quero queprometa que vai parar de investigar, pois é perigoso demais.

Alguma coisa em minha consciência dizia que ele tinha razão, e que o conselho erasensato. Entretanto, havia algo mais em minha mente, algo que ele dissera antes, e que

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agora me retomava a cabeça: o fato de que meu trabalho me entediava, e que eu desejavamais emoção em minha vida, vinda de onde quer que fosse.

— Tem razão — concordei, após um momento de reflexão. — É perigoso demais —Prometo que vou parar de investigar.

Sorrindo, Jim não escondeu o alívio que sentiu ao ouvir minhas palavras. Felizmente

ele não podia ver que eu mantinha os dedos cruzados para anular a promessa que acabarade fazer.

CAPÍTULO III 

Apesar de a pequena cidade portuária de Alexandria não ser distante de Arlington,não era um lugar aonde eu fosse com frequência. O vilarejo era sempre repleto de turistas,mas, especialmente naquele dia, domingo, suas vielas se encontravam lotadas quando Evee eu chegamos.

— Tem certeza de que vale a pena? Eu preferia estar em casa descansando — afirmeipesarosa em gastar meu único dia de folga, para tentar confirmar se o tal pó escuro,encontrado no armário de Beyla, era quinino.

— Claro que sim. Como expliquei, conheço alguém aqui que vai nos ajudar. Pensei

que estivesse animada para continuar a investigação.Nesse momento, um carro desocupou uma vaga ao lado da calçada. Eve brecou e

acendeu o pisca-pisca para garantir o lugar.Enquanto esperávamos, lembrei-me da conversa com Jim na noite anterior, e da falsa

promessa que eu tinha feito. Além de ter estimulado meus hormônios femininos, o encon-tro me fizera ver que nosso instrutor era franco e sincero, uma pessoa com quem nossentimos à vontade para revelar quem realmente somos e o que desejamos na vida.

Sem perceber, Jim iniciara um processo novo para mim, de admitir o que por vezes,se insinuava em minha mente. Mas eu não tinha coragem de enfrentar o fato de que

começava a me cansar da vida e do trabalho que possuía. Separada de Peter, agora me vialivre outra vez para escolher meus caminhos, sem ter de pensar em como ia influenciar avida de outra pessoa.

Talvez fosse o momento de dar um salto e me lançar em algo novo. Naturalmente,toda mudança envolve um risco e gera receios. Contudo, eu começava a me questionar sevalia a pena viver uma vida segura, mas sem graça, ou se seria melhor correr riscos paratentar viver coisas que me realizassem mais.

No mesmo momento, um par de olhos cor de mel surgiu em minha mente. Qual seriaa reação de Jim se eu me declarasse? Perguntei-me com o coração aos saltos.

Sacudi a cabeça, tentando dispersar aquela ideia maluca.— Vá embora de uma vez! — Exclamou Eve de repente, irritada com o motorista que

começava a demorar demais para livrar a vaga. Após um instante, o veículo partiu e pu-

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demos estacionar.Ao sairmos do carro, Eve ainda não revelou aonde íamos, e logo atingíamos o centro

histórico de Alexandria, mais repleto que nunca naquela ensolarada manhã de domingo.— O que aconteceu entre você e Jim, ontem à noite? — Ela perguntou, enquanto

caminhávamos entre os turistas por um dos calçadões do vilarejo.

— Nada importante — repliquei, sabendo que não era o momento propício pararevelar à minha amiga, o que me passava pela alma. — Ele queria saber mais a respeito doque descobrimos sobre a morte de Drago.

— Ora Annie, você mente para si mesma, se acredita no que acaba de dizer.— Como assim?— Jim obviamente, se interessa por você, e mesmo que tenha dado a impressão de

que queria saber mais a respeito do assassinato, a verdade é que nos convidou para teruma chance de conhecê-la melhor.

Seria possível que Jim se interessasse por uma mulher como eu?

— O pior cego é aquele que não quer ver — continuou Eve, como se lesse meuspensamentos. —Jamais afirmaria que Jim está interessado em você, se não tivesse certeza.

— Acha mesmo, que ele se sente atraído por mim? — Perguntei, sentindo que corava.— Como o mel atrai uma abelha. Ele se interessou por você desde o primeiro dia. Só

você não percebeu, pois ainda vê a si própria como a mulher desinteressante, largada pelomarido que encontrou outra pessoa.

Eu era assim, tão pouco consciente ao meu próprio respeito?— Hora de acordar Anne Capshaw — continuou Eve. — Bem-vinda ao mundo.Gostei de ouvir aquilo e, ao caminhar com minha amiga entre os turistas, não pude

evitar o sorriso que tomou conta de meus lábios, e a sensação de frescor que, de repente,inundou minha alma.

“Empório dos Anjos” era o nome da loja para onde Eve me levou, e não pude deixarde pensar que se tratava do último lugar onde eu esperaria encontrar quem nos ajudasse aidentificar o pó no frasco de Beyla.

— Tem certeza de que vale a pena entrarmos?— Já disse que encontraremos a pessoa exata para ajudar — assegurou Eve, abrindo a

porta para eu entrar primeiro.

A primeira coisa que notei foi o forte aroma de incenso. A loja não era grande e haviaobjetos expostos por toda a parte: estatuetas de anjos, duendes e gnomos, castiçais comvelas aromáticas. Uma música suave reforçava o ar mágico e tranquilo do ambiente,contrastando com a multidão de turistas lá fora.

— Rainbow é o nome da dona da loja — contou Eve, a me ver olhar em volta curiosa.— Eu a conheço há alguns anos. É um pouco feiticeira, mas trabalha com boas energias.Faz poções que ajudam as pessoas a obter o que desejam. Eu mesma já lhe pedi quepreparasse algumas para mim, e posso garantir que deram resultado.

— Eve! — Exclamou uma voz feminina.

Ao me virar, eu me deparei com uma jovem senhora de cabelos até a cintura, usandouma roupa que era um misto de túnica indiana com saída de praia, acrescida de uma saia

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longa que chegava aos tornozelos, mas que deixava à mostra a sandália de couro cru e semsalto. De rosto suave, ela parecia uma hippie dos anos sessenta. Seus dedos estavamrecobertos de anéis em forma de símbolos esotéricos.

Depois de se adiantar e beijá-la na face, Eve se virou para me apresentar.— Esta é Annie minha melhor amiga — disse, e a mulher que eu supunha ser

Rainbow, se aproximou e me abraçou também.— O que as traz aqui? — Perguntou, fazendo-me pensar que uma pessoa assim

certamente saberia de antemão quem ia chegar e o motivo da visita, bastando para tantoconsultar a bola de cristal que, certamente, guardava na sala ao lado.

— Necessitamos de sua ajuda — Eve respondeu com um suspiro.— Vamos entrar — convidou Rainbow, adiantando-se para abrir a cortina de batique

na passagem para a sala, onde decerto dava consultas espirituais. Apesar do grandenúmero de turistas lá fora, éramos as únicas dentro da loja.

— Necessita de uma poção como a da última vez?

— Não se trata disso — explicou minha amiga, fazendo-me pensar que talvez elautilizasse os serviços da mulher para levar a cabo suas conquistas amorosas.

Dentro da saleta, o aroma perfumado de incenso era ainda mais forte. Havia velasacesas sobre uma espécie de altar ecumênico, o qual misturava imagens de budas comarcanjos e animais mitológicos.

Além do altar, algo mais chamou minha atenção, fazendo-me compreender a razãode Eve ter me levado até ali: em uma das paredes havia uma prateleira que ia do teto aochão, repleta de frascos com ervas, pós de cores diversas, grãos de toda sorte, e outrascoisas que eu não saberia definir o que eram.

— Se não deseja uma de minhas poções, como posso ajudá-la, então? — PerguntouRainbow, fazendo um gesto para que nos sentássemos ao redor de uma mesinha redondaque, como eu adivinhara, ostentava uma bola de cristal no centro.

— Não vamos nos sentar, pois ficaremos pouco tempo — garantiu Eve. — Eu gostariaque tentasse identificar algo para nós. — Abriu a bolsa e retirou o frasco com o pó escuro.

— Necessitamos saber o que é isso. Suspeitamos que seja veneno — avisou, passandoo vidro.

A mulher tomou o frasco e o ergueu contra a luz de uma das velas para observarmelhor seu conteúdo. Em seguida, destampou-o com cuidado e despejou uma ínfima

quantidade do pó sobre uma pequena bandeja.— Tenho uma suspeita do que seja, mas farei um teste para confirmar.Retirou um vidro de tamanho razoável da prateleira, dentro do qual havia um

líquido transparente. Então apanhou com uma colher, uma pequena quantidade dele.— Parece uma substância usada no tratamento de diversas enfermidades. Mas se for

o que estou pensando, é altamente concentrada, o que a torna fatal se ingerida.Finda a explicação, Rainbow afastou a bola de cristal e colocou a bandeja no centro da

mesa. Então, deitou algumas gotas do líquido da colher. Imediatamente o pó começou amudar de cor, ganhando um tom avermelhado e chegando quase a efervescer. Por fim,

dissolveu totalmente, transformando-se em uma pasta que voltava a ter um tom escuro.— Exatamente o que pensei — disse ela. — Como conseguiram isto?

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— Com alguém que talvez, tenha utilizado este pó para fins escusos — explicou Eve.— Como não tínhamos certeza do que era, pensei que você seria capaz de identificar. Sabedo que se trata?

— É quinino — afirmou Rainbow sem titubear. — Nesta concentração, é um venenomuito perigoso. Deve tomar cuidado ao andar com ele na bolsa. O efeito fatal só acontece

quando ingerido por via oral, mas se cair sobre a pele, provocará uma reação alérgicamuito forte, que vai demorar dias para passar. Espero que não estejam planejando utilizá-lo para nada.

— De maneira alguma — assegurou Eve. — Mas infelizmente, é possível que alguém já o tenha usado para um fim criminoso.

Ao ouvir aquilo, Rainbow arregalou os olhos parecendo perturbada. Entretanto, logose refez e recuperou o ar de tranquilidade, apesar de agora sua expressão parecer falsa.

— Não quero ter nada a ver com isto — decidiu, recolhendo o frasco que ficara sobrea mesa.

Após se certificar de que o frasco estava bem fechado, ela ia devolvê-lo para Eve, mascomo eu sabia que minha amiga era distraída, e tendo agora a certeza de que era quinino,peguei o frasco e o guardei em minha bolsa.

— Esse veneno mata em trinta minutos após ser ingerido, e dizem que a vítima vêtudo azul — continuou Rainbow.

— Estranho não é?— Muito — concordei. — Sabe onde se pode obtê-lo?— A substância em baixa concentração, à qual se referem como “quina”, pode ser

conseguida em alguns lugares. O veneno é fácil de produzir, pois quem entende de

cozinha saberá fazer o necessário para aumentar a concentração.O comentário me fez sentir um aperto na boca do estômago.— Quer dizer que se pode adquirir a droga na forma não venenosa em locais onde se

vendem ervas e coisas do gênero?— Sim — reafirmou Rainbow.Após calar um instante, Eve fitou a prateleira repleta de frascos com as substâncias

que Rainbow utilizava nas poções.— Você vende quina, não é?Aquilo não me passara pela cabeça, mas a reação de Rainbow, dando um passo

automático para trás, deu-me a certeza de que a suposição de Eve estava correta.— Vendeu quina para alguém nas últimas semanas? — Desta vez fui eu quem

perguntou.— Jamais venderia quina se suspeitasse que...— Não se preocupe, estamos certas de que não faria algo que pudesse prejudicar

outras pessoas — assegurei. — Mas é necessário que nos conte, pois necessitamosdesvendar um mistério.

Rainbow abaixou o olhar hesitante.— Vendi quina há algumas semanas — afirmou, baixando a voz.

— Foi uma mulher quem comprou?Ao ouvir minha questão, Rainbow tornou a desviar o olhar e esfregou as mãos em

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um gesto que denotava nervosismo. Antes que eu pudesse repetir a pergunta, ouvimos oruído da porta da loja sendo aberta.

Rainbow imediatamente deu a volta em torno da mesinha, e caminhou em direção aoespaço público da loja.

— Podem me acompanhar, por favor? — Pediu, abrindo a cortina entre a saleta e a

loja. — Tenho de atender o cliente que acaba de entrar.Sem podermos recusar, Eve e eu a acompanhamos.Ao sairmos da saleta, senti um calafrio percorrer minha espinha quando vi o cliente

que acabava de chegar: Beyla!Nossa colega no curso culinário não pareceu menos surpresa ao nos ver. Fitou-me em

primeiro lugar e em seguida olhou para Eve. Então, sem titubear, deu meia-volta e saiu,correndo pela porta pela qual entrara segundos antes.

Sem pensar duas vezes, dei um salto em direção à porta, tentando alcançá-la antesque se fechasse atrás de Beyla. Apesar de quase derrubar uma estante com cartões de

anjos, o que realmente me atrapalhou foi ter enroscado os cabelos no planeta saturno domóbile que pairava perto da entrada. Eve me seguiu de perto, mas suas sandálias de saltoalto não a ajudaram a se locomover com rapidez. Naturalmente, não nos despedimos deRainbow, e não havia sinal de Beyla quando saímos para a calçada.

— Melhor nos separarmos — resolvi. — Você vai por aqui — instruí, fazendo umgesto para Eve descer a rua. — E eu por ali.

Concordando com um gesto de cabeça, minha amiga começou a correr tanto quantosuas sandálias permitiam, eu tomei a direção oposta. A rua cheia de gente dificultava oavanço, mas após alguns instantes, pensei ver Beyla andando apressada, um pouco

adiante. Sem titubear, apressei também o passo tanto quanto possível na calçada repleta deturistas. Pedindo licença, consegui avançar até ter meu caminho subitamente obstruído porum homem alto, careca e de ombros largos.

— Com licença — pedi, mas ele não me deu passagem. Parecia ocupado em olharadiante, como se tentasse enxergar à distância, ou como se também tentasse não perderalguém de vista. — Saia da frente! — Exclamei erguendo a voz.

Finalmente, ele fez o que eu pedia, porém eu já tinha perdido Beyla de vista.— Droga!Percebi surpresa, que o homem à minha frente não se tratava de um desconhecido,

mas de alguém que eu vira havia poucos dias: Yuri Grul, o sócio de Drago na galeria.Se ficou surpreso ao me ver, Yuri não deu mostras disso.Confusa, com o encontro inesperado, me esqueci de Beyla um momento.Foi então que Yuri me tomou pelo braço e, antes que eu pudesse protestar, ele me

puxou para uma viela lateral.— E a Srta. Capshaw, que esteve na galeria — afirmou com segurança. — Está

seguindo Beyla?Levei alguns segundos para assimilar o que ele dizia. Encontrar o sócio do falecido

Drago em Alexandria já era estranho; e o fato de ele fazer tal pergunta me deixava sem

saber o que pensar.— Você é da polícia? — Continuou Yuri ao ver que eu não respondia.

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— Não. — Confessei finalmente, sabendo que necessitava manter um tom neutro. —Eu sou... — Comecei, mas tive de parar por não saber o que dizer. Como explicar quem eurealmente era e o que fazia ali? — Trabalho em uma agência bancária — expliquei,optando por dizer a verdade. Mas estou fazendo um curso culinário que Beyla tambémfaz. Eu visitava uma loja aqui perto, quando a vi passar na calçada e saí para

cumprimentá-la — continuei, resolvendo que dizer uma meia-verdade seria melhor do querevelar tudo. — Ela faltou à aula de ontem, telefonou avisando que não se sentia bem, e euqueria perguntar se havia melhorado.

— Tem certeza de que não a está seguindo para prendê-la?Talvez eu seja um pouco lenta para entender as coisas e admito: necessitei de certo

tempo até compreender a extensão do que Yuri dizia.— Fala como se acreditasse que a polícia tivesse motivos para incriminar Beyla —

comecei devagar. — Você a considera culpada de algo?Tecer conjeturas com minha amiga e brincar de detetive era uma coisa, mas ouvir a

mesma coisa de uma pessoa praticamente estranha dava uma dimensão diferente à his-tória. Sabendo que já não podia retroceder, encarei Yuri e resolvi ser direta.

— Acredita que Beyla matou Drago, não é? Ou será que tem certeza? — Acrescentei,pensando que talvez Yuri soubesse mais do que eu e Eve.

— Então era realmente por isso que você a seguia — disse ele com um sorriso decumplicidade. — Viu de onde ela vinha? Ou sabe para onde ia?

A única coisa que eu sabia com certeza era que Rainbow vendia quina no “Empóriodos Anjos”, e que Beyla passara por lá naquela manhã. Era impossível saber o que amulher tinha ido fazer ali novamente, mas o fato de ter fugido correndo ao se deparar com

Eve e eu, aumentava minhas suspeitas.No momento, porém, não era possível refletir sobre o significado dos últimos

acontecimentos, pois Yuri me fitava com um olhar interrogativo, esperando uma resposta.— Como poderia ter descoberto para onde Beyla ia, se você me impediu de segui-la?

— Perguntei exasperada. — E por que está aqui? Seguia Beyla também? É investigador, poracaso?

Yuri estreitou os olhos escuros, e então desviou o olhar, parecendo desconfortávelcom o que ia me dizer.

— Drago Kravic era como um irmão para mim. Quanto a Beyla, você mesma acaba de

dizer que acredita que ela o matou.— Mas não tenho certeza — retruquei, tendo a súbita e clara impressão de que Yuri

era honesto. — Acha que devemos ir à polícia?— Ainda é cedo para irmos à polícia — ele respondeu prontamente. — Poderia

arruinar tudo. Primeiro, necessitamos ter alguma prova do que afirmamos.— Eve e eu descobrimos coisas importantes. Não chegam a ser provas definitivas,

mas são evidências muito fortes. Veja isto — disse, retirando o frasco que guardara na bolsa. —É quinino, o veneno que matou Drago. Nós o encontramos entre as coisas deBeyla, e hoje descobrimos onde ela obteve a substância para preparar esta droga.

— Mantenha isto bem guardado — ele pediu ao tornar a me fitar. — É uma evidênciaperfeita para a polícia. Somado ao CD de computador poderemos...

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Yuri calou de repente, como se receasse falar o que não devia. Desviou o olhar uminstante ao notar que eu adivinhava sua perturbação, mas rapidamente se recompôs.

— Perdão — recomeçou. — Há coisas demais passando por minha cabeça. Estoupensando que você talvez possa me ajudar.

— Ajudar a provar que Beyla assassinou Drago? E o que Eve e eu fazemos há vários

dias. No princípio, duvidei das suspeitas de minha amiga, mas depois de descobrirmos ofrasco entre as coisas de Beyla, e comprovarmos que era quinino... — Calei-me, então, efitei o vidro em minhas mãos. Ao me dar conta da importância daquele objeto, tornei aguardá-lo na bolsa. — Creio que o melhor é entregar este frasco à polícia e dizer onde oencontramos. Tenho certeza de que será um elemento importante para elucidar o caso.

Yuri sorriu ao ouvir aquilo, e seu sorriso não tinha nada de forçado.— Estou feliz que tenham conseguido obter esta prova — disse com sinceridade. —

Também fico feliz por saber que não estou sozinho, e que você é minha aliada paradescobrir quem matou meu amigo. Aliás, uma aliada muito bonita — completou, dando

um passo em minha direção, e abaixando o olhar para fitar meus seios.— Aliada no tocante à investigação do assassinato de Drago, mas nada, além disso —

repliquei, sabendo que era melhor deixar claro como me sentia. — Diga-me, como sabeque Beyla é culpada, e o que quis dizer ao se referir a um disco de computador?

Ao notar a distância que eu colocava entre nós, Yuri recuou.— Drago e Beyla... — Ele começou como se buscasse as palavras corretas. — Foram

amantes na Romênia há muitos anos, e foi lá que conheci os dois. Infelizmente, a relaçãoentre eles não terminou bem e sua paixão se transformou em ódio.

— Mas isso não seria motivo para Beyla matá-lo.

— É complicado. Não sei tudo que ocorreu entre os dois, pois se soubesse, já teria idoà polícia. Drago nunca me explicou em detalhes, mas creio que Beyla o roubou, ou melhor,dizendo, roubou a ele e a mim, pois desviou dinheiro que pertencia à galeria. Creio queDrago obteve provas do que ela fez. Na manhã do dia em que morreu, ele me disse quenecessitava falar comigo sobre algo sério, e que ia me mostrar um disco com umainformação importante. Marcamos de conversar naquela noite, mas ele morreu antes deme mostrar o tal disco e perdi meu melhor amigo.

— Talvez o CD contenha provas de que Beyla roubou o dinheiro, e ela tenhaassassinado Drago para escapar à Justiça — arrisquei.

— É a mesma conclusão a que cheguei — concordou Yuri, soltando um suspiro. —Pensei que o disco estava guardado na galeria, mas não consegui encontrá-lo.

Pouco a pouco, os fatos que Eve e eu havíamos descoberto começavam a ganharrelação entre si e a fazer sentido.

— Beyla invadiu o escritório da galeria à procura do disco e provavelmente oencontrou.

— É o que penso — concordou Yuri, meneando a cabeça. — Por isso comecei a segui-la, acreditando que, cedo ou tarde, ela me levaria ao CD, que deve ter escondido em algumlugar. Temos de mantê-la em vigilância. Infelizmente, é possível que Beyla já o tenha

destruído, mas devemos continuar tentando. Vai me ajudar a descobrir quem matouDrago, não é? Esse assassino ou assassina tem de acertar contas com a Justiça.

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Concordei com um gesto de cabeça, demonstrando que estava do lado dele. Antes denos separarmos, trocamos os números de telefone e concordamos em revelar um ao outrotoda informação que obtivéssemos.

Após caminharmos de volta à rua principal, despedimo-nos com um aceno breve eYuri desapareceu entre a multidão.

Nossa investigação não levaria a lugar algum, fui obrigada a admitir mais tarde,quando chegamos à aula da noite seguinte e Eve insistiu em confrontar Beyla com os fatos.Quando questionamos a romena acerca de sua presença na inauguração da galeria deDrago, e de sua visita ao “Empório dos Anjos”, ela deu de ombros, afirmando que o quedizíamos era absurdo.

— Estão loucas! Dizem que me viram em Alexandria, mas jamais estive neste lugar.— Então era sua irmã gêmea — replicou Eve. — Isso explicaria tudo. Não pensamos

nessa possibilidade, mas se houver uma irmã gêmea, então tudo se explica.— Eve. — Tentei controlar seu arroubo. — Não creio que Beyla tenha uma irmã

gêmea — afirmei com segurança, notando que a moça, nos fitava irritada. — Temos provade que você esteve presente na inauguração da galeria de Drago — continuei, olhando-anos olhos. — Consegui uma foto publicada em um jornal da época.

A maneira como Beyla me fitou demonstrava que a irritação agora se transformavaem perturbação. Sem nada dizer, ela enfiou a mão na sacola que colocara sobre a mesa ecomeçou a retirar os ingredientes para a aula.

Percebendo que eu começava a romper suas defesas, resolvi insistir.— Outra pessoa viu você em Alexandria — eu disse, sem mencionar o nome de Yuri.

— Pode negar o quanto queira, mas sabemos que esteve lá ontem.

— E há mais — acrescentou Eve. — Descobrimos o seu frasco com quinino.— O quê? — Replicou Beyla, parando de retirar as coisas do saco, pálida. Após fitar

de relance a gaveta onde Eve descobrira o veneno, ela tornou a nos encarar. Seu olhar,porém, havia ganhado um brilho de raiva. — Vocês não têm ideia de onde e com quemestão se metendo — sussurrou por entre os dentes. — Há perigos que não compreendem, ese não tomarem cuidado...

Subitamente, ela pegou uma faca que estava sobre a mesa, fazendo-me saltar paratrás. Entretanto, Beyla não fez menção de nos atacar. Simplesmente fitou o objeto afiado epontudo.

— Se não tomarem cuidado, acabarão se machucando.A ameaça era tão descarada, que me deixou sem ação.Felizmente, Eve tomou meu braço e me obrigou a caminhar.— Foi ótimo termos vindo questioná-la — disse minha amiga, quando chegamos ao

nosso fogão. — Ela nos ameaçou porque está com medo do que sabemos, e isso significaque nossa investigação vai pelo rumo certo.

Talvez nossa investigação estivesse indo bem, mas o mesmo não poderia ser dito demeus dotes culinários. Além do mais, cada vez que Jim se aproximava para checar comopreparávamos os pratos, eu me atrapalhava toda, errava nas medidas, derrubava coisas.

Ele já não se impedia de me tocar sempre que tinha oportunidade, ou de fixar o olharna minha boca com aqueles olhos que me enlouqueciam.

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Como se não bastassem às emoções causadas pela proximidade de Jim, sempre queeu olhava na direção de Beyla, ela estava me encarando... E com a faca ao alcance da mão.Se nada disso estivesse acontecendo, talvez o meu pato com laranja, o prato principal daaula daquele dia, tivesse ficado melhor.

— Talvez ela seja inocente — contemporizei depois de Eve me dar um pequenino

pedaço do peito de pato que ela havia preparado. — Quem sabe estava zangada conoscopor não a deixarmos em paz.

— Não acredito. Sigo pensando que tem culpa no cartório — afirmou Eve, provandoela mesma o pato. — Além do mais, não temos outro suspeito.

— Temos sim. — Ocorreu-me de repente, antes que Eve pudesse me impedir, retireirapidamente o avental e atravessei o salão com a intenção de ir encontrar monsieur Lavoiena parte de baixo da Bonne Cuisine.

Desta vez não foi difícil achá-lo, pois ele se encontrava atrás do balcão, arrumandoalgo. Quando me viu, Lavoie se interrompeu e mais uma vez, escondeu o que tinha nas

mãos.— Está escondendo algo — afirmei caminhando resoluta em sua direção, resolvendo

que não o deixaria me engambelar de novo.Minhas palavras surpreenderam a mim também, mas algo me dizia que eu estava no

rumo correto, pois Lavoie empalideceu como um fantasma, da mesma forma comosucedera com Beyla quando a confrontamos com os fatos. Apesar do choque, ele colocouas mãos agora vazias sobre o balcão e sorriu.

— O que está dizendo? — Sorriu sem vontade. Talvez ele estivesse sendo sincero,mas eu não ia me intimidar e seguiria adiante.

— Não finja que não compreende. Desde o primeiro dia de aula o senhor se comportade maneira estranha, como se escondesse algo.

— Não é verdade.— É verdade sim! — Exclamei, notando que as defesas do francês começavam a

desmoronar. Em um impulso, inclinei-me sobre o balcão o quanto pude, até conseguir vero que ele acabara de esconder: um vidro de sal temperado com ervas. Mas não uma dessasespeciarias vendidas em lojas de temperos exóticos, e sim um daqueles temperos comuns,que se pode adquirir em qualquer supermercado.

Desapontada com minha descoberta, ergui o corpo e tomei a fitá-lo. Lavoie parecia

estar à beira das lágrimas agora, como se eu houvesse descoberto um segredo terrível.Pensando que talvez tivesse algo sob o balcão que eu não havia visto, tornei a me inclinar edesta vez, peguei o vidro com o sal temperado.

Os outros objetos escondidos eram um funil e uma colher, que também peguei ecoloquei sobre o balcão.

Mais importante que tudo: havia diversos frascos vazios de Vavoom, o famosotempero criado por monsieur Lavoie, o elegante francês da sofisticada Bonne Cuisine, umtempero que custava os olhos da cara e era a coqueluche dos ricos e famosos queacompanham as modas culinárias.

De repente tudo se esclareceu em minha mente, fazendo- me ver que fora estupidezacreditar que Lavoie tinha algo a ver com a morte de Drago. Sim, ele estava envolvido em

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uma falcatrua, mas não era assassino: monsieur Lavoie era um mero falsificador culinário!— Você enche os frascos de Vavoom com esse tempero vagabundo, que se compra em

qualquer supermercado, e o revende por um preço astronômico?— Dizem que “a beleza está nos olhos de quem vê” — defendeu-se ele com uma voz

surpreendentemente calma para quem acabava de ser desmascarado. — Talvez o mesmo

seja válido para os sabores que sentimos, e as pessoas consideram delicioso algo que nãotem nada de especial, somente por acreditarem que é exótico.

— Não é tão simples assim — retruquei, pensando no tanto de dinheiro que haviagastado para comprar o tal Vavoom, o qual eu me habituara a colocar em tudo quecozinhava. — Trata-se de um golpe, e enganar as pessoas é crime.

— Você tem razão, não posso negar. Por isso tenho de espatifar os vidros antes de jogá-los fora: para não haver provas de que vendo um produto comum e barato como sefosse algo especial e caro — finalizou dando de ombros.

— Então isso é tudo? Não tem nada a ver com o assassinato de Drago?

Desta vez Lavoie não deu de ombros. Ao contrário, fitou- me com uma expressão deperplexidade.

— Acreditava que eu tinha algo a ver com aquele crime?— Estava se comportando de maneira suspeita.— Agora você sabe a razão — afirmou o homem, fazendo um gesto para indicar o

tempero comum sobre o balcão.— Mas discutiu com Drago, na noite em que ele morreu — insisti, e Lavoie meneou a

cabeça.— É verdade, mas isso se deveu a algo muito diferente, e continuo achando que agi

corretamente. Naquele dia, Drago Kravic veio aqui e exigiu que eu o deixasse subir, poisqueria falar com Beyla, aquela linda mulher. Ela tinha chegado cedo para a aula, e eu adeixei subir, como faço com os alunos do curso culinário. Kravic estava nervoso, e o brilhoem seus olhos era tão ameaçador, que decidi impedi-lo de falar com a moça. Quando meneguei a dar permissão para que fosse encontrar Beyla, ele ficou mais furioso. Com medoda atitude que ele poderia tomar, ameacei chamar a polícia se ele não fosse embora. Semalternativa, Drago partiu pisando duro e um instante depois vocês chegaram.

— Compreendo — repliquei admitindo que o que ele contava fazia sentido, eexplicava por que Drago saíra tão furioso da loja, a ponto de quase me derrubar. — E

quanto ao Vavoom?— Eu lhe darei Vavoom para o resto da vida se não revelar meu segredo — assegurou

Lavoie, já retirando um dos vidros do tempero da prateleira para oferecê-lo a mim.Não aceitei claro. Agora que sabia a verdade, o tempero perdera todo o encanto, e eu

não tinha mais vontade de colocá-lo em minha comida.Assim, um pouco desiludida, e com minha crença na dignidade humana, ou ao

menos na dignidade de monsieur Lavoie, seriamente abalada, retornei à aula.Não contei a Eve o que havia descoberto sobre Lavoie, até porque a segunda parte da

aula versava sobre suflês e necessitava de muita concentração. Quando afinal terminamos,

revelei que havia eliminado o francês dono da Bonne Cuisine, de minha lista de suspeitos.Assim sendo, Beyla era a única pessoa que ainda podia ser considerada culpada.

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— Ela está com muita pressa hoje — sussurrei para Eve, apontando nossa suspeitanúmero um que rapidamente, terminara de lavar o material usado durante a aula.

— Será que tem um encontro? — Perguntou Eve, pronunciando a última palavra demaneira maliciosa, para deixar claro o que pretendia dizer.

— Que tal a gente tentar descobrir? — Sugeri.

— Você parece outra pessoa — comentou Eve com um sorriso. — Creio que nossainvestigação esteja lhe fazendo bem!

Minha amiga tinha razão. Pelo visto, a Annie Capshaw que apreciava uma vidaestável e previsível, que valorizava um emprego tedioso, porém seguro, e que se sentiamiserável porque seu ex-marido a deixara por outra mulher começava a dar lugar a umanova Annie, a qual não se importava em correr riscos e, diga-se de passagem, não comeriamais Vavoom.

Sem poder evitar uma onda de deleite interior, fitei minha amiga e retribuí seusorriso.

— Quero seguir Beyla para descobrir aonde vai e quem encontra.Então, ao ver que a estrangeira de pele alva e cabelos negros já deixava o salão,

agarrei minha amiga pela mão.— Vamos!Ao contrário do que ocorre nos filmes, não é nada fácil seguir alguém, sendo

necessária uma detalhada logística para que nos mantenhamos atrás do alvo. Como Beylapartira apressada, não tínhamos tempo a perder.

Felizmente, eu havia me tomado uma atriz convincente, pois quando Jim nos paroupara perguntar aonde íamos com tanta pressa, respondi que precisava correr para casa

para aguardar um telefonema de meus pais, pois contávamos com um assunto urgente aresolver. Ele meneou a cabeça em silêncio, um misto de preocupação e desapontamento.

Infelizmente, não tive tempo de pensar nas implicações daquele gesto.Pouco depois, instruía Eve para seguir Beyla e ver onde ela estacionara o carro, ou

que direção tomava caso partisse antes de eu voltar. Enquanto isso, eu fui buscar meupróprio veículo estacionado em uma rua próxima. Quando voltei já dirigindo, Eve meesperava aflita.

— Beyla foi por ali. — Ela sentou ao meu lado, indicando que eu devia dobrar àdireita. — Apresse-se, senão vamos perdê-la.

Sentindo a adrenalina circulando nas veias, e vendo que Eve parecia tão excitadaquanto eu, tomei a direção indicada e pisei no acelerador.

Normalmente eu dirigia com civilidade, mas algo tomou conta de mim naquela noitee me fez acelerar fundo quando o farol à nossa frente trocou de verde para amarelo.

— Que carro ela tem? — Perguntei. — Qual a cor?— Verde — respondeu Eve, certificando-se de que tinha o cinto de segurança bem

preso, ao notar que eu não estava para brincadeiras quando sugerira seguir Beyla.— Que tipo de verde? Oliva, claro, escuro?— O mesmo tom daquele casaco que comprei há dois anos e nunca usei porque me

faz parecer gorda.Eu sabia precisamente a que casaco ela se referia: um tom verde-escuro, como o de

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um pinheiro de natal. Entretanto, a informação não ajudava muito, pois a iluminação darua modificava as cores dos carros.

— Anotou a chapa? — Perguntei, tentando ter mais dados.— Não. Mas era um carro esporte com pneus de tala larga.Felizmente, Beyla não poderia ter ido muito longe, pois o trânsito estava lento. Como

a avenida em que estávamos, era larga, consegui avançar cortando pela direita, algo que jamais faria em condições normais.

— É ela! — Exclamou Eve, sem perceber que eu também notara o veículo suspeito ànossa frente.

Saber que minha amiga via o mesmo que eu motivei-me a pisar no acelerador outravez. Um instante depois, o carro verde dobrou à direita e para fazer o mesmo, tive dereduzir a marcha. Ao virarmos, notei que o veículo que seguíamos reduzira a velocidade e,para não ser notada fiz o mesmo.

— É ela! — Repetiu Eve eufórica. — Tenho certeza, pois notei que o carro de Beyla

tinha uma faixa prateada acima do porta-malas — finalizou satisfeita.— Ótimo! Não podemos perdê-la de vista. Há um bloco de papel e uma caneta em

minha bolsa — comecei, fazendo um gesto para indicá-la no banco traseiro. — Com umpouco de sorte, chegaremos perto o suficiente para ler o número da placa.

Outra vez um farol à nossa frente mudou de verde para amarelo. Beyla seguiuadiante e destemida, fiz o mesmo.

— Será que está indo para a Arta?— A galeria de arte? — Indagou Eve em tom de ceticismo. — O que iria fazer lá? Se

tiver o CD, e não deseja que Yuri o encontre, certamente não iria trazê-lo de volta ao local

de onde o roubou. Além disso, há uma centena de lugares aonde se chega margeando o rioPotomac.

O que Eve dizia era correto, mas mesmo havendo uma centena de destinos naqueladireção, Beyla se dirigia a um deles em particular, e minha intuição dizia que eu tinharazão.

Quando ela tomou a saída após a famosa Ponte da Independência, eu soube queadivinhara corretamente: Beyla ia para a galeria Arta.

Talvez o sorriso que eu ostentava ao me virar para Eve fosse um pouco presunçoso,mas, de tanto agir como Sherlock Holmes, eu começava a me convencer de que tinha

potencial para detetive.Pouco depois, adentrávamos a rua da galeria. Beyla ainda tornou a virar à esquerda

antes de estacionar. Também estacionei, porém não saímos imediatamente do carro, paradar tempo de ver se ela apareceria.

Dito e feito: um instante depois, Beyla surgiu, caminhando de volta para frente dagaleria. Eve e eu saímos do carro e começamos a caminhar na mesma direção.

— O que faremos? — Perguntou minha amiga ao pararmos na esquina.Ótima pergunta, pensei. Após esticar o pescoço para espiar, não vi sinal da romena.— Melhor nos separarmos. Passarei em frente à galeria e você pode checar se há uma

porta nos fundos...— De jeito nenhum — Eve me interrompeu. — Não vai me abandonar em uma área

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que não conheço, ainda por cima à noite. Ficaremos juntas!Sabendo que não conseguiria convencer minha amiga do contrário, resolvi não

insistir.Após dobrarmos a esquina, em um instante atingíamos a frente da galeria.

Naturalmente o estabelecimento já estava fechado.

— Vamos espiar lá dentro.Felizmente, a rua não era bem iluminada, o que nos ajudaria a passarmos

despercebidas. Ao pararmos em frente à vitrine, virei-me como se me interessasseobservar os objetos expostos e Eve fez o mesmo.

Por sorte, um enorme quadro ocupava a maior parte do espaço e nos encobria.Mesmo assim, era possível espiar pelo lado. Ao esticar o pescoço, percebi que Beyla estavalá dentro e decidi que seria melhor nos agacharmos na calçada.

Sem titubear, puxei o braço de Eve e a fiz se abaixar ao meu lado.— Ela está lá dentro!

— Sim, eu vi apesar das poucas luzes acesas — disse Eve com razão, pois somente osobjetos e quadros mais importantes se encontravam iluminados. — Como será que elaentrou?

— Deve ter uma cópia da chave.Depois de fazer um sinal para Eve se manter escondida, ergui o corpo. Beyla estava

no meio da galeria e observava uma pequena escultura côncava de metal. Depois de fitar oobjeto um instante, e certificar-se de que não havia nada na cavidade interior, ela o ergueue passou a mão sobre a estante.

— Está procurando algo — sussurrei para Eve.

Quando minha amiga fez menção de se erguer, pressionei seu ombro para que semantivesse abaixada, pois bastaria Beyla se virar na direção da janela para nos notar.

Após passar um lenço na escultura, certamente apagando suas digitais, Beylacaminhou até um grande vaso exposto sobre uma coluna e o examinou atenta.

Eve tocou meu braço, dando a entender que queria saber o que eu avistava.— Ela ainda não encontrou o que está procurando — expliquei, notando que Beyla

agora dava uma volta para espiar atrás do balcão. — Algo me diz que Yuri está enganado.Se Beyla já tem o disco, o que estaria procurando? Ela está sendo cuidadosa, apagando asimpressões digitais dos lugares em que toca.

— Preciso ver isso — decidiu Eve, já se erguendo. Eu ainda a segurei, tentandomantê-la onde estava, mas não adiantou. — Onde ela está?!

Tomei a me erguer e comprovei que Eve tinha razão: Beyla desaparecera!Rapidamente, concluí que ela só poderia estar em alguma das salas dos fundos, incluindoo escritório, ou então teria partido por outra porta que não a de entrada. O que quer quefosse só havia uma maneira de descobrir.

— Venha — decidi, agarrando o braço de Eve.Ao tomarmos a pequenina rua lateral, paramos na esquina dos fundos da loja.— Ainda está lá dentro — constatei ao ver o carro verde estacionado no mesmo local.

— Vamos até os fundos da galeria para ver se conseguimos uma maneira de entrar —propus, apressando o passo.

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— Esta é a Annie Capshaw que eu gosto! — exclamou Eve, correndo para meacompanhar.

O estacionamento estava escuro, pois os postes de iluminação não funcionavam ouestavam desligados. Sem titubear, abri a bolsa e retirei a pequenina lanterna que sempretrazia comigo.

Havia uma porta e uma janela nos fundos. Refletindo sobre o que conhecia dointerior da galeria, concluí com razoável certeza, que era a janela do escritório.

— Beyla está no escritório — sussurrei.Ao contrário das janelas laterais, esta não possuía cortinas. Entretanto, como era mais

alta que as outras, nem mesmo Eve nas pontas dos pés, conseguia ver o que ocorria ládentro.

— Temos que ver o que ela está fazendo! Talvez estejamos perdendo algo importante.Antes de lembrar a mim mesma que mulheres sensatas não agem de forma

intempestiva, fui buscar dois caixotes colocados na calçada, à espera da coleta de lixo, e os

trouxe para debaixo da janela.— Não está pensando em... — Começou Eve, mas não completou o que dizia, pois eu

 já colocava um caixote em cima do outro e me preparava para subir. Com um suspiro deresignação, minha amiga me ajudou a subir. As caixas não eram grandes, mas tinhamaltura suficiente para meus olhos atingirem o parapeito.

Beyla estava lá dentro, como eu suspeitara. O que eu não sabia era que o escritórioseguia no mesmo estado caótico de quando eu o investigara, havia alguns dias. Entre ospapéis espalhados, a romena procurava algo com movimentos apressados.

— O que ela está fazendo? — Eve estava aflita para saber o que eu via.

Sem nada dizer, fiz um gesto para que ela esperasse. Beyla encaminhou-se para umcofre que, eu me recordava, ficava em uma das paredes. O problema era que ele ficava logoabaixo da janela pela qual eu observava, e isso retirou Beyla do meu campo de visão.Obrigada a me erguer mais para poder observá-la, terminei me colocando na ponta dospés. Surpreendentemente, Beyla não se ocupava com o cofre embutido, mas se abaixarapara erguer a ponta do carpete que revestia o chão. Após soltá-la, virou-se em minhadireção, e notei que ela ostentava um sorriso nos lábios. Ao se virar ainda mais, seu olharse encaminhou justamente para a janela onde eu estava.

Nesse momento, o instinto passou a guiar minhas ações. Em uma reação automática,

abaixei o corpo, algo não muito fácil quando se está praticamente pendurada como umsalame para secar. O movimento brusco fez os caixotes balançarem. Eu me agarrei aoparapeito ao perceber que ia perder o equilíbrio, mas isso não foi suficiente para me darestabilidade.

O que ocorreu a seguir se passou em questão de segundos. Primeiro, umaexclamação horrorizada de Eve, em seguida os caixotes sumindo sob meus pés, e entãomeus braços soltando do parapeito.

Sem ter mais onde me apoiar, despenquei pelo ar até bater a cabeça no chão decimento.

Ao recobrar os sentidos, pensei estar sonhando, pois, em vez de sentir a cabeça contrao chão duro, percebi minha face repousando sobre uma superfície quente e macia. Passada

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a agradável surpresa, a sensação seguinte não foi tão boa, pois minha cabeça pulsava e atêmpora esquerda doía.

Tentando ignorar o desconforto, concentrei-me na sensação de suavidade no rosto.Ainda estava desmaiada e por isso me sentia tão confortável? As duas outras possibilida-des seriam estar ficando louca ou ter morrido. Talvez eu já estivesse viajando rumo ao

paraíso.Sem querer pensar muito, encolhi as pernas e rocei a face contra aquele contato

suave.Ao fazer isso, notei a textura de um tecido. Estranhando, abri os olhos e ao fazê-lo,

tive de pensar outra vez se estava louca, pois vi Jim me fitando preocupado.— Anne, graças a Deus... Ainda bem que voltou a si. Estava começando a ficar

assustado. Você está bem? Pode se mover?Talvez eu não estivesse louca, mas sonhando.Sonho ou loucura, a verdade é que aquilo me agradava, e eu não queria que

terminasse. Sendo assim, o melhor era fechar os olhos e me entregar ã sensação deconforto.

— Nada disso — soou a voz de meu lindo instrutor. — Entendo mais de cozinha doque de cuidados médicos, mas sei que não é bom você dormir agora. — Senti que eletocava meu rosto. — Temos que sair daqui.

O comentário me fez recobrar o bom senso. Abri os olhos e girei a cabeça em buscade Eve, mas não a encontrei.

— Onde está Eve? — Perguntei erguendo o tronco. — Por que você está aqui? Nãoestava conosco quando eu subi nos caixotes.

 Jim passou o braço por meus ombros para me ajudar a sentar.— Podia ter se machucado. Uma queda assim pode ser fatal se bater o crânio. Onde

estava com a cabeça para se arriscar dessa maneira?— Seguimos Beyla — comecei a explicar, sentindo outra vez a dor na têmpora. — Ela

invadiu a galeria e foi ao escritório. Tive de subir nos caixotes para espiar lá dentro, pois a janela era alta. Beyla procurava algo e eu tinha de saber o que era — terminei, perguntandoa mim mesma se Jim conseguiria compreender a importância daquilo tudo.

— Arriscou a vida por causa dessa investigação tola?Comprimi os lábios. Gostaria de fazê-lo ver que nossa investigação não tinha nada de

tola, mas como minha cabeça voltou a latejar, achei melhor esperar um momento maisapropriado.

— Não arrisquei a vida e estou bem — disse apenas, tentando soar normal. Ao tentarme levantar, senti tontura, e apesar de Jim ajudar, tive de apoiar a mão contra a paredepara me equilibrar. — Estou ótima — menti quando afinal me pus em pé. — E agorasabemos muito mais do que sabíamos antes de vir.

Sem nada dizer, mas meneando a cabeça em um gesto de reprovação, Jim me ajudoua andar. Para uma mulher que dizia se sentir bem, meus passos eram menos firmes do queeu gostaria que fossem.

Notando que eu não caminhava com firmeza, ele me enlaçou pela cintura, ao mesmotempo em que tomava meu braço e o colocava sobre seu ombro.

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A despeito da dor e da leve vertigem, senti um calor gostoso se espalhar por meucorpo. Era bom ter Jim assim, tão junto de mim.

— Não podemos partir sem Eve — balbuciei virando para trás.— Ela já foi. Explicarei tudo quando estivermos longe daqui.Foi então que meu atraente instrutor escocês me virou, encostou-me contra a parede e

comprimiu seu corpo contra o meu. Sem compreender por que ele fazia aquilo, arregaleios olhos surpresa. Mas que mulher recusaria tal contato com um homem tão atraente?

— Quieta! — Ele pediu, enquanto ouvíamos o ruído de um veículo se aproximandorapidamente. O carro passou por nós, depois seguiu para a rua onde se localizava a entra-da da galeria. No instante seguinte, escutei o som de freios e o ruído do motor cessou.

— A janela na qual se pendurou devia estar ligada a um alarme, que foi acionadoquando você caiu — explicou Jim em voz baixa. — O carro é da polícia. Temos de sumir omais rápido possível.

A sugestão se perdeu quando nossos olhares se encontraram. Nossos rostos estavam

a centímetros um do outro, a ponto de eu poder sentir a respiração quente de Jim em meuslábios. Chocada, percebi que nossos corpos se encaixavam com perfeição e,inadvertidamente soltei um gemido.

Ele captou a mensagem e, no segundo seguinte cobriu minha boca com a sua, em um beijo que me roubou o chão dos meus pés.

Esquecida do perigo, eu enlacei o pescoço forte e o beijei com avidez, exultando aosentir que Jim corria as mãos por meu corpo livremente, liberando todo o desejo quemantínhamos encoberto por tantos dias.

— Anne... O que está fazendo comigo? — Foi à pergunta rouca que me chegou aos

ouvidos.Custei a abrir os olhos, totalmente embriagada pela paixão. Jim era tudo o que eu

sonhava e muito mais, concluí aturdida.Ousei sorrir de leve, os lábios úmidos e entreabertos pedindo para ser tomados

novamente.Nesse instante, um barulho de portas de aço, mesclado a gritos soou à distância e,

com um gemido de frustração, Jim se afastou e me puxou pela mão.— Precisamos sair daqui!Sem pensar duas vezes, deixei que ele me conduzisse. Em pouco tempo

atravessávamos a rua, e seguíamos na direção oposta de onde eu tinha vindo afastando-nos da galeria.

— Estaremos longe em breve — ele garantiu, fazendo- me sentir aliviada.Ao menos até ver o meio de transporte que iríamos utilizar: uma enorme motocicleta.— Oh, não! — Exclamei quando ele começou a soltar um dos dois capacetes presos à

garupa. — É perigoso andar nisto. Não há cinto de segurança nem...— Prefere ser presa? — Ele quis saber, enquanto montava no possante veículo.Claro que não, pensei, mas sem coragem de dizer em voz alta.Quando montei na garupa atrás dele, Jim não necessitou me pedir para que eu me

agarrasse à sua cintura. Ter o corpo forte moldado ao meu, foi o bastante para que todos osmeus receios se dissipassem. Com um suspiro de satisfação, recostei o rosto na jaqueta de

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couro macia, fechei os olhos e me permiti viver a emoção de ser resgatada pelo meupríncipe encantado, que afinal, não tinha vindo em um jaguar vermelho, como preconizaraEve, mas em uma Harley Davidson.

A realidade muitas vezes destrói os sonhos e nos faz colocar os pés no chão. Assim,quando estávamos na metade do caminho para minha casa, minhas manias falaram mais

alto e a velocidade, o perigo e a excitação deram lugar a pensamentos sobre louça sujadentro da pia, revistas espalhadas pelo chão da sala, ou pedaços de pizza sobre a mesinha,em frente à televisão. Afora tudo isto, ao chegar eu teria de me assegurar que o banheiro seencontrava arrumado, pois morreria de embaraço se Jim usasse o toalete e encontrassecalcinhas no bidê.

Tremendo, abri a porta do apartamento e corri para me certificar de que tudo estavaem ordem.

Naturalmente, meus receios não se confirmaram, pois uma pessoa organizada comoeu jamais sairia deixando a casa em estado lastimável.

Entretanto, isso não explicava por que os livros da estante pareciam fora de lugar, oupor que o jogo de jantar de porcelana chinesa, presente de meus pais quando me casei comPeter, encontrava-se com as peças misturadas.

Sem tempo para chegar a uma conclusão, inventei uma desculpa e corri para o banheiro. Como temia, havia uma calcinha dentro do bidê e outra pendurada para secar.

— Espero que você não esteja preocupada em arrumar a casa por minha causa — Jimfalou de repente e ao me virar, deparei-me com meu charmoso instrutor recostado ao um- bral. — Tem coisas mais importantes para pensar do que recolher roupa espalhada pelacasa...

Com um sorriso amarelo, joguei as calcinhas dentro da cesta de roupa suja e oconvidei a voltar para a sala. Quando perguntei se desejava beber algo, Jim recusoudizendo que eu devia descansar. Ainda com o mesmo sorriso sem graça nos lábios, pedique esperasse um minuto enquanto eu pegava algo no quarto, mas ele me segurou antesque eu pudesse conferir o estado do resto do apartamento.

— Já pedi para parar de correr para lá e para cá. Não se preocupe em arrumar nadapor minha causa.

No segundo seguinte, puxou-me para si e tornou a me beijar. Ter a língua quente meexplorando a boca e aquele peito largo roçando meus seios despertaram em mim sensa-

ções das quais eu já nem sequer me lembrava. Com um gemido, colei o corpo ao dele,exultando ao perceber o quanto estava excitado.

Quem diria... Eu, Anne Capshaw, trintona, divorciada, e um desastre na cozinha,tirando do sério o instrutor de culinária mais sexy do estado da Virgínia!

— Precisa descansar — Jim murmurou, com um sorriso, controlando-se comdificuldade.

Ergui os olhos para os dele e, por pouco não gemi de frustração.Contrariando todas as minhas expectativas, ele me empurrou até o sofá e me fez

sentar.

— Por que não se deita aqui? Quer que eu vá buscar um travesseiro? Ou aspirinas eum copo com água?

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— Sim... — Eu me vi respondendo, ainda que meio desapontada. Seria ótimo deitarno sofá com um travesseiro sob a cabeça. E uma aspirina também me faria bem. Mas nadase compararia a tê-lo comigo ali no sofá, o corpo pesando sobre o meu, a camisa claraaberta até a metade do peito...

— Copo e água você acha na cozinha. — A razão me levou a interromper meus

pensamentos. — Há aspirinas no armarinho do banheiro e o travesseiro...— Deve estar no quarto — Jim abriu novo sorriso, antes de sumir em direção ao

interior do apartamento.Ainda que estivesse preocupada com o estado do aposento, resolvi relaxar. Pouco

depois, ele retomava com um travesseiro e uma manta de flanela em uma das mãos, e umcopo de água na outra.

— Pronto — falou, após colocar o copo sobre a mesa e ajeitar o travesseiro sob minhacabeça antes de retirar uma aspirina do bolso da camisa. — Está melhor assim?

— Muito melhor — respondi com um sorriso.

— Parece estar bem, e não creio que será necessário levá-la ao pronto-socorro. Estaránova em folha depois de uma boa noite de sono.

Eu tinha certeza de que ser cuidada daquela maneira, não necessitaria nem de umanoite bem dormida para me sentir melhor.

— O que estava fazendo na Arta? — Perguntou Jim subitamente, quase me fazendoengasgar com a aspirina. Após me passar o copo, e cobrir minhas pernas com a manta, eleaproximou a poltrona do sofá e agora estava sentado, com os cotovelos apoiados sobre aspernas longas e musculosas. — Prometeu que ia parar a investigação. Jim tinha razão, eu havia prometido. Mas quebrara a promessa sem nem mesmo

começar a cumpri-la.Não ter cumprido a promessa, não era o problema. O que me fazia sentir mal era

saber que eu o desapontara. Sendo impossível negar minha culpa, resolvi que depois detudo o que ele fizera por mim, eu devia no mínimo oferecer uma explicação.

— Eve e eu seguimos Beyla após a aula. Ela saiu apressada e foi direto para a Arta, agaleria da qual Drago era dono. Estava procurando algo, e creio que tenha encontrado,apesar de eu não ter visto o que era. De acordo com Yuri, trata-se de um disco decomputador — expliquei, mas ao notar a expressão interrogativa de Jim ao ouvir aquelenome, percebi que teria de dizer de quem se tratava. — Yuri era sócio de Drago na galeria.

Ele também está seguindo Beyla, pois acredita que ela tenha desviado dinheiro da Arta.— Como sabe tudo isto?Passei então a relatar tudo o que acontecera.—... E foi então que me desequilibrei e quase caí por cima de Eve. Aliás, onde é que

ela está? — Perguntei, aproveitando a pausa para finalmente tomar fôlego.— Não se preocupe, Eve está bem. Eu a convenci a partir quando cheguei,

assegurando que cuidaria de você.— Mas...— Já falei para não se preocupar — disse Jim levantando-se. — Acha que é verdade o

que dizem sobre dar água com açúcar para quem está em estado de choque? Vou buscarpara você.

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— Não estou em estado de choque — protestei tentando erguer o tronco. E teriaconseguido, caso Jim não me fizesse deitar a cabeça sobre o travesseiro novamente.

— Vou buscar algo para você comer — resolveu. — Também estou morrendo defome, pois salvar uma donzela deixa qualquer um faminto!

Salvar uma donzela?

Ainda que ele estivesse brincando, havia algo de carinhoso em seu tom. E a palavra“salvar” ficou em minha cabeça todo o tempo em que permaneci na sala, esperando eleretomar.

Alguns minutos depois, ele recomeçou a falar ainda da cozinha.— Por que comprou tantos frascos de Vavoom?Imediatamente recordei a fileira de garrafinhas de Vavoom no armário e, ao me

lembrar de monsieur Lavoie lidando com o funil, senti-me uma idiota.— Gosto de Vavoom — tentei me justificar. — E como estava em liquidação, resolvi

fazer um estoque. — Sabia que não soava convincente.

— Lavoie ganha uma fortuna vendendo o Vavoom — Jim continuou a vozsobressaindo entre os ruídos de pratos, panelas e da porta da geladeira abrindo efechando. — O tempero é uma mina de ouro. Contribui para a fama da Bonne Cuisine e,obviamente, não reclamo por ter meu nome associado a uma loja famosa. De qualquermaneira, Lavoie paga meu salário pontualmente, e não posso exigir mais do que isso.

— Mas gostaria de abrir seu próprio restaurante.— Sim — confirmou Jim. — E não usarei temperos pré-fabricados como o Vavoom.

Como disse, vou trabalhar com ingredientes orgânicos e frescos, tudo feito na hora — com-pletou antes de aparecer com um prato em cada mão.

Ao me sentar, observei o que ele havia preparado: presunto defumado em fatiaspequenas, torradas acompanhadas de queijo derretido, ovos mexidos e morangos frescoscortados em pedacinhos.

— Onde achou tudo isto? — Perguntei surpresa, sem imaginar que minha cozinhativesse os ingredientes para preparar algo tão apetitoso.

— Não sabe o que há em sua geladeira? — Jim perguntou sorrindo ao depositar ospratos sobre a mesinha em frente ao sofá. — A maior parte das pessoas não imagina o queé possível preparar com o que se tem em casa.

Com água na boca, ajeitei-me no sofá e aceitei o garfo, a faca e o guardanapo que Jim

me passava. Após experimentar os ovos mexidos, eu o fitei com um sorriso.— Agora me conte o que aconteceu. O que estava fazendo na galeria Arta, e para

onde foi Eve?— Eve continuou seguindo Beyla.— Ainda bem. — Suspirei aliviada. — Beyla realmente encontrou algo no escritório?— Parece que sim. Ela sumiu quando o alarme disparou, e eu cheguei justamente

quando você desabava dos caixotes. Eve ficou preocupada com seu estado, mas assegureique tomaria conta de você e a convenci a seguir Beyla.

— Obrigada — murmurei satisfeita ao ver que Jim se dispusera a garantir meu bem-

estar. — E para onde ela foi?— Não sei. Pegou seu carro e partiu atrás de Beyla.

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Sei que vai ficar preocupada, pois apesar de ser uma doçura de garota, Eve não ésensata como você... Mas eu pedi que ela nos ligasse assim que chegassem a algum lugar.

— Então ainda não devem ter chegado. Ela não ligou!Nesse exato momento o telefone de Jim tocou. Quando ele atendeu, percebi que era

Eve quem chamava. Pouco depois Jim desligou e tornou a me fitar.

— Era Eve. Está em casa e diz que trará seu carro amanhã para a aula.— Ela só disse isso?— Disse também que sabe onde Beyla foi e que lhe contará amanhã. Prefere não dizer

hoje por temer que você queira ir averiguar.Para ser honesta, eu não sabia se Eve teria mesmo dito aquilo, ou se era Jim quem

inventava a história para me poupar. De qualquer maneira, a comida que ele prepararaestava excelente, e tudo que eu desejava no momento era encher o estômago e descansar.

Quando terminamos, Jim recolheu os pratos e os levou para a cozinha.— Ainda não contou tudo — lembrei em voz alta, ao me deitar no sofá outra vez.

Precisava admitir: era fantástico ter alguém que cuidasse de mim, e que me dispensasseuma atenção que eu não tivera durante tantos anos de casamento. — Não me disse por queestava na galeria. Jim demorou um instante para responder, mas por fim reapareceu, enxugando as

mãos em uma toalha.— Ouvi vocês comentarem algo a respeito de seguir Beyla após a aula e fiquei

preocupado.— Então nos seguiu?Ele concordou em silêncio.

— Não compreendo. Por que fez isso? Você mesmo falou que devíamos deixar estainvestigação a cargo da polícia, e também que não se importava.

— Nunca disse que não me importava.— Talvez não tenha usado essas palavras, mas deu a entender que...— Escute Anne, há algo que quero lhe contar a meu respeito — ele falou de repente,

sentando-se no sofá próximo a meus pés. — Talvez pense que sou antiquado ao agir dessaforma, mas a verdade é que me preocupo com as pessoas de quem gosto, e quero tercerteza de que nada de mal vai lhe acontecer. Faço questão de cuidar de uma mulher que éespecial para mim. Por isso, vou dormir aqui esta noite.

Eu não estava preparada para ouvir algo que soava como uma declaração de amor.— Mas... Eu... Jim soltou uma sonora gargalhada.— Fique tranquila — disse divertido. — Confesso que preferia não ter de passar

nossa primeira noite em seu apartamento depois de você ter sofrido um acidente, mas ascoisas são como são Anne, e estou feliz da mesma maneira. Você vai dormir no sofá e eu napoltrona, assim posso acordá-la de vez em quando e garantir que fique bem.

Aturdida, e sem saber se era aquilo o que eu queria, resolvi aceitar a sugestão e torneia me recostar contra os travesseiros. De qualquer maneira, Jim me parecia sincero e, o que

quer que fosse que ainda pudesse ocorrer entre nós, não teria de ocorrer necessariamentenaquela noite.

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Surpresa com o rumo dos meus pensamentos... Peguei a manta e me cobri. Jim selevantou e foi apagar a luz da cozinha. Ao voltar, acendeu um abajur em um dos cantos dasala e então apagou a luz do teto. Antes de se ajeitar na poltrona ao meu lado, veio atémim e me beijou na boca.

— Durma bem — disse com aquele sorriso lindo, que fazia meu coração sorrir

também.— Você também — repliquei ainda meio atordoada, mas pronta para embarcar em

um sono profundo, com Jim a poucos metros de distância.

— Alba Stru — dizia Drago com a face contorcida de dor, e eu o fitava, segurando suamão gelada.

— Alba Stru — repeti, sentando-me em um salto.— O que disse? — Perguntou Jim, espiando pelo umbral da porta da cozinha. Tinha

os cabelos ainda despenteados, e uma franja rebelde caía-lhe sobre a testa, tornando-o

ainda mais sexy. — Parece que falava em outra língua?— É o nome de uma pessoa. Algo que Drago falou antes de morrer — expliquei,

percebendo que fora um pesadelo o que me acordara de repente... Mas que, o que eu viviaagora era um sonho.

O aroma de pão tostado, entretanto, me desmentia. Não era um sonho. Jim havia me beijado, acariciado; e estava ali na minha casa. E passara a noite ao meu lado, cuidando demim.

Sorri para mim mesma, sentindo-me a mais feliz das mulheres.Ao testemunhar minha estranha reação, ele sorriu também, meneou a cabeça e voltou

para a cozinha.Suspirei profundamente. Ainda que eu adorasse tomar o café da manhã na cama, ou,

neste caso no sofá, era hora de voltar à realidade, pois dentro em pouco deveria estar no banco para trabalhar.

Ao retornar pouco depois, Jim trazia uma bandeja com um desjejum apetitoso: sucode laranja, queijo tostado, torradas com geleia, iogurte com frutas e duas xícaras de cafécom leite.

— Quem é essa Alba Stru? — Perguntou ao colocar os pratos sobre a mesinha.— Não sei — admiti, retirando a manta e esticando as pernas para me sentar. — Soa

como um nome estrangeiro — Jim me passou os talheres.Faminta, resolvi começar com as torradas, mas quando ia dar a primeira mordida,

algo me ocorreu e me fez parar com a iguaria a centímetros da boca.— O que foi? Por acaso está de dieta? — Perguntou Jim, franzindo as sobrancelhas.— Não é isso... — Respondi, sabendo que teria mais chance de ele acreditar no que eu

dizia se eu não houvesse jogado a torrada sobre o prato subitamente, saltado do sofá esaído correndo.

Quando Jim tornou a me encontrar, eu estava sentada em frente ao computador, nomeu quarto.

— Procurando uma receita de geleia menos doce? — Ele perguntou ao se aproximar.— Claro que não. — respondi sorrindo, enquanto conectava a internet. — Procuro

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um site sobre o idioma romeno.— Para conversar com Beyla na língua dela? — Jim brincou, inclinando-se para ver o

que aparecia na tela.— Veja! — Exclamei apontando para a tradução da palavra que eu acabara de digitar.

— “Albatruz” significa “azul” em romeno! Como fui tola em pensar que se tratava do

nome de uma pessoa!— Azul? — Repetiu Jim confuso, pois naturalmente não sabia o que Rainbow havia

afirmado: de que as pessoas envenenadas com quinino enxergavam tudo azul.— Drago queria dizer que via tudo azul, mas falava em romeno — expliquei,

contando o que a jovem senhora hippie nos revelara. — Fiz papel de idiota ao dizer para odetetive Tyler que devia procurar uma mulher chamada “Alba Stru”. Maldição! Não meimporto por mim, mas a razão de iniciarmos esta investigação era provar que Eve não eraestúpida. Será que Tyler já descobriu do que se trata?

— Não sei. Esse Tyler é um detetive competente?

— Ao menos pensa ser — afirmei com ironia, antes de desligar o computador,decidida.

Infelizmente, Eve chegou atrasada para a aula daquela noite, a qual versava sobre“frutos do mar”, algo que ela adorava. Como não havíamos nos falado durante o dia, ecomo agora estávamos ocupadas em seguir as instruções de Jim, não houve chance paraque ela me contasse aonde Beyla tinha ido depois da galeria. E eu estava ardendo decuriosidade.

No final da aula como sempre, os pratos preparados por Beyla eram os de melhor

aspecto, e ninguém poupou elogios ao prová-los.Quando terminamos de arrumar tudo para partir, eu não via a hora de ouvir o que

Eve tinha a contar... Assim como não via a hora de revelar a ela o que se passara na noiteanterior entre mim e nosso delicioso instrutor. Jim comentou que viria conosco, mas infelizmente, monsieur Lavoie o reteve. Pela

lista de coisas que afirmou terem de resolver, percebi que Jim ainda ficaria ali por muitotempo. Ele nos fitou com pesar quando nos despedimos, mas não havia nada que pudessefazer.

— Onde estacionou? — Perguntei a Eve assim que saímos. Eu trouxera as chaves

extras, pois ela ficara com meu carro na noite passada e um colega de trabalho me derauma carona até a Bonne Cuisine.

— Não vamos pegar o carro ainda — ela afirmou. — Caminharemos até o local ondeBeyla foi ontem — explicou em tom enigmático.

— Beyla voltou para perto da escola depois de sair da galeria? Que estranho!— Vai achar mais estranho ao ver aonde vamos.Para manter o suspense, Eve me conduziu calada por dois quarteirões, recusando-se

a revelar aonde íamos. Ao atingirmos o terceiro quarteirão, começamos a adentrar umaárea estritamente residencial. Como já expliquei antes, essa zona próxima à Bonne Cuisine,

era onde moravam os ricos e famosos de Arlington e Washington.As mansões de mais de um milhão de dólares começaram a surgir diante de nossos

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olhos, algumas totalmente escondidas atrás de jardins com árvores imensas. Quanto maiscaminhávamos, mais o bairro se tomava silencioso e distante do pequeno centro comercialque servia às casas de luxo da milionária vizinhança. Entretanto, aqui e ali havia restau-rantes pequeninos, ou casas de chá para servir à elite local.

Pouco depois, nós nos aproximávamos de um simpático chalé de madeira: o “Salão

de Chá da Dona Magda, a Boa Feiticeira”, como dizia a pequenina e charmosa placa sobrea porta. Mais abaixo se lia: “Tiramos a sorte e desvendamos segredos. Conheça seu destinoe seu futuro”.

— Beyla veio aqui? — Perguntei surpresa, quando paramos do lado de fora.— Estacionou do outro lado da rua — confirmou Eve. — Parei o carro mais adiante e,

antes de descer, eu a vi entrar neste salão de chá. Beyla passou por mim, mas não menotou. Naturalmente continuei a segui-la até seu destino final: um prédio de apartamentosem Ballston. Como eu tinha a lista de endereços de nossos colegas de curso, fornecida por Jim no primeiro dia, confirmei o que pensava: era o endereço dela.

— Compreendo — disse eu, perguntando a mim mesma se Beyla conheceria a tal“Dona Magda”, que lia a sorte dos clientes do salão de chá. — Conseguiu notar se elacarregava alguma coisa, talvez o que tenha encontrado na galeria?

— Não a vi carregando nada. Mas se era algo pequeno, poderia estar na bolsa.— Como um disco de computador por exemplo.— Só há uma maneira de sabermos — afirmou Eve, fazendo um gesto em direção à

porta do salão de chá. — A placa diz: “desvendamos segredos”. O que temos a perder?Sem ter como contra argumentar, permiti que Eve me conduzisse para dentro do

exótico chalé. O lugar não era grande e parecia bastante exclusivo, como seria de se esperar

de um estabelecimento naquela vizinhança. Havia poucas mesas espalhadas peloambiente, e uma vela colorida acesa sobre cada uma delas. Em um dos cantos, avistei umamesinha mais alta, com um castiçal de sete velas brancas e uma bola de cristal maior que ade Rainbow, sem dúvida o local onde a mulher tirava a sorte dos clientes.

A mesa estava vazia e, apesar de as velas estarem acesas, não havia sinal da tal DonaMagda.

Dirigimo-nos para a mesa com a bola de cristal, e foi então que notei que havia ali umpequeno sino de prata. Fiz soar o sininho, que produziu um som cristalino.

Dona Magda não apareceu.

— Talvez seja necessário marcar hora — sussurrou Eve.— Mas havia um sinal de “Estamos Abertos” na porta... Dona Magda deve estar se

comunicando com espíritos em algum outro local.— Não brinque com essas coisas — retrucou Eve em tom compenetrado. — Há gente

que tem dons que não conseguimos compreender.— Claro. O dom de extorquir dinheiro daqueles que acreditam que uma bola de

cristal possa revelar o futuro ou desvendar segredos — afirmei com ironia, já cansada deesperar.

Nesse momento, uma porta que até então eu não percebera, pareceu abrir com uma

lufada de vento. Sem pensar duas vezes, caminhei decidida em direção ao que parecia seruma saleta.

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Como eu suspeitava, tratava-se de um recinto pequeno e a luz estava apagada. Uma janela deixava passar a claridade vinda de fora, tomando possível perceber um volumesobre o chão, que me causou um péssimo pressentimento.

Intrigada, procurei o interruptor de luz e, quando o encontrei, meus piores temoresse confirmaram: Dona Magda estava de fato, comungando com os espíritos. Só que não

tornaria a ler a sorte de nenhum outro freguês, pois tinha os olhos esbugalhados e a bocaaberta em um silencioso grito de horror. Havia sido estrangulada com a própria echarpede seda.

— Interessante encontrá-las aqui.O tom do investigador Tyler Cooper mostrava que nossa presença no “Salão de Chá

da Dona Magda” o deixava curioso, para dizer o mínimo. Quando veio ter conosco, ondeEve e eu aguardávamos, colocou as mãos na cintura, abrindo a jaqueta o suficiente pararevelar o revólver que trazia no coldre: provavelmente um hábito aprendido ao longo de

anos lidando com criminosos.— Vão explicar o que fazem aqui? — Insistiu, dirigindo ostensivamente a questão

para mim.— Simplesmente entramos e a encontramos — expliquei. — Ponto final.— É mesmo? — Replicou Tyler, sentando-se com uma das pernas sobre a mesa com a

 bola de cristal, onde a falecida Dona Magda dava consultas.Apesar de não conhecê-la, e de não me sentir pessoalmente afetada pelo falecimento,

não pude evitar pensar que Tyler devia mostrar mais respeito, afinal ela ainda jazia mortana sala ao lado.

— Pela segunda vez em uma semana, vocês chamam a polícia para comunicar amorte de alguém. Não acham que é coincidência demais? E querem me fazer acreditar queentraram aqui por acaso e encontraram um cadáver?

— Foi o que aconteceu — respondi erguendo o queixo e notando que Eve se continhapara não dizer umas boas para o ex-noivo. — Não creio que pense que teríamos feito algopara prejudicar Dona Magda. Nem sequer a conhecíamos.

Tyler se virou para a porta entreaberta da saleta, onde o cadáver seguia no chão,enquanto a equipe técnica recolhia pistas da cena do crime.

— O nome verdadeiro dela era Tammy Jo Boykin. Aposto que não sabiam disso,

assim como provavelmente não sabem que ela tem passagem pela polícia, tendo sidodetida duas vezes aqui na região de Washington, e outras tantas em Atlanta, de onde vem.Acusada de fraude em todos os casos.

— Que azar o nosso em vir tirar a sorte justamente nesta noite — disse eu, com olharinocente.

— Grande azar — replicou Tyler como se concordasse, sem esconder o sarcasmo. —O que foi que viram? — Perguntou tirando uma caneta e um pequeno bloco de anotaçõesdo bolso da jaqueta.

Mentir seria inútil, e contar tudo de uma vez ajudaria Eve e eu a sermos liberadas o

mais rápido possível, para termos chance de raciocinar sobre a morte de Magda e a relaçãoque tinha com o resto do que sabíamos.

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— Não vimos nada — respondi sabendo que dizia a verdade. — Como ninguém veioatender ao tocarmos o sininho, entramos pela porta aberta da saleta. A luz estava apagadae quando a acendi, deparamos com o corpo no chão.

— Ela já estava morta?— Sim.

— Morreu ao menos há vinte e quatro horas — explicou um dos policiais da perícia,que acabara de sair da saleta e ouvira nossas últimas palavras. — Pelo que podemos dizeragora, ela faleceu ontem entre nove, e nove e meia da noite. Saberemos mais depois daautópsia.

— Com certeza vocês têm um álibi para esse horário? — Quis saber Tyler, desviandoo olhar do agente e tornando a nos fitar.

— Se estar na companhia do meu instrutor culinário for válido... — Afirmei deixandoas reticências no ar propositalmente, sabendo que Jim atestaria a verdade do que eu diziacaso o interrogassem.

Irritado Tyler fechou o bloco de anotações e tornou a guardá-lo no bolso, junto com acaneta.

— Vocês não estão envolvidas em nenhuma estupidez, não é? Não estão brincando dedetetive, eu espero. — Virou-se para fitar Eve pela primeira vez desde que iniciara aconversa.

Talvez por pensar, que não conseguiria obter uma resposta direta de minha parte.Entretanto, tomei a iniciativa de falar antes de minha amiga.— O que o faz pensar que estamos investigando algo?— Parece estranho descobrirem dois cadáveres em tão pouco tempo. Acreditam que o

que se passou aqui tenha relação com a morte de Drago Kravic?Sorri satisfeita. Nossa opinião realmente o interessava? Eu tinha motivos para me

sentir lisonjeada?Por um instante, não soube dizer se Tyler reconhecia meu talento para detetive

amador ou se aquela era uma maneira de ele deixar claro que eu devia manter o narizafastado de assuntos que não me diziam respeito.

Antes que eu chegasse a uma conclusão, Eve se ergueu da cadeira onde até entãosentava e tomou a palavra.

— Acreditamos que há relação entre as duas coisas, sim. E você pensaria da mesma

forma, caso não levasse tanto tempo para perceber o que está diante de seus olhos —acusou-o sem rodeios. — Quem afinal, é mais inteligente entre nós dois?

— E quem se importa com isso? — Ele respondeu com outra pergunta, depois seergueu da mesa e colocou as mãos na cintura, virando-se para enfrentá-la naquilo queparecia ser o início de uma batalha.

O movimento brusco de Tyler fez a bola de cristal da falecida Magda, rolar dosuporte, mas nenhum dos dois percebeu. Felizmente consegui ser rápida suficiente paraagarrá-la, antes que se espatifasse no chão.

Para minha surpresa, no momento seguinte, descobri que a bola de cristal escondia

algo sob si: um disco de computador. Por causa da curvatura da bola, e do reflexo da luz,ninguém notara que ela se encontrara apoiada sobre o CD lodo o tempo.

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Um turbilhão de pensamentos assaltou minha mente, pois aquele era certamente odisco ao qual Yuri se referira. Tinha de ser! Beyla decerto, o encontrara na galeria, e otrouxera para ali.

Mas, por quê? E por que mataria “Dona Magda” e, ao mesmo tempo, deixaria o discopara trás?

Eu adoraria refletir pausadamente sobre tais questões, porém o enfrentamento entreEve e Tyler, agora já não mais contido, roubou minha concentração.

— Pensa mesmo que sabe tudo?— Pelo menos tenho cérebro, ao contrário de certas mulheres... — Devolveu Tyler.— E uma pena que tenha cérebro, mas não saiba como usá-lo. Se soubesse já teria

comprovado que os dois assassinatos estão relacionados! Beyla esteve aqui ontem à noite,oficial... Sei disso porque a segui desde a galeria de Drago. E quer saber por quê? — Riuamarga. — É surpreendente que um detetive que chamam de “reputado” não tenha con-seguido descobrir o envolvimento de Beyla neste mistério...

— Sei muito bem que Beyla está envolvida. É você quem não tem ideia do que há deimportante, a saber. Sua imaginação está indo longe demais Eve Decateur! Provavelmentetem lido muitos romances policiais... Se é que sabe ler! Que importância tem o fato deBeyla ter ido à galeria de Drago Kravic? Ela era a contadora do estabelecimento, e cuidavada administração contábil. Ou você não sabia disso? E por que Beyla teria ido à galeria nanoite passada? O que necessitava procurar lá?

— O que necessitava procurar? Que tal um...Antes que Eve arruinasse nossa investigação, proferindo duas pequeninas palavras,

soltei a bola de cristal que ainda segurava nas mãos. A bola se espatifou, fazendo Eve e

Tyler calarem de repente e dois dos técnicos da perícia saírem correndo da saleta ondefaziam o levantamento de indícios.

Sem parar para pensar se agia certo ou errado, aproveitei o momento em que todosfitavam os cacos de cristal espalhados pelo chão para recolher rapidamente o disco dosuporte sobre a mesa, e o enfiei em minha bolsa.

— Conseguiu pegar o disco debaixo do nariz de Tyler sem ele notar? — Indagou Eve,sem esconder o prazer que aquilo lhe proporcionava.

Apesar da satisfação de Eve, eu não tinha certeza de que meu ato de enganar a

polícia tivesse algo de heroico. Ao dirigir de volta para casa, comecei a sentir as mãossuando frio na direção.

— Quando Tyler descobrir vai reconhecer que é um idiota — continuou Eve.— Espero que não descubra — retruquei, ligando o pisca-pisca para dobrar à

esquerda, e virando para fitá-la enquanto esperava passagem para fazer a manobra. — Nãopode contar a ele, pois se fizer, corro o risco de ser processada ou detida. Esconderevidência é crime.

— Tem razão — ela concordou, parecendo cair em si ao avaliar as implicações domeu ato. — Não se preocupe, jamais contarei para Tyler ou para qualquer outra pessoa. De

qualquer maneira, quando entregar o CD para Yuri, não vai mais fazer diferença, pois nãoterá o disco e Tyler nunca poderá provar como Yuri o obteve. Estará isenta de toda e

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qualquer culpa.Devo dizer que apreciei ouvir aquilo, afinal uma vida criminosa não era o que tinha

em mente para mim quando resolvi mudar minha maneira de ser. Entretanto, a conclusãode Eve não fora suficiente para fazer meu nervosismo passar e quando chegamos em casa,eu ainda me sentia ansiosa e culpada.

— Estou exausta — Eve anunciou, acompanhando-me à cozinha, e sentando-se àmesa comigo, enquanto me observava retirar um saco de batatas chips do armário. — Dequalquer maneira, estou satisfeita que tenha ludibriado Tyler.

— Tenho certeza de que solucionaremos o assassinato de Drago — afirmei.Entretanto, ao me lembrar do disco que trazia na bolsa, uma onda de culpa e preocupaçãotornou a me assaltar, amargando o gosto das batatinhas. — Caso não me coloquem naprisão antes.

— Isto jamais acontecerá — Eve garantiu. — Lembra-se do que eu disse? Ninguémsaberá de onde veio o disco. E se Yuri contar que foi você quem o passou para ele, nós

negaremos. Não se sinta culpada Annie. Afinal o que estamos fazendo vai ajudar a polícia,pois até agora não me convenceram de que serão capazes de solucionar o mistério doassassinato de Drago.

— Mas Tyler afirmou que já sabia do papel de Beyla nesta história.— Foi o que ele disse, mas provavelmente, não conseguiu provas para incriminá-la,

caso contrário já a teria detido.Com uma expressão reflexiva no rosto, Eve limpou as mãos e se levantou para buscar

duas garrafas de água na geladeira.— Tyler não pode provar nada, pois não tem o disco — continuou. — Mas nós o

temos, o que nos torna mais espertas do que ele. Que tal entregarmos o disco para Yuri deuma vez e apressar as coisas? O que me diz Annie? Vamos telefonar para Yuri — decidiuapanhando o celular. — Qual o número dele?

— É melhor conferirmos o conteúdo do disco antes de entregá-lo a Yuri — sugeri,apesar de atender ao pedido de minha amiga e apanhar o papel com o número de telefonedentro da bolsa. — Creio que seria bom fazermos uma cópia do disco para o caso de algoacontecer com o original. Beyla pode tentar roubá-lo outra vez.

— Ou matar Yuri para reavê-lo! — Concluiu Eve arregalando os olhos.Algo assim não me ocorrera, mas Eve tinha razão. Imediatamente, deixei as

 batatinhas de lado e sem tomar a água, peguei a bolsa com o CD e fui para o quartoprocurar um disco virgem para fazer a cópia. Um instante depois, Eve se juntava a mimdefronte ao computador.

— Vamos ver o que há aqui — falei já enfiando o CD no drive. Quando o disco abriue pudemos observar seu conteúdo na tela, ficamos desapontadas.

— Está escrito em língua estrangeira — Eve comentou com pesar.— Yuri provavelmente poderá traduzir — lembrei, tendo quase certeza de que o texto

das páginas digitais estava escrito no idioma romeno. — Yuri não me disse que vinha daRomênia, mas aposto que sim, pois contou que conheceu Drago e Beyla naquele país.

Creio que saberá traduzir este texto.— Uma razão a mais para lhe contar que temos o disco. Vamos ligar para ele —

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decidiu Eve, esticando o braço para pegar o telefone.— Espere um pouco — pedi, entretida em percorrer mais páginas do texto digital. —

Precisamos fazer uma cópia antes, lembra-se? — Propus sem deixar de prosseguir,averiguando seu conteúdo. — Estranho... Yuri afirma que Beyla roubou dinheiro dagaleria, e que este disco contém provas disso. Seria de esperar que houvesse números,

muitos números, como em um livro-caixa. Mas há somente texto escrito, nada mais quepalavras.

— Talvez Beyla esteja explicando como fez para desviar o dinheiro.— Não creio que seria tão estúpida — afirmei, movendo o cursor pela barra lateral

para poder descer pelas páginas do longo texto.— Não vai aprender romeno olhando este texto incompreensível — contestou Eve

impaciente, ainda com o telefone na mão. — Quando o passarmos para Yuri, saberemos oque contém — resolveu, colocando o papel com o número telefônico sobre a mesa ecomeçando a discar.

Absorvida pelo que via na tela, eu não a impedi desta vez. No meio do texto escritoem romeno, entretanto, comecei a identificar certos elementos que não eram palavras, masuma combinação de letras e números. Mesmo sem checar se Eve me dava atenção, ergui odedo para apontar o que via.

— É uma lista — reconheci, tornando a pegar no mouse para continuar descendo otexto.

Nesse exato momento, um clique ocorreu em minha cabeça e compreendi o que via àminha frente.

— Yuri? E Eve quem está falando. Eve Decateur. Pena você não estar, mas necessito

falar com você urgentemente.Entretida pelo que via na tela, ouvia a voz de Eve como se estivesse a quilômetros de

distância.— Nós nos encontramos em sua galeria — continuou ela.— Você conhece minha amiga, Annie Capshaw. Como sabe, estamos investigando um

assunto que lhe interessa, e temos algo que envolve fatos ocorridos em sua galeria.— Desligue o telefone — pedi, mas Eve ergueu a mão em protesto, pedindo para eu

me calar.— Yuri eu estou ligando para dizer que...

— Desligue o telefone — repeti, mas ela não me deu atenção.— Quero que saiba que encontramos o que você procura. O...Eu não sabia que era capaz de me mover com tamanha rapidez, mas o fato é que em

menos de um segundo, retirei o telefone das mãos de Eve e o recoloquei no gancho.— Annie! O que deu em você? Nem completei a mensagem! — Eve protestou,

indignada.— Ótimo.— Ótimo? Não compreendo.— Não necessitamos mais da ajuda dele — afirmei, tomando o braço de Eve e

fazendo-a fitar a tela do computador. — Veja!— O quê? — Ela perguntou após fitar a tela. — É uma lista, nada mais. E, diga-se de

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passagem, uma lista incompreensível.— AK-47. HK MP-5. M16 — comecei a ler. — Não compreende?— Não. — respondeu Eve confusa.— São armas!— O quê? Como assim? — Eve indagou aturdida.

— AK-47. M16... Não sou especialista em armas, mas reconheço esses nomes. Isto nãotem nada a ver com a galeria de arte, nem com desvio de dinheiro. Não sei o que está es-crito nas outras páginas, mas Beyla não roubou dinheiro da galeria, ela está envolvida emcontrabando de armas!

Levei certo tempo até fazer Eve compreender as implicações do conteúdo do disco.Minha amiga não sabia, por exemplo, da enorme diferença entre crimes de homicídio ecrimes contra a segurança nacional. Assim, aos olhos dela, a culpa de Beyla por terassassinado Drago, não diferia da culpa por contrabandear armas. Entretanto, umassassinato era julgado pela Justiça comum, enquanto o contrabando de armas seria

 julgado pela Justiça militar.Sobretudo nestes dias de terrorismo internacional, as implicações políticas do que

havíamos descoberto eram imensas. Um caso assim não seria investigado por um detetivecomo Tyler Cooper, mas pelo serviço secreto, e os resultados da investigação alcançariamaté o presidente do país.

A questão agora era: o que faríamos? Eu deveria ir à polícia e confessar que roubarauma evidência da cena de um crime, ou Yuri retornaria o telefonema de Eve, e poderíamoslhe dar o disco e nos ver livres do problema?

Nos dias seguintes, tudo o que pensava era em armas, contrabando, assassinato.

As palavras rodopiavam em minha mente sem cessar. Bancar a detetive para ajudarEve a se vingar de Tyler era uma coisa, mas as implicações do caso em que me envolveraeram diferentes. Eu não entendia nada do assunto, mas sabia que podia estar me metendoem algo que poderia colocar minha vida em perigo.

Eu limpava os remanescentes da pizza queimada, resultado da aula daquele dia,quando monsieur Lavoie entreabriu a porta do salão.

— Telefonema para você — disse apontando para Jim. — Dizem que é importante.Pelo visto, a chamada era de fato importante, pois Jim voltou após alguns minutos e

chamou a atenção de todos.

— Sinto muito, mas terei de partir imediatamente — anunciou para o grupo. —Infelizmente, terei de cancelar a aula de amanhã, mas como já têm a receita para o leitãoagridoce, sugiro que tentem preparar em casa, pois é uma delícia. Se algo não der certo,conversaremos na próxima aula. Tornarei a encontrá-los na sexta-feira, e continuaremoscom... — Ele fez uma pausa para consultar o caderninho que trazia no bolso. —Sobremesas de Baixa Caloria. Será nossa última aula.

Em seguida, desapareceu na sala adjacente ao salão culinário. Logo retornou vestidocom a jaqueta de couro e carregando o capacete da motocicleta. Ainda acenou para sedespedir e, no instante seguinte partiu.

— Estranho — comentou Eve. — O que será que aconteceu?— Deve ser algo importante. Jim me contará quando tiver chance.

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— Está soando confiante... — Minha amiga sorriu.E não deveria me sentir assim? De alguma forma, eu sentia uma cumplicidade com

 Jim que parecia garantir que ele me contaria qualquer coisa, se algo importante ocorresse.Nesse momento um telefone celular tocou, desviando meus pensamentos. Era o

aparelho de Beyla. No segundo seguinte, ela agarrou a bolsa e o casaco e saiu, dando a im-

pressão de que não pretendia voltar.—Onde será que vai? — Sussurrou Eve ao ver a romena partir.— Vamos segui-la outra vez? — Perguntei, não querendo me envolver naquela trama

mais do que já estava envolvida, mas reconhecendo que, por não haver ainda decidido queatitude tomar em relação ao disco, qualquer informação extra a respeito de Beyla ajudariaa tomar a decisão adequada.

Eu me agarrava a esse pensamento quando saímos da loja. Garoava, e Beyla já ialonge, mas não caminhava em direção ao carro, e sim na direção oposta. De braços dados,Eve e eu a seguimos à distância, vendo-a entrar em um restaurante próximo, chamado

Bucareste.Quando nos aproximamos, vimos através de uma parede de vidro, que a anfitriã do

estabelecimento recebia Beyla no hall e a conduzia para dentro. Ao voltar, a mulher estavasozinha.

A garoa era fina, mas molhava bastante e Eve me fitou com os cabelos já úmidos.— Ela provavelmente marcou um jantar, nada mais que isso — falou desapontada.— Beyla não sabia que a aula seria cancelada, pois nem Jim sabia — repliquei,

sentindo meu cabelo também molhado. — Além do mais, esse restaurante me soa familiar— comecei intrigada, fitando o letreiro na entrada até subitamente ter um “estalo”. — É o

nome impresso na conta que Drago me entregou antes de morrer, com o endereço dagaleria escrito na parte de trás — murmurei, já procurando o papel na bolsa. Ao encontrá-lo, confirmei que realmente se tratava do mesmo nome. — Será que Drago encontrou Beylaaqui? Talvez ela esteja agora com outra pessoa.

— Ou talvez esteja simplesmente com fome — replicou Eve.— Vamos entrar para descobrir? — Convidei, dando um passo na direção da porta.

Eve, porém, me reteve.— Tem certeza de que deseja fazer isso? Eu já a meti em problemas suficientes, pois

se não fosse por mim, você jamais teria iniciado esta investigação. Fez coisas que jamais

faria, pois é a pessoa mais honesta que conheço.— Para continuar sendo uma mocinha honesta e sem graça? Prefiro terminar o que

começamos.Segundos depois, entrávamos no restaurante.O aroma dentro do Bucareste era delicioso, e aquilo despertou meu apetite, mesmo

porque eu não pudera comer nada da pizza que assara naquela noite. A anfitriã faziareservas pelo telefone atrás de um balcão no hall de entrada. Próximo dela havia umapequena saleta com um bar, onde se podia beber algo, caso fosse necessário esperar. Oambiente desembocava em um corredor, que provavelmente levava ao salão principal do

restaurante.Sorrindo para a anfitriã ocupada ao telefone, apontei o corredor, dando a entender

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que sabia que caminho tomar para encontrar quem eu procurava. Naturalmente, eu sabiaquem desejava encontrar lá dentro, mas não tinha ideia de quem a estaria acompanhando.

Quando a anfitriã sorriu de volta e fez um gesto como quem diz: “fique à vontade”,segui para o corredor. Eve veio atrás de mim e em um instante, chegávamos ao salão prin-cipal. Ainda parei sob o umbral antes de entrar, tentando descobrir uma maneira de

prosseguir sem ser notada, mas Eve que vinha logo atrás deu um encontrão em minhascostas e me catapultou para dentro do salão.

Mesmo à meia luz, vi Beyla imediatamente. E Beyla me viu. Estava sentada em umamesa para duas pessoas, de costas para a comprida janela de vidro, que dava para o jardimatrás da casa. Notei a força que ela fez para manter a expressão impassível e não desviar oolhar do homem sentado à sua frente, mas seus olhos não mentiram e demonstraram aperturbação que minha chegada causou. Naturalmente, o homem que se encontrava decostas para mim, prontamente se virou para conferir a razão do alarme de suaacompanhante.

— É Yuri! — exclamei em um sussurro, virando-me para Eve, tomando seu braço epuxando-a para fora da sala antes mesmo de ela entrar. — Beyla está com Yuri! —continuei, ao voltarmos para o corredor. — Maldição! Não devíamos ter vindo. Talvez eleesteja tentando obter informação e nossa presença vai atrapalhar. Ou então... Estão nisso juntos!

Felizmente, Eve compreendeu a gravidade da situação, e acompanhou meus passosapressados de volta ao saguão de entrada.

Eve já estava do lado de fora, e eu ia cruzar a porta e sair quando de repente, a mãode alguém tocou meu ombro. Ao me virar, não me surpreendi ao ver Yuri.

— Srta. Capshaw — ele disse com um sorriso que faria pensar que éramos velhosamigos. — Que bom vê-la aqui. Gostaria de jantar conosco?

— Não obrigada. Estou sem fome.— Mas certamente veio para comer algo — ele insistiu, mantendo o sorriso. — O que

mais as traria para o Bucareste em uma noite chuvosa como esta?— Poderia lhe fazer a mesma pergunta — respondi.A expressão de Yuri se transformou, demonstrando surpresa; não sei se por não

esperar que eu perguntasse de forma tão direta o que ele fazia com nossa inimiga, ou sepor causa do meu tom de sarcasmo. Ele acendeu um cigarro. Ao exalar a fumaça da

primeira tragada, estreitou os olhos e me fitou.— Sabe o que dizem a respeito de recolher o mel das abelhas? Que se pode obter

mais mel se agir com calma... É o que estou fazendo com Beyla. Sendo amigável para queela não desconfie de que sei o que fez.

— A estratégia está dando resultado?— Daria mais resultado se eu tivesse a evidência de que necessito... — Replicou Yuri

com uma expressão blasé.— Foi por isso que veio? Estava me seguindo para entregar o CD?Não respondi, pois não poderia fazê-lo enquanto não identificasse o mocinho e o

vilão daquela história.— Sinto muito não ter ainda retornado a mensagem de sua amiga — Yuri continuou,

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após soltar outra baforada de fumaça, e virando-se para fitar Eve, que esperava na calçada.Ela podia nos ver e, quando Yuri acenou, retribuiu com um sorriso não muito convincente.— A Srta. Decateur é bonita, mas não parece ser esperta — ele opinou, tornando a me fitar.— Creio que não esteja feliz por ela ter deixado a mensagem para mim. Por acaso pretendeexigir algo em troca do CD? É este o seu plano? Espero que não, pois não seria inteligente

fazê-lo. Espero também que tenha o disco consigo, para podermos finalizar esta história —completou segurando meu braço de forma suave, mas com firmeza.

Eu havia levado o disco. Na verdade, antes de sair para trabalhar naquela manhã, eutrocara o fatídico CD por um de Frank Sinatra, colocando um na capa do outro. Ao fazeraquilo, pensei que talvez estivesse sendo paranoica, mas agora algo me dizia que fora uma boa ideia.

— Eve se enganou — retruquei, soltando meu braço sem deixar de retribuir o sorrisoque Yuri ostentava. Calma, mas sem titubear, dei um passo em direção à saída. — Ela àsvezes, é precipitada demais. Tirou conclusões antes de termos obtido o que procurávamos.

— Não creio — volveu Yuri mantendo o sorriso. — Salvei a mensagem na secretáriaeletrônica. Se for comigo até minha casa para ouvir a mensagem, verá que sua amiga dizclaramente que vocês têm o disco. Tanto que fiquei aliviado ao saber que haviam obtido aprova do crime de Beyla.

Yuri tornou a pegar meu braço, desta vez com menos suavidade e me senti enrijecer.— Vou ficar aqui.Por um breve momento, ele endureceu o olhar, em seguida recuperou a expressão

neutra e soltou o meu braço sorrindo.— Ainda não disse por que veio ao Bucareste...

— Viemos jantar — respondi com a primeira coisa que me veio à cabeça e Yuri riu.— Mas acabou de dizer que não tinha fome.— Ainda não. — inventei. — Mas como a aula terminou mais cedo, pensamos que

poderíamos vir, pois em breve iríamos querer comer algo. Para ser sincera, esse aroma de-licioso já abriu meu apetite.

— Não sabia que apreciava comida romena — comentou Yuri sem parecerconvencido. — Mas talvez, eu a tenha subestimado, e seu paladar seja mais sofisticado doque o da maioria das mulheres que encontrei neste país. Já esteve aqui antes, não é? Se bem me recordo, mostrou-me a conta de uma refeição feita neste restaurante, na qual

Drago escreveu o endereço da galeria. Você o encontrou aqui, não foi?— É muito observador Yuri. Estive mesmo aqui com Drago, e ele me convidou a

passar na galeria — continuei, surpreendendo a mim mesma por mentir de forma tão con-vincente. Para atestar o que dizia, abri a bolsa e retirei a conta que Drago me passarainstantes antes de morrer. — Nós comemos Bors de... — comecei, lendo o nome do pratoque constava da conta.

— Bors de berbec — Yuri completou antes de eu terminar, retirando o papel deminha mão com um gesto brusco e inesperado. — Quem diria que você apreciaria umasopa de sabor tão pronunciado? Eu pensaria que é um prato de gosto forte demais para

uma garota como você, mas Drago adorava essa sopa. Sabia que ele ia pedir esse pratonaquela noite, não é? Assim como sabia que o sabor forte disfarçaria o gosto do veneno

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que você tencionava adicionar.Eu o fitei perplexa.— Não é possível que acredite no que acaba de dizer.— Olhou esta conta com atenção? — Ele perguntou erguendo o papel, mas

mantendo-o longe para impedir que eu o pegasse de volta. — Viu a data escrita aqui? A

data daquela noite.— À noite em que Drago morreu — deduzi, sem gostar da maneira como Yuri

enfatizara a palavra “aquela”.— Exatamente — ele concordou confirmando meus receios. — Você sabia que o

veneno demora meia hora para fazer efeito, e esta conta prova que você e Drago jantaramaqui trinta minutos antes de ele morrer. Como sabe a polícia não necessitará mais do queisso para concluir quem assassinou Drago Kravic!

— O que está dizendo é ridículo! — Tentei agarrar a conta, mas Yuri foi mais rápido ea guardou no bolso da calça.

— Eu não jantei com Drago naquela noite. Aliás, nunca encontrei Drago antes danoite em que ele morreu, assim como jamais estive neste restaurante!

Yuri me olhou desconfiado, e então tocou o bolso em referência à conta do jantar.— Não foi o que disse um momento atrás. Está confusa, não é? Vamos perguntar a

Constanta, a anfitriã que recebe os clientes. Estou certo de que ela vai confirmar que vocêesteve aqui antes.

— Impossível — repliquei, dando-lhe as costas e caminhando para a saída.Yuri agarrou meu braço com força e me obrigou a virar para fitá-lo.— Nada é impossível — falou, com uma voz sibilante. — Não se eu quiser.

— Você sabe que não matei Drago — repliquei. Reagindo automaticamente, ergui oqueixo e o encarei. — Pare de jogar comigo Yuri! Sabe muito bem que foi Beyla quem ma-tou Drago. O que quer de mim?

— Quero o cd, mulher estúpida — ele respondeu com ira nos olhos, perdendo acompostura, e revelando a falsidade de seus modos educados. Um segundo depois,entretanto, pareceu cair em si e soltou meu braço. Quando voltou a falar, seu tom eracompassado. — Creio que não tem consciência da importância desse disco. Isto é, a menosque o tenha lido.

— Não sei o que há gravado nele — menti sem piscar. — Proponho o seguinte:

entregarei o disco, se você me devolver à conta do restaurante.Ao ouvir as palavras, Yuri se mostrou surpreso que eu fosse capaz de propor uma

 barganha tão direta. Por fim, os cantos de seus lábios se curvaram, esboçando um sorrisoque oscilava entre a irritação e o escárnio.

— Odiaria ter de lhe entregar algo que lutei tanto para conseguir — ele comentouapenas.

— Lutou? Você roubou o papel de mim! Você... — Eu ia continuar, mas calei uminstante ao compreender o que ele queria dizer. — Faz tempo que tentava obter este papel?Então foi você quem esteve em meu apartamento na noite em que seguimos Beyla, e o fato

de eu achar que minhas coisas estavam fora do lugar não foi mera impressão: esteve lá,tentando encontrar esta conta do restaurante!

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— Não sou um homem desonesto. Mas precisa compreender que este pequeninopapel tem grande importância para mim.

— Por quê?— Que importância tem? — Yuri respondeu com outra pergunta. Estava nervoso,

agora, e eu notava seu esforço para se controlar. — Tudo bem, eu aceito sua proposta, você

me entrega o disco e eu lhe entrego a conta do restaurante.Eu ainda não compreendia o sentido de tudo que Yuri dizia, nem entendia a lógica

que conectava todos os fatos. Entretanto, não ia deixá-lo perceber que o quebra-cabeçaainda não estava resolvido para mim.

— Se o disco é tão importante, por que não me deixa entregá-lo para a polícia?— Você não fará isto — ele replicou com uma frieza de aço na voz, deixando claro

que o assunto não estava aberto para discussão. — Você me trará o disco. Eu telefonareipara dizer onde e quando. E quando eu o tiver, cuidarei então de Beyla. Eu, e não a polícia— enfatizou antes de se virar, dando a entender que ia voltar ao salão onde Beyla o

esperava.— Mas por quê? — Perguntei antes de ele partir.Quando Yuri tomou a se virar para me fitar, o sorriso que ostentava era tão malévolo,

que me provocou um arrepio:— Pela melhor de todas as razões. Vingança.

CAPÍTULO IV 

Eu terminei decidindo levar o CD para a polícia, apesar de não ter certeza de que issofosse o melhor a fazer. Ainda mais com a ameaça de Yuri pesando sobre minha cabeça. Dequalquer maneira, o homem sabia que eu não havia assassinado Drago e, ainda quequisesse me incriminar com a conta do restaurante, provas mais contundente seriamnecessárias antes de as autoridades me prenderem e jogarem a chave fora.

Eu tinha de admitir meu fracasso como detetive. Se o disco era suficiente para Yuriprovar a culpa de Beyla, por que então não bastava para mim? Só se fosse porque ele podialer romeno e compreender seu conteúdo.

Entretanto, eu não confiava mais em Yuri desde nosso encontro no restaurante,independentemente do que me dissesse, e por isso resolvi que seria melhor deixar a políciacuidar do caso.

Como infelizmente, não tínhamos aula naquele dia, voltei para casa depois dotrabalho, pensando em pegar o CD e levá-lo à delegacia. Eu admitiria ter ocultado umaprova importante em um caso de assassinato e iria arcar com as consequências, as quais

podiam envolver um processo e uma punição.No caminho para casa, lembrei-me de Jim. Algo me dizia que eu podia contar com

sua solidariedade, e que ele estaria ao meu lado para me ajudar a enfrentar o que viesse.

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Eu jamais sentira isso com alguém. Com Jim, ao contrário, era exatamente assim que eu mesentia.

Um calor gostoso me invadiu quando me recordei dos beijos que havíamos trocado.Mordi o lábio ao pensar que, se não fosse por aquele jeito respeitador de Jim, eu já teriafeito avançar nosso relacionamento...

Afinal, era uma mulher livre, desimpedida, e agora cheia de desejos, concluísatisfeita.

No entanto, mesmo acreditando que podia contar com ele, não seria justo envolvê-loem meus problemas. Jim me pedira para não levar adiante a investigação, mas eu nãohavia dado ouvidos. Ele tinha sonhos sobre o que desejava na vida, e não seria justo eucriar uma situação que dificultasse sua realização.

Ao entrar em casa, fui imediatamente à estante onde guardava os CDs musicais eapanhei o fatídico disco que trocara de lugar com o CD de Frank Sinatra. Sem tirá-lo dacapa, coloquei-o na bolsa e, quando ia tomar água na cozinha, o telefone tocou.

Meu impulso foi de não responder. Depois de o sinal soar quatro vezes, a secretáriaeletrônica atendeu.

— Srta. Capshaw? Você sabe quem é. — Ouvi a voz de Yuri dizendo. — Seu truquenão serviu para nada. Gosto de Frank Sinatra, mas não estou para ouvir músicas no mo-mento.

“Sinatra? Como podia ser possível”?Levei alguns instantes para compreender, mas afinal entendi o que se passara e meu

sangue congelou. Ao correr para o quarto, descobri que a capa do CD de Beyla, na qual eucolocara o disco de Sinatra, havia desaparecido! E Eve era a única pessoa que possuía outra

chave do meu apartamento.Ao voltar correndo para a sala, cheguei a tempo de ouvir Yuri terminar a mensagem.— Eu lhe darei mais uma hora. Se não me entregar o disco verdadeiro, tomarei

medidas mais drásticas.Em um impulso, corri para atender ao telefone, mas depois de dizer “alô” várias

vezes, não obtive resposta. Maldizendo a mim mesma por ter sido vagarosa, ia recolocar ofone no gancho, quando ouvi um ruído, como se o aparelho estivesse sendo passado paraoutra pessoa.

— Annie? — Soou a voz de Eve, assustada e com medo. — Estou aqui com Yuri.

— Você está bem? — Indaguei em pânico. — O que deu em sua cabeça para vir aquipegar o disco e entregá-lo a Yuri? Diga-lhe que não é culpa sua, que não sabia que eu haviatrocado os discos.

— Eu já disse. Peguei o CD e o trouxe para Yuri, porque queria livrá-la desteproblema. Lembra-se de que falei que quando você não tivesse mais o disco, a polícia nãopoderia incriminá-la de nada? Foi por isso que eu o trouxe. Mas não se preocupe, Yurigarantiu que não vai me fazer mal. — Eve começou a choramingar. — Mas disse que nãoposso ir embora enquanto você não trouxer o disco verdadeiro. E não quero ficar aqui comele.

— Diga-me onde você está. Eu...— Como vê, temos um problema. — A voz de Yuri tornou a soar. — Você me trará o

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disco, não é?— Sim — respondi sem hesitar.— E não virá com a polícia.— Não. Mas tem de garantir que nada acontecerá com Eve.— Claro que nada acontecerá com a Srta. Decateur — retrucou o homem. — Não sou

nenhum bandido.— Naturalmente que não. — Concordei, apesar de não ter certeza de que não fosse.

Mas eu não podia me arriscar a falar algo que pudesse piorar as coisas. — Eu sei que querfazer Beyla pagar por ter assassinado Drago, mas se você...

— Se eu o quê? — Volveu Yuri quando me calei antes de completar o que ia dizer.— Se você não disser onde estão, não poderei encontrá-los — continuei, resolvendo

que não seria inteligente dizer o que realmente pensava: que ele ia pagar caro se ma-chucasse Eve.

A resposta de Yuri foi curta e simples.

— Venha à galeria Arta.Chegar à galeria levou uma eternidade. As luzes se encontravam apagadas, mas a

porta estava destrancada e eu entrei. Tentando controlar a ansiedade, retirei a lanterna da bolsa e a acendi.

— Yuri? Eve? Estou aqui! — Comecei a dizer. — Trouxe o CD correto — continuei,retirando o disco da bolsa, enquanto caminhava para os fundos da galeria. — Onde vocêsestão? Diga-me onde devo deixá-lo Yuri, e...

Senti o sangue gelar nas veias ao perceber um corpo caído no chão. Meus piorestemores se confirmaram quando corri e, ao me agachar, reconheci o corte de cabelo de Eve.

Ajoelhada a seu lado, tomei seu pulso e senti que batia. Meu alívio, porém, nãodurou muito.

— Está somente drogada — Yuri disse atrás de mim.Eu me ergui imediatamente e foquei a luz da lanterna em sua face.— Desligue essa lanterna — ele comandou.— Por que a drogou? — Perguntei, consentindo em abaixar o foco de luz para o chão.

— Fui eu quem trocou os discos e Eve nem sabia.— Foi o que pensei. — Ele deu um passo em minha direção. Ao se aproximar, percebi

algo apavorante: ele me apontava um revólver. — Tive certeza de que poderíamos resolver

isto melhor se sua amiga ficasse quietinha, por isso a sedei. Como eu já disse, ela é umamulher adorável, mas não muito esperta. Onde está o disco verdadeiro?

— Eu o deixei no carro — menti, escondendo a mão com o disco atrás das costasenquanto enfiava a outra dentro da bolsa para retirar a chave. Minha esperança era de que,se conseguisse fazer Yuri sair dali, eu pudesse tentar algo, como chamar a polícia oudisparar o alarme.

— Acabei de fazer um elogio, dizendo que você é inteligente, e deveria considerarque eu também não sou estúpido. Ao entrar, você afirmou que estava com o CD. Portanto,se o entregar, resolveremos a questão de uma vez por todas.

— Não antes de você me explicar o que está acontecendo.— Ainda não compreende, não é? — Continuou Yuri, avançando ainda mais. —

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Pensa que a vida é como os filmes da televisão, onde tudo termina bem para os heróis.Acredita que é o que vai acontecer com você, não é? Que vai se livrar desta e viver felizpara sempre...

— Você também não ficará feliz se não conseguir o disco — lembrei recuando. — Docontrário, como poderá provar a culpa de Beyla?

Ao ouvir minhas próprias palavras, de repente a verdade apareceu diante de meusolhos como um súbito clarão que transforma a noite em dia.

— Você e Beyla estão nisto juntos! — Exclamei. — Não foi jantar com ela para obterinformação, mas para combinarem como prosseguir — deduzi, organizando as peças doquebra-cabeça. — Foi você quem jantou com Drago naquela noite. Beyla não poderia tê-lofeito, pois estava na aula comigo. Foi você quem o envenenou, e Beyla somente discutiucom Drago para nos confundir. Por isso você necessitava reaver a conta do jantar, pois elaprova que é você o culpado!

— Muito bem — disse Yuri, e apesar de eu manter o foco da lanterna abaixado, podia

ver que ele sorria. Em sua mão, o revólver seguia apontado em minha direção. — Você éesperta como pensei. Infelizmente, isto significa que terei de matá-la.

Com a adrenalina correndo nas veias, de repente meu corpo começou a agir por si só,levando-me a ações que eu não planejara. Erguendo a lanterna, foquei a luz nos olhos deYuri. A luz não era forte, mas bastou para cegá-lo por um instante.

— Maldição! — Eu o ouvi dizer, virando o rosto.Ainda agindo de forma automática, corri pela galeria ampla com a lanterna apagada

para ele não saber onde eu estava. Sem fazer nenhum ruído, agachei-me rente a umaparede.

— Sabe que não poderá escapar!— Eu menti quando disse que tinha o disco comigo — resolvi dizer. — Eu o guardei

em um local seguro, e você jamais o encontrará se fizer algo comigo. Sem o disco, nãopoderá ter acesso à lista de armas inventariadas por Drago, não é?

Talvez eu estivesse imaginando coisas, mas o fato é que Yuri pareceu se surpreender,e parou de se mover ao escutar que eu sabia das armas. De qualquer maneira, estava pró-ximo demais para eu me sentir segura e, com enorme cautela, eu me movi recostada àparede, até me colocar atrás de uma grande escultura. Enquanto isso, Yuri também semoveu, mas eu não consegui ver para onde tinha ido.

No instante seguinte, uma das luzes do teto acendeu. Surpresa, eu percebi que Yuricaminhara até Eve, e que agora a sustentava em pé. Sua outra mão, a que segurava o re-vólver, repousava ainda sobre o interruptor. Porém, ele a moveu e encostou a arma nacabeça de minha amiga.

— Passe-me o disco, caso contrário pode dizer adeus à sua amiguinha.Talvez ele estivesse blefando, mas eu não poderia arriscar a vida de Eve para saber.

Sem alternativa, coloquei-me em pé e ergui o disco no ar.— Venha pegá-lo.— Traga-o para mim.

— Solte Eve e se distancie dela então.— Não haverá barganha alguma, e você também não vai escapar, pois sabe demais —

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disse Yuri sorrindo, e então tornou a apagar a luz.— Sobre as armas?— Sim, sobre as armas que Drago contrabandeava para dentro do país. O erro dele

foi se negar a dividir os lucros comigo.— Então, por ser sócio na galeria, acreditou que deviam dividir também os lucros do

tráfico de armas... — concluí, mas outra vez tive um estalo ao ouvir minhas próprias pa-lavras. — Você não era o sócio de Drago! — Compreendi subitamente. — Foi você queminvadiu a galeria e espalhou os documentos, tentando achar o disco. Era o que estavafazendo quando Eve e eu aparecemos, então inventou que era sócio dele para nos enganar.Como não encontrou o disco, Beyla foi obrigada a voltar para procurar.

— Muito bem — disse Yuri, sem afastar o revólver da cabeça de Eve.— Foi por isso também, que Tyler disse que a galeria estava fechada. Ele não queria

dizer que estava fechada só naquele dia, mas para sempre! Como fui tola em não dar maisatenção ao que ouvia. Você e Drago jamais foram sócios. Você se juntou a Beyla para

assassinar Drago e tomar conta do contrabando de armas!— Excelente — Yuri tornou a me cumprimentar com o mesmo sorriso sarcástico. —

Se houvesse avançado mais na investigação, não teria confiado em mim como confiou. Éuma pena. Quando a polícia encontrar o corpo de vocês, jamais conseguirá relacionar meunome com...

— Eles saberão que foi você Yuri — interrompeu uma voz de repente, vinda dealgum lugar atrás dele.

O que se passou a seguir foi muito rápido. Apesar do escuro, percebi que Yuri sevirou para atacar quem se aproximava por trás. A luta, contudo não chegou a acontecer,

pois quando ele ergueu o revólver para atirar, o estampido do tiro de outra arma soouantes. O eco ainda ricocheteava pelas paredes, quando percebi Yuri cair no chão, levandoEve consigo.

Apavorada, corri na direção deles e toquei o corpo de minha amiga. Quando a luzacendeu de repente, Eve encontrava-se caída à frente de Yuri. Havia sangue em sua blusa,mas se tratava claramente de respingos do sangue dele, pois à bala o atingira no peito.Caído no chão, ele parecia morto, e uma poça de sangue se formava a seu redor.

— Você está bem?Ao virar o rosto e erguer o olhar, deparei-me com Beyla e, novamente, um instinto de

autopreservação se apoderou de mim, pois ela empunhava uma arma. E, a julgar pelo quefizera com Yuri, sabia bem como usá-la.

— Você o matou! — Exclamei perplexa.— Ele teria me matado — afirmou ela, fitando o cadáver de Yuri. — E teria matado

você e Eve, assim como assassinou Drago e Magda.Mais confusa do que nunca, tentei desesperadamente compreender o que Beyla dizia.

Mas era difícil dar nexo a fatos que não pareciam fazer sentido quando colocados lado alado.

— Sei que Yuri matou Drago — comecei por fim, tentando raciocinar enquanto

falava. — Mas não pode negar que estava metida nisto com ele. Você e Yuri queriamdominar o contrabando de armas de Drago, mas Yuri desejava todo o dinheiro para si. Por

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isso queria matá-la também?Abaixando a arma, Beyla me fitou com um sorriso que não alcançou seu olhar.— Armas não significam nada para mim, e dinheiro também não. Se houvesse

realmente compreendido esta história, saberia que não tenho nada a ver com Drago, oucom o contrabando de armas, ou mesmo com os assassinatos de Yuri.

— Mas e quanto ao disco? Yuri disse que...— Yuri era desprezível, assim como Drago — afirmou Beyla com uma expressão de

asco, cuspindo no chão para enfatizar o que dizia. Um gesto tão inesperado vindo de umamulher tão linda e elegante me produziu uma onda de medo. — Pelo visto ainda nãocompreendeu.

— O quinino era seu — lembrei de súbito.— Sim, como talismã. É uma maneira de afugentar os maus espíritos: algo que

aprendi quando criança.Compreender tantos fatos contradizendo coisas que eu acreditava saber, me

confundia mais e mais. Toquei Eve no rosto e em seguida no pulso, certificando-me, outravez, de que ela somente dormia em virtude da droga, mas não estava ferida. Estava maisaliviada, no entanto ainda sem compreender a história, tornei a fitar Beyla, que continuavaem pé, próxima a nós. Tinha o revólver abaixado e uma tristeza indisfarçável escurecendoainda mais os belos olhos negros.

— Você é uma feiticeira, como Eve acredita? — Perguntei pensando no quinino.— Muitas pessoas usam essa palavra para me denominar. Mas, na verdade, sou

apenas uma cigana que conhece as tradições de seu povo. Usava quinino para proteger nãoa mim, mas a meus familiares na Romênia.

— Mas que relação você tinha com Drago?— Drago me empregou para cuidar da administração da galeria.— Então não eram amantes na Romênia? — Indaguei com uma descrença, que se

desfez ao notar a repulsa de Beyla.— Sou contadora — ela começou a explicar. — Faço esse tipo de trabalho para

empreendimentos de romenos aqui. Eles preferem uma pessoa do mesmo país, com quempossam se comunicar na língua nativa. Eu fazia a administração contábil da galeria, e foiassim que descobri sobre o tráfico de armas de Drago. Também foi assim que tive acesso àinformação, e a gravei em um disco digital.

— Compreendo — falei admitindo que as coisas começavam, verdadeiramente afazer sentido. O disco de Beyla, acondicionado na capa do CD de Frank Sinatra que euainda segurava ao correr para Eve, estava agora caído ao lado de minha amiga, e algumasgotas do sangue de Yuri haviam espirrado sobre a capa.

— Eu prometi a Drago que manteria segredo do que havia descoberto, desde que eleme desse algo em troca: que usasse sua influência para retirar minha família da Romênia ea trouxesse para cá. Drago concordou, mas mentia. Por causa disso discutimos depois daprimeira aula do curso culinário. Eu estava muito zangada. — Beyla inspirou fundo,depois soltou o ar, resignada, antes de prosseguir: — Drago acreditava que eu desistiria

por ter medo dele, mas segui adiante.— E Yuri o matou para controlar o tráfico de armas sozinho.

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— Sim — ela concordou, abaixando o olhar. — Yuri era o pior dos dois. Eles jantaram juntos no Bucareste, na noite em que Drago morreu, e foi quando Drago lhe contou sobre oCD que eu tinha gravado. Yuri queria reaver o disco, pois era uma prova do contrabando.Então, passou a me seguir e ameaçar.

— Então “você é a próxima” era uma mensagem de Yuri para você? — concluí,

compreendendo tudo. — Queria dizer que, se você não cooperasse, ele a mataria também?— Sim. Era esse o plano de Yuri, e mais tarde, ele me disse que se eu não lhe

entregasse o disco, iria matar meus familiares na Romênia.— E o tempo todo, Yuri me fez acreditar que necessitava de provas que você havia

assassinado Drago. Eu funcionaria como ajuda extra para incriminá-la, por acreditar quevocê era a assassina de Drago. Mas, se você havia copiado a informação, por que veioprocurar o disco aqui na galeria?

— O disco sempre esteve comigo e nunca vim aqui procurá-lo. Vim para checar seYuri tinha câmeras escondidas para observar os movimentos de Drago. Como nada

encontrei, fui ter com Magda, que era minha aliada na luta contra Yuri. — Uma tristezaainda maior tingiu o olhar de Beyla, e ela o desviou outra vez. — A morte de Magda pesaem meu coração — confessou em voz baixa, e notei duas lágrimas escorrendo por sua face.— Acertei com Yuri que daria o disco para Magda e que ele iria pegá-lo. Entretanto, comonão confiava nele, copiei somente parte da informação, e guardei o disco com a versãocompleta sob a bola de cristal, pois se Yuri me fizesse algo de mau, não encontraria o discoem minha casa. O que não podia prever era que ele mataria Magda depois de ela entregara versão que ele não sabia ser incompleta. Yuri veio ter comigo imediatamente, para mequestionar sobre o resto da informação. Eu disse que tinha o disco completo comigo, mas

que só o entregaria quando tivesse a certeza de que minha família estava a salvo.— E eu fui ao salão de chá de Magda e me apoderei do disco com a informação

completa — admiti, sentindo-me uma tola, mas sabendo que não adiantaria pedirdesculpas. — E quanto ao molho para pasta que você quis que eu experimentasse?

— Não era nada de mais. Todos sempre elogiavam meus pratos e, como eu sabia quevocê, se me permite dizer, é uma nulidade na cozinha, queria que provasse algo preparadopor mim.

— E quando ameaçou me matar com a faca?— Jamais ameacei matá-la! — Retrucou Beyla meneando a cabeça. — Eu lhe disse

que tinha de ser cuidadosa, pois não sabia com quem estava se metendo. Foi apenas umalerta, nada mais que isso!

O que Beyla dizia fazia sentido, apesar de que eu me sentiria melhor se ela nãohouvesse acabado de matar um homem. Pensei se devia chamar a polícia, e me pergunteise Beyla permitiria. Entretanto, antes que eu pudesse decidir a respeito, ouvimos o som daporta dos fundos abrindo. Quando Beyla notou que aquilo me alarmara, fez um sinal paraque eu me tranquilizasse.

— Não há problema — explicou. — Telefonei para um amigo.O amigo a quem Beyla se referia era John, seu companheiro nas aulas de culinária.

Ele agora não parecia um contador sem graça, pois vestia uma calça de linho escuro e um blazer elegante, com o corte moderno e tecido fino. A camisa branca encontrava-se

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impecavelmente passada e os sapatos brilhavam.— Sou o agente especial Derek Malchowski, Srta. Capshaw — ele revelou por fim,

retirando uma credencial do bolso para se identificar. — Sou do FBI — explicou, enquantoeu olhava o documento de queixo caído.

— Por isso você mentiu para ajudar Beyla, dizendo que estava com ela na noite em

que Drago morreu — deduzi, encaixando outra peça do quebra-cabeça.— Sim — concordou John, aliás, Derek, com um sorriso.— Sinto muito tê-la desacreditado frente a um agente policial, mas necessitava

garantir um álibi para Beyla ou arriscaríamos que a polícia comum descobrisse nossaoperação. A investigação era secreta e seria comprometida se não a mantivéssemos assim.

— Isso explica por que faziam o curso de culinária, não é? Um pretexto para seencontrarem e conversar sem despertar suspeitas.

— Sabíamos que Drago tentava eliminar Beyla porque ela sabia de muitas coisascomprometedoras, e necessitávamos garantir sua segurança.

Apesar de ainda não estar totalmente refeita depois das novas informações que,afinal, explicavam tudo, resolvi que era hora de parar de conversar e fazer algo por Eve.Ainda que ela estivesse somente adormecida, eu só ficaria descansada quando médicosgarantissem que estava bem.

Quando tornei a me ajoelhar ao lado dela, Derek pareceu adivinhar meuspensamentos, pois também se abaixou e me fitou com um sorriso.

— Tenho certeza de que ela está bem, de qualquer forma, chamei uma ambulância.Tornei a fitar Eve, que respirava tranquila, imersa em um sono profundo. Ela havia se

encorujado, como quem se coloca em posição confortável para dormir, e a certeza de que

estava bem me aliviou.Derek me tocou no braço e eu o fitei.— Tenho de agradecê-la pela excelente investigação que conduziu. Teríamos

encontrado o disco mais cedo ou mais tarde, mas você o achou antes e impediu que caíssenas mãos de Yuri. Se Yuri houvesse se apoderado do CD, ele o teria destruído. Sabemosque uma remessa de armas está para chegar, a maior até agora. Ela virá de navio, mas nãosabemos em qual, nem quando chegará. Yuri desapareceria assim que conseguisse colocaras mãos no disco, e jamais conseguiríamos saber quando a remessa vai chegar. Foi por essamesma razão que não prendemos Drago. Queria que ele levasse o negócio adiante e

pudéssemos capturar todos quando o carregamento chegasse.Derek se levantou e ofereceu a mão para me ajudar a levantar também.— Fez um excelente trabalho — ele repetiu quando me pus em pé. — Sua única falha

foi crer que já sabia quem era o culpado antes de reunir provas suficientes. Se me permitedar um conselho, nunca inicie uma investigação acreditando que já sabe quem é o culpado,pois isso a impedirá de enxergar as coisas como realmente são, e deixará de considerarfatos e pistas importantes.

Derek mal completara tais palavras, quando ouvimos o som de uma sirene seaproximando. Dentro de minutos, a galeria estava repleta de paramédicos cuidando de

Eve. Após se certificarem de que ela estava bem, eles a colocaram em uma maca paratransportá-la ao hospital, onde minha amiga permaneceria até acordar.

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— Conte outra vez — pediu Eve, após se ajeitar nas almofadas do sofá. — Quer dizerque Beyla era a mocinha e não a vilã da história?

— Exatamente — confirmei, retirando outra colherada de pasta de amendoim parapassar no chocolate antes de entregar o frasco para Eve. — Como contei no hospital, es-távamos redondamente enganadas.

— Ainda bem que ninguém se machucou. Quero dizer... — Eve hesitou, com umaexpressão de pesar no rosto. —Ninguém a não ser Yuri. Tenho arrepios quando penso queestava ao lado dele quando morreu. Eu podia ter levado o tiro.

— Não se preocupe, creio que Beyla não teria errado o alvo. Drago era o pior,portanto teve o fim que mereceu. Quanto a Magda...

— Pobre Dona Magda. Estava no lugar errado, na hora errada — completou Eve. — Epensar que nós conseguimos ajudar a resolver o caso! — Exclamou, erguendo a colher para bater na minha em um gesto de celebração. — Temos muita coisa para contar na aula deamanhã.

— Creio que devemos ficar caladas — opinei, pegando um guardanapo para limparos dedos melados de pasta de amendoim. — Proteção de testemunhas, tráfico de armas,agentes do FBI... E melhor mantermos a boca fechada.

— Exceto no tocante a Tyler — decidiu Eve com um sorriso pernicioso. — Mas não sepreocupe, não vou revelar nenhum segredo de segurança nacional. Só vou mencionar queo FBI nos cumprimentou pela nossa investigação.

Pelo que eu lembrava, Derek se dirigira a mim ao mencionar a investigação, mascomo adorava minha amiga, não me importou que ela também colhesse os louros davitória.

— Tyler tem uma inteligência de pasta de amendoim — brinquei, apontando o frascosobre a mesa.

— Pasta de amendoim é bem melhor que ele, eu garanto. Espero que ele nunca maiscruze meu caminho.

— Até porque não pretendo me envolver em nenhuma outra investigação.— Nem eu — concordou Eve. — Fizemos nossa parte, chega de vilões e assassinatos,

Daqui para frente...De repente Eve calou, pois ambas ouvimos algo estranho, alguém tentava abrir a

porta do apartamento.

De onde estávamos não era possível avistar o hall de entrada. Coloquei o dedo sobreos lábios, indicando a Eve que devia se manter calada. Com cautela, ela se inclinou eretirou o frasco de pasta de amendoim, que repousava sobre uma bandeja de metal. Commais cautela ainda, pegou a bandeja e, sem fazer ruído, começamos a caminhar em direçãoà entrada do apartamento.

Quando chegamos ao pequenino saguão, notamos que de fato, alguém tentava abrir aporta e, como não estava trancada, já começava a conseguir. Em um acordo tácito, Eve e eunos colocamos lado a lado e minha amiga ergueu a bandeja, pronta para desferir um golpeno intruso.

— Pelo amor de Deus! — Jim levou um susto ao abrir a porta e erguendo as mãosacima da cabeça ao se deparar conosco. — O que estão fazendo?!

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— Quer nos matar de susto? — Perguntei tomando-o pela mão, e puxando-o paradentro antes de fechar a porta.

— Por que não usou o interfone lá embaixo?Parecendo envergonhado, ele ergueu uma chave no ar.— Ainda estava com a chave extra, que usei para comprar os ingredientes para o café

da manhã, quando você se acidentou e fiquei aqui. Vi o chaveiro pendurado ao lado daporta, e o usei para descer e voltar sem ter de acordá-la, mas esqueci de colocá-lo no lugar.Entrei devagar para fazer uma surpresa — continuou a explicar encabulado. — Mas foramvocês que me surpreenderam.

— Espere só até ouvir o que temos para contar — Eve convidou-nos a voltar para asala com um gesto. Colocou a bandeja sobre a mesa e então se voltou para Jim. — Solu-cionamos o caso.

— É mesmo? — Ele perguntou com os olhos brilhando. — Então contem tudo.—Annie terá de fazê-lo sozinha — afirmou Eve, já se abaixando para colocar os

sapatos que deixara ao lado do sofá. Antes que eu pudesse protestar, ela já se encaminhavapara a saída. — Você ouviu o que o médico disse. Estou me sentindo ótima e, o que querque seja que Yuri me deu, já está fora do meu sistema. Vou voltar para casa e cair na cama.

— Mas...— Nada de “mas”. — Ao chegarmos à entrada, ela abaixou a voz e olhou por cima de

meu ombro, em direção à sala onde Jim esperava. — “Um é pouco, dois é bom, três édemais”.

Quando voltei para a sala, Jim me fitava com um sorriso. Para minha surpresa,também ele havia metido a colher no frasco e se deleitava com a pasta de amendoim.

— Vai me contar tudo — disse, após lamber os lábios com gosto. — Mas antes decomeçar, também tenho notícias para dar.

— Boas ou más? — Perguntei preocupada.— Um pouco de ambas, infelizmente. Meu tio Angus morreu.— Ah! Sinto muito — repliquei chocada. — Foi de repente?— Sim. Por isso me telefonaram anteontem à noite, e tive de cancelar a aula. Fui ao

funeral. Mas meu tio deixou um testamento e aqui começa a boa notícia... — Jim fezsuspense, aproximando-se e tomando minha mão. — Angus me deixou seu restaurante.

— Jim! — Disse deliciada. — É maravilhoso!

— Como contei não se trata do tipo de restaurante que sempre sonhei ter, mas é umcomeço.

— Fabuloso. — Sorri sinceramente feliz.— E quero que você seja minha sócia — continuou ele para minha surpresa.— Impossível — reagi abaixando o olhar. — Sempre fui caixa de banco, é tudo que

sei fazer.— Mas não gosta do que faz.— Trabalho neste banco há tantos anos!— Mais uma razão para mudar.

— Mas ter meu próprio negócio... É um risco muito grande.— Viver é arriscado Annie.

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— Mas sou um desastre na cozinha! Jim sorriu. O mesmo sorriso que, desde o primeiro dia me encantara.— Isso é algo que não se pode negar, é a pior cozinheira que já conheci.— Então por que voc...— Porque é uma mulher inteligente, que sabe lidar com números, e necessito de

alguém com esse talento para me ajudar a levar o negócio adiante.— Então não quer que eu trabalhe na cozinha?— Pode trabalhar na sala que tio Angus usava como escritório. Eu cuidarei da comida

e garanto, temos grande chance de ter sucesso se unirmos nossos talentos.— Então não precisarei cozinhar... — Repeti com ar sonhador, enquanto Jim tomava

minha mão entre as dele e a erguia para beijá-la suavemente. Como eu poderia me opor aum convite feito desta maneira? — Quando começamos? Na semana que vem? Não seesqueça de que você ainda tem de dar a última aula sobre “Sobremesas de BaixasCalorias” — lembrei entusiasmada.

— Sim — disse Jim, aproximando o rosto do meu, até nossos lábios quase se tocar. —Mas antes disso, pensei que podíamos experimentar outro tipo de doce... Que não importaquantas calorias tenha — finalizou, antes de me beijar sensualmente na boca. — E comovocê foi minha pior aluna no curso, resolvi lhe dar outras aulas como: “fazer amor com seuinstrutor de culinária para o resto da vida”.

Segurei o ar, demorando a assimilar as palavras. Por fim, ao ver aqueles olhos cor demel sorrindo para mim, decidi aceitar o presente e acrescentar um novo tempero à minhavida. Afinal, eu tinha certeza de que havia encontrado meu príncipe encantado montadoem um cavalo branco.

FIM