material Ética moderna
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FilosofiaTRANSCRIPT
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Braslia-DF.
tica Moderna
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Elaborao
Rogrio de Moraes Silva
Produo
Equipe Tcnica de Avaliao, Reviso Lingustica e Editorao
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Sumrio
APrESEntAo .................................................................................................................................. 4
orgAnizAo do CAdErno
dE EStudoS E PESquiSA ..................................................................................................................... 5
introduo ..................................................................................................................................... 7
unidAdE niCA
TICA E FILOSOFIA POLTICA ................................................................................................................. 9
CAPtuLo 1
TICA ..................................................................................................................................... 9
CAPtuLo 2
HISTrIA SOCIAL .................................................................................................................. 11
CAPtuLo 3
A mudAnA dE PArAdIgmA CuLTurAL E A CrISE dA CIvILIzAO ........................................ 17
CAPtuLo 4
LIbErALISmO E gLObALIzAO ............................................................................................. 28
CAPtuLo 5
A CrTICA nA COnTEmPOrAnEIdAdE ................................................................................... 34
CAPtuLo 6
A TEOrIA CrTICA E A ESCOLA dE FrAnkFurT ....................................................................... 43
PArA (no) finALizAr ...................................................................................................................... 56
rEfErnCiAS .................................................................................................................................... 57
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4Apresentao
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa rene elementos que se entendem necessrios para o desenvolvimento do estudo com segurana e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinmica e pertinncia de seu contedo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas metodologia da Educao a Distncia EaD.
Pretende-se, com este material, lev-lo reflexo e compreenso da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos especficos da rea e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convm ao profissional que busca a formao continuada para
vencer os desafios que a evoluo cientfico-tecnolgica impe ao mundo contemporneo.
Elaborou-se a presente publicao com a inteno de torn-la subsdio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetria a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
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5organizao do Cadernode Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os contedos so organizados em unidades, subdivididas em captulos, de forma didtica, objetiva e coerente. Eles sero abordados por meio de textos bsicos, com questes
para refl exo, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradvel. Ao
fi nal, sero indicadas, tambm, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrio dos cones utilizados na organizao dos Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocao
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou aps algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questes inseridas no decorrer do estudo a m de que o aluno faa uma pausa e re ita
sobre o contedo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocnio. importante
que ele veri que seus conhecimentos, suas experincias e seus sentimentos. As
re exes so o ponto de partida para a construo de suas concluses.
Sugesto de estudo complementar
Sugestes de leituras adicionais, lmes e sites para aprofundamento do estudo,
discusses em fruns ou encontros presenciais quando for o caso.
Praticando
Sugesto de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didtico de fortalecer
o processo de aprendizagem do aluno.
Ateno
Chamadas para alertar detalhes/tpicos importantes que contribuam para a
sntese/concluso do assunto abordado.
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6Saiba mais
Informaes complementares para elucidar a construo das snteses/concluses
sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informaes relevantes do contedo, facilitando o
entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
Exerccio de xao
Atividades que buscam reforar a assimilao e xao dos perodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relao a aprendizagem de seu mdulo (no
h registro de meno).
Avaliao Final
Questionrio com 10 questes objetivas, baseadas nos objetivos do curso,
que visam veri car a aprendizagem do curso (h registro de meno). a nica
atividade do curso que vale nota, ou seja, a atividade que o aluno far para saber
se pode ou no receber a certi cao.
Para (no) nalizar
Texto integrador, ao nal do mdulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem
ou estimula ponderaes complementares sobre o mdulo estudado.
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7introduo
Em toda a sua histria e existncia, a Filosofia passa por perodos distintos, temas, disciplinas e
reas de investigao. E aqui destacamos a tica e a Filosofia Poltica, que reflete sobre a mudana
de paradigma cultural e a crise da civilizao; apresenta aspectos relevantes sobre liberalismo e globalizao, identifica aspectos de crtica na contemporaneidade e a Escola de Frankfurt.
Este caderno, portanto, tem o objetivo de proporcionar informaes acerca da tica e Filosofia
Poltica, com o compromisso de orientar os profissionais da rea de Filosofia para que possam
desempenhar suas atividades com eficincia e eficcia.
objetivos
Levantar aspectos relevantes sobre tica. Identificar aspectos relevantes da histria social. Conhecer aspectos relevantes da mudana de paradigma cultural e a crise da
civilizao.
Identificar aspectos relevantes sobre liberalismo e globalizao. Levantar informaes sobre a crtica na contemporaneidade Identificar aspectos relevantes sobre a teoria crtica e a Escola de Frankfurt.
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9unidAdE niCAtiCA E fiLoSofiA PoLtiCA
CAPtuLo 1tica
da tica filosfica
A dificuldade em colocar a tica como conhecimento segundo Aristteles no existe necessidade
nas aes humanas e, para Scrates, que afirmava que no possvel ensinar a virtude.
Por isso, a necessidade do conhecimento terico e prtico, consequentemente a contingncia para
dissertar sobre tica e biotica.
Trabalhando com emoes, no possvel demonstrar o que necessariamente o bem e o mal, pois a
A dificuldade da tica consiste justamente em introduzir normatividade na
contingncia, pois est fora de dvida que quem age moralmente o faz a partir
de normas que no so apenas relativas pessoa e ao momento.
possvel em uma situao existir um bem superior e absoluto, mas muito difcil identificar-lhe
na contingncia em que acontecem as relaes humanas.
tica e conhecimento
No podemos situar a tica como dimenso cultural sem separar o conhecimento e a religio, pois
a relevncia da tica como contexto prprio, definindo o ser humano seguido da essncia de sua
existncia nos leva a alcanar regras de generalidade e de universalidade que ultrapassam o mero
plano dos fatos estritamente considerados.
A partir do momento que empregamos processos intelectuais de ordenao, inferimos a ordem dos fatos que interferem no conhecimento e, para separar conhecimento do que moral, diferenciam-se
os juzos que a cincia expede, esto na ordem de juzos propriamente morais na ordem do ver e ser.
Com essa constatao, quer dizer que quando a cincia vai tratar da realidade como ela , e a moral da realidade como ela deve ser, por conseguinte a cincia elaboraria juzos de realidade e a moral
juzos dependentes de normatividade.
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unidAdE niCA tiCA E fiLoSofiA PoLtiCA
Na natureza, atribumos um grau de necessidade que nenhuma observao particular poderia a si
mesma justificar.
Aristteles reconhecia que o saber acerca das coisas inclui necessariamente o conhecimento das
causas de seu aparecimento e de seu modo de ser.
Com as teorias do conhecimento da Antiguidade e da modernidade descritas por Aristteles ele
afirmava que incluam na compreenso no apenas a eficincia causal da produo do fenmeno,
como tambm a finalidade a que cada parte est submetida na totalidade.
No bastaria entender como os fatos se produzem, mas seria preciso compreender a funo de cada um no conjunto e as razes da ordem estabelecida para elaborao desses fatos.
Por muitas vezes foi criticada na histria das epistemologias modernas, a causalidade final que indica
que o esforo de conhecimento solicita, como que naturalmente, completar-se na formulao das
indagaes relativas ao porqu dos fenmenos descritos na estrutura da realidade. E, certamente, esse
tipo de resposta, se fosse possvel, permitiria um tipo de conhecimento que no seria somente mais
abrangente, mas, mais avaliativo, isto , possibilitaria julgamentos mais seguros acerca da totalidade,
pois nos faria ver talvez com maior clareza o sentido das partes e do todo, a razo da posio de cada elemento na articulao geral e o modo pelo qual convergem, na sintonia e na diferena.
Contudo, estaramos ainda no plano dos juzos de realidade, no sentido em que os entendemos
quando dizemos que a cincia os produz para descrever compreensivamente os seus objetos,
articulando as percepes e sistematizando a experincia. Mas talvez no fiquemos apenas nisso.
Por um misto de ingenuidade e pretenso, muitas vezes emitimos juzos que qualificam a realidade.
Dizemos no apenas que as coisas so desta ou daquela maneira, mas tambm que bom que sejam
assim, ou que mau, ou que poderiam ser de outra maneira. Talvez, de maneira implcita, isto ocorra sempre, sendo impossvel olhar as coisas sem atribuir a elas um valor, embora a disciplina
da atitude cientfica nos leve a reavaliar esse modo de julgamento.
Persistindo a mentalidade do senso comum, bem como no que a cincia descreve do homem comum,
algo do animismo da relao primitiva com o mundo, fazendo com que se defenda que todas as coisas aparecessem como benficas ou malficas, ultrapassando os poderes que interferiam na vida
e nas aes humanas, ou seja, nos sentimentos e emoes.
Portanto, conhecer saber como aproveitar o carter benfico e propiciatrio ou presumindo o
mal que as consequncias poderiam causar advindo do prprio conhecimento das coisas. A cincia
buscou eliminar essa valorao; primeiro, pelo conhecimento das causas materiais que regem o
comportamento dos seres naturais e, em seguida, estabelecendo leis gerais e necessrias que nos permitem prever esse comportamento para, dessa forma, domin-lo.
Com isso, o mundo deixa de ser enigma quando o conhecimento torna-se sinnimo de determinao
necessria.
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CAPtuLo 2Histria social
Pensamento poltico
Observamos que no pensamento poltico h determinadas questes que, na abordagem de
Aristteles, Maquiavel e Hobbes, por exemplo, tornam-se efetivas em outros contextos histricos.
Marcel Prlot coloca que os escritos de grandes autores lanam uma luz na poltica contempornea a fim de compreend-la.
impossvel analisar, e ainda menos compreender, a realidade presente, sem
o conhecimento dessas grandes obras da literatura poltica, que representam
marcos na histria da humanidade [...]1
Jean Touchard observa:
No se trata aqui somente de analisar os sistemas polticos elaborados por
alguns pensadores, mas de integrar esses sistemas no seu contexto histrico,
de procurar ver como nasceram e o que representavam para os homens que
viviam nessa poca. [...] Mas logo surgem dificuldades sem conta. Como
analisar as ideias polticas de uma sociedade? O que j de si difcil em relao
poca em que vivemos no ser impossvel a respeito de eras passadas? O
historiador das ideias deveria, para cada poca, perguntar a si prprio quais
so as ideias polticas dos camponeses, dos operrios, dos funcionrios, da
burguesia, da aristocracia, etc.2
Ao nos depararmos com ideias de estudiosos sobre qualquer tema histrico, sobretudo o da poltica,
necessrio, para melhor entendimento, que se faa o estudo antropolgico tambm.
Assim, pode haver uma histria social da poltica, permitindo a maior compreenso dos escritos
dos filsofos como dos prprios cidados de seu tempo. E isso desde a leitura de textos cannicos
inebriados de poltica quanto de um James Frazer3 quando fala do carter mgico da realeza, ou de um Marc Bloch4 em seu estudo sobre os reis europeus e sua taumaturgia.
Jacques Le Goff refere-se a uma nova Histria Poltica, que tem estudado o Estado monrquico
moderno, em escritos de JeanMarie Apostolids (1987) e Louis Marin (1981), alm do ingls Peter Burke (1993) e os americanos Ralph Giesey (1986) e Sarah Hanley Madden (1982).
Essas pesquisas acarretaram um conceito de Estado moderno que ultrapassa a dinastia, a diplomacia e aspectos jurdicos, em que enfatiza o simblico do Antigo Regime. De fato, a partir dos anos
1 PRLOT, Marcel. (1974) As doutrinas polticas. Vol. 1. Lisboa, Editorial Presena. (Edio original francesa, 1959), p. 7.2 TOUCHARD, Jean. (1970) Histria das ideias polticas. Lisboa, P.E.A. (1 edio francesa, 1959), p. 11.3 Frazer, James. O ramo de ouro. Rio de Janeiro: Zahan, 1981.4 Bloch, Marc. Les rois thaumaturges. Strasbourg: Librairie ISTRA, 1924.
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UNIDADE NIcA TIcA E FILOSOFIA POLTIcA
1960, a histria poltica centra-se nas monarquias absolutistas. Podemos ver grandes trabalhos a
respeito da histria poltica nas mos de Robert Mandrou, com La raison du Prince e Louis XIV
et son temps, e Pierre Chaunu com A civilizao da Europa Clssica. Boris Porchnev e Roland
Mousnier colocavam as particularidades de cada provncia do absolutismo na Europa, e o Congresso Internacional de Roma (1955) colaborou para novos estudos sobre o Estado Moderno, orientando pesquisas de Roland Mousnier, Fritz Hartung e Boris Porchnev.
Boris Porchnev pregava o campesinato, e suas jacqueries, como contrrio s garras fiscais do Estado, sendo autnomo, longe de ser conduzido pelas elites. Para Roland Mousnier, as rebelies
camponesas foram mesmo amparadas e promovidas pela nobreza, ora insatisfeita com a monarquia absolutista e os intendants.
Depois da Peste Negra, aconteceram vrias revoltas de camponeses, devido ao aumento considervel de trabalho, uma vez que muitos haviam morrido, portanto, havia pouca mo de obra e muito que
fazer. O alto valor de impostos tambm alvo dos maus contentos. No norte da Frana de 1358, em
meio Guerra dos Cem Anos, a misria, de fato, assolava o pas. O termo jacquerie provm de Jacques ou Jacques Bonhomme, utilizado pelos nobres quando se referiam aos camponeses.
[...] Neste tempo revoltaram-se os Jacques em Beauvoisin, e comearam a ir em
direo de Saint-Leu e de Clermont no Beauvoisin. [...] E quando os Jacques
se viram em grande nmero, perseguiram os homens nobres, mataram vrios
e ainda fizeram pior, como gente treslocada, fora de si e de baixa condio. Na
realidade, mataram muitas mulheres e crianas nobres, pelo que Guilherme
Carlos (seu lder) lhes disse muitas vezes que se excediam demasiadamente;
mas nem por isso deixaram de o fazer.5
Figura 1: Massacre dos Jacques, em Meaux.
os rituais, a fico e a literatura
A partir dos anos 1960, de fato, h um estudo sobre o Estado Moderno enfatizando a noo de
ritual poltico, que seriam as cerimnias reais do Antigo Regime, sobretudo em seguidores de Ernst
Kantorowicz. Foram elas que elaboraram a linguagem poltica e, por meio de sua ao cnica, a
adeso dos cidados. E esse ritual tido como fora criadora do Estado Moderno francs e ingls;
5 PAIS, Marco Antnio de Oliveira. O despertar da Europa: a baixa idade mdia. So Paulo: Atual, 1992, p. 77.
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tiCA E fiLoSofiA PoLtiCA unidAdE niCA
assim, funde o jurdico com a liturgia crist. E essas pesquisas utilizam como referncia Mircea
Eliade antroploga religiosa , Georges Dumzil antroplogo histrico , a sociologia pautada
em Weber e historiadores do direito, como Percy Ernst Schramm.
Esses rituais criam uma imagem ldica da realidade, em uma representao, uma figurao, uma
histria que se enlaa em sujeitos que se tornam personagens.
Nos escritos de Deleuze e Guattari, sobretudo quando analisam a obra de Kafka, falam do devir,
e a este podemos comparar o desejo revolucionrio poltico, quando os personagens resistem s
transformaes jurdicas da subjetividade. H o prembulo de um tornar-se outro quando em
situaes em que o desejo culmina no ato criador.
O tornar-se nada tem de metafrico. Nenhum simbolismo, nenhuma alegoria.
No tambm o resultado de um erro ou de uma maldio, o efeito de uma
culpa. Como diz Melville a propsito do tornar-se baleia do capito Achab,
trata-se de um panorama, no de um evangelho. Trata-se de um mapa de
intensidades. Trata-se de um conjunto de estados, distintos uns dos outros,
enxertados no homem na medida em que ele busca uma sada. Trata-se de uma
linha de fuga criadora, que nada quer dizer alm dela mesma.6
Quando Deleuze e Guattari negam o carter metafrico do devir, eles afirmam que h uma literalidade
nas obras escritas, quando da transformao ou mutao dos personagens. Para eles, o desejo no est
sob as bases da psicanlise, no se relaciona com a subjetividade de dipo, por exemplo. Hans, ao se
deparar com um cavalo que se debate na rua, no tem em seu inconsciente a relao com seu pai, mas seria um devir natural, um tornar-se cavalo.7 No nvel psquico, as transformaes sociais decorrem da economia e da poltica, mais do que como em uma tragdia grega. Deleuze e Gattari ressaltam que as transformaes no querem dizer outra coisa seno elas mesmas, resultado do desejo de quem sofre a
transformao, como acontece com o capito Achab, de Hermann em Melville.
Convm, para compreend-lo bem, considerar sua lgica: Todo devir forma
um bloco, em outras palavras, o encontro ou a relao de dois termos
heterogneos que se desterritorializam mutuamente. No se abandona o que se para devir outra coisa (imitao, identificao), mas uma outra forma de
viver e de sentir assombra ou se envolve na nossa e a faz fugir. A relao
mobiliza, portanto, quatro termos e no dois, divididos em sries heterogneas
entrelaadas: x envolvendo y torna-se x, ao passo que y tomado nessa relao
com x torna-se y. Deleuze e Guattari insistem constantemente na recproca do
processo e em sua assimetria: x no se torna y [...] sem que y, por sua vez,
venha a ser outra coisa [...]. 8
A poltica aparece via resistncia frente ao que aprisiona. A formao jurdica da subjetividade
se depara com a incompreenso de um fenmeno, uma vez que aos sujeitos esto encerrados
juridicamente, mas so impelidos a um devir. Ressaltamos que se trata de um tornar-se outro,
frente ao que determina juridicamente a identidade do sujeito.
6 DELEUZE, G. Crtica e Clnica. So Paulo: 34, 1997, p. 54.7 DELEUZE, G. & PARNET, C. Psicanlise morta anlise, in Dilogos. So Paulo: Ed. Escuta Ltda, 1998.8 ZOURABICHVILI, Franois. O vocabulrio de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 2004, p. 48-49.
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UNIDADE NIcA TIcA E FILOSOFIA POLTIcA
Deleuze e Gattari, ao falar de Kafka, no o interpretam via psicanlise ou via subjetividade
exacerbada, que colocam as obras do literato na esfera intimista e fantasiosa.
Por isso to desagradvel, to grotesco, opor a vida e a escritura em Kafka,
supor que ele se refugia na literatura por carncia, fraqueza, impotncia
diante da vida. Um rizoma, uma toca, sim, mas de modo algum uma torre de
marfim. A linha de fuga criadora traz com ela toda a poltica, toda a economia,
toda a burocracia e a jurisdio: ela as suga, como o vampiro, para faz-las
dar sons ainda desconhecidos, que pertencem ao futuro prximo fascismo,
estalinismo, americanismo, as potncias diablicas que batem porta.9
Os autores falam, ento, das transformaes como um fato poltico-tico-esttico, em uma expresso
dos personagens como revoluo ao estabelecido, seria a micropoltica do desejo10. Devemos ler Kafka como o mundo real, pois as determinaes se do na prtica, na literalidade, segundo Deleuze
e Gattari.
No h nada metafrico ou simblico nas tenses cotidianas de alguns romances, e Deleuze e Gattari
veem em Kafka o desejo ultrapassando o jurdico e o burocrtico.
Em O Processo, Kafka coloca as aes sob a ordenao do Estado, mas em um processo em que a
justia no se faz valer perante todo o cientificismo que a apoia. O desejo aparece como infindvel,
colocando os sujeitos em uma situao espinosiana de autoproduo do ser. A partir dessa obra, Deleuze e Gattari colocam que as leis terminam sem seus enunciados, ou seja, no h nada alm
deles, e sempre so inflamadas de culpa.
Enfim, porque no tem objeto de conhecimento, a lei s se determina na medida
em que se enuncia e s se enuncia no ato de castigo: enunciado no prprio real,
no prprio corpo e na carne; enunciado prtico, que se ope a toda proposio
especulativa.[...] Enfim, no a lei que se enuncia em virtude de sua simulada
transcendncia, quase o contrrio, o enunciado, a enunciao que forma
a lei, em nome de um poder imanente daquele que enuncia: a Lei se confunde
com o guardio, e os escritos precedem a lei, longe de serem sua expresso
necessria e derivada11.
De fato, o desejo percorre a justia, uma vez que em um processo judicial, h tambm o processo do
desejo, neste caso, determinando as relaes de poder. Desenha-se aqui o conceito de ponto de fuga,
em que se abre um novo campo de possibilidades, ou uma reconfigurao de formas. Seria a fuga de
que falam Deleuze e Gattari sobre os literatos anglo-americanos, que saberiam fazer fugir e seguir
uma linha de maneira a criar novos caminhos, inditos.12 Seria uma evaso do j dado, como se o
eu do sujeito se levasse por caminho em que ele mesmo fugisse do estado de sujeito e se tornasse
outros. A transformao, ento, no se d perante opes dadas nossa conscincia, mas como
fuga, e esta fuga aqui a expresso do ser ativo.
9 DELEUZE, G. Crtica e clnica. So Paulo: 34, 1997, p. 62.10 DELEUZE, Gilles; Guattari, Flix. Mil plats. So Paulo. Editora 34, 1997.11 Idem, p. 67-68.12 DELEUZE, G. & PARNET, C. Psicanlise morta anlise, in Dilogos. So Paulo: Ed. Escuta Ltda, 1998, p. 49.
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TICA E FILOSOFIA POLTICA UNIDADE NICA
Fugir no exatamente viajar, tampouco se mover. Antes de tudo porque h
viagens francesa, histricas demais, culturais e organizadas, onde as pessoas
se contentam em transpor seu eu. Em seguida, porque as fugas podem
ocorrer no mesmo lugar, em viagem imvel. Toynbee mostra que os nmades,
no sentido estrito, no sentido geogrfico, no so migrantes nem viajantes, e
sim, ao contrrio, os que no se movem, os que se agarram estepe, imveis a
grandes passos, seguindo uma linha de fuga no mesmo lugar, eles, os maiores
inventores de armas novas.13
A linha de fuga, portanto, coloca o sujeito frente a uma condio dicotmica que se d em uma
tomada de deciso. Revolucionar toma a forma do fugir = fazer fugir a esse contexto de dicotomias
que estriam previamente a percepo, a afectividade, o pensamento, encerrando a experincia em
formas totalmente prontas, inclusive de recusa e de luta.14
A linha de fuga traada sobre um plano de intenes em que se desenham novos campos de
afeces, por meio de deslocamento em uma ruptura espao-temporal, desviando da lgica e dos
cdigos j estabelecidos.15
Em Kafka, como em Proust, ocorre a unio entre literatura e poltica, em que a linguagem mesma
desterritorializada, desdobrando-se por novos territrios. Deleuze e Gattari falam que este efeito se
d em literaturas menores, ou seja, diferente das maiores, das oficiais. A literatura menor poltica,
no momento em que a minoria se expressa falando coletivamente.
As trs caractersticas da literatura menor so de desterritorializao da lngua,
a ramificao do individual no imediato-poltico, o agenciamento coletivo de
enunciao. Vale dizer que menor no qualifica mais certas literaturas, mas
as condies revolucionrias de toda literatura no seio daquela que chamamos
de grande (ou estabelecida).16
Na desterritorializao da linguagem, se abre um campo de possibilidade para a escrita. Se um autor estrangeiro escrever utilizando a lngua portuguesa, a linguagem, de fato, se desterritorializa, ela toma outra forma, entra em outro entendimento.
Esse novo territrio que a linguagem capaz de alcanar d-se como deslocamento da lngua como
ao poltica, desviando e operando no cnone lingustico.
vlido falar um pouco de Cindy Sherman, que assume diversas personalidades, modificando seu
eu externo e se fotografa nessas diferentes maneiras.
13 Idem, p. 50-51.14 ZOURABICHVILI, Franois. O vocabulrio de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 2004, p. 57.15 DELEUZE, G. & PARNET, C. Psicanlise morta anlise, in Dilogos. So Paulo: Ed. Escuta Ltda, 1998, p. 54-55.16 DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Flix. Kafka: por una literatura menor. Mxico: Ediciones Era. 1978, p. 28.
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UNIDADE NIcA TIcA E FILOSOFIA POLTIcA
Figura 2
Sherman parece fabricar corpos em suas inmeras representaes e possibilidades, brincando
com clichs femininos e histricos. Em centenas de imagens, sejam fazendo referncia a cones
conhecidos ou mesmo sujeitos comuns e at mesmo imaginrios, a artista parece ser outro que
no ela mesma. A sua identidade ultrapassada para alm do limite do sujeito e se torna uma
fabricao em autorretratos.
Figura 3
De fato, Cindi Sherman explora a construo de uma identidade contempornea, elaborada a partir
de imagens flmicas, televisivas, de revistas e da prpria arte, afastando-se da esttica e da tica na
medida em que ficcionaliza o eu.
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CAPtuLo 3 A mudana de paradigma cultural e a crise da civilizao
A crise no Brasil no se dissocia da crise da civilizao que acomete o mundo todo, principalmente no que se refere mudana de paradigma cultural. mesmo perceptvel o envolvimento em uma imensa crise civilizatria, em meio a um processo qualificado como a desumanizao da humanidade. E
isso em decorrncia do afastamento do sujeito do ncleo do processo de organizao da sociedade e
da economia, em detrimento de entidades mercadolgicas ou do meio ambiente, tidas como tendo
seus prprios direitos.
A cunho ilustrativo do que seria essa desumanizao, nos deparamos com o jornal O Globo17, que profere a notcia: lavrador preso por raspar casca de rvore. No caso, um lavrador de Gois ficou
preso por sete dias por ter raspado a casca de uma rvore Almesca em uma rea de preservao ambiental, a fim de encontrar o ingrediente para o ch de sua mulher, portadora da doena de chagas.
Aqui est o conceito do biocentrismo, cunhado pelos radicais ambientalistas, que visa colocar os
direitos inalienveis e o ser humano no mesmo patamar que os outros seres vivos. lamentvel, diz
Geraldo Lus Lino, na palestra proferida no Painel Brasil Soberano e a Expresso Psicossocial, na
Adesg-RJ, em 2000, que essa distoro, que est no centro do movimento ambientalista, esteja se
tornando cada vez mais forte diante das polticas pblicas.
A Federao Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho divulgou
um relatrio a respeito dos desastres mundiais de 1999, considerando que grande parte das 13
milhes de mortes ocasionadas por doenas infecciosas poderia no ter ocorrido se fossem investidos
somente cinco dlares per capita. Seriam 65 milhes de dlares, pouco diante de dois trilhes de dlares que permeiam por dia os mercados financeiros.
Perante todas essas notcias, os prximos historiadores certamente concluiro uma crise do final do
sculo XX, prxima que ocorreu no sculo XIV. O que muda que, atualmente, o homem j possui
conhecimento e meio para moldar seu futuro, solucionando muitos problemas, como a misria e as
epidemias. O Banco Mundial, em 1998, fazendo referncia ao desenvolvimento do mundo, coloca que precisaria investir 100 bilhes de dlares anualmente para erradicar a pobreza e a misria dos
pases. O Brasil, em 2000, gastou dois teros desse valor com suas dvidas.
Alguns estudos ainda denunciam que possvel que cada cidado do globo tenha um padro de vida
como o de um americano dos anos 1960 tido como maior que o de hoje se o mundo trabalhasse
nessa esfera, e levaria o tempo menor que uma gerao. Isso no se d atualmente devido falta de direcionamento das esferas polticas hegemnicas e dos poderes dominantes, e no em decorrncia
de recursos naturais, humanos e financeiros escassos.
Igual otimismo permeava os dirigentes no perodo ps-guerra, de modo a Carmem Soriano Puig
denomin-lo de revoluo das expectativas crescentes. A boa esperana no se pautava na
17 De 24 de junho de 2000.
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UNIDADE NIcA TIcA E FILOSOFIA POLTIcA
subjetividade, mas em um real fundamento: houve, entre 1950 e 1973, o maior crescimento do
PIB per capita mundial em toda a existncia humana. Isso se deu pelo xito do Bretton Woods, sistema monetrio institudo ao trmino da Segunda Guerra Mundial. Tal sistema no era isento de problemticas, porm, possua taxas fixas de cmbio entre as moedas de muitos pases, estabelecidas
de acordo com o dlar, que era cunhado em relao ao ouro. Dessa maneira, no havia especulaes.
Mas ocorreu, sim, a destruio desse mote, acarretando em um caos econmico que permeia at hoje.
Um enorme otimismo tecnolgico acompanhava a economia do ps-guerra, ratificado por
ocorrncias cientficas, como a busca de se chegar ao espao pelos EUA e URSS, a vontade de um
uso pacfico da energia nuclear, os avanos da Medicina, a revoluo verde. Houve tambm as
dcadas de desenvolvimento das Naes Unidas e a doutrina social da igreja catlica, com a
encclica populorum progressio.
Mas como se deu a reverso de otimismo para um quadro de depresso, de poucas perspectivas culturais, onde prevalece apenas a luta pela sobrevivncia cotidiana? Houve, de fato, a chamada
mudana de paradigma cultural, induzida de maneira artificial aos educadores da sociedade aps
a dcada de 1960.
vlido constatar que, desde os tempos remotos, a sociedade conduzida por elites hegemnicas e
oligarquias, que trabalham na engenharia social18. A presidente da Fundao Macarthur19, Adele S. Simmons, falou:
H vinte anos, quando a fundao Ford decidiu investir em um centro de
estudos acadmicos o Cebrap , idealizado na poca por um socilogo
chamado Fernando Henrique Cardoso, a situao poltica brasileira no era
particularmente slida. Foi feita uma aposta em um grupo que, vinte anos
atrs, parecia ter o perfil de uma futura liderana. Deu certo.20
Vemos agora declarao de Fernando Henrique21:
Indiscutivelmente, o regime est rearticulando o sistema produtivo do Brasil.
Portanto, ele est dando possibilidade a que os setores mais avanados
do capitalismo tenham prevalncia... Nesse sentido, ele socialmente
progressista... No das classes mdias burocrticas, nem das classes mdias
que ficaram desligadas desses dois processos a modernizao produtiva
e da universalizao dos bens sociais. (por favor, no riam!) No dos
corporativistas, no do setor burocrtico anterior. Mas tambm no vou
dizer que seja dos excludos, porque no tem condio de ser. Aspiraria a poder
incorporar mais, mas no posso dizer que seja.
18 Por vezes, as fundaes, alm de evadir impostos, exercem a funo de engenharia social, de modo a financiar rgos e indivduos. E algumas universidades acabam por exercer suas atividades de acordo com os interesses da classe dominante.
19 A Fundao MacArthur a quinta maior fundao oligrquica americana.20 Em entrevista Revista Veja, em julho de 1995.21 Em entrevista Folha de So Paulo, em outubro de 1996.
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tiCA E fiLoSofiA PoLtiCA unidAdE niCA
Aqui vemos que Fernando Henrique reconhece que o governo privilegiou os setores mais avanados
do capitalismo, e um deles justamente o representado por Adelia Simmons. Vlido falar do
Dilogo Interamericano, organizao fundada em 1982, aps a Guerra das Malvinas, dando o mote
e centralizando o planejamento estratgico e a propaganda poltica anglo-americana em direo a
todo o ocidente. Dele participam em torno de cem personalidades da rea poltica e da academia, alm de outras esferas, de muitos pases americanos, e o Brasil no ficou de fora.
Uma reunio acontece todos os anos, quando so discutidos assuntos de interesses comuns,
que depois so transformados em polticas de governo dos pases participantes, como defender a legalizao de drogas, adotar uma poltica neoliberal na economia, a politizao das questes
ambientais, a desestabilizao das Foras Armadas ibero-americanas. Vrias autoridades polticas
fizeram ou ainda fazem parte do Dilogo, como Ral Alfonsn (Argentina), Julio Sanguinetti
(Uruguai), Gonzalo Sanchez de Lozada (Bolvia) e Fernando Henrique Cardoso. Luiz Incio Lula da
Silva participa desde os anos 1990, e Ciro Gomes foi membro de 1994 a 1998. No podemos deixar
de observar que os candidatos mais votados nas eleies anteriores ao ano de 2000 eram do Dilogo
Interamericano. As oligarquias, ento, tiveram os seus interesses muito bem garantidos.
E como ocorre a estruturao dessas personalidades? Elliott Roosevelt, filho de Franklin Roosevelt,
foi oficial da Fora Area na Segunda Guerra Mundial, acompanhando o pai em vrias reunies
e conferncias pelo mundo, e disso resultou a obra Como meu pai os via. Essas personalidades
que se reuniam eram consideradas, por ele, de inimigos do progresso, ou seja, defensores da
oligarquia, distanciando-se de uma repblica. E h, de fato, inmeras famlias nesse segmento na
Europa, sobretudo no Reino Unido, e na Amrica do Norte, na tangncia da Casa de Windsor. Eles
autodenominam-se Clube das Ilhas, homenageando o rei Eduardo VIII, que esteve ao trono de 1901
a 1910, quando a esfera britnica e a estadunidense se articularam. As oligarquias agem mediadas
por muitas instituies de planejamento estratgico, que trabalham em prol da engenharia social.
Dentre elas, colocadas aqui de maneira hierrquica, esto:
Grupo Bilderberg, com incio de 1954, onde participam apenas a mais alta elite e somente europeia e norte-americana. Exerce um enorme poder sobre o mundo, e
suas decises ocorrem em reunies anuais. Foram eles que decidiram, por exemplo,
em uma de suas reunies, em 1973, na Sucia, a alta de 300% dos preos do petrleo
no mundo inteiro, alguns meses antes da Guerra dos Seis Dias.
Instituto Real de Assuntos Internacionais de Londres (RIIA) e Conselho de Relaes Exteriores de Nova York (CFR), representando os grupos oligrquicos britnicos e
norte-americanos, iniciados na dcada de 1920.
Comisso Trilateral, surgida por meio da famlia Rockefeller, em 1973. Esta oligarquia tinha por objetivo a atrao de representantes da elite japonesa.
Dilogo Interamericano, a nica da qual fazem parte latino-americanos. Rand Corporation, Instituto Hudson, Clube de Roma22, Instituto Tavistock23 e as
fundaes Ford, Rockefeller e MacArthur.
22 Que tinha a funo de difundir a ideologia dos limites de crescimento.23 Constitui-se em um importante centro de guerra psicolgica e engenharia social.
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UNIDADE NIcA TIcA E FILOSOFIA POLTIcA
No podemos deixar de elencar o enorme poderio das oligarquias, que controlam de maneira direta
as instituies:
Banco da Inglaterra, Sistema da Reserva Federal dos EUA e Banco de Compensaes Internacionais da Basileia. Fundo Monetrio Internacional, Banco Mundial,
Organizao Mundial do Comrcio, Programa das Naes Unidas para o Meio
Ambiente e para o Desenvolvimento. Casas bancrias e financeiras europeias e da
Amrica do Norte, muitos escritrios jurdicos, alm de inmeros cartis. Tambm
os regimentos mundiais das ONGs. E esto em estreita comunicao com os servios de inteligncia da Inglaterra e dos Estados Unidos.
A efetivao da mudana de paradigma cultural foi dada mediante do seguimento de diretrizes
polticas que cunhavam por:
reverter o pensamento de progresso como sendo de carter vocativo da humanidade; instituir o conceito de um Estado nacional que deve promover o bem-estar e o
progresso, destituindo a ideia de um republicanismo;
promover o hedonismo e o individualismo.As diretrizes foram:
O desmembramento do Bretton Woods, acarretando na financeirizao da economia do mundo. Fato este que se deu aps 1971, com o convencimento do ento
presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon de cindir a paridade entre o dlar e
o ouro, acabando com referenciais monetrios e dando lugar s oscilaes cambiais
e especulao financeira.
A especulao como fim em si mesma, sem vnculos com o real, seria a essncia da globalizao?
Lyndon La Rouche, economista, fala da necessidade de uma nova conferncia de Bretton Woods,
a fim de refazer todos o sistema financeiro e monetrio do mundo, construindo a economia sobre
novos pilares, como a defendida pelo governo chins, a saber, a Ponte Terrestre Eurasitica.
Promover a sociedade ps-industrial, a ideia enganosa de uma sociedade da informao. De fato, isso o cerne da Nova Economia que pautada nos altos e
baixos de Nasdaq.
Promover a contracultura inseminada de drogas entorpecentes , popularizar internacionalmente o rock antes de pouca abrangncia nos Estados Unidos e a revoluo sexual. Em consequncia, o conceito de famlia mudou de caractersticas.
Ocorreu tambm a ascenso do misticismo, denominada Nova Era.
Politizao do malthusianismo e do ambientalismo, disseminando a ideia de que no possvel que todas as civilizaes se beneficiem da industrializao, devido escassez
dos recursos naturais. Eles defendem muitas questes antidesenvolvimentistas em
prol da proteo da natureza, quando esto escondidos atrs de fatores polticos.
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TICA E FILOSOFIA POLTICA UNIDADE NICA
Executar as reformas educacionais, substituindo os currculos clssicos pelos profissionalizantes, sobretudo no ensino mdio. Teve incio na esfera da
Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico, colocadas em
prtica tambm nos Estados Unidos e depois em vrios outros pases. Tal reforma
acarretou em sistemas que no mais primavam pela formao de indivduos com uma boa e vasta viso social, nem formavam profissionais de qualidade.
Instituir as estruturas que se constituem em um governo mundial, substituindo os pases soberanos e suas instituies.
Geraldo Lus Lino defende a necessidade de se retomar os antigos currculos, que formam um cidado com vises gerais, pois seria inconcebvel especializar para profisses que possam no mais
existir em poucos anos e para aquelas que ainda no se configuraram. Segundo ele, o Brasil adotou
essas reformas durante o governo militar, com os acordos MEC-Usaid, sem fazer uma prvia crtica,
causando graves consequncias na educao.
O fundador do clube de Roma, Alexander King, tambm um dos elaboradores da reforma
educacional, e fala:
O Clube de Roma se originou de um sentimento de que o crescimento pelo
crescimento no era uma boa coisa [...] O que foi discutido foi a questo da
inquietao educacional, a questo da necessidade de profundas reformas
educacionais para tornar a juventude mais sintonizada com o que estava
acontecendo, mais sintonizada com as realidades da sociedade. As discusses
levantaram a questo da destruio ambiental, a questo da alienao do
indivduo, rejeio da autoridade e outros temas do gnero. Tudo isso surgiu
ao mesmo tempo... Ns inventamos toda a questo das reformas curriculares,
tentando ensinar matemtica, qumica etc., de novas maneiras. Ns ramos
o nico grupo que comeou a ver a educao em termos do seu impacto
econmico... Grosso modo, nossa poltica era a de que deveramos estar pelo
menos cinco anos frente do pensamento dos Estados nacionais. Entretanto,
nunca deveramos parecer estar mais do que dois anos frente.24
Aqui ganha relevncia a elaborao de uma legislao internacional no que concerne a temas
importantes, como o desarmamento e cessar a proliferao de armas de destruio de massa, o problema ambiental, os direitos humanos, a corrupo e promover a democracia.
Jos Carlos Dias, ex-ministro da Justia, um pouco antes de sair do ministrio, fez um convnio com
a Transparncia Internacional. Essa ONG teria a funo de fiscalizar a honestidade das licitaes
do governo do pas. Mas esse papel no deveria ser de um Estado e sua soberania? Seria mesmo necessrio que uma entidade que no pode representar os interesses brasileiros, e sem ter sido eleita, exera essa ao? No podemos deixar de mencionar que a ONG Transparncia Internacional
aliada ao prncipe Philip, e seus partidrios foram selecionados em meio a sujeitos que trabalharam
no Banco Mundial e no FMI.
24 Em entrevista revista Executive Intelligence Review, em junho de 1981.
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UNIDADE NIcA TIcA E FILOSOFIA POLTIcA
Vale salientar que a ao das ONGs na esfera poltica, atuando como agentes, no lugar das instituies nacionais, importantssimo para esse processo. No obstante, Fernando Henrique
Cardoso denominava as ONGs de organizaes neogovernamentais.
O Movimento Viva Rio participa ativamente na preparao da segurana cidad25, em substituio da segurana nacional, tida como retrgrada pelos governos militares. Nesse contexto, est a
errnea considerao de que a finalizao da Guerra Fria poderia autenticar a desmilitarizao,
a abreviao da efetivao das Foras Armadas dos Estados, sobretudo dos subdesenvolvidos. Mas
aqui esto excludas as foras da Otan.
Muitos se perguntam se possvel estancar essa degenerao civilizatria, e, diante desse
questionamento e das aes de grandes personalidades mundiais, Abraham Lincoln afirma: pode-
se enganar todos por algum tempo e alguns por todo o tempo, mas no se pode enganar a todos por todo o tempo. Assim, seria mais prudente perguntar: como podemos frear a mudana de
paradigma cultural que as oligarquias impuseram? Talvez seguindo o exemplo dos chineses, que
colocam na crise a configurao de novas oportunidades; de outra Idade das Trevas em direo a
um Renascimento, de modo a retomar expectativas deixadas de lado no passado.
Mas isso s ser possvel com o surgimento de uma elite que possa, conscientemente e de modo
determinado, colocar em uso outros princpios de civilizao. E essa elite no se refere aos indivduos que possuem um maior poder aquisitivo ou so influentes politicamente, mas queles que se
preocupam e que agem para alm de seu universo, na defesa pelo bem da comunidade e da prpria
humanidade. De fato, esses cidados tero que ser ainda formados e ns podemos contribuir para
que isso ocorra, adotando princpios civilizatrios. Adicionado a isso, poderia haver um projeto
nacional, conceito um pouco retrgrado em meio a um mundo globalizante.
Um projeto nacional retomaria o princpio republicano e a noo de progresso, seguindo o preceito da
igualdade de interesses entre as esferas que representam a sociedade, da equivalncia de oportunidade entre os cidados, solidariedade entre os sujeitos, isentando todos de falar em excludos, que seria
apenas uma justificao para no se comprometer com algumas esferas sociais.
A crise dos valores na contemporaneidade
Paul Valry j falava do descrdito dos valores morais tradicionais, fato que se deu juntamente com
o trmino da hegemonia poltica e econmica europeia. Diz ele: [] a nossa gerao [] assistiu
tambm negao brutal das nossas ideias mais evidentes. [] J no podemos ento confiar no
Saber e no Dever?26 De fato, esses valores (trabalho, esforo, famlia, ptria) foram colocados sob suspeita a partir dos adventos da Primeira (1914-1918) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Essa crise teve lugar em Portugal com a Primeira Repblica e somente emergiu novamente depois que Estado Novo27 intercedeu com seu autoritarismo.
25 A ento nova poltica de segurana do Pas.26 VALRY, Paul. Varit. Paris: Gallimard, 1927.27 O Estado Novo fez a sua interseco com o regime do ps-25 de Abril de 1974. Vlido ressaltar que havia uma estrutura de
valores estveis, mas passveis de questionamento pelos democratas.
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TICA E FILOSOFIA POLTICA UNIDADE NICA
A Europa ficou desmoralizada em detrimento das duas guerras, que teve como consequncia a morte
de milhares de pessoas. Como uma possibilidade de liberdade diante das ideologias estanques,
cerradas e totalitrias, surgiu o Existencialismo, que primava pela realizao individual por meio de
projetos pessoais.
Vale fazer referncia ao expressionismo nas artes plsticas, uma tendncia artstica europeia,
cunhado na Alemanha, de 1905 a 1914. O termo foi utilizado pela primeira vez na revista Der Sturm28, em 1911, opondo-se ao impressionismo francs, que registrava a natureza por meio de sensaes visuais momentneas. Os expressionistas primavam pela expresso vinda do artista em
direo ao real, longe daquelas paisagens de Claude Monet (1840-1926). A arte est relacionada
ao, por meio da qual a imagem se constitui, ao se utilizar as cores e as formas de modo a recusar a verossimilhana.
O movimento se afirma com o grupo Die Brcke29, fundado em Dresden no ano de 1905, por Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938), Karl Schmidt-Rottluff (1884-1976), Erich Heckel (1883-1970), Emil
Nolde (1867-1956), Ernst Barlach (1870-1938), dentre outros. Objetivam a crtica social da arte,
a utilizao da tinta de maneira forte e vigorosa, relacionar-se com as artes grficas, sobretudo a
xilogravura, o olhar voltado para a arte primitiva, sempre tendo o cotidiano como potica.
O expressionismo direciona seu olhar para o romantismo alemo, na questo em torno da
individualidade do sujeito diante da natureza, bem como permeando a expresso da irracionalidade,
a exemplo de Vincent van Gogh (1853-1890) e Paul Gauguin (1848-1903). A imaginao de Jame
Ensor (1860-1949) tambm ganha espao, assim como a retomada de um simbolismo, no que diz
respeito ao mundo onrico, mesmo que ocorra o descarte da viso transcendental e do espiritualismo. Talvez o maior expoente do movimento seja Edvard Munch (1863-1944), que sofre influncias de
Ibsen e Strindberg, alm de Van Gogh e Gauguin, quando enfatiza a tragicidade da vida humana.
Figura 4: O Grito, de Munch (1893)
28 A revista constitua-se em um importante veculo do movimento, e significa A Tempestade.29 A Ponte.
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O movimento expressionista se desdobra com o Der Blaue Reiter, fundando em 1911 por Franz Marc (1880-1916) e Wassily Kandinsky (1866-1944). Depois da Primeira Guerra Mundial, o
expressionismo manifesta nos trabalhos dos artistas da neue sachlichkeit30, a exemplo de Otto Dix (1891-1969) e George Grosz (1893-1959). Alvo do nazismo, em 1933, foi considerado uma arte
degenerada, assim, retomada somente depois do trmino da Segunda Guerra Mundial, criticando o fascismo e denunciando os males da guerra, como fez Picasso (1881-1973), em Guernica31.
Figura 5: Guernica, de Picasso (1937)
Tambm cunhado no expressionismo, aparecem os trabalhos de Constant Permeke (1886-1952),
Gustave de Smet (1877-1943), Jan Toorop, H. Werckmann, na Blgica e na Holanda; Henri Matisse
(1869-1954), Andr Derain (1880-1954), Raoul Dufy (1877-1953), Georges Rouault (1871-1958),
Marc Chagall (1887-1985), Chaim Soutine (1893-1943), na Frana, todos dialogando a sua maneira
com o movimento. Lembramos ainda de Egon Schiele (1890-1918) e Oskar Kokoschka (1886-1980)
estudantes das obras freudianas , na ustria, e do expressionismo abstrato, que se d nos Estados
Unidos aps a dcada de 1950.
Os trabalhos de 1915 e 1916, como O Japons, A Estudante Russa e A Boba denunciam a vertente expressionista de Anita Malfatti (1889-1964), revelada tambm em Lasar Segall (1891-1957), Oswaldo Goeldi (1895-1961), Flvio de Carvalho (1899-1973) e Iber Camargo (1914-1994).
Figura 6: Abandono, de Goeldi (1937)
30 Nova Objetividade.31 Guernica o resultado do olhar de Picasso acerca das consequncias do bombardeio na cidade de Guernica, antes capital
basca, em meio Guerra Civil Espanhola, em 26 de abril de 1937.
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TICA E FILOSOFIA POLTICA UNIDADE NICA
O modelo grego de tica, pautada na prudncia, na justia e na temperana, foi renegado, no
obstante a vontade europeia em fundamentar um modelo diverso, por meio da Comunidade Econmica Europeia/Unio Europeia, elaborado por Jean Monnet e Robert Schuman. Em seu lugar primava o modelo de sucesso da Amrica, sob o pragmatismo de William James e o utilitarismo de John Stuart Mill.
Na contemporaneidade, os indivduos passaram a exigir seus direitos, mas esqueceram de que
tambm possuem deveres; a honra e a honestidade, por exemplo, parecem no mais existir.
No contexto da globalizao, est o narcotrfico, que cada vez mais se dissemina em todos os pases,
dos menos desenvolvidos aos mais promissores. Interessante o livro A Rainha do Sul32, de Arturo Prez-Reverte, que trata justamente da fcil circulao das drogas provenientes da Amrica do Sul
em direo ao sul espanhol e Marrocos, abastecendo os mercados da Europa.
Em outra esfera est a violncia, j banalizada na vida cotidiana e nos meios televisivos, tornando a
fora um valor tico favorecendo o pragmatismo. Maquiavel mesmo falou de princpios semelhantes
que um verdadeiro prncipe deveria ter. O terrorismo parece vigorar diante do ineficaz combate da
ONU, que acaba por potencializar esse fenmeno e a contrapartida neoconservadora de G. W. Bush,
pautada nos ideais de Paul Wolfowitz. Adriano Moreira j denunciava:
De modo que nos encontramos numa situao de total falta de ordem, porque
se disfuncionou o sistema dos Pactos Militares, sem capacidades sabidas para
retomar o modelo observante da Carta da ONU, procurando implant-lo
como modelo observado, mas obrigados a recorrer aos planos de contingncia
como meio de enfrentar os picos mais desafiantes desta anarquia madura da
comunidade internacional, como lhe chamou Buzan.33
Os estados parecem decair alegando problemas financeiros, o que nos remete questo Malthusiana
dos recursos inexistentes perante o crescimento demogrfico. Isso os torna enfraquecidos e
sem condies de apoiar os menos abastados. Essa escassez de recursos financeiros atrelada ao
aniquilamento dos valores tradicionais responsabilidade, dever, trabalho pem em descrdito
as instituies estatais educativas e da justia.
A falta de tica, sobretudo a financeira, que permeia o incio do sculo XXI, acarretou em um aumento
das fraudes fiscais e as especulaes. De fato, o mundo caminhou de maneira veloz em direo
ao novo mundo, como advertiu, em 1932, Aldous Huxley34, transformando os sujeitos em seres
isentos de moralidade. A coeso social desmantelada pelo individualismo e o senso competitivo, e isso em uma esfera global aos moldes do capitalismo.35
Mudanas tecnolgicas permeiam pela contemporaneidade, conduzindo os cidados a uma vida
com qualidade reduzida, denunciada mesmo pela Expo 2010, em Xangai. Toda essa tecnologia
aumenta as margens de lucros das empresas, e o consumo estimulado; o ter (material) torna-se
mais importante que o ser (humanismo), e o ocidente, ento, a fim de tentar equilibrar-se, aposta
32 PREZ-REVERTE, Arturo. A rainha do sul. Lisboa: Asa, 2003.33 MOREIRA, Adriano. A tica nas relaes internacionais, in Estudos da Conjuntura Internacional. Lisboa: Publicaes Dom
Quixote, 2000, p. 287.34 HUXLEY, Aldous. Admirvel mundo novo. Lisboa: Livros do Brasil, 1981.35 Ver FRIEDMAN, Milton. Liberdade para escolher. Publicaes Europa-Amrica, 1982.
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UNIDADE NIcA TIcA E FILOSOFIA POLTIcA
nas medicinas alternativas, nas iogas, nas acupunturas, nos saberes milenares orientais, que cada vez mais agregam adeptos, sobretudo os trabalhadores nos moldes capitalistas.
O relativismo tico coloca a dificuldade das verdades absolutas, e isso apontado por Max Weber
em Ensaios sobre a teoria das cincias.
[...] em Max Weber, subsiste uma diferena fundamental entre a ordem
da cincia e a ordem dos valores. A essncia da primeira a submisso da
conscincia aos fatos e s provas, a essncia da segunda a livre escolha e a
livre afirmao. Ningum pode por meio de uma demonstrao ser levado a
reconhecer um valor ao qual no adira.36
Nuno Sotto Mayor Ferro nos lembra da pintura de Rafael Sanzio na Stanza della Segnatura, no Vaticano, em que retrata as virtudes justia, temperana, fortaleza e prudncia), que deveriam
permear os bons sujeitos tornando-os honrados cidados, no possibilitando que o mundo caminhe
em direo a uma tica inerte.
As mudanas de paradigmas nas histrias infantis
Com tantas mudanas ocorrendo em esfera mundial, a maneira de se educar e, sobretudo, de contar histrias s crianas, tambm se tornou diferente, basta se ater Procura de Nemo e Shrek.
Bettelheim, em A Psicanlise dos Contos de Fadas, colocou que, maneira tradicionalista, os
contos de fadas aliviavam as dores infantis por meio de resgates, escapes e consolos. Isso se dava
devido evoluo da psique para outro estgio, uma vez que as histrias lidam simbolicamente
com acontecimentos conflituosos entre a criana e o mundo real. Hoje, com as novas abordagens
como, por exemplo, a princesa que beija o sapo e transforma-se em um deles tambm acarretam
um alvio psicolgico, mas agora centrado na aceitao de si e na crena de poder ser feliz pelos
prprios meios.
Por muito tempo, os interesses dos sujeitos e da sociedade no convergiam: casamentos arranjados,
regras de postura profissional, aliados comerciais e polticos de um lado e liberdade, criatividade e
espontaneidade de outro. Esses ltimos, sempre tidos como uma ameaa s reas de produo e s bases familiares.
Desde Plato, chegando a Comte, houve o incentivo para que os indivduos cultivassem o que havia
de melhor em si, tomando como base os moldes pr-idealizados que cercava os interesses comuns.
A imperfeio do eu necessitava de um autocontrole, no obstante, quem era contrrio s leis era
desprezado, humilhado exilado e, muitas vezes, morto.
Na contracultura apareceram filsofos como Nietszche, que denunciavam a antropometria de
escravizao humana, lutando pelo direito liberdade. Dizia ser o eu perfeito, precisando apenas
se impor, e aqui no haveria, nem seria possvel, uma transformao em outro eu, diferente ou
mais qualitativos.36 ARON, Raymon. As etapas do pensamento sociolgico. Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1991, p. 499.
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TICA E FILOSOFIA POLTICA UNIDADE NICA
De fato, desde as ltimas dcadas so sculo XX, os indivduos conseguem seus espaos diante de
valores estanques. difcil algo que possa escandalizar a sociedade contempornea tolerncia religiosa, divrcio, homossexualismo. Em Procura de Nemo e Shrek, o ponto central a
manifestao do eu, o aceite da individualidade, de sua particularidade, do ser em uma sociedade
no estanque.
Sonia Regina Rocha Rodrigues37 coloca que, tradicionalmente, nas histrias infantis, h um prncipe,
o bom filho, que deve cumprir sua misso e vencer. Esse foco passado para a persistncia, este,
sim, o mrito em lugar da vitria, na contemporaneidade. Em Nemo, o pai que luta para salvar
o filho, desconstruindo o heri de sempre: o filho que salvaguarda o pai.
A criana, diante de um conto de fadas tradicional, parece ser moldada para sempre se sacrificar:
heris que se mutilam, que no porporcionam prazeres a si mesmos, que conquistam as princesas
e o ouro dentro de torres inatingveis, sob a vigilncia de drages. As novas histrias no utilizam
esses smbolos e do importncia qualidade de ser determinado, corajoso, no momento em que
assume suas especificidades e se adapta a uma sociedade de grande instabilidade.
A fora interna do heri, simbolizado pelo mentor, deixa de existir, agora, o parceiro prima tambm
pela imperfeio. A amiguinha de Nemo distrada, o companheiro de Shrek solitrio. No h
objetos com poderes, mas conselhos so repetidos: continue!, faa alguma coisa! ou persista!.
A inverso acontece em vrios mbitos dos novos contos de fadas. O pai de Nemo quem vive uma aventura, mas superprotetor e ansioso. Ao final da saga, ele se modifica, torna-se autoconfiante,
supera seus problemas, assim aceita seu filho e o liberta para a vida. De fato, a criana identifica-se
com o protagonista, que pouco pode fazer diante dos pais, e deseja sempre ser vista como meiga e
bonita.
O fato de ser criticado, desajeitado, fora dos padres sociais, faz com que a identificao pela criana
tambm acontea, como em Shrek. Esse heri no pode ser encaixado nas comuns expectativas:
grosseiro, no quer receber um beijo de amor, sacode a princesa e a presenteia com sapos. Ela
no est mais na histria de maneira secundria, na posio de obedincia, mas tem coragem, luta
karat, questionadora e decide seu destino. J o prncipe tem muita vaidade, mas no prprias
opinies e desejos, demasiado superficial.
O beijo apaixonado, tradicionalmente, termina com o encantamento em direo a uma posio ideal,
enquanto nos atuais contos, os protagonistas so remetidos realidade, reafirmando o encanto.
37 A autora , alm de escritora, pediatra.
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CAPtuLo 4Liberalismo e globalizao
Com origem no sculo XVII, a definio do pensamento liberal est em um conjunto de princpios e
teorias polticas, que apresentam como ponto principal a defesa da liberdade poltica e econmica,
sendo contrrios ao forte controle do Estado na economia e na vida dos sujeitos. Mas a lei
fundamental do liberalismo, o livre uso, por cada indivduo ou membro de uma sociedade e de sua propriedade omite o fato de que quando da sua criao, nem todos possuam propriedades, ou tinham apenas uma; os trabalhadores eram detentores apenas de sua fora de trabalho e eram
outros os que obtinham os meios de produo. Na sociedade arcaica como na atual, nem todos so
iguais e o bem nem sempre comum.
A igreja catlica, durante vrios anos, ope-se contra o movimento e a ideologia liberalista de forma
direta e aberta. Foram vrias as reas de influncia liberal condenadas, principalmente o laicismo
e a democracia.
Porm, aps a Primeira Guerra Mundial, a igreja foi obrigada, mesmo sem abrir mo de seus valores,
princpios e dogmas, a rever seus posicionamentos para a sociedade civil. E devido falncia dos governos totalitrios, viu-se obrigada a aceitar em 1944, por meio do papa Pio XII, a democracia
como a mais justa forma de governo, mesmo sendo este um fruto do liberalismo.
Hegel percebeu a desordem nas teorias contratualistas do seu tempo, entre a sociedade civil-burguesa
e o Estado. Nesta, o contrato do direito privado prevalecia a favor dos interesses particulares, e o Estado era governado pelo princpio da universalidade e da necessidade do direito pblico, que transcende os interesses privados e no depende da vontade associativa e contratual dos indivduos.
Segundo ele, para assegurar os direitos da pessoa, a autoridade pblica deve intervir na sociedade civil-burguesa, assim como o bem-estar daqueles que so prejudicados pelo funcionamento liberal
do sistema econmico dessa sociedade, que contm a origem mistificadora da tirania e jugo
econmico, motivo pelo qual a crtica da economia poltica revela-se, tambm, como uma crtica da
poltica.
Contra as teses do concernimento social que retorna a Aristteles e a Hegel, Taylor se ope doutrina poltica do individualismo ou do atomismo liberal. Os profundos valores comunitrios e culturais historicamente construdos e necessrios, no so considerados pelo liberalismo poltico.
Para Schmitt, o liberalismo no conseguiu eliminar a poltica que tanto negou, apenas ocultou-a. Eis
o seu fracasso. Em sua anlise, a defesa da especificidade do poltico passa pela necessria presena
da dimenso do conflito e do valor constitutivo do antagonismo na vida real. J Habermas tende
para a combinao de dois modelos: a alternativa liberal dos direitos humanos e a soberania do
povo do republicanismo, tentando adequar a autonomia privada dos membros da sociedade e a autonomia poltica dos cidados. Uma conciliao entre a liberdade dos modernos e antigos, assim
como a liberdade negativa e positiva que ele concilia.
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A prova do estado de decadncia do liberalismo sua prpria pretenso modernizadora, visando
ela, em ltima instncia, igualdade, ou seja, harmonizao do panorama das desigualdades em
nome do princpio isonmico do direito, lgica, sobretudo na expresso do igualitarismo liberal
e da democracia socialista. O liberalismo tambm difunde o conceito de que a liberdade comea onde a poltica termina, ao dissociar a liberdade da poltica, efeito da interiorizao da liberdade na conscincia individual.
Vale adentrarmos na noo de globalizao, tema de debates e discusses h alguns anos. O termo,
segundo Gmez,38
est atravessado por uma ambivalncia ou impresso constitutiva em funo
da variedade de fenmenos que abrange e dos impactos diferenciados que
gera em diversas reas: financeira, comercial, produtiva, social, institucional,
cultural, etc.
H quem defenda a sua existncia desde a evoluo do ser humano, aumentando sua influncia com
o passar do tempo, ou seria a globalizao uma expanso do capitalismo?
O adjetivo global surgiu no comeo dos anos 1980, nas grandes escolas
americanas de administrao de empresas, as clebres gusiness management
schools de Harvard, Columbia, Standord etc. [...] Fez sua estria a nvel
mundial pelo vis da imprensa econmica e financeira de lngua inglesa, e em
pouqussimo tempo invadiu o discurso poltico neoliberal.39
No comentrio de Joseph Stiglitz, ganhador do Prmio Nobel de Economia em 2001, sobre
globalizao, vemos:
Para a maior parte do mundo a globalizao, como tem sido conduzida,
assemelha-se a um pacto com o demnio. Algumas pessoas nos pases ficam
mais ricas, as estatsticas do PIB pelo valor que possam ter aparentam
melhoras, mas o modo de vida e os valores bsicos da sociedade ficam
ameaados. Isto no como deveria ser.40
A produo de riquezas e o consumo no so os nicos aspectos da globalizao, so apenas o primeiro resultado da mudana. Como ela ainda est em seu incio, muitas so as consequncias que ainda viro e no podemos precisar, mas podemos falar sobre as consequncias j conhecidas.
O processo da globalizao est em uma rpida evoluo e no possvel par-lo. Alguns crticos defendem a ideia de que haver uma crise social de propores nunca vistas no somente com
relao ao desemprego, mas, tambm, com a segurana e qualidade de vida.
No se pode negar que, se no houvesse a evoluo e contato entre as civilizaes, os transportes,
as trocas, linguagens, modos de vida e principalmente os meios de comunicao, provavelmente no estaramos debatendo sobre o tema, que teve maior acelerao justamente com a difuso e
a banalizao dos meios de comunicao. Em resumo, a globalizao permite a interligao das
38 GMEZ, Jos Maria. Globalizao da poltica: mitos, realidades e dilemas. In: GENTILI, Pablo (Org.). Globalizao excludente. Petrpolis, RJ: Vozes, 1999.
39 CHESNAIS, Franois. A mundializao do capital. So Paulo: Xam, 1996.40 STIGLITZ, Joseph E. The pact with the devil. Beppe Grillos Friends interview.
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economias dos pases, cria um processo de aprofundamento da integrao social, cultural, econmica
e poltica, gerados pelas necessidades do capitalismo para se formar uma aldeia global. Mas esses no so os nicos questionamentos e resultados a respeito, tem-se perguntado tambm quais so os reais benefcios e malefcios.
A globalizao tambm atravessou crises, no ficou imune a elas, assim como vrios sistemas
polticos. Foram iniciadas em pases em desenvolvimento, repetiram-se e espalharam-se
sistmica e rapidamente por outros pases, como um crculo vicioso ou efeito domin, devido
interdependncia econmica. Financeiramente, essas crises geralmente desnorteiam o acesso do
governo e das empresas ao crdito internacional. Os preos das aes caem, assim como o PIB,
aumentando a pobreza e o desemprego.
O tema tambm atraiu crticas. Uma delas com relao forma desigual e injusta da sua realizao,
que no est universalmente distribuda, uma vez que nem toda a populao ou todos os pases recebem os benefcios desse fenmeno, pelo contrrio, apenas o trabalho duro. A globalizao
econmica demonstra este fato com toda clareza e dados de pesquisas, ao compararmos os salrios
ou dirias de trabalhadores de diferentes Estados e pases. Suas culturas e dimenses econmicas,
muitas vezes, no esto ao alcance para identificar as novas necessidades que a globalizao gera
nos consumidores locais. Os pases subdesenvolvidos e as suas estruturas produtivas antiquadas so forados a desfazer-se com o consequente aumento do desemprego.
Os seus crticos tambm argumentam sobre os custos humanos e ambientais dentro desse processo,
onde um produto antes de sua venda final passou por diversos pases desde a matria prima e mo
de obra. Mas os benefcios nem sempre so desiguais. H quem diga que toda esta integrao global
um jogo de disputa apenas entre os pases ricos e no existe a possibilidade de nivelamento entre
todos do globo.
Comparando a produo agrcola de pases subdesenvolvidos e os desenvolvidos, por exemplo,
podemos ver clara uma situao em que a globalizao no homognea. Os pases desenvolvidos
esto equipados com tecnologias, ferramentas e recursos para realizarem investimentos, alm de colaborar uns com os outros para sanar os empecilhos durante o caminho. J os pases pobres no
possuem apoio mtuo e individualmente lutam pela construo de sua identidade, no recebendo a globalizao tecnolgica que baixa os custos e melhora os meios de cultivo dos alimentos de sua
produo, privilgio de poucos.
Os crditos no esto disponveis para todos os pases, grandes empresas financeiras estrangeiras
fazem a compra de bancos menores, mas deixam de financiar a produo local, em detrimento
das empresas internacionais, o que tira do emprego vrios cidados e pequenos empresrios. Esse sistema financeiro mundial incrementou a vulnerabilidade de muitos pases a crises externas e aos
caprichos dos investimentos especulativos, com sua livre mobilidade de capital.
A globalizao faz e fez com que no mundo, antes trabalhadores e produtores de uma economia
agrcola, passassem para uma economia industrial e depois para uma de informao. Mas medida que esse efeito ocorre, os mercados com as suas limitaes e falhas, enfrentam o aumento do
desemprego por no terem a capacidade de administrar os recursos com eficincia, ou tambm por
substiturem o trabalho braal por mquinas e equipamentos.
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Esse fenmeno no permaneceu apenas no mundo dos negcios e das finanas, seu processo foi
conhecido devido ao grande espao na mdia. Mas essa divulgao tambm ocorreu por meio dos
protestos antiglobalizao, mesmo que no lembrados pela maioria do pblico, devido ao foco proposital da mdia.
O movimento da antiglobalizao refere-se a todos aqueles que so contra as caractersticas do capitalismo liberal. Ele vem reclamar o trmino de acordos comerciais e tambm do livre trnsito de capital. Eles se opem formao de blocos comerciais como o Tratado Norte Americano de Livre
Comrcio (NAFTA) e a rea Livre de Comrcio das Amricas (ALCA), alm de fazerem propostas
alternativas ao regime capitalista, como, por exemplo, o socialismo, o comunismo e a anarquia.
Em 1999, em Seattle, ocorreram atos de manifestantes contra a globalizao, cada um com o seu interesse em particular: ambientalistas, anticapitalistas e humanitrios. Mas anterior a essa data j
haviam ocorridos outros protestos, como na ndia, em 1993, e em Colnia, em 1999.
Outros grupos de protestos so anticapitalistas, como os anarquistas, antimilitaristas, catlicos
progressistas, comrcio justo, movimentos de camponeses, ecologistas, feministas, marxistas, media,
organizaes no governamentais generalistas, dos direitos humanos, pacifistas, sindicalistas.
Alm dos argumentos contra a desigualdade dos benefcios, custo humano no processo, outros
aspectos envolvendo o capitalismo de mercado citados pelos oponentes globalizao so:
desemprego; desigualdade social e de renda; explorao dos pases mais pobres; reduo de salrios;
diminuio da garantia do emprego; aumento da poluio; tenses sociais e polticas.
Com a globalizao, as barreiras comerciais e de investimentos vm tendo reduo progressiva, mas o ritmo acelerado das mudanas tecnolgicas no acompanhado por todos os mercados, causando
insegurana. Alm disso, a desregulamentao dos setores de produo e de servios leva a maiores oportunidades de especulao.
No processo globalizante, h vrios desafios e esses, devido ao ritmo e ausncia de governana eficaz,
torna-se cada vez mais intenso e preocupante. Outros exemplos de resultados so: aquecimento
global; recursos minerais; consumo exagerado; endividamento pessoal; concentrao de renda.
Figura 7 Imagem apelativa de crtica ao capitalismo e a globalizao
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As relaes entre pases esto mais saudveis com a globalizao? Permite um maior contato entre
culturas e partilha de muitas informaes e conhecimentos para o bem da humanidade? De fato,
o fenmeno crescente, e o nmero de investimentos estrangeiros tambm, o que promove o
desenvolvimento, sucesso e prosperidade, embora esses impactos positivos cheguem apenas nas
regies onde ela se instala. E as consequncias negativas para os pases subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento? E os que ficam sem os seus empregos em detrimento de outros?
A globalizao faz com que os produtos percam a sua nacionalidade e h o aumento do hbito de
consumir, mas o oramento de vrias indstrias foi diminudo pela perda de poder competitivo dos produtos nacionais. No existem mais fronteiras a delimitar territrios. O globo parece se
transformar em uma nao nica. Mas essa unificao no to simples como parece quando so
levadas em conta as especificidades de cada pas, sua cultura, religio; as implicaes polticas dessa
unio podem no ser to fceis de se administrar, masas esse o fundamento da globalizao: a
massificao da sociedade, tanto nas formas de convvio quanto nos procedimentos ticos.
O foco o mercado internacional, enquanto os valores locais e regionais so deixados de lado, mas
h riscos dessa prtica tanto para a sociedade quanto para os indivduos. No existe mais controle
sobre a produo e comercializao de tecnologia, no ficando esta restrita imagem dos pases
soberanos. Empresas operam em escalas planetrias, com contratos em vrias partes do mundo e no importa mais a origem da tecnologia e da matria-prima, assim como do trabalho, desde que
tenham baixos custos.
Enquanto cresce a globalizao no globo, este parece diminuir diante do crescimento desenfreado das metrpoles aliado poluio desmedida, aquecimento global, crise da gua. Pode-se considerar
que a gua tambm est sendo globalizada, no sentido negativo da palavra. Os governos dos pases que possuem reservas de gua doce esto privatizando seu controle por meio de acordos para instituies globais de comrcio, lucrando muito com esses servios, e pretendem faz-lo em
todo o territrio global, aproveitando-se da fragilidade e dvidas dos pases subdesenvolvidos, onde
os prprios moradores no podero pagar pelo preo alto da privatizao. Um desses acordos
a Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte (Nafta) e a Organizao Mundial do Comrcio (OMC). Fruns mundiais sobre as questes e solues para a gua so feitos periodicamente, mas,
organizados pelas prprias empresas interessadas na privatizao. Que chance de direito teriam os
pases e cidados com vises alternativas?
Outro exemplo de impacto negativo da globalizao nos pases explorados a biopirataria. Os
pases desenvolvidos, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, apropriam-se dos recursos
nativos de alguns pases, como, por exemplo, do Brasil, da ndia e da sia, explorando suas riquezas
naturais, e patenteiam este conhecimento aproveitando-se da falta de recursos para se defenderem,
controlarem essa explorao e lucram milhes a cada ano.
Alm de impactar a economia e a sociedade, a globalizao tambm pode interferir na cultura, no que diz respeito diversidade, levando padronizao dos gostos e aspiraes devido
exposio dos consumidores dos recentes mercados a marcas e produtos do mundo desenvolvido.
Esse seria um efeito to danoso quanto a explorao econmica dos pases mais pobres, apesar
de menos tangvel.
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A globalizao mina a cultura de um pas e impe a ele um estilo de vida diferente, mais tpico
dos americanos, em que a principal caracterstica o crescente nmero de empregos com baixos
salrios, mas com pouca segurana e ocupaes parciais. O impacto da globalizao em todas as
esferas: econmica, social ou cultural, percebe-se que ela impulsionada por culturas e interesses
especficos, o que pode ocasionar mais um temor, o de um novo imperialismo cultural, levando ao
crescimento de tendncias nacionalistas. Sobre esse assunto, podemos citar Milton Santos:
Para a maior parte de humanidade, o processo de globalizao acaba tendo,
direta ou indiretamente, influncia sobre todos os aspectos da existncia: a vida
econmica, a vida cultural, as relaes interpessoais e a prpria subjetividade.
Ele no se verifica de modo homogneo, tanto em extenso quanto em
profundidade, e o prprio fato de que seja criador de escassez um dos motivos
da impossibilidade da homogeneizao. Os indivduos no so igualmente
atingidos por esse fenmeno, cuja difuso encontra obstculos na diversidade
das pessoas e na diversidade dos lugares. Na realidade, a globalizao agrava a
heterogeneidade, dando-lhes mesmo um carter ainda mais estrutural.
Uma das conseqncias de tal evoluo a nova significao da cultural
popular, tornada capaz de rivalizar com a cultura de massas. Outra a nova
significao da cultura popular, tornada capaz de rivalizar com a cultura de
massas. Outra a produo das condies necessrias reemergncia das
prprias massas, apontando para o surgimento de um novo perodo histrico,
a que chamamos de perodo demogrfico ou popular.41
A globalizao cultural, para Daniele Conversi, pode ser ainda compreendida na sua atual forma, como a importao, em via de mo nica, de itens culturais, estandartizados e cones de um nico pas, os Estados Unidos, em uma americanizao altamente superficial, incoerente, fracional e
deficiente em que os outros povos como macacos, imitam algo que eles nem mesmo entendem.42
Em uma esfera maior, a globalizao no se refere apenas s transformaes econmicas, mas
conjuno e integrao das revolues econmica, digital e biotecnolgica em nica grande
revoluo, a qual est impulsionando uma verdadeira mudana civilizacional.
Os parmetros da civilizao humana esto sendo transformados radicalmente por estas trs
revolues simultneas, podendo, inclusive, colocar a sobrevivncia da humanidade em risco, caso
no sejam controladas.
As principais economias do mundo sofreram uma das maiores crises financeiras dos ltimos
tempos, devido, principalmente, ao alto grau de entrelaamento dos mercados de capitais mundiais. So muitos os exemplos de grupos de pases, empresas ou produtos que passaram a fazer parte do
mesmo grupo devido ao fenmeno globalizante. No mercado editorial, so selecionados autores que
caminham em uma nica direo de pases perifricos, com as mesmas cadeias de comercializao,
fazendo com que as livrarias paream cada vez mais umas com as outras, o mesmo estilo, os mesmos livros, o mesmo grupo.41 SANTOS, Milton. Por uma outra globalizao. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 142-143.42 CONVERSI, Daniele. Americanization and the planetary spread of ethnic conflict: The globalization trap, in
Planet Agora. Dezembro 2003 janeiro 2004.
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CAPtuLo 5A crtica na contemporaneidade
intersees da teoria crtica
Passou-se j uma dcada desde o lanamento de O Local da Cultura, de Homi K. Bhabha. Durante
esses anos, consolidou-se uma tendncia nos estudos culturais e na teoria crtica, o neocolonialismo e sua entrada na rea sociolgica, nas cincias polticas, na teoria literria, nos estudos antropolgicos
e na comunicao. claro que h muitos outros crticos dialogando com essa tendncia, como
Stuart Hall, Edward Said, Gayatri Spivak e Arjun Appadurai, porm, em Bhabha, nos deparamos
com a problemtica da diferena cultural e a periferia nas cincias humanas em mbito geral. O
livro, juntamente com seus conceitos entrelugar, agncia, negociao identitria apenas um
pretexto para abordar o transcorrer dos estudos culturais.
Debruamo-nos, agora, acerca das mudanas da teoria crtica da cultura a partir das periferias, apresentando um pouco da histria da teoria nos ltimos vinte anos, enfocando conceitos como
identidade, minorias, agncia e nacionalidade, conceitos esses intensamente discutidos na ps-
modernidade. Vale tambm abarcar os hbridos culturais e a teoria da traduo da diferena social,
sempre ultrapassando os polos extremos, seja ocidente e oriente, como centro e lateralidade.
Transcorridos os anos 1980, aparece um novo termo na esfera terica e, tambm, na poltica
para designar o terceiro mundo: ps-colonial. Isso se d em um contexto em que a promessa da
unidade terceiro-mundista est decada, escondida pelas crises nesses pases. De fato, no h uma
homogeneidade nos Estados do terceiro mundo ideia esta implcita desde a sua denominao
como o prprio mundo perifrico no tem a inteno de se caracterizar como um bloco igual.
Outra atitude terceiro-mundista, no que concerne aos stios culturais e tericos, a tentativa de
se valer da diferena e alteridade como incio de integrao ao modelo capitalista do mundo,
principalmente relativo aos bens culturais. O multiculturalismo e a insero de bens simblicos das
periferias na cultura de massa do mundo esto cada vez mais presentes, principalmente aps os
anos 1980.
As tpicas culturas libertrias do militarismo da dcada de 1960 e 1970 so deixadas de lado nos
anos 1980, em prol de estratgias de mercado transacional, portanto, acompanhando as mudanas
de paradigmas, a maneira de se referir e de abordar teoricamente o terceiro mundo tambm deve ser diferente.
O multiculturalismo43 ultrapassa o limiar do mercado de uma cultura de massa e adentra as universidades especialmente nas anglo-americanas caracterizando-se como acontecimento ps-
moderno, em decorrncia da descentralizao. Assim, os assuntos em torno do multiculturalismo ganham destaque nos debates culturais da poca. E aqui surge a oposio entre as opinies de
43 Multiculturalismo foi a denominao inicial para a disseminao de vrias culturas no ocidente em fins da dcada de 1980, tambm podendo ser chamado de estado hbrido, mundializao, globalizao cultural. CANCLINI, 1990, 1999; ORTIZ, 1994; FEATHERSTONE, 1995.
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conservadores e radicais multiculturalistas, cada um buscando mostrar que a sua cultura superior. Mas tambm reascende o interesse pela cultura do outro ultrapassando, a psicologia, a antropologia, a lingustica e a etnografia.
Esse outro emergido em fins dos anos 1980 nas universidades europeias e norte-americanas, o
terceiro mundo44. Os discursos so voltados para o relacionamento entre imprio e colnia, por isso a denominao ps-colonial. Vale ressaltar que so promovidos, nos Estados Unidos e Gr-
Bretanha diversos cursos e antologias, todos de enorme repercusso na mdia. O interesse pelo
outro passa a ser o cerne das teorias culturais, interesses cientfico, cultural, e, claro, mercadolgico.
Diz Ella Shohat:
O ps-colonial no emergiu para preencher um especo vazio na linguagem da
anlise poltico-cultural. Ao contrrio, a sua larga adaptao durante o final
dos anos oitenta foi coincidente com e dependente do eclipse de um paradigma
anterior, aquele do Terceiro-Mundo.45
A expresso terceiro mundo no mais conveniente, uma vez que torna homogneas as
especificidades, alm de carregar consigo um mote revolucionrio proveniente das lutas pela
independncia ocorridas nos anos 1960 e 1970. O que no quer dizer que a teoria ps-colonial,
que passa a substituir o terceiro mundo no deixa de ser, tambm, de cunho homogeneizante,
porm, ao identificar o colonialismo como algo dado no passado, o elemento utpico-revolucionrio
desaparece.
No podemos deixar de observar que essa substituio tambm proveniente de terceiro-mundistas
que no se deixam caracterizar como tal, sentindo-se em posio inferior diante daquele termo.
[...] na ndia, as pessoas que podem pensar na explicao dos trs mundos
esto totalmente irritadas pelo pas (a ndia) no ser reconhecido como o
centro das naes no alinhadas, ao invs de um pas de Terceiro Mundo.46
Academicamente falando, a teoria ps-colonial busca solucionar questes embutidas no radicalismo
multicultural. Quando unem todas as etnias e histrias em uma s denominao, os tericos ps-
coloniais no ficam to isolados quando um que se direciona apenas para um s povo, como, por
exemplo, aos estudos africanos, mesmo que eles estejam debruados sobre o mesmo fenmeno.
Quando colocam na sociedade o contexto ps-colonial, os intelectuais enfatizam que ele deve
ser entendido relacionado s demais experincias desse mesmo contexto. Concomitantemente,
possvel, ainda, colocar os pases de primeiro mundo como ps-coloniais, uma vez que o espao
geogrfico no interessa no momento, mas as condies temporais. Assim, essa teoria procura
deter-se sobre a cultura mundial depois do colonialismo, como se essa experincia tivesse ficado no
passado. Mas aqui h uma contraverso, uma vez que, em muitos casos, a condio colonial ainda
vigora, e alguns deixaram essa posio h anos, mas no se esqueceram de seu passado, pois, de
44 Os discursos tambm se voltam para as mulheres, gays e negros.45 The post-colonial did not emerge to fill an empty space in the language of political-cultural analysis. On the contrary, its
wide adaptation during the late eighties was coincident with and dependent on the eclipse of an older paradigm, that of the Third World. SHOHAT, 1992, p. 100.
46 () in India, people who can think of the three worlds explanation are totally pissed off by not being recognized as the centre of the non-aligned nations, rather than a Third World country. SPIVAK, 1990, p. 91.
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fato, cada povo viveu a sua experincia colonial de maneira diversa da do outro. Aqui, vemos na
teoria ps-colonial uma diretriz um pouco limitadora.
Esse conceito tambm se mostra limitado no que se refere ao idioma em que ela divulgada: o
ingls. nesse territrio lingustico que ela se acomodou.
Com a globalizao, a noo de estado-nao enfraquecida, implicando certa deshierarquizao da
Europa e dos Estados Unidos como polo de onde irradia a moda cultural, embora elas ainda estejam
calcadas como potncias mundiais. Cidades como Nova York, Paris e Londres, elas mesmas, agora
ditam a condio perifrica da cultura.
Os estudos culturais pretendem a revelao terica de uma contemporaneidade desmistificadora e
deshierarquizada, alm de calcar uma poltica desafiadora da hegemonia nordocntrica.
As novas polticas culturais da diferena no so simplesmente oposicionais
na sua contestao do mainstream (ou malestream) pela incluso, nem
transgressivas no sentido vanguardista de chocar o pblico burgus
convencional. Ao contrrio, elas so articulaes distintas de colaboradores
talentosos (e, geralmente, privilegiados) que desejam alinhar-se com pessoas
desmoralizadas, desmobilizadas, despolitizadas e desorganizadas no sentido
de empoder-las e habilit-las para a ao social e, se possvel, possibilitar uma
insurgncia coletiva pela expanso da liberdade, democracia e individualidade.47
De fato, os estudos culturais e a teoria ps-colonial procura rever as condies desiguais modernas,
e fornecer outros modelos econmicos, sociais e polticos do primeiro mundo. Torna-se necessria,
por exemplo, a reviso do conceito de cosmopolitismo, por vrios aspectos:
muitas metrpoles encontram-se na periferia, como a Cidade do Mxico, Jacarta, So Paulo, Istambul;
a dissoluo do conceito segundo mundo; o desenvolvimento econmico dos pases asiticos, de modo que eles se tornaram
potncias econmicas, causando modificao no sistema cultural;
estados muulmanos posicionaram-se culturalmente de maneira isolada; guerras em detrimento de conflitos tnicos e de religio; disperso de estudiosos para o primeiro mundo; avano das redes de comunicao.
Esses so alguns acontecimentos que definiram novos moldes para as culturas perifricas,
precipitando a dimenso da cultura globalizante. o que Appadurai define como ampla
47 The new cultural politics of difference are neither simply oppositional in contesting the mainstream (or malestream) for inclusion, nor transgressive in the avant-gardist sense of shocking conventional bourgeois audiences. Rather, they are distinct articulations of talented (and usually privileged) contributors to culture who desire to align th