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JUAN JOSÉ MEDINA RODRÍGUEZ Mª ISABEL RODRÍGUEZ PERALTA ÉTICA E ESCOLA 2

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JUAN JOSÉ MEDINA RODRÍGUEZMª ISABEL RODRÍGUEZ PERALTA

ÉTICA E ESCOLA

2

cadernos de

ÉTICA E ESCOLADR. JUAN JOSÉ MEDINA RODRÍGUEZ

DRA. Mª ISABEL RODRÍGUEZ PERALTA

PROFESSORES DO CENTRODE MAGISTÉRIO LA INMACULADA.

UNIVERSIDADE DE GRANADA – 2014

ÉTICA E ESCOLA

cadernos de

COORDENADOR DE“CUADERNOS DE ÉTICA EN CLAVE COTIDIANA”— Enrique Lluch Frechina Professor na Universidade CEU Cardenal Herrera

CONSELHO ACESSOR— Rafael Junquera de Estéfani — Antonio Fuertes Ortiz de Urbina — Luis Mesa Castilla — Marta Iglesias

DIREÇÃO – REDAÇÃO – ADMINISTRAÇÃO— Fundación Europea para el Estudio y Reflexión Ética C/ Félix Boix, 13 28036 Madrid (España) Teléfonos: +34 91 345 36 00/01 y +34 91 350 82 18 www.funderetica.org | [email protected]

TRADUÇÃO — Margarida Ferrerira

MAQUETE — Anna Paola Guerrero Torlone— Ana Parra Muñoz

DEPÓSITO LEGAL: M - 19204 – 2013 ISSN: 2341-0388

Índice

1. Introdução 1.1. Educação ética para quê? 1.2. O que é isso da ética?

2. Ética e escola 2.1. Algumas chaves educativas 2.2. O educador 2.3. Formar o caráter 2.4. O diálogo 2.5. Liberdade e autonomia 2.6. Uma corrida de obstáculos 2.7. Solidariedade 2.8. Teonomia 2.9. Autoridade 2.10. Felicidade e alegria 2.11. Amor 2.12. Vocação

3. Uma proposta concreta. O inquérito pedagógico

4. Em jeito de conclusão

5. Bibliografia

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Juan José Medina Rodríguez - Mª Isabel Rodríguez Peralta Ética e Escola

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1. Introdução Abordamosnesta reflexão umfluir or-denado do pensamento em torno de temas da educação ética e da escola sem grandes preten-sões de sistematicidade. Não é objetivo do estudo presente nesta reflexãoadentrarmo-nosnoapaixonantemun-dodafundamentaçãofilosóficaouteológicadaética. Nesse caso, remetemo-nos ao primeiro número desta coleção1, que situa perfeitamen-te no terreno da ética, a primeira iniciativa na Graça divina como dom provocador de Deus ao homem;nós iremos ao encontro do papelposterior, ou seja, a resposta livre do homem a essa provocação de Deus. Gloria dei vivens homo, 'a glória deDeuséqueohomemviva’afirmavaS.Ireneu2. Essa vida do homem é o objeto da moral apli-cada que nos ocupa; e neste caso em referência ao âmbito educativo–formativo-escolar. A nossa intenção é facilitar um diálogo permanente apartir dapaixãopela educaçãoe o repto de responder a essa tão necessária emergência educativa3. Se queremos fortalecer o processo educativo da sociedade, isso não se poderá conseguir a não ser à base de crescer no cultivo de uma responsabilidade e autonomia, quenãoaautossuficiência. Como reflexão inicial trazemosumex-certo da carta que um diretor de um centro

1SánchezdelaCruz,C.(2013)Eldonquetransforma.Una mirada a la moral desde el carisma redentorista. Primernúmerode lacolección ‘Cuadernos de ética en clave cotidiana’. 2 Cf. tratado de san Ireneo, obispo, contra las herejías Libro 4, 20, 5-7.3 Cf. Benedicto XVI Discurso a la asamblea diocesana de Roma. 2 de junio de 2007.

A ética é a resposta do

homem à iniciativa divina.

Perante a emergência

educativa, responsabilidade

autónoma.

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educativo norte americano escreveu aos novos professores que se incorporavam no mesmo. Diziaassim: “Querido professor: Eu fui vítima dos nazis, estive prisioneiro num campo de con-centração. Os meus olhos viram coisas que ninguém acreditaria: câmaras de gás cons-truídas por engenheiros cultos; crianças en-venenadas por médicos muito bem-educados; bebés assassinados por enfermeiras bem for-madas; mulheres e crianças queimadas e fuzi-ladas por estudantes universitários e pessoas com formação superior. Por isso sou tão des-confiado da educação. O meu pedido para vós, novos professo-res, é o seguinte: ajudem os jovens estudantes a converterem-se em pessoas autenticamente humanas. Os vossos esforços não devem pro-duzir nunca monstros muito instruídos, psi-copatas educados, Eichman’s educadíssimos. Ler, escrever e aritmética são importantes, apenas se servirem para que os nossos filhos se façam mais humanos”4.

1.1. Educação ética para quê? O ponto de partida de todo o tratado de éticaqueseprezeéaconstataçãoevidentedeque somosnecessária, constitutiva e inexora-velmente seres éticos, dispostos a equilibrar e ponderarosnossosatosapartirdaexperiên-cia condensada no nosso passado e nas pers-petivas de futuro. E tudo isso em volta do que podemos considerar bom, desejável, ou, pelo contrário, mau e indesejável.

4 Citado por Rodriguez, I. y Medina J. J. (2013)‘Cuaderno de iniciación a la Encuesta Pedagógica’ EditorialTécnicaAVICAM.Granadap27;nocontextoda educação e a responsabilidade.

Não buscamos meros seres instruídos, mas sim pessoas.

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É necessário aproveitar a força do vento paranavegar,aforçadanaturezaparaplanifi-car a nossa vida pessoal e social. Já que somos seres morais, detenhamo-nos nessa faculdade da nossa identidade. É uma chave formativa ou educativa importante, um trunfo que joga afavoroucontraocálculofinalnafelicidade,convivência, solidariedade e justiça. É de senso comum:investirnaeducaçãomoralé,nofinal,colher uma autêntica qualidade de vida ou vida de qualidade para todos. A educação moral é o melhor investi-mentosociopolítico,económicoeculturalquesepodefazernumcoletivohumano.Emcertaocasião, havia três pedreiros às ordens de um arquiteto. Alguém que passava por ali pergun-touaoprimeirooque fazia, e ele respondeu:pico pedras. Perguntou ao segundo, que res-pondeu: façoosdegrausdavaranda.Quandofoi interpelado, o terceiro respondeu: eu façoumacatedral.Sócomvisãode futuro,o todoganha sentido e amortece-se o esforço presen-te, especialmente nas tarefas educativas. Porissodevemosarrancarestareflexãodeixandoassentequeaeducaçãoéticanãoésóhipoteticamente necessária, mas tambémma-nifestamente rentável na poupança de doenças mentais e batalhas sociais. A falta de ética sai--nos cara em cotas de sofrimento e em dinheiro. As depressões éticas, a imoralidade e a desmo-ralizaçãoacabamporesmagarprincipalmenteos mais fracos, as vítimas na sua pluralidade de versões. É preciso consolidar a consciência mo-ral, individual e coletivamente consideradas e para isso temos a educação formal, a não for-mal e a informal. Para esse objetivo contamos principalmente com a família e, especialmente, a escola.

Investir na educação moral é colher qualidade

de vida.

A visão do futuro amortiza o esforço

educativo do presente.

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Alguns perguntam-se o que tem a ver a escola e a educação ética com a hegemonia social dos bancos, a corrupção de muitos par-tidos políticos, a manipulação da consciência, o desinteresse crescente pelos 4/5 da huma-nidadereduzidosàmisériamaisatroz,comaprostituiçãoinfantileoucomaculturadaex-clusãooudodescarte(comoafirmaopapaBer-goglio5).Éprecisoverarelaçãoentretudoissoe o tom ético herdado no qual se possa articular a escola. Alguns economistas neoliberais costu-mam afirmar que 'o que não são contas são contos' (Cortina2013p.19)edaídeduzemquea economia está à margem do resto das cir-cunstâncias sociais e especialmente que não tem nada que ver com a virtude pessoal ou pú-blica.Não obstante é pertinente afirmar comclarezaqueavidapúblicaestásustentadapelosvaloresmorais;jáOrtegayGassetrelacionavaestreitamente o estar com a moral elevada ou desmoralizados, com possibilitar ou impedirque as pessoas e os povos atuem bem. Perante as crises poliédricas costuma-se afirmar,nãosemoseuquêdeverdade,que‘to-dossomosresponsáveis’ouque‘temosvividoacima das nossas possibilidades’. O certo é que não é equivalente o grau de responsabilidade dos deputados, dos pais de família, dos profes-soresoudasorganizaçõessindicais.Cadamas-tro que aguente a sua vela e responda pelo que fezoudeixoudefazer,cadaumaseunível. São muitos os que estariam dispostos a encabeçarumacruzadaa favordareconquis-ta ética da sociedade através das forças vivas

5Cf:Bergoglio,J.M.(2013)Educar Exigencia y pasión, Desafío para educadores cristianos, CCS, Buenos Aires. E a Exortação apostólica Evangelii Gaudium,especialmenteonº53y132-134.

A educação ética tem a ver com o todo social, político, económico e cultural.

Todos somos responsáveis pelo nosso mundo, (cada um a seu nível).

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com que possamos contar; por agora com a escola. É um dever prioritário poupar tempo, sofrimentoegastosfazendoasósecomoutrostambém, o que estiver ao nosso alcance. Não nosesqueçamos:asolidariedadeérentáveleaeducação solidária é o melhor investimento na saúde moral da cidadania.

1.2. O que é isso da ética? Se ética é 'modo de ser', caráter ou 'se-gunda natureza', esta está formada por hábi-tosquepodemserbons(virtudes)oumaus(ví-cios)equeseconstituemapartirdarepetiçãode atos. Assim, a ética é a forja do caráter e, consoante resulte ou não essa construção, es-taremosdemoralelevadaoudesmoralizados. Aperspetivacristã,comoafirmaCarlosSánchez6, manifesta que a ética nasce do dom e gratuidade de Deus, feito fundante e primigé-nio, que tem a iniciativa gratuita de irromper no mundo através da sua Graça superabun-dante, propondo a livre adesão ao amor, à jus-tiça e à verdade. A questão coloca-se em dois momentos:acolheressedomgratuitoeentrarnessa dinâmica da gratuidade. Não se trata, portanto, de ideias, de correntes ou de trata-dos; é mais original e básico; trata-se de uma palavra de vida, convertida em história, emcontemplação e em luta quotidiana pela frater-nidade. Essa ética dos fundamentos viu-se con-denada a ter que prestar contas porque a evo-luçãodostemposeacontecimentoshistóricosfoi-nos levando a uma confrontação secular com as realidades, disciplinas e assuntos hu-manos.Tivemosqueresponderaconflitosde

6Cf.SánchezdelaCruz,C.op.cit.

O primeiro fundamento da

ética é o amor gratuito.

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todo o tipo com feitos e condutas. Isso é a éti-ca aplicada: os hábitos que incorporamos nonosso procedimento como opção de resposta histórica;particularmenteaplicadaaouniver-so da construção-desconstrução da educação. Umperigopermanenteéreduziraéti-caoumoralaumconjuntode'deveres'.Talvezseja esta perspetiva a que afugenta deste as-sunto os jovens e os não tão jovens. Assim, não devemoscentraroolharno“quedevofazer?”massim“porquedevofazê-lo?”Aéticadosde-veres,ajustiçadialógica,éaéticadosmínimos(maisuniversal);adafelicidade,dosideais,aprofética, religiosa, das bem-aventuranças, é a éticademáximos(másparticular7). A ética de mínimos não é uma 'ética light' ou 'mini-ética'. Se se cumprissem os mí-nimos que essa ética propõe, funcionaria, de facto, comoumaéticademáximos.Emalgu-mas situações, a confrontação entre ética de máximosedemínimospodetornar-secontra-producenteporqueaofimeao cabo, falamosmeramente de duas velocidades diferentes. Adela Cortina (2013), fala de 'mínimos mo-rais a partir dos quais é possível construirmos juntos uma sociedade mais justa'. Os educado-ressabembemoquesignificaissodeterqueadaptar,abrandarasexpectativas.Asnormasmorais são aquelas que obrigam uma pessoa e podemfazê-lodesdefora,leis,códigosimpos-tos pela força ou pelo costume, ou desde a sua própriaconsciência, internamente.Sealguémviolaessanorma,éa suaprópriaconsciênciaque o sanciona e lhe provoca mal-estar. Em termos educativos, devemos reco-nhecer que para completar o exercíciomoral

7 Cortina, A. (1986). Éticamínima; introducción a la filosofía practica , Tecnos, Madrid.

Ética de mínimos vs. ética de máximos.

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devemos contrariar o reducionismo da ética a uma mera moral pessoal, individual; é preciso fortalecer a consciência acerca da ética social e política. Por isso, um nos erros mais perigosos é separar a ética da política; não nos esqueça-mos que o professor é um dos principais agen-tes políticos. A consequência desta separação é simples:aumentamoscadadiamaisoexércitodosidiotasmorais(etimologicamenteo‘que se desentende das coisas públicas'). A ética da pessoa pretende bons indiví-duos humanos e a ética social e política procura boas relações e instituições, que, entre outras coisas, se caracterizampor funcionarbemoumal à margem, em grande medida, das pessoas que as constituem. Umafinalidadebásicadareflexãoéticaé encontrar um lugar comum, esse espaço de consenso ético universal. Na idade média, ga-nhou força comadenominada “leinatural” eum pouco mais tarde “direito de gentes”; até à declaração de Chicago de 1993 em prol de uma ética mundial8; que curiosamente volta a apoiar-seemduasconhecidassentenças:'todo o ser humano deve ser tratado humanamente porque possui uma dignidade inviolável' e o princípio kantiano de ‘não faças aos outros o que não queres que te façam a ti’. As três grandes tendências da moderni-dade segundoGuillermoRovirosa (1987) sãoo individualismo ou 'endeusamento do eu' pe-ranteDeus,olucroou‘cultododinheiro’capazde vender a dignidade do homem; e o hedonis-moouocaprichocomoexpressãomáximadapermissividade, destronando a honestidade. 8 Declaração do II Parlamento das Religiões do Mundo, celebradoemChicagoem1993.Paraumaéticamundial:Uma declaração inicial, auspiciada pela UNESCO.

Fortalecer a consciência da

ética social e política.

Pretensão de um consenso ético

universal.

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Numa sociedade tão pluralista e mul-ticultural como a atual, trata-se de procurar, comoafirmaCarlosDíaz(2004),unsmínimosnosmáximoseunsmáximosnosmínimos.Tra-ta-sedesomar,nãosubtrair,afimdeconstruiruma ética que supere intolerâncias de qualquer tipo. Sem procurar grandes complicações. 'A aceitação da ética cívica não se origina me-diante um consenso superficial de pareceres, nem através de pactos sociais interessados: identifica-se com o grau de maturação ética da sociedade'afirmaM.Vidal(1984:34). Possivelmente os valores sociais mais partilhados são a democracia, a autonomia in-dividual, a dignidade de cada pessoa, os direi-tos humanos, a liberdade, a igualdade… Todos eles foram germinando na consciência coleti-vadoocidenteapartirdopatrimónioculturalherdado. Poderíamos resumir em quatro os ‘man-damentos éticos' comuns a praticamente todas asmoraisreligiosas:anãoviolênciaeorespei-topelavidahumana(nãomatarás);asolidarie-dadeeprocuradeumajustiçaeconómica(nãoroubarás);atolerânciaeaprocuradaverdade(nãomentirás)eairmandadeeaigualdadeen-treamulherohomem(nãoprostituirásnemteprostituirás). Perante estas quatro chaves de uma éti-ca partilhada cabe apontar três inimigos desse caminhar juntos - os dois primeiros, caricatu-rasda féeo terceirodarazão:Ofideísmoouconfessionalismo,quedesprezaerejeitaosnãocrentes pelo facto de o serem; o integrismo, queafirmaque ‘ou estás integralmente comi-go ou estás contra mim’ e, em terceiro lugar, o laicismo, que nega ao crente o direito de opinar e participarna sociedade civil, reduzindo-o àsacristia ou à vida privada.

A ética cívica é a maturação moral a sociedade.

Respeito pela vida, pela propriedade alheia, pela verdade e pela integridade física.

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Perante este panorama temos, por um lado,ospós-modernosquenegamatéosmíni-mos como uma 'imposição autoritária da ra-zão moderna' e renegam qualquer tentativa de fundamentação ética, marcando-o como “pen-samento forte”e reivindicandoassimo “pen-samentofraco”9.Agoradenomina-se“líquido”.Do outro lado estão os “utópicos” que despre-zam tudooquenão seja “exigir o impossível para ficarmos com o máximo”. Para eles tudo são descontos. A.McIntyre(1987)quisacrescentarquetodo este confronto entre éticas universais e particulares não leva a lado nenhum. Segundo ele, hoje falta-nos uma visão unitária do ser hu-mano e remete-se aos gregos e aos medievais. A modernidade converteu a pessoa em mero sujeito de direitos, furtando-lhe os indicadores sobre os quais devem ser as suas virtudes e em que enquadramento devem ser desenvolvidas. Não restam dúvidas de que aqui entra em cena aeducação,aescolacomoatrizprincipal.

2. Ética e escola2.1. Algumas chaves educativas A primeira tarefa desta educação éti-ca que nos compromete a todos porque todos somos educadores, está emgerar confiança esimpatia pela verdade ética, e tal, através, pri-meiramente da reparação de erros cometidos. A escola precisa de uma primeira tarefa catárti-ca e reparadora, isto é, reconhecer as falhas, as ausências,osvazios,asatitudesefeitosbasea-dos na mentira, na aparência, na mera buro-craciadasformas,ouasvezesquefomospas-sivamente condescendentes com o poder, com 9VattimoG.(2003).Nihilismoyemancipación.Ética, política y derechoed.porS.Zabala,Milán,Garzanti.

Pensamento débil ou líquido vs.

pensamento forte ou utópico.

A escola precisa de uma tarefa

profunda de autocrítica.

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opossibilismooucomasmodaspós-modernasdo relativismo permissivo. Não falamos de erros técnicos, de equí-vocos na eleição das estratégias de ensino--aprendizagem,massimnofundodaquestãoética:alevezaqueexistecomosprincípioséti-cos de defesa dos princípios democráticos e a priorizaçãodasvítimas,detodasasvítimas.Sóassim sepoderá recuperar a confiançamúlti-pla:confiança institucionalnocorpodocente,confiançapessoaldecadaeducadoremsimes-mo e do resto dos agentes sociais, ou seja, pais ecidadãosnogeral.Precisamenteaconfiançaéoprimeiro“recursomoral”,apedraangularda saúde ética de uma comunidade; sem essa certezamútua, gera-seumclimade suspeita,verdadeiro cancro social. Ovalorpropriamentemoraldavidasóépossívelnumaesferadeconfiançamútua.Se-gundo a teoria do efeito Pigmaleão o professor fabricaaexcelênciaeapobrezaescolar,sejaounãoconsciente.Afé,aconfiançanascriançasenosjovensécomoaágua,quefertilizanelasassuasatitudesetalentos.Eadesconfiançafazocontrário:seca-os, fá-losmurchar.SegundoNicolai Hartman (2011) “a força moral que emana do crente é uma importantíssima força educadora. Pode tornar digno de toda a con-fiança o homem a quem essa confiança se di-rige. A fé pode transfigurar o homem, para o bem e para o mal, segundo o que essa fé creia. Esse é o seu segredo. A fé do educador fortale-ce na criança as boas qualidades que pressu-põe nele”. Portanto ajuda-se mais um aluno dan-do-lhe uma imagem positiva de si mesmo do quefazendosobressairinsistentementeosseusdefeitos. Normalmente todos os seres se esfor-çam por parecer-se com a sua melhor imagem.

Recuperar a confiança como primeiro recurso moral da escola.

Efeito Pigmaleão: o aluno tende a ser como se espera que seja.

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A seguinte chamada nesta tarefa de “re-moralização” far-se-á desde a profissionaliza-ção dos docentes, a proposta inclui todos os educadores, estejam onde estiverem, desde a educação de infância até à educação superior, sem nos esquecermos das famílias, e de todos os âmbitos da educação não formal e informal oucósmica. Osprofissionaisdeeducaçãoencontramno assunto da educação ética um elemento da própria identidade enquanto educadores. Énecessárioclarificaradúvidadequesetratadeumacrescentosupérfluoouinclusivamente,demais um tema. A visão curta é uma armadilha; vivemos imersos na necessidade de tomar deci-sõessemtempoderefletir.Assim,oquantitati-vo sobrepõe-se ao qualitativo na escola, ou dito de outro modo, o urgente relega o importante, primeiroparaamanhãedepoisficacondenadoao esquecimento. Uma tentação para os educadores é pro-curar refúgio numa suposta neutralidade a res-peito dos conteúdos que possam ser polémicos e assim acabar por remeter unicamente aos procedimentos para evitar conflitos. Isto é oque temos feito, educadores, durante décadas, commedodenoscomprometermos,dedeixaràsclarasonossocódigoético,ousimplesmen-teporqueparaumaorganizaçãopragmáticaepluralista do ensino não vem ao caso falar de virtude, ideal ou comportamento ético. Con-tudo é necessário que os educadores do nosso tempo não procurem apenas desenvolver com-petências nos seus alunos, mas também que estejam dotados de comprovadas competên-cias docentes. A visão curta é uma maldição acompa-nhada de avaliações objetiváveis, de progra-mações estandardizadas, de falta de vontade

A armadilha para os educadores: a vista curta, a

imediatitude.

Medo dos professores

de implicar-se eticamente.

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de tomar decisões difíceis e acabar por passar a batata quente de etapa em etapa, de casa à escola, e da escola a casa… para acabar por evi-denciar(easevidênciasnãoprecisamdeexpli-cações)queaeducaçãoéticaéagrandedisci-plina pendente. Para robustecer o músculo ético é ne-cessário proceder da mesma forma que com o restodosmúsculos,ouseja:constânciaplani-ficada,esforçoeclimagratificantequefaçaverque vale a pena, que se ganha mais do que se perde, que é preferível ser honrado que o con-trário. A tentação, fazendooparalelismocomodesporto,éadopagem:oatalho,ochegarabons resultados aparentes poupando-nos ao duro processo. Um músculo ético à base de esteroides significa, na escola, não respeitaros passos na maturação da consciência moral, quesegundoMarcianoVidal (1996)podemosresumirnoseguinteprocesso:dos0aos4anosaanomia(semnormasoureferênciaséticas),baseadonoprazerenador;dos4aos12anos,aheteronomia(areferêncianormativavemdoadulto que se converte em referência absolu-ta),sustentadanosprincípiosdoprémioedocastigo; dos 13 até à idade adulta a socionomia como etapa baseada no princípio de autorida-de entre iguais, onde o fundamental é perten-cer a um coletivo e se assentam os princípios deaceitaçãoouexclusão;eporúltimoaetapaprópria da idade adulta, da autonomia, ondeas decisões se sustentam sobre a responsabi-lidade pessoal e coletiva, onde se aprende a resolver situações de maneira individual mas sobretudo em comum, democraticamente. Não nos enganemos, a educação ética é como culti-var dragões ou sequoias, mede-se em gerações, não em anos de curso ou trimestres.

Reparos institucionais e burocráticos a programar e a avaliar a ética na escola.

Educar eticamente é formar a consciência.

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A estimativa moral consiste na com-binação de inteligência, consciência e vonta-de do bem: inteligência como capacidade dever realmente o que se passa, estarmos a par do que acontece e reconhecer as suas causas; consciência sendo a capacidade de relacionar e a força que nos impele a atuar com autentici-dade;vontadedobemsendoodesejodefazero bem, o compromisso pessoal. Nisto iremos centrar-nos com mais calma na última parte ou propostafinaldestareflexão. A tarefa educativa apresenta graves li-mitações quando faltam os princípios morais ou se enfraquece o sentido do contexto. Nostempos que correm, os centros educativos as-semelham-semaisabaldesdolixodasocieda-de onde vão parar os problemas por resolver. Hargreaves10dizqueseestáaproduzirumpâ-nico moral imenso perante a forma de prepa-rarasgeraçõesdofuturo.OucomoafirmaDeCardedal11, la educação é o primeiro problema moral da Europa. Esta educação de gerações precisa de entusiasmo, clareza de ideias,mas principal-mente, precisa de integridade, coerência entre o que penso, o que digo e o que faço. Ligação entreestasdeclaraçõeserealizações.Éaúni-ca forma de superar as dualidades tão típicas das realidades farisaicas e que deram lugar aos 10 Hargreaves, A. (1996). Profesorado, cultura y postmodernidad. Morata. Madrid. Analisa como está a mudar o ensino, e as opções e retos que se colocam ao professorado na era pós-moderna. Realiza umaexposição acessível e rigorosa da sociedade pós-moderna, das mudanças sociais e das transformações queseproduzemnotrabalhodoprofessorado.11 González De Cardedal, O. (2004). Educación y educadores: el primer problema moral de Europa, PPC, Madrid. Mostra que ser hoje professor, educador bem como docente, é uma ocupação técnica e uma vocação pessoal.

Educar é fazer história e exige ir em

contracorrente.

Entusiasmo, claridade de ideias

e integridade, para educar por

contágio.

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moralismos ou discursos moralizantes: a es-quizofreniaentreateoriaeavida.Oeducadoré uma referência moral, quer se goste mais ou menos, porque a ética verdadeira não é a que se aprende racionalmente, é a que se transmite por osmose. A escola, portanto, não deve esquecer quedentrodasuatarefadeveencaixarosgol-pes da vida pública, reinterpretando, situando noseusítiooquehádepodridão,mesquinheze delito público ou privado e, por outro lado, propondo como desejável o que deve haver, o que deve ser. Uma coisa é o que há, outra, bem diferente, é o que deveria haver. A educação não é outra coisa senão a gestão adequada essa tensão entre a realidade e as possibilidades. Sóassimsevaiaprendendoaentenderde forma crítica e a ressituar os comportamen-tos de instituições económicas, políticas, so-ciais ou culturais em relação aos princípios de-mocráticos, de justiça universal ou de respeito pela vida e dignidade humanas. É crucial que o educador recupere a sua autoestima como tal e deseje como algo prio-ritárioformar-senosprósecontrasdasinsti-tuiçõesesuasdinâmicasmuitasvezesinuma-nasedesumanizadoras.Oenquadramentodasinstituições são as verdadeiras entranhas que constituem o sistema global do nosso mundo sociocultural e, no entanto, não somos ensina-dos nisso. Em referência às instituições educativas é preciso reconhecer a quantidade de interfe-rências que intervêm e que não têm nada a ver comos temaspropriamente educativos: refe-rimo-nos aos temas de lutas de poder, de tipo económico,manipulaçõespolíticas,deinvejaseumsemfimdequestõesextradocentesque

Educar é gerir a tensão entre o que há o que deve haver.

O educador necessita desenvolver-se entre as instituições.

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afetam institucionalmente o caminho dos Cen-tros. Quenãonosrestemdúvidas:somosemgrandeparte o que as instituiçõesfizeramdenós.Aofimeaocabo, todaa instituição,sejaqual for, desde as pequenas como as famílias até às imensas como os organismos internacio-naisouasmultinacionais,devepassarocrivo:seconstróiou impedeessahumanizaçãopes-soalecoletivadecadaumdenós. Ou seja, há que habituar os cidadãos desde pequenos, desde a escola, a reconhecer se as instituições servem ao ser humano como fimouseseservemdelecomomeioeemquemedida o fazem.Um banco, umaONG, umacadeia de TV, uma empresa de carros ou um centro educativo, cumprem o seu objetivo de serviço à pessoa ou servem-se dela? Não digo que essa educação nos trilhos institucionais seja tarefa fácil, mas sim que é possível, desejá-vel e necessário.

2.2. O educador Aescolatendeareduzir-seaoconjuntode aulas e o professor ao ensinador; sintomas de uma educação sem alma. Contra-atacada por milhares de ofertas educativas, cantos de sereia maravilhosamente elaborados, escapa-rates que nos assaltam por toda a parte. Apesar detudomantemosapergunta:ondeaprende-mos humanidade? Se a educação quer compe-tir com a imagem, as redes sociais e a vertigem das ruas no terreno destas, tem a batalha per-dida de antemão. Overdadeiroprofessor(oumestre)porexcelência é oquenos acompanhanodesen-volvimento de todas as facetas da nossa vida

O mestre é ministro, servidor.

Educar desde as instituições.

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(nãosóascognitivas)eatodaselasdárespos-ta.ComosublinhaCarlosDíaz(2004),etimo-logicamente “magíster”derivade “magis”, ouseja,oquesededicaa fazercomqueooutrosejamais,e istosósealcança fazendo-sea simesmomenos (minus), convertendo-se, por-tanto,em“minister”,ministrooumestre.Poresta perspetiva, o mestre é na realidade um servidor. Quemestá capacitadopara reconhecerum professor? O ministro da educação? O rei-tor?Oburocratadadelegaçãoquefazaexpe-dição dos títulos? A nomeação real e válida de professorsópodeserconcedidagratuitamentepelodiscípulo(aluno)eemmuitasocasiõesosdiscípulos concedem-no à margem dos títulos e dos currículos. O professor não deve ceder à tentação de fazerdodiscípuloumdecalqueseu,masdevepotenciar as virtudes mais elevadas e nobres queestãolatentesnoprópriojovem.Éprecisodespertá-las e pô-las a andar. Um professor é um autêntico tesouro. Realmente vivemos uma crise de professores, mais funda que a de alu-nos“confusos”. Os pais de família e os professores ten-dem ao despotismo e ainda estamos longe de serministros,servidoresdispostosalevarosfi-lhos e discípulos sobre os nossos ombros, sobe a nossa consciência. E se dentro de uns anos nos encontramos com algum dos nossos dis-cípulose,olhando-nosnosolhosnosdiz“nãoerasuficienteaboavontade”,querespondería-mos? Devemos pensar nisso. A educação não tem que estar ao serviço da criançade formaabsoluta (aindaque sejapoliticamentecorreto),damesmaformaqueafamílianãodevevivercentradanofilho.Quem

Crises de mestres dispostos a levar os discípulos sobre a nossa consciência.

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sabe a onda paidocêntrica, rousseauniana, te-nha as horas contadas e o seu legado contro-verso seja difícil de superar. Asociedadetambémtemalgoadizernaescola, e nas famílias, não para pô-la ao serviço dosseusinteresses,massimparaexigiràsins-tituições educativas que colaborem na tarefa que cabe à humanidade inteira e assim se im-plique na transmissão de valores e virtudes, em passar o testemunho vivo do legado da luta dos povos,ahistóriadaemancipação,desolidarie-dade. Os professores são os únicos que podem e devem libertar a educação, presa pelas neces-sidades do presente, e orientá-la para as chaves do futuro. Em última análise, ao educar exige-seque seja exemplo de atitudes nobres para osseus alunos, e que o seu exemplo seja a en-carnaçãodamelhordeontologia.IstoexigeaoEducador que se posicione e que antes de guiar os outros, se guie a si mesmo através das vir-tudes. As quatro virtudes clássicas no ocidente são a força, a justiça, a prudência e a temperan-ça,quedeformaresumida,vêmatraduzir-secomo o cultivo de um proceder honesto, justo e respeitador com o outro. Chegados a este ponto, é preciso que todooeducadortomeumadecisão:ounosde-cidimos pela neutralidade e o emotivismo en-volvido numa subjetividade fechada sobre si, ou optamos pelo teleologismo clássico onde a educação está prioritariamente para servir ao ser humano, reconhecem-se verdades perenes que por sua vez fundamentam certos valoresqueexigemcondutasvirtuosas.Nestasegundaopção,oeducadordevedaraprimaziaaosva-lores que não se consomem com o tempo e que dão sentido ao resto das tarefas.

A sociedade, responsável por

construir o seu futuro na escola.

O mestre, peça chave de

referência e aposta pela

virtude.

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É conveniente não restringir referências debonsprofessores,agrandemaioriaanóni-mos (comoos santos), ocultos,muito ligadosaoquotidiano,àpaciênciainfinitaeàgenero-sidadesemlimites.Flashes,aofimeaocabo,todoseles,dograndemestre:Cristo. Dentro dessa grande multidão de mes-tresexemplares,podemoscitaralgunsdosúlti-mosséculos:Montessori,Milani,Freire,Man-jón,RovirosaouKorczak.Esteúltimoeducadorjudeu, polaco, que morreu com os seus alunos pornãoosdeixarsozinhosnascâmarasdegás.

2.3. Formar o caráter A educação moral não pode estar à mar-gem da educação em geral; daí a grande per-guntaécomodiziaMenónaSócratesnumdosdiálogosdePlatão:“Podesdizer-meSócrates,se pode ensinar-se a virtude ou simplesmente seadquirepelohábitoeoexercício?Ousenemuma coisa nem a outra, senão que pertence à natureza dos homens?” Possivelmente nestapergunta estão encerrados todos os ingredien-tesdesteinteressante“bolo”daeducaçãoética,comoqualnutrirrealmente,enãosóadoçar,avidasocialparaquesupereasuacrónicaano-rexiaaxiológica. Utilizemos o bisturi com essa atrevidaperguntadeMenón:faladetrêspossibilidades.Primeira: que a virtude pertença à naturezahumana.Segunda:queseaprendacomavidaecomaexperiência.Terceira:quesejafrutodasestratégiasdeensino-aprendizagem. Desde uma perspetiva global diremos quenão têmqueserexclusivas; tudovale,astrês chaves possivelmente interatuam e con-vergem na escola, e esta deve servir-se das três

Os Mestres são lampejos do grande mestre: Cristo.

Pode-se educar a virtude? Porquê? Para quê? Como?

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vias para o seu grande objetivo de formar cida-dãos livres, responsáveis e justos. Correram rios de tinta sobre as bases da moral, sobre o duplo motor da educação ética. Qualéo fundamentoparaproporaosnossosalunos que sejam bons e não maus? De um lado estáareflexãodeontológica,queafirmaqueabase é a educação do dever e das normas mo-rais. A liberdade do homem está sujeita apenas à responsabilidade que lhe impõe a sua cons-ciência.Osfinsbonssãooquefazcomquenosdevamos comportar bem. Por outro lado, temos a opção eudemo-nista que propunha a educação como procura da felicidade. Apenas atuando com naturalida-deeprocurandoobempoderemosser felizese tudo o que nos proporcione felicidade mais profunda e duradoura melhor será. Estas duas doutrinas éticas, o dever ou a felicidade, na realidade e face à prática educati-va, podem-se converter em duas perspetivas da mesmarealidade:aéticaéanecessidadequetodos temos intuitiva e naturalmente de viver num clima onde predomine a bondade, onde não se tratem as pessoas como coisas, onde nãosedefraudeaconfiançaeondesepriorizea felicidade de todos. Certamente somos escravos da procura da felicidade, não há ne-nhum ser humano, nem pode haver, que não queiraserfeliz.Aproveitemosessaprocuraquegermina em todos e cada um dos humanos, que pertenceàessênciadoseuser,essasedeexis-tencial,comopontofortenasólidaconstruçãodo sistema ético. Quanto aos conteúdos básicos da edu-cação ética, as referências clássicas falam-nos da“educaçãodavirtude”.Oqueéavirtudeequediferençaexisteentreestaseosvalores?As

O dever ou a procura da

felicidade como base da educação

ética.

Educação da virtude como formação do

caráter.

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virtudessãoessaspredisposiçõesafazerobemque vamos assimilando no decorrer da vida, com vontade, esforço, valor e astúcia e que no se u conjunto formam o bom caráter. Ainda que o português permita referirse como virtuosa a uma pessoa que domina um instrumento musical ou uma vertente da gi-nástica, não é a isso que nos referimos quan-do falamos das virtudes como constitutivas do bomcaráter:justiça,atenção,força,honestida-de, solidariedade, alegria, valor e tantas outras. Formar o caráter exige reconhecer asimensas possibilidades adormecidas no ser hu-mano e ainda que os limites do sofrimento hu-mano são tão fundos como os da solidariedade. Chegaasersignificativocontemplara impor-tância da educação do caráter inclusivamente em condições ou situações extremas como aexperiênciadeeducaçãoentreaspresasdeumcampodeconcentração(Póltawska2011): No campo de concentração considerá-vamos que a morte era heróica e, talvez todas, ou pelo menos todas as que chegamos no mes-mo comboio com o triângulo vermelho, as pri-sioneiras políticas, éramos capazes de morrer heroicamente (…) No entanto, é preciso dizer que as nossas companheiras mais velhas, em particular as nossas professoras, ocupavam--se de nós, as jovens (….). Mais à frente, quando quase morria de fome, dei-me conta do quanto aquelas profes-soras nos queriam defender, precisamente de perdermos a humanidade. Salvou-nos a nossa mente, que naquela realidade horrível estava como que paralisada. Aquelas mulheres, as mesmas que tam-bém estavam a morrer de fome, organizaram para nós, as jovens, uma escola – uma verda-

Nas dificuldades, a escola precisa de recuperar a memória e o sentido.

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deira escola, ainda que sem livros nem lápis – para que não “perdêssemos tempo”. A partir dos riquíssimos recursos da memória humana transmitiram-nos o que puderam. Aprendi história, matemática, fí-sica, geografia e, inclusivamente, anatomia, porque já a chegar ao final da minha reclusão no campo decidi que queria ser médico. Sal-varam algo dentro de nós. (…) Uma humani-dade dominada por uma força brutal capaz, porém, de conservar a sua liberdade interior.

2.4. O diálogo A verdadeira formação de caráter não sepodefazersozinho,istoéalgoquefoicon-firmadoporfilósofoscomooSócrates,Platão,AristótelesouosSofistas.Oqueestá sozinhonão pode encontrar nem o verdadeiro nem o conveniente ou justo, precisa de estabelecer o diálogo com outros para o ir descobrindo. Numa determinada ocasião quatro cegos quiseram saber como era esse animal fantástico de que tanto tinham ouvido falar e propuseram-se a ir tocar no elefante. Cada um aceitou tocar-lhe numa parte e depois partilha-ramasexperiências. Num primeiro momento ficaram des-concertados: um afirmou que o elefante eraumagrandecolunaduraefirme(tinha-lheto-cadonaperna),outrocontradisse-o,afirmandoque nem sequer era um animal, mas sim uma telafinae suave (a referir-se àorelha), oou-tro disse que se tratava de uma grande porção decarnemolesuspensaaoalto(descrevendoabarriga),aoqueoúltimorespondeuquenadadisso:o elefante eraumcilindromuito frio ealargado(afalardaspresas).Todostinhamra-

O diálogo, forma cooperativa

de alcançar a verdade e o bem.

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zão,masnenhumdizia a verdade.A verdadeestava no diálogo honesto que os levou a des-cobrir a parte de cada um num todo superador. O diálogo converte-se numa ferramen-ta,norecursoporexcelência;umfimbásicoefundamental de enorme importância para al-cançaroutrosfins…,porissoaescoladevein-vestir imaginação e esforço em educar em, para e desde o diálogo. Isso implica aprender a ou-vir, educar a forma de ver, cultivar a sensibili-dade,valorizaropequeno,orespeitopeladoralheia, que todo o ser humano me importe. Pouco a pouco foram crescendo as pu-blicaçõesemtornodadenominadaéticadialó-gica ou comunicativa, especialmente desenvol-vida pelos alemães Appel ou Habermas12 que, preocupadoscomajustificaçãoefundamenta-ção da ética numa sociedade pluralista e demo-crática como a atual, acabam por colocar a ên-fase no procedimento para chegar, entre todos, a uma normativa moral universal. Para eles, “diálogo” é o meio que nosresta para alcançar normais universais a par-tir de interesses e pontos de vista particulares. Esta corrente ética fundamenta-se, por um lado, na autonomia da pessoa, que confere ao homem o caráter de auto legislador e, por ou-tro, na igualdade de todas as pessoas que lhes dá direito a procurar uma normativa universal mediante o diálogo. Para isso, todos os mem-bros da comunidade se devem reconhecer reci-procamente como interlocutores com os mes-mos direitos e devem ser obrigados a seguir as normas básicas da argumentação. Os pontos mais conflituosos da éticadialógica remetem precisamente para essasreciprocidades, esse equilíbriobásico e a exi-

12Cf.Cortina,A.(1986).Op.Cit.

Escutar é cultivar a empatia, a forma de olhar, que todo o ser humano me importe.

A ética do diálogo procura alcançar normas gerais de interesses particulares.

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gência de umas condições tão ideais que quase queacabamporserutópicas.Nãoobstante,de-vemos resgatar em forma de síntese, o verda-deiro interesse partilhado em ser justos. Não pedimos tanto as condições ideais que pede Habermas para o diálogo, mas sim esse “que-rer” como ponto de partida que desencadeieum encontro progressivo e carregado de possi-bilidades de crescer. A virtude, o diálogo, a procura da feli-cidade são traços de toda a teoria ou prática éticasaolongodahistóriadafilosofia.Comapassagem do tempo foram sendo incorporados outros elementos como a liberdade kantiana,ossentimentosou“osvalores”comtantaacei-tação ultimamente. Não podemos esquecer que como edu-cadores devemos ter a paciência e a constância dosemeador.Ofrutofinalquepretendemosaofimdotemponãoéoutrosenãoaformaçãodoprópriocaráter,quenofinaldeveestar lavra-do numa pessoa com consciência, sentimentos, inteligência e vontade, inserida numa comuni-dade com uma cultura concreta. E tudo isso sob um sentido da vida mais ou menos visível, queglobalizaeorientatodooresto.

2.5. Liberdade e autonomia “Moral” tem uma origem etimológicacomumcomapalavra “morada”,quevemdemos-moris, isto é, caráter, uso ou costume. Na realidade, nós, os seres humanos vivemos àscostas dos nossos hábitos, resultado das nos-sasdecisõesedeumsemfimdeinfluênciasecondicionantes que foram acumulando feitos e experiênciasemnós.Onossocaráter,onossocomportamento, não está apenas nas nossas própriasmãos.Asinstituições, leis, tradições,

A virtude, o diálogo, a procura

da felicidade, os sentimentos,

valores … e paciência.

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forjam hábitos bons ou maus que acabamos por tornar nossos. Há toda uma corrente de forças, siner-giasepreconceitosa influenciarpermanente-mente a transformação das populações ou dos indivíduos. Apesardisso, comodiziaSéneca,“háqueconverter-senumartesãodasuapró-priavida”. A ética pretende dar a cada um as ré-deasdasuaprópriaquadriga,converterosu-jeito num ser autónomo, tão autónomo (quenão é independente) quanto seja possível eassim vencer os destinos predeterminados, o “fado”, que consiste numpoder sobrenatu-ral inevitável e que, segundo os seguidores do karmaoupredestinação, guia a vidahumanaeadequalquerseraumfimnãoescolhidodeforma necessária e fatal. As versões dos “astros dodestino”forammuitosaolongodahistória,substituindo esta visão pré-determinada pela genética, o deus-jogador, o determinismo so-cial, o calvinismo empresarial, a economia… issosignificasempreanegaçãodanossaliber-dadeeassimnãosóserejeitamaspossibilida-des do comportamento responsável, já que não sou eu quem deve responder pelos meus atos, mas responsabiliza-se essa anónima denomi-nada educação em bloco. Nós,simdecidimos,optamose,apesarde todos os condicionantes, fazemos regras,escolhemos entre isto e aquilo, e, portanto, po-demos e devemos responder, ser responsáveis. Issosignificaquepodemosmudar,sermosossujeitosdanossaprópriaeducação,somosemalgum grau, livres e, portanto, faz sentido aética.Aprende-seaserlivresendolivre,exer-cendoaliberdadesemprenomáximodaspos-sibilidades.Comoacontececomoexercíciodeummembroentorpecidodocorpo,sórecupera

A ética pretende dar a cada um as rédeas da sua própria vida.

A liberdade torna-nos sujeitos da nossa própria educação.

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a sua mobilidade se for levado ao limite, não deixandopartesporutilizar.Ganhandoespaçoà inércia e às rotinas, se vai tornando alguém donodesimesmo,sempreaomáximosemseultrapassar. Há uma educação que procura adequar osalunosparaomundoeparaasualógica,eoutra educação que pretende o contrário, for-mar pessoas que respondam adequadamente perante a lógica dominante com a lógica davirtude, esforçando-se por cultivar o caráter própriocomosseusingredientesdereflexãoeação consequente, afrontando o futuro pessoal e coletivo. Superando a vertigem de saber-se fazedordahistória. A verdadeira virtude não consiste numa tarefa ortopédica, postiça, de transplantar ideias do professor, do pai, do livro ou das mo-das a uso. Não há um GPS ético-moral. Pelo contrário, trata-se mais de assentar em todos oscontextosacoerênciaentreajustiçaeopen-sar,decidir,refletir,respondereatuar. Oquenãosóépossível,mastambéméfrequente, é que optemos por outra forma de diluir o nosso caráter ético, fragmentando-o em pedacinhos. E assim nos comportamos, so-mos diferentes em família, no trabalho, com os amigos, com o grupo dos domingos e com os de sextaànoite.Estadualidadeéticatorna-sealgohabitual desde pequenos, a mesma pessoa, em contextos e circunstânciasdiferentes, atuadeforma diferente perante o mesmo caso.

A liberdade educa-se

exercitando-a, ganhando espaços de

responsabilidade.

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2.6. Uma corrida de obstáculos OsociólogoSennett,noseulivro‘a cor-rosão do caráter’13faz-nospôrospésnochãocom a descrição de como a sociedade neocapi-talista torna praticamente impossível a forma-ção do caráter. É frequente que a sala dos professores se converta num muro de lamentações coleti-vo, onde cada docente manifesta as adversida-des, contrariedades, carências e contratempos derivados do seu trato com os jovens que lhe calharam; concluindo uma juventude desar-mada, desorientada eticamente e a impotência que gera no educador. Quanto daríamos porumabússolaquenosorientasseeumtonifica-dor que nos desse forças sem termos vontade de atirar a toalha ou de nos render ao “não há nadaafazer!” Contam que um manifestante se ins-taloudiantedoCapitólionosEstadosUnidoscomalgunscartazeseaíesteveváriosdias,se-manaseaofimdeváriosmeses,umjornalistaperguntou-lhe:Evocêachaqueassimvaimu-daralgumacoisa?Aoqueelerespondeu:Não,eu estou aqui não para mudar alguma coisa, mas sim para que não me mudem a mim. Para os educadores é condição necessá-ria a pré-disposição para a educação moral, não sócomoalgonecessário,positivo,exequíveledesejável,mastambémagradávelegratifican-te, pondo em prática a visão de longo alcance queosdevecaracterizar.Devempreocupar-semaisem“semear,quedepoisoutroscolherão”doqueem“colher”. A ingenuidade neste campo pode pa-gar-se caro se não se toma consciência, se não 13 Sennett, R. (2000). La Corrosión del carácter, Anagrama, Barcelona.

Prática educativa: adversidades, contradições, carências, contratempos.

O educador e a sua “visão de longo alcance”, qual semeador.

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secompreendeanecessidadedo longoprazo,querer ver resultados a curto prazo aparece--nos recorrentemente como a principal difi-culdade porque dispara o desânimo e a des-moralizaçãododocente, e comoporcontágioambiental converte-se num clima e até numa mentalidade paralisante. Na ética é bom e necessário ser meticu-loso na estratégia e na tática. Aníbal teve que reconhecer na batalha de Cannas que os roma-nosquadruplicavamemnúmerooseuexércitocartaginês,esóassimpodeadequarasuaes-tratégiamilitarealcançaravitória. Portanto nada de enganos, ou o que é pior: autoenganos. A miopia económica, po-líticaenaeducação,os relatórios trimestrais,ou anuais de ciclo, de centro, em que estamos submersos, abarca tudo. Eleições, avaliações (dealunose/oudeprofessores)ederesultadosa cada curto espaço de tempo. Tudo isso forja um caráter de provisoriedade no percurso edu-cativoqueimpededeolharparaohorizonte,esemolharparaohorizonte,paraondevamos? É recorrente o jogo de palavras sobre se amoralidadeééticaoucosmética.Quemsabesejaumpoucodasduas.Acosméticaédeixar--se levar pela mera aparência de melhoria, algo postiço,provisório.Descuidandooverdadeirofundo, mais ainda, o tom, o desenvolvimento natural da educação. A maquilhagem volatili-za-seaofimdepoucotempo,sãocremes.Pelocontrário a ética é a forja do caráter, é algo du-radouro como o feito em pedra, em ferro. Há umprovérbiochinêsqueafirmaque:”setensenvistaumanoplantaarroz.Setensenvistadezanosplantaumaárvore.Se tensemvistacemanos,educaoteupovo”.Mãosàobra.

A provisoriedade em contexto

académico impede o olhar para o

horizonte.

Não se deve desmoralizar

quem deve educar moralmente.

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Para todos os que sucumbiram à des-moralizaçãoouestejamprestesafazê-lo, lhesdevia ser dito que a educação ética é como o desporto, não se sabe o que tem, mas a recom-pensa está basicamente no esforço de tentar superar-se a si mesmo, mais além do que os au-toenganos,odesafioestánasatisfaçãodeolhardesdeocumeesuperaraprópriamarca,eissoinclui o treino duro e diário. Objetivosdeestratégia:oprazerdaforjado caráter, o gosto pela luta solidária, o hábito doamoràverdade,odesafiodaconstância.Eo que decidimos das pessoas vale para os co-letivos, forjar um caráter que considere como um tesouro os melhores valores e opte pelas melhores virtudes é construir um povo, uma sociedade mais em linha com a pessoa, é mul-tiplicaraspossibilidadesdeserfelizes juntos,deeducaratribointeiraemvezdeseguiratá-tica estéril de educar indivíduos isolados. As recentesreflexõesapartirdascomunidadesdeaprendizagemeaeducaçãoinclusivaconcluemomesmo:oquenão seeducaapartirdeumgrupoglobalizadotemumaduvidosaefetivida-dealongoprazo. A pedra angular do amor e a forja de caráter como única resposta consiste em não pensá-losozinho,comooMascarilha,comooBatman,oSuperHomem…etodososheróisaque estamos acostumados, mas sim em grupo. JáG.Rovirosaafirmano“Elogiodapandilha”quesóentusiasmaoquesefazemgrupo,oquese ataca em equipa.

2.7. Solidariedade Hobbes no seu livro ‘O Leviatã’ funda-menta a necessidade do homem em ser bom e incutir nos outros o desejo de o ser no mero

A educação deve ser sempre globalizante, integral, coletiva e entusiasmante.

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egoísmo inteligente, que no final nos leva alevantar pactos sociais e a construir estados. Algo de verdade há nisto, porém estes pactos de conveniência não costumam ser muito es-táveisnemduradourosealongoprazopodemter incorporado o logro do pacto nunca ser en-tre iguais. Nestes tratos e pactos jogam mais os que mais têm e precisam de substituir acordos por chantagens ou coações, e estes por repres-são.FoiDarwinoqueacabouesteraciocínioaofalar da luta pela vida. Paramuitosoutrosnahistóriapredomi-nouacooperaçãopelaexistência,a solidarie-dadequerespondeàpróprianaturezahuma-na que nos chama a esse cuidado pelos outros como algo consubstancial ao nosso próprioser. Levamo-lo implícito na nossa identidade antropológicacomoseresrelacionais;questãodesenvolvida amplamente por E. Mounier14. Perante o porquê dos seres humanos terem descoberto a solidariedade, dever-se-ia afirmarque “a solidariedade não tem porque justificar-se, floresce porque floresce, como a rosa15”.Nãotemuma lógicamatemática, temrazõesquearazãonãoentende.Nãoobstanteébomnãodeixarestasolidariedadeemmãosdo sentimentalismo e do romanticismo, é pre-cisoqueasolidariedadeestejaplanificada,dis-cernida,organizadacomacabeçafriaparaqueseja realmente resposta válida às necessidades do outro. Seja por egoísmo inteligente perante o instinto de conservação, por mandato divino, porimperativocategóricoouporexigênciada

14Cf.Calvo,A.;Dominguez,X.M.;Narvarte,L.(2002).LaRevoluciónpersonalistay comunitariaenMounier,Fundacion Emanuel Mounier, Madrid. 15 Rorty, R. (2010). La solidaridad y el espejo de la naturaleza, Cátedra. Madrid.

Na história, a cooperação

humana tem sido constante.

Solidariedade é dar até que doa, é perder pelo outro.

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própria natureza, devemos ser solidários (defazer-se “sólido” com o outro, de “soldar-se” comele).Éumprincípiodevida,umcritériode conduta que se objetiva naqueles que lhe de-ramvida,essaéareferência,otermómetro.“Édaratéquedoa!”diriaMadreTeresadeCalcu-tá,“partilharatéonecessárioparaviver”disseoPapaJoãoPauloII;emdefinitivo,é“perderpelooutro”.Solidariedadeéaexpressãomaissublime do desprendimento e amor aos outros. Seasolidariedade“bementendida”co-meça por cada um, a mal-entendida acaba em cadaum.Temumaparticularidade:nuncaper-tencerá a uma ética de mínimos, como a justiça porexemplo,senãodemáximos.Ajustiçasim,éexigívelatodoomundo,asolidariedadesóseexigeaoqueestejadispostoaacolhê-lacomopauta de vida. A solidariedade deve ser uma dessas palavras que não devemos resignar-nos a ver como se diluem de tanto a manusear. “É o tesouro dos pobres”afirmavaJorgeBergoglio16; “sóospobrespodemsersolidários”,atreveu-seapronunciarJuliánGómezdelCastillo,conhe-cido formador de militantes cristãos17. Em certa ocasião um indígena dirigia-se àscriançasdasuapovoação:em cada pessoa há dois lobos que convivem no mais profundo de nós mesmos: o da maldade, mentira e ódio, num canto, e no outro, o da esperança, soli-dariedade e verdade; cada um deles descrito minuciosamente para assombro e deleite dos pequenos. No fim, um dos miúdos perguntou:” avô, qual dos lobos crês que acabará por ga-nhar?” ao que ele respondeu: “aquele que me-lhor alimentares”.

16Cf.DiscursodopapaFranciscoaosembaixadores,16de maio de 2013. 17 Cf. VVAA (2006) J. Gómez del Castillo, militantecristianopobre,IdyEvangelizad.Madrid.

Toda a solidariedade começa pela justiça e acaba na generosidade maior.

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Os exemplos conseguem que o exem-plar seja desejável. É fundamental estudar cui-dadosamente que modelos de conduta se pro-clamam nos nossos Centros como referência, como paradigma. Devem ser próximos, mas que supo-nham retidão, desafio, provocação. Como equem são os padrões de identificaçãodos jo-vens das nossas aulas, dos nossos filhos, dosjovens dos nossos bairros? Da resposta a essa pergunta deve resul-tar um plano concreto de estruturação de mo-delos de atuação que suponham entusiasmo pela solidariedade. Iqbal Masih18 foi um jovem paquistanês,escravizadodesdeosquatroanos,até que conseguiu a libertação e se comprome-teu na luta contra a escravidão infantil; formou uma associação com outros jovens contra a máfia das tapeçarias. Acabou por ser alvo deameaças e difamação até que o mataram, num domingo de Páscoa de 1995. Hoje em dia é re-ferência para muitos jovens e educadores de todoomundo.Emsentidoestrito, sóacons-ciência autónoma tem valor moral. Por issodeveserohorizontedetodooeducadorqueseprezecomotal,istoé,aspiraràautonomiadoeducando e que, mais ainda, o discípulo supe-re rapidamente o mestre, o educador em cons-ciênciamoraleautónoma. 2.8. Teonomia A autonomia moral plenifica-se comoautonomia teónoma. A autonomia humana écondição necessária para o exercício da açãomoral adulta,mas não é suficiente. A verda-

18 Cf. Grijalvo E.; Rodriguez, E.; Marijuán J. (1997)IQbalMasih,cuando la juventud lucha por la justicia, VozdelossinVoz,Madrid.

A melhor lição de solidariedade são exemplos de vida

como Iqbal.

El horizonte de toda a educação

moral deve ser a consciência

autónoma.

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deira suficiência provém deDeus, em últimainstânciaaaçãoéticasópodefundamentar-seincondicionalmenteporum“incondicionado”,por um absoluto que não acabe por remeter à própriasubjetividadehumana. SóDeuspodefundararadicalautono-mia humana sem a distorcer, sem a deformar. Ele seria, portanto, o suporte primordial, fun-dante e catalisador de toda a realidade; tam-bém da nossa conduta, da nossa procura pela felicidade, da realidade ética. Deus seria o ab-soluto“deverser”.Porautonomiadasrealida-des terrenas entendemos que as coisas criadas e as sociedades gozam de leis e valores pró-prios que o homem tem de descobrir, aplicar e ordenar paulatinamente. Conscientes que sem o criador, a criatura se dilui, pelo esquecimen-todeDeusacriaturaficaobscurecida,afirmaaGaudium et Spes nº36. E.MounierpropunharefazeroRenasci-mento de tal forma que a necessidade da auto-nomiahumanasóseentendessecomoautono-miabaseada“n’OIncondicionado”.Algoquejáapontavaoestoicofilósofo-imperador MarcoAuréliodoséc. I,quandoafirmava“oprivilé-giodohomeméfazersóoqueagradaaDeuseaceitar com gosto tudo o que Deus lhe concede, em harmonia com a natureza”. Descobrindoqueesse“gostodeDeus”nãoécaprichosomasproduto do amor mais depurado19. Para Guillermo Rovirosa20 a pessoa en-contra-se submetida a necessidades de ordem diversa,quesepodemreduziratrês:1)Neces-sidades de ordem material, que afetam basi-camente a vidado corpo. 2)Necessidadesdeordem moral, que se referem às potências da 19Cf.Aurelio(2010).M. Meditaciones, Gredos. Madrid. 20RovirosaG. (1997).Cooperatismo integral,VozdelossinVoz.Madrid.

Só Deus pode fundar toda a Moral; é o absoluto “Dever ser”.

A educação ética e integral deve ter uma sólida raiz religiosa.

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alma.3)Necessidadesdeordemsobrenaturalno que se refere à vida eterna. Daí se conclui que quando falamos de educação devemos atender simultaneamente tanto ao aspeto in-trinsecamente humano, como social e religio-so.

2.9. Autoridade21

Se bem que é certo que a realidade so-cialestáhierarquizada,ohierarquismoéumadeformaçãoinumana.Mounierafirma:“numa organização personalista há responsabilidade de todas as partes, criação em todas as partes, colaboração em tudo; não há gente paga para pensar e outras para executar, e as mais favo-recidas para não fazer nada. Mas esta organi-zação não exclui a verdadeira autoridade, ou seja, a ordem ao mesmo tempo hierárquica e vivente, na qual a autoridade nasce do mérito pessoal e significa dar ao seu titular, não um suplemente de honras, de riquezas ou de isola-mento, mas um acumular de responsabilida-des”. Etimologicamente,“auctoritas” (autori-dade),provémdeaugeo:conferirauge,ajudar,levantar;cujoprefixoé ‘auxi’ (auxiliar)ecujosufixoé‘auctum’(autoridade).Portanto,aau-toridadelevanasuaraizaaçãodeajudar,auxi-liar, servir, levar o outro sobre os seus ombros. Aindaqueemalgumasocasiõesissoconduzaauma postura ou a uma palavra rígida, far-se-á, comodiziamosclássicos,“comboasmaneiras,mas com firmeza”. A autoridade deve servirpara que o outro, o educando seja autor prin-cipaldasuaprópriaautonomia,paraissoserveaobediência.Assim,odiscípulo“acredita-se”,

21 Diaz,C.(1995).Diccionario militante,VozdelossinVoz,Madrid.(I)p39.

A autoridade moral ganha-

se com uma vida honrada e

generosa.

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adquirecrédito (creditum),queem latimsig-nifica “expressão de fé e, portanto, de confian-ça”. Portanto a autoridade supõe respeito para ser obedecido. A autoridade pode ser fí-sica(coativa)oumoral,estaúltimaéaquenosinteressa neste momento. A autoridade moral é aquelaqueteconferemosprópriosaprendizesporque a tua conduta irrepreensível prévia é garantia da tua integridade moral. Aspiremos, portanto, como educadores, a essa autoridade moral, que ao conseguir isso já temos meio ca-minho andado para a educação ética. A autoridade, como a liberdade ou o amor,ou sedizemno singular ena sua tota-lidade,ousedizemmal.Assim,as liberdadesacabam por ser aspirações que se concedem benevolamente pelo poder, os amores são na-moricos e as autoridades tornam-se personali-dadesanónimasdispostasachamarasiprota-gonismo, mas que não implicam nada moral-mente. O mesmo pensador anarquista Prou-dhon22 acabou por reconhecer que a autorida-de e a liberdade são dois princípios indissolu-velmenteunidos,vaziosdesentidoumsemooutro. A meio caminho entre o autoritarismo (maisprópriodoslíderesquemandam)eoper-missivismo(própriodaausênciadoeducador)temos a autoridade do que conhece os seus, os respeitaeanima(colocaaalma),doqueacabapor“pagar”(assumeoserros)pelooutro.

22GarcíaV.(1981). El Pensamiento de P. J. Proudhon, EditoresMexicanosUnidos,México.

Toda a autoridade deve favorecer a autonomia e o crescimento do discípulo.

Autoridade moral frente ao autoritarismo e ao permissivismo.

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2.10. Felicidade e alegria Desde sempre nos perguntamos porque é que o objetivo principal de todo o curriculum não costuma constar entre os milhares de pa-péis de planos de centros, de ciclos, de aulas, nas leis e projetos educativos. Referimo-nos à felicidade e à alegria; desejo mais profundo de todo o homem; quem disser o contrário des-prezaaprópriacondiçãohumana. Comojádissemos:cadaumpeloseuca-minho, todos aspiramos, de alguma forma ao que os gregos chamavam “eudaimonía”.Kantafirmavaquenãoeramaisqueumautopiane-cessária, um “ideal da imaginação”, pode ser assim,mas ninguém pode deixar de esculpira sua cidade ideal. Ainda que seja impossível vender felicidades pré-fabricadas “prêt a por-ter”, o certo é que tanto os estados como os mercadosnãodeixamdetentarvenderusandoideais. O inglês JeremyBentham (1748-1832)foiopaidoutilitarismoechegouaafirmaroseguinte: “Dar-lhes-emos uma felicidade si-lenciosa, humilde, a felicidade que convém às criaturas que eles são. Persuadi-los-emos para que não se tornem orgulhosos. Certa-mente que os faremos trabalhar, mas durante as suas horas de descanso organizaremos as suas vidas como se fosse um jogo de crianças, com canções infantis, coros e danças inocen-tes. Inclusivamente, permitir-lhes-emos o pe-cado sabendo que são fracos e desarmados. Estarão isentos da grande preocupação e da grande angústia que resulta da escolha por si mesmos. E todos serão felizes23”. Aristóteles, por sua vezdiz que todoomundo está de acordo sobre o quão importante

23 Cf:DiazC.Op.Cit(III)p20.

Há muitas felicidades

provisórias, alienantes.

Na moral, a felicidade só deve

caber no âmbito da justiça.

Todos aspiramos à felicidade,

necessariamente.

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é a felicidade, ainda que cada um a descreva à sua maneira. A verdade é que, parodiando São JoãodaCruz,queafirmouquenofinaldavidaexaminar-nos-ãosobreoamor,doquenãores-ta nenhuma dúvida é que todos passaremos a confirmaçãodafelicidade. Os estoicos foram os que diferenciaram basicamenteentreafelicidadeinterioreaex-terior; a primeira refere-se à contemplação do belo, do bom e do verdadeiro e a segunda é a que está à mercê das circunstâncias. A conclu-são équenofinal, a felicidade édiretamenteproporcional à virtude e à forja do caráter e in-versamente proporcional ao vício. A felicidade humana sópode concretizar-senoâmbitodajustiçaporquenãosepodeprocuraraprópriafelicidade pondo em causa a felicidade alheia. O pragmático americano William James chegouaafirmar‘a felicidade é a prova da ver-dade’. Essa verdade desencadeou que o sentir--se feliz justificará tudo.Comohá genteparatodos os gostos e para todas as felicidades, aca-bouportriunfarorelativismoejásabemos:emtempos dúbios e de confusão há sempre quem se aproveite. O relativismo sempre joga a favor dos fortes. Na lei da selva ganha o que tenha o melhor veneno ou a maior força bruta. Que plano podemos montar desde aeducação para ir gerando uma resposta a este labirinto? Desde logo perder o medo de des-mascarar com todo o descaramento as felicida-des lowcost e fazerverquenãovalea felici-dadeedificadasobreacoisificaçãodosoutros.Arriscamos muito em cultivar essa sede de fe-licidade e de alegria sem que acabe em suicídio daprópriaconsciênciamoral.Comoeducado-res temos que realçar várias coisas: primeiroqueosdesejosdefelicidadefalamdanossafi-nitudeequeaspiramosaomáximo,aotodo.A

Acabaram por triunfar as felicidades do descartável.

É preciso que a escola cultive a sede de felicidade o mais profundamente possível.

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felicidadenãosabemosseestáounãonofinalde algum caminho, mas o que é certo é que de algumamaneirajáestánesseprópriocaminho,no processo de descobrir e conquistar o misté-rio da vida, o amor e a verdade.

2.11. Amor Numa reflexão sobre a educação éticaseria uma imoralidade não dedicar um espa-ço ao sentido e alcance do amor. Sabe-se que acivilizaçãoocidentalsebaseiaemtrêspilaresfundamentais:arazãogrega,odireitoromanoe a caridade cristã. ParaHomerooparadigmadeexcelênciahumana estava no guerreiro e sua força, para Aristótelesnaamizade,paraDescartesnoseuraciocínio, para o utilitarismo dos nossos dias nolucro.Poroutrolado,éconhecidootextodePaulo(Coríntios13):“Ainda que falasse a lín-gua dos homens e dos anjos, ainda que tivesse o dom da profecia e conhecesse os mistérios e toda a ciência, ainda que tivesse uma fé que movesse montanhas, ainda que repartisse to-dos os meus bens e entregasse o meu corpo às chamas, se não tenho caridade nada sou. (…) a caridade é paciente, serviçal, não é invejosa, não leva em conta o mal, alegra-se com a ver-dade, tudo espera, tudo suporta. Subsistem a fé, a esperança e a caridade, de todas elas a maior é o amor”. Apesar dos vinte séculos não é nada fá-cilencaixarissodoamorafundoperdido.NemNietzsche,nemMarx,nemFreudconseguiramsuperar os esquemas da lei de Talião de olho porolho,queafinaldecontascontinuaarecla-mar a nossa forma de proceder desde o mais fundo dos nossos instintos.

O amor é a virtude que globaliza o

resto.

Ama e faz o que queiras. O amor a fundo perdido é a

maior virtude.

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S. Agustín definiu o amor como a vir-tudenogeral: ‘a virtude é a ordem do amor’ comasuacélebrefrase:‘amaefazoquequi-seres’24. Para o bispo africano, a vontade reta é um amor bem dirigido e a vontade torcida é umamormaldirigido.Quemamanãoneces-sita de mais nenhuma virtude que não essa, já que a temperança é o amor que se reserva por inteiro ao que ama; a fortaleza é o amorquesuporta tudo facilmente pelo amado; a justiça não é mais que o amor equilibrado, que ama o que necessita de ser amado; e a prudência é o amornoseudiscernimentosagazentreoquefavorece e o que a estorva. E.Frommestudaanaturezadoamor25 nas suas diversas formas: amor de pai e demãe, amor próprio, amor erótico e amor aDeus. Postula que os elementos necessários para o desenvolvimento de um amor maduro são o cuidado, a responsabilidade, o respeito e oconhecimento.Realizaumaanálisedoamoreoseusignificadonasociedadepós-modernaechega à conclusão de que esta tende a alienar o homem e a impossibilitá-lo de amar. O amor é como a solidariedade ou como o arco-íris, podes aproximar-te dele cada diamais, mas nunca chegarás a alcançá-lo total-mente. Os educadores devem prestigiar essa

24 A obra da Dra. Mujica Rivas (2010) ‘El concepto de educación en S. Agustín’ Eunsa, Navarra, insiste em como o santo de Hipona supera a visão estoica do destino e a ciceroniana da perfeita autonomia da vontade humana, propondo o amor como ideia chave também na educação, que por sua vez inclui inteligência-verdade,sentimento e vontade pela justiça. 25 Em ‘El arte de amar’ Erich Fromm postula que o amor é a resposta ao problema da existência poisrompe com a divisão-separação-solidão sem hipotecar a individualidade. Expõe as qualidades de um amormaduro: o cuidado, a responsabilidade, o respeito e oconhecimento.

A sociedade pós-moderna tende a dificultar o amor pleno à base de sucedâneos.

É preciso educar no querer, saber e poder amar.

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forma de viver, de ser que incorpora com na-turalidade o amor, a solidariedade como pau-tas ou critérios de comportamento quotidiano, conscientes de que sempre há outra volta para daraoparafuso.SantoAmbrósiodeMilãoche-gouaafirmar“se tens mais do que aquilo que necessitas para te vestir e te alimentar, distri-bui-o entre aqueles que não têm e reconhece que és tu que estás em dívida para com eles.” O que é que impede de amar? Três obs-táculos:onãoquerer,quetemavercomafaltade generosidade; o não saber, que aponta para ascaricaturasdacaridade:oassistencialismopaternalista de dar com uma mão e roubar, ain-da que seja legalmente, com a outra; e em ter-ceiro lugar o não poder, que é sempre mentira porquecomodizorefrão:quemquer,pode.

2.12. Vocação Ouve, o que queres ser quando fores grande? É uma pergunta que já todos ouvi-mos e à qual já todos tivemos de responder em algum momento. A vocação não é um desti-nopré-desenhadopor cimadanossa próprialiberdade, nem um mero resultado tático de capricho/gosto/rentabilidade/conveniência. Vem do latim vocare,“chamada”,edeaícom--vocar, pro-vocar, re-vocar, in-vocar, e toda a chamadaexigeumaresposta. Podemos afirmar que basicamente avocação é uma chamada universal à justiça, à fidelidade ao nosso próprio status de ser hu-mano,écomoumachamadadanossaprópriaconsciência,onossoseloéticodequalidade.Sóos seres humanos é que têm e são vocação. A vocação essencial de todo o homem é a de ser pessoa.

Educar é acompanhar no processo crucial

de responder à vocação pessoal.

É preciso acabar com a indefinição e ensinar a tomar

decisões.

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Quantoàeducaçãoéticaéprecisorecu-peraressachamadaexplícita,essaconvocató-ria. A qualidade de toda a vocação vem dada pela qualidade da resposta, no compromisso pessoal à causa do homem e à adesão à cau-sa humanizadora.A vocação vema ser comoaapostapelafidelidadeaumrumo.Éumerronão apresentar aos jovens a vocação por falsos respeitoshumanos,nãoosconduziràprópriatomada de decisões. Isso leva-nos a viver numa eterna indefinição e numa ambiguidade per-manente. A educação ética passa por ensinar a decidir com o que isso implica de análise prévia e assunção de riscos, comprometimento. Queaincertezaouadúvidanãonospa-ralisem. Zubiri26 afirmava no seu livro ‘sobre o homem’ quesósabemosanossaverdadeiravocaçãonofinaldanossavidaequeamaioriadoshomenssóvivemumaparteda suavida.Avocaçãonuncaestáesclarecidadeumavezeparasempre.Tampoucoéumasó,nemumasócoisa, ainda que certamente entre as vocações dapessoacostumeexistirumadominantequeé o motor do resto Há duas vocações primárias, as denomi-nadas “vocação de estado” e “vocação profis-sional”,eumaterceiraglobalizante euniver-sal:a“vocação para a justiça”, que logo con-

26Zubiri,X.(1986)‘Sobre el hombre’,Alianza,Madrid.Onde o filósofo espanhol recolhe de Ortega y Gasseto conceito de vocação: A vocação, escreveu Ortega, éuma “palavra estupenda que descreve exatamente esta vozinha insonora que no mais fundo de nós nos leva a todo o instante a ser de certa forma. A vocação é o imperativo do que cada qual sente que tem que ser, portanto, o que tem que fazer para ser o seu eu autêntico. Com muita frequência ignoramos essa chamada vocacional, somos infiéis a nós mesmos e, em vez de sermos, des-somos”.Nãoelegemosavocaçãoarbitrariamente, nem nos é imposta: é algo que noschama e que resolvemos livremente.

Vocação de estado, vocação profissional e a vocação para a justiça.

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cretiza livremente cadaumno sector, âmbitoouaplicaçãoqueolevamàsdecisõesprópriasecircunstânciasdavida.Pordefiniçãoéumacontradiçãofalardeumavocaçãoqueexcluaosoutros. Educar para responder implica educar a sensibilidade da virtude de escutar para res-ponder com generosidade. Escutaradorpróximaelongínqua,es-cutar as vítimas estejam onde estiverem. Edu-carparapoderentenderabeleza,osofrimento,o gozo, a injustiça, incluindo a que se escon-depor trásdefigurasmacroeconómicas. Issoimplica educar na generosidade, na arte, na valorizaçãodopequeno,dooculto;escutarosoutros, evitando todo o tipo de ruídos. Uma boa definição de vocação é o en-contro entre as nossas possibilidades e as ne-cessidades do outro. Isto leva os educadores a ter que propor aos jovens e crianças a empatia com os outros cada dia com mais força. Educar a vocação é haver respeito pela parte dos pais e dos professores pelos tempos e ritmos do jovem. O tempo passa e não é pos-sívelfazermarchaatrás,oquenãosefeznumacerta idade é difícil que possa ser reparado mais tarde. Por isso é muito importante cuidar, mais do que os atos isolados, as atitudes, os processos de crescimento, de descobrimento, de maturação. A vocação é uma tarefa perene, sem que devamos cair na péssima perspetiva de A.Ca-mus27 que descreve a nossa vida como uma eterna condenação a estar a começar de novo inutilmente. O qual levaria ao absurdo, ao va-zio,aodesespero.Temprojeçãodefuturo.

27Camus,A.(2004).El mito de Sísifo,Alianza,Madrid.

A vocação é a síntese entre

a própria generosidade e

as necessidades alheias.

Educar a vocação é contagiar

entusiasmo.

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A vocação tampouco é simplesmente uma declaração de princípios ou intenções, se-nãoderealizaçõespráticas.“A tarefa ética não consiste simplesmente em projetar adequada-mente, mas sim também em realidade cum-pridoramente o projeto”, afirmouZubiri28 no seu livro Ética. As tentativas na tarefa educa-tivadevemrevitalizaraprópriavocaçãocomomotivo de entusiasmo.

3. Uma proposta concreta. O inquérito pedagógico Não queremos que esta exposição ter-minedeformaabrupta.Queremosexporcomoprimeiro passo de uma proposta de formação da consciência e especialmente da consciência moralométodo:ver,julgareatuar.Odenomi-nado“InquéritoPedagógico”(Rodríguez,M.I.2011)éummétododeformaçãoquefundeassuasraízesnomovimentotrabalhistaquereco-lheuocardealbelgaJosefCardijn(1882-1967).Chega a Espanha através de Eugenio Merino (1881-1953) e é Guillermo Rovirosa (1897-1964) com a colaboração de TomásMalagón(1917-1984)quemconstróiumplanodeforma-ção baseado no inquérito sistemático. Ométododeinquérito(Rodríguez,M.I.eMedina,J.J.2010)éumasínteseentreomé-todo didático e o método intuitivo, um conheci-mento que nasce como fruto do conhecimento científico e o conhecimento quotidiano; idealpara trabalhar entre professores com jovens, inclusive com crianças do ensino básico. Falamos da pedagogia do sentido co-mum, responder à necessidade, à carestia, às condições laborais, à doença, … qualquer um

28Zubiri,X.(1986).Op.Cit.

O inquérito pedagógico: estratégia educativa para educar a visão, o julgamento e o modo de agir.

O método de inquérito é a pedagogia do sentido comum, da consciência.

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podeencarararealidadefazendopesquisasdetudooque lheacontece: construirumapeça,arranjar uma máquina, remendar um rasgão, escrever uma carta, estar mal alojados, ter um doenteemcasa,ficarsemtrabalho,etc. Através do método do ver-julgar-atuar, criam-sehábitosqueseconcretizamnumafor-ma de aprender, mais além de meras formu-lações teóricas e académicas. Trata-se de umexercíciocomduaspartes:primeiropessoaledepois em equipa. Não se trata, por conseguin-te, unicamente de escutar uma conferência ou lição de um professor, mas sim de que cada um reflitaapartirdassuasvivênciasequeofaçaem equipa. O plano completo implica uma série de inquéritos pedagógicos desenhados numa se-quêncialógica.Cadainquéritodeveestarligadoa todos os que o precedem e os que o seguem, proporcionando entre todos um processo dinâ-micosobretodaarealidade,fazendocomquese desenvolvam as capacidades e se forme uma consciência crítica e ética. E tudo isso de uma forma coletiva e distinguindo os diferentes ní-veis:pessoal,ambientaleinstitucional. Ariquezaecomplexidadedo inquéritopedagógico torna necessário um espaço pró-prionoutromomentopara introduzireapro-fundar adequadamente nesta metodologia prá-tica da formação da consciência29.

29 Para aprofundar nos fundamentos, metodologia e aplicações do inquérito pedagógico Cf. A tese dedoutoramento de Rodríguez, M. I. (2007) O métodode inquérito como estratégia de aprendizagem. Umaexperiênciaconcretanaformaçãoinicialdoprofessorado.Universidade de Granada.

Na educação ética é preciso

diferenciar entre o pessoal, ambiental

e institucional.

Clima de respeito pela liberdade e

dignidade de todas as pessoas.

Criar hábitos individual e

coletivamente na forma de ver, de analisar e de

julgar.

Ética e Escola

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4. Em jeito de conclusão Procurandorecapitulare sintetizarumesquema básico de compreensão sobre a ética e a escola propomos a seguinte ordem de crité-rioseprincípios:

a. É preciso questionarmo-nos so-bre as formas de vida: pensamentos,sentimentos e conduta. Considerar os objetivos e o sentido da nossa vida. Co-nhecimento e descobrimento de nósmesmos comopessoas.Oque implica:vivência e clima que testemunhe o res-peito pela liberdade e a dignidade de to-das as pessoas desde a sua conceção até à sua morte.b. Conhecimento, potenciação e consciência de tudo aquilo que nos forma e nos educa. Uma pedagogia da formação integral.Oque implica: con-siderarmos: 1) o desenvolvimento dasnossas possibilidades intelectuais (ob-servação, a compreensão, a expressão–comunicaçãoeaação),2)amanipu-lação mediática e das redes da informa-ção, dos planos de estudo e o problema da verdade e a mentira do que aprende-mos.c. Clima que propicie a correção das próprias deficiências. Consciênciado mal que realizamos, do mau am-biente que projetamos em nosso redor. Aprender a pedir perdão. Hábitos auto-críticos.d. Hábitos que propiciem o desen-volvimentodasprópriaspossibilidadese aptidões. Consciência dos dons que recebemos, do bem que há à nossa vol-ta. Aprender a ser agradecidos. Conhe-

Educação integral, potenciação das capacidades e possibilidades adormecidas.

Aprender a ser agradecidos e a desenvolver a gratuidade e a generosidade.

Aprender a ouvir, dialogar e cooperar, solidaria e autogestionariamente.

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cimento e empatia pelos outros. De-senvolvimento de qualidade de serviço gratuito e desinteressado. Aprender a conviver, estudar. Trabalhar e jogar de forma solidária. Pedagogia do sentido autogestionário. Aprender a trabalhar em grupo e desenvolver o sentido social daexistência.Oqueimplica:1)Apren-der a ouvir. 2) aprender a dialogar. 3)aprender a colaborar ou cooperar. 4)aprender a ser responsável.e. Conhecimento e consciência do mundo em que vivemos. Uma pedago-gia da consciência crítica sobre a reali-dade. Considerarmos os grandes pro-blemas reais que têm as crianças e os jovens hoje no mundo. Reconhecer as possibilidades e meios que há no mun-do para poder viver fraternalmente. Va-lorizaraNaturezacomoescoladevidainterdependente. Conhecer as grandes coordenadas históricas de libertaçãodos mais pobres. Desenvolver valores de identificaçãocomasvítimas.Pedagogiadaencarnaçãonosdébeis:Issoimplica:1)Aafirmaçãodaverdadeearejeiçãodetodaamentiraemanipulação.2)Aafir-mação da Justiça e a rejeição de toda a injustiça.3)AafirmaçãodaSolidarieda-de e a rejeição de tudo o que não é soli-dário. Sensibilidade perante tudo o que constróioudestróiaconvivência.f. Abrir-nos ao encontro religioso cristão profundo, em liberdade, com naturalidade. Pedagogia do sentido re-ligioso.Oqueimplica:1)experimentarosdonsrecebidosdetodootipo:capa-cidades, pessoas, momentos, encontros, sentimentos,desejos,…2)acolherhábi-

Adotar uma postura que se

identifique com as vítimas, os que

sofrem.

Reconhecer na religião o sentido

e a plenitude da atitude ética.

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tosdepredisposiçãoaosobrenatural:osilêncio,agratidão,ogratuito,abelezanas suas múltiplas formas, a generosi-dade,oamorpelaverdade…3)Conhe-cerafundoJesus;aproximar-sedasuapessoa, da sua mensagem e da sua Igre-ja.4)acolherevivercomnormalidadetodasasmanifestaçõeseexpressõesdaexperiênciareligiosacristã:oração,sím-bolos, liturgia, sacramentos, …

A ética na escola requer, em suma, en-tusiasmo (etimologicamente: ‘en theos’, estarpreenchido por Deus) por ver em cada pes-soa um todo original e irrepetível, por serem construtores do futuro, vivendo plenamente opresentee, assimsepodedizerdosalunos,dosdiscípulos,algosemelhanteaoquesediznapopulareanónimadefiniçãodefilho:Filhoé um ser que nos emprestaram para um curso intensivodecomoamaralguémmaisqueanósmesmos, de como mudar os nossos piores de-feitosparalhesdarosmelhoresexemplosedecomo ter coragem.

A educação moral continua a ser entusiasmante e um risco permanente.

Juan José Medina Rodríguez - Mª Isabel Rodríguez Peralta Ética e Escola

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