ensaio a independencia do brasil e o liberalismo português

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70 Este artículo aborda históricamente las interpretaciones académicas acerca del proceso de ruptura política entre Brasil y Portugal ocurrido en las primeras décadas del siglo XIX. Además de retomar algunas interpretaciones clásicas del tema, realiza un inventario de la producción más reciente y se orienta hacia demandas de investigación. Palabras claves: Independencia de Brasil, Revolución de Porto, Historiografía, Liberalismo portugués This article deals, from a historical point of view, with the academic interpretations of the political break between Brazil and Portugal that took place during the first decades of the nineteenth century. Besides considering some of the classic interpretations, the article indentifies recent scholarship, stresssing current research demands. Key words: Independence of Brazil, Revolution of Porto, Historiography, Portuguese Liberalism A Independência do Brasil e o liberalismo português: um balanço da produção acadêmica* * Uma versão anterior deste texto, consideravelmente diferente, encontra-se publicada com o título “A Independência do Brasil: um balanço da produção historiográfica recente”, Manuel Chust & José Antonio Serrano (eds.) – Debates sobre las independencias iberoamericanas. Madrid/ Frankfurt, Iberoamericana/ Vervuert, 2007, pp.143-157. Nesta nova versão, a mudança de título indica uma mudança de enfoque, contemplando a historiografia sobre o liberalismo português e não apenas a produção recente. Além disso, suprimi algumas passagens, acrescentei e revi outras, além de atualizar a bibliografia. Já especificamente a segunda parte (“Linhagens”), está fortemente baseada em passagens de outro trabalho meu, ainda no prelo, intitulado “La independencia de Brasil como revolución: historia y actualidad sobre un tema clásico”, e que aqui puderam ser melhor desenvolvidas. A Independência do Brasil e o liberalismo português: um balanço da produção acadêmica. João Paulo G. Pimenta AUTOR João Paulo G. Pimenta Departamento de Historia, Universidad de São Paulo [email protected] La Independencia de Brasil y el liberalismo portugués: un balance de la producción académica The independence of Brazil and Portuguese liberalism: a balance of academic production DOI DOI: 10.3232/ RHI.2008.V1.N1.04

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    Este artculo aborda histricamente las interpretaciones acadmicas acerca del proceso de ruptura poltica entre Brasil y Portugal ocurrido en las primeras dcadas del siglo XIX. Adems de retomar algunas interpretaciones clsicas del tema, realiza un inventario de la produccin ms reciente y se orienta hacia demandas de investigacin.

    Palabras claves: Independencia de Brasil, Revolucin de Porto, Historiografa, Liberalismo portugus

    This article deals, from a historical point of view, with the academic interpretations of the political break between Brazil and Portugal that took place during the first decades of the nineteenth century. Besides considering some of the classic interpretations, the article indentifies recent scholarship, stresssing current research demands.

    Key words: Independence of Brazil, Revolution of Porto, Historiography, Portuguese Liberalism

    A Independncia do Brasil e o liberalismo portugus: um balano da produo acadmica*

    * Uma verso anterior deste texto, consideravelmente diferente, encontra-se publicada com o ttulo A Independncia do Brasil: um balano da produo historiogrca recente, Manuel Chust & Jos Antonio Serrano (eds.) Debates sobre las independencias iberoamericanas. Madrid/Frankfurt, Iberoamericana/ Vervuert, 2007, pp.143-157. Nesta nova verso, a mudana de ttulo indica uma mudana de enfoque, contemplando a historiograa sobre o liberalismo portugus e no apenas a produo recente. Alm disso, suprimi algumas passagens, acrescentei e revi outras, alm de atualizar a bibliograa. J especicamente a segunda parte (Linhagens), est fortemente baseada em passagens de outro trabalho meu, ainda no prelo, intitulado La independencia de Brasil como revolucin: historia y actualidad sobre un tema clsico, e que aqui puderam ser melhor desenvolvidas.

    A Independncia do Brasil e o liberalismo portugus: um balano da produo acadmica. Joo Paulo G. Pimenta

    AUTOR

    Joo Paulo G. PimentaDepartamento de Historia, Universidad de So Paulo

    [email protected]

    La Independencia de Brasil y el liberalismo portugus: un balance de la produccin acadmicaThe independence of Brazil and Portuguese liberalism: a balance of academic production

    DOI

    DOI: 10.3232/RHI.2008.V1.N1.04

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    Este artigo empreende um histrico das interpretaes acadmicas acerca do processo de ruptura poltica entre Brasil e Portugal ocorrido nas primeiras dcadas do sculo XIX. Alm de retomar algumas interpretaes clssicas do tema, realiza um inventrio da produo mais recente e aponta para demandas de pesquisa.

    Palavras-chave: Independncia do Brasil, Revoluo do Porto, Historiografia, Liberalismo portugus

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    Introduo

    A ruptura poltica entre Brasil e Portugal, ocorrida na dcada de 1820, recebeu das diferentes historiografias que dela trataram nfases, qualificaes e abrangncias variadas. No caso das produes acadmicas brasileira e portuguesa as mais volumosas e significativas a respeito - a principal discrepncia reveladora de uma convergncia: no primeiro caso, o tema prevalecente o da independncia do Brasil, enquanto no segundo o do liberalismo. Em qualquer dos casos, no entanto, e desde as primeiras obras dos historiadores e publicistas do sculo XIX, um tema jamais pde prescindir do outro. E assim, doravante, as muitas interpretaes possveis da ruptura sempre reforaram o consenso de que o nascimento do Brasil independente desdobramento do nascimento do liberalismo poltico em Portugal.

    No se trata, porm, de menoscabar as diferenas de tratamento da questo em cada historiografia, tampouco de suas variadas inseres em imaginrios nacionais, culturas histricas amplas e produes intelectuais especficas: enquanto no Brasil a independncia goza tradicionalmente da atribuio de momento fundador, ao qual se refere inclusive a principal data do calendrio cvico oficial brasileiro, em Portugal o movimento liberal possui estatura diversa, adentrando na auto-imagem nacional daquele pas de modo mais difuso, menos imperativo. Trata-se, isto sim, de sublinhar a convergncia interpretativa subjacente a linhagens historiogrficas que possuem caminhos prprios, geralmente e persistentemente nacionalizados, e cujos cruzamentos necessrios nem sempre foram devidamente buscados por seus artfices.

    A proposta deste artigo empreender a uma avaliao geral da produo historiogrfica acadmica acerca da experincia histrica que, nas primeiras dcadas do sculo XIX, foi responsvel pela ruptura poltica entre Brasil e Portugal, partindo da premissa de que, se foi justamente essa ruptura a responsvel pela criao e nacionalizao de uma historiografia brasileira diferenciada da portuguesa, ela prpria adverte seu analista para a inadequao de insistir demasiadamente em prismas que reiterem pontos de vista exclusivamente brasileiros ou portugueses. No se trata, portanto, de vises da independncia ou do liberalismo, mas sim de ambas as coisas, como partes de um mesmo todo.

    Em ltima instncia, tal premissa reconhece a necessidade de se proceder a um tipo de anlise histrica que, quando focada em um tema que no se enquadra bem nos limites das tradicionais histrias nacionais, tenha em mente a realidade das linhagens delineadas por tais histrias como ponto de partida para a superao das limitaes e distores decorrentes desse tipo de enfoque. O que esbarra em uma dificuldade evidente: at o momento, no creio que as historiografias brasileira e portuguesa tenham consolidado tal superao, embora a necessidade de faz-lo possa ser amplamente reconhecida. No meu prprio caso, reconheo que, herdeiro parcial desse tipo de tradio, domino melhor a historiografia produzida no Brasil majoritariamente sobre a independncia do que em Portugal majoritariamente sobre o liberalismo. Forosamente, portanto, tratarei aqui da primeira delas, tentando apenas destacar

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    uma parte da segunda, bem como os momentos ainda residuais em que ambas (positivamente) se confundem.

    Em primeiro lugar, esboarei algumas linhagens historiogrficas acerca da questo, sem pretender, com isso, apod-las de parciais porque em alguma medida nacionalizadas. Apenas procurarei mostrar como tais linhagens, inseridas em tradies intelectuais especficas, permitem que a experincia poltica aqui focada goze, na atualidade, de boas possibilidades de seguir adiante revigorada e fortalecida. Em seguida, farei um apanhado preliminar de temas especficos, dentro do tema geral, que vm permitindo tal movimento. Por fim, procurarei identificar algumas demandas de pesquisa j sinalizadas por esse movimento mas ainda no satisfatoriamente atendidas, bem como outras ainda praticamente ignoradas pelos historiadores.

    Linhagens

    Desde os seus momentos cruciais de definio, a ruptura entre Brasil e Portugal esteve envolta em um conjunto de linguagens, idias e projetos que, subsidiando prticas polticas, construram a imagem de uma independncia necessria, positiva e profcua porque, alm de responder a um curso natural de amadurecimento em relao metrpole europia pensamento muito em voga no mundo ocidental em fins do sculo XVIII e comeos do seguinte, sistematizado com fora por publicistas como Raynal e De Pradt a Amrica portuguesa supostamente soubera evitar as convulses e destruies que tipificaram outros movimentos de independncia, notadamente o hispano-americano. Embora hoje em dia a historiografia possa mostrar uma histria cheia de tenses, conflitos, cises, guerras e profundas alteraes na ordem vigente, o argumento da mudana pacfica e conservadora ainda ecoa forte em vises acadmicas e no-acadmicas sobre a Independncia do Brasil, resqucio de uma imagem construda por alguns de seus protagonistas e que se converteria em um paradigma de anlise posteridade.

    Como muito bem concebe Wilma Peres Costa, o amlgama peculiar entre continuidades e descontinuidades tornou-se um componente incontornvel do debate sobre a Independncia na historiografia brasileira1. Nesse debate, duas idias fortes se fariam presentes: a da revoluo conservadora e a do Brasil nacional como um herdeiro portugus da civilizao europia. Os termos de normatizao da historiografia a partir de tais idias, porm, conheceria grande variao.

    1. Wilma P. Costa. A independncia na historiograa brasileira, Istvn Jancs (org.) Independncia: histria e historiograa. So Paulo, Hucitec/Fapesp, 2005, p.56. Parte da discusso historiogrca que se segue est fortemente amparada nesse timo ensaio.

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    De incio, elas serviram construo de uma imagem de legitimidade e positividade da Independncia. A definitiva nacionalizao da escrita de uma histria brasileira, levada a cabo em meados da dcada de 1830 com a utilizao de mtodos pseudo-cientficos que no obscureciam sua forte utilidade poltica e ideolgica, valeu-se amplamente das duas idias: a Independncia como uma (boa) revoluo porque ordeira, e assentada na continuidade da dinastia de Bragana e na liderana pessoal de D. Pedro I. Francisco Adolfo de Varnhagen, por exemplo, alocou-as perfeitamente em sua Histria da independncia do Brasil, escrita em 18752 e pensada como o desfecho natural daquela que ficaria posteridade como sua mxima realizao intelectual, a Histria geral do Brasil (publicada a partir de 1854). Varnhagen via a colonizao portuguesa da Amrica como um caminho pr-determinado rumo ao seu grande desfecho, resultado de uma longa e necessria evoluo. Portugal teria preparado a criao e amadurecimento de um Brasil que, no sculo XIX, surgiria legitimado, civilizado e promissor porque estreitamente ligado a uma ascendncia europia, bem como apresentando uma superioridade em relao ao restante da Amrica outrora de colonizao ibrica. A historiografia produzida a partir da fundao do Instituto Histrico-Geogrfico Brasileiro, em 1839, e qual a obra de Varnhagen estaria em plena sintonia, no pensaria diferente3.

    De certo modo, a concepo da Independncia como marcada por uma benigna continuidade entre as monarquias portuguesa e brasileira se fez presente tambm na mais significativa obra sobre o tema publicada no Brasil das primeiras trs dcadas do sculo XX: a de autoria de Manoel de Oliveira Lima. Inicialmente em D. Joo VI no Brasil (1909), logo em O movimento de Independncia (1922), Lima caracterizaria a Independncia como uma ruptura negociada e bem-administrada, ou, em sua clebre formulao, como um desquite amigvel, expresso que segundo Wilma Costa enfatizava tambm o carter pacfico do povo brasileiro, infenso s mudanas bruscas e s adeses radicais4. Uma das auto-imagens mais caras da Independncia, forjada cem anos antes, se convertia em um verdadeiro mito de constituio identitria do Brasil, e que, a despeito de tantos avanos recentes da historiografia sobre o tema, ainda persiste firme e forte no imaginrio nacional brasileiro.

    Em Portugal, as abordagens historiogrficas da independncia do Brasil foram, desde o sculo XIX, muito raras, geralmente confinadas a narrativas e anlises de abrangncia temporal mais larga (portanto em enfoques pouco especializados). Assim a Histria do Brasil desde o seu descobrimento por Pedro lvares Cabral at a abdicao de Pedro I (1839), de Solano Constncio, ou O Brasil e as colnias portuguesas (1881), de Oliveira Martins. Nas primeiras

    2. Seria publicada apenas em 1916, aps a morte de seu autor. Francisco Adolfo de Varnhagen Histria geral do Brasil e Histria da Independncia do Brasil. 10.ed. Belo Horizonte/So Paulo, Itatiaia/Edusp, 1981, 3 v.

    3. Arno Wehling (coord.) Origens do Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro: idias loscas e sociais e estruturas de poder no Segundo Reinado. Rio de Janeiro, IHGB, 1989; e Lcia M. Paschoal Guimares Debaixo da imediata proteo de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro. So Paulo, FFLCH-USP, 1994 (tese de doutorado). 4. Costa, op.cit, p.69.

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    dcadas do sculo seguinte, obras como as de Simes Coelho, O Brasil contemporneo (1915); de Rocha Martins, A independncia do Brasil (1922); de Antnio Vianna, A emancipao do Brasil (1922); e de Correia de S, D. Joo VI e a independncia do Brasil (1937), possuem, de certo modo, um carter residual na produo acadmica portuguesa, indicativo de uma tendncia que dificilmente pode-se crer j superada nos dias de hoje5. No entanto, elas j apontavam, com segurana, para a necessidade de no se descolar o estudo dos acontecimentos portugueses peninsulares da primeira metade do sculo XIX daqueles ocorridos na Amrica.

    Seria, no entanto, a dcada de 1930 que imprimiria aos estudos sobre a Independncia uma renovao historiogrfica que se mostraria verdadeiramente influente at a atualidade, tributria sobretudo da produo de intelectuais brasileiros. o caso de Caio Prado Jnior, que com suas duas principais obras, Evoluo poltica do Brasil (1933) e Formao do Brasil contemporneo (1942), estabeleceu premissas que se mostrariam centrais para a historiografia brasileira posterior. Na primeira delas, a Independncia vista como uma revoluo isto , um movimento profundamente renovador - ainda que muitas vezes referida pela palavra emancipao. Tomada sob a tica marxista da luta de classes, a Independncia teria oposto interesses portugueses e brasileiros, desdobrando-se at aproximadamente 1850, quanto s ento estes ltimos teriam se consolidado, com a rejeio partilhada pelas classes dominantes das foras populares que durante o Perodo Regencial (1831-1840) teriam ameaado a ordem e estabilidade interna. Para Caio Prado Jnior, a Independncia seria, ento, no seu conjunto, uma revoluo conservadora6.

    A despeito da coincidncia dos termos, esta uma interpretao totalmente distinta daquela elaborada em meio ao prprio processo de Independncia. Em Formao do Brasil contemporneo, um livro mais diretamente voltado colonizao portuguesa da Amrica cuja anlise possibilitaria, segundo Caio Prado Jnior, uma devida compreenso das razes do presente atraso brasileiro o carter da Independncia no explicitado; porm, sua viso amplamente negativa das estruturas sociais, econmicas, polticas e culturais engendradas pelos portugueses na Amrica, implica uma inovao: agora, a herana colonial legada ao Brasil nacional nefasta, desagregadora, um empecilho ao pleno desenvolvimento nacional e que, no removido no processo de Independncia, deveria s-lo em algum momento do futuro7.

    5. Francisco Solano Constncio Histria do Brasil desde o seu descobrimento por Pedro lvares Cabral at a abdicao de Pedro I. Paris, Nova Livraria Portuguesa de J. P. Aillaud, 1839; J. P. Oliveira Martins O Brasil e as colnias portuguesas. Lisboa, Bertrand, 1881; Jos Simes Coelho O Brasil contemporneo. Lisboa, Guimares e Companhia, 1915; Rocha Martins A independncia do Brasil. Lisboa/Porto/Coimbra, 1922; Antnio Vianna A emancipao do Brasil. Lisboa, Tip. do Annuario Comercial, 1922; e Jos dAlmeida Correia de S D. Joo VI e a independncia do Brasil. Lisboa, 1937. Sobre estes autores e algumas de suas posies acerca da Independncia, vide Zlia Osrio de Castro. A Independncia do Brasil na historiograa portuguesa, Istvn Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp.179-204.

    6. Caio Prado Jnior - Evoluo poltica do Brasil. Colnia e Imprio. 20.ed. So Paulo, Brasiliense, 1993, cap.III, A revoluo. 7. Idem - Formao do Brasil contemporneo. Colnia. 21.ed. So Paulo, Brasiliense, 1989.

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    Devido ao impacto dessa interpretao no pensamento brasileiro, que oferecia uma explicao convincente para os entraves ao pleno desenvolvimento do Brasil, doravante e definitivamente o passado se revestiria da capacidade de iluminar o presente, o que por seu turno atribuiria ao termo revoluo pulsantes expectativas de modificao dessa situao. Evidentemente, seu impacto se faria muito mais no pensamento historiogrfico brasileiro do que portugus, embora neste a articulao entre a Independncia e o liberalismo continuasse a inspirar algumas obras. Casos da de Joo Ameal, D. Joo VI e o Brasil (1965), de Teixeira Dias, Portugal no esforo de independncia e a autonomia do Brasil (1970), e de Marques Monteiro, Trs datas que importam independncia do Brasil, 1808, 1815, 1822 (1972)8. No entanto, alm de no haver por detrs delas linhagens historiogrficas to definidas quanto aquelas que pautavam a historiografia brasileira, as questes do tempo presente que as norteavam eram outras.

    No Brasil, o tradicional problema do carter conservador da Independncia, bem como o de sua herana portuguesa, conduziu os seus historiadores, nas dcadas de 1960 e 1970, ao enfrentamento de dilemas como o da presena ou ausncia, na trajetria histrica nacional, de um movimento verdadeiramente revolucionrio. Voltar-se para esse passado com os olhos no presente, impunha-lhes o desafio de compreenso e transformao de uma realidade tenebrosa, marcada pela ditadura militar iniciada em 1964 e assolada pela contrao das foras progressistas em geral. Nela, o termo revoluo adquiria vrios sentidos: de direita, de esquerda; de projeto a ser negado ou encampado; portador de uma utopia de futuro ou de uma frustrao histrica a ser superada; de legitimao do governo militar (que, segundo seus prprios realizadores, fora institudo por uma revoluo) ou de oposio a ele. De todos os modos, o termo pareceria portador de um contedo cuja devida avaliao poderia apontar caminhos de interao com a realidade brasileira daquele momento9.

    Na historiografia da Independncia, uma importante manifestao de oposio ao regime veio com a obra de Jos Honrio Rodrigues, Independncia: revoluo e contra-revoluo (1975), uma extensa, detalhada e bem-documentada anlise da ruptura poltica entre Brasil e Portugal. Nela, como o prprio ttulo indica, a Independncia vista como uma revoluo, mas dessa vez cheia de novidades interpretativas: uma verdadeira guerra de libertao nacional, nacionalista e popular, comparvel ao que ocorrera na Amrica hispnica, longe de quaisquer feies conservadoras, e na qual D. Pedro e a monarquia teriam desempenhado papel secundrio, meros coadjuvantes de instituies supostamente representativas e democrticas como o parlamento e as foras armadas10.

    8. Joo Ameal D. Joo VI e o Brasil. Lisboa, 1965; Artur Csar Teixeira Dias Portugal no esforo de independncia e a autonomia do Brasil, Lisboa, 1970; e Antnio Marques Monteiro Trs datas que importam Independncia do Brasil (1808,1815,1822). Lisboa, Centro de Estudos da Marinha, 1972. A respeito dos mesmos: Castro, op.cit..

    9. Costa, op.cit., p.85. 10. Jos Honrio Rodrigues Independncia: revoluo e contra-revoluo. So Paulo, Francisco Alves, 1975, 5 v.

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    Em sua concepo geral, a Independncia que nos oferece Rodrigues anacrnica, brutalmente distorcida por idias pr-concebidas e descabidas; alm disso, apresenta certo retrocesso interpretativo ao consider-la como um movimento brasileiro e anti-portugus, isolando e reificando duas cenas de um mesmo quadro histrico. Contudo, carregada de expectativas esperanosas em relao superao de um incmodo presente nacional vivido pelo autor, seu resultado tambm um notvel documento historiogrfico de como independncia e revoluo puderam caminhar de mos dadas na histria da historiografia brasileira. E justamente por corresponder a anseios coletivos da poca em que foi publicado, o livro de Rodrigues encontraria um respaldo no-desprezvel, mais fora do que dentro de crculos especializados. Nestes, a Independncia poderia ser muito melhor compreendida.

    As dcadas de 1960 e 1970 conheceram, no Brasil, uma grande profissionalizao da pesquisa histrica, que ia se consolidando dentro das universidades com um aumento de programas de ps-graduao e de financiamentos pblicos, e a formao de grupos de investigao compartilhada, o que implicava, tambm, uma maior aproximao com centros de pesquisa e historiografias estrangeiras, incluindo a portuguesa. Nesse momento, contudo, parece ter havido um crescente desprestgio da Independncia como tema de estudos. Com a fora da idia de revoluo conservadora, e a despeito de tentativas contrrias como a de Jos Honrio Rodrigues, a ruptura entre Brasil e Portugal no encorajava enfoques voltados atuao poltica de grupos sociais excludos ou mal-colocados em seus diferentes contextos histricos, e que vinham concentrando cada vez mais a ateno de novos historiadores, compreensivelmente saturados de temas saturados da oficialidade a eles conferida pelo regime militar brasileiro. Mesmo assim, alguns importantes historiadores mantiveram o tema de p, renovando-o por meio de elaboraes cada vez mais complexas, sofisticadas e matizadas.

    Talvez a principal novidade nesse contexto tenha sido a construo de um amplo consenso de que a Independncia se inseriu em um panorama mundial de variadas e assimtricas transformaes polticas que, juntas, formam uma unidade histrica. No que anteriormente se ignorasse as relaes entre o que se passava no Brasil e no resto do Mundo j desde meados do sculo XVIII; mas agora, tais relaes tinham implicaes analticas profundas. Se acontecimentos como os da Amrica do Norte (1776), da Frana (1789) ou da Amrica espanhola (1810) eram amplamente considerados como revolues, o que se passaria com o Brasil? Qual sua posio nesse contexto? Tais questes consolidaram a percepo do processo poltico americano como indissocivel do contexto geral portugus, onde o advento do liberalismo era invariavelmente atribudo Revoluo do Porto.

    A questo muito bem sintetizada por Emlia Viotti da Costa em 1968: os estudos at agora publicados permitem estabelecer as linhas bsicas que devem nortear a anlise do movimento da Independncia; fenmeno que se insere dentro de um processo amplo, relacionado, de um lado, com a crise do sistema colonial tradicional e com a crise das formas absolutistas de governo e, de outro lado, com as lutas liberais e nacionalistas que se sucedem na Europa e na

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    Amrica desde os fins do sculo XVIII; como boa autora marxista, conclua: preciso observar as contradies internas que explicam a marcha do processo11.

    Fortemente influenciada por Caio Prado Jnior, a perspectiva de Viotti da Costa reitera a perspectiva da histria da Independncia como uma histria do Brasil contra Portugal, uma luta da colnia contra a metrpole, mas desenvolvida a partir de uma luta de vassalos contra o rei. O termo mais usado emancipao, e embora revoluo seja apenas protocolarmente utilizada para a designao de vrios outros movimentos da mesma poca, inclusive para os de contestao luso-americana de fins do sculo XVIII, ele que pauta o debate. Em uma afirmao que seria amplamente referendada por investigaes ulteriores, Viotti da Costa diagnostica que, durante o processo de Independncia, a Revoluo apresentava-se sob formas diversas, quando no contraditrias12, no entanto, sem que ela se realizasse de fato. A revoluo estaria praticamente em toda parte, menos no Brasil, onde em 1968, enxerg-la na Independncia parecia demasiadamente arriscado.

    Nesse mesmo ambiente, e pautando inclusive a obra de Viotti da Costa, as teses elaboradas por Fernando Novais apresentaram uma importante renovao dos estudos da Independncia, cujos desdobramentos tambm se fazem vivamente presentes na historiografia brasileira at a atualidade. Foi ele quem levou adiante a sistematizao do posicionamento do processo poltico portugus e luso-americano no quadro mundial, seguindo premissas poca bem estabelecidas e aceitas de autores como Robert Palmer, Jacques Godechot e Eric Hobsbawm. Embora o principal livro de Novais, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808), publicado originalmente em 1979, encerre a anlise justamente s vsperas da Independncia, seu aprimoramento da caracterizao da colonizao portuguesa realizada anteriormente por Caio Prado Jnior estabeleceu parmetros de interpretao para o fim dessa colonizao13. Em duas outras ocasies, porm, Novais voltar-se-ia mais especificamente para uma anlise da Independncia, tida como um processo revolucionrio em vrios sentidos: primeiro, como desdobramento do processo geral (revolucionrio) de crise do Antigo Regime europeu em terras coloniais (o Antigo Sistema Colonial como uma das dimenses do Antigo Regime); segundo, pela concepo de crise, que diria respeito a toda a colonizao europia da Idade Moderna, desencadeada pela ativao de contradies inerentes ao sistema dessa colonizao (premissas marxistas), em articulao com presses internacionais, e materializadas por um antagonismo de interesses entre colnia e metrpole; finalmente, como um movimento que resultou na afirmao de uma nova classe dirigente no Brasil, a dos grandes proprietrios escravistas (perspectiva que

    11. Emlia Viotti da Costa. Introduo ao estudo da emancipao poltica, Carlos G. Mota (org.) Brasil em perspectiva. 19.ed. So Paulo, Difel, 1990, pp.66-67.

    12. Idem, idem, p.99. 13. Fernando A. Novais Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 4.ed. So Paulo, Hucitec, 1986.

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    era tambm a de Florestan Fernandes, detalhada mais adiante)14.

    Fortemente influenciado por Caio Prado Jnior, Emlia Viotti da Costa e Fernando Novais com o qual, alis, escreveu um ensaio interpretativo sobre o tema15 e diretamente tributrio das obras de Palmer e Godechot, Carlos Guilherme Mota tambm contribuiu para a discusso da Independncia como uma revoluo. Seu primeiro livro, Atitudes de inovao no Brasil, 1789-1801, de 1970, era um estudo sobre os movimentos polticos coloniais de fins do sculo XVIII, seus projetos e idias, e inclua um captulo sobre idia de revoluo e formas de pensamento revolucionrias, estas devidamente contrapostas a outras, tidas por intermedirias e ajustadas. O esforo de integrao de tais movimentos conjuntura (revolucionria) mundial prosseguiria mais adiante e com um avano cronolgico, em Nordeste 1817, uma anlise voltada ao movimento de Pernambuco; e na organizao de uma obra coletiva inteiramente dedicada Independncia, 1822: dimenses16. No conjunto, os trs livros reiteram a viso processual da Independncia como parte crucial de uma crise mundial de desdobramentos especficos no mundo colonial, compreendida pelo crivo do carter revolucionrio daquela crise. Se desse enquadramento surgiam modalidades prprias de conformao da vida poltica na Amrica portuguesa, longe estava a possibilidade de se referendar uma atribuio passiva de carter revolucionrio Independncia, com que o qu essa produo oferecia alternativa de interpretao oficialidade das comemoraes dos 150 anos de Independncia, amplamente disseminadas pela ditadura militar brasileira em 1972 e que, como vimos acima, estimulavam a simbiose entre ambas.

    Embora 1822: dimenses, trouxesse estudos variados que tendiam a compartilhar de uma mesma perspectiva geral significativo que o volume abrisse justamente com contribuies de Novais e Godechot17 - um deles parecia destoar do conjunto, apresentando uma proposta de anlise alternativa e que tambm teria grande impacto na historiografia brasileira. Pautada pela idia de Srgio Buarque de Holanda, segundo a qual a Independncia em si representaria um episdio menor em meio a um processo mais amplo de desagregao da herana colonial, em curso at meados de 184818, Maria Odila Dias j criticava, em 1972, o destaque conferido s presses externas e [a]o quadro internacional de que provm as grandes foras

    14. Novais. As dimenses da Independncia, C.G. Mota (org.) 1822: dimenses. So Paulo, Perspectiva, 1972, pp.15-26; Novais & Mota A independncia poltica do Brasil. 2.ed. So Paulo, Hucitec, 1996. 15. Idem.

    16. C.G.Mota Atitudes de inovao no Brasil. Lisboa, Horizonte, s.d. (1970); Idem - Nordeste 1817. So Paulo, Perspectiva, 1972; e Idem (org.) - 1822: dimenses. So Paulo, Perspectiva, 1972.

    17. Novais, As dimenses da Independncia; e Jacques Godechot. Independncia do Brasil e a Revoluo do Ocidente, pp.27-37. 18. Srgio Buarque de Holanda, A herana colonial sua desagregao, Histria geral da civilizao brasileira t.II v.1: o processo de emancipao. So Paulo, Difel, 1962, pp.09-39. Para ele, o processo de emancipao no teria sido caracterizado por prticas vigorosamente revolucionrias (p.39n), enquanto que o movimento portugus de 1820 referido, sem polmica, como revoluo.

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    de transformaes, bem como a idia de uma luta da colnia contra a metrpole; propunha, ento, o estudo do enraizamento de interesses portugueses e tambm daquilo que chamou de processo de interiorizao da metrpole no Centro-Sul da Colnia. Pensando menos em 1822 do que em 1808, segundo ela os historiadores poderiam constatar que a consumao formal da separao poltica foi provocada pelas dissidncias internas de Portugal, expressas no programa dos revolucionrios liberais do Porto e no afetaria o processo brasileiro j desencadeado com a vinda da Corte em 180819.

    Minimizada como desdobramento de uma crise mundial, a Independncia, em si, seria, para Dias, fato menor; revoluo era apenas a liberal portuguesa; e a marca da unidade histrica a ser considerada, a manuteno ampliada de interesses poltico-econmicos incrementados com a transferncia da Corte portuguesa para o Brasil em 1808. Trata-se, ento, de uma interpretao que rejeita a idia da existncia de uma transformao revolucionria em um movimento que era, essencialmente, conservador; inclusive por conta do peso da colonizao. Em suas palavras, a sociedade que se formara no correr de trs sculos de colonizao no tinha outra alternativa ao findar do sculo XVIII seno a de transformar-se em metrpole a fim de manter a continuidade de sua estrutura poltica, administrativa, econmica e social. Foi o que os acontecimentos europeus, a presso inglesa e a vinda da Corte tornaram possvel20.

    Outro caso a ser observado de preocupao historiogrfica brasileira com a Independncia, em estreita relao com aquele contexto intelectual no qual a revoluo estava na ordem do dia, o da obra de Florestan Fernandes, A revoluo burguesa no Brasil (1974). De modo bastante incisivo, o livro, nas palavras de Wilma Costa, continuava a ecoar a polmica que empolgava os historiadores na forma de um esforo hercleo para dar conta, de forma dialtica, dos fermentos de mudana presentes na conjuntura poltica da Independncia e dos movimentos empreendidos pelas foras conservadoras para reinventar as idias e as prticas em que se expressava a dominao poltica, impedindo que a Revoluo se realizasse em sua plenitude transformadora21.

    De acordo com premissas marxistas, a Independncia, para Fernandes, era uma etapa necessria da revoluo burguesa no Brasil, isto , da passagem de uma ordem colonial escravocrata a uma sociedade de classes (o que s se completaria na segunda metade do sculo XIX). Em termos estruturais, portanto, aquela etapa assinalava uma revoluo: a Independncia, no obstante a forma em que se desenrolou, constitui a primeira grande revoluo social que se operou no Brasil. Ela aparece como uma revoluo social sob dois aspectos correlatos: como marco histrico definitivo do fim da era colonial; como ponto de referncia para a poca da

    19. Maria Odila L. Dias, A interiorizao da metrpole (1808-1853), C.G. Mota (org.). 1822: dimenses, cit., pp.164-165.

    20. Idem, p.170.

    21. Wilma Costa, op.cit., pp.99-100.

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    sociedade nacional, que com ela se inaugura22. Nesse aspecto, e guardando a especificidade de uma anlise histrica elaborada de um ponto de vista sociolgico o prprio subttulo do livro Ensaio de interpretao sociolgica a obra de Fernandes dialoga fortemente com parte da produo intelectual acima mencionada, valorizando sobremaneira a Independncia como um tema de estudos. Como poderia ser diferente, sendo ela um momento crucial de definies do que o Brasil se tornou (e tambm do que no se tornou) posteriormente?

    Finalmente, cabe mencionar a tambm importante obra de Jos Murilo de Carvalho que, embora mais diretamente voltada s questes relativas formao do Estado nacional brasileiro no sculo XIX, conceberam uma interpretao da Independncia que se mostraria muito influente da em diante. Tal interpretao foi mais claramente formulada em A construo da ordem. A elite poltica imperial (1980). Partindo da clebre comparao e diferenciao - entre as feies assumidas pelos processos de independncia e de formao estatal nacional na Amrica portuguesa e na Amrica espanhola, Carvalho argumentaria que a adoo de uma soluo monrquica no Brasil, a manuteno da unidade da ex-colnia e a construo de um governo civil estvel foram em boa parte conseqncia do tipo de elite poltica existente poca da Independncia, gerado pela poltica colonial portuguesa. Essa elite se caracterizaria, principalmente, por uma homogeneidade ideolgica e de treinamento adquirida na Universidade de Coimbra, praticamente o nico centro de educao universitria cuja freqncia era facultada aos membros dos grupos mais abastados da sociedade colonial. Assim, a homogeneidade ideolgica e de treinamento que iria reduzir os conflitos intra-elite e fornecer a concepo e a capacidade de implementar determinado modelo de dominao poltica23. A Independncia, claro, seria um movimento de feies extremamente conservadoras.

    Essa amostragem de autores e idias poderia ser muito matizada e completada. Por ora, basta-nos salientar trs tendncias fortes e influentes: 1) a insistncia em considerar a Independncia do Brasil como um movimento anti-portugus (Caio Prado, Novais, Costa, Mota); 2) a insistncia em uma continuidade processual pautada por interesses mercantis que, supostamente em desenvolvimento na Amrica quando da transferncia da Corte em 1808, fariam a formalizao da Independncia, em 1822, um fato menor (Dias); 3) a nfase nas feies da Independncia que supostamente condicionariam a construo de uma ordem poltica conservadora, homognea, com poucas fissuras, e que por seu turno imprimiria uma forte marca de nascena ordem nacional brasileira (Carvalho). Se no presente momento a historiografia da Independncia permite que todas elas possam ser bastante matizadas, em muitos aspectos at mesmo amplamente criticadas, h que se reconhecer, no entanto, que, dentre muitos legados posteridade, elas consolidaram a imperiosidade de se considerar, em conjunto e articuladamente, a Independncia do Brasil com o liberalismo portugus peninsular.

    22. Florestan Fernandes A revoluo burguesa no Brasil. Ensaio de interpretao sociolgica. 5.ed. So Paulo, Globo, 2006, p.49.

    23. Jos Murilo de Carvalho A construo da ordem: a elite poltica imperial & Teatro de sombras: a poltica imperial. 2.ed. Rio de Janeiro, Editora UFRJ/Relume-Dumar, 1996, pp.17-18.

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    Avanos recentes

    H que se louvar, no entanto, no apenas a ateno conjuntura mundial da poca e ao espao portugus peninsular. Embora a historiografia brasileira oitocentista j demonstrasse preocupao com a escrita de uma histria do Brasil incluindo aqueles que podiam ser considerados os seus muitos quadrantes regionais, e embora nessa concepo a histria da Independncia merecesse sempre alguma ateno, no foi seno nos ltimos trinta anos que as investigaes especializadas comearam a equilibrar a insero de tais quadrantes no processo geral de ruptura entre Brasil e Portugal. Dando continuidade no s a esforos anteriores de autores como os de 1822: dimenses, mas tambm de outras obras coletivas voltadas Independncia24, a adoo de uma perspectiva processual e conjuntural desta, em seus diferentes espaos americanos, invariavelmente passou a atribuir grande importncia ao movimento liberal portugus.

    Assim, atualmente dispomos de um bom conhecimento principalmente dos casos de Pernambuco e adjacncias25 e Bahia26, embora tambm o Par tenha recebido ateno nada desprezvel27. Menos estudados, os casos de Maranho, Piau, Minas Gerais, So Paulo, Rio

    24. Holanda, op.cit.; Holanda (dir.) - Histria geral da civilizao brasileira t.II, v.2: disperso e unidade. So Paulo, Difel, 1964; Josu Montello (org.) - Histria da independncia do Brasil. Rio de Janeiro, Casa do Livro, 1972, 4 v.; Anais do Congresso de Histria da Independncia do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1975.

    25. Socorro Ferraz - Liberais e liberais: guerras civis em Pernambuco no sculo XIX. Recife, UFPE, 1996; Marcus J. M. Carvalho, Cavalcantis e cavalgados: a formao das alianas polticas em Pernambuco, 1817-1824, Revista Brasileira de Histria v.18, n.36, 1998, pp.331-365; Denis de Mendona Bernardes, Pernambuco e o Imprio (1822-1824): sem Constituio soberana no h unio, Istvn Jancs (org.) - Brasil: formao do Estado e da nao. So Paulo, Hucitec/Fapesp/Editora Uniju, 2003, pp.219-249; Mrcia Berbel, Ptria e patriotas em Pernambuco (1817-1822): nao, identidade e vocabulario poltico, Idem, idem, pp.345-363; Evaldo Cabral de Mello - A outra Independncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. So Paulo, Editora 34, 2004; Luiz Geraldo Silva, Pernambucanos, sois Portugueses!: natureza e modelos polticos das revolues de 1817 e 1824, Almanack Braziliense n.01, maio de 2005; Jacqueline Hermann, Um paraso parte: o movimento sebastianista do Rodeador e a conjuntura poltica pernambucana s vsperas da Independncia (1818-1820), M.F. Bicalho & V. Ferlini (org.) - Modos de governar: idias e prticas polticas no Imprio portugus, sculos XVI a XIX. So Paulo, Alameda, 2005, pp. 429-445; D. Bernardes, Pernambuco e sua rea de inuncia: um territrio em transformao (1780-1824), Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp.379-409; Idem, O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. So Paulo, Hucitec/Fapesp/Ed.UFPE, 2006; Luiz Geraldo Silva, O avesso da independncia: Pernambuco (1817-24), J. Malerba (org.) - A Independncia brasileira: novas dimenses. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006, pp.343-384.

    26. Ubiratan Arajo - A guerra da Bahia. Salvador, Deao/UFBA, 2001; Thomas Wisiak - A nao partida ao meio: tendncias polticas na Bahia na crise do Imprio luso-brasileiro. So Paulo, FFLCH-USP (dissertao de mestrado), 2001; Hendrik Kraay - Race, State and Armed Forces in Independence-Era: Bahia, 1790- 1840. Stanford, Stanford University Press, 2001; Argemiro Ribeiro de Souza F. - A guerra de independncia na Bahia: manifestaes polticas e violncia na formao do Estado nacional (Rio de Contas e Caetit). Salvador, Faculdade de Filosoa e Cincias Humanas/UFBA (dissertao de mestrado), 2003; T. Wisiak, Itinerrio da Bahia na Independncia do Brasil, Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp.447-474; Richard Graham 2005. Ao mesmo tempo sitiantes e sitiados: a luta pela subsistncia em Salvador (1822-1823), Idem, idem, pp.411-445. 27. Geraldo Mrtires Coelho - Anarquistas, demagogos e dissidentes: a imprensa liberal no Par de 1822. Belm, CEJUP, 1993; Jos Alves Souza Jr - Constituio ou revoluo: os projetos polticos para a emancipao do Gro-Par e a atuao poltica de Filipe Patroni (1820-1823). Campinas, Unicamp (dissertao de mestrado), 1997; Andr Roberto de A. Machado. As esquadras imaginrias. No extremo norte, episdios do longo processo de Independncia do Brasil. Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp.303-343; Idem - A quebra da mola real das sociedades: a crise poltica do Antigo Regime portugus na provncia do Gro-Par (1821-1825). So Paulo, FFLCH-USP (tese de doutorado), 2006.

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    Grande do Sul e Provncia Cisplatina vm dando mostras de seguir na mesma direo28. Todas estas investigaes tm contribudo para a definitiva superao de uma concepo restrita e provinciana da Independncia outrora focada quase que exclusivamente nas provncias do centro-sul luso-americano (Rio de Janeiro, So Paulo e Minas Gerais).

    Se a insero de outras provncias nesse cenrio leva o olhar sobre a Independncia do Brasil para espaos nem sempre usuais, Portugal segue merecendo ateno, agora central, inescapvel. A historiografia portuguesa continua a prestigiar fortemente a histria do movimento constitucional de 1820, tratado em uma profuso de enfoques, perspectivas e delimitaes29, enquanto que a brasileira, com algumas poucas excees, s recentemente comeou a oferecer-lhe tratamentos especficos30. Em todos os casos, h que se destacar e louvar o fato de que, definitivamente, a histria dos territrios portugueses da Amrica e da Europa considerada em sua devida unidade.

    Cada vez mais ampla em seus limites espaciais, a Independncia do Brasil continua a merecer estudos sobre sua insero na conjuntura internacional. Tema desde sempre recorrente, agora sua dimenso global tem levado os estudiosos a reverem questes como o impacto, no Brasil, de influncias revolucionrias advindas de outros movimentos coevos, a posio da Amrica diante das reconfiguraes da economia e dos poderes polticos mundiais, e as relaes entre Brasil e a Amrica hispnica. Estudos que adotam formalmente perspectivas comparativas, nos quais a Independncia do Brasil continua a causar estranheza e incmodo em funo de suas particularidades em relao ao contexto internacional, aos poucos vo cedendo espao a posturas que considero mais complexas e enriquecedoras, onde a apreciao das particulares de cada movimento podem ser tomadas como resultado de relaes diretas entre os mesmos,

    28. Mattias Rhrig Assuno, Miguel Bruce e os horrores da anarquia no Maranho, 1822-1827, Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp. 345-378; Claudete Miranda Dias - O outro lado da histria: o processo de independncia no Brasil, visto pelas lutas no Piau (1789-1850). Rio de Janeiro, IFCS-UFRJ, 1999; Wlamir Silva, Autonomismo, contratualismo e projeto pedrino: Minas Gerais na Independncia, Revista de Histria Regional v.10, n. 01, UEPG, 2005; Ana Rosa C. da Silva, Identidades polticas e a emergncia do novo Estado nacional: o caso mineiro, Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp.515-555; Idem, De comunidades a nao: regionalizao do poder, localismos e construes identitrias em Minas Gerais (1821-1831), Almanack Braziliense n.2, novembro de 2005; Vanessa Delatorre - So Paulo poca da Independncia: contribuio para o estudo do chamado movimento bernardista (1821-1823). So Paulo, FFLCH-USP (mestrado), 2003; Ceclia Helena Oliveira, So Paulo e a Independncia: liames entre histria e memria, Ana Maria Camargo (coord.) So Paulo: uma longa histria. So Paulo, Centro de Integrao Empresa-Escola, 2004, pp.39-58; Miriam Dolhnikoff, So Paulo na Independncia, Jancs (org.). Independncia, cit, pp.557-575; Helga Iracema L. Piccolo, O processo de independncia numa regio fronteiria: o Rio Grande de So Pedro entre duas formaes histrias, Idem, idem, pp.577-613; Joo Paulo G. Pimenta, O Brasil e a experincia cisplatina (1817-1828), Idem, idem, pp.755-789; Julio Snchez, La independencia de la Repblica Oriental del Uruguay: los realistas em la Banda Oriental, Ivana Frasquet (coord.) - Bastillas, cetros y blasones: la independencia en Iberoamrica. Madrid, Mapfre, 2006, pp.57-92. 29. Uma boa amostra encontra-se nas coletneas: Miriam Halpern Pereira & outros (orgs.) O liberalismo na pennsula ibrica na primeira metade do sculo XIX. Lisboa, S da Costa, 1982, 2 volumes; e Fernando Marques da Costa/Francisco Contente Domingues/Nuno Gonalo Monteiro (orgs) Do Antigo regime ao liberalismo (1750-1850). Lisboa, Vega, s.d. Tambm Fernando Tomasz, Brasileiros nas Cortes constituintes de 1821-1822, C.G.Mota (org.) 1822: dimenses, cit., pp.74-101; Maria de Ftima Nunes O liberalismo portugus: iderio e cincias. Lisboa,, Inic, 1988; Isabel Nobre Vargues A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823). Coimbra, Minerva, 1997. 30. Por exemplo: Mrcia Berbel - A nao como artefato: deputados do Brasil nas Cortes portuguesas 1821-1822. So Paulo, Hucitec/Fapesp, 1999.

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    seja no plano econmico circulao de homens e mercadorias - , no das idias polticas ou, claro, no das relaes diplomticas31.

    Componente fundamental no reposicionamento dos termos de radicalidade da Independncia a tendncia fortemente inovadora de perscrutar a participao de diferentes estratos sociais no movimento, portanto na contramo de sua tradicional e ainda viva considerao como produto exclusivo de interesses de classe setorizados, como se desde sempre sua gestao contivesse os elementos que resultariam na configurao de uma nova ordem conservadora, isto , sem implicar profundas alteraes nas estruturas definidas a partir do componente escravista da sociedade colonial luso-americana. Seus sopros mais fortes tm origem em anlises diretas, que buscam a atuao poltica de estratos sociais subalternos, observados em meio a um ambiente de luta poltica onde diferentes projetos interagiam ou entravam em conflito; nos ltimos anos, porm, em funo da vitalidade da historiografia a respeito da escravido e do escravismo no Brasil, h uma grande diversificao, com muitos deles se concentrado no apenas na atuao poltica de escravos e libertos, mas tambm no problema de sua representao na nova ordem, nas ideologias escravista e anti-escravista e outras questes correlatas32, enquanto que os estudos que incluem a participao de populaes

    31. Ron L Seckinger - The Brazilian Monarchy and the South American Republics 1822-1831: Diplomacy and State Building. Baton Rouge & London, Louisiana State University Press, 1984; Istvn Jansc, A construo dos Estados nacionais na Amrica Latina: apontamentos para o estudo do Imprio como projeto, T. Szmrecsnyi & J. R. do A. Lapa (orgs.) - Histria econmica da independncia e do imprio. So Paulo, Hucitec, pp.3-26; Braz A. Brancato - D. Pedro I de Brasil, posible rey de Espaa (una conspiracin liberal). Porto Alegre, Ed.PUCRS, 1999; Kenneth Maxwell, Por que o Brasil foi diferente? O contexto da independncia. C. G. Mota (org.). Viagem incompleta: a experincia brasileira. Formao: histrias. So Paulo, Senac, 2000, pp.177-195; Lus Cludio V. G. Santos - A inveno do Brasil: o Imprio e o interamericanismo. Braslia, UnB, 2002; Idem, O Imprio e as repblicas do Pacco: as relaes do Brasil com Chile, Bolvia, Peru, Equador e Colmbia. Curitiba, Ed.UFPR, 2002; Guillermo Palacios Intimidades, conitos e reconciliaes. Mxico e Brasil, 1822-1993. So Paulo, Edusp, 2008; Joo Paulo G. Pimenta Brasil y las independencias de Hispanoamrica. Castell de la Plana, Publicacions de la Universitat Jaume I, 2007; K. Schultz, A era das revolues e a transferncia da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro (1790-1821), J. Malerba (org.) - A Independncia brasileira: novas dimenses. Rio de Janeiro, Editora FGV, pp.125-151. Cabe ainda destacar trs historiadores portugueses cujas obras caminharam nessa direo: Ana Cristina B. de Arajo, O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, 1815/1822, Revista de Histria das Idias, n.14, Coimbra; Valentim Alexandre Os sentidos do imprio: questo nacional e questo colonial na crise do Antigo Regime portugus. Porto, Afrontamento, 1993; e Maria Cndida Proena A independncia do Brasil. Lisboa, Colibri, 1999. 32. Joo Jos Reis & Eduardo Silva, O jogo duro do Dois de Julho: o Partido Negro na Independncia da Bahia. Negociao e conito: a resistncia negra no Brasil escravista. So Paulo, Companhia das Letras, 1989, pp.79-98; Mattias Rhrig Assuno, Ladhesin populaire aux projets rvolutionnaires dans les socits esclavagistes: le cas du Venezuela et du Brasil (1780-1840). Cahiers du Monde Hispanique et Luso-Brsilienne, 1990, v.54.; Gladys Sabina Ribeiro, Ps-de-chumbo e Garrafeiros: conitos e tenses nas ruas do Rio de Janeiro no primeiro reinado. Revista Brasileira de Histria v.12, ns.23-24, 1990-1991, pp.141-165; Idem A liberdade em construo: identidade nacional e conitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro, Relume-Dumar, 2002; Ubiratan Castro de Arajo, A poltica dos homens de cor no tempo da independencia. Carlos V. Domnguez (et.all) - Animai-vos, Povo Bahiense: a conspirao dos Alfaiates. Salvador, Omar G. Editora, 1999, p.100-113; Luiz Geraldo Silva, Negros patriotas. Raa e identidade social na formao do Estado nao (Pernambuco, 1770-1830), Jancs (org.) - Brasil: formao do Estado e da nao, cit., pp.497-520; Hendrik Kraay, Identidade racial na poltica, Bahia 1790-1840: o caso dos henriques, Idem, idem, pp.521-546; Rafael de Bivar Marquese, Governo dos escravos e ordem nacional: Brasil e Estados Unidos, 1820-1860, Idem, idem pp.251-265; Srgio A. Diniz Guerra Fo. - O povo e a guerra: participao das camadas populares na luta pela Independencia do Brasil na Bahia. Salvador, UFBA (mestrado), 2004; Luiz G. Silva, Aspiraes barrocas e radicalismo ilustrado. Raa e nao em Pernambuco no tempo da Independncia (1817-1823), Jancs (org.) Independncia, cit., pp.915-934; Marcus Carvalho, Os negros armados pelos brancos e suas independncias no Nordeste (1817-1848), Idem, idem, pp.881-914; Rafael Marquese, Escravismo e independncia: a ideologia da escravido no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos nas dcadas de 1810 e 1820, Idem, idem, pp.809-827; Mrcia Berbel & Rafael Marquese, La esclavitud en las experiencias constitucionales ibricas, 1810-1824, Ivana Frasquet (coord.) - Bastillas, cetros y blasones: la independencia en Iberoamrica. Madrid, Mapfre, 2006, pp.347-374.

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    indgenas33 e mulheres34 apenas comeam a receber os primeiros tratamentos especializados. As rupturas e continuidades do processo de Independncia do Brasil em relao conjuntura colonial da segunda metade do sculo XVIII, onde Portugal se encontrava em meio a crescentes dificuldades, continuam a interessar os estudiosos. Em forte medida tributria da importante obra de Novais, a concepo de que a abertura do processo de Independncia hoje em dia cada vez mais delimitado, em seu marco inicial, pela transferncia da Corte de Lisboa em 1807 representa um desdobramento da crise sistmica atravessada pelo Imprio Portugus bastante aceita, embora de maneiras cada vez mais cuidadosas, matizadas e complexas, e que no necessariamente reafirmam todos os pontos de seu modelo. Nesse sentido, os estudos acerca das polticas e idias reformistas, dos movimentos de contestao ocorridos no espao colonial a partir do ltimo quartel do sculo XVIII, bem como do crescimento progressivo dos espaos pblicos de discusso poltica, vm oferecendo contribuies para se pensar a Independncia numa perspectiva de longa durao35. Crticas variadas relao entre os problemas estruturais apresentados pelo Imprio no sculo XVIII, os movimentos de contestao e a crise que levar, no XIX, ruptura com o Brasil tm se mostrado importantes na reviso de assertivas muitas vezes dominantes na historiografia36, mas ao avanarem relativamente pouco na compreenso

    33. Carlos de Arajo Moreira Neto - ndios da Amaznia: de maioria minoria. Petrpolis, Vozes, 1988; Marcus J. M. de Carvalho, Os ndios de Pernambuco no ciclo das insurreies liberais, 1817-1848: ideologias e resistencias. Revista da SBPH n.11, 1996; Maria Hilda B. Paraso - O tempo da dor e do trabalho: a conquista dos territrios indgenas nos sertes do leste. So Paulo, FFLCH-USP, 1998, 5 v. (doutorado); Andr Roberto Machado - A quebra da mola real das sociedades, op.cit.; Fernanda Sposito - Nem cidados, nem brasileiros: indgenas na formao do Estado nacional brasileiro e conitos na provncia de So Paulo (1822-1845). So Paulo, FFLCH-USP (mestrado), 2006. 34. Sara Marques Pereira - D. Carlota Joaquina e os espelhos de Clio: actuao poltica e guraes historiogrcas. Lisboa, Horizonte, 1999; Mara Lgia C. Prado, A participao das mulheres nas lutas pela independncia poltica da Amrica Latina. Amrica Latina no sculo XIX: tramas, telas e textos. So Paulo, Edusp, 1999; Francisca L. Nogueira de Azevedo - Carlota Joaquina na Corte do Brasil. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2003; Andra Slemian, O paradigma do dever em tempos de revoluo: D. Leopoldina e o sacrifcio de car na Amrica. D. Leopoldina: cartas de uma imperatriz. So Paulo, Estao Liberdade, 2006, pp.83-113; Maria de Lourdes Lyra, A atuao da mulher na cena pblica: diversidade de atores e de manifestaes polticas no Brasil imperial. Almanack Braziliense n.3, maio de 2006.

    35. Afonso C. Marques dos Santos - No rascunho da nao: incondncia no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1992; Maria de Lourdes Lyra - A utopia do poderoso imprio - Portugal e Brasil: bastidores da poltica 1798-1822. Rio de Janeiro, Sette Letras, 1994; Istvn Jancs - Na Bahia, contra o Imprio: histria do ensaio de sedio de 1789. So Paulo, Hucitec/ EdUFBA, 1996; Idem, A seduo da liberdade: cotidiano e contestao poltica no nal do sculo XVIII, Novais (dir.). Histria da vida privada no Brasil v.I: cotidiano e vida privada na Amrica portuguesa (org. de Laura de Mello e Souza). So Paulo, Companhia das Letras, 1997, pp.388-437; Luiz Carlos Villata, O que se fala e o que se l: lngua, instruo e leitura, Idem, idem, pp.331-385; Marco Morel, Tenses entre revoluo e escravismo: o caso de Cipriano Barata em 1798. Ubiratan Arajo (et.all.). II Centenrio da sedio de 1798 na Bahia. Salvador, Academia de Letras da Bahia, 1999, pp.77-95; I. Jancs & J. P. Pimenta, Peas de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergncia da identidade nacional brasileira). C. G. Mota. (org.) - Viagem incompleta: a experincia brasileira. Formao: histrias. So Paulo, Senac, 2000, pp.127-175; Luiz Villalta - 1789-1808: o imprio luso-brasileiro e os brasis. So Paulo, Companhia das Letras, 2000; Ana Cristina Arajo, Um imprio, um reino e uma monarquia na Amrica: as vsperas da Independncia do Brasil. Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp.235-270; e Ana Rosa Silva - Inventando a nao: intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime portugus (1750-1822). So Paulo, Hucitec/Fapesp, 2006. 36. Alexandre Os sentidos do imprio, op.cit.; Guilherme Pereira das Neves, Del Imprio lusobrasileo al Imprio del Brasil (1789-1822). A. Annino & F. Guerra (coord.) - Inventando la nacin. Iberoamrica, siglo XIX. Mxico, FCE, 2003, pp.221-252; Joo Pinto Furtado, Das mltiplas utilidades das revoltas: movimentos sediciosos do ltimo quartel do sculo XVIII e sua apropriao no processo de construo da nao. J Malerba (org.) - A Independncia brasileira, op.cit, pp.99-121; Jorge Pedreira, Economia e poltica na explicao da independncia do Brasil, Idem, idem, pp.55-97.

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    da Independncia, parecem referendar justamente a necessidade de se tom-la em perspectiva sistmica. De outra parte, as proposies de uma importante obra, que chama a ateno para condicionantes ainda mais ancestrais do processo de formao do Estado nacional brasileiro ligados ao trfico negreiro e montagem de uma sociedade escravista colonial37, ainda precisam ser devidamente avaliadas luz dos avanos recentes na histria do sculo XIX.

    Nos ltimos vinte anos, a importncia dos espaos pblicos de discusso poltica no Brasil a partir de 1808 tem sido amplamente reconhecida, considerando justamente o impacto, na Amrica, do movimento liberal portugus, inclusive pelos decretos de liberdade de imprensa, responsveis pelo adensamento e ampliao das discusses e de seus contedos, bem como pelo esboo daquilo que autores tm, com muita propriedade, chamado de surgimento dos primeiros contornos de uma esfera pblica de tipo moderna38. Diversas dimenses tm merecido ateno, incluindo trajetrias individuais, a imprensa e a maonaria, dando conta tambm do perodo imediatamente anterior a 1820, especialmente interessante para se analisar as persistncias de uma cultura poltica de tipo Antigo Regime e do pensamento da Ilustrao no momento de apogeu da crise poltica portuguesa, quando, efetivamente, a integridade da Monarquia e de seus domnios americanos j se via ameaada39. Outros estudos tm se preocupado com as dimenses simblicas da presena da Corte portuguesa na Amrica, em movimentos de fortes implicaes para a construo do Imprio do Brasil sob a gide de uma monarquia que carregava consigo as marcas de sua ancestralidade portuguesa, bem como com a construo coeva de uma memria que, conforme vimos em historiadores como Varnhagen, embora legitimadora da

    37. Alencastro - Le commerce des vivants, op.cit., 1996. 38. Marco Morel, La gnesis de la opinin pblica moderna y el proceso de independencia (Ro de Janeiro, 1820-1840). F. Guerra & A. Lemperire (et.al.) - Los espacios pblicos en Iberoamerica: ambiguedades y problemas. Siglos XVIII-XIX. Mxico D.F., F.C.E., 1998, pp.300-320.

    39. Isabel Lustosa - Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independncia, 1821-1823. So Paulo, Companhia das Letras, 2000; Renato Lopes Leite - Republicanos e libertrios: pensadores radicais no Rio de Janeiro (1822). Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2000; Idem, Sociabilidades entre luzes e sombras: apontamentos para o estudo histrico das maonarias da primeira metade do sculo XIX. Estudos Histricos n.28. Rio de Janeiro, 2000; Kirsten Schultz - Tropical Versailles: Empire, Monarchy and the Portuguese Royal Court in Rio de Janeiro, 1808-1821. New York, Routledge, 2001; J. P. Pimenta - Estado e nao no m dos imprios ibricos no Prata (1808-1828). So Paulo, Hucitec/Fapesp, 2002; Marco Morel & Mariana Monteiro de Barros - Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do sculo XIX. Rio de Janeiro, DP&A, 2003; Lcia P. das Neves - Corcundas e constitucionais: a cultura poltica da Independncia. Rio de Janeiro, Revan/Faperj, 2003; Leila Algranti - Livros de devoo, atos de censura: ensaios de histria do livro e da leitura na Amrica portuguesa (1750-1821). So Paulo, Hucitec/Fapesp, 2004; Lcia Neves, Os panetos polticos e a cultura poltica da Independncia do Brasil. Jancs (org.). Independncia, op.cit., pp.637-675; M Morel - As transformaes dos espaos pblicos: imprensa, atores polticos e sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). So Paulo, Hucitec, 2005; Idem, Independncia no papel: a imprensa peridica. Jancs (org.) Independncia, op.cit., So Paulo, Hucitec/Fapesp, pp.617-636; Alexandre Mansur Barata, Sociabilidade manica e Independencia do Brasil (1820-1822), Idem, idem, pp.677-706; A. Barata - Maonaria, sociabilidade ilustrada e independncia do Brasil (1790-1822). Juiz de Fora/So Paulo, Editora UFJF/Annablume/Fapesp, 2006; A. Slemian - Vida poltica em tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). So Paulo, Hucitec, 2006; Juliana Meirelles - A Gazeta do Rio de Janeiro e o impacto na circulao de idias no Imprio luso-brasileiro (1808-1821). Campinas, IFCH-UNICAMP (mestrado).

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    nao brasileira, no hesitaria em reafirm-la, de muitos modos, como tambm europia40.

    Aos poucos, dos estudos de cultura poltica vo surgindo outros, dedicados compreenso do vocabulrio poltico e, em dimenso mais refinada, do desenvolvimento histrico de conceitos-chave para o mundo luso-americano da poca, cujas mutaes no apenas traduzem fenmenos sociais mais amplos, como tambm carregam consigo potencial de interveno da prpria realidade que os produziu41. Tal campo de estudos aguarda com forte expectativa os resultados finais do esforo coletivo de investigao levado adiante por acadmicos brasileiros e portugueses em articulao com correspondentes de outros pases europeus e americanos, cuja meta a elaborao de um mapa histrico-comparado de conceitos-chave do mundo iberoamericano entre 1750-185042. De todo modo, a histria dos conceitos, ainda incipiente no Brasil e em Portugal, certamente se mostrar ferramenta essencial na tarefa de continuar a re-escrita da histria da Independncia e do liberalismo, revelando aspectos pouco conhecidos e seguindo patamares de critrio e preciso cada vez maiores.

    Outro nicho historiogrfico pulsante e bastante promissor, e no qual as produes brasileira e a portuguesa vm estabelecendo profcuo dilogo, aquele ligado a estudos do constitucionalismo, cultura jurdica, administrao e instituies diversas, preferencialmente aqueles que procuram apreender, por meio de rupturas e continuidades, a dinmica de passagem, na Amrica, de um Estado portugus para um Estado brasileiro, sem desconsiderar a presena, nesse cenrio, de lutas polticas de diverso teor, da escravido e do escravismo e das questes

    40. Ceclia Helena Oliveira - O espetculo do Ipiranga: reexes preliminares sobre o imaginrio da Independncia. Anais do Museu Paulista v.3, janeiro/dezembro, 1995, pp.195-208; Iara Lis Carvalho Souza - Ptria coroada: o Brasil como corpo poltico autnomo. So Paulo, EdUnesp, 1998; Jurandir Malerba - A Corte no exlio: civilizao e poder no Brasil s vsperas da Independncia (1808-1821). So Paulo, Companhia das Letras, 2000;.Emilio Carlos Rodriguez Lopez - Festas pblicas, memria e representao: um estudo sobre manifestaes polticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. So Paulo, Humanitas, 2004; Ceclia Oliveira, Poltica e memria histrica: Gonalves Ledo e a questo da independncia. Bresciani/Samara/Lewkowicz (orgs.) - Jogos da poltica: imagens, representaes e prticas. So Paulo, Marco Zero/Fapesp, s.d., pp.153-169. Merece destaque um importante trabalho de uma historiadora portuguesa: ngela Miranda, Ritual: princpio, meio e m. Do sentido das cerimnias de entronizao brasileiras, Jancs (org.) Brasil, op.cit., pp.549-602. 41. Pimenta Estado e nao, op.cit.; Idem, A poltica hispano-americana e o imprio portugus (1810-1817): vocabulrio poltico e conjuntura. Jancs (org.) Brasil, op.cit., pp.123-139; Valdei Arajo A experincia do tempo. Conceitos e narrativas na formao nacional brasileira (1813-1845). So Paulo, Hucitec, 2008; Lcia P. das Neves - Corcundas e constitucionais, op.cit.; M; Morel, Independncia no papel: a imprensa peridica, op.cit.; M. Berbel, A retrica da recolonizao. Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp.791-808; Silvia Carla de Brito Fonseca A idia de repblica no Imprio do Brasil: Rio de Janeiro e Pernambuco (1824-1834). Rio de Janeiro, UFRJ, 2004 (tese de doutorado).

    42. Trata-se do Grupo Iberconceptos Historia comparada de los conceptos polticos y sociales iberoamericanos, coordenado por Javier Fernndez Sebastin.

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    ligadas cidadania e nao43. Nesse ponto, relevante constatar um distanciamento de tal produo com enfoques durante bastante tempo predominantes na historiografia brasileira, nos quais administrao e poltica s eram sinnimas em uma concepo puramente formalista, estanque e burocratizante.

    Tradicionalmente de pouco apreo dos historiadores dedicados ao estudo da Independncia do Brasil, a histria de acento mais econmico tambm tm oferecido contribuies valiosas e essenciais para a compreenso do processo, focada em idias, instituies ou capacidade de arrecadao e investimento da parte do nascente Estado, sem os quais evidentemente a nova ordem nacional no poderia se constituir44. As imbricaes entre negcios e poltica, destacadas em pioneiro artigo de Maria Odila Dias no comeo dos anos setenta (Dias 1972), desde ento tm rendido bons frutos historiogrficos45, contribuindo substantivamente para a construo de um consenso em torno da impossibilidade de apreenso da Independncia em marcos territoriais limitados.

    Desde o sculo XIX, personagens de destaque no contexto da Independncia vm recebendo tratamentos biogrficos de diversas qualidades. Nas ltimas dcadas, porm, tm crescido aqueles que efetivamente conseguem extrapolar o plano individual dos mesmos,

    43. Ilmar R. de Mattos - O tempo saquarema: a formao do Estado imperial. So Paulo, Hucitec, 1987; Alexandre Os sentidos do imprio, op.cit.; Wilma Costa, A economia mercantil escravista nacional..., op.cit.; M. Berbel - A nao como artefato, op.cit.; Miriam Dolhnikoff - Construindo o Brasil: unidade nacional e pacto federativo no projeto das elites (1820-1842). So Paulo, FFLCH-USP (doutorado), 2000; Jos Murilo de Carvalho - Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2001; Jos Reinaldo de Lima Lopes, Iluminismo e jusnaturalismo no iderio dos juristas da primeira metade do sculo XIX, Jancs (org.). Brasil, op.cit., pp.195-218; Wilma Costa, Do domnio nao: os impasses da scalidade no processo de Independncia, Idem, idem, pp. 143-193; Maria de Ftima Gouva, As bases institucionais da construo da unidade. Dos poderes do Rio de Janeiro joanino: administrao e governabilidade no Imprio luso-brasileiro, Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp 707-752; Andra Slemian, Seriam todos cidados?: os impasses na construo da cidadania nos primrdios do constitucionalismo no Brasil. Idem, idem, pp.829-847; K. Schultz, La independencia de Brasil, la ciudadana y el problema de la esclavitud: a Assemblia Constituinte de 1823. J. Rodrguez (coord.) - Revolucin, independencia y las nuevas naciones de Amrica. Madrid, Mapfre/Tavera, 2005, pp.425-449; A. Slemian - Sob o imprio das leis: Constituio e unidade nacional na formao do Brasil (1822-1834). So Paulo, FFLCH-USP (doutorado), 2006; Berbel & Marquese, Op.cit. Na historiograa portuguesa, merece destaque o trabalho de Jorge Miranda O constitucionalismo liberal luso-brasileiro. Lisboa, Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, 2001.

    44. Wilma Costa, A economia mercantil escravista nacional ..., op.cit.; Antonio Penalves Rocha, Economia poltica e poltica no perodo joanino. T. Szmrecsnyi, T. & J. R. Lapa (orgs.), Op.cit., pp.27-43; Jos Evaldo de Mello Doin, Balco de negcios: a operao nanceira da independncia. Martins/Motta/Iokoi (orgs.). Histria e cidadania: XIX Simpsio Nacional de Histria-ANPUH. So Paulo, Humanitas, 1998, v.II, pp.553-563; Adalton Francioso Diniz - Centralizao poltica e apropriao de riqueza: anlise das nanas do Imprio brasileiro (1821-1889). So Paulo, FFLCH-USP (doutorado), 2002; Wilma Costa, Do domnio nao: os impasses da scalidade no processo de Independncia. Jancs (org.) Brasil, op.cit., pp. 143-193; Tho Lobarinhas Pieiro, Negociantes, independncia e o primeiro Banco do Brasil: uma trajetria de poder e de grandes negcios. Tempo v.8, n.15, Niteroi, UFF, 2003. 45. Alcir Lenharo - Tropas da moderao: o abastecimento da Corte na formao poltica do Brasil (1808-1842). So Paulo, Smbolo, 1979; Lenira Menezes Martinho & Riva Gorenstein - Negociantes e caixeiros na sociedade da Independncia. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1992; Joo Lus R. Fragoso - Homens de grossa aventura: acumulao e hierarquia na praa mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1992; Ceclia Oliveira - A astcia liberal: relaes de mercado e projetos polticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragana Paulista, Edusf/cone, 1999; Mrcia Eckert Miranda - A Estalagem e o Imprio: crise do Antigo Regime, scalidade e fronteira na Provncia de So Pedro (1808-1831). Campinas, IE-UNICAMP (doutorado), 2006.

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    revelando-nos personagens sociais mais ou menos tpicos, atuantes e pensantes segundo padres histricos da poca em que viveram. Graas profcua conjugao de esforos anteriores e mais recentes, hoje consideravelmente bem figuras to variadas e igualmente importantes como D. Joo46, D. Pedro I47, Jos Bonifcio de Andrada e Silva48, Diogo Antnio Feij49, CarlotaJoaquina50, Leopoldina51, Thomas Cochrane52, Joaquim Gonalves Ledo53, Cipriano Barata54, Frei Caneca55, Hiplito Jos da Costa56, D. Rodrigo de Sousa Coutinho57 e Jos da Silva Lisboa58.

    Em sntese: o processo de Independncia tema de grande importncia na historiografia atual sobre o Brasil, concentrando atenes de estudiosos voltados a uma grande diversidade de

    46. Oliveira Lima D. Joo VI no Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro, Topbooks 1996; Jorge Pedreira & Fernando Dores Costa D. Joo VI. So Paulo, Companhia das Letras, 2008.

    47. Octavio Tarqunio de Sousa Histria dos fundadores do Imprio do Brasil. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1960, v.2-4; Neill Macaulay - Dom Pedro: the Struggle for Liberty in Brazil and Portugal, 1798-1834. Durham, Dike University Press, 1986; I. Lustosa - D. Pedro I: um heri sem nenhum carter. So Paulo, Companhia das Letras, 2006.

    48. Tarqunio de Sousa Op.cit., v.1; M. Dolhnikoff - Jos Bonifcio de Andrada e Silva: projetos para o Brasil. So Paulo, Companhia das Letras 1998; Estilaque F. dos Santos - A monarquia no Brasil: o pensamento poltico da independncia. Vitria, Edufes/Ceges, 1999; Ana Rosa da Silva - Construo da nao e escravido no pensamento de Jos Bonifcio, 1783-1823. Campinas, Ed.Unicamp, 1999; Berenice Cavalcante - Jos Bonifcio: razo e sensibilidade, uma histria em trs tempos. Rio de Janeiro, FGV, 2002; Valdei Arajo Op.cit.

    49. Tarqunio de Sousa Op.cit., v.VII; Magda Ricci - Assombraes de um padre regente: Diogo Antonio Feij (1784-1843). Campinas, EdUnicamp, 2001; Dolhnikoff - Diogo Antnio Feij, padre regente. So Paulo, Imprensa Ocial, 2006.

    50. Julin Mara Rubio La infanta Carlota Joaquina y la poltica de Espana em Amrica (1808-1812). Madrid, Imprenta de Estanislao Maestre, 1920; Sara Pereira Op.cit. Francisca Azevedo Op.cit.

    51. Maria de Lourdes Lyra, Relaes diplomticas e interesses polticos no casamento de D. Leopoldina. G. Schubert (coord.) - Simpsio comemorativo do nascimento da imperatriz D. Leopoldina. Rio de Janeiro, IHGB, 1997; Slemian, O paradigma do dever em tempos de revoluo: D. Leopoldina e o sacrifcio de car na Amrica. D. Leopoldina: cartas de uma imperatriz. So Paulo, Estao Liberdade, pp.83-113. 52. Brian Vale - The Audacious Admiral Cochrane: the True Life of a Naval Legend. London, Conway Maritime Press, 2004.

    53. Oliveira A astcia liberal, op.cit.

    54. Antonio Carlos Amador Gil - Projetos de Estado no alvorecer do Imprio. Sentinela da Liberdade e Typhis Pernambucano: a formulao de um projeto de construo de Estado. Rio de Janeiro, IFCS-UFRJ (mestrado), 1991; Paulo Garcia - Cipriano Barata ou a liberdade acima de tudo. Rio de Janeiro, Topbooks, 1997; Morel - Cipriano Barata na sentinela da liberdade. Salvador, Academia de Letras da Bahia/Assemblia Legislativa do Estado da Bahia, 2001.

    55. Lyra, Ptria do cidado: a concepo de ptria/nao em Frei Caneca. Revista Brasileira de Histria v.18, n.36, 1998, pp.395-420; Gil -Op.cit.; Morel - Frei Caneca: entre Marlia e a ptria. Rio de Janeiro, FGV, 2000; Evaldo Cabral de Mello - Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. So Paulo, Editora 34, 2001.

    56. Carlos Rizzini Hiplito da Costa e o Correio Braziliense. So Paulo, Nacional, 1957; Mecenas Dourado Hiplito da Costa e o Correio Brasiliense. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exrcito, 1957; Estilaque Santos - Op.cit..vrios estudos em: Correio Braziliense v.XXX, 2002.

    57. Estilaque Santos - Op.cit.; Nvia Pombo Cirne dos Santos - Dom Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamento e ao poltico-administrativa no Imprio Portugus (1788-1812). Niteri, UFF (mestrado), 2002; Andre Mansuy-Diniz Silva - Portrait dun homme dtat: D. Rodrigo de Souza Coutinho, Comte. de Linhares (v.I: les anes de formation, 1755-1796). Lisboa/Paris, Fundao Calouste Gulbenkian, 2003.

    58. Antonio Rocha Op.cit.; Idem (org.) - Visconde de Cairu. So Paulo, Editora 34, 2001.

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    questes e de enfoques especficos. No obstante, as lacunas ainda so notveis, havendo muito que fazer para tornar o conhecimento do tema condizente com sua reconhecida importncia. E a despeito de avanos recentes, o preenchimento de tais lacunas necessita de uma integrao ainda maior entre as historiografias brasileira e portuguesa, entre a Independncia e o liberalismo.

    Questes em aberto

    Embora cada vez mais esquadrinhada em seus desdobramentos locais, provinciais e regionais, e a despeito de muitas boas obras recentes, a Independncia do Brasil nos ainda praticamente desconhecida em muitas partes, como Rio Grande do Norte, Cear, Piau, Maranho, Rio Negro, Mato Grosso, Gois, Esprito Santo, Santa Catarina e Provncia Cisplatina, para no mencionarmos seus impactos nos territrios africanos, dos quais quase nada sabemos. Tampouco conhecemos, com rarssimas excees, as lutas polticas em regies interioranas, isto , naquelas onde o distanciamento fsico com o litoral e os principais centros urbanos certamente implicou dinmicas muito especficas e particulares de configurao da vida poltica em todos os seus setores, desdobrando-se inclusive no tocante questo da implementao, em cada parte, de um novo aparato estatal e de uma nova ordem poltica e social ps-Independncia. Isso nos coloca diante do desafio, conforme bem destacado por um estudioso da matria59, de darmos a devida considerao variedade de ritmos de sedimentao da vida social inerente prpria colonizao portuguesa (e europia) da Amrica, de srias conseqncias para o processo de liquidao das estruturas coloniais.

    Tambm os estudos sobre a amplitude social dos envolvidos de diversas maneiras - no processo de Independncia ainda oferecem vasta matria a ser desenvolvida, sobretudo se considerarmos a consistncia e variedade da historiografia recente sobre a cultura poltica na Amrica portuguesa embora ainda muito concentrada na Corte - de finais do sculo XVIII e primeiras dcadas do XIX. A partir do amplo reconhecimento de que cada vez mais gente de diferente condio social atuava politicamente no cenrio da Independncia, h que se aprofundar a discusso por meio de estudos baseados na diferena de fundo entre os contedos das hierarquias sociais em uma ordem estamental, como a do Antigo Regime na Amrica, e outra, de fundamentos liberais e burgueses, como a do Estado nacional brasileiro e, a partir da, ampliar o conhecimento de cada espao regional. H que se ampliar, concomitantemente, nosso conhecimento sobre instituies e processos educativos e sua importncia no processo de Independncia, sendo o pouco que se sabe concentrado no estudo dos nveis de formao superior.

    59. Jancs, Independncia, independncias. Independncia, op.cit., pp.17-48.

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    Tudo ou quase tudo resta a ser feito em termos de biografias e estudos de pensamento e trajetrias individuais tpicas de homens e mulheres de baixo, ou mesmo de negociantes, burocratas, publicistas e clrigos, o que certamente se descortina como um dos campos mais abertos, sedutores e promissores aos historiadores da Independncia. No entanto, muito resta a ser feito tambm em torno de gente de cima, personagens cruciais para o processo por conta de altas posies ocupadas na hierarquia social da poca e que at o momento foram muito pouco estudados. Isso vlido tambm para a grande ignorncia que cerca a literatura produzida no mundo luso-americano durante o processo de Independncia. Considerada esteticamente inferior em relao dos grandes rcades de fins do sculo XVIII, bem como dos primeiros expoentes do romantismo literrio brasileiro do sculo XIX, tal produo necessita ser devidamente considerada luz das profundas mudanas ocorridas no estatuto colonial luso-americano a partir de 1808, o que talvez possa inclusive elucidar o que alguns autores identificam como o advento de um verdadeiro mau gosto nas letras60.

    Muita coisa ainda precisa ser feita a partir da reconhecida importncia de, atualmente, considerarmos categorias como Estado e nao centrais na compreenso da Independncia, na medida em que esta se articula profundamente com o surgimento do Estado e da nao brasileiros, sendo responsvel pela criao de uma srie de determinaes fundamentais na configurao da nova ordem. Assim, embora a historiografia mundial sobre a chamada questo nacional, com raras excees61, pouco tenha voltado suas atenes para os espaos de colonizao europia durante a Idade Moderna e ao movimento de formao dos Estados nacionais ibero-americanos, determinadas categorias de ampla utilizao nessa historiografia (como nacionalismo, secesso, etnicidade, identidade), ainda pouco e/ou mal-utilizadas como ferramentas explicativas destes complexos processos, podem render bons frutos. Inclusive, porque hoje j podemos tratar, com segurana, os brasileiros dos sculos XVI, XVII, XVIII e comeos do XIX, simplesmente como portugueses62.

    A histria do pensamento jurdico e das instituies ainda precisa se desenvolver bastante, valendo-se da indissociabilidade recm-estabelecida e aparentemente duradoura entre histria administrativa, histria do direito e histria poltica. Isso nos permitir conhecer melhor aspectos centrais do processo de Independncia cuja relevncia, conforme vimos acima, vem sendo destacada por obras importantes: as foras armas, a fiscalidade, sistemas eleitorais, aspectos jurdicos, endividamento externo e interno, estruturas e poderes polticos estatais em diferentes esferas regionais. Tudo isso sem esquecer a necessidade de adotar

    60. Antonio Candido Formao da literatura brasileira (momentos decisivos). 4a.ed. So Paulo: Martins, s.d., cap.VI.

    61. Benedict Anderson - Imagined Communities: Reections on the Origin and Spread of Nationalism. London, Verso, 1983; Franois-Xavier Guerra, A nao moderna: nova legitimidade e velhas identidades. Jancs (org.) Brasil, op.cit., pp.33-60; Jos Carlos Chiaramonte, Metamorfoses do conceito de nao durante os sculos XVII e XVIII, Idem, idem, pp.61-91; Elias Palt - La nacin como problema: los historiadores y la cuestin nacional. Mxico, FCE, 2003. 62. Jancs & Pimenta, Peas de um moaico, op.cit.

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    periodizaes longas, que contemplem no apenas a ordem nacional tambm o mundo colonial, ao menos em suas ltimas dcadas, bem como as tradies intelectuais peninsulares, suas instituies e paradigmas polticos que tiveram enorme peso na Amrica portuguesa e no Brasil independente.

    Mesma recomendao vale para o estudo de vocabulrio poltico e conceitos, devendo incidir sobre palavras e categorias (imprio, repblica, Corte, revoluo, regenerao, reforma, ordem, anarquia, poltica, elite, etc.) ainda pouco conhecidas em sua historicidade ou pouco refinadas enquanto ferramentas tericas teis ao estudo da Independncia. Neste caso, as investigaes no devem se restringir s fronteiras das histrias nacionais, posto no haver relao necessria entre a configurao de tais conceitos e as fronteiras polticas e historiogrficas posteriormente estabelecidas como resultado de processos os de independncia do mundo ibrico - que no indicavam, com segurana, as feies de suas resolues. No Brasil, tais conceitos, portanto, devem no apenas ser estudados em sua formulao e difuso conjuntamente com Portugal, mas tambm com outros pases do mundo ocidental.

    Convm destacar que, se a insero do processo de Independncia do Brasil na conjuntura poltica ocidental vem sendo contemplada, inclusive em termos de suas configuraes em funo do impacto, no Brasil, de outros movimentos, praticamente nada se escreveu at o momento63 sobre o impacto ocidental da Independncia do Brasil, isto , de sua influncia em outros quadrantes da mesma conjuntura. Qual a importncia do processo luso-americano, por exemplo, na resoluo da crise poltica do mundo hispnico, na formao do Mxico, da Colmbia, do Peru, da Bolvia, das Provncias Unidas do Rio da Prata, entre outros? Qual a sua importncia na consolidao do Estado nacional estadunidense? Como contribuiu para a redefinio da poltica da Europa ps-napolenica? A despeito do crescente interesse pela Independncia do Brasil em crculos acadmicos preferencialmente voltados aos processos hispano-americanos, atestado pela incluso de captulos sobre o Brasil em coletneas64, e tambm de alguns louvveis esforos de incluso do processo luso-americano em interpretaes globais e abrangentes das independncias da Amrica65, ainda escasso o interesse e comprometimento de historiadores portugueses, do mundo hispnico e de pases europeus em estudar o tema.

    63. Algumas rarssimas excees: J. Godechot, op.cit.; Thomas Millington - Colombias Military and Brazils Monarchy: Undermining the Republican Foundations of South American Independence. Westport, Greenwood, 1996.

    64. Guerra & Lemprire - Op.cit.; Annino & Guerra Op.cit. ; lvarez & Snchez Op.cit.; Rodrguez Op.cit.; Maria Teresa Caldern & Clment Thibaud (coord.) - Las revoluciones en el mundo atlntico. Bogot, Taurus/Universidad Externado de Colombia, 2006; Frasquet Op.cit.

    65. Tulio Halperin Donghi - Reforma y disolucin de los imperios ibricos, 1750-1850. Madrid, Alianza, 1985; Jos Carlos Chiaramonte, La formacin de los Estados nacionales en Iberoamrica. Boletin del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani 3.serie, 1.semestre, 1997; pp.143-165; Juan Carlos Garavaglia, Os primrdios do processo de independncia hispano-americano. Jancs (org.) Independncia, op.cit., pp. 207-234; Anthony McFarlane, Independncias americanas na era das revolues: conexes, contextos, comparaes. Malerba (org.) Op.cit., pp.387-417.

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    Revista Digital de Historia Iberoamericana | Semestral | Ao 2008 | Vol. 1 | Nm.1

    Todas estas lacunas, porm, correspondem a perspectivas promissoras abertas pela retomada, nas ltimas dcadas, do interesse acadmico geral pela Independncia do Brasil, e resultam natural e positivamente dos avanos de uma produo ampla, densa e variada. Para finalizar, destaco brevemente trs pontos de carncia que indicam um estado negativo de coisas, e que necessitam do empenho dos historiadores para sua reverso.

    Primeiro ponto: so extremamente escassos os conjuntos documentais relativos Independncia em formato acessvel e de fcil utilizao da parte dos historiadores. A grande maioria das colees de manuscritos de interesse para o estudo do tema existentes em arquivos e bibliotecas brasileiras, de difcil consulta, muitas em estado de deteriorao, e as instituies onde esto guardados so pouco aprazveis aos pesquisadores (as portuguesas, em geral, encontram-se em estado superior de organizao). A situao se agrava ainda mais em se tratando de instituies cuja pesquisa estratgica para os propsitos de continuar ampliando o conhecimento da Independncia em termos locais, provinciais e regionais. Algumas j possuem bons servios de microfilmagem, mas poucas utilizam de modo eficiente a digitalizao, o que evidentemente tornaria a disponibilidade muito mais ampla e segura. Algumas colees e peridicos importantes foram publicadas em edies impressas, recentemente ou no66, mas a perspectiva de que a publicao de documentao nesse formato venha a se ampliar de modo a suprir a deficincia de acesso geral no nada promissora, sobretudo se considerarmos o alto custo desse tipo de edio, de sua distribuio e as dimenses relativamente modestas do mercado editorial brasileiro. Em termos de digitalizao, merece destaque a iniciativa que resultou na disponibilizao, na internet, da obra completa de Jos Bonifcio67.

    Segundo ponto: h que se submeter quase tudo o que foi publicado nas ltimas dcadas a respeito da Independncia do Brasil a crtica imparcial e sincera. Praticamente nada foi resenhado com rigor, o que alis condiz com uma notvel ausncia de tradio mais na historiografia brasileira do que na portuguesa, e em ambas muito mais do que na norte-americana de se publicar avaliaes abertas de trabalhos de colegas. Pesando menos na balana do produtivismo acadmico brasileiro do que artigos, captulos e livros que, muitas vezes nada trazem de relevante ou inovador para o conhecimento de uma determinada rea de estudos, a falta de resenhas isto , da crtica em geral - representa um srio empecilho para o avano historiogrfico de um grande tema como o da ruptura poltica entre Brasil e Portugal.

    66. Documentos para a Histria da Independncia. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1923; Arquivo Diplomtico da Independncia. Rio de Janeiro, 6 v., 1922-25; Tamoio. Rio de Janeiro, Zlio Valverde, 1944; Malagueta. Rio de Janeiro, Zlio Valverde, 1945; Jorge Caldeira (org.) - Diogo Antonio Feij. So Paulo, Editora 34, 1999; Evaldo Cabral de Mello - Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, op.cit.; Rocha Op.cit; Correio Braziliense, ou, Armazm Literrio. 2002. So Paulo, Imprensa Ocial, 31 v. (edio fac-similar); Revrbero Constitucional Fluminense. 2005. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 3 v; Iara Lis Schiavinatto (org.) - La independencia de Brasil: formas de recordar y olvidar. Madrid, Mapfre/Tavera 2005; D. Leopoldina, op.cit. Azevedo (org.) - Carlota Joaquina: cartas inditas. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2008. 67. Por iniciativa de Jorge Caldeira: www.obrabonifacio.com.br.

    A Independncia do Brasil e o liberalismo portugus: um balano da produo acadmicaJoo Paulo G. Pimenta

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    Terceiro ponto: em se tratando de um grande tema, os saberes acadmicos a seu respeito ainda se distanciam excessivamente dos saberes no-especializados. A incmoda percepo que tambm precisa ser melhor diagnosticada por estudos monogrficos de que, a despeito do tanto que as obras especializadas tm contribudo para um melhor conhecimento de uma dimenso central do processo de surgimento do Estado e da nao brasileiros e da reconfigurao estrutural do Imprio Portugus, a Independncia ainda costuma ser vista, pelo menos no Brasil, como um acontecimento de pouca importncia, sem implicar transformaes de monta, no merecedora portanto de maior ateno pelas pessoas em geral, reitera a tradicional idia de que a mudana histrica no possvel, de que a histria sempre conduzida segundo os interesses bem articulados de grupos dirigentes em defesa de seus interesses, em suma, de que o homem no agente ativo de sua prpria histria. Assim, possvel que se o empenho dos historiadores acadmicos em descortinar o passado transcender sua esfera mais imediata de interlocuo, temas como a Independncia do Brasil sirvam no para congelar um passado, mas sim para mobilizar atitudes em relao ao futuro.

    Bibliografa

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